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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANTONIA LUCIA LEITE RAMOS VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA Salvador 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ANTONIA LUCIA LEITE RAMOS

VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA

Salvador 2008

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ANTONIA LUCIA LEITE RAMOS

VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação ¬ Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Educação e Diversidade.

ORIENTADOR: PROF. DR. CIPRIANO CARLOS LUCKESI

CO-ORIENTADORA: PROFA. DRA. BERNADETE DE SOUZA PORTO

Salvador 2008

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R175 Ramos, Antonia Lúcia Leite.

Vínculos na prática educativa escolar : um estudo com base na ludicidade e no sociodrama / Antonia Lúcia Leite Ramos. – 2008.

223 f.

Orientador: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi. Co-orientadora: Profa. Dra. Bernadete de Souza Porto. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade

de Educação, 2008.

1. Prática pedagógica. 2. Relações pedagógicas. 3. Ludicidade. 4. Sociodrama. I. Luckesi, Cipriano Carlos. II. Porto, Bernadete de Souza. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. IV. Título.

CDD 371.3 – 22 ed.

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ANTONIA LÚCIA LEITE RAMOS

VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação ¬ Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Educação e Diversidade.

Aprovada em 10 de abril 2008.

Cipriano Carlos Luckesi – Orientador _________________________________________ Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil Bernadete de Souza Porto – Co-Orientadora____________________________________ Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará, UFC, Brasil Universidade Federal do Ceará, UFC, Brasil Cristina d’Ávila Teixeira Maheu – ____________________________ Doutora em Educação, pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil. Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil Pós-doutorado pela Universidade de Montreal - Canadá

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Dedico este trabalho a Raphael, filho querido, vínculo de amor incondicional, bendigo sua vida.

Ao meu amado, Rodolfo, em você reverencio o estímulo, a alegria e o amor.

À todos que em mim atingiram zonas de sensibilidade, contato interior e afetos fecundos – sou fortalecida pelos vínculos que nos constituem.

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AGRADECIMENTOS

Este é um momento de muita alegria, quando passo reverenciar, de coração, a muitas pessoas que estiveram do meu lado incentivando e contribuindo para a culminância desta dissertação. O sentimento que flui é de gratidão e reconhecimento.

Especialmente à minha orientadora e mestra, Dra. Bernadete de Souza Porto, agradeço sensibilizada a sua interlocução competente, incentivo e, sobretudo, à amiga que transcendeu o nosso encontro acadêmico e que muito me ajudou a ampliar o olhar sobre a vida. As palavras mágicas “deixe ela ficar” guardo-as no meu coração.

Ao mestre Dr. Cipriano Luckesi, minha eterna gratidão; as palavras talvez não a signifiquem. Para mim é muito importante anunciar, aos quatro ventos, que minha vida se divide em antes e depois deste mestre e terapeuta. Você me ajudou a vislumbrar outros horizontes para além da culpa e do preconceito humano.

À minha família, especialmente à minha mãe, cuja sabedoria e amor considerava o estudo o maior bem que poderia me dar e o deu com muito empenho. À minha irmã Cida, pelo apoio constante; aos meus sobrinhos Emanuela, Daniela e Eduardo agradeço não só a ajuda no computador, mas também o incentivo.

Aos parceiros do GEPEL, com quem dividi muitos momentos lúdicos e ricos em conhecimentos – a ludicidade compartilhada é uma bênção.

As amizades surgidas durante o mestrado: Alexandre Santiago, Ilma Soares, Suely Barros, Vera Montano, pelo apoio, força, horas de conversas e bom humor; foi muito bom tê-los no meu caminho.

Aos companheiros do antigo SUPLECAV, Carlinhos, Pe. Domingos, Landa, Rizomar, Ornélia, como gosto de dizer: ah! meus “amigos velhos”, valem os vínculos.

À Ir. Maria Julia de A. Lima e ao Colégio Santa Eufrásia, pelo que representam na minha vida pessoal e profissional.

A Railda Souza (in memoriam) amiga confidente, exemplo de abnegação e generosidade, que me incentivou a completar o percurso interrompido e ver o meu sonho realizado. Divido com você esta vitória.

A Benedita, porto seguro na minha casa, sem você seria mais difícil conduzir este mestrado.

À minha amiga Dores Margareth, você me cativa pela bondade, disponibilidade e humor inteligente. Valeu a escuta sensível e o apoio fiel.

A Marlene Oliveira, a mais nova amizade, seu estímulo e generosidade fazem a diferença.

A Adilton Willes, que me auxiliou nos encontros do grupo “B”, presença de paz e ludicidade, e a Ana Paula, pela gentileza e disponibilidade em filmar o sociodrama final.

A Thereza Valladares, pela supervisão em Psicodrama, por acalmar a minha angústia e me fazer compreender dizendo: “há muito você vem aquecendo os meninos para o sociodrama”.

A Neide Marina e Auxilidadora Freitas, colegas do Psicodrama e Egos-auxiliares, que me ajudaram a partilhar no ato as cenas dramáticas desta pesquisa.

A Toyoo Watanabe, que me ajudou a acreditar em mim e a prosseguir na busca do meu sonho.

Á Direção da Escola Hildete Lomanto, aos professores que colaboraram diretamente, especialmente aos estudantes do grupo “A” e “B” ─ vocês representam todos os educandos das escolas ─ fonte viva para a inscrição de vínculos saudáveis.

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Aos professores da Faculdade de Educação da UFBA, em especial, a Cristina d’Ávila, Maria Cecília de Paula, Celi Tafaffarel, Dante Galeffi, Iracy Picanço, Paulo Gurgel, Roberto Rabelo, Sérgio Farias e Teresinha Fróes, jóias preciosas deste Programa.

Aos funcionários de Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA, especialmente a Graça (Gal) e Nádia, pela disponibilidade nos momentos mais inusitados.

Ó meu Deus, eu vos dou graças por possibilitar-me este grande feito, porque só Tu és conhecedor desta história, inscrita em tantas sendas e tantos vínculos.

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Que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida, Em que nos distraímos de outra coisa – Que coisa não sabemos -; Livres porque brincamos se jogamos, Presos porque tem regras cada jogo; Inconscientemente? Feliz o a quem surge a consciência Do jogo, mas não toda, e essa dele Em saber perder.

Fernando Pessoa

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RAMOS, Antônia Lúcia Leite. Vínculos na prática educativa escolar: um estudo com base na ludicidade e no sociodrama. 223 f. 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.

RESUMO

Esta pesquisa teve como meta principal compreender como a prática da ludicidade e do sociodrama pode contribuir para a formação e/ou melhoria dos vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica, favorecendo a convivência e a aprendizagem. A pesquisa qualitativa foi a abordagem utilizada para o estudo, desenvolvida a partir da pesquisa-ação. O estudo traz os fundamentos teóricos que sustentam a pesquisa prática, pautados pelo ideário de Jacob Levi Moreno, Cipriano Luckesi e Paulo Freire. Traz reflexões metodológicas sobre uma experiência sócio-educacional, desenvolvida com base em um dos pilares da educação para o século XXI – “Aprender a viver juntos” – de Jacques Delors, vivenciados através de práticas lúdicas e sociodramáticas com o intuito de identificar as possibilidades que essas práticas criam na formação de vínculos entre os atores escolares e uma narrativa contendo os caminhos e (des)caminhos de um pesquisador. O palco desse estudo foi uma escola pública estadual com dois grupos pesquisados, obtendo-se importantes resultados principalmente na convivência e aprendizagem. O trabalho com atividades lúdicas e sociodramáticas traz a possibilidade de formação dos vínculos através de um trabalho lúdico, reflexivo, contextualizado. Concluímos então, que o importante na prática educativa escolar é o vínculo entre os atores escolares e este tem grandes possibilidades de ser formado com atividades lúdicas e sociodramáticas para fomentar a convivência e a aprendizagem, mas também está aberto a qualquer experiência que traga a união, o afeto e o respeito ao outro como foco.

Palavras-chave: Prática pedagógica. Relações pedagógicas. Ludicidade. Sociodrama.

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RAMOS, Antônia Lúcia Leite. Linkages in educational practice school: a study based on games in sociodrama. 223 f. 2008. Master Dissertation – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.

ABSTRACT

This research has as its principal aim to understand how games and sociodrama can contribute to the formation and/or improvement of bonds between the subjects of pedagogical praxis, sustaining companionship and learning. The qualitative research approach was the one used for the study, developed according to research-action. The study brings to light theoretical fundaments that support the practical research based on the ideas of Jacob Levi Moreno, Cipriano Luckesi, and Paulo Freire. It also addresses some methodological reflections about a socio-educacional experience based on one of the pillars of education for the twenty-first century – “Learning to live together” – by Jacques Delors, experienced by means of playful and socio-dramatic practices with the intent of identifying the possibilities that those practices can create in the formation of bonds between the school actors and a narrative containing a researcher’s paths and deviations. The stage of this study was a state public school where two groups were surveyed. Important results were obtained especially as far as camaraderie and learning are concerned. The work with playful and socio-dramatic activities shows the possibility of formation of bonds through playful, reflexive and contextualized work. One can conclude, therefore, that what is important in the school educacional practice is the bond among the school actors and this bond can be constructed with playful and socio-dramatic activities to stimulate camaraderie and learning but it is also open to any experience that brings as a focus union, affection and respect for each other.

Key-words: Pedagogical bond. Playfulness.Sociodrama. School actors.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEPS Centro de Psicodrama e Sociodrama

ECRO Esquema Conceitual Referencial e Operativo

FEBRAP Federação Brasileira de Psicodrama

GEPEL Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade

UFBA Universidade Federal da Bahia

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LISTAS DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Grupo A - Intensidade das escolhas - Eleições Positivas 66

Gráfico 2 Grupo A - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas 67

Gráfico 3 Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições positivas 141

Gráfico 4 Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas 141

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LISTAS DE SOCIOGRAMAS

Sociograma 1 Grupo A – Eleições Positivas (Inicial) 60

Sociograma 2 Grupo A – Eleições Negativas (Inicial) 62

Sociograma 3 Grupo A – Redução de Primeira Escolha Positiva 64

Sociograma 4 Grupo A – Redução de Primeira Escolha Negativa 65

Sociograma 5 Grupo A – Eleições Positivas (Final) 69

Sociograma 6 Grupo A – Eleições Negativas (Final) 70

Sociograma 7 Grupo B – Eleições Positivas (Inicial) 138

Sociograma 8 Grupo B – Eleições Negativas (Inicial) 140

Sociograma 9 Grupo B – Eleições Positivas (Final) 143

Sociograma 10 Grupo B – Eleições Negativas (Final) 146

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 151.1 JUSTIFICATIVA

18

2 POR QUÊ CHEGO A PESQUISA: DA EXPERIÊNCIA AO DESAFIO DE PESQUISAR 21

2.1 ANTES QUE SEJA TARDE... VAMOS AO PROBLEMA E AOS OBJETIVOS

27

2.1.1 Objetivo Geral 302.1.2 Objetivos Específicos 303 ABORDAGEM METODOLÓGICA 31

3.1 O VÍNCULO COMO PONTE PARA O DESENVOLVIMENTO INTERPESSOAL 33

3.2 SOBRE A LUDICIDADE E O MÉTODO PSICODRAMÁTICO 373.2.1 O que vem a ser ludicidade... 383.2.2 Sobre o método psicodramático

40

4 INTERVENÇÃO INVESTIGATIVA: A LUDICIDADE E O SOCIODRAMA MEDIANDO O DRAMA ESCOLAR

47

4.1 GRUPO “A”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA INTERVENÇÃO 52

4.1.1 Teste Sociométrico 554.1.1.1 Teste sociométrico “antes” e “depois” da intervenção 564.1.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final 67

4.1.2 O que pensam os estudantes da 5ª série sobre as relações interpessoais na sala de aula 71

4.1.2.1 Antes da intervenção 724.1.2.2 Depois da intervenção 734.1.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na

sala de aula 764.1.3.1 Antes da intervenção 764.1.3.2 Depois da intervenção 824.1.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo”A” 834.1.4.1 Cenário 844.1.4.2 Atores 854.1.4.3 Relato dos Encontros 874.2 GRUPO “B”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA

INTERVENÇÃO 1354.2.1 Teste Sociométrico 1354.2.1.1 Teste sociométrico “antes” e “depois” da intervenção 1364.2.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final 1424.2.2 O que pensam os estudantes da 6ª série sobre as relações

interpessoais na sala de aula 147

4.2.2.1 Antes da intervenção 1474.2.2.2 Depois da intervenção 1524.2.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na

sala de aula 158

4.2.3.1 Antes da intervenção 1594.2.3.2 Depois da intervenção 163

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4.2.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo”B” 1664.2.4.1 Cenário 1674.2.4.2 Atores 1674.2.4.3 Relato dos Encontros 1684.2.5 Comparação entre os grupos: “A” e “B”

196

5 SOLILÓQUIOS E COLÓQUIOS DE UMA PESQUISADORA: LABIRINTOS DE MINHA JORNADA

197

6 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

208

REFERÊNCIAS

213

APÊNDICE A – Teste Sociométrico 221 APÊNDICE B – Questionário de Levantamento das Relações

Interpessoais dos Estudantes da 5ª série... Turno Matutino 222

APÊNDICE C – Sociodramas temáticos 223

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1 INTRODUÇÃO

A verdadeira comunidade não nasce do fato de que as pessoas têm sentimentos umas para com as outras (embora ela não possa, na verdade, nascer sem isso), ela nasce de duas coisas: de estarem todos em relação viva e mútua com um centro vivo e de estarem unidos uns aos outros em uma relação viva e recíproca.

Martim Buber

Educação é, antes de tudo, relação interpessoal; é através dela e nela que pode ser

viabilizada uma reflexão e ação, no sentido de conscientizar o ser humano de que a vida é

uma grande teia de relações e conexões, sendo cada pessoa um fio particular conectado a essa

grande teia. A prática educativa escolar, que está estreitamente vinculada à relação

interpessoal e à aprendizagem, aqui é vista como um produto das interações que se

estabelecem entre o sujeito que aprende e os mediadores culturais (educadores, pais, etc.) que

facilitam esse processo. Deste modo, entende-se que o educando participa de um emaranhado

de relações sociais e interpessoais, no qual as vinculações que estabelecem com os outros

contribuem para os resultados de sua tarefa construtiva/formativa. Para Moreno (1993a), o

sujeito é encarado como ator e protagonista de sua própria vivência, valorizando a inter-

relação com outros protagonistas no cenário da vida.

O interesse pelo tema Vínculos na práxis educativa escolar surge no intuito de

experimentar uma metodologia que possibilite a vivência de relações no cotidiano escolar, de

modo a favorecer vínculos saudáveis, que contribuam para o principal papel da escola, que, a

nosso ver, é o de educar, no sentido de favorecer a aquisição dos bens culturais, de modo que

o indivíduo possa se integrar à sociedade de forma autônoma e participativa.

A dimensão individualista de educando é substituída pela compreensão da dimensão

social como uma rede de inter-relações em que, na prática escolar, educandos, educadores,

funcionários, pais e comunidade estão interligados para a construção de um projeto coletivo

maior; nesse sentido, a escola não deve ser vista a partir de uma perspectiva fragmentada.

Compreende-se, assim, que o indivíduo sozinho é uma ilusão, uma utopia, tampouco o grupo

escolar é formado por elementos individuais. O conjunto dos vínculos é que determina a

integração grupal e, conseqüentemente, a produção de um grupo.

Queiramos ou não, estamos envolvidos nas relações. Somos essencialmente “seres de

relação”, mas isso pode ocorrer sem a qualidade dialética, que, segundo Pichon-Riviére

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(1998b, p.19) “é o que permite o desenvolvimento normal da personalidade”. Essa qualidade

ajuda o indivíduo a resolver suas dificuldades de comunicação, expressas na realidade do

vínculo. Para Moreno (1993b), o sujeito é encarado como ator e protagonista de sua própria

vivência, valorizando a inter-relação com outros protagonistas como fundamental para a

saúde e atuação no mundo. A ação humana é composta de papéis e dos vínculos que são

estabelecidos na complementação desses papéis sociais. Por exemplo, de educando/educador,

pai/filho, patrão/empregado, e assim por diante. Para Maria da Penha Nery (2003), os dramas

da existência estão imersos na complementação dos papéis e na modalidade vincular

aprendida nas vivências afetivas, principalmente na família e nas relações sociais.

Como seres sociais e culturais, recebemos a vida e a transmitimos, assim como também

recebemos e transmitimos a cultura. Segundo Ernest Cassirer (1976, p.104), o homem não

pode encontrar-se, não pode ter consciência da sua individualidade, senão por intermédio do

social. A vida, e também a cultura, nos são dadas através das relações. A escola, a exemplo

da sociedade, é um território minado por desencontros, isolamentos, violências, salvo algumas

experiências bem sucedidas para a convivência pacífica, de modo geral a dinâmica intra-

escolar é marcada por conflitos e antagonismos, que vão desde as relações entre direção,

professores, especialistas, educandos e até mesmo entre o conhecimento acadêmico e o

conhecimento cotidiano. Visto por esse viés, estamos diante de um grande desafio: como

conviver com as diferenças, como transmitir a riqueza dos nossos bens culturais, se não

buscarmos formas alternativas de superar o individualismo, a fragmentação, expressas na

realidade dessas relações?

Enquanto método, este estudo referencia-se no Sociodrama Pedagógico, contribuição de

Jacob Levy Moreno (1993a, p.411), um trabalho com grupos, visto como “um método de ação

profunda que trata das relações intergrupais e das ideologias coletivas”. Compartilho também

com a visão de Marlene Marra (2004, p.20), que diz: “o sociodrama é considerado um

paradigma de co-construção do saber, estabelecendo uma ponte criativa e co-responsável

entre os participantes do grupo, própria de todo conhecimento”. Também tem como base a

ludicidade, vista a partir da experiência interna do sujeito. Para Luckesi (2000, p.21) “a

atividade lúdica propicia uma experiência de plenitude; quando nos entregamos a ela, nos

envolvemos por completo, estamos inteiros, belos, flexíveis, alegres, saudáveis. [...] Brincar,

jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente ao mesmo

tempo”.

Pretende-se focar a pesquisa no uso de atividades; lúdicas e sociopsicodramáticas de

forma concomitante, acreditando que elas podem propiciar a educadores e educandos um

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processo de vinculação e também possibilitar uma melhor convivência e uma mais satisfatória

aprendizagem. Neste sentido, é que pergunto: Como a ludicidade e o sociodrama contribuem

para a formação de vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica escolar? Como este

vínculo interfere na aprendizagem e na convivência entre educadores e educandos?

A abordagem será qualitativa, com a proposta metodológica da pesquisa-ação de Barbier

(1985), Moreno (1993a, 1993b, 1994), Bogdan e Biklen (1994), com a interação do

pesquisador e o grupo envolvido na situação investigativa. O referencial teórico-metodológico

fundamenta-se nas contribuições de Jacob Levi Moreno (1983, 1993a, 1993b), Cipriano

Luckesi (2000, 2002), Pichón-Riviére (1998a, 1998b), Paulo Freire (1996, 2005).

As atividades vivenciais terão caráter pedagógico e não terapêutico, apesar dos

benefícios de ordem terapêutica que podem proporcionar; o propósito é subsidiar uma prática

educativa lúdica de qualidade, significativa e eficaz, pela criação de vínculos que, por sua vez,

poderão propiciar um ambiente escolar acolhedor e uma aprendizagem mais satisfatória.

O momento exige que não posterguemos mais. É preciso dedicar atenção ao problema

das relações e dos vínculos, principalmente para aqueles que se dedicam à educação de

crianças e jovens, na tentativa de encontrar saídas ou soluções desejáveis para a escola

cumprir o seu papel, que há muito está a desejar, tanto em relação à aprendizagem quanto à

convivência e também quanto ao desenvolvimento dos dons.

Isto posto, acredita-se que esta pesquisa venha a ser mais uma contribuição à educação,

pelas possibilidades da ludicidade e do sociodrama configurarem-se como formas de atuação

didático-pedagógica, facilitadora da aprendizagem e da convivência, questões atualmente

preocupantes no cotidiano escolar.

Na tentativa de levar o leitor a compreender não só a minha trajetória e a relação com o

tema, mas também todo o processo de pesquisa – desenvolvimento das atividades,

dificuldades, descobertas, conflitos, fragilidade intelectual e emocional, mudanças ocorridas

como parte integrante da intervenção – dividirei este texto em três partes:

A primeira parte, Por quê chego à pesquisa: da experiência ao desafio de pesquisar,

faço uma incursão pelos meandros da vida profissional que considero importante na minha

constituição de sujeito comprometido com uma visão de ser humano e de mundo, e também o

percurso teórico/metodológico que fundamenta a ludicidade, o sociodrama e o vínculo.

Na segunda parte, Intervenção investigativa: a ludicidade e o sociodrama mediando

o drama escolar, trago para o centro do palco os atores sociais da escola, o contexto e as

atividades desenvolvidas, desde os instrumentos diagnósticos e pós-gnósticos, como também

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as cenas que dinamizaram o drama da prática educativa escolar, na busca de estabelecimento

e compreensão dos vínculos entre educador e educandos.

A terceira parte, Solilóquios e colóquios de uma pesquisadora: labirintos de uma

jornada, descreverá o caminho percorrido como uma história de surpresas, auto-engano, da

iluminação do campo e das mudanças ocorridas nos sentimentos, conhecimentos e ações do

pesquisador.

Em síntese, a pesquisa tem como objetivo analisar e compreender como a prática da

ludicidade e o sociodrama contribuem para a formação de vínculos entre os sujeitos da práxis

pedagógica escolar, tendo como foco a aprendizagem e a convivência. Um estudo que traz as

interfaces de uma iniciativa lúdica e sociodramática, e, na sua totalidade, traz também o fluxo

da alegria, beleza, reflexão, ação e plenitude como processo vital.

1.1 JUSTIFICATIVA

Eles estão jogando o jogo deles. Eles estão jogando de não jogar um jogo. Se eu lhes mostrar que os vejo tal qual eles estão, Quebrarei as regras do seu jogo e receberei a sua punição. O que eu devo, pois, é jogar o jogo deles, o jogo de não ver o jogo que eles jogam.

C. Laing

Vive-se hoje na escola um clima de mal-estar e tensão, advindos de violências e

necessidades diversas, que prejudicam não só o seu funcionamento como instituição

educativa, mas também apontam para a busca de saídas e intervenções coletivas urgentes. São

válidas e proféticas as palavras de Paulo Freire (1987, p. 29) quando coloca como tarefa

pedagógica a humanização e diz: “O problema de sua humanização apesar de sempre haver

sido o problema central, assume hoje, caráter de preocupação iniludível”. Assim também

como as sábias palavras de Miguel Arroyo (2000, p.10) ao afirmar: “Recuperaremos o direito

à Educação Básica universal para além de “toda criança na escola”, se recuperarmos a

centralidade das relações entre educadores e educandos, entre infância e pedagogos”.

Nesse sentido, e tendo presente o dia-a-dia na escola e a forma como os vínculos têm se

dado entre educador–educando, educandos entre si, funcionários, etc., de modo geral, acredito

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que estamos atravessando um período crítico no que diz respeito a formas saudáveis de

convivência. Falando sobre a agressão e os distúrbios que acontecem em sala de aula, Leonel

Correia Pinto (1978) diz que a psiquiatria moderna atribui a causa real dos distúrbios cada vez

menos a causas biológicas e cada vez mais a falhas humanas, à ausência de comunicação e de

consenso válidos, aos déficits da interação social, às desordens da educação. Na escola,

estudantes e professores colocam-se em campos opostos, o que inviabiliza as relações e os

vínculos saudáveis. Vejamos as falas.

Por parte dos alunos, referindo-se à professora:

-“Será que aquela cachorra vem dar aula hoje?”;

-“Aquela vagabunda marcou minha prova... mas deixa estar... se eu me prejudicar, ela

vai ver comigo”;

- “aquela professora é um cavalo batizado, é uma estúpida... mandou a gente parar de

cantar o parabéns.” (ocasião do aniversário da professora e esta rejeitou a festa que

os alunos fizeram, segundo a aluna);

Por parte dos professores, referindo-se aos estudantes:

- “São uns estúpidos, não respeitam mais ninguém”;

- “São uns marginais, vêm pra aula só bagunçar”;

- “Só venho dar aula porque não tenho outro jeito, mas eles não querem nada”;

- “Eu vou falar a verdade... tem hora que a gente perde a paciência e diz o que não

devia, mas eles provocam”.

Um aluno falando de um funcionário:

- “Ele me deu um safanão (agarrou por trás do pescoço), empurrou e disse: ‘Vai

demônio, pra sala de aula’”.

A amostra acima, descrevendo falas que retratam o modo de relação predominante na

escola, deixa explícito como fica difícil também ocorrer a aprendizagem saudável, pois, como

bem diz Rubem Alves (2004), toda experiência de aprendizagem inicia com uma experiência

afetiva. Ao nosso ver, para se criar um clima propício à aprendizagem é necessário o vínculo,

aquela parcela mínima de afeto que nos liga ao objeto do desejo. A própria palavra afeto vem

do latim affecare, que quer dizer “ir atrás”, é um movimento que faz cada um voar em busca

do que o atrai, do objeto sonhado.

Os modelos de relações aos quais estamos submetidos são questões antigas que ainda

não encontraram respostas na atualidade; geralmente vive-se nas escolas relações de

indiferença, competição, violência e eventualmente relações de amizade, caracterizando-se

essencialmente em relações pedagógicas autoritárias e conflituosas. É uma lógica que faz

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parte de um processo excludente, marginal e desumano, para justificar “o cada um por si”

como reflexo das tensões e violências vividas na sociedade. Em função disso, é preciso mexer

realmente na pedagogia escolar, a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real,

penetrar nas escolas públicas e olhar os sujeitos, considerando o que diz Paulo Freire (1996,

p.74): “O combate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela mesma quanto

dela faz parte o respeito que o professor deve ter à identidade do educando, à sua pessoa, a

seu direito de ser”. Olhando por esse viés, é possível perceber que como seres humanos

somos proibidos de ser pelas práticas autoritárias, desumanas, onde as relações na escola se

dão na maioria das vezes de forma conflitiva entre opressores e oprimidos.

Assim sendo, esta pesquisa realizada ao longo de dois semestres, através de uma

intervenção com atividades lúdicas e sociodramáticas numa escola pública da cidade de

Salvador, Bahia, investiga os meios pelos quais os vínculos entre educandos e entre

educandos e educadores podem ser construídos, o que acredito, viabiliza a redução dos

processos de violência, observados na escola pública, assim como a melhoria na

aprendizagem, influenciada por vínculos mais sintônicos, o que vem justificar um trabalho

dessa natureza.

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2 POR QUÊ CHEGO À PESQUISA: DA EXPERIÊNCIA AO DESAFIO

DE PESQUISAR

Aquele que não sabe o que se passa recorda para salvar a interrupção de seu relato, pois não é de todo infeliz aquele que pode contar a si mesmo a sua história.

Maria Zambrano

Vou fazer uma pequena reconstrução da minha trajetória pessoal/profissional, não só

para o entendimento do processo mas também para resgatar os sentidos, ampliar o olhar e

honrar o passado como o alicerce do que hoje se anuncia.

Desde os 15 anos de idade, lido com a Educação. Aos 19 anos, tornei-me oficialmente

professora, no Colégio Santa Eufrásia, na cidade da Barra, interior da Bahia, onde estudei do

curso primário ao normal. As primeiras experiências de ensino foram pautadas pela

criatividade e ludicidade, como recurso pedagógico para atrair os educandos, usado de modo

intuitivo, sem fundamentação teórica, pela necessidade mesma de ser respeitada, já que era

jovem e alguns dos educandos eram meus contemporâneos e a disciplina que lecionava, a

meu ver, precisava ter um diferencial. Durante o tempo que trabalhei no colégio, coordenei

campeonatos esportivos, ginásticas rítmicas, apresentações artísticas, folclóricas, teatro, etc.,

envolvida também com a comunidade.

Em 1975, recebo uma proposta da diretora do Colégio Santa Eufrásia, Irmã Maria Julia

de A. Lima, para estudar Pedagogia em Fortaleza, com o compromisso de voltar e ajudar o

colégio. Como moradora ribeirinha do rio São Francisco, era preciso banhar em outras fontes,

as águas do conhecimento acadêmico não chegavam até lá. Em 1976, sigo o meu desejo e

inicio no segundo semestre o curso de Pedagogia, na Universidade Federal do Ceará. Nessa

fonte mitigo a grande sede de conhecimento, usufruo da sabedoria de grandes mestres como:

Emília Veloso, Lindir, Meirecele, Lourdinha Peixoto, Nicolino, Teresinha Vieira, Maria

Damasceno e outros, de modo especial destaco, Leonel Correia Pinto que me encantou com

sua visão integrada da educação, ao dar ênfase ao sentir, pensar e agir, hoje fortalecida pela

visão da ludicidade, que é também integrativa. Fora da universidade, continuo garimpando as

artes e começo a freqüentar um grupo folclórico do SESI, dirigido pela professora Maristela

Holanda. Com a colaboração do grupo folclórico, do colégio e das pessoas da cidade (Barra),

fomos em excursão e fizemos uma apresentação pública num clube da cidade.

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Em 1980, retorno à Barra e reassumo a função de professora e coordenadora do Colégio

Santa Eufrásia e professora no Colégio Professor Elísio Mourão. Na função de professora e

coordenadora, sempre dei atenção especial à arte, à cultura, e ao teatro, como recursos

inestimáveis no processo educativo. Organizei um grupo folclórico, preparamos uma peça de

teatro e saímos apresentando em algumas cidades ribeirinhas do Rio São Francisco para

ajudar o colégio. Depois de quatro anos servindo nessa instituição e na comunidade, vim

transferida para Salvador, onde pretendia dar continuidade aos estudos com o mestrado. Por

motivo de força maior interrompi por alguns anos esse sonho.

Depois de 15 anos de experiência como professora e coordenadora pedagógica em

diferentes níveis de ensino, em escolas particulares e estaduais, vinha a cada ano, observando

o grau de insatisfação e de apatia em relação ao processo pedagógico, também a violência,

assim como relações estremecidas entre professores, alunos e funcionários dentro da

instituição escolar. Como coordenadora percebia que as queixas por parte dos professores,

pais, educandos e funcionários se intensificavam, a falta de motivação era geral. Comecei a

buscar alternativas para melhorar também a minha prática, pois compreendia que cuidando

somente das inovações pedagógicas e planejamentos, ficava difícil de estabelecer um contato

pessoal com o professor e também com o educando. Utilizo a Dinâmica de Grupo e percebo

que o caminho é o grupo.

Em 1990, inicio a especialização em Psicodrama Pedagógico no Centro de Psicodrama e

Sociodrama (CEPS) – Salvador Bahia, onde elaborei o texto monográfico A arte do Encontro:

um convite ao Educador, tendo em vista a titulação de Psicodramatista Aplicado (Educação),

concedido pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP) R.G.234, em 31/10/ 2001.

Nesse ínterim, intensifiquei a minha compreensão da relação pedagógica, iniciada na

faculdade e que já vinha sendo influenciada por leituras de Paulo Freire (1987), de Carl

Rogers (1977), de Rollo May (1993), de Leonel Correia Pinto (1978), dentre outros,

defensores de uma relação mais dialógica e afetiva entre educador e educando. Com o método

educacional psicodramático ampliou essa visão e intensificou o meu percurso profissional, já

marcado pela arte e ludicidade, pois, como afirma Maria Alicia Romaña (1992, p. 61),

acredito que:

Como educadores, entre outras coisas, nós temos uma dupla responsabilidade: de um lado devemos passar o conhecimento no ponto de consenso científico em que se encontra, e de outro devemos favorecer e mesmo provocar possíveis rupturas na “ordem” ou “conservação” desses conhecimentos para estimular novas respostas aos desafios e contradições da realidade.

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O psicodrama encantou o meu caminho. Como educadora andava à procura de um

método que associasse ludicidade, arte, afetividade, criticidade, alegria, etc.; esses segmentos

estão ativamente contemplados, porque o método educacional psicodrámático articula

situações em que o conhecimento circula junto à própria vida, são fatos experimentados,

conhecidos ou incorporados como bagagem, como informação, retrabalhados através de

técnicas ativas. As dramatizações reproduzem a realidade do conhecimento: situações em que

este é conseqüência de um saber adquirido na instituição escolar, situações em que é mostrado

através de uma imagem simbólica ou situações que estimulam a imaginação, a construção de

uma fantasia. Quero lembrar que junto a todos esses elementos dinâmicos, lúdicos, temos

também as tensões e conflitos que ocorrem às vezes com grande intensidade ao acessar o

contato com as fixações do passado e os vínculos conflitivos experimentados em relações

anteriores ou atuais. Por isso, nem tudo é só alegria. Lembro mais uma vez que não aprofundo

e nem trabalho questões pessoais, acolho e as encaminho a outro setting.

Depois do Curso de Especialização em 2001, percebi que precisava voltar à

Universidade e após uma boa dose de esforço e busca, me inscrevi como aluna especial do

Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Bahia

(PPGE/UFBA).

Em 2002, vou a Faculdade de Educação, pois o semestre letivo iria iniciar naquele dia,

uma nova turma de Ludopedagogia I, com os professores Dra. Bernadete Porto e Dr. Cipriano

Carlos Luckesi. Com muita vontade, mas com muito medo, me dirijo ao Dr. Cipriano Luckesi

e peço-lhe que me deixe assistir às aulas,como aluna ouvinte, porque já havia me inscrito e

não havia sido selecionada para fazer aquela disciplina, que tanto desejava. Em primeira mão,

delicadamente, falou-me que como a procura pela disciplina, era muito grande, os professores

haviam colocado mais alunos do que o previsto e essa turma estava lotada; mas que ficasse ali

aguardando, porque ministrava essa disciplina com outra professora; ela havia saído, quando

voltasse ia perguntar se era possível incluir mais um estudante. Fiquei por ali, meio

apreensiva e triste, com receio da decisão, que até certo ponto me parecia naquele momento

estar nas mãos daquela professora. Logo depois, ela chegou, não tirei os olhos dela e nem do

professor. Lembro-me da consulta, mas o que marcou profundamente foram as palavras de

ouro proferidas por ela: “deixe ela ficar”. Não me contive de alegria. Freqüentei todas essas

aulas com o maior empenho, entusiasmo e alegria.

Em 2003, fui matriculada como aluna regular na disciplina Ludopedagogia II; a partir

daí, minha vida mudou para melhor, em todos os sentidos. A Ludicidade somando-se com a

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espontaneidade/criatividade do psicodrama me ajudaram a não esconder essa história,

expressando-a com mais consciência e clareza no plano profissional e pessoal.

Nesse mesmo ano de 2003, no primeiro semestre, recebi um convite para fazer uma

oficina com professores e estudantes numa escola estadual de grande porte em Salvador,

situada num bairro de periferia. Ao entrar em contato com a Direção da Escola, ficamos

sabendo, minha colega e eu, que o objetivo do encontro de quatro horas era trabalhar com os

representantes e vice-representantes de classe da 5ª e 6ª séries. O objetivo era melhorar a

disciplina e o comportamento agressivo entre os estudantes da turma. A idade variava entre 11

a 15 anos, e a dupla de representantes, depois da oficina, deveria influenciar os colegas no

sentido de melhorar o comportamento e a agressividade. No meu entendimento, essa oficina

deveria ser feita com toda a turma, para que os estudantes tivessem a oportunidade de

observar e modificar o comportamento, na ação grupal, através da comunicação assertiva, da

escuta sensível, do diálogo, num ambiente protegido, como é o caso do sociodrama. Fica

difícil para dois adolescentes (representantes) darem conta de tal tarefa, servirem de modelo e

porta-voz da turma. É importante refletir que a direção justificou que não dispunha de verba

para fazer um trabalho com todos os grupos. Com esses paliativos a violência vai fazendo

impiedosamente muitas vítimas.

Com os professores dessas séries (5ª e 6ª), foi feita uma oficina de quatro horas. Em

princípio foi falado para trabalhar as relações interpessoais; como no sociodrama trabalha-se

com o emergente grupal, surgiram cenas de insatisfação com a indisciplina dos educandos, de

conflitos entre professores e educandos, a violência no ensino noturno e as queixas com as

condições de trabalho. O Sociodrama Pedagógico, cuja descrição será feita com mais detalhes

adiante, de antemão nesse grupo, possibilitou a dramatização de cenas cotidianas, mostrando

as dificuldades que se dão nas relações do dia-a-dia, com violências não só físicas, mas

também verbais, agressões veladas e explícitas.

Vou destacar dois fatos que me chamaram a atenção nesse trabalho. Observei no

desenvolvimento das atividades, que havia o retraimento de vários educandos tanto na fala

quanto na expressão corporal; alguns eram mais soltos, falantes, principalmente os maiores.

Observei também que havia alguma coisa que impedia a espontaneidade naquele grupo, mas

não detectava exatamente o quê. Depois de alguns exercícios de aquecimento, inclusive

corporais, aos poucos foram confiando em nós e começaram a se abrir. A consigna num

trabalho de grupo, era que falassem do que gostavam e não gostavam na escola. No momento

de compartilhar, falaram muitas coisas, e dentre elas o que mais os apavorava: era a maldade

e a violência que acontecia entre colegas. Para confirmar, contaram alguns episódios. Destaco

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somente um, em que alguns educandos de uma turma, após a saída do colégio, pegaram e

amarraram os membros de um colega e aplicaram-lhe alguns choques numa fiação elétrica

encontrada num matagal no caminho da escola. Durante a oficina, era impressionante o olhar

de pavor dos alunos menores nesse grupo, infiro que, no dia-a-dia, precisavam se proteger,

sob pena de serem agredidos. A partir daí comecei a entender o olhar assustado dos menores.

A segunda cena foi entre o funcionário que tomava conta do corredor e um estudante que ali

estava, vindo do banheiro, quando foi agarrado pelo colarinho da camisa e empurrado para a

sala de aula com força e ainda ouvindo “vai para a sala de aula demônio”. Pelo ressentimento,

dramaticidade e desejo de justiça que o educando demonstrou quando narrou, pedi que

mostrasse como foi a cena, para ser trabalhada psicodramaticamente. Depois registrei através

da imagem. Para mim, foi essa a cena:

Figura 1 – O funcionário e o demônio da escola

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Durante o compartilhar, comentamos sobre as situações vivenciadas e soubemos mais

ainda, da suspensão do recreio no pátio da escola, o que obrigava a merenda ser servida em

sala de aula, devido às brigas e conflitos surgidos no período. Diante do quadro de violência

comentado por alunos, professores e direção e também pelas cenas dramatizadas, fiquei em

dúvida sobre o mérito do horário do recreio naquele momento, apesar de acreditar no quanto o

horário do recreio é necessário para as brincadeiras, a troca de amizade, e para o

espairecimento; naquela situação, era um risco, desde que não havia um programa alternativo

para oferecer e o comportamento agressivo e sem limites já estava instalado.

No final desse mesmo ano, soube, pela TV, noticiário local, do assassinato de um aluno

nessa escola. Este fato me tocou profundamente, principalmente pelas discussões que

vínhamos fazendo na disciplina Ludopedagogia II, no Programa de Pós-Graduação em

Educação – UFBA – FACED, com os professores Dra. Bernadete Porto e Dr. Cipriano

Luckesi, tendo como foco a importância da ludicidade na educação. O conteúdo da disciplina

era visto com uma rica fundamentação teórica e a parte prática associada a vivências, jogos,

brincadeiras, tornando o ambiente educativo, lúdico, de crescimento pessoal e profissional.

Foi a partir dos links com esses fatos que começei a vislumbrar a Ludicidade associada

ao Sociodrama, como possibilidade deste espaço do jogar-brincar num contexto social mais

livre, amplo e flexível; com a possibilidade de trabalhar os conteúdos que são objetos da

educação, não só no sentido da educação formal (ensino), mas também informal, como meio

de crescimento pessoal e como agentes transformadores da realidade.

Baseada na minha experiência como professora, com formação lúdica e especialização

em Psicodrama Pedagógico, senti-me motivada a trabalhar neste projeto, através de uma

intervenção investigativa, por desejar contribuir nessa linha de pesquisa para um maior

aprofundamento, análise e identificação do quanto a junção dessas abordagens, poderá

influenciar positivamente no processo facilitador da aprendizagem e da convivência escolar..

Para dar maior sentido a essa caminhada, em 2005 entrei para o Mestrado, tendo como

objeto de pesquisa o “Vínculo” e como mediadores a Ludicidade e o Sociodrama, por

acreditar não só no potencial das duas abordagens, mas também pela necessidade do vínculo

na prática educativa escolar, para que tenhamos relações humanas mais amorosas, saudáveis,

eficazes, a diminuição da violência escolar, e também para que a aprendizagem ocorra num

ambiente rico em oportunidades, pela compreensão da interação na construção do

conhecimento como nos fez compreender Vygotsky (1999 apud COLL, 2000, p. 88). A sua

pesquisa é um referencial, por apontar a importância da atividade construtiva do aluno como

um elemento num emaranhado de relações sociais e interpessoais, e o desenvolvimento que os

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alunos experimentam no decorrer do ciclo vital é conseqüência dessas interações com

professores, colegas, funcionários, pais, etc.

Assim como Vygotsky – Pichon, Rogers, Moreno são outros defensores da dimensão

relacional; o ponto chave a ser destacado neste estudo, é compreender o potencial da

ludicidade e do sociodrama na construção do vínculo no contexto escolar, tornando o

conhecimento científico uma extensão do conhecimento da vida pelas cenas cotidianas

ampliadas reflexivamente na ação dessas duas abordagens.

2.1 ANTES QUE SEJA TARDE... VAMOS AO PROBLEMA E AOS OBJETIVOS

Fui ficando só, sem cuidados. Todos os que nos cuidavam tomaram outros rumos e, com eles, foi-se o carinho de que eu vivia. De novo voltam a preocupar-se comigo não por cuidado, mas por medo. Porque me tornei um incômodo.

Fernando Pessoa

A violência na escola hoje é uma realidade explícita, não tem como obscurecer. Mas, é a

partir da lógica do bem estar, da convivência pacífica e do desenvolvimento pessoal, é que

proponho saídas para esta realidade que nos convoca ao humanizar as relações, a convivência,

pelas possibilidades que o ser humano traz dentro de si para construir ambientes mais

amistosos e sintônicos. Existe a possibilidade de ficarmos neutros e omissos diante da

violência e do mal-estar causado pela conduta dos educandos, considerar que tudo está

perdido ou tentar mudanças, não só no campo do conhecimento, mas, principalmente, no

campo da ética, da cultura e dos valores. Paulo Freire (2005, p.31) já alertava:

Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos” e se inquietam por saber mais. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas levam a novas perguntas. O problema de sua humanização, apesar de haver sido, de um ponto de vista axiológico, o seu problema central, assume hoje, caráter de preocupação iniludível.

Como já foi afirmado anteriormente, a qualidade das relações, do vínculo afetivo e dos

valores que permeiam a ação educativa interferem não só na aprendizagem, mas também nas

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relações de respeito, convivência e auto-estima dos sujeitos da práxis pedagógica. Miguel

Arroyo (2000), com muita propriedade, diz que o momento exige que tragamos para o centro

do palco os educandos, que estão nos obrigando a enxergá-los; dar-lhes vez, voz, espaços e

tempos, que dê um novo foco e sentido a sua trajetória escolar. Com base em estudos teóricos

e práticos, me propus a fazer essa intervenção em sala de aula e, especificamente, trouxe para

investigar a questão do vínculo entre professores e educandos, e educandos entre si, como

recurso básico para a convivência e a aprendizagem, trabalhando com o lúdico nesse contexto.

Nesse sentido, trago a seguinte questão como fundamental: Como a ludicidade e o

sociodrama contribuem para a formação dos vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica

escolar? Daí decorre um novo questionamento: como este vínculo interfere na convivência e

no processo de aprendizagem na escola?

A necessidade de estudar os vínculos na relação humana é bastante antiga, desde a

Paidéia grega que entende a educação como um processo de construção consciente, sendo

seus dois grandes objetivos: a conquista do eu verdadeiro (no plano individual) e o

desenvolvimento pleno da ética criadora (no plano social), além de uma atitude cognoscitiva,

uma atitude afetiva e espiritual. Tal desafio propõe, constitutivamente, a humanidade como

um todo, e os indivíduos, em particular.Temos um corpo organizado, assim como um mental

(conhecimentos) relativamente bem organizado. Porém, os campos emocional e espiritual

estão precariamente organizados. Emocional e espiritualmente, ainda estamos muito longe de

ter minimamente uma forma organizada de agir e de se relacionar.

Em nossos dias, a educação é vista pela maioria da população como responsável pelo

desenvolvimento humano e como uma ponte entre o presente e o futuro das novas gerações.

Tem, além de outras prerrogativas, o desafio de democratizar o conhecimento construído ao

longo da história pela humanidade, propiciando a aprendizagem de experiências e

possibilidades de viver e conviver. Mas, na realidade, estamos longe desse ideal, o momento

configura-se como dramático e ao mesmo tempo alentador para a busca de alternativas.

Vários pensadores contemporâneos trazem elementos de compreensão crítica sobre a

profunda crise que estamos atravessando e sobre a complexidade desse processo. As formas

de relações dos seres humanos entre si e destes com o mundo exterior, conforme Maffesoli

(1998), Morin (2000), Pearce (1989), têm provocado variadas compreensões sobre a

modernidade/pós-modernidade, e assim como sobre desenvolvimento/sociedade. Sobre isso,

Castoriadis (1982) diz que, apesar das significativas transformações sociais não conseguimos

uma nova visão de sociedade.

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Vivemos num modelo social que ainda se expande sobre a forma capitalista. Na

sociedade capitalista, o vínculo básico entre as pessoas está configurado pelas relações de

produção, entre aquele que detém o meio de produção e aquele que produz. Esse modelo

hierárquico e autoritário de relação se reproduz em todos as outras relações, tais como

familiares, educativas, religiosas. Nesse contexto, o vínculo não se apresenta como um fator

fundamental na vida social.

O conhecimento como um bem coletivo deveria estar comprometido com a

transformação concreta do mundo, de acordo com os interesses e as necessidades da

sociedade. Tomar o ato educativo por essa via é levar em conta uma lógica, que possibilite o

enfrentamento das questões concretas a que os seres humanos estão submetidos na escola e

também nas relações sociais e produtivas, do capitalismo excludente. É importante também

considerar o caráter relacional da prática educativa, pois é na interação que o sujeito organiza

o mundo em que vive e representa para si essas relações. Assim, na troca com o outro, é que o

indivíduo aprende. Neste sentido, o fenômeno educativo inclui muitas dimensões: a dimensão

social, a do outro, a dimensão política, a dimensão dialógica, na própria construção do

pensamento, entendendo que a sala de aula constitui um campo propício para essas práticas,

uma vez que as relações na escola retratam as relações na sociedade.

Desse modo, compreende-se que na práxis pedagógica é importante lembrar que a busca

do ser mais, de que nos fala Freire (2005), não pode realizar-se no isolamento, no

individualismo, mas, sim, na comunhão, na solidariedade entre os seres humanos. É, portanto,

necessária uma educação que viabilize a sala de aula como o espaço da interação de um

coletivo de sujeitos não mais numa concepção “bancária”, marcada pela indiferença, quando

não por violências, mas numa relação com o conhecimento, com o outro e com o mundo,

construída na abertura, respeito e diálogo. O professor Antonio Nóvoa (2002, p. 24) ao tratar

da formação de professores, diz:

[...] Os professores vivem num espaço carregado de afetos, de

sentimentos e de conflitos. Quantas vezes prefeririam não se envolver... Mas sabem que tal distanciamento seria a negação do seu próprio trabalho. [...] Os professores têm de ser formados, não apenas para uma relação pedagógica com os alunos mas também para uma relação social com as comunidades locais.

Pensando nessa perspectiva, é preciso dar atenção à prática que propicia, ao mesmo

tempo, o crescimento bio-psíquico e espiritual dos participantes do processo educativo,

colocando o conhecimento a serviço do bem estar humano.

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Jacques Delors (1999), no seu Relatório para a Unesco, sintetiza Os Quatro Pilares da

Educação para o Século XXI, assim ditos: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a

viver juntos, aprender a ser. Trabalhar esses aspectos implica o desenvolvimento das

múltiplas capacidades do ser humano e não apenas o desenvolvimento cognitivo fornecendo

os elementos para a resolução de problemas e para avançar na compreensão da realidade. Daí

o questionamento: como construir essa relação ou essa formação, sem que as atividades

estejam focadas nessa finalidade e sem que se oportunize experiências voltadas para isso?

Se nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do conjunto de

papéis que exercemos e das nossas predisposições hereditárias, a convivência com o outro é

fundamental para o desenvolvimento de qualidades pessoais e sociais.

Acredito que essa seja uma questão emergente e tal como Luckesi (1994), reitero que os

sujeitos da prática educativa não estão dados definitivamente, devem ser repensados e

recompreendidos, para que tenhamos um ambiente escolar mais acolhedor, afetivo, de

aprendizagem, onde todos tenham acesso a relações mais justas e mais respeitosas.

Na tentativa de obter explicação para o foco deste estudo foram traçados os seguintes

objetivos:

2.1.1 Objetivo Geral

Analisar e compreender como a prática da ludicidade e do sociodrama pode contribuir

para a formação e/ou melhoria dos vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica, tendo

como conseqüência convivência e aprendizagem.

2.1.2 Objetivos Específicos

a) Descrever o vínculo existente entre professor e alunos entre si, no início e no

final da intervenção investigativa.

b) Identificar como a ludicidade e o sociodrama como recursos de investigação e

intervenção interferem na formação e /ou na melhoria do vínculo.

c) Analisar influências do vínculo na convivência e na aprendizagem.

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3 ABORDAGEM METODOLÓGICA

Toda relação educativa será o encontro dos mestres do viver e do ser, com os iniciantes nas artes de viver e de ser gente. Os mestres no centro da pedagogia, não apêndices.

Miguel Arroyo

Esta investigação, ao propor o uso da ludicidade e do sociodrama, como métodos para o

estabelecimento de vínculos na práxis pedagógica, busca trazer um modo pedagógico de

intervir a partir de uma metodologia que trabalha não apenas o indivíduo, mas também os

vínculos e a aprendizagem dentro dos grupos.

O fato de eleger a pesquisa qualitativa na modalidade de pesquisa-ação e o seu suporte

teórico foi por considerar a metodologia mais adequada para o estudo desenvolvido. A

pesquisa-ação encaixa-se num pressuposto de pesquisa articulada a uma ação educativa, que

considere a complexidade do fenômeno estudado e a intervenção entre o pesquisador e as

pessoas envolvidas na situação investigada. Para Thiollent (2000, p. 14) este é um:

[...] tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e

realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes são representativos da situação ou do problema que estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Apesar de utilizar uma metodologia de ação, a pesquisa não se restringiu ao ativismo,

considerou o contexto escolar um espaço de construção de novos significados, estando o

conhecimento e a ação no centro da problemática metodológica qualitativa assumida. A

relação do pesquisador e pesquisado é um aspecto constitutivo da pesquisa, levando em conta

as interações e influências recíprocas que afetam os sujeitos na situação.

O referencial epistemológico qualitativo abre espaço para a utilização de uma variedade

de métodos e técnicas como afirma Valéria Brito (2006, p. 31):

A epistemologia qualitativa nos permite adotar um conjunto articulado de princípios de pesquisa simultaneamente rigoroso e flexível, que nos liberta das amarras dos princípios conservados em relação à pesquisa cientifica derivada do positivismo.

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Cabe aqui distinguir os termos “metodologia” e “método” para delinear os sentidos

desses dois pólos e os critérios utilizados neste estudo. Portanto, a “metodologia” é vista

como um conjunto de métodos ou o plano estratégico favorável ao alcance dos resultados;

enquanto o “método” é o caminho percorrido, onde se estabelece objetivos, reflete-se,

pesquisa-se e utiliza-se técnicas para atingir o objetivo da metodologia.

Como metodologia de investigação, utilizei a pesquisa qualitativa porque esta possibilita

o uso de uma pesquisa educacional inspirada na sociologia cotidiana, trabalhando a relação

dos sujeitos envolvidos na ação educativa; nesse caso, com o Sociodrama e a Ludicidade,

duas abordagens pedagógicas afins. São também vitais, por valorizar qualidades identificadas

com a própria natureza humana (liberdade, espontaneidade, criatividade) e por utilizar o jogo

como forma de interação, baseando-se em conceitos da sociologia, psicologia, educação,

cultura, arte, etc.

Como método, utilizei o Psicodrama de Moreno (1993a) e suas vertentes: psicodrama

pedagógico, sociodrama, sociometria e outros recursos do método, descritos na intervenção

investigativa, capítulo 4. Ratifico as palavras de Valéria Brito (2006, p. 36) que faz o seguinte

registro:

Moreno é um cientista que nos conclama a uma forma mais engajada, alegre e flexível de conhecer a dor humana, uma forma eminentemente relacional, qualitativa. Nosso conhecimento teórico limita-se a um conjunto de conceitos suficientemente flexíveis para nos permitir ingressar no mundo fenomenológico de pessoas e grupos. Psicodramatistas realizam encenações dramáticas a fim de conhecer e tratar a dimensão subjetiva, psicológica, das pessoas com as próprias pessoas.

A pesquisa-ação centra-se nas vivências de atividades lúdicas e sociodramáticas, com o

intuito de observar as relações vividas antes que conhecidas e expressas na realidade dos

vínculos. A expressão epistemologia qualitativa utilizada neste texto é a de Brito ( 2006, p.29)

que: “designa um conjunto amplo de formas de gerar conhecimentos que privilegia a

dimensão subjetiva, singular, sócio-histórica da experiência humana”. Essa abordagem de

pesquisa tem suas raízes teóricas na fenomenologia. Como assinala Berger e Luckman (1985

apud ANDRÉ, 1985, p.18):

A fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos do comportameno humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária. O

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mundo do sujeito, as suas experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são, portanto, os núcleos de atenção na fenomenologia. Na visão da fenomenologia é o sentido dado a essas experiências que constitui a realidade, ou seja, a realidade é “socialmente construída”.

