Upload
others
View
19
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANTONIA LUCIA LEITE RAMOS
VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA
Salvador 2008
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ANTONIA LUCIA LEITE RAMOS
VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação ¬ Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Educação e Diversidade.
ORIENTADOR: PROF. DR. CIPRIANO CARLOS LUCKESI
CO-ORIENTADORA: PROFA. DRA. BERNADETE DE SOUZA PORTO
Salvador 2008
R175 Ramos, Antonia Lúcia Leite.
Vínculos na prática educativa escolar : um estudo com base na ludicidade e no sociodrama / Antonia Lúcia Leite Ramos. – 2008.
223 f.
Orientador: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi. Co-orientadora: Profa. Dra. Bernadete de Souza Porto. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade
de Educação, 2008.
1. Prática pedagógica. 2. Relações pedagógicas. 3. Ludicidade. 4. Sociodrama. I. Luckesi, Cipriano Carlos. II. Porto, Bernadete de Souza. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. IV. Título.
CDD 371.3 – 22 ed.
ANTONIA LÚCIA LEITE RAMOS
VÍNCULO NA PRÁTICA EDUCATIVA ESCOLAR: UM ESTUDO COM BASE NA LUDICIDADE E NO SOCIODRAMA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação ¬ Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Educação e Diversidade.
Aprovada em 10 de abril 2008.
Cipriano Carlos Luckesi – Orientador _________________________________________ Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil Bernadete de Souza Porto – Co-Orientadora____________________________________ Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará, UFC, Brasil Universidade Federal do Ceará, UFC, Brasil Cristina d’Ávila Teixeira Maheu – ____________________________ Doutora em Educação, pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil. Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil Pós-doutorado pela Universidade de Montreal - Canadá
Dedico este trabalho a Raphael, filho querido, vínculo de amor incondicional, bendigo sua vida.
Ao meu amado, Rodolfo, em você reverencio o estímulo, a alegria e o amor.
À todos que em mim atingiram zonas de sensibilidade, contato interior e afetos fecundos – sou fortalecida pelos vínculos que nos constituem.
AGRADECIMENTOS
Este é um momento de muita alegria, quando passo reverenciar, de coração, a muitas pessoas que estiveram do meu lado incentivando e contribuindo para a culminância desta dissertação. O sentimento que flui é de gratidão e reconhecimento.
Especialmente à minha orientadora e mestra, Dra. Bernadete de Souza Porto, agradeço sensibilizada a sua interlocução competente, incentivo e, sobretudo, à amiga que transcendeu o nosso encontro acadêmico e que muito me ajudou a ampliar o olhar sobre a vida. As palavras mágicas “deixe ela ficar” guardo-as no meu coração.
Ao mestre Dr. Cipriano Luckesi, minha eterna gratidão; as palavras talvez não a signifiquem. Para mim é muito importante anunciar, aos quatro ventos, que minha vida se divide em antes e depois deste mestre e terapeuta. Você me ajudou a vislumbrar outros horizontes para além da culpa e do preconceito humano.
À minha família, especialmente à minha mãe, cuja sabedoria e amor considerava o estudo o maior bem que poderia me dar e o deu com muito empenho. À minha irmã Cida, pelo apoio constante; aos meus sobrinhos Emanuela, Daniela e Eduardo agradeço não só a ajuda no computador, mas também o incentivo.
Aos parceiros do GEPEL, com quem dividi muitos momentos lúdicos e ricos em conhecimentos – a ludicidade compartilhada é uma bênção.
As amizades surgidas durante o mestrado: Alexandre Santiago, Ilma Soares, Suely Barros, Vera Montano, pelo apoio, força, horas de conversas e bom humor; foi muito bom tê-los no meu caminho.
Aos companheiros do antigo SUPLECAV, Carlinhos, Pe. Domingos, Landa, Rizomar, Ornélia, como gosto de dizer: ah! meus “amigos velhos”, valem os vínculos.
À Ir. Maria Julia de A. Lima e ao Colégio Santa Eufrásia, pelo que representam na minha vida pessoal e profissional.
A Railda Souza (in memoriam) amiga confidente, exemplo de abnegação e generosidade, que me incentivou a completar o percurso interrompido e ver o meu sonho realizado. Divido com você esta vitória.
A Benedita, porto seguro na minha casa, sem você seria mais difícil conduzir este mestrado.
À minha amiga Dores Margareth, você me cativa pela bondade, disponibilidade e humor inteligente. Valeu a escuta sensível e o apoio fiel.
A Marlene Oliveira, a mais nova amizade, seu estímulo e generosidade fazem a diferença.
A Adilton Willes, que me auxiliou nos encontros do grupo “B”, presença de paz e ludicidade, e a Ana Paula, pela gentileza e disponibilidade em filmar o sociodrama final.
A Thereza Valladares, pela supervisão em Psicodrama, por acalmar a minha angústia e me fazer compreender dizendo: “há muito você vem aquecendo os meninos para o sociodrama”.
A Neide Marina e Auxilidadora Freitas, colegas do Psicodrama e Egos-auxiliares, que me ajudaram a partilhar no ato as cenas dramáticas desta pesquisa.
A Toyoo Watanabe, que me ajudou a acreditar em mim e a prosseguir na busca do meu sonho.
Á Direção da Escola Hildete Lomanto, aos professores que colaboraram diretamente, especialmente aos estudantes do grupo “A” e “B” ─ vocês representam todos os educandos das escolas ─ fonte viva para a inscrição de vínculos saudáveis.
Aos professores da Faculdade de Educação da UFBA, em especial, a Cristina d’Ávila, Maria Cecília de Paula, Celi Tafaffarel, Dante Galeffi, Iracy Picanço, Paulo Gurgel, Roberto Rabelo, Sérgio Farias e Teresinha Fróes, jóias preciosas deste Programa.
Aos funcionários de Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA, especialmente a Graça (Gal) e Nádia, pela disponibilidade nos momentos mais inusitados.
Ó meu Deus, eu vos dou graças por possibilitar-me este grande feito, porque só Tu és conhecedor desta história, inscrita em tantas sendas e tantos vínculos.
Que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida, Em que nos distraímos de outra coisa – Que coisa não sabemos -; Livres porque brincamos se jogamos, Presos porque tem regras cada jogo; Inconscientemente? Feliz o a quem surge a consciência Do jogo, mas não toda, e essa dele Em saber perder.
Fernando Pessoa
RAMOS, Antônia Lúcia Leite. Vínculos na prática educativa escolar: um estudo com base na ludicidade e no sociodrama. 223 f. 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
RESUMO
Esta pesquisa teve como meta principal compreender como a prática da ludicidade e do sociodrama pode contribuir para a formação e/ou melhoria dos vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica, favorecendo a convivência e a aprendizagem. A pesquisa qualitativa foi a abordagem utilizada para o estudo, desenvolvida a partir da pesquisa-ação. O estudo traz os fundamentos teóricos que sustentam a pesquisa prática, pautados pelo ideário de Jacob Levi Moreno, Cipriano Luckesi e Paulo Freire. Traz reflexões metodológicas sobre uma experiência sócio-educacional, desenvolvida com base em um dos pilares da educação para o século XXI – “Aprender a viver juntos” – de Jacques Delors, vivenciados através de práticas lúdicas e sociodramáticas com o intuito de identificar as possibilidades que essas práticas criam na formação de vínculos entre os atores escolares e uma narrativa contendo os caminhos e (des)caminhos de um pesquisador. O palco desse estudo foi uma escola pública estadual com dois grupos pesquisados, obtendo-se importantes resultados principalmente na convivência e aprendizagem. O trabalho com atividades lúdicas e sociodramáticas traz a possibilidade de formação dos vínculos através de um trabalho lúdico, reflexivo, contextualizado. Concluímos então, que o importante na prática educativa escolar é o vínculo entre os atores escolares e este tem grandes possibilidades de ser formado com atividades lúdicas e sociodramáticas para fomentar a convivência e a aprendizagem, mas também está aberto a qualquer experiência que traga a união, o afeto e o respeito ao outro como foco.
Palavras-chave: Prática pedagógica. Relações pedagógicas. Ludicidade. Sociodrama.
RAMOS, Antônia Lúcia Leite. Linkages in educational practice school: a study based on games in sociodrama. 223 f. 2008. Master Dissertation – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
ABSTRACT
This research has as its principal aim to understand how games and sociodrama can contribute to the formation and/or improvement of bonds between the subjects of pedagogical praxis, sustaining companionship and learning. The qualitative research approach was the one used for the study, developed according to research-action. The study brings to light theoretical fundaments that support the practical research based on the ideas of Jacob Levi Moreno, Cipriano Luckesi, and Paulo Freire. It also addresses some methodological reflections about a socio-educacional experience based on one of the pillars of education for the twenty-first century – “Learning to live together” – by Jacques Delors, experienced by means of playful and socio-dramatic practices with the intent of identifying the possibilities that those practices can create in the formation of bonds between the school actors and a narrative containing a researcher’s paths and deviations. The stage of this study was a state public school where two groups were surveyed. Important results were obtained especially as far as camaraderie and learning are concerned. The work with playful and socio-dramatic activities shows the possibility of formation of bonds through playful, reflexive and contextualized work. One can conclude, therefore, that what is important in the school educacional practice is the bond among the school actors and this bond can be constructed with playful and socio-dramatic activities to stimulate camaraderie and learning but it is also open to any experience that brings as a focus union, affection and respect for each other.
Key-words: Pedagogical bond. Playfulness.Sociodrama. School actors.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEPS Centro de Psicodrama e Sociodrama
ECRO Esquema Conceitual Referencial e Operativo
FEBRAP Federação Brasileira de Psicodrama
GEPEL Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade
UFBA Universidade Federal da Bahia
LISTAS DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Grupo A - Intensidade das escolhas - Eleições Positivas 66
Gráfico 2 Grupo A - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas 67
Gráfico 3 Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições positivas 141
Gráfico 4 Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas 141
LISTAS DE SOCIOGRAMAS
Sociograma 1 Grupo A – Eleições Positivas (Inicial) 60
Sociograma 2 Grupo A – Eleições Negativas (Inicial) 62
Sociograma 3 Grupo A – Redução de Primeira Escolha Positiva 64
Sociograma 4 Grupo A – Redução de Primeira Escolha Negativa 65
Sociograma 5 Grupo A – Eleições Positivas (Final) 69
Sociograma 6 Grupo A – Eleições Negativas (Final) 70
Sociograma 7 Grupo B – Eleições Positivas (Inicial) 138
Sociograma 8 Grupo B – Eleições Negativas (Inicial) 140
Sociograma 9 Grupo B – Eleições Positivas (Final) 143
Sociograma 10 Grupo B – Eleições Negativas (Final) 146
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 151.1 JUSTIFICATIVA
18
2 POR QUÊ CHEGO A PESQUISA: DA EXPERIÊNCIA AO DESAFIO DE PESQUISAR 21
2.1 ANTES QUE SEJA TARDE... VAMOS AO PROBLEMA E AOS OBJETIVOS
27
2.1.1 Objetivo Geral 302.1.2 Objetivos Específicos 303 ABORDAGEM METODOLÓGICA 31
3.1 O VÍNCULO COMO PONTE PARA O DESENVOLVIMENTO INTERPESSOAL 33
3.2 SOBRE A LUDICIDADE E O MÉTODO PSICODRAMÁTICO 373.2.1 O que vem a ser ludicidade... 383.2.2 Sobre o método psicodramático
40
4 INTERVENÇÃO INVESTIGATIVA: A LUDICIDADE E O SOCIODRAMA MEDIANDO O DRAMA ESCOLAR
47
4.1 GRUPO “A”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA INTERVENÇÃO 52
4.1.1 Teste Sociométrico 554.1.1.1 Teste sociométrico “antes” e “depois” da intervenção 564.1.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final 67
4.1.2 O que pensam os estudantes da 5ª série sobre as relações interpessoais na sala de aula 71
4.1.2.1 Antes da intervenção 724.1.2.2 Depois da intervenção 734.1.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na
sala de aula 764.1.3.1 Antes da intervenção 764.1.3.2 Depois da intervenção 824.1.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo”A” 834.1.4.1 Cenário 844.1.4.2 Atores 854.1.4.3 Relato dos Encontros 874.2 GRUPO “B”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA
INTERVENÇÃO 1354.2.1 Teste Sociométrico 1354.2.1.1 Teste sociométrico “antes” e “depois” da intervenção 1364.2.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final 1424.2.2 O que pensam os estudantes da 6ª série sobre as relações
interpessoais na sala de aula 147
4.2.2.1 Antes da intervenção 1474.2.2.2 Depois da intervenção 1524.2.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na
sala de aula 158
4.2.3.1 Antes da intervenção 1594.2.3.2 Depois da intervenção 163
4.2.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo”B” 1664.2.4.1 Cenário 1674.2.4.2 Atores 1674.2.4.3 Relato dos Encontros 1684.2.5 Comparação entre os grupos: “A” e “B”
196
5 SOLILÓQUIOS E COLÓQUIOS DE UMA PESQUISADORA: LABIRINTOS DE MINHA JORNADA
197
6 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
208
REFERÊNCIAS
213
APÊNDICE A – Teste Sociométrico 221 APÊNDICE B – Questionário de Levantamento das Relações
Interpessoais dos Estudantes da 5ª série... Turno Matutino 222
APÊNDICE C – Sociodramas temáticos 223
15
1 INTRODUÇÃO
A verdadeira comunidade não nasce do fato de que as pessoas têm sentimentos umas para com as outras (embora ela não possa, na verdade, nascer sem isso), ela nasce de duas coisas: de estarem todos em relação viva e mútua com um centro vivo e de estarem unidos uns aos outros em uma relação viva e recíproca.
Martim Buber
Educação é, antes de tudo, relação interpessoal; é através dela e nela que pode ser
viabilizada uma reflexão e ação, no sentido de conscientizar o ser humano de que a vida é
uma grande teia de relações e conexões, sendo cada pessoa um fio particular conectado a essa
grande teia. A prática educativa escolar, que está estreitamente vinculada à relação
interpessoal e à aprendizagem, aqui é vista como um produto das interações que se
estabelecem entre o sujeito que aprende e os mediadores culturais (educadores, pais, etc.) que
facilitam esse processo. Deste modo, entende-se que o educando participa de um emaranhado
de relações sociais e interpessoais, no qual as vinculações que estabelecem com os outros
contribuem para os resultados de sua tarefa construtiva/formativa. Para Moreno (1993a), o
sujeito é encarado como ator e protagonista de sua própria vivência, valorizando a inter-
relação com outros protagonistas no cenário da vida.
O interesse pelo tema Vínculos na práxis educativa escolar surge no intuito de
experimentar uma metodologia que possibilite a vivência de relações no cotidiano escolar, de
modo a favorecer vínculos saudáveis, que contribuam para o principal papel da escola, que, a
nosso ver, é o de educar, no sentido de favorecer a aquisição dos bens culturais, de modo que
o indivíduo possa se integrar à sociedade de forma autônoma e participativa.
A dimensão individualista de educando é substituída pela compreensão da dimensão
social como uma rede de inter-relações em que, na prática escolar, educandos, educadores,
funcionários, pais e comunidade estão interligados para a construção de um projeto coletivo
maior; nesse sentido, a escola não deve ser vista a partir de uma perspectiva fragmentada.
Compreende-se, assim, que o indivíduo sozinho é uma ilusão, uma utopia, tampouco o grupo
escolar é formado por elementos individuais. O conjunto dos vínculos é que determina a
integração grupal e, conseqüentemente, a produção de um grupo.
Queiramos ou não, estamos envolvidos nas relações. Somos essencialmente “seres de
relação”, mas isso pode ocorrer sem a qualidade dialética, que, segundo Pichon-Riviére
16
(1998b, p.19) “é o que permite o desenvolvimento normal da personalidade”. Essa qualidade
ajuda o indivíduo a resolver suas dificuldades de comunicação, expressas na realidade do
vínculo. Para Moreno (1993b), o sujeito é encarado como ator e protagonista de sua própria
vivência, valorizando a inter-relação com outros protagonistas como fundamental para a
saúde e atuação no mundo. A ação humana é composta de papéis e dos vínculos que são
estabelecidos na complementação desses papéis sociais. Por exemplo, de educando/educador,
pai/filho, patrão/empregado, e assim por diante. Para Maria da Penha Nery (2003), os dramas
da existência estão imersos na complementação dos papéis e na modalidade vincular
aprendida nas vivências afetivas, principalmente na família e nas relações sociais.
Como seres sociais e culturais, recebemos a vida e a transmitimos, assim como também
recebemos e transmitimos a cultura. Segundo Ernest Cassirer (1976, p.104), o homem não
pode encontrar-se, não pode ter consciência da sua individualidade, senão por intermédio do
social. A vida, e também a cultura, nos são dadas através das relações. A escola, a exemplo
da sociedade, é um território minado por desencontros, isolamentos, violências, salvo algumas
experiências bem sucedidas para a convivência pacífica, de modo geral a dinâmica intra-
escolar é marcada por conflitos e antagonismos, que vão desde as relações entre direção,
professores, especialistas, educandos e até mesmo entre o conhecimento acadêmico e o
conhecimento cotidiano. Visto por esse viés, estamos diante de um grande desafio: como
conviver com as diferenças, como transmitir a riqueza dos nossos bens culturais, se não
buscarmos formas alternativas de superar o individualismo, a fragmentação, expressas na
realidade dessas relações?
Enquanto método, este estudo referencia-se no Sociodrama Pedagógico, contribuição de
Jacob Levy Moreno (1993a, p.411), um trabalho com grupos, visto como “um método de ação
profunda que trata das relações intergrupais e das ideologias coletivas”. Compartilho também
com a visão de Marlene Marra (2004, p.20), que diz: “o sociodrama é considerado um
paradigma de co-construção do saber, estabelecendo uma ponte criativa e co-responsável
entre os participantes do grupo, própria de todo conhecimento”. Também tem como base a
ludicidade, vista a partir da experiência interna do sujeito. Para Luckesi (2000, p.21) “a
atividade lúdica propicia uma experiência de plenitude; quando nos entregamos a ela, nos
envolvemos por completo, estamos inteiros, belos, flexíveis, alegres, saudáveis. [...] Brincar,
jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente ao mesmo
tempo”.
Pretende-se focar a pesquisa no uso de atividades; lúdicas e sociopsicodramáticas de
forma concomitante, acreditando que elas podem propiciar a educadores e educandos um
17
processo de vinculação e também possibilitar uma melhor convivência e uma mais satisfatória
aprendizagem. Neste sentido, é que pergunto: Como a ludicidade e o sociodrama contribuem
para a formação de vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica escolar? Como este
vínculo interfere na aprendizagem e na convivência entre educadores e educandos?
A abordagem será qualitativa, com a proposta metodológica da pesquisa-ação de Barbier
(1985), Moreno (1993a, 1993b, 1994), Bogdan e Biklen (1994), com a interação do
pesquisador e o grupo envolvido na situação investigativa. O referencial teórico-metodológico
fundamenta-se nas contribuições de Jacob Levi Moreno (1983, 1993a, 1993b), Cipriano
Luckesi (2000, 2002), Pichón-Riviére (1998a, 1998b), Paulo Freire (1996, 2005).
As atividades vivenciais terão caráter pedagógico e não terapêutico, apesar dos
benefícios de ordem terapêutica que podem proporcionar; o propósito é subsidiar uma prática
educativa lúdica de qualidade, significativa e eficaz, pela criação de vínculos que, por sua vez,
poderão propiciar um ambiente escolar acolhedor e uma aprendizagem mais satisfatória.
O momento exige que não posterguemos mais. É preciso dedicar atenção ao problema
das relações e dos vínculos, principalmente para aqueles que se dedicam à educação de
crianças e jovens, na tentativa de encontrar saídas ou soluções desejáveis para a escola
cumprir o seu papel, que há muito está a desejar, tanto em relação à aprendizagem quanto à
convivência e também quanto ao desenvolvimento dos dons.
Isto posto, acredita-se que esta pesquisa venha a ser mais uma contribuição à educação,
pelas possibilidades da ludicidade e do sociodrama configurarem-se como formas de atuação
didático-pedagógica, facilitadora da aprendizagem e da convivência, questões atualmente
preocupantes no cotidiano escolar.
Na tentativa de levar o leitor a compreender não só a minha trajetória e a relação com o
tema, mas também todo o processo de pesquisa – desenvolvimento das atividades,
dificuldades, descobertas, conflitos, fragilidade intelectual e emocional, mudanças ocorridas
como parte integrante da intervenção – dividirei este texto em três partes:
A primeira parte, Por quê chego à pesquisa: da experiência ao desafio de pesquisar,
faço uma incursão pelos meandros da vida profissional que considero importante na minha
constituição de sujeito comprometido com uma visão de ser humano e de mundo, e também o
percurso teórico/metodológico que fundamenta a ludicidade, o sociodrama e o vínculo.
Na segunda parte, Intervenção investigativa: a ludicidade e o sociodrama mediando
o drama escolar, trago para o centro do palco os atores sociais da escola, o contexto e as
atividades desenvolvidas, desde os instrumentos diagnósticos e pós-gnósticos, como também
18
as cenas que dinamizaram o drama da prática educativa escolar, na busca de estabelecimento
e compreensão dos vínculos entre educador e educandos.
A terceira parte, Solilóquios e colóquios de uma pesquisadora: labirintos de uma
jornada, descreverá o caminho percorrido como uma história de surpresas, auto-engano, da
iluminação do campo e das mudanças ocorridas nos sentimentos, conhecimentos e ações do
pesquisador.
Em síntese, a pesquisa tem como objetivo analisar e compreender como a prática da
ludicidade e o sociodrama contribuem para a formação de vínculos entre os sujeitos da práxis
pedagógica escolar, tendo como foco a aprendizagem e a convivência. Um estudo que traz as
interfaces de uma iniciativa lúdica e sociodramática, e, na sua totalidade, traz também o fluxo
da alegria, beleza, reflexão, ação e plenitude como processo vital.
1.1 JUSTIFICATIVA
Eles estão jogando o jogo deles. Eles estão jogando de não jogar um jogo. Se eu lhes mostrar que os vejo tal qual eles estão, Quebrarei as regras do seu jogo e receberei a sua punição. O que eu devo, pois, é jogar o jogo deles, o jogo de não ver o jogo que eles jogam.
C. Laing
Vive-se hoje na escola um clima de mal-estar e tensão, advindos de violências e
necessidades diversas, que prejudicam não só o seu funcionamento como instituição
educativa, mas também apontam para a busca de saídas e intervenções coletivas urgentes. São
válidas e proféticas as palavras de Paulo Freire (1987, p. 29) quando coloca como tarefa
pedagógica a humanização e diz: “O problema de sua humanização apesar de sempre haver
sido o problema central, assume hoje, caráter de preocupação iniludível”. Assim também
como as sábias palavras de Miguel Arroyo (2000, p.10) ao afirmar: “Recuperaremos o direito
à Educação Básica universal para além de “toda criança na escola”, se recuperarmos a
centralidade das relações entre educadores e educandos, entre infância e pedagogos”.
Nesse sentido, e tendo presente o dia-a-dia na escola e a forma como os vínculos têm se
dado entre educador–educando, educandos entre si, funcionários, etc., de modo geral, acredito
19
que estamos atravessando um período crítico no que diz respeito a formas saudáveis de
convivência. Falando sobre a agressão e os distúrbios que acontecem em sala de aula, Leonel
Correia Pinto (1978) diz que a psiquiatria moderna atribui a causa real dos distúrbios cada vez
menos a causas biológicas e cada vez mais a falhas humanas, à ausência de comunicação e de
consenso válidos, aos déficits da interação social, às desordens da educação. Na escola,
estudantes e professores colocam-se em campos opostos, o que inviabiliza as relações e os
vínculos saudáveis. Vejamos as falas.
Por parte dos alunos, referindo-se à professora:
-“Será que aquela cachorra vem dar aula hoje?”;
-“Aquela vagabunda marcou minha prova... mas deixa estar... se eu me prejudicar, ela
vai ver comigo”;
- “aquela professora é um cavalo batizado, é uma estúpida... mandou a gente parar de
cantar o parabéns.” (ocasião do aniversário da professora e esta rejeitou a festa que
os alunos fizeram, segundo a aluna);
Por parte dos professores, referindo-se aos estudantes:
- “São uns estúpidos, não respeitam mais ninguém”;
- “São uns marginais, vêm pra aula só bagunçar”;
- “Só venho dar aula porque não tenho outro jeito, mas eles não querem nada”;
- “Eu vou falar a verdade... tem hora que a gente perde a paciência e diz o que não
devia, mas eles provocam”.
Um aluno falando de um funcionário:
- “Ele me deu um safanão (agarrou por trás do pescoço), empurrou e disse: ‘Vai
demônio, pra sala de aula’”.
A amostra acima, descrevendo falas que retratam o modo de relação predominante na
escola, deixa explícito como fica difícil também ocorrer a aprendizagem saudável, pois, como
bem diz Rubem Alves (2004), toda experiência de aprendizagem inicia com uma experiência
afetiva. Ao nosso ver, para se criar um clima propício à aprendizagem é necessário o vínculo,
aquela parcela mínima de afeto que nos liga ao objeto do desejo. A própria palavra afeto vem
do latim affecare, que quer dizer “ir atrás”, é um movimento que faz cada um voar em busca
do que o atrai, do objeto sonhado.
Os modelos de relações aos quais estamos submetidos são questões antigas que ainda
não encontraram respostas na atualidade; geralmente vive-se nas escolas relações de
indiferença, competição, violência e eventualmente relações de amizade, caracterizando-se
essencialmente em relações pedagógicas autoritárias e conflituosas. É uma lógica que faz
20
parte de um processo excludente, marginal e desumano, para justificar “o cada um por si”
como reflexo das tensões e violências vividas na sociedade. Em função disso, é preciso mexer
realmente na pedagogia escolar, a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real,
penetrar nas escolas públicas e olhar os sujeitos, considerando o que diz Paulo Freire (1996,
p.74): “O combate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela mesma quanto
dela faz parte o respeito que o professor deve ter à identidade do educando, à sua pessoa, a
seu direito de ser”. Olhando por esse viés, é possível perceber que como seres humanos
somos proibidos de ser pelas práticas autoritárias, desumanas, onde as relações na escola se
dão na maioria das vezes de forma conflitiva entre opressores e oprimidos.
Assim sendo, esta pesquisa realizada ao longo de dois semestres, através de uma
intervenção com atividades lúdicas e sociodramáticas numa escola pública da cidade de
Salvador, Bahia, investiga os meios pelos quais os vínculos entre educandos e entre
educandos e educadores podem ser construídos, o que acredito, viabiliza a redução dos
processos de violência, observados na escola pública, assim como a melhoria na
aprendizagem, influenciada por vínculos mais sintônicos, o que vem justificar um trabalho
dessa natureza.
21
2 POR QUÊ CHEGO À PESQUISA: DA EXPERIÊNCIA AO DESAFIO
DE PESQUISAR
Aquele que não sabe o que se passa recorda para salvar a interrupção de seu relato, pois não é de todo infeliz aquele que pode contar a si mesmo a sua história.
Maria Zambrano
Vou fazer uma pequena reconstrução da minha trajetória pessoal/profissional, não só
para o entendimento do processo mas também para resgatar os sentidos, ampliar o olhar e
honrar o passado como o alicerce do que hoje se anuncia.
Desde os 15 anos de idade, lido com a Educação. Aos 19 anos, tornei-me oficialmente
professora, no Colégio Santa Eufrásia, na cidade da Barra, interior da Bahia, onde estudei do
curso primário ao normal. As primeiras experiências de ensino foram pautadas pela
criatividade e ludicidade, como recurso pedagógico para atrair os educandos, usado de modo
intuitivo, sem fundamentação teórica, pela necessidade mesma de ser respeitada, já que era
jovem e alguns dos educandos eram meus contemporâneos e a disciplina que lecionava, a
meu ver, precisava ter um diferencial. Durante o tempo que trabalhei no colégio, coordenei
campeonatos esportivos, ginásticas rítmicas, apresentações artísticas, folclóricas, teatro, etc.,
envolvida também com a comunidade.
Em 1975, recebo uma proposta da diretora do Colégio Santa Eufrásia, Irmã Maria Julia
de A. Lima, para estudar Pedagogia em Fortaleza, com o compromisso de voltar e ajudar o
colégio. Como moradora ribeirinha do rio São Francisco, era preciso banhar em outras fontes,
as águas do conhecimento acadêmico não chegavam até lá. Em 1976, sigo o meu desejo e
inicio no segundo semestre o curso de Pedagogia, na Universidade Federal do Ceará. Nessa
fonte mitigo a grande sede de conhecimento, usufruo da sabedoria de grandes mestres como:
Emília Veloso, Lindir, Meirecele, Lourdinha Peixoto, Nicolino, Teresinha Vieira, Maria
Damasceno e outros, de modo especial destaco, Leonel Correia Pinto que me encantou com
sua visão integrada da educação, ao dar ênfase ao sentir, pensar e agir, hoje fortalecida pela
visão da ludicidade, que é também integrativa. Fora da universidade, continuo garimpando as
artes e começo a freqüentar um grupo folclórico do SESI, dirigido pela professora Maristela
Holanda. Com a colaboração do grupo folclórico, do colégio e das pessoas da cidade (Barra),
fomos em excursão e fizemos uma apresentação pública num clube da cidade.
22
Em 1980, retorno à Barra e reassumo a função de professora e coordenadora do Colégio
Santa Eufrásia e professora no Colégio Professor Elísio Mourão. Na função de professora e
coordenadora, sempre dei atenção especial à arte, à cultura, e ao teatro, como recursos
inestimáveis no processo educativo. Organizei um grupo folclórico, preparamos uma peça de
teatro e saímos apresentando em algumas cidades ribeirinhas do Rio São Francisco para
ajudar o colégio. Depois de quatro anos servindo nessa instituição e na comunidade, vim
transferida para Salvador, onde pretendia dar continuidade aos estudos com o mestrado. Por
motivo de força maior interrompi por alguns anos esse sonho.
Depois de 15 anos de experiência como professora e coordenadora pedagógica em
diferentes níveis de ensino, em escolas particulares e estaduais, vinha a cada ano, observando
o grau de insatisfação e de apatia em relação ao processo pedagógico, também a violência,
assim como relações estremecidas entre professores, alunos e funcionários dentro da
instituição escolar. Como coordenadora percebia que as queixas por parte dos professores,
pais, educandos e funcionários se intensificavam, a falta de motivação era geral. Comecei a
buscar alternativas para melhorar também a minha prática, pois compreendia que cuidando
somente das inovações pedagógicas e planejamentos, ficava difícil de estabelecer um contato
pessoal com o professor e também com o educando. Utilizo a Dinâmica de Grupo e percebo
que o caminho é o grupo.
Em 1990, inicio a especialização em Psicodrama Pedagógico no Centro de Psicodrama e
Sociodrama (CEPS) – Salvador Bahia, onde elaborei o texto monográfico A arte do Encontro:
um convite ao Educador, tendo em vista a titulação de Psicodramatista Aplicado (Educação),
concedido pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP) R.G.234, em 31/10/ 2001.
Nesse ínterim, intensifiquei a minha compreensão da relação pedagógica, iniciada na
faculdade e que já vinha sendo influenciada por leituras de Paulo Freire (1987), de Carl
Rogers (1977), de Rollo May (1993), de Leonel Correia Pinto (1978), dentre outros,
defensores de uma relação mais dialógica e afetiva entre educador e educando. Com o método
educacional psicodramático ampliou essa visão e intensificou o meu percurso profissional, já
marcado pela arte e ludicidade, pois, como afirma Maria Alicia Romaña (1992, p. 61),
acredito que:
Como educadores, entre outras coisas, nós temos uma dupla responsabilidade: de um lado devemos passar o conhecimento no ponto de consenso científico em que se encontra, e de outro devemos favorecer e mesmo provocar possíveis rupturas na “ordem” ou “conservação” desses conhecimentos para estimular novas respostas aos desafios e contradições da realidade.
23
O psicodrama encantou o meu caminho. Como educadora andava à procura de um
método que associasse ludicidade, arte, afetividade, criticidade, alegria, etc.; esses segmentos
estão ativamente contemplados, porque o método educacional psicodrámático articula
situações em que o conhecimento circula junto à própria vida, são fatos experimentados,
conhecidos ou incorporados como bagagem, como informação, retrabalhados através de
técnicas ativas. As dramatizações reproduzem a realidade do conhecimento: situações em que
este é conseqüência de um saber adquirido na instituição escolar, situações em que é mostrado
através de uma imagem simbólica ou situações que estimulam a imaginação, a construção de
uma fantasia. Quero lembrar que junto a todos esses elementos dinâmicos, lúdicos, temos
também as tensões e conflitos que ocorrem às vezes com grande intensidade ao acessar o
contato com as fixações do passado e os vínculos conflitivos experimentados em relações
anteriores ou atuais. Por isso, nem tudo é só alegria. Lembro mais uma vez que não aprofundo
e nem trabalho questões pessoais, acolho e as encaminho a outro setting.
Depois do Curso de Especialização em 2001, percebi que precisava voltar à
Universidade e após uma boa dose de esforço e busca, me inscrevi como aluna especial do
Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Bahia
(PPGE/UFBA).
Em 2002, vou a Faculdade de Educação, pois o semestre letivo iria iniciar naquele dia,
uma nova turma de Ludopedagogia I, com os professores Dra. Bernadete Porto e Dr. Cipriano
Carlos Luckesi. Com muita vontade, mas com muito medo, me dirijo ao Dr. Cipriano Luckesi
e peço-lhe que me deixe assistir às aulas,como aluna ouvinte, porque já havia me inscrito e
não havia sido selecionada para fazer aquela disciplina, que tanto desejava. Em primeira mão,
delicadamente, falou-me que como a procura pela disciplina, era muito grande, os professores
haviam colocado mais alunos do que o previsto e essa turma estava lotada; mas que ficasse ali
aguardando, porque ministrava essa disciplina com outra professora; ela havia saído, quando
voltasse ia perguntar se era possível incluir mais um estudante. Fiquei por ali, meio
apreensiva e triste, com receio da decisão, que até certo ponto me parecia naquele momento
estar nas mãos daquela professora. Logo depois, ela chegou, não tirei os olhos dela e nem do
professor. Lembro-me da consulta, mas o que marcou profundamente foram as palavras de
ouro proferidas por ela: “deixe ela ficar”. Não me contive de alegria. Freqüentei todas essas
aulas com o maior empenho, entusiasmo e alegria.
Em 2003, fui matriculada como aluna regular na disciplina Ludopedagogia II; a partir
daí, minha vida mudou para melhor, em todos os sentidos. A Ludicidade somando-se com a
24
espontaneidade/criatividade do psicodrama me ajudaram a não esconder essa história,
expressando-a com mais consciência e clareza no plano profissional e pessoal.
Nesse mesmo ano de 2003, no primeiro semestre, recebi um convite para fazer uma
oficina com professores e estudantes numa escola estadual de grande porte em Salvador,
situada num bairro de periferia. Ao entrar em contato com a Direção da Escola, ficamos
sabendo, minha colega e eu, que o objetivo do encontro de quatro horas era trabalhar com os
representantes e vice-representantes de classe da 5ª e 6ª séries. O objetivo era melhorar a
disciplina e o comportamento agressivo entre os estudantes da turma. A idade variava entre 11
a 15 anos, e a dupla de representantes, depois da oficina, deveria influenciar os colegas no
sentido de melhorar o comportamento e a agressividade. No meu entendimento, essa oficina
deveria ser feita com toda a turma, para que os estudantes tivessem a oportunidade de
observar e modificar o comportamento, na ação grupal, através da comunicação assertiva, da
escuta sensível, do diálogo, num ambiente protegido, como é o caso do sociodrama. Fica
difícil para dois adolescentes (representantes) darem conta de tal tarefa, servirem de modelo e
porta-voz da turma. É importante refletir que a direção justificou que não dispunha de verba
para fazer um trabalho com todos os grupos. Com esses paliativos a violência vai fazendo
impiedosamente muitas vítimas.
Com os professores dessas séries (5ª e 6ª), foi feita uma oficina de quatro horas. Em
princípio foi falado para trabalhar as relações interpessoais; como no sociodrama trabalha-se
com o emergente grupal, surgiram cenas de insatisfação com a indisciplina dos educandos, de
conflitos entre professores e educandos, a violência no ensino noturno e as queixas com as
condições de trabalho. O Sociodrama Pedagógico, cuja descrição será feita com mais detalhes
adiante, de antemão nesse grupo, possibilitou a dramatização de cenas cotidianas, mostrando
as dificuldades que se dão nas relações do dia-a-dia, com violências não só físicas, mas
também verbais, agressões veladas e explícitas.
Vou destacar dois fatos que me chamaram a atenção nesse trabalho. Observei no
desenvolvimento das atividades, que havia o retraimento de vários educandos tanto na fala
quanto na expressão corporal; alguns eram mais soltos, falantes, principalmente os maiores.
Observei também que havia alguma coisa que impedia a espontaneidade naquele grupo, mas
não detectava exatamente o quê. Depois de alguns exercícios de aquecimento, inclusive
corporais, aos poucos foram confiando em nós e começaram a se abrir. A consigna num
trabalho de grupo, era que falassem do que gostavam e não gostavam na escola. No momento
de compartilhar, falaram muitas coisas, e dentre elas o que mais os apavorava: era a maldade
e a violência que acontecia entre colegas. Para confirmar, contaram alguns episódios. Destaco
25
somente um, em que alguns educandos de uma turma, após a saída do colégio, pegaram e
amarraram os membros de um colega e aplicaram-lhe alguns choques numa fiação elétrica
encontrada num matagal no caminho da escola. Durante a oficina, era impressionante o olhar
de pavor dos alunos menores nesse grupo, infiro que, no dia-a-dia, precisavam se proteger,
sob pena de serem agredidos. A partir daí comecei a entender o olhar assustado dos menores.
A segunda cena foi entre o funcionário que tomava conta do corredor e um estudante que ali
estava, vindo do banheiro, quando foi agarrado pelo colarinho da camisa e empurrado para a
sala de aula com força e ainda ouvindo “vai para a sala de aula demônio”. Pelo ressentimento,
dramaticidade e desejo de justiça que o educando demonstrou quando narrou, pedi que
mostrasse como foi a cena, para ser trabalhada psicodramaticamente. Depois registrei através
da imagem. Para mim, foi essa a cena:
Figura 1 – O funcionário e o demônio da escola
26
Durante o compartilhar, comentamos sobre as situações vivenciadas e soubemos mais
ainda, da suspensão do recreio no pátio da escola, o que obrigava a merenda ser servida em
sala de aula, devido às brigas e conflitos surgidos no período. Diante do quadro de violência
comentado por alunos, professores e direção e também pelas cenas dramatizadas, fiquei em
dúvida sobre o mérito do horário do recreio naquele momento, apesar de acreditar no quanto o
horário do recreio é necessário para as brincadeiras, a troca de amizade, e para o
espairecimento; naquela situação, era um risco, desde que não havia um programa alternativo
para oferecer e o comportamento agressivo e sem limites já estava instalado.
No final desse mesmo ano, soube, pela TV, noticiário local, do assassinato de um aluno
nessa escola. Este fato me tocou profundamente, principalmente pelas discussões que
vínhamos fazendo na disciplina Ludopedagogia II, no Programa de Pós-Graduação em
Educação – UFBA – FACED, com os professores Dra. Bernadete Porto e Dr. Cipriano
Luckesi, tendo como foco a importância da ludicidade na educação. O conteúdo da disciplina
era visto com uma rica fundamentação teórica e a parte prática associada a vivências, jogos,
brincadeiras, tornando o ambiente educativo, lúdico, de crescimento pessoal e profissional.
Foi a partir dos links com esses fatos que começei a vislumbrar a Ludicidade associada
ao Sociodrama, como possibilidade deste espaço do jogar-brincar num contexto social mais
livre, amplo e flexível; com a possibilidade de trabalhar os conteúdos que são objetos da
educação, não só no sentido da educação formal (ensino), mas também informal, como meio
de crescimento pessoal e como agentes transformadores da realidade.
Baseada na minha experiência como professora, com formação lúdica e especialização
em Psicodrama Pedagógico, senti-me motivada a trabalhar neste projeto, através de uma
intervenção investigativa, por desejar contribuir nessa linha de pesquisa para um maior
aprofundamento, análise e identificação do quanto a junção dessas abordagens, poderá
influenciar positivamente no processo facilitador da aprendizagem e da convivência escolar..
Para dar maior sentido a essa caminhada, em 2005 entrei para o Mestrado, tendo como
objeto de pesquisa o “Vínculo” e como mediadores a Ludicidade e o Sociodrama, por
acreditar não só no potencial das duas abordagens, mas também pela necessidade do vínculo
na prática educativa escolar, para que tenhamos relações humanas mais amorosas, saudáveis,
eficazes, a diminuição da violência escolar, e também para que a aprendizagem ocorra num
ambiente rico em oportunidades, pela compreensão da interação na construção do
conhecimento como nos fez compreender Vygotsky (1999 apud COLL, 2000, p. 88). A sua
pesquisa é um referencial, por apontar a importância da atividade construtiva do aluno como
um elemento num emaranhado de relações sociais e interpessoais, e o desenvolvimento que os
27
alunos experimentam no decorrer do ciclo vital é conseqüência dessas interações com
professores, colegas, funcionários, pais, etc.
Assim como Vygotsky – Pichon, Rogers, Moreno são outros defensores da dimensão
relacional; o ponto chave a ser destacado neste estudo, é compreender o potencial da
ludicidade e do sociodrama na construção do vínculo no contexto escolar, tornando o
conhecimento científico uma extensão do conhecimento da vida pelas cenas cotidianas
ampliadas reflexivamente na ação dessas duas abordagens.
2.1 ANTES QUE SEJA TARDE... VAMOS AO PROBLEMA E AOS OBJETIVOS
Fui ficando só, sem cuidados. Todos os que nos cuidavam tomaram outros rumos e, com eles, foi-se o carinho de que eu vivia. De novo voltam a preocupar-se comigo não por cuidado, mas por medo. Porque me tornei um incômodo.
Fernando Pessoa
A violência na escola hoje é uma realidade explícita, não tem como obscurecer. Mas, é a
partir da lógica do bem estar, da convivência pacífica e do desenvolvimento pessoal, é que
proponho saídas para esta realidade que nos convoca ao humanizar as relações, a convivência,
pelas possibilidades que o ser humano traz dentro de si para construir ambientes mais
amistosos e sintônicos. Existe a possibilidade de ficarmos neutros e omissos diante da
violência e do mal-estar causado pela conduta dos educandos, considerar que tudo está
perdido ou tentar mudanças, não só no campo do conhecimento, mas, principalmente, no
campo da ética, da cultura e dos valores. Paulo Freire (2005, p.31) já alertava:
Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos” e se inquietam por saber mais. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas levam a novas perguntas. O problema de sua humanização, apesar de haver sido, de um ponto de vista axiológico, o seu problema central, assume hoje, caráter de preocupação iniludível.
Como já foi afirmado anteriormente, a qualidade das relações, do vínculo afetivo e dos
valores que permeiam a ação educativa interferem não só na aprendizagem, mas também nas
28
relações de respeito, convivência e auto-estima dos sujeitos da práxis pedagógica. Miguel
Arroyo (2000), com muita propriedade, diz que o momento exige que tragamos para o centro
do palco os educandos, que estão nos obrigando a enxergá-los; dar-lhes vez, voz, espaços e
tempos, que dê um novo foco e sentido a sua trajetória escolar. Com base em estudos teóricos
e práticos, me propus a fazer essa intervenção em sala de aula e, especificamente, trouxe para
investigar a questão do vínculo entre professores e educandos, e educandos entre si, como
recurso básico para a convivência e a aprendizagem, trabalhando com o lúdico nesse contexto.
Nesse sentido, trago a seguinte questão como fundamental: Como a ludicidade e o
sociodrama contribuem para a formação dos vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica
escolar? Daí decorre um novo questionamento: como este vínculo interfere na convivência e
no processo de aprendizagem na escola?
A necessidade de estudar os vínculos na relação humana é bastante antiga, desde a
Paidéia grega que entende a educação como um processo de construção consciente, sendo
seus dois grandes objetivos: a conquista do eu verdadeiro (no plano individual) e o
desenvolvimento pleno da ética criadora (no plano social), além de uma atitude cognoscitiva,
uma atitude afetiva e espiritual. Tal desafio propõe, constitutivamente, a humanidade como
um todo, e os indivíduos, em particular.Temos um corpo organizado, assim como um mental
(conhecimentos) relativamente bem organizado. Porém, os campos emocional e espiritual
estão precariamente organizados. Emocional e espiritualmente, ainda estamos muito longe de
ter minimamente uma forma organizada de agir e de se relacionar.
Em nossos dias, a educação é vista pela maioria da população como responsável pelo
desenvolvimento humano e como uma ponte entre o presente e o futuro das novas gerações.
Tem, além de outras prerrogativas, o desafio de democratizar o conhecimento construído ao
longo da história pela humanidade, propiciando a aprendizagem de experiências e
possibilidades de viver e conviver. Mas, na realidade, estamos longe desse ideal, o momento
configura-se como dramático e ao mesmo tempo alentador para a busca de alternativas.
Vários pensadores contemporâneos trazem elementos de compreensão crítica sobre a
profunda crise que estamos atravessando e sobre a complexidade desse processo. As formas
de relações dos seres humanos entre si e destes com o mundo exterior, conforme Maffesoli
(1998), Morin (2000), Pearce (1989), têm provocado variadas compreensões sobre a
modernidade/pós-modernidade, e assim como sobre desenvolvimento/sociedade. Sobre isso,
Castoriadis (1982) diz que, apesar das significativas transformações sociais não conseguimos
uma nova visão de sociedade.
29
Vivemos num modelo social que ainda se expande sobre a forma capitalista. Na
sociedade capitalista, o vínculo básico entre as pessoas está configurado pelas relações de
produção, entre aquele que detém o meio de produção e aquele que produz. Esse modelo
hierárquico e autoritário de relação se reproduz em todos as outras relações, tais como
familiares, educativas, religiosas. Nesse contexto, o vínculo não se apresenta como um fator
fundamental na vida social.
O conhecimento como um bem coletivo deveria estar comprometido com a
transformação concreta do mundo, de acordo com os interesses e as necessidades da
sociedade. Tomar o ato educativo por essa via é levar em conta uma lógica, que possibilite o
enfrentamento das questões concretas a que os seres humanos estão submetidos na escola e
também nas relações sociais e produtivas, do capitalismo excludente. É importante também
considerar o caráter relacional da prática educativa, pois é na interação que o sujeito organiza
o mundo em que vive e representa para si essas relações. Assim, na troca com o outro, é que o
indivíduo aprende. Neste sentido, o fenômeno educativo inclui muitas dimensões: a dimensão
social, a do outro, a dimensão política, a dimensão dialógica, na própria construção do
pensamento, entendendo que a sala de aula constitui um campo propício para essas práticas,
uma vez que as relações na escola retratam as relações na sociedade.
Desse modo, compreende-se que na práxis pedagógica é importante lembrar que a busca
do ser mais, de que nos fala Freire (2005), não pode realizar-se no isolamento, no
individualismo, mas, sim, na comunhão, na solidariedade entre os seres humanos. É, portanto,
necessária uma educação que viabilize a sala de aula como o espaço da interação de um
coletivo de sujeitos não mais numa concepção “bancária”, marcada pela indiferença, quando
não por violências, mas numa relação com o conhecimento, com o outro e com o mundo,
construída na abertura, respeito e diálogo. O professor Antonio Nóvoa (2002, p. 24) ao tratar
da formação de professores, diz:
[...] Os professores vivem num espaço carregado de afetos, de
sentimentos e de conflitos. Quantas vezes prefeririam não se envolver... Mas sabem que tal distanciamento seria a negação do seu próprio trabalho. [...] Os professores têm de ser formados, não apenas para uma relação pedagógica com os alunos mas também para uma relação social com as comunidades locais.
Pensando nessa perspectiva, é preciso dar atenção à prática que propicia, ao mesmo
tempo, o crescimento bio-psíquico e espiritual dos participantes do processo educativo,
colocando o conhecimento a serviço do bem estar humano.
30
Jacques Delors (1999), no seu Relatório para a Unesco, sintetiza Os Quatro Pilares da
Educação para o Século XXI, assim ditos: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver juntos, aprender a ser. Trabalhar esses aspectos implica o desenvolvimento das
múltiplas capacidades do ser humano e não apenas o desenvolvimento cognitivo fornecendo
os elementos para a resolução de problemas e para avançar na compreensão da realidade. Daí
o questionamento: como construir essa relação ou essa formação, sem que as atividades
estejam focadas nessa finalidade e sem que se oportunize experiências voltadas para isso?
Se nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do conjunto de
papéis que exercemos e das nossas predisposições hereditárias, a convivência com o outro é
fundamental para o desenvolvimento de qualidades pessoais e sociais.
Acredito que essa seja uma questão emergente e tal como Luckesi (1994), reitero que os
sujeitos da prática educativa não estão dados definitivamente, devem ser repensados e
recompreendidos, para que tenhamos um ambiente escolar mais acolhedor, afetivo, de
aprendizagem, onde todos tenham acesso a relações mais justas e mais respeitosas.
Na tentativa de obter explicação para o foco deste estudo foram traçados os seguintes
objetivos:
2.1.1 Objetivo Geral
Analisar e compreender como a prática da ludicidade e do sociodrama pode contribuir
para a formação e/ou melhoria dos vínculos entre os sujeitos da práxis pedagógica, tendo
como conseqüência convivência e aprendizagem.
2.1.2 Objetivos Específicos
a) Descrever o vínculo existente entre professor e alunos entre si, no início e no
final da intervenção investigativa.
b) Identificar como a ludicidade e o sociodrama como recursos de investigação e
intervenção interferem na formação e /ou na melhoria do vínculo.
c) Analisar influências do vínculo na convivência e na aprendizagem.
31
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA
Toda relação educativa será o encontro dos mestres do viver e do ser, com os iniciantes nas artes de viver e de ser gente. Os mestres no centro da pedagogia, não apêndices.
Miguel Arroyo
Esta investigação, ao propor o uso da ludicidade e do sociodrama, como métodos para o
estabelecimento de vínculos na práxis pedagógica, busca trazer um modo pedagógico de
intervir a partir de uma metodologia que trabalha não apenas o indivíduo, mas também os
vínculos e a aprendizagem dentro dos grupos.
O fato de eleger a pesquisa qualitativa na modalidade de pesquisa-ação e o seu suporte
teórico foi por considerar a metodologia mais adequada para o estudo desenvolvido. A
pesquisa-ação encaixa-se num pressuposto de pesquisa articulada a uma ação educativa, que
considere a complexidade do fenômeno estudado e a intervenção entre o pesquisador e as
pessoas envolvidas na situação investigada. Para Thiollent (2000, p. 14) este é um:
[...] tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes são representativos da situação ou do problema que estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
Apesar de utilizar uma metodologia de ação, a pesquisa não se restringiu ao ativismo,
considerou o contexto escolar um espaço de construção de novos significados, estando o
conhecimento e a ação no centro da problemática metodológica qualitativa assumida. A
relação do pesquisador e pesquisado é um aspecto constitutivo da pesquisa, levando em conta
as interações e influências recíprocas que afetam os sujeitos na situação.
