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Anno II. Sabbado, 30 de Outubro, 1880. ——--—-————';;-r' N. 32. lEfISTâ MISIC11 uai mi ¦M' Editores : Narciso, arthur INapoleâo & Miguéz. A Revista Musicale publicada aos Sabbados e assigna-se na casa dos Srs. Nauoiso, Aiithuk Napolkao & Miquez, Rua do Ouvidor n. 89. Preços de assignatura .- Corte, um anno 10$, semestre 6$, trimestre 4$000. Províncias, um anno 12$, semestre 7$000. NUMERO AVULSO . . . SOO ra. Hevisía Musical. 0 KEAN " e o SR. BBAZÁO a terça-feira, 26 do corrente, foi á scena no theatro de S. Pedro o drama Kean de A. Dumas. i ^Q, drama está^elho^no -fundo* e na forma. Dumas tinha uma concepção errônea do gênio que julgava inseparável do desregramento da vida,tentando assim instinctivamente justificar o próprio procedimento. Nada mais falso ; n ada mais immoral. Os factos protestam bem alto contra uma tal noção. Goethe e Schiller, Dante e Silvio Pellicp, Milton e Macawley, Rossini e Meyerbeer, Chateaubriand e Victor Hugo, Herculano e Garrett, dão notáveis exemplos de existências muito regulares, e ás vezes extremamente austeras, com grandes talentos, e até com grandes phantasias. Para não sahir da mesma arte e da Inglaterra citaremos Garrick que era um grande, actor e um gentleman. Admittindo que os desvios de Edmundo Kean eram desculpaveis a exaltação que Dumas d^lles quer fazer encontra decidida repugnância em todos os juízos criteriosos e disciplinados. Se ainda ha quem queira passar por. grande poeta por beber muito cognac e por não ganhar a vida trabalhando, a maioria revolta-se contra um tal proceder, e os interessados arripiam carreira porque encontram em lugar de admiração, desprezo. Kean, tendo esgotado uma garrafa de rhum da Jamaica, Kean coberto de dividas, Kean seduzindo mulheres casadas, e Kean jogando a pancada pelas tabernas, podia ser um ideai para Dumas, mas, por honra da actual geração seja-nos licito notar, que o não é da nossa. Para quem tem o juizo amadurecido ha um estudo muito curioso a fazer no drama e no romance mo- demo; é o estudo dos personagens para verificar quantas vezes elles sahem exactamente o contrario d^quillo que o autor intentava. Quantos heroes e heroinas conhecemos nós que formam o ideal dos ^Ees^ctfcvosescriptores^eque são perfeitamente insi- gnificantes despresiveis, emquanto certos per- sonagens, para quem os autores chamam evidente- mente o odioso, attrahem a nossa estima e sympathia ? ! Mas essa analyse nos levaria longe e este não é o logar para ella. Voltando propriamente a Kean recordaremos que em 183o era moda oppôr em sceija o nobre ao pleb|u e discutir a these da nobreza até a sa- ciedade. E' incrivel o numero de engenheiros, advo- gados, médicos, poetas e jornalistas que amavam filhas de duques, condes e marquezes suberbos dos seus setenta quartéis de nobreza e que lh'as não queriam dar em casamento nem á mão de Deus Padre. Por honra do publico cessou essa serra mas o Kean ainda se resente da manha na famosa scena da taberna, quando o actor exprobra a lord Melvil seu baixo comportamento. A verdade ar- tistica como social é que o delgado verniz rde ma- neiras que o actor ostenta nas salas, estala com a explosão das suas paixões, e que entre a bai- xeza do lord e a grosseria do antigo saltimbanco o espectador , hesita, envolvendo a ambos na *sua repugnância. Quando Kean . lança em rosto ao /o. 2\ I j S.LR. o >czs

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Anno II. Sabbado, 30 de Outubro, 1880.——--—-———— ';;-r'

N. 32.

lEfISTâ MISIC11uai mi

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Editores : Narciso, arthur INapoleâo & Miguéz.A Revista Musicale publicada aos Sabbados e assigna-se na casa dos Srs. Nauoiso, Aiithuk Napolkao & Miquez, Rua do Ouvidor n. 89.

Preços de assignatura .- — Corte, um anno 10$, semestre 6$, trimestre 4$000. Províncias, um anno 12$, semestre 7$000.NUMERO AVULSO . . . SOO ra.

Hevisía Musical.0 „ KEAN " e o SR. BBAZÁO

a terça-feira, 26 do corrente,foi á scena no theatro de S.Pedro o drama Kean de A.Dumas.

i ^Q, drama está^elho^no -fundo*e na forma.

Dumas tinha uma concepçãoerrônea do gênio que julgavainseparável do desregramento

da vida,tentando assim instinctivamente justificar opróprio procedimento.

Nada mais falso ; n ada mais immoral. Os factosprotestam bem alto contra uma tal noção.

Goethe e Schiller, Dante e Silvio Pellicp, Miltone Macawley, Rossini e Meyerbeer, Chateaubriande Victor Hugo, Herculano e Garrett, dão notáveisexemplos de existências muito regulares, e ás vezesextremamente austeras, com grandes talentos, e atécom grandes phantasias. Para não sahir da mesmaarte e da Inglaterra citaremos Garrick que era umgrande, actor e um gentleman.