Nesse sentido, as atividades propostas surgem a partir do contexto, os temas trabalhados

tem a ver com a demanda do grupo, como é possível observar na descrição das atividades realizadas, mais adiante. Uma das características da teoria do psicodrama, é privilegiar a ação em status nascendi, ou seja, o momento primário da criação.

3.1 O VÍNCULO COMO PONTE PARA O DESENVOLVIMENTO

INTERPESSOAL

O homem que vive no arbitrário não crê e não se oferece ao encontro. Ele desconhece o vínculo; ele só conhece o mundo febril do “lá fora” e seu prazer febril do qual ela sabe se servir.

Martim Buber

Em função de buscar respostas para compreender como o vínculo é tão significativo

para a convivência e a aprendizagem, é também importante mostrar de qual lugar estou

considerando o vínculo.

A palavra vínculo é derivada do latim vinculu, significa tudo que ata, liga ou aperta,

segundo o Dicionário Aurélio: 1. De modo geral, pode ser traduzida pelo termo “relação”. No

castelhano mantém, ao mesmo tempo, o significado de atadura e compromisso. No italiano

(toscano) falar de vínculos é sinônimo de cordas ou de laços.

Além de Freud e Pichón-Riviére (1998b), Jacob Levi Moreno (1993a), em seus escritos

em torno do vínculo, é considerado como um pioneiro da psicologia do relacional. Suas

contribuições, especialmente as que propõem o sociodrama, são uma forma de fundamentar a

compreensão e a transformação das instituições pelo desenvolvimento de conceitos sobre a

formação e a dinâmica dos vínculos, o tratamento dos grupos e das relações; vem, portanto,

subsidiar as metodologias e epistemologias pós-modernas, pela busca da verdade

contextualizada na ação e na complexidade relacional dos sujeitos. Para Moreno (apud

NERY, 2003, p. 16): “Nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do

conjunto de papéis que exercemos, dos papéis que estão contidos ou reprimidos, da nossa

modalidade vincular, assim como das nossas predisposições hereditárias.”

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Assim, num mundo onde a violência é uma anomalia que cresce de forma assustadora

em todas as experiências da vida social, conseqüentemente extensiva à escola, o que torna

esse ambiente inseguro, violento, fomentador de isolamentos (muito embora também favoreça

amizades); desta forma, pensar o vínculo na prática pedagógica é pensar no processo de

humanização que se faz urgente, associado a ações para transformar essa realidade.

O que se vive hoje é resultante da desumanização, como uma realidade histórica

inseparável dos processos civilizatórios, dos processos de produção, acumulação de riquezas,

apropriação do conhecimento, da ciência, da cultura e exercício de poder. Desta maneira,

entende-se a necessidade de um novo olhar sobre o papel da escola. Assim, devemos enfatizar

que os encontros sempre se dão dentro de um grupo em relação, todavia, nem sempre vínculos

saudáveis são estabelecidos. Apesar da importância dos vínculos na construção do

conhecimento, nem sempre educadores e educandos estão preocupados com eles.

Segundo Paulo Freire (2005, p. 65):

Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras.

A questão da afetividade na relação educativa é reforçada por este autor em foco quando

diz que: “a competência técnica científica e o rigor acadêmico de que o professor não deve

abrir mão no desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a amorosidade

necessária às relações educativas” (FREIRE, 1996, p.11).

Da mesma forma, na abordagem do vínculo, Pichon-Rivière (1998a, p.31) afirma que:

“O vínculo é sempre um vínculo social, mesmo sendo com uma só pessoa, através da relação

com essa pessoa repete-se uma história de vínculo determinada em um tempo e em espaços

determinados. Por essa razão, o vínculo se relaciona posteriormente com a noção de papel, de

status e de comunicação”.

Ainda seguindo esse raciocínio, temos Maria Alicia Romaña (1987) que, na prática

pedagógica escolar, ajuda a compreender a potencialidade educativa das relações entre os

sujeitos da práxis pedagógica considerando que o importante é relacionar-se com o fenômeno

e aprender com ele. A autora afirma que “Acreditamos que existe educação na medida em que

existem ações adequadas, criativas e autônomas, organizadas através da aquisição e aplicação

de conhecimentos, mas também da interação com os outros e com o meio do qual faz parte o

aluno.” (ROMAÑA, 1987, p.15)

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Jacob Levy Moreno (1993a), criador da Socionomia - ciência das leis sociais, buscando

soluções práticas e reais para o problema do relacionamento humano, em 1914, publicou a

definição do termo "Encontro", através de um poema Convite ao Encontro que abre espaço

para a reflexão sobre “olhar o outro na relação” e vice-versa. Sendo assim, na relação e

atualização do “ser”, está sempre presente o vínculo, um “outro” que vai permitir a

estruturação e diferenciação de um eu adequado aos papéis sociais que a pessoa tem no

momento. A concepção de vínculo em Moreno está fortemente ligado ao conceito de

espontaneidade e criatividade que é a capacidade que todos os seres humanos possuem de

desenvolver condutas afetivas, cognitivas, corporais de maneira única e adequando-se ao

contexto social, sem interferência de relações prévias para este processo.

Um aspecto importante relacionado ao vínculo na teoria de Moreno é o conceito de –

transferência – que significa desenvolvimento de fantasias (inconscientes) que se projeta no

outro através do vínculo, são objetos internos introjetados em relações interpessoais

anteriores, fundamentalmente de caráter primário (pai/mãe). “Tele” se denomina, a relação

espontânea e criativa, livre de transferência, que ajuda a união dos grupos. De acordo com

esse autor, o sujeito transfere, quando marca de forma mais ou menos rígida e repetitiva um

modelo vincular gerado numa relação anterior e quer adaptar a outras relações que não

necessariamente requerem este modelo vincular. Uma pessoa reproduz no vínculo com o

grupo, a posição sociométrica, que tem na vida. A transferência grupal é a reprodução de um

sistema vincular, que estimula a reprodução de matriz de identidade, origem do conflito. Daí o

estudante ficar com um pé atrás com a chegada de um pesquisador, mesmo compartilhando o

papel de professor, é necessário um tempo para confiar.

Outra característica inerente ao vínculo é a complementariedade, quer dizer que toda

maneira de vincular-se tem um opositor ou seja, um outro complementar necessário. Por

exemplo: professor – estudante, pai – filho, protetor – protegido, etc. Esta oposição ocorre em

pares, independente do número de sujeitos que estão envolvidos nessa relação simétrica. A

complementação vincular é um processo dinâmico, que se ativa e modifica sobre bases

recíprocas e estimulações das partes do par. Possa ser que um grupo de estudantes desperte,

por alguma razão, num professor o “líder autoritário”, porém noutro grupo, ou mesmo em

outro momento de vida do mesmo professor a um “líder participativo”. Também por outra

parte, o mesmo grupo que despertou num professor o papel autoritário, em outro professor

desperte outro aspecto, e isso por sua vez estimule outro tipo de reações no grupo e outro tipo

particular de complementação. Em resumo, o papel complementar é particular e depende dos

distintos atores. O grau de responsabilidade na situação vincular, dos distintos atores pode ser

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variável; quando são adultos e principalmente estão num vínculo simétrico (par), a

responsabilidade é de ambos. É preciso um olhar cuidadoso quanto ao adulto da relação na

escola. No caso de crianças e adolescentes na escola, algumas vezes o professor assume o

complementar patológico, considerando nesse caso, uma relação de iguais. Observe na

narrativa Flashes da sala de aula uma situação que espelha essa alusão.

Para Pichon-Riviére (1998b) não se pode entender a estrutura de uma doença se não se

procurar entender o conjunto de tensões sociais, de onde esta emerge, nesse sentido utiliza a

interpretação psicoanalítica, analisando a situação de interação e conduta. Desenvolveu o

conceito de Esquema Conceitual Referencial e Operativo (ECRO); este autor entende o

vínculo como um processo dinâmico, num movimento espiral dialético. Este processo, que

também é uma estrutura, pode ter características patológicas, ou normais. Tal como Moreno,

dá um salto qualitativo propondo um modelo mais social da psiquiatria, considerando o

sujeito e o surgimento de patologias, como resultante de uma relação dialética entre sujeitos e

os seus objetos internos e externos.

O conjunto de vínculos, que fazem parte do campo relacional de uma pessoa, é o seu

“átomo social”. Uma técnica psicodramática de diagnóstico permite ver não somente o

conjunto de vínculos relevantes que o sujeito possui, mas também as modalidades destas

relações e a fase de desenvolvimento em que estão. Nesta pesquisa, o teste sociométrico teve

o objetivo diagnóstico, como será descrito adiante, na parte três desta dissertação.

Vivemos num modelo social, que ainda se expande sobre a forma capitalista. Na

sociedade capitalista, o vínculo básico entre as pessoas está configurado pelas relações de

produção, entre aquele que detém o meio de produção e aquele que produz. Esse modelo

hierárquico e autoritário de relação se reproduz em todas as outras relações, tais como

familiares, educativas, religiosas. Nesse contexto, o vínculo não se apresenta como um fator

fundamental na vida social.

Entende-se que existem vários fatores que influenciam a existência de vínculos

saudáveis na prática educativa escolar (relações de poder, projeções, transferência, contra-

transferência, etc.), que necessitam ser desvelados na medida do possível, em função dos

prejuízos que podem causar na relação educando-educador e também na aprendizagem. Na

prática cotidiana escolar já existem alguns princípios que são conhecidos e consagrados como

necessários para que o vínculo e a aprendizagem se dêem, cito alguns: respeito pela

autonomia do aluno, o diálogo, compromisso, afeto, esperança, etc., que ao nosso ver,

precisam ser “vividos antes que conhecidos” (MERLEAU-PONTY, 1975), para abarcar a

totalidade do fenômeno educativo (conhecer, sentir e agir). Nesse sentido, o Sociodrama, a

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Ludicidade propõem trabalhar não só o conhecimento, mas também temas diversos de forma

lúdica, facilitando a expressão da espontaneidade, o surgimento de conflitos, impasses,

dificuldades e as soluções para tais dificuldades num ambiente acolhedor, protegido, e

sensível à expressão de cada um.

Compreender o valor dessa interação é fundamental para uma intervenção competente na

formação dos educandos e no reconhecimento de que as interações concretas entre educando e

educador estão no centro da práxis pedagógica. O trabalho docente é uma atividade que traz a

marca das relações humanas; representa, na nossa opinião, não um aspecto periférico do

trabalho do educador, mas o núcleo de ações que, somadas a outras, no seu conjunto, formam

o sentido do processo de educar – pela compreensão de que os processos interativos são

realizados através da movimentação espontânea dos atores sociais.

Nesta pesquisa, o vínculo se refere ao modo de relacionar-se, os laços que se

estabelecem em torno de cada indivíduo, que no seu conjunto estrutura um “átomo social”,

entendido como o núcleo de todos os indivíduos com quem uma pessoa está relacionada

emocionalmente ou que, ao mesmo tempo estão relacionadas com ela. (MORENO, 1993b, p.

239). Portanto, toda a intervenção terá como centro o vínculo, observando o grupo desde o

ponto em que se encontra as relações; aos poucos, com atividades lúdicas e sociodramáticas,

vai-se percorrendo as sendas e mistérios da convivência no devir, no encontro e na

cotidianidade vivida, antes que conhecida.

O psicodrama é uma teoria que está centrada nas relações humanas, e sua teoria de

espontaneidade/criatividade surge como uma possibilidade do ser humano explorar novas

vivências com os outros, a partir da criação de modalidades vinculares mais sãs, para uma

vida com mais liberdade, alegria e ludicidade.

3.2 SOBRE A LUDICIDADE E O MÉTODO PSICODRAMÁTICO

Essas duas abordagens trazem em comum a ação, o jogo, a brincadeira, como

símbolo da liberdade, mostrando o estar pleno, inteiro na atividade, como condição para

um estado lúdico.

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3.2.1 O que vem a ser ludicidade...

O brincar é criador do sujeito, e possibilitador das inscrições de

vínculos. Alicia Fernandez

O brincar traz em si inúmeras possibilidades, mas também pode ser mero passatempo,

virtualidade, forma de isolamento e não ser garantia de nada. Se considerado como passaporte

para o estar pleno, livre, ativo e forma de conviver com o outro, é uma oportunidade para o

homem compreender-se como ser humano, na perspectiva da relação com o mundo. Nesse

caso, é não só possibilitador da inscrição de vínculos síntônicos, mas também como qualquer

vínculo, pode tornar-se violento desde que o responsável no vínculo assimétrico submeta o

outro ao seu poder, como a mãe que manipula o filho por culpa, o professor que desqualifica

os educandos de várias maneiras, ou ainda o pai que espanca o filho.

Existem diferentes formas de conceber o jogo, a brincadeira, o lúdico, assim como

contradições e crenças que interferem na maneia de vivenciá-los. Dessa forma, muitas vezes,

na escola ouve-se: “coloquem as carteiras no lugar porque acabou a brincadeira, agora é

sério”. Não é tarefa simples e nem fácil conceituar ludicidade. Muitos teóricos têm se

debruçado sobre a questão e várias pesquisas realizadas a partir de diferentes olhares.

Winnicott (1975, p. 63) afirma: “é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde; o

brincar facilita o crescimento e, portanto a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos

grupais”; considero que o brincar é fundamental para o ser humano, daí escolher a ludicidade

e o sociodrama como suportes para a pesquisa.

A minha intenção aqui é apresentar a compreensão da ludicidade adotada neste estudo,

que está ancorada nos estudos do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Ludicidade e

(GEPEL), dentro do PPGE – FACED/UFBA, do qual participo e em cujas reuniões vem não

só aprofundando mas vivenciando atividades lúdicas.

Posso afirmar que o brincar é agradável por si mesmo, mas ao mesmo tempo posso

afirmar também que o brincar pode ser desagradável e pode mesmo não acontecer, se não

houver o vínculo entre os participantes; foi o que pude observar no desenvolvimento das

atividades da pesquisa. Daí concordar com Luckesi (2000, p. 96), quando diz:

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Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a vivencia em seus atos. A experiência de cada um de nós pode ser um bom exemplo de como ela pode ser plena quando a vivenciamos com ludicidade.

Nos relatos da intervenção é possível observar, entre os estudantes do Grupo “A”, a não

participação nas brincadeiras, porque não falavam entre si. Como participar de uma atividade

plenamente com companheiros nos quais não se confia? Com esses colegas nem sempre se

brinca. Daí a postura adotada por mim em não obrigar a participação dos estudantes nas

atividades, mesmo quando a professora regente sugeria ser mais enérgica e exigir a

participação de todos.

Encontro ressonância em Lucia Helena Pereira (2005, p. 94), quando ressalta:

As atividades lúdicas, que tem na busca da alegria e do prazer sua

grande fonte alimentadora, se caracterizam como atividades não impostas, experienciadas individualmente ou compartilhadas, tendo como finalidade a vivência do momento. Possibilitam que a elas nos entreguemos, e, entretecendo símbolos, sonhos, desejos, necessidades, dores e alegrias, nos integremos conosco e com o outro em uma troca tácita e significativa.

A ludicidade aqui é vista a partir da dimensão interna do sujeito que a vivencia,

conceituação de Cipriano Luckesi (2000, p. 21-22), cujas idéias peculiares trazem um novo

olhar para a prática educativa escolar, ao considerar que:

A atividade lúdica propicia um estado de consciência livre dos

controles do ego, por isso mesmo criativo. O nosso ego, como foi construído, em nossa história pessoal de vida, na base de ameaças e restrições, é muito constritivo, centrado em múltiplas defesas. Ele reage a liberdade que traz a atividade lúdica em si mesma. Por isso, uma educação centrada em atividades lúdicas tem a possibilidade, de um lado, de construir um eu (não um ego) saudável em cada um de nós, ou, por outro lado, vagarosamente, auxiliar a transformação do nosso ego construtivo num Eu saudável. Educar crianças ludicamente é estar auxiliando-as a viver bem o presente e preparar-se para o futuro. Educar ludicamente adolescentes e adultos significar estar criando condições de restauração do passado, vivendo bem o presente e construindo o futuro.

A partir dessa abordagem foram realizados jogos, brincadeiras, em grupo, de forma

livre, espontânea, buscando a participação plena dos sujeitos. De maneira geral, a participação

era muito livre e espontânea, não no sentido do vale tudo. Ao notar qualquer retraimento ou

agressividade e explorar a situação, quase sempre a reação estava relacionada aos problemas

de convivência. È o que será visto no quarto capítulo.

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3.2.2 Sobre o método psicodramático

Toda a escola primária, secundária e superior deve possuir um palco

de psicodrama como laboratório de orientação que trace diretrizes para os seu problemas cotidianos.

Moreno

Vou abrir um pequeno espaço para colocar no centro do palco o criador do

psicodrama: Jacob Levy Moreno. De origem judaica, nasceu em Bucarest, capital da

Romênia, no ano de 1889. Moreno considera a semente do psicodrama uma brincadeira de

criança, aos quatro anos de idade, com outras crianças, por alguns instantes, assume o papel

de um deus e ao tentar voar de cima de um monte de cadeiras, acaba quebrando o braço. Daí

considerar o primeiro psicodrama que realizou, futuramente dando importância a passagem do

tratamento do indivíduo isolado e por métodos verbais, para o tratamento por métodos de

ação. Por volta de cinco anos muda-se para Viena.

Em sua infância e adolescência, teve forte influência religiosa. No ano de 1907, com um

grupo de amigos, funda a Religião do Encontro, como forma de expressar sua rebeldia contra

os costumes da época, vivendo de forma simples e ajudando as pessoas. Costumava brincar

com as crianças e essa época é denominada por ele de Revolução nos jardins de Viena, onde

contava histórias, fazia improvisações com o objetivo de que as crianças espontaneamente,

lutassem por uma sociedade mais adequada às suas necessidades.

Em 1912, ingressa na Faculdade de Medicina, em Viena, diplomomando-se em 1917.

Continua sua experiência com técnicas grupais iniciadas em 1908, realizando em 1913 um

trabalho com as prostitutas para conscientizá-las da sua situação marginal, sem, contudo,

querer transformá-las, apenas “aceitar-se a si mesmas”. Posteriormente a experiência com

técnicas grupais dá origem à psicoterapia de grupo, à sociometria e ao psicodrama.

Um período importante, para dar sentido ao instrumento usado nessa pesquisa, foi o ano

de 1916. Realiza no campo de Mittendorf, durante a Primeira Guerra Mundial, um trabalho

com refugiados tiroleses, situado nos arredores de Viena. Segundo Marra (2004, p.32) os

trabalhos desenvolvidos com as crianças, os refugiados, prostitutas e várias experiências com

pessoas diferentes, serviram de base para o desenvolvimento da Socionomia.

A importante obra de Moreno, criador da Socionomia, consiste numa teoria que

sustenta a pesquisa ação, por ser um precursor desse enfoque, usando essa denominação por

volta de 1930 e 1940. Incitava os profissionais a partirem para o trabalho de campo, em vez

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de ficarem isolados nos seus consultórios, já que a sociedade aguarda por transformações

sociais, onde nasce. O artista tem de ir onde o povo está, diz a canção de Milton Nascimento.

É considerado um homem à frente do seu tempo; sua história e sua biografia registram

feitos e vivências que o colocam como criador dos métodos baseados na ação e na relação

social. Suas técnicas sociométricas deram uma contribuição valiosa para a integração grupal e

abriram espaço para a criação de uma teoria pedagógica.

A pioneira do Psicodrama Pedagógico no Brasil é Maria Alicia Romaña e ela o define

como “[...] uma combinação equilibrada de trabalho em grupo, desenvolvido num clima de

jogo e liberdade, que alcança sua maior expressão quando articulado no plano dramático ou

teatral” (ROMAÑA, 1996, p.20). O trabalho de Romaña se assenta em três pilares: o jogo, o

teatro e o grupo. Tem como objetivo ajudar o educador a alcançar com os seus educandos a

integração entre conhecimento adquirido e experiência vivida. Utiliza as dramatizações num

esquema metodológico com três níveis:

a) Passo: Aproximação intuitiva e afetiva (a dramatização é real e surge da

experiência e dados de referência). O exemplo a seguir é de uma atividade com os

estudantes do grupo “A”. Ao trabalhar com o assunto “Verbo” o primeiro

momento foi identificar ações nas frases que estavam espalhadas na parede da sala

de aula.

b) Passo: Aproximação racional ou conceitual (a dramatização é simbólica). Através

da conversa aberta vai surgindo a associação e /ou a conceituação. É feita uma

dramatização com várias ações simbolizando o tema, o assunto, por exemplo:

brincar, dançar, escutar, etc.

c) Passo: Aproximação funcional (a dramatização dá-se no nível da fantasia,

imaginação). Através de uma situação hipotética, criada pelo grupo, dramatizam e

tem oportunidade de trocar idéias, dialogar e transformar as cenas no ato.

O psicodrama aplicado à Educação utiliza o sociodrama que propicia a leitura dos

grupos e da rede de relações, numa perspectiva de educação pela e para a ação. O Sociodrama

Pedagógico é um método de trabalho com grupos que possibilita não só experiência de

relações humanas, mas também o desenvolvimento da espontaneidade/criatividade, a

aprendizagem de papéis, conceitos, atitudes através da vivência sociopedagógica. Através

dessa metodologia foram trabalhados os conteúdos da educação formal (ensino) e também a

aprendizagem relacional e crítica da realidade como meio de transformação. No grupo “A” foi

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trabalhado o assunto da disciiplina, depois os conteúdos emergentes no grupo. No grupo “B”

apesar de organizar um programa mínimo, tivemos que acompanhar a demanda do grupo.

No Sociodrama o contato com a matéria prima da temática geradora é feita através de

jogos dramáticos, montagem de imagens, dramatização, onde os atores sociais, protagonistas

contam suas histórias, fazem suas narrativas com os conteúdos sociodinâmicos, objetos da

educação não só no sentido da educação formal (ensino), mas como um meio dos

protagonistas discutirem, decifrarem e agirem para transformar. Ao priorizar os atores sociais

e as demandas que surgem das suas experiências e necessidades, na ação-reflexão-ação,

vamos buscar a compreensão dos seus papéis e as possibilidades de transformação.

O Sociodrama se desdobra em três partes: princípio (aquecimento), meio (ação

dramática) e fim (compartilhamento), que se relacionam ao conhecer, sentir e agir das

atividades lúdicas, reiterados pela práxis dialética-dialógica de Freire (1994), que não é um

ato passivo, mas a ação-reflexão-ação sobre a realidade. Os temas dramatizados depois são

debatidos, é uma oportunidade para educar e desenvolver o espírito crítico

O Grupo, na abordagem moreniana, é concebido como uma miniatura da sociedade e da

família; num sociodrama, o grupo é o protagonista do drama social e a platéia representa a

opinião pública da sociedade. Pode ser definido, de modo geral, como conjunto de indivíduos

que estão unidos para um fim comum. Na escola os estudantes se unem numa turma para

aprender, ou melhor, receber uma formação integral, o que se questiona é se a escola está

cumprindo o seu papel. Os grupos A e B apesar de ter o objetivo comum da aprendizagem, o

drama vivido trouxe uma rica experiência: observar quanto o contexto e as condições

previamente criadas modificam o drama social vivido pelo grupo.

Moreno (1993a), ao desenvolver estudos aprofundados sobre grupos de pessoas,

chamou-nos a atenção para as forças, normas e relações que permeiam os grupos. A

Sociometria, como ciência que se ocupa da medida do relacionamento humano, nos trouxe

uma contribuição fundamental no entendimento das relações interpessoais. Em essência, é um

procedimento que objetiva verificar graficamente os vínculos de atração ou rejeição entre os

membros de um grupo, obtendo-se, os sociogramas. Segundo Garrido Martin (1996), os

sociogramas, sistematização das correntes psicológicas e das eleições dos sujeitos, revelam as

redes através da atração, repulsa e indiferença.

O teste sociométrico, do ponto de vista didático, é muito valioso, pela possibilidade de

avaliar as configurações grupais, cadeias, triângulos, mutualidades existentes no grupo. Foi

utilizado como instrumento diagnóstico e prognóstico com o objetivo de identificar, no início

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e no final do trabalho, como estava a interação, após o grupo ter vivenciado atividades lúdicas

e sociodramáticas.

O educador ou facilitador, ao conhecer os mecanismos que interferem nos grupos, pode

contribuir para ajudar aqueles que mais sentem dificuldades, alunos isolados ou rejeitados ou

mesmo outras situações, como desconfiança, individualismo que estão configurados nas

relações que estabelecemos e têm a ver com o papel, que é o terceiro conceito destacado.

O Papel é importante para o indivíduo, não só pela conduta que a sociedade espera como

o mais destacado produto dentro da cultura, mas, também, pela influência em sua

personalidade, avaliada pelo número de papéis que é capaz de assumir. O acompanhamento

feito aos estudantes também interessava perceber até que ponto os estudantes tinham

consciência do seu papel e foi triste observar o quanto os estudantes estão abdicando do papel

de estudante críticos e reflexivos, pela indiferença e a falta de gosto com a escola. Num

sociodrama, o grupo “A” mostrou como via o papel do diretor e do vice-diretor numa cena

descrita adiante, são caricaturados como autoritários, detentores do poder, aparecem na sala

para dar bronca sobre a disciplina e aplicar sanções nos estudantes usuários de drogas na

escola.

Para Moreno (1993a, p.25) “[...] o papel pode ser definido como as formas reais e

tangíveis que o eu adota”. O autor esclarece também que “[...] o desempenho de papéis é

anterior ao surgimento do eu. Os papéis não emergem do eu; mas o eu quem, emerge dos

papéis”.

Diz ainda que nem todos os papéis assumidos por uma pessoa são por ela conhecidos,

alguns vividos de modo irreflexivo, outros reprimidos e alguns estranhos ao eu, assim afirma:

“Os papéis sociais são adotados inconscientemente e impostos imperativamente” (MORENO

apud KAUFMAN, 1992, p. 65). De modo semelhante Merleau-Ponty (apud ANDRADE,

2005, p. 52), esclarece, que a totalidade dialética que o papel como estrutura assume, também

se revela em sua constituição no sujeito ou em sua consciência, sendo o papel como estrutura

entendido como uma totalidade provida de sentido. “A consciência é antes uma rede de

intenções significativas, às vezes claras para si mesmas, às vezes ao contrário, vividas antes

que conhecidas.”. Assim, entende-se que existem aspectos que não são revelados nas

representações que os indivíduos constroem, daí a necessidade de outros recursos além das

entrevistas, questionários, desenhos, jogos, o role-playing e o sociodrama.

Em relação ao jogo psicodramático de papéis role-playing, podemos dizer que é feito

com a finalidade do ator desempenhar determinado papel, assumir em situações imaginárias

da forma mais realista possível, de forma lúdica, numa situação de “como se”. Portanto,

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através da vivência, num contexto grupal em confiança, esta estratégia busca investigar no ato

o que Merleau-Ponty afirma anteriormente “vividas antes que conhecidas” a técnica

possibilita o contexto para a revelação do papel. Os estudantes representaram algumas cenas

como: “Discriminação racial”, “Drogas na escola”, “O que serei no futuro” e outras.

Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes recursos: questionários, entrevistas,

exercícios de interação, atividades lúdicas e sociodramáticas.

A pesquisa realizada teve uma abordagem pedagógica e não terapêutica, cuja

diferenciação decorreu nos objetivos e não nas técnicas psicodramáticas. Enquanto o

psicodrama terapêutico aprofunda as questões pessoais, permitindo que o indivíduo

exteriorize o seu problema representando-o, o psicodrama pedagógico atua junto ao grupo no

âmbito das questões pedagógicas, Schutzenberger (1970, p.38) afirma que o psicodrama é

concomitantemente pedagógico e terapêutico, porque o limite de separação é muito tênue

entre eles.

Seguindo por esse viés, Schutzemberger (1970, p.23) diz que “o psicodrama libera

inibições, dificuldades, traumatismos passados, por seu ressurgimento”. Para Luckesi (2000,

p.38) “[...] as atividades lúdicas são catárticas, o que quer dizer liberadoras das fixações do

passado e construtoras das alegrias do presente e do futuro”. Concordo com esses autores e

acrescento que através do sociodrama, ao priorizar os atores sociais e as demandas que

surgem mediante as suas experiências e necessidades, é possível, na ação-reflexão-ação, a

compreensão dos papéis dos atores pedagógicos e as possibilidades de transformação,

contribuindo para o desenvolvimento da espontaneidade e criatividade, postulados da teoria

moreniana, considerados elementos essenciais para a adaptação a um mundo em crescente

mudança.

A metodologia sociodramática tem um esquema denominado: 5, 3, 3, que são: cinco

instrumentos, três etapas e três contextos, conforme descritos:

a) Instrumentos:

- O Diretor – o psicodramatista, o professor com formação especial para esta

tarefa, é o elemento que ocupa o lugar de maior responsabilidade em relação

à sessão e aos seus participantes. Dirige a sessão, é o produtor da ação, o

terapeuta, o analista social que acompanha as interações do grupo. No caso, o

papel de diretor foi assumido pela pesquisadora.

- O Protagonista – o ator principal, a pessoa na qual se centraliza a cena, a

dramatização; é o emergente dramático do grupo, portanto na produção da

cena são considerados os pontos de vista individual e grupal. Em alguns

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casos, em vez do protagonista individual ou o protagonista grupal, pode

surgir um tema protagônico, onde vários protagonistas participam em

interação, num clima dramático vincular, e neste caso é denominado

sociodrama. Os grupos “A” e “B” foram os protagonistas.

- O Palco – é o lugar onde realiza a dramatização, que pode ser numa sala de

aula ou o lugar onde se acham as pessoas com quem vamos trabalhar. Para

cumprir a sua finalidade, é preciso que seja um espaço protegido, onde o

protagonista possa viver o “como se”, liberar os sonhos, fantasias, enfim,

liberar o seu drama. A maioria dos encontros foi realizado num salaão grande

propício aos jogos, outras vezes, na própria sala de aula.

- O Ego-auxiliar – ajuda a complementar os papéis do protagonista, pode ser

um membro do grupo que representa o papel de “Outro” significativo na vida

do protagonista. Desempenharam essa função na pesquisa: Neide Marina, no

Grupo A e Adilton Willes e Maria Auxiliadora Freitas no Grupo B;

- O Público ou Platéia – quem assiste e participa das cenas ou das discussões,

todos os membros do grupo que participam da ação dramática, todos podem

desempenhar papéis.

b) Etapas:

- Aquecimento – é a etapa em que se prepara o grupo, foi usada para criar um

clima de integração para favorecer as etapas subseqüentes do trabalho. Pode

ser específico e inespecífico. A principal fonte de aquecimento foram os

jogos, exercícios e brincadeiras nos dois grupos.

- Dramatização – Drama é uma palavra grega que significa “ação”; é feita a

partir das cenas que os estudantes trazem para o palco. As cenas mais ricas

para reflexão foram: “Um dia bom na escola” e “O que vou ser no futuro”.

- Compartilhamento – é a última etapa da sessão, é também conhecida como

sharing ou compartilhar. Para Moreno, é a fase de participação terapêutica

do grupo, nela os participantes emitem opiniões sobre a dramatização,

compartilham sentimentos, emoções e pensamentos numa relação de

cumplicidade aos problemas humanos. Tanto no grupo A quanto no grupo B

o compartilhar era caótico, confuso, não expressavam os sentimentos, as

opiniões e não acontecia algumas vezes. No entanto, poucas vezes que

aconteceu foi de desocultar muita coisa.

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c) Contextos

- Contexto Social – corresponde a realidade social da qual provém o indivíduo.

Portanto, é desse contexto que ele traz o material a ser trabalhado, através do

seu relato e perspectiva pessoal. Os problemas trazidos mais freqüentemente

eram da comunidade onde viviam, ou da escola.

- Contexto Terapêutico – um lugar onde o protagonista vai atuar “como se”,

vai vivenciar suas fantasias, expressar as suas necessidades através dos

papéis desempenhados num ambiente protegido, aconchegante e propício ao

processo terapêutico. Não compatível com o trabalho feito na intervenção.

- Contexto grupal – é formado pelos integrantes do grupo, que com uma

dinâmica própria (costumes, normas, objetivos) vão formando sua história. A

sala de aula foi o contexto trabalhado.

No contexto desta pesquisa, quando falo na relação entre sujeitos da práxis

pedagógica, tomo como referência a relação educador e educando, e a relação deles entre si.

Foram priorizados, nesse caso, os atores com suas experiências de sentido, suas histórias,

narrativas, necessidades, vivenciando as possibilidades de transformação no “como se”. Nesse

campo, estamos diante da complexidade, da incerteza, da provisoriedade, da dúvida, que são

inerentes à interação, o que pode gerar também possibilidade de análises da realidade,

ampliação do conhecimento e da consciência dos participantes, ao considerarmos que os

desafios não sejam transformados em limites, mas uma oportunidade para aprofundamento,

participação e envolvimento, como ponto central nessa interação.

A pesquisa foi realizada em três fases:

a) Diagnóstico inicial dos vínculos existentes na sala de aula da 5ª e 6ª séries, assim

como suas experiências de convivência e aprendizagem;

b) Intervenção investigativa pelo uso de atividades, ao mesmo tempo lúdicas e

sociopsicodramáticas;

c) Diagnóstico após intervenção investigativa sobre os vínculos existentes, a

convivência e a aprendizagem dos educandos, através de questionários, observação

participante e teste sociométrico.

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4 A INTERVENÇÃO INVESTIGATIVA: A LUDICIDADE E O SOCIODRAMA

MEDIANDO O DRAMA ESCOLAR

O mundo é um palco, Todos os homens e mulheres são atores, Eles tem suas próprias saídas e entradas. E cada um a seu tempo, Desempenha vários papéis E cada ato dura por sete eras.

W. Shakespeare

Quis iniciar esta narrativa com a citação de Shakespeare, porque nessa intervenção

investigativa, trago para o centro do palco a prática cotidiana escolar, colocando como foco de

sentido os educandos (as) e as formas de relação (vínculos) que estabelecem entre si e com os

professores, de modo a afetar tanto a convivência quanto a aprendizagem entre eles.

Esta pesquisa aborda o vínculo como fator importante nas relações que estabelecemos.

Neste estudo focalizarei, de modo particular, o vínculo na escola. Aqui é visto como a menor

unidade de sentimento que liga uma pessoa à outra, tem a ver com reciprocidade de

sentimentos, com afinidades. Está fundamentado na teoria de Jacob Levi Moreno, que cunhou

o termo “tele”, distante em grego, para nomear o elemento de comunicação invisível que

percebeu existir entre alguns participantes de sua companhia de teatro espontâneo e depois se

estendeu a outros grupos de pesquisa, culminando na Sociometria – ciência da medida do

relacionamento humano.

A “tele” é o fator psicossocial responsável pela formação dos vínculos, é o que

possibilita o encontro entre as pessoas. Como afirma Moreno (1993a, p.36) tele: “[...] é a

mútua percepção íntima dos indivíduos, o cimento que mantém os grupos unidos”. Pode ser

percebido nos relacionamentos nos seus aspectos cotidianos, nas escolhas mútuas, na coesão

grupal e na expansividade afetiva. Por exemplo, se um educando faz a escolha de um colega

para trabalhar e o outro colega também o escolhe, existe um fluxo de sentimentos ou

interesses ocorrendo entre os dois e há mais probabilidade de entendimento e encontro entre

eles.

O fenômeno tele é diferente da transferência em Freud, porque nesta o indivíduo

projeta no outro, através do vínculo interno, suas experiências de dor ou alienação, vividos

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em relações anteriores, enquanto a tele é uma relação espontânea e criativa, livre de

transferência. É também diferente da empatia, porque esta é uma via de mão única, e aquela

implica reciprocidade.

Moreno (apud NERY, 2003, p. 16) sintetiza essa compreensão da seguinte forma:

[...] no palco da existência, somos atores e desempenhamos papéis diretamente ligados ao “eu”. Nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do conjunto de papéis que exercemos; dos papéis que estão contidos ou reprimidos, da nossa modalidade vincular, das nossas predisposições hereditárias.

Para observar a dinâmica do relacionamento dos educandos no ato, no seu pulsar

mesmo, no momento original, em plenitude e espontaneidade, vou utilizar dois recursos – a

ludicidade e o sociodrama, com incursões nos territórios da arte, da fantasia, educação,

convivência, jogo, etc. Através dessas atividades, tanto observarei o padrão de conduta dos

estudantes, assim como sua transformação. Nesse contexto, vou apresentar algumas cenas,

jogos, brincadeiras, diálogos, reflexões, vivenciados na escola, enriquecidos com imagens

para que o leitor possa apreendê-las como imagens em movimento, personagens no palco em

suas ações cotidianas.

O artista, o poeta, o criador é aquele que acolhe a realidade, mas não se conforma que

esta seja a única forma de fazer, de olhar e de viver, daí o número de obras que nos instigam

a olhá-la por ângulos diversos. Assim, acredito que deva ser a pedagogia escolar ao lançar o

seu foco sobre os personagens da escola com o apelo para se construir coletivamente

convívios mais humanizados. Nesse sentido, afirma Arroyo (2004, p.15):

A pedagogia escolar é diferente dependendo do foco de sentido que escolhamos: os conteúdos, as didáticas? Estamos caminhando para que o foco de sentido sejam os educandos(as) e suas vivências reais de seus tempos da vida. Reconheçamos que estamos diante de um novo foco de sentido. Promissor para o magistério.

O educador, da mesma forma que o artista, acredito que deve não só acolher a

realidade escolar, mas também trabalhar para criar alternativas que possam melhorar o que

está aí, um cenário de passividade, de repetição, de violência, a que estão submetidos crianças

e jovens e também professores, onde a autoria é um direito a ser conquistado, o respeito ao

outro um exercício a ser construído, para que o trabalho pedagógico dê conta, não só do

desenvolvimento da inteligência e da apropriação dos conteúdos, mas do desenvolvimento

afetivo e social como formas de convivência e crescimento na diversidade..

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É ainda este autor (ARROYO, 2004, p. 19) que nos convida a refletir sobre isto ao

indagar:

[...] diante do incômodo e do mal estar de mestres e alunos resta algo capaz de inspirar nosso pensar e fazer profissional? - Mais adiante procurando as causas do incômodo responde que este – [...] Poderá vir das tensões e do próprio mal estar vivido nas escolas. Como nos lembra Luís Borges, pode não vir do amor, mas do espanto. Do espanto diante da barbárie a que a infância é submetida. [...] Inclusive para rever nossos tratos na sociedade e na escola e inventar formas mais humanas de tratar-nos e de tratar os educandos.

Em resposta à provocação deste autor, a experiência tem nos mostrado o potencial da

ludicidade e do psicodrama como intervenções diferenciadas e transformadoras, pelo respeito

às necessidades do grupo de estudantes, pela possibilidade de revitalização das relações

através do diálogo e da participação, pelo clima lúdico e afetivo criado, além de outros. Por

outro lado, uma intervenção através do psicodrama e da ludicidade não é uma panacéia para

resolver todos os conflitos e problemas relacionais na escola, nem como mágica em que os

educandos, ao vivenciarem atividades lúdicas, logo se tornam amigos. Pelo contrário, são

oportunidades para a manifestação de conflitos, principalmente as relações de exclusão e

rejeição, que estão presentes, porém latentes. Em contrapartida, é também oportunidade para a

transformação e construção de atitudes éticas, pois conta com um fator facilitador: o trabalho

em campo relaxado, e também lúdico, mais propício à experiência reconstrutiva e

emancipatória. Para Pedro Demo (2000, p.54), a aprendizagem reconstrutiva é aquela que

parte do que já aprendemos, para saber ler a realidade e nela intervir com autonomia.

A partir dessa base de entendimento, estabeleço alguns princípios básicos para a

compreensão e a conduta que estarão presentes nessa intervenção.

A visão de homem como ser de relação considera a singularidade da pessoa do

educando como ator e autor social, plasmado numa teia de relações, cuja aprendizagem

acontece no relacionamento com os outros atores e autores do cenário, inclusive o educador,

à medida que vai atualizando conhecimento e experiência de forma criativa e reflexiva.

O conhecimento supõe o reconhecimento, através da mobilização das experiências

anteriores, do cognitivo, do afetivo e do corporal. Plagiando Paulo Freire (1996): Ninguém

educa ninguém; ninguém se educa sozinho; os homens se educam em comunhão e no respeito

mútuo. Daí defender a importância da criação de vínculos, para que a “turma” se transforme

num “grupo de aprendizagem e crescimento”.

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Busca-se a passagem da “turma” como um agrupamento desordenado de pessoas, para

o “grupo” como um agrupamento consciente e ordenado de pessoas como matriz relacional,

através da troca de experiências e conhecimentos, pela compreensão de que o dia-a-dia do

sujeito é produzido por ele em conjunto com outros nas relações estabelecidas objetivamente,

e isso foi feito através de vivências potencialmente lúdicas.

O educador, que é o responsável pela organização do ambiente e facilitador do

processo de aprendizagem, deve possuir disponibilidade e sensibilidade necessárias para lidar

com as relações humanas, corrigir relações inadequadas por relacionamentos saudáveis,

pensando a escola como espaço de sociabilidade e de convívios. Como o adulto da relação

pedagógica deve acolher, nutrir, sustentar e confrontar o educando na sua caminhada rumo à

autonomia e a aprendizagem.

O processo de aquisição de conhecimentos está diretamente relacionado à construção

de sentidos, às possibilidades do grupo, mobilizada por forças afetivas, por respostas livres,

espontâneas.

Daí o questionamento durante a intervenção: - Deve o educador obrigar o educando a

fazer o que não quer? Paulo Freire (2005, p. 176) faz a seguinte alerta:

Crianças deformadas num ambiente de desamor, opressivo, frustradas na sua potência, como diria Fromm, se não conseguem, na juventude, endereçar-se no sentido da rebelião autêntica, ou se acomodam numa demissão total do seu querer, alienados à autoridade e aos mitos de que lança mão esta autoridade para formá-las, ou poderão vir a assumir formas de ação destrutiva.

Acompanhe a intervenção e verifique que no V Encontro (Grupo A), é relatada uma

situação que espelha tal alerta. De modo geral ainda na escola, ao educando cabe obedecer,

não importa sua vontade; caso contrário é punido com a nota, ou expulso da sala, ou da

escola, o que gera ódio e violências explícitas ou veladas nos adolescentes.

Convido o leitor a penetrar no percurso deste relato de investigação que traz a

trajetória dramática de dois grupos: um de 5ª série, o grupo A e outro de 6ª série, o grupo B,

de uma escola pública estadual, na cidade de Salvador, Bahia, de modo que tome o meu lugar,

para refazer esse caminho através de um contato vivo e pessoal com as cenas, experiências,

imagens, com as análises feitas, os questionamentos, desafios surgidos durante o processo,

como elementos importantes para a compreensão da teoria na estruturação das práticas, mas

também do movimento feito pelo grupo, as resistências, os conflitos, as vivências que

possivelmente contribuíram no caminho de sua transformação. Trago também neste capítulo,

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considerações sobre a instituição pesquisada, a escolha do grupo(s), a proposta inicial do

trabalho com a professora regente, mudanças ocorridas no percurso e os instrumentos de

coletas de dados utilizados para verificar como estavam as relações (vínculos) dos alunos

entre si e entre alunos e professores.

Assim convido-o a embarcar nessa aventura, fazendo minhas as palavras de Clarice

Lispector (apud KNOBEL, 2004, p.32): “Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você

não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer

entendimento.”

Na primeira parte, descrevo o cenário (contexto) onde se desenrola a trama dramática

das relações na 5ª série, ou grupo “A”, que já vinha com o indesejável rótulo da “turma dos

repetentes”, dos problemas de disciplina e baixa aprendizagem. Diante dessas dificuldades e

de todas as reações, que essas tensões provocam, estão frente-a-frente uma pesquisadora com

uma proposta lúdica/sociodramática e uma turma pedindo para melhorar a violência nas

relações em sala de aula. Foi grande o desafio e, muitas vezes, como pesquisadora fiquei

impactada sem saber que jogo jogar.

Encontro ressonância em Morin (2002, p. 126) quando diz:

A experiência mais extrema, às vezes a mais cruel, mas provavelmente a mais enriquecedora que podemos ter da heterogeneidade é a que nos é imposta através do encontro com o outro, enquanto limite de nosso desejo, de nosso poder e de nossa ambição de domínio (na primeira acepção do termo). Com a heterogeneidade, é o outro, experimentado como fonte de alteridade e de frustração (porque ele nos resiste) muito mais do que fonte de alteridade, que transforma o nosso campo de referências.

A vivência dos jogos, brincadeiras colocou todos nós em contato com os conteúdos,

emoções in status nascendi, como preconiza Moreno (1993a, p.86). Da forma como

apareciam, proporcionavam uma oportunidade de resposta também espontânea e criativa,

para atender a demanda não pautada no autoritarismo e nem no poder para impor qualquer

ordem aos educandos. Este foi um dos grandes desafios, devido os comportamentos

inadequados, instituídos, hábitos trabalhosos para serem ultrapassados.

Em seguida, destaco algumas cenas, imagens, exercícios realizados, comentários e

análises, visando a compreensão do percurso feito. Mostro também os momentos de tensão, a

mudança de trajetória como emergência vivida antes que conhecida, como ponto decisivo e

necessário para o bem-estar do grupo.

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Na segunda parte, explico as razões para expandir a pesquisa através de um novo

grupo, o da 6ª série, ou grupo “B”. Mostro como condições favoráveis e desfavoráveis

influenciam o estabelecimento de vínculo no grupo e o desenvolvimento das atividades

escolares. Tomo como referência o primeiro experimento, o grupo “A”, que ajudou a melhor

conduzir essa nova experiência. Apresento o cenário (contexto) em que se deu essa

experiência, depois descrevo as cenas, as atividades desenvolvidas, na tentativa de

compreender a importância dos fenômenos no momento em que acontece, as repercussões

disso no grupo e os posteriores resultados.

Finalizo este capítulo, com algumas reflexões e considerações, tentando contribuir

para que voltemos o nosso olhar sobre a importância do vínculo na prática educativa escolar,

para que esse espaço de convivência traga o sabor do saber e a alegria de encontros

verdadeiros.

4.1 GRUPO “A”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA INTERVENÇÃO

João amava Tereza que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Tereza para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim sucidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes Que não tinha entrado na história.

C. Drummond de Andrade

Antes de apresentar o relato das atividades utilizadas durante a intervenção

propriamente dita, descreverei o uso do Teste Sociométrico, em seguida, farei a análise das

entrevistas realizadas com os professores e o questionário com os educandos, todos

instrumentos diagnósticos, feitos não só para observar como estavam os vínculos no início da

pesquisa, mas também pela possibilidade de revelar o movimento e a direção do grupo a partir

desses vínculos iniciais, assim como durante o processo e no final da pesquisa.

O Teste Sociométrico é um método diagnóstico que orienta a intervenção

sociodramática, por facilitar a compreensão das modalidades, características e das redes

vinculares dos grupos humanos. Ele faz parte de um arcabouço maior, a Socionomia (do

latim, socius – companheiro, grupo e do grego, nomos – regra, lei) criada por Jacob Levy

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Moreno (1994) e quer dizer “a ciência das leis sociais”. Suas concepções emergiram dos seus

trabalhos com as crianças nos jardins de Viena (Áustria) com as prostitutas e com os

refugiados nos campos de Mittendorf – Império austro-húngaro, durante a Primeira Guerra

Mundial. Em 1931, realizou uma pesquisa com os alunos da Escola Pública 181, no Brooklyn,

na cidade de Nova York. Segundo Moreno (1994, v. 1, p. 72), o objetivo desse estudo era

“avaliar o conflito entre a configuração oficial existente e a organização realmente desejada

pelos alunos”. Entre 1932 e 1934, na cidade de Hudson, realiza uma extensa pesquisa com

jovens delinqüentes com o objetivo de transformar a vida desses jovens para voltarem ao

convívio social. Dessas experiências no campo da educação, resultou também uma teoria de

ação educativa, que respalda muitos estudos contemporâneos sobre o tema.

Moreno (1993b) estabeleceu três grandes ramificações como métodos experimentais

da Socionomia. Nesta pesquisa, utilizo especificamente o Teste Sociométrico e o Sociodrama

como suporte para a investigação/intervenção. Para uma melhor visualização, coloco o

esquema abaixo:

Sociometria Teste sociométrico

Psicoterapia de Grupo

SOCIONOMIA Sociatria Psicodrama

Sociodrama

Sociodinâmica Interpretação de papéis

(Role-playing, teatro espontâneo)

A Socionomia articula não só o coletivo, ou seja, a análise e compreensão das relações

no grupo, mas também o pessoal, o indivíduo e sua ação conjunta com outras pessoas. Já a

Sociometria é a ciência da investigação/mensuração das relações. O procedimento técnico

usado é o Teste Sociométrico, que consiste num questionário simples e flexível, geralmente

respondido por escrito, e que pode ser aplicado a qualquer grupo, com possibilidade de ser

adaptado às características e a qualquer nível de desenvolvimento dos sujeitos. Esse

instrumento pode ser utilizado não só em grupos terapêuticos mas também em grupos de

trabalho, na escola, empresas, instituições, etc. Consiste em se fazer uma pergunta direta

(critério), cujo alvo é a expressão do participante em relação à sua escolha efetiva sobre

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determinado assunto, ou tarefa ou pessoa. Os critérios adotados nessa investigação foram os

seguintes:

a) Escreva o nome de três colegas da sua turma, pela ordem de preferência que você

gostaria, que sentasse ao seu lado na sala de aula;

b) Escreva o nome de três colegas de sua turma, pela ordem de preferência que você

NÃO escolheria para sentar ao seu lado na sala de aula.

São três os sinais possíveis ou tipos de respostas que os seres humanos expressam em

suas relações: aceitação (escolha positiva), rechaço (escolha negativa) ou neutralidade

(escolha indiferente). Os vínculos se esboçam a partir de cada sinal (positivo, negativo,

neutro), e é representado, num gráfico, por cores diferentes.

Após a realização do teste, no dia 16/08/2005, os dados foram compilados através das

escolhas feitas, num Sociograma – um método de representação gráfica das relações humanas.

É um mapeamento que torna visível o universo social. Como diz Bustos (1979, p. 46) “essas

configurações e redes vinculares de um momento do grupo e a objetivação do sociograma nos

dão a sua imagem real ou objetiva”.

A escolha é feita a partir de eleições hierarquizadas. Esse lugar no qual uma pessoa é

eleita, possui fundamental importância, pois determina o campo no qual se produz o encontro,

ou seja, se A elege B como sua 1ª escolha e se B escolhe A em 5º lugar, não é a mesma coisa.

O investimento na relação por parte de A será maior e o grau de insegurança e o temor de

perda também.

Portanto, num sociograma podemos observar diferentes configurações de um grupo

através de setas que indicam a direção das escolhas. Em meu relato e análise do sociograma

dos estudantes, desta pesquisa, optei por usar a cor vermelha para a primeira escolha, o verde

para a segunda e o azul para a terceira escolha.

No Teste Sociométrico de uma escola pública do jardim à 8ª série, realizado por Moreno

(1994, v. 2, p.15), ele disse o seguinte:

Como conseqüência do teste aplicado a esses alunos descobriu-se complexa estrutura da organização de salas, amplamente diferenciada da predominante. Certa quantidade de alunos permaneceu isolada ou não escolhida; outros alunos escolheram entre si, formando pares, tríades ou correntes mútuas, outros atraiam tantas escolhas que conquistavam o centro do palco como estrelas.

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4.1.1 Teste Sociométrico

No teste aplicado ao Grupo “A” e que ora analisarei, é possível observar diferentes

configurações. Para melhor compreensão dos gráficos sociométricos apresentados à frente,

assim como de sua leitura, exponho, a seguir, os símbolos utilizados nos diagramas.

Segundo Moreno (1993b), um sociograma pode ser lido por qualquer pessoa que

conheça os símbolos, por isso é indispensável o alfabeto sociológico. Aqui, serão destacados

os termos usados nesse teste. As escolhas são fatos fundamentais em todas as relações

humanas contínuas: escolhas de pessoas e de coisas.

Isolada – pessoa que não escolhe e nem é escolhida em qualquer critério. Ela não envia nem

recebe escolhas negativas. Seu resultado sociométrico é zero.

Par – atração entre dois indivíduos.

Triângulo – atrações mútuas com base no mesmo critério, tomam a forma de triângulo.

Corrente – série aberta de escolhas mútuas com base em qualquer critério, tomam a forma de

corrente – A escolhe B, B escolhe A, B escolhe C, C escolhe B, C escolhe D...

Círculo – atrações mútuas tomam a forma de círculo.

Estrela – quando o indivíduo recebe pelo menos cinco escolhas ou mais, com base no mesmo

critério.

Estrela isolada – recebe pelo menos cinco escolhas, mas não tem mutualidade.

Líder popular - recebe mais do que o número esperado de escolhas no critério no qual ele os

que o escolheram estão mutuamente envolvidos; aqueles que o escolheram têm baixo status

sociométrico.

Líder isolado – recebe menos escolha do que o esperado ou, em último caso, não mais do que

uma única primeira escolha mútua.

Status Sociométrico – é obtido pela soma do número de escolhas recebidas em cada critério.