O referencial epistemológico qualitativo abre espaço para a utilização de uma variedade
de métodos e técnicas como afirma Valéria Brito (2006, p. 31):
A epistemologia qualitativa nos permite adotar um conjunto articulado de princípios de pesquisa simultaneamente rigoroso e flexível, que nos liberta das amarras dos princípios conservados em relação à pesquisa cientifica derivada do positivismo.
32
Cabe aqui distinguir os termos “metodologia” e “método” para delinear os sentidos
desses dois pólos e os critérios utilizados neste estudo. Portanto, a “metodologia” é vista
como um conjunto de métodos ou o plano estratégico favorável ao alcance dos resultados;
enquanto o “método” é o caminho percorrido, onde se estabelece objetivos, reflete-se,
pesquisa-se e utiliza-se técnicas para atingir o objetivo da metodologia.
Como metodologia de investigação, utilizei a pesquisa qualitativa porque esta possibilita
o uso de uma pesquisa educacional inspirada na sociologia cotidiana, trabalhando a relação
dos sujeitos envolvidos na ação educativa; nesse caso, com o Sociodrama e a Ludicidade,
duas abordagens pedagógicas afins. São também vitais, por valorizar qualidades identificadas
com a própria natureza humana (liberdade, espontaneidade, criatividade) e por utilizar o jogo
como forma de interação, baseando-se em conceitos da sociologia, psicologia, educação,
cultura, arte, etc.
Como método, utilizei o Psicodrama de Moreno (1993a) e suas vertentes: psicodrama
pedagógico, sociodrama, sociometria e outros recursos do método, descritos na intervenção
investigativa, capítulo 4. Ratifico as palavras de Valéria Brito (2006, p. 36) que faz o seguinte
registro:
Moreno é um cientista que nos conclama a uma forma mais engajada, alegre e flexível de conhecer a dor humana, uma forma eminentemente relacional, qualitativa. Nosso conhecimento teórico limita-se a um conjunto de conceitos suficientemente flexíveis para nos permitir ingressar no mundo fenomenológico de pessoas e grupos. Psicodramatistas realizam encenações dramáticas a fim de conhecer e tratar a dimensão subjetiva, psicológica, das pessoas com as próprias pessoas.
A pesquisa-ação centra-se nas vivências de atividades lúdicas e sociodramáticas, com o
intuito de observar as relações vividas antes que conhecidas e expressas na realidade dos
vínculos. A expressão epistemologia qualitativa utilizada neste texto é a de Brito ( 2006, p.29)
que: “designa um conjunto amplo de formas de gerar conhecimentos que privilegia a
dimensão subjetiva, singular, sócio-histórica da experiência humana”. Essa abordagem de
pesquisa tem suas raízes teóricas na fenomenologia. Como assinala Berger e Luckman (1985
apud ANDRÉ, 1985, p.18):
A fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos do comportameno humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária. O
33
mundo do sujeito, as suas experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são, portanto, os núcleos de atenção na fenomenologia. Na visão da fenomenologia é o sentido dado a essas experiências que constitui a realidade, ou seja, a realidade é “socialmente construída”.
Nesse sentido, as atividades propostas surgem a partir do contexto, os temas trabalhados
tem a ver com a demanda do grupo, como é possível observar na descrição das atividades realizadas, mais adiante. Uma das características da teoria do psicodrama, é privilegiar a ação em status nascendi, ou seja, o momento primário da criação.
3.1 O VÍNCULO COMO PONTE PARA O DESENVOLVIMENTO
INTERPESSOAL
O homem que vive no arbitrário não crê e não se oferece ao encontro. Ele desconhece o vínculo; ele só conhece o mundo febril do “lá fora” e seu prazer febril do qual ela sabe se servir.
Martim Buber
Em função de buscar respostas para compreender como o vínculo é tão significativo
para a convivência e a aprendizagem, é também importante mostrar de qual lugar estou
considerando o vínculo.
A palavra vínculo é derivada do latim vinculu, significa tudo que ata, liga ou aperta,
segundo o Dicionário Aurélio: 1. De modo geral, pode ser traduzida pelo termo “relação”. No
castelhano mantém, ao mesmo tempo, o significado de atadura e compromisso. No italiano
(toscano) falar de vínculos é sinônimo de cordas ou de laços.
Além de Freud e Pichón-Riviére (1998b), Jacob Levi Moreno (1993a), em seus escritos
em torno do vínculo, é considerado como um pioneiro da psicologia do relacional. Suas
contribuições, especialmente as que propõem o sociodrama, são uma forma de fundamentar a
compreensão e a transformação das instituições pelo desenvolvimento de conceitos sobre a
formação e a dinâmica dos vínculos, o tratamento dos grupos e das relações; vem, portanto,
subsidiar as metodologias e epistemologias pós-modernas, pela busca da verdade
contextualizada na ação e na complexidade relacional dos sujeitos. Para Moreno (apud
NERY, 2003, p. 16): “Nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do
conjunto de papéis que exercemos, dos papéis que estão contidos ou reprimidos, da nossa
modalidade vincular, assim como das nossas predisposições hereditárias.”
34
Assim, num mundo onde a violência é uma anomalia que cresce de forma assustadora
em todas as experiências da vida social, conseqüentemente extensiva à escola, o que torna
esse ambiente inseguro, violento, fomentador de isolamentos (muito embora também favoreça
amizades); desta forma, pensar o vínculo na prática pedagógica é pensar no processo de
humanização que se faz urgente, associado a ações para transformar essa realidade.
O que se vive hoje é resultante da desumanização, como uma realidade histórica
inseparável dos processos civilizatórios, dos processos de produção, acumulação de riquezas,
apropriação do conhecimento, da ciência, da cultura e exercício de poder. Desta maneira,
entende-se a necessidade de um novo olhar sobre o papel da escola. Assim, devemos enfatizar
que os encontros sempre se dão dentro de um grupo em relação, todavia, nem sempre vínculos
saudáveis são estabelecidos. Apesar da importância dos vínculos na construção do
conhecimento, nem sempre educadores e educandos estão preocupados com eles.
Segundo Paulo Freire (2005, p. 65):
Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras.
A questão da afetividade na relação educativa é reforçada por este autor em foco quando
diz que: “a competência técnica científica e o rigor acadêmico de que o professor não deve
abrir mão no desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a amorosidade
necessária às relações educativas” (FREIRE, 1996, p.11).
Da mesma forma, na abordagem do vínculo, Pichon-Rivière (1998a, p.31) afirma que:
“O vínculo é sempre um vínculo social, mesmo sendo com uma só pessoa, através da relação
com essa pessoa repete-se uma história de vínculo determinada em um tempo e em espaços
determinados. Por essa razão, o vínculo se relaciona posteriormente com a noção de papel, de
status e de comunicação”.
Ainda seguindo esse raciocínio, temos Maria Alicia Romaña (1987) que, na prática
pedagógica escolar, ajuda a compreender a potencialidade educativa das relações entre os
sujeitos da práxis pedagógica considerando que o importante é relacionar-se com o fenômeno
e aprender com ele. A autora afirma que “Acreditamos que existe educação na medida em que
existem ações adequadas, criativas e autônomas, organizadas através da aquisição e aplicação
de conhecimentos, mas também da interação com os outros e com o meio do qual faz parte o
aluno.” (ROMAÑA, 1987, p.15)
35
Jacob Levy Moreno (1993a), criador da Socionomia - ciência das leis sociais, buscando
soluções práticas e reais para o problema do relacionamento humano, em 1914, publicou a
definição do termo "Encontro", através de um poema Convite ao Encontro que abre espaço
para a reflexão sobre “olhar o outro na relação” e vice-versa. Sendo assim, na relação e
atualização do “ser”, está sempre presente o vínculo, um “outro” que vai permitir a
estruturação e diferenciação de um eu adequado aos papéis sociais que a pessoa tem no
momento. A concepção de vínculo em Moreno está fortemente ligado ao conceito de
espontaneidade e criatividade que é a capacidade que todos os seres humanos possuem de
desenvolver condutas afetivas, cognitivas, corporais de maneira única e adequando-se ao
contexto social, sem interferência de relações prévias para este processo.
Um aspecto importante relacionado ao vínculo na teoria de Moreno é o conceito de –
transferência – que significa desenvolvimento de fantasias (inconscientes) que se projeta no
outro através do vínculo, são objetos internos introjetados em relações interpessoais
anteriores, fundamentalmente de caráter primário (pai/mãe). “Tele” se denomina, a relação
espontânea e criativa, livre de transferência, que ajuda a união dos grupos. De acordo com
esse autor, o sujeito transfere, quando marca de forma mais ou menos rígida e repetitiva um
modelo vincular gerado numa relação anterior e quer adaptar a outras relações que não
necessariamente requerem este modelo vincular. Uma pessoa reproduz no vínculo com o
grupo, a posição sociométrica, que tem na vida. A transferência grupal é a reprodução de um
sistema vincular, que estimula a reprodução de matriz de identidade, origem do conflito. Daí o
estudante ficar com um pé atrás com a chegada de um pesquisador, mesmo compartilhando o
papel de professor, é necessário um tempo para confiar.
Outra característica inerente ao vínculo é a complementariedade, quer dizer que toda
maneira de vincular-se tem um opositor ou seja, um outro complementar necessário. Por
exemplo: professor – estudante, pai – filho, protetor – protegido, etc. Esta oposição ocorre em
pares, independente do número de sujeitos que estão envolvidos nessa relação simétrica. A
complementação vincular é um processo dinâmico, que se ativa e modifica sobre bases
recíprocas e estimulações das partes do par. Possa ser que um grupo de estudantes desperte,
por alguma razão, num professor o “líder autoritário”, porém noutro grupo, ou mesmo em
outro momento de vida do mesmo professor a um “líder participativo”. Também por outra
parte, o mesmo grupo que despertou num professor o papel autoritário, em outro professor
desperte outro aspecto, e isso por sua vez estimule outro tipo de reações no grupo e outro tipo
particular de complementação. Em resumo, o papel complementar é particular e depende dos
distintos atores. O grau de responsabilidade na situação vincular, dos distintos atores pode ser
36
variável; quando são adultos e principalmente estão num vínculo simétrico (par), a
responsabilidade é de ambos. É preciso um olhar cuidadoso quanto ao adulto da relação na
escola. No caso de crianças e adolescentes na escola, algumas vezes o professor assume o
complementar patológico, considerando nesse caso, uma relação de iguais. Observe na
narrativa Flashes da sala de aula uma situação que espelha essa alusão.
Para Pichon-Riviére (1998b) não se pode entender a estrutura de uma doença se não se
procurar entender o conjunto de tensões sociais, de onde esta emerge, nesse sentido utiliza a
interpretação psicoanalítica, analisando a situação de interação e conduta. Desenvolveu o
conceito de Esquema Conceitual Referencial e Operativo (ECRO); este autor entende o
vínculo como um processo dinâmico, num movimento espiral dialético. Este processo, que
também é uma estrutura, pode ter características patológicas, ou normais. Tal como Moreno,
dá um salto qualitativo propondo um modelo mais social da psiquiatria, considerando o
sujeito e o surgimento de patologias, como resultante de uma relação dialética entre sujeitos e
os seus objetos internos e externos.
O conjunto de vínculos, que fazem parte do campo relacional de uma pessoa, é o seu
“átomo social”. Uma técnica psicodramática de diagnóstico permite ver não somente o
conjunto de vínculos relevantes que o sujeito possui, mas também as modalidades destas
relações e a fase de desenvolvimento em que estão. Nesta pesquisa, o teste sociométrico teve
o objetivo diagnóstico, como será descrito adiante, na parte três desta dissertação.
Vivemos num modelo social, que ainda se expande sobre a forma capitalista. Na
sociedade capitalista, o vínculo básico entre as pessoas está configurado pelas relações de
produção, entre aquele que detém o meio de produção e aquele que produz. Esse modelo
hierárquico e autoritário de relação se reproduz em todas as outras relações, tais como
familiares, educativas, religiosas. Nesse contexto, o vínculo não se apresenta como um fator
fundamental na vida social.
Entende-se que existem vários fatores que influenciam a existência de vínculos
saudáveis na prática educativa escolar (relações de poder, projeções, transferência, contra-
transferência, etc.), que necessitam ser desvelados na medida do possível, em função dos
prejuízos que podem causar na relação educando-educador e também na aprendizagem. Na
prática cotidiana escolar já existem alguns princípios que são conhecidos e consagrados como
necessários para que o vínculo e a aprendizagem se dêem, cito alguns: respeito pela
autonomia do aluno, o diálogo, compromisso, afeto, esperança, etc., que ao nosso ver,
precisam ser “vividos antes que conhecidos” (MERLEAU-PONTY, 1975), para abarcar a
totalidade do fenômeno educativo (conhecer, sentir e agir). Nesse sentido, o Sociodrama, a
37
Ludicidade propõem trabalhar não só o conhecimento, mas também temas diversos de forma
lúdica, facilitando a expressão da espontaneidade, o surgimento de conflitos, impasses,
dificuldades e as soluções para tais dificuldades num ambiente acolhedor, protegido, e
sensível à expressão de cada um.
Compreender o valor dessa interação é fundamental para uma intervenção competente na
formação dos educandos e no reconhecimento de que as interações concretas entre educando e
educador estão no centro da práxis pedagógica. O trabalho docente é uma atividade que traz a
marca das relações humanas; representa, na nossa opinião, não um aspecto periférico do
trabalho do educador, mas o núcleo de ações que, somadas a outras, no seu conjunto, formam
o sentido do processo de educar – pela compreensão de que os processos interativos são
realizados através da movimentação espontânea dos atores sociais.
Nesta pesquisa, o vínculo se refere ao modo de relacionar-se, os laços que se
estabelecem em torno de cada indivíduo, que no seu conjunto estrutura um “átomo social”,
entendido como o núcleo de todos os indivíduos com quem uma pessoa está relacionada
emocionalmente ou que, ao mesmo tempo estão relacionadas com ela. (MORENO, 1993b, p.
239). Portanto, toda a intervenção terá como centro o vínculo, observando o grupo desde o
ponto em que se encontra as relações; aos poucos, com atividades lúdicas e sociodramáticas,
vai-se percorrendo as sendas e mistérios da convivência no devir, no encontro e na
cotidianidade vivida, antes que conhecida.
O psicodrama é uma teoria que está centrada nas relações humanas, e sua teoria de
espontaneidade/criatividade surge como uma possibilidade do ser humano explorar novas
vivências com os outros, a partir da criação de modalidades vinculares mais sãs, para uma
vida com mais liberdade, alegria e ludicidade.
3.2 SOBRE A LUDICIDADE E O MÉTODO PSICODRAMÁTICO
Essas duas abordagens trazem em comum a ação, o jogo, a brincadeira, como
símbolo da liberdade, mostrando o estar pleno, inteiro na atividade, como condição para
um estado lúdico.
38
3.2.1 O que vem a ser ludicidade...
O brincar é criador do sujeito, e possibilitador das inscrições de
vínculos. Alicia Fernandez
O brincar traz em si inúmeras possibilidades, mas também pode ser mero passatempo,
virtualidade, forma de isolamento e não ser garantia de nada. Se considerado como passaporte
para o estar pleno, livre, ativo e forma de conviver com o outro, é uma oportunidade para o
homem compreender-se como ser humano, na perspectiva da relação com o mundo. Nesse
caso, é não só possibilitador da inscrição de vínculos síntônicos, mas também como qualquer
vínculo, pode tornar-se violento desde que o responsável no vínculo assimétrico submeta o
outro ao seu poder, como a mãe que manipula o filho por culpa, o professor que desqualifica
os educandos de várias maneiras, ou ainda o pai que espanca o filho.
Existem diferentes formas de conceber o jogo, a brincadeira, o lúdico, assim como
contradições e crenças que interferem na maneia de vivenciá-los. Dessa forma, muitas vezes,
na escola ouve-se: “coloquem as carteiras no lugar porque acabou a brincadeira, agora é
sério”. Não é tarefa simples e nem fácil conceituar ludicidade. Muitos teóricos têm se
debruçado sobre a questão e várias pesquisas realizadas a partir de diferentes olhares.
Winnicott (1975, p. 63) afirma: “é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde; o
brincar facilita o crescimento e, portanto a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos
grupais”; considero que o brincar é fundamental para o ser humano, daí escolher a ludicidade
e o sociodrama como suportes para a pesquisa.
A minha intenção aqui é apresentar a compreensão da ludicidade adotada neste estudo,
que está ancorada nos estudos do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Ludicidade e
(GEPEL), dentro do PPGE – FACED/UFBA, do qual participo e em cujas reuniões vem não
só aprofundando mas vivenciando atividades lúdicas.
Posso afirmar que o brincar é agradável por si mesmo, mas ao mesmo tempo posso
afirmar também que o brincar pode ser desagradável e pode mesmo não acontecer, se não
houver o vínculo entre os participantes; foi o que pude observar no desenvolvimento das
atividades da pesquisa. Daí concordar com Luckesi (2000, p. 96), quando diz:
39
Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a vivencia em seus atos. A experiência de cada um de nós pode ser um bom exemplo de como ela pode ser plena quando a vivenciamos com ludicidade.
Nos relatos da intervenção é possível observar, entre os estudantes do Grupo “A”, a não
participação nas brincadeiras, porque não falavam entre si. Como participar de uma atividade
plenamente com companheiros nos quais não se confia? Com esses colegas nem sempre se
brinca. Daí a postura adotada por mim em não obrigar a participação dos estudantes nas
atividades, mesmo quando a professora regente sugeria ser mais enérgica e exigir a
participação de todos.
Encontro ressonância em Lucia Helena Pereira (2005, p. 94), quando ressalta:
As atividades lúdicas, que tem na busca da alegria e do prazer sua
grande fonte alimentadora, se caracterizam como atividades não impostas, experienciadas individualmente ou compartilhadas, tendo como finalidade a vivência do momento. Possibilitam que a elas nos entreguemos, e, entretecendo símbolos, sonhos, desejos, necessidades, dores e alegrias, nos integremos conosco e com o outro em uma troca tácita e significativa.
A ludicidade aqui é vista a partir da dimensão interna do sujeito que a vivencia,
conceituação de Cipriano Luckesi (2000, p. 21-22), cujas idéias peculiares trazem um novo
olhar para a prática educativa escolar, ao considerar que:
A atividade lúdica propicia um estado de consciência livre dos
controles do ego, por isso mesmo criativo. O nosso ego, como foi construído, em nossa história pessoal de vida, na base de ameaças e restrições, é muito constritivo, centrado em múltiplas defesas. Ele reage a liberdade que traz a atividade lúdica em si mesma. Por isso, uma educação centrada em atividades lúdicas tem a possibilidade, de um lado, de construir um eu (não um ego) saudável em cada um de nós, ou, por outro lado, vagarosamente, auxiliar a transformação do nosso ego construtivo num Eu saudável. Educar crianças ludicamente é estar auxiliando-as a viver bem o presente e preparar-se para o futuro. Educar ludicamente adolescentes e adultos significar estar criando condições de restauração do passado, vivendo bem o presente e construindo o futuro.
A partir dessa abordagem foram realizados jogos, brincadeiras, em grupo, de forma
livre, espontânea, buscando a participação plena dos sujeitos. De maneira geral, a participação
era muito livre e espontânea, não no sentido do vale tudo. Ao notar qualquer retraimento ou
agressividade e explorar a situação, quase sempre a reação estava relacionada aos problemas
de convivência. È o que será visto no quarto capítulo.
40
3.2.2 Sobre o método psicodramático
Toda a escola primária, secundária e superior deve possuir um palco
de psicodrama como laboratório de orientação que trace diretrizes para os seu problemas cotidianos.
Moreno
Vou abrir um pequeno espaço para colocar no centro do palco o criador do
psicodrama: Jacob Levy Moreno. De origem judaica, nasceu em Bucarest, capital da
Romênia, no ano de 1889. Moreno considera a semente do psicodrama uma brincadeira de
criança, aos quatro anos de idade, com outras crianças, por alguns instantes, assume o papel
de um deus e ao tentar voar de cima de um monte de cadeiras, acaba quebrando o braço. Daí
considerar o primeiro psicodrama que realizou, futuramente dando importância a passagem do
tratamento do indivíduo isolado e por métodos verbais, para o tratamento por métodos de
ação. Por volta de cinco anos muda-se para Viena.
Em sua infância e adolescência, teve forte influência religiosa. No ano de 1907, com um
grupo de amigos, funda a Religião do Encontro, como forma de expressar sua rebeldia contra
os costumes da época, vivendo de forma simples e ajudando as pessoas. Costumava brincar
com as crianças e essa época é denominada por ele de Revolução nos jardins de Viena, onde
contava histórias, fazia improvisações com o objetivo de que as crianças espontaneamente,
lutassem por uma sociedade mais adequada às suas necessidades.
Em 1912, ingressa na Faculdade de Medicina, em Viena, diplomomando-se em 1917.
Continua sua experiência com técnicas grupais iniciadas em 1908, realizando em 1913 um
trabalho com as prostitutas para conscientizá-las da sua situação marginal, sem, contudo,
querer transformá-las, apenas “aceitar-se a si mesmas”. Posteriormente a experiência com
técnicas grupais dá origem à psicoterapia de grupo, à sociometria e ao psicodrama.
Um período importante, para dar sentido ao instrumento usado nessa pesquisa, foi o ano
de 1916. Realiza no campo de Mittendorf, durante a Primeira Guerra Mundial, um trabalho
com refugiados tiroleses, situado nos arredores de Viena. Segundo Marra (2004, p.32) os
trabalhos desenvolvidos com as crianças, os refugiados, prostitutas e várias experiências com
pessoas diferentes, serviram de base para o desenvolvimento da Socionomia.
A importante obra de Moreno, criador da Socionomia, consiste numa teoria que
sustenta a pesquisa ação, por ser um precursor desse enfoque, usando essa denominação por
volta de 1930 e 1940. Incitava os profissionais a partirem para o trabalho de campo, em vez
41
de ficarem isolados nos seus consultórios, já que a sociedade aguarda por transformações
sociais, onde nasce. O artista tem de ir onde o povo está, diz a canção de Milton Nascimento.
É considerado um homem à frente do seu tempo; sua história e sua biografia registram
feitos e vivências que o colocam como criador dos métodos baseados na ação e na relação
social. Suas técnicas sociométricas deram uma contribuição valiosa para a integração grupal e
abriram espaço para a criação de uma teoria pedagógica.
A pioneira do Psicodrama Pedagógico no Brasil é Maria Alicia Romaña e ela o define
como “[...] uma combinação equilibrada de trabalho em grupo, desenvolvido num clima de
jogo e liberdade, que alcança sua maior expressão quando articulado no plano dramático ou
teatral” (ROMAÑA, 1996, p.20). O trabalho de Romaña se assenta em três pilares: o jogo, o
teatro e o grupo. Tem como objetivo ajudar o educador a alcançar com os seus educandos a
integração entre conhecimento adquirido e experiência vivida. Utiliza as dramatizações num
esquema metodológico com três níveis:
a) Passo: Aproximação intuitiva e afetiva (a dramatização é real e surge da
experiência e dados de referência). O exemplo a seguir é de uma atividade com os
estudantes do grupo “A”. Ao trabalhar com o assunto “Verbo” o primeiro
momento foi identificar ações nas frases que estavam espalhadas na parede da sala
de aula.
b) Passo: Aproximação racional ou conceitual (a dramatização é simbólica). Através
da conversa aberta vai surgindo a associação e /ou a conceituação. É feita uma
dramatização com várias ações simbolizando o tema, o assunto, por exemplo:
brincar, dançar, escutar, etc.
c) Passo: Aproximação funcional (a dramatização dá-se no nível da fantasia,
imaginação). Através de uma situação hipotética, criada pelo grupo, dramatizam e
tem oportunidade de trocar idéias, dialogar e transformar as cenas no ato.
O psicodrama aplicado à Educação utiliza o sociodrama que propicia a leitura dos
grupos e da rede de relações, numa perspectiva de educação pela e para a ação. O Sociodrama
Pedagógico é um método de trabalho com grupos que possibilita não só experiência de
relações humanas, mas também o desenvolvimento da espontaneidade/criatividade, a
aprendizagem de papéis, conceitos, atitudes através da vivência sociopedagógica. Através
dessa metodologia foram trabalhados os conteúdos da educação formal (ensino) e também a
aprendizagem relacional e crítica da realidade como meio de transformação. No grupo “A” foi
42
trabalhado o assunto da disciiplina, depois os conteúdos emergentes no grupo. No grupo “B”
apesar de organizar um programa mínimo, tivemos que acompanhar a demanda do grupo.
No Sociodrama o contato com a matéria prima da temática geradora é feita através de
jogos dramáticos, montagem de imagens, dramatização, onde os atores sociais, protagonistas
contam suas histórias, fazem suas narrativas com os conteúdos sociodinâmicos, objetos da
educação não só no sentido da educação formal (ensino), mas como um meio dos
protagonistas discutirem, decifrarem e agirem para transformar. Ao priorizar os atores sociais
e as demandas que surgem das suas experiências e necessidades, na ação-reflexão-ação,
vamos buscar a compreensão dos seus papéis e as possibilidades de transformação.
O Sociodrama se desdobra em três partes: princípio (aquecimento), meio (ação
dramática) e fim (compartilhamento), que se relacionam ao conhecer, sentir e agir das
atividades lúdicas, reiterados pela práxis dialética-dialógica de Freire (1994), que não é um
ato passivo, mas a ação-reflexão-ação sobre a realidade. Os temas dramatizados depois são
debatidos, é uma oportunidade para educar e desenvolver o espírito crítico
O Grupo, na abordagem moreniana, é concebido como uma miniatura da sociedade e da
família; num sociodrama, o grupo é o protagonista do drama social e a platéia representa a
opinião pública da sociedade. Pode ser definido, de modo geral, como conjunto de indivíduos
que estão unidos para um fim comum. Na escola os estudantes se unem numa turma para
aprender, ou melhor, receber uma formação integral, o que se questiona é se a escola está
cumprindo o seu papel. Os grupos A e B apesar de ter o objetivo comum da aprendizagem, o
drama vivido trouxe uma rica experiência: observar quanto o contexto e as condições
previamente criadas modificam o drama social vivido pelo grupo.
Moreno (1993a), ao desenvolver estudos aprofundados sobre grupos de pessoas,
chamou-nos a atenção para as forças, normas e relações que permeiam os grupos. A
Sociometria, como ciência que se ocupa da medida do relacionamento humano, nos trouxe
uma contribuição fundamental no entendimento das relações interpessoais. Em essência, é um
procedimento que objetiva verificar graficamente os vínculos de atração ou rejeição entre os
membros de um grupo, obtendo-se, os sociogramas. Segundo Garrido Martin (1996), os
sociogramas, sistematização das correntes psicológicas e das eleições dos sujeitos, revelam as
redes através da atração, repulsa e indiferença.
O teste sociométrico, do ponto de vista didático, é muito valioso, pela possibilidade de
avaliar as configurações grupais, cadeias, triângulos, mutualidades existentes no grupo. Foi
utilizado como instrumento diagnóstico e prognóstico com o objetivo de identificar, no início
43
e no final do trabalho, como estava a interação, após o grupo ter vivenciado atividades lúdicas
e sociodramáticas.
O educador ou facilitador, ao conhecer os mecanismos que interferem nos grupos, pode
contribuir para ajudar aqueles que mais sentem dificuldades, alunos isolados ou rejeitados ou
mesmo outras situações, como desconfiança, individualismo que estão configurados nas
relações que estabelecemos e têm a ver com o papel, que é o terceiro conceito destacado.
O Papel é importante para o indivíduo, não só pela conduta que a sociedade espera como
o mais destacado produto dentro da cultura, mas, também, pela influência em sua
personalidade, avaliada pelo número de papéis que é capaz de assumir. O acompanhamento
feito aos estudantes também interessava perceber até que ponto os estudantes tinham
consciência do seu papel e foi triste observar o quanto os estudantes estão abdicando do papel
de estudante críticos e reflexivos, pela indiferença e a falta de gosto com a escola. Num
sociodrama, o grupo “A” mostrou como via o papel do diretor e do vice-diretor numa cena
descrita adiante, são caricaturados como autoritários, detentores do poder, aparecem na sala
para dar bronca sobre a disciplina e aplicar sanções nos estudantes usuários de drogas na
escola.
Para Moreno (1993a, p.25) “[...] o papel pode ser definido como as formas reais e
tangíveis que o eu adota”. O autor esclarece também que “[...] o desempenho de papéis é
anterior ao surgimento do eu. Os papéis não emergem do eu; mas o eu quem, emerge dos
papéis”.
Diz ainda que nem todos os papéis assumidos por uma pessoa são por ela conhecidos,
alguns vividos de modo irreflexivo, outros reprimidos e alguns estranhos ao eu, assim afirma:
“Os papéis sociais são adotados inconscientemente e impostos imperativamente” (MORENO
apud KAUFMAN, 1992, p. 65). De modo semelhante Merleau-Ponty (apud ANDRADE,
2005, p. 52), esclarece, que a totalidade dialética que o papel como estrutura assume, também
se revela em sua constituição no sujeito ou em sua consciência, sendo o papel como estrutura
entendido como uma totalidade provida de sentido. “A consciência é antes uma rede de
intenções significativas, às vezes claras para si mesmas, às vezes ao contrário, vividas antes
que conhecidas.”. Assim, entende-se que existem aspectos que não são revelados nas
representações que os indivíduos constroem, daí a necessidade de outros recursos além das
entrevistas, questionários, desenhos, jogos, o role-playing e o sociodrama.
Em relação ao jogo psicodramático de papéis role-playing, podemos dizer que é feito
com a finalidade do ator desempenhar determinado papel, assumir em situações imaginárias
da forma mais realista possível, de forma lúdica, numa situação de “como se”. Portanto,
44
através da vivência, num contexto grupal em confiança, esta estratégia busca investigar no ato
o que Merleau-Ponty afirma anteriormente “vividas antes que conhecidas” a técnica
possibilita o contexto para a revelação do papel. Os estudantes representaram algumas cenas
como: “Discriminação racial”, “Drogas na escola”, “O que serei no futuro” e outras.
Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes recursos: questionários, entrevistas,
exercícios de interação, atividades lúdicas e sociodramáticas.
A pesquisa realizada teve uma abordagem pedagógica e não terapêutica, cuja
diferenciação decorreu nos objetivos e não nas técnicas psicodramáticas. Enquanto o
psicodrama terapêutico aprofunda as questões pessoais, permitindo que o indivíduo
exteriorize o seu problema representando-o, o psicodrama pedagógico atua junto ao grupo no
âmbito das questões pedagógicas, Schutzenberger (1970, p.38) afirma que o psicodrama é
concomitantemente pedagógico e terapêutico, porque o limite de separação é muito tênue
entre eles.
Seguindo por esse viés, Schutzemberger (1970, p.23) diz que “o psicodrama libera
inibições, dificuldades, traumatismos passados, por seu ressurgimento”. Para Luckesi (2000,
p.38) “[...] as atividades lúdicas são catárticas, o que quer dizer liberadoras das fixações do
passado e construtoras das alegrias do presente e do futuro”. Concordo com esses autores e
acrescento que através do sociodrama, ao priorizar os atores sociais e as demandas que
surgem mediante as suas experiências e necessidades, é possível, na ação-reflexão-ação, a
compreensão dos papéis dos atores pedagógicos e as possibilidades de transformação,
contribuindo para o desenvolvimento da espontaneidade e criatividade, postulados da teoria
moreniana, considerados elementos essenciais para a adaptação a um mundo em crescente
mudança.
A metodologia sociodramática tem um esquema denominado: 5, 3, 3, que são: cinco
instrumentos, três etapas e três contextos, conforme descritos:
a) Instrumentos:
- O Diretor – o psicodramatista, o professor com formação especial para esta
tarefa, é o elemento que ocupa o lugar de maior responsabilidade em relação
à sessão e aos seus participantes. Dirige a sessão, é o produtor da ação, o
terapeuta, o analista social que acompanha as interações do grupo. No caso, o
papel de diretor foi assumido pela pesquisadora.
- O Protagonista – o ator principal, a pessoa na qual se centraliza a cena, a
dramatização; é o emergente dramático do grupo, portanto na produção da
cena são considerados os pontos de vista individual e grupal. Em alguns
45
casos, em vez do protagonista individual ou o protagonista grupal, pode
surgir um tema protagônico, onde vários protagonistas participam em
interação, num clima dramático vincular, e neste caso é denominado
sociodrama. Os grupos “A” e “B” foram os protagonistas.
- O Palco – é o lugar onde realiza a dramatização, que pode ser numa sala de
aula ou o lugar onde se acham as pessoas com quem vamos trabalhar. Para
cumprir a sua finalidade, é preciso que seja um espaço protegido, onde o
protagonista possa viver o “como se”, liberar os sonhos, fantasias, enfim,
liberar o seu drama. A maioria dos encontros foi realizado num salaão grande
propício aos jogos, outras vezes, na própria sala de aula.
- O Ego-auxiliar – ajuda a complementar os papéis do protagonista, pode ser
um membro do grupo que representa o papel de “Outro” significativo na vida
do protagonista. Desempenharam essa função na pesquisa: Neide Marina, no
Grupo A e Adilton Willes e Maria Auxiliadora Freitas no Grupo B;
- O Público ou Platéia – quem assiste e participa das cenas ou das discussões,
todos os membros do grupo que participam da ação dramática, todos podem
desempenhar papéis.
b) Etapas:
- Aquecimento – é a etapa em que se prepara o grupo, foi usada para criar um
clima de integração para favorecer as etapas subseqüentes do trabalho. Pode
ser específico e inespecífico. A principal fonte de aquecimento foram os
jogos, exercícios e brincadeiras nos dois grupos.
- Dramatização – Drama é uma palavra grega que significa “ação”; é feita a
partir das cenas que os estudantes trazem para o palco. As cenas mais ricas
para reflexão foram: “Um dia bom na escola” e “O que vou ser no futuro”.
- Compartilhamento – é a última etapa da sessão, é também conhecida como
sharing ou compartilhar. Para Moreno, é a fase de participação terapêutica
do grupo, nela os participantes emitem opiniões sobre a dramatização,
compartilham sentimentos, emoções e pensamentos numa relação de
cumplicidade aos problemas humanos. Tanto no grupo A quanto no grupo B
o compartilhar era caótico, confuso, não expressavam os sentimentos, as
opiniões e não acontecia algumas vezes. No entanto, poucas vezes que
aconteceu foi de desocultar muita coisa.
46
c) Contextos
- Contexto Social – corresponde a realidade social da qual provém o indivíduo.
Portanto, é desse contexto que ele traz o material a ser trabalhado, através do
seu relato e perspectiva pessoal. Os problemas trazidos mais freqüentemente
eram da comunidade onde viviam, ou da escola.
- Contexto Terapêutico – um lugar onde o protagonista vai atuar “como se”,
vai vivenciar suas fantasias, expressar as suas necessidades através dos
papéis desempenhados num ambiente protegido, aconchegante e propício ao
processo terapêutico. Não compatível com o trabalho feito na intervenção.
- Contexto grupal – é formado pelos integrantes do grupo, que com uma
dinâmica própria (costumes, normas, objetivos) vão formando sua história. A
sala de aula foi o contexto trabalhado.
No contexto desta pesquisa, quando falo na relação entre sujeitos da práxis
pedagógica, tomo como referência a relação educador e educando, e a relação deles entre si.
Foram priorizados, nesse caso, os atores com suas experiências de sentido, suas histórias,
narrativas, necessidades, vivenciando as possibilidades de transformação no “como se”. Nesse
campo, estamos diante da complexidade, da incerteza, da provisoriedade, da dúvida, que são
inerentes à interação, o que pode gerar também possibilidade de análises da realidade,
ampliação do conhecimento e da consciência dos participantes, ao considerarmos que os
desafios não sejam transformados em limites, mas uma oportunidade para aprofundamento,
participação e envolvimento, como ponto central nessa interação.
A pesquisa foi realizada em três fases:
a) Diagnóstico inicial dos vínculos existentes na sala de aula da 5ª e 6ª séries, assim
como suas experiências de convivência e aprendizagem;
b) Intervenção investigativa pelo uso de atividades, ao mesmo tempo lúdicas e
sociopsicodramáticas;
c) Diagnóstico após intervenção investigativa sobre os vínculos existentes, a
convivência e a aprendizagem dos educandos, através de questionários, observação
participante e teste sociométrico.
47
4 A INTERVENÇÃO INVESTIGATIVA: A LUDICIDADE E O SOCIODRAMA
MEDIANDO O DRAMA ESCOLAR
O mundo é um palco, Todos os homens e mulheres são atores, Eles tem suas próprias saídas e entradas. E cada um a seu tempo, Desempenha vários papéis E cada ato dura por sete eras.
W. Shakespeare
Quis iniciar esta narrativa com a citação de Shakespeare, porque nessa intervenção
investigativa, trago para o centro do palco a prática cotidiana escolar, colocando como foco de
sentido os educandos (as) e as formas de relação (vínculos) que estabelecem entre si e com os
professores, de modo a afetar tanto a convivência quanto a aprendizagem entre eles.
Esta pesquisa aborda o vínculo como fator importante nas relações que estabelecemos.
Neste estudo focalizarei, de modo particular, o vínculo na escola. Aqui é visto como a menor
unidade de sentimento que liga uma pessoa à outra, tem a ver com reciprocidade de
sentimentos, com afinidades. Está fundamentado na teoria de Jacob Levi Moreno, que cunhou
o termo “tele”, distante em grego, para nomear o elemento de comunicação invisível que
percebeu existir entre alguns participantes de sua companhia de teatro espontâneo e depois se
estendeu a outros grupos de pesquisa, culminando na Sociometria – ciência da medida do
relacionamento humano.
A “tele” é o fator psicossocial responsável pela formação dos vínculos, é o que
possibilita o encontro entre as pessoas. Como afirma Moreno (1993a, p.36) tele: “[...] é a
mútua percepção íntima dos indivíduos, o cimento que mantém os grupos unidos”. Pode ser
percebido nos relacionamentos nos seus aspectos cotidianos, nas escolhas mútuas, na coesão
grupal e na expansividade afetiva. Por exemplo, se um educando faz a escolha de um colega
para trabalhar e o outro colega também o escolhe, existe um fluxo de sentimentos ou
interesses ocorrendo entre os dois e há mais probabilidade de entendimento e encontro entre
eles.
O fenômeno tele é diferente da transferência em Freud, porque nesta o indivíduo
projeta no outro, através do vínculo interno, suas experiências de dor ou alienação, vividos
48
em relações anteriores, enquanto a tele é uma relação espontânea e criativa, livre de
transferência. É também diferente da empatia, porque esta é uma via de mão única, e aquela
implica reciprocidade.
Moreno (apud NERY, 2003, p. 16) sintetiza essa compreensão da seguinte forma:
[...] no palco da existência, somos atores e desempenhamos papéis diretamente ligados ao “eu”. Nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do conjunto de papéis que exercemos; dos papéis que estão contidos ou reprimidos, da nossa modalidade vincular, das nossas predisposições hereditárias.
Para observar a dinâmica do relacionamento dos educandos no ato, no seu pulsar
mesmo, no momento original, em plenitude e espontaneidade, vou utilizar dois recursos – a
ludicidade e o sociodrama, com incursões nos territórios da arte, da fantasia, educação,
convivência, jogo, etc. Através dessas atividades, tanto observarei o padrão de conduta dos
estudantes, assim como sua transformação. Nesse contexto, vou apresentar algumas cenas,
jogos, brincadeiras, diálogos, reflexões, vivenciados na escola, enriquecidos com imagens
para que o leitor possa apreendê-las como imagens em movimento, personagens no palco em
suas ações cotidianas.
O artista, o poeta, o criador é aquele que acolhe a realidade, mas não se conforma que
esta seja a única forma de fazer, de olhar e de viver, daí o número de obras que nos instigam
a olhá-la por ângulos diversos. Assim, acredito que deva ser a pedagogia escolar ao lançar o
seu foco sobre os personagens da escola com o apelo para se construir coletivamente
convívios mais humanizados. Nesse sentido, afirma Arroyo (2004, p.15):
A pedagogia escolar é diferente dependendo do foco de sentido que escolhamos: os conteúdos, as didáticas? Estamos caminhando para que o foco de sentido sejam os educandos(as) e suas vivências reais de seus tempos da vida. Reconheçamos que estamos diante de um novo foco de sentido. Promissor para o magistério.
O educador, da mesma forma que o artista, acredito que deve não só acolher a
realidade escolar, mas também trabalhar para criar alternativas que possam melhorar o que
está aí, um cenário de passividade, de repetição, de violência, a que estão submetidos crianças
e jovens e também professores, onde a autoria é um direito a ser conquistado, o respeito ao
outro um exercício a ser construído, para que o trabalho pedagógico dê conta, não só do
desenvolvimento da inteligência e da apropriação dos conteúdos, mas do desenvolvimento
afetivo e social como formas de convivência e crescimento na diversidade..
49
É ainda este autor (ARROYO, 2004, p. 19) que nos convida a refletir sobre isto ao
indagar:
[...] diante do incômodo e do mal estar de mestres e alunos resta algo capaz de inspirar nosso pensar e fazer profissional? - Mais adiante procurando as causas do incômodo responde que este – [...] Poderá vir das tensões e do próprio mal estar vivido nas escolas. Como nos lembra Luís Borges, pode não vir do amor, mas do espanto. Do espanto diante da barbárie a que a infância é submetida. [...] Inclusive para rever nossos tratos na sociedade e na escola e inventar formas mais humanas de tratar-nos e de tratar os educandos.
Em resposta à provocação deste autor, a experiência tem nos mostrado o potencial da
ludicidade e do psicodrama como intervenções diferenciadas e transformadoras, pelo respeito
às necessidades do grupo de estudantes, pela possibilidade de revitalização das relações
através do diálogo e da participação, pelo clima lúdico e afetivo criado, além de outros. Por
outro lado, uma intervenção através do psicodrama e da ludicidade não é uma panacéia para
resolver todos os conflitos e problemas relacionais na escola, nem como mágica em que os
educandos, ao vivenciarem atividades lúdicas, logo se tornam amigos. Pelo contrário, são
oportunidades para a manifestação de conflitos, principalmente as relações de exclusão e
rejeição, que estão presentes, porém latentes. Em contrapartida, é também oportunidade para a
transformação e construção de atitudes éticas, pois conta com um fator facilitador: o trabalho
em campo relaxado, e também lúdico, mais propício à experiência reconstrutiva e
emancipatória. Para Pedro Demo (2000, p.54), a aprendizagem reconstrutiva é aquela que
parte do que já aprendemos, para saber ler a realidade e nela intervir com autonomia.
A partir dessa base de entendimento, estabeleço alguns princípios básicos para a
compreensão e a conduta que estarão presentes nessa intervenção.
A visão de homem como ser de relação considera a singularidade da pessoa do
educando como ator e autor social, plasmado numa teia de relações, cuja aprendizagem
acontece no relacionamento com os outros atores e autores do cenário, inclusive o educador,
à medida que vai atualizando conhecimento e experiência de forma criativa e reflexiva.
O conhecimento supõe o reconhecimento, através da mobilização das experiências
anteriores, do cognitivo, do afetivo e do corporal. Plagiando Paulo Freire (1996): Ninguém
educa ninguém; ninguém se educa sozinho; os homens se educam em comunhão e no respeito
mútuo. Daí defender a importância da criação de vínculos, para que a “turma” se transforme
num “grupo de aprendizagem e crescimento”.
50
Busca-se a passagem da “turma” como um agrupamento desordenado de pessoas, para
o “grupo” como um agrupamento consciente e ordenado de pessoas como matriz relacional,
através da troca de experiências e conhecimentos, pela compreensão de que o dia-a-dia do
sujeito é produzido por ele em conjunto com outros nas relações estabelecidas objetivamente,
e isso foi feito através de vivências potencialmente lúdicas.
O educador, que é o responsável pela organização do ambiente e facilitador do
processo de aprendizagem, deve possuir disponibilidade e sensibilidade necessárias para lidar
com as relações humanas, corrigir relações inadequadas por relacionamentos saudáveis,
pensando a escola como espaço de sociabilidade e de convívios. Como o adulto da relação
pedagógica deve acolher, nutrir, sustentar e confrontar o educando na sua caminhada rumo à
autonomia e a aprendizagem.
O processo de aquisição de conhecimentos está diretamente relacionado à construção
de sentidos, às possibilidades do grupo, mobilizada por forças afetivas, por respostas livres,
espontâneas.
Daí o questionamento durante a intervenção: - Deve o educador obrigar o educando a
fazer o que não quer? Paulo Freire (2005, p. 176) faz a seguinte alerta:
Crianças deformadas num ambiente de desamor, opressivo, frustradas na sua potência, como diria Fromm, se não conseguem, na juventude, endereçar-se no sentido da rebelião autêntica, ou se acomodam numa demissão total do seu querer, alienados à autoridade e aos mitos de que lança mão esta autoridade para formá-las, ou poderão vir a assumir formas de ação destrutiva.
Acompanhe a intervenção e verifique que no V Encontro (Grupo A), é relatada uma
situação que espelha tal alerta. De modo geral ainda na escola, ao educando cabe obedecer,
não importa sua vontade; caso contrário é punido com a nota, ou expulso da sala, ou da
escola, o que gera ódio e violências explícitas ou veladas nos adolescentes.
Convido o leitor a penetrar no percurso deste relato de investigação que traz a
trajetória dramática de dois grupos: um de 5ª série, o grupo A e outro de 6ª série, o grupo B,
de uma escola pública estadual, na cidade de Salvador, Bahia, de modo que tome o meu lugar,
para refazer esse caminho através de um contato vivo e pessoal com as cenas, experiências,
imagens, com as análises feitas, os questionamentos, desafios surgidos durante o processo,
como elementos importantes para a compreensão da teoria na estruturação das práticas, mas
também do movimento feito pelo grupo, as resistências, os conflitos, as vivências que
possivelmente contribuíram no caminho de sua transformação. Trago também neste capítulo,
51
considerações sobre a instituição pesquisada, a escolha do grupo(s), a proposta inicial do
trabalho com a professora regente, mudanças ocorridas no percurso e os instrumentos de
coletas de dados utilizados para verificar como estavam as relações (vínculos) dos alunos
entre si e entre alunos e professores.
Assim convido-o a embarcar nessa aventura, fazendo minhas as palavras de Clarice
Lispector (apud KNOBEL, 2004, p.32): “Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você
não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer
entendimento.”
Na primeira parte, descrevo o cenário (contexto) onde se desenrola a trama dramática
das relações na 5ª série, ou grupo “A”, que já vinha com o indesejável rótulo da “turma dos
repetentes”, dos problemas de disciplina e baixa aprendizagem. Diante dessas dificuldades e
de todas as reações, que essas tensões provocam, estão frente-a-frente uma pesquisadora com
uma proposta lúdica/sociodramática e uma turma pedindo para melhorar a violência nas
relações em sala de aula. Foi grande o desafio e, muitas vezes, como pesquisadora fiquei
impactada sem saber que jogo jogar.
Encontro ressonância em Morin (2002, p. 126) quando diz:
A experiência mais extrema, às vezes a mais cruel, mas provavelmente a mais enriquecedora que podemos ter da heterogeneidade é a que nos é imposta através do encontro com o outro, enquanto limite de nosso desejo, de nosso poder e de nossa ambição de domínio (na primeira acepção do termo). Com a heterogeneidade, é o outro, experimentado como fonte de alteridade e de frustração (porque ele nos resiste) muito mais do que fonte de alteridade, que transforma o nosso campo de referências.
A vivência dos jogos, brincadeiras colocou todos nós em contato com os conteúdos,
emoções in status nascendi, como preconiza Moreno (1993a, p.86). Da forma como
apareciam, proporcionavam uma oportunidade de resposta também espontânea e criativa,
para atender a demanda não pautada no autoritarismo e nem no poder para impor qualquer
ordem aos educandos. Este foi um dos grandes desafios, devido os comportamentos
inadequados, instituídos, hábitos trabalhosos para serem ultrapassados.
Em seguida, destaco algumas cenas, imagens, exercícios realizados, comentários e
análises, visando a compreensão do percurso feito. Mostro também os momentos de tensão, a
mudança de trajetória como emergência vivida antes que conhecida, como ponto decisivo e
necessário para o bem-estar do grupo.
52
Na segunda parte, explico as razões para expandir a pesquisa através de um novo
grupo, o da 6ª série, ou grupo “B”. Mostro como condições favoráveis e desfavoráveis
influenciam o estabelecimento de vínculo no grupo e o desenvolvimento das atividades
escolares. Tomo como referência o primeiro experimento, o grupo “A”, que ajudou a melhor
conduzir essa nova experiência. Apresento o cenário (contexto) em que se deu essa
experiência, depois descrevo as cenas, as atividades desenvolvidas, na tentativa de
compreender a importância dos fenômenos no momento em que acontece, as repercussões
disso no grupo e os posteriores resultados.
Finalizo este capítulo, com algumas reflexões e considerações, tentando contribuir
para que voltemos o nosso olhar sobre a importância do vínculo na prática educativa escolar,
para que esse espaço de convivência traga o sabor do saber e a alegria de encontros
verdadeiros.
4.1 GRUPO “A”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA INTERVENÇÃO
João amava Tereza que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Tereza para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim sucidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes Que não tinha entrado na história.
C. Drummond de Andrade
Antes de apresentar o relato das atividades utilizadas durante a intervenção
propriamente dita, descreverei o uso do Teste Sociométrico, em seguida, farei a análise das
entrevistas realizadas com os professores e o questionário com os educandos, todos
instrumentos diagnósticos, feitos não só para observar como estavam os vínculos no início da
pesquisa, mas também pela possibilidade de revelar o movimento e a direção do grupo a partir
desses vínculos iniciais, assim como durante o processo e no final da pesquisa.
O Teste Sociométrico é um método diagnóstico que orienta a intervenção
sociodramática, por facilitar a compreensão das modalidades, características e das redes
vinculares dos grupos humanos. Ele faz parte de um arcabouço maior, a Socionomia (do
latim, socius – companheiro, grupo e do grego, nomos – regra, lei) criada por Jacob Levy
53
Moreno (1994) e quer dizer “a ciência das leis sociais”. Suas concepções emergiram dos seus
trabalhos com as crianças nos jardins de Viena (Áustria) com as prostitutas e com os
refugiados nos campos de Mittendorf – Império austro-húngaro, durante a Primeira Guerra
Mundial. Em 1931, realizou uma pesquisa com os alunos da Escola Pública 181, no Brooklyn,
na cidade de Nova York. Segundo Moreno (1994, v. 1, p. 72), o objetivo desse estudo era
“avaliar o conflito entre a configuração oficial existente e a organização realmente desejada
pelos alunos”. Entre 1932 e 1934, na cidade de Hudson, realiza uma extensa pesquisa com
jovens delinqüentes com o objetivo de transformar a vida desses jovens para voltarem ao
convívio social. Dessas experiências no campo da educação, resultou também uma teoria de
ação educativa, que respalda muitos estudos contemporâneos sobre o tema.