Admittindo que os desvios de Edmundo Keaneram desculpaveis a exaltação que Dumas d^llesquer fazer encontra decidida repugnância em todosos juízos criteriosos e disciplinados. Se ainda haquem queira passar por. grande poeta só por bebermuito cognac e por não ganhar a vida trabalhando,a maioria revolta-se contra um tal proceder, e osinteressados arripiam carreira porque encontram emlugar de admiração, desprezo.

Kean, tendo esgotado uma garrafa de rhum daJamaica, Kean coberto de dividas, Kean seduzindomulheres casadas, e Kean jogando a pancada pelastabernas, podia ser um ideai para Dumas, mas,por honra da actual geração seja-nos licito notar,que o não é da nossa.

Para quem tem o juizo amadurecido ha um estudomuito curioso a fazer no drama e no romance mo-demo; é o estudo dos personagens para verificarquantas vezes elles sahem exactamente o contrariod^quillo que o autor intentava. Quantos heroes eheroinas conhecemos nós que formam o ideal dos^Ees^ctfcvosescriptores^eque são perfeitamente insi-gnificantes oü despresiveis, emquanto certos per-sonagens, para quem os autores chamam evidente-mente o odioso, attrahem a nossa estima esympathia ? !

Mas essa analyse nos levaria longe e este não éo logar para ella.

Voltando propriamente a Kean recordaremos queem 183o era moda oppôr em sceija o nobre aopleb|u e discutir a these da nobreza até a sa-ciedade. E' incrivel o numero de engenheiros, advo-gados, médicos, poetas e jornalistas que amavamfilhas de duques, condes e marquezes suberbos dosseus setenta quartéis de nobreza e que lh'as nãoqueriam dar em casamento nem á mão de DeusPadre.

Por honra do publico cessou essa serra mas oKean ainda se resente da manha na famosascena da taberna, quando o actor exprobra a lordMelvil seu baixo comportamento. A verdade ar-tistica como social é que o delgado verniz rde ma-neiras que o actor ostenta nas salas, estala coma explosão das suas paixões, e que entre a bai-xeza do lord e a grosseria do antigo saltimbancoo espectador , hesita, envolvendo a ambos na *suarepugnância. Quando Kean . lança em rosto ao

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lord as manchas que elle lança na reputação das

mulheres, o publico não pôde tomar ao serio taes

palavras satudas da boca de um homem que de-

baixo de seus olhos se acha envolvido na mais

immoral das aventuras.Seria tal a intenção de Dumas ? Tudo leva a

crer que não, quando attendemos a que em suas

memórias, e fallando a respeito do «Antony» elle

se jacta de ser o amante de uma mulher casada.

D^qui passamos muito naturalmente para a exe-

cução da peça, dizendo que a scena da taberna

foi muito regularmente representada pelo Sr. Bra-

zão, que n1ella colheu muitos applausos.

Mais feliz ainda foi elle na scena do 2o acto em

que anatomisa perante Anna Demby, um por um,

todos os inconvenientes da vida de artista. Disse-

mos que a peça está velha também na forma, e

em parte alguma se percebe isso melhor do quenesse longo monólogo, em que se falia em vam-

piros, abysmos e toda a roupa velha da rhetoricaescolastica ; quando, porém, vimos a famosa tu-

nica de Nesso sahir dos pulverulentos armários de

nossos maiores, confessamos que nos fez o effeitode uma destas casacas de gola alta e de abas com-

pridas, dos incvoyables do tempo do Directorio,e sentimos um calafrio correr-nos pelas co|tasabaixo.

Apesar disso o Sr. Brazão disse muito bem essemonólogo, e talvez a sua obra prima foi a con-versa com o principe de Galles, na oceasião em

que o actor se está preparando para representara scena de Hamlet.

O Sr. Brazão escuta bem, faz pausas muito a

propósito, e ás vezes é de uma naturalidade ver-dadeiramente encantadora. O timbre da voz nãoo favorece muito, mas o gesto cai quasi sempremuito a propósito. O Sr. Brazão pôde ainda su-bir muito alto na arte que já cultiva com muitadistineção ; não cremos, porém, que lhe convenhao drama Shakespeareano. No monólogo de Ham-let elle teve que lutar contra uma traducçao emalexandrinos, capaz, em verdade, de esticar os ner-vos mais indolentes.

Não é este o lugar de refazer pela millionesi-ma vez a critica da celebre obra de Shakèspeareou da sua interpretação.

Basta dizer que o profundo pensamento do poetainglez encontrou no verso endecasyllabo solto ummolde immortal, que não é dado a ninguém alte-

ção, desdenhava em outros tempos a rima, a quechamava chocalho; e nunca ella chocalhou maisimportunamente do que naquéllas linhas, comogravados em mármore, que contêm a pura essen-cia do pensar humano. N^quella passagem o poetainglez como que chegando á beira d^sse abysmoque as theogonias a os metaphysicos antigos de-balde tentaram encher, parece presentir os metho-dos lógicos da sciencia moderna, e debruçar-se at-terrado sobre elle, conhecendo que o não pôdesondar !

Òs versos de Shakèspeare não admittem uma pa-lavra de mais ou de menos; se o endecassyllabosolto não fosse tão flexivel deviam até traduzir-seem prosa ; ali, alterar a idéa é uma profanação.

O traduetor não foi dominado por iguaes res-peitos e escrúpulos ; retocou e coloriu a seu modo ;o resultado foi um verdadeiro desastre artistico elitterario ; felizmente uma grande maioria do pu-blico não conhecia o original. Demais, não hatalento que soffra o estudo profundo que é precisofazer para comprehender taes creações.