LEGENDAS:

Feminino Masculino

Não fez o teste Não fez o teste

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Não foi escolhida Não foi escolhido

Atração

Atração mútua

1º escolha 2º escolha 3º escolha

É importante esclarecer que a minha intenção ao usar o critério “sentar ao lado na sala

de aula” era identificar a real posição ocupada pelos educandos no grupo e as inter-relações

estabelecidas, para, daí, iniciar a experiência. Apesar dos educandos realizarem as escolhas

para o teste perceptual, não as computei, por considera-las desnecessárias para a pesquisa. O

teste perceptual, segundo Bustos (1979, p.46) “foi desenvolvido para comprovar o grau de

percepção de cada pessoa sobre sua posição sociométrica no grupo”. Pede-se que cada pessoa

diga quem o escolhe ou não e qual a razão (APÊNDICE A).

Antes da aplicação, preparei a turma, pedi a colaboração, dei os informes necessários,

esclareci que as respostas não viriam a público, de modo a deixá-los à vontade para

expressarem a posição no grupo mais próxima do seu desejo. Esse é apenas um material

colhido naquele momento para mapear a localização exata do educando e as suas inter-

relações, antes da investigação de fatos sociométricos, que serão acompanhados

posteriormente.

4.1.1.1 – Teste sociométrico “antes” e “depois” da intervenção.

Na dimensão interativa humana, perpassam correntes afetivas que possibilitam

aproximações ou distanciamentos, de mim para você, de você para mim, eu – tu, eu – ele, eu

– nós... Para Moreno, existe um fator que facilita a comunicação entre os indivíduos, e ocorre

simultaneamente – é a relação “tele” como já falei anteriormente. É diferente da transferência

como projeção de fantasias de uma pessoa a outra e também da empatia, que é um sentimento

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de via única, de uma pessoa a outra. A “tele” é um fator inato e pode ser desenvolvido ao

longo do tempo, para pessoas e também para objetos, muito embora não exista reciprocidade

do objeto para com a pessoa. É um complexo de sentimentos de atração, repulsa ou

indiferença que ocorre entre os indivíduos, como extensão básica da nossa capacidade de

fazer escolhas, provocado pelos atributos que essa pessoa representa para nós. “Tele (do

grego: distante, influência a distancia) é a mútua percepção íntima dos indivíduos, o cimento

que mantém os grupos unidos. [...] A tele estimula as parcerias estáveis e relações

permanentes.” (MORENO, 1993a, p.36).

Para Pichon-Riviére (1998a), a configuração inicial de um grupo é de fundamental

importância na determinação das modalidades vinculares posteriores. Este autor fala do

vínculo a partir de uma concepção social; considera a enfermidade mental como um

emergente que surge das tensões sociais.

Moreno também possui uma visão social e vincular da personalidade, além de

acreditar nos recursos do ser humano em libertar-se das matrizes e modalidades vinculares,

não só através da psicoterapia, mas também através de novas vivências em grupo com

modalidade vinculares mais sãs.

Partindo dessa premissa, para mim, era importante, de início, verificar como estava o

vínculo nesse grupo, para traçar um esboço de ação para esse novo caminho com mais

“segurança”, muito embora durante o percurso tive que aprender a tatear por caminhos

inesperados e a dançar suspensa no nada, como diz Dante Galeffi (2002); tive que agir com

criatividade e espontaneidade para dar resposta adequada a essa nova situação. Por

espontaneidade, não me refiro a espontaneísmo, mas à visão moreniana que diz: “A essa

resposta do indivíduo a uma nova situação – e à nova resposta a uma antiga situação –

chamamos espontaneidade”. (MORENO 1993a, p.101).

Desse modo, acredito que espontaneidade é um agir com cuidado, é valorizar o que o

cotidiano nos mostra como algo suspeito e que pode ser consertado, é dar respostas às

questões que surgem; considerar que o excesso de estímulos e o embotamento dos sentidos

em que se vive hoje nos faz perder o contato com a realidade e a sensibilidade necessárias

para olhar as emergências do dia-a-dia: de modo particular, quero me referir às pessoas e às

relações na escola.

A intervenção, nesse sentido, teve por objetivo propiciar oportunidade para os

educandos se descobrirem no plano afetivo-emocional da interação, que é o eixo básico para a

compreensão do fenômeno tele. Para isso, o teste sociométrico nos mostrou a configuração

grupal (inicial); a ludicidade e o sociodrama mostraram o processo. O objetivo foi superar a

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análise individual e subjetiva pela compreensão e transformação do grupo mediante as

atividades potencialmente lúdicas vivenciadas.

De acordo com Bustos (1979, p.38) quando duas pessoas estão isoladas do grupo e

entre si, existe um sinal positivo, “elas podem representar um núcleo defensivo, criando entre

si um código de comunicação particular”. Os educandos Sílvio e Sam formavam um vínculo

dessa natureza, pelo índice de rejeição que recebiam do grupo; mas, ao longo do

desenvolvimento das atividades da pesquisa, desfizeram o par, pela fragilidade do vínculo que

os unia.

Observando a estrutura de um grupo através de estratégias sociométricas, é possível

identificar o entrelaçamento de vínculos formando uma rede, pela posição que cada indivíduo

ocupa nela. É também possível observar um núcleo de relações ou vínculos próximos, que

constitui o seu átomo social. O átomo social de uma pessoa constitui uma rede de afinidades

entre ela e outras pessoas, com vários níveis de preferência. Diferente para cada indivíduo,

uns mais expansivos, outros mais limitados. Um educando sociometricamente isolado,

experiencia na escola relações interpessoais pobres, geralmente exibe níveis elevados de

agressividade, comportamento inadequado, baixo rendimento e é menos aceito nas atividades

do grupo. Para Moreno (1994, v.2, p.160), os átomos sociais “[...] não são construções: são

redes reais vivas, cheias de energia, girando em torno de cada homem em miríades de formas,

diferentes em tamanho, constelações e duração”. Observe o “átomo social” de Sany - estrela

sociométrica, tem escolha mútua com Perla, Jéser, Nely; e é também escolhida por Silas e

Olga. É interessante observar que partes de um átomo social se ligam a partes de outros

átomos, e essas ligações vão formando redes complexas de inter-relações.

A dinâmica relacional do grupo é o que analisarei a seguir, através dos sociograms de

Escolhas Positivas (1), Escolhas Negativas (3) e os seus desdobramentos (2 e 4), adotados

para melhor visualização e entendimento. É importante perceber os educandos isolados,

rejeitados, os líderes, para adotar posteriormente as estratégias necessárias favoráveis à

interação.

No Sociograma 1, logo abaixo, temos duas estrelas sociométricas: Sany que possui

cinco escolhas, com três mutualidades e Perla também com três mutualidades. A estrela

sociométrica de um grupo não é o educando que possui mais escolhas, mas aquele que possui

o maior número de mutualidades, Temos ainda as estrelas que atraem para si pelo menos

cinco escolhas. São os educandos: Olga – Crispin – Sany – Silas e Edu. Por outro lado, temos

três não escolhidos: Villy – Raí – Jonas; fazem suas escolhas mas não são escolhidos.

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Observando o Sociograma 1 (escolhas positivas), numa análise inicial e à primeira

vista, podia-se afirmar que nessa turma a rede de relações estava aparentemente boa, pois nas

configurações existiam várias mutualidades considerando as de 1ª, 2ª e 3ª escolhas. São

observados trios, correntes, seis estrelas e somente três educandos não escolhidos.

Mas, ao observar esse sociograma com cuidado, o que me instigava era o paradoxo:

por um lado os dados mostravam relações aparentemente equilibradas, por outro, 80% da

turma expressava num exercício escrito Carteira de Identidade, o desejo de melhoria nas

relações e também no índice de violência em sala de aula. Ficava também clara a incoerência

entre várias escolhas, observei que o educando Silas é considerado uma estrela no

Sociograma 1, tem seis escolhas positivas: mas, observando a redução do Sociograma 1, para

o Sociograma 2, (com a 1ª escolha), ele é eleito somente por dois colegas: Jonas e Raí, e

dirige sua escolha para o colega Silvio, que tem uma escolha recíproca com outro colega:

Sam. O mesmo fenômeno você pode observar com Ney, outra estrela na turma. Mas essas

estrelas não têm escolhas recíprocas, ou seja, mutualidade.

A mutualidade se dá quando duas ou mais pessoas se elegem com o mesmo sinal, seja

ele, negativo, positivo ou neutro. Isso determina não só a força da escolha e o ponto no qual o

vínculo se estrutura, mas também o grau de percepção que o sujeito tem sobre as mensagens

que são transmitidas pelo outro. A incongruência (desencontro) revela que os sujeitos se

elegem com sinais diferentes. Observe no Sociograma 1 de escolhas positivas: Edú escolhe

Ney; que escolhe Eric; que escolhe Crispin; desse modo, fica clara a não correspondência

entre as escolhas. Por outro lado, temos quatro atrações mútuas de primeira escolha: Perla e

Jair; Jéser e Sany; Silvio e Sam; Bob e Crispin.

Outra configuração que aparece são as correntes, há uma interligação, mas ficam

pessoas em posições extremas. Se tomo como exemplo a corrente que se inicia com Val, ele

se liga a Crispin, que se liga a Bob, que se liga a Sílvio, que se liga a Sam e termina em

Norton. A vinculação básica direta para Val e Norton nessa corrente é única, pois ficam nas

extremidades, enquanto os educandos Crispin, Bob, Silvio e Sam numa posição média, têm

mais segurança, pois têm vinculação direta com duas pessoas. Veja: Norton – Sam – Sílvio –

Bob - Crispin – Val.

O círculo é a configuração ideal para uma boa coesão grupal. Aí existem várias

possibilidades de relação, não só pelas escolhas recíprocas, mas também pelo movimento

dinâmico proporcionado pelo triângulo, pelo quadrado, como vemos com os educandos Sany

– Perla – Jair – Jéser e Nely.

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Ao tomar ainda esse mesmo Sociograma 1, reduzi-lo considerando somente a primeira

escolha tanto positiva quanto negativa de cada estudante, foi possível olhar os vínculos sobre

outro ângulo.Veja, ao reduzi-lo e considerar a primeira escolha (Sociograma 2), a

configuração mais próxima de uma relação em grupo que aparece é o triângulo, formado

pelos educandos Cris – Olga – Pitt. No entanto, essa não é uma configuração ideal, pela

constante insegurança que permeia a relação triangular, o medo de perda e o controle de um

indivíduo sobre o outro, pois o movimento de um deles constitui ameaça aos outros dois.

Na realidade, o Sociograma 2, logo abaixo, mostra uns elementos correndo atrás dos

outros, sem reciprocidade. Formando pares, temos somente quatro escolhas mútuas

(encontros), que são: Silvio – Sam; Crispin – Bob; Jair– Perla; Jéser – Sany. Dez não

escolhidos e quatro com maior número de escolhas.

Depois desse novo olhar sobre os sociogramas 1 e 2 e fazendo essa análise, comecei a

entender as reações e comportamentos agressivos à simples aproximação do colega. Isso ficou

muito claro no segundo encontro, quando fiz um jogo de integração (Casa, Morador e

Tempestade). Nesse jogo eles teriam de formar uma casa com outro colega, dando-se as mãos

e no meio da casa deveria ficar também outro; pelo visto é um jogo de contato; alguns

educandos não quiseram participar, dizendo não querer pegar na mão do colega. Tive que

criar, durante a intervenção, várias adaptações de jogos, intervir muitas vezes para coibir atos,

palavras e atitudes agressivas entre eles. Era claro o receio de se expor no grupo, de falar, de

expressar com o corpo, parece que sentiam vergonha; percebia-se que não era só por timidez,

porque eles são espontâneos e até mesmo desinibidos, para se mostrar, mas me parece que não

expunham pelo medo de serem ridicularizados, do não acolhimento, da falta de confiança no

grupo. Vide a primeira atividade de integração mais adiante.

Voltando ainda ao Sociograma 1, o círculo formado apenas por meninas no canto

direito acima: Olga – Cris – Pitt – Celi e o grupo formado com atração intersexual por Sany –

Nely – Jéser – Jair – Perla, logo abaixo deste, desde o início da pesquisa, mostrava uma

relação télica, isso quer dizer que possuiam um mínimo de relação afetiva entre eles. Mas

posso afirmar que isso inicialmente funcionava como duas “panelinhas” para se proteger do

modus vivendi do grupo – muito agressivo. Durante o trabalho, esses círculos, se integraram e

melhoraram a qualidade dessa relação, sustentaram a convivência com todos até o final da

pesquisa e o mais importante: é que foram aprovados para a série seguinte. Dos alunos mais

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freqüentes às atividades, participantes, desse grupo, somente Jair e Perla não foram aprovados

para a série seguinte. Quero destacar que não considero a aprovação geral da turma

satisfatória, pois somente oito estudantes foram aprovados para a 6ª série. Esse grupo era

formado inicialmente por 34 estudantes, em sua maioria repetentes, no segundo semestre

quando iniciei a pesquisa freqüentavam 24, e desses, cinco desistiram. Dos 19 restantes, 11

participavam freqüentemente das atividades e quatro foram reprovados. Dos oito que não

freqüentavam as atividades, somente um foi aprovado: Alan, que eventualmente participava,

inclusive fiz a inversão de papel com ele.

O grupo que fica à esquerda do Sociograma (1), formado por meninos, os vínculos de

um modo geral eram mais frágeis pelas escolhas (2ª e 3ª); com o agravante: era composto por

colegas que recebiam uma maciça antipatia do grupo como um todo, observe no Sociograma

3 (abaixo), os educandos: Sam – Sílvio – Jair – Jonas – Raí – Val - Edú, se uniam por

comportamentos desviantes. Desse grupo, Raí – Jonas – Jair melhoraram a posição

sociométrica, mas não conseguiram progressos na aprendizagem. Alguns educandos

abandonaram a escola antes do final do ano letivo: Val – Cely – Crispin – Pitt – Cris.

Observe no Sociograma 3 e 4 abaixo, as estrelas de escolhas negativas: Norton –

Jonas – Sam – Silvio; Alan e Edu não são estrelas, porque tem menos de cinco escolhas,

mas recebem várias escolhas negativas. Esses estudantes não queriam participar das

atividades, por mais convites que receberam; estavam sempre perambulando pela escola, às

vezes, entravam na sala, observavam, mas não participavam.

Os estudantes que são reprovados mais de uma vez, pelo visto, carregam o peso da

exclusão, o sentimento de fracasso e tem mais chances de desistirem no meio do caminho.

São também mais indisciplinados, agressivos e indiferentes. Assim que começam a perder nas

unidades, vão saindo, porque sabem que irão ser reprovados. Esse é um assunto que ainda é

preciso ser revisto pela escola, pelos sérios problemas que causam não só de aprendizagem,

mas também emocionais e psíquicos; quando um professor dessa turma diz: eles só aprendem

se perderem de novo, me faz pensar que o desejo de reprovação, é mais uma forma de

repressão ao mau comportamento, do que mesmo pela condição de aprendizagem do

educando e do que pode ser feito por ele como ajuda. A indisciplina interfere na relação

educando x educador e a evasão também, é problema sério que não cabe aqui discutir no

momento.

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A rejeição, o fracasso, nessa idade não é fácil de serem enfrentados, afeta a auto-

estima, que está em construção. Todos nós desejamos e precisamos ser acolhidos e ter um

grupo à nossa volta em quem possamos confiar. Concordo com Abramovay (2003, p. 37)

quando fala sobre as relações na escola e faz a seguinte reflexão:

O fato de não gostarem de seus colegas generaliza uma situação de desconforto e desconfiança entre todos, fazendo com que os laços afetivos entre os membros da classe se fragilizem. Quanto as relações com os colegas, os alunos alegam desunião e falta de solidariedade, observando que é comum que entre eles não haja coleguismo nem diálogo. Essa ausência de empatia e solidariedade entre os estudantes acaba se estendendo a outras relações (entre professores e alunos, por exemplo). Com isso, formam-se grupos fechados, chamados panelinhas, que impedem a aproximação de outros colegas. Finalmente, fica claro que as relações entre os alunos influenciam a sua permanência na escola, porque ali desfrutam de convivência social e se ligam efetivamente uns aos outros.

Tomando como referência a citação acima e ao voltar o olhar para aqueles meninos e

meninas, que vão se desgarrando do grupo pelo caminho, ao abandonar a escola, é possível,

numa análise simplista também considerar a influência do vínculo entre eles, apesar de

existirem muitos outros fatores que influenciam esse abandono, e que não vêm ao caso

explorar aqui.

Considerando as escolhas do teste sociométrico realizado em 16 de agosto de 2005 e

para avaliar o grau de escolhas positivas recebidas por cada educando, atribuí a seguinte

pontuação: três pontos a cada escolha em 1ºlugar, dois pontos ao 2º lugar e um ao 3º lugar. É

importante considerar que se um educando elege outro em primeiro, não é o mesmo que

eleger em segundo. Portanto, daí elaborei, para melhor visualização, os gráficos abaixo:

Critério: Sentar-se ao lado do colega escolhido em sala de aula.

Gráfico 1 – Grupo A - Intensidade das escolhas - Eleições Positivas

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Os estudantes Ney, Silas e Olga recebem o maior número de escolhas positivas, são os mais

simpáticos ao grupo. O gráfico abaixo utiliza o critério negativo.

Gráfico 2 – Grupo A - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas

Critério: Quem NÃO escolheria para sentar-se ao seu lado na sala de aula.

Os educandos Silvio (2) – Sam (23) – Jonas (14) – Jair (19) se destacam pela negativa; os

educandos Erick (8) – Alan (5) – Norton (10) – Bob (11) – Raí (12) – Edu (17) – Val (22) –

Samuel (23) em relação ao restante do grupo recebem o dobro das escolhas negativas. No

entanto, os quatro primeiros que mais se destacaram, são elementos nos quais a turma

descarrega a sua “antipatia”. O nº.9 (Call) não freqüentava.

4.1.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final

Um dos saldos mais positivos nesse grupo foi observar que educandos como Villy, Raí,

Jonas, considerados indiferentes aos colegas, quer dizer, não escolhidos no primeiro teste,

participaram das atividades lúdicas e modificaram sua posição sociométrica de forma notável,

para melhor, no teste final; enquanto que os educandos Sam – Sílvio – Norton – Edu, que não

participavam das atividades, receberam um aumento sensível de antipatia do grupo, ficando o

educando Silvio, praticamente isolado e sem chances de integração.

Segundo Bustos (1979), um membro isolado e com um número maior de negatividade,

além de indicar um conflito grave, deve ser retirado do grupo, pois se levaria muito tempo

para sua integração e diz também: “Não deve expor essa pessoa a uma mera mudança de

grupo, já que poderia sentir o perigo de um novo ‘fracasso’ na sua tentativa de integração”

(BUSTOS, 1979, p. 37), mas isso, tratando-se de um grupo de terapia. O que fazer num grupo

de escola? Nesse caso, é o que precisa ser pensado; é necessário arranjar meios para integrar

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esses elementos, para um mínimo de convivência pacífica, de modo a aprender, de conviver

bem com os colegas e não abandonar a escola. Principalmente no caso específico de um

“grupo de repetentes”, deve ser adotado desde o início do ano, um tratamento mais cuidadoso

com grupos dessa natureza. Cris, Pitt, Cal, Crispin e Cely desistiram no meio do caminho.

Comparando os Sociogramas: inicial e o final é visível uma maior integração no grupo

pelo maior número de mutualidades, ou seja, escolha positiva mútua. Ainda assim ficaram

dois estudantes isolados: Norton e Alan, que raramente participavam das atividades. No 1º

teste, Alan tinha uma mutualidade com Edu, mas não sustentou e perdeu esse laço.

Observe que Jonas no 1º teste estava isolado, melhorou bastante a sua posição no grupo

com duas escolhas mútuas; do mesmo modo Raí também conseguiu uma mutualidade e Vily

obteve uma escolha, o que representa um resultado positivo, considerando que esses

estudantes antes estavam isolados.

O número de mutualidades de primeira escolha positiva continuou o mesmo, do teste

inicial para o final (4), no entanto, aumentou o número de escolhas mútuas, em segundo e

terceiro lugar, o que favoreceu a integração do grupo. Por outro lado, as escolhas positivas do

primeiro teste mostraram no desenrolar da pesquisa que eram “pró forma”, não existia um

vínculo de amizade consciente e por isso, foram se modificando. Assim foi com Sam e Silvio

que tinham uma mutualidade de primeira escolha e se tornaram inimigos; Alan tinha uma

mutualidade com Edú e no teste final ficou isolado. Sam, Silas e Edu ficaram fechados num

triangulo, quase isolados do grupo. Não ficaram totalmente isolados, porque o Silas apesar de

ser amigo de Sam, uma estrela de antipatia no grupo, era estrela de escolhas positivas e o Edú

também recebeu três escolhas positivas o que favoreceu a sua integração.

No Sociograma 3 eram quatro estrelas negativas: Jonas, Jair, Sam e Sílvio; no último

teste, aplicado três meses depois, o sociograma revelam três: Sílvio, Norton e Sam. Portanto,

Jonas e Jair melhoraram a posição no grupo. A estrela sociométrica no primeiro teste era

Perla, Sany, Pitt e Cris, pelo maior número de mutualidades positivas (3); no último

sociograma (5) somente Sany continuou como estrela sociométrica, isso quer dizer que

permaneceu com o maior número de escolhas mútuas. A diminuição das estrelas, nesse caso,

não prejudicou a integração porque após as atividades lúdicas e sociodramáticas, as escolhas

passaram a ser mais conscientes.

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É interessante observar que os grupos isolados, “as panelinhas” do primeiro teste

diluíram-se, formando uma comunidade que permaneceu mais unida até o final da pesquisa.

Quero deixar claro que, apesar de algumas mudanças positivas, ainda ficou muito a

desejar o trabalho com esse grupo; basta verificar que dos 19 estudantes que freqüentavam até

o fim do ano letivo, somente dez participavam regularmente do grupo, essa dispersão

implicava na ausência às aulas, no enfrentamento das dificuldades das disciplinas, no mau

comportamento, agressividade com os professores. Enquanto isso, o pequeno grupo que

participava das atividades lúdicas e sociodramáticas, cooperava entre si, estava mais unido,

não sei se realmente posso dizer que a intervenção influenciou totalmente, mas o certo é que

dos que freqüentavam o grupo somente uma estudante foi reprovada, conforme ata de

resultado final da série.

Para que a vinculação aconteça num grupo de escola, acredito ser necessário um

trabalho coletivo desde o início do ano, e que essa relação seja cuidada durante todo o ano

letivo, para que daí possa surgir vínculos de amizade, respeito e consideração.

Essas observações vêm confirmar a importância das relações e do desenvolvimento do

vínculo entre os atores escolares, como condição essencial do aprendizado escolar e da vida.

Uma educação de qualidade deve se preocupar com o desenvolvimento integral, que não

comporta só a preparação do intelecto; esse é só um pilar. De acordo com o Relatório de

Jacques Delors (1999) citado anteriormente, temos, além do aprender a saber, que é o mais

focado em nosso meio, também o aprender a ser, o aprender a fazer e o aprender a viver

juntos. As distorções no “viver juntos” prejudica a função institucional da escola.

Outro passo dado, no sentido de identificar a percepção dos estudantes sobre as

relações interpessoais na turma, foi o questionário a seguir, composto de dez itens, com quatro

opções de respostas objetivas.

4.1.2 O que pensam os estudantes da 5ª Série sobre as relações interpessoais na sala de

aula

No dia 16/08/05, antes de iniciar a intervenção propriamente dita, os 23 estudantes

responderam o Questionário de Relações Interpessoais (APÊNDICE B), com o objetivo de

identificar sua percepção sobre as relações interpessoais na turma. A questão 7 não foi

respondida por um deles.

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4.1.2.1 – Antes da intervenção

O exame dos resultados mostra que o relacionamento nessa turma não era bom,

considerando que os itens que promovem a integração pendem mais para a negatividade.

Pode-se observar que itens como: cooperação (60,87%), aceitação (56,53%), união (63,64%),

afetividade (52,18%), ocorre “às vezes”, dito pelo maior número de estudantes da turma

(Tabela 1).

No segundo semestre, ainda existiam colegas que não sabiam os nomes uns dos outros

e alguns estavam isolados, isso também é confirmado no Teste Sociométrico. O percentual de

agressividade é grande, sete estudantes (30.43%) consideram que “sempre” existe

agressividade; enquanto cinco (21.74%) achavam “muitas vezes” e nove (39.13%) diziam que

“às vezes”, somente dois (8.70%) dos educandos, diziam “nunca” existir.

Tabela 1 - Percepção dos estudantes sobre as relações interpessoais em sala de aula

Fonte: Pesquisa da autora

Dos três estudantes (13.04%), que não se consideram aceitos “nunca”, é visível a

situação também no Teste Sociométrico; observe que o estudante Jair está isolado, no

Sociograma 1; durante a intervenção não se integra e, assim, não participa da maioria das

A

B

C

D

Respostas e

Percentuais

Item A % A % A % A %

1. Entrosamento 09 39,13 09 39,13 05 21,74

2. Saber o nome 17 73,91 02 8,70 04 17,39

3. Isolados 01 4,35 06 26,08 16 69,57

4. Agressividade 07 30,43 05 21,74 09 39,13 02 8,70

5. Cooperação 02 8,70 02 8,70 14 60,87 05 21,73

6. Aceitação 03 13,04 04 17,39 13 56,53 03 13,04

7. União* ... ... 02 9,09 14 63,64 06 27,27

8. Relacionamento 07 30,43 03 13,04 11 47,83 02 8,70

9. Receio de falar 02 8,70 05 21,73 12 52,18 04 17,39

10. Afetividade 05 21,73 02 8,70 12 52,18 04 17,39

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atividades, o resultado na aprendizagem é também deficiente, apesar de ter uma boa relação

com a pesquisadora, buscar carinho, mas não se aproxima dos colegas.

Outro dado do questionário, que observei nas vivências lúdicas, foi o receio de falar,

de alguns estudantes, era como se temessem a crítica; somente quatro (17.39%) disseram se

sentirem à vontade, o que era visível, apesar de toda a vivacidade desses adolescentes. Os 19

restantes (82.61%) sentiam receio de falar em algum momento.

Isso indica a urgente necessidade de se trabalhar, como pano de fundo em toda

atividade educativa, a integração da turma e a conseqüente formação de vínculos de

aproximação/integração, desde o início do ano letivo, pois onde existem pessoas em

convivência, é natural os conflitos, desentendimentos, mas ao mesmo tempo, existe a

possibilidade de diálogo, de troca, e também o prazer/alegria advindo do encontro verdadeiro

– aquele que acolhe a pessoa em sua dignidade e a respeita.

4.1.2.2 – Depois da intervenção

Após um trabalho contínuo e organizado, com avaliações e observações freqüentes da

caminhada do grupo, propus no final mais um instrumento a fim de ter a partir das vozes dos

atores desse drama, alguns indicadores que mostrassem a aproximação ou não, dos objetivos

propostos.

Foi aplicado um Questionário Avaliativo composto de sete questões com justificativas.

Vou desdobrá-las aqui para comentar um pouco cada questão.

Questão 1 - Como você classifica o trabalho feito pela professora Antonia Lucia? ( ) Péssimo ; ( ) Regular ; ( ) Bom ; ( ) Ótimo ; ( ) Participei algumas vezes. Por quê? Dos 17 estudantes que responderam, sete disseram que a atividade foi “Ótima”, um

deles disse “[...] foi uma professora que nos deu carinho e ensinou também”; outro disse: “ela

entende o que passa pela cabeça da gente”; um outro escreveu: “porque ela brinca com todo

mundo e dá conselhos os alunos”, os restantes falaram da paciência, carinho e das

brincadeiras. Dos cinco que acharam “Bom”, um educando escreveu: “porque fez muitas

brincadeiras e ela é muito carinhosa”, os restantes continuaram falando das brincadeiras,

pinturas, das risadas que deu. Cinco responderam que participaram algumas vezes, um deles

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falou: “porque não gostava de algumas aulas que eram chatas”, outro respondeu: “porque

têm vezes que fico sem ânimo” e os três restantes porque chegavam atrasados.

Questão 2 - Participando desses encontros, me senti...

De todas as respostas, somente um educando disse se sentir “muito péssimo”, mas não

justificou; um outro disse que se sentiu: “mal com meus colegas que faziam ignorância com a

senhora”, uma educanda diz: “muito bem, isso fez ela entender um pouco sobre minha vida”;

um outro disse que se sentiu: “meio diferente porque aprendi alguma coisa”; outro disse:

“melhor do que está fora da sala, com alunos perturbando no pátio”; mais um outro falou:

“me senti ótimo e notado” os demais se sentiram alegres, ótimos, muito bem.

Questão 3 - Do que menos gostei...

Nessa questão, destaquei a resposta de três educandos que não gostaram de fazer a

máscara. Achei interessante expressarem isso, porque aparentemente ao fazê-las, pareciam

satisfeitos, conversavam, trocavam materiais; mas observei também, que não gostavam do

resultado final da máscara; aí então pediam mais um molde para fazer outra e outra. Fiquei a

observar que não ficavam satisfeitos com seus trabalhos, demonstravam insegurança com sua

expressão, coisas de quem tem a auto-estima baixa, o seu não presta, não é bonito. Nesse

sentido, observe o que Linhares (2003, p.230) diz: “Uma das singularidades desse sujeito que

entra na escola é a sua vital necessidade de produção de sentidos orientadores de sua ação no

mundo. Esses sentidos migram, tem muitas vozes – mas necessitam ter um lugar de

expressão, de elaboração e interação com os outros”. Acredito que na escola a produção dos

educandos precisa ser valorizada, e há necessidade de mais trabalhos voltados para a

expressão.

Outros dizem que não gostaram “das brigas dos meninos”; “dos que na aula o

perturbaram” , “das atividades de escrever”; um diz que sentiu “ter filado aula e que agora

estou arrependido”; e os dez restantes gostaram de tudo.

Questão 4 - Do que mais gostei...

Nesse item, selecionei as respostas diferentes. Um educando diz: “quando trazia o

som”; “da atividade de tapar os olhos”; um diz: “de passar carrego”, está falando de uma

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atividade que fizemos, de passar energia com as mãos. Cinco estudantes destacaram a

atividade de máscara, o “Sociodrama de máscara”. Os nove restantes gostaram das

brincadeiras e de tudo.

Questão 5 - Minha relação com os meus colegas de classe...

Chamou-me a atenção que quatro educandos consideraram a relação muito ruim, e

pelo menos três educandos, considerados estrelas de negatividade na turma, não fizeram parte

desse grupo, ao contrário, dois deles acharam a relação ótima e o outro muito boa. Parece que

mesmo isolados da turma, diziam se sentirem bem. Quatro estudantes acharam a relação de

boa a muito boa; outros quatro consideraram mais ou menos. Destaquei dois, um disse:

“quase legal” e o outro respondeu “melhor do que estava”.

Questão 6 - Minha relação com os professores...

De modo geral, disseram que a relação é boa. Nove estudantes acharam muito boa a

ótima, três consideram boa, um disse ser “normal”, mas não esclareceu, outro disse “muito

legal”. Os três restantes fizeram ressalvas: um disse que era “muito boa com alguns”; o outro

diz que são “regulares, porque os professores não são sempre bons”,e o último diz: “com

alguns meio diferente e com outros eu brinco e dou muitas risadas”.

Comparando o depoimento final e o primeiro exercício que fiz para perceber como os

estudantes viam a relação com seus professores, observa-se que melhorou bastante, porque

nessa atividade em que pedi para mostrar a relação através do desenho, expressaram-se de

forma mais negativa, ridicularizavam o professor; as falas e queixas no início da intervenção

expressavam isso. Pode ser observado também nos Flashes da sala de aula e no sociodrama

Um dia na Escola: mostram relações conflituosas. Um pequeno número expressava gostar dos

professores, vê-se que melhorou.

Questão 7 - Espero que...

Essa questão foi colocada mais no sentido de expressarem os seus sonhos,

expectativas. No entanto, deram muitas respostas de agradecimento à pesquisadora,

expressando-se assim: “Antonia Lucia seja sempre uma pessoa, boa, ótima como ela sempre

foi. Beijos. Sua aluna querida, muitas felicidades”. “Antonia Lucia volte de novo, para fazer-

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nos feliz”; “a profª A L seja muito feliz. E eu passe de ano”; “a sra. venha no próximo ano”;

“a sra. vai e que eu encontre colegas bons, é claro que eu passe”; “ seja feliz porque a sra.,

ensinou muitas coisas”; “eu passe de ano e para o ano que a sra., também volte”; “você

ensine todos os alunos que a sra. encontre pela frente”; “eu passe de ano, vou sentir

saudade”. Os depoimentos restantes foram: “eu já melhorei”, “eu passe de ano”; “que o ano

seguinte seja melhor do que este”; “que seja sempre assim”, esse educando antes falou da

importância do carinho e no final escreveu que seja sempre assim; “que o outro ano seja mais

feliz que esse ano”; “de nada” ; “eu também” ; “bom”. As últimas respostas estão soltas.

4.1.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na sala de aula

Tendo em vista verificar no discurso como estavam os vínculos e a aprendizagem dos

educandos e também como estavam os vínculos entre os educandos e os professores da turma,

antes de iniciar as atividades da intervenção, foi realizada uma entrevista com os professores,

a partir de um roteiro de questões, que foram gravadas e transcritas e que forneceu os dados

abaixo.

4.1.3.1 Antes da intervenção

Foram feitas cinco perguntas básicas sobre o relacionamento e sobre o vínculo,

respondidas por todos os professores da turma, portanto: Artes, Ciências, Educação Física,

Geografia, História, Inglês, Matemática, Português, Turismo. Temos dois professores do sexo

masculino e sete do sexo feminino, mas, para evitar identificação, estou sempre falando do

professor, sem distinção de sexo.

Questão 1 - Qual é o nível de aproveitamento da 5ª série, Turma [....] do turno

matutino? A que você atribui tal resultado?

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Foi quase unânime a resposta: é uma turma fraca, aproveitamento regular, um

professor especificamente diz: “essa turma vai de regular para baixo”. Somente um professor

disse ser o aproveitamento muito bom, com casos isolados de aproveitamento insuficiente.

Os professores que consideram o aproveitamento regular/fraco atribuem o resultado ao

fato de serem repetentes, às brincadeiras (mal comportamento), à falta de assistência da

família, um professor diz: “eles não têm orientação em casa, a família não acompanha o seu

filho na escola. Eles não vêem a reunião de Pais e Mestres, tudo isso é muito grave”;

apontam também a falta de um trabalho específico de ajuda.

Já o professor que considera o resultado muito bom, disse o seguinte: “O nível de

nossos alunos é muito bom, até por que se trata de uma turma de alunos repetentes, eles

estão repetindo a 5ª série, acredito que o fato deles conhecerem o conteúdo programático, já

conhecerem os assuntos, isso contribui bastante para um aproveitamento melhor. [...] É

interessante esse seu resultado, porque nas demais disciplinas os professores colocam o

resultado como ruim. O que você acha disso? “Bem, (risos) de certa forma, acredito que,

talvez a metodologia que procuro aplicar lá nessa turma, tenha contribuído para isso! Isso

porque quando no início do ano eu percebi que 98% eram repetentes, que seria interessante

buscar uma metodologia diferenciada das outras turmas, até por que eles já conheciam o

conteúdo, seria interessante buscar outra forma de chamar a atenção deles, prender a

atenção, porque muitos não se interessam, por acharem que já conhecem o conteúdo”.

Observei que os atores (professores) têm uma clareza do problema da turma, como foi

falado textualmente “os alunos são repetentes, a auto-estima é baixa e precisam de serem

ajudados”, outro professor também diz: “alunos repetentes precisam de um trabalho voltado

para eles”. Falavam também da falta de um trabalho interdisciplinar, para que os resultados

fossem melhores. No entanto, tudo isso é visto no nível do discurso, não existe ação conjunta

para a solução do problema, cada professor desenvolve o seu trabalho de modo isolado.

Legitima-se a capacidade de fazer diagnósticos, de fazer comentários sobre, como é possível

observar na fala de um professor: “todos nós temos as mesmas opiniões sobre os alunos”.

Nesse sentido, a consciência está justificada pela preocupação, pelos comentários conjuntos,

mas o problema continua e a solução parece que é da responsabilidade dos deuses, de uma

força mágica e não da ação conjunta entre professores, direção, pais e educandos. De modo

geral problemas como: repetência, indisciplina, fracasso escolar, violência, são apontados

como problema dos próprios estudantes, da falta de assistência da família, da condição

econômica, como está expresso nos depoimentos dos professores e não se discute que a

própria escola e os sistemas de ensino não estão preparados ou comprometidos para atender as

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diferentes necessidades de aprendizagem. A reunião de Conselho de Classe que assisti, na III

Unidade, não se discutiu a problemática da turma e nem as formas de ajudar os educandos, foi

anotado quem havia ou não, sido aprovado na unidade, quem era indisciplinado, coisas do

tipo. E tudo continuou como antes.

Questão 2 - Quanto aos ALUNOS da 5ª série, turma ... como você vê o

relacionamento “aluno-professor”? Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?

Das nove respostas, cinco professores consideram que os vínculos são positivos. É

importante destacar a justificativa de um professor a essa questão.

“O relacionamento de aluno-professor é normal. Por exemplo, o professor é a pessoa

que está na frente ditando, dando ordens, ditando normas, os alunos são aqueles que

escutam, que ouvem, mas que também parecem que entram num ouvido e sai pelo outro. Esta

questão se o vínculo é positivo, negativo ou neutro, é complicado, porque eles não são alunos

revoltados. Tem o aluno dentro da sala de aula e fora da sala de aula. Fora da sala eles são

excelentes, a relação é muito boa, dentro da sala de aula indiferentes, descaso, sem nenhum

comprometimento com o estudo.”

Destaco, ainda, a fala de outro professor. Ele não entende a pergunta e pede

explicação. “O relacionamento é em que sentido, assim você está querendo dizer, em relação

ao conteúdo ?” O entrevistador responde: a relação interpessoal; e o professor prossegue: “Eu

acho que está dentro dos limites, né?, quando a satisfação é boa, [...] você tem que instigar

para que eles participem, em relação à acomodação. Os vínculos são positivos.”

Diante da pergunta, outro professor parece que não pensa e diz “Eu tenho um

relacionamento ótimo com eles. Não tenho o que me queixar da turma....” Pergunto como são

os vínculos, não adianta muita conversa, e afirma categoricamente: “Positivos”

Finalmente, me pergunto: o que deve ser considerado nesse relacionamento, o

educando em sala de aula ou fora da sala de aula? O que é relacionamento normal? É normal,

o professor ditar e o aluno receber? Será que é por isso que entra por um ouvido e sai pelo

outro? O que é mesmo vínculo positivo para eles?

As falas dos professores expressam a sua representação de vínculo, a sua

compreensão, embora não revelem a realidade das relações concretamente vividas nessa

turma. Observa-se que para o primeiro professor o relacionamento normal/positivo, segundo o

seu entendimento, é o mesmo que o “professor bancário” na visão de Freire (2005, p.66). É o

que está na frente ditando, dando ordens; por outro lado, em sala de aula os alunos são

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indiferentes. Se essa é a visão desse professor, conseqüentemente a sua prática revela seu

entendimento e os efeitos sobre o vínculo nas relações cotidianas. Com relação ao segundo,

percebo a falta de argumentos para que se identifique quais são os limites para uma relação

positiva ou de aproximação. No terceiro, observo o aligeiramento da resposta e a realidade

não é tão simples assim; a neutralidade aqui é omissão, a mudança do nosso olhar e da nossa

sensibilidade para com os educandos vai ser determinante na maneira de educá-los. Como

coloca Arroyo (2004, p.65): “Se a indiferença é esterilizante para a inovação educativa, a

empatia cada vez mais freqüente para com os educandos poderá nos levar a intervenções

realistas”.

Questão 3 - Quanto aos ALUNOS da 5ª série, turma [...] como você vê o

relacionamento “aluno-aluno”? Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?

Há uma discrepância entre os professores quanto à percepção da relação aluno-aluno.

Para cinco deles os vínculos são positivos. Um professor chega a dizer que é excelente, pelo

fato de serem repetentes e já se conhecerem de anos anteriores; outro também diz que por

estarem repetindo a série, o relacionamento é melhor; um observa que existe uma separação

entre meninos e meninas; outros dois dizem que brigam, mas não ficam magoados, apesar de

terem uma relação de amor e ódio, o vínculo é positivo.

Somente um professor considera o vínculo neutro. Diz que: “Há momentos de

agressão, eles não aceitam as diferenças do comportamento, opção sexual, essa coisa não é

fácil. Os maiores querem compensar nos menores.”

Os três professores restantes consideram os vínculos negativos. Um deles diz

textualmente: “Desde o primeiro horário estão em clima de guerra”. Esse mesmo professor

fala que no início do ano achava-os indiferentes, mas agora estão agressivos, batem uns nos

outros, puxa a cadeira e mesmo com sua interferência não se intimidam. Um outro diz: “essa

turma é complicada, devo falar por mim, mas na realidade a queixa é geral, são muito

agressivos entre eles”. Diz também para o entrevistador: “A sala que você escolheu é a mais

complicada, não é que eu esteja a atingir só o negativo, mas é a sala que os professores mais

se queixam”. Sorri, mas não respondi à provocação.

Por fim, mais um professor quando enfatizo a pergunta sobre o vínculo aluno-aluno,

responde: “Bem aí, já é um pouco mais complicado, apesar de tentar fazer um trabalho em

grupo para fazer a integração entre eles, mas eu percebo que eles não querem sentar junto

com o outro, então acho que existe um pouco de dificuldade”.

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Considero relevante o depoimento desses três últimos professores, porque todos os

instrumentos aplicados posteriormente vêm confirmar a inexistência de uma boa relação nessa

turma e esse último professor, apesar de considerar o vínculo negativo e se colocar

preocupado, é o mais querido, o mais respeitado, o que consegue a participação da maioria da

turma nas atividades em classe e os resultados em aprendizagem são os melhores, em

comparação com os outros professores.

Questão 4 - Quanto aos PROFESSORES da 5ª série, turma [....] como você vê o

relacionamento “professor-aluno”? Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?

Encontrei seis respostas positivas e também os fundamentos que as apóiam. Cada um

apresenta o seu ponto de vista, não encontrei quase pontos comuns entre eles: um diz que é

por gostar da disciplina, outro diz que é por se preocupar, mas vou tomar algumas falas:

“Relação boa. Porque a minha disciplina também é diferenciada, eles gostam da disciplina,

você vê que eles ficam até o último horário me aguardando.” O outro professor diz: “Eu me

coloco positivo. Alguns professores que tenho aqui um relacionamento mais forte, aliás,

como professores nunca vi mau relacionamento entre eles”. O depoimento desse outro

professor é bem objetivo, faz paradas e pedidos para pensar: “Deixa eu pensar...” (para um

pouco e retoma) “eu procuro ter a relação melhor possível, [...] procuro ajudar no que eu

posso [...] é impossível numa sala de 30 a 35 a gente chegar a cada um”. (nesse momento só

freqüentavam 24 alunos, os outros 09 evadiram) Continua: “Só precisa melhorar a

reciprocidade, [...] da parte deles sinto muita agressividade”. A professora continua falando,

mais algumas coisas. Volto a perguntar: os vínculos são positivos, negativos ou neutros? Ela

pára um pouco e diz: “Deixa eu ver... (dá um tempo rápido) e diz: “Não... negativo não, eu

considero positivo. Sinto quando a gente procura se aproximar mais, eles melhoram”.

Para finalizar, coloco mais essa fala, ao perguntar sobre o tipo de vínculo, ele

responde que o vinculo é positivo, porque : “A preocupação dos professores é com o aluno.”

Portanto, posso inferir que: desde que haja preocupação, que seja feito o trabalho em

sala de aula, não importa a forma como isso é recebido pelo educando, na visão desses

professores o vínculo é positivo. Observe a dúvida do professor ao responder sobre o vínculo:

“Não... negativo não, é positivo” ... Diante da indecisão, infiro que é um tema proibido,

silenciado, não explorado no sentido crítico. Somente um professor diz que o vínculo é neutro

e justifica: “Eu acho assim, neutro, não acho que seja nem positivo, nem negativo, eu acho

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neutro. Porque é como eu disse: têm professores que eles têm mais afinidade, eles brincam e

têm outros que eles falam, mas na mesma hora, pra eles, não estão nem aí”.

Finalmente, dois professores consideram os vínculos negativos, a fala de um é assim:

“Eu sinceramente me esforço para ter um relacionamento amistoso, sem distanciamento,

porém eu não me sinto muito à vontade para trabalhar com eles. Porque não vejo respostas

positivas com eles. Eu vou para a sala trabalhar sem estímulo, desestimulada [...] Dentro da

sala de aula é tudo muito louco.”

O outro professor também fica preocupado, porque se sente ignorado em sala de aula,

fica sempre se perguntando, se aquilo é só com ele. Ele diz: “Faz de conta que eu não existo.

O professor quer alguma coisa, mas eles são indiferentes.”

Percebo muita sinceridade e até uma certa angústia e tristeza desses professores ao

falar sobre essa relação neutra e negativa, é como falar de algo que não está dando certo, a

fala muda, o corpo muda, a emoção é outra. Não percebi alegria e nem entusiasmo na maioria

dos professores dessa turma, somente um me pareceu estar mais entusiasmado e satisfeito

com o seu papel, embora reconhecendo as dificuldades encontradas. Parece que estão

exauridos, desestimulados, tais como os sintomas da “síndrome de Burnout” que, segundo

Wanderley Codo (1999) quer dizer: “perder o fogo”, “perder a energia” ou “queimar” para

fora. É uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o

trabalho, de forma que as coisas já não importam mais e qualquer esforço lhe parece ser

inútil. A tarefa desses professores é bastante árdua, as relações são tensas, as condições de

trabalho precárias, tudo isso trazem implicações que deterioram a prática. Só vejo uma saída

para reverter essa situação e todos saírem ganhando: ação conjunta entre pais, comunidade,

professores e estudantes; ambiente acolhedor, artístico e lúdico, relações afetivas, para a

construção de uma escola em que todos se sintam incluídos e fazendo parte de um esforço e

alegria comum.

Questão 5 - Como você vê o relacionamento entre os professores da 5ª série, turma...

Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?

Essa foi a pergunta que apresentou mais positividade nas respostas. São sete

professores que consideram o vínculo positivo, sendo que um desses destaca que enquanto

colegas o vínculo é positivo, mas na relação profissional diz faltar interdisciplinaridade, que

só viu isso acontecer no início do ano letivo, quando se reuniram para o planejamento, mas

no decorrer do ano, cada um faz seu trabalho isolado.

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Dois professores dizem que o vínculo é neutro, um deles diz: “Cada um na sua. Às

vezes chego até a perguntar: o que você acha daquele aluno. Seria bom um ajudar o outro.

[...] Indiferentes”.

E o outro volta a falar sobre a falta de interdisciplinaridade, coincidindo com a fala do

colega anterior, quando diz: “Neutro, (fica calada, percebo que quer falar mais, aí pergunto)

por quê? A professora dá um sorriso matreiro e diz: “Porque cada um trabalha muito a

individualidade. Não existe interdisciplinaridade, falta integração entre os professores. A

gente cobra muito dos alunos. Há mais integração entre aluno-aluno do que professor-

professor, eu percebo muito isso.” Nesse sentido, vale ressalta o que diz Orsolon (apud

NÓVOA, 2002, p.189):

A fragmentação tem sido a característica do conhecimento vivenciado na escola e, por muito tempo, o professor também se trouxe fragmentado. No entanto, é cada vez mais consensual que o perfil profissional do professor se constrói no entrecruzamento das trajetórias pessoal (o que ele é) e profissional (o que ele realiza). Criar situações e espaços para compartilhar as experiências, para o professor se posicionar como homem/cidadão/profissional, é propiciador de uma prática transformadora. O que o professor “diz e faz é mediatizado pelo seu corpo, pelos seus afetos, seus sonhos, seus fantasmas e suas convicções.

É isso aí, os dados são bastante relevantes para começar a compreender o caminho que

tinha pela frente e bastante complexo para que tivesse a humildade de assumir que por mais

força desejante e a experiência que possuía, era impossível dar conta de tudo e ser “feliz

sozinha”. Um projeto pedagógico para trazer resultados efetivos depende da ação conjunta e

colaborativa entre todos.

4.1.3.2 Depois da intervenção

Para obter um perfil das relações nessa turma no início da pesquisa, foi preciso

dedicação e tempo de minha parte; só assim consegui realizar as entrevistas com todos os

professores. O mesmo não foi possível no final da pesquisa, porque coincidiu com o final do

ano letivo e os professores mostravam-se bastante atarefados; com isso não via brecha para

solicitar por menor que fosse um pouco de tempo para avaliar o trabalho após a intervenção.

Por outro lado, percebia que esse grupo de estudantes desde que assumi, no segundo semestre,

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já estava entregue à sua própria sorte, apesar da condição de especial ou seja, “grupo dos

repetentes”, não havia nenhum cuidado especial com eles. Sendo assim, não insisti para fazer

uma avaliação com os professores, porque questionava e inferia: Qual o sentido de avaliar o

fracasso? Como avaliar com cuidado se, como professor, não estou acompanhando o

processo? Quais critérios adotar para uma avaliação com os professores, se não havia vínculos

favoráveis para uma observação sem preconceitos?

Fiquei acompanhando de perto o pequeno grupo de estudantes que aderiu ao trabalho e

ficou até o final; com alguns professores que se mostravam mais disponíveis, procurei obter

informações como iam os estudantes em suas respectivas disciplinas e esse pequeno grupo

recebeu uma avaliação um pouco melhor em relação aos demais, de modo geral a avaliação

dessa turma não era boa; não percebi clima para obter um registro escrito ou gravado de todos

os professores, no final. Como a opinião inicial não era pré-requisito para o resultado final da

pesquisa, decidi mantê-la, com o objetivo de mostrar não só a insatisfação dos professores em

frente à turma por questões variadas e que merecem atenção, mas também a falta de uma ação

conjunta e coerente quanto ao que poderia ser feito no coletivo para minimizar as dificuldades

de professores e estudantes. Nesse período de fim de ano, não encontrei brecha para conseguir

um pequeno tempo com os professores, mesmo para responder um mínimo de avaliação que

fosse. Como falei anteriormente, infiro que existe um cansaço e falta de sentido para se

envolver com algumas questões da escola, e também com turmas problemáticas, como a

turma da pesquisa.

4.1.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo “A”

Os resultados descritos acima, obtidos através dos testes sociométricos, dos

depoimentos dos professores e dos estudantes, decorreram de uma série de atividades que

passo a relatar a seguir.

Antes de descrever as atividades propriamente ditas, apresento o cenário (contexto) e

os atores dessa peça aberta, que é a vida na sala de aula e já estava em andamento, antes

mesmo que o pesquisador chegasse ao espaço escolar, mas que na aquiescência desse papel,

teve o privilégio de não só observar, mas de conviver e atuar junto a esses atores sociais.

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4.1.4.1 Cenário

A unidade escolhida para a realização do trabalho de campo foi uma escola estadual de

médio porte, situada num bairro popular de classe média, próximo ao centro da cidade em

Salvador – BA. Essa instituição funciona em três turnos e atende alunos do ensino

fundamental de 5ª a 8ª séries. O trabalho técnico pedagógico no turno matutino é

desenvolvido por uma equipe de Secretaria, dois coordenadores pedagógicos, assistente de

direção, uma vice-diretora e um diretor geral.

Os espaços físicos utilizados nas atividades de intervenção foram:

A sala de aula que comporta 35 educandos, sentados em carteiras individuais,

corriqueiramente arrumados em fileiras. O conforto das carteiras fica a desejar, em condições

distante das ideais, a aparência muito feia, porque são riscadas, estragadas pelos próprios

estudantes. É comum chutarem e arremessarem as carteiras sem o mínimo cuidado. O aspecto

da sala também é feio, as paredes são sujas e pichadas, o chão é de cimento, não existe

enfeites e nem cartazes educativos. Apesar de encontrarem, no início das aulas, as salas

varridas e as carteiras arrumadas, ao final das atividades, deixam-nas muito sujas.

A sala tem boa iluminação, mas é bastante quente, amenizada pelo ventilador de teto e

uma ventilação natural que vem de aberturas na parede feita com tijolos, na parte superior.

Privacidade não existe, porque a porta não tem fechadura e são muito estragadas,

esburacadas. Os estudantes de outras turmas costumam incomodar, inclusive chamando os

colegas pelas frestas da porta; coloca-se carteira atrás para fechar, às vezes eles empurram e é

um barulho horrível. Quando acontece de ficar aberta, pelo calor ou outro motivo qualquer, os

educandos da turma em frente ficam dispersos, trocam gestos, inclusive obscenos, como vi

uma vez, em certa aula. É costume também o estudante entrar na sala sem pedir licença, se

dirigir-se ao colega e convidá-lo para sair da aula. Existe em algumas aulas, um entra e sai

muito grande de estudantes.

O prédio é moderno, mas falta manutenção, existem salas que durante as chuvas ficam

impraticáveis o seu funcionamento, a exemplo do salão grande, também usado para

apresentações e reuniões de pais; a maioria das atividades do grupo “B” foi feita nesse espaço.

Não percebi reclamação por parte dos estudantes, em relação à precariedade de alguns

elementos do ambiente, não sei se está relacionado à pouca expectativa, advinda das

condições da própria moradia deles.

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A escola também possui quadra de esporte ao ar livre, sala de professores, sala de

vídeo, um pátio ao ar livre e outro coberto, onde circulam e brincam os estudantes, onde

também ficam, quando estão de aula vaga ou filam a aula.

O ambiente, considerado como outro fator importante para a aprendizagem, no dizer

de Kishimoto (informação verbal)1, “o terceiro educador”, nessa turma, era bastante

tumultuado, com alunos dispersos, constantemente brigando, saindo dos lugares, sem o

material para a realização das tarefas escolares. O professor constantemente chamando a

atenção sobre questões de disciplina, agressividade, dispersão, falta de modos, não realização

das tarefas, etc. Essas questões na maioria das vezes, eram resolvidas através de sanções

como: colocar o aluno fora da sala, encaminhá-lo à Direção, tirar ponto ou recriminar o

comportamento.