Moreno (1993b) estabeleceu três grandes ramificações como métodos experimentais
da Socionomia. Nesta pesquisa, utilizo especificamente o Teste Sociométrico e o Sociodrama
como suporte para a investigação/intervenção. Para uma melhor visualização, coloco o
esquema abaixo:
Sociometria Teste sociométrico
Psicoterapia de Grupo
SOCIONOMIA Sociatria Psicodrama
Sociodrama
Sociodinâmica Interpretação de papéis
(Role-playing, teatro espontâneo)
A Socionomia articula não só o coletivo, ou seja, a análise e compreensão das relações
no grupo, mas também o pessoal, o indivíduo e sua ação conjunta com outras pessoas. Já a
Sociometria é a ciência da investigação/mensuração das relações. O procedimento técnico
usado é o Teste Sociométrico, que consiste num questionário simples e flexível, geralmente
respondido por escrito, e que pode ser aplicado a qualquer grupo, com possibilidade de ser
adaptado às características e a qualquer nível de desenvolvimento dos sujeitos. Esse
instrumento pode ser utilizado não só em grupos terapêuticos mas também em grupos de
trabalho, na escola, empresas, instituições, etc. Consiste em se fazer uma pergunta direta
(critério), cujo alvo é a expressão do participante em relação à sua escolha efetiva sobre
54
determinado assunto, ou tarefa ou pessoa. Os critérios adotados nessa investigação foram os
seguintes:
a) Escreva o nome de três colegas da sua turma, pela ordem de preferência que você
gostaria, que sentasse ao seu lado na sala de aula;
b) Escreva o nome de três colegas de sua turma, pela ordem de preferência que você
NÃO escolheria para sentar ao seu lado na sala de aula.
São três os sinais possíveis ou tipos de respostas que os seres humanos expressam em
suas relações: aceitação (escolha positiva), rechaço (escolha negativa) ou neutralidade
(escolha indiferente). Os vínculos se esboçam a partir de cada sinal (positivo, negativo,
neutro), e é representado, num gráfico, por cores diferentes.
Após a realização do teste, no dia 16/08/2005, os dados foram compilados através das
escolhas feitas, num Sociograma – um método de representação gráfica das relações humanas.
É um mapeamento que torna visível o universo social. Como diz Bustos (1979, p. 46) “essas
configurações e redes vinculares de um momento do grupo e a objetivação do sociograma nos
dão a sua imagem real ou objetiva”.
A escolha é feita a partir de eleições hierarquizadas. Esse lugar no qual uma pessoa é
eleita, possui fundamental importância, pois determina o campo no qual se produz o encontro,
ou seja, se A elege B como sua 1ª escolha e se B escolhe A em 5º lugar, não é a mesma coisa.
O investimento na relação por parte de A será maior e o grau de insegurança e o temor de
perda também.
Portanto, num sociograma podemos observar diferentes configurações de um grupo
através de setas que indicam a direção das escolhas. Em meu relato e análise do sociograma
dos estudantes, desta pesquisa, optei por usar a cor vermelha para a primeira escolha, o verde
para a segunda e o azul para a terceira escolha.
No Teste Sociométrico de uma escola pública do jardim à 8ª série, realizado por Moreno
(1994, v. 2, p.15), ele disse o seguinte:
Como conseqüência do teste aplicado a esses alunos descobriu-se complexa estrutura da organização de salas, amplamente diferenciada da predominante. Certa quantidade de alunos permaneceu isolada ou não escolhida; outros alunos escolheram entre si, formando pares, tríades ou correntes mútuas, outros atraiam tantas escolhas que conquistavam o centro do palco como estrelas.
55
4.1.1 Teste Sociométrico
No teste aplicado ao Grupo “A” e que ora analisarei, é possível observar diferentes
configurações. Para melhor compreensão dos gráficos sociométricos apresentados à frente,
assim como de sua leitura, exponho, a seguir, os símbolos utilizados nos diagramas.
Segundo Moreno (1993b), um sociograma pode ser lido por qualquer pessoa que
conheça os símbolos, por isso é indispensável o alfabeto sociológico. Aqui, serão destacados
os termos usados nesse teste. As escolhas são fatos fundamentais em todas as relações
humanas contínuas: escolhas de pessoas e de coisas.
Isolada – pessoa que não escolhe e nem é escolhida em qualquer critério. Ela não envia nem
recebe escolhas negativas. Seu resultado sociométrico é zero.
Par – atração entre dois indivíduos.
Triângulo – atrações mútuas com base no mesmo critério, tomam a forma de triângulo.
Corrente – série aberta de escolhas mútuas com base em qualquer critério, tomam a forma de
corrente – A escolhe B, B escolhe A, B escolhe C, C escolhe B, C escolhe D...
Círculo – atrações mútuas tomam a forma de círculo.
Estrela – quando o indivíduo recebe pelo menos cinco escolhas ou mais, com base no mesmo
critério.
Estrela isolada – recebe pelo menos cinco escolhas, mas não tem mutualidade.
Líder popular - recebe mais do que o número esperado de escolhas no critério no qual ele os
que o escolheram estão mutuamente envolvidos; aqueles que o escolheram têm baixo status
sociométrico.
Líder isolado – recebe menos escolha do que o esperado ou, em último caso, não mais do que
uma única primeira escolha mútua.
Status Sociométrico – é obtido pela soma do número de escolhas recebidas em cada critério.
LEGENDAS:
Feminino Masculino
Não fez o teste Não fez o teste
56
Não foi escolhida Não foi escolhido
Atração
Atração mútua
1º escolha 2º escolha 3º escolha
É importante esclarecer que a minha intenção ao usar o critério “sentar ao lado na sala
de aula” era identificar a real posição ocupada pelos educandos no grupo e as inter-relações
estabelecidas, para, daí, iniciar a experiência. Apesar dos educandos realizarem as escolhas
para o teste perceptual, não as computei, por considera-las desnecessárias para a pesquisa. O
teste perceptual, segundo Bustos (1979, p.46) “foi desenvolvido para comprovar o grau de
percepção de cada pessoa sobre sua posição sociométrica no grupo”. Pede-se que cada pessoa
diga quem o escolhe ou não e qual a razão (APÊNDICE A).
Antes da aplicação, preparei a turma, pedi a colaboração, dei os informes necessários,
esclareci que as respostas não viriam a público, de modo a deixá-los à vontade para
expressarem a posição no grupo mais próxima do seu desejo. Esse é apenas um material
colhido naquele momento para mapear a localização exata do educando e as suas inter-
relações, antes da investigação de fatos sociométricos, que serão acompanhados
posteriormente.
4.1.1.1 – Teste sociométrico “antes” e “depois” da intervenção.
Na dimensão interativa humana, perpassam correntes afetivas que possibilitam
aproximações ou distanciamentos, de mim para você, de você para mim, eu – tu, eu – ele, eu
– nós... Para Moreno, existe um fator que facilita a comunicação entre os indivíduos, e ocorre
simultaneamente – é a relação “tele” como já falei anteriormente. É diferente da transferência
como projeção de fantasias de uma pessoa a outra e também da empatia, que é um sentimento
57
de via única, de uma pessoa a outra. A “tele” é um fator inato e pode ser desenvolvido ao
longo do tempo, para pessoas e também para objetos, muito embora não exista reciprocidade
do objeto para com a pessoa. É um complexo de sentimentos de atração, repulsa ou
indiferença que ocorre entre os indivíduos, como extensão básica da nossa capacidade de
fazer escolhas, provocado pelos atributos que essa pessoa representa para nós. “Tele (do
grego: distante, influência a distancia) é a mútua percepção íntima dos indivíduos, o cimento
que mantém os grupos unidos. [...] A tele estimula as parcerias estáveis e relações
permanentes.” (MORENO, 1993a, p.36).
Para Pichon-Riviére (1998a), a configuração inicial de um grupo é de fundamental
importância na determinação das modalidades vinculares posteriores. Este autor fala do
vínculo a partir de uma concepção social; considera a enfermidade mental como um
emergente que surge das tensões sociais.
Moreno também possui uma visão social e vincular da personalidade, além de
acreditar nos recursos do ser humano em libertar-se das matrizes e modalidades vinculares,
não só através da psicoterapia, mas também através de novas vivências em grupo com
modalidade vinculares mais sãs.
Partindo dessa premissa, para mim, era importante, de início, verificar como estava o
vínculo nesse grupo, para traçar um esboço de ação para esse novo caminho com mais
“segurança”, muito embora durante o percurso tive que aprender a tatear por caminhos
inesperados e a dançar suspensa no nada, como diz Dante Galeffi (2002); tive que agir com
criatividade e espontaneidade para dar resposta adequada a essa nova situação. Por
espontaneidade, não me refiro a espontaneísmo, mas à visão moreniana que diz: “A essa
resposta do indivíduo a uma nova situação – e à nova resposta a uma antiga situação –
chamamos espontaneidade”. (MORENO 1993a, p.101).
Desse modo, acredito que espontaneidade é um agir com cuidado, é valorizar o que o
cotidiano nos mostra como algo suspeito e que pode ser consertado, é dar respostas às
questões que surgem; considerar que o excesso de estímulos e o embotamento dos sentidos
em que se vive hoje nos faz perder o contato com a realidade e a sensibilidade necessárias
para olhar as emergências do dia-a-dia: de modo particular, quero me referir às pessoas e às
relações na escola.
A intervenção, nesse sentido, teve por objetivo propiciar oportunidade para os
educandos se descobrirem no plano afetivo-emocional da interação, que é o eixo básico para a
compreensão do fenômeno tele. Para isso, o teste sociométrico nos mostrou a configuração
grupal (inicial); a ludicidade e o sociodrama mostraram o processo. O objetivo foi superar a
58
análise individual e subjetiva pela compreensão e transformação do grupo mediante as
atividades potencialmente lúdicas vivenciadas.
De acordo com Bustos (1979, p.38) quando duas pessoas estão isoladas do grupo e
entre si, existe um sinal positivo, “elas podem representar um núcleo defensivo, criando entre
si um código de comunicação particular”. Os educandos Sílvio e Sam formavam um vínculo
dessa natureza, pelo índice de rejeição que recebiam do grupo; mas, ao longo do
desenvolvimento das atividades da pesquisa, desfizeram o par, pela fragilidade do vínculo que
os unia.
Observando a estrutura de um grupo através de estratégias sociométricas, é possível
identificar o entrelaçamento de vínculos formando uma rede, pela posição que cada indivíduo
ocupa nela. É também possível observar um núcleo de relações ou vínculos próximos, que
constitui o seu átomo social. O átomo social de uma pessoa constitui uma rede de afinidades
entre ela e outras pessoas, com vários níveis de preferência. Diferente para cada indivíduo,
uns mais expansivos, outros mais limitados. Um educando sociometricamente isolado,
experiencia na escola relações interpessoais pobres, geralmente exibe níveis elevados de
agressividade, comportamento inadequado, baixo rendimento e é menos aceito nas atividades
do grupo. Para Moreno (1994, v.2, p.160), os átomos sociais “[...] não são construções: são
redes reais vivas, cheias de energia, girando em torno de cada homem em miríades de formas,
diferentes em tamanho, constelações e duração”. Observe o “átomo social” de Sany - estrela
sociométrica, tem escolha mútua com Perla, Jéser, Nely; e é também escolhida por Silas e
Olga. É interessante observar que partes de um átomo social se ligam a partes de outros
átomos, e essas ligações vão formando redes complexas de inter-relações.
A dinâmica relacional do grupo é o que analisarei a seguir, através dos sociograms de
Escolhas Positivas (1), Escolhas Negativas (3) e os seus desdobramentos (2 e 4), adotados
para melhor visualização e entendimento. É importante perceber os educandos isolados,
rejeitados, os líderes, para adotar posteriormente as estratégias necessárias favoráveis à
interação.
No Sociograma 1, logo abaixo, temos duas estrelas sociométricas: Sany que possui
cinco escolhas, com três mutualidades e Perla também com três mutualidades. A estrela
sociométrica de um grupo não é o educando que possui mais escolhas, mas aquele que possui
o maior número de mutualidades, Temos ainda as estrelas que atraem para si pelo menos
cinco escolhas. São os educandos: Olga – Crispin – Sany – Silas e Edu. Por outro lado, temos
três não escolhidos: Villy – Raí – Jonas; fazem suas escolhas mas não são escolhidos.
59
Observando o Sociograma 1 (escolhas positivas), numa análise inicial e à primeira
vista, podia-se afirmar que nessa turma a rede de relações estava aparentemente boa, pois nas
configurações existiam várias mutualidades considerando as de 1ª, 2ª e 3ª escolhas. São
observados trios, correntes, seis estrelas e somente três educandos não escolhidos.
Mas, ao observar esse sociograma com cuidado, o que me instigava era o paradoxo:
por um lado os dados mostravam relações aparentemente equilibradas, por outro, 80% da
turma expressava num exercício escrito Carteira de Identidade, o desejo de melhoria nas
relações e também no índice de violência em sala de aula. Ficava também clara a incoerência
entre várias escolhas, observei que o educando Silas é considerado uma estrela no
Sociograma 1, tem seis escolhas positivas: mas, observando a redução do Sociograma 1, para
o Sociograma 2, (com a 1ª escolha), ele é eleito somente por dois colegas: Jonas e Raí, e
dirige sua escolha para o colega Silvio, que tem uma escolha recíproca com outro colega:
Sam. O mesmo fenômeno você pode observar com Ney, outra estrela na turma. Mas essas
estrelas não têm escolhas recíprocas, ou seja, mutualidade.
A mutualidade se dá quando duas ou mais pessoas se elegem com o mesmo sinal, seja
ele, negativo, positivo ou neutro. Isso determina não só a força da escolha e o ponto no qual o
vínculo se estrutura, mas também o grau de percepção que o sujeito tem sobre as mensagens
que são transmitidas pelo outro. A incongruência (desencontro) revela que os sujeitos se
elegem com sinais diferentes. Observe no Sociograma 1 de escolhas positivas: Edú escolhe
Ney; que escolhe Eric; que escolhe Crispin; desse modo, fica clara a não correspondência
entre as escolhas. Por outro lado, temos quatro atrações mútuas de primeira escolha: Perla e
Jair; Jéser e Sany; Silvio e Sam; Bob e Crispin.
Outra configuração que aparece são as correntes, há uma interligação, mas ficam
pessoas em posições extremas. Se tomo como exemplo a corrente que se inicia com Val, ele
se liga a Crispin, que se liga a Bob, que se liga a Sílvio, que se liga a Sam e termina em
Norton. A vinculação básica direta para Val e Norton nessa corrente é única, pois ficam nas
extremidades, enquanto os educandos Crispin, Bob, Silvio e Sam numa posição média, têm
mais segurança, pois têm vinculação direta com duas pessoas. Veja: Norton – Sam – Sílvio –
Bob - Crispin – Val.
O círculo é a configuração ideal para uma boa coesão grupal. Aí existem várias
possibilidades de relação, não só pelas escolhas recíprocas, mas também pelo movimento
dinâmico proporcionado pelo triângulo, pelo quadrado, como vemos com os educandos Sany
– Perla – Jair – Jéser e Nely.
60
61
Ao tomar ainda esse mesmo Sociograma 1, reduzi-lo considerando somente a primeira
escolha tanto positiva quanto negativa de cada estudante, foi possível olhar os vínculos sobre
outro ângulo.Veja, ao reduzi-lo e considerar a primeira escolha (Sociograma 2), a
configuração mais próxima de uma relação em grupo que aparece é o triângulo, formado
pelos educandos Cris – Olga – Pitt. No entanto, essa não é uma configuração ideal, pela
constante insegurança que permeia a relação triangular, o medo de perda e o controle de um
indivíduo sobre o outro, pois o movimento de um deles constitui ameaça aos outros dois.
Na realidade, o Sociograma 2, logo abaixo, mostra uns elementos correndo atrás dos
outros, sem reciprocidade. Formando pares, temos somente quatro escolhas mútuas
(encontros), que são: Silvio – Sam; Crispin – Bob; Jair– Perla; Jéser – Sany. Dez não
escolhidos e quatro com maior número de escolhas.
Depois desse novo olhar sobre os sociogramas 1 e 2 e fazendo essa análise, comecei a
entender as reações e comportamentos agressivos à simples aproximação do colega. Isso ficou
muito claro no segundo encontro, quando fiz um jogo de integração (Casa, Morador e
Tempestade). Nesse jogo eles teriam de formar uma casa com outro colega, dando-se as mãos
e no meio da casa deveria ficar também outro; pelo visto é um jogo de contato; alguns
educandos não quiseram participar, dizendo não querer pegar na mão do colega. Tive que
criar, durante a intervenção, várias adaptações de jogos, intervir muitas vezes para coibir atos,
palavras e atitudes agressivas entre eles. Era claro o receio de se expor no grupo, de falar, de
expressar com o corpo, parece que sentiam vergonha; percebia-se que não era só por timidez,
porque eles são espontâneos e até mesmo desinibidos, para se mostrar, mas me parece que não
expunham pelo medo de serem ridicularizados, do não acolhimento, da falta de confiança no
grupo. Vide a primeira atividade de integração mais adiante.
Voltando ainda ao Sociograma 1, o círculo formado apenas por meninas no canto
direito acima: Olga – Cris – Pitt – Celi e o grupo formado com atração intersexual por Sany –
Nely – Jéser – Jair – Perla, logo abaixo deste, desde o início da pesquisa, mostrava uma
relação télica, isso quer dizer que possuiam um mínimo de relação afetiva entre eles. Mas
posso afirmar que isso inicialmente funcionava como duas “panelinhas” para se proteger do
modus vivendi do grupo – muito agressivo. Durante o trabalho, esses círculos, se integraram e
melhoraram a qualidade dessa relação, sustentaram a convivência com todos até o final da
pesquisa e o mais importante: é que foram aprovados para a série seguinte. Dos alunos mais
62
63
freqüentes às atividades, participantes, desse grupo, somente Jair e Perla não foram aprovados
para a série seguinte. Quero destacar que não considero a aprovação geral da turma
satisfatória, pois somente oito estudantes foram aprovados para a 6ª série. Esse grupo era
formado inicialmente por 34 estudantes, em sua maioria repetentes, no segundo semestre
quando iniciei a pesquisa freqüentavam 24, e desses, cinco desistiram. Dos 19 restantes, 11
participavam freqüentemente das atividades e quatro foram reprovados. Dos oito que não
freqüentavam as atividades, somente um foi aprovado: Alan, que eventualmente participava,
inclusive fiz a inversão de papel com ele.
O grupo que fica à esquerda do Sociograma (1), formado por meninos, os vínculos de
um modo geral eram mais frágeis pelas escolhas (2ª e 3ª); com o agravante: era composto por
colegas que recebiam uma maciça antipatia do grupo como um todo, observe no Sociograma
3 (abaixo), os educandos: Sam – Sílvio – Jair – Jonas – Raí – Val - Edú, se uniam por
comportamentos desviantes. Desse grupo, Raí – Jonas – Jair melhoraram a posição
sociométrica, mas não conseguiram progressos na aprendizagem. Alguns educandos
abandonaram a escola antes do final do ano letivo: Val – Cely – Crispin – Pitt – Cris.
Observe no Sociograma 3 e 4 abaixo, as estrelas de escolhas negativas: Norton –
Jonas – Sam – Silvio; Alan e Edu não são estrelas, porque tem menos de cinco escolhas,
mas recebem várias escolhas negativas. Esses estudantes não queriam participar das
atividades, por mais convites que receberam; estavam sempre perambulando pela escola, às
vezes, entravam na sala, observavam, mas não participavam.
Os estudantes que são reprovados mais de uma vez, pelo visto, carregam o peso da
exclusão, o sentimento de fracasso e tem mais chances de desistirem no meio do caminho.
São também mais indisciplinados, agressivos e indiferentes. Assim que começam a perder nas
unidades, vão saindo, porque sabem que irão ser reprovados. Esse é um assunto que ainda é
preciso ser revisto pela escola, pelos sérios problemas que causam não só de aprendizagem,
mas também emocionais e psíquicos; quando um professor dessa turma diz: eles só aprendem
se perderem de novo, me faz pensar que o desejo de reprovação, é mais uma forma de
repressão ao mau comportamento, do que mesmo pela condição de aprendizagem do
educando e do que pode ser feito por ele como ajuda. A indisciplina interfere na relação
educando x educador e a evasão também, é problema sério que não cabe aqui discutir no
momento.
64
65
66
A rejeição, o fracasso, nessa idade não é fácil de serem enfrentados, afeta a auto-
estima, que está em construção. Todos nós desejamos e precisamos ser acolhidos e ter um
grupo à nossa volta em quem possamos confiar. Concordo com Abramovay (2003, p. 37)
quando fala sobre as relações na escola e faz a seguinte reflexão:
O fato de não gostarem de seus colegas generaliza uma situação de desconforto e desconfiança entre todos, fazendo com que os laços afetivos entre os membros da classe se fragilizem. Quanto as relações com os colegas, os alunos alegam desunião e falta de solidariedade, observando que é comum que entre eles não haja coleguismo nem diálogo. Essa ausência de empatia e solidariedade entre os estudantes acaba se estendendo a outras relações (entre professores e alunos, por exemplo). Com isso, formam-se grupos fechados, chamados panelinhas, que impedem a aproximação de outros colegas. Finalmente, fica claro que as relações entre os alunos influenciam a sua permanência na escola, porque ali desfrutam de convivência social e se ligam efetivamente uns aos outros.
Tomando como referência a citação acima e ao voltar o olhar para aqueles meninos e
meninas, que vão se desgarrando do grupo pelo caminho, ao abandonar a escola, é possível,
numa análise simplista também considerar a influência do vínculo entre eles, apesar de
existirem muitos outros fatores que influenciam esse abandono, e que não vêm ao caso
explorar aqui.
Considerando as escolhas do teste sociométrico realizado em 16 de agosto de 2005 e
para avaliar o grau de escolhas positivas recebidas por cada educando, atribuí a seguinte
pontuação: três pontos a cada escolha em 1ºlugar, dois pontos ao 2º lugar e um ao 3º lugar. É
importante considerar que se um educando elege outro em primeiro, não é o mesmo que
eleger em segundo. Portanto, daí elaborei, para melhor visualização, os gráficos abaixo:
Critério: Sentar-se ao lado do colega escolhido em sala de aula.
Gráfico 1 – Grupo A - Intensidade das escolhas - Eleições Positivas
67
Os estudantes Ney, Silas e Olga recebem o maior número de escolhas positivas, são os mais
simpáticos ao grupo. O gráfico abaixo utiliza o critério negativo.
Gráfico 2 – Grupo A - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas
Critério: Quem NÃO escolheria para sentar-se ao seu lado na sala de aula.
Os educandos Silvio (2) – Sam (23) – Jonas (14) – Jair (19) se destacam pela negativa; os
educandos Erick (8) – Alan (5) – Norton (10) – Bob (11) – Raí (12) – Edu (17) – Val (22) –
Samuel (23) em relação ao restante do grupo recebem o dobro das escolhas negativas. No
entanto, os quatro primeiros que mais se destacaram, são elementos nos quais a turma
descarrega a sua “antipatia”. O nº.9 (Call) não freqüentava.
4.1.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final
Um dos saldos mais positivos nesse grupo foi observar que educandos como Villy, Raí,
Jonas, considerados indiferentes aos colegas, quer dizer, não escolhidos no primeiro teste,
participaram das atividades lúdicas e modificaram sua posição sociométrica de forma notável,
para melhor, no teste final; enquanto que os educandos Sam – Sílvio – Norton – Edu, que não
participavam das atividades, receberam um aumento sensível de antipatia do grupo, ficando o
educando Silvio, praticamente isolado e sem chances de integração.
Segundo Bustos (1979), um membro isolado e com um número maior de negatividade,
além de indicar um conflito grave, deve ser retirado do grupo, pois se levaria muito tempo
para sua integração e diz também: “Não deve expor essa pessoa a uma mera mudança de
grupo, já que poderia sentir o perigo de um novo ‘fracasso’ na sua tentativa de integração”
(BUSTOS, 1979, p. 37), mas isso, tratando-se de um grupo de terapia. O que fazer num grupo
de escola? Nesse caso, é o que precisa ser pensado; é necessário arranjar meios para integrar
68
esses elementos, para um mínimo de convivência pacífica, de modo a aprender, de conviver
bem com os colegas e não abandonar a escola. Principalmente no caso específico de um
“grupo de repetentes”, deve ser adotado desde o início do ano, um tratamento mais cuidadoso
com grupos dessa natureza. Cris, Pitt, Cal, Crispin e Cely desistiram no meio do caminho.
Comparando os Sociogramas: inicial e o final é visível uma maior integração no grupo
pelo maior número de mutualidades, ou seja, escolha positiva mútua. Ainda assim ficaram
dois estudantes isolados: Norton e Alan, que raramente participavam das atividades. No 1º
teste, Alan tinha uma mutualidade com Edu, mas não sustentou e perdeu esse laço.
Observe que Jonas no 1º teste estava isolado, melhorou bastante a sua posição no grupo
com duas escolhas mútuas; do mesmo modo Raí também conseguiu uma mutualidade e Vily
obteve uma escolha, o que representa um resultado positivo, considerando que esses
estudantes antes estavam isolados.
O número de mutualidades de primeira escolha positiva continuou o mesmo, do teste
inicial para o final (4), no entanto, aumentou o número de escolhas mútuas, em segundo e
terceiro lugar, o que favoreceu a integração do grupo. Por outro lado, as escolhas positivas do
primeiro teste mostraram no desenrolar da pesquisa que eram “pró forma”, não existia um
vínculo de amizade consciente e por isso, foram se modificando. Assim foi com Sam e Silvio
que tinham uma mutualidade de primeira escolha e se tornaram inimigos; Alan tinha uma
mutualidade com Edú e no teste final ficou isolado. Sam, Silas e Edu ficaram fechados num
triangulo, quase isolados do grupo. Não ficaram totalmente isolados, porque o Silas apesar de
ser amigo de Sam, uma estrela de antipatia no grupo, era estrela de escolhas positivas e o Edú
também recebeu três escolhas positivas o que favoreceu a sua integração.
No Sociograma 3 eram quatro estrelas negativas: Jonas, Jair, Sam e Sílvio; no último
teste, aplicado três meses depois, o sociograma revelam três: Sílvio, Norton e Sam. Portanto,
Jonas e Jair melhoraram a posição no grupo. A estrela sociométrica no primeiro teste era
Perla, Sany, Pitt e Cris, pelo maior número de mutualidades positivas (3); no último
sociograma (5) somente Sany continuou como estrela sociométrica, isso quer dizer que
permaneceu com o maior número de escolhas mútuas. A diminuição das estrelas, nesse caso,
não prejudicou a integração porque após as atividades lúdicas e sociodramáticas, as escolhas
passaram a ser mais conscientes.
69
70
71
É interessante observar que os grupos isolados, “as panelinhas” do primeiro teste
diluíram-se, formando uma comunidade que permaneceu mais unida até o final da pesquisa.
Quero deixar claro que, apesar de algumas mudanças positivas, ainda ficou muito a
desejar o trabalho com esse grupo; basta verificar que dos 19 estudantes que freqüentavam até
o fim do ano letivo, somente dez participavam regularmente do grupo, essa dispersão
implicava na ausência às aulas, no enfrentamento das dificuldades das disciplinas, no mau
comportamento, agressividade com os professores. Enquanto isso, o pequeno grupo que
participava das atividades lúdicas e sociodramáticas, cooperava entre si, estava mais unido,
não sei se realmente posso dizer que a intervenção influenciou totalmente, mas o certo é que
dos que freqüentavam o grupo somente uma estudante foi reprovada, conforme ata de
resultado final da série.
Para que a vinculação aconteça num grupo de escola, acredito ser necessário um
trabalho coletivo desde o início do ano, e que essa relação seja cuidada durante todo o ano
letivo, para que daí possa surgir vínculos de amizade, respeito e consideração.
Essas observações vêm confirmar a importância das relações e do desenvolvimento do
vínculo entre os atores escolares, como condição essencial do aprendizado escolar e da vida.
Uma educação de qualidade deve se preocupar com o desenvolvimento integral, que não
comporta só a preparação do intelecto; esse é só um pilar. De acordo com o Relatório de
Jacques Delors (1999) citado anteriormente, temos, além do aprender a saber, que é o mais
focado em nosso meio, também o aprender a ser, o aprender a fazer e o aprender a viver
juntos. As distorções no “viver juntos” prejudica a função institucional da escola.
Outro passo dado, no sentido de identificar a percepção dos estudantes sobre as
relações interpessoais na turma, foi o questionário a seguir, composto de dez itens, com quatro
opções de respostas objetivas.
4.1.2 O que pensam os estudantes da 5ª Série sobre as relações interpessoais na sala de
aula
No dia 16/08/05, antes de iniciar a intervenção propriamente dita, os 23 estudantes
responderam o Questionário de Relações Interpessoais (APÊNDICE B), com o objetivo de
identificar sua percepção sobre as relações interpessoais na turma. A questão 7 não foi
respondida por um deles.
72
4.1.2.1 – Antes da intervenção
O exame dos resultados mostra que o relacionamento nessa turma não era bom,
considerando que os itens que promovem a integração pendem mais para a negatividade.
Pode-se observar que itens como: cooperação (60,87%), aceitação (56,53%), união (63,64%),
afetividade (52,18%), ocorre “às vezes”, dito pelo maior número de estudantes da turma
(Tabela 1).
No segundo semestre, ainda existiam colegas que não sabiam os nomes uns dos outros
e alguns estavam isolados, isso também é confirmado no Teste Sociométrico. O percentual de
agressividade é grande, sete estudantes (30.43%) consideram que “sempre” existe
agressividade; enquanto cinco (21.74%) achavam “muitas vezes” e nove (39.13%) diziam que
“às vezes”, somente dois (8.70%) dos educandos, diziam “nunca” existir.
Tabela 1 - Percepção dos estudantes sobre as relações interpessoais em sala de aula
Fonte: Pesquisa da autora
Dos três estudantes (13.04%), que não se consideram aceitos “nunca”, é visível a
situação também no Teste Sociométrico; observe que o estudante Jair está isolado, no
Sociograma 1; durante a intervenção não se integra e, assim, não participa da maioria das
A
B
C
D
Respostas e
Percentuais
Item A % A % A % A %
1. Entrosamento 09 39,13 09 39,13 05 21,74
2. Saber o nome 17 73,91 02 8,70 04 17,39
3. Isolados 01 4,35 06 26,08 16 69,57
4. Agressividade 07 30,43 05 21,74 09 39,13 02 8,70
5. Cooperação 02 8,70 02 8,70 14 60,87 05 21,73
6. Aceitação 03 13,04 04 17,39 13 56,53 03 13,04
7. União* ... ... 02 9,09 14 63,64 06 27,27
8. Relacionamento 07 30,43 03 13,04 11 47,83 02 8,70
9. Receio de falar 02 8,70 05 21,73 12 52,18 04 17,39
10. Afetividade 05 21,73 02 8,70 12 52,18 04 17,39
73
atividades, o resultado na aprendizagem é também deficiente, apesar de ter uma boa relação
com a pesquisadora, buscar carinho, mas não se aproxima dos colegas.
Outro dado do questionário, que observei nas vivências lúdicas, foi o receio de falar,
de alguns estudantes, era como se temessem a crítica; somente quatro (17.39%) disseram se
sentirem à vontade, o que era visível, apesar de toda a vivacidade desses adolescentes. Os 19
restantes (82.61%) sentiam receio de falar em algum momento.
Isso indica a urgente necessidade de se trabalhar, como pano de fundo em toda
atividade educativa, a integração da turma e a conseqüente formação de vínculos de
aproximação/integração, desde o início do ano letivo, pois onde existem pessoas em
convivência, é natural os conflitos, desentendimentos, mas ao mesmo tempo, existe a
possibilidade de diálogo, de troca, e também o prazer/alegria advindo do encontro verdadeiro
– aquele que acolhe a pessoa em sua dignidade e a respeita.
4.1.2.2 – Depois da intervenção
Após um trabalho contínuo e organizado, com avaliações e observações freqüentes da
caminhada do grupo, propus no final mais um instrumento a fim de ter a partir das vozes dos
atores desse drama, alguns indicadores que mostrassem a aproximação ou não, dos objetivos
propostos.
Foi aplicado um Questionário Avaliativo composto de sete questões com justificativas.
Vou desdobrá-las aqui para comentar um pouco cada questão.
Questão 1 - Como você classifica o trabalho feito pela professora Antonia Lucia? ( ) Péssimo ; ( ) Regular ; ( ) Bom ; ( ) Ótimo ; ( ) Participei algumas vezes. Por quê? Dos 17 estudantes que responderam, sete disseram que a atividade foi “Ótima”, um
deles disse “[...] foi uma professora que nos deu carinho e ensinou também”; outro disse: “ela
entende o que passa pela cabeça da gente”; um outro escreveu: “porque ela brinca com todo
mundo e dá conselhos os alunos”, os restantes falaram da paciência, carinho e das
brincadeiras. Dos cinco que acharam “Bom”, um educando escreveu: “porque fez muitas
brincadeiras e ela é muito carinhosa”, os restantes continuaram falando das brincadeiras,
pinturas, das risadas que deu. Cinco responderam que participaram algumas vezes, um deles
74
falou: “porque não gostava de algumas aulas que eram chatas”, outro respondeu: “porque
têm vezes que fico sem ânimo” e os três restantes porque chegavam atrasados.
Questão 2 - Participando desses encontros, me senti...
De todas as respostas, somente um educando disse se sentir “muito péssimo”, mas não
justificou; um outro disse que se sentiu: “mal com meus colegas que faziam ignorância com a
senhora”, uma educanda diz: “muito bem, isso fez ela entender um pouco sobre minha vida”;
um outro disse que se sentiu: “meio diferente porque aprendi alguma coisa”; outro disse:
“melhor do que está fora da sala, com alunos perturbando no pátio”; mais um outro falou:
“me senti ótimo e notado” os demais se sentiram alegres, ótimos, muito bem.
Questão 3 - Do que menos gostei...
Nessa questão, destaquei a resposta de três educandos que não gostaram de fazer a
máscara. Achei interessante expressarem isso, porque aparentemente ao fazê-las, pareciam
satisfeitos, conversavam, trocavam materiais; mas observei também, que não gostavam do
resultado final da máscara; aí então pediam mais um molde para fazer outra e outra. Fiquei a
observar que não ficavam satisfeitos com seus trabalhos, demonstravam insegurança com sua
expressão, coisas de quem tem a auto-estima baixa, o seu não presta, não é bonito. Nesse
sentido, observe o que Linhares (2003, p.230) diz: “Uma das singularidades desse sujeito que
entra na escola é a sua vital necessidade de produção de sentidos orientadores de sua ação no
mundo. Esses sentidos migram, tem muitas vozes – mas necessitam ter um lugar de
expressão, de elaboração e interação com os outros”. Acredito que na escola a produção dos
educandos precisa ser valorizada, e há necessidade de mais trabalhos voltados para a
expressão.
Outros dizem que não gostaram “das brigas dos meninos”; “dos que na aula o
perturbaram” , “das atividades de escrever”; um diz que sentiu “ter filado aula e que agora
estou arrependido”; e os dez restantes gostaram de tudo.
Questão 4 - Do que mais gostei...
Nesse item, selecionei as respostas diferentes. Um educando diz: “quando trazia o
som”; “da atividade de tapar os olhos”; um diz: “de passar carrego”, está falando de uma
75
atividade que fizemos, de passar energia com as mãos. Cinco estudantes destacaram a
atividade de máscara, o “Sociodrama de máscara”. Os nove restantes gostaram das
brincadeiras e de tudo.
Questão 5 - Minha relação com os meus colegas de classe...
Chamou-me a atenção que quatro educandos consideraram a relação muito ruim, e
pelo menos três educandos, considerados estrelas de negatividade na turma, não fizeram parte
desse grupo, ao contrário, dois deles acharam a relação ótima e o outro muito boa. Parece que
mesmo isolados da turma, diziam se sentirem bem. Quatro estudantes acharam a relação de
boa a muito boa; outros quatro consideraram mais ou menos. Destaquei dois, um disse:
“quase legal” e o outro respondeu “melhor do que estava”.
Questão 6 - Minha relação com os professores...
De modo geral, disseram que a relação é boa. Nove estudantes acharam muito boa a
ótima, três consideram boa, um disse ser “normal”, mas não esclareceu, outro disse “muito
legal”. Os três restantes fizeram ressalvas: um disse que era “muito boa com alguns”; o outro
diz que são “regulares, porque os professores não são sempre bons”,e o último diz: “com
alguns meio diferente e com outros eu brinco e dou muitas risadas”.
Comparando o depoimento final e o primeiro exercício que fiz para perceber como os
estudantes viam a relação com seus professores, observa-se que melhorou bastante, porque
nessa atividade em que pedi para mostrar a relação através do desenho, expressaram-se de
forma mais negativa, ridicularizavam o professor; as falas e queixas no início da intervenção
expressavam isso. Pode ser observado também nos Flashes da sala de aula e no sociodrama
Um dia na Escola: mostram relações conflituosas. Um pequeno número expressava gostar dos
professores, vê-se que melhorou.
Questão 7 - Espero que...
Essa questão foi colocada mais no sentido de expressarem os seus sonhos,
expectativas. No entanto, deram muitas respostas de agradecimento à pesquisadora,
expressando-se assim: “Antonia Lucia seja sempre uma pessoa, boa, ótima como ela sempre
foi. Beijos. Sua aluna querida, muitas felicidades”. “Antonia Lucia volte de novo, para fazer-
76
nos feliz”; “a profª A L seja muito feliz. E eu passe de ano”; “a sra. venha no próximo ano”;
“a sra. vai e que eu encontre colegas bons, é claro que eu passe”; “ seja feliz porque a sra.,
ensinou muitas coisas”; “eu passe de ano e para o ano que a sra., também volte”; “você
ensine todos os alunos que a sra. encontre pela frente”; “eu passe de ano, vou sentir
saudade”. Os depoimentos restantes foram: “eu já melhorei”, “eu passe de ano”; “que o ano
seguinte seja melhor do que este”; “que seja sempre assim”, esse educando antes falou da
importância do carinho e no final escreveu que seja sempre assim; “que o outro ano seja mais
feliz que esse ano”; “de nada” ; “eu também” ; “bom”. As últimas respostas estão soltas.
4.1.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na sala de aula
Tendo em vista verificar no discurso como estavam os vínculos e a aprendizagem dos
educandos e também como estavam os vínculos entre os educandos e os professores da turma,
antes de iniciar as atividades da intervenção, foi realizada uma entrevista com os professores,
a partir de um roteiro de questões, que foram gravadas e transcritas e que forneceu os dados
abaixo.
4.1.3.1 Antes da intervenção
Foram feitas cinco perguntas básicas sobre o relacionamento e sobre o vínculo,
respondidas por todos os professores da turma, portanto: Artes, Ciências, Educação Física,
Geografia, História, Inglês, Matemática, Português, Turismo. Temos dois professores do sexo
masculino e sete do sexo feminino, mas, para evitar identificação, estou sempre falando do
professor, sem distinção de sexo.
Questão 1 - Qual é o nível de aproveitamento da 5ª série, Turma [....] do turno
matutino? A que você atribui tal resultado?
77
Foi quase unânime a resposta: é uma turma fraca, aproveitamento regular, um
professor especificamente diz: “essa turma vai de regular para baixo”. Somente um professor
disse ser o aproveitamento muito bom, com casos isolados de aproveitamento insuficiente.
Os professores que consideram o aproveitamento regular/fraco atribuem o resultado ao
fato de serem repetentes, às brincadeiras (mal comportamento), à falta de assistência da
família, um professor diz: “eles não têm orientação em casa, a família não acompanha o seu
filho na escola. Eles não vêem a reunião de Pais e Mestres, tudo isso é muito grave”;
apontam também a falta de um trabalho específico de ajuda.
Já o professor que considera o resultado muito bom, disse o seguinte: “O nível de
nossos alunos é muito bom, até por que se trata de uma turma de alunos repetentes, eles
estão repetindo a 5ª série, acredito que o fato deles conhecerem o conteúdo programático, já
conhecerem os assuntos, isso contribui bastante para um aproveitamento melhor. [...] É
interessante esse seu resultado, porque nas demais disciplinas os professores colocam o
resultado como ruim. O que você acha disso? “Bem, (risos) de certa forma, acredito que,
talvez a metodologia que procuro aplicar lá nessa turma, tenha contribuído para isso! Isso
porque quando no início do ano eu percebi que 98% eram repetentes, que seria interessante
buscar uma metodologia diferenciada das outras turmas, até por que eles já conheciam o
conteúdo, seria interessante buscar outra forma de chamar a atenção deles, prender a
atenção, porque muitos não se interessam, por acharem que já conhecem o conteúdo”.
Observei que os atores (professores) têm uma clareza do problema da turma, como foi
falado textualmente “os alunos são repetentes, a auto-estima é baixa e precisam de serem
ajudados”, outro professor também diz: “alunos repetentes precisam de um trabalho voltado
para eles”. Falavam também da falta de um trabalho interdisciplinar, para que os resultados
fossem melhores. No entanto, tudo isso é visto no nível do discurso, não existe ação conjunta
para a solução do problema, cada professor desenvolve o seu trabalho de modo isolado.
Legitima-se a capacidade de fazer diagnósticos, de fazer comentários sobre, como é possível
observar na fala de um professor: “todos nós temos as mesmas opiniões sobre os alunos”.
Nesse sentido, a consciência está justificada pela preocupação, pelos comentários conjuntos,
mas o problema continua e a solução parece que é da responsabilidade dos deuses, de uma
força mágica e não da ação conjunta entre professores, direção, pais e educandos. De modo
geral problemas como: repetência, indisciplina, fracasso escolar, violência, são apontados
como problema dos próprios estudantes, da falta de assistência da família, da condição
econômica, como está expresso nos depoimentos dos professores e não se discute que a
própria escola e os sistemas de ensino não estão preparados ou comprometidos para atender as
78
diferentes necessidades de aprendizagem. A reunião de Conselho de Classe que assisti, na III
Unidade, não se discutiu a problemática da turma e nem as formas de ajudar os educandos, foi
anotado quem havia ou não, sido aprovado na unidade, quem era indisciplinado, coisas do
tipo. E tudo continuou como antes.
Questão 2 - Quanto aos ALUNOS da 5ª série, turma ... como você vê o
relacionamento “aluno-professor”? Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?
Das nove respostas, cinco professores consideram que os vínculos são positivos. É
importante destacar a justificativa de um professor a essa questão.
“O relacionamento de aluno-professor é normal. Por exemplo, o professor é a pessoa
que está na frente ditando, dando ordens, ditando normas, os alunos são aqueles que
escutam, que ouvem, mas que também parecem que entram num ouvido e sai pelo outro. Esta
questão se o vínculo é positivo, negativo ou neutro, é complicado, porque eles não são alunos
revoltados. Tem o aluno dentro da sala de aula e fora da sala de aula. Fora da sala eles são
excelentes, a relação é muito boa, dentro da sala de aula indiferentes, descaso, sem nenhum
comprometimento com o estudo.”
Destaco, ainda, a fala de outro professor. Ele não entende a pergunta e pede
explicação. “O relacionamento é em que sentido, assim você está querendo dizer, em relação
ao conteúdo ?” O entrevistador responde: a relação interpessoal; e o professor prossegue: “Eu
acho que está dentro dos limites, né?, quando a satisfação é boa, [...] você tem que instigar
para que eles participem, em relação à acomodação. Os vínculos são positivos.”
Diante da pergunta, outro professor parece que não pensa e diz “Eu tenho um
relacionamento ótimo com eles. Não tenho o que me queixar da turma....” Pergunto como são
os vínculos, não adianta muita conversa, e afirma categoricamente: “Positivos”
Finalmente, me pergunto: o que deve ser considerado nesse relacionamento, o
educando em sala de aula ou fora da sala de aula? O que é relacionamento normal? É normal,
o professor ditar e o aluno receber? Será que é por isso que entra por um ouvido e sai pelo
outro? O que é mesmo vínculo positivo para eles?
As falas dos professores expressam a sua representação de vínculo, a sua
compreensão, embora não revelem a realidade das relações concretamente vividas nessa
turma. Observa-se que para o primeiro professor o relacionamento normal/positivo, segundo o
seu entendimento, é o mesmo que o “professor bancário” na visão de Freire (2005, p.66). É o
que está na frente ditando, dando ordens; por outro lado, em sala de aula os alunos são
79
indiferentes. Se essa é a visão desse professor, conseqüentemente a sua prática revela seu
entendimento e os efeitos sobre o vínculo nas relações cotidianas. Com relação ao segundo,
percebo a falta de argumentos para que se identifique quais são os limites para uma relação
positiva ou de aproximação. No terceiro, observo o aligeiramento da resposta e a realidade
não é tão simples assim; a neutralidade aqui é omissão, a mudança do nosso olhar e da nossa
sensibilidade para com os educandos vai ser determinante na maneira de educá-los. Como
coloca Arroyo (2004, p.65): “Se a indiferença é esterilizante para a inovação educativa, a
empatia cada vez mais freqüente para com os educandos poderá nos levar a intervenções
realistas”.
Questão 3 - Quanto aos ALUNOS da 5ª série, turma [...] como você vê o
relacionamento “aluno-aluno”? Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?
Há uma discrepância entre os professores quanto à percepção da relação aluno-aluno.
Para cinco deles os vínculos são positivos. Um professor chega a dizer que é excelente, pelo
fato de serem repetentes e já se conhecerem de anos anteriores; outro também diz que por
estarem repetindo a série, o relacionamento é melhor; um observa que existe uma separação
entre meninos e meninas; outros dois dizem que brigam, mas não ficam magoados, apesar de
terem uma relação de amor e ódio, o vínculo é positivo.
Somente um professor considera o vínculo neutro. Diz que: “Há momentos de
agressão, eles não aceitam as diferenças do comportamento, opção sexual, essa coisa não é
fácil. Os maiores querem compensar nos menores.”
Os três professores restantes consideram os vínculos negativos. Um deles diz
textualmente: “Desde o primeiro horário estão em clima de guerra”. Esse mesmo professor
fala que no início do ano achava-os indiferentes, mas agora estão agressivos, batem uns nos
outros, puxa a cadeira e mesmo com sua interferência não se intimidam. Um outro diz: “essa
turma é complicada, devo falar por mim, mas na realidade a queixa é geral, são muito
agressivos entre eles”. Diz também para o entrevistador: “A sala que você escolheu é a mais
complicada, não é que eu esteja a atingir só o negativo, mas é a sala que os professores mais
se queixam”. Sorri, mas não respondi à provocação.
Por fim, mais um professor quando enfatizo a pergunta sobre o vínculo aluno-aluno,
responde: “Bem aí, já é um pouco mais complicado, apesar de tentar fazer um trabalho em
grupo para fazer a integração entre eles, mas eu percebo que eles não querem sentar junto
com o outro, então acho que existe um pouco de dificuldade”.
80
Considero relevante o depoimento desses três últimos professores, porque todos os
instrumentos aplicados posteriormente vêm confirmar a inexistência de uma boa relação nessa
turma e esse último professor, apesar de considerar o vínculo negativo e se colocar
preocupado, é o mais querido, o mais respeitado, o que consegue a participação da maioria da
turma nas atividades em classe e os resultados em aprendizagem são os melhores, em
comparação com os outros professores.
Questão 4 - Quanto aos PROFESSORES da 5ª série, turma [....] como você vê o
relacionamento “professor-aluno”? Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?
Encontrei seis respostas positivas e também os fundamentos que as apóiam. Cada um
apresenta o seu ponto de vista, não encontrei quase pontos comuns entre eles: um diz que é
por gostar da disciplina, outro diz que é por se preocupar, mas vou tomar algumas falas:
“Relação boa. Porque a minha disciplina também é diferenciada, eles gostam da disciplina,
você vê que eles ficam até o último horário me aguardando.” O outro professor diz: “Eu me
coloco positivo. Alguns professores que tenho aqui um relacionamento mais forte, aliás,
como professores nunca vi mau relacionamento entre eles”. O depoimento desse outro
professor é bem objetivo, faz paradas e pedidos para pensar: “Deixa eu pensar...” (para um
pouco e retoma) “eu procuro ter a relação melhor possível, [...] procuro ajudar no que eu
posso [...] é impossível numa sala de 30 a 35 a gente chegar a cada um”. (nesse momento só
freqüentavam 24 alunos, os outros 09 evadiram) Continua: “Só precisa melhorar a
reciprocidade, [...] da parte deles sinto muita agressividade”. A professora continua falando,
mais algumas coisas. Volto a perguntar: os vínculos são positivos, negativos ou neutros? Ela
pára um pouco e diz: “Deixa eu ver... (dá um tempo rápido) e diz: “Não... negativo não, eu
considero positivo. Sinto quando a gente procura se aproximar mais, eles melhoram”.
Para finalizar, coloco mais essa fala, ao perguntar sobre o tipo de vínculo, ele
responde que o vinculo é positivo, porque : “A preocupação dos professores é com o aluno.”
Portanto, posso inferir que: desde que haja preocupação, que seja feito o trabalho em
sala de aula, não importa a forma como isso é recebido pelo educando, na visão desses
professores o vínculo é positivo. Observe a dúvida do professor ao responder sobre o vínculo:
“Não... negativo não, é positivo” ... Diante da indecisão, infiro que é um tema proibido,
silenciado, não explorado no sentido crítico. Somente um professor diz que o vínculo é neutro
e justifica: “Eu acho assim, neutro, não acho que seja nem positivo, nem negativo, eu acho
81
neutro. Porque é como eu disse: têm professores que eles têm mais afinidade, eles brincam e
têm outros que eles falam, mas na mesma hora, pra eles, não estão nem aí”.
Finalmente, dois professores consideram os vínculos negativos, a fala de um é assim:
“Eu sinceramente me esforço para ter um relacionamento amistoso, sem distanciamento,
porém eu não me sinto muito à vontade para trabalhar com eles. Porque não vejo respostas
positivas com eles. Eu vou para a sala trabalhar sem estímulo, desestimulada [...] Dentro da
sala de aula é tudo muito louco.”
O outro professor também fica preocupado, porque se sente ignorado em sala de aula,
fica sempre se perguntando, se aquilo é só com ele. Ele diz: “Faz de conta que eu não existo.
O professor quer alguma coisa, mas eles são indiferentes.”