O assümpto é immenso e não é este o logar deo tratar.

A Sra. A. Bellido foi muito bem no papel deAnna Demby. O do principe de Galles foi muitosatisfatoriamente desempenhado pelo Sr. Brandão.

A condessa, Salomon e Pistol, tiraram-se muitobem. Esperamos tornar a ver o Sr. Brazão nanossa scena, e então na madureza do seu talento,desejamos que escolha dramas dignos de o exer-citarem.

L.

VEBDI

RECORDAÇÕES

(Continuação)Mazini correu á procura de Verdi que n'aquelle momento des-

jnvencilhava com o maestro Lavigna um dos mais difficultososjstudos e levou-o ao theatro philodramatico onde lhe deram a leri partitura da Criação. Verdi dirigiu a execução e fez seguidosensaios. Conta-se que ao começar o terceiro en3aio, um jòvenmaestro, invejoso collocou maliciosamente a partitura ao inversona estante. Verdi conservou-a sempre na mesma posição e regeu

sem olhar para ella, o que causou profunda sur preza.Sào sempre os invejosos que preparam os melhores triumphos

para aquelles de que queriam fazer suas viçtimas.A execução publica verificou-se sob a regência de Verdi e

rar. 'Castilho,

que nos disseram autor da traduc- M em todos os sentidos excellente, completa.

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Verdi dedicava-se com ardor à composição. Escrevia muito.D'esta época.datam muitos trechos escriptos para piano e canto ;marchas ouverturas, serenatas, cantatas, melodias vocaes, umStabat Matei* e varias composições religiosas.

Nada disto foi publicado, mas d'esses trechos alguns tive-ram a sua historia : a maior parte das marchas eram escriptas

para a sociedade philarmonica de Busseto, e uma d'ellas ser-viu mais tarde para a celebre marcha fúnebre do Nabuco.Muitos destes fragmentos musicaes foram utilisados pelo autornas partituras dos Lombardos e do Nabuco.

IV

Verdi casou-se. Achamos conveniente deixar correrem osannos para o seguirmos melhor na sua carreira artística.

Teve tentações de abandonar Milão em companhia de suaesposa, a filha do seu protector, e refugiar-se em Busseto, emcasa do sogro. Foi, com effeito ; no fim d'algun3 mezes, po-rém, decidiu voltar para Milão com o firme propósito de sededicar ao professorado. Muito embora na convivência dos com-

positores, dos cantores e do pessoal dos theatros, vendo comfreqüência Merelli que com elle instava para que compozésseuma opera, Verdi permaneceu inflexível na Bua idéia de nãocompor e só querer ensinar.

De vez em quando apparecia no Scala porque na reali-dade interessava-se muito por tudo quanto dizia respeito áarte. Um dia eucontrou-se com Merelli.

— Ora ainda bem, precizava fallar comtigo, vem cá aomeu gabinete.

—- Imagina — diz, depois de sentar-se, Merelli — imagina

Não — respondeu Verdi — não tenho vontade de traba-lhar para o theatro.

Ora deixe-se d'isso — replicou Merelli, raettendo-lhe áforça o libretto no bolso — és uma criança.

Verdi não quiz recusar. Fez callar os escrúpulos e ati-rou-se com enthusiasmo ao trabalho.

Quando elle principiava a escrever a partitura, Nicolai ter-minava a sua. O antor do Templario foi infeliz. O Proscriptofoi um dos fiascos mais tremendos que registra o theatro Scala.No fim d'alguns mezes Verdi entregou a partitura do Nabucoa Merelli.

Muito bem — disse-lhe este — agora, porém, ha uma con-trariedade ; chegas um pouco tarde. Queria pôr em scenaa tuaopera pelo Carnaval, mas não é possível ; está em ensaios aMaria Padilla, de Donizetti, Donzelli, o tenor, vai paraVienna.

Não souberam como resolver o problema que tal difficul-dade apresentava.

De repente, diz-lhe Merelli :Escuta. Donzelli não tem voz muito forte nem aguda.

Não poderias tu modificar um pouco a partitura e fazer algumasmodificações no papel, adaptando-o á voz de barytono ? Ronconifaria um Nabuco admirável.

Perfeitamente. E1 excellente a idéia. Em poucos dias faz-se tudo. E' sabido que a parte coral é de grande importânciana partitura do Nabuco. Os coristas do Scala não só eram fracose pouco3, como estavam fatigados pelo trabalho excessivo.

Verdi fez esta observação a Merelli: que para obter algumresultado era indispensável augmentar o numero de coristas. O

_ Imagma - diz, depois de sentar-se, merem - .magma zario negou.8e Jfc era eQorme , despM.a diaria para aindaque tenho de enviar a Nicolai um libretto. Encarregou-se do

if >ftUgmenfcal.a> Foi eatão que um amador, chamado Pasini, muitolibretto Solero que, com eflfeito o fez ; mas Nicolai acha máuo libretto, anti-musical, impossível e não quer escrever a musica.Eu que conheço um pouco o que é poesia não tenho a mes-ma opinião.