Portanto, é esse o cenário que tive para trabalhar, constatei que as vozes expressavam

nos instrumentos aplicados, muito mais o desejo de conviver bem, de diminuir a violência, do

que mesmo o desejo explícito de aprender. Durante todo o tempo é como se os adolescentes

pedissem para ouvir o seu grito, mesmo através de gestos indisciplinados e atitudes

agressivas, nos convocavam para enxergá-los.

4.1.4.2 Atores

A proposta de intervenção foi acolhida junto à Direção da Escola, de forma positiva.

Dentre as turmas de 5ª série da Escola, foi sugerido de imediato pela Direção e Coordenação

Pedagógica, a realização da experiência com uma turma específica dessa série, formada em

sua maioria, por alunos multi-repetentes. A turma indicada vinha apresentando problemas não

só de aprendizagem, mas também disciplinares.

Essa primeira turma, objeto de investigação, aqui denominada de Grupo “A”, era

formada originalmente por 34 educandos no início do ano. No segundo semestre, exatamente

no dia 16 de agosto, quando fiz o primeiro contato, freqüentavam não muito regularmente, 24

alunos, ou seja, 70,58 % do total.

1 Palestra proferida no IV Encontro de Educação e Ludicidade promovido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade (GEPEL), da Universidade Federal da Bahia, em 2006.

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As idades desses educandos variavam de 11 a 16 anos; o sexo predominante era o

masculino, com 17 meninos e 07 meninas. Moravam perto da escola, quando não no mesmo

bairro, moravam em bairros próximos. Pertenciam a famílias economicamente carentes,

ficavam a maior parte do dia por sua conta, às vezes na rua, exceto quando estavam na escola,

pois os pais trabalhavam fora e alguns deles tomavam conta dos irmãos menores.

O nível de aproveitamento escolar era baixo, os professores se queixavam da falta de

assistência da família, conforme dados da entrevista, e análise feita adiante.

A disciplina em sala de aula deixava a desejar, o barulho interno é grande, a conversa

com os colegas também, a movimentação entre uma carteira e outra; são constantes os

pedidos para sair da sala, ora para beber água, ora para ir ao banheiro. Os professores e

estudantes são importunados com a visita de colegas de outras salas, inclusive para saírem da

aula.

Dos professores que ensinam nessa série as seguintes disciplinas: Matemática,

Português, Inglês, Ciências, Artes, História, Geografia, Turismo e Educação Física, foi

sugerido trabalhar com um especificamente, que a Direção e a Supervisão apontaram como:

assíduo, competente, enérgico e responsável. Aceitei a proposta, por considerar não só a

indicação, mas também por entender que o experimento poderia ser feito em qualquer

disciplina do currículo. Por outro lado, a sugestão foi acatada como um desafio – trabalhar

com uma turma especial – pois internamente acreditava que a minha experiência de vários

anos com crianças, jovens e adultos, aliada aos instrumentos confiáveis, tornaria a tarefa

razoavelmente fácil, o que não foi.

O acerto com a professora era de fazermos um trabalho conjunto e seguir a

programação curricular da série. A minha participação seria utilizar a ludicidade e o

psicodrama pedagógico para trabalhar os conteúdos da disciplina e a convivência. Essas

abordagens têm seu foco – no aprender na ação, própria do psicodrama e a partir de uma

experiência interna e plena do sujeito, que vem da compreensão da ludicidade. Cuidava

também para que houvesse uma convivência saudável, seguindo a hipótese de que o conteúdo

trabalhado num ambiente mais acolhedor e lúdico, favorece a convivência, o respeito e a

aprendizagem. Todo o meu trabalho seria desenvolvido num clima de jogo, brincadeiras,

reflexões, para se aprender no ato ou depois, pelas ressonâncias.

Ao longo da pesquisa, entretanto, fui ampliando e modificando o percurso, premido

por necessidades do grupo, do pesquisador, pois uma intervenção dessa monta nos leva por

caminhos cegos, imagens, entrelaçado por histórias, cenas, carregadas de sentidos para os

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participantes do grupo, a quem devemos respeito, e também para o pesquisador que está

implicado de corpo e alma.

Muitas vezes, a cada encontro tínhamos a possibilidade do caos absoluto, da

desintegração e ao mesmo tempo, a chance de tentar mais uma vez, para experimentar a

diferença, compreender o vivido, etc.

Após apresentar o cenário, os atores, apresento os bastidores, as cenas, colocando em

destaque a prática educativa escolar cotidiana, desde o meu ponto de vista, reiterando o que

diz Ardoíno (2002, p.145):

É portanto, sobre a qualidade do olhar do pesquisador, quando os empreendimentos de inteligibilidade mais clássicos, canônicos, estiverem se mostrado vãos, que convém sobretudo, refletir em vez de pensar nas propriedades assim emprestadas aos materiais de pesquisa .

Aqui serão apresentadas atividades, cenas, reflexões do modo como caminhou cada

grupo; suas crenças, seus anseios, ressonâncias vividas, antes que conhecidas, através da

experiência compartilhada e da forma como aparece.

Vou transcrever algumas cenas selecionadas, jogos, brincadeiras, exercícios,

procurando apresentar também imagens, para que o leitor possa traduzi-las e enxergá-las

como imagens em movimento, personagens no palco, em suas ações cotidianas, vivenciadas

na escola.

4.1.4.3 Relato dos Encontros

Dos 18 encontros registrados no diário de campo, selecionei 15 por conter elementos

essenciais para a compreensão e análise da pesquisa. São eles:

a) I Encontro: Carteira de Identidade! Olha eu aí gente... 16/08/2005

Sonhar o sonho possível, fincar o pé na realidade, debruçar o olhar sobre as pessoas

com quem desejava desenvolver a minha pesquisa, para saber como estavam, o que

pensavam, desejavam, foi o meu ponto de partida. Daí realizei a primeira etapa da missão – o

diagnóstico – por considerar uma etapa fundamental para conhecer as pessoas, suas

necessidades e também perceber como estava o vínculo grupo – foco central do trabalho.

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Estava ansiosa e eufórica para esse primeiro encontro. Dirigi-me à sala, assim que

cheguei à porta a professora fez um sinal para que aguardasse, pois estava preparando-os para

minha chegada. Logo em seguida pediu para eu entrar, os alunos me receberam com um

sorriso, responderam o bom dia com entusiasmo, mas estavam inquietos, eufóricos, apesar da

preparação do professor. Percebi que havia falta de espontaneidade no comportamento, o que

achei normal, por ser o nosso primeiro contato. De repente apareceram três alunos na porta da

sala, ofegantes. Representei em imagem a cena: “Professora, posso entrar ?”

Desenho 1 – Professora, posso entrar ?

Fonte: A autora

Estava eu ali, de pé, de frente para eles, mas ao mesmo tempo com a imagem e

pensando naquele primeiro incidente. As carteiras estavam arrumadas em fileiras. Os

educandos eufóricos. Uns me observavam, outros chamavam atenção sobre si, conversavam,

mexiam com os colegas. O professor os encarava com olhar de reprovação, mas isso não os

intimidava. Percebi que o professor se incomodava com o comportamento dos alunos, tentei

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tranqüilizá-lo, dizendo, que isso era uma situação nova para eles, e não se preocupasse, que

íamos nos entender.

Apresentei-me, disse o motivo de estar ali, pedi a colaboração de todos para responder

o Teste Sociométrico e o um exercício de dinâmica de grupo: Carteira de Identidade

(VIRGOLIM, 1996). O primeiro, para verificar como estavam as relações no grupo e o

segundo, que teve por objetivo conhecer cada um dos participantes, o nome, como gosta de

ser chamado, o que gosta, o que não gosta, enfim, dados que irão destacá-lo como único e

original, mesmo pertencendo a um grupo. Aceitaram e responderam com tranqüilidade.

Notei durante o preenchimento do exercício que um estudante estava irrequieto,

olhava com agressividade para a professora. Num dado momento me aproximei, perguntei se

estava sentindo dificuldade para responder

o exercício, baixou a cabeça, fiquei

próxima a ele, passei a mão em sua

cabeça, percebi que minha presença era

agradável, permaneci por mais um tempo,

ficou tranqüilo, respondeu e se tornou

mais simpático. Observava que o seu olhar

para a professora era de agressão, mas não

entendia o motivo. Os alunos de modo

geral, saíram aparentemente contentes,

depois desse primeiro contato. Após

recolher os exercícios, fiquei só com a

professora, que me falou: “Lembra

daquele aluno que você se aproximou e

ficou do seu lado? E quando chegou

perto ficou de cabeça baixa? Respondi

que sim. Então falou-me: aquele rapaz tem a auto-estima baixa e é muito agressivo. Só me

veio a imagem da atitude de tranqüilidade do educando enquanto estive próxima a ele e passei

a mão em sua cabeça.

Ao longo da pesquisa, fui percebendo que o rosto violento e a atitude agressiva desse

estudante, mais do que revelar-se naquele momento, e outras vezes que se repetiram em sala

de aula e também fora, revela a sua insatisfação e infiro que representa a insatisfação de

muitos estudantes, pelo lado destrutivo das relações vividas no dia-a-dia em nossas escolas.

Arroyo (2004, p.15) nos diz: “Vejo o momento docente obedecendo a uma mirada singular,

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atenta aos matizes não apenas das indisciplinadas condutas dos educandos, mas de suas ricas

trajetórias humanas e temporais. Nem tudo é indisciplina nas escolas. Nem toda criança é

violenta.”

b) II Encontro: “Muito prazer em conhecê-lo (a)” 18/ 08/05

Nesse encontro, fiz um contrato com os educandos, assumindo que as atividades iriam

transcorrer num clima de respeito e que não seria admitido nenhum tipo de violência, nem

entre eles e nem entre os professores, o que foi acolhido positivamente. Depois é que

promovi as primeiras atividades de integração com o grupo. As dinâmicas utilizadas tinham

como objetivo se apresentarem, se conhecerem, se comunicarem e se aproximarem com

cuidado. Essa fase estava bastante ligada à anterior, a partir da identidade pessoal, formar a

identidade grupal, que seria feita durante todo o percurso. É o momento de “ser com”.

Vou antes do horário para a escola, a fim de observar a sua dinâmica, conversar com

os professores da turma. A aula era geminada e seria nos dois últimos horários. Ao chegar ao

portão de entrada, encontro três alunos sentados no muro. Assim que me viram, foram logo se

justificando. Um deles falou e os outros concordaram. Registrei a imagem da cena assim:

Desenho 2: Na porta da Escola

Fonte: A autora

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Jair: Olha, professora, eu não trouxe o livro e a pró não deixou eu entrar.

Pesquisadora: Por que não trouxe o livro? ... Mas vocês virão para a aula de vínculo, não é?

Alan: Sim pró nós vamos.

Saio pensando alto, em psicodrama se diz, fazendo um solilóquio*

*

Os estudantes não voltaram para assistir às últimas aulas. Colocados fora de sala nos

primeiros horários, ficavam por ali dando um tempo, conversando com outros colegas do lado

de fora, depois iam para casa ou para outro local nas imediações, nem sempre recomendável.

Isso é preocupante, porque a escola enquanto espaço de formação, de exercício e de

conhecimento, de diálogo, de ética, ao deixar esses estudantes fora, abdica do seu papel e

contribui para o perigo que nos alerta Abramovay (2003, p. 29):

As cercanias da escola (rua em frente, entorno, ponto de ônibus e caminho até o ponto de ônibus) consistem no espaço em que mais ocorrem violências, segundo alunos e membros do corpo técnico-pedagógico que participaram da pesquisa. Ambos também, apontam a vizinhança como um dos cinco principais problemas da escola.

O encontro desse dia tinha como mote: “Muito prazer em conhecê-lo (a)”, assim

planejei alguns jogos para aprender os nomes.

Ao entrar em sala fui recebida com um cumprimento bastante acolhedor. Os

estudantes estavam aguardando o início da aula, a maioria em suas carteiras. Um grupo que

não veio no primeiro dia (três alunas) se juntou ao outro no canto esquerdo da sala e ficaram

conversando. Como o grupo de meninas é menor, elas estão mais juntas e é mais visível.

Assim que o professor as viu conversando, foi até lá, separou o grupo, pegou pela mão cada

adolescente, colocou no lugar que escolheu, me pareceu que era para manter a ordem. A

reação não foi boa, algumas se entreolharam com olhar de reprovação e raiva. Uma, com

agressividade na voz, perguntou? – “Professora por quê, a senhora está tão estúpida?” A

troca de explicações continuou. Quando percebi que o clima não era bom, e enquanto a

* Conversa da pesquisadora consigo mesma.

Que perigo esses meninos fora da escola... Será que vão voltar para assistir as últimas aulas?

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professora discutia a situação com aquele pequeno grupo, me dirigi à frente para conversar

com o restante da turma. Comecei perguntando sobre o primeiro encontro, tentando também

desviar o foco daquela discussão. Mas no fundo rolava um bate-boca entre a professora e

alguns do grupo. Escutei bem a professora dizer para as meninas, referindo-se a uma delas,

mas não entendi o contexto: “[...]é que não sou louca e ela é louca...”

Depois desse incidente, a professora retomou a coordenação da aula, passou uma

tarefa para os educandos copiarem. Enquanto isso, os que não vieram no primeiro dia

responderam o teste sociométrico e o questionário.

As aulas nesse dia eram geminadas, pedi permissão professora para fazer uma

integração com os educandos após o exercício, com o objetivo de conhecê-los melhor, e

também observar como reagiriam frente às atividades que iria propor.

Comecei com uma brincadeira para aprender os nomes e ao mesmo tempo trabalhar o

olhar, o foco e a atenção. A brincadeira se chama ZIP:

Cada um dizia o seu nome, olhava uma colega e dava um sinal em sua direção dizendo

ZIP; o colega devia receber, falar seu nome e direcionar o movimento para outro (a). E assim

sucessivamente.

No movimento que fiz para começar, apontei para uma estudante que não veio no

primeiro encontro, esta não foi uma boa escolha. Ficou encabulada e sem ação, não quis

repetir o gesto para outra colega, disse que ia sair da brincadeira, mesmo eu tendo falado que

não havia problema e que ia começar com outro colega. O que percebi, é que eles

demonstravam de modo geral, um grande receio de errar e serem criticados; participavam,

mas não ficavam à vontade.

Ao observar as atitudes percebia que o ambiente inspira insegurança, os colegas não

inspiravam cuidado, as relações de desconfiança e de insegurança não encontram pontos de

apoio e força no trabalho cotidiano da escola. Há necessidade de se olhar com mais cuidado

para esse fato. Observe o que afirma Dante Leite (1997, p. 304):

[...] Como se verá agora, a nossa formação como indivíduos depende de relações interpessoais e o educador precisa conhecer a sua significação para o educando. De outro lado, deve saber que grande parte de nossa vida decorre num universo de relações interpessoais, e as grandes dificuldades de ajustamento se explicam como resultado de um despreparo para viver com os outros.

Fiz outra atividade, que nomeei de “Nomes e qualidades”. Coloquei uma cadeira no

centro do semicírculo e falei que quem quisesse começar sentaria na cadeira para ouvir o

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colega dizer o significado do seu nome. O educando que estava no centro ouvia o significado,

lido pelo colega que ficava atrás de sua cadeira. Depois quem quisesse ia até ele, entregava a

qualidade e dizia: “Isto te pertence!”. Todos os educandos ocupavam a cadeira para ouvir o

significado do seu nome e receber as qualidades.

De antemão, preparei o significado do nome de todos os educandos e do professor

(PANDU; PANDU, 1996), que deveriam ser lidos em voz alta, isso também era um exercício

(leitura), que favorecia a aprendizagem na disciplina que estávamos trabalhando. Cada

participante recebeu um nome que não era o seu e mais duas qualidades que deveriam

entregar a quem considerasse merecedor.

A professora também participou com muita boa vontade dessa atividade e foi muito

interessante, porque os educandos entregaram para ela qualidades coerentes com o seu perfil,

que demonstrou gostar muito. A turma estava mais espontânea, o ambiente era amistoso,

apesar dos grupos fechados e colegas que não se falavam na turma, por brigas e

desentendimentos. O clima nesse dia era bom.

O campo relaxado constitui-se uma das metas do psicodrama e da ludicidade, por

possibilitar o indivíduo estar inteiro na situação. Sabe-se também, que a atividade em campo

relaxado facilita o aprendizado e o estabelecimento de relações. Isso tem a ver com a energia

que emana do estado lúdico e flui na brincadeira do grupo, predispondo o(s) protagonista(s) a

dizer(em) a mais profunda verdade de forma leve e espontânea. Luckesi (2002, p. 48) diz que:

“Na atividade lúdica, o ser humano, criança, adolescente ou adulto, não pensa, nem age, nem

sente; ele vivencia, ao mesmo tempo, sentir, pensar e agir.”

c) III Encontro: Provas da III Unidade

O terceiro encontro foi avaliação em toda escola, estive presente junto à turma

observando o comportamento durante as avaliações.

d) IV Encontro: “Brincando também se aprende” 23/08/05

Como falei anteriormente, deveria trabalhar os conteúdos do currículo com ludicidade

e também com o psicodrama pedagógico, em parceria com a professora regente, naquilo que

fosse possível. Acredito que a conexão entre ludicidade e psicodrama se dá na presença plena

do sujeito à atividade; no momento em que cada membro do grupo ali está, inteiro,

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disponível, para junto com os outros colegas vivenciar o que vier, num clima de jogo e

liberdade. Para Romaña (1996, p. 29):

Como método didático o psicodrama garante a aquisição do conhecimento em nível intuitivo e em nível intelectual, mas também leva a uma participação maior do aluno e à utilização do seu corpo, permitindo ao professor, ao mesmo tempo, o manejo do grupo como unidade.

O assunto que a turma estava estudando era “Verbo”. Combinei com a professora de

fazer o aquecimento da aula, que é uma etapa inicial e importante no psicodrama, no sentido

de preparar o grupo para o assunto a ser dado, de acordo com o que se almeja. Dividi a turma

em equipes para participar de um jogo, falei um pouco sobre as regras. Distribuí pelas

paredes da sala várias manchetes de jornal e disse-lhes que ao ouvir o sinal, teriam cinco

minutos para anotar pequenas frases que continham verbo e estavam espalhadas nas paredes

da sala. Depois íamos verificar as equipes que mais verbos anotaram, fazendo a leitura das

manchetes. Alguns educandos (minoria) participaram muito bem, outros por dificuldade na

própria atividade, como escrever, identificar o verbo, selecionar a frase, não conseguiam e

começavam a bagunçar, desrespeitar o colega. Tive que pedir silêncio várias vezes, e o jogo

aconteceu como foi possível, não só pela dificuldade da turma em trabalhar em equipe,

compreender as instruções, seguir regras, mas também por outros fatores como integração,

relacionamento, motivação, etc.

Tentei mais um jogo, “Ti bi ta”, bastante interessante e que exige raciocínio. Consiste

no jogador escolhido descobrir o verbo após fazer as ligações entre as respostas dadas por

cada participante. Sentiram dificuldade para compreender, expliquei com exemplos, mas

percebi que era melhor continuar com o assunto do dia, pois íamos tomar grande parte da

aula, então, passei a palavra para a professora dar continuidade.

É interessante antes de passar para a atividade seguinte, falar da relação com o saber,

no sentido de não só imputar ao educando as causas do fracasso escolar (motivação, pobreza,

etc), mas também da relação com o que se tenta ensinar a esse educando. É uma questão que o

professor depara constantemente e não é simples. No entanto, as implicações estão aí no dia-

a-dia e exige o apoio de uma abordagem que leve em conta o sujeito que aprende (desejo) e a

forma como se dá, para que faça sentido a aprendizagem e o papel da escola. Segundo

Charlot (2001, p. 21):

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[...] O que é aprendido só pode ser apropriado pelo sujeito se despertar nele ecos: se fizer sentido para ele. Porém, o sujeito só pode aprender se entrar em certas atividades normatizadas, aquelas que permitem apropriar-se deste saber ou deste “aprender” específico (elas não são as mesmas quando a questão é aprender matemática, história, ofício de policial ou a solidariedade...) Trata-se propriamente de uma dialética e não de uma simples complementariedade: o sentido atribuído a um saber leva a envolver-se em certas atividades, a atividade posta em prática para se apropriar de um saber contribui para produzir o sentido desse saber. A problemática da relação com o saber implica a recusa de colocar a questão da eficácia sem colocar a do sentido (isto é, a recusa de tomar o saber e a atividade em sua coerência e sua especificidade sem se indagar sobre aquele que é chamado a apropriar-se deste saber por meio desta atividade). Ao mesmo tempo, implica a recusa de colocar a questão do sentido sem colocar a da eficácia (isto é, a recusa de tomar o sujeito como desejo e /ou indivíduo socialmente moldado sem questionar a especificidade dos saberes e das atividades com as quais esse indivíduo é confrontado).

Vale lembrar que é na prática escolar que se vão engendrando habilidades, hábitos,

conhecimentos e atitudes, que podem favorecer ou não, a realização das atividades escolares e

o aprendizado para a autonomia do sujeito. Junto a isso, falta uma gama de condições para

uma educação de qualidade na escola do Estado, ligado a vários fatores que não convém citar

aqui.

Assim que passei a palavra à professora, ela disse para os educandos:

Profª – Vamos rápido, coloquem as carteiras no lugar certo, porque agora não é

brincadeira, o trabalho é sério.

A professora na sua fala marcou para os educandos a diferença entre o que fiz e o que

ela faria: até certo ponto mostrou o seu entendimento do sério e do lúdico no processo de

aprendizagem. Faz parte do comportamento e do estilo de gestão dessa aula: educandos

sentados em fileiras, recebendo o conteúdo que é passado pelo professor. Essa pode ser

também uma forma eficaz de ensinar, mas nessa disciplina e turma não, pelo rendimento

efetivo dos educandos na aprendizagem.

O que é mesmo sério para o professor? Quer dizer que o que fiz, para ela, não é sério?... Vamos ver agora, na sua aula, o que é trabalho sério...

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Acredito que o comportamento do professor de modo geral, é afetado por suas

crenças e por suas idéias psicopedagógicas, que atuam como filtros para interpretar as

situações de ensino. Conforme Shavelson e Stern (apud COLL, 1999, p. 178) “existe um

conjunto de informações que, de maneira consciente ou inconsciente, afetam as decisões que

os professores tomam durante o processo de ensino.” Quero destacar ainda que não se pode

perder de vista as relações estabelecidas durante as situações educativas entre educandos e

educadores. Elas podem influenciar e promover avanços, não só na aprendizagem mas

também nas relações sociais e na construção pessoal dos atores. Outro ponto a ser considerado

é que através do lúdico também se consegue ensinar, de acordo com a compreensão de

alguns autores, a brincadeira é necessária para o desenvolvimento intelectual e humano. Nesse

sentido, temos as contribuições de Huizinga (2000), Brougére (1995), Vygotsky (1998),

Winnicott (1975), dentre outros. Destaco Vygotsky, que contribuiu com sua compreensão da

atividade construtiva do educando, como um elemento, num emaranhado de relações sociais e

interpessoais. Esse autor demonstra que o desenvolvimento que os educandos experimentam é

produto das interações estabelecidas entre o sujeito que aprende e os mediadores culturais

(pais, professores,etc), que o colocam em contato com os bens culturais, de diferentes formas.

Considerando a relação que se pode estabelecer entre o brincar e as atividades em sala

de aula, destacamos o que diz Lucia Helena Cruz e Bernadete Porto (2002, p.150) :

Além da própria linguagem do brinquedo, as relações estabelecidas entre este e o desenvolvimento merecem ser destacadas na discussão sobre a escola e educação de qualidades. À medida que apreendem este conhecimento, que percebem que a linguagem do brinquedo pode transformar as relações e a vida na/da escola, os educadores poderão mudar radicalmente as suas práticas educativas. Mais que isto, acreditamos que somente educadores que gostem e possam brincar serão capazes de dimensionar, de forma diferente, os métodos progressistas de forma a constituírem práticas progressistas que integrem os conteúdos à vida dos educandos, levando-os a reelaboração deste conhecimento e, por isso mesmo, contribuindo para o desenvolvimento de sua criatividade. Um professor que não goste de jogar, que não goste de expressar-se pela arte, dificilmente poderá incrementar uma educação onde a ludicidade seja elemento presente. Investir numa educação de qualidade passa, então, por permitir e estimular a expressão do professor, da sua linguagem interior, exterior, sensível e artística, onde a brincadeira se expande à medida que as crianças aprendem.

Na verdade, a professora pode ter achado estranho aquele primeiro momento

(aquecimento) da aula, foi muito movimentado, barulhento, com alunos participando, outros

aproveitando para fazer bagunça, bem diferente do padrão. Mas se esse caos não for

enfrentado com o diálogo, disposição, respeito ao outro, orientação, de forma cooperativa por

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todos os professores, não se vai superar essas dificuldade impostas pela realidade cotidiana.

Pergunto: “qual será então, o sentido do nosso fazer?” Paulo Freire (1985), diz: “Se nada

temos a propor ou se simplesmente nos recusamos a fazê-la, não temos o que fazer

verdadeiramente na prática educativa” A cena que se seguiu foi esta:

Profª: Abram o livro na página 142. Leia Bob!

Bob: Não trouxe professora!

Profª: Pois vou anotar seu nome!... Leia então, Raí! Muito bem! Continue Nely!

Alan: Pró, eu posso sentar com o meu colega para ler?

Profª: Não, vocês sabem que devem trazer o livro, vou anotar seu nome também.

Esperei que a professora continuasse o assunto de onde deixei, fazendo a ligação entre

o que tinha sido visto no aquecimento (jogo sobre verbo), fazendo a relação com o

desenvolvimento da aula, para aprofundar as questões surgidas.

Não foi feito nenhum comentário sobre as frases que os alunos fizeram no jogo do

início da aula, nenhum comentário sobre verbo, enfim, nenhuma ligação entre o início e o

desenvolvimento da aula. Os que estavam com o livro ficaram muito contentes, não sei se por

fazerem a leitura e se sentirem premiados, ou porque seus nomes não foram anotados, alguns

estavam com uma fisionomia triste e outros resmungando com raiva.

Não me senti à vontade pra interferir, porque esse não era o meu papel de

pesquisadora. Por outro lado, percebi a convicção da professora em relação à sua atitude: para

ela, os educandos deviam aprender a trazer o livro, anotando o nome, achava que eles

aprenderiam a ser responsáveis. São as regras e sanções aplicadas aos educandos que suscitam

reações as mais diversas. Observe o que diz Miriam Abramovay (2003, p. 34):

Na medida em que as punições são, na maioria das vezes, estipuladas de forma arbitrária, a escola pode ser um lócus privilegiado do exercício da violência simbólica. A violência, nesse caso, seria exercida pelo uso de símbolos de poder que não necessitam do recurso da força física, nem de

Parece que a professora está chateada, anotando os meninos desse jeito... será que não gostou do comportamento dos educandos e da bagunça do jogo?

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armas, nem do grito, mas que silenciam protestos. E no ambiente escolar, com alta probabilidade, seria exercida não somente entre alunos, mas nas relações entre eles e os professores.

Observando as reações dos educandos nessa turma, diante da postura da professora,

percebia que o clima ficava tenso, havia um protesto silenciado, porque posteriormente

dificultava o envolvimento nas atividades. Partia da professora acusações de falta de interesse,

falta de preparo, falta da família, falta de limites, etc., e por parte dos educandos também,

reclamavam do tratamento, reclamavam das aulas “chatas”, no modo de falar, reclamavam do

conteúdo, etc. Acredito que a despeito das dificuldades que o assunto apresentava, era

necessário encontrar um contraponto favorável à aprendizagem significativa e ao papel da

escola, em favorecer as condições para essa aprendizagem.

Como a professora se dizia aberta a novas experiências, pensei numa forma de fazer a

integração entre as partes da aula, através do Psicodrama Pedagógico. Conversei com ela e

sugeri dar a próxima aula, utilizando as três etapas dessa metodologia: aquecimento,

desenvolvimento e o compartilhar. Aceitou com boa vontade, colocou-se à disposição para

ajudar no que fosse preciso. É bom que se diga: a professora era assídua, enérgica, disponível

e na sua fala mostrava preocupação e desejo, que os educandos aprendessem. Comentava que

eram fracos, muitos não queriam nada e que a família não ajudava. Mas preocupação só não

basta, as boas intenções se transformam às vezes em perigos e riscos para os educandos;

acredito que o que muda a realidade é a ação correta, que se encontra algumas vezes nublada

aos nossos olhos.

e) V Encontro: “Verbo é ação” 30/08/05

Chego cinco minutos atrasada, a professora já havia passado um exercício no quadro e

os educandos estavam calmamente copiando. Percebo que, quando estão copiando, é o

momento em que ficam mais envolvidos, existe menos briga e ficam até mais calmos.

Suponho que essa é também uma forma do professor manter a disciplina, pois observei

também em outras aulas que passavam exercícios, mas nem sempre eram corrigidos, ficavam

aparentemente sem propósito.

Nesse dia era só uma aula de 50 minutos e já estava cinco minutos atrasada, então o

professor falou:

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Profª. – Olhe turma, hoje só temos um horário e a professora Antonia Lucia vai dar

essa aula, deixe para terminar na 5ª feira, suspendam a cópia do exercício, para a pró

começar...

(Três alunos continuaram copiando, a professora diz novamente:)

Profª. – Já falei... parem de copiar, pois a pró vai dar a aula.

Continuaram copiando. A professora num ímpeto foi até a carteira dos educandos,

puxou a caneta e disse:

Profª. – Me dê essa caneta. (Tomou a caneta dos três)

As meninas olharam com raiva, mas não disseram nada. O garoto desafiou a

professora, com um olhar raivoso, se levantou e disse:

Sam – Não adianta, eu pego outra. (puxou a caneta da mão de outro colega e

continuou copiando)

Mais uma vez o clima tenso: a vítima olha com raiva para a professora, os estudantes

se entreolham desconfiados, a aula continua, mas o clima é tenso, não é agradável. As

disciplinas pedagógicas (Didática, Prática de Ensino, Psicologia, Sociologia e outras) ensinam

que um ambiente pacífico, acolhedor, estimulante, é condição fundamental para a

aprendizagem e todo o processo educativo. Freire (1996, p. 160) diz: Não é certo, sobretudo

do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio,

mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos. A afetividade não se

acha excluída da cognoscibilidade. Mas esse é um grande desafio que a escola tem pela frente,

diante da dramaticidade do momento atual da – violência – que não mais está rondando, mas

existe efetivamente nas escolas.

Para começar a atividade, perguntei primeiro sobre a aula passada, depois utilizei

novamente as frases do jornal, para recordar, li com eles, destacando os verbos. Quando

comecei a pedir para identificar o verbo, um aluno sugeriu:

Jéser: Pró, por que a senhora não usa os cartões para dizer se a gente acertou?

Profª: Tudo bem, Jéser!... O que vocês acham da sugestão do colega? Posso usar?

Educandos: Pode, pró!...

Por mais que pessoalmente criticasse o reforço de comportamento, sabia que o uso dos

cartões seria uma tentativa de implicá-los no processo de ensino, de vinculá-los com o

conhecimento e com o grupo; maneira urgente de encontrar uma saída, não só para melhorar o

comportamento, a atenção, a concentração, que estava difícil, mas também para dar um

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incentivo e feedback rápido, através de algo popular que era apreciado, como o programa de

TV “Balanço Geral”, da Rede Record, muito popular aqui em Salvador, do mesmo modo que

o futebol, outra paixão do brasileiro. Isso, para não ficar constantemente chamando a atenção

sobre o comportamento dos educandos, que percebia estar banalizado. Combinei de sinalizar,

através dos cartões: preto, que significa o pior comportamento; o vermelho – ruim; o amarelo

- advertência e o verde - muito bem. Por sugestão deles, ficaram servindo para avaliar não só

a aprendizagem, mas também o comportamento. Quando alguém acertava o verbo, mostrava o

cartão verde, assim também quando batia no colega, mostrava o cartão amarelo, como

advertência. Durante o jogo, os acertos eram bem comemorados, ficavam eufóricos ao receber

o cartão verde. Lá para o fim da pesquisa, esses cartões foram sendo esquecidos, porque já

não faziam o mesmo efeito do início, parece que perdeu o sentido da novidade; na verdade era

uma medida paliativa, o certo era refletir com eles sobre as maneiras de se comportar, de se

relacionar e estabelecer formas saudáveis de convivência. Mas na urgência deu certo.

Pesquisadora: Olha turma, vamos agora fazer a leitura. Os que não tem livro

sentam junto ao colega para todos acompanharem. Um educando, parecendo não

acreditar no que ouvia, perguntou:

Ney: Pode sentar mesmo com o colega, pró?...

Pesquisadora: Sim, pode sentar!...

Observei que a atitude da professora ao exigir determinado comportamento, no caso

não permitir que o colega sentasse ao lado do outro, para fazer a leitura deixava alguns

educandos chateados. Muito embora perceba ser essa uma questão pontual, mas o nó estava

Ih! ... agora vou agir diferente da professora, estou marcando a diferença entre o comportamento dela e o meu. Isso pode não ser bom aos seus olhos, mas não vejo por quê proibir o aluno de sentar com o colega para acompanhar a leitura, se não trouxe o livro. Fazer o quê? Posições diferentes!

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na relação. Para Pichon-Riviére (1998b, p. 74) o vínculo bom está relacionado a experiências

gratificantes, e o vínculo mau a experiências de frustração, nesse sentido diz:

O objeto gratificante, na medida em que satisfaz as necessidades do sujeito, permite-lhe estabelecer com ele um vínculo bom, enquanto o frustrante o é na medida em que não satisfaz essas necessidades, estabelecendo-se um vínculo negativo. Nele, a hostilidade é permanentemente realimentada pelo mecanismo de retaliação.

Observe mais adiante nessa narrativa, especificamente no sétimo encontro, como os

estudantes representam a relação professor-aluno e a relação aluno professor, através do

desenho.

Continuando a atividade, primeiramente, fiz uma leitura coral e depois individual.

Perguntei o que estava faltando no texto e, assim, aos poucos, foram percebendo que ao faltar

o verbo, faltava o sentido da frase. Num dado momento percebo que já não estavam se

envolvendo o suficiente: começaram a brincar, perturbar os colegas, então, lancei o desafio:

“quem descobrir a forma correta do verbo, ganha dez créditos” (um dinheirinho de brinquedo

que trago na sacola); o envolvimento melhorou. Mas a gente sabe que esse é um reforço

positivo, uma medida extrema, que pode servir momentaneamente, mas que não vai resolver o

problema da atenção por muito tempo. O comportamento nessa aula deixava a desejar, o

ambiente estava tumultuado, os educandos irrequietos, desatentos. Como tinha uma opção

clara de jamais usar o autoritarismo e respeitá-los no sentido de combinar a melhor forma de

agir, de refletir sobre o comportamento... tratei de mudar a estratégia para conseguir a

participação do grupo, pois esses meninos não eram acostumados a essa liberdade de escolha;

era preciso muita paciência, determinação, pois em muitos momentos a situação era caótica e

desanimadora.

Disse para eles: vamos fazer mais uma experiência, para vocês identificarem o verbo

numa música. Agora, vocês vão colocar esta venda nos olhos; ouvir a música e depois

escrever quais os verbos que aparecem nas frases:

Alan – Por que tem que vendar os olhos, professora?

Pesquisadora – Porque com os olhos fechados, a nossa audição fica mais aguçada.

Olga – Pró eu não vou usar, por causa dos óculos.

Pesquisador – Tente usar por cima dos óculos, mas se não der... Arranje um jeito.

Silvio – Eu também não vou usar. (Percebi que estava inseguro)

Sam – Eu também não...

Pesquisadora – Tudo bem!

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Assim que entreguei as vendas, a maioria recebeu com curiosidade e entusiasmo, uns

três com desconfiança, ficaram questionando, mas fizeram; dois educandos não quiseram nem

receber a venda, exatamente o que a professora tomou a caneta e o enfrentou, e o outro era o

seu amigo, de quem ele puxou a caneta, no momento que a professora tomou a dele. Tentei

convencê-los a participar, mas não quiseram, depois observei que um outro colega também

não quis participar. Aceitei a não participação deles três, porque acredito que a participação

plena ocorre com o desejo e o sentir-se bem na atividade. Obrigá-los a participarem é contra o

princípio da liberdade, do respeito e portanto da ludicidade: como aquela que propicia a

plenitude da experiência. Segundo Luckesi (2002, p. 24): “Comumente se pensa que uma

atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais caracteriza a

ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem vivencia em seus atos.”

Nesse caso, não seria lúdica.

Atenção turma, ouça a música, concentre-se. Oh!... Tocou a sineta. Deixe para a

próxima aula.

A aula acabou e não foi possível fazer a última parte, o compartilhar. Disse-lhes que

na próxima aula continuaria a atividade.

Quando estava pensando nisso, a professora veio até mim e disse:

Profª: É preciso ser mais rígida com esses alunos, porque eles não estão acostumados

com essa liberdade. Na hora que você permitiu que uns não usassem a venda, outros seguiram

o exemplo.

Pesquisadora: É verdade, eles não estão acostumados com a liberdade ... mas olhe

professora, três estudantes exatamente não usaram a venda, porque não quiseram se envolver

Realmente é difícil dar uma aula com início, meio e fim num ambiente que não é propício à aprendizagem; onde faltam hábitos de atenção, concentração, a disciplina deixa a desejar e ainda com incidentes de violência e desrespeito constante. Quantas vezes temos que parar por problemas de comportamento? Como conseguir isso? Sozinha, não é possível. Será isso a causa de desânimo dos professores dessa turma? Estarei desanimando também?

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com a atividade, disseram que não queriam participar. Depois vou ter uma conversa em

particular com eles e também com os outros, para saber o que está ocorrendo. Mas você acha

que o educando pode aprender alguma coisa contra a sua vontade? Se os obrigassem a fazer a

atividade levaria a um resultado proveitoso?

A professora respondeu:

Profª: - Eles só aprendem, se perderem novamente.

Encerramos a conversa aqui, aquela afirmação categórica parecia ser uma crença da

professora, não havia como contra-argumentar, ela acreditava na punição como incentivo. Por

outro lado, no meu entendimento, era necessário pensar que esses educandos já vinham

estigmatizados pela repetência, precisavam de outro tratamento e não de punição. Comecei a

perceber a dificuldade que seria conciliar diferentes maneiras de ver e atuar em relação ao

processo educativo. Aqui ,volto a lembrar o impacto das crenças sobre o comportamento no

ser humano. A questão é, no mínimo, ética e merece mais cuidado, não é pelo fato de ser

professor da turma que vou obrigar o educando a participar de uma atividade sem o seu desejo

e interesse. Nesse sentido, Lewin (apud AFONSO, 2006, p. 59) escreve:

[...] este tipo de trabalho não conseguirá seus objetivos se não for livremente escolhido pelos indivíduos e, ao contrário, se for imposto por qualquer tipo de medo. Nesse caso, o grupo – e os indivíduos- oferecerá resistências das mais diversas e passará a hostilizar os novos valores que se lhes quer impor. Ou seja, a convicção de que a mudança está associada à participação e também a convicção que a imposição suscitará, em alguma medida, resistências.

Noutro momento, chamei aqueles e outros educandos para conversar, porque estavam

com o aproveitamento deficiente e perturbando as aulas daquela disciplina, e de outras

também. Na conversa que tive com eles, todos disseram que desejavam melhorar e passar de

Qual a fundamentação última para o ato cotidiano de educar, através da imposição, do grito? Lembrei-me do professor Dante Galleffi.

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ano; percebi que na realidade sinalizavam a necessidade de ajuda. Dos três alunos que não

participaram da atividade, só um não era repetente, os outros dois eram multi-repetentes e a

professora desejava que perdesse mais uma vez para aprender. E perderam o ano, mais uma

vez.

f) VI Encontro “Com venda nos olhos, ouço melhor” 01/09/05

D – Bom dia turma, e aí, como estão? (estavam bem comportados quando cheguei; o

que era fora do normal, um educando falou:)

Ana – Olha pró, o comportamento nessa aula está melhorando.(fiquei a pensar no que

a aluna falou, porque só havia um mês que estava trabalhando com essa turma)

De repente vejo dois alunos brigando, trocando tapas. Levantei o cartão vermelho e

eles se tocaram, pararam na hora. Nem falei.

Retomei a atividade passada e a apliquei do início ao fim. Os estudantes vendaram os

olhos, escutaram a música e iam escrevendo os verbos que captavam numa folha em branco;

pedi para observarem a diferença entre quando escutavam a música sem a venda nos olhos e

com a venda.

Depois comentei sobre a atividade em si, sobre a importância do verbo para dar

sentido à frase, etc. Continuando, selecionei uma frase da música e chamei cinco crianças para

representar cada palavra da frase: “O pião entrou na roda”. Quando as crianças estavam de

frente para os colegas retirava a criança que representava o sujeito (palavra) e pedia para ler e

observar o sentido; depois tirei o menino que representava o verbo e assim iam se observando

na ação. A participação foi ótima. Fechei o assunto, pedindo exemplos de frases com verbos

e muitos educandos falaram e acertaram. É isso o que ensina o psicodrama pedagógico:

colocar o aluno em ação, para aprender no ato, com o seu corpo, com o outro, enfim, inteiro.

Nesse sentido, afirma Alícia Fernández (2001, p.69):

O psicodramático enquanto lúdico contribui para o trabalho em psicopedagogia, pois o aprender situa-se no mesmo espaço do jogar, que temos descrito como um espaço “entre”. Espaço entre o quê? Entre as musas e o Esculápio, diria Sara Pain. Entre a ciência e a poesia, entre o conhecimento e o saber, entre a subjetividade e a objetividade.

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Passei a próxima etapa para a professora regente, que pediu para abrir o livro, fez antes

a relação com o que havia trabalhado na aula anterior e os educandos começaram a responder

no caderno. Foi uma experiência valiosa pela participação dos educandos, pela condução da

professora que foi mais tranqüila e também pela integração em todo o processo da aula. A

professora, nesse dia, não mais me orientou para ser mais rígida. A verdade é que observei

que ela mesma estava se tornando menos rígida.

Resolvi aumentar minha carga horária na escola, para melhor entender e acompanhar

essa turma. Como é possível ajudar esses estudantes a aprenderem e a conviverem, se não

ajudá-los na formação de habilidades, hábitos e atitudes? Nas conversas da sala dos

professores, uma professora aborrecida, falou-me: “Eles não enxergam o professor”.

Para isso, pedi aos professores para assistir suas aulas, a fim de observar como era a

participação e o comportamento dessa turma nas outras disciplinas.

* * * * * * *

Que bom, o clima hoje foi mais tranqüilo, a professora fez a integração da aula. Todos saíram ganhando.

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Flashes da sala de aula: buscando luz para iluminar o campo

Vou abrir um apêndice para falar das inquietações que foram surgindo, após um mês

fazendo o trabalho somente com a professora na turma. Constatei que a relação dos educandos

entre si não era satisfatória, com a professora também, não existiam vínculos saudáveis. De

acordo com Pichon-Rivière (1998b), era o típico vínculo “mau”, que quer dizer, está

relacionado com experiências de frustração, hostilidade, que freqüentemente é realimentada

por retaliação. Para Moreno (1993a) nesse caso é um vínculo negativo, ou seja, de

afastamento. Não possibilita o verdadeiro encontro, que, no seu poema Divisa que vou

destacar uma parte, fala assim:

“Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.

E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos

E coloca-los-ei no lugar dos meus;

E arrancarei meus olhos

para colocá-los no lugar dos teus;

Então ver-te-ei com os teus olhos

E tu ver-me-ás com os meus.

Para haver uma relação de respeito, de amizade, de aproximação, é preciso que haja

um mínimo de sentimento positivo (tele) que leve o outro a se aproximar; a capacidade de se

colocar no lugar do outro possibilita a compreensão do sentimento e da situação vivida.

Em função do que vinha observando, fiquei curiosa em saber como era a relação com

os outros professores e entender a causa da indisciplina, do aproveitamento deficiente, das

agressões constantes, do clima desagradável em sala de aula. Para isso, concretizei o desejo,

pedindo permissão aos professores para assistir às suas aulas, ao mesmo tempo em que

continuava trabalhando com a turma; isso ajudou-me a entender uma série de

comportamentos e situações. Com boa vontade, os professores aceitaram e, assim, fiz várias

observações que transcrevi com o título: “Flashes da sala de aula: buscando luz para

iluminar o campo”. Selecionei alguns flashes para melhor entender o comportamento do

grupo. Isso ajudou-me bastante a esclarecer muitas dúvidas.

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a) Flash 1: Dou graças a Deus estar viva! Para agüentar esses meninos...

Chego mais cedo, entro e fico no fundo da sala. Os educandos me receberam com um

sorriso, e perguntaram: “Pró, a senhora vai dar aula aqui?” Respondi: Não. Estou aqui para

assistir a aula com vocês.

O professor inicia a aula dizendo para os educandos: “Depois de responderem o

exercício do livro, tem que responder as questões do quadro, pois amanhã vou fazer um

teste”.

Ao terminar de passar o exercício no quadro, a professora sai da sala. Alguns

estudantes continuaram copiando, outros saiam da carteira, perturbavam os outros; um deles

toma o lápis do outro, que vai buscar e o colega não quer entregar, e assim continua. Para

alguns educandos aquilo não parecia perturbar, continuavam copiando o exercício. Quando a

professora volta, olha para mim e diz:

Pró – Como é, eu saí e eles ficaram fazendo bagunça, não é?

Pesquisadora – Este é o comportamento normal deles, professora. Não sei se ouviu o

que eu disse, pois imediatamente respondeu:

Profª – Se eu que sou sua professora, estou com eles o ano inteiro, não estão ligando,

não ligam para você. (Começou a falar e se queixar dizendo)

Profª – Na aula passada pedi para trazerem cola e papel para trabalhar com figuras

geométricas e somente dois alunos trouxeram. É assim, eles não querem nada, a gente não

pode também fazer. Fico observando que é só entrar nessa sala que a dor de cabeça aparece.

Os meninos continuavam indisciplinados, dois começam a trocar beliscões. Um se

queixa para a professora e ela responde:

Profª – Também não sei o que é que você vai sair do seu lugar e ficar aí, você mesmo

gosta... você estava bem longe dele...

O mesmo educando que estava perturbando o colega, sai e vai perturbar outro. A

professora fala:

Profª – O que é Dino,? não estou achando graça nenhuma, venha para seu lugar.

Depois pára um pouco, sorri e diz:

Profª – Dou graças a Deus por estar viva e agüentar esses meninos.

De modo geral, a queixa, a lamúria são constantes na escola, mas faltam ações para dirimí-las.

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b) Flash 2: Fala aí, bróder!

Os educandos comentaram para mim que gostavam de um determinado professor;

estava curiosa para saber porque gostavam tanto desse professor e não de outros. Fui à escola

num dia em que este professor ia dar aula nessa turma, pedi para assistir à sua aula, aceitou

prontamente. Assim, tive oportunidade de reafirmar a crença de que uma relação de respeito,

competência, onde os alunos gostam do professor, tem um vínculo positivo com ele, pode

fazer a diferença para melhor tanto em aprendizagem quanto na convivência.

O assunto foi trabalhado de forma contextualizada, foi mostrada a cadeia de ligação

entre todas as disciplinas, falando um pouco sobre interdisciplinaridade. O professor estava

sempre atento a cada aluno e assim que um dispersava, chamava sua atenção de volta com

uma brincadeira, que não era de desqualificar; os educandos ficavam ligados, porque a

qualquer momento poderia ser solicitada uma resposta, e eles queriam acertar. Usaram o livro

para ler, localizar informações; a participação foi ótima. Fiquei admirada do comportamento

da turma com esse professor, não era o mesmo nas outras aulas que vinha observando. Não

pareciam os mesmos, pareciam outras pessoas: alegres, participativos, buscavam informação

no livro e demonstravam conhecimento da matéria.

Valeu a idéia de observar essa e as demais aulas, porque deu a possibilidade de refletir

sobre a dinâmica, o conteúdo e a relação professor-aluno. Jamais poderia ter uma visão ampla

do vínculo nessa turma, se ficasse freqüentando somente as aulas de uma disciplina.

c) Flash 3: Ele é maluco, pró!

A professora vai fazer revisão de assuntos para a prova da III unidade. No início da

aula somente oito alunos estavam presentes, aos poucos vão chegando, por volta de 7:40, de

24 educandos, 13 estavam presentes. É comum chegarem atrasados, porque muitas vezes

ficam perambulando pela escola. Entram e saem da sala a todo momento, a professora não

consegue manter a atenção e nem dar continuidade à revisão, interrompe constantemente para

reclamar. Os educandos saem do lugar, conversam, brigam. Enquanto a professora fazia a

revisão do exercício:

Um educando deu um chute bem forte na perna do colega. O que recebeu o chute não

disse nada. Fiquei incomodada e perguntei:

Pesquisadora – Vily, o chute que Eric lhe deu, não doeu? Por que não reclamou?

(Olhou para mim assustado e respondeu)

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Vily – Ele estava brincando...

Chamei o agressor e perguntei:

Pesquisadora – Eric, você chutou a perna de Vily, de brincadeira?

Eric – Não, foi de verdade pró, é que ele é maluco.

Obs: Esse educando agredido depois de alguns dias começou a faltar as aulas;

abandonou a escola antes do fim do ano. Não quero dizer que foi por isso, mas acredito que a

soma de pequenos fatores levam à evasão. A professora nem percebeu o incidente, tal era a

bagunça em sala.

Quero destacar que a professora fazia um esforço enorme para que os educandos

participassem, era calma, delicada, os tratava bem, paciente até demais; no entanto, os

estudantes eram indiferentes à sua presença. Percebi que dedicava atenção especial a dois

educandos, tentando fazê-los participar; eram considerados problema e realmente

atrapalhavam a aula, conversavam, perturbavam os colegas. Pediu a um deles que fizesse uma

pergunta ao outro, esse balbucia uma linguagem estranha, que não era a que a professora

havia pedido, o outro ri, debocha, e o esforço da professora foi em vão. Suplica a atenção e a

participação da turma com tal humildade, como se pedisse perdão pela sua falta de autoridade.

O barulho é enorme, uma grande confusão e em meio a tudo isso, a professora ainda promete:

Profª. – Olha gente, na próxima aula vou dar uma atividade para melhorar a nota.

Esta professora falava muito da sua preocupação que a turma melhorasse, vez em

quando comentava comigo sobre sua dificuldade em conseguir a disciplina e o interêsse pelo

assunto. Chegou a me pedir sugestão de um jogo interessante, para fazer com a turma. Fiz

uma xerox de um jogo do livro de Lino de Macedo (2005), próprio para sua disciplina e para

ser aplicado em sala de aula: Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Não sei se

Está decretada a falência da relação, os alunos não estudam, não prestam atenção à aula, não respeitam e ainda recebem recompensas. Enfim, não aprendem e a profª perde o respeito da turma.

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aplicou, percebo que trabalhar com atividades potencialmente lúdicas exige uma atitude, uma

predisposição que, me parece, vem do gosto por esse tipo de atividade, necessita, além do

material que é vasto no mercado, de desejo e de preparo para trabalhar dessa forma.

d) Flash 4: A profecia anunciada!

Começa a aula, a professora entrega um exercício para fazer em dupla. Um educando

não faz.

A professora começou a falar:

Profª: Olha aí, não faz o exercício, olhe que eu coloquei em dupla, aqui só tem

repetente.

Um aluno imediatamente responde:

Jair: Eu não.

Profª: Mas vai ser no próximo ano com fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essa é uma afirmação inusitada e perigosa, nunca se sabe como vai ser recebida pelo

educando; se vai recebê-la como uma desqualificação e como verdade, ou com indiferença.

Lembrou-me da expressão “profecia de autocumprimento” que causou bastante impacto nos

meios educacionais após a divulgação dos estudos de Rosenthal e Jakobson (1968 apud

COLL, 1999), publicada em forma de livro com o título Pigmalião na sala de aula,

mostrando que as expectativas dos professores sobre o rendimento escolar dos estudantes

podem chegar a afetar de modo significativo o rendimento efetivo desses últimos. Embora

outras pesquisas viessem a chamar a atenção de que os educandos não são apenas depositários

das expectativas dos seus professores. Hargreaves (apud COLL, 1999, p. 161) destaca que são

dois os fatores relativos a essas representações que afetam a reação dos estudantes frente às

expectativas dos seus professores. São determinantes em primeiro lugar, a importância que o

estudante atribui à opinião do professor sobre ele e a segunda, está relacionado à auto-estima,

ao auto conceito sobre a sua capacidade de aprender. Coincidindo com a questão da

expectativa, Rogers (1987 apud COLL, 1999, p. 161) considera que: “ [...] O aluno sobre o

qual se mantém expectativas altas desfruta dos efeitos de um ciclo positivo, enquanto que o

aluno sobre o qual se mantém expectativas baixas vê-se enredado em um círculo vicioso”.

O que observava também é que o exercício não era corrigido e nem comentado, daí

cheguei a pensar, que alguns dos exercícios são passados para manterem ocupados os

educandos, para efeitos disciplinares, pois nem sequer eram corrigidos.

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e) Flash 5: Para ser gari é preciso ter 2º grau!

A professora entra na sala, os educandos indiferentes. A professora diz:

Profª: Vocês já observaram que eu entrei na sala? Podem abrir o

caderno para eu ver o dever que passei ontem.

Olga: Eu fiz.

Profª: Você já tem uma desculpa, porque não veio à aula e fez. Mas os

dois de lá... (referindo-se a Silvio e Sam). Vá fazer lá fora, aqui não quero ver sua

cara. (Sam por si mesmo, já foi saindo; a professora disse para o outro). Já vai

Silvio? Pode ir mesmo...