Percebo muita sinceridade e até uma certa angústia e tristeza desses professores ao
falar sobre essa relação neutra e negativa, é como falar de algo que não está dando certo, a
fala muda, o corpo muda, a emoção é outra. Não percebi alegria e nem entusiasmo na maioria
dos professores dessa turma, somente um me pareceu estar mais entusiasmado e satisfeito
com o seu papel, embora reconhecendo as dificuldades encontradas. Parece que estão
exauridos, desestimulados, tais como os sintomas da “síndrome de Burnout” que, segundo
Wanderley Codo (1999) quer dizer: “perder o fogo”, “perder a energia” ou “queimar” para
fora. É uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o
trabalho, de forma que as coisas já não importam mais e qualquer esforço lhe parece ser
inútil. A tarefa desses professores é bastante árdua, as relações são tensas, as condições de
trabalho precárias, tudo isso trazem implicações que deterioram a prática. Só vejo uma saída
para reverter essa situação e todos saírem ganhando: ação conjunta entre pais, comunidade,
professores e estudantes; ambiente acolhedor, artístico e lúdico, relações afetivas, para a
construção de uma escola em que todos se sintam incluídos e fazendo parte de um esforço e
alegria comum.
Questão 5 - Como você vê o relacionamento entre os professores da 5ª série, turma...
Os vínculos são positivos, negativos ou neutros?
Essa foi a pergunta que apresentou mais positividade nas respostas. São sete
professores que consideram o vínculo positivo, sendo que um desses destaca que enquanto
colegas o vínculo é positivo, mas na relação profissional diz faltar interdisciplinaridade, que
só viu isso acontecer no início do ano letivo, quando se reuniram para o planejamento, mas
no decorrer do ano, cada um faz seu trabalho isolado.
82
Dois professores dizem que o vínculo é neutro, um deles diz: “Cada um na sua. Às
vezes chego até a perguntar: o que você acha daquele aluno. Seria bom um ajudar o outro.
[...] Indiferentes”.
E o outro volta a falar sobre a falta de interdisciplinaridade, coincidindo com a fala do
colega anterior, quando diz: “Neutro, (fica calada, percebo que quer falar mais, aí pergunto)
por quê? A professora dá um sorriso matreiro e diz: “Porque cada um trabalha muito a
individualidade. Não existe interdisciplinaridade, falta integração entre os professores. A
gente cobra muito dos alunos. Há mais integração entre aluno-aluno do que professor-
professor, eu percebo muito isso.” Nesse sentido, vale ressalta o que diz Orsolon (apud
NÓVOA, 2002, p.189):
A fragmentação tem sido a característica do conhecimento vivenciado na escola e, por muito tempo, o professor também se trouxe fragmentado. No entanto, é cada vez mais consensual que o perfil profissional do professor se constrói no entrecruzamento das trajetórias pessoal (o que ele é) e profissional (o que ele realiza). Criar situações e espaços para compartilhar as experiências, para o professor se posicionar como homem/cidadão/profissional, é propiciador de uma prática transformadora. O que o professor “diz e faz é mediatizado pelo seu corpo, pelos seus afetos, seus sonhos, seus fantasmas e suas convicções.
É isso aí, os dados são bastante relevantes para começar a compreender o caminho que
tinha pela frente e bastante complexo para que tivesse a humildade de assumir que por mais
força desejante e a experiência que possuía, era impossível dar conta de tudo e ser “feliz
sozinha”. Um projeto pedagógico para trazer resultados efetivos depende da ação conjunta e
colaborativa entre todos.
4.1.3.2 Depois da intervenção
Para obter um perfil das relações nessa turma no início da pesquisa, foi preciso
dedicação e tempo de minha parte; só assim consegui realizar as entrevistas com todos os
professores. O mesmo não foi possível no final da pesquisa, porque coincidiu com o final do
ano letivo e os professores mostravam-se bastante atarefados; com isso não via brecha para
solicitar por menor que fosse um pouco de tempo para avaliar o trabalho após a intervenção.
Por outro lado, percebia que esse grupo de estudantes desde que assumi, no segundo semestre,
83
já estava entregue à sua própria sorte, apesar da condição de especial ou seja, “grupo dos
repetentes”, não havia nenhum cuidado especial com eles. Sendo assim, não insisti para fazer
uma avaliação com os professores, porque questionava e inferia: Qual o sentido de avaliar o
fracasso? Como avaliar com cuidado se, como professor, não estou acompanhando o
processo? Quais critérios adotar para uma avaliação com os professores, se não havia vínculos
favoráveis para uma observação sem preconceitos?
Fiquei acompanhando de perto o pequeno grupo de estudantes que aderiu ao trabalho e
ficou até o final; com alguns professores que se mostravam mais disponíveis, procurei obter
informações como iam os estudantes em suas respectivas disciplinas e esse pequeno grupo
recebeu uma avaliação um pouco melhor em relação aos demais, de modo geral a avaliação
dessa turma não era boa; não percebi clima para obter um registro escrito ou gravado de todos
os professores, no final. Como a opinião inicial não era pré-requisito para o resultado final da
pesquisa, decidi mantê-la, com o objetivo de mostrar não só a insatisfação dos professores em
frente à turma por questões variadas e que merecem atenção, mas também a falta de uma ação
conjunta e coerente quanto ao que poderia ser feito no coletivo para minimizar as dificuldades
de professores e estudantes. Nesse período de fim de ano, não encontrei brecha para conseguir
um pequeno tempo com os professores, mesmo para responder um mínimo de avaliação que
fosse. Como falei anteriormente, infiro que existe um cansaço e falta de sentido para se
envolver com algumas questões da escola, e também com turmas problemáticas, como a
turma da pesquisa.
4.1.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo “A”
Os resultados descritos acima, obtidos através dos testes sociométricos, dos
depoimentos dos professores e dos estudantes, decorreram de uma série de atividades que
passo a relatar a seguir.
Antes de descrever as atividades propriamente ditas, apresento o cenário (contexto) e
os atores dessa peça aberta, que é a vida na sala de aula e já estava em andamento, antes
mesmo que o pesquisador chegasse ao espaço escolar, mas que na aquiescência desse papel,
teve o privilégio de não só observar, mas de conviver e atuar junto a esses atores sociais.
84
4.1.4.1 Cenário
A unidade escolhida para a realização do trabalho de campo foi uma escola estadual de
médio porte, situada num bairro popular de classe média, próximo ao centro da cidade em
Salvador – BA. Essa instituição funciona em três turnos e atende alunos do ensino
fundamental de 5ª a 8ª séries. O trabalho técnico pedagógico no turno matutino é
desenvolvido por uma equipe de Secretaria, dois coordenadores pedagógicos, assistente de
direção, uma vice-diretora e um diretor geral.
Os espaços físicos utilizados nas atividades de intervenção foram:
A sala de aula que comporta 35 educandos, sentados em carteiras individuais,
corriqueiramente arrumados em fileiras. O conforto das carteiras fica a desejar, em condições
distante das ideais, a aparência muito feia, porque são riscadas, estragadas pelos próprios
estudantes. É comum chutarem e arremessarem as carteiras sem o mínimo cuidado. O aspecto
da sala também é feio, as paredes são sujas e pichadas, o chão é de cimento, não existe
enfeites e nem cartazes educativos. Apesar de encontrarem, no início das aulas, as salas
varridas e as carteiras arrumadas, ao final das atividades, deixam-nas muito sujas.
A sala tem boa iluminação, mas é bastante quente, amenizada pelo ventilador de teto e
uma ventilação natural que vem de aberturas na parede feita com tijolos, na parte superior.
Privacidade não existe, porque a porta não tem fechadura e são muito estragadas,
esburacadas. Os estudantes de outras turmas costumam incomodar, inclusive chamando os
colegas pelas frestas da porta; coloca-se carteira atrás para fechar, às vezes eles empurram e é
um barulho horrível. Quando acontece de ficar aberta, pelo calor ou outro motivo qualquer, os
educandos da turma em frente ficam dispersos, trocam gestos, inclusive obscenos, como vi
uma vez, em certa aula. É costume também o estudante entrar na sala sem pedir licença, se
dirigir-se ao colega e convidá-lo para sair da aula. Existe em algumas aulas, um entra e sai
muito grande de estudantes.
O prédio é moderno, mas falta manutenção, existem salas que durante as chuvas ficam
impraticáveis o seu funcionamento, a exemplo do salão grande, também usado para
apresentações e reuniões de pais; a maioria das atividades do grupo “B” foi feita nesse espaço.
Não percebi reclamação por parte dos estudantes, em relação à precariedade de alguns
elementos do ambiente, não sei se está relacionado à pouca expectativa, advinda das
condições da própria moradia deles.
85
A escola também possui quadra de esporte ao ar livre, sala de professores, sala de
vídeo, um pátio ao ar livre e outro coberto, onde circulam e brincam os estudantes, onde
também ficam, quando estão de aula vaga ou filam a aula.
O ambiente, considerado como outro fator importante para a aprendizagem, no dizer
de Kishimoto (informação verbal)1, “o terceiro educador”, nessa turma, era bastante
tumultuado, com alunos dispersos, constantemente brigando, saindo dos lugares, sem o
material para a realização das tarefas escolares. O professor constantemente chamando a
atenção sobre questões de disciplina, agressividade, dispersão, falta de modos, não realização
das tarefas, etc. Essas questões na maioria das vezes, eram resolvidas através de sanções
como: colocar o aluno fora da sala, encaminhá-lo à Direção, tirar ponto ou recriminar o
comportamento.
Portanto, é esse o cenário que tive para trabalhar, constatei que as vozes expressavam
nos instrumentos aplicados, muito mais o desejo de conviver bem, de diminuir a violência, do
que mesmo o desejo explícito de aprender. Durante todo o tempo é como se os adolescentes
pedissem para ouvir o seu grito, mesmo através de gestos indisciplinados e atitudes
agressivas, nos convocavam para enxergá-los.
4.1.4.2 Atores
A proposta de intervenção foi acolhida junto à Direção da Escola, de forma positiva.
Dentre as turmas de 5ª série da Escola, foi sugerido de imediato pela Direção e Coordenação
Pedagógica, a realização da experiência com uma turma específica dessa série, formada em
sua maioria, por alunos multi-repetentes. A turma indicada vinha apresentando problemas não
só de aprendizagem, mas também disciplinares.
Essa primeira turma, objeto de investigação, aqui denominada de Grupo “A”, era
formada originalmente por 34 educandos no início do ano. No segundo semestre, exatamente
no dia 16 de agosto, quando fiz o primeiro contato, freqüentavam não muito regularmente, 24
alunos, ou seja, 70,58 % do total.
1 Palestra proferida no IV Encontro de Educação e Ludicidade promovido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade (GEPEL), da Universidade Federal da Bahia, em 2006.
86
As idades desses educandos variavam de 11 a 16 anos; o sexo predominante era o
masculino, com 17 meninos e 07 meninas. Moravam perto da escola, quando não no mesmo
bairro, moravam em bairros próximos. Pertenciam a famílias economicamente carentes,
ficavam a maior parte do dia por sua conta, às vezes na rua, exceto quando estavam na escola,
pois os pais trabalhavam fora e alguns deles tomavam conta dos irmãos menores.
O nível de aproveitamento escolar era baixo, os professores se queixavam da falta de
assistência da família, conforme dados da entrevista, e análise feita adiante.
A disciplina em sala de aula deixava a desejar, o barulho interno é grande, a conversa
com os colegas também, a movimentação entre uma carteira e outra; são constantes os
pedidos para sair da sala, ora para beber água, ora para ir ao banheiro. Os professores e
estudantes são importunados com a visita de colegas de outras salas, inclusive para saírem da
aula.
Dos professores que ensinam nessa série as seguintes disciplinas: Matemática,
Português, Inglês, Ciências, Artes, História, Geografia, Turismo e Educação Física, foi
sugerido trabalhar com um especificamente, que a Direção e a Supervisão apontaram como:
assíduo, competente, enérgico e responsável. Aceitei a proposta, por considerar não só a
indicação, mas também por entender que o experimento poderia ser feito em qualquer
disciplina do currículo. Por outro lado, a sugestão foi acatada como um desafio – trabalhar
com uma turma especial – pois internamente acreditava que a minha experiência de vários
anos com crianças, jovens e adultos, aliada aos instrumentos confiáveis, tornaria a tarefa
razoavelmente fácil, o que não foi.
O acerto com a professora era de fazermos um trabalho conjunto e seguir a
programação curricular da série. A minha participação seria utilizar a ludicidade e o
psicodrama pedagógico para trabalhar os conteúdos da disciplina e a convivência. Essas
abordagens têm seu foco – no aprender na ação, própria do psicodrama e a partir de uma
experiência interna e plena do sujeito, que vem da compreensão da ludicidade. Cuidava
também para que houvesse uma convivência saudável, seguindo a hipótese de que o conteúdo
trabalhado num ambiente mais acolhedor e lúdico, favorece a convivência, o respeito e a
aprendizagem. Todo o meu trabalho seria desenvolvido num clima de jogo, brincadeiras,
reflexões, para se aprender no ato ou depois, pelas ressonâncias.
Ao longo da pesquisa, entretanto, fui ampliando e modificando o percurso, premido
por necessidades do grupo, do pesquisador, pois uma intervenção dessa monta nos leva por
caminhos cegos, imagens, entrelaçado por histórias, cenas, carregadas de sentidos para os
87
participantes do grupo, a quem devemos respeito, e também para o pesquisador que está
implicado de corpo e alma.
Muitas vezes, a cada encontro tínhamos a possibilidade do caos absoluto, da
desintegração e ao mesmo tempo, a chance de tentar mais uma vez, para experimentar a
diferença, compreender o vivido, etc.
Após apresentar o cenário, os atores, apresento os bastidores, as cenas, colocando em
destaque a prática educativa escolar cotidiana, desde o meu ponto de vista, reiterando o que
diz Ardoíno (2002, p.145):
É portanto, sobre a qualidade do olhar do pesquisador, quando os empreendimentos de inteligibilidade mais clássicos, canônicos, estiverem se mostrado vãos, que convém sobretudo, refletir em vez de pensar nas propriedades assim emprestadas aos materiais de pesquisa .
Aqui serão apresentadas atividades, cenas, reflexões do modo como caminhou cada
grupo; suas crenças, seus anseios, ressonâncias vividas, antes que conhecidas, através da
experiência compartilhada e da forma como aparece.
Vou transcrever algumas cenas selecionadas, jogos, brincadeiras, exercícios,
procurando apresentar também imagens, para que o leitor possa traduzi-las e enxergá-las
como imagens em movimento, personagens no palco, em suas ações cotidianas, vivenciadas
na escola.
4.1.4.3 Relato dos Encontros
Dos 18 encontros registrados no diário de campo, selecionei 15 por conter elementos
essenciais para a compreensão e análise da pesquisa. São eles:
a) I Encontro: Carteira de Identidade! Olha eu aí gente... 16/08/2005
Sonhar o sonho possível, fincar o pé na realidade, debruçar o olhar sobre as pessoas
com quem desejava desenvolver a minha pesquisa, para saber como estavam, o que
pensavam, desejavam, foi o meu ponto de partida. Daí realizei a primeira etapa da missão – o
diagnóstico – por considerar uma etapa fundamental para conhecer as pessoas, suas
necessidades e também perceber como estava o vínculo grupo – foco central do trabalho.
88
Estava ansiosa e eufórica para esse primeiro encontro. Dirigi-me à sala, assim que
cheguei à porta a professora fez um sinal para que aguardasse, pois estava preparando-os para
minha chegada. Logo em seguida pediu para eu entrar, os alunos me receberam com um
sorriso, responderam o bom dia com entusiasmo, mas estavam inquietos, eufóricos, apesar da
preparação do professor. Percebi que havia falta de espontaneidade no comportamento, o que
achei normal, por ser o nosso primeiro contato. De repente apareceram três alunos na porta da
sala, ofegantes. Representei em imagem a cena: “Professora, posso entrar ?”
Desenho 1 – Professora, posso entrar ?
Fonte: A autora
Estava eu ali, de pé, de frente para eles, mas ao mesmo tempo com a imagem e
pensando naquele primeiro incidente. As carteiras estavam arrumadas em fileiras. Os
educandos eufóricos. Uns me observavam, outros chamavam atenção sobre si, conversavam,
mexiam com os colegas. O professor os encarava com olhar de reprovação, mas isso não os
intimidava. Percebi que o professor se incomodava com o comportamento dos alunos, tentei
89
tranqüilizá-lo, dizendo, que isso era uma situação nova para eles, e não se preocupasse, que
íamos nos entender.
Apresentei-me, disse o motivo de estar ali, pedi a colaboração de todos para responder
o Teste Sociométrico e o um exercício de dinâmica de grupo: Carteira de Identidade
(VIRGOLIM, 1996). O primeiro, para verificar como estavam as relações no grupo e o
segundo, que teve por objetivo conhecer cada um dos participantes, o nome, como gosta de
ser chamado, o que gosta, o que não gosta, enfim, dados que irão destacá-lo como único e
original, mesmo pertencendo a um grupo. Aceitaram e responderam com tranqüilidade.
Notei durante o preenchimento do exercício que um estudante estava irrequieto,
olhava com agressividade para a professora. Num dado momento me aproximei, perguntei se
estava sentindo dificuldade para responder
o exercício, baixou a cabeça, fiquei
próxima a ele, passei a mão em sua
cabeça, percebi que minha presença era
agradável, permaneci por mais um tempo,
ficou tranqüilo, respondeu e se tornou
mais simpático. Observava que o seu olhar
para a professora era de agressão, mas não
entendia o motivo. Os alunos de modo
geral, saíram aparentemente contentes,
depois desse primeiro contato. Após
recolher os exercícios, fiquei só com a
professora, que me falou: “Lembra
daquele aluno que você se aproximou e
ficou do seu lado? E quando chegou
perto ficou de cabeça baixa? Respondi
que sim. Então falou-me: aquele rapaz tem a auto-estima baixa e é muito agressivo. Só me
veio a imagem da atitude de tranqüilidade do educando enquanto estive próxima a ele e passei
a mão em sua cabeça.
Ao longo da pesquisa, fui percebendo que o rosto violento e a atitude agressiva desse
estudante, mais do que revelar-se naquele momento, e outras vezes que se repetiram em sala
de aula e também fora, revela a sua insatisfação e infiro que representa a insatisfação de
muitos estudantes, pelo lado destrutivo das relações vividas no dia-a-dia em nossas escolas.
Arroyo (2004, p.15) nos diz: “Vejo o momento docente obedecendo a uma mirada singular,
90
atenta aos matizes não apenas das indisciplinadas condutas dos educandos, mas de suas ricas
trajetórias humanas e temporais. Nem tudo é indisciplina nas escolas. Nem toda criança é
violenta.”
b) II Encontro: “Muito prazer em conhecê-lo (a)” 18/ 08/05
Nesse encontro, fiz um contrato com os educandos, assumindo que as atividades iriam
transcorrer num clima de respeito e que não seria admitido nenhum tipo de violência, nem
entre eles e nem entre os professores, o que foi acolhido positivamente. Depois é que
promovi as primeiras atividades de integração com o grupo. As dinâmicas utilizadas tinham
como objetivo se apresentarem, se conhecerem, se comunicarem e se aproximarem com
cuidado. Essa fase estava bastante ligada à anterior, a partir da identidade pessoal, formar a
identidade grupal, que seria feita durante todo o percurso. É o momento de “ser com”.
Vou antes do horário para a escola, a fim de observar a sua dinâmica, conversar com
os professores da turma. A aula era geminada e seria nos dois últimos horários. Ao chegar ao
portão de entrada, encontro três alunos sentados no muro. Assim que me viram, foram logo se
justificando. Um deles falou e os outros concordaram. Registrei a imagem da cena assim:
Desenho 2: Na porta da Escola
Fonte: A autora
91
Jair: Olha, professora, eu não trouxe o livro e a pró não deixou eu entrar.
Pesquisadora: Por que não trouxe o livro? ... Mas vocês virão para a aula de vínculo, não é?
Alan: Sim pró nós vamos.
Saio pensando alto, em psicodrama se diz, fazendo um solilóquio*
*
Os estudantes não voltaram para assistir às últimas aulas. Colocados fora de sala nos
primeiros horários, ficavam por ali dando um tempo, conversando com outros colegas do lado
de fora, depois iam para casa ou para outro local nas imediações, nem sempre recomendável.
Isso é preocupante, porque a escola enquanto espaço de formação, de exercício e de
conhecimento, de diálogo, de ética, ao deixar esses estudantes fora, abdica do seu papel e
contribui para o perigo que nos alerta Abramovay (2003, p. 29):
As cercanias da escola (rua em frente, entorno, ponto de ônibus e caminho até o ponto de ônibus) consistem no espaço em que mais ocorrem violências, segundo alunos e membros do corpo técnico-pedagógico que participaram da pesquisa. Ambos também, apontam a vizinhança como um dos cinco principais problemas da escola.
O encontro desse dia tinha como mote: “Muito prazer em conhecê-lo (a)”, assim
planejei alguns jogos para aprender os nomes.
Ao entrar em sala fui recebida com um cumprimento bastante acolhedor. Os
estudantes estavam aguardando o início da aula, a maioria em suas carteiras. Um grupo que
não veio no primeiro dia (três alunas) se juntou ao outro no canto esquerdo da sala e ficaram
conversando. Como o grupo de meninas é menor, elas estão mais juntas e é mais visível.
Assim que o professor as viu conversando, foi até lá, separou o grupo, pegou pela mão cada
adolescente, colocou no lugar que escolheu, me pareceu que era para manter a ordem. A
reação não foi boa, algumas se entreolharam com olhar de reprovação e raiva. Uma, com
agressividade na voz, perguntou? – “Professora por quê, a senhora está tão estúpida?” A
troca de explicações continuou. Quando percebi que o clima não era bom, e enquanto a
* Conversa da pesquisadora consigo mesma.
Que perigo esses meninos fora da escola... Será que vão voltar para assistir as últimas aulas?
92
professora discutia a situação com aquele pequeno grupo, me dirigi à frente para conversar
com o restante da turma. Comecei perguntando sobre o primeiro encontro, tentando também
desviar o foco daquela discussão. Mas no fundo rolava um bate-boca entre a professora e
alguns do grupo. Escutei bem a professora dizer para as meninas, referindo-se a uma delas,
mas não entendi o contexto: “[...]é que não sou louca e ela é louca...”
Depois desse incidente, a professora retomou a coordenação da aula, passou uma
tarefa para os educandos copiarem. Enquanto isso, os que não vieram no primeiro dia
responderam o teste sociométrico e o questionário.
As aulas nesse dia eram geminadas, pedi permissão professora para fazer uma
integração com os educandos após o exercício, com o objetivo de conhecê-los melhor, e
também observar como reagiriam frente às atividades que iria propor.
Comecei com uma brincadeira para aprender os nomes e ao mesmo tempo trabalhar o
olhar, o foco e a atenção. A brincadeira se chama ZIP:
Cada um dizia o seu nome, olhava uma colega e dava um sinal em sua direção dizendo
ZIP; o colega devia receber, falar seu nome e direcionar o movimento para outro (a). E assim
sucessivamente.
No movimento que fiz para começar, apontei para uma estudante que não veio no
primeiro encontro, esta não foi uma boa escolha. Ficou encabulada e sem ação, não quis
repetir o gesto para outra colega, disse que ia sair da brincadeira, mesmo eu tendo falado que
não havia problema e que ia começar com outro colega. O que percebi, é que eles
demonstravam de modo geral, um grande receio de errar e serem criticados; participavam,
mas não ficavam à vontade.
Ao observar as atitudes percebia que o ambiente inspira insegurança, os colegas não
inspiravam cuidado, as relações de desconfiança e de insegurança não encontram pontos de
apoio e força no trabalho cotidiano da escola. Há necessidade de se olhar com mais cuidado
para esse fato. Observe o que afirma Dante Leite (1997, p. 304):
[...] Como se verá agora, a nossa formação como indivíduos depende de relações interpessoais e o educador precisa conhecer a sua significação para o educando. De outro lado, deve saber que grande parte de nossa vida decorre num universo de relações interpessoais, e as grandes dificuldades de ajustamento se explicam como resultado de um despreparo para viver com os outros.
Fiz outra atividade, que nomeei de “Nomes e qualidades”. Coloquei uma cadeira no
centro do semicírculo e falei que quem quisesse começar sentaria na cadeira para ouvir o
93
colega dizer o significado do seu nome. O educando que estava no centro ouvia o significado,
lido pelo colega que ficava atrás de sua cadeira. Depois quem quisesse ia até ele, entregava a
qualidade e dizia: “Isto te pertence!”. Todos os educandos ocupavam a cadeira para ouvir o
significado do seu nome e receber as qualidades.
De antemão, preparei o significado do nome de todos os educandos e do professor
(PANDU; PANDU, 1996), que deveriam ser lidos em voz alta, isso também era um exercício
(leitura), que favorecia a aprendizagem na disciplina que estávamos trabalhando. Cada
participante recebeu um nome que não era o seu e mais duas qualidades que deveriam
entregar a quem considerasse merecedor.
A professora também participou com muita boa vontade dessa atividade e foi muito
interessante, porque os educandos entregaram para ela qualidades coerentes com o seu perfil,
que demonstrou gostar muito. A turma estava mais espontânea, o ambiente era amistoso,
apesar dos grupos fechados e colegas que não se falavam na turma, por brigas e
desentendimentos. O clima nesse dia era bom.
O campo relaxado constitui-se uma das metas do psicodrama e da ludicidade, por
possibilitar o indivíduo estar inteiro na situação. Sabe-se também, que a atividade em campo
relaxado facilita o aprendizado e o estabelecimento de relações. Isso tem a ver com a energia
que emana do estado lúdico e flui na brincadeira do grupo, predispondo o(s) protagonista(s) a
dizer(em) a mais profunda verdade de forma leve e espontânea. Luckesi (2002, p. 48) diz que:
“Na atividade lúdica, o ser humano, criança, adolescente ou adulto, não pensa, nem age, nem
sente; ele vivencia, ao mesmo tempo, sentir, pensar e agir.”
c) III Encontro: Provas da III Unidade
O terceiro encontro foi avaliação em toda escola, estive presente junto à turma
observando o comportamento durante as avaliações.
d) IV Encontro: “Brincando também se aprende” 23/08/05
Como falei anteriormente, deveria trabalhar os conteúdos do currículo com ludicidade
e também com o psicodrama pedagógico, em parceria com a professora regente, naquilo que
fosse possível. Acredito que a conexão entre ludicidade e psicodrama se dá na presença plena
do sujeito à atividade; no momento em que cada membro do grupo ali está, inteiro,
94
disponível, para junto com os outros colegas vivenciar o que vier, num clima de jogo e
liberdade. Para Romaña (1996, p. 29):
Como método didático o psicodrama garante a aquisição do conhecimento em nível intuitivo e em nível intelectual, mas também leva a uma participação maior do aluno e à utilização do seu corpo, permitindo ao professor, ao mesmo tempo, o manejo do grupo como unidade.
O assunto que a turma estava estudando era “Verbo”. Combinei com a professora de
fazer o aquecimento da aula, que é uma etapa inicial e importante no psicodrama, no sentido
de preparar o grupo para o assunto a ser dado, de acordo com o que se almeja. Dividi a turma
em equipes para participar de um jogo, falei um pouco sobre as regras. Distribuí pelas
paredes da sala várias manchetes de jornal e disse-lhes que ao ouvir o sinal, teriam cinco
minutos para anotar pequenas frases que continham verbo e estavam espalhadas nas paredes
da sala. Depois íamos verificar as equipes que mais verbos anotaram, fazendo a leitura das
manchetes. Alguns educandos (minoria) participaram muito bem, outros por dificuldade na
própria atividade, como escrever, identificar o verbo, selecionar a frase, não conseguiam e
começavam a bagunçar, desrespeitar o colega. Tive que pedir silêncio várias vezes, e o jogo
aconteceu como foi possível, não só pela dificuldade da turma em trabalhar em equipe,
compreender as instruções, seguir regras, mas também por outros fatores como integração,
relacionamento, motivação, etc.
Tentei mais um jogo, “Ti bi ta”, bastante interessante e que exige raciocínio. Consiste
no jogador escolhido descobrir o verbo após fazer as ligações entre as respostas dadas por
cada participante. Sentiram dificuldade para compreender, expliquei com exemplos, mas
percebi que era melhor continuar com o assunto do dia, pois íamos tomar grande parte da
aula, então, passei a palavra para a professora dar continuidade.
É interessante antes de passar para a atividade seguinte, falar da relação com o saber,
no sentido de não só imputar ao educando as causas do fracasso escolar (motivação, pobreza,
etc), mas também da relação com o que se tenta ensinar a esse educando. É uma questão que o
professor depara constantemente e não é simples. No entanto, as implicações estão aí no dia-
a-dia e exige o apoio de uma abordagem que leve em conta o sujeito que aprende (desejo) e a
forma como se dá, para que faça sentido a aprendizagem e o papel da escola. Segundo
Charlot (2001, p. 21):
95
[...] O que é aprendido só pode ser apropriado pelo sujeito se despertar nele ecos: se fizer sentido para ele. Porém, o sujeito só pode aprender se entrar em certas atividades normatizadas, aquelas que permitem apropriar-se deste saber ou deste “aprender” específico (elas não são as mesmas quando a questão é aprender matemática, história, ofício de policial ou a solidariedade...) Trata-se propriamente de uma dialética e não de uma simples complementariedade: o sentido atribuído a um saber leva a envolver-se em certas atividades, a atividade posta em prática para se apropriar de um saber contribui para produzir o sentido desse saber. A problemática da relação com o saber implica a recusa de colocar a questão da eficácia sem colocar a do sentido (isto é, a recusa de tomar o saber e a atividade em sua coerência e sua especificidade sem se indagar sobre aquele que é chamado a apropriar-se deste saber por meio desta atividade). Ao mesmo tempo, implica a recusa de colocar a questão do sentido sem colocar a da eficácia (isto é, a recusa de tomar o sujeito como desejo e /ou indivíduo socialmente moldado sem questionar a especificidade dos saberes e das atividades com as quais esse indivíduo é confrontado).
Vale lembrar que é na prática escolar que se vão engendrando habilidades, hábitos,
conhecimentos e atitudes, que podem favorecer ou não, a realização das atividades escolares e
o aprendizado para a autonomia do sujeito. Junto a isso, falta uma gama de condições para
uma educação de qualidade na escola do Estado, ligado a vários fatores que não convém citar
aqui.
Assim que passei a palavra à professora, ela disse para os educandos:
Profª – Vamos rápido, coloquem as carteiras no lugar certo, porque agora não é
brincadeira, o trabalho é sério.
A professora na sua fala marcou para os educandos a diferença entre o que fiz e o que
ela faria: até certo ponto mostrou o seu entendimento do sério e do lúdico no processo de
aprendizagem. Faz parte do comportamento e do estilo de gestão dessa aula: educandos
sentados em fileiras, recebendo o conteúdo que é passado pelo professor. Essa pode ser
também uma forma eficaz de ensinar, mas nessa disciplina e turma não, pelo rendimento
efetivo dos educandos na aprendizagem.
O que é mesmo sério para o professor? Quer dizer que o que fiz, para ela, não é sério?... Vamos ver agora, na sua aula, o que é trabalho sério...
96
Acredito que o comportamento do professor de modo geral, é afetado por suas
crenças e por suas idéias psicopedagógicas, que atuam como filtros para interpretar as
situações de ensino. Conforme Shavelson e Stern (apud COLL, 1999, p. 178) “existe um
conjunto de informações que, de maneira consciente ou inconsciente, afetam as decisões que
os professores tomam durante o processo de ensino.” Quero destacar ainda que não se pode
perder de vista as relações estabelecidas durante as situações educativas entre educandos e
educadores. Elas podem influenciar e promover avanços, não só na aprendizagem mas
também nas relações sociais e na construção pessoal dos atores. Outro ponto a ser considerado
é que através do lúdico também se consegue ensinar, de acordo com a compreensão de
alguns autores, a brincadeira é necessária para o desenvolvimento intelectual e humano. Nesse
sentido, temos as contribuições de Huizinga (2000), Brougére (1995), Vygotsky (1998),
Winnicott (1975), dentre outros. Destaco Vygotsky, que contribuiu com sua compreensão da
atividade construtiva do educando, como um elemento, num emaranhado de relações sociais e
interpessoais. Esse autor demonstra que o desenvolvimento que os educandos experimentam é
produto das interações estabelecidas entre o sujeito que aprende e os mediadores culturais
(pais, professores,etc), que o colocam em contato com os bens culturais, de diferentes formas.
Considerando a relação que se pode estabelecer entre o brincar e as atividades em sala
de aula, destacamos o que diz Lucia Helena Cruz e Bernadete Porto (2002, p.150) :
Além da própria linguagem do brinquedo, as relações estabelecidas entre este e o desenvolvimento merecem ser destacadas na discussão sobre a escola e educação de qualidades. À medida que apreendem este conhecimento, que percebem que a linguagem do brinquedo pode transformar as relações e a vida na/da escola, os educadores poderão mudar radicalmente as suas práticas educativas. Mais que isto, acreditamos que somente educadores que gostem e possam brincar serão capazes de dimensionar, de forma diferente, os métodos progressistas de forma a constituírem práticas progressistas que integrem os conteúdos à vida dos educandos, levando-os a reelaboração deste conhecimento e, por isso mesmo, contribuindo para o desenvolvimento de sua criatividade. Um professor que não goste de jogar, que não goste de expressar-se pela arte, dificilmente poderá incrementar uma educação onde a ludicidade seja elemento presente. Investir numa educação de qualidade passa, então, por permitir e estimular a expressão do professor, da sua linguagem interior, exterior, sensível e artística, onde a brincadeira se expande à medida que as crianças aprendem.
Na verdade, a professora pode ter achado estranho aquele primeiro momento
(aquecimento) da aula, foi muito movimentado, barulhento, com alunos participando, outros
aproveitando para fazer bagunça, bem diferente do padrão. Mas se esse caos não for
enfrentado com o diálogo, disposição, respeito ao outro, orientação, de forma cooperativa por
97
todos os professores, não se vai superar essas dificuldade impostas pela realidade cotidiana.
Pergunto: “qual será então, o sentido do nosso fazer?” Paulo Freire (1985), diz: “Se nada
temos a propor ou se simplesmente nos recusamos a fazê-la, não temos o que fazer
verdadeiramente na prática educativa” A cena que se seguiu foi esta:
Profª: Abram o livro na página 142. Leia Bob!
Bob: Não trouxe professora!
Profª: Pois vou anotar seu nome!... Leia então, Raí! Muito bem! Continue Nely!
Alan: Pró, eu posso sentar com o meu colega para ler?
Profª: Não, vocês sabem que devem trazer o livro, vou anotar seu nome também.
Esperei que a professora continuasse o assunto de onde deixei, fazendo a ligação entre
o que tinha sido visto no aquecimento (jogo sobre verbo), fazendo a relação com o
desenvolvimento da aula, para aprofundar as questões surgidas.
Não foi feito nenhum comentário sobre as frases que os alunos fizeram no jogo do
início da aula, nenhum comentário sobre verbo, enfim, nenhuma ligação entre o início e o
desenvolvimento da aula. Os que estavam com o livro ficaram muito contentes, não sei se por
fazerem a leitura e se sentirem premiados, ou porque seus nomes não foram anotados, alguns
estavam com uma fisionomia triste e outros resmungando com raiva.
Não me senti à vontade pra interferir, porque esse não era o meu papel de
pesquisadora. Por outro lado, percebi a convicção da professora em relação à sua atitude: para
ela, os educandos deviam aprender a trazer o livro, anotando o nome, achava que eles
aprenderiam a ser responsáveis. São as regras e sanções aplicadas aos educandos que suscitam
reações as mais diversas. Observe o que diz Miriam Abramovay (2003, p. 34):
Na medida em que as punições são, na maioria das vezes, estipuladas de forma arbitrária, a escola pode ser um lócus privilegiado do exercício da violência simbólica. A violência, nesse caso, seria exercida pelo uso de símbolos de poder que não necessitam do recurso da força física, nem de
Parece que a professora está chateada, anotando os meninos desse jeito... será que não gostou do comportamento dos educandos e da bagunça do jogo?
98
armas, nem do grito, mas que silenciam protestos. E no ambiente escolar, com alta probabilidade, seria exercida não somente entre alunos, mas nas relações entre eles e os professores.
Observando as reações dos educandos nessa turma, diante da postura da professora,
percebia que o clima ficava tenso, havia um protesto silenciado, porque posteriormente
dificultava o envolvimento nas atividades. Partia da professora acusações de falta de interesse,
falta de preparo, falta da família, falta de limites, etc., e por parte dos educandos também,
reclamavam do tratamento, reclamavam das aulas “chatas”, no modo de falar, reclamavam do
conteúdo, etc. Acredito que a despeito das dificuldades que o assunto apresentava, era
necessário encontrar um contraponto favorável à aprendizagem significativa e ao papel da
escola, em favorecer as condições para essa aprendizagem.
Como a professora se dizia aberta a novas experiências, pensei numa forma de fazer a
integração entre as partes da aula, através do Psicodrama Pedagógico. Conversei com ela e
sugeri dar a próxima aula, utilizando as três etapas dessa metodologia: aquecimento,
desenvolvimento e o compartilhar. Aceitou com boa vontade, colocou-se à disposição para
ajudar no que fosse preciso. É bom que se diga: a professora era assídua, enérgica, disponível
e na sua fala mostrava preocupação e desejo, que os educandos aprendessem. Comentava que
eram fracos, muitos não queriam nada e que a família não ajudava. Mas preocupação só não
basta, as boas intenções se transformam às vezes em perigos e riscos para os educandos;
acredito que o que muda a realidade é a ação correta, que se encontra algumas vezes nublada
aos nossos olhos.
e) V Encontro: “Verbo é ação” 30/08/05
Chego cinco minutos atrasada, a professora já havia passado um exercício no quadro e
os educandos estavam calmamente copiando. Percebo que, quando estão copiando, é o
momento em que ficam mais envolvidos, existe menos briga e ficam até mais calmos.
Suponho que essa é também uma forma do professor manter a disciplina, pois observei
também em outras aulas que passavam exercícios, mas nem sempre eram corrigidos, ficavam
aparentemente sem propósito.
Nesse dia era só uma aula de 50 minutos e já estava cinco minutos atrasada, então o
professor falou:
99
Profª. – Olhe turma, hoje só temos um horário e a professora Antonia Lucia vai dar
essa aula, deixe para terminar na 5ª feira, suspendam a cópia do exercício, para a pró
começar...
(Três alunos continuaram copiando, a professora diz novamente:)
Profª. – Já falei... parem de copiar, pois a pró vai dar a aula.
Continuaram copiando. A professora num ímpeto foi até a carteira dos educandos,
puxou a caneta e disse:
Profª. – Me dê essa caneta. (Tomou a caneta dos três)
As meninas olharam com raiva, mas não disseram nada. O garoto desafiou a
professora, com um olhar raivoso, se levantou e disse:
Sam – Não adianta, eu pego outra. (puxou a caneta da mão de outro colega e
continuou copiando)
Mais uma vez o clima tenso: a vítima olha com raiva para a professora, os estudantes
se entreolham desconfiados, a aula continua, mas o clima é tenso, não é agradável. As
disciplinas pedagógicas (Didática, Prática de Ensino, Psicologia, Sociologia e outras) ensinam
que um ambiente pacífico, acolhedor, estimulante, é condição fundamental para a
aprendizagem e todo o processo educativo. Freire (1996, p. 160) diz: Não é certo, sobretudo
do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio,
mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos. A afetividade não se
acha excluída da cognoscibilidade. Mas esse é um grande desafio que a escola tem pela frente,
diante da dramaticidade do momento atual da – violência – que não mais está rondando, mas
existe efetivamente nas escolas.
Para começar a atividade, perguntei primeiro sobre a aula passada, depois utilizei
novamente as frases do jornal, para recordar, li com eles, destacando os verbos. Quando
comecei a pedir para identificar o verbo, um aluno sugeriu:
Jéser: Pró, por que a senhora não usa os cartões para dizer se a gente acertou?
Profª: Tudo bem, Jéser!... O que vocês acham da sugestão do colega? Posso usar?
Educandos: Pode, pró!...
Por mais que pessoalmente criticasse o reforço de comportamento, sabia que o uso dos
cartões seria uma tentativa de implicá-los no processo de ensino, de vinculá-los com o
conhecimento e com o grupo; maneira urgente de encontrar uma saída, não só para melhorar o
comportamento, a atenção, a concentração, que estava difícil, mas também para dar um
100
incentivo e feedback rápido, através de algo popular que era apreciado, como o programa de
TV “Balanço Geral”, da Rede Record, muito popular aqui em Salvador, do mesmo modo que
o futebol, outra paixão do brasileiro. Isso, para não ficar constantemente chamando a atenção
sobre o comportamento dos educandos, que percebia estar banalizado. Combinei de sinalizar,
através dos cartões: preto, que significa o pior comportamento; o vermelho – ruim; o amarelo
- advertência e o verde - muito bem. Por sugestão deles, ficaram servindo para avaliar não só
a aprendizagem, mas também o comportamento. Quando alguém acertava o verbo, mostrava o
cartão verde, assim também quando batia no colega, mostrava o cartão amarelo, como
advertência. Durante o jogo, os acertos eram bem comemorados, ficavam eufóricos ao receber
o cartão verde. Lá para o fim da pesquisa, esses cartões foram sendo esquecidos, porque já
não faziam o mesmo efeito do início, parece que perdeu o sentido da novidade; na verdade era
uma medida paliativa, o certo era refletir com eles sobre as maneiras de se comportar, de se
relacionar e estabelecer formas saudáveis de convivência. Mas na urgência deu certo.
Pesquisadora: Olha turma, vamos agora fazer a leitura. Os que não tem livro
sentam junto ao colega para todos acompanharem. Um educando, parecendo não
acreditar no que ouvia, perguntou:
Ney: Pode sentar mesmo com o colega, pró?...
Pesquisadora: Sim, pode sentar!...
Observei que a atitude da professora ao exigir determinado comportamento, no caso
não permitir que o colega sentasse ao lado do outro, para fazer a leitura deixava alguns
educandos chateados. Muito embora perceba ser essa uma questão pontual, mas o nó estava
Ih! ... agora vou agir diferente da professora, estou marcando a diferença entre o comportamento dela e o meu. Isso pode não ser bom aos seus olhos, mas não vejo por quê proibir o aluno de sentar com o colega para acompanhar a leitura, se não trouxe o livro. Fazer o quê? Posições diferentes!
101
na relação. Para Pichon-Riviére (1998b, p. 74) o vínculo bom está relacionado a experiências
gratificantes, e o vínculo mau a experiências de frustração, nesse sentido diz:
O objeto gratificante, na medida em que satisfaz as necessidades do sujeito, permite-lhe estabelecer com ele um vínculo bom, enquanto o frustrante o é na medida em que não satisfaz essas necessidades, estabelecendo-se um vínculo negativo. Nele, a hostilidade é permanentemente realimentada pelo mecanismo de retaliação.
Observe mais adiante nessa narrativa, especificamente no sétimo encontro, como os
estudantes representam a relação professor-aluno e a relação aluno professor, através do
desenho.
Continuando a atividade, primeiramente, fiz uma leitura coral e depois individual.
Perguntei o que estava faltando no texto e, assim, aos poucos, foram percebendo que ao faltar
o verbo, faltava o sentido da frase. Num dado momento percebo que já não estavam se
envolvendo o suficiente: começaram a brincar, perturbar os colegas, então, lancei o desafio:
“quem descobrir a forma correta do verbo, ganha dez créditos” (um dinheirinho de brinquedo
que trago na sacola); o envolvimento melhorou. Mas a gente sabe que esse é um reforço
positivo, uma medida extrema, que pode servir momentaneamente, mas que não vai resolver o
problema da atenção por muito tempo. O comportamento nessa aula deixava a desejar, o
ambiente estava tumultuado, os educandos irrequietos, desatentos. Como tinha uma opção
clara de jamais usar o autoritarismo e respeitá-los no sentido de combinar a melhor forma de
agir, de refletir sobre o comportamento... tratei de mudar a estratégia para conseguir a
participação do grupo, pois esses meninos não eram acostumados a essa liberdade de escolha;
era preciso muita paciência, determinação, pois em muitos momentos a situação era caótica e
desanimadora.
Disse para eles: vamos fazer mais uma experiência, para vocês identificarem o verbo
numa música. Agora, vocês vão colocar esta venda nos olhos; ouvir a música e depois
escrever quais os verbos que aparecem nas frases:
Alan – Por que tem que vendar os olhos, professora?
Pesquisadora – Porque com os olhos fechados, a nossa audição fica mais aguçada.
Olga – Pró eu não vou usar, por causa dos óculos.
Pesquisador – Tente usar por cima dos óculos, mas se não der... Arranje um jeito.
Silvio – Eu também não vou usar. (Percebi que estava inseguro)
Sam – Eu também não...
Pesquisadora – Tudo bem!
102
Assim que entreguei as vendas, a maioria recebeu com curiosidade e entusiasmo, uns
três com desconfiança, ficaram questionando, mas fizeram; dois educandos não quiseram nem
receber a venda, exatamente o que a professora tomou a caneta e o enfrentou, e o outro era o
seu amigo, de quem ele puxou a caneta, no momento que a professora tomou a dele. Tentei
convencê-los a participar, mas não quiseram, depois observei que um outro colega também
não quis participar. Aceitei a não participação deles três, porque acredito que a participação
plena ocorre com o desejo e o sentir-se bem na atividade. Obrigá-los a participarem é contra o
princípio da liberdade, do respeito e portanto da ludicidade: como aquela que propicia a
plenitude da experiência. Segundo Luckesi (2002, p. 24): “Comumente se pensa que uma
atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais caracteriza a
ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem vivencia em seus atos.”
Nesse caso, não seria lúdica.
Atenção turma, ouça a música, concentre-se. Oh!... Tocou a sineta. Deixe para a
próxima aula.
A aula acabou e não foi possível fazer a última parte, o compartilhar. Disse-lhes que
na próxima aula continuaria a atividade.
Quando estava pensando nisso, a professora veio até mim e disse:
Profª: É preciso ser mais rígida com esses alunos, porque eles não estão acostumados
com essa liberdade. Na hora que você permitiu que uns não usassem a venda, outros seguiram
o exemplo.
Pesquisadora: É verdade, eles não estão acostumados com a liberdade ... mas olhe
professora, três estudantes exatamente não usaram a venda, porque não quiseram se envolver
Realmente é difícil dar uma aula com início, meio e fim num ambiente que não é propício à aprendizagem; onde faltam hábitos de atenção, concentração, a disciplina deixa a desejar e ainda com incidentes de violência e desrespeito constante. Quantas vezes temos que parar por problemas de comportamento? Como conseguir isso? Sozinha, não é possível. Será isso a causa de desânimo dos professores dessa turma? Estarei desanimando também?
103
com a atividade, disseram que não queriam participar. Depois vou ter uma conversa em
particular com eles e também com os outros, para saber o que está ocorrendo. Mas você acha
que o educando pode aprender alguma coisa contra a sua vontade? Se os obrigassem a fazer a
atividade levaria a um resultado proveitoso?
A professora respondeu:
Profª: - Eles só aprendem, se perderem novamente.
Encerramos a conversa aqui, aquela afirmação categórica parecia ser uma crença da
professora, não havia como contra-argumentar, ela acreditava na punição como incentivo. Por
outro lado, no meu entendimento, era necessário pensar que esses educandos já vinham
estigmatizados pela repetência, precisavam de outro tratamento e não de punição. Comecei a
perceber a dificuldade que seria conciliar diferentes maneiras de ver e atuar em relação ao
processo educativo. Aqui ,volto a lembrar o impacto das crenças sobre o comportamento no
ser humano. A questão é, no mínimo, ética e merece mais cuidado, não é pelo fato de ser
professor da turma que vou obrigar o educando a participar de uma atividade sem o seu desejo
e interesse. Nesse sentido, Lewin (apud AFONSO, 2006, p. 59) escreve:
[...] este tipo de trabalho não conseguirá seus objetivos se não for livremente escolhido pelos indivíduos e, ao contrário, se for imposto por qualquer tipo de medo. Nesse caso, o grupo – e os indivíduos- oferecerá resistências das mais diversas e passará a hostilizar os novos valores que se lhes quer impor. Ou seja, a convicção de que a mudança está associada à participação e também a convicção que a imposição suscitará, em alguma medida, resistências.
Noutro momento, chamei aqueles e outros educandos para conversar, porque estavam
com o aproveitamento deficiente e perturbando as aulas daquela disciplina, e de outras
também. Na conversa que tive com eles, todos disseram que desejavam melhorar e passar de
Qual a fundamentação última para o ato cotidiano de educar, através da imposição, do grito? Lembrei-me do professor Dante Galleffi.
104
ano; percebi que na realidade sinalizavam a necessidade de ajuda. Dos três alunos que não
participaram da atividade, só um não era repetente, os outros dois eram multi-repetentes e a
professora desejava que perdesse mais uma vez para aprender. E perderam o ano, mais uma
vez.
f) VI Encontro “Com venda nos olhos, ouço melhor” 01/09/05
D – Bom dia turma, e aí, como estão? (estavam bem comportados quando cheguei; o
que era fora do normal, um educando falou:)
Ana – Olha pró, o comportamento nessa aula está melhorando.(fiquei a pensar no que
a aluna falou, porque só havia um mês que estava trabalhando com essa turma)
De repente vejo dois alunos brigando, trocando tapas. Levantei o cartão vermelho e
eles se tocaram, pararam na hora. Nem falei.
Retomei a atividade passada e a apliquei do início ao fim. Os estudantes vendaram os
olhos, escutaram a música e iam escrevendo os verbos que captavam numa folha em branco;
pedi para observarem a diferença entre quando escutavam a música sem a venda nos olhos e
com a venda.
Depois comentei sobre a atividade em si, sobre a importância do verbo para dar
sentido à frase, etc. Continuando, selecionei uma frase da música e chamei cinco crianças para
representar cada palavra da frase: “O pião entrou na roda”. Quando as crianças estavam de
frente para os colegas retirava a criança que representava o sujeito (palavra) e pedia para ler e
observar o sentido; depois tirei o menino que representava o verbo e assim iam se observando
na ação. A participação foi ótima. Fechei o assunto, pedindo exemplos de frases com verbos
e muitos educandos falaram e acertaram. É isso o que ensina o psicodrama pedagógico:
colocar o aluno em ação, para aprender no ato, com o seu corpo, com o outro, enfim, inteiro.
Nesse sentido, afirma Alícia Fernández (2001, p.69):
O psicodramático enquanto lúdico contribui para o trabalho em psicopedagogia, pois o aprender situa-se no mesmo espaço do jogar, que temos descrito como um espaço “entre”. Espaço entre o quê? Entre as musas e o Esculápio, diria Sara Pain. Entre a ciência e a poesia, entre o conhecimento e o saber, entre a subjetividade e a objetividade.
105
Passei a próxima etapa para a professora regente, que pediu para abrir o livro, fez antes
a relação com o que havia trabalhado na aula anterior e os educandos começaram a responder
no caderno. Foi uma experiência valiosa pela participação dos educandos, pela condução da
professora que foi mais tranqüila e também pela integração em todo o processo da aula. A
professora, nesse dia, não mais me orientou para ser mais rígida. A verdade é que observei
que ela mesma estava se tornando menos rígida.