Queres levar o libretto, lêl-o com vagar e dar-me o teu

parecer ?Cora muito prazer — responde Verdi— Lêrei esta noite

e amanhã direi o que penso.Oom effeito, ao chegar á casa abriu o libretto de Solera

que não era outro senão o do Nabuco e leu-o d'um fôlego.Impressionado pela grandeza do assumpto bíblico, maravilhado

pelo partido que um musico hábil podia tirar de tal assumpto,seduzido pelas situações patheticas e commovedoras que viadesenvolverem-se, sentiu-se como que arrastado por uma espécie

de febre, sentou-se ao piano e improvisou durante a noite ai-

guns trechos para o libretto.Quando amanheceu ainda Verdi estava entregue ao tra-

balho. Foi então que descansou um pouco.Parecerá á primeira vista que aquelle momento' d'enthu-

siasmo devesse ter exercido grande influencia no espirito do

compositor ; não foi, porém, assim e a sua resolução de não

escrever continuou da mesma forma.Cá está o libretto. Li-o com toda attenção, e não só o

acho muito, como essencialmente musical. Não sei explicar

como é que Nicolai se engana de semelhante modo.Pois, muito bem, meu amigo- disse Mereili-uma vez que

é assim ha um meio de arranjar tudo. Depois da recusa do

Nicolai, não querendo encarregar-se da musica para este libretto,

dei-lhe o do Proscripto. Se o Nabuco te parece bom porquenão escreves a musica? Quando terminares a partitura traze-m'a

para pôl-a em ensaios no Scala.

conhecido dos artistas italianos e que tinha boas relações comVerdi e era muito amigo de Merelli quiz intervir e oífereceu-se

para pagar os coristas supplementares. Estabelecidas as condiçõesentre Merelli e Verdi, principiaram os ensaios.

O bom êxito da nova partitura começou nos ensaios. Otheatro sentiu-3e revolucionado por uma musica de que até entãonão havia ideio. O caracter da partitura era por modo tal novoe desconhecido que a surpreza era geial e, coros, cantores e or-chestra patenteavam um enthusiasmo pouco commum.

Ainda mais, durante os ensaios ninguém trabalhava ; os em-

pregados, carpinteiros, pintores, machinistas, estavam enthusias-mados pelo que ouviam.

Ao terminar cada trecho ouvia-se-lhes exclamar em dialectomilanez :

—. Che foia nuova ! (Que cousa nova!)Nada, porém, poder-se-ha comparar com o triumpho da pri-

meira representação. Havia o costume n'aquella época d'exigir

que se sentasse o compositor entre o primeiro contrabaixo e o

primeiro violoncello sob pretexto de virar as folhas a este,mas na realidade para presenciar de mais perto o triumpho ou o

fiasco. ¦ *,v"

Verdi viu-se obrigado a acompanhar os outros composi-tores ; mas considerava-se tão certo o triumpho que, quando omaestro sentou-se, Mereghi lhe disse :

— Maestro, queria ser hoje a sua pessoa.Com effeito a representação foi de principio a fim uma victoria.

A surpreza era geral; o publico estava maravilhado e a cadainstante rompiam os applausos e os bravos d'enthusiasmo. Ofinal do primeiro acto principalmente foi objecto d'uma até entãodesconhecida manifestação.

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A 9 de Março de 1842 appareceu Nabuco no Scala coma aceitação que acabamos de ver. Os principaes artistas que narepresentação tomaram parte eram: o tenor.Miraglia, Ronconi,tão fallado, o artista francez Derivis e, finalmente, Strepponi

que sahiuse admiravelmente no papel de Abigail.Filha d'um compositor afamado, Josephina Strepponi tinha

seguido com grande aproveitamento as lições do conservatóriode Milão. Depois de ter estreiado no theatro Communale, deTrieste, em 1835, foi contractada para a Opera italiana deVienna.

A uma voz extensa unia grande sentimento dramático etodas as qualidades d'uma verdadeira cantora trágica. Strepponicontribuiu muitíssimo para o excellente êxito da opera de Verdi,cantando com mestria e boa vontade.

[Continua).

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA *)

Dous tópicos do notável artigo sob a epigraphe acima,que um espirito illustrado e modesto fez publicar na RevistaMusical passada, suggeriram-nos algumas objecções, natural-mente perfunctorias, visto não comportar este periódico os des-envolvimentos que exige tão elevado quão importante assumpto.Abundamos plenamente nas onsiderações geraes que faz o illus-tre articulista, consistindo a divergência tão somente em dela-lhes.

Ha um ponto sobre o qual todos os pensadores, philosophos e homens de alto bom senso estão de accôrdo : — o queengrandece, celebriza e torna feliz uma sociedade humana cons-tituida é a actividade intellectual, isto é, o cultivo da Arte eda Sciencia, em si e em suas applicações, as quaes são o apa-nagio do homem e affirmam a sua única mas immen3a supe-rioridade sobre o resto dos animaes. Nas circumvoluções d'essemaravilhoso laboratório, que se chama o cérebro humano, em-quanto a Razão, servidora da sciencia, formula o Beu incessanteporque, a Imaginação, servidora da Arte, preza dos sentimentose das impressões do mundo exterior tran3mittidos aos centrosnervosos, pronuncia o Hat das creaçÕes artísticas, que depoistraduzidas em notas, em cores, em linhas, em linguagem, emformas plásticas, vão de século em século, em toda parte ondepalpita um coração, despertar sensações sempre ardentes esempre novas.

O commercio, a industria, a riqueza, o conforto material,o numero, a azafama mercantil, a opulencia do solo, a bellezada paisagem, e demais vantagens que possa ter um paiz ou umpovo, nada valem perante a historia, se as não illuminar o re-flexo da arte ou da sciencia. E'um facto incontroverso p3rante acritica moderna, e comprovado por numerosos exemplos nos an-naes do mundo.