Enquanto isso, os outros mostravam que haviam feito o exercício. O objetivo

parecia que era verificar o cumprimento da tarefa. A correção não aconteceu. A professora

falou:

Profª: Eu não digo nada a vocês... (em tom de ameaça)

Nely: Olha pró, eu fiz.

Profª: Sigam o exemplo da colega.

Profª: Vam’ bora Sany – não respondeu não? Então vai fazer lá fora...

Assim alguns educandos foram postos para fora da sala.

Depois de uns cinco minutos, um dos educandos que tinha sido colocado fora de sala

voltou, disse que havia terminado e se dirigiu à carteira. Começou a consertar uma questão. A

professora falou:

Profª: Você não disse que já havia terminado? Por que ainda está fazendo aí?

Samuel: É porque esqueci.

Profª: Esqueceu? Vai fazer lá fora. (Ele continuou na sala, mudou o tom de voz e

disse). Faça o favor de sair “rapaz”, eu não estou brincando com você, vai terminar lá fora.

Um dos colegas disse:

Silas: Pró, ele só tem 11 anos.

Profª: Ele é muito imaturo.

O colega continua falando que foi no seu aniversário, num dia de setembro. A

professora diz num tom de brincadeira:

Profª: Você traz é notícia pra sala, não é, Silas? Você dá para ser repórter.

Um colega rebateu:

Jair: Repórter fofoqueiro. (Imediatamente, a professora se volta pra ele e pergunta)

Profª: E você Jair, o que é que vai ser?

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Jair: (Com desdém) Vou ser gari.

A professora reclamou, tomou sua resposta como afronta, depois disse

menosprezando:

Profª: Será que você vai ser isso? Porque gari tem que possuir o 2º grau...

A relação nessa disciplina se dá de forma distante e o vínculo é de indiferença, quando

não de afastamento, mas esse professor o reconheceu na entrevista. A partir daqui, tenho uma

visão do comportamento e do vínculo dessa turma com vários professores.

Tive oportunidade de observar os educandos nas demais disciplinas, ocupei vários

horários vagos para conhecê-los melhor, observar o comportamento e perceber como se dava

a relação entre eles e os demais professores. Fiquei convencida que não era possível continuar

trabalhando com um professor particularmente; era necessário ter uma ação voltada para a

vinculação entre todos, tendo em vista uma melhoria conjunta dessa relação. Descrevo mais

adiante algumas situações constrangedoras que contribuíram para explicar o motivo da

decisão.

* * * * * * *

g) VII Encontro: Desenhando a relação em sala de aula 06/07/05

No planejamento essa aula deveria ser coordenada pela professora, mas pediu-me para

assumir o horário. Entreguei o resultado de uma atividade feita na aula passada e pedi que

desenhassem como viam as relações entre: o professor – aluno e vice versa.

Selecionei alguns desenhos que representam a relação “professor-aluno” e “aluno-

professor” na visão deles. Observe no desenho abaixo, a representação de uma boa relação

professor-aluno, selecionei-a porque mostra coincidência com aquela cena em que o educando

pede para sentar junto ao colega, porque não trouxera o livro e a professora não permite.

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Escrita do educando: “Eu representei quando

eu esqueci de trazer o livro ele me emprestou

o livro (escreve o nome do professor, cobri

para evitar identificação).

Para esse aluno bom professor é

aquele que também empresta o livro.

Observe o desenho abaixo. 1º

Quadro: relação aluno x professor. O aluno

debocha do cabelo da professora. 2º Quadro:

relação professor x aluno. O aluno não tem o

braço direito e não tem pés. A professora é

simbolizada com peitos enormes e pernas

grossas.Só ao aluno cabe explicar tal

representação.

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h) VIII Encontro: Assumindo o lugar do outro (inversão de papel) 13/09/05

Sempre que podia passava toda a manhã na escola e assim que conseguia um horário

vago, o usava com atividades lúdicas. Uma professora cedeu-me o horário e assim que entrei

na sala de aula percebi muita confusão, barulho e não podia falar, porque um aluno

particularmente roubava a cena. Resolvi propor uma “inversão de papel”, que no psicodrama

é assumir o papel do outro, trocando o lugar com ele, assim fiz com esse educando. Foi esta a

cena:

Desenho 3 – Inversão de papéis

Enquanto isso, fui para o lugar onde ele estava e assumi o seu comportamento. Os

outros estudantes estavam admirados com a professora, comportando-se igual ao colega. O

marcante dessa cena, é que nessa “inversão de papéis” quando olhei para o educando, o vi

acuado, imediatamente lembrei de mim e me vi também acuada no papel de pesquisadora,

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sem saber muitas vezes o que fazer com tanta demanda. Mas depois ao transcrever a cena,

fiquei pensando, que na realidade não aconteceu uma verdadeira “inversão de papéis”, pois o

educando não assumiu o meu papel de professora, ficou me olhando espantado e não esboçou

uma palavra, por mais que o incitasse no papel de aluna. Para mim, a sua posição refletiu a

minha imagem como um “espelho”, que no psicodrama, é ver-se refletido no outro.

Depois, ainda nessa aula, fiz outra inversão de papéis entre os educandos. Enquanto

fazia uma brincadeira, onde os educandos deveriam entregar uma qualidade ao colega do

lado no círculo; num dado momento, um deles entregou e o outro não quis receber, o colega

ficou constrangido, “sem graça”. Passei adiante, e assim que terminaram de passar as

qualidades, resolvi aproveitar a situação e fazer a “inversão de papéis”. Convidei outro

estudante e entreguei um objeto dizendo que aquilo era um presente que devia dar ao colega.

Antes, orientei-o para que não aceitasse, depois troquei os papéis. Dramatizaram essa situação

e, em seguida, fiz outra cena com uma pessoa dando um presente e a outra aceitando. Depois,

perguntei como estavam se sentindo, o que acharam da situação e os comentários foram bem

interessantes: falaram sobre o mal-estar que sentem ao serem rejeitados, sobre a importância

de serem acolhidos, sobre quando são agredidos e maltratados pelas pessoas, foram bem

sinceros: disseram que desejam pagar com a mesma moeda ao serem maltratados.

i) IX Encontro: Mudando o rumo... 13/10/05

Já havia pensado várias vezes em assumir a intervenção sozinha por alguns fatos que

iam de encontro aos princípios da ludicidade, do sociodrama e também aos objetivos da

pesquisa. Vou relatar os fatos mais marcantes que dificultaram o trabalho e contribuíram para

assumir a intervenção num horário específico para as atividades de vínculo.

Ao chegar à escola noto que alguns educandos estavam na porta da sala de aula. Assim

que me viram, começaram a acenar e soltar beijos. A professora estava em outra sala em

frente à sala dos educandos, também na porta e respondeu aos acenos. Um educando disse

discriminando: “Não é para você não, é para ela”. Achei a situação vexatória. Comecei a

pensar que era urgente arranjar um horário vago para trabalhar melhor essas questões, porque

o vínculo que já estava bastante comprometido, não só com esse professor mas também com

os outros.

Mais outra situação constrangedora aconteceu após uma atividade que realizei com a

professora regente em sala de aula. No segundo encontro fiz um contrato com os educandos:

falei que eram livres para participar das atividades, que iam ser tratados com respeito, e que

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também deviam respeitar a mim e aos outros professores; não era aceito nenhuma forma de

violência, e que íamos falar sobre o sentimento nas atividades.

Ao final da aula perguntei como estavam se sentindo, começaram a responder: um

disse que estava bem, que gostou; outro mais tímido não respondeu, depois de perguntar a

vários, dirigo-me a uma estudante, que diz:

Sany – Pró, eu não vou falar...

Pesquisadora – Por quê? Está com vergonha? Fale do jeito que você

sabe... a gente vai entender o que você falar. É importante expressar o

seu sentimento.

A estudante mostrava que queria falar, e ao mesmo tempo dizia:

Sany – Eu não vou falar... De repente, tomou coragem e disse:

Sany – Eu estou com raiva pró, não gostei, porque essa pró aí, é uma

estúpida, é grossa... (Referindo-se a professora regente).

Fiquei sem jeito, senti-me constrangida diante daquela situação, e também

incompetente, por não ter percebido nas entrelinhas, porque insisti para a educanda falar. Não

sei se a professora ouviu, porque não esboçou reação aparente. Na verdade, não esperava que

o motivo da recusa da educanda em falar, seria o incidente ocorrido no início da aula com a

professora, antes de aplicar aquela atividade.

Por essa e outras situações envolvendo não só a diferença na condução do processo

ensino-aprendizagem, visão da relação professor-aluno, do tempo disponível para a pesquisa

de campo, resolvi verificar a possibilidade de um horário junto à direção escola, em que

pudesse desenvolver as atividades, sem prejuízo para os estudantes e para a relação com os

professores, porque daquela forma estava indo de encontro, ao objetivo da pesquisa, causando

prejuízo à aprendizagem e a formação dos educandos.

Não é que a maneira da professora trabalhar fosse ruim e a minha intervenção fosse

boa, ao contrário, era uma boa professora, falava do desejo de ajudar os educandos, mas as

relações interpessoais entre ela e os educandos quando cheguei, já era conflituosa: a maior

parte do vínculo era de indiferença ou negativo, a confiança estava quebrada. A comunicação

era inamistosa, um não entendia o desejo do outro. Os estudantes já vinham estigmatizados

com a pecha de repetentes e indisciplinados, uma turma “difícil”, como falavam os

professores e a direção da escola. Um “rótulo” constantemente repetido nas conversas e

admoestações aos educandos.

Nesse período, em que estavam fazendo a experiência com as duas professoras no mês

mo horário e com maneiras de relacionar com os estudantes de formas opostas, ficavam

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comparando a forma de tratá-los e muito espertos, começavam a fazer jogos de preferência,

criando situações indelicadas entre mim e a professora regente. Faziam questão de demonstrar

carinho por mim, me abraçavam, faziam festa quando eu chegava, o que não faziam

normalmente com a professora. Por um lado é compreensível, era muito fácil para eles se

apegarem a uma professora que os tratava bem, não os ia reprovar, trabalhava com atividades

lúdicas, sem notas; compreender a postura deles e o que estava acontecendo, era óbvio para

mim; mas devia ser incômodo e desagradável para a professora receber o rechaço. Se bem que

na escola muita gente está criando uma “super pele” para driblar a indiferença, a

discriminação e o desprezo nas relações cotidianas. O grande problema era que eu não podia

fomentar a desunião mais ainda e o prejuízo na aprendizagem, porque da sua forma a

professora achava que conseguia resultados, eram pontos de vista diferentes. Em vista disso,

procurei a Direção da escola, com o objetivo de verificar se podia usar um horário vago que

existia na turma, e assim, trabalhar não só a vinculação, mas o que surgisse como demanda

do grupo. O que me foi concedido sem dificuldade.

No dia 13/10/05 já saí de casa pensando em falar com a professora e a turma da minha

decisão. Mas o “acaso” precipitou os fatos. Estava no recreio na sala dos professores; assim

que tocou, procurei pela professora e já havia saído. Geralmente os professores vão saindo

devagar, depois que toca a sirene. Quando cheguei à sala de aula, a professora já havia escrito

o exercício no quadro. Fiquei admirada com a rapidez e pelo fato de ter saído bem antes e

não haver me chamado. Achei estranho, mas supus que poderia ser sintoma do mal estar

criado com o “aceno” dos educandos na hora que cheguei à escola, naquele dia.

Ao chegar à sala, pedi licença e me dirigi à última carteira e ali sentei para assistir à

aula. A professora estava sentada, enquanto os estudantes copiavam um exercício que

colocara no quadro. O educando Alan pediu para buscar um livro na sala vizinha, a professora

não deixou e perguntou a razão de não ter o livro, este respondeu que o cachorro havia

rasgado dois dos seus livros e disse quais. A professora olhou como se duvidasse daquela

conversa. (Algumas vezes a professora me falou que precisava ter malícia com esses

educandos).

Continuando a aula, observei que o educando foi se sentar com o outro colega para

acompanhar a leitura no livro e a professora nesse dia permitiu. Outro educando também não

levou o livro, permaneceu em seu lugar, aparentemente indiferente às admoestações da

professora. Observei também que a professora estava se comportando diferente naquele dia:

falando de forma mansa, fazia brincadeiras, sorria e caminhava altiva pela sala; os educandos

estavam mais calmos e não polemizavam com ela, acompanhavam os comentários, com o

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livro aberto. Num dado momento, falou: “Nessa unidade a turma não caiu, despencou”.

Apesar de não falar diretamente para mim, a mensagem calou fundo. Aí então, me perguntei:

será que esse resultado tem a ver com a intervenção? Mais adiante, perguntou-me se eu não

iria fazer alguma atividade com a turma? Disse-lhe que não, mas que ficaria agradecida se me

cedesse um espaço para falar um pouco. Comecei a minha fala, agradecendo a sua

disponibilidade em me ajudar na pesquisa, o carinho com que me recebeu, o seu esforço na

condução da turma; falei com os educandos sobre o papel de cada um na escola, para que a

turma tivesse êxito, falei ainda da necessidade de cooperarem com essa professora e também

com os demais.

Expliquei o motivo de não continuar o trabalho juntamente com a professora naquela

disciplina, porque o meu desejo era que eles superassem suas dificuldades, melhorassem a

aprendizagem e isso não estava acontecendo, haja vista a constatação que a professora havia

chegado e comunicado: “a turma não caiu, despencou”. Os educandos me ouviam atentos, o

silêncio era geral, nunca os tinha visto assim. Naquele momento, percebi quanto é preciso

saber a horta de parar, para evitar maiores prejuízos. Despedi-me e acertei de começar a nova

etapa, todas as terças no primeiro horário, antes horário vago na turma.

É bom lembrar que da experiência com a professora, tivemos oportunidade de realizar

algumas atividades interessantes como: trabalho em equipe onde os educandos se envolveram

de forma admirável, nessa turma pouco se fazia trabalho em equipe, infiro que era devido a

indisciplina; trabalhar com psicodrama pedagógico foi rico pela ação que oportuniza; as

atividades de integração, que muito ajudaram na formação de vínculos, etc. Merece destacar

que essas atividades só ocorriam a contento se o clima não fosse tenso. Até mesmo as

atividades potencialmente lúdicas, várias vezes deixaram de acontecer, devido o mal-estar

relacional no ambiente. Ludicidade é liberdade, afetividade e convivência.

j) X Encontro: “ Se todos se unissem como amigos” 25/10/05

Havia muitos indícios de que deveríamos trabalhar as relações interpessoais. Comecei

apresentando um texto sobre formas saudáveis de convivência. Lemos, discutimos, e na

discussão surgiu a questão do respeito ao outro e de não se falar quando o outro não estiver

presente. Um educando falou:

Jéser – Eu não concordo em não falar do colega pelas costas.

Pesquisadora – Por que? Você acha melhor falar pelas costas do que diretamente à

pessoa? Tem receio de que?

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Outra educanda diz:

Nely – Só vou falar se os colegas também falarem dos problemas, porque não vou me

expor sozinha.

Tranqüilizei-os em relação ao respeito que seria dedicado não só à fala de cada um,

mas também à pessoa e sua vontade. Continuei a atividade, trabalhando as expectativas do

grupo em relação a essa nova etapa. Entreguei a cada educando um papel para completar de

um lado e do outro, a seguinte questão:

Lado 1. Eu ficarei muito chateado se aqui nos encontros...

Lado 2. Eu ficarei muito satisfeito se aqui no grupo...

Em seguida, entreguei bolas de soprar, pedi para assim que respondessem, dobrassem

e colocassem dentro da bola, enchendo-a. Quando estavam eufóricos com as bolas cheias, o

sinal tocou e entrou outro professor. Pedi que me concedesse um pequeno tempo de sua aula

para encerrar a atividade; aceitou e foi solícita em me ajudar. Mas instalou-se uma desordem

total: todos falando ao mesmo tempo; percebi que a professora ficou incomodada e me

parecia querer resolver imediatamente a situação. De forma autoritária era fácil: “só ordenar”

para mantê-los calmos e quietos em suas carteiras; mas com minha presença conduzindo de

outra forma, a situação era diferente

Procurava entender a reação deles frente à professora, porque antes fizeram toda a

atividade com calma. No instante em que pedi silêncio, diante da confusão, a professora

disse: “Isso é porque é a 5ª série [....], as outras turmas a gente consegue”. Mais uma vez a

confirmação do rótulo de indisciplinados; os estudantes não contestaram, pareciam

indiferentes àquela opinião. Fiquei a questionar: será que esses estudantes estão tentando

confirmar o “rótulo” ? Por quê mudança tão brusca de comportamento, se estavam tão bem

na aula anterior?

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Expectativas dos estudantes para as aulas de “Vínculo”.

Voltei a pensar: é difícil trabalhar com outro professor nessa turma, se a forma de

olhar o educando não for semelhante. Porque eles não são ingênuos, não são dependentes do

professor, agem como se tivessem experimentando e afrontando, muitas vezes em prejuízo

próprio, mas arranjam formas de se defenderem das posturas discriminatórias e arbitrárias que

acontecem em sala de aula. Percebi isso com esta professora, com outros e também comigo.

Eles fazem muitos jogos e é preciso paciência, segurança e respeito para não ser envolvido de

forma inconsciente e acrítica no processo.

Finalmente não conseguimos acalmá-los, instalou-se uma confusão, não conseguia ser

ouvida, todos falando ao mesmo tempo, a professora tentava chamar a atenção, pedia silêncio,

mas também não conseguia. Então, pedi para estourarem as bolas, recolhi as expectativas e

deixei para a próxima aula. O Quadro acima são as expectativas do grupo. O número 1 e 2

(vermelho e azul), corresponde à mesma pessoa.

EU ficarei muito SATISFEITO se aqui no grupo...

1. Se todos nós se unissem como amigos

2. Se tivessem respeito uns aos outros e respeitassem os professores

3. Se for calmo, sem brigas 4. Se tiver a união do grupo 5. Se os alunos não brigassem e nem

falassem por trás. 6. Se eu brigasse 7. Se alguém defende os alunos da 5ª B,

C e F 8. Se alguém me elogiasse 9. Se os colegas não brigassem e nem

saíssem falando mal dos colegas para os outros alunos da escola.

10. Se houvesse estudo, não houvesse briga, xingamentos e sem estudar.

11. Se trabalharem com união 12. Se todos concordassem com o grupo 13. Tivesse aula de vídeo 14. Fosse unido, não houvesse brigas e

desavenças entre nós alunos.

EU ficarei muito CHATEADO se nos encontros...

1. Se as pessoas batessem nas outras 2. (esse item o educando não

respondeu) 3. Se contar o que fazemos no grupo 4. Se acontecer desordem no grupo 5. Se acontecesse discussão 6. Se o grupo me perturbasse 7. Se alguém praticar violência na 5ª 8. Se alguém falasse de mim por trás 9. Se os colegas não participasse dos

grupos na sala de aula. 10. De brigas entre colegas,

xingamentos e várias coisas ruins. 11. Se não concordarem no grupo 12. Se alguém fica brigando e falando

mal. 13. Tivesse aula de vídeo 14. Se a Profª Antonia Lucia não

viesse para a aula e se um dos colegas falasse mal dos outros.

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l) XI Encontro “Auto retrato” 25/10/05

Li as respostas das expectativas com cuidado e constatei que havia a necessidade de

se começar a trabalhar os conflitos, as queixas da turma, o vínculo, a auto-estima, o

autoconhecimento. Resolvi selecionar e desenvolver vivências para emergir a afetividade, o

conhecimento de si mesmo, a integração com o outro e também com o grupo. Fiz uma

adaptação da atividade “Auto-retrato desenhado” extraído do livro Aprendendo a ser e a

conviver, de autoria de Margarida Serrão e Maria Clara Baleeiro (1999, p. 70).

Sabia que o suporte para o meu trabalho era continuar buscando a construção do

vínculo. Quando cheguei à sala encontrei nove estudantes: Jéser - Sany – Olga – Jair –

Perla – Raí – Edu – Sam – Val.. Assim que apresentei a atividade, Sam disse que estava

com dor de cabeça e ia sair. Esse educando estava sempre presente no início da atividade,

esperava começar e dizia que não queria participar; mesmo recebendo um convite especial,

porque fiz isso muitas vezes. Tentava saber o porque, mas ele não se abria. Mostrava-se

arredio, também nas demais disciplinas. Era uma das “estrelas” de maior rejeição no grupo.

Fiz uma adaptação da atividade “Auto-retrato desenhado” citado acima que teve como

objetivo aprofundar a percepção de si mesmo e também perceber as motivações que

interferem nos pensamentos, sentimentos e ações. Para isso, entreguei uma folha grande

(A3), com o esboço de um boneco e solicitei que da “Cabeça” deveria sair um balão contendo

as idéias mais fortes sobre si mesmo; da “Boca” deveria sair uma frase que já havia dito e que

se arrependeu e outra que não havia dito mas que gostaria de dizer; do “Coração” deveria sair

os sentimentos que tinha dentro de si; da “Mão esquerda” o que gostaria de dar para o grupo;

da “Mão direita” o que gostaria de receber do grupo”; do “Pé esquerdo” o que desejava

alcançar na vida; e no “Pé direito” o que ia fazer, quais os passos que ia dar para alcançar os

seus desejos.

Esperei com bastante entusiasmo para fazer o exercício, mas externamente não

demonstraram. De modo especial, chamou-me a atenção o comportamento de Jair: ficava

deitado na carteira, jogava a folha para um lado, para outro, cruzava os braços. Esse menino,

já vinha sendo rotulado de “preguiçoso”, é aquele mesmo que o professor disse que: “para ser

gari precisaria de ter o 2º grau...”, a aparência dele, era de quem chamava a atenção para o

seu desestímulo. Cheguei até ele e confrontei-o:

Pró – Por que não faz o exercício Jair?

Jair – Por que não sei, isso não é para nota...

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Pró – Você sabe responder! Por quê está se entregando à preguiça, a gente pode querer

ficar parado diante da vida, mas isso não ajuda você nesse momento. O que você quer

mesmo? Qual é o seu sentimento agora?

Jair – Estou achando ruim, porque vou perder de ano.

Pro – Sente tristeza?

Jair – Sim.

A partir daí começou a preencher o exercício e colocou a tristeza no coração do

boneco.

O educador precisa acolher o educando, mas também precisa confrontar, estabelecer

limites, ser firme, sem ser brusco. Perguntar e mostrar as conseqüências de seus atos. Jamais

desqualificar, porque só cria barreiras na relação. Se os professores refletissem sobre os

efeitos de determinados rótulos e atitudes de desqualificação, não fariam, porque são feridas

que sangram com a aparência de preguiça, indolência e desistência. A síndrome da desistência

do professor é o Burnout, e a do educando qual é?

Com esse exercício, tive uma pequena visão dos sentimentos e desejos de cada um dos

estudantes. Mas fiquei me perguntando, o que despertaria realmente o entusiasmo nessa

turma... por que recebiam de maneira tão fria as atividades, se são adolescentes e essa fase é

mais propensa à alegria, ao jogo, ao grupo? Por outro lado, estive a pensar que nem tudo é só

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alegria, pois é uma fase de muitos conflitos, insegurança, ligados a vários fatores. Como

afirma Mario Buchbinder (1996, p.214):

A adolescência é o período da irrupção da genitalidade e a perturbação diante disso, seus incômodos e suas acomodações na constelação familiar (ressurgimento do complexo de Èdipo) e social. Tem presença dramática a pergunta sobre o lugar do adolescente. Contatar com estas pulsões é altamente perturbador.

m) XII Encontro: “Auto retrato do grupo” 08/11/05

Fiz nessa aula um exercício semelhante ao anterior, só que no preenchimento dos

membros do “Menino” seria apresentado o sentimento e desejo do grupo. Para despertar o

corpo e o interesse, comecei com um jogo denominado “Corrida da Vela” O principal

objetivo desse jogo é permitir ao grupo vivenciar normas e experimentar a capacidade de

desempenhar tarefas.

Aquecimento: Dividi o grupo de sete alunos em dois times, que tiraram par ou ímpar

e assim escolheram os companheiros, um devia correr duas vezes, para equilibrar o time. O

primeiro jogador de cada fila portava uma caixa de fósforos. Assim que ouvisse o sinal

deveria acender a vela, dar uma volta pela cadeira, apagar a vela, deixar no lugar, voltar

correndo e entregar a caixa de fósforo ao colega da fila e assim, sucessivamente. O time que

terminasse primeiro seria o vencedor. Foi muito animado e os educandos gostaram bastante.

Desenvolvimento: Feito o aquecimento, o grupo estava eufórico. Falei que iam

continuar trabalhando com uma atividade semelhante à da aula passada. Só que agora a nossa

intenção era identificar o sentimento do grupo: o que pensava, sentia e desejava cada um

deles em relação à sua turma. Foi colocado um boneco gigante, feito com papel-metro, no

chão da sala. Cada um deveria completar com palavras ou gravuras retiradas de revistas,

preenchendo o corpo do boneco, com o que cada um desejasse para a turma, pois aquele

boneco estava representando a “5ª série [...] Assim fizeram.

Compartilhar: Não deu para comentar sobre o trabalho pronto, o grupo não pode

fazer sua elaboração, pois trabalhou com lentidão e terminou o horário. Mas a tarefa foi

realizada com calma, conversaram sobre vários temas, se envolveram cortando, colando as

revistas, enquanto deixavam as suas marcas no mural grande.

O sinal tocou, recolhi o material e combinei de continuarmos na próxima aula. A

dificuldade maior foi o pouco tempo para essas atividades, a aula era de 50’. Esses educandos

não vêm de escolas preparatórias onde desenvolvem a coordenação motora, cortam papéis,

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folheam revistas, fazem colagens, acredito que, por isso, trabalhavam de forma lenta, ao

cortar as revistas, selecionar as imagens. Percebia a dificuldade que tinham para pegar na

tesoura e cortar, alguns vinham até pedir para fazer isso. O mais importante é que deixaram

inscrições do tipo: “Melhore seu diálogo com quem ainda nem sabe falar direito”, “Pessoas

que precisam de pai para dar educação”. Palavras como: tranqüilidade, cidadania, segredo,

vitória, parcerias, amizade, atitude para o mundo melhorar, superação, sonho, amizade.

Enfim, se pensarmos no sentido dessas palavras, deixaram desejos e sentimentos para uma

construção coletiva, que em princípio representam toda a força, utopia e forma simbólica do

desejo individual do viver bem com o outro, porque a vida sem relação, amizade, conflito é

uma abstração

Observem no desenho do boneco, na página seguinte: um educando colocou uma

garrafa de bebida no pé direito. A bebida é um fator preocupante, porque os educandos vivem

em ambientes que propiciam as oportunidades. Ao permanecerem isolados em suas turmas de

iguais, pode afetar mais ainda a auto-estima e favorecer a busca de comportamentos

desviantes. Mais uma vez me lembro de Arroyo, os estudantes estão pedindo para serem

enxergados.

Vinha observando o comportamento desse educando, possuía defasagem idade/série,

era aparentemente tranqüilo, não perturbava, mas não participava. Conversei com ele para

saber sobre o seu sonho, falou-me que era se um atleta; jogava basquete num projeto da

UFBA. Na sua turma da escola era isolado e o seu aproveitamento nos estudos, insuficiente.

Nesse dia, fiquei admirada de querer participar da atividade, pois geralmente mesmo estando

na escola não ficava para aula; era também faltoso.

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n) XIII Encontro: Sociodrama de máscaras 10/11/05

Este seria o primeiro Sociodrama, propriamente dito, do grupo. Apesar de haver

colocado como metodologia central da pesquisa, só foi realizado no final. Ao iniciar a

experiência com a turma, percebi que não havia condições. Cheguei a pensar: será resistência

minha? Falei na Supervisão, mas Tereza Valladares, que era a minha supervisora em

Psicodrama, disse-me: “você veio todo o tempo aquecendo os estudantes para esse

sociodrama”. Depois encontrei respaldo também em Alicia Fernandez (2001, p. 162) que

afirma:

É quase impossível iniciar fazendo psicodrama propriamente dito, com crianças com problemas de aprendizagem. Neles costuma haver dificuldades para antecipação, para argumentação, para a construção de imagens, para espacializar imagens, para incorporar o recordado.

Continuei pensando numa forma de fazer a experiência com esse grupo e decidi

utilizar a máscara, não só por ser um recurso atraente e ter um efeito desmascarante, quer

dizer, ao mesmo tempo que encobre, revela, mas também por desejar investigar as cenas que

estavam aprisionadas naqueles adolescentes e que talvez com as máscaras pudessem revelá-

las. Ainda existia outro fator positivo: para mim, era confortável trabalhar com elas, pois

tenho uma habilidade em construí-las, que vem da infância. Contava com um bom arsenal à

minha disposição e do grupo. Com essas vantagens, fazer o sociodrama ficou mais fácil.

Encontrei respaldo em Buchbinder (1996, p. 217) quando afirma:

A adolescência é uma etapa da vida do sujeito na qual as máscaras (refiro-me às máscaras próprias do indivíduo) voam, caem, fixam-se, racham, aprovam-se, repudiam-se. Há uma aceleração no intercâmbio até que esse ritmo vai se freando no final da adolescência, quando existe um grau maior de estruturação do caráter (do eu).

Observava também que os adolescentes desse grupo, apesar de serem ativos,

descontraídos, simpáticos, mostravam-se arredios para participar das atividades. Adquirir sua

confiança, exigiu várias provas, durante o percurso, porque é como se estivessem

constantemente testando se podia confiar na pesquisadora.

Outra vantagem da máscara é que ela gera condições para se incursionar pela

imaginação, criatividade, lugares proibidos, velados, etc. Através da prática psicodramática, o

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adolescente conta com um espaço adequado para experimentar os diversos personagens que

povoam o seu mundo interno. Quero deixar claro que não se trata de trabalho terapêutico e

sim um espaço de jogo, com regras claras e a possibilidade de expressar fantasias, idéias, ao

mesmo tempo elaborá-las em grupo. Num clima lúdico, ao serem colocadas as máscaras,

surgem personagens, diálogos, preconceitos, raivas, alegrias e a coragem de dizer o que não

diria sem a máscara.

Nesse dia contei com três aulas, aproveitei os dois horários seguintes que seriam

vagos. Falei com os educandos que só ficaria para o sociodrama quem quisesse participar e

que poderiam ir para casa caso desejassem, porque os horários seriam vagos e eu ia usá-los.

De 20, ficaram 13 educandos, três deles estavam quase sempre no início, mas não queriam

participar; ficavam observando, depois, saiam, ou permaneciam observando. Um deles,

Sílvio, ficou sentado, observando os colegas escolherem as máscaras expostas no chão da

sala, o olhar era de quem desejava estar ali mexendo também, dava palpites para os colegas

escolherem a máscara, mas não saia do lugar. Sugeri que se aproximasse e escolhesse uma,

mas não quis. Esse adolescente recebia a maior rejeição no grupo ao final da pesquisa.

Sigo com entusiasmo para o sociodrama de máscaras acreditando no dizer de Alicia

Fernandez (2001, p. 74): “Se até o simples desenhar sobre um papel é estruturante do sujeito,

quanto mais o psicodramatizar, que é um certo desenhar o jogado e jogar o desenhado”. Digo

então, que a máscara seria portanto, mascarar para desmascarar o jogado e jogar para

desmascarar o mascarado.

Aquecimento inespecífico: Jogo: “Gavião e Fazendeiro”, esse jogo tradicional é

conhecido como “Galinha e Gavião”. Um educando era escolhido como fazendeiro e tomava

conta das galinhas que ficavam segurando na sua cintura e o restante atrás, um na cintura do

outro e não devia soltar. De frente, ficava o gavião querendo roubar as galinhas, e para isso,

corria para pegar o último da fila.

Para começar mudei logo o nome do jogo, estava com receio de que ao escolher um

menino como galinha para ficar à frente, pudesse melindrar e os colegas aproveitarem a deixa

para debochar. Como ainda predomina a cultura machista em nosso meio, era possível alguém

deixar de participar; nesse caso, o “fazendeiro” enfrentava o “gavião” para evitar

constrangimento. De 13 educandos presentes, somente cinco participaram do jogo de

aquecimento, os outros ficaram observando. Mas foi muito animado e favoreceu ótima

oportunidade para formar os educandos. Enquanto jogavam estavam muito eufóricos, quando

os colegas seguravam na cintura ou tocavam em algumas partes e talvez no órgão sexual,

aproveitavam para falar alto a forma popular do nome. No momento, não falei nada, mas

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depois no círculo, aproveitei para refletir sobre o respeito e o cuidado na comunicação, porque

nem toda palavra ou palavrão está liberado no convívio social e cria um certo

constrangimento às pessoas.

Aquecimento específico: As máscaras estavam expostas no chão da sala, coloquei

uma música e disse-lhes que ao ouvir o sinal deveriam escolher uma, colocar no rosto e andar

com ela pela sala. Ao ouvir mais outro sinal, deveria parar em frente ao colega e perguntar:

“Quem é você?”. Estavam eufóricos, confusos, não davam tempo para ouvir o que o colega

dizia e já ia passando para o outro. Percebi que estava uma grande confusão, andavam sem

ouvir o sinal, conversavam fora da hora. Resolvi mudar a consigna para “congele”, e aqui

começavam a falar com o colega, mesmo assim, ainda se movimentavam, repeti a consigna

mais uma vez e aí fizeram melhor. Mandei trocar de máscara três vezes, em cada máscara

devia responder “Quem é você”. Mostraram muita animação ao trocá-la de máscara. Na

última que estavam usando pedi do Ego-auxiliar para entrevistar algumas máscaras, enquanto

eu observava. Depois, encontrei uma máscara e senti vontade de começar um diálogo

também, e perguntei:

Diretor: quem é você?

Protagonista: Não sei

Diretor: O que você faz?

Respondeu: “Estudo”.

D : Para que você estuda?

Resp: “Para aprender muitas coisas”.

Diretor - Você estuda muito? Resp.: “Sim”.

Diretor - Vai passar de ano? R: “Sim”.

Chega outro personagem, curioso com nossa conversa e se aproxima.

O personagem que está do meu lado, ao ver o outro colega se aproximar diz (para a

máscara):

Máscara 1. Você é feia”,

Esta revida e diz:

Máscara 2: “Você é triste e não sabe sorrir”

Imediatamente ele suspende a máscara e mostra que sabe sorrir, saiu do papel e a cena

morre.

Encontrei, adiante, outro personagem e perguntei:

“Quem é você?” Respondeu: “Eu sou alguém e tenho uma família que também é

alguém”. Continuei o diálogo e perguntei: “O que você faz?” Respondeu: “Trabalho muito”.

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Então perguntei: Você tem uma casa boa e muitas outras coisas que você deseja? Respondeu:

“Não”, Novamente questionei ao personagem: “Mas como é possível trabalhar tanto e não ter

uma boa casa e o que você deseja?” Respondeu: “Não sei por quê”.

Comentei com ele que em nossa sociedade acontece isso, algumas pessoas trabalham

muito, mas não têm boas condições de vida. Esse é um tema que poderia ser bastante

explorado, mas não houve condições.

Desenvolvimento: Com a 3ª máscara que escolheram, pedi para criarem uma história

com todos os personagens para dramatizar. Fizeram isso muito rápido, chamou-me a atenção

a capacidade de elaborarem a cena com tamanha rapidez. A história tinha os seguintes

personagens: um demônio, um monstro, uma moça, um rapaz, o sol, a lua, um padre o pai da

moça, a mãe e um príncipe.

A moça era pedida em casamento, mas apareciam dois malfeitores (o demônio e o

monstro) para seqüestrar a moça. O pai, o padre, a mãe lutam para resgatá-la, mas os bandidos

conseguem vencê-los. Uma cena cheia de ação e dramaticidade.

No espaço entre o término da cena e o compartilhar, dois colegas começaram a trocar

tapas e chutes. Parei um pouco e perguntei se havia outra forma de dizer que não havia

gostado do comportamento do colega, sem precisar chutar. Responderam ao mesmo tempo

que sim, um justificou que essa era a forma correta, pois se o colega chateava, outros também

iam fazer o mesmo. Falaram de algumas agressões entre si para justificar, mas logo se

acalmaram, porque o clima estava mais para o jogo dramático.

Compartilhar: Um educando disse que não gostou porque tinha pouca gente, se

tivesse mais alunos poderia ser melhor; outro disse que não gostou do final, que em toda

história o bem vence o mal; Perguntei se é sempre assim. Minha pergunta ficou no ar.

Outro disse que gostou, mas poderia ser melhor. Então, o ego–auxiliar perguntou :

“Será que vocês poderiam dar outro final para essa peça?” Toparam na hora. Um colega que

não entrou na primeira, quis participar também. Naturalmente, surgiu uma Diretora entre eles,

que dava os comandos junto a outro colega que foi o idealizador da cena. Distribuíram os

papéis e repetiram a cena do pedido de casamento, a entrada da noiva na igreja, com música

de fundo feita por eles; o padre que celebrava a cerimônia e uma pessoa falava com um

canudo de cartolina, como se fosse um duplo do padre, pois este só fazia mexer com a boca.

No meio da cerimônia aparecem os malfeitores, seqüestram a moça, os assistentes ficam sem

ação, momentaneamente, depois resolvem lutar contra os malfeitores e salvam a moça.

Terminam a dramatização como queriam: O bem vencendo o mal.

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Compartilhar 2: Disseram que gostaram mais dessa segunda cena, pois houve mais

ação, foram mais organizados, trataram a moça com mais cuidado, pois na primeira a

machucaram. Estavam contentes com a produção.

Nessa atividade coletiva produziram sem preconceitos e unidos do jeito deles. Aqui é

perceptível os efeitos da atividade lúdica, como um estado pleno. No momento em que

estavam dramatizando, estavam inteiros, espontâneos, alegres, entregues de tal maneira à

atividade que esqueciam as brigas, o desinteresse. O ser estava totalmente envolvido e era

bonito e gratificante vê-los em ação.

Observando as etapas de desenvolvimento de um grupo, segundo o psicodrama,

considerei que nessa turma não existia ainda uma identidade grupal, quer dizer, os

participantes não se sentiam fazendo parte de um todo. Alguns iam para a aula de Integração

e Vínculo olhavam e saiam; outros nem apareciam. Um grupo de dez estudantes estava mais

presente; acontecia de outras vezes ter mais de dez ou menos, era imprevisível.

Moreno (1994), após extensas pesquisas sobre as formas de agrupamento do ser

humano, determinou alguns princípios do funcionamento dos grupos. Para esse autor, a

primeira fase é a do isolamento orgânico quando os elementos estão isolados, cautelosos,

observadores e atentos ao modelo de relacionamento, para avaliarem a possibilidade de auto-

exposição. Há também o indicativo da necessidade de aceitação das pessoas, para que os

participantes possam se colocar, sentir e se reconhecerem como fazendo parte do grupo; esse

ponto é o estágio de diferenciação horizontal, realizado por intermédio de atividades que

possibilitem o acolhimento e a aceitação das pessoas.

Observei que após dois meses o comportamento começou a mudar; assim que

chegava, já iam arrumando a sala, tiravam as carteiras da fileira e as colocavam em círculo.

Faziam isso, com boa vontade. O grupo mais freqüente ficou mais unido e mudou a dinâmica

das atividades.

o) XIV Encontro: Construindo a minha máscara... 25/11/05

O entusiasmo do sociodrama com as máscaras despertou o interesse em saber como

confeccioná-las. Perguntei se desejavam fazer uma para si, o interesse foi geral. Combinamos

o dia e trouxe o material necessário: máscaras recortadas em cartolinas, pincel atômico, glitter

de várias cores, giz de cera, cordão, papel crepom, tinta guache e cola.

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O campo lúdico é um campo de jogo

que possibilita incluir o outro. Fazendo as

máscaras, conversavam, trocavam material e

trabalhavam tranqüilos, diferente do modo

usual de estarem em sala de aula: se agredindo,

desatentos e desestimulados. Para isso, é

preciso que a escola dê conta, que é necessário

criar oportunidades de convivência, inclusive

para administrar conflitos. Veja o que diz

Ângela Linhares (2003, p. 231): “O Outro é um elemento de mediação fundamental na

produção de sentidos na escola ou é um conjunto amorfo, tratado de modo maciço como a

clientes ou usuários de um “local” publico?” Acredito que sua pergunta é fundamental e

necessária para se pensar como estão instituídos os espaços de convivência escolar.

Os educandos confeccionaram máscaras de cartolina e o meu sentimento é que não foi

possível que essas máscaras tomassem vida no corpo dos adolescentes. Quem sabe... talvez

dali surgissem muitas histórias e diferentes imagens de amor, ódio, brincadeiras, alegria,

sonho, etc,. Mas, infelizmente/felizmente, o tempo urgia e combinamos que no dia 29/11/05

seria o encerramento e faríamos a confraternização.

Na semana final de provas, continuei freqüentando a escola. Fiquei na sala

acompanhando a prova de Inglês junto à professora. Assim que terminavam, respondiam o

Teste Sociométrico final. Marcamos de nos encontrar no dia da última prova, para o

encerramento do trabalho e uma confraternização.

p) XV Encontro: Fechando as cortinas 29/11/05

Tomei conta da prova final de Matemática, porque faltou professor. Assim que

terminavam iam fazendo a avaliação final das atividades de “Integração e vínculo”. Os

educandos estavam avisados que esse era o dia da confraternização, que ia ter refrigerante,

bolo, presentes. Mesmo assim os que não participavam costumeiramente, resolveram ir para

casa. Isso coloca em dúvida o princípio de que os estudantes participam por interesse na

merenda e nos presentes, principalmente em se tratando de uma clientela pobre, porque isso

não aconteceu com essa turma. O convite foi feito a todos. Porque uns acolheram e outros

não?

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Na hora de começar a prova, Edu adentrou a sala chorando, porque foi agredido no

pátio por seu companheiro constante nos últimos meses (outubro e novembro), inclusive para

filarem as aulas. A colega Sany, ao ver o outro chegar chorando, disse: “Acho bom ele ser

agredido, porque vivia com Sam, como um “cheira chulé”, o que quer dizer: andar sempre

junto.

O líder Sam acolhia em torno de si quatro colegas, que geralmente iniciavam a

atividade de vínculo e logo depois saiam com ele. Outros cinco não participavam porque eram

infrequentes à escola, talvez porque eram isolados no grupo ou mesmo, porque não

quisessem. Acontecia vez ou outra, alguns deles engrossarem a fileira dos que freqüentavam

regularmente.

Participaram da confraternização: Perla, Nely, Olga, Sany, Jéser, Erick, Sam, Jonas e

Bob. Dois educandos que geralmente não participavam ficou para a confraternização e dois

que regularmente participavam foram para casa nesse dia. Fiz o sorteio do amigo secreto e

combinamos para ser revelado ao final da atividade.

Aproveitei a oportunidade e fiz nesse mesmo dia o sociodrama final que intitulei “Um

dia na escola”.

Aquecimento: Começamos falando sobre o que achavam da escola. O grupo não é de

muita conversa e nem de reflexão. Dividi o pequeno grupo em dois, ficando um com quatro

componentes e o outro com cinco. Deviam combinar uma cena da escola. Assim que

terminassem dariam o sinal. Prepararam duas cenas de forma rápida, admirava o tempo em

que criavam as histórias.

1ª cena: Dois alunos drogados chegam à escola fazendo bagunça, picham as paredes,

encontram com outro colega e se aplicam uma droga injetável. Surge a vice-diretora e o

diretor, mobilizam esses alunos e dão como castigo fazer a limpeza das paredes da escola.

2ª cena: Início do ano letivo, os educandos chegam à escola e se rivalizam por causa

da cor, aparece uma menina morena clara e diz que os meninos gostam mais das negras; diz

que gostaria de ter outra cor para ser apreciada nessa escola. Outra colega fala da

discriminação que sofre por ser negra. A cena mostra a discriminação de ambos os lados.

Compartilhar: Conversamos sobre as cenas. A insatisfação maior está no que acham

que faltou à cena. Perguntei se queriam modificar, o grupo dos drogados, repetiu a cena

modificando o final, onde os garotos, ao mesmo tempo que limpam as paredes da escola,

refletem que aquilo que fizeram não leva a nada e que a atitude da Direção ao colocar limite,

também ajuda o aluno a se modificar.

Pedi mais uma cena em que mostrassem: “Um dia bom na Escola”

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Aquecimento: Pedi para pensar como seria um dia bom na escola e preparar uma

cena. Reuniram-se rapidamente e da mesma forma combinaram a apresentação.

Desenvolvimento: O professor entra na sala e cumprimenta os educandos.

Profª – Bom dia turma.

Alguns respondem e outros continuam a bagunça

Educandos – Bom dia pró.

O professor não consegue falar, é muito barulho, conversa. De repente, entra

a vice-diretora.

Vice-diretora – Que barulho é esse? Ia passando por aqui e me chamou

atenção tanta zoada. Vocês não respeitam o professor? Vou ficar de olho em

vocês. (Sai)

O barulho continua, os educando continuam gritando, brincando e a

professora sentada impassível.

Volta a vice-diretora e dessa vez é mais enérgica, olha bem para um

educando e diz:

Vice-diretora – Olha você aí (olhando bem para um menino e diz) feche sua

cara, que não estou brincando. (para a turma) Se continuarem vou dar um

castigo. (Sai)

O professor toma a iniciativa de mandá-los abrir o livro de Português.

Enquanto uns se movimentam à procura do livro, um educando diz:

Educando: Não é um dia bom na escola? Então vamos fazer bagunça... (A

cena encerra aqui).

Compartilhar: Vamos pensar um pouco nessa cena. O que seria mesmo um dia bom

na escola? Um educando respondeu e vários concordaram: “É bom ficar livre, fazendo o que

quiser”. Neide Marina (Ego-auxiliar) perguntou: “Para que vocês vêm à escola?”

Responderam: para aprender. Falei: Vamos voltar a imagem do professor paralisado, sem

poder ensinar. Retrucaram: Na hora que pediu para abrir o livro, a gente ia estudar... Pedi para

pensar que nem chegaram a abrir o livro e já tinha outro colega propondo continuar a bagunça

e eles aceitaram. Deixei a reflexão no ar.

Num pequeno espaço de tempo esses educandos mostraram o retrato da sala de aula

deles. O material a ser trabalhado está aí, e a mudança deve começar justamente na mudança

da vida cotidiana. Como afirma Antonio Faundez no diálogo com Paulo Freire (1985, p.35):

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[...] como ligar nossas idéias e valores a nossas próprias ações? Tudo o que afirmamos e defendemos, tanto em nível político como filosófico e religioso, deve ser expresso em ações pertinentes. Quando não se reflete sobre a cotidianidade, não se toma consciência de que há uma separação entre essas idéias e valores e nossos atos na vida cotidiana.

Nesse mesmo diálogo Freire comenta que estamos imersos numa cotidianidade,

refletir sobre essa ação cotidiana e, então ir criando idéias para compreendê-la. Só que essas

idéias já não serão idéias-modelo, e sim idéias que irão se fazendo a partir da realidade. A

proposta do sociodrama é trabalhar no aqui e agora. Essa é uma turma que não sabe escrever,

organizar as idéias, compreender o que lê; não sabe escutar, não respeita o professor, colegas

e nem a eles mesmos. Estão aguardando quem os ajude, coloque limites, esclareça o papel da

escola e de cada um na relação, crie um ambiente para a aprendizagem e para a convivência.

Os sintomas estão aí, os educandos estão fugindo da escola; se na escola tivessem amigos

mesmo sujeitos à reprovação, viriam para encontrá-los, estão na adolescência, fase de

agrupamentos, mas nessa turma isso não aconteceu, alguns assim que percebiam que não iam

passar de ano, em outubro começaram a faltar. De uma turma de 33 alunos, 17 evadiram até o

final do ano (conforme mapa final). Estiveram freqüentando a sala de aula até o fim do

ano:19. Mas na verdade, quantos desses multirrepetentes passarão para a 6ª série? É o que

será visto adiante.

Depois do compartilhar fiz uma dinâmica: “O presente coletivo”. Com o objetivo de

reconhecer qualidades nos outros e confraternizar com chocolate.

Escolhemos no grupo alguém com uma determinada qualidade, para ficar com o

presente enquanto ouvia uma mensagem. Depois, devia passar o presente para outra pessoa

com outra qualidade que a mensagem indicava e que o colega achava que este possuía; assim,

o presente era passado por vários colegas, merecedores daquela qualidade. Para iniciar, o

presente deveria ir para a mão do colega mais alegre, cada um querendo ficar com o presente,

dizia o seu próprio nome.

Esclareci que era o grupo que devia escolher a pessoa com aquela qualidade e depois

cada um individualmente escolheria a quem entregar o presente. O objetivo era justamente

que eles reconhecessem as qualidades uns dos outros. Alguns deram a qualidade por amizade,

outros por simpatia, alguns fizeram justiça, porque os colegas eram merecedores. A atividade

deixou-os mais atentos e pensativos, infiro que ao observarem o presente ser passado de

acordo com uma qualidade, refletiam sobre o fato.

Depois fiz um “amigo secreto” onde o presente seria um cartão que levei para eles

preencherem com uma mensagem para o colega.

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Cada um deveria entregar sua mensagem escrita e uma qualidade, se quisesse. Ao

entregar o cartão e caso se sentisse à vontade, poderia dar um abraço. Alguns deram, outros

apenas cumprimentaram com as mãos. Este foi um momento especial, gestos acanhados, mas

bem diferentes do que já havíamos visto, porque foi uma atividade carregada de sentimentos,

emoção. Quando nada, quem sabe... talvez estivesse ali a semente para o começo de um

vínculo ainda por construir e o lúdico era um bom caminho. Concordo com Fernandez (2001,

p.194) quando diz: “O brincar é criador do sujeito, e possibilitador das inscrições de

vínculos”.

Ao cerrarem-se as cortinas desse drama escolar, espero que a escola não continue

colocando os seus atores fora dela, que não fiquem com suas dimensões vitais silenciadas,

pois educandos e educadores têm muito a dizer nesse palco, para tornar esse ambiente

fecundo de idéias, sentimentos, alegrias e esperanças, para um viver melhor.

4.2 GRUPO “B”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA INTERVENÇÃO

Ao terminar a intervenção do Grupo “A”, ao final do ano letivo de 2005 iniciada no

segundo semestre desse mesmo ano, pude observar que a integração de uma turma é um

processo, que deve ser começado no início das aulas e continuado por todo o ano letivo, para

um melhor resultado. A experiência mostrou que é mais difícil criar vínculos quando não se

cuida da integração com a turma no início do processo, assim como também quando a

confiança entre os parceiros é logo quebrada o que exige um trabalho de reconquista. Baseada

nessa crença, resolvi fazer a mesma experiência com outro grupo (“B”), para acompanhá-lo

do início das aulas, e também havia a possibilidade de continuar com oito estudantes do

Grupo “A”, aprovados para a 6ª série, que faziam parte da turma anterior.

4.2.1 Teste Sociométrico

As relações aqui representadas levam em consideração o critério sentar ao lado do

colega escolhido em sala de aula. Ao olhar o sociograma é como se visse uma rede, formada

pelo cruzamento de linhas que tomam a direção das escolhas, objetivando as relações através

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das atrações, indiferenças e rejeições de um indivíduo para outro. Quando os educandos

responderam o questionário sociométrico, já estavam juntos na mesma sala, há um mês; oito

deles haviam participado do Grupo “A” e foram aprovados para essa série, ao todo eram 36 e

responderam o questionário 33.

4.2.1.1 Teste sociométrico antes e depois da intervenção

À primeira vista, o Sociograma 7 abaixo, revela várias atrações mútuas, um bom sinal

para o entrosamento do grupo, no entanto, é bom observar a intensidade das escolhas. Neste

sentido Moreno (1994, p. 193) diz: “A primeira escolha e a primeira rejeição são os resultados

sociométricos mais confiáveis”. Considerando este aspecto existem algumas mutualidades de

primeira escolha e outras de segunda e terceira, isso favorece a integração do grupo.

Olhando para a vinculação do grupo como um todo, destacam-se subgrupos mais ou

menos isolados, como “panelinhas” que se fecham, exemplo: Jesy – Lucy e Sany, formando

um triângulo; do mesmo modo Sel – Katy e Jôse; e mais um subgrupo totalmente isolado, no

canto esquerdo, o famoso “Clube da Luluzinha”, onde homem não entra, pode-se observar no

seu interior correntes: Kely – Tina – Bel – Mary e outra, entre Uisy, Mila e Bel. Se esse grupo

fecha-se em si mesmo, a tendência é isolar-se cada vez mais, criando reação negativa do

grupão sobre eles. No meio do sociograma tem mais uma corrente feminina: Sel – Lena –

Lucy; e outra masculina: Samu – Erik – Neil – Sid – Sila. Vale ressaltar que, tirando a

corrente masculina, a participação dos meninos é pequena nas outras configurações, somente

dois meninos entram: um no triângulo, outro no quarteto.

Quanto à tendência homossexual, Moreno (1994, p. 191) afirma que:

Na formação de grupos há divisão entre dois sexos, dos 7 aos 14 anos – divisão sexual; esta alcança alto grau de afastamento quando os membros do grupo têm, aproximadamente, dez anos de idade. Em grupos de adolescentes e adultos, em que há participação de ambos os sexos, encontramos, geralmente, “sub divisões”.

Observe três educandos isolados ou não escolhidos: Poly – Fred – Ulda. Os isolados

sofrem muito com a rejeição, isso interfere não só em sua freqüência à escola, mas também na

aprendizagem e noutros comportamentos inadequados ou de isolamento. A aceitação, o amor,

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propiciam o crescimento emocional, social e intelectual. Nesse sentido, observe o que diz

Maria da Penha Nery (2003, p. 33):

Um dos pressupostos da socionomia é a luta do ser humano pela sua sobrevivência nos grupos (nos vínculos) e pela sobrevivência dos grupos (dos vínculos), pois o grupo lhe fornece a sensação básica do existir e lhe garante o campo existencial para a manifestação da sua espontaneidade-criatividade.