Resolvi aumentar minha carga horária na escola, para melhor entender e acompanhar
essa turma. Como é possível ajudar esses estudantes a aprenderem e a conviverem, se não
ajudá-los na formação de habilidades, hábitos e atitudes? Nas conversas da sala dos
professores, uma professora aborrecida, falou-me: “Eles não enxergam o professor”.
Para isso, pedi aos professores para assistir suas aulas, a fim de observar como era a
participação e o comportamento dessa turma nas outras disciplinas.
* * * * * * *
Que bom, o clima hoje foi mais tranqüilo, a professora fez a integração da aula. Todos saíram ganhando.
106
Flashes da sala de aula: buscando luz para iluminar o campo
Vou abrir um apêndice para falar das inquietações que foram surgindo, após um mês
fazendo o trabalho somente com a professora na turma. Constatei que a relação dos educandos
entre si não era satisfatória, com a professora também, não existiam vínculos saudáveis. De
acordo com Pichon-Rivière (1998b), era o típico vínculo “mau”, que quer dizer, está
relacionado com experiências de frustração, hostilidade, que freqüentemente é realimentada
por retaliação. Para Moreno (1993a) nesse caso é um vínculo negativo, ou seja, de
afastamento. Não possibilita o verdadeiro encontro, que, no seu poema Divisa que vou
destacar uma parte, fala assim:
“Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos
E coloca-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos
para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-ás com os meus.
Para haver uma relação de respeito, de amizade, de aproximação, é preciso que haja
um mínimo de sentimento positivo (tele) que leve o outro a se aproximar; a capacidade de se
colocar no lugar do outro possibilita a compreensão do sentimento e da situação vivida.
Em função do que vinha observando, fiquei curiosa em saber como era a relação com
os outros professores e entender a causa da indisciplina, do aproveitamento deficiente, das
agressões constantes, do clima desagradável em sala de aula. Para isso, concretizei o desejo,
pedindo permissão aos professores para assistir às suas aulas, ao mesmo tempo em que
continuava trabalhando com a turma; isso ajudou-me a entender uma série de
comportamentos e situações. Com boa vontade, os professores aceitaram e, assim, fiz várias
observações que transcrevi com o título: “Flashes da sala de aula: buscando luz para
iluminar o campo”. Selecionei alguns flashes para melhor entender o comportamento do
grupo. Isso ajudou-me bastante a esclarecer muitas dúvidas.
107
a) Flash 1: Dou graças a Deus estar viva! Para agüentar esses meninos...
Chego mais cedo, entro e fico no fundo da sala. Os educandos me receberam com um
sorriso, e perguntaram: “Pró, a senhora vai dar aula aqui?” Respondi: Não. Estou aqui para
assistir a aula com vocês.
O professor inicia a aula dizendo para os educandos: “Depois de responderem o
exercício do livro, tem que responder as questões do quadro, pois amanhã vou fazer um
teste”.
Ao terminar de passar o exercício no quadro, a professora sai da sala. Alguns
estudantes continuaram copiando, outros saiam da carteira, perturbavam os outros; um deles
toma o lápis do outro, que vai buscar e o colega não quer entregar, e assim continua. Para
alguns educandos aquilo não parecia perturbar, continuavam copiando o exercício. Quando a
professora volta, olha para mim e diz:
Pró – Como é, eu saí e eles ficaram fazendo bagunça, não é?
Pesquisadora – Este é o comportamento normal deles, professora. Não sei se ouviu o
que eu disse, pois imediatamente respondeu:
Profª – Se eu que sou sua professora, estou com eles o ano inteiro, não estão ligando,
não ligam para você. (Começou a falar e se queixar dizendo)
Profª – Na aula passada pedi para trazerem cola e papel para trabalhar com figuras
geométricas e somente dois alunos trouxeram. É assim, eles não querem nada, a gente não
pode também fazer. Fico observando que é só entrar nessa sala que a dor de cabeça aparece.
Os meninos continuavam indisciplinados, dois começam a trocar beliscões. Um se
queixa para a professora e ela responde:
Profª – Também não sei o que é que você vai sair do seu lugar e ficar aí, você mesmo
gosta... você estava bem longe dele...
O mesmo educando que estava perturbando o colega, sai e vai perturbar outro. A
professora fala:
Profª – O que é Dino,? não estou achando graça nenhuma, venha para seu lugar.
Depois pára um pouco, sorri e diz:
Profª – Dou graças a Deus por estar viva e agüentar esses meninos.
De modo geral, a queixa, a lamúria são constantes na escola, mas faltam ações para dirimí-las.
108
b) Flash 2: Fala aí, bróder!
Os educandos comentaram para mim que gostavam de um determinado professor;
estava curiosa para saber porque gostavam tanto desse professor e não de outros. Fui à escola
num dia em que este professor ia dar aula nessa turma, pedi para assistir à sua aula, aceitou
prontamente. Assim, tive oportunidade de reafirmar a crença de que uma relação de respeito,
competência, onde os alunos gostam do professor, tem um vínculo positivo com ele, pode
fazer a diferença para melhor tanto em aprendizagem quanto na convivência.
O assunto foi trabalhado de forma contextualizada, foi mostrada a cadeia de ligação
entre todas as disciplinas, falando um pouco sobre interdisciplinaridade. O professor estava
sempre atento a cada aluno e assim que um dispersava, chamava sua atenção de volta com
uma brincadeira, que não era de desqualificar; os educandos ficavam ligados, porque a
qualquer momento poderia ser solicitada uma resposta, e eles queriam acertar. Usaram o livro
para ler, localizar informações; a participação foi ótima. Fiquei admirada do comportamento
da turma com esse professor, não era o mesmo nas outras aulas que vinha observando. Não
pareciam os mesmos, pareciam outras pessoas: alegres, participativos, buscavam informação
no livro e demonstravam conhecimento da matéria.
Valeu a idéia de observar essa e as demais aulas, porque deu a possibilidade de refletir
sobre a dinâmica, o conteúdo e a relação professor-aluno. Jamais poderia ter uma visão ampla
do vínculo nessa turma, se ficasse freqüentando somente as aulas de uma disciplina.
c) Flash 3: Ele é maluco, pró!
A professora vai fazer revisão de assuntos para a prova da III unidade. No início da
aula somente oito alunos estavam presentes, aos poucos vão chegando, por volta de 7:40, de
24 educandos, 13 estavam presentes. É comum chegarem atrasados, porque muitas vezes
ficam perambulando pela escola. Entram e saem da sala a todo momento, a professora não
consegue manter a atenção e nem dar continuidade à revisão, interrompe constantemente para
reclamar. Os educandos saem do lugar, conversam, brigam. Enquanto a professora fazia a
revisão do exercício:
Um educando deu um chute bem forte na perna do colega. O que recebeu o chute não
disse nada. Fiquei incomodada e perguntei:
Pesquisadora – Vily, o chute que Eric lhe deu, não doeu? Por que não reclamou?
(Olhou para mim assustado e respondeu)
109
Vily – Ele estava brincando...
Chamei o agressor e perguntei:
Pesquisadora – Eric, você chutou a perna de Vily, de brincadeira?
Eric – Não, foi de verdade pró, é que ele é maluco.
Obs: Esse educando agredido depois de alguns dias começou a faltar as aulas;
abandonou a escola antes do fim do ano. Não quero dizer que foi por isso, mas acredito que a
soma de pequenos fatores levam à evasão. A professora nem percebeu o incidente, tal era a
bagunça em sala.
Quero destacar que a professora fazia um esforço enorme para que os educandos
participassem, era calma, delicada, os tratava bem, paciente até demais; no entanto, os
estudantes eram indiferentes à sua presença. Percebi que dedicava atenção especial a dois
educandos, tentando fazê-los participar; eram considerados problema e realmente
atrapalhavam a aula, conversavam, perturbavam os colegas. Pediu a um deles que fizesse uma
pergunta ao outro, esse balbucia uma linguagem estranha, que não era a que a professora
havia pedido, o outro ri, debocha, e o esforço da professora foi em vão. Suplica a atenção e a
participação da turma com tal humildade, como se pedisse perdão pela sua falta de autoridade.
O barulho é enorme, uma grande confusão e em meio a tudo isso, a professora ainda promete:
Profª. – Olha gente, na próxima aula vou dar uma atividade para melhorar a nota.
Esta professora falava muito da sua preocupação que a turma melhorasse, vez em
quando comentava comigo sobre sua dificuldade em conseguir a disciplina e o interêsse pelo
assunto. Chegou a me pedir sugestão de um jogo interessante, para fazer com a turma. Fiz
uma xerox de um jogo do livro de Lino de Macedo (2005), próprio para sua disciplina e para
ser aplicado em sala de aula: Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Não sei se
Está decretada a falência da relação, os alunos não estudam, não prestam atenção à aula, não respeitam e ainda recebem recompensas. Enfim, não aprendem e a profª perde o respeito da turma.
110
aplicou, percebo que trabalhar com atividades potencialmente lúdicas exige uma atitude, uma
predisposição que, me parece, vem do gosto por esse tipo de atividade, necessita, além do
material que é vasto no mercado, de desejo e de preparo para trabalhar dessa forma.
d) Flash 4: A profecia anunciada!
Começa a aula, a professora entrega um exercício para fazer em dupla. Um educando
não faz.
A professora começou a falar:
Profª: Olha aí, não faz o exercício, olhe que eu coloquei em dupla, aqui só tem
repetente.
Um aluno imediatamente responde:
Jair: Eu não.
Profª: Mas vai ser no próximo ano com fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.
Essa é uma afirmação inusitada e perigosa, nunca se sabe como vai ser recebida pelo
educando; se vai recebê-la como uma desqualificação e como verdade, ou com indiferença.
Lembrou-me da expressão “profecia de autocumprimento” que causou bastante impacto nos
meios educacionais após a divulgação dos estudos de Rosenthal e Jakobson (1968 apud
COLL, 1999), publicada em forma de livro com o título Pigmalião na sala de aula,
mostrando que as expectativas dos professores sobre o rendimento escolar dos estudantes
podem chegar a afetar de modo significativo o rendimento efetivo desses últimos. Embora
outras pesquisas viessem a chamar a atenção de que os educandos não são apenas depositários
das expectativas dos seus professores. Hargreaves (apud COLL, 1999, p. 161) destaca que são
dois os fatores relativos a essas representações que afetam a reação dos estudantes frente às
expectativas dos seus professores. São determinantes em primeiro lugar, a importância que o
estudante atribui à opinião do professor sobre ele e a segunda, está relacionado à auto-estima,
ao auto conceito sobre a sua capacidade de aprender. Coincidindo com a questão da
expectativa, Rogers (1987 apud COLL, 1999, p. 161) considera que: “ [...] O aluno sobre o
qual se mantém expectativas altas desfruta dos efeitos de um ciclo positivo, enquanto que o
aluno sobre o qual se mantém expectativas baixas vê-se enredado em um círculo vicioso”.
O que observava também é que o exercício não era corrigido e nem comentado, daí
cheguei a pensar, que alguns dos exercícios são passados para manterem ocupados os
educandos, para efeitos disciplinares, pois nem sequer eram corrigidos.
111
e) Flash 5: Para ser gari é preciso ter 2º grau!
A professora entra na sala, os educandos indiferentes. A professora diz:
Profª: Vocês já observaram que eu entrei na sala? Podem abrir o
caderno para eu ver o dever que passei ontem.
Olga: Eu fiz.
Profª: Você já tem uma desculpa, porque não veio à aula e fez. Mas os
dois de lá... (referindo-se a Silvio e Sam). Vá fazer lá fora, aqui não quero ver sua
cara. (Sam por si mesmo, já foi saindo; a professora disse para o outro). Já vai
Silvio? Pode ir mesmo...
Enquanto isso, os outros mostravam que haviam feito o exercício. O objetivo
parecia que era verificar o cumprimento da tarefa. A correção não aconteceu. A professora
falou:
Profª: Eu não digo nada a vocês... (em tom de ameaça)
Nely: Olha pró, eu fiz.
Profª: Sigam o exemplo da colega.
Profª: Vam’ bora Sany – não respondeu não? Então vai fazer lá fora...
Assim alguns educandos foram postos para fora da sala.
Depois de uns cinco minutos, um dos educandos que tinha sido colocado fora de sala
voltou, disse que havia terminado e se dirigiu à carteira. Começou a consertar uma questão. A
professora falou:
Profª: Você não disse que já havia terminado? Por que ainda está fazendo aí?
Samuel: É porque esqueci.
Profª: Esqueceu? Vai fazer lá fora. (Ele continuou na sala, mudou o tom de voz e
disse). Faça o favor de sair “rapaz”, eu não estou brincando com você, vai terminar lá fora.
Um dos colegas disse:
Silas: Pró, ele só tem 11 anos.
Profª: Ele é muito imaturo.
O colega continua falando que foi no seu aniversário, num dia de setembro. A
professora diz num tom de brincadeira:
Profª: Você traz é notícia pra sala, não é, Silas? Você dá para ser repórter.
Um colega rebateu:
Jair: Repórter fofoqueiro. (Imediatamente, a professora se volta pra ele e pergunta)
Profª: E você Jair, o que é que vai ser?
112
Jair: (Com desdém) Vou ser gari.
A professora reclamou, tomou sua resposta como afronta, depois disse
menosprezando:
Profª: Será que você vai ser isso? Porque gari tem que possuir o 2º grau...
A relação nessa disciplina se dá de forma distante e o vínculo é de indiferença, quando
não de afastamento, mas esse professor o reconheceu na entrevista. A partir daqui, tenho uma
visão do comportamento e do vínculo dessa turma com vários professores.
Tive oportunidade de observar os educandos nas demais disciplinas, ocupei vários
horários vagos para conhecê-los melhor, observar o comportamento e perceber como se dava
a relação entre eles e os demais professores. Fiquei convencida que não era possível continuar
trabalhando com um professor particularmente; era necessário ter uma ação voltada para a
vinculação entre todos, tendo em vista uma melhoria conjunta dessa relação. Descrevo mais
adiante algumas situações constrangedoras que contribuíram para explicar o motivo da
decisão.
* * * * * * *
g) VII Encontro: Desenhando a relação em sala de aula 06/07/05
No planejamento essa aula deveria ser coordenada pela professora, mas pediu-me para
assumir o horário. Entreguei o resultado de uma atividade feita na aula passada e pedi que
desenhassem como viam as relações entre: o professor – aluno e vice versa.
Selecionei alguns desenhos que representam a relação “professor-aluno” e “aluno-
professor” na visão deles. Observe no desenho abaixo, a representação de uma boa relação
professor-aluno, selecionei-a porque mostra coincidência com aquela cena em que o educando
pede para sentar junto ao colega, porque não trouxera o livro e a professora não permite.
113
Escrita do educando: “Eu representei quando
eu esqueci de trazer o livro ele me emprestou
o livro (escreve o nome do professor, cobri
para evitar identificação).
Para esse aluno bom professor é
aquele que também empresta o livro.
Observe o desenho abaixo. 1º
Quadro: relação aluno x professor. O aluno
debocha do cabelo da professora. 2º Quadro:
relação professor x aluno. O aluno não tem o
braço direito e não tem pés. A professora é
simbolizada com peitos enormes e pernas
grossas.Só ao aluno cabe explicar tal
representação.
114
115
h) VIII Encontro: Assumindo o lugar do outro (inversão de papel) 13/09/05
Sempre que podia passava toda a manhã na escola e assim que conseguia um horário
vago, o usava com atividades lúdicas. Uma professora cedeu-me o horário e assim que entrei
na sala de aula percebi muita confusão, barulho e não podia falar, porque um aluno
particularmente roubava a cena. Resolvi propor uma “inversão de papel”, que no psicodrama
é assumir o papel do outro, trocando o lugar com ele, assim fiz com esse educando. Foi esta a
cena:
Desenho 3 – Inversão de papéis
Enquanto isso, fui para o lugar onde ele estava e assumi o seu comportamento. Os
outros estudantes estavam admirados com a professora, comportando-se igual ao colega. O
marcante dessa cena, é que nessa “inversão de papéis” quando olhei para o educando, o vi
acuado, imediatamente lembrei de mim e me vi também acuada no papel de pesquisadora,
116
sem saber muitas vezes o que fazer com tanta demanda. Mas depois ao transcrever a cena,
fiquei pensando, que na realidade não aconteceu uma verdadeira “inversão de papéis”, pois o
educando não assumiu o meu papel de professora, ficou me olhando espantado e não esboçou
uma palavra, por mais que o incitasse no papel de aluna. Para mim, a sua posição refletiu a
minha imagem como um “espelho”, que no psicodrama, é ver-se refletido no outro.
Depois, ainda nessa aula, fiz outra inversão de papéis entre os educandos. Enquanto
fazia uma brincadeira, onde os educandos deveriam entregar uma qualidade ao colega do
lado no círculo; num dado momento, um deles entregou e o outro não quis receber, o colega
ficou constrangido, “sem graça”. Passei adiante, e assim que terminaram de passar as
qualidades, resolvi aproveitar a situação e fazer a “inversão de papéis”. Convidei outro
estudante e entreguei um objeto dizendo que aquilo era um presente que devia dar ao colega.
Antes, orientei-o para que não aceitasse, depois troquei os papéis. Dramatizaram essa situação
e, em seguida, fiz outra cena com uma pessoa dando um presente e a outra aceitando. Depois,
perguntei como estavam se sentindo, o que acharam da situação e os comentários foram bem
interessantes: falaram sobre o mal-estar que sentem ao serem rejeitados, sobre a importância
de serem acolhidos, sobre quando são agredidos e maltratados pelas pessoas, foram bem
sinceros: disseram que desejam pagar com a mesma moeda ao serem maltratados.
i) IX Encontro: Mudando o rumo... 13/10/05
Já havia pensado várias vezes em assumir a intervenção sozinha por alguns fatos que
iam de encontro aos princípios da ludicidade, do sociodrama e também aos objetivos da
pesquisa. Vou relatar os fatos mais marcantes que dificultaram o trabalho e contribuíram para
assumir a intervenção num horário específico para as atividades de vínculo.
Ao chegar à escola noto que alguns educandos estavam na porta da sala de aula. Assim
que me viram, começaram a acenar e soltar beijos. A professora estava em outra sala em
frente à sala dos educandos, também na porta e respondeu aos acenos. Um educando disse
discriminando: “Não é para você não, é para ela”. Achei a situação vexatória. Comecei a
pensar que era urgente arranjar um horário vago para trabalhar melhor essas questões, porque
o vínculo que já estava bastante comprometido, não só com esse professor mas também com
os outros.
Mais outra situação constrangedora aconteceu após uma atividade que realizei com a
professora regente em sala de aula. No segundo encontro fiz um contrato com os educandos:
falei que eram livres para participar das atividades, que iam ser tratados com respeito, e que
117
também deviam respeitar a mim e aos outros professores; não era aceito nenhuma forma de
violência, e que íamos falar sobre o sentimento nas atividades.
Ao final da aula perguntei como estavam se sentindo, começaram a responder: um
disse que estava bem, que gostou; outro mais tímido não respondeu, depois de perguntar a
vários, dirigo-me a uma estudante, que diz:
Sany – Pró, eu não vou falar...
Pesquisadora – Por quê? Está com vergonha? Fale do jeito que você
sabe... a gente vai entender o que você falar. É importante expressar o
seu sentimento.
A estudante mostrava que queria falar, e ao mesmo tempo dizia:
Sany – Eu não vou falar... De repente, tomou coragem e disse:
Sany – Eu estou com raiva pró, não gostei, porque essa pró aí, é uma
estúpida, é grossa... (Referindo-se a professora regente).
Fiquei sem jeito, senti-me constrangida diante daquela situação, e também
incompetente, por não ter percebido nas entrelinhas, porque insisti para a educanda falar. Não
sei se a professora ouviu, porque não esboçou reação aparente. Na verdade, não esperava que
o motivo da recusa da educanda em falar, seria o incidente ocorrido no início da aula com a
professora, antes de aplicar aquela atividade.
Por essa e outras situações envolvendo não só a diferença na condução do processo
ensino-aprendizagem, visão da relação professor-aluno, do tempo disponível para a pesquisa
de campo, resolvi verificar a possibilidade de um horário junto à direção escola, em que
pudesse desenvolver as atividades, sem prejuízo para os estudantes e para a relação com os
professores, porque daquela forma estava indo de encontro, ao objetivo da pesquisa, causando
prejuízo à aprendizagem e a formação dos educandos.
Não é que a maneira da professora trabalhar fosse ruim e a minha intervenção fosse
boa, ao contrário, era uma boa professora, falava do desejo de ajudar os educandos, mas as
relações interpessoais entre ela e os educandos quando cheguei, já era conflituosa: a maior
parte do vínculo era de indiferença ou negativo, a confiança estava quebrada. A comunicação
era inamistosa, um não entendia o desejo do outro. Os estudantes já vinham estigmatizados
com a pecha de repetentes e indisciplinados, uma turma “difícil”, como falavam os
professores e a direção da escola. Um “rótulo” constantemente repetido nas conversas e
admoestações aos educandos.
Nesse período, em que estavam fazendo a experiência com as duas professoras no mês
mo horário e com maneiras de relacionar com os estudantes de formas opostas, ficavam
118
comparando a forma de tratá-los e muito espertos, começavam a fazer jogos de preferência,
criando situações indelicadas entre mim e a professora regente. Faziam questão de demonstrar
carinho por mim, me abraçavam, faziam festa quando eu chegava, o que não faziam
normalmente com a professora. Por um lado é compreensível, era muito fácil para eles se
apegarem a uma professora que os tratava bem, não os ia reprovar, trabalhava com atividades
lúdicas, sem notas; compreender a postura deles e o que estava acontecendo, era óbvio para
mim; mas devia ser incômodo e desagradável para a professora receber o rechaço. Se bem que
na escola muita gente está criando uma “super pele” para driblar a indiferença, a
discriminação e o desprezo nas relações cotidianas. O grande problema era que eu não podia
fomentar a desunião mais ainda e o prejuízo na aprendizagem, porque da sua forma a
professora achava que conseguia resultados, eram pontos de vista diferentes. Em vista disso,
procurei a Direção da escola, com o objetivo de verificar se podia usar um horário vago que
existia na turma, e assim, trabalhar não só a vinculação, mas o que surgisse como demanda
do grupo. O que me foi concedido sem dificuldade.
No dia 13/10/05 já saí de casa pensando em falar com a professora e a turma da minha
decisão. Mas o “acaso” precipitou os fatos. Estava no recreio na sala dos professores; assim
que tocou, procurei pela professora e já havia saído. Geralmente os professores vão saindo
devagar, depois que toca a sirene. Quando cheguei à sala de aula, a professora já havia escrito
o exercício no quadro. Fiquei admirada com a rapidez e pelo fato de ter saído bem antes e
não haver me chamado. Achei estranho, mas supus que poderia ser sintoma do mal estar
criado com o “aceno” dos educandos na hora que cheguei à escola, naquele dia.
Ao chegar à sala, pedi licença e me dirigi à última carteira e ali sentei para assistir à
aula. A professora estava sentada, enquanto os estudantes copiavam um exercício que
colocara no quadro. O educando Alan pediu para buscar um livro na sala vizinha, a professora
não deixou e perguntou a razão de não ter o livro, este respondeu que o cachorro havia
rasgado dois dos seus livros e disse quais. A professora olhou como se duvidasse daquela
conversa. (Algumas vezes a professora me falou que precisava ter malícia com esses
educandos).
Continuando a aula, observei que o educando foi se sentar com o outro colega para
acompanhar a leitura no livro e a professora nesse dia permitiu. Outro educando também não
levou o livro, permaneceu em seu lugar, aparentemente indiferente às admoestações da
professora. Observei também que a professora estava se comportando diferente naquele dia:
falando de forma mansa, fazia brincadeiras, sorria e caminhava altiva pela sala; os educandos
estavam mais calmos e não polemizavam com ela, acompanhavam os comentários, com o
119
livro aberto. Num dado momento, falou: “Nessa unidade a turma não caiu, despencou”.
Apesar de não falar diretamente para mim, a mensagem calou fundo. Aí então, me perguntei:
será que esse resultado tem a ver com a intervenção? Mais adiante, perguntou-me se eu não
iria fazer alguma atividade com a turma? Disse-lhe que não, mas que ficaria agradecida se me
cedesse um espaço para falar um pouco. Comecei a minha fala, agradecendo a sua
disponibilidade em me ajudar na pesquisa, o carinho com que me recebeu, o seu esforço na
condução da turma; falei com os educandos sobre o papel de cada um na escola, para que a
turma tivesse êxito, falei ainda da necessidade de cooperarem com essa professora e também
com os demais.
Expliquei o motivo de não continuar o trabalho juntamente com a professora naquela
disciplina, porque o meu desejo era que eles superassem suas dificuldades, melhorassem a
aprendizagem e isso não estava acontecendo, haja vista a constatação que a professora havia
chegado e comunicado: “a turma não caiu, despencou”. Os educandos me ouviam atentos, o
silêncio era geral, nunca os tinha visto assim. Naquele momento, percebi quanto é preciso
saber a horta de parar, para evitar maiores prejuízos. Despedi-me e acertei de começar a nova
etapa, todas as terças no primeiro horário, antes horário vago na turma.
É bom lembrar que da experiência com a professora, tivemos oportunidade de realizar
algumas atividades interessantes como: trabalho em equipe onde os educandos se envolveram
de forma admirável, nessa turma pouco se fazia trabalho em equipe, infiro que era devido a
indisciplina; trabalhar com psicodrama pedagógico foi rico pela ação que oportuniza; as
atividades de integração, que muito ajudaram na formação de vínculos, etc. Merece destacar
que essas atividades só ocorriam a contento se o clima não fosse tenso. Até mesmo as
atividades potencialmente lúdicas, várias vezes deixaram de acontecer, devido o mal-estar
relacional no ambiente. Ludicidade é liberdade, afetividade e convivência.
j) X Encontro: “ Se todos se unissem como amigos” 25/10/05
Havia muitos indícios de que deveríamos trabalhar as relações interpessoais. Comecei
apresentando um texto sobre formas saudáveis de convivência. Lemos, discutimos, e na
discussão surgiu a questão do respeito ao outro e de não se falar quando o outro não estiver
presente. Um educando falou:
Jéser – Eu não concordo em não falar do colega pelas costas.
Pesquisadora – Por que? Você acha melhor falar pelas costas do que diretamente à
pessoa? Tem receio de que?
120
Outra educanda diz:
Nely – Só vou falar se os colegas também falarem dos problemas, porque não vou me
expor sozinha.
Tranqüilizei-os em relação ao respeito que seria dedicado não só à fala de cada um,
mas também à pessoa e sua vontade. Continuei a atividade, trabalhando as expectativas do
grupo em relação a essa nova etapa. Entreguei a cada educando um papel para completar de
um lado e do outro, a seguinte questão:
Lado 1. Eu ficarei muito chateado se aqui nos encontros...
Lado 2. Eu ficarei muito satisfeito se aqui no grupo...
Em seguida, entreguei bolas de soprar, pedi para assim que respondessem, dobrassem
e colocassem dentro da bola, enchendo-a. Quando estavam eufóricos com as bolas cheias, o
sinal tocou e entrou outro professor. Pedi que me concedesse um pequeno tempo de sua aula
para encerrar a atividade; aceitou e foi solícita em me ajudar. Mas instalou-se uma desordem
total: todos falando ao mesmo tempo; percebi que a professora ficou incomodada e me
parecia querer resolver imediatamente a situação. De forma autoritária era fácil: “só ordenar”
para mantê-los calmos e quietos em suas carteiras; mas com minha presença conduzindo de
outra forma, a situação era diferente
Procurava entender a reação deles frente à professora, porque antes fizeram toda a
atividade com calma. No instante em que pedi silêncio, diante da confusão, a professora
disse: “Isso é porque é a 5ª série [....], as outras turmas a gente consegue”. Mais uma vez a
confirmação do rótulo de indisciplinados; os estudantes não contestaram, pareciam
indiferentes àquela opinião. Fiquei a questionar: será que esses estudantes estão tentando
confirmar o “rótulo” ? Por quê mudança tão brusca de comportamento, se estavam tão bem
na aula anterior?
121
Expectativas dos estudantes para as aulas de “Vínculo”.
Voltei a pensar: é difícil trabalhar com outro professor nessa turma, se a forma de
olhar o educando não for semelhante. Porque eles não são ingênuos, não são dependentes do
professor, agem como se tivessem experimentando e afrontando, muitas vezes em prejuízo
próprio, mas arranjam formas de se defenderem das posturas discriminatórias e arbitrárias que
acontecem em sala de aula. Percebi isso com esta professora, com outros e também comigo.
Eles fazem muitos jogos e é preciso paciência, segurança e respeito para não ser envolvido de
forma inconsciente e acrítica no processo.
Finalmente não conseguimos acalmá-los, instalou-se uma confusão, não conseguia ser
ouvida, todos falando ao mesmo tempo, a professora tentava chamar a atenção, pedia silêncio,
mas também não conseguia. Então, pedi para estourarem as bolas, recolhi as expectativas e
deixei para a próxima aula. O Quadro acima são as expectativas do grupo. O número 1 e 2
(vermelho e azul), corresponde à mesma pessoa.
EU ficarei muito SATISFEITO se aqui no grupo...
1. Se todos nós se unissem como amigos
2. Se tivessem respeito uns aos outros e respeitassem os professores
3. Se for calmo, sem brigas 4. Se tiver a união do grupo 5. Se os alunos não brigassem e nem
falassem por trás. 6. Se eu brigasse 7. Se alguém defende os alunos da 5ª B,
C e F 8. Se alguém me elogiasse 9. Se os colegas não brigassem e nem
saíssem falando mal dos colegas para os outros alunos da escola.
10. Se houvesse estudo, não houvesse briga, xingamentos e sem estudar.
11. Se trabalharem com união 12. Se todos concordassem com o grupo 13. Tivesse aula de vídeo 14. Fosse unido, não houvesse brigas e
desavenças entre nós alunos.
EU ficarei muito CHATEADO se nos encontros...
1. Se as pessoas batessem nas outras 2. (esse item o educando não
respondeu) 3. Se contar o que fazemos no grupo 4. Se acontecer desordem no grupo 5. Se acontecesse discussão 6. Se o grupo me perturbasse 7. Se alguém praticar violência na 5ª 8. Se alguém falasse de mim por trás 9. Se os colegas não participasse dos
grupos na sala de aula. 10. De brigas entre colegas,
xingamentos e várias coisas ruins. 11. Se não concordarem no grupo 12. Se alguém fica brigando e falando
mal. 13. Tivesse aula de vídeo 14. Se a Profª Antonia Lucia não
viesse para a aula e se um dos colegas falasse mal dos outros.
122
l) XI Encontro “Auto retrato” 25/10/05
Li as respostas das expectativas com cuidado e constatei que havia a necessidade de
se começar a trabalhar os conflitos, as queixas da turma, o vínculo, a auto-estima, o
autoconhecimento. Resolvi selecionar e desenvolver vivências para emergir a afetividade, o
conhecimento de si mesmo, a integração com o outro e também com o grupo. Fiz uma
adaptação da atividade “Auto-retrato desenhado” extraído do livro Aprendendo a ser e a
conviver, de autoria de Margarida Serrão e Maria Clara Baleeiro (1999, p. 70).
Sabia que o suporte para o meu trabalho era continuar buscando a construção do
vínculo. Quando cheguei à sala encontrei nove estudantes: Jéser - Sany – Olga – Jair –
Perla – Raí – Edu – Sam – Val.. Assim que apresentei a atividade, Sam disse que estava
com dor de cabeça e ia sair. Esse educando estava sempre presente no início da atividade,
esperava começar e dizia que não queria participar; mesmo recebendo um convite especial,
porque fiz isso muitas vezes. Tentava saber o porque, mas ele não se abria. Mostrava-se
arredio, também nas demais disciplinas. Era uma das “estrelas” de maior rejeição no grupo.
Fiz uma adaptação da atividade “Auto-retrato desenhado” citado acima que teve como
objetivo aprofundar a percepção de si mesmo e também perceber as motivações que
interferem nos pensamentos, sentimentos e ações. Para isso, entreguei uma folha grande
(A3), com o esboço de um boneco e solicitei que da “Cabeça” deveria sair um balão contendo
as idéias mais fortes sobre si mesmo; da “Boca” deveria sair uma frase que já havia dito e que
se arrependeu e outra que não havia dito mas que gostaria de dizer; do “Coração” deveria sair
os sentimentos que tinha dentro de si; da “Mão esquerda” o que gostaria de dar para o grupo;
da “Mão direita” o que gostaria de receber do grupo”; do “Pé esquerdo” o que desejava
alcançar na vida; e no “Pé direito” o que ia fazer, quais os passos que ia dar para alcançar os
seus desejos.
Esperei com bastante entusiasmo para fazer o exercício, mas externamente não
demonstraram. De modo especial, chamou-me a atenção o comportamento de Jair: ficava
deitado na carteira, jogava a folha para um lado, para outro, cruzava os braços. Esse menino,
já vinha sendo rotulado de “preguiçoso”, é aquele mesmo que o professor disse que: “para ser
gari precisaria de ter o 2º grau...”, a aparência dele, era de quem chamava a atenção para o
seu desestímulo. Cheguei até ele e confrontei-o:
Pró – Por que não faz o exercício Jair?
Jair – Por que não sei, isso não é para nota...
123
Pró – Você sabe responder! Por quê está se entregando à preguiça, a gente pode querer
ficar parado diante da vida, mas isso não ajuda você nesse momento. O que você quer
mesmo? Qual é o seu sentimento agora?
Jair – Estou achando ruim, porque vou perder de ano.
Pro – Sente tristeza?
Jair – Sim.
A partir daí começou a preencher o exercício e colocou a tristeza no coração do
boneco.
O educador precisa acolher o educando, mas também precisa confrontar, estabelecer
limites, ser firme, sem ser brusco. Perguntar e mostrar as conseqüências de seus atos. Jamais
desqualificar, porque só cria barreiras na relação. Se os professores refletissem sobre os
efeitos de determinados rótulos e atitudes de desqualificação, não fariam, porque são feridas
que sangram com a aparência de preguiça, indolência e desistência. A síndrome da desistência
do professor é o Burnout, e a do educando qual é?
Com esse exercício, tive uma pequena visão dos sentimentos e desejos de cada um dos
estudantes. Mas fiquei me perguntando, o que despertaria realmente o entusiasmo nessa
turma... por que recebiam de maneira tão fria as atividades, se são adolescentes e essa fase é
mais propensa à alegria, ao jogo, ao grupo? Por outro lado, estive a pensar que nem tudo é só
124
alegria, pois é uma fase de muitos conflitos, insegurança, ligados a vários fatores. Como
afirma Mario Buchbinder (1996, p.214):
A adolescência é o período da irrupção da genitalidade e a perturbação diante disso, seus incômodos e suas acomodações na constelação familiar (ressurgimento do complexo de Èdipo) e social. Tem presença dramática a pergunta sobre o lugar do adolescente. Contatar com estas pulsões é altamente perturbador.
m) XII Encontro: “Auto retrato do grupo” 08/11/05
Fiz nessa aula um exercício semelhante ao anterior, só que no preenchimento dos
membros do “Menino” seria apresentado o sentimento e desejo do grupo. Para despertar o
corpo e o interesse, comecei com um jogo denominado “Corrida da Vela” O principal
objetivo desse jogo é permitir ao grupo vivenciar normas e experimentar a capacidade de
desempenhar tarefas.
Aquecimento: Dividi o grupo de sete alunos em dois times, que tiraram par ou ímpar
e assim escolheram os companheiros, um devia correr duas vezes, para equilibrar o time. O
primeiro jogador de cada fila portava uma caixa de fósforos. Assim que ouvisse o sinal
deveria acender a vela, dar uma volta pela cadeira, apagar a vela, deixar no lugar, voltar
correndo e entregar a caixa de fósforo ao colega da fila e assim, sucessivamente. O time que
terminasse primeiro seria o vencedor. Foi muito animado e os educandos gostaram bastante.
Desenvolvimento: Feito o aquecimento, o grupo estava eufórico. Falei que iam
continuar trabalhando com uma atividade semelhante à da aula passada. Só que agora a nossa
intenção era identificar o sentimento do grupo: o que pensava, sentia e desejava cada um
deles em relação à sua turma. Foi colocado um boneco gigante, feito com papel-metro, no
chão da sala. Cada um deveria completar com palavras ou gravuras retiradas de revistas,
preenchendo o corpo do boneco, com o que cada um desejasse para a turma, pois aquele
boneco estava representando a “5ª série [...] Assim fizeram.
Compartilhar: Não deu para comentar sobre o trabalho pronto, o grupo não pode
fazer sua elaboração, pois trabalhou com lentidão e terminou o horário. Mas a tarefa foi
realizada com calma, conversaram sobre vários temas, se envolveram cortando, colando as
revistas, enquanto deixavam as suas marcas no mural grande.
O sinal tocou, recolhi o material e combinei de continuarmos na próxima aula. A
dificuldade maior foi o pouco tempo para essas atividades, a aula era de 50’. Esses educandos
não vêm de escolas preparatórias onde desenvolvem a coordenação motora, cortam papéis,
125
folheam revistas, fazem colagens, acredito que, por isso, trabalhavam de forma lenta, ao
cortar as revistas, selecionar as imagens. Percebia a dificuldade que tinham para pegar na
tesoura e cortar, alguns vinham até pedir para fazer isso. O mais importante é que deixaram
inscrições do tipo: “Melhore seu diálogo com quem ainda nem sabe falar direito”, “Pessoas
que precisam de pai para dar educação”. Palavras como: tranqüilidade, cidadania, segredo,
vitória, parcerias, amizade, atitude para o mundo melhorar, superação, sonho, amizade.
Enfim, se pensarmos no sentido dessas palavras, deixaram desejos e sentimentos para uma
construção coletiva, que em princípio representam toda a força, utopia e forma simbólica do
desejo individual do viver bem com o outro, porque a vida sem relação, amizade, conflito é
uma abstração
Observem no desenho do boneco, na página seguinte: um educando colocou uma
garrafa de bebida no pé direito. A bebida é um fator preocupante, porque os educandos vivem
em ambientes que propiciam as oportunidades. Ao permanecerem isolados em suas turmas de
iguais, pode afetar mais ainda a auto-estima e favorecer a busca de comportamentos
desviantes. Mais uma vez me lembro de Arroyo, os estudantes estão pedindo para serem
enxergados.
Vinha observando o comportamento desse educando, possuía defasagem idade/série,
era aparentemente tranqüilo, não perturbava, mas não participava. Conversei com ele para
saber sobre o seu sonho, falou-me que era se um atleta; jogava basquete num projeto da
UFBA. Na sua turma da escola era isolado e o seu aproveitamento nos estudos, insuficiente.
Nesse dia, fiquei admirada de querer participar da atividade, pois geralmente mesmo estando
na escola não ficava para aula; era também faltoso.
126
n) XIII Encontro: Sociodrama de máscaras 10/11/05
Este seria o primeiro Sociodrama, propriamente dito, do grupo. Apesar de haver
colocado como metodologia central da pesquisa, só foi realizado no final. Ao iniciar a
experiência com a turma, percebi que não havia condições. Cheguei a pensar: será resistência
minha? Falei na Supervisão, mas Tereza Valladares, que era a minha supervisora em
Psicodrama, disse-me: “você veio todo o tempo aquecendo os estudantes para esse
sociodrama”. Depois encontrei respaldo também em Alicia Fernandez (2001, p. 162) que
afirma:
É quase impossível iniciar fazendo psicodrama propriamente dito, com crianças com problemas de aprendizagem. Neles costuma haver dificuldades para antecipação, para argumentação, para a construção de imagens, para espacializar imagens, para incorporar o recordado.
Continuei pensando numa forma de fazer a experiência com esse grupo e decidi
utilizar a máscara, não só por ser um recurso atraente e ter um efeito desmascarante, quer
dizer, ao mesmo tempo que encobre, revela, mas também por desejar investigar as cenas que
estavam aprisionadas naqueles adolescentes e que talvez com as máscaras pudessem revelá-
las. Ainda existia outro fator positivo: para mim, era confortável trabalhar com elas, pois
tenho uma habilidade em construí-las, que vem da infância. Contava com um bom arsenal à
minha disposição e do grupo. Com essas vantagens, fazer o sociodrama ficou mais fácil.
Encontrei respaldo em Buchbinder (1996, p. 217) quando afirma:
A adolescência é uma etapa da vida do sujeito na qual as máscaras (refiro-me às máscaras próprias do indivíduo) voam, caem, fixam-se, racham, aprovam-se, repudiam-se. Há uma aceleração no intercâmbio até que esse ritmo vai se freando no final da adolescência, quando existe um grau maior de estruturação do caráter (do eu).
Observava também que os adolescentes desse grupo, apesar de serem ativos,
descontraídos, simpáticos, mostravam-se arredios para participar das atividades. Adquirir sua
confiança, exigiu várias provas, durante o percurso, porque é como se estivessem
constantemente testando se podia confiar na pesquisadora.
Outra vantagem da máscara é que ela gera condições para se incursionar pela
imaginação, criatividade, lugares proibidos, velados, etc. Através da prática psicodramática, o
127
adolescente conta com um espaço adequado para experimentar os diversos personagens que
povoam o seu mundo interno. Quero deixar claro que não se trata de trabalho terapêutico e
sim um espaço de jogo, com regras claras e a possibilidade de expressar fantasias, idéias, ao
mesmo tempo elaborá-las em grupo. Num clima lúdico, ao serem colocadas as máscaras,
surgem personagens, diálogos, preconceitos, raivas, alegrias e a coragem de dizer o que não
diria sem a máscara.
Nesse dia contei com três aulas, aproveitei os dois horários seguintes que seriam
vagos. Falei com os educandos que só ficaria para o sociodrama quem quisesse participar e
que poderiam ir para casa caso desejassem, porque os horários seriam vagos e eu ia usá-los.
De 20, ficaram 13 educandos, três deles estavam quase sempre no início, mas não queriam
participar; ficavam observando, depois, saiam, ou permaneciam observando. Um deles,
Sílvio, ficou sentado, observando os colegas escolherem as máscaras expostas no chão da
sala, o olhar era de quem desejava estar ali mexendo também, dava palpites para os colegas
escolherem a máscara, mas não saia do lugar. Sugeri que se aproximasse e escolhesse uma,
mas não quis. Esse adolescente recebia a maior rejeição no grupo ao final da pesquisa.
Sigo com entusiasmo para o sociodrama de máscaras acreditando no dizer de Alicia
Fernandez (2001, p. 74): “Se até o simples desenhar sobre um papel é estruturante do sujeito,
quanto mais o psicodramatizar, que é um certo desenhar o jogado e jogar o desenhado”. Digo
então, que a máscara seria portanto, mascarar para desmascarar o jogado e jogar para
desmascarar o mascarado.
Aquecimento inespecífico: Jogo: “Gavião e Fazendeiro”, esse jogo tradicional é
conhecido como “Galinha e Gavião”. Um educando era escolhido como fazendeiro e tomava
conta das galinhas que ficavam segurando na sua cintura e o restante atrás, um na cintura do
outro e não devia soltar. De frente, ficava o gavião querendo roubar as galinhas, e para isso,
corria para pegar o último da fila.
Para começar mudei logo o nome do jogo, estava com receio de que ao escolher um
menino como galinha para ficar à frente, pudesse melindrar e os colegas aproveitarem a deixa
para debochar. Como ainda predomina a cultura machista em nosso meio, era possível alguém
deixar de participar; nesse caso, o “fazendeiro” enfrentava o “gavião” para evitar
constrangimento. De 13 educandos presentes, somente cinco participaram do jogo de
aquecimento, os outros ficaram observando. Mas foi muito animado e favoreceu ótima
oportunidade para formar os educandos. Enquanto jogavam estavam muito eufóricos, quando
os colegas seguravam na cintura ou tocavam em algumas partes e talvez no órgão sexual,
aproveitavam para falar alto a forma popular do nome. No momento, não falei nada, mas
128
depois no círculo, aproveitei para refletir sobre o respeito e o cuidado na comunicação, porque
nem toda palavra ou palavrão está liberado no convívio social e cria um certo
constrangimento às pessoas.
Aquecimento específico: As máscaras estavam expostas no chão da sala, coloquei
uma música e disse-lhes que ao ouvir o sinal deveriam escolher uma, colocar no rosto e andar
com ela pela sala. Ao ouvir mais outro sinal, deveria parar em frente ao colega e perguntar:
“Quem é você?”. Estavam eufóricos, confusos, não davam tempo para ouvir o que o colega
dizia e já ia passando para o outro. Percebi que estava uma grande confusão, andavam sem
ouvir o sinal, conversavam fora da hora. Resolvi mudar a consigna para “congele”, e aqui
começavam a falar com o colega, mesmo assim, ainda se movimentavam, repeti a consigna
mais uma vez e aí fizeram melhor. Mandei trocar de máscara três vezes, em cada máscara
devia responder “Quem é você”. Mostraram muita animação ao trocá-la de máscara. Na
última que estavam usando pedi do Ego-auxiliar para entrevistar algumas máscaras, enquanto
eu observava. Depois, encontrei uma máscara e senti vontade de começar um diálogo
também, e perguntei:
Diretor: quem é você?
Protagonista: Não sei
Diretor: O que você faz?
Respondeu: “Estudo”.
D : Para que você estuda?
Resp: “Para aprender muitas coisas”.
Diretor - Você estuda muito? Resp.: “Sim”.
Diretor - Vai passar de ano? R: “Sim”.
Chega outro personagem, curioso com nossa conversa e se aproxima.
O personagem que está do meu lado, ao ver o outro colega se aproximar diz (para a
máscara):
Máscara 1. Você é feia”,
Esta revida e diz:
Máscara 2: “Você é triste e não sabe sorrir”
Imediatamente ele suspende a máscara e mostra que sabe sorrir, saiu do papel e a cena
morre.
Encontrei, adiante, outro personagem e perguntei:
“Quem é você?” Respondeu: “Eu sou alguém e tenho uma família que também é
alguém”. Continuei o diálogo e perguntei: “O que você faz?” Respondeu: “Trabalho muito”.
129
Então perguntei: Você tem uma casa boa e muitas outras coisas que você deseja? Respondeu:
“Não”, Novamente questionei ao personagem: “Mas como é possível trabalhar tanto e não ter
uma boa casa e o que você deseja?” Respondeu: “Não sei por quê”.
Comentei com ele que em nossa sociedade acontece isso, algumas pessoas trabalham
muito, mas não têm boas condições de vida. Esse é um tema que poderia ser bastante
explorado, mas não houve condições.
Desenvolvimento: Com a 3ª máscara que escolheram, pedi para criarem uma história
com todos os personagens para dramatizar. Fizeram isso muito rápido, chamou-me a atenção
a capacidade de elaborarem a cena com tamanha rapidez. A história tinha os seguintes
personagens: um demônio, um monstro, uma moça, um rapaz, o sol, a lua, um padre o pai da
moça, a mãe e um príncipe.
A moça era pedida em casamento, mas apareciam dois malfeitores (o demônio e o
monstro) para seqüestrar a moça. O pai, o padre, a mãe lutam para resgatá-la, mas os bandidos
conseguem vencê-los. Uma cena cheia de ação e dramaticidade.
No espaço entre o término da cena e o compartilhar, dois colegas começaram a trocar
tapas e chutes. Parei um pouco e perguntei se havia outra forma de dizer que não havia
gostado do comportamento do colega, sem precisar chutar. Responderam ao mesmo tempo
que sim, um justificou que essa era a forma correta, pois se o colega chateava, outros também
iam fazer o mesmo. Falaram de algumas agressões entre si para justificar, mas logo se
acalmaram, porque o clima estava mais para o jogo dramático.
Compartilhar: Um educando disse que não gostou porque tinha pouca gente, se
tivesse mais alunos poderia ser melhor; outro disse que não gostou do final, que em toda
história o bem vence o mal; Perguntei se é sempre assim. Minha pergunta ficou no ar.
Outro disse que gostou, mas poderia ser melhor. Então, o ego–auxiliar perguntou :
“Será que vocês poderiam dar outro final para essa peça?” Toparam na hora. Um colega que
não entrou na primeira, quis participar também. Naturalmente, surgiu uma Diretora entre eles,
que dava os comandos junto a outro colega que foi o idealizador da cena. Distribuíram os
papéis e repetiram a cena do pedido de casamento, a entrada da noiva na igreja, com música
de fundo feita por eles; o padre que celebrava a cerimônia e uma pessoa falava com um
canudo de cartolina, como se fosse um duplo do padre, pois este só fazia mexer com a boca.
No meio da cerimônia aparecem os malfeitores, seqüestram a moça, os assistentes ficam sem
ação, momentaneamente, depois resolvem lutar contra os malfeitores e salvam a moça.
Terminam a dramatização como queriam: O bem vencendo o mal.
130
Compartilhar 2: Disseram que gostaram mais dessa segunda cena, pois houve mais
ação, foram mais organizados, trataram a moça com mais cuidado, pois na primeira a
machucaram. Estavam contentes com a produção.
Nessa atividade coletiva produziram sem preconceitos e unidos do jeito deles. Aqui é
perceptível os efeitos da atividade lúdica, como um estado pleno. No momento em que
estavam dramatizando, estavam inteiros, espontâneos, alegres, entregues de tal maneira à
atividade que esqueciam as brigas, o desinteresse. O ser estava totalmente envolvido e era
bonito e gratificante vê-los em ação.
Observando as etapas de desenvolvimento de um grupo, segundo o psicodrama,
considerei que nessa turma não existia ainda uma identidade grupal, quer dizer, os
participantes não se sentiam fazendo parte de um todo. Alguns iam para a aula de Integração
e Vínculo olhavam e saiam; outros nem apareciam. Um grupo de dez estudantes estava mais
presente; acontecia de outras vezes ter mais de dez ou menos, era imprevisível.
Moreno (1994), após extensas pesquisas sobre as formas de agrupamento do ser
humano, determinou alguns princípios do funcionamento dos grupos. Para esse autor, a
primeira fase é a do isolamento orgânico quando os elementos estão isolados, cautelosos,
observadores e atentos ao modelo de relacionamento, para avaliarem a possibilidade de auto-
exposição. Há também o indicativo da necessidade de aceitação das pessoas, para que os
participantes possam se colocar, sentir e se reconhecerem como fazendo parte do grupo; esse
ponto é o estágio de diferenciação horizontal, realizado por intermédio de atividades que
possibilitem o acolhimento e a aceitação das pessoas.
Observei que após dois meses o comportamento começou a mudar; assim que
chegava, já iam arrumando a sala, tiravam as carteiras da fileira e as colocavam em círculo.
Faziam isso, com boa vontade. O grupo mais freqüente ficou mais unido e mudou a dinâmica
das atividades.
o) XIV Encontro: Construindo a minha máscara... 25/11/05
O entusiasmo do sociodrama com as máscaras despertou o interesse em saber como
confeccioná-las. Perguntei se desejavam fazer uma para si, o interesse foi geral. Combinamos
o dia e trouxe o material necessário: máscaras recortadas em cartolinas, pincel atômico, glitter
de várias cores, giz de cera, cordão, papel crepom, tinta guache e cola.