O articulista põe em relevo, no seu estylo colorido ecoma lógica da verdade, observada em no3sa burguezia abastada, aincontestável supremacia das sensações artísticas sobre o gozomaterial, incompleto e limitado.

*) O primeiro artigo do ultimo numero da Bevista Musical inspirouas seguintes observações que gostosamente acolhemos era nossa folha.

E' bem interessante essa qnestfto, se a miséria embaraça ou acrysolao talento. Talvez em tempo voltemos a ella. Por ora limitamos-nos aagradecer a cortezia do nosso amável e talentoso contendor.

Incompleto e limitado, porque os limites do gozo materialsão: — ao norte o tédio, visto como elle só tem diante de sia enervação e o embotamento ; ao sul a deficiência da edu-cação e a ignorância absoluta rm que entre nós se mergulhara classe mercantil, que havendo volvido para a ganância todasas forças vivas do espirito, soífre verdadeira byperlrophia doventre e consequentemente atrophia da intelligencia ; a leste oegoísmo e a oeste a indolência.

O Rio de Janeiro assemelha-se a um immenso cofre demil chaves e mil repartimentos ; cada qual passa a vida a ex-perimentar chaves e a ver se acerta com o monte de ouroque vê em sonhos. Se, apój toda espécie de trabalhos e vi-cissitudes, consegue empalmal-o, lá se vai para casa com ocoração a saltar-lhe de contentamento, com a sensação deliciosade quem finalmente realisou o seu ideal l... Chegado á casabeija o thesouro, mira-o, remira-o, sorri-lhe, faz-lhe fo3quinhas emurmura entre as deliciosas comichões de prazer: — Vou afinaldescansar e gosar da vida !....

Os que têm mais gosto, phantasiam logo a construcção deuma vivenda commoda e pittoresca e para isso tomam o pri-meiro mestre de obras quq encontram, sem que de leve lhes,passe pela mente que ha uma arte chamada architectura.

Feita a casa e abarrotada com uma mobília de fancariaqualquer, que elles presumem ser a obra prima da marchetaria,por ser dourada ou estufada, dependuram nas paredes umaslithographias históricas ou mythologicas, que representam toda asua sciencia de historia e mythoiogia, compram bons vinhosfalsificados e depois transportam os seus penates para o palacete.

Assim estabelecidos, vão elles gozar da vida, isto é, das sarãosejantares, ir aos theatros expor os vestidos das filhas e mnlheres,receber visitas de figurões, em fim, ser alvo da inveja e sentir asindisiveis titulações da vaidade satisfeita. Mas, d'ahi a algum tempovê o burguez que lhe falta alguma cou3a, que não gosa realmente, queanda sempre aborrecido sem saber o motivo. Então, como dissemosjá, sente-se inconscientemente cercado pele tédio, pela incapacidadede uma intelligencia calcinada pelo calculo e de um coração calcinadopelo egoismo, nas lutas da ambição ardente, perfeitamente ineptopara receber as grandes idéas da sciencia e as puras e elevadassensações da arte. Sente um in defini vel mal-estar, revela-se n'elleesse sexto sentido, como o chama T. Gauthier, o instincto do bello,commum a todos os homens, que até então vivera suffocado po-outras preoccupações, e que agora achou ensejo para mostrar-se eexigir imperiosamente satisfação. Triste, envergonhado de sipróprio, desapontado como o viajor que após tempestades julgachegar a um porto almejado que não passa de uma miragem, oburguez enriquecido só acha um recurso — o amor da familia, masum amor sem poesia, que se resolve afinal em jóias e vestidos ealgumas calaçarias de ternura banal.

Nem todos podem ser artistas, é verdade; o artista é uma or-ganisação especial, original, rarissima, um enfermo, se quizerem,mas d'essa enfermidade sublime que faz com que a imaginação eo sentimento sobrepujem e excluam quasi todas as outras facul-dades activas do organismo ; por isso três quartas partes da vidado artista são de espinhos, uma só de flores. Pagam bem caro essanevróse, este desequilíbrio !...

O que porém não é privilegio ou monopólio, é saber com-prehendel-os, admiral-os, amal-os, sentir com elles, protegel-ose veneral-os.

Para ser-se amador convicto e dilettanti apaixonado bastapossuir-se natureza humana e não mercantil. Uma vez que sesentiu vibrar a alma no diapasão da do artista, está feita a conquista

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porque sentimos nossa alma banhada pela luz do bello, da qual oscorações são as maripozas. Por pouco que sejamos iniciados nossegredos da arte, tanto baste para sermos attrahidos como aço aoiman, e nos organismos mais sensíveis desenvolve-se uma paixãoimmensa, sublime, que não conhece a saciedade, diante da qualo spectro pardacento do Tédio foge espavorido para nunca maisvoltar, e que quanto mais recrudesce tanto mais se purifica e eleva.

Os dous tópicos que contradictamos são aquelles em que o ar-ticulista pede — dolce nido — para o artista estygmatisando o hor-rivél sophisma de que o gênio se acrysola na miséria, e o pessi-mismo que mostra e sempre mostrou em relação aos nossosartistas.

O sophisma é este : — o artista precisa soffrer para produzirgrandes obras.

Ora, a miséria é um soffrimento, logo o artista acry sola-se namiséria.

E' uma triste verdade, que se nlo deve dizer, mas é umaverdade. As lagrimas vertidas na miséria, elle as crystalisa de-

pois e faz-nos chorar também. O doce ninho e 03 confortos sónão esterilisam essas poderosas cabeças que são os Hugo, osGoethe, os Meyerbeers, etc.