Daí a importância das atividades lúdicas e sociodramáticas para integração dos

indivíduos ao grupo durante todo o ano letivo, não só para possibilitar o aprender a viver

juntos, o aprender a ser, também a complementação com o aprender a aprender e o aprender a

fazer: habilidades imprescindíveis à educação no nosso século.

Como ainda não havia sido feito nenhum trabalho nesse sentido, a proposta indicada e

focada na intervenção era para que as atividades ajudassem o grupo a caminhar através de

escolhas mais conscientes e pudesse conviver respeitando as diferenças.

Convém observar o seguinte: no início do grupo é comum ter não só indivíduos

“isolados” como Poly, Fred e Ulda, porque estão retraídos, não se conhecem ainda, assim mas

também ter os “expansivos” tipo Gaby, que no decorrer da convivência, terminam ficando

isolados por comportamentos inadequados, agressão aos companheiros, etc,.

O nível de aceitação é claramente traduzido pelo número de setas que vão em direção

à pessoa, no caso de escolha positiva ou negativa; no entanto, é importante que as escolhas

sejam recíprocas, isso é o que vai possibilitar o encontro e a inscrição de vínculos favoráveis

ao crescimento. Nesse primeiro gráfico, Ney é uma estrela recebeu seis escolhas positivas,

mostra que é um educando simpático; no entanto, não tem uma atração mútua, quer dizer, as

pessoas que ele escolhe lhe são indiferentes. Por outro lado, tem Sel, estrela sociométrica

com oito escolhas positivas e com três atrações mútuas, isso é muito bom do ponto de vista da

aceitação grupal.

Como indicado pelo sociograma, a aparente integração dessa turma podia ser

melhorada à medida que se buscasse escolhas mútuas e a interligação dos elementos menos

escolhidos, para diminuir os grupos isolados. Desse modo, as atividades lúdicas e

sociodramáticas deviam buscar junto com os educandos, construir vínculos que oferecessem

proteção e estímulo ao progresso emocional e intelectual. Segundo Moreno (1994, p.240, v.

2): “Cada pessoa gravita em direção à situação que ofereça, à sua personalidade. o mais alto

grau de expressão espontânea e de realização e procura, continuamente, companheiros com

quem possam partilhar estes sentimentos”.

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Sociograma 7 Grupo B – Eleições Positivas (Inicial)

33 Participantes em 10/03/2006.

Critério: Sentar ao lado do colega escolhido, em sala de aula (3 escolhas hierarquizadas). Meninos: 18, Meninas: 15. Não escolhidos 03: Poly, Fred e Ulda. Estrela sociométrica 02: Sany e Sel. Estrelas 05: Bel, Ney, Lena, Sany e Tina. Triângulo 02: Jesy, Lucy e Sany; Sel, Katy e Jose. Quadrado 01: Nair, Nina, Sam e Kitt. Corrente 03: Neil, Sam, Erik, Sid e Sila; Kely, Tina, Bel, Mary; Lino, Neil, Sid e Sila. Grupo isolado feminino 01 (lado esquerdo. Atração mútua 25.

Bia

Lena

Fany

Neil 4

Sid Bel

Mary

Lino

Ney

Guto

Alan

Sila

Gab

Sam

Jôse

Lucy

Mila

Nina Nair

Jesy

Sam Kitt

Kely

Ulda Tina

Erik

Sel

Saul

Ugo

Sany

Katy

Poly

Uísy

Fred

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139

Não havia dúvida, pelos resultados do teste, que o grupo isolado à esquerda no

Sociograma 7 precisava ser integrado ao resto do grupo, assim como o quarteto na parte

inferior, o triângulo na parte superior direita, os educandos como Saul, Ugo, Lino, Ulda, Poly

e Fred no meio da rede.

A integração desse grupo estava bem melhor do que o grupo “A” e conseqüentemente,

os resultados deveriam ser melhores. É o que você poderá acompanhar nas próximas

descritivas.

O critério do teste que se segue (Rejeição) foi direcionado para o colega que não

gostaria que sentasse ao seu lado na sala de aula.

Ney recebe o maior número de rejeições e tem duas rejeições mútuas: Kely e Tina; a sua

primeira escolha vai para Mila, que é indiferente a ele. È interessante observar que Ney é o

foco de grande antipatia do grupo, mas é estrela positiva também, recebe escolhas de 06

colegas. Acredito que ele e mais 5, que são estrelas, são “bodes expiatórios”, aqueles nos

quais o grupo deposita a raiva contida. De acordo com Bustos (1979, p. 42): “em geral isto

nos indica uma depositação maciça dos vínculos a partir de um mau manejo da

agressividade.”

Percebia-se no grupo uma situação de incômodo, de crise, canalizando para as estrelas

de rejeição, toda a agressividade e insatisfação da maioria. É interessante observar que alguns

deles como Ney, Fred, Jesy, Gaby, para citar alguns, no início da pesquisa, assumiam a

“profecia anunciada” de indisciplinados, depois modificaram sobremaneira o comportamento.

É notável que a carga de maior rejeição vá para os meninos, somente Tina destaca-se,

é a estrela sociométrica, porque o que é considerado é o número total de atrações mútuas,

quaisquer que sejam os sinais; ela possui oito rejeições, com três mutualidades. É também

estrela de atração, portanto é uma líder que precisa trabalhar suas qualidades, para melhor

interação no grupo. Kely também é estrela, porém com número menor de rejeições.

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Sociograma 8 Grupo B – Eleições Negativas (Inicial)

33 Participantes em 10/03/2006.

Critério: Não sentar ao lado do colega escolhido, em sala de aula (3 escolhas hierarquizadas). Meninos: 15, Meninas: 18. Não escolhidos negativamente 09: Uisy, Nair, Sid, Saul, Lino, poly, Mary, Lena, Sel Estrela de rejeição 08: Ney, Jesy, Fred,Tina, Gaby, Alan, Kely, Ugo. Corrente 02: Ugo – Katy - Alan – Kely; Sany – Tina - Ney – Kely – Jesy – Tina. Rejeição mútua 06: Ugo – Katy; Ney – Tina; Alan – Katy; Tina – Jesy; Kely – Jesy; Ulda – Gaby; Tina – Sany ; Ney – Kely; Tina – Ney; Alan – Kely.

Fred

Ulda Uisy Bia

Ugo

Nair Sila

Sid

Saul

Lucy

Sam

Lino

Jôse

Tina

Guto

Jesy

Mila

Kely

Samu

Ney Sel

Neil

Gaby

Bel

Katy

Lena

Erik

Kitt

Alan

Nina

Fany

Mary

Sany Poly

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Para calcular a intensidade da escolha, adotei o seguinte critério: atribuí para cada

escolha que o sujeito recebe em primeiro lugar, seja ela positiva ou negativa, três pontos; para

a escolha em segundo lugar dois pontos e para a escolha em terceiro lugar um ponto. Somados

o total de escolhas positivas e o de negativas foram elaborados os gráficos a seguir.

Gráfico 3 – Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições positivas

Gráfico 4 – Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas

A hierarquia da escolha é importante para determinar a intensidade do vínculo. Portanto,

escolher uma pessoa em 1º lugar não é o mesmo que escolher em 3º lugar, daí determinei o

valor três para a primeira escolha (vermelha), dois à segunda (verde) e três (azul) para a

10 0

34

0

11

1

8

15

18

5 5

0

6

0

5

23

23

0

5

3

10

0 0

8

4

0

20

10

14

4

6

19

0

5

10

15

20

25

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

NF

NF

NF

5

0 0

8

12

3

0

3

2

4

6 6

7

12

6

7

9

13

6

5

7

0

7

2

5

2

19

9

6

5

11

0

1 1

7

5

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

NF NF

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142

terceira. De acordo com o Gráfico acima, a educanda nº 27 – Sel , destaca-se com 19 pontos;

o nº 18 – Ney, com 13 pontos; enquanto os nº 3,7,32 - Poly, Fred, Ulda, não obtiveram votos

e alguns como: o 33,34, 9 – Uisy, Ugo, Guto com um a dois votos, quer dizer baixo índice

de atração.

Para observar a hierarquia das escolhas negativas foi usado o mesmo critério para as

escolhas positivas. Assim, rejeitar uma pessoa em primeiro lugar tem uma força maior que em

terceiro lugar. Olhando pois o Gráfico de rejeições, fica claro que destacam-se pela negativa

os números 18,31,20, 11,10 – Ney, Tina, Jesy, Gaby, Alan. Essa intensidade voltada para um

pequeno grupo pode indicar um mau manejo da agressão. É preciso uma pesquisa mais

profunda. Os educandos 3, 6, 14, 16, 26, 27 30,33 – Poly, Lino, Lena, Mary, Saul, Sel, Sid,

Uisy não receberam votos negativos, despertam um mínimo de simpatia do grupo.

4.2.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final

Após cinco meses de atividades, após a aplicação do primeiro questionário

sociométrico, obtivemos um sociograma com as seguintes características: três educandos não

escolhidos: Ulda, Gaby e Bia. É importante verificar a posição dos indivíduos em relação ao

primeiro teste. Ulda continuou não escolhida, só que nesse, suas escolhas não se encontram

num grupo isolado dos demais como antes; sua 1ª e 2ª escolhas vão para duas líderes fortes:

Tina e Uisy, que fazem parte de uma corrente – configuração complexa – que se ramifica,

unindo-se ao grupo como um todo. Com Bia aconteceu o fenômeno de que falei

anteriormente, elementos escolhidos no início da formação do grupo, mas que, durante a

intervenção, podiam mudar sua posição. Nesse caso, a educanda precisava de um cuidado

especial, que não foi possível, pelo curto tempo da intervenção. Mesmo sendo uma menina

“retraída” tinha possibilidade de ser aceita e ocupar um status melhor no grupo com a

continuação do trabalho. Quanto a Gaby, observei no decorrer do trabalho uma discriminação

entre os colegas, não queriam pegar na mão dele, verifiquei que o nariz estava escorrendo e os

meninos tinham nojo, eles também confirmaram: “esse menino é nojento pró”. É claro que

aproveitei a oportunidade para pensar um pouco essa questão. Não acredito que somente esse

fato implique o seu isolamento; interferem outras variáveis que não vem ao caso aprofundar,

mas o certo é que a rejeição afetava o seu comportamento, tornando-o mais indisciplinado,

chamando a atenção por atitudes inadequadas. Quando perguntei sobre o que menos gostou,

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143

respondeu: “quando a professora falava comigo sem eu fazer nada”. Preciso ressaltar que é

um menino bom, com possibilidades de conseguir boa aceitação, pois direciona suas escolhas

Sociograma 9 Grupo B – Eleições Positivas (Final)

32 Participantes em 24/08/2006.

Meninas: 18, meninos: 14. Não escolhidos 03: Ulda, Gabi e Bia; Corrente 01: Sel –

Ney – Sila – Sid – Ney – Erik e Lino; Uise – Mila – Tina e Kely. Quadrado 01: Fani –

Jôse – Lena – Kati. Estrela Sociométrica 01: Mila. Estrelas 06: Sila, Ney, Tina, Uísi,

Sam e Kely. Atração mútua: 22

Tina

Uísy

Mary

Ney

Sila Erik

Sam

Kely

Lena

Jôse Fany

Katy

UldaMila

Bel

Lino

Gut

Fred

Sel

Jésyr

Ugo

Saul

Alan

Neil

Bia

Sid

Cely

Nina

Nair

Sany

Nely

Lucy Gaby

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144

para líderes que participam de correntes fortes como: Neil, Nely que é “estrela” como Sam. É

possível destacar uma corrente que se expande: Sel – Ney – Sila – Sid – Neil – Erik – Lino.

Os meninos estão mais integrados, com maior participação feminina.

Lembra-se de Fred? Sua posição sociométrica melhorou, ficou com uma mutualidade

com Guto, aceito por um líder Ney, com possibilidade de integrar a corrente de Lino, que é

forte. Vale ressaltar que Saul, Ugo e Alan, que pouco freqüentaram as atividades, mesmo

assim conseguiram manter sua posição não isolada. Observe que Alan e Saul formam um par,

com possibilidade de integrar-se a correntes mais fortes. No caso de Alan, é um refúgio de

segurança, pela rejeição que recebe da maior parte do grupo. Quanto a Ugo, diminuiu

sobremaneira o seu índice de rejeição do 1º para o 2º sociograma, a sua tendência é voltar a

participar, no depoimento final diz: “Eu não participei todas as vezes, mas as vezes que

participei foi bem legal”.

Do lado direito do gráfico, tem um círculo forte: Jôse – Fany – Katy- Lena, com a

possibilidade de se expandir para a corrente de Sel; no canto direito abaixo tem uma corrente,

com fortes inclinações a reintegrar Sam, uma estrela isolada, ou seja, sem mutualidade, mas

que possui chance de expandir também para a corrente de Sel, integrando-se também à sua

antiga corrente: Nair – Cely – Nina.

No lado esquerdo destaca-se a estrela sociométrica Mila que como raios atrai Uisy –

Tina e Mary, na realidade forma uma corrente: Uisy – Mila – Tina - Kely ; forma uma atração

mútua com Mary. Essa configuração mostra a possibilidade de se transformar num círculo.

Na parte de baixo tem ainda uma corrente: Nely – Sany – Jesy que se fortaleceu com

possibilidade de migrar para outras correntes. Para Moreno (1994, p. 278):

As redes representam a mais velha forma de comunicação social. Seus traços já existem em sociedades subhumanas. São formações coletivas: os participantes individuais não têm consciência de todas as redes que partilham, apesar de saberem da existência de uma ou outra ligação entre alguns dos indivíduos ou mesmo de intuírem a existência das redes. Um indivíduo não pode sair das redes, do mesmo modo que não pode sair de sua pele. Estas existem antes dele e antes dos grupos oficiais do qual faz parte.

O que foi observado do primeiro para o segundo sociodrama, na prática é que os

estudantes ao se integrarem, o afeto passou a circular de forma natural, melhoraram a sua

posição no grupos e passaram a conservar mais a amizade. Parece mágico, mas as forças

invisíveis das atrações vão formando redes, cujo alcance só mesmo os gestos de carinho, as

palavras, as imagens, são capazes de dizer um pouco, sem dizer tudo do que representa o

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145

vínculo, em nossa vida.“Seu olho me olha, mas não me pode alcançar”, como diz Caetano

Veloso na canção Reconvexo, e no qual assino em baixo.

É notável como as rejeições encontram-se diluídas em todo o sociograma. Observe

que diminuiu o número de estrelas de rejeição pela metada; os pares Fany – Nina e Lino –

Gaby, encontram-se isolados, com chances mínimas de engrossar as correntes existentes, em

função da posição fraca da escolha. Por exemplo, Nina escolhe Lena, que faz parte de uma

corrente, porém é sua 3ª escolha.

A corrente Nair – Katy – Alan – Lena tem a estrela sociométrica Alan – sobre ele

recai o maior grau de antipatia, torna-se o “bode expiatório”, é um educando que não exerce

influência positiva no grupo. É a corrente que mais cuidados dispensa nesse gráfico, pelo

número de atrações mútuas, que pode favorecer a coesão de rejeições. Enquanto que a

corrente: Ney – Tina – Sany, está enfraquecida, porque tem líderes com aceitação positiva,

cujas escolhas são rejeitadas, configura mais um desentendimento pessoal,cujo desfecho é

possível de harmonia. mas o certo é que a rejeição afetava o seu comportamento, tornando-o

mais indisciplinado, chamando a atenção por atitudes inadequadas. Quando perguntei sobre o

que menos gostou, respondeu: “quando a professora falava comigo sem eu fazer nada”.

Preciso ressaltar que é um menino bom, com possibilidades de conseguir boa aceitação, pois

direciona suas escolhas É interessante chamar a atenção sobre a “estrela” Beth, que mesmo

não participando do questionário e já fora do grupo, porque teve de ser transferida, recebeu

um razoável número de escolhas negativas. Essa educanda veio transferida do interior,

freqüentou uns dois meses as aulas, mas despertou um sentimento forte de antipatia, não ficou

claro se por ciúme, inadaptação, etc. Veja o que diz Moreno (1994, p. 275):

Sempre que entram, as recém chegadas encontram organização estabilizada, construída não apenas pelos membros presentes, mas por todos os que deixaram efeitos remanescentes sobre a organização do grupo. (...) Esse fenômeno protege o grupo contra quaisquer inovações radicais que a recém-chegada possa querer impor, repentinamente”.

Concluindo, podemos dizer que a maior força de transformação desse grupo foi

justamente o número de escolhas negativas que não foram correspondidas, diminuindo

sobremaneira a força de coesão pelo lado negativo. Tudo isso através de um trabalho com

atividades lúdicas e sociodramáticas, muita paciência, afeto e sem grandes pretensões,

jogando e aprendendo a conviver. Para os que trabalham em escolas e demais grupos, é

importante considerar que a força de coesão pelo vínculo positivo, pode fomentar a

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Sociograma 10 Grupo B – Eleições Negativas (Final)

32 Participanes em 24/08/2006.

Meninos: 14, Meninas: 18. Não escolhidos negativamente 04: Uisy, Mary, Jôse, Bia Estrela de rejeição 04: Ney, Alan, Guto, Fany. Corrente 01: Lena – Alan Katy - Nair. Rejeição mútua 07.

Ne

Jes

Ala

Gut

Ug

Kely

Mila

Bel

Jôse

Katy

Sany

Eri

Gab

Tina

Nair Mar

y

Lucy

Sel

Lena

Cely

Beth

Fany

Nina

Bia

Poly

Ulda Uí

si

Sau

Si

Neil

Sa

FreLin

Sil

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147

convivência em ambiente mais agradável e produtivo, para que educador não perca a sua

semente ao semear. Finalizo, ainda com a reflexão desse autor:

O primeiro encontro pode ser o nascimento de semente social e levar à verdadeira formação de grupo. Porém, como na esfera biológica, na qual milhões de sementes são esperdiçadas, também na esfera social, milhões de encontros são perdidos se não forem conduzidos à continuações significativas. (MORENO, 1994, p. 198, v. 2).

O referido que foi observado do primeiro para o segundo teste, na prática, é que os

estudantes ao se integrarem mais, o afeto passou a circular de forma natural, melhoraram a

sua posição sociométrica no grupo e passaram a conservar mais a amizade e conviver melhor.

Deixei o grupo no segumdo semestre, portanto no meio do percurso, mas com a

certeza de que sua integração estava bem melhor do que havia encontrado e mesmo sem a

continuidade do trabalho também continuaria melhor do que se nada tivesse sido feito em

relação ao aprender a conviver, mantendo os vínculos que nos constituem como seres de

relação.

4.2.2 O que pensam os estudantes da 6ª série sobre as relações interpessoais na sala

de aula

Os estudantes participantes da experiência foram investigados “antes” e “depois” da

intervenção, o que nos permite, de um modo geral, perceber que com eles procederam

mudanças ao longo do período de intervenção. Segue-se o relato dos depoimentos dos

estudantes “antes” e “depois” da experiência após o trabalho com atividades lúdicas e

psicodramáticas de vinculação.

4.2.2.1 Antes da intervenção

Questão 1 - Como você se sente em relação a seus colegas de turma? Por quê?

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Dos 33 que responderam, 23 estudantes (69,69%) se sentem bem, acham os colegas

legais, bons. Enquanto 10 (30,30%) não se sentem bem e as justificativas comuns referem-se

às brincadeiras sem graça, porque uns são chatos, porque perturbam, são mal-educados.

Destaquei as falas dos que sentem discriminados por serem diferentes, Bia diz: “Eu me sinto

diferente deles, porque não uso brinco, pulseira e não sou combinada na moda”; enquanto

Sam diz: “Eu me sinto um idiota e bobo, porque todos me tratam mal, me acham horrível”;

quem não se entrosou como Cida diz: “Intimidada. Eu não conheço quase ninguém”, Jésy

também diz: “Alguns são bons, outros são péssimos porque me perturbam muito”.

Destaquei essas falas porque são estudantes que sofrem discriminação por serem

diferentes, a primeira pelo padrão imposto pela moda, dois pela discriminação sexual, um fato

que precisa ser considerado e trabalhado na escola.

Questão 2 - Como você se sente em relação aos seus professores? Por quê?

De modo geral, os estudantes demonstraram que a relação com os professores é muito

boa, acham que são legais e explicam bem. Dos 33 que responderam essa questão, somente

cinco (15,15%) expressaram algo diferente, um educando diz: “Tem uns que são muito

grossos, e outros que não nasceram para serem professores, porque não têm paciência”;

outra ao falar como se sente diz: “Como uma pessoa não inteligente, porque não consegue

pegar os assuntos”; dois dizem que se sentem mais ou menos porque não gosta de alguns,

acham chatos e a última diz que está “Um pouco assustada, tem professor que reclama, não

explica os deveres, bota falta”.

Questão 3 - Você sente alguma dificuldade na escola? Qual?

Dos 33 que responderam, 16 estudantes (48,48%) disseram que não sentem

dificuldade; nove especificamente apontaram dificuldade em Matemática, os oito restantes

variam entre os deveres que acham difíceis de entender, pela “baderna” em sala de aula, por

conta das relações interpessoais e uma relacionada com o auto conceito, ela diz: “sim, porque

me acho burra”.

Questão 4 - O que mais lhe agrada na escola?

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As respostas apontam como a maior fonte de agrado na escola os amigos e colegas,

dito por 11 estudantes ( 33,33%); os professores em segundo lugar apontado por sete (

21,21%) estudantes. Bia justifica: “A professora de vínculo, porque com ela eu me sinto bem,

e não me sinto diferente quando estou com ela”. Essa educanda estava insegura e buscava o

apoio necessário para sentir a pertença ao grupo. Mais dois estudantes, especificam as aulas

de vínculo, os demais falam as aulas de modo geral. Em terceiro lugar ficaram as aulas

citadas por seis estudantes, sendo que Fany diz: “As aulas e o intervalo, porque fico

conversando com as meninas”; Sila destaca: “As aulas e as brincadeiras”.Dos oito ( 24,24%)

restantes, temos três (9,09%) que escolheram o estudo de modo geral, três (9,09%) dizem

que nada agrada, um (3,03%) das atividades que aprende e um (3,03%) quando entende as

coisas.

Desse conjunto de coisas que agradam na escola, a escolha maior está na relação, no

convívio entre as pessoas. No entanto, a escola ainda não prioriza um espaço para a

integração, para a construção de vínculos saudáveis como parte das atividades cotidianas.

Questão 5 - O que mais lhe aborrece na escola? Por quê?

Os maiores aborrecimentos apontados pelos educandos se referem ao próprio

comportamento deles. Portanto, 22 educandos (66,66%) se queixam dos colegas com motivos

que variam: nove educandos (27,27%) apontam os que perturbam dentro e fora da sala de

aula; sete (21,21%) não gostam de falsidade e da fofoca dos colegas; dois (6,06%) não gostam

dos mal-educados; um especificamente não gosta da discriminação que sofre e diz: “Os meus

colegas porque eles me discriminam”; e os três restantes não gostam dos que estragam a

escola, dos que gostam de brigar e dos que tiram coisas dos colegas.

Venho sempre destacando as falas de discriminação dos educandos, porque esse é um

discurso muito atual e em evidência entre professores, técnicos; mas acredito convém ressaltar

que no cotidiano escolar falta uma ação específica do coletivo para criar condições de se

apoiarem, discutirem o sentido da própria questão da “diversidade” que me parece obscuro,

para se encontrar saídas satisfatórias para a própria convivência. Volto a colocar que é uma

ação coletiva e necessita da energia de todos, é questão mais de parceria e envolvimento

pessoal, do que uma questão normativa ou de conceitos que estão na ordem do dia.

Para o comportamento do professor, seis estudantes (18,18%) apontaram a

impaciência, as reclamações, a ignorância (no sentido de tratamento, e não em conhecimento)

e dois citaram o nome de dois professores que não gostam, especificamente.

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Chamou-me a atenção que a agressividade e a violência foram citadas somente por

três estudantes (9,09%) que disseram não gostar de brincadeira de bater e de receber

xingamentos.

E, finalmente, dois (6,06%) que disseram “nada os aborrece”.

Quando a gente compara o grupo “A” e o grupo”B”, o que aterrorizava o primeiro

grupo era a agressividade e a violência, enquanto o segundo são os comportamentos

inadequados, que não chegam às raias da agressividade física, porque ao chegarem a esse

ponto já se esgotaram os limites da tolerância e racionalidade.

Questão 6 - O que você acha do seu comportamento na escola? Por quê?

Pelas respostas dadas, a maioria da turma se comporta bem. Observe que 19 estudantes

(57,57%) apontam o seu comportamento entre bom e muito bom; seis estudantes (18,18%)

consideram ruim; dois (6,06%) não sabem, pois só os professores podem dizer, e finalmente

dois (6,06%) que não responderam.

Acredito que existe uma distorção ou incompreensão entre os estudantes, sobre o que

seja um “bom comportamento” na escola. Pelo depoimento dos professores, o comportamento

não é bom, os resultados na aprendizagem não são satisfatórios, os indicadores apontam que

alguma coisa não vai bem, no entanto, cada um, especificamente, não reconhece a sua parcela

na construção do todo, acha que o problema está no outro e tudo continua como está.

Questão 7 - Como você se sente em relação à sua família ? Por quê?

Há uma resposta quase unânime em relação à família, 28 estudantes (84,84%) se

sentem bem com a família, três (9,09%) responderam normal, sem explicações, e dois

(6,06%) não responderam.

A professora Lena se queixa na entrevista do mau comportamento dos estudantes e

diz: “Insisto em dizer que a palavra “chave” da educação é a família, sem esta base sólida

não há como formar cidadãos conscientes, críticos e construir uma sociedade justa e

solidária”.

Enquanto os estudantes estão felizes e satisfeitos com suas famílias, a professora se

mostra insatisfeita com a assistência da mesma à escola, esse é um impasse que está aí, o que

fazer?

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Questão 8 - Alguma coisa atrapalha o seu relacionamento com os colegas? O quê?

Dos 30 estudantes (90,90%) que responderam a questão, 16 (48,48%) dizem nada

atrapalhar o relacionamento entre colegas; enquanto 11 (33,33%) destacam atitudes como

falsidade, fofoca, intriga, discriminação, falta de respeito, pessoas chatas, bagunceiras;

três(9,09%) restantes atribuem a si mesmos as causas: timidez e jeito de ser.

Questão 9 - O que você acha de você mesmo?

Pelas respostas da maioria, o auto conceito é muito bom. 26 estudantes (78,78%) se

acham ótimos, bonitos, sinceros, agradáveis, amigos, etc.; três (9,09%) colocaram “nada”;

dois (6,06%) não responderam; um (3,03%) se diz indisciplinado e um (3,03%) que se diz:

“Diferente que precisa de amor, carinho e muito mais”.

Questão 10 - As atividades de “Convivência, Aprendizagem e Vínculo – CAV” podem

lhe ajudar? Como?

No conjunto das respostas os estudantes acham que essa atividade vai ajudá-los a

conviver melhor, a ser melhor estudante, a aprender mais, a respeitar os colegas, a ter

melhores qualidades como: sinceridade, saber aceitar-se, ser mais educado, a se comportar

melhor. Portanto, 29 estudantes (87,87%) acham que pode ajudar, dentre eles Sam diz: “A me

relacionar com os meus colegas e que todos me olhem normal como sou”, destaco essa fala

porque era ponto de honra da intervenção: jamais permitir o desrespeito ao outro por conta de

qualquer diferença; existe a necessidade de um olhar diferenciado para essas questões no

ambiente escolar, porque existem estudantes que sofrem com a discriminação. Três (9,09%)

não responderam e um (3,03%) diz assim: “Não vejo me ajudar em nada, porque para eu me

dar com meus colegas, isso se aprende em casa).

Esse é um momento de compreensão, de sensibilidade mais do que “autoritárias

posturas de condenação” como afirma Arroyo (2004) e com o qual concordo, pois não é

satanizando e nem idealizando as relações, que se vai resolver os problemas cotidianos da

escola, e sim na busca conjunta, pela via da solidariedade, da amorosidade, que mestres,

educandos e famílias encontrarão as saídas e as intervenções necessárias, para melhorar a

convivência e ajudar na formação escolar.

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4.2.2.2 Depois da intervenção

Para obter uma avaliação não só das mudanças ocorridas nos educandos, mas também

a percepção sobre o vivido, elaborei dez questões, respondidas após a intervenção, que

abrangiam observações sobre o comportamento, a aprendizagem e o sentimento em relação às

atividades vivenciadas.

Responderam o questionário 31 estudantes; as perguntas estão acompanhadas da

análise logo abaixo.

Após as atividades de Vínculo:

Questão 1 - Observei algumas mudanças em mim, quanto a ...

Os estudantes apontam dois tipos de mudanças: uma em relação ao seu próprio

comportamento, no qual 24 (77,41%) descrevem mudanças no jeito de pensar e falar, na

relação com os colegas, está mais calmo e tranqüilo, paciente, mais alegre, mais disciplinado.

Destaco alguns depoimentos que considero relevantes, por mostrar a influência do trabalho

não só na escola mas na família, na disciplina em sala, na diminuição da agressividade e na

freqüência às aulas:

“minha educação em casa, eu respondia meus pais, agora não respondo”. (Fany – 15 anos)

“fiquei melhor nas notas, com os colegas, com a família e com os professores” (Erik – 13

anos)

É interessante observar que a relação entre colegas também “influenciam a sua

permanência na escola, porque ali eles desfrutam de convivência social e se ligam

afetivamente uns aos outros”, como bem enfatiza Abramovay (2003, p. 37). Já havia

observado esse fenômeno no grupo “A” e nesse grupo “B” foi notável e significativo não só

no processo, mas também nesse depoimento: “Quando eu parei de filar as aulas. Quando eu

comecei a freqüentar as aulas principalmente as de Vínculo. (Cely – 14 anos)

Vale ainda assinalar as mudanças em relação às atitudes. Observe esses depoimentos:

“Não sou mais aquele garoto brigão, arrogante e chato”. (Jesy – 14 anos)

“A minha relação com todos mudou muito, eu estou mais calma, vejo as coisas de um jeito

melhor, observei que temos que plantar coisas boas para colher coisas boas”. (Uísy – 14

anos)

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Ainda em relação a essa primeira questão, tem sete estudantes (22,58) que atribuem as

mudanças às atividades lúdicas e sociodramáticas e à professora pesquisadora, como

facilitadora de um ambiente favorável para que se mostrassem:

“Quanto à professora me senti diferente” ( Nina – 14 anos);

“A professora fazia as brincadeiras e as conversas” (Bel – 14 anos);

“Observei que as atividades me deixou mais aproximado dos meus colegas, mais unidos a

brincar e fazer tarefas”. (Lino – 12 anos);

“Mudança em mim foi porque eu me relaxei muito com a pró”. (Kitt – 15 anos);

dois estudantes (6, 4%) não responderam a questão.

Questão 2 - Observei algumas mudanças nos colegas, quanto a...

A maioria das respostas 83,87% ou seja, 26 estudantes consideram que o

comportamento dos colegas mudou, porque: estão mais comportados em sala, não conversam

na hora da aula como antes, houve mudança de opinião quanto aos professores; estão mais

calmos, mais maduros, melhorou com as brincadeiras de bater, diminuíram as brigas, a

freqüência melhorou, etc. Eis alguns depoimentos:

“Acho que com aquela aula do anjo fez que eu me aproximei mais dos meus colegas e que

eles se aproximaram mais de mim, eu não falava com alguns, hoje falo com todos” . (Uísy –

14 anos);

“Ugo está assistindo aula” (Saul – 15anos);

“Vários que pararam de perturbar alguns outros colegas” (Jesy - 14 anos);

O depoimento acima é relevante, no sentido de mostrar a mudança de alguns

educandos em relação à discriminação sexual, fato que gera muitas brigas e reações violentas,

ou senão o retraimento dos discriminados. É um tipo de exclusão que aparece muitas vezes de

forma explícita e outras, de forma velada e simbólica, ao ponto de não recriminar as piadas e

brincadeiras na própria sala de aula. Coloco mais dois depoimentos:

“Acho que com a aula do Anjo fez que eu me aproximasse mais dos meus colegas e que eles

se aproximassem mais de mim. Eu não falava com alguns, hoje falo com todos”. (Uísy – 14

anos);

“Eles começaram a ficar mais mansos, porque eles eram uns colegas muito agitados”.

(Mary – 12 anos).

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Em toda turma, três (9,67 %) não respondeu e dois (6,45 %) afirmam que não mudaram. Veja

este depoimento:

“Eu não vi nada mudar neles” (Nely – 14 anos).

Questão 3 - Minha relação com os professores mudou, porque...

Embora se fale da escola como espaço privilegiado de convivência e das relações

interpessoais como fundamentais para atingir os mais variados objetivos da ação educativa, o

discurso vai numa direção e a prática no sentido oposto. Isso está configurado no retrato que

a turma apresenta e na contradição de depoimentos entre educandos e educadores. Enquanto

um educador diz que sua relação é aberta ao diálogo, parece que fica no nível do discurso,

pois 23 ( 74,19 %) dos estudantes dessa turma sustentam, que sua relação com os professores

mudou em função das atividades de Vínculo e do esforço pessoal. Para cinco (16,32 %) ficou

igual, porque já respeitavam os professores antes, assim uma diz: “Não mudou, porque

sempre respeitei e não vou deixar de respeitar”. (Sila – 13 anos); outra diz: “Para mim não

mudou, eu trato eles com respeito e eles também a mim”. (Nair – 14 anos); dois (6,45 %)

dizem que não mudaram, mas não justificam e um (3,22 %) não respondeu a questão.

Alguns depoimentos dos que acharam que mudou.

“A minha relação com os professores nunca foi muito achegada, sempre foi mais distante de

alguns professores, mas agora eu estou me aproximando devagar dos meus professores”.

(Uísy – 14 anos).

“A aula de vínculo e aprendizagem me ajudou muito”. (Neil – 13 anos);

“Antes eu ficava abusando na sala e as professoras não me suportavam, porque eu era um

menino abusado, eu irritava os professores”. (Ney – 13 anos);

“Sim! Mudou, minhas notas aumentaram e bastante”. (Katy – 12 anos).

Questão 4 - Acho que não houve mudança em mim, porque...

Chama a atenção que nove (29,03%) deixaram em branco a questão, não sei se para

não contradizer a primeira resposta; nove (29,03 %) confirmam que houve mudança e

apresenta a justificativa: “Houve mudança em mim, porque estou uma menina agora, muito

alegre” (Mary – 12 anos). “Eu mudei depois das aulas de vínculo e é melhor ficar quieto na

sala”. (Ney – 13 anos). “Sim, porque meu comportamento mudou” (Nina 14 anos); “Sim, eu

acho que estou mais calma, não me apareço tão rápido” (Nair – 15 anos); 10 (32,25 %)

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apontam várias razões para o fato de não haver mudado: “Porque sempre fui como sou,

comportada”. (Uísy – 14 anos); “Eu não participava” (Alan – 14 anos); “Sou o que sou e

quem gostar de mim vai ter que gostar do jeito que sou” (Ulda – 12 anos); “Porque a sala é

insuportável” (Kely – 12 anos); “Porque eu não perturbava”. (Mila 12 anos); “Porque não

presto atenção, às vezes”.

Enquanto três (9,67 %) apresentam razões ingênuas, típicas da idade, como: “Eu acho

que não mudou tudo em mim” (Guto – 12 anos); “Porque nada mudei totalmente” (Neil – 13

anos). O que se pode perceber é que as mudanças são ressaltadas, mesmo quando apresentam

razões contrárias.

Questão 5 - Acho que não houve mudanças nos colegas, porque...

Apesar da resposta exigir uma certa maturidade para inferir sobre o comportamento do

outro, conseguiram apontar razões que realmente dificultavam o crescimento nesse tipo de

atividade. No que diz respeito ao comportamento observável 19 (61,29 %) apontam a fofoca,

a agressividade, a falta de atenção às aulas, brigavam muito e respondiam a professora,

conversam demais, etc. Destaco algumas falas:“Porque eles não aceitam as brincadeiras que

é para mudar eles mesmos” (Uísy - 14 anos); “Porque eles ouviam explicações de conselhos,

mas não praticam muito”. (Mary – 12 anos); “Porque alguns abusavam”. (Sid – 13 anos);

“Porque eles ainda não param para pensar”. (Mila – 12 anos) “Em alguns não tiveram

mudanças porque não queriam nada”. (Lino - 13 anos). O último é um discurso corriqueiro

entre professores e termina sendo incorporado pelo próprio educando, para excluir e justificar

o fracasso, principalmente contra estudantes pobres. Sabe-se porém, que é preciso ir mais

fundo nessa questão. Sete (22,58 %) não responderam; três (9,67 %) não sabem e dois (6,45

%) confirmam que houve: “Houve. Antes eles brigavam muito e respondiam demais os

professores”. (Jôse – 14 anos); “Teve muita mudança nos meus colegas de sala e também na

minha rua” (Ney – 13 anos). Alguns educandos moram na mesma rua e até mesmo as

brincadeiras da escola são compartilhadas lá.

Questão 6 - Nas atividades de vínculo aprendi que...e o que aprendi serve para ...

A convivência e a aprendizagem são aspectos fundamentais para a observação nessa

pesquisa, em função das condições propiciadas para a formação do vínculo e os resultados

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obtidos com a intervenção. Cabe indagar como os atores percebem a influência disso na sala

de aula, no dia-a-dia na escola e na sua vida. Vale também assinalar que essa foi a questão

unanimemente respondida, a imagem real é a que os dados estão mostrando. Catorze

estudantes (45,16 %) apontam a amizade, a união e ajuda uns aos outros como foco do

aprendizado, e isso serve para superar as brigas, viver melhor; sete (16,12 %) dizem que

aprenderam o respeito, devem respeitar colegas e professores, buscar o melhor para a escola e

os alunos e isso serve para a vida, para a disciplina, para ser alguém; nove (29,03 %)

apresentam motivos variados. Dentre todas afirmações, vou destacar algumas: “Que devemos

ficar mais unidos, mais amigos, para superar as brigas e serve para ... o resto da minha vida”

(Lino 13 anos); “Que uma mão lava a outra, que o pagamento retribui o pagamento”. (Ney –

13 anos); “Somos todos iguais e que devemos ajudar os outros e serve para ...ver que com a

reação que eu tinha não levava a nada” (Jôse - 14 anos); “Tenho que estudar e fazer

amizade e serve para ... me ajudar” (Alan – 14 anos); “Nós devemos obedecer muito os

professores, porque com eles nós seremos alguém e serve para ... todos os colegas, se eles

seguissem o meu exemplo era bom” (Neil – 12 anos); “Temos que dar carinho, senão

recebemos ódio e serve para... ser alguém na vida”. (Sel – 16 anos); “Cada coisa tem sua

hora, hora de brincar, etc. e serve para... quando eu crescer, ser amigo, sem brigas.

Questão 7 - Participando das atividades de vínculo me senti...

Na opinião deles se sentiram bem, tranqüilos, felizes, calmos, alegres, mais elegantes e

mais amados, mais unido com os colegas, etc. No que diz respeito ao que sentiram, a maioria

atribui a um estado de bem-estar na convivência. Somente um (3,22%) não respondeu.

Depoimentos: “Uma pessoa com mais animação”. (Mary – 12 anos); “Mais leve, mais

amada, mais querida, mais amiga, mais adorada, mais enturmada. Acho que eu precisava

dessa aula de Vínculo”. ( Uísy – 13 anos); “Como eu não gosto muito de trabalho em grupo,

percebi que todo mundo trabalhando junto, a gente consegue muita coisa em dobro”. (Nair –

15 anos); “Livre, sem ninguém mandando eu fazer nada”. (Jesy – 14 anos); “Muito aliviado,

porque eu também só vivia brincando de briga” (Ney – 13 anos); “Eu não participei todas

as vezes, mas as vezes que participei foi bem legal”. (Ugo – 16 anos); “Muito bem, gostei

muito, mudei meu comportamento, etc.” (Neil – 12 anos)

Questão 8 - Do que menos gostei nas atividades de vínculo foi...

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As respostas de 12 (38,70 %) dizem que gostaram de tudo, uma educanda diz: “Eu

gostei de todas as atividades de vínculo, era muito legal ter a senhora como professora”.

(Ney – 13 anos); “Gostei de tudo, todos foram legais”. (Neil – 12 anos). Nove estudantes

(29,03 %) apontam para atividades como: a feitura do cartão, exercícios, “brincadeiras que

achei muito de criança” (Katy – 12 anos), da atividade parada, da carta secreta, etc. Sete

apontam para o mau comportamento dos colegas. Como afirma Pagés (1976, p. 229): “É a

própria alienação que recusam em si mesmos e denunciam nos outros. Ao mesmo tempo, o

fato de reconhecê-la nos outros prova que eles estão perto de se tornarem conscientes”. É

comum entre os educandos a acusação do mau comportamento do outro, muito embora os

acusadores não tenham um bom comportamento; acredito que ações voltadas para a discussão

da disciplina, provavelmente favoreceria essa conscientização. Observe o que eles denunciam:

“Quando quebraram o vidro do auditório”. (Jesy – 14 anos) ; “Alguns que ficavam

bagunçando”. (Lino – 13 anos).; “Quando os alunos ficavam conversando” (Erik – 13

anos). Três (12,90 %) ao trabalho do professor: quando reclamava do comportamento,

quando levou alguém que tirou foto de uma colega, que era desafeto na turma.

Questão 9 -Do que mais gostei nas atividades de vínculo foi...

É significativo o percentual de educandos que apontaram as atividades (lúdicas e

sociodramáticas) como o que mais gostou na intervenção. Portanto, 16 educandos (51,61 %)

citaram as atividades e brincadeiras; sete (22,58%) o teatro de máscaras; três(12,90%) a

atividade do cartão; três (12,90%) o trabalho do professor e um (3,33%) “Ver todo mundo

participando”. (Bia – 15 anos).

Esses dados nos mostram que as atividades lúdicas são possibilitadoras de

aprendizagem e nutrientes da união, da alegria, da convivência. Pistas importantes para se

buscar processos geradores de significação, considerando que o brincar, a alegria, o afeto, são

pontes necessárias para o ato educativo. Como afirma Fernandez (2001, p. 194): “O brincar é

criador do sujeito e possibilitador das inscrições de vínculos”.

Alguns depoimentos:

“Das brincadeiras que são muitos legais e os conselhos” (Mary – 12 anos)

“A atividade de máscaras, teatro e fotografias” (Ulda – 12 anos)

“A professora que era muito legal” (Mary – 12 )

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Questão 10 - Espero que...

A especulação sobre a expectativa ou o desejo abriu a possibilidade para a expressão

do estado e da espontaneidade do grupo. Talvez já estivesse de bom tamanho os dados obtidos

para verificar como foi percebida a experiência, mas, além disso, como diz Arroyo (2004, p.

390): “Os alunos nos revelam com suas condutas resistentes, que não resistem ao

conhecimento, a apreendê-lo, nem resistem a nós, seus esforçados, sérios e competentes

mestres, mas ao peso monótono, rígido da engrenagem escolar”: Os dados apontam que o

desejo maior dos educandos é que a atividade de vínculo continue: 15 (48,38 %) querem isso:

nove(29,03 %) reiteram que as mudanças ocorridas em si mesmos possam dar frutos;

seis(19,35 %) são esboços de carinho e amor em forma de agradecimento à professora e um

(3,22 %) expressa o desejo coletivo de sucesso para os colegas.

“Que as aulas continuem assim boas e cheia de alegria” (Cely – 14 anos);

“Que o próximo ano a senhora venha de novo, peço a Deus que a senhora seja muito feliz”

“Com o que aprendi possa passar coisas boas para os meus colegas”

“Que todos passem de ano, que fiquem muito legais”. (Jesy – 13 anos)

“A senhora continue assim, porque a senhora é muito boa, muito boa mesmo, eu gosto muito

da senhora, eu te amo”. ( Ney – 13 anos);

“A pró seja muito feliz, obrigado pelas aulas que a senhora deu, que Deus lhe ilumine, amém.

Tchau. Um beijão”. (Katy – 13 anos).

Já no final foi possível observar a relação vivida de forma mais solidária, como uma

experiência de encontro, onde o laço de união é não só desejado, mas começava a ser vivido.

Ficou explícito, pelas respostas dos estudantes, que as mudanças ocorridas foram mais nas

atitudes, na forma de convivência e no aprendizado da vida.

4.2.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na sala de aula

Optei por fazer a entrevista através de um roteiro que seria respondido por escrito,

para não inibir as respostas com o uso do gravador, como fiz no grupo anterior. Achei que

dessa forma os professores ficariam mais à vontade para responder, pois notei um certo

constrangimento com a experiência anterior.

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4.2.3.1 Antes da intervenção

Porém essa prática não correspondeu às expectativas, porque, dos nove questionários

entregues somente foram preenchidos e devolvidos o dos professores de Matemática, História,

Geografia, Inglês e Turismo; enquanto que os professores de Português, Ciências, Artes e

Educação Física não entregaram, apesar dos insistentes nos pedidos, ficando até mesmo

constrangedor fazer isso.

Isso me levou à seguinte reflexão, acredito que existe um sofrimento e

descontentamento que ronda os professores da escola pública, pelas condições de trabalho,

atendimento às necessidades mais urgentes e outras que não vêm ao caso citar. Infiro que isso

leva a esse comportamento de indiferença, desânimo; sem perspectiva de mudança,

incorporam a passividade e resignação. Existem profissionais que se fecham a qualquer

aproximação de pessoas de fora, seja para pesquisas, ou experiências pedagógicas para a

escola. É como se protegessem da situação intolerável que vêm enfrentando anos a fio e,

assim, usam mecanismos de defesa, para se protegerem, às vezes, com a indiferença.

Fiquei com a percepção de que não é má-vontade, é como se os professores estivessem

cansados, esgotados. Convém ressaltar que as respostas dos estudantes fornecem dados mais

objetivos e com mais condições de contribuição para um diagnóstico inicial do que os dados

das entrevistas dos professores. É só observar. Quando se faz a pergunta ao professor: “Como

é a relação professor x aluno?” Um deles responde: “Bom”, sem nenhuma explicação a mais.

Outro diz que a relação aluno x professor “É imatura”. Daí pergunto: como superar essa

imaturidade senão com orientadores também amadurecidos? Vamos aos dados coletados.

Foram feitas cinco perguntas na entrevista e mais um item com observações, caso os

professores desejassem complementar.

Questão 1 - Como é o comportamento dessa turma?

Para dois professores, o comportamento é bom; para três, não. Fica a dúvida se o

comportamento é resultante do bom manejo de classe, do autoritarismo ou da visão de cada

um sobre o assunto; não existe consenso entre os professores. A professora Ulda responde: “O

comportamento é bom, com isso eles conseguem aprender com tranqüilidade” e a professora

Beth diz: “Não sinto dificuldade quanto ao comportamento”, já os três professores restantes

dizem que é uma turma irrequieta, irreverente, agitada, imatura e que os estudantes adoram

conversar.

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Para mim, ficou uma dúvida em relação ao depoimento da professora Ulda, pois no

questionário respondido pelos estudantes nove deles destacam a disciplina dessa professora

como a qual sentem mais dificuldade; mais adiante verifiquei que 16 estudantes foram

reprovados em sua disciplina na I unidade. Por isso, fiquei em dúvida com a resposta dessa

professora e me pergunto: será que foi respondida simplesmente para cumprir uma tarefa? E

a veracidade dos dados? Fica aí a questão.

Questão 2 - Quais as dificuldades que os educandos apresentam?

As dificuldades apontadas por três professores foram: dificuldade de cálculo por falta

de taboada, falta de concentração, dificuldade para apresentar tarefas em grupo e também na

leitura e na escrita. Destaco a fala da professora Tina: “Falta de compromisso com os estudos,

dispersão com os colegas, com o professor, as aulas; total descaso com a realidade escolar”.

A questão do manejo de classe e a gestão da sala de aula é um aspecto que precisa ser

cuidado pela escola, porque o comportamento de descaso, falta de compromisso e dispersão

apontados pela professora, como dificuldade dos educandos, se repetiam em outras turmas

com o mesmo professor. Daí pergunto: os educandos devem ser bem comportados, dóceis

para se adequar ao professor ou os professores devem se juntar para discutir sobre a

disciplina: uma forma de melhor facilitar esse processo? Os educandos se prejudicam em

relação à aprendizagem com alguns professores, também pela indisciplina em sala. A

professora Tina, que se queixa do mau comportamento e se diz aberta para mudar, necessita

de mais ajuda dos colegas e da coordenação, do que de críticas e retaliações. Pelo que

observei, além do manejo de classe do professor, é necessário uma ação conjunta e a ajuda de

uns aos outros, porque os educandos abusam e atrapalham as aulas realmente, com alguns

professores bem mais.

Questão 3 - Você sente dificuldade para lidar com essa turma? Quais?

De modo geral três professores respondem não. Um diz: “Sim. Fazer concentrar na

aula todos os alunos, enquanto uma boa parte está atenta há sempre um pequeno grupo

disperso, pronto para tumultuar, ou seja, incitar a desordem”. A dificuldade dos outros

professores é expor a aula por causa do barulho e da conversa.

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Problemas disciplinares incomodam, mas não são colocados como prioridades a serem

resolvidas, com ações pertinentes.

Questão 4 - O que poderia ser feito para ajudar essa turma?

Vou destacar todas as respostas, porque não existe consenso entre os professores em

relação à ajuda que os educandos necessitam.

A professora Tina diz que precisam de: “Uma conscientização da realidade vigente”.

Enquanto Lena diz: “Acredito que essa ajuda se torna difícil, devido à falta de material

disponível para eles: entretanto, como professora, procuro buscar algo de acordo com as

minhas condições”.

A professora Isa sugere “Um trabalho voltado ao desenvolvimento da própria pessoa,

ética e cidadania”.

Para a professora Ulda, a turma vai bem, a ajuda deve ser “O ambiente, pois a sala é

escura, sem ventilação, etc, etc, etc.”

E a professora Jane diz: “Com a ajuda da coordenação, fazendo uma conversa com

eles”.

São sugestões a serem discutidas coletivamente, não só para a seleção das reais necessidades

da turma, mas também para confrontar com as ajudas apontadas pelos estudantes que

divergem um pouco.

Questão 5 - Como é a relação professor aluno e vice versa?

Nessa pergunta também destaquei todas as respostas para compará-las e entender

como os professores percebem essa relação.

Relação professor x aluno:

Tina acha que: “As vezes há reciprocidade e, às vezes, somente uma pequena parte

corresponde aos apelos do professor”.

Jane responde somente: “Bom”

Dina acha: “Tranqüila, nos entendemos muito bem”

Isa diz: “Relação aberta ao diálogo”

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Lena diz: “A minha relação com o aluno é tranqüila e de respeito a cada aluno”.

Relação aluno x professor:

Tina acha que: “Alguns procuram entender os assuntos, buscam explicações,

outros... apenas desligados estão, e desligados continuam...”

Jane diz simplesmente: “Bom”

Dina responde: “Com bastante cordialidade, são muito bons.”

Isa considera: “imatura; de alunos que precisam aprender muito, principalmente

respeito”

Lena diz: “Também o relacionamento deles comigo é tranqüilo e sem problemas.

Pelas respostas de três professores, tanto o relacionamento professor x aluno quanto

aluno x professor são bons. Observe a resposta da professora Isa, ao mesmo tempo que diz

que a relação professor x aluno é “aberta ao diálogo”, diz que a relação aluno x professor “é

imatura e de alunos que precisam aprender o respeito”. Pensando bem, uma relação com o

professor “aberta ao diálogo” de um lado, por outro lado um estudante “imaturo e falta de

respeito ao outro”, falta entendimento, pois não existe diálogo somente com uma das partes.

Continuando, a professora Tina diz: “Somente uma pequena parte corresponde aos apelos do

professor para aprender”. O que vale na educação não é a intenção educativa, e sim o

encontro que acontece entre os atores escolares. De acordo com Hugo Assmann (1998, p. 28),

processos de aprendizagem e processos vitais “no fundo são a mesma coisa”. Para isso, é

preciso que os que estão à frente da sala de aula propiciem condições de inter-relação

comunicativa e afetiva, para a criação da sensibilidade necessária ao processo educativo.

Acredito que para educar é necessário criar vínculo, senão fica difícil os educandos atenderem

aos apelos do professor, quando estão rodeados por apelos de toda espécie.

Por último, foi colocado um espaço para observações: Somente três professores

responderam, destaco essa resposta: “Insisto em dizer que a palavra “chave” da educação é a

família, sem esta base sólida não há como formar cidadãos conscientes, críticos e construir

uma sociedade justa e solidária”.

Enquanto a escola indicar culpados, passando responsabilidades, indiferente às

verdadeiras causas do mau ensino e do mal-estar vivido na escola, vão sempre ficar invertidas

as causas e efeitos desse mal, colocando educandos, família, professores como culpados,

quando na verdade, todos são vítimas de um sistema perverso e irresponsável, precisando agir

conjuntamente para encontrar as saídas.

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4.2.3.2 Depois da intervenção

Para saber dos professores o que observaram da experiência, fiz uma entrevista escrita,

com cinco perguntas que foram respondidas por cinco professores: de Artes, Geografia,

Inglês, Matemática e História. Aí estão as perguntas e as respectivas respostas.

Questão 1 - Comparando o comportamento dos educandos da 6ª série [...] do início

do ano até a presente data, você observou alguma mudança? Por exemplo, na sala de

aula houve alguma mudança no comportamento dos educandos? Quais?

Vou destacar todas as respostas e a forma como foram respondidas: Uma professora

diz: “Sim... alguns melhoraram o comportamento, mas existem outros que continuam no

mesmo, sem compromisso algum.” A outra diz: “Sim, de modo geral são alunos inquietos.