131
O campo lúdico é um campo de jogo
que possibilita incluir o outro. Fazendo as
máscaras, conversavam, trocavam material e
trabalhavam tranqüilos, diferente do modo
usual de estarem em sala de aula: se agredindo,
desatentos e desestimulados. Para isso, é
preciso que a escola dê conta, que é necessário
criar oportunidades de convivência, inclusive
para administrar conflitos. Veja o que diz
Ângela Linhares (2003, p. 231): “O Outro é um elemento de mediação fundamental na
produção de sentidos na escola ou é um conjunto amorfo, tratado de modo maciço como a
clientes ou usuários de um “local” publico?” Acredito que sua pergunta é fundamental e
necessária para se pensar como estão instituídos os espaços de convivência escolar.
Os educandos confeccionaram máscaras de cartolina e o meu sentimento é que não foi
possível que essas máscaras tomassem vida no corpo dos adolescentes. Quem sabe... talvez
dali surgissem muitas histórias e diferentes imagens de amor, ódio, brincadeiras, alegria,
sonho, etc,. Mas, infelizmente/felizmente, o tempo urgia e combinamos que no dia 29/11/05
seria o encerramento e faríamos a confraternização.
Na semana final de provas, continuei freqüentando a escola. Fiquei na sala
acompanhando a prova de Inglês junto à professora. Assim que terminavam, respondiam o
Teste Sociométrico final. Marcamos de nos encontrar no dia da última prova, para o
encerramento do trabalho e uma confraternização.
p) XV Encontro: Fechando as cortinas 29/11/05
Tomei conta da prova final de Matemática, porque faltou professor. Assim que
terminavam iam fazendo a avaliação final das atividades de “Integração e vínculo”. Os
educandos estavam avisados que esse era o dia da confraternização, que ia ter refrigerante,
bolo, presentes. Mesmo assim os que não participavam costumeiramente, resolveram ir para
casa. Isso coloca em dúvida o princípio de que os estudantes participam por interesse na
merenda e nos presentes, principalmente em se tratando de uma clientela pobre, porque isso
não aconteceu com essa turma. O convite foi feito a todos. Porque uns acolheram e outros
não?
132
Na hora de começar a prova, Edu adentrou a sala chorando, porque foi agredido no
pátio por seu companheiro constante nos últimos meses (outubro e novembro), inclusive para
filarem as aulas. A colega Sany, ao ver o outro chegar chorando, disse: “Acho bom ele ser
agredido, porque vivia com Sam, como um “cheira chulé”, o que quer dizer: andar sempre
junto.
O líder Sam acolhia em torno de si quatro colegas, que geralmente iniciavam a
atividade de vínculo e logo depois saiam com ele. Outros cinco não participavam porque eram
infrequentes à escola, talvez porque eram isolados no grupo ou mesmo, porque não
quisessem. Acontecia vez ou outra, alguns deles engrossarem a fileira dos que freqüentavam
regularmente.
Participaram da confraternização: Perla, Nely, Olga, Sany, Jéser, Erick, Sam, Jonas e
Bob. Dois educandos que geralmente não participavam ficou para a confraternização e dois
que regularmente participavam foram para casa nesse dia. Fiz o sorteio do amigo secreto e
combinamos para ser revelado ao final da atividade.
Aproveitei a oportunidade e fiz nesse mesmo dia o sociodrama final que intitulei “Um
dia na escola”.
Aquecimento: Começamos falando sobre o que achavam da escola. O grupo não é de
muita conversa e nem de reflexão. Dividi o pequeno grupo em dois, ficando um com quatro
componentes e o outro com cinco. Deviam combinar uma cena da escola. Assim que
terminassem dariam o sinal. Prepararam duas cenas de forma rápida, admirava o tempo em
que criavam as histórias.
1ª cena: Dois alunos drogados chegam à escola fazendo bagunça, picham as paredes,
encontram com outro colega e se aplicam uma droga injetável. Surge a vice-diretora e o
diretor, mobilizam esses alunos e dão como castigo fazer a limpeza das paredes da escola.
2ª cena: Início do ano letivo, os educandos chegam à escola e se rivalizam por causa
da cor, aparece uma menina morena clara e diz que os meninos gostam mais das negras; diz
que gostaria de ter outra cor para ser apreciada nessa escola. Outra colega fala da
discriminação que sofre por ser negra. A cena mostra a discriminação de ambos os lados.
Compartilhar: Conversamos sobre as cenas. A insatisfação maior está no que acham
que faltou à cena. Perguntei se queriam modificar, o grupo dos drogados, repetiu a cena
modificando o final, onde os garotos, ao mesmo tempo que limpam as paredes da escola,
refletem que aquilo que fizeram não leva a nada e que a atitude da Direção ao colocar limite,
também ajuda o aluno a se modificar.
Pedi mais uma cena em que mostrassem: “Um dia bom na Escola”
133
Aquecimento: Pedi para pensar como seria um dia bom na escola e preparar uma
cena. Reuniram-se rapidamente e da mesma forma combinaram a apresentação.
Desenvolvimento: O professor entra na sala e cumprimenta os educandos.
Profª – Bom dia turma.
Alguns respondem e outros continuam a bagunça
Educandos – Bom dia pró.
O professor não consegue falar, é muito barulho, conversa. De repente, entra
a vice-diretora.
Vice-diretora – Que barulho é esse? Ia passando por aqui e me chamou
atenção tanta zoada. Vocês não respeitam o professor? Vou ficar de olho em
vocês. (Sai)
O barulho continua, os educando continuam gritando, brincando e a
professora sentada impassível.
Volta a vice-diretora e dessa vez é mais enérgica, olha bem para um
educando e diz:
Vice-diretora – Olha você aí (olhando bem para um menino e diz) feche sua
cara, que não estou brincando. (para a turma) Se continuarem vou dar um
castigo. (Sai)
O professor toma a iniciativa de mandá-los abrir o livro de Português.
Enquanto uns se movimentam à procura do livro, um educando diz:
Educando: Não é um dia bom na escola? Então vamos fazer bagunça... (A
cena encerra aqui).
Compartilhar: Vamos pensar um pouco nessa cena. O que seria mesmo um dia bom
na escola? Um educando respondeu e vários concordaram: “É bom ficar livre, fazendo o que
quiser”. Neide Marina (Ego-auxiliar) perguntou: “Para que vocês vêm à escola?”
Responderam: para aprender. Falei: Vamos voltar a imagem do professor paralisado, sem
poder ensinar. Retrucaram: Na hora que pediu para abrir o livro, a gente ia estudar... Pedi para
pensar que nem chegaram a abrir o livro e já tinha outro colega propondo continuar a bagunça
e eles aceitaram. Deixei a reflexão no ar.
Num pequeno espaço de tempo esses educandos mostraram o retrato da sala de aula
deles. O material a ser trabalhado está aí, e a mudança deve começar justamente na mudança
da vida cotidiana. Como afirma Antonio Faundez no diálogo com Paulo Freire (1985, p.35):
134
[...] como ligar nossas idéias e valores a nossas próprias ações? Tudo o que afirmamos e defendemos, tanto em nível político como filosófico e religioso, deve ser expresso em ações pertinentes. Quando não se reflete sobre a cotidianidade, não se toma consciência de que há uma separação entre essas idéias e valores e nossos atos na vida cotidiana.
Nesse mesmo diálogo Freire comenta que estamos imersos numa cotidianidade,
refletir sobre essa ação cotidiana e, então ir criando idéias para compreendê-la. Só que essas
idéias já não serão idéias-modelo, e sim idéias que irão se fazendo a partir da realidade. A
proposta do sociodrama é trabalhar no aqui e agora. Essa é uma turma que não sabe escrever,
organizar as idéias, compreender o que lê; não sabe escutar, não respeita o professor, colegas
e nem a eles mesmos. Estão aguardando quem os ajude, coloque limites, esclareça o papel da
escola e de cada um na relação, crie um ambiente para a aprendizagem e para a convivência.
Os sintomas estão aí, os educandos estão fugindo da escola; se na escola tivessem amigos
mesmo sujeitos à reprovação, viriam para encontrá-los, estão na adolescência, fase de
agrupamentos, mas nessa turma isso não aconteceu, alguns assim que percebiam que não iam
passar de ano, em outubro começaram a faltar. De uma turma de 33 alunos, 17 evadiram até o
final do ano (conforme mapa final). Estiveram freqüentando a sala de aula até o fim do
ano:19. Mas na verdade, quantos desses multirrepetentes passarão para a 6ª série? É o que
será visto adiante.
Depois do compartilhar fiz uma dinâmica: “O presente coletivo”. Com o objetivo de
reconhecer qualidades nos outros e confraternizar com chocolate.
Escolhemos no grupo alguém com uma determinada qualidade, para ficar com o
presente enquanto ouvia uma mensagem. Depois, devia passar o presente para outra pessoa
com outra qualidade que a mensagem indicava e que o colega achava que este possuía; assim,
o presente era passado por vários colegas, merecedores daquela qualidade. Para iniciar, o
presente deveria ir para a mão do colega mais alegre, cada um querendo ficar com o presente,
dizia o seu próprio nome.
Esclareci que era o grupo que devia escolher a pessoa com aquela qualidade e depois
cada um individualmente escolheria a quem entregar o presente. O objetivo era justamente
que eles reconhecessem as qualidades uns dos outros. Alguns deram a qualidade por amizade,
outros por simpatia, alguns fizeram justiça, porque os colegas eram merecedores. A atividade
deixou-os mais atentos e pensativos, infiro que ao observarem o presente ser passado de
acordo com uma qualidade, refletiam sobre o fato.
Depois fiz um “amigo secreto” onde o presente seria um cartão que levei para eles
preencherem com uma mensagem para o colega.
135
Cada um deveria entregar sua mensagem escrita e uma qualidade, se quisesse. Ao
entregar o cartão e caso se sentisse à vontade, poderia dar um abraço. Alguns deram, outros
apenas cumprimentaram com as mãos. Este foi um momento especial, gestos acanhados, mas
bem diferentes do que já havíamos visto, porque foi uma atividade carregada de sentimentos,
emoção. Quando nada, quem sabe... talvez estivesse ali a semente para o começo de um
vínculo ainda por construir e o lúdico era um bom caminho. Concordo com Fernandez (2001,
p.194) quando diz: “O brincar é criador do sujeito, e possibilitador das inscrições de
vínculos”.
Ao cerrarem-se as cortinas desse drama escolar, espero que a escola não continue
colocando os seus atores fora dela, que não fiquem com suas dimensões vitais silenciadas,
pois educandos e educadores têm muito a dizer nesse palco, para tornar esse ambiente
fecundo de idéias, sentimentos, alegrias e esperanças, para um viver melhor.
4.2 GRUPO “B”: RESULTADOS E DESCRITIVA DA INTERVENÇÃO
Ao terminar a intervenção do Grupo “A”, ao final do ano letivo de 2005 iniciada no
segundo semestre desse mesmo ano, pude observar que a integração de uma turma é um
processo, que deve ser começado no início das aulas e continuado por todo o ano letivo, para
um melhor resultado. A experiência mostrou que é mais difícil criar vínculos quando não se
cuida da integração com a turma no início do processo, assim como também quando a
confiança entre os parceiros é logo quebrada o que exige um trabalho de reconquista. Baseada
nessa crença, resolvi fazer a mesma experiência com outro grupo (“B”), para acompanhá-lo
do início das aulas, e também havia a possibilidade de continuar com oito estudantes do
Grupo “A”, aprovados para a 6ª série, que faziam parte da turma anterior.
4.2.1 Teste Sociométrico
As relações aqui representadas levam em consideração o critério sentar ao lado do
colega escolhido em sala de aula. Ao olhar o sociograma é como se visse uma rede, formada
pelo cruzamento de linhas que tomam a direção das escolhas, objetivando as relações através
136
das atrações, indiferenças e rejeições de um indivíduo para outro. Quando os educandos
responderam o questionário sociométrico, já estavam juntos na mesma sala, há um mês; oito
deles haviam participado do Grupo “A” e foram aprovados para essa série, ao todo eram 36 e
responderam o questionário 33.
4.2.1.1 Teste sociométrico antes e depois da intervenção
À primeira vista, o Sociograma 7 abaixo, revela várias atrações mútuas, um bom sinal
para o entrosamento do grupo, no entanto, é bom observar a intensidade das escolhas. Neste
sentido Moreno (1994, p. 193) diz: “A primeira escolha e a primeira rejeição são os resultados
sociométricos mais confiáveis”. Considerando este aspecto existem algumas mutualidades de
primeira escolha e outras de segunda e terceira, isso favorece a integração do grupo.
Olhando para a vinculação do grupo como um todo, destacam-se subgrupos mais ou
menos isolados, como “panelinhas” que se fecham, exemplo: Jesy – Lucy e Sany, formando
um triângulo; do mesmo modo Sel – Katy e Jôse; e mais um subgrupo totalmente isolado, no
canto esquerdo, o famoso “Clube da Luluzinha”, onde homem não entra, pode-se observar no
seu interior correntes: Kely – Tina – Bel – Mary e outra, entre Uisy, Mila e Bel. Se esse grupo
fecha-se em si mesmo, a tendência é isolar-se cada vez mais, criando reação negativa do
grupão sobre eles. No meio do sociograma tem mais uma corrente feminina: Sel – Lena –
Lucy; e outra masculina: Samu – Erik – Neil – Sid – Sila. Vale ressaltar que, tirando a
corrente masculina, a participação dos meninos é pequena nas outras configurações, somente
dois meninos entram: um no triângulo, outro no quarteto.
Quanto à tendência homossexual, Moreno (1994, p. 191) afirma que:
Na formação de grupos há divisão entre dois sexos, dos 7 aos 14 anos – divisão sexual; esta alcança alto grau de afastamento quando os membros do grupo têm, aproximadamente, dez anos de idade. Em grupos de adolescentes e adultos, em que há participação de ambos os sexos, encontramos, geralmente, “sub divisões”.
Observe três educandos isolados ou não escolhidos: Poly – Fred – Ulda. Os isolados
sofrem muito com a rejeição, isso interfere não só em sua freqüência à escola, mas também na
aprendizagem e noutros comportamentos inadequados ou de isolamento. A aceitação, o amor,
137
propiciam o crescimento emocional, social e intelectual. Nesse sentido, observe o que diz
Maria da Penha Nery (2003, p. 33):
Um dos pressupostos da socionomia é a luta do ser humano pela sua sobrevivência nos grupos (nos vínculos) e pela sobrevivência dos grupos (dos vínculos), pois o grupo lhe fornece a sensação básica do existir e lhe garante o campo existencial para a manifestação da sua espontaneidade-criatividade.
Daí a importância das atividades lúdicas e sociodramáticas para integração dos
indivíduos ao grupo durante todo o ano letivo, não só para possibilitar o aprender a viver
juntos, o aprender a ser, também a complementação com o aprender a aprender e o aprender a
fazer: habilidades imprescindíveis à educação no nosso século.
Como ainda não havia sido feito nenhum trabalho nesse sentido, a proposta indicada e
focada na intervenção era para que as atividades ajudassem o grupo a caminhar através de
escolhas mais conscientes e pudesse conviver respeitando as diferenças.
Convém observar o seguinte: no início do grupo é comum ter não só indivíduos
“isolados” como Poly, Fred e Ulda, porque estão retraídos, não se conhecem ainda, assim mas
também ter os “expansivos” tipo Gaby, que no decorrer da convivência, terminam ficando
isolados por comportamentos inadequados, agressão aos companheiros, etc,.
O nível de aceitação é claramente traduzido pelo número de setas que vão em direção
à pessoa, no caso de escolha positiva ou negativa; no entanto, é importante que as escolhas
sejam recíprocas, isso é o que vai possibilitar o encontro e a inscrição de vínculos favoráveis
ao crescimento. Nesse primeiro gráfico, Ney é uma estrela recebeu seis escolhas positivas,
mostra que é um educando simpático; no entanto, não tem uma atração mútua, quer dizer, as
pessoas que ele escolhe lhe são indiferentes. Por outro lado, tem Sel, estrela sociométrica
com oito escolhas positivas e com três atrações mútuas, isso é muito bom do ponto de vista da
aceitação grupal.
Como indicado pelo sociograma, a aparente integração dessa turma podia ser
melhorada à medida que se buscasse escolhas mútuas e a interligação dos elementos menos
escolhidos, para diminuir os grupos isolados. Desse modo, as atividades lúdicas e
sociodramáticas deviam buscar junto com os educandos, construir vínculos que oferecessem
proteção e estímulo ao progresso emocional e intelectual. Segundo Moreno (1994, p.240, v.
2): “Cada pessoa gravita em direção à situação que ofereça, à sua personalidade. o mais alto
grau de expressão espontânea e de realização e procura, continuamente, companheiros com
quem possam partilhar estes sentimentos”.
138
Sociograma 7 Grupo B – Eleições Positivas (Inicial)
33 Participantes em 10/03/2006.
Critério: Sentar ao lado do colega escolhido, em sala de aula (3 escolhas hierarquizadas). Meninos: 18, Meninas: 15. Não escolhidos 03: Poly, Fred e Ulda. Estrela sociométrica 02: Sany e Sel. Estrelas 05: Bel, Ney, Lena, Sany e Tina. Triângulo 02: Jesy, Lucy e Sany; Sel, Katy e Jose. Quadrado 01: Nair, Nina, Sam e Kitt. Corrente 03: Neil, Sam, Erik, Sid e Sila; Kely, Tina, Bel, Mary; Lino, Neil, Sid e Sila. Grupo isolado feminino 01 (lado esquerdo. Atração mútua 25.
Bia
Lena
Fany
Neil 4
Sid Bel
Mary
Lino
Ney
Guto
Alan
Sila
Gab
Sam
Jôse
Lucy
Mila
Nina Nair
Jesy
Sam Kitt
Kely
Ulda Tina
Erik
Sel
Saul
Ugo
Sany
Katy
Poly
Uísy
Fred
139
Não havia dúvida, pelos resultados do teste, que o grupo isolado à esquerda no
Sociograma 7 precisava ser integrado ao resto do grupo, assim como o quarteto na parte
inferior, o triângulo na parte superior direita, os educandos como Saul, Ugo, Lino, Ulda, Poly
e Fred no meio da rede.
A integração desse grupo estava bem melhor do que o grupo “A” e conseqüentemente,
os resultados deveriam ser melhores. É o que você poderá acompanhar nas próximas
descritivas.
O critério do teste que se segue (Rejeição) foi direcionado para o colega que não
gostaria que sentasse ao seu lado na sala de aula.
Ney recebe o maior número de rejeições e tem duas rejeições mútuas: Kely e Tina; a sua
primeira escolha vai para Mila, que é indiferente a ele. È interessante observar que Ney é o
foco de grande antipatia do grupo, mas é estrela positiva também, recebe escolhas de 06
colegas. Acredito que ele e mais 5, que são estrelas, são “bodes expiatórios”, aqueles nos
quais o grupo deposita a raiva contida. De acordo com Bustos (1979, p. 42): “em geral isto
nos indica uma depositação maciça dos vínculos a partir de um mau manejo da
agressividade.”
Percebia-se no grupo uma situação de incômodo, de crise, canalizando para as estrelas
de rejeição, toda a agressividade e insatisfação da maioria. É interessante observar que alguns
deles como Ney, Fred, Jesy, Gaby, para citar alguns, no início da pesquisa, assumiam a
“profecia anunciada” de indisciplinados, depois modificaram sobremaneira o comportamento.
É notável que a carga de maior rejeição vá para os meninos, somente Tina destaca-se,
é a estrela sociométrica, porque o que é considerado é o número total de atrações mútuas,
quaisquer que sejam os sinais; ela possui oito rejeições, com três mutualidades. É também
estrela de atração, portanto é uma líder que precisa trabalhar suas qualidades, para melhor
interação no grupo. Kely também é estrela, porém com número menor de rejeições.
140
Sociograma 8 Grupo B – Eleições Negativas (Inicial)
33 Participantes em 10/03/2006.
Critério: Não sentar ao lado do colega escolhido, em sala de aula (3 escolhas hierarquizadas). Meninos: 15, Meninas: 18. Não escolhidos negativamente 09: Uisy, Nair, Sid, Saul, Lino, poly, Mary, Lena, Sel Estrela de rejeição 08: Ney, Jesy, Fred,Tina, Gaby, Alan, Kely, Ugo. Corrente 02: Ugo – Katy - Alan – Kely; Sany – Tina - Ney – Kely – Jesy – Tina. Rejeição mútua 06: Ugo – Katy; Ney – Tina; Alan – Katy; Tina – Jesy; Kely – Jesy; Ulda – Gaby; Tina – Sany ; Ney – Kely; Tina – Ney; Alan – Kely.
Fred
Ulda Uisy Bia
Ugo
Nair Sila
Sid
Saul
Lucy
Sam
Lino
Jôse
Tina
Guto
Jesy
Mila
Kely
Samu
Ney Sel
Neil
Gaby
Bel
Katy
Lena
Erik
Kitt
Alan
Nina
Fany
Mary
Sany Poly
141
Para calcular a intensidade da escolha, adotei o seguinte critério: atribuí para cada
escolha que o sujeito recebe em primeiro lugar, seja ela positiva ou negativa, três pontos; para
a escolha em segundo lugar dois pontos e para a escolha em terceiro lugar um ponto. Somados
o total de escolhas positivas e o de negativas foram elaborados os gráficos a seguir.
Gráfico 3 – Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições positivas
Gráfico 4 – Grupo B - Intensidade das escolhas – Eleições Negativas
A hierarquia da escolha é importante para determinar a intensidade do vínculo. Portanto,
escolher uma pessoa em 1º lugar não é o mesmo que escolher em 3º lugar, daí determinei o
valor três para a primeira escolha (vermelha), dois à segunda (verde) e três (azul) para a
10 0
34
0
11
1
8
15
18
5 5
0
6
0
5
23
23
0
5
3
10
0 0
8
4
0
20
10
14
4
6
19
0
5
10
15
20
25
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36
NF
NF
NF
5
0 0
8
12
3
0
3
2
4
6 6
7
12
6
7
9
13
6
5
7
0
7
2
5
2
19
9
6
5
11
0
1 1
7
5
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36
NF NF
142
terceira. De acordo com o Gráfico acima, a educanda nº 27 – Sel , destaca-se com 19 pontos;
o nº 18 – Ney, com 13 pontos; enquanto os nº 3,7,32 - Poly, Fred, Ulda, não obtiveram votos
e alguns como: o 33,34, 9 – Uisy, Ugo, Guto com um a dois votos, quer dizer baixo índice
de atração.
Para observar a hierarquia das escolhas negativas foi usado o mesmo critério para as
escolhas positivas. Assim, rejeitar uma pessoa em primeiro lugar tem uma força maior que em
terceiro lugar. Olhando pois o Gráfico de rejeições, fica claro que destacam-se pela negativa
os números 18,31,20, 11,10 – Ney, Tina, Jesy, Gaby, Alan. Essa intensidade voltada para um
pequeno grupo pode indicar um mau manejo da agressão. É preciso uma pesquisa mais
profunda. Os educandos 3, 6, 14, 16, 26, 27 30,33 – Poly, Lino, Lena, Mary, Saul, Sel, Sid,
Uisy não receberam votos negativos, despertam um mínimo de simpatia do grupo.
4.2.1.2 Comparação entre o Sociograma inicial e final
Após cinco meses de atividades, após a aplicação do primeiro questionário
sociométrico, obtivemos um sociograma com as seguintes características: três educandos não
escolhidos: Ulda, Gaby e Bia. É importante verificar a posição dos indivíduos em relação ao
primeiro teste. Ulda continuou não escolhida, só que nesse, suas escolhas não se encontram
num grupo isolado dos demais como antes; sua 1ª e 2ª escolhas vão para duas líderes fortes:
Tina e Uisy, que fazem parte de uma corrente – configuração complexa – que se ramifica,
unindo-se ao grupo como um todo. Com Bia aconteceu o fenômeno de que falei
anteriormente, elementos escolhidos no início da formação do grupo, mas que, durante a
intervenção, podiam mudar sua posição. Nesse caso, a educanda precisava de um cuidado
especial, que não foi possível, pelo curto tempo da intervenção. Mesmo sendo uma menina
“retraída” tinha possibilidade de ser aceita e ocupar um status melhor no grupo com a
continuação do trabalho. Quanto a Gaby, observei no decorrer do trabalho uma discriminação
entre os colegas, não queriam pegar na mão dele, verifiquei que o nariz estava escorrendo e os
meninos tinham nojo, eles também confirmaram: “esse menino é nojento pró”. É claro que
aproveitei a oportunidade para pensar um pouco essa questão. Não acredito que somente esse
fato implique o seu isolamento; interferem outras variáveis que não vem ao caso aprofundar,
mas o certo é que a rejeição afetava o seu comportamento, tornando-o mais indisciplinado,
chamando a atenção por atitudes inadequadas. Quando perguntei sobre o que menos gostou,
143
respondeu: “quando a professora falava comigo sem eu fazer nada”. Preciso ressaltar que é
um menino bom, com possibilidades de conseguir boa aceitação, pois direciona suas escolhas
Sociograma 9 Grupo B – Eleições Positivas (Final)
32 Participantes em 24/08/2006.
Meninas: 18, meninos: 14. Não escolhidos 03: Ulda, Gabi e Bia; Corrente 01: Sel –
Ney – Sila – Sid – Ney – Erik e Lino; Uise – Mila – Tina e Kely. Quadrado 01: Fani –
Jôse – Lena – Kati. Estrela Sociométrica 01: Mila. Estrelas 06: Sila, Ney, Tina, Uísi,
Sam e Kely. Atração mútua: 22
Tina
Uísy
Mary
Ney
Sila Erik
Sam
Kely
Lena
Jôse Fany
Katy
UldaMila
Bel
Lino
Gut
Fred
Sel
Jésyr
Ugo
Saul
Alan
Neil
Bia
Sid
Cely
Nina
Nair
Sany
Nely
Lucy Gaby
144
para líderes que participam de correntes fortes como: Neil, Nely que é “estrela” como Sam. É
possível destacar uma corrente que se expande: Sel – Ney – Sila – Sid – Neil – Erik – Lino.
Os meninos estão mais integrados, com maior participação feminina.
Lembra-se de Fred? Sua posição sociométrica melhorou, ficou com uma mutualidade
com Guto, aceito por um líder Ney, com possibilidade de integrar a corrente de Lino, que é
forte. Vale ressaltar que Saul, Ugo e Alan, que pouco freqüentaram as atividades, mesmo
assim conseguiram manter sua posição não isolada. Observe que Alan e Saul formam um par,
com possibilidade de integrar-se a correntes mais fortes. No caso de Alan, é um refúgio de
segurança, pela rejeição que recebe da maior parte do grupo. Quanto a Ugo, diminuiu
sobremaneira o seu índice de rejeição do 1º para o 2º sociograma, a sua tendência é voltar a
participar, no depoimento final diz: “Eu não participei todas as vezes, mas as vezes que
participei foi bem legal”.
Do lado direito do gráfico, tem um círculo forte: Jôse – Fany – Katy- Lena, com a
possibilidade de se expandir para a corrente de Sel; no canto direito abaixo tem uma corrente,
com fortes inclinações a reintegrar Sam, uma estrela isolada, ou seja, sem mutualidade, mas
que possui chance de expandir também para a corrente de Sel, integrando-se também à sua
antiga corrente: Nair – Cely – Nina.
No lado esquerdo destaca-se a estrela sociométrica Mila que como raios atrai Uisy –
Tina e Mary, na realidade forma uma corrente: Uisy – Mila – Tina - Kely ; forma uma atração
mútua com Mary. Essa configuração mostra a possibilidade de se transformar num círculo.
Na parte de baixo tem ainda uma corrente: Nely – Sany – Jesy que se fortaleceu com
possibilidade de migrar para outras correntes. Para Moreno (1994, p. 278):
As redes representam a mais velha forma de comunicação social. Seus traços já existem em sociedades subhumanas. São formações coletivas: os participantes individuais não têm consciência de todas as redes que partilham, apesar de saberem da existência de uma ou outra ligação entre alguns dos indivíduos ou mesmo de intuírem a existência das redes. Um indivíduo não pode sair das redes, do mesmo modo que não pode sair de sua pele. Estas existem antes dele e antes dos grupos oficiais do qual faz parte.
O que foi observado do primeiro para o segundo sociodrama, na prática é que os
estudantes ao se integrarem, o afeto passou a circular de forma natural, melhoraram a sua
posição no grupos e passaram a conservar mais a amizade. Parece mágico, mas as forças
invisíveis das atrações vão formando redes, cujo alcance só mesmo os gestos de carinho, as
palavras, as imagens, são capazes de dizer um pouco, sem dizer tudo do que representa o
145
vínculo, em nossa vida.“Seu olho me olha, mas não me pode alcançar”, como diz Caetano
Veloso na canção Reconvexo, e no qual assino em baixo.
É notável como as rejeições encontram-se diluídas em todo o sociograma. Observe
que diminuiu o número de estrelas de rejeição pela metada; os pares Fany – Nina e Lino –
Gaby, encontram-se isolados, com chances mínimas de engrossar as correntes existentes, em
função da posição fraca da escolha. Por exemplo, Nina escolhe Lena, que faz parte de uma
corrente, porém é sua 3ª escolha.
A corrente Nair – Katy – Alan – Lena tem a estrela sociométrica Alan – sobre ele
recai o maior grau de antipatia, torna-se o “bode expiatório”, é um educando que não exerce
influência positiva no grupo. É a corrente que mais cuidados dispensa nesse gráfico, pelo
número de atrações mútuas, que pode favorecer a coesão de rejeições. Enquanto que a
corrente: Ney – Tina – Sany, está enfraquecida, porque tem líderes com aceitação positiva,
cujas escolhas são rejeitadas, configura mais um desentendimento pessoal,cujo desfecho é
possível de harmonia. mas o certo é que a rejeição afetava o seu comportamento, tornando-o
mais indisciplinado, chamando a atenção por atitudes inadequadas. Quando perguntei sobre o
que menos gostou, respondeu: “quando a professora falava comigo sem eu fazer nada”.
Preciso ressaltar que é um menino bom, com possibilidades de conseguir boa aceitação, pois
direciona suas escolhas É interessante chamar a atenção sobre a “estrela” Beth, que mesmo
não participando do questionário e já fora do grupo, porque teve de ser transferida, recebeu
um razoável número de escolhas negativas. Essa educanda veio transferida do interior,
freqüentou uns dois meses as aulas, mas despertou um sentimento forte de antipatia, não ficou
claro se por ciúme, inadaptação, etc. Veja o que diz Moreno (1994, p. 275):
Sempre que entram, as recém chegadas encontram organização estabilizada, construída não apenas pelos membros presentes, mas por todos os que deixaram efeitos remanescentes sobre a organização do grupo. (...) Esse fenômeno protege o grupo contra quaisquer inovações radicais que a recém-chegada possa querer impor, repentinamente”.
Concluindo, podemos dizer que a maior força de transformação desse grupo foi
justamente o número de escolhas negativas que não foram correspondidas, diminuindo
sobremaneira a força de coesão pelo lado negativo. Tudo isso através de um trabalho com
atividades lúdicas e sociodramáticas, muita paciência, afeto e sem grandes pretensões,
jogando e aprendendo a conviver. Para os que trabalham em escolas e demais grupos, é
importante considerar que a força de coesão pelo vínculo positivo, pode fomentar a
146
Sociograma 10 Grupo B – Eleições Negativas (Final)
32 Participanes em 24/08/2006.
Meninos: 14, Meninas: 18. Não escolhidos negativamente 04: Uisy, Mary, Jôse, Bia Estrela de rejeição 04: Ney, Alan, Guto, Fany. Corrente 01: Lena – Alan Katy - Nair. Rejeição mútua 07.
Ne
Jes
Ala
Gut
Ug
Kely
Mila
Bel
Jôse
Katy
Sany
Eri
Gab
Tina
Nair Mar
y
Lucy
Sel
Lena
Cely
Beth
Fany
Nina
Bia
Poly
Ulda Uí
si
Sau
Si
Neil
Sa
FreLin
Sil
147
convivência em ambiente mais agradável e produtivo, para que educador não perca a sua
semente ao semear. Finalizo, ainda com a reflexão desse autor:
O primeiro encontro pode ser o nascimento de semente social e levar à verdadeira formação de grupo. Porém, como na esfera biológica, na qual milhões de sementes são esperdiçadas, também na esfera social, milhões de encontros são perdidos se não forem conduzidos à continuações significativas. (MORENO, 1994, p. 198, v. 2).
O referido que foi observado do primeiro para o segundo teste, na prática, é que os
estudantes ao se integrarem mais, o afeto passou a circular de forma natural, melhoraram a
sua posição sociométrica no grupo e passaram a conservar mais a amizade e conviver melhor.
Deixei o grupo no segumdo semestre, portanto no meio do percurso, mas com a
certeza de que sua integração estava bem melhor do que havia encontrado e mesmo sem a
continuidade do trabalho também continuaria melhor do que se nada tivesse sido feito em
relação ao aprender a conviver, mantendo os vínculos que nos constituem como seres de
relação.
4.2.2 O que pensam os estudantes da 6ª série sobre as relações interpessoais na sala
de aula
Os estudantes participantes da experiência foram investigados “antes” e “depois” da
intervenção, o que nos permite, de um modo geral, perceber que com eles procederam
mudanças ao longo do período de intervenção. Segue-se o relato dos depoimentos dos
estudantes “antes” e “depois” da experiência após o trabalho com atividades lúdicas e
psicodramáticas de vinculação.
4.2.2.1 Antes da intervenção
Questão 1 - Como você se sente em relação a seus colegas de turma? Por quê?
148
Dos 33 que responderam, 23 estudantes (69,69%) se sentem bem, acham os colegas
legais, bons. Enquanto 10 (30,30%) não se sentem bem e as justificativas comuns referem-se
às brincadeiras sem graça, porque uns são chatos, porque perturbam, são mal-educados.
Destaquei as falas dos que sentem discriminados por serem diferentes, Bia diz: “Eu me sinto
diferente deles, porque não uso brinco, pulseira e não sou combinada na moda”; enquanto
Sam diz: “Eu me sinto um idiota e bobo, porque todos me tratam mal, me acham horrível”;
quem não se entrosou como Cida diz: “Intimidada. Eu não conheço quase ninguém”, Jésy
também diz: “Alguns são bons, outros são péssimos porque me perturbam muito”.
Destaquei essas falas porque são estudantes que sofrem discriminação por serem
diferentes, a primeira pelo padrão imposto pela moda, dois pela discriminação sexual, um fato
que precisa ser considerado e trabalhado na escola.
Questão 2 - Como você se sente em relação aos seus professores? Por quê?
De modo geral, os estudantes demonstraram que a relação com os professores é muito
boa, acham que são legais e explicam bem. Dos 33 que responderam essa questão, somente
cinco (15,15%) expressaram algo diferente, um educando diz: “Tem uns que são muito
grossos, e outros que não nasceram para serem professores, porque não têm paciência”;
outra ao falar como se sente diz: “Como uma pessoa não inteligente, porque não consegue
pegar os assuntos”; dois dizem que se sentem mais ou menos porque não gosta de alguns,
acham chatos e a última diz que está “Um pouco assustada, tem professor que reclama, não
explica os deveres, bota falta”.
Questão 3 - Você sente alguma dificuldade na escola? Qual?
Dos 33 que responderam, 16 estudantes (48,48%) disseram que não sentem
dificuldade; nove especificamente apontaram dificuldade em Matemática, os oito restantes
variam entre os deveres que acham difíceis de entender, pela “baderna” em sala de aula, por
conta das relações interpessoais e uma relacionada com o auto conceito, ela diz: “sim, porque
me acho burra”.
Questão 4 - O que mais lhe agrada na escola?
149
As respostas apontam como a maior fonte de agrado na escola os amigos e colegas,
dito por 11 estudantes ( 33,33%); os professores em segundo lugar apontado por sete (
21,21%) estudantes. Bia justifica: “A professora de vínculo, porque com ela eu me sinto bem,
e não me sinto diferente quando estou com ela”. Essa educanda estava insegura e buscava o
apoio necessário para sentir a pertença ao grupo. Mais dois estudantes, especificam as aulas
de vínculo, os demais falam as aulas de modo geral. Em terceiro lugar ficaram as aulas
citadas por seis estudantes, sendo que Fany diz: “As aulas e o intervalo, porque fico
conversando com as meninas”; Sila destaca: “As aulas e as brincadeiras”.Dos oito ( 24,24%)
restantes, temos três (9,09%) que escolheram o estudo de modo geral, três (9,09%) dizem
que nada agrada, um (3,03%) das atividades que aprende e um (3,03%) quando entende as
coisas.
Desse conjunto de coisas que agradam na escola, a escolha maior está na relação, no
convívio entre as pessoas. No entanto, a escola ainda não prioriza um espaço para a
integração, para a construção de vínculos saudáveis como parte das atividades cotidianas.
Questão 5 - O que mais lhe aborrece na escola? Por quê?
Os maiores aborrecimentos apontados pelos educandos se referem ao próprio
comportamento deles. Portanto, 22 educandos (66,66%) se queixam dos colegas com motivos
que variam: nove educandos (27,27%) apontam os que perturbam dentro e fora da sala de
aula; sete (21,21%) não gostam de falsidade e da fofoca dos colegas; dois (6,06%) não gostam
dos mal-educados; um especificamente não gosta da discriminação que sofre e diz: “Os meus
colegas porque eles me discriminam”; e os três restantes não gostam dos que estragam a
escola, dos que gostam de brigar e dos que tiram coisas dos colegas.
Venho sempre destacando as falas de discriminação dos educandos, porque esse é um
discurso muito atual e em evidência entre professores, técnicos; mas acredito convém ressaltar
que no cotidiano escolar falta uma ação específica do coletivo para criar condições de se
apoiarem, discutirem o sentido da própria questão da “diversidade” que me parece obscuro,
para se encontrar saídas satisfatórias para a própria convivência. Volto a colocar que é uma
ação coletiva e necessita da energia de todos, é questão mais de parceria e envolvimento
pessoal, do que uma questão normativa ou de conceitos que estão na ordem do dia.
Para o comportamento do professor, seis estudantes (18,18%) apontaram a
impaciência, as reclamações, a ignorância (no sentido de tratamento, e não em conhecimento)
e dois citaram o nome de dois professores que não gostam, especificamente.
150
Chamou-me a atenção que a agressividade e a violência foram citadas somente por
três estudantes (9,09%) que disseram não gostar de brincadeira de bater e de receber
xingamentos.
E, finalmente, dois (6,06%) que disseram “nada os aborrece”.
Quando a gente compara o grupo “A” e o grupo”B”, o que aterrorizava o primeiro
grupo era a agressividade e a violência, enquanto o segundo são os comportamentos
inadequados, que não chegam às raias da agressividade física, porque ao chegarem a esse
ponto já se esgotaram os limites da tolerância e racionalidade.
Questão 6 - O que você acha do seu comportamento na escola? Por quê?
Pelas respostas dadas, a maioria da turma se comporta bem. Observe que 19 estudantes
(57,57%) apontam o seu comportamento entre bom e muito bom; seis estudantes (18,18%)
consideram ruim; dois (6,06%) não sabem, pois só os professores podem dizer, e finalmente
dois (6,06%) que não responderam.
Acredito que existe uma distorção ou incompreensão entre os estudantes, sobre o que
seja um “bom comportamento” na escola. Pelo depoimento dos professores, o comportamento
não é bom, os resultados na aprendizagem não são satisfatórios, os indicadores apontam que
alguma coisa não vai bem, no entanto, cada um, especificamente, não reconhece a sua parcela
na construção do todo, acha que o problema está no outro e tudo continua como está.
Questão 7 - Como você se sente em relação à sua família ? Por quê?
Há uma resposta quase unânime em relação à família, 28 estudantes (84,84%) se
sentem bem com a família, três (9,09%) responderam normal, sem explicações, e dois
(6,06%) não responderam.
A professora Lena se queixa na entrevista do mau comportamento dos estudantes e
diz: “Insisto em dizer que a palavra “chave” da educação é a família, sem esta base sólida
não há como formar cidadãos conscientes, críticos e construir uma sociedade justa e
solidária”.
Enquanto os estudantes estão felizes e satisfeitos com suas famílias, a professora se
mostra insatisfeita com a assistência da mesma à escola, esse é um impasse que está aí, o que
fazer?
151
Questão 8 - Alguma coisa atrapalha o seu relacionamento com os colegas? O quê?
Dos 30 estudantes (90,90%) que responderam a questão, 16 (48,48%) dizem nada
atrapalhar o relacionamento entre colegas; enquanto 11 (33,33%) destacam atitudes como
falsidade, fofoca, intriga, discriminação, falta de respeito, pessoas chatas, bagunceiras;
três(9,09%) restantes atribuem a si mesmos as causas: timidez e jeito de ser.
Questão 9 - O que você acha de você mesmo?
Pelas respostas da maioria, o auto conceito é muito bom. 26 estudantes (78,78%) se
acham ótimos, bonitos, sinceros, agradáveis, amigos, etc.; três (9,09%) colocaram “nada”;
dois (6,06%) não responderam; um (3,03%) se diz indisciplinado e um (3,03%) que se diz:
“Diferente que precisa de amor, carinho e muito mais”.
Questão 10 - As atividades de “Convivência, Aprendizagem e Vínculo – CAV” podem
lhe ajudar? Como?
No conjunto das respostas os estudantes acham que essa atividade vai ajudá-los a
conviver melhor, a ser melhor estudante, a aprender mais, a respeitar os colegas, a ter
melhores qualidades como: sinceridade, saber aceitar-se, ser mais educado, a se comportar
melhor. Portanto, 29 estudantes (87,87%) acham que pode ajudar, dentre eles Sam diz: “A me
relacionar com os meus colegas e que todos me olhem normal como sou”, destaco essa fala
porque era ponto de honra da intervenção: jamais permitir o desrespeito ao outro por conta de
qualquer diferença; existe a necessidade de um olhar diferenciado para essas questões no
ambiente escolar, porque existem estudantes que sofrem com a discriminação. Três (9,09%)
não responderam e um (3,03%) diz assim: “Não vejo me ajudar em nada, porque para eu me
dar com meus colegas, isso se aprende em casa).
Esse é um momento de compreensão, de sensibilidade mais do que “autoritárias
posturas de condenação” como afirma Arroyo (2004) e com o qual concordo, pois não é
satanizando e nem idealizando as relações, que se vai resolver os problemas cotidianos da
escola, e sim na busca conjunta, pela via da solidariedade, da amorosidade, que mestres,
educandos e famílias encontrarão as saídas e as intervenções necessárias, para melhorar a
convivência e ajudar na formação escolar.
152
4.2.2.2 Depois da intervenção
Para obter uma avaliação não só das mudanças ocorridas nos educandos, mas também
a percepção sobre o vivido, elaborei dez questões, respondidas após a intervenção, que
abrangiam observações sobre o comportamento, a aprendizagem e o sentimento em relação às
atividades vivenciadas.
Responderam o questionário 31 estudantes; as perguntas estão acompanhadas da
análise logo abaixo.
Após as atividades de Vínculo:
Questão 1 - Observei algumas mudanças em mim, quanto a ...
Os estudantes apontam dois tipos de mudanças: uma em relação ao seu próprio
comportamento, no qual 24 (77,41%) descrevem mudanças no jeito de pensar e falar, na
relação com os colegas, está mais calmo e tranqüilo, paciente, mais alegre, mais disciplinado.
Destaco alguns depoimentos que considero relevantes, por mostrar a influência do trabalho
não só na escola mas na família, na disciplina em sala, na diminuição da agressividade e na
freqüência às aulas:
“minha educação em casa, eu respondia meus pais, agora não respondo”. (Fany – 15 anos)
“fiquei melhor nas notas, com os colegas, com a família e com os professores” (Erik – 13
anos)
É interessante observar que a relação entre colegas também “influenciam a sua
permanência na escola, porque ali eles desfrutam de convivência social e se ligam
afetivamente uns aos outros”, como bem enfatiza Abramovay (2003, p. 37). Já havia
observado esse fenômeno no grupo “A” e nesse grupo “B” foi notável e significativo não só
no processo, mas também nesse depoimento: “Quando eu parei de filar as aulas. Quando eu
comecei a freqüentar as aulas principalmente as de Vínculo. (Cely – 14 anos)
Vale ainda assinalar as mudanças em relação às atitudes. Observe esses depoimentos:
“Não sou mais aquele garoto brigão, arrogante e chato”. (Jesy – 14 anos)
“A minha relação com todos mudou muito, eu estou mais calma, vejo as coisas de um jeito
melhor, observei que temos que plantar coisas boas para colher coisas boas”. (Uísy – 14
anos)
153
Ainda em relação a essa primeira questão, tem sete estudantes (22,58) que atribuem as
mudanças às atividades lúdicas e sociodramáticas e à professora pesquisadora, como
facilitadora de um ambiente favorável para que se mostrassem:
“Quanto à professora me senti diferente” ( Nina – 14 anos);
“A professora fazia as brincadeiras e as conversas” (Bel – 14 anos);
“Observei que as atividades me deixou mais aproximado dos meus colegas, mais unidos a
brincar e fazer tarefas”. (Lino – 12 anos);
“Mudança em mim foi porque eu me relaxei muito com a pró”. (Kitt – 15 anos);
dois estudantes (6, 4%) não responderam a questão.
Questão 2 - Observei algumas mudanças nos colegas, quanto a...
A maioria das respostas 83,87% ou seja, 26 estudantes consideram que o
comportamento dos colegas mudou, porque: estão mais comportados em sala, não conversam
na hora da aula como antes, houve mudança de opinião quanto aos professores; estão mais
calmos, mais maduros, melhorou com as brincadeiras de bater, diminuíram as brigas, a
freqüência melhorou, etc. Eis alguns depoimentos:
“Acho que com aquela aula do anjo fez que eu me aproximei mais dos meus colegas e que
eles se aproximaram mais de mim, eu não falava com alguns, hoje falo com todos” . (Uísy –
14 anos);
“Ugo está assistindo aula” (Saul – 15anos);
“Vários que pararam de perturbar alguns outros colegas” (Jesy - 14 anos);
O depoimento acima é relevante, no sentido de mostrar a mudança de alguns
educandos em relação à discriminação sexual, fato que gera muitas brigas e reações violentas,
ou senão o retraimento dos discriminados. É um tipo de exclusão que aparece muitas vezes de
forma explícita e outras, de forma velada e simbólica, ao ponto de não recriminar as piadas e
brincadeiras na própria sala de aula. Coloco mais dois depoimentos:
“Acho que com a aula do Anjo fez que eu me aproximasse mais dos meus colegas e que eles
se aproximassem mais de mim. Eu não falava com alguns, hoje falo com todos”. (Uísy – 14
anos);
“Eles começaram a ficar mais mansos, porque eles eram uns colegas muito agitados”.
(Mary – 12 anos).
154
Em toda turma, três (9,67 %) não respondeu e dois (6,45 %) afirmam que não mudaram. Veja
este depoimento:
“Eu não vi nada mudar neles” (Nely – 14 anos).
Questão 3 - Minha relação com os professores mudou, porque...
Embora se fale da escola como espaço privilegiado de convivência e das relações
interpessoais como fundamentais para atingir os mais variados objetivos da ação educativa, o
discurso vai numa direção e a prática no sentido oposto. Isso está configurado no retrato que
a turma apresenta e na contradição de depoimentos entre educandos e educadores. Enquanto
um educador diz que sua relação é aberta ao diálogo, parece que fica no nível do discurso,
pois 23 ( 74,19 %) dos estudantes dessa turma sustentam, que sua relação com os professores
mudou em função das atividades de Vínculo e do esforço pessoal. Para cinco (16,32 %) ficou
igual, porque já respeitavam os professores antes, assim uma diz: “Não mudou, porque
sempre respeitei e não vou deixar de respeitar”. (Sila – 13 anos); outra diz: “Para mim não
mudou, eu trato eles com respeito e eles também a mim”. (Nair – 14 anos); dois (6,45 %)
dizem que não mudaram, mas não justificam e um (3,22 %) não respondeu a questão.
Alguns depoimentos dos que acharam que mudou.
“A minha relação com os professores nunca foi muito achegada, sempre foi mais distante de
alguns professores, mas agora eu estou me aproximando devagar dos meus professores”.
(Uísy – 14 anos).
“A aula de vínculo e aprendizagem me ajudou muito”. (Neil – 13 anos);
“Antes eu ficava abusando na sala e as professoras não me suportavam, porque eu era um
menino abusado, eu irritava os professores”. (Ney – 13 anos);
“Sim! Mudou, minhas notas aumentaram e bastante”. (Katy – 12 anos).
Questão 4 - Acho que não houve mudança em mim, porque...
Chama a atenção que nove (29,03%) deixaram em branco a questão, não sei se para
não contradizer a primeira resposta; nove (29,03 %) confirmam que houve mudança e
apresenta a justificativa: “Houve mudança em mim, porque estou uma menina agora, muito
alegre” (Mary – 12 anos). “Eu mudei depois das aulas de vínculo e é melhor ficar quieto na
sala”. (Ney – 13 anos). “Sim, porque meu comportamento mudou” (Nina 14 anos); “Sim, eu
acho que estou mais calma, não me apareço tão rápido” (Nair – 15 anos); 10 (32,25 %)
155
apontam várias razões para o fato de não haver mudado: “Porque sempre fui como sou,
comportada”. (Uísy – 14 anos); “Eu não participava” (Alan – 14 anos); “Sou o que sou e
quem gostar de mim vai ter que gostar do jeito que sou” (Ulda – 12 anos); “Porque a sala é
insuportável” (Kely – 12 anos); “Porque eu não perturbava”. (Mila 12 anos); “Porque não
presto atenção, às vezes”.
Enquanto três (9,67 %) apresentam razões ingênuas, típicas da idade, como: “Eu acho
que não mudou tudo em mim” (Guto – 12 anos); “Porque nada mudei totalmente” (Neil – 13
anos). O que se pode perceber é que as mudanças são ressaltadas, mesmo quando apresentam
razões contrárias.
Questão 5 - Acho que não houve mudanças nos colegas, porque...
Apesar da resposta exigir uma certa maturidade para inferir sobre o comportamento do
outro, conseguiram apontar razões que realmente dificultavam o crescimento nesse tipo de
atividade. No que diz respeito ao comportamento observável 19 (61,29 %) apontam a fofoca,
a agressividade, a falta de atenção às aulas, brigavam muito e respondiam a professora,
conversam demais, etc. Destaco algumas falas:“Porque eles não aceitam as brincadeiras que
é para mudar eles mesmos” (Uísy - 14 anos); “Porque eles ouviam explicações de conselhos,
mas não praticam muito”. (Mary – 12 anos); “Porque alguns abusavam”. (Sid – 13 anos);
“Porque eles ainda não param para pensar”. (Mila – 12 anos) “Em alguns não tiveram
mudanças porque não queriam nada”. (Lino - 13 anos). O último é um discurso corriqueiro
entre professores e termina sendo incorporado pelo próprio educando, para excluir e justificar
o fracasso, principalmente contra estudantes pobres. Sabe-se porém, que é preciso ir mais
fundo nessa questão. Sete (22,58 %) não responderam; três (9,67 %) não sabem e dois (6,45
%) confirmam que houve: “Houve. Antes eles brigavam muito e respondiam demais os
professores”. (Jôse – 14 anos); “Teve muita mudança nos meus colegas de sala e também na
minha rua” (Ney – 13 anos). Alguns educandos moram na mesma rua e até mesmo as
brincadeiras da escola são compartilhadas lá.