Muitas obras-primas não possuiríamos, se a fome não agui-lhoasse os seus autores.

Quanto ao despreso que o articulista mostra pelos nossos ar-tistas e nossas obras d'arte, poucas é verdade, erguemos d 'aqui

Um protesto enérgico. Oitar ironicamente o menino do chafarizem um paiz que tem eaculptore3 como Almeida R^is e Bernar-delli, que conta artistas como Carlos Gomes, consagrado gêniomusical nos dous mundos, pintores como Pedro Américo e V.Meirelles, é realmente fazer praça de um injustificável pessi-mismo.

Cremos que só a bem do estylo gracioso, introduziu-se alio tal menino do Passeio Publico.

MlRANDOLA.

0 PEOPBSSOE DE PIANOou

Arte de educar um pianista desde os rudimentos até oensino transcendental.

Para servir de guia aos professores novos e aos discípulos adiantadosque queiram estudar por si só.

/ TERCEIRA ÉPOCA

(Continuação)

VIIIDa mão esquerda.

O habito, a que nos obrigam desde a mais tenraidade, de servirmo-nos quasi que exclusivamente da

mão direita, em todos os trabalhos e usos domesti-cos, traz em resultado — o abandono e a maptidaoda sua congênere. _.•'••„.

Julgam, as mais de família, ser um feio vicio o

emprego da mão esquerda nos actos de alimenta-

ção, na pratica da escripta e até nos folguedos e

jogos infantis. ,A grande differença entre as duas mãos que se

experimenta no piano, é bastante para provar o

prejuízo d'esses preconceitos que acabam por acos-

tumar as crianças a ter — uma só mao.

A desigualdade, pois, é proveniente da falta quasiabsoluta de exercício, e, portanto, ó claro e obvioque o meio de remediar esse inconveniente, é opróprio exercicio, afim de obter-se o indispensávelmovimento livre e independente. t ,

Na musica moderna, vulgarmente, a mão direitaentra em acção em passos rápidos e difficeis, em-quanto á esquerda compete um papel muito secun-dario e pouco activo. D'ahi resulta uma constantesuperioridade d'aquella sobre esta, ainda que uminsistente exercicio diário, tenha lugar com as duasmãos. por isso que, a esquerda não faz mais doque seguir a direita, com maior ou menor exacti-dão, era virtude da lei da symetria dos movimentos.

A prova evidente do que deixo dito é — que amesma passagem executada por duas mãos torna-seextremamente difficil quando d'ella se encarrega aesquerda só.

As conclusões que d;ahi se podem tirar é queo exercicio simultâneo não traz a independência dasmãos, e que esta apparecerá somente quando o es-tudo dos exercícios typicos for feito com a sepa-ração alternada das mãos.

Não se perde em alongar mais os estudos de me-canismo para essa mão, porque a outra, como jadisse, tem repetidas e constantes occasiões de exer-citar-se com mais demora na execução dos estudos,

peças etc.Mas, perguntar-me-hão, se na musica de piano as

dificuldades são de ordem differente para cada umadas mãos, qual a necessidade de igualarem-se as con-dições de agilidade e força ? A resposta é : tratamosda educação de artistas, da creação de um perfeitopianista, e certamente ninguém o será sem esta con-dição como podemos ver em um exemplo.

Faça-se executar por um amador de bastante agi-lidade, habituado a tocar essas grandes fantasias mo-demas, de bravura e capricho, uma fuga de Bach ever-se-ha o embaraço senão impossibilidade na pro-ducção do contra-motivo, etc., isto por falta de ha-bito da mão esquerda que, principalmente neste ge-nero de musica, entra em jogo como uma outra mâo(iirpita

W esta uma das grandes dificuldades da musicaclássica, na qual seus autores tinham em vista só-mente a arte, não cogitando na commodidade deexecução nem sofreando suas inspirações por falta dehabilidade desta ou daquella mão.

Os clavecinistas eram perfeitíssimos nesta gymnas-tica, o que se pôde verificar nas suas immortaes com-

posições, quasi em completo desuso.Não são raros, entretanto, os passos de bravura

e grande dificuldade para a mão esquerda na mu-sica moderna e bastante numerosos são os cadernosde estudos especiaes para essa mão, assim como muitasfantasias e variações.

Citarei algumas composições roesse gênero que naodeve ser descurado por aquelles cujo fim fôr a per-feição como pianuta-virtuose :

Czerny, op. 735. Escola da mâo esquerda.De Croze. Estudo chromatico, sobre a marcha dos

Puritanos.Dohler, op. 30. Estudos.

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Goria, op. 11. Serenata e variação final.Herz. Transcripção — fantasia sobre a Sonambula.Phibault. Estudo de concerto, caractaristico.Fumagalli. Nociurno e andante variado.

Studio Transcendental, sobre o andantede Moysés — de Rossini.

Grande fantasia sobre Roberto do Diabo.O. Guanabarino.

(Continua)

NOTICIÁRIO ESTRANGEIRO

E' já sabido de todos a noticia do falleci mento de JacquesOffenbach, a quem os parisienses davam o nome de pai da ope-reta.

Offenbach trabalhava ainda muito e pretendia fazer re-presentar em Dezembro as suas operas de grande fôlego, Oscontos de Hoffmann, na Opera-Cômica, e a Belle Lurette, notheatro Renaissance.