Observei somente que um aluno mudou para pior. Continuam do mesmo jeito. Não houve

mudança para melhor. A agressividade é melhor em relação às outras turmas. Comparada às

outras turmas esses alunos são melhores.” A professora seguinte faz referência ao seu

relacionamento com a turma, observe: “O comportamento é bom, em função do

relacionamento que o professor tem com a turma.” ; outra professora diz: “Alguns

melhoraram na forma de relacionar com os colegas. Mas na maioria não”; e por último uma

professora que diz simplesmente: “Mais ou menos”

A pergunta sobre o comportamento é abrangente. Cada professor responde a partir de

um aspecto. De modo geral, pode-se observar pelas respostas, que a turma melhorou; é

importante considerar a direção que cada professor toma para a questão: Por exemplo, a

primeira professora fala do compromisso, responsabilidade, a segunda e a quarta falam da

agressividade, a terceira atribui ao relacionamento do professor e a última não justificou.

Quero chamar a atenção para as respostas da última professora, em toda entrevista,

pela diferença entre suas declarações iniciais e finais. Isso em função da má-vontade que

observei em alguns professores para devolver os dados e também pela fidedignidade dos

mesmos. Fiquei a pensar que o efeito do cansaço, da desmotivação, está também atingindo as

pesquisas escolares, demonstrado pelas atitudes e respostas dadas, pela incoerência, pela

demora na devolução dos questionários, etc. É como se houvesse uma indisposição,

indiferença para responder a tudo que vem de fora. O mal estar termina contaminando tudo.

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Questão 2 - No relacionamento do educando com o professor, houve mudança?

Qual?

As respostas foram:

Prof. 1 - “Alguns sentem mais necessidade de interação, mas outros não”.

Prof. 2 - “Melhoraram. De modo especial uma aluna Cely e outros”.

Prof. 3 - “Continua bom”

Prof. 4 - “Muito pouco. Eles se agridem menos”.

Prof. 5 – “Nenhuma”

Quanto ao relacionamento professor e educando, as respostas confirmam que houve

mudança. Uma professora chama a atenção para uma mudança em especial: a de uma

educanda, que era muito agressiva e melhorou. Outra diz também que o enfrentamento

melhorou e finalmente, a última professora que diz não haver notado “nenhuma” mudança,

apesar de na entrevista inicial essa professora ter dito que se entendia muito bem com os

educandos. Pela lógica houve mudança com essa professora, pode ser que para pior, mas

houve.

Questão 3 - O relacionamento dos educandos entre si melhorou? Como?

Destaco todas as respostas, para que seja mostrado em bloco o problema da agressão,

como um fato na escola.

Prof. 1 – “Muitos se relacionam em grupos, outros ficam sozinhos, mas estão bem

melhores.”

Prof. 2 - “Sim. Não se agridem tanto quanto as outras turmas”.

Prof. 3 – “Na sala de aula não observo um mau relacionamento”.

Prof. 4 - “Muito pouco. Eles se agridem menos”.

Prof. 5 - “Não senti diferença”.

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De modo geral, mudou o relacionamento e a agressividade diminuiu. A professora (5)

diz que não sentiu diferença, mas não justificou; na entrevista inicial essa mesma professora

falou que o relacionamento era cordial e que os educandos eram bons. Na entrevista final, diz

que não sentiu a diferença, não ficou claro o porquê de tamanha mudança no seu depoimento

inicial para o final.

Questão 4 - Houve melhora no aprendizado escolar?

“As respostas não aprofundam a questão, três professoras dizem que sim; outra diz:

“Um pouco... Eles estão preocupados em conseguirem notas”. E uma diz que não.

Considerando que a escola pública em nosso meio não faz uma avaliação construtiva

sobre a aprendizagem do educando, e sim uma medição ou verificação de aprendizagem,

realizada nas semanas de provas ou exercícios ao longo da unidade, para aprovar ou reprovar,

é temeroso falar de aprendizagem construtiva, os resultados estão nas notas. O Conselho de

Classe, que presenciei, como tantos outros que são realizados por aí, não focam a avaliação

como processo para ajudar a superar as dificuldades do ensino e da aprendizagem do

educando, mas para classificá-lo como aprovado ou reprovado. Quando muito, nesses

conselhos, comenta-se de modo geral sobre o aproveitamento da turma, falam de indisciplina,

os nomes são anotados e depois a Coordenação manda chamar os pais e comunicam a

situação. Em relação à mudança de estratégia para ajudar a aprendizagem dos educandos,

continua do mesmo jeito. Por avaliação construtiva ou formativa, entendo o acompanhamento

das dificuldades dos educandos, realizadas no percurso, no sentido de ajudá-los na construção

do seu conhecimento. Supõe-se que a escola que desenvolve uma aprendizagem construtiva,

conseqüentemente realiza uma avaliação construtiva.

Questão 5 - O que de fato observou nessa turma?

Temos duas respostas que se tocam num ponto: a necessidade de ajuda. O prof. 1 diz:

“Muita carência. Acho que eles buscam alguém que lhes ditem ordens, mostrem o caminho;

pois estão soltos, sem compromisso com a realidade: nenhuma.” Questiono se eles buscam

pessoas que lhes ditem ordens; pelo que observei e observo, a maior reação dos adolescentes é

a imposição de ordem,estão na idade da rebeldia, da marcação de território, da identidade,

não aceitam coisas impostas. Com negociação, afetividade, são passíveis de aceitar que

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alguém lhes mostre o caminho, mesmo assim, alguns são mais difíceis, existem muitos fatores

contribuindo para esses comportamentos.

Chamou-me a atenção que dois professores destacam que a educanda Cely melhorou

após a intervenção. Se não fora por outros também terem mudado, só por essa educanda a

intervenção já valeria a pena.

A prof. 4 diz: “A turma tem , uma falta de educação doméstica, falta de valores bem

definidos, falta de compromisso e respeito com a escola... embora o trabalho tenha

conseguido melhorar (grifo dela) uns poucos, para a maioria, só um trabalho mais completo,

com família, direção escolar... e principalmente com a colaboração deles.” Considero as

palavras da professora pertinentes, e reflito com o que diz J. L . Moreno (1993): “Existem

palavras sábias, mas a sabedoria não é suficiente, falta ação”.

Por fim, o prof. 5 diz: “Eles não têm compromisso nenhum”. Na entrevista inicial esse

professor falou que os educandos eram muito bons e que professor e aluno tratavam-se com

cordialidade. E aí ? ... Quem mudou? O que aconteceu? Diante dessa resposta, fico pensando

que existe “algo” que esse questionário não revela e não foi possível penetrar através da

pesquisa em relação ao “não dito” e o que é “sentido” pelos professores. É ainda um terreno a

ser explorado.

Pelo olhar dos professores de modo geral, entre o início e fim da pesquisa houve

melhoras pontuais entre os educandos e expressaram o desejo de que outras mudanças

precisam acontecer. Se levarmos em conta a ação integrada entre os atores escolares, as

mudanças pleiteadas correrão à margem dos verdadeiros problemas a serem superados. Só na

ação é possível perceber que juntos somos muito mais e que educação é uma obra feita a

muitas mãos.

4.2.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo “B”

Os resultados apresentados nos itens anteriores – teste sociométrico, percepção dos

professores e percepção dos estudantes – decorrem da intervenção, cujo relato segue-se

abaixo. Relato das atividades de cada encontro.

Participaram do Grupo “B” 37 estudantes da 6ª série [...] cuja idade variava entre 11 a

16 anos, com predominância do sexo feminino, sendo 22 meninas e 15 meninos. A situação

sócioeconômica é semelhante ao grupo “A”, com problemas de disciplina, agressividade,

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defasagem idade/série, porém com uma vantagem: não tinha o rótulo da “turma dos

repetentes”. A auto-estima da turma era mais alta do que a da turma anterior. A pesquisadora

foi recebida com menos desconfiança, o nível de agressividade era visivelmente menor, muito

embora as relações interpessoais precisassem ser trabalhadas. A aceitação das atividades, e a

predisposição para participar das atividades, foram bem melhores que no primeiro grupo.

4.2.4.1 Cenário

O cenário é praticamente o mesmo descrito no Grupo “A”: a mesma escola, a mesma

equipe técnica, organização, instalações, turno de trabalho. Porém um aspecto interferiu na

dinâmica da experiência com o Grupo “B”: a sala de aula. A turma foi instalada numa sala

pequena, sem ventilação, isolada das outras turmas de 5ª e 6ª séries, que ficava depois de um

corredor, abaixo de uma escada. Inicialmente, comportava 36 estudantes, depois recebeu mais

uma estudante vinda do interior, que, por sinal, não se adaptou à turma e saiu ainda no

primeiro semestre letivo. Na entrevista, a professora Ulda diz: “Só a reclamar, as condições

da sala”.

A precariedade estava condizente com a das outras salas, com um fator agravante, era

pequena para o número de estudantes, principalmente se a disposição das carteiras não fosse

em fileiras, como são colocadas costumeiramente; também não existia tomada elétrica para

uso de aparelho de som, todo material usado nas atividades como tintas, papel, texto, lápis de

cor, bolas, lápis, era trazido pela pesquisadora. Em função do tamanho da sala e da falta de

tomadas, a maior parte das atividades de integração, atividades lúdicas e sociodramáticas,

foram realizadas num salão grande, também utilizado para reunião de pais e mestres ou sala

de aula, quando havia necessidade.

4.2.4.2 Atores

Participaram do Grupo “B” 37 estudantes da 6ª série [...] cuja idade variava entre 11 a

16 anos, com predominância do sexo feminino, sendo 22 meninas e 15 meninos. A situação

sócio econômica é semelhante ao grupo “A”, com problemas de disciplina, agressividade,

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defasagem idade/série, porém com uma vantagem: não tinha o rótulo da “turma dos

repetentes”. A auto-estima da turma era mais alta que da turma anterior.A pesquisadora foi

recebida com menos desconfiança, o nível de agressividade era visivelmente menor, muito

embora as relações interpessoais precisassem ser trabalhadas. A aceitação das atividades, e a

predisposição para participar das atividades, foram bem melhores que no primeiro grupo.

São nove professores que atuam nessa turma: Matemática, Português, Ciências, Inglês,

Artes, História, Geografia, Turismo e Educação Física. A atividade da pesquisa, ao ocupar

um horário vago na turma, entra no olhar dos estudantes como uma disciplina a mais, muito

embora a pesquisadora tivesse feito os esclarecimentos necessários. Eles pedem para nomear,

o que faço: “é aula mesmo de quê?”. Recebeu o título de “Convivência, Aprendizagem e

Vínculo”, no final da pesquisa os estudantes falavam “aula de Vínculo”. A curiosidade maior

dos estudantes era saber se era para nota. Apesar de aparentemente ter uma conotação de aula,

tinha um diferencial em relação às outras disciplinas: a freqüência não era obrigatória e

também não havia nota. Isso era um desafio, a presença estaria condicionada ao gostar ou não

das atividades. Um professor diz: “os alunos só se preocupam com a nota”; nesse caso,

poderiam somente não gostar da experiência. Portanto, éramos dez professores durante a

pesquisa trabalhando nessa turma, cada um isoladamente, pois não havia um projeto

interdisciplinar.

4.2.4.3 Relato dos Encontros

Nessa turma foram realizados e registrados no diário de campo 18 encontros, sendo

descritos somente 15, em função de apresentarem dados mais relevantes e significativos para

os objetivos da pesquisa.

a) I Encontro: “Entre as “imagens quebradas” e as “imagens vividas”: “eu tenho

um nome” 17/02/2006

Como falei anteriormente, a pesquisa seria desenvolvida num horário normal de aula

com 50 minutos. Esse primeiro dia foi para apresentação e o contrato, caso o grupo aceitasse a

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proposta. Foram muito receptivos e dava para observar que a convivência entre eles era

melhor, comparada ao grupo “A”.

Ao adentrar a sala, a pergunta foi: “A senhora é professora de que? Achei que devia

dar uma resposta tão rápida quanto a pergunta deles e disse: “De convivência, aprendizagem e

vínculo”. Entreolharam-se, tive a impressão que acharam o título grande demais e um

educando disse rapidamente ao colega: “Escreve aí ‘véi’ CAV”. Achei engraçado o jeito

como falou e arranjou a solução para escrever no caderno, título tão grande.

Depois da minha apresentação e do “Contrato” onde ficou combinado o respeito ao

outro, ao horário da aula e a não permissão de violência de qualquer espécie, contra ninguém,

nem professores e nem educandos; que foi acatado por todos. Depois só deu para fazer mais

uma atividade para a aprendizagem dos nomes: “Corrente de nomes”.

Primeiro, disse meu nome e acrescentei o nome da pessoa que estava à minha

esquerda, dizendo: “Eu sou Antonia Lucia e conheci Bia”; assim o menino da direita dizia o

meu nome e o da colega que estava à minha esquerda, este acrescentava o seu próprio nome e

assim cada um ia dizendo o seu e o das outras pessoas.

Gostaram tanto que queriam continuar no horário do recreio, mas resolvi interromper

para respeitar não só o recreio deles, mas cuidar dos limites que teria pela frente.

Observação: Houve uma interrupção por causa do carnaval da Bahia, retornamos duas

semanas depois.

b) II Encontro: “Carteira de Identidade” 10/03/ 2006

Assim que cheguei à escola, antes do meu horário que era o terceiro, encontrei os

educandos no pátio bebendo água. Perguntei por que estavam fora de sala, responderam que a

aula era vaga. Resolvi aproveitar o horário vago não só para comentar o programa que

pensava desenvolver mas também para aplicar o Teste Sociométrico.

Levei uns 15’ para conseguir acomodar a turma e ler os temas a serem trabalhados,

observei que alguns estavam interessados, outros não ligavam. Perguntei se não estavam

gostando, se não tivessem que mudaria a programação, mas que gostaria de saber a causa da

desatenção. Depois comecei a brincar e perguntar: querem saber mais sobre os problemas da

adolescência? Sobre a “paixão” “amor”, nesse momento houve uma reação eufórica.

Observei que havia necessidade nesse início de contato com a turma, sob pena de

perder todo o trabalho do ano:

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• discutir com eles normas de convivência: pois desde o grupo anterior, era comum

sairem da sala sem licença, brigarem com os colegas, se desqualificarem;

• precisava ter um formato de atividade parecido com a aula em conteúdo, escrita,

estudo, porque eles não valorizam o que não é para nota. Não ia haver a nota mas

pelo menos a organização da aula.

• Formar hábitos de atenção, ouvir, falar e respeitar normas.

• Trazer o material pronto, nada na hora, pois enquanto não formarem bons hábitos,

ficam dispersos, saem do lugar e criam um ambiente de confusão.

• Desconstruir uma série de crenças, tipo o professor é quem sabe do meu

comportamento, a nota como o mais importante, auto conceito negativo, etc. Tudo

isso com cuidado e reflexão.

Fora isso, a turma é simpática e tinha a possibilidade de se fazer um bom trabalho.

Responderam o Teste Sociométrico e preencheram a Carteira de Identidade com dados

pessoais e suas preferências.

c) III Encontro: Quem sou eu, quem é você? 17/03/2006

Esse encontro deveria seguir a temática que havíamos planejado: Quem sou eu , quem

é o outro. A intenção era construir o vínculo afetivo de modo a possibilitar novas relações

entre educandos e professores, através de processos que resgatassem a auto-estima, a

capacidade de comunicação, a convivência, respeito às diferenças e a construção da cidadania.

Assim que chego encontro fora de sala alguns educandos correndo para o bebedor,

outros pedindo para falar com o colega de outra sala. A turma fazia barulho, comecei a

escrever no quadro dessa forma: A gente para APRENDER precisa da ATENÇÃO. Vou fazer

uma atividade para desenvolver a ATENÇÃO”. Depois que escrevi, comecei a falar bem

baixinho, num tom que só quem estava atento, podia perceber; isso foi incomodando alguns

e eles mesmos começaram a pedir silêncio e a prestar atenção em mim.

Aquecimento: Dividi o grupo em três fileiras, que ia se movimentar conforme o que dissesse.

Se falasse JOÃO, eles davam um pulo para a direita; se falasse JOSÉ dava um pulo para a

esquerda e se falasse JOANA permaneceria no lugar. Foi muito animado e aqueceu a turma

Quando ia entrar no tema: Quem sou eu, quem é você? Dividi a turma em dois grupos

para fazer uma pequeno exercício de afirmações, para perceber como se posicionavam, a

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segurança como faziam as afirmações. Eram essas: Eu vou, você não vai; Eu posso, você não

pode; Eu brinco, você não brinca; Eu sou educado, você não é.

Pude observar nesse jogo coletivo, alguns mal falavam, outros gritavam e até

aproveitavam para extravasar, fazendo algazarra. Foi um exercício rápido.

Depois ia trabalhar a integração e o conhecimento de si com a dinâmica “Carrossel

musical”, extraído do livro: Consiste em formar dois círculos com os participantes frente a

frente. Coloca uma música alegre, solicitando que movimentem para o lado direito. Quando a

música parar, um deve dizer para o outro o nome. Meu nome é... Depois responder a pergunta

feita pelo facilitador.

As perguntas que formulei como sugestão foram: Qual a sua diversão favorita? Qual a

qualidade que mais aprecia em você? O que mais lhe atrai nas pessoas? O que mais lhe

incomoda nas pessoas? O que mais gosta na escola? O que menos gosta na escola? Qual o

seu maior sonho? Qual a sua comida predileta? Qual o lugar que você mais deseja conhecer?

Qual a pessoa que você mais admira? O que é ser amigo para você? O que deseja perguntar,

para melhor conhecer o colega?

Quando estamos nos movimentando para iniciar chega uma educanda a mando de uma

professora, dizendo que não ia haver mais aula. Os estudantes fizeram a maior algazarra,

dizendo: “Oba...”. Mas percebi que a maioria estava curiosa com a atividade. Então disse:

quem quiser pode ir para casa e os outros podem ficar. Nesse instante vim perceber que a

tomada da sala não funcionava, então subimos para procurar outra sala já que os alunos não

teriam mais aulas. Foi aí que encontramos com a Coordenadora, que nos disse não haver

liberado os educandos e que foi um equívoco da professora.

Já na outra sala, colocamos o som, fiz a divisão dos grupos, mas o clima estava muito

disperso, tentei de várias formas organizar dois círculos um interno e outro externo e não

consegui. Os meninos brigavam, saiam do lugar, falavam alto, atrapalhavam, vi que dois

círculos concêntricos era impraticáveis tentei fazer em corredor com um grupo de um lado e

outro do outro, nessa tentativa a sineta tocou. Eles ficaram pedindo para fazer na aula

seguinte, mas resolvi parar por aí.

Aproveitei o intervalo para conversar com Fred, Samu e Erik, os dois últimos,

participantes do grupo “A”. Atrapalharam demais a atividade nesse dia, brigando e com muita

agressividade.

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O meu sentimento nesse dia foi de frustração, preparei a atividade com muito gosto e

os imprevistos mudaram o rumo. Conversando com os educandos sobre da minha

preocupação com o comportamento, me disseram que a turma era assim mesmo, somente três

professores conseguiam dar aula, então pensei: estou bem, pois mesmo com a arma da nota e

das faltas alguns professores também não conseguem. Então resolvi dobrar o esforço, no

sentido de valorização do horário, porque sem a nota e sem a falta a freqüência era muito boa.

d) IV Encontro: “Reconhecendo minhas qualidades” 24/03/ 2006

Aquecimento: Assim que tocou a sineta para o 3º horário entrei em sala, a professora

de Geografia ainda estava lá. Percebi que faltavam alguns educandos; mas não compareceram

nesse dia. Na aula anterior fiquei questionando não só o comportamento da turma quanto a

falta de comprometimento com as atividades, a falta de atenção e respeito para com o

professor e também a atitude de isolamento de alguns. Pedi que respondessem por escrito

duas questões

Complete as sentenças abaixo:

a. Um (a) menino (a) está na escola e na hora do recreio, ele (ela) não brinca com

os colegas, fica sozinho (a). Por que?

b. O (a ) professor (a) prepara uma atividade, quando chega em sala não pode

aplicar. Por que?

Responderam com boa vontade e rápido. Através das respostas, fiquei sabendo que a

questão de estar só, vai desde o medo da violência dos colegas, à sua própria timidez e até não

querer se misturar, como disse uma estudante; quanto ao professor não conseguir dar aula, a

Por que justamente os meninos do grupo “A” estavam atrapalhando a aula? O que estavam querendo dizer?

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culpa é sempre do outro: do colega mal-ducado, dos meninos que perturbam ou dos

professores que são chatos.

Para iniciar a atividade, comecei dizendo que essa turma era a melhor da escola.

Arregalaram os olhos, ficaram atentos, depois disse também que era a mais inteligente, a mais

criativa, a mais educada. Falei da importância de cada um para que a turma continuasse tendo

todas aquelas qualidades. Entreguei os crachás trocados e cada um deveria apresentar o colega

do crachá. Atrás do nome do crachá havia a carteira de identidade individual, feita no dia

10/03/06.

Acredito que todo ser humano gosta de ser apreciado, bem tratado, acolhido, mesmo

que aparentemente mostre rebeldia e um não querer. Foi isso que observei no exercício.

Assim que o colega começava a falar do crachá que tinha em mãos, todos ficavam atentos e

interessados em ouvir falar de si, suas qualidades, do seu gosto, etc. No final todos diziam de

quem se tratava aquela descrição. Observei a atitude e a postura de alguns que chegavam a se

esconder, mas observava que estavam atentos ao que o colega dizia; outros ficaram tão

ansiosos, que não deixavam nem terminar de dizer os dados para que os colegas advinhassem

e dizia: “Este sou eu”. A sineta tocou e me pediram para terminar de apresentar os que

faltavam e assim fiquei o recreio com eles para terminar. Foi muito bom o comportamento

nesse dia.

Acho que sim, porque depois da balburdia da aula anterior, que não pude realizar a

atividade preparada com tanto esmero, disse para mim mesma que era como se estivesse

sendo testada, jamais iria contra os princípios que acredito: não iria violentar esses meninos

mais do que já são, com reclamações, botar fora de sala, desqualificar. Então, resolvi me aliar

cada vez mais a eles para entendê-los, utilizando estratégias diferentes.

O que foi que mudou? Mudei eu? Mudou a estratégia?

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e) V Encontro: Vislumbrando um caminho...31/03/2006

Aquecimento: Assim que cheguei, distribuí uns brindes que prometi pela participação

na atividade passada. Entreguei uma mensagem de estímulo à participação e também aos que

não vieram para incentivar a presença. Depois, fiz uma brincadeira para aquecer o grupo e

fazê-los prestarem atenção. O exercício era para “advinhar a idade”. Tive que explicar várias

vezes, sentem dificuldades deentender instruções, a conversa e a falta de atenção também

atrapalham.

A brincadeira era a seguinte:

Pedi para pensar na idade e escrever o número; a seguir, pedi para multiplicar por 2 e

acrescentar o numeral 1; depois multiplicar por 5; somar mais 5, depois multiplicar por 10 e

diminuir 100. Da cifra resultante, deviam ser separados os dois últimos números e se obtinha

o resultado ou seja , a idade, no caso.

Esse exercício causou uma certa confusão e ansiedade, porque além de não saberem

fazer contas, existiam alguns passos que precisavam de atenção e não estavam habituados a

seguir ordens. Quando o professor exige do educando algo de que ele não é capaz, geralmente

a resposta é a dispersão ou a indisciplina; acompanhando estagiários no curso de Formação de

Professores, observava sempre que o conteúdo ou a atividade estava acima das possibilidades

da turma como um todo, existia a tendência para tal comportamento.

Desenvolvimento: Pedi para responderem o Questionário que fiz como diagnóstico

inicial; assim que terminavam deixei no quadro um desafio: Preencher um quadrado dividido

em nove partes, cuja soma tanto na horizontal quanto na diagonal e na vertical deveria ser 15.

2

6

7

8

3

5

Alguns faziam, outros não se interessaram pelo desafio, como falei anteriormente,

muitos educandos são indisciplinados pela falta de preparo, não têm condição de fazer o

exercício e começam a bagunçar.

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175

Para envolver a todos e para encerrar, fiz mais um jogo de movimentação: “Casa,

morador e tempestade”. Já descrevi esse jogo no grupo “A”. O jogo provocou muita euforia e

não permitiu comentar a atividade do dia. O horário terminou.

Compartilhar: não foi possível fazer, o horário foi pequeno para a demanda.

f) VI Encontro: Seguindo as pegadas do Grupo e não o Programa 07/04/2006

A pesquisa segue o ritmo do grupo e não mais o “Programa” como havia pensado

anteriormente. Percebi que não adiantava seguir os temas selecionados, se o grupo sinalizava

outra necessidade e a questão da convivência falava mais alto.

Pensando numa forma de atrair a atenção com um estímulo mais atraente, e ao mesmo

tempo que possibilitasse uma comunicação com esses adolescentes, resolvi levar os fantoches.

Como assinala Rojas-Bermudez (1984, p. 148), “El títere actúa así como um objeto por cuyo

intermédio se logra establecer la comunicación interrumpida”. Esses objetos intermediários

provocaram um rebuliço na turma: manipulavam, saiam pelas outras salas, brincavam entre

si, mas no momento que solicitei a tarefa fizeram.

Mesmo com todo preparo e envolvimento do professor e dos estudantes essa atividade

ficou marcada como “A cena que ficou no ar”

Pedi para organizarem uma história de preferência com o tema: amizade, convivência,

relação. Alguns educandos ficaram dispersos, duas equipes organizaram a história, na hora de

apresentar, não se entendiam: um começava a apresentar seu fantoche, o outro tomava a

frente, dizia que não era assim que haviam combinado, recomeçavam, enfim, não

conseguiram apresentar o que haviam combinado. Isso causou um pouco de frustração não só

nos colegas que desejavam ver a peça, mas em mim também, porque fiquei curiosa em saber

do enredo da história e pelo entusiasmo demonstrado na preparação da história, aguardava

uma bonita cena. A sineta tocou e não conseguiram apresentar. Aqui me fez lembrar o

depoimento da professora Isa, na entrevista que disse: “eles não sabem apresentar tarefa em

grupo e não têm concentração”.

Depois dessa atividade frustrada dos fantoches, pensei que seria interessante ter

comigo um Ego-auxiliar, pois pensava em trabalhar as relações interpessoais, considerando os

sentimentos, as frustrações, o não dito, etc. Para esse tipo de atividade, é necessário um

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ambiente mais tranqüilo, o grupo era grande e não tinha hábitos de organização, disciplina,

atenção.

Obs: Dias 14 e 21/4 feriados; dia 28/4 início da Semana de Avaliação da Escola

Nesse período de falta de contato com os educandos fiz algumas reflexões sobre o

grupo e a necessidade primordial a ser trabalhada, conforme o desejo deles: “a não

violência e o ser bem tratado”. Apesar de já ter feito várias atividades de integração,

brincadeiras, ainda percebia o profundo desejo de “União” e “Organização” na sala, que não

era satisfatória. Revi as atividades realizadas e os resultados obtidos, concluí que ainda

existiam brincadeiras violentas, falta de respeito, de concentração e um mal-estar, apesar da

maioria participar das atividades lúdicas.

Acredito que, quando as relações estão estremecidas e há desconfiança no grupo, não

existe ludicidade, o indivíduo não entra num estado lúdico ou seja, não participa da atividade

plenamente, não está inteiro e feliz. Isso observei no grupo “A” e nesse também; o jogo não

era jogado plenamente, por causa dos relacionamentos. O trabalho estava indo bem, mas

percebia que não era ainda o que o grupo precisava e por outro lado, sentia que algo poderia

ser feito

g) VII Encontro: O exercício do “Aliado” 05/05/2006

Decido realizar vivências para expressão da afetividade, pois acreditava que era

preciso buscar atividades que fizessem eco àquele desejo primeiro dessa turma. Que

possibilitasse a expressão do mundo interno e fizesse sentido para os adolescentes, ajudando-

os a compreender e perceber aquela confusão instalada, comportamentos antisociais, que não

os ajudavam a dar vazão ao potencial criativo e solidário da turma. Para apoio, convidei

Adilton Willes, um colega do GEPEL, para me auxiliar nas atividades lúdicas.

Aquecimento: Comecei assim: hoje vocês vão ter oportunidade de expressar afeto,

carinho e também receber afeto e carinho do grupo. As atividades que vamos fazer, vão ajudar

vocês a se unirem. O dia de hoje permitirá que você demonstre o afeto e o amor que existe

dentro de você e pode ser passado para criar um ambiente agradável.

Tentem se manter carinhosos e cuidadosos com os outros, para evitar que alguém se sinta

ofendido ou excluído. Não existe “certo” e nem “errado”, você deve simplesmente se entregar

à atividade, sem se preocupar se está fazendo certo ou errado. Aqui não há ganhadores e nem

perdedores. O importante é acolheras as suas dificuldades e as dificuldades dos outros e

participar inteiro da atividade.

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Vamos agora fazer o exercício do “Aliado”:

Primeiro, olhe no grupo alguém de quem deseja ser aliado. Depois pedi para

aproximar do colega, segurar suas mãos, olhar nos olhos e dizer o nome da pessoa e depois

dizer o seguinte: Erik, eu confio em você, eu apoio você. Quando ambos tiverem dito isso,

podem se abraçar, se quiser.

Foi muito bom o exercício, fizeram bem direitinho. Assim que falei para escolher o

aliado, vieram dois meninos: Sam e Gaby seguraram a minha mão, dizendo que eram meus

aliados, orientei-os que deveriam encontrar um aliado entre os colegas, porque iam precisar

disso durante todo o percurso. Mas os acolhi e fiquei com eles do meu lado, porque percebia

que ainda era difícil escolherem algum colega, naquele momento. Winnicott (1975 p. 71) diz:

“Quando um paciente não pode brincar, o psicoterapeuta tem de atentar a esse sintoma

principal, antes de interpretar fragmentos de conduta”.

Depois fizemos mais uma vivência: dividimos em dois subgrupos e em círculo um

atrás do outro, cada um fazia e recebia massagem dos colegas. De modo geral, também foi

muito boa a atividade, um ou outro experimentava fazer brincadeiras, mas como o grupo

estava envolvido, era mais fácil para perceber e orientar esses casos.

Em seguida fizemos outra atividade denominada o “O corredor da amizade”

Trabalhar com dois subgrupos, foi uma estratégia importante, porque num

agrupamento menor, era melhor para se trabalhar com essa turma pela falta de atenção,

concentração e indisciplina. Cada subgrupo fez um corredor e a (o) educanda (o) da

extremidade, com uma flor na mão, deveria desfilar por esse corredor, recebendo palavras e

gestos carinhosos dos colegas. Surgiram brincadeiras de mau gosto, como passar a mão nas

nádegas das meninas, puxar o cabelo, mas assim que surgiu, interrompi, fiz o educando ver

que aquilo não era o gesto adequado e prosseguiu bem a atividade.

Compartilhar: Nesse momento a expressão dos rostos era de satisfação. Na hora de

falar ainda existia dificuldade, infiro que ficavam com receio da crítica dos colegas. Lino

falou para o grupo, num tom baixo que gostou muito; depois Sam se aproximou e me pediu

para falar por ele que havia gostado muito da massagem, pedi para falar para o grupo, mas

não quis. Depois, mais duas educandas falaram bem, num tom normal, audível, sobre a

importância da atividade naquele dia. Fiquei muito satisfeita e acreditando mais ainda, que

não existe participação e nem aprendizado, se não houver comprometimento com o afetivo.

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h) VIII Encontro: “Confiando nas pessoas” 19/05/2006

Aquecimento: Nessa aula, vamos trabalhar a confiança e a união do grupo. Relembrei

a atividade passada, onde tiveram a oportunidade de demonstrar atenção, carinho e afeto para

os colegas. Falei que poupamos o afeto, a atenção, o carinho. Hoje, mais uma vez vocês

deverão ter cuidado com o outro.

Dei consignas para andar em vários ritmos, com exercícios de concentração, estátua.

Depois exercício com o par, fazer balanço e em seguida um exercício em grupo: “João

Teimoso”. Consiste em escolher um colega para ficar no centro do grupo com o corpo

retesado e os outros o empurrarem para a frente e para os lados. É necessário cuidado para

não deixar o colega cair.

Desenvolvimento: A principal atividade era a do “Cego e do Guia”, pois era

justamente para trabalhar a confiança. Fiz uma preparação, lembrando o cuidado ao conduzir

o colega. Assim formamos as duplas e entregamos as vendas. Foi uma algazarra e alegria.

Mesmo com as recomendações, alguns não tiveram o devido cuidado ao conduzir o colega,

colocavam o pé na frente para o outro cair, empurrava, atrapalhava a passagem.

Compartilhar: Gostaram da atividade e refletiram o seguinte: quando se tem um

amigo verdadeiro, pode-se confiar; uma educanda fez uma observação interessante: mesmo

tendo um amigo conduzindo, podemos ser atropelado pelos outros, isso aconteceu durante a

atividade.

Para finalizar e reforçar o exercício do Aliado resolvi fazer o “Anjo da Guarda

Oculto”. O objetivo era cada um ficar mais próximo do colega que fosse sorteado, protegê-lo,

ajudá-lo nas tarefas, enfim ser amigo, um anjo protetor do outro. Após o sorteio cada um

assumiria o posto de Anjo da Guarda por uma ou duas semanas, logo depois seria revelado.

Assim que olharam o nome sorteado desencadeou uma reação que eu não esperava. Alguns

diziam “não vou ser anjo dessa pessoa...” jogavam fora o papel, reclamavam, foi um tumulto

desagradável. Uma educanda pediu-me para revelar naquele momento os nomes sorteados. Vi

que fugia não só ao objetivo da proposta mas também seria desagradável descobrir os

desafetos naquela circunstância. Decidi encerrar a brincadeira, mas fiquei curiosa em saber o

que os ameaçava tanto, por quê tanta raiva com aquele exercício. Observei que as últimas

atividades (relacionais e afetivas) estavam possibilitando um movimento de desocultação de

inimizades que pareciam estarem camufladas no grupo; os conflitos começavam a aparecer.

Observei também que estudantes como: Erik e Samu, antes muito agressivos, que viviam

trocando tapas, chutes, agora participavam mais das atividades.

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Após a reação ao Anjo da Guarda, coloquei uma cadeira no centro da sala, pedi que

falassem para aquela cadeira, como se estivesse ali uma pessoa à sua frente, respondendo:

porque brigavam tanto? O que não gostava do (a) colega, etc. Pelo menos dois falaram, mas

percebi que o grupo como um todo já não estava envolvido, não sabia exatamente se pelo

cansaço, pelo tipo da brincadeira ou pela dificuldade de abstração que a atividade exigia.

Concluí por ali a atividade, porque também vi que era exigir demais deles num só dia. Nesse

momento era preciso calma.

i) IX Encontro: “Bendita sala molhada” 26/06/2006

Fui para a escola nessa intenção: continuar a integração e o fortalecimento da

confiança em si e no companheiro. Está abaixo, o planejamento feito.

Aquecimento: Jogo “Morto e Vivo” - Dar vários comandos enquanto os educandos

andavam ou corriam pela sala: andar na ponta dos pés, dançar, congela, andando rápido,

congela, cumprimentar o colega. Ao sinal de “morto” eles deveriam deitar e aí ia dando

comandos para observar como estavam se sentindo, observar a respiração; ao falar: “Vivo”

se levantavam e mais outros comandos com a expressão “Morto ou Vivo”.

Depois dessa brincadeira, fazer as seguintes perguntas: O que foi mais difícil executar? Do

que mais gostou? O que pôde observar?

Desenvolvimento: Vivência: “Formas com o corpo”

a) Formar grupos de aproximadamente sete pessoas.

b) Vou falar uma palavra e cada grupo vai compor com seus corpos, sem falar, uma

imagem que corresponde a palavra dita.

c) Dizer a palavra e dar um pequeno tempo para a criação da forma: Casa – ponte –

barco – coração.

Depois dessa brincadeira, deveria fazer as seguintes perguntas: O que foi mais difícil

executar? Do que mais gostou? O que pôde observar em si mesmo, nos outros?

Jogo: “Caiu na rede é amigo” – Escolhe-se três pegadores para formar uma rede; dado

o sinal, os estudantes começam a correr pela sala, enquanto isso a rede tenta capturar amigos,

sempre que pegar um, é colocado na ponta da rede para tentar resgatar os outros. O jogo

prossegue até a captura de um bom número de colegas ou enquanto despertar o interesse.

Compartilhar:

a) Qual a importância dos sentimentos na nossa vida? Fale da experiência que vocês

viveram.

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b) Descreva para seus colegas um momento de emoção que você viveu e quais as reações

que sentiu.

Como nos prevenir das emergências? Difícil, no entanto, só aí é possível valorizar a

nossa capacidade de sermos criativos e espontâneos. “Quando o improviso salva a

situação” foi o mote da próxima atividade.

Ao chegarmos ao salão para fazer a aula, era impossível trabalhar ali, estava cheio de

água devido às fortes chuvas do período. O jeito foi voltar para a sala de aula deles e

improvisar. A turma voltou agitada, decepcionada, porque não podia fazer as atividades

lúdicas, então pensei rapidamente, numa maneira de acalmar a turma.

Pedi para sentarem confortavelmente, pois iria fazer com eles uma viagem imaginária.

Ficaram curiosos, mas ainda estavam agitados, fui falando com calma, pedindo que fechassem

os olhos, respirassem bem fundo e soltassem o ar devagarinho. Para minha surpresa a maioria

começou a entrar no clima, alguns tentavam fechar os olhos, mas logo abriam, mesmo assim

não desanimei, me dirigia a eles dizendo que fossem experimentando, que iam conseguir.

Mais tarde foram aderindo, pois o grupo de modo geral estava participando.

Falei que estavam numa aeronave sobrevoando a sua escola e depois fui conduzindo

essa aeronave para sobrevoar uma área de praia muito bonita, onde o avião pousou. De lá,

saiam passeando pela praia e se encontrava primeiro com um ancião muito bom que estava

sentado na areia e o pegava no colo; se sentia muito bem em estar ali, conversar com ele

porque dava muitos conselhos e era muito carinhoso; chega a hora de sair, despede do ancião;

sai andando mais um pouco e encontra um jovem amigo, também conversam um pouco, mas

se despedem porque tem de voltar à aeronave, para ir de volta à escola. Antes de aterrissar, a

aeronave sobrevoa a escola e observa as pessoas ali. Aos poucos, pedi para irem voltando à

sala e abrirem os olhos. Estavam com uma cara boa, descansada e alegres.

Coloquei uma cadeira separada no semicírculo e falei que se alguém quisesse

compartilhar a experiência, poderia sentar naquela cadeira e falar para o grupo. Essa é uma

técnica do psicodrama chamada “Cadeira vazia”. Uns três educandos deram os seus

depoimentos. Vou destacar o depoimento de Gaby, um menino indisciplinado, briguento,

rejeitado e que atrapalhava bastante a atividade, mas era tímido e não se expunha no grupo,

fiquei admirada com sua disposição para falar: disse que havia se encontrado com o seu avó,

(que já era morto) e que ele o aconselhou para estudar mais e se comportar melhor na escola,

que ia se dar muito bem na vida, se assim o fizesse. A turma esteve atenta para as falas dos

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colegas. Sabe que realmente este menino melhorou o comportamento nas atividades de

Vínculo?

Percebi depois, que os outros não estavam à vontade para falar sobre suas experiências

e sugeri outra atividade. Aproveitando a deixa do conselho do avô de Gaby, propus então

fazer uma brincadeira chamada “Berlinda”. Iria para a Berlinda aquele que o grupo achasse

que estava precisando melhorar o comportamento. Foi aí que me surpreendi com essa turma.

Colocaram na berlinda os que realmente estavam incomodando o andamento da sala: falavam

com respeito do mau comportamento, dos modos de tratar as meninas, do que realmente

estava incomodando. Não me lembro bem, mas parece que foi Sel que disse para o colega:

“Olha Alan eu não gosto é do seu comportamento, de você eu gosto”, chamou-me a atenção o

amadurecimento da fala dessa adolescente, separar o comportamento da pessoa, nem todo

adulto faz; nesse clima de respeito eles desabafaram e todos escutavam sem represálias e sem

justificativas fora daquele contexto. Um educando, o Guto, um dos mais novos do grupo,

chegou a se emocionar com o que ouviu, acredito que não esperava tamanha sinceridade de

uma colega. O mais interessante é que eles elogiavam as boas atitudes e comportamentos

também, mostraram um amadurecimento que me tocou profundamente.

Saí dali com muitas interrogações sobre as impressões dos professores dessa turma e

também sobre o que eu mesma presenciava do comportamento deles. Mostraram naquela

atividade improvisada a sua espontaneidade, a sua essência e o seu potencial.

Eu e o meu companheiro de trabalho Adilton, fomos tomados por uma sensação de

alegria e recompensa, por aquela aula planejada que não deu certo. Foi melhor assim.

j) X Encontro: “Desenhando e avaliando o que penso e sinto” 02/06/2006

Aquecimento: Pedi aos educandos que pensassem nas aulas de “Vínculo” e fizesse

um desenho avaliando essas aulas.

Selecionei cinco desses desenhos que expressam idéias de amizade, paz e a

convivência entre eles. O último desenho fiz questão de colocar, porque penso que o professor

precisa estar atento às formas de expressão e também os preconceitos com determinados

temas. A educanda veio me mostrar o desenho, perguntando se ele era muito feio. Falei-lhe

que não e que não ficasse apegada à opinião dos outros, sobre o que fazia. Uma colega que a

viu me mostrar e estava junto à mesa, imediatamente disse: “Cruz, credo, que desenho é esse

Uíse ?” Na mesma hora, falei: não é dessa forma que nos referimos ao trabalho dos outros,

precisamos respeitar. A expressão de Uise mudou, ficou fortalecida por eu não ter permitido

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que a colega menosprezasse o seu desenho. Vale aqui uma ressalva: suponho que a colega fez

isso, mais por preconceito do que pela expressão artística, porque era o desenho de um túmulo

e é da nossa cultura, camuflar esse assunto, não se fala de morte, de cemitério, se tem medo,

etc. Observe sua expressão: “cruz credo”. Percebi que estava assustada com o tema.

Depois pedi a Uise que me explicasse o que significava seu desenho. Disse-me que se

sentia muito só e quis mostrar daquela forma. Mas observe bem, o desenho que pedi, era uma

avaliação da atividade de Vínculo. Observando os componentes do seu desenho, era possível

fazer ligações.No campo havia um túmulo isolado, mas esse túmulo estava recebendo muitas

gotas de chuva, que vinham de uma grande nuvem que pairava acima, distribuindo uma

infinidade de gotas...

Acho válido esclarecer que essa educanda, ao iniciar a intervenção, estava isolada, não

respondeu completamente o questionário inicial. Aos poucos, começou a participar das

atividades de vínculo e foi percebendo que podia confiar naquela experiência nova. Tornou-se

freqüentadora assídua, mais entrosada com as colegas e muito vinculada à professora. Levou

sua mãe à escola, só para me conhecer. No sociograma final é visível sua integração ao grupo.

Observação: Os restantes encontros do mês de junho não aconteceram, porque o dia

09/06/2006 foi a abertura da Copa do Mundo,;a escola liberou os estudantes e professores

para os jogos; no dia 14/06/06 havia combinado uma aula de teatro com a mãe de uma

educanda do grupo, mas houve um imprevisto e não foi possível. No dia 16/06/06 a escola

imprensou o feriado. Retornou-se depois do recesso, em julho.

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l) X Encontro: O importante na vida é como tratamos uns aos outros 07/07/2006

Fui ao encontro pensando naqueles adolescentes, na caminhada até ali e com Bert

Hellinger (1999, p.56) na minha cabeça:

Se você estiver interessado em observar a dinâmica dos relacionamentos humanos, precisará concentrar a atenção no que as pessoas de fato fazem. Esse é o método fenomenológico. De outra forma, só terá palavras e conceitos dissociados da experiência, o que não basta para ajudar realmente as pessoas.

Era o que vinha tentando fazer, observar os comportamentos, a relação entre os

educandos e o seu aproveitamento escolar. Cheguei em sala e estavam em aula vaga de

Geografia. Fiquei observando o movimento, entram e saem, quando é assim a próxima aula

também fica tumultuada. O educando Ugo sai, depois volta, quando percebe que estamos

fazendo uma leitura, sai novamente. Têm outros assim também: Alan, Luci e Raul. Observe

que nos Sociogramas aparecem isolados.

Levei um texto para fazer uma leitura comentada. O tema da leitura era o depoimento

de uma adolescente, imaginei que seria um tema interessante para uma discussão posterior.

Somente uma educanda falou que gostou do texto, mas o grupo não se interessou em explorá-

lo. Aquilo me deixava em dúvida sobre o que realmente os interessava.

Fiz uma enquete para saber de quem estavam mais próximos e por quê. Deveriam

responder por escrito num papelzinho e depois deveriam entregar ao colega. Gostaram muito

e ficaram ansiosos para entregar logo ao colega. Segurei um pouco para que pudessem

aprender a seguir os passos da atividade. Observo que não estão habituados a seguir ordens,

ficam muito soltos, inclusive na família que trabalha fora e eles são os seus próprios senhores.

Depois fiz uma pergunta direta à turma: Por que vocês aproveitam a aula de Vínculo para se

soltarem? E Sel respondeu: “É porque os professores nos trazem reprimidos e eles

aproveitam a aula para se soltar”. Era como se tivesse falando dos colegas e ela não se

incluía?

Acredito que exista uma parte de verdade nessa afirmação de Sel; mas existe também

uma indisciplina que vem da falta de hábitos de concentração, atenção, estudo, da falta de

perspectiva com o estudo e também de uma ação de enfrentamento da escola, enquanto

organizadora do ambiente de aprendizagem.

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m) XI Encontro: “Um cartão para o meu colega” 14/07/2006

As atividades estavam voltadas para a vinculação e afetividade; a principal atividade

desse dia era preparar um cartão coletivo para os colegas. Antes, porém, fiz o: Aquecimento: Primeiro andaram pela sala em vários ritmos, depois uma brincadeira

de pegador. Um era escolhido para ser o pegador; dado o sinal corria para pegar os

companheiros, assim que pegava formava um par e saía para pegar outros, à medida que iam

capturando, ia aumentando a corrente, até todos fazerem parte da corrente. É um jogo que

provoca muita euforia.

Depois um jogo com bolas: “Bola ao Círculo”

A disposição era a seguinte:

Os educandos X e Y ficavam com a bola, ao ouvirem o sinal deveriam passar a bola

para o seu time. Ao chegar ao último da fileira, este deveria jogar a bola para A e Z e ficar no

seu lugar, enquanto A e Z deveriam correr pelo centro e ocupar o lugar de X e Y que

passariam a bola nas fileiras. Assim, sucessivamente. Quando o primeiro chegasse ao lugar

de onde saiu, ganharia o jogo.

Fizeram a primeira corrida, a segunda e um dos times estava ganhando. Alguns

educandos estavam atrapalhando, mas nada que impedisse a realização do jogo; de repente,

Ney atirou a bola, por brincadeira fora do contexto do jogo e quebrou a vidraça, foi um susto.

Parei a atividade, conversei sobre o fato com todos, justamente para refletir sobre a ação, a

sugestão deles era punir o colega. Depois, pediram para continuar o jogo, fiz mais duas vezes

X Y

A Z

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e finalizei. Gostaram muito e estavam eufóricos. Pedi para ficarem no círculo, pois iriam dar

continuidade às atividades do dia, fazendo um cartão coletivo para os colegas.

Desenvolvimento: Entreguei giz de cera e um cartão, feito por mim com folha A4

dobrada ao meio, trazendo na parte da frente o nome de cada um, em destaque e bem bonito.

Ao receber o cartão com o seu nome, demonstraram gostar, infiro que daí começou o apego

ao cartão. Disse-lhes que de agora em diante, assim que ouvisse o sinal, deveriam passar o seu

cartão para o colega da direita, para ser ilustrado pelo colega da melhor forma que pudesse.

Ao final, todos iriam receber um cartão bem bonito. Assim que começou, a tensão tomou

conta do grupo, uns ficavam olhando, em que mão estava o seu cartão, deixavam de fazer a

ilustração, preocupados com o cartão. Foi um tumulto. Alguns riscavam de forma agressiva,

de tal maneira que desaparecia o nome do colega; teve alguém até que pisoteou o cartão do

outro. Foi uma demonstração de raiva, uma verdadeira catarse.

Quando imaginei que ao chegar o seu próprio cartão, cada um poderia rasgar,

imediatamente recolhi. Mesmo assim, aconteceu de uns dois serem destruídos. O clima era de

insatisfação, alguns saíram sem o fechamento da atividade.

Compartilhar: Fiquei com um pequeno grupo para conversar. Perguntei sobre o

sentimento, disseram que não gostaram de ver o colega estragar o seu cartão. Percebia

também que os que estavam ali não se davam conta de que contribuíram para o desfecho da

atividade Perguntei também qual era o sentimento ao receber um cartão estragado? Uma

educanda respondeu, que era de muita raiva. Despedi-me do grupo e disse-lhes que na

próxima aula conversaria com todos sobre a atividade.

Meu Deus o que é isso? Tenho que agir antes que os estudantes destruam o cartão.

Observação: No dia 21/07/06 não houve a atividade de vínculo, por causa da “Semana de

Avaliação da Escola”

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n) XII Encontro: E agora turma? O “cartão borrou...” 28/07/06

Quero deixar claro, que não decidi sozinha por repetir essa atividade, realmente fiquei

surpresa e confusa com a reação dos educandos, não sabia imediatamente o que fazer.

Conversando com o meu orientador – Cipriano Luckesi, que me fez refletir sobre a retomada

da atividade com outro olhar, e assim decidi abordar a turma sobre a possibilidade de se fazer

um novo cartão.

Aquecimento: Comecei falando para o grupo, que estava com vontade de repetir a

atividade dos cartões, porém com algumas condições, se eles gostariam? A condição era a

seguinte: só ilustraria o cartão do outro se quisesse, caso contrário, durante o tempo em que o

cartão estivesse em sua mão, deveria respeitar e depois passar adiante, sem fazer nada,

nenhum risco que demonstrasse agressividade. Toparam. Falei sobre o cuidado e o respeito

que devemos dispensar ao outro; enfim, trocamos idéias sobre o mal estar sofrido com a falta

de respeito e a agressividade da experiência anterior.

Desenvolvimento: O processo foi o mesmo da aula anterior; assim que ouviam o sinal

passavam o cartão e ao receber o do outro começavam a ilustrar, caso desejasse. O clima era

outro, os estudantes estavam mais tranqüilos, havia mais silêncio e cuidado com o cartão do

colega. Lembrei-me de Moreno (1994) ao se referir à dramatização e ao processo de cura:

“Toda segunda vez libera a primeira”.

Somente um educando Sam, estava ansioso observando o seu cartão e com medo que

fosse estragado. Num dado momento não suportou, levantou-se e dirigiu-se ao colega para

tomar o cartão. Na verdade, o colega não estava estragando, ele é que estava ameaçado e

apresentava aquela reação. Chamei a atenção para sua atitude, pedi para devolver o cartão,

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mas o jogou de qualquer maneira e caiu no chão; pedi para pegar e entregar de forma correta,

fez birra, disse que não pegava. Estava receosa e fiz o seguinte solilóquio:

Fiquei próxima, olhando pra ele, logo depois resolveu pegar e entregar o cartão na

mão do colega e assim continuaram a experiência. Outra educanda Kitt, que estava vizinha a

Sam e não havia participado da experiência anterior, logo após aquele incidente ficou

desanimada e recolheu o seu cartão, dizendo-me não queria mais participar. Infiro que

demonstrava o medo primordial da experiência – ser rechaçada, desqualificada

simbolicamente – a mesma reação que os colegas tiveram e que estava ocorrendo com ela

pela primeira vez.

A aula terminou, recolhi os cartões para ter a possibilidade de verificar se havia

diferença entre a primeira e segunda experiência. Não deu tempo para compartilhar nesse dia.

Os educandos estavam ansiosos para verem os novos cartões, deixei-os na expectativa para

trazer na próxima aula. Da primeira para a segunda experiência... quanta diferença...

E se ele, não pegar? O que vou fazer?

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o) XIII Encontro: “Você é um traste, mas gosto de você...”04/08/2006

Já estava encerrando as atividades com este grupo, mas ainda faltava o Sociodrama

com máscara, que ainda pretendia realizar.

Aquecimento: a turma estava muito agitada. Tentei fazer um aquecimento físico, não

consegui, tentei um jogo com bola, que também precisava de atenção, e era assim: Ficavam

em círculo com um educando no centro jogando a bola, que era recebida e devolvida e

passada para o outro no círculo; ao mesmo tempo que se ia contando, 1, 2, 3.... Caso alguém

quisesse ocupar o lugar do centro para passar a bola, deveria dizer “FUI” , pegar a bola no ar

e continuar passando e recomeçava a contagem. Se a bola caísse no chão, recomeçava

também a contagem. Mais uma vez, não obtive êxito: não sei se pelo grau de dificuldade do

jogo ou se porque mesmo não queriam, alguns começaram a bagunçar. Suspendi o jogo,

porque nesse dia só contava com 50` e ainda ia entregar os cartões.

Receberam bem, Nery de modo especial veio me procurar e disse: “Olhe pró, você

falou, que era para fazer mensagem positiva e minha colega escreveu que sou um traste”.

Pedi para ver o cartão e a colega havia escrito que ele era um traste, mas que gostava muito

dele. Chamei a atenção, pois me parecia que a colega não havia colocado de forma agressiva e

sim por confiança e de forma carinhosa; aceitou a argumentação, pois era uma colega com

quem se dava bem, não sei se receberia da mesma forma se fosse o contrário. Este educando é

tido por professores e colegas como indisciplinado, assume com aparente indiferença, agia

muitas vezes como se fosse para confirmar o “rótulo”, aguardava a minha reação. No entanto,

era muito carinhoso comigo e com jeito conseguia tudo com ele; às vezes, estava jogando

bola na quadra e vinha correndo para a aula de “Vínculo”, chegava correndo e me dava,

mesmo assim, um beijo suado. Recebia com carinho sua expressão de afeto. Abaixo escrevo

o teor do bilhete que fez para mim.