Questão 6 - Nas atividades de vínculo aprendi que...e o que aprendi serve para ...
A convivência e a aprendizagem são aspectos fundamentais para a observação nessa
pesquisa, em função das condições propiciadas para a formação do vínculo e os resultados
156
obtidos com a intervenção. Cabe indagar como os atores percebem a influência disso na sala
de aula, no dia-a-dia na escola e na sua vida. Vale também assinalar que essa foi a questão
unanimemente respondida, a imagem real é a que os dados estão mostrando. Catorze
estudantes (45,16 %) apontam a amizade, a união e ajuda uns aos outros como foco do
aprendizado, e isso serve para superar as brigas, viver melhor; sete (16,12 %) dizem que
aprenderam o respeito, devem respeitar colegas e professores, buscar o melhor para a escola e
os alunos e isso serve para a vida, para a disciplina, para ser alguém; nove (29,03 %)
apresentam motivos variados. Dentre todas afirmações, vou destacar algumas: “Que devemos
ficar mais unidos, mais amigos, para superar as brigas e serve para ... o resto da minha vida”
(Lino 13 anos); “Que uma mão lava a outra, que o pagamento retribui o pagamento”. (Ney –
13 anos); “Somos todos iguais e que devemos ajudar os outros e serve para ...ver que com a
reação que eu tinha não levava a nada” (Jôse - 14 anos); “Tenho que estudar e fazer
amizade e serve para ... me ajudar” (Alan – 14 anos); “Nós devemos obedecer muito os
professores, porque com eles nós seremos alguém e serve para ... todos os colegas, se eles
seguissem o meu exemplo era bom” (Neil – 12 anos); “Temos que dar carinho, senão
recebemos ódio e serve para... ser alguém na vida”. (Sel – 16 anos); “Cada coisa tem sua
hora, hora de brincar, etc. e serve para... quando eu crescer, ser amigo, sem brigas.
Questão 7 - Participando das atividades de vínculo me senti...
Na opinião deles se sentiram bem, tranqüilos, felizes, calmos, alegres, mais elegantes e
mais amados, mais unido com os colegas, etc. No que diz respeito ao que sentiram, a maioria
atribui a um estado de bem-estar na convivência. Somente um (3,22%) não respondeu.
Depoimentos: “Uma pessoa com mais animação”. (Mary – 12 anos); “Mais leve, mais
amada, mais querida, mais amiga, mais adorada, mais enturmada. Acho que eu precisava
dessa aula de Vínculo”. ( Uísy – 13 anos); “Como eu não gosto muito de trabalho em grupo,
percebi que todo mundo trabalhando junto, a gente consegue muita coisa em dobro”. (Nair –
15 anos); “Livre, sem ninguém mandando eu fazer nada”. (Jesy – 14 anos); “Muito aliviado,
porque eu também só vivia brincando de briga” (Ney – 13 anos); “Eu não participei todas
as vezes, mas as vezes que participei foi bem legal”. (Ugo – 16 anos); “Muito bem, gostei
muito, mudei meu comportamento, etc.” (Neil – 12 anos)
Questão 8 - Do que menos gostei nas atividades de vínculo foi...
157
As respostas de 12 (38,70 %) dizem que gostaram de tudo, uma educanda diz: “Eu
gostei de todas as atividades de vínculo, era muito legal ter a senhora como professora”.
(Ney – 13 anos); “Gostei de tudo, todos foram legais”. (Neil – 12 anos). Nove estudantes
(29,03 %) apontam para atividades como: a feitura do cartão, exercícios, “brincadeiras que
achei muito de criança” (Katy – 12 anos), da atividade parada, da carta secreta, etc. Sete
apontam para o mau comportamento dos colegas. Como afirma Pagés (1976, p. 229): “É a
própria alienação que recusam em si mesmos e denunciam nos outros. Ao mesmo tempo, o
fato de reconhecê-la nos outros prova que eles estão perto de se tornarem conscientes”. É
comum entre os educandos a acusação do mau comportamento do outro, muito embora os
acusadores não tenham um bom comportamento; acredito que ações voltadas para a discussão
da disciplina, provavelmente favoreceria essa conscientização. Observe o que eles denunciam:
“Quando quebraram o vidro do auditório”. (Jesy – 14 anos) ; “Alguns que ficavam
bagunçando”. (Lino – 13 anos).; “Quando os alunos ficavam conversando” (Erik – 13
anos). Três (12,90 %) ao trabalho do professor: quando reclamava do comportamento,
quando levou alguém que tirou foto de uma colega, que era desafeto na turma.
Questão 9 -Do que mais gostei nas atividades de vínculo foi...
É significativo o percentual de educandos que apontaram as atividades (lúdicas e
sociodramáticas) como o que mais gostou na intervenção. Portanto, 16 educandos (51,61 %)
citaram as atividades e brincadeiras; sete (22,58%) o teatro de máscaras; três(12,90%) a
atividade do cartão; três (12,90%) o trabalho do professor e um (3,33%) “Ver todo mundo
participando”. (Bia – 15 anos).
Esses dados nos mostram que as atividades lúdicas são possibilitadoras de
aprendizagem e nutrientes da união, da alegria, da convivência. Pistas importantes para se
buscar processos geradores de significação, considerando que o brincar, a alegria, o afeto, são
pontes necessárias para o ato educativo. Como afirma Fernandez (2001, p. 194): “O brincar é
criador do sujeito e possibilitador das inscrições de vínculos”.
Alguns depoimentos:
“Das brincadeiras que são muitos legais e os conselhos” (Mary – 12 anos)
“A atividade de máscaras, teatro e fotografias” (Ulda – 12 anos)
“A professora que era muito legal” (Mary – 12 )
158
Questão 10 - Espero que...
A especulação sobre a expectativa ou o desejo abriu a possibilidade para a expressão
do estado e da espontaneidade do grupo. Talvez já estivesse de bom tamanho os dados obtidos
para verificar como foi percebida a experiência, mas, além disso, como diz Arroyo (2004, p.
390): “Os alunos nos revelam com suas condutas resistentes, que não resistem ao
conhecimento, a apreendê-lo, nem resistem a nós, seus esforçados, sérios e competentes
mestres, mas ao peso monótono, rígido da engrenagem escolar”: Os dados apontam que o
desejo maior dos educandos é que a atividade de vínculo continue: 15 (48,38 %) querem isso:
nove(29,03 %) reiteram que as mudanças ocorridas em si mesmos possam dar frutos;
seis(19,35 %) são esboços de carinho e amor em forma de agradecimento à professora e um
(3,22 %) expressa o desejo coletivo de sucesso para os colegas.
“Que as aulas continuem assim boas e cheia de alegria” (Cely – 14 anos);
“Que o próximo ano a senhora venha de novo, peço a Deus que a senhora seja muito feliz”
“Com o que aprendi possa passar coisas boas para os meus colegas”
“Que todos passem de ano, que fiquem muito legais”. (Jesy – 13 anos)
“A senhora continue assim, porque a senhora é muito boa, muito boa mesmo, eu gosto muito
da senhora, eu te amo”. ( Ney – 13 anos);
“A pró seja muito feliz, obrigado pelas aulas que a senhora deu, que Deus lhe ilumine, amém.
Tchau. Um beijão”. (Katy – 13 anos).
Já no final foi possível observar a relação vivida de forma mais solidária, como uma
experiência de encontro, onde o laço de união é não só desejado, mas começava a ser vivido.
Ficou explícito, pelas respostas dos estudantes, que as mudanças ocorridas foram mais nas
atitudes, na forma de convivência e no aprendizado da vida.
4.2.3 O que pensam os professores sobre as relações interpessoais na sala de aula
Optei por fazer a entrevista através de um roteiro que seria respondido por escrito,
para não inibir as respostas com o uso do gravador, como fiz no grupo anterior. Achei que
dessa forma os professores ficariam mais à vontade para responder, pois notei um certo
constrangimento com a experiência anterior.
159
4.2.3.1 Antes da intervenção
Porém essa prática não correspondeu às expectativas, porque, dos nove questionários
entregues somente foram preenchidos e devolvidos o dos professores de Matemática, História,
Geografia, Inglês e Turismo; enquanto que os professores de Português, Ciências, Artes e
Educação Física não entregaram, apesar dos insistentes nos pedidos, ficando até mesmo
constrangedor fazer isso.
Isso me levou à seguinte reflexão, acredito que existe um sofrimento e
descontentamento que ronda os professores da escola pública, pelas condições de trabalho,
atendimento às necessidades mais urgentes e outras que não vêm ao caso citar. Infiro que isso
leva a esse comportamento de indiferença, desânimo; sem perspectiva de mudança,
incorporam a passividade e resignação. Existem profissionais que se fecham a qualquer
aproximação de pessoas de fora, seja para pesquisas, ou experiências pedagógicas para a
escola. É como se protegessem da situação intolerável que vêm enfrentando anos a fio e,
assim, usam mecanismos de defesa, para se protegerem, às vezes, com a indiferença.
Fiquei com a percepção de que não é má-vontade, é como se os professores estivessem
cansados, esgotados. Convém ressaltar que as respostas dos estudantes fornecem dados mais
objetivos e com mais condições de contribuição para um diagnóstico inicial do que os dados
das entrevistas dos professores. É só observar. Quando se faz a pergunta ao professor: “Como
é a relação professor x aluno?” Um deles responde: “Bom”, sem nenhuma explicação a mais.
Outro diz que a relação aluno x professor “É imatura”. Daí pergunto: como superar essa
imaturidade senão com orientadores também amadurecidos? Vamos aos dados coletados.
Foram feitas cinco perguntas na entrevista e mais um item com observações, caso os
professores desejassem complementar.
Questão 1 - Como é o comportamento dessa turma?
Para dois professores, o comportamento é bom; para três, não. Fica a dúvida se o
comportamento é resultante do bom manejo de classe, do autoritarismo ou da visão de cada
um sobre o assunto; não existe consenso entre os professores. A professora Ulda responde: “O
comportamento é bom, com isso eles conseguem aprender com tranqüilidade” e a professora
Beth diz: “Não sinto dificuldade quanto ao comportamento”, já os três professores restantes
dizem que é uma turma irrequieta, irreverente, agitada, imatura e que os estudantes adoram
conversar.
160
Para mim, ficou uma dúvida em relação ao depoimento da professora Ulda, pois no
questionário respondido pelos estudantes nove deles destacam a disciplina dessa professora
como a qual sentem mais dificuldade; mais adiante verifiquei que 16 estudantes foram
reprovados em sua disciplina na I unidade. Por isso, fiquei em dúvida com a resposta dessa
professora e me pergunto: será que foi respondida simplesmente para cumprir uma tarefa? E
a veracidade dos dados? Fica aí a questão.
Questão 2 - Quais as dificuldades que os educandos apresentam?
As dificuldades apontadas por três professores foram: dificuldade de cálculo por falta
de taboada, falta de concentração, dificuldade para apresentar tarefas em grupo e também na
leitura e na escrita. Destaco a fala da professora Tina: “Falta de compromisso com os estudos,
dispersão com os colegas, com o professor, as aulas; total descaso com a realidade escolar”.
A questão do manejo de classe e a gestão da sala de aula é um aspecto que precisa ser
cuidado pela escola, porque o comportamento de descaso, falta de compromisso e dispersão
apontados pela professora, como dificuldade dos educandos, se repetiam em outras turmas
com o mesmo professor. Daí pergunto: os educandos devem ser bem comportados, dóceis
para se adequar ao professor ou os professores devem se juntar para discutir sobre a
disciplina: uma forma de melhor facilitar esse processo? Os educandos se prejudicam em
relação à aprendizagem com alguns professores, também pela indisciplina em sala. A
professora Tina, que se queixa do mau comportamento e se diz aberta para mudar, necessita
de mais ajuda dos colegas e da coordenação, do que de críticas e retaliações. Pelo que
observei, além do manejo de classe do professor, é necessário uma ação conjunta e a ajuda de
uns aos outros, porque os educandos abusam e atrapalham as aulas realmente, com alguns
professores bem mais.
Questão 3 - Você sente dificuldade para lidar com essa turma? Quais?
De modo geral três professores respondem não. Um diz: “Sim. Fazer concentrar na
aula todos os alunos, enquanto uma boa parte está atenta há sempre um pequeno grupo
disperso, pronto para tumultuar, ou seja, incitar a desordem”. A dificuldade dos outros
professores é expor a aula por causa do barulho e da conversa.
161
Problemas disciplinares incomodam, mas não são colocados como prioridades a serem
resolvidas, com ações pertinentes.
Questão 4 - O que poderia ser feito para ajudar essa turma?
Vou destacar todas as respostas, porque não existe consenso entre os professores em
relação à ajuda que os educandos necessitam.
A professora Tina diz que precisam de: “Uma conscientização da realidade vigente”.
Enquanto Lena diz: “Acredito que essa ajuda se torna difícil, devido à falta de material
disponível para eles: entretanto, como professora, procuro buscar algo de acordo com as
minhas condições”.
A professora Isa sugere “Um trabalho voltado ao desenvolvimento da própria pessoa,
ética e cidadania”.
Para a professora Ulda, a turma vai bem, a ajuda deve ser “O ambiente, pois a sala é
escura, sem ventilação, etc, etc, etc.”
E a professora Jane diz: “Com a ajuda da coordenação, fazendo uma conversa com
eles”.
São sugestões a serem discutidas coletivamente, não só para a seleção das reais necessidades
da turma, mas também para confrontar com as ajudas apontadas pelos estudantes que
divergem um pouco.
Questão 5 - Como é a relação professor aluno e vice versa?
Nessa pergunta também destaquei todas as respostas para compará-las e entender
como os professores percebem essa relação.
Relação professor x aluno:
Tina acha que: “As vezes há reciprocidade e, às vezes, somente uma pequena parte
corresponde aos apelos do professor”.
Jane responde somente: “Bom”
Dina acha: “Tranqüila, nos entendemos muito bem”
Isa diz: “Relação aberta ao diálogo”
162
Lena diz: “A minha relação com o aluno é tranqüila e de respeito a cada aluno”.
Relação aluno x professor:
Tina acha que: “Alguns procuram entender os assuntos, buscam explicações,
outros... apenas desligados estão, e desligados continuam...”
Jane diz simplesmente: “Bom”
Dina responde: “Com bastante cordialidade, são muito bons.”
Isa considera: “imatura; de alunos que precisam aprender muito, principalmente
respeito”
Lena diz: “Também o relacionamento deles comigo é tranqüilo e sem problemas.
Pelas respostas de três professores, tanto o relacionamento professor x aluno quanto
aluno x professor são bons. Observe a resposta da professora Isa, ao mesmo tempo que diz
que a relação professor x aluno é “aberta ao diálogo”, diz que a relação aluno x professor “é
imatura e de alunos que precisam aprender o respeito”. Pensando bem, uma relação com o
professor “aberta ao diálogo” de um lado, por outro lado um estudante “imaturo e falta de
respeito ao outro”, falta entendimento, pois não existe diálogo somente com uma das partes.
Continuando, a professora Tina diz: “Somente uma pequena parte corresponde aos apelos do
professor para aprender”. O que vale na educação não é a intenção educativa, e sim o
encontro que acontece entre os atores escolares. De acordo com Hugo Assmann (1998, p. 28),
processos de aprendizagem e processos vitais “no fundo são a mesma coisa”. Para isso, é
preciso que os que estão à frente da sala de aula propiciem condições de inter-relação
comunicativa e afetiva, para a criação da sensibilidade necessária ao processo educativo.
Acredito que para educar é necessário criar vínculo, senão fica difícil os educandos atenderem
aos apelos do professor, quando estão rodeados por apelos de toda espécie.
Por último, foi colocado um espaço para observações: Somente três professores
responderam, destaco essa resposta: “Insisto em dizer que a palavra “chave” da educação é a
família, sem esta base sólida não há como formar cidadãos conscientes, críticos e construir
uma sociedade justa e solidária”.
Enquanto a escola indicar culpados, passando responsabilidades, indiferente às
verdadeiras causas do mau ensino e do mal-estar vivido na escola, vão sempre ficar invertidas
as causas e efeitos desse mal, colocando educandos, família, professores como culpados,
quando na verdade, todos são vítimas de um sistema perverso e irresponsável, precisando agir
conjuntamente para encontrar as saídas.
163
4.2.3.2 Depois da intervenção
Para saber dos professores o que observaram da experiência, fiz uma entrevista escrita,
com cinco perguntas que foram respondidas por cinco professores: de Artes, Geografia,
Inglês, Matemática e História. Aí estão as perguntas e as respectivas respostas.
Questão 1 - Comparando o comportamento dos educandos da 6ª série [...] do início
do ano até a presente data, você observou alguma mudança? Por exemplo, na sala de
aula houve alguma mudança no comportamento dos educandos? Quais?
Vou destacar todas as respostas e a forma como foram respondidas: Uma professora
diz: “Sim... alguns melhoraram o comportamento, mas existem outros que continuam no
mesmo, sem compromisso algum.” A outra diz: “Sim, de modo geral são alunos inquietos.
Observei somente que um aluno mudou para pior. Continuam do mesmo jeito. Não houve
mudança para melhor. A agressividade é melhor em relação às outras turmas. Comparada às
outras turmas esses alunos são melhores.” A professora seguinte faz referência ao seu
relacionamento com a turma, observe: “O comportamento é bom, em função do
relacionamento que o professor tem com a turma.” ; outra professora diz: “Alguns
melhoraram na forma de relacionar com os colegas. Mas na maioria não”; e por último uma
professora que diz simplesmente: “Mais ou menos”
A pergunta sobre o comportamento é abrangente. Cada professor responde a partir de
um aspecto. De modo geral, pode-se observar pelas respostas, que a turma melhorou; é
importante considerar a direção que cada professor toma para a questão: Por exemplo, a
primeira professora fala do compromisso, responsabilidade, a segunda e a quarta falam da
agressividade, a terceira atribui ao relacionamento do professor e a última não justificou.
Quero chamar a atenção para as respostas da última professora, em toda entrevista,
pela diferença entre suas declarações iniciais e finais. Isso em função da má-vontade que
observei em alguns professores para devolver os dados e também pela fidedignidade dos
mesmos. Fiquei a pensar que o efeito do cansaço, da desmotivação, está também atingindo as
pesquisas escolares, demonstrado pelas atitudes e respostas dadas, pela incoerência, pela
demora na devolução dos questionários, etc. É como se houvesse uma indisposição,
indiferença para responder a tudo que vem de fora. O mal estar termina contaminando tudo.
164
Questão 2 - No relacionamento do educando com o professor, houve mudança?
Qual?
As respostas foram:
Prof. 1 - “Alguns sentem mais necessidade de interação, mas outros não”.
Prof. 2 - “Melhoraram. De modo especial uma aluna Cely e outros”.
Prof. 3 - “Continua bom”
Prof. 4 - “Muito pouco. Eles se agridem menos”.
Prof. 5 – “Nenhuma”
Quanto ao relacionamento professor e educando, as respostas confirmam que houve
mudança. Uma professora chama a atenção para uma mudança em especial: a de uma
educanda, que era muito agressiva e melhorou. Outra diz também que o enfrentamento
melhorou e finalmente, a última professora que diz não haver notado “nenhuma” mudança,
apesar de na entrevista inicial essa professora ter dito que se entendia muito bem com os
educandos. Pela lógica houve mudança com essa professora, pode ser que para pior, mas
houve.
Questão 3 - O relacionamento dos educandos entre si melhorou? Como?
Destaco todas as respostas, para que seja mostrado em bloco o problema da agressão,
como um fato na escola.
Prof. 1 – “Muitos se relacionam em grupos, outros ficam sozinhos, mas estão bem
melhores.”
Prof. 2 - “Sim. Não se agridem tanto quanto as outras turmas”.
Prof. 3 – “Na sala de aula não observo um mau relacionamento”.
Prof. 4 - “Muito pouco. Eles se agridem menos”.
Prof. 5 - “Não senti diferença”.
165
De modo geral, mudou o relacionamento e a agressividade diminuiu. A professora (5)
diz que não sentiu diferença, mas não justificou; na entrevista inicial essa mesma professora
falou que o relacionamento era cordial e que os educandos eram bons. Na entrevista final, diz
que não sentiu a diferença, não ficou claro o porquê de tamanha mudança no seu depoimento
inicial para o final.
Questão 4 - Houve melhora no aprendizado escolar?
“As respostas não aprofundam a questão, três professoras dizem que sim; outra diz:
“Um pouco... Eles estão preocupados em conseguirem notas”. E uma diz que não.
Considerando que a escola pública em nosso meio não faz uma avaliação construtiva
sobre a aprendizagem do educando, e sim uma medição ou verificação de aprendizagem,
realizada nas semanas de provas ou exercícios ao longo da unidade, para aprovar ou reprovar,
é temeroso falar de aprendizagem construtiva, os resultados estão nas notas. O Conselho de
Classe, que presenciei, como tantos outros que são realizados por aí, não focam a avaliação
como processo para ajudar a superar as dificuldades do ensino e da aprendizagem do
educando, mas para classificá-lo como aprovado ou reprovado. Quando muito, nesses
conselhos, comenta-se de modo geral sobre o aproveitamento da turma, falam de indisciplina,
os nomes são anotados e depois a Coordenação manda chamar os pais e comunicam a
situação. Em relação à mudança de estratégia para ajudar a aprendizagem dos educandos,
continua do mesmo jeito. Por avaliação construtiva ou formativa, entendo o acompanhamento
das dificuldades dos educandos, realizadas no percurso, no sentido de ajudá-los na construção
do seu conhecimento. Supõe-se que a escola que desenvolve uma aprendizagem construtiva,
conseqüentemente realiza uma avaliação construtiva.
Questão 5 - O que de fato observou nessa turma?
Temos duas respostas que se tocam num ponto: a necessidade de ajuda. O prof. 1 diz:
“Muita carência. Acho que eles buscam alguém que lhes ditem ordens, mostrem o caminho;
pois estão soltos, sem compromisso com a realidade: nenhuma.” Questiono se eles buscam
pessoas que lhes ditem ordens; pelo que observei e observo, a maior reação dos adolescentes é
a imposição de ordem,estão na idade da rebeldia, da marcação de território, da identidade,
não aceitam coisas impostas. Com negociação, afetividade, são passíveis de aceitar que
166
alguém lhes mostre o caminho, mesmo assim, alguns são mais difíceis, existem muitos fatores
contribuindo para esses comportamentos.
Chamou-me a atenção que dois professores destacam que a educanda Cely melhorou
após a intervenção. Se não fora por outros também terem mudado, só por essa educanda a
intervenção já valeria a pena.
A prof. 4 diz: “A turma tem , uma falta de educação doméstica, falta de valores bem
definidos, falta de compromisso e respeito com a escola... embora o trabalho tenha
conseguido melhorar (grifo dela) uns poucos, para a maioria, só um trabalho mais completo,
com família, direção escolar... e principalmente com a colaboração deles.” Considero as
palavras da professora pertinentes, e reflito com o que diz J. L . Moreno (1993): “Existem
palavras sábias, mas a sabedoria não é suficiente, falta ação”.
Por fim, o prof. 5 diz: “Eles não têm compromisso nenhum”. Na entrevista inicial esse
professor falou que os educandos eram muito bons e que professor e aluno tratavam-se com
cordialidade. E aí ? ... Quem mudou? O que aconteceu? Diante dessa resposta, fico pensando
que existe “algo” que esse questionário não revela e não foi possível penetrar através da
pesquisa em relação ao “não dito” e o que é “sentido” pelos professores. É ainda um terreno a
ser explorado.
Pelo olhar dos professores de modo geral, entre o início e fim da pesquisa houve
melhoras pontuais entre os educandos e expressaram o desejo de que outras mudanças
precisam acontecer. Se levarmos em conta a ação integrada entre os atores escolares, as
mudanças pleiteadas correrão à margem dos verdadeiros problemas a serem superados. Só na
ação é possível perceber que juntos somos muito mais e que educação é uma obra feita a
muitas mãos.
4.2.4 Atividades componentes da intervenção no Grupo “B”
Os resultados apresentados nos itens anteriores – teste sociométrico, percepção dos
professores e percepção dos estudantes – decorrem da intervenção, cujo relato segue-se
abaixo. Relato das atividades de cada encontro.
Participaram do Grupo “B” 37 estudantes da 6ª série [...] cuja idade variava entre 11 a
16 anos, com predominância do sexo feminino, sendo 22 meninas e 15 meninos. A situação
sócioeconômica é semelhante ao grupo “A”, com problemas de disciplina, agressividade,
167
defasagem idade/série, porém com uma vantagem: não tinha o rótulo da “turma dos
repetentes”. A auto-estima da turma era mais alta do que a da turma anterior. A pesquisadora
foi recebida com menos desconfiança, o nível de agressividade era visivelmente menor, muito
embora as relações interpessoais precisassem ser trabalhadas. A aceitação das atividades, e a
predisposição para participar das atividades, foram bem melhores que no primeiro grupo.
4.2.4.1 Cenário
O cenário é praticamente o mesmo descrito no Grupo “A”: a mesma escola, a mesma
equipe técnica, organização, instalações, turno de trabalho. Porém um aspecto interferiu na
dinâmica da experiência com o Grupo “B”: a sala de aula. A turma foi instalada numa sala
pequena, sem ventilação, isolada das outras turmas de 5ª e 6ª séries, que ficava depois de um
corredor, abaixo de uma escada. Inicialmente, comportava 36 estudantes, depois recebeu mais
uma estudante vinda do interior, que, por sinal, não se adaptou à turma e saiu ainda no
primeiro semestre letivo. Na entrevista, a professora Ulda diz: “Só a reclamar, as condições
da sala”.
A precariedade estava condizente com a das outras salas, com um fator agravante, era
pequena para o número de estudantes, principalmente se a disposição das carteiras não fosse
em fileiras, como são colocadas costumeiramente; também não existia tomada elétrica para
uso de aparelho de som, todo material usado nas atividades como tintas, papel, texto, lápis de
cor, bolas, lápis, era trazido pela pesquisadora. Em função do tamanho da sala e da falta de
tomadas, a maior parte das atividades de integração, atividades lúdicas e sociodramáticas,
foram realizadas num salão grande, também utilizado para reunião de pais e mestres ou sala
de aula, quando havia necessidade.
4.2.4.2 Atores
Participaram do Grupo “B” 37 estudantes da 6ª série [...] cuja idade variava entre 11 a
16 anos, com predominância do sexo feminino, sendo 22 meninas e 15 meninos. A situação
sócio econômica é semelhante ao grupo “A”, com problemas de disciplina, agressividade,
168
defasagem idade/série, porém com uma vantagem: não tinha o rótulo da “turma dos
repetentes”. A auto-estima da turma era mais alta que da turma anterior.A pesquisadora foi
recebida com menos desconfiança, o nível de agressividade era visivelmente menor, muito
embora as relações interpessoais precisassem ser trabalhadas. A aceitação das atividades, e a
predisposição para participar das atividades, foram bem melhores que no primeiro grupo.
São nove professores que atuam nessa turma: Matemática, Português, Ciências, Inglês,
Artes, História, Geografia, Turismo e Educação Física. A atividade da pesquisa, ao ocupar
um horário vago na turma, entra no olhar dos estudantes como uma disciplina a mais, muito
embora a pesquisadora tivesse feito os esclarecimentos necessários. Eles pedem para nomear,
o que faço: “é aula mesmo de quê?”. Recebeu o título de “Convivência, Aprendizagem e
Vínculo”, no final da pesquisa os estudantes falavam “aula de Vínculo”. A curiosidade maior
dos estudantes era saber se era para nota. Apesar de aparentemente ter uma conotação de aula,
tinha um diferencial em relação às outras disciplinas: a freqüência não era obrigatória e
também não havia nota. Isso era um desafio, a presença estaria condicionada ao gostar ou não
das atividades. Um professor diz: “os alunos só se preocupam com a nota”; nesse caso,
poderiam somente não gostar da experiência. Portanto, éramos dez professores durante a
pesquisa trabalhando nessa turma, cada um isoladamente, pois não havia um projeto
interdisciplinar.
4.2.4.3 Relato dos Encontros
Nessa turma foram realizados e registrados no diário de campo 18 encontros, sendo
descritos somente 15, em função de apresentarem dados mais relevantes e significativos para
os objetivos da pesquisa.
a) I Encontro: “Entre as “imagens quebradas” e as “imagens vividas”: “eu tenho
um nome” 17/02/2006
Como falei anteriormente, a pesquisa seria desenvolvida num horário normal de aula
com 50 minutos. Esse primeiro dia foi para apresentação e o contrato, caso o grupo aceitasse a
169
proposta. Foram muito receptivos e dava para observar que a convivência entre eles era
melhor, comparada ao grupo “A”.
Ao adentrar a sala, a pergunta foi: “A senhora é professora de que? Achei que devia
dar uma resposta tão rápida quanto a pergunta deles e disse: “De convivência, aprendizagem e
vínculo”. Entreolharam-se, tive a impressão que acharam o título grande demais e um
educando disse rapidamente ao colega: “Escreve aí ‘véi’ CAV”. Achei engraçado o jeito
como falou e arranjou a solução para escrever no caderno, título tão grande.
Depois da minha apresentação e do “Contrato” onde ficou combinado o respeito ao
outro, ao horário da aula e a não permissão de violência de qualquer espécie, contra ninguém,
nem professores e nem educandos; que foi acatado por todos. Depois só deu para fazer mais
uma atividade para a aprendizagem dos nomes: “Corrente de nomes”.
Primeiro, disse meu nome e acrescentei o nome da pessoa que estava à minha
esquerda, dizendo: “Eu sou Antonia Lucia e conheci Bia”; assim o menino da direita dizia o
meu nome e o da colega que estava à minha esquerda, este acrescentava o seu próprio nome e
assim cada um ia dizendo o seu e o das outras pessoas.
Gostaram tanto que queriam continuar no horário do recreio, mas resolvi interromper
para respeitar não só o recreio deles, mas cuidar dos limites que teria pela frente.
Observação: Houve uma interrupção por causa do carnaval da Bahia, retornamos duas
semanas depois.
b) II Encontro: “Carteira de Identidade” 10/03/ 2006
Assim que cheguei à escola, antes do meu horário que era o terceiro, encontrei os
educandos no pátio bebendo água. Perguntei por que estavam fora de sala, responderam que a
aula era vaga. Resolvi aproveitar o horário vago não só para comentar o programa que
pensava desenvolver mas também para aplicar o Teste Sociométrico.
Levei uns 15’ para conseguir acomodar a turma e ler os temas a serem trabalhados,
observei que alguns estavam interessados, outros não ligavam. Perguntei se não estavam
gostando, se não tivessem que mudaria a programação, mas que gostaria de saber a causa da
desatenção. Depois comecei a brincar e perguntar: querem saber mais sobre os problemas da
adolescência? Sobre a “paixão” “amor”, nesse momento houve uma reação eufórica.
Observei que havia necessidade nesse início de contato com a turma, sob pena de
perder todo o trabalho do ano:
170
• discutir com eles normas de convivência: pois desde o grupo anterior, era comum
sairem da sala sem licença, brigarem com os colegas, se desqualificarem;
• precisava ter um formato de atividade parecido com a aula em conteúdo, escrita,
estudo, porque eles não valorizam o que não é para nota. Não ia haver a nota mas
pelo menos a organização da aula.
• Formar hábitos de atenção, ouvir, falar e respeitar normas.
• Trazer o material pronto, nada na hora, pois enquanto não formarem bons hábitos,
ficam dispersos, saem do lugar e criam um ambiente de confusão.
• Desconstruir uma série de crenças, tipo o professor é quem sabe do meu
comportamento, a nota como o mais importante, auto conceito negativo, etc. Tudo
isso com cuidado e reflexão.
Fora isso, a turma é simpática e tinha a possibilidade de se fazer um bom trabalho.
Responderam o Teste Sociométrico e preencheram a Carteira de Identidade com dados
pessoais e suas preferências.
c) III Encontro: Quem sou eu, quem é você? 17/03/2006
Esse encontro deveria seguir a temática que havíamos planejado: Quem sou eu , quem
é o outro. A intenção era construir o vínculo afetivo de modo a possibilitar novas relações
entre educandos e professores, através de processos que resgatassem a auto-estima, a
capacidade de comunicação, a convivência, respeito às diferenças e a construção da cidadania.
Assim que chego encontro fora de sala alguns educandos correndo para o bebedor,
outros pedindo para falar com o colega de outra sala. A turma fazia barulho, comecei a
escrever no quadro dessa forma: A gente para APRENDER precisa da ATENÇÃO. Vou fazer
uma atividade para desenvolver a ATENÇÃO”. Depois que escrevi, comecei a falar bem
baixinho, num tom que só quem estava atento, podia perceber; isso foi incomodando alguns
e eles mesmos começaram a pedir silêncio e a prestar atenção em mim.
Aquecimento: Dividi o grupo em três fileiras, que ia se movimentar conforme o que dissesse.
Se falasse JOÃO, eles davam um pulo para a direita; se falasse JOSÉ dava um pulo para a
esquerda e se falasse JOANA permaneceria no lugar. Foi muito animado e aqueceu a turma
Quando ia entrar no tema: Quem sou eu, quem é você? Dividi a turma em dois grupos
para fazer uma pequeno exercício de afirmações, para perceber como se posicionavam, a
171
segurança como faziam as afirmações. Eram essas: Eu vou, você não vai; Eu posso, você não
pode; Eu brinco, você não brinca; Eu sou educado, você não é.
Pude observar nesse jogo coletivo, alguns mal falavam, outros gritavam e até
aproveitavam para extravasar, fazendo algazarra. Foi um exercício rápido.
Depois ia trabalhar a integração e o conhecimento de si com a dinâmica “Carrossel
musical”, extraído do livro: Consiste em formar dois círculos com os participantes frente a
frente. Coloca uma música alegre, solicitando que movimentem para o lado direito. Quando a
música parar, um deve dizer para o outro o nome. Meu nome é... Depois responder a pergunta
feita pelo facilitador.
As perguntas que formulei como sugestão foram: Qual a sua diversão favorita? Qual a
qualidade que mais aprecia em você? O que mais lhe atrai nas pessoas? O que mais lhe
incomoda nas pessoas? O que mais gosta na escola? O que menos gosta na escola? Qual o
seu maior sonho? Qual a sua comida predileta? Qual o lugar que você mais deseja conhecer?
Qual a pessoa que você mais admira? O que é ser amigo para você? O que deseja perguntar,
para melhor conhecer o colega?
Quando estamos nos movimentando para iniciar chega uma educanda a mando de uma
professora, dizendo que não ia haver mais aula. Os estudantes fizeram a maior algazarra,
dizendo: “Oba...”. Mas percebi que a maioria estava curiosa com a atividade. Então disse:
quem quiser pode ir para casa e os outros podem ficar. Nesse instante vim perceber que a
tomada da sala não funcionava, então subimos para procurar outra sala já que os alunos não
teriam mais aulas. Foi aí que encontramos com a Coordenadora, que nos disse não haver
liberado os educandos e que foi um equívoco da professora.
Já na outra sala, colocamos o som, fiz a divisão dos grupos, mas o clima estava muito
disperso, tentei de várias formas organizar dois círculos um interno e outro externo e não
consegui. Os meninos brigavam, saiam do lugar, falavam alto, atrapalhavam, vi que dois
círculos concêntricos era impraticáveis tentei fazer em corredor com um grupo de um lado e
outro do outro, nessa tentativa a sineta tocou. Eles ficaram pedindo para fazer na aula
seguinte, mas resolvi parar por aí.
Aproveitei o intervalo para conversar com Fred, Samu e Erik, os dois últimos,
participantes do grupo “A”. Atrapalharam demais a atividade nesse dia, brigando e com muita
agressividade.
172
O meu sentimento nesse dia foi de frustração, preparei a atividade com muito gosto e
os imprevistos mudaram o rumo. Conversando com os educandos sobre da minha
preocupação com o comportamento, me disseram que a turma era assim mesmo, somente três
professores conseguiam dar aula, então pensei: estou bem, pois mesmo com a arma da nota e
das faltas alguns professores também não conseguem. Então resolvi dobrar o esforço, no
sentido de valorização do horário, porque sem a nota e sem a falta a freqüência era muito boa.
d) IV Encontro: “Reconhecendo minhas qualidades” 24/03/ 2006
Aquecimento: Assim que tocou a sineta para o 3º horário entrei em sala, a professora
de Geografia ainda estava lá. Percebi que faltavam alguns educandos; mas não compareceram
nesse dia. Na aula anterior fiquei questionando não só o comportamento da turma quanto a
falta de comprometimento com as atividades, a falta de atenção e respeito para com o
professor e também a atitude de isolamento de alguns. Pedi que respondessem por escrito
duas questões
Complete as sentenças abaixo:
a. Um (a) menino (a) está na escola e na hora do recreio, ele (ela) não brinca com
os colegas, fica sozinho (a). Por que?
b. O (a ) professor (a) prepara uma atividade, quando chega em sala não pode
aplicar. Por que?
Responderam com boa vontade e rápido. Através das respostas, fiquei sabendo que a
questão de estar só, vai desde o medo da violência dos colegas, à sua própria timidez e até não
querer se misturar, como disse uma estudante; quanto ao professor não conseguir dar aula, a
Por que justamente os meninos do grupo “A” estavam atrapalhando a aula? O que estavam querendo dizer?
173
culpa é sempre do outro: do colega mal-ducado, dos meninos que perturbam ou dos
professores que são chatos.
Para iniciar a atividade, comecei dizendo que essa turma era a melhor da escola.
Arregalaram os olhos, ficaram atentos, depois disse também que era a mais inteligente, a mais
criativa, a mais educada. Falei da importância de cada um para que a turma continuasse tendo
todas aquelas qualidades. Entreguei os crachás trocados e cada um deveria apresentar o colega
do crachá. Atrás do nome do crachá havia a carteira de identidade individual, feita no dia
10/03/06.
Acredito que todo ser humano gosta de ser apreciado, bem tratado, acolhido, mesmo
que aparentemente mostre rebeldia e um não querer. Foi isso que observei no exercício.
Assim que o colega começava a falar do crachá que tinha em mãos, todos ficavam atentos e
interessados em ouvir falar de si, suas qualidades, do seu gosto, etc. No final todos diziam de
quem se tratava aquela descrição. Observei a atitude e a postura de alguns que chegavam a se
esconder, mas observava que estavam atentos ao que o colega dizia; outros ficaram tão
ansiosos, que não deixavam nem terminar de dizer os dados para que os colegas advinhassem
e dizia: “Este sou eu”. A sineta tocou e me pediram para terminar de apresentar os que
faltavam e assim fiquei o recreio com eles para terminar. Foi muito bom o comportamento
nesse dia.
Acho que sim, porque depois da balburdia da aula anterior, que não pude realizar a
atividade preparada com tanto esmero, disse para mim mesma que era como se estivesse
sendo testada, jamais iria contra os princípios que acredito: não iria violentar esses meninos
mais do que já são, com reclamações, botar fora de sala, desqualificar. Então, resolvi me aliar
cada vez mais a eles para entendê-los, utilizando estratégias diferentes.
O que foi que mudou? Mudei eu? Mudou a estratégia?
174
e) V Encontro: Vislumbrando um caminho...31/03/2006
Aquecimento: Assim que cheguei, distribuí uns brindes que prometi pela participação
na atividade passada. Entreguei uma mensagem de estímulo à participação e também aos que
não vieram para incentivar a presença. Depois, fiz uma brincadeira para aquecer o grupo e
fazê-los prestarem atenção. O exercício era para “advinhar a idade”. Tive que explicar várias
vezes, sentem dificuldades deentender instruções, a conversa e a falta de atenção também
atrapalham.
A brincadeira era a seguinte:
Pedi para pensar na idade e escrever o número; a seguir, pedi para multiplicar por 2 e
acrescentar o numeral 1; depois multiplicar por 5; somar mais 5, depois multiplicar por 10 e
diminuir 100. Da cifra resultante, deviam ser separados os dois últimos números e se obtinha
o resultado ou seja , a idade, no caso.
Esse exercício causou uma certa confusão e ansiedade, porque além de não saberem
fazer contas, existiam alguns passos que precisavam de atenção e não estavam habituados a
seguir ordens. Quando o professor exige do educando algo de que ele não é capaz, geralmente
a resposta é a dispersão ou a indisciplina; acompanhando estagiários no curso de Formação de
Professores, observava sempre que o conteúdo ou a atividade estava acima das possibilidades
da turma como um todo, existia a tendência para tal comportamento.
Desenvolvimento: Pedi para responderem o Questionário que fiz como diagnóstico
inicial; assim que terminavam deixei no quadro um desafio: Preencher um quadrado dividido
em nove partes, cuja soma tanto na horizontal quanto na diagonal e na vertical deveria ser 15.
2
6
7
8
3
5
Alguns faziam, outros não se interessaram pelo desafio, como falei anteriormente,
muitos educandos são indisciplinados pela falta de preparo, não têm condição de fazer o
exercício e começam a bagunçar.
175
Para envolver a todos e para encerrar, fiz mais um jogo de movimentação: “Casa,
morador e tempestade”. Já descrevi esse jogo no grupo “A”. O jogo provocou muita euforia e
não permitiu comentar a atividade do dia. O horário terminou.
Compartilhar: não foi possível fazer, o horário foi pequeno para a demanda.
f) VI Encontro: Seguindo as pegadas do Grupo e não o Programa 07/04/2006
A pesquisa segue o ritmo do grupo e não mais o “Programa” como havia pensado
anteriormente. Percebi que não adiantava seguir os temas selecionados, se o grupo sinalizava
outra necessidade e a questão da convivência falava mais alto.
Pensando numa forma de atrair a atenção com um estímulo mais atraente, e ao mesmo
tempo que possibilitasse uma comunicação com esses adolescentes, resolvi levar os fantoches.
Como assinala Rojas-Bermudez (1984, p. 148), “El títere actúa así como um objeto por cuyo
intermédio se logra establecer la comunicación interrumpida”. Esses objetos intermediários
provocaram um rebuliço na turma: manipulavam, saiam pelas outras salas, brincavam entre
si, mas no momento que solicitei a tarefa fizeram.
Mesmo com todo preparo e envolvimento do professor e dos estudantes essa atividade
ficou marcada como “A cena que ficou no ar”
Pedi para organizarem uma história de preferência com o tema: amizade, convivência,
relação. Alguns educandos ficaram dispersos, duas equipes organizaram a história, na hora de
apresentar, não se entendiam: um começava a apresentar seu fantoche, o outro tomava a
frente, dizia que não era assim que haviam combinado, recomeçavam, enfim, não
conseguiram apresentar o que haviam combinado. Isso causou um pouco de frustração não só
nos colegas que desejavam ver a peça, mas em mim também, porque fiquei curiosa em saber
do enredo da história e pelo entusiasmo demonstrado na preparação da história, aguardava
uma bonita cena. A sineta tocou e não conseguiram apresentar. Aqui me fez lembrar o
depoimento da professora Isa, na entrevista que disse: “eles não sabem apresentar tarefa em
grupo e não têm concentração”.
Depois dessa atividade frustrada dos fantoches, pensei que seria interessante ter
comigo um Ego-auxiliar, pois pensava em trabalhar as relações interpessoais, considerando os
sentimentos, as frustrações, o não dito, etc. Para esse tipo de atividade, é necessário um
176
ambiente mais tranqüilo, o grupo era grande e não tinha hábitos de organização, disciplina,
atenção.
Obs: Dias 14 e 21/4 feriados; dia 28/4 início da Semana de Avaliação da Escola
Nesse período de falta de contato com os educandos fiz algumas reflexões sobre o
grupo e a necessidade primordial a ser trabalhada, conforme o desejo deles: “a não
violência e o ser bem tratado”. Apesar de já ter feito várias atividades de integração,
brincadeiras, ainda percebia o profundo desejo de “União” e “Organização” na sala, que não
era satisfatória. Revi as atividades realizadas e os resultados obtidos, concluí que ainda
existiam brincadeiras violentas, falta de respeito, de concentração e um mal-estar, apesar da
maioria participar das atividades lúdicas.
Acredito que, quando as relações estão estremecidas e há desconfiança no grupo, não
existe ludicidade, o indivíduo não entra num estado lúdico ou seja, não participa da atividade
plenamente, não está inteiro e feliz. Isso observei no grupo “A” e nesse também; o jogo não
era jogado plenamente, por causa dos relacionamentos. O trabalho estava indo bem, mas
percebia que não era ainda o que o grupo precisava e por outro lado, sentia que algo poderia
ser feito
g) VII Encontro: O exercício do “Aliado” 05/05/2006
Decido realizar vivências para expressão da afetividade, pois acreditava que era
preciso buscar atividades que fizessem eco àquele desejo primeiro dessa turma. Que
possibilitasse a expressão do mundo interno e fizesse sentido para os adolescentes, ajudando-
os a compreender e perceber aquela confusão instalada, comportamentos antisociais, que não
os ajudavam a dar vazão ao potencial criativo e solidário da turma. Para apoio, convidei
Adilton Willes, um colega do GEPEL, para me auxiliar nas atividades lúdicas.
Aquecimento: Comecei assim: hoje vocês vão ter oportunidade de expressar afeto,
carinho e também receber afeto e carinho do grupo. As atividades que vamos fazer, vão ajudar
vocês a se unirem. O dia de hoje permitirá que você demonstre o afeto e o amor que existe
dentro de você e pode ser passado para criar um ambiente agradável.
Tentem se manter carinhosos e cuidadosos com os outros, para evitar que alguém se sinta
ofendido ou excluído. Não existe “certo” e nem “errado”, você deve simplesmente se entregar
à atividade, sem se preocupar se está fazendo certo ou errado. Aqui não há ganhadores e nem
perdedores. O importante é acolheras as suas dificuldades e as dificuldades dos outros e
participar inteiro da atividade.
177
Vamos agora fazer o exercício do “Aliado”:
Primeiro, olhe no grupo alguém de quem deseja ser aliado. Depois pedi para
aproximar do colega, segurar suas mãos, olhar nos olhos e dizer o nome da pessoa e depois
dizer o seguinte: Erik, eu confio em você, eu apoio você. Quando ambos tiverem dito isso,
podem se abraçar, se quiser.
Foi muito bom o exercício, fizeram bem direitinho. Assim que falei para escolher o
aliado, vieram dois meninos: Sam e Gaby seguraram a minha mão, dizendo que eram meus
aliados, orientei-os que deveriam encontrar um aliado entre os colegas, porque iam precisar
disso durante todo o percurso. Mas os acolhi e fiquei com eles do meu lado, porque percebia
que ainda era difícil escolherem algum colega, naquele momento. Winnicott (1975 p. 71) diz:
“Quando um paciente não pode brincar, o psicoterapeuta tem de atentar a esse sintoma
principal, antes de interpretar fragmentos de conduta”.
Depois fizemos mais uma vivência: dividimos em dois subgrupos e em círculo um
atrás do outro, cada um fazia e recebia massagem dos colegas. De modo geral, também foi
muito boa a atividade, um ou outro experimentava fazer brincadeiras, mas como o grupo
estava envolvido, era mais fácil para perceber e orientar esses casos.
Em seguida fizemos outra atividade denominada o “O corredor da amizade”
Trabalhar com dois subgrupos, foi uma estratégia importante, porque num
agrupamento menor, era melhor para se trabalhar com essa turma pela falta de atenção,
concentração e indisciplina. Cada subgrupo fez um corredor e a (o) educanda (o) da
extremidade, com uma flor na mão, deveria desfilar por esse corredor, recebendo palavras e
gestos carinhosos dos colegas. Surgiram brincadeiras de mau gosto, como passar a mão nas
nádegas das meninas, puxar o cabelo, mas assim que surgiu, interrompi, fiz o educando ver
que aquilo não era o gesto adequado e prosseguiu bem a atividade.
Compartilhar: Nesse momento a expressão dos rostos era de satisfação. Na hora de
falar ainda existia dificuldade, infiro que ficavam com receio da crítica dos colegas. Lino
falou para o grupo, num tom baixo que gostou muito; depois Sam se aproximou e me pediu
para falar por ele que havia gostado muito da massagem, pedi para falar para o grupo, mas
não quis. Depois, mais duas educandas falaram bem, num tom normal, audível, sobre a
importância da atividade naquele dia. Fiquei muito satisfeita e acreditando mais ainda, que
não existe participação e nem aprendizado, se não houver comprometimento com o afetivo.
178
h) VIII Encontro: “Confiando nas pessoas” 19/05/2006
Aquecimento: Nessa aula, vamos trabalhar a confiança e a união do grupo. Relembrei
a atividade passada, onde tiveram a oportunidade de demonstrar atenção, carinho e afeto para
os colegas. Falei que poupamos o afeto, a atenção, o carinho. Hoje, mais uma vez vocês
deverão ter cuidado com o outro.
Dei consignas para andar em vários ritmos, com exercícios de concentração, estátua.
Depois exercício com o par, fazer balanço e em seguida um exercício em grupo: “João
Teimoso”. Consiste em escolher um colega para ficar no centro do grupo com o corpo
retesado e os outros o empurrarem para a frente e para os lados. É necessário cuidado para
não deixar o colega cair.
Desenvolvimento: A principal atividade era a do “Cego e do Guia”, pois era
justamente para trabalhar a confiança. Fiz uma preparação, lembrando o cuidado ao conduzir
o colega. Assim formamos as duplas e entregamos as vendas. Foi uma algazarra e alegria.
Mesmo com as recomendações, alguns não tiveram o devido cuidado ao conduzir o colega,
colocavam o pé na frente para o outro cair, empurrava, atrapalhava a passagem.
Compartilhar: Gostaram da atividade e refletiram o seguinte: quando se tem um
amigo verdadeiro, pode-se confiar; uma educanda fez uma observação interessante: mesmo
tendo um amigo conduzindo, podemos ser atropelado pelos outros, isso aconteceu durante a
atividade.
Para finalizar e reforçar o exercício do Aliado resolvi fazer o “Anjo da Guarda
Oculto”. O objetivo era cada um ficar mais próximo do colega que fosse sorteado, protegê-lo,
ajudá-lo nas tarefas, enfim ser amigo, um anjo protetor do outro. Após o sorteio cada um
assumiria o posto de Anjo da Guarda por uma ou duas semanas, logo depois seria revelado.
Assim que olharam o nome sorteado desencadeou uma reação que eu não esperava. Alguns
diziam “não vou ser anjo dessa pessoa...” jogavam fora o papel, reclamavam, foi um tumulto
desagradável. Uma educanda pediu-me para revelar naquele momento os nomes sorteados. Vi
que fugia não só ao objetivo da proposta mas também seria desagradável descobrir os
desafetos naquela circunstância. Decidi encerrar a brincadeira, mas fiquei curiosa em saber o
que os ameaçava tanto, por quê tanta raiva com aquele exercício. Observei que as últimas
atividades (relacionais e afetivas) estavam possibilitando um movimento de desocultação de
inimizades que pareciam estarem camufladas no grupo; os conflitos começavam a aparecer.