Offenbach falleceu depois de doze horas de scffrimento.Aguardamos promenores.

*

Ricardo Wagner publicou um livro que tem sido muito procurado e cujo titulo é Religião e Arte.

Dizem os jornaes allemães que o grande sacerdote de Bay-reuth está outrtr vez de ente com uma eiysipela no rosto.

#

Deve ter sido executado na Opera, de Paris, o grande bai-lado de Widor, intitulado Korigans.

*

Vai pro-imnmente ser representada em Nápoles uma operanova, em três actos, Nedjeya, da Sra. Paulina Tbys. Espera-seque a autora alcance um triumpho.

O cumulo da reclame :O director da Opera, de Paris, Vaucorbei, prevendo o tri-

umpho dos Korigans, _e Widor, prolongou o prazo do con-tracto dos primeiros artistas.

Esta previsão de triumpho é admirável 1

O Marquez d'Iviy, autor do libretto e da musica dos Aman-tes de Vérone, terminou uma opera que tem por titulo L'Ar-murier du Boi. O libretto, da lavra do mesmo compositor éextrahido d'um livro de Balzac.

Os jornaes allemães com grande pasmo noticiaram que o D.João, de Mozart, foi pateado no Rio de Janeiro.

A Revista Musical, de Paris, responde aos jornaes allemãesdefendendo o publico do Rio de Janeiro „ acostumado a lidar comas boas e bellas partituras"

Agradecemos.

Um calculo-maniaco affirma que nos Estados-Unidos ha120,000 professores de musica. Admittindo a media de dez dis-cipulos para cada professor, o que não é exagerado, temos1,250,000 músicos, sem contar os platônicos que estudam semmestres e os músicos ambulantes.

*

Foi posto á venda em Klamenberg, na Transilvania, o pianode Beethoven. Esta preciosa relíquia artistica foi fabricada haoitenta annos e está perfeitamente conservada.

Noticias de Milão confirmam o boato que correra n'aquellacidade : o barytono Mazzoli que esteve entre nós em 1876 perdeua razão.

»Na Itália, em Treviso, representou-se uma parodia da Aida

A musica, do maestro Sudessi, agradou muitíssimo.

f

CHR0NICA LOCAL

Empreza Ferrari. — O enthusiasmo dos Paulistasdespertou erafim com a primeira representação doGuarany. Foi um verdadeiro suecesso, um aconte-cimento que a historia d'aquella capital registrará.Cadeiras a 30 e a 40$000 !... No próprio Rio deJaneiro não nos recordamos de caso semelhante teracontecido a não ser por occasião do grande festi-vai a Camões. Os Riodarenses, os Santistas, e osCampineiros ligaram-se aos Paulistas para accla-mar o illustre compositor brasileiro e ouvir cantarde um modo excepcional aquella opera já sua pre-dilecta, opera que, embora não se possa collocar noprimeiro lugar entre as outras de Carlos Gomes, é,e será sempre ouvida com prazer, pois que possuefrescura, expontaneidade e alguns trechos magistral-mente escriptos.

Felicitemos, pois, os paulistas pela noite de 23 deOutubro de 1880. Acolhendo por tal forma a obrado seu illustre compatriota, elles festejavam ao mes-mo tempo a arte e a pátria, como disse com muitapropriedade um jornal da localidade.

O Ernani de Verdi obteve também um brilhanteêxito apezar da indisposição do Sr. Bulterini. Estetenor fatigado por excesso de trabalho viu-se obrigadona noite em que se cantou o Trovador a supprimir oallegro da sua ária :

Di quella piraEstá no entanto bem presente na memória do

nosso publico o imraenso triumpho obtido ha doismezes por Bulterini, quando cantou essa ária noTheatro Imperial.

Souvent larynx varieBien foi est qui s'y fie

Mme. Durand, essa, está sempre a mesma. A suavoz privilegiada parece escarnecer dó exercício eda fadiga. Sahe triumphante e incólume das maisárduas tarefas e os seus triumphos contam-se pelonumero de vezes que canta.

Outro tanto não se pôde dizer de Mme. Adini quesegundo nos consta continua a estar rouca.Foi infeliz na Lúcia, opera que suecedeu ao Ri-

goletto. xE; de esperar que uma artista de tanto talento

se restabeleça e se rehabilite perante o publico queactualmente a ouve.

Parece certo que a Empreza Ferrari já tem, ga-rantidos, 80 contos para a estação lyrica de S. Pauloem 1881.

A companhia antes de partir para Europa darámais 3 recitas de despedida no theatro Imperial. Se-gunda-feira abre-se a assignatura na casa CastellÕes.

#

Theatro de Sant'Anna. — Só hontem se inauguroueste theatro com a repetição da operetta La filiedu tambour major, de Offenbach, na qual a cpmpa-uhia lyrica franceza tem sido tão applaudida. N7estetheatro melhor se podem avaliar os méritos respe-ctivos dos artistas o que faremos em um dos nossospróximos números.

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Quanto á musica é cheia d'aquella graça e espi-rito de que Offenbach deu sempre provas.La Filie du tambour-major, merece ser colocadaa par das melhores partituras do maestro que amorte acaba de roubar á França, sua pátria adoptiva.

*

Novidades nmsicaes- — O talentoso Flavio Elysio,ou como mais vulgarmente é conhecido, nas letras,Sylvio Dinarte, acaba de fazer publicar a primeirade uma collecção de Valsas intituladas Chopinianas.lmmerl lmmerl é o nome d'esta.