Oi Pró:

E aí está tudo bem com você? Porque comigo está tudo ótimo. Eu queria lhe dizer que

eu gosto muito da senhora, a senhora é muito especial para mim, a senhora lembra a minha

mãe, porque eu moro com meu pai e aí eu só vejo a minha mãe às vezes e aí eu gosto da

senhora como minha mãe, porque a senhora é muito boa.

Te amo

Professora.

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Ass:

Esse é o típico estudante iirequieto, irreverente, mas com um potencial de afetividade

muito grande. No entanto, é preciso ser acolhido, confrontado, nutrido e sustentado para

florescer suas qualidades humanas vitais.

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p) XIV Encontro: Sociodrama de máscaras “Quem é você mascarazinha, o que

quer da vida?” 18/08/2006

Diretora: Antonia Lucia Leite Ramos Ego-auxiliar: Maria Auxiliadora Freitas

Aquecimento inespecífico: Apresentei a colega com quem iria trabalhar. Pensamos

em começar com uma música, mas faltou energia, enquanto o funcionário vinha ligar,

resolvemos começar com a apresentação dos educandos de forma diferente. Auxiliadora

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sugeriu que eles se apresentassem pelo nome, fazendo um gesto que o caracterizasse. Alguns

se apresentaram, mas a maioria não se animou, então sugeri que falassem simplesmente o

nome simplesmente para que Auxiliadora os conhecessem pelo nome. Assim todos falaram o

seu nome no círculo.

A intenção era fazer um aquecimento físico, usando música, para trabalhar a

percepção do corpo dos adolescentes. Mas a falta de energia atrapalhou não só a seqüência da

programação, mas também o comportamento deles, que estavam esperando essa atividade

com música. Estavam dispersos, não ouviam o que falávamos, um educando de, modo

especial estava, agitado; Auxiliadora perguntou se podia parar um pouco para ouvir e ele

disse “Não quero parar, porque hoje não estou bem”.

Percebi que a Ego-auxiliar ficou um pouco assustada com o comportamento da turma,

falei que era assim mesmo, o pouco que conseguíssemos estava de bom tamanho, bastava um

pouco mais de paciência. Auxiliadora percebeu que tudo começaria a partir daquela agitação e

prosseguiu com o aquecimento específico.

Aquecimento específico: Foi feito um relaxamento, observando bem a respiração e

aos poucos foram sendo conduzidos para pensar numa cena que viu, participou ou que o

preocupava no seu dia-a-dia. Pediu para que se alguém tivesse pensado na cena, que

levantasse o braço e apresentasse a sugestão. Uma educanda sugeriu uma cena que mostrasse

a vida atual e futura desse mesmo estudante. Auxiliadora, então, pediu para que opinassem,

alguns acharam boa a idéia, outros queriam outra coisa. Deixei-a conduzindo a escolha do

tema e me dirigi à mesa para arrumar as máscaras. De repente, percebo vários educandos atrás

de mim curiosos com as máscaras. Foi uma dispersão total, não ouviam mais, o

envolvimento agora era com máscaras. Auxiliadora e eu ficamos observando.

Experimentavam, colocavam várias sobre o corpo; depois de 15 foi que conseguimos, que se

agrupassem para fazer as cenas.

Nesse ínterim, pude observar a

dificuldade que sentem em se fazerem ouvir

no grupo, a própria dificuldade em participar,

uns sugerem uma cena, se o colega não aceita,

não argumenta e vem pedir socorro ao

professor; criticam o colega que não sabe

organizar e não se percebe como alguém que

atrapalha o todo. As reações à não aceitação

da sua idéia é feita com zanga e o retirar-se do grupo, mesmo que tenha contribuído bastante

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com o trabalho. É uma reação do tipo: “ou tudo ou nada”, sem negociação. Uma brecha para o

educador trabalhar a assertividade.

Tanto Auxiliadora quanto eu continuamos acompanhando todos esses incidentes que

aconteciam na organização da cena; íamos orientando para que cumprissem a tarefa com o

acolhimento do colega, e assim organizaram duas dramatizações: A vida do estudante hoje e

o seu futuro o outro grupo o tema era Violência.

1ª dramatização: Começaram

mostrando na primeira cena, um grupo

de crianças brincando um jogo cantado e

com gestos; na segunda cena mostraram

a escola, o conteúdo que enfatizaram

nessa aula que deram, foi a questão do

meio ambiente e do trabalho infantil; na

terceira parte fizeram uma discussão em

grupo, falando do que desejavam ser no

futuro e aí tivemos: advogado, atriz,

artista plástica, médica e psicóloga. Cada um desses profissionais deixou uma mensagem

final: a união de todos para preservar o meio ambiente e erradicar o trabalho infantil. Nesse

grupo participou um menino.

2ª dramatização: Esse grupo era formado só por meninos. A cena era a seguinte:

vem uma pessoa andando numa rua e é agredida sem motivo aparente por um rapaz. Aparece

um velho e fala com o agressor e este se volta contra o velho e também o agride. Depois

aparece um espírito, representado com a máscara do diabo para matar o agressor, logo em

seguida aparece outro personagem representando o bem e trava uma luta conta o mal (diabo) ,

o bem acaba vencendo. Mas, na cena, parece que faltava algo para dar o ritmo e os meninos

saíram chateados com o resultado.

Compartilhar: No compartilhar,

percebia-se a alegria pelo trabalho feito e ao

mesmo tempo a insatisfação dos meninos,

porque a cena não saiu como desejavam.

Criticaram o tempo que foi pouco e o

trabalho dos colegas.

O outro grupo também criticou o

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tempo curto. Uma educanda falou não ter gostado da atitude das colegas por excluírem outra

do grupo, que saiu chorando. Conversamos depois com a excluída. Apesar das críticas,

mostravam-se animados com o resultado.

Os estudantes não se deram conta que eles mesmos abusaram do tempo que tinham e

depois reclamavam que a peça não ficou boa por isso. O tempo não espera por ninguém, ele

cumpre o seu papel. Não se pode negar a inconsciência em que vivem muitos jovens acerca

do papel de estudante. Muito tempo se perde: filando aula, com a indisciplina, com atividades,

mesmo pedagógicas, que não levam a resultados efetivos.

A “Ação” é mais eficaz do que o “Falar”, porque só agindo sobre a teoria, praticando,

serei capaz de fazer mudanças no meu discurso.

A questão do meio ambiente apontada na dramatização foi relacionada por nós à

ecologia nas relações interpessoais, pois no momento que excluo os colegas de participar no

grupo, o ambiente fica carregado de má vontade, agressão e mal estar. Fizemos essa

colocação para o grupo pensar.

Ficou no grupo dos meninos o desejo de fazer uma dramatização mais organizada, de

fazer bonito, da peça certinha, como dois e dois são cinco. Como irão fazer? Certamente,

noutra oportunidade que o universo proporcionará...

Dessa experiência, as perguntas se multiplicam e o campo inesgotável das

possibilidades está aí para ser explorado: não se pode negar ou minimizar é o potencial desses

adolescentes, a espera dessa chance.

Se dermos conta do currículo que está aí em algumas escolas, ao considerar somente o

conteúdo programático, jamais vamos adentrar nessas questões; no entanto, se dermos atenção

às pessoas (crianças e jovens) especificamente, teremos que dedicar mais tempo para a

convivência, o vínculo e a subjetividade.

q) XV Encontro: O Vínculo é fundamental! Confraternizar é preciso! 25/ 08/06

Marquei para a semana seguinte, uma confraternização de despedida e encerramento

da intervenção com todo o grupo e não apenas com os que participaram assiduamente.

Participaria também Adilton, o colega que foi meu Ego-auxiliar nas atividades lúdicas.

Para isso, preparei uma merenda: com torta, refrigerante, pipoca e lembranças para

todos. Assim que cheguei, falei para iniciar a nossa confraternização, pois só íamos dispor de

uma aula. A turma estava alvoroçada, feliz, percebia algo diferente, pediram-me para esperar

mais um pouco. Disse-lhes que só dispunha dessa aula, foi aí que resolveram me falar: “olha

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pró, a gente queria fazer uma surpresa para você, por isso algumas colegas foram à casa de

Cely buscar a torta”. Entendi, mas não imaginei que teria que aguardar tanto.

Fiquei muito sensibilizada com o gesto, porque sabia do poder aquisitivo do grupo e

mais ainda me perguntava: como teriam feito para se organizar e fazer uma arrecadação em

dinheiro? A líder desse movimento, me surpreendeu, porque no início do trabalho era arredia,

brigava muito com os colegas e não participava, mas à medida que foi participando, sendo

acolhida, tomou essa iniciativa, mostrando uma capacidade de liderança, escondida atrás de

sua agressividade.

É aquela estudante que dois professores citam como a maior mudança observada na

intervenção, pela ótica deles. A partir dali, me senti na obrigação de aguardar essa menina.

Demorou bastante, pois a tia de uma delas ainda estava fazendo a torta. Em função disso, fiz

várias brincadeiras de salão; acolhemos um educando de outra turma, discriminado como gay

e que procurava roubar a cena, integrando-o ao grupo. Foi muito bom, não só por ele ser

acolhido mas também para o grupo aprender a conviver com a diferença, respeitar e

reconhecer o talento dos colegas. Depois de algum tempo, 10:45 percebia que o grupo se

chateava com a demora, já demonstrava cansaço e fome. Não quis distribuir a merenda antes,

para que Cely pudesse participar com os colegas. Pela liderança e o empenho que havia

demonstrado junto à turma, pessoalmente achava que seria desagradável ela chegar e já haver

terminado o lanche.

Finalmente, às 11 horas chegou Cely, muito desconfiada, entregou a torta, dizendo que

não ia participar, parecia que já esperava a reação agressiva dos colegas pela demora.

Pensando nessa possibilidade, já havia combinado com o grupo que assim que ela chegasse,

deveríamos acolher e não recriminar. Conversei muito para convencê-la a se juntar ao grupo,

finalmente, disse-lhe que seria responsável pela distribuição da torta para os colegas. Assim

fez e deu certo.

Depois, houve uma explosão de alegria ao receberam as lembranças, que preparei

cuidadosamente para cada um. Agradeceram muito e diziam que iam sentir muita saudade de

mim e de Adilton.

Quando Cely recebeu a sua lembrança, disse: “A professora me deu o presente mais

bonito”.

Fiquei a pensar: presente mais bonito ganhei eu, observe esse cartão que uma

educanda fez com todo esmero e carinho para mim.

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4.2.5 Comparação entre os grupos “A” e “B”

Os grupos “A” e “B” bem diferentes entre si, em sua dinâmica, motivação e

constituição. Os relatos finais dão conta de perceber alguns aspectos que marcaram a

caminhada dos dois. Porém quero ressaltar que em essência, o que ficou marcado em minh’

alma e em meu coração nessa experiência foi confirmar que a força do afeto, da união, do

vínculo não faz distinção de cor, de posição social, de inteligência, para deixar suas marcas

benéficas, e no final todas as pessoas brilham. Quem sabe, se a escola abrir os olhos, a razão e

o coração para esse aspecto do humano – a realidade do Vínculo – certamente também

brilhará.

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5 SOLILÓQUIOS E COLÓQUIOS DE UMA PESQUISADORA:

LABIRINTOS DE MINHA JORNADA.

Antes de assinalar as conclusões desta investigação, senti a necessidade de uma

narrativa pessoal sobre minha experiência na pesquisa, para mostrar o auto-engano, a

alienação da pesquisadora que, ao banhar nas águas da pesquisa-ação, não sai desse rio da

mesma forma que entrou. A lição de tudo isso é a tomada de consciência e a necessidade de

reescrever essa jornada, para compartilhar com outros pesquisadores os labirintos de uma

pesquisa que, ao mesmo tempo que apresenta dificuldades, também é uma tarefa de redenção.

Larrosa (2006, p. 32), referindo-se a Rosseau, traz as palavras para acalmar o que me

inquietava:

E todo seu esforço, e seu abismo, será denunciar a aparência e eliminar esse véu ilusório que cobre as coisas e que também se interpõe entre uma pessoa e ela mesma. Por isso, os homens se enganam sobre si mesmos, não se conhecem a si mesmos, vivem fora de si mesmos.

Essas palavras chegaram para mim e transmito ao leitor deste texto, dizendo que

recomeçaria tudo outra vez com a alegria, a inteireza e a ação dinâmica da ludicidade e do

sociodrama. A escolha de um método, que nos convoca, está implicado com a nossa própria

história de vida, mesmo que confirme a possibilidade de trazer à tona o sabor amargo com

aquilo que nos subjetiva, que nos sujeita, mas que traz também o sentido do nosso fazer, ou

a falta de sentido. Pois como escreve Fernando Pessoa (2007, p. 42): “O único sentido íntimo

das coisas/ É elas não terem sentido íntimo nenhum.”.

Recomeçaria tudo outra vez, mas não sem antes convocar a proteção dos deuses, a

imaginação, a intuição, a espontaneidade/criatividade, o conhecimento como coadjuvante,

jamais como o ator principal, um orientador(a) que pudesse acolher, confrontar e sustentar

junto a mim os imprevistos e exigências de uma pesquisa-ação, para que essa não venha a se

tornar um “bicho –papão” e sugar os sonhos de um pesquisador ingênuo. A ingenuidade aqui

é vista no sentido de acreditar que o conhecimento e a experiência, com seus sentidos e

significados, não dão conta de explicar e enfrentar o drama cotidiano escolar e nem as

emergências. Somente esses dois recursos, no contato direto com o ser humano, não

sustentam os desafios dessa metodologia. A pesquisa-ação leva o pesquisador por caminhos

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inusitados, obscuros e o coloca em contato com a “rachadura invisível das contradições” ,

para usar a expressão de Barbier (1985).

O que pretendo compartilhar não é somente a trajetória da pesquisa, mas o estado da

minh’alma, os sentimentos confusos, a alegria, tristeza, raiva, medo, insegurança e todas as

dúvidas que vieram à tona ao longo dessa jornada. Possa ser que as palavras não dêem conta,

não signifiquem essa experiência tanto quanto a tenho dentro de mim, pois a verdade de cada

um vai mais além. Como bem afirma Clarice Lispector (1998, p. 11): “A verdade é sempre

um contato interior e inexplicável”. Às vezes, falando comigo mesma, refletindo e fazendo os

meus solilóquios sobre as dificuldades encontradas no campo da pesquisa, nada me

desestabilizou tanto, quanto observar as atitudes dos educandos e educadores na lida cotidiana

da sala de aula, as decisões a tomar no ato e ainda enfrentar a insegurança como obstáculo às

respostas seguras e definitivas.

O conhecimento e a experiência trazem ao sujeito um estado de potência, mas esse

alicerce em segundos pode ver-se ameaçado ante o vigor de cenas reais, que convocam o

sujeito pesquisador para novos estados de espontaneidade/criatividade, para que possa dar

respostas eficazes e significativas aos problemas reais. Nesse sentido, Corazza (2002, p.99)

nos diz que: “[...] pesquisadores e pesquisadoras que se colocam em uma postura

hermenêutica vão se modificando durante a pesquisa, redefinindo-se em horizontes de sentido

que abalam suas certezas prévias e produzem novas asserções”.

Ter experiência é um fato, quem a viveu sabe, acreditar que essa experiência é valida

em todos os contextos é uma ilusão. Foram muitas as perguntas surgidas ao longo do

percurso, não sei se o relato conseguirá articular os conflitos e a tomada de consciência de

todos eles. A segurança que me acompanhou ao iniciar a pesquisa foi a mesma que me puxou

o tapete. À medida que a porta de entrada se abria, também era escancarada a porta do fundo,

colocando-me diante dos problemas cotidianos da escola in loco e ao vivo, num fluxo que

exigia presença.

O entusiasmo inicial me fez acreditar que os anos de experiência com o ensino, o

trabalho com jogos, arte-educação, dinâmica de grupo, psicodrama pedagógico me levariam

por caminhos abertos, sem empecilhos de grande monta, e que o drama posto à frente seria de

fácil condução. Ao escrever, encontro ressonância nas palavras de Donald Schon (2000, p.

15), quando afirma:

Na topografia irregular da prática profissional, há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas

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caóticos e confusos desafiam as soluções técnicas. A ironia dessa situação é o fato de que os problemas do plano elevado tendem a ser relativamente pouco importantes para os indivíduos ou o conjunto da sociedade, ainda que seu interesse possa ser muito grande, enquanto no pântano estão os problemas de interêsse humano.

É justamente da parte mais baixa que quero falar, pois essas muitas vezes me

deixavam sem chão e sem saber que rumo tomar, tal a multiplicidade de apelos que exigiam

um posicionamento do pesquisador perante o grupo, como também os limites impostos pelo

real.

Trabalhar com a pesquisa-ação é uma experiência rica, plural e complexa, porque aí

todas as possibilidades se revelam, desde a angústia do próprio conhecimento com sua trama

de sentidos e significados, até a própria falta de espontaneidade para dar respostas diante do

inesperado, do improviso. É um paradoxo, mas é também por aí que as possibilidades vão

surgindo, alargando os caminhos em busca de novas respostas para questões antigas e

respostas antigas para questões novas, essa é a espontaneidade moreniana.

Nessa busca de sentido para as respostas, fui adentrando pelas portas que se abriam,

desvencilhando-me de preconceitos, para chegar mais perto daqueles adolescentes que me

desafiavam a enxergá-los, o que não foi simples e nem fácil. Acredito na necessidade da

escuta, do olhar sensível do outro, para o outro, com o outro, para poder compartilhar as cenas

e encontrar saídas às situações emergentes. A minha opção em trabalhar com o grupo “A” foi um desafio. Acatei de imediato a

sugestão da Direção em fazer a intervenção numa turma “difícil” que vinha trazendo

problemas disciplinares, de aprendizagem, uma turma “especial”, porque formada em sua

maioria por “repetentes”. Acolhi a proposta com ousadia, confiando nos instrumentos de que

dispunha e na experiência de muitos anos em educação.

Estava eufórica para começar! Parecia que a experiência ia ser uma maravilha, tudo

estava se harmonizando. De cara, simpatizei com a professora regente: falava com

desembaraço, acolheu a proposta com muito gosto e considerava a intervenção uma ajuda.

Cheguei também a me perguntar se aquela expectativa de ajuda, que a professora tanto

desejava, seria no imaginário dela e até mesmo da direção, como uma “tábua de salvação”

para um problema instalado, do qual a pesquisadora não fazia idéia?

Encontrei-me algumas vezes com a professora antes de começar a intervenção para

falar da metodologia, de como o conteúdo seria trabalhado; enfim, organizamos o

planejamento e marcamos o primeiro encontro.

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O grupo foi preparado pela professora para me receber e, nesse primeiro contato,

percebi que o comportamento dos estudantes não era espontâneo, no entanto, fazia parte da

boa vontade da professora, criar aquela recepção, inclusive ficando apreensiva a qualquer

comportamento fora de “ordem”, pois aquele não era o comportamento natural dos

estudantes. Antes de me apresentar à turma, aconteceu o episódio que já contei anteriormente,

onde dois estudantes chegaram eufóricos querendo entrar e foram impedidos para aprender a

cumprir o horário. Observei que a reação não só dos dois foi de decepção mas também de

outros, que olharam para a professora com o olhar de reprovação. Percebi que havia algo no

ar, mas estava muito cedo para inferir alguma coisa.

A turma era irrequieta, indisciplinada, irreverente e alguns estudantes visivelmente

não tinham uma boa relação com a professora. A partir daí comecei a pensar que era preciso

reverter aquela situação, porque seria difícil trabalhar adotando os princípios da ludicidade e

do sociodrama, caso não conquistasse amorosamente a turma, para que os educandos

estivessem disponíveis, inteiros e bem nas atividades. Só que essa era a minha visão e já

estava chegando um pouco tarde em termos de ano letivo (segundo semestre), os vínculos

estabelecidos pareciam não serem amistosos. Mais adiante, depois de alguns incidentes entre

a professora e os estudantes, alguns relatados anteriormente neste texto e cujos motivos

estavam ligados a questões de relacionamento; cheguei a conclusão de que as nossas crenças,

valores, a forma de relacionar e considerar o estudante, eram muito diferentes. Quando se

trata de crenças e valores, fica difícil haver consenso. Quero deixar claro que são visões

diferentes, nem melhor e nem pior, apenas formas opostas de trabalhar, a minha e a dela.

A professora era responsável, competente e se esforçava para fazer o melhor;

considerava que com aqueles estudantes era preciso ser rígida para conseguir os resultados.

Eram vistos como “especiais”, no sentido de problemáticos: pela repetência, indisciplina,

agressividade. Por outro lado, a minha intervenção estava voltada para o desenvolvimento do

vínculo saudável, aquele em que as pessoas são respeitadas em sua essência, onde existe um

mínimo de afetividade para a convivência, um promotor da saúde mental, o que era incoerente

com uma postura autoritária. Havia um abismo entre a nossa forma de agir e trabalhar.

Apesar de já haver lido os resultados da pesquisa de Ilma Soares (2005), sobre crenças

de professores e também as pesquisas de Rosenthal e Jakobson (1966 apud COLL, 2000, p

160), onde mostram que: “as expectativas dos professores sobre o rendimento escolar dos

seus alunos podem chegar a afetar de modo significativo o rendimento efetivo desses últimos”

mesmo assim, ficava o receio de interromper o curso de uma parceria bem intencionada,

aceita por ambas as partes, uma pesquisa dentro do rigor técnico. Não encontrei em livros

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nada que me advertisse claramente sobre esse tipo de situação, a não ser a intuição e coerência

para agir, sob pena de prejudicar os estudantes.

Depois de dois meses de atividades, conclui que as nossas crenças e valores (minhas e

da professora) estavam dificultando a caminhada em parceria e decidi que era impossível

continuar partilhando um trabalho com princípios tão diversificados. Já havia lido em René

Barbier (1985), Bogdan (1994) e Jacob Levi Moreno (1994), e a partir da pesquisa confirmei

que o pesquisador, mesmo sem intenção, vai entrando em contato com fatos e vivências que

não estavam no script de sua pesquisa e é solicitado a reagir, quando não em ações objetivas,

em reações no corpo emocional no qual a implicação é real. Daí, muitas vezes, ter que

suprimir a raiva, controlar as reações diante de eventos que agridem os princípios de respeito

à pessoa humana e manter a imparcialidade, se é que isso é possível.

Vi-me diante de uma decisão ética: ou permanecer na mesma sala com a professora,

respeitando o projeto original à revelia dos estudantes ou continuar o projeto individualmente

com algumas modificações no conteúdo, resguardando as orientações teóricas e

metodológicas da ludicidade e do sociodrama e da pesquisa-ação. Depois de viver o caos e o

confronto comigo mesma, precisava ser coerente. Acredito também como preconiza Luckesi

que, para entrar em contato com a sua verdade e viver a ludicidade, é preciso estar inteiro,

pleno, livre. Não se pode obrigar ninguém a participar de atividades que não quer. Decidi

conscientemente pela segunda alternativa, compartilhando minhas dificuldades e

possibilidades com meus orientadores.

Fiz muitos solilóquios e as perguntas que sempre me vinham. Eram estas:

- Como obrigar o estudante a fazer o que não quer?

- Para que reprovar “n” vezes um estudante sem lhe dar chance de um programa de

ajuda para a superação de suas dificuldades?

- Por que punir sem dialogar? Sem educar?

- Por que uma turma só de repetentes, sem um programa de ajuda específico para

esses estudantes?

- Por que fico tão sensibilizada com a situação dos estudantes?

- Por que também não ajudar os professores?

Inicialmente, minha tendência foi preocupar-me com a situação dos estudantes, mas

logo percebi que não podia cuidar somente da relação entre os estudantes sem cuidar também

da relação entre os professores. No afã de ver os problemas das relações entre professores e

estudantes minimizados, ofereci-me para fazer uma oficina de “Relações Interpessoais”, a

Direção acatou a idéia, mas não encontrou um horário compatível para o trabalho.

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202

Fiz também muitos colóquios com os colegas do GEPEL, Faced/UFBA, nas reuniões

ordinárias desse grupo de pesquisa, para colocar minhas dúvidas e inquietações, reflexões que

me ajudaram bastante. Fiz também algumas supervisões em Psicodrama que também foram

muito enriquecedoras. Mas vou deixar registrado esse colóquio que fiz com minha orientadora

ao ficar desanimada e reclamando do espaço que a escola não oferecia para as questões do

aprender a conviver. A minha preocupação maior era com o ritmo das relações entre

estudantes e professores e o que poderia ser feito. Escutou a colocação das minhas queixas e

falou-me:

- Você é uma pesquisadora, não está na escola para fazer oficina, se eles tiverem

tempo e quiserem sua ajuda, tudo bem, mas não é para ficar preocupada com isso.

Conseguiu acalmar a minha angústia e entendi que precisava focar no meu papel e não

ficar preocupada com questões que não cabiam a mim resolver. Conto isso, para mostrar

como é natural ficarmos implicados numa pesquisa-ação e como também é preciso respeitar a

distância necessária para manter a objetividade frente ao objeto de pesquisa. Desde o início fui disposta a ser coerente com os princípios da ludicidade e do

sociodrama, que propunham proporcionar um ambiente onde cada um em particular e o grupo

de modo geral, pudesse os expressar de forma livre, plena, participativa, alegre, saudável;

vivenciando jogos, estudando conteúdos de forma dramática e lúdica. O objetivo era a busca

da verdade do grupo através não só do estudo de conteúdos do currículo, mas também da

vivência de atividades que pudessem possibilitar uma convivência saudável.

As atividades lúdicas e sociodramáticas possibilitam o surgimento dos conflitos e

muitas oportunidades de correção de comportamentos agressivos, de falta de respeito para

com o outro, dissimulações e a observação da alquimia da relação.

Pude, em alguns momentos, observar a diferença cultural entre os sujeitos e os agentes

educativos. Daí, talvez, a reclamação dos professores sobre os modos, a educação, o

comportamento dos estudantes. O comportamento agressivo dos estudantes com os colegas

me agredia. Foi impactante observar, no desenrolar das atividades, algumas atitudes violentas

e comportamentos que achava não condizente para meninos daquela idade; usavam

expressões não sei se para chamar minha atenção ou se era um comportamento normal; nos

jogos diziam “palavrões” ou usavam palavras chulas, que eu dizia a mim mesma: - “ é isso

mesmo que estou escutando?” Fazia um solilóquio: faça cara de paisagem e vá fundo no que

estão querendo expressar. Com isso quero dizer saber o que estavam querendo dizer com

determinadas palavras e gestos. No entanto, aquilo não era normal para mim, fazia parte da

cultura vivida por eles e não da aspirada por mim, que fui educada em colégio de freiras e

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noutro contexto. Mas, isso o pesquisador precisa entender e respeitar, sob pena de não

corresponder aos princípios dessa metodologia e também do encontro humano.

O que buscava na pesquisa não era um lugar seguro para olhar e compreender como o

vínculo se dava na prática educativa escolar, mas me envolver ao ponto de observar no ato, o

véu que encobre essas relações, para compreender por quê tantos desencontros e violências no

cotidiano escolar. À medida que estava implicada com o meu objeto de pesquisa, percebia que

existiam múltiplas determinações para explicar as atitudes, os comportamentos, considerando

a relatividade das coisas. Em função disso, não acreditava que o autoritarismo e a rigidez que

a professora me solicitava demonstrar para uma suposta ordem em sala, fossem as melhores

maneiras de conseguir o envolvimento dos estudantes, porque o estado lúdico é residente e

não imposto. Acredito que, pela graça do ofício, o educador tem compromisso não só consigo

mesmo, mas também sobre aqueles com os quais trabalha, no sentido de que fala Larrosa

(2006, p.11): “O professor puxa e eleva, faz com que cada um se volte para si mesmo e vá

além de si mesmo, que cada um chegue a ser aquilo que é”. Daí o esforço e empenho para

seguir a metodologia escolhida para a intervenção investigativa.

O desvelamento da realidade, pela minha ótica, não é querer avaliar e nem fazer

apologia aos princípios psicológicos ou didáticos de uma educação ideal. Não é para criticar e

nem condenar professores e educandos, porque ambos são vítimas de um sistema excludente e

alienante dos sujeitos. No entanto, acredito no que afirma René Barbier, (1985, p. 31) que:

Querer minimizar a violência e a dominação sociais só leva a trancar a porta do conhecimento sociológico; procurar explicar a inadaptação social pelas “disfunções” da sociedade é reforçar a manutenção da ordem reinante em nome de uma neutralidade inverossímil.

A solução dos problemas na escola, muitas vezes, se dá pela via mais fácil, não se

quer perder tempo em educar. Castiga-se a falta de obediência, passa-se por cima de coisas

importantes, faz de conta que se faz coisas, inclusive ensinar, preocupa-se com materiais e

não com pessoas, enfim, não se vai à raiz do problema para combater a causa, ou então... os

problemas da escola são metafísicos. Mais uma vez, volto a lembrar Clarice Lispector (1998,

p. 39): “Não sei a quem acusar, mas deve haver um réu”.

Percebia que a cada momento os estudantes estavam me testando, como se para

confirmar a coerência entre o que eu dizia e fazia. Não poderia ser uma pessoa a enganá-los,

sob pena de perder a sua confiança. E por que fazer isso, se todos nós somos um, se me

descobri neles? A dor daqueles meninos e meninas era a minha dor e a dor de toda criança

agredida, ameaçada na escola, e que vai encenando um novo drama ao entrar em contato com

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a dor dos outros. Naturalmente, fiz parceria com esses meninos, e através deles, dou um grito

de horror ao que acontece nos bastidores da prática educativa escolar, de outros tempos e de

hoje também.

Observando a atitude de indiferença dos estudantes para a aprendizagem, algumas

vezes me pegava fazendo solilóquios, como estes:

“- Por que o estudante de modo geral não questiona a bagunça da sala de aula, mesmo

quando prejudica a aprendizagem deles?”

“ - Por que não reclamam das aulas vagas? Inúmeras vezes ocupei os horários vagos

com as atividades da pesquisa e para eles era uma situação normal.”

“ - Por que me sinto culpada de não fazer quase nada por esses estudantes?”

“ - O que é mesmo que se está ensinando a esses estudantes?”

“ - Quais serão os sonhos desses meninos e meninas?”

Às vezes, tinha a sensação de que estavam indiferentes aos acontecimentos, à presença

de estranhos, eram indiferentes à minha presença. Pareciam aceitar os rótulos com

passividade, como se o rótulo de indisciplinado, mal-educado, repetente fosse uma coisa

natural. Aquela apatia aparente me incomodava. Com o tempo, vim a perceber que fazia parte

do jogo, eles se defendiam como podiam, às vezes pareciam adultos em miniatura, davam

respostas ou ficavam indiferentes às provocações dos professores de tal maneira, que dentro

de mim mesma dizia: Bravo! Porque, pondo-me no lugar deles, em outros tempos iria chorar.

Às vezes, os estudantes são cruéis, mas os professores como adultos na relação muitas vezes

são crudelíssimos. Pensando desse modo e se é assim como funciona a escola: “Para que se

envolver com estranhos, se com os conhecidos e os que convivem no dia-a-dia, a relação é

fria, de indiferença, com pequenas exceções? Para que sangrar o sentimento de amor

próprio?”

O meu intento, portanto, é evidenciar que:

a) as crenças, os valores e atitudes de um educador podem facilitar ou dificultar a

construção do vínculo com o outro;

b) os manejos de classes podem levar a diferentes resultados no ensino, mas são

escolhas pessoais. Estilos conflitantes num mesmo contexto podem levar a

insegurança e aos jogos de relação entre os sujeitos implicados na ação;

c) a visão que temos do outro e no caso da pesquisa, do estudante, vai determinar a

minha ação em relação a ele. Se é visto como um problema a ser resolvido, um

depositário, um ser “diferente” onde vou depositar os conhecimentos, o

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procedimento é oposto se o percebo como o sujeito responsável pela construção de

sua própria história, onde o papel do professor é ser facilitador desse processo;

d) é fundamental considerar a cultura e o contexto para entender e viabilizar projetos

de pesquisa-ação;

e) saber e ter experiência é diferente de vivenciar um processo de pesquisa-ação;

assim como a intenção não é garantia de mudança.

A educação como formação, para diferenciar de ensino, no meu entendimento, não é

outra coisa senão o resultado de um determinado tipo de relação com um determinado tipo de

palavra, de argumentação, que tanto pode transformar pelo respeito à autonomia do educando

numa relação constituinte de uma nova sensibilidade e caráter, ou mantê-lo no silêncio e na

acomodação dos seus corpos e mentes sem dizer a sua palavra.

É preciso ter disponibilidade para que o vínculo saudável aconteça na sala de aula.

Tirando fora atitudes que prejudicam a formação de relações amistosas, que precisam ser

cuidadas, o que resta é a nossa humanidade e a capacidade de usar o racional para o bem. As

pessoas que estão na escola precisam ser cuidadas, porque trazem dentro de si toda a

capacidade para fazer florescer ambientes de convivência e aprendizagem mais lúdicos e

favoráveis ao crescimento humano. Cultivando o amor e a compaixão é possível trazer paz

para a escola, construir vínculos afetivos e ao final da jornada dizer, apesar dos pesares, os

estudantes são espertos, criativos, alegres e amorosos também. Todos juntos (professores,

estudantes e funcionários) podem fortalecer estas qualidades, para que a escola seja um

espaço de prazer, alegria, conhecimento e auto desenvolvimento.

Enfim, fazendo um balizamento de toda jornada é necessário salientar o que aprendi

como pessoa, à revelia de tudo o que foi planejado dentro do rigor científico; esses são

aprendizados especiais porque ocorreu na emergência, acompanhando o fluxo da vida.

Saio profissionalmente fortalecida por confirmar a validade dos recursos metodológicos

utilizados, pelo percurso feito, pelos conhecimentos adquiridos, pela ajuda recebida, mas nada

que se compare ao crescimento pessoal realizado no encontro existencial vivido – na

cumplicidade, na relação como força instauradora do ser, pela disponibilidade de acolher,

nutrir, confrontar e sustentar aqueles adolescentes, partilhando momentos

agradáveis/desagradáveis, bons/ruins, alegres/tristes, na tensão própria e apropriada do

encontro humano, focado no vínculo.

Fiquei com a sensação de que o maior apelo dos estudantes era a relação – o vínculo,

porque a experiência mostrou que só a partir do encontro, foi possível o contato de

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responsabilidade para responder aos apelos da razão e do coração, diminuindo a distância

entre nós.

Acredito que a força instauradora da relação entre professores e estudantes está no

encontro dialógico preconizado por Martin Buber (1974), Jacob Levi Moreno (1983) e Paulo

Freire (2005), em cujas obras apresentam não só um projeto de esperança no ser humano mas

também o fundamento ontológico de sua existência como ser-de-relação. Como afirmei

inicialmente, educação é atividade relacional, em função disso, só a relação com o outro, o

encontro dialógico entre os atores dessa peça encenada a várias mãos, vai possibilitar o

entendimento e a construção não só de conhecimento, mas de relações vitais, afetivas e

transformadoras.

Como pesquisadora aprendi que ao estar disponível à experiência e acolher aqueles

adolescentes, comecei também a perceber e desfazer as distâncias culturais, de época, idade,

assegurando a liberdade e a soberania para cada um ser o que é. Descobri que ao criar um

vínculo sintônico com o grupo a cumplicidade aumentou em afetividade, boa vontade e as

atividades eram desenvolvidas num clima de amizade, disposição e alegria. Assim como, foi

angustiante observar que ao iniciar a pesquisa no Grupo “A”, no segundo semestre, o vínculo

já estava desgastado, o ambiente em sala de aula era de muita briga, agressão e falta de

respeito. Mesmo com atividades lúdicas e sociodramáticas, foi difícil resgatar a confiança e

amizades perdidas. Daí perceber que, fundamental é o vínculo, é a relação – partindo desse

ponto o percurso fica mais fácil.

Este tipo de pesquisa possibilitou-me refletir na experiência vivida o conceito de

inclusão ou seja, a capacidade de ter consciência do si mesmo e ao mesmo tempo perceber o

outro, respeitando-o em sua singular alteridade. Ao mesmo tempo mostrou-me a importância

de não estar só, pois essa empreitada não dava conta sozinha, precisava de companheiros.

Valeu colegas do GEPEL, colegas do mestrado, e outros tantos amigos e parentes que me

ajudaram. Valeu meus caros mestres Dra. Bernadete Porto e Dr. Cipriano Carlos Luckesi,

como vocês foram essenciais nessa jornada.

É viável afirmar aqui e agora que essa é uma utopia realizável porque está assentada não

apenas na pura descrição conceitual, mas vem acompanhada de propostas concretas para a

realização desta utopia, que não é simples e nem fácil, mas também não é complexa e nem

difícil – a disponibilidade e o querer trazem em si o gênio e o gérmen da realização.

Não tenho receitas e nem a segurança de proposições científicas, porque no terreno

humano tudo é fluido, difuso, possui múltiplos aspectos, no entanto fica a certeza de que o

encontro humano acontece na cumplicidade e no amor, reconhecendo que entre o eu e o outro

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existe uma tensão, passível de entendimento, caso seja resguardado o respeito e a

individualidade dos dois pólos. As experiências gratificantes impulsionam para relações

amistosas, estimula a criação de vínculos emocionais entre as pessoas e conseqüentemente a

vida e alegria na escola.

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6 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Aqui, trago reflexões conclusivas acerca da experimentação com atividades lúdicas e

sociodramáticas na construção do vínculo, tendo como foco a aprendizagem e a convivência

em sala de aula. A questão central que fundamentou este estudo foi compreender como as

atividades lúdicas e sociodramáticas contribuem para a formação do vínculo e como este

vínculo interfere na aprendizagem e na convivência dos educandos entre si e dos educandos

com os educadores. Para realizar tal intento e responder as questões, o campo teórico foi

delineado e a atuação em sala de aula foi realizada com a pesquisa-ação durante dois

semestres, em 2005 e 2006, com dois grupos diferentes: de 5ª e 6ª séries do ensino

fundamental, numa escola pública estadual em Salvador – BA.

É muito significativo chegar ao fim desse percurso e a partir dele comentar o que fui

tecendo ao longo dos capítulos da dissertação, principalmente por considerar que não se pode

dissociar a atuação profissional e a pessoa do educador, sua história de vida e o aprendizado

no processo que vem ampliar a esfera do ser – o operar na plenitude. A busca do si mesmo, do

respeito próprio, deve expressar também a aceitação solidária do outro, pela aceitação da

existência, da diversidade da condição humana e da vida. Desse lugar, posso afirmar que esse

percurso possibilitou-me inúmeros questionamentos, superação de dificuldades, reformulação

de conceitos, (des) construção de saberes, engendrado no diálogo com os atores sociais

participantes da pesquisa, com os autores que a fundamentam e, de modo especial, com a

minha própria subjetividade, por estar imersa e plena nesse ato. Assim, o caminho foi feito ao

caminhar num ir e vir constantes pela fluência e indeterminação do cotidiano escolar,

seguindo as pistas do objetivo para não perder o foco delimitado. Portanto, os procedimentos

e as questões teóricas serão avaliadas reconhecendo que uma metodologia aplicada à prática

educativa escolar, que enfatiza o estado de inter-relação e interdependência entre os

fenômenos, a criação de vínculos, obedecendo princípios científicos, pode ser reconhecido

como referencial para novos paradigmas educacionais na contemporaneidade.

Antes de discutir e apresentar os resultados da pesquisa, é preciso falar do impacto da

metodologia da pesquisa-ação, por ser indeterminada, difusa, não só pelos imprevistos e auto-

engano verificados in loco, mas também pelo meu próprio amadurecimento e aprendizado,

que me ajudaram a não afastar do fluxo das propostas da ludicidade e do sociodrama,

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principalmente pelas mãos seguras e competentes de meus orientadores: Drª Bernadete Porto

e Dr. Cipriano Carlos Luckesi, que me acolhiam com observações sensíveis e pertinentes.

A escola está inserida na complexa, conflituosa e dinâmica teia social, construindo

nesses espaços educativos suas relações sociais, configurando também contextos,

modalidades vinculares, que ainda atentam para os princípios do “aprender a conviver”, um

dos pilares preconizados pelo Relatório Jacques Delors (1999) para a Educação no século

XXI. A experiência na escola possibilitou-me adentrar num campo de estudo que sempre me

fascinou, ancorada na pesquisa-ação, que nos seus princípios e dinâmica, vai abrindo portas e

janelas, descortinando saberes e os meandros da subjetividade humana, principalmente por

mostrar a ludicidade e o sociodrama como significativos instrumentos de mobilização da

ação, para a construção de vínculos favoráveis à convivência e à aprendizagem.

As descobertas e conclusões desse estudo tem como referência as questões

apresentadas no início da dissertação, o uso do método e as atividades práticas que considerei

as mais relevantes para os grupos pesquisados, conforme anos de experiência com grupos.

Vou focar minhas conclusões em dois eixos importantes: na metodologia utilizada

para a identificação e construção do vínculo nos dois grupos distintamente e nos resultados

obtidos em decorrência do contexto, da realidade do vínculo existente ou em processo de

construção, considerando cada grupo, separadamente.

A metodologia utilizada para a identificação dos vínculos entre os atores sociais na

dinâmica escolar, como comprovam os dados analisados ao longo da dissertação, serviu-me

como guia para olhar objetivamente as relações, assim como planejar as atividades práticas.

O primeiro elemento considerado fundamental em todo o processo é o respeito à

vontade, à liberdade e à pessoa do estudante, no qual a pesquisadora se dispôs a acompanhar,

ouvir e aceitar o que vinha dele e do grupo e a partir daí, introduzir as técnicas e os

procedimentos que permitiram entrar em contato com os elementos conflitivos da relação em

sala de aula, por visar a tão desejada convivência e melhores resultados na aprendizagem. Em

respeito aos princípios da ludicidade e do sociodrama, tive que mudar o curso da experiência

com o grupo “A”, deixando de lado a atuação junto à professora regente, para investir na

construção do vínculo, pelo fato da pesquisa ter sido iniciada no segundo semestre e as

relações nesse período serem conflituosas e violentas. Cheguei mesmo a desanimar e

questionar se as atividades lúdicas e sociodramáticas ajudariam esse grupo na situação em que

estava. Nesse momento, caí em mim e percebi que nem mesmo as atividades lúdicas e o

sociodrama, com todo o seu potencial, não fariam de imediato o milagre de restabelecer todas

relações e a confiança perdida naquele grupo. Um espelho quebrado jamais refletirá a mesma

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imagem. De modo semelhante, essa afirmação reflete a situação do Grupo “A”, uma vez

quebrada a confiança entre os estudantes e entre eles e os professores, o ambiente da sala de

aula tornou-se inseguro e isso prejudicou sobremaneira a reconstrução dos vínculos, mesmo

com atividades lúdicas, prazerosas, contextualizadas, dinâmicas, a convivência e a

aprendizagem foram prejudicadas. Estava claro que era preciso cuidar do vínculo. A reação

da metade dos que restaram, era de indiferença e rechaço aos jogos e brincadeiras

O teste sociométrico, as atividades lúdicas e sociodramáticas, revelaram como estava a

relação no grupo sem causar constrangimento, deixando clara a importância do vínculo.

Constatei na prática, como relações estremecidas minam o ambiente escolar, disseminando

violências diversas, a ponto de tornar esse ambiente insuportável para professores e

estudantes. O comportamento humano é movido pela afetividade, pela busca da redução das

tensões psicobiológicas, na relação com outros. No caso dos estudantes, iam abandonando a

escola ao longo do ano. Foi o que aconteceu com o grupo “A”, de 33 estudantes

matriculados: 10 evadiram, 15 foram reprovados e 08 aprovados. Foi um trabalho de

paciência, fé e muita afetividade para trabalhar os vínculos. Ao final da pesquisa, um

pequeno grupo permaneceu unido, o que acredito ajudou na aprovação desses estudantes e os

laços de amizade foram mantidos na série seguinte, onde continuei a pesquisa. Nesse sentido,

Maria Cândida Moraes (1997, p. 22) diz:

Eu sou o que são meus relacionamentos. Meus relacionamentos com o meu próprio ser, com o meu passado, o meu presente e o meu futuro, com os meus semelhantes e com a própria natureza. Não é possível separar o que sou dos meus relacionamentos. Haverá sempre uma dependência do ser em relação a seu ambiente geral. Tudo isso implica que a educação promova o respeito às diferenças, á diversidade entre os seres, às diferenças culturais e aos diferentes processos de desenvolvimento humano.

Na escola ainda prevalece o autoritarismo e a crença de que para se obter disciplina é

necessário manter a distância entre professores e estudantes, não reconhecendo a

interdependência dos papéis, o que leva a um distanciamento e até mesmo a agressividade,

uma problemática educacional enfrentada na pesquisa e que continua preocupante na

atualidade. A metodologia em questão, pela sua proposta de reflexão-ação, traz a

possibilidade de contribuir para corrigir as distorções visíveis das relações na escola,

demonstrando que a interdependência e a interatividade entre coisas e pessoas constroem a

teia de interações e relações compatíveis com os princípios nos quais se acredita.

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Outro elemento presente na metodologia foi possibilitar num campo relaxado o

aparecimento dos conflitos, que ficavam camuflados por um ideal de escola, com estudantes

sentados em fileiras, contidos em seus corpos e emoções, na ilusão de que é possível

conseguir resultados satisfatórios, sem considerar o ator aprendiz como o principal centro de

referência da ação educativa. No momento em que foi possibilitada a expressão dessas vozes

e desses corpos, o espanto e o impacto eram constantes, ao mostrar em suas histórias versões

da realidade que permitiam entender e transformar os mitos e fantasias com os quais

convivemos, sem saber o quanto afetam nossa qualidade de vida.

O grande diferencial dessa metodologia é possibilitar a construção de um espaço

relacional continente, afetivo, onde os atores experimentam a sensação de serem

compreendidos. Sua ênfase está nas relações interpessoais e a sua proposta teórica sustenta a

importância do vínculo e da afetividade, considerando que se relações inadequadas

constituem problemas, podem ser solucionados pela nossa capacidade, poder criativo e crença

em nossos ideais para a construção de relacionamentos sintônicos.

Pelos depoimentos dos estudantes e dos professores, foi possível observar algumas

mudanças positivas no relacionamento e aprendizagem, com menor intensidade no grupo “A”.

Esse grupo vinha rotulado como “grupo dos repetentes”, indisciplinados, como aqueles

estudantes que não queriam nada, agressivos, etc., acredito que esses rótulos negativos

influenciaram no processo. Como a intervenção foi iniciada no segundo semestre, o problema

já estava grave. A mesma metodologia foi trabalhada com o Grupo”B”, que também

enfrentou dificuldades no relacionamento, porém em escala menor; o contexto favoreceu

melhores resultados..

Os resultados confirmaram que os vínculos estabelecidos podem elucidar as

motivações, a conduta dos estudantes e despertar a experiência emocional neles contida, seja

ela positiva ou negativa. A metodologia em questão serviu como passaporte para facilitar

continências relacionais favorecedoras de vínculos de amizade entre os educandos do Grupo

“A”, sendo que em menor escala com os professores. No Grupo “B”, a relação dos estudantes

entre si e com os professores, desde o início da pesquisa foi bem melhor.

O conhecimento da interferência dos vínculos na conduta do indivíduo e do grupo

poderá favorecer que com o esforço dos professores, assistência do governo, preparo e boa

vontade, adotem uma metodologia que proporcione o contato com o conflito, a exclusão, a

superação do isolamento, adotando modalidades vinculares facilitadoras da união e

cooperação na escola. O modelo educacional de ensino precisa ser mudado, isso porque o

modelo adotado não gera ações para um ambiente cooperativo; não estimula o espírito crítico,

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a pesquisa científica, a criatividade, além de valores para a formação do cidadão intelectual e

humanamente feliz e competente.

A intencionalidade é uma forma de viver e refletir sobre as conseqüências do nosso

fazer. Voltando ao foco da propositividade da pesquisa, posso afirmar pelos resultados já

descritos que os objetivos foram alcançados. Nas entrelinhas e desviando a atenção do

propósito do estudo para as emergências ocorridas, para as cenas humanas de cooperação,

participação espontânea e para o inusitado, tudo isso nos encaminhará para o operar do ser

vivo – o operar na plenitude do ato, sem expectativas em relação à convivência, à

aprendizagem, mesmo com a tentação de esperá-las, nesse sentido, os resultados são

surpreendentes. A partir desse olhar sustento que tanto pela observação do desenvolvimento

do vínculo entre os estudantes, quanto por meio da reflexão sobre seus depoimentos, pelos

resultados na aprendizagem, principalmente do Grupo “B”, cujo trabalho foi desenvolvido em

condições mais favoráveis que o Grupo “A”, em função disso, é possível afirmar que esses

jovens cresceram como seres humanos e tudo isso foi intermediado pela ludicidade e o

sociodrama, ou seja, pelo brincar e amar.

Acho fundamental destacar que se as atividades lúdicas e sociodramáticas fossem

realizadas fora da aceitação, do respeito mútuo, da compreensão, do olhar reflexivo sobre as

atitudes e conteúdos dos estudantes, elas não satisfariam a demanda relacional e formativa,

seriam apenas brincadeiras, jogos e passatempo. Acredito que a escola para recuperar-se

como espaço de crescimento intelectual e desenvolvimento humano, como ambiente

fomentador de encontro de mentes e corações – no qual o autoritarismo, a discriminação, a

agressividade, o desrespeito e a opressão não sejam modos costumeiros de viver, mas

fragilidades e erros ocasionais da convivência – deve ser dado espaço à racionalidade, a

emoção e à ludicidade como forma de pensar e viver na atmosfera do vínculo amoroso.

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APÊNDICE A – Teste Sociométrico Colégio Estadual Hildete Lomanto Nome do aluno: _____________________________ 5ª Série ___ Matutino Data da aplicação:_____________________________ Disciplina: _____________________________ Profª: ____________________________ Mestranda: Antonia Lucia Leite Ramos

TESTE SOCIOMÉTRICO

1. Escreva o nome de três colegas de sua turma, pela ordem de preferência, que você gostaria que sentasse ao seu lado em sala na sala de aula. 1º ____________________________________________ 2º ____________________________________________ 3º ____________________________________________

2. Escreva o nome de três colegas, pela ordem de preferência, que você NÃO escolheria

para sentar ao seu lado na sala de aula.

1º ____________________________________________ 2º ____________________________________________ 3º ____________________________________________

3. Escreva o nome de três colegas, pela ordem de preferência, que você acredita que lhe escolheriam para sentar ao lado delas na sala de aula. 1º ____________________________________________ 2º_____________________________________________ 3º ____________________________________________

4. Escreva o nome de três colegas, pela ordem de preferência, que você acredita que

NÃO lhe escolheriam para sentar-se ao lado delas na sala de aula. 1º ____________________________________________ 2º____________________________________________ 3º____________________________________________

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APÊNDICE B – Questionário de Levantamento das Relações Interpessoais dos Estudantes da 5ª série... Turno Matutino

Colégio Estadual Hildete Lomanto Nome do aluno: ___________________________________ 5ª Série ____ Matutino Idade:_________ Data de Aplicação: __________________ Disciplina: ________________________ Profª:____________________________ Responsável: Antonia Lucia Leite Ramos INSTRUÇÕES: Abaixo você encontrará dez questões com quatro alternativas possíveis em Cada uma delas. Leia com atenção e assinale na resposta de acordo com suas convicções.

1. Existe um bom entrosamento entre os colegas dessa turma? ( ) sim ( ) não ( ) às vezes ( ) não sei

2. Você sabe o nome de seus colegas? ( ) de todos ( ) de muitos ( ) de alguns ( ) de nenhum

3. Há colegas isolados na sua turma? ( ) todos ( ) nenhum ( ) alguns ( ) muitos

4. Ocorre tratamentos agressivos entre os próprios colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

5. Existe espírito cooperativo entre os colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

6. Sente-se aceito(a) pelos colegas da turma? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

7. Você acha que sua turma é unida? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

8. Você considera importante relacionar-se com todos os colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

9. Sente receio em falar nessa turma? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

10. Existe afetividade entre colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca

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APÊNDICE C – Sociodramas temáticos

Escola Hildete Lomanto Pesquisa de Campo Mestranda: Antonia Lucia Leite Ramos Programa a ser desenvolvidos com os alunos da 6ª série ____ , turno matutino. Sociodramas temáticos: Convivência, Aprendizagem e Vínculo O VÍNCULO AFETIVO TRANSFORMA UMA REUNIÃO DE PESSOAS EM UM GRUPO. MARÇO: TEMA: Identidade É importante trabalhar o processo de tomada de consciência de si: do seu nome, do seu corpo, seus afetos, suas emoções, seus limites, suas dificuldades, seus valores, suas aptidões e sua história de vida. 10/03 – Apresentação do programa e realização do teste sociométrico. 17/03 – Quem sou eu? Quem é você? 24/03 – Como eu me vejo/ auto-imagem. 31/03 – Como os outros me vêem/como eu vejo os outros. ABRIL: TEMA: Integração É importante estabelecer regras básicas de relacionamento e convivência, para que um clima de respeito mútuo se instale. 07/04 – Somos iguais, somos diferentes, isso exige respeito e aceitação. 24/04 – Confiança. MAIO: TEMA: Comunicação À medida que o grupo constrói confiança, é possível a expressão dos pensamentos e das emoções, possibilitando a ajuda e trocas interpessoais. 05/05 – Quem não se comunica... 12/05 – Ruídos na comunicação 19/05 – Ouvir e falar 26/05 – Comunicando JUNHO: TEMA: Grupo Nesse tema é fundamental o aprofundamento sobre os papéis desempenhados por cada um dos participantes e novas formas de relacionamento. 02/06 – O que é um grupo? 09/06 – A construção do grupo

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