Recommendaraol-a aos apreciadores de musica degosto e delicadeza.

Uma nova polka de excellente eífeito que acabade sahir á luz é a intitulada : 0 Chiste das Ligenses,composição de Giuseppe Masini, um harpista bemconhecido n'esta corte e que é actualmente muitofestejado em Lage.

Ambas estas composições são editadas pela casaNarcizo, Arthur Napoleão & Migaez, 89 Rua do Ou-vidor.

VARIEDADESIL CARO SASSONE

NOVELLA

(Continuação.)V

No dia seguiute toda Nápoles repetia : que a serenata exe-cutada em honra da tão querida prima-donna, havia sido com-posta pelo Sassone.

Constava também que a Bordoni dissera nunca ter ouvidotocar tão bem cravo como por elle — e depois, era um disci-pulo de Scarlatti, o que lisonjeava singularmente o orgulho na-cional.

Ahi estava, como se diz hoje, Hasse na ordem do dia. Portoda a parte faziam-lhe festas, não podia satisfazer a tantos etantos convites, todos admiravam e exaltavam-lhe o talento.

Scarlatti dizia, esfregando, de contente, as mãos :— Se isto continua vão pedir-te uma opera para ser repre-

sentada na próxima estação.O que o mestre dissera gracejando realisou-se com eífeito

mais depressa do que era de suppôr. O emprezario Bárbaro pediu-lhe que escrevesse uma opera para. a primavera.

Hasse, inspirado pela recordação de Fauatina, atirou se comardor ao trabalho até concluir a sua primeira obra dramática in-titulada Eurydice.

Um dia, absorvido pela tarefa, foi interrompido nas suas me-ditações pela Visita inesperada de Pergolese. Hasae, ao ver oamigo cujas feições tinham impressas a paixão e a doença, ficoumudo d'espanto e compaixão.

Que contraste entre estes dois rapazes !Hasse com a sua cabelleira aloirada, com a physionomia a

accusar saúde, e Pergolese com os cabellos negros em desordem,com os olhos a girarem nas orbitas como duas espheras de fogo,tinha as faces cavadas, os lábios descorados e constantementeagitados ; emfim, era a expressão d'um vulcão em efferves-cencia.

Tu em Nápoles — exclamou Hasse, depois d'um momentodliesitação. — Ha mezes que te não vejo.

Estive doente, muito doente — replicou Pergolese comvoz cujo timbre fora muito alterado pela doença; agora sinto-me bem, pelo menos quanto ao moral ; com o physico importo-mepouco, deve obedecer a minha vontade; o moral é que ordena—• o corpo tem de submetter-se a elle.

— Comtudo é necessário não tratar com muita indifferençao nosso pobre corpo — disse Hasse — porque o espirito poucopoderá fazer se a matéria é enferma ; co3tuma-me crer que aquelletenha bastante força e elasticidade pára actuar.

Isso pôde ser que se dê cora vocês allemães que soisum pouco materiaes — mas deixemos isso de lado ; não vim paraentabolar comtigo uma discussão philosophiea, mas para te dizeradeus; dá cá uma cadeira, estou cansado.Pergolese visivelmente eatafado deixou-ae cahir na cadeira,respirando com grande difficuldade; a respiração era como queum doloroso suspiro e difficil teria sido dizer se o soíTViraentoprovinha d'uma dôr physica ou moral.

Hasse, profundamente impressionado com o estado do amigo,calou-se, receioso d'irrital-o tratando de algum assümpto desagra-davel.

Pergolese, depois d'um momento de silencio, continuou :Estavas trabalhando? Pazes muito bem. E's recompen-pado. Não és o senhor de Nápoles ? Só se falia da tua operaah! ah ! ah! vejam lá o que vale a protecção d'uma cantora !ah! ah! ah!...

Este debique colorio as faces descarnadas de Pergolese comuma côr de rosa que com certeza não era a da saúde, mas sima da cólera concentrada.Hasse corou também, mas de descontentamento ; entretanto

conservou-se silencioso, lembrando-se de que era um doente quemassim fallava.Pergolese, mais tranquillo, continuou como se narrasse a his-

toria d'outra pessoa.Quando elle e3tava ainda em Gasovia, diziam : o pequenoBaptista Pergolese é uma verdadeira maravilha, ha de ir longecomo musico.

(Continua.)

XADREZ

PROBLEMA N. 67,POR Healey

Preta». 1

éhê wÊÊ i@í ô Wksá• wj? -ww ^ rw

_ wm mm, . WÊm mmBrancas.

As brancas jogara e dão mate em 2 lances.

Aos decifradoros. — Só um deciftador para o , problema 66.Foi o Sr. Eichbaum I Como se explica isto ? Srs. amadores,acordem ! O problema de hoje é lindíssimo e em dous lances. Umproblema em taes condições e por um mestre como Healey nãopôde deixar de ser uma obra prima.

Solução do problema n. 65 :1. C2BD(xaque)

0 1 T D3. P5TR4. PXO (mate)

1. R 2 T2. PXGfazD3 Qualquer

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Ivresse D1 amour ...;..ConfidenceFleuroVAiidahusie...............Une Nuit au Chateau.............La Camargo ............La Marjolaine. .\...............,Niniche..... ...Melosa..-....,Carrapeta..Picante.ProvocanteMil oitocentose oitenta (1880) ...Tentação #RepórterNiniche ...;... ...Cloches de Corneville

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