Observei também que estudantes como: Erik e Samu, antes muito agressivos, que viviam
trocando tapas, chutes, agora participavam mais das atividades.
179
Após a reação ao Anjo da Guarda, coloquei uma cadeira no centro da sala, pedi que
falassem para aquela cadeira, como se estivesse ali uma pessoa à sua frente, respondendo:
porque brigavam tanto? O que não gostava do (a) colega, etc. Pelo menos dois falaram, mas
percebi que o grupo como um todo já não estava envolvido, não sabia exatamente se pelo
cansaço, pelo tipo da brincadeira ou pela dificuldade de abstração que a atividade exigia.
Concluí por ali a atividade, porque também vi que era exigir demais deles num só dia. Nesse
momento era preciso calma.
i) IX Encontro: “Bendita sala molhada” 26/06/2006
Fui para a escola nessa intenção: continuar a integração e o fortalecimento da
confiança em si e no companheiro. Está abaixo, o planejamento feito.
Aquecimento: Jogo “Morto e Vivo” - Dar vários comandos enquanto os educandos
andavam ou corriam pela sala: andar na ponta dos pés, dançar, congela, andando rápido,
congela, cumprimentar o colega. Ao sinal de “morto” eles deveriam deitar e aí ia dando
comandos para observar como estavam se sentindo, observar a respiração; ao falar: “Vivo”
se levantavam e mais outros comandos com a expressão “Morto ou Vivo”.
Depois dessa brincadeira, fazer as seguintes perguntas: O que foi mais difícil executar? Do
que mais gostou? O que pôde observar?
Desenvolvimento: Vivência: “Formas com o corpo”
a) Formar grupos de aproximadamente sete pessoas.
b) Vou falar uma palavra e cada grupo vai compor com seus corpos, sem falar, uma
imagem que corresponde a palavra dita.
c) Dizer a palavra e dar um pequeno tempo para a criação da forma: Casa – ponte –
barco – coração.
Depois dessa brincadeira, deveria fazer as seguintes perguntas: O que foi mais difícil
executar? Do que mais gostou? O que pôde observar em si mesmo, nos outros?
Jogo: “Caiu na rede é amigo” – Escolhe-se três pegadores para formar uma rede; dado
o sinal, os estudantes começam a correr pela sala, enquanto isso a rede tenta capturar amigos,
sempre que pegar um, é colocado na ponta da rede para tentar resgatar os outros. O jogo
prossegue até a captura de um bom número de colegas ou enquanto despertar o interesse.
Compartilhar:
a) Qual a importância dos sentimentos na nossa vida? Fale da experiência que vocês
viveram.
180
b) Descreva para seus colegas um momento de emoção que você viveu e quais as reações
que sentiu.
Como nos prevenir das emergências? Difícil, no entanto, só aí é possível valorizar a
nossa capacidade de sermos criativos e espontâneos. “Quando o improviso salva a
situação” foi o mote da próxima atividade.
Ao chegarmos ao salão para fazer a aula, era impossível trabalhar ali, estava cheio de
água devido às fortes chuvas do período. O jeito foi voltar para a sala de aula deles e
improvisar. A turma voltou agitada, decepcionada, porque não podia fazer as atividades
lúdicas, então pensei rapidamente, numa maneira de acalmar a turma.
Pedi para sentarem confortavelmente, pois iria fazer com eles uma viagem imaginária.
Ficaram curiosos, mas ainda estavam agitados, fui falando com calma, pedindo que fechassem
os olhos, respirassem bem fundo e soltassem o ar devagarinho. Para minha surpresa a maioria
começou a entrar no clima, alguns tentavam fechar os olhos, mas logo abriam, mesmo assim
não desanimei, me dirigia a eles dizendo que fossem experimentando, que iam conseguir.
Mais tarde foram aderindo, pois o grupo de modo geral estava participando.
Falei que estavam numa aeronave sobrevoando a sua escola e depois fui conduzindo
essa aeronave para sobrevoar uma área de praia muito bonita, onde o avião pousou. De lá,
saiam passeando pela praia e se encontrava primeiro com um ancião muito bom que estava
sentado na areia e o pegava no colo; se sentia muito bem em estar ali, conversar com ele
porque dava muitos conselhos e era muito carinhoso; chega a hora de sair, despede do ancião;
sai andando mais um pouco e encontra um jovem amigo, também conversam um pouco, mas
se despedem porque tem de voltar à aeronave, para ir de volta à escola. Antes de aterrissar, a
aeronave sobrevoa a escola e observa as pessoas ali. Aos poucos, pedi para irem voltando à
sala e abrirem os olhos. Estavam com uma cara boa, descansada e alegres.
Coloquei uma cadeira separada no semicírculo e falei que se alguém quisesse
compartilhar a experiência, poderia sentar naquela cadeira e falar para o grupo. Essa é uma
técnica do psicodrama chamada “Cadeira vazia”. Uns três educandos deram os seus
depoimentos. Vou destacar o depoimento de Gaby, um menino indisciplinado, briguento,
rejeitado e que atrapalhava bastante a atividade, mas era tímido e não se expunha no grupo,
fiquei admirada com sua disposição para falar: disse que havia se encontrado com o seu avó,
(que já era morto) e que ele o aconselhou para estudar mais e se comportar melhor na escola,
que ia se dar muito bem na vida, se assim o fizesse. A turma esteve atenta para as falas dos
181
colegas. Sabe que realmente este menino melhorou o comportamento nas atividades de
Vínculo?
Percebi depois, que os outros não estavam à vontade para falar sobre suas experiências
e sugeri outra atividade. Aproveitando a deixa do conselho do avô de Gaby, propus então
fazer uma brincadeira chamada “Berlinda”. Iria para a Berlinda aquele que o grupo achasse
que estava precisando melhorar o comportamento. Foi aí que me surpreendi com essa turma.
Colocaram na berlinda os que realmente estavam incomodando o andamento da sala: falavam
com respeito do mau comportamento, dos modos de tratar as meninas, do que realmente
estava incomodando. Não me lembro bem, mas parece que foi Sel que disse para o colega:
“Olha Alan eu não gosto é do seu comportamento, de você eu gosto”, chamou-me a atenção o
amadurecimento da fala dessa adolescente, separar o comportamento da pessoa, nem todo
adulto faz; nesse clima de respeito eles desabafaram e todos escutavam sem represálias e sem
justificativas fora daquele contexto. Um educando, o Guto, um dos mais novos do grupo,
chegou a se emocionar com o que ouviu, acredito que não esperava tamanha sinceridade de
uma colega. O mais interessante é que eles elogiavam as boas atitudes e comportamentos
também, mostraram um amadurecimento que me tocou profundamente.
Saí dali com muitas interrogações sobre as impressões dos professores dessa turma e
também sobre o que eu mesma presenciava do comportamento deles. Mostraram naquela
atividade improvisada a sua espontaneidade, a sua essência e o seu potencial.
Eu e o meu companheiro de trabalho Adilton, fomos tomados por uma sensação de
alegria e recompensa, por aquela aula planejada que não deu certo. Foi melhor assim.
j) X Encontro: “Desenhando e avaliando o que penso e sinto” 02/06/2006
Aquecimento: Pedi aos educandos que pensassem nas aulas de “Vínculo” e fizesse
um desenho avaliando essas aulas.
Selecionei cinco desses desenhos que expressam idéias de amizade, paz e a
convivência entre eles. O último desenho fiz questão de colocar, porque penso que o professor
precisa estar atento às formas de expressão e também os preconceitos com determinados
temas. A educanda veio me mostrar o desenho, perguntando se ele era muito feio. Falei-lhe
que não e que não ficasse apegada à opinião dos outros, sobre o que fazia. Uma colega que a
viu me mostrar e estava junto à mesa, imediatamente disse: “Cruz, credo, que desenho é esse
Uíse ?” Na mesma hora, falei: não é dessa forma que nos referimos ao trabalho dos outros,
precisamos respeitar. A expressão de Uise mudou, ficou fortalecida por eu não ter permitido
182
que a colega menosprezasse o seu desenho. Vale aqui uma ressalva: suponho que a colega fez
isso, mais por preconceito do que pela expressão artística, porque era o desenho de um túmulo
e é da nossa cultura, camuflar esse assunto, não se fala de morte, de cemitério, se tem medo,
etc. Observe sua expressão: “cruz credo”. Percebi que estava assustada com o tema.
Depois pedi a Uise que me explicasse o que significava seu desenho. Disse-me que se
sentia muito só e quis mostrar daquela forma. Mas observe bem, o desenho que pedi, era uma
avaliação da atividade de Vínculo. Observando os componentes do seu desenho, era possível
fazer ligações.No campo havia um túmulo isolado, mas esse túmulo estava recebendo muitas
gotas de chuva, que vinham de uma grande nuvem que pairava acima, distribuindo uma
infinidade de gotas...
Acho válido esclarecer que essa educanda, ao iniciar a intervenção, estava isolada, não
respondeu completamente o questionário inicial. Aos poucos, começou a participar das
atividades de vínculo e foi percebendo que podia confiar naquela experiência nova. Tornou-se
freqüentadora assídua, mais entrosada com as colegas e muito vinculada à professora. Levou
sua mãe à escola, só para me conhecer. No sociograma final é visível sua integração ao grupo.
Observação: Os restantes encontros do mês de junho não aconteceram, porque o dia
09/06/2006 foi a abertura da Copa do Mundo,;a escola liberou os estudantes e professores
para os jogos; no dia 14/06/06 havia combinado uma aula de teatro com a mãe de uma
educanda do grupo, mas houve um imprevisto e não foi possível. No dia 16/06/06 a escola
imprensou o feriado. Retornou-se depois do recesso, em julho.
183
l) X Encontro: O importante na vida é como tratamos uns aos outros 07/07/2006
Fui ao encontro pensando naqueles adolescentes, na caminhada até ali e com Bert
Hellinger (1999, p.56) na minha cabeça:
Se você estiver interessado em observar a dinâmica dos relacionamentos humanos, precisará concentrar a atenção no que as pessoas de fato fazem. Esse é o método fenomenológico. De outra forma, só terá palavras e conceitos dissociados da experiência, o que não basta para ajudar realmente as pessoas.
Era o que vinha tentando fazer, observar os comportamentos, a relação entre os
educandos e o seu aproveitamento escolar. Cheguei em sala e estavam em aula vaga de
Geografia. Fiquei observando o movimento, entram e saem, quando é assim a próxima aula
também fica tumultuada. O educando Ugo sai, depois volta, quando percebe que estamos
fazendo uma leitura, sai novamente. Têm outros assim também: Alan, Luci e Raul. Observe
que nos Sociogramas aparecem isolados.
Levei um texto para fazer uma leitura comentada. O tema da leitura era o depoimento
de uma adolescente, imaginei que seria um tema interessante para uma discussão posterior.
Somente uma educanda falou que gostou do texto, mas o grupo não se interessou em explorá-
lo. Aquilo me deixava em dúvida sobre o que realmente os interessava.
Fiz uma enquete para saber de quem estavam mais próximos e por quê. Deveriam
responder por escrito num papelzinho e depois deveriam entregar ao colega. Gostaram muito
e ficaram ansiosos para entregar logo ao colega. Segurei um pouco para que pudessem
aprender a seguir os passos da atividade. Observo que não estão habituados a seguir ordens,
ficam muito soltos, inclusive na família que trabalha fora e eles são os seus próprios senhores.
Depois fiz uma pergunta direta à turma: Por que vocês aproveitam a aula de Vínculo para se
soltarem? E Sel respondeu: “É porque os professores nos trazem reprimidos e eles
aproveitam a aula para se soltar”. Era como se tivesse falando dos colegas e ela não se
incluía?
Acredito que exista uma parte de verdade nessa afirmação de Sel; mas existe também
uma indisciplina que vem da falta de hábitos de concentração, atenção, estudo, da falta de
perspectiva com o estudo e também de uma ação de enfrentamento da escola, enquanto
organizadora do ambiente de aprendizagem.
184
m) XI Encontro: “Um cartão para o meu colega” 14/07/2006
As atividades estavam voltadas para a vinculação e afetividade; a principal atividade
desse dia era preparar um cartão coletivo para os colegas. Antes, porém, fiz o: Aquecimento: Primeiro andaram pela sala em vários ritmos, depois uma brincadeira
de pegador. Um era escolhido para ser o pegador; dado o sinal corria para pegar os
companheiros, assim que pegava formava um par e saía para pegar outros, à medida que iam
capturando, ia aumentando a corrente, até todos fazerem parte da corrente. É um jogo que
provoca muita euforia.
Depois um jogo com bolas: “Bola ao Círculo”
A disposição era a seguinte:
Os educandos X e Y ficavam com a bola, ao ouvirem o sinal deveriam passar a bola
para o seu time. Ao chegar ao último da fileira, este deveria jogar a bola para A e Z e ficar no
seu lugar, enquanto A e Z deveriam correr pelo centro e ocupar o lugar de X e Y que
passariam a bola nas fileiras. Assim, sucessivamente. Quando o primeiro chegasse ao lugar
de onde saiu, ganharia o jogo.
Fizeram a primeira corrida, a segunda e um dos times estava ganhando. Alguns
educandos estavam atrapalhando, mas nada que impedisse a realização do jogo; de repente,
Ney atirou a bola, por brincadeira fora do contexto do jogo e quebrou a vidraça, foi um susto.
Parei a atividade, conversei sobre o fato com todos, justamente para refletir sobre a ação, a
sugestão deles era punir o colega. Depois, pediram para continuar o jogo, fiz mais duas vezes
X Y
A Z
185
e finalizei. Gostaram muito e estavam eufóricos. Pedi para ficarem no círculo, pois iriam dar
continuidade às atividades do dia, fazendo um cartão coletivo para os colegas.
Desenvolvimento: Entreguei giz de cera e um cartão, feito por mim com folha A4
dobrada ao meio, trazendo na parte da frente o nome de cada um, em destaque e bem bonito.
Ao receber o cartão com o seu nome, demonstraram gostar, infiro que daí começou o apego
ao cartão. Disse-lhes que de agora em diante, assim que ouvisse o sinal, deveriam passar o seu
cartão para o colega da direita, para ser ilustrado pelo colega da melhor forma que pudesse.
Ao final, todos iriam receber um cartão bem bonito. Assim que começou, a tensão tomou
conta do grupo, uns ficavam olhando, em que mão estava o seu cartão, deixavam de fazer a
ilustração, preocupados com o cartão. Foi um tumulto. Alguns riscavam de forma agressiva,
de tal maneira que desaparecia o nome do colega; teve alguém até que pisoteou o cartão do
outro. Foi uma demonstração de raiva, uma verdadeira catarse.
Quando imaginei que ao chegar o seu próprio cartão, cada um poderia rasgar,
imediatamente recolhi. Mesmo assim, aconteceu de uns dois serem destruídos. O clima era de
insatisfação, alguns saíram sem o fechamento da atividade.
Compartilhar: Fiquei com um pequeno grupo para conversar. Perguntei sobre o
sentimento, disseram que não gostaram de ver o colega estragar o seu cartão. Percebia
também que os que estavam ali não se davam conta de que contribuíram para o desfecho da
atividade Perguntei também qual era o sentimento ao receber um cartão estragado? Uma
educanda respondeu, que era de muita raiva. Despedi-me do grupo e disse-lhes que na
próxima aula conversaria com todos sobre a atividade.
Meu Deus o que é isso? Tenho que agir antes que os estudantes destruam o cartão.
Observação: No dia 21/07/06 não houve a atividade de vínculo, por causa da “Semana de
Avaliação da Escola”
186
n) XII Encontro: E agora turma? O “cartão borrou...” 28/07/06
Quero deixar claro, que não decidi sozinha por repetir essa atividade, realmente fiquei
surpresa e confusa com a reação dos educandos, não sabia imediatamente o que fazer.
Conversando com o meu orientador – Cipriano Luckesi, que me fez refletir sobre a retomada
da atividade com outro olhar, e assim decidi abordar a turma sobre a possibilidade de se fazer
um novo cartão.
Aquecimento: Comecei falando para o grupo, que estava com vontade de repetir a
atividade dos cartões, porém com algumas condições, se eles gostariam? A condição era a
seguinte: só ilustraria o cartão do outro se quisesse, caso contrário, durante o tempo em que o
cartão estivesse em sua mão, deveria respeitar e depois passar adiante, sem fazer nada,
nenhum risco que demonstrasse agressividade. Toparam. Falei sobre o cuidado e o respeito
que devemos dispensar ao outro; enfim, trocamos idéias sobre o mal estar sofrido com a falta
de respeito e a agressividade da experiência anterior.
Desenvolvimento: O processo foi o mesmo da aula anterior; assim que ouviam o sinal
passavam o cartão e ao receber o do outro começavam a ilustrar, caso desejasse. O clima era
outro, os estudantes estavam mais tranqüilos, havia mais silêncio e cuidado com o cartão do
colega. Lembrei-me de Moreno (1994) ao se referir à dramatização e ao processo de cura:
“Toda segunda vez libera a primeira”.
Somente um educando Sam, estava ansioso observando o seu cartão e com medo que
fosse estragado. Num dado momento não suportou, levantou-se e dirigiu-se ao colega para
tomar o cartão. Na verdade, o colega não estava estragando, ele é que estava ameaçado e
apresentava aquela reação. Chamei a atenção para sua atitude, pedi para devolver o cartão,
187
mas o jogou de qualquer maneira e caiu no chão; pedi para pegar e entregar de forma correta,
fez birra, disse que não pegava. Estava receosa e fiz o seguinte solilóquio:
Fiquei próxima, olhando pra ele, logo depois resolveu pegar e entregar o cartão na
mão do colega e assim continuaram a experiência. Outra educanda Kitt, que estava vizinha a
Sam e não havia participado da experiência anterior, logo após aquele incidente ficou
desanimada e recolheu o seu cartão, dizendo-me não queria mais participar. Infiro que
demonstrava o medo primordial da experiência – ser rechaçada, desqualificada
simbolicamente – a mesma reação que os colegas tiveram e que estava ocorrendo com ela
pela primeira vez.
A aula terminou, recolhi os cartões para ter a possibilidade de verificar se havia
diferença entre a primeira e segunda experiência. Não deu tempo para compartilhar nesse dia.
Os educandos estavam ansiosos para verem os novos cartões, deixei-os na expectativa para
trazer na próxima aula. Da primeira para a segunda experiência... quanta diferença...
E se ele, não pegar? O que vou fazer?
188
o) XIII Encontro: “Você é um traste, mas gosto de você...”04/08/2006
Já estava encerrando as atividades com este grupo, mas ainda faltava o Sociodrama
com máscara, que ainda pretendia realizar.
Aquecimento: a turma estava muito agitada. Tentei fazer um aquecimento físico, não
consegui, tentei um jogo com bola, que também precisava de atenção, e era assim: Ficavam
em círculo com um educando no centro jogando a bola, que era recebida e devolvida e
passada para o outro no círculo; ao mesmo tempo que se ia contando, 1, 2, 3.... Caso alguém
quisesse ocupar o lugar do centro para passar a bola, deveria dizer “FUI” , pegar a bola no ar
e continuar passando e recomeçava a contagem. Se a bola caísse no chão, recomeçava
também a contagem. Mais uma vez, não obtive êxito: não sei se pelo grau de dificuldade do
jogo ou se porque mesmo não queriam, alguns começaram a bagunçar. Suspendi o jogo,
porque nesse dia só contava com 50` e ainda ia entregar os cartões.
Receberam bem, Nery de modo especial veio me procurar e disse: “Olhe pró, você
falou, que era para fazer mensagem positiva e minha colega escreveu que sou um traste”.
Pedi para ver o cartão e a colega havia escrito que ele era um traste, mas que gostava muito
dele. Chamei a atenção, pois me parecia que a colega não havia colocado de forma agressiva e
sim por confiança e de forma carinhosa; aceitou a argumentação, pois era uma colega com
quem se dava bem, não sei se receberia da mesma forma se fosse o contrário. Este educando é
tido por professores e colegas como indisciplinado, assume com aparente indiferença, agia
muitas vezes como se fosse para confirmar o “rótulo”, aguardava a minha reação. No entanto,
era muito carinhoso comigo e com jeito conseguia tudo com ele; às vezes, estava jogando
bola na quadra e vinha correndo para a aula de “Vínculo”, chegava correndo e me dava,
mesmo assim, um beijo suado. Recebia com carinho sua expressão de afeto. Abaixo escrevo
o teor do bilhete que fez para mim.
Oi Pró:
E aí está tudo bem com você? Porque comigo está tudo ótimo. Eu queria lhe dizer que
eu gosto muito da senhora, a senhora é muito especial para mim, a senhora lembra a minha
mãe, porque eu moro com meu pai e aí eu só vejo a minha mãe às vezes e aí eu gosto da
senhora como minha mãe, porque a senhora é muito boa.
Te amo
Professora.
189
Ass:
Esse é o típico estudante iirequieto, irreverente, mas com um potencial de afetividade
muito grande. No entanto, é preciso ser acolhido, confrontado, nutrido e sustentado para
florescer suas qualidades humanas vitais.
190
191
p) XIV Encontro: Sociodrama de máscaras “Quem é você mascarazinha, o que
quer da vida?” 18/08/2006
Diretora: Antonia Lucia Leite Ramos Ego-auxiliar: Maria Auxiliadora Freitas
Aquecimento inespecífico: Apresentei a colega com quem iria trabalhar. Pensamos
em começar com uma música, mas faltou energia, enquanto o funcionário vinha ligar,
resolvemos começar com a apresentação dos educandos de forma diferente. Auxiliadora
192
sugeriu que eles se apresentassem pelo nome, fazendo um gesto que o caracterizasse. Alguns
se apresentaram, mas a maioria não se animou, então sugeri que falassem simplesmente o
nome simplesmente para que Auxiliadora os conhecessem pelo nome. Assim todos falaram o
seu nome no círculo.
A intenção era fazer um aquecimento físico, usando música, para trabalhar a
percepção do corpo dos adolescentes. Mas a falta de energia atrapalhou não só a seqüência da
programação, mas também o comportamento deles, que estavam esperando essa atividade
com música. Estavam dispersos, não ouviam o que falávamos, um educando de, modo
especial estava, agitado; Auxiliadora perguntou se podia parar um pouco para ouvir e ele
disse “Não quero parar, porque hoje não estou bem”.
Percebi que a Ego-auxiliar ficou um pouco assustada com o comportamento da turma,
falei que era assim mesmo, o pouco que conseguíssemos estava de bom tamanho, bastava um
pouco mais de paciência. Auxiliadora percebeu que tudo começaria a partir daquela agitação e
prosseguiu com o aquecimento específico.
Aquecimento específico: Foi feito um relaxamento, observando bem a respiração e
aos poucos foram sendo conduzidos para pensar numa cena que viu, participou ou que o
preocupava no seu dia-a-dia. Pediu para que se alguém tivesse pensado na cena, que
levantasse o braço e apresentasse a sugestão. Uma educanda sugeriu uma cena que mostrasse
a vida atual e futura desse mesmo estudante. Auxiliadora, então, pediu para que opinassem,
alguns acharam boa a idéia, outros queriam outra coisa. Deixei-a conduzindo a escolha do
tema e me dirigi à mesa para arrumar as máscaras. De repente, percebo vários educandos atrás
de mim curiosos com as máscaras. Foi uma dispersão total, não ouviam mais, o
envolvimento agora era com máscaras. Auxiliadora e eu ficamos observando.
Experimentavam, colocavam várias sobre o corpo; depois de 15 foi que conseguimos, que se
agrupassem para fazer as cenas.
Nesse ínterim, pude observar a
dificuldade que sentem em se fazerem ouvir
no grupo, a própria dificuldade em participar,
uns sugerem uma cena, se o colega não aceita,
não argumenta e vem pedir socorro ao
professor; criticam o colega que não sabe
organizar e não se percebe como alguém que
atrapalha o todo. As reações à não aceitação
da sua idéia é feita com zanga e o retirar-se do grupo, mesmo que tenha contribuído bastante
193
com o trabalho. É uma reação do tipo: “ou tudo ou nada”, sem negociação. Uma brecha para o
educador trabalhar a assertividade.
Tanto Auxiliadora quanto eu continuamos acompanhando todos esses incidentes que
aconteciam na organização da cena; íamos orientando para que cumprissem a tarefa com o
acolhimento do colega, e assim organizaram duas dramatizações: A vida do estudante hoje e
o seu futuro o outro grupo o tema era Violência.
1ª dramatização: Começaram
mostrando na primeira cena, um grupo
de crianças brincando um jogo cantado e
com gestos; na segunda cena mostraram
a escola, o conteúdo que enfatizaram
nessa aula que deram, foi a questão do
meio ambiente e do trabalho infantil; na
terceira parte fizeram uma discussão em
grupo, falando do que desejavam ser no
futuro e aí tivemos: advogado, atriz,
artista plástica, médica e psicóloga. Cada um desses profissionais deixou uma mensagem
final: a união de todos para preservar o meio ambiente e erradicar o trabalho infantil. Nesse
grupo participou um menino.
2ª dramatização: Esse grupo era formado só por meninos. A cena era a seguinte:
vem uma pessoa andando numa rua e é agredida sem motivo aparente por um rapaz. Aparece
um velho e fala com o agressor e este se volta contra o velho e também o agride. Depois
aparece um espírito, representado com a máscara do diabo para matar o agressor, logo em
seguida aparece outro personagem representando o bem e trava uma luta conta o mal (diabo) ,
o bem acaba vencendo. Mas, na cena, parece que faltava algo para dar o ritmo e os meninos
saíram chateados com o resultado.
Compartilhar: No compartilhar,
percebia-se a alegria pelo trabalho feito e ao
mesmo tempo a insatisfação dos meninos,
porque a cena não saiu como desejavam.
Criticaram o tempo que foi pouco e o
trabalho dos colegas.
O outro grupo também criticou o
194
tempo curto. Uma educanda falou não ter gostado da atitude das colegas por excluírem outra
do grupo, que saiu chorando. Conversamos depois com a excluída. Apesar das críticas,
mostravam-se animados com o resultado.
Os estudantes não se deram conta que eles mesmos abusaram do tempo que tinham e
depois reclamavam que a peça não ficou boa por isso. O tempo não espera por ninguém, ele
cumpre o seu papel. Não se pode negar a inconsciência em que vivem muitos jovens acerca
do papel de estudante. Muito tempo se perde: filando aula, com a indisciplina, com atividades,
mesmo pedagógicas, que não levam a resultados efetivos.
A “Ação” é mais eficaz do que o “Falar”, porque só agindo sobre a teoria, praticando,
serei capaz de fazer mudanças no meu discurso.
A questão do meio ambiente apontada na dramatização foi relacionada por nós à
ecologia nas relações interpessoais, pois no momento que excluo os colegas de participar no
grupo, o ambiente fica carregado de má vontade, agressão e mal estar. Fizemos essa
colocação para o grupo pensar.
Ficou no grupo dos meninos o desejo de fazer uma dramatização mais organizada, de
fazer bonito, da peça certinha, como dois e dois são cinco. Como irão fazer? Certamente,
noutra oportunidade que o universo proporcionará...
Dessa experiência, as perguntas se multiplicam e o campo inesgotável das
possibilidades está aí para ser explorado: não se pode negar ou minimizar é o potencial desses
adolescentes, a espera dessa chance.
Se dermos conta do currículo que está aí em algumas escolas, ao considerar somente o
conteúdo programático, jamais vamos adentrar nessas questões; no entanto, se dermos atenção
às pessoas (crianças e jovens) especificamente, teremos que dedicar mais tempo para a
convivência, o vínculo e a subjetividade.
q) XV Encontro: O Vínculo é fundamental! Confraternizar é preciso! 25/ 08/06
Marquei para a semana seguinte, uma confraternização de despedida e encerramento
da intervenção com todo o grupo e não apenas com os que participaram assiduamente.
Participaria também Adilton, o colega que foi meu Ego-auxiliar nas atividades lúdicas.
Para isso, preparei uma merenda: com torta, refrigerante, pipoca e lembranças para
todos. Assim que cheguei, falei para iniciar a nossa confraternização, pois só íamos dispor de
uma aula. A turma estava alvoroçada, feliz, percebia algo diferente, pediram-me para esperar
mais um pouco. Disse-lhes que só dispunha dessa aula, foi aí que resolveram me falar: “olha
195
pró, a gente queria fazer uma surpresa para você, por isso algumas colegas foram à casa de
Cely buscar a torta”. Entendi, mas não imaginei que teria que aguardar tanto.
Fiquei muito sensibilizada com o gesto, porque sabia do poder aquisitivo do grupo e
mais ainda me perguntava: como teriam feito para se organizar e fazer uma arrecadação em
dinheiro? A líder desse movimento, me surpreendeu, porque no início do trabalho era arredia,
brigava muito com os colegas e não participava, mas à medida que foi participando, sendo
acolhida, tomou essa iniciativa, mostrando uma capacidade de liderança, escondida atrás de
sua agressividade.
É aquela estudante que dois professores citam como a maior mudança observada na
intervenção, pela ótica deles. A partir dali, me senti na obrigação de aguardar essa menina.
Demorou bastante, pois a tia de uma delas ainda estava fazendo a torta. Em função disso, fiz
várias brincadeiras de salão; acolhemos um educando de outra turma, discriminado como gay
e que procurava roubar a cena, integrando-o ao grupo. Foi muito bom, não só por ele ser
acolhido mas também para o grupo aprender a conviver com a diferença, respeitar e
reconhecer o talento dos colegas. Depois de algum tempo, 10:45 percebia que o grupo se
chateava com a demora, já demonstrava cansaço e fome. Não quis distribuir a merenda antes,
para que Cely pudesse participar com os colegas. Pela liderança e o empenho que havia
demonstrado junto à turma, pessoalmente achava que seria desagradável ela chegar e já haver
terminado o lanche.
Finalmente, às 11 horas chegou Cely, muito desconfiada, entregou a torta, dizendo que
não ia participar, parecia que já esperava a reação agressiva dos colegas pela demora.
Pensando nessa possibilidade, já havia combinado com o grupo que assim que ela chegasse,
deveríamos acolher e não recriminar. Conversei muito para convencê-la a se juntar ao grupo,
finalmente, disse-lhe que seria responsável pela distribuição da torta para os colegas. Assim
fez e deu certo.
Depois, houve uma explosão de alegria ao receberam as lembranças, que preparei
cuidadosamente para cada um. Agradeceram muito e diziam que iam sentir muita saudade de
mim e de Adilton.
Quando Cely recebeu a sua lembrança, disse: “A professora me deu o presente mais
bonito”.
Fiquei a pensar: presente mais bonito ganhei eu, observe esse cartão que uma
educanda fez com todo esmero e carinho para mim.
196
4.2.5 Comparação entre os grupos “A” e “B”
Os grupos “A” e “B” bem diferentes entre si, em sua dinâmica, motivação e
constituição. Os relatos finais dão conta de perceber alguns aspectos que marcaram a
caminhada dos dois. Porém quero ressaltar que em essência, o que ficou marcado em minh’
alma e em meu coração nessa experiência foi confirmar que a força do afeto, da união, do
vínculo não faz distinção de cor, de posição social, de inteligência, para deixar suas marcas
benéficas, e no final todas as pessoas brilham. Quem sabe, se a escola abrir os olhos, a razão e
o coração para esse aspecto do humano – a realidade do Vínculo – certamente também
brilhará.
197
5 SOLILÓQUIOS E COLÓQUIOS DE UMA PESQUISADORA:
LABIRINTOS DE MINHA JORNADA.
Antes de assinalar as conclusões desta investigação, senti a necessidade de uma
narrativa pessoal sobre minha experiência na pesquisa, para mostrar o auto-engano, a
alienação da pesquisadora que, ao banhar nas águas da pesquisa-ação, não sai desse rio da
mesma forma que entrou. A lição de tudo isso é a tomada de consciência e a necessidade de
reescrever essa jornada, para compartilhar com outros pesquisadores os labirintos de uma
pesquisa que, ao mesmo tempo que apresenta dificuldades, também é uma tarefa de redenção.
Larrosa (2006, p. 32), referindo-se a Rosseau, traz as palavras para acalmar o que me
inquietava:
E todo seu esforço, e seu abismo, será denunciar a aparência e eliminar esse véu ilusório que cobre as coisas e que também se interpõe entre uma pessoa e ela mesma. Por isso, os homens se enganam sobre si mesmos, não se conhecem a si mesmos, vivem fora de si mesmos.
Essas palavras chegaram para mim e transmito ao leitor deste texto, dizendo que
recomeçaria tudo outra vez com a alegria, a inteireza e a ação dinâmica da ludicidade e do
sociodrama. A escolha de um método, que nos convoca, está implicado com a nossa própria
história de vida, mesmo que confirme a possibilidade de trazer à tona o sabor amargo com
aquilo que nos subjetiva, que nos sujeita, mas que traz também o sentido do nosso fazer, ou
a falta de sentido. Pois como escreve Fernando Pessoa (2007, p. 42): “O único sentido íntimo
das coisas/ É elas não terem sentido íntimo nenhum.”.
Recomeçaria tudo outra vez, mas não sem antes convocar a proteção dos deuses, a
imaginação, a intuição, a espontaneidade/criatividade, o conhecimento como coadjuvante,
jamais como o ator principal, um orientador(a) que pudesse acolher, confrontar e sustentar
junto a mim os imprevistos e exigências de uma pesquisa-ação, para que essa não venha a se
tornar um “bicho –papão” e sugar os sonhos de um pesquisador ingênuo. A ingenuidade aqui
é vista no sentido de acreditar que o conhecimento e a experiência, com seus sentidos e
significados, não dão conta de explicar e enfrentar o drama cotidiano escolar e nem as
emergências. Somente esses dois recursos, no contato direto com o ser humano, não
sustentam os desafios dessa metodologia. A pesquisa-ação leva o pesquisador por caminhos
198
inusitados, obscuros e o coloca em contato com a “rachadura invisível das contradições” ,
para usar a expressão de Barbier (1985).
O que pretendo compartilhar não é somente a trajetória da pesquisa, mas o estado da
minh’alma, os sentimentos confusos, a alegria, tristeza, raiva, medo, insegurança e todas as
dúvidas que vieram à tona ao longo dessa jornada. Possa ser que as palavras não dêem conta,
não signifiquem essa experiência tanto quanto a tenho dentro de mim, pois a verdade de cada
um vai mais além. Como bem afirma Clarice Lispector (1998, p. 11): “A verdade é sempre
um contato interior e inexplicável”. Às vezes, falando comigo mesma, refletindo e fazendo os
meus solilóquios sobre as dificuldades encontradas no campo da pesquisa, nada me
desestabilizou tanto, quanto observar as atitudes dos educandos e educadores na lida cotidiana
da sala de aula, as decisões a tomar no ato e ainda enfrentar a insegurança como obstáculo às
respostas seguras e definitivas.
O conhecimento e a experiência trazem ao sujeito um estado de potência, mas esse
alicerce em segundos pode ver-se ameaçado ante o vigor de cenas reais, que convocam o
sujeito pesquisador para novos estados de espontaneidade/criatividade, para que possa dar
respostas eficazes e significativas aos problemas reais. Nesse sentido, Corazza (2002, p.99)
nos diz que: “[...] pesquisadores e pesquisadoras que se colocam em uma postura
hermenêutica vão se modificando durante a pesquisa, redefinindo-se em horizontes de sentido
que abalam suas certezas prévias e produzem novas asserções”.
Ter experiência é um fato, quem a viveu sabe, acreditar que essa experiência é valida
em todos os contextos é uma ilusão. Foram muitas as perguntas surgidas ao longo do
percurso, não sei se o relato conseguirá articular os conflitos e a tomada de consciência de
todos eles. A segurança que me acompanhou ao iniciar a pesquisa foi a mesma que me puxou
o tapete. À medida que a porta de entrada se abria, também era escancarada a porta do fundo,
colocando-me diante dos problemas cotidianos da escola in loco e ao vivo, num fluxo que
exigia presença.
O entusiasmo inicial me fez acreditar que os anos de experiência com o ensino, o
trabalho com jogos, arte-educação, dinâmica de grupo, psicodrama pedagógico me levariam
por caminhos abertos, sem empecilhos de grande monta, e que o drama posto à frente seria de
fácil condução. Ao escrever, encontro ressonância nas palavras de Donald Schon (2000, p.
15), quando afirma:
Na topografia irregular da prática profissional, há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas
199
caóticos e confusos desafiam as soluções técnicas. A ironia dessa situação é o fato de que os problemas do plano elevado tendem a ser relativamente pouco importantes para os indivíduos ou o conjunto da sociedade, ainda que seu interesse possa ser muito grande, enquanto no pântano estão os problemas de interêsse humano.
É justamente da parte mais baixa que quero falar, pois essas muitas vezes me
deixavam sem chão e sem saber que rumo tomar, tal a multiplicidade de apelos que exigiam
um posicionamento do pesquisador perante o grupo, como também os limites impostos pelo
real.
Trabalhar com a pesquisa-ação é uma experiência rica, plural e complexa, porque aí
todas as possibilidades se revelam, desde a angústia do próprio conhecimento com sua trama
de sentidos e significados, até a própria falta de espontaneidade para dar respostas diante do
inesperado, do improviso. É um paradoxo, mas é também por aí que as possibilidades vão
surgindo, alargando os caminhos em busca de novas respostas para questões antigas e
respostas antigas para questões novas, essa é a espontaneidade moreniana.
Nessa busca de sentido para as respostas, fui adentrando pelas portas que se abriam,
desvencilhando-me de preconceitos, para chegar mais perto daqueles adolescentes que me
desafiavam a enxergá-los, o que não foi simples e nem fácil. Acredito na necessidade da
escuta, do olhar sensível do outro, para o outro, com o outro, para poder compartilhar as cenas
e encontrar saídas às situações emergentes. A minha opção em trabalhar com o grupo “A” foi um desafio. Acatei de imediato a
sugestão da Direção em fazer a intervenção numa turma “difícil” que vinha trazendo
problemas disciplinares, de aprendizagem, uma turma “especial”, porque formada em sua
maioria por “repetentes”. Acolhi a proposta com ousadia, confiando nos instrumentos de que
dispunha e na experiência de muitos anos em educação.
Estava eufórica para começar! Parecia que a experiência ia ser uma maravilha, tudo
estava se harmonizando. De cara, simpatizei com a professora regente: falava com
desembaraço, acolheu a proposta com muito gosto e considerava a intervenção uma ajuda.
Cheguei também a me perguntar se aquela expectativa de ajuda, que a professora tanto
desejava, seria no imaginário dela e até mesmo da direção, como uma “tábua de salvação”
para um problema instalado, do qual a pesquisadora não fazia idéia?
Encontrei-me algumas vezes com a professora antes de começar a intervenção para
falar da metodologia, de como o conteúdo seria trabalhado; enfim, organizamos o
planejamento e marcamos o primeiro encontro.
200
O grupo foi preparado pela professora para me receber e, nesse primeiro contato,
percebi que o comportamento dos estudantes não era espontâneo, no entanto, fazia parte da
boa vontade da professora, criar aquela recepção, inclusive ficando apreensiva a qualquer
comportamento fora de “ordem”, pois aquele não era o comportamento natural dos
estudantes. Antes de me apresentar à turma, aconteceu o episódio que já contei anteriormente,
onde dois estudantes chegaram eufóricos querendo entrar e foram impedidos para aprender a
cumprir o horário. Observei que a reação não só dos dois foi de decepção mas também de
outros, que olharam para a professora com o olhar de reprovação. Percebi que havia algo no
ar, mas estava muito cedo para inferir alguma coisa.
A turma era irrequieta, indisciplinada, irreverente e alguns estudantes visivelmente
não tinham uma boa relação com a professora. A partir daí comecei a pensar que era preciso
reverter aquela situação, porque seria difícil trabalhar adotando os princípios da ludicidade e
do sociodrama, caso não conquistasse amorosamente a turma, para que os educandos
estivessem disponíveis, inteiros e bem nas atividades. Só que essa era a minha visão e já
estava chegando um pouco tarde em termos de ano letivo (segundo semestre), os vínculos
estabelecidos pareciam não serem amistosos. Mais adiante, depois de alguns incidentes entre
a professora e os estudantes, alguns relatados anteriormente neste texto e cujos motivos
estavam ligados a questões de relacionamento; cheguei a conclusão de que as nossas crenças,
valores, a forma de relacionar e considerar o estudante, eram muito diferentes. Quando se
trata de crenças e valores, fica difícil haver consenso. Quero deixar claro que são visões
diferentes, nem melhor e nem pior, apenas formas opostas de trabalhar, a minha e a dela.
A professora era responsável, competente e se esforçava para fazer o melhor;
considerava que com aqueles estudantes era preciso ser rígida para conseguir os resultados.
Eram vistos como “especiais”, no sentido de problemáticos: pela repetência, indisciplina,
agressividade. Por outro lado, a minha intervenção estava voltada para o desenvolvimento do
vínculo saudável, aquele em que as pessoas são respeitadas em sua essência, onde existe um
mínimo de afetividade para a convivência, um promotor da saúde mental, o que era incoerente
com uma postura autoritária. Havia um abismo entre a nossa forma de agir e trabalhar.
Apesar de já haver lido os resultados da pesquisa de Ilma Soares (2005), sobre crenças
de professores e também as pesquisas de Rosenthal e Jakobson (1966 apud COLL, 2000, p
160), onde mostram que: “as expectativas dos professores sobre o rendimento escolar dos
seus alunos podem chegar a afetar de modo significativo o rendimento efetivo desses últimos”
mesmo assim, ficava o receio de interromper o curso de uma parceria bem intencionada,
aceita por ambas as partes, uma pesquisa dentro do rigor técnico. Não encontrei em livros
201
nada que me advertisse claramente sobre esse tipo de situação, a não ser a intuição e coerência
para agir, sob pena de prejudicar os estudantes.
Depois de dois meses de atividades, conclui que as nossas crenças e valores (minhas e
da professora) estavam dificultando a caminhada em parceria e decidi que era impossível
continuar partilhando um trabalho com princípios tão diversificados. Já havia lido em René
Barbier (1985), Bogdan (1994) e Jacob Levi Moreno (1994), e a partir da pesquisa confirmei
que o pesquisador, mesmo sem intenção, vai entrando em contato com fatos e vivências que
não estavam no script de sua pesquisa e é solicitado a reagir, quando não em ações objetivas,
em reações no corpo emocional no qual a implicação é real. Daí, muitas vezes, ter que
suprimir a raiva, controlar as reações diante de eventos que agridem os princípios de respeito
à pessoa humana e manter a imparcialidade, se é que isso é possível.
Vi-me diante de uma decisão ética: ou permanecer na mesma sala com a professora,
respeitando o projeto original à revelia dos estudantes ou continuar o projeto individualmente
com algumas modificações no conteúdo, resguardando as orientações teóricas e
metodológicas da ludicidade e do sociodrama e da pesquisa-ação. Depois de viver o caos e o
confronto comigo mesma, precisava ser coerente. Acredito também como preconiza Luckesi
que, para entrar em contato com a sua verdade e viver a ludicidade, é preciso estar inteiro,
pleno, livre. Não se pode obrigar ninguém a participar de atividades que não quer. Decidi
conscientemente pela segunda alternativa, compartilhando minhas dificuldades e
possibilidades com meus orientadores.
Fiz muitos solilóquios e as perguntas que sempre me vinham. Eram estas:
- Como obrigar o estudante a fazer o que não quer?
- Para que reprovar “n” vezes um estudante sem lhe dar chance de um programa de
ajuda para a superação de suas dificuldades?
- Por que punir sem dialogar? Sem educar?
- Por que uma turma só de repetentes, sem um programa de ajuda específico para
esses estudantes?
- Por que fico tão sensibilizada com a situação dos estudantes?
- Por que também não ajudar os professores?
Inicialmente, minha tendência foi preocupar-me com a situação dos estudantes, mas
logo percebi que não podia cuidar somente da relação entre os estudantes sem cuidar também
da relação entre os professores. No afã de ver os problemas das relações entre professores e
estudantes minimizados, ofereci-me para fazer uma oficina de “Relações Interpessoais”, a
Direção acatou a idéia, mas não encontrou um horário compatível para o trabalho.
202
Fiz também muitos colóquios com os colegas do GEPEL, Faced/UFBA, nas reuniões
ordinárias desse grupo de pesquisa, para colocar minhas dúvidas e inquietações, reflexões que
me ajudaram bastante. Fiz também algumas supervisões em Psicodrama que também foram
muito enriquecedoras. Mas vou deixar registrado esse colóquio que fiz com minha orientadora
ao ficar desanimada e reclamando do espaço que a escola não oferecia para as questões do
aprender a conviver. A minha preocupação maior era com o ritmo das relações entre
estudantes e professores e o que poderia ser feito. Escutou a colocação das minhas queixas e
falou-me:
- Você é uma pesquisadora, não está na escola para fazer oficina, se eles tiverem
tempo e quiserem sua ajuda, tudo bem, mas não é para ficar preocupada com isso.
Conseguiu acalmar a minha angústia e entendi que precisava focar no meu papel e não
ficar preocupada com questões que não cabiam a mim resolver. Conto isso, para mostrar
como é natural ficarmos implicados numa pesquisa-ação e como também é preciso respeitar a
distância necessária para manter a objetividade frente ao objeto de pesquisa. Desde o início fui disposta a ser coerente com os princípios da ludicidade e do
sociodrama, que propunham proporcionar um ambiente onde cada um em particular e o grupo
de modo geral, pudesse os expressar de forma livre, plena, participativa, alegre, saudável;
vivenciando jogos, estudando conteúdos de forma dramática e lúdica. O objetivo era a busca
da verdade do grupo através não só do estudo de conteúdos do currículo, mas também da
vivência de atividades que pudessem possibilitar uma convivência saudável.
As atividades lúdicas e sociodramáticas possibilitam o surgimento dos conflitos e
muitas oportunidades de correção de comportamentos agressivos, de falta de respeito para
com o outro, dissimulações e a observação da alquimia da relação.
Pude, em alguns momentos, observar a diferença cultural entre os sujeitos e os agentes
educativos. Daí, talvez, a reclamação dos professores sobre os modos, a educação, o
comportamento dos estudantes. O comportamento agressivo dos estudantes com os colegas
me agredia. Foi impactante observar, no desenrolar das atividades, algumas atitudes violentas
e comportamentos que achava não condizente para meninos daquela idade; usavam
expressões não sei se para chamar minha atenção ou se era um comportamento normal; nos
jogos diziam “palavrões” ou usavam palavras chulas, que eu dizia a mim mesma: - “ é isso
mesmo que estou escutando?” Fazia um solilóquio: faça cara de paisagem e vá fundo no que
estão querendo expressar. Com isso quero dizer saber o que estavam querendo dizer com
determinadas palavras e gestos. No entanto, aquilo não era normal para mim, fazia parte da
cultura vivida por eles e não da aspirada por mim, que fui educada em colégio de freiras e
203
noutro contexto. Mas, isso o pesquisador precisa entender e respeitar, sob pena de não
corresponder aos princípios dessa metodologia e também do encontro humano.
O que buscava na pesquisa não era um lugar seguro para olhar e compreender como o
vínculo se dava na prática educativa escolar, mas me envolver ao ponto de observar no ato, o
véu que encobre essas relações, para compreender por quê tantos desencontros e violências no
cotidiano escolar. À medida que estava implicada com o meu objeto de pesquisa, percebia que
existiam múltiplas determinações para explicar as atitudes, os comportamentos, considerando
a relatividade das coisas. Em função disso, não acreditava que o autoritarismo e a rigidez que
a professora me solicitava demonstrar para uma suposta ordem em sala, fossem as melhores
maneiras de conseguir o envolvimento dos estudantes, porque o estado lúdico é residente e
não imposto. Acredito que, pela graça do ofício, o educador tem compromisso não só consigo
mesmo, mas também sobre aqueles com os quais trabalha, no sentido de que fala Larrosa
(2006, p.11): “O professor puxa e eleva, faz com que cada um se volte para si mesmo e vá
além de si mesmo, que cada um chegue a ser aquilo que é”. Daí o esforço e empenho para
seguir a metodologia escolhida para a intervenção investigativa.
O desvelamento da realidade, pela minha ótica, não é querer avaliar e nem fazer
apologia aos princípios psicológicos ou didáticos de uma educação ideal. Não é para criticar e
nem condenar professores e educandos, porque ambos são vítimas de um sistema excludente e
alienante dos sujeitos. No entanto, acredito no que afirma René Barbier, (1985, p. 31) que:
Querer minimizar a violência e a dominação sociais só leva a trancar a porta do conhecimento sociológico; procurar explicar a inadaptação social pelas “disfunções” da sociedade é reforçar a manutenção da ordem reinante em nome de uma neutralidade inverossímil.
A solução dos problemas na escola, muitas vezes, se dá pela via mais fácil, não se
quer perder tempo em educar. Castiga-se a falta de obediência, passa-se por cima de coisas
importantes, faz de conta que se faz coisas, inclusive ensinar, preocupa-se com materiais e
não com pessoas, enfim, não se vai à raiz do problema para combater a causa, ou então... os
problemas da escola são metafísicos. Mais uma vez, volto a lembrar Clarice Lispector (1998,
p. 39): “Não sei a quem acusar, mas deve haver um réu”.
Percebia que a cada momento os estudantes estavam me testando, como se para
confirmar a coerência entre o que eu dizia e fazia. Não poderia ser uma pessoa a enganá-los,
sob pena de perder a sua confiança. E por que fazer isso, se todos nós somos um, se me
descobri neles? A dor daqueles meninos e meninas era a minha dor e a dor de toda criança
agredida, ameaçada na escola, e que vai encenando um novo drama ao entrar em contato com
204
a dor dos outros. Naturalmente, fiz parceria com esses meninos, e através deles, dou um grito
de horror ao que acontece nos bastidores da prática educativa escolar, de outros tempos e de
hoje também.
Observando a atitude de indiferença dos estudantes para a aprendizagem, algumas
vezes me pegava fazendo solilóquios, como estes:
“- Por que o estudante de modo geral não questiona a bagunça da sala de aula, mesmo
quando prejudica a aprendizagem deles?”
“ - Por que não reclamam das aulas vagas? Inúmeras vezes ocupei os horários vagos
com as atividades da pesquisa e para eles era uma situação normal.”
“ - Por que me sinto culpada de não fazer quase nada por esses estudantes?”
“ - O que é mesmo que se está ensinando a esses estudantes?”
“ - Quais serão os sonhos desses meninos e meninas?”
Às vezes, tinha a sensação de que estavam indiferentes aos acontecimentos, à presença
de estranhos, eram indiferentes à minha presença. Pareciam aceitar os rótulos com
passividade, como se o rótulo de indisciplinado, mal-educado, repetente fosse uma coisa
natural. Aquela apatia aparente me incomodava. Com o tempo, vim a perceber que fazia parte
do jogo, eles se defendiam como podiam, às vezes pareciam adultos em miniatura, davam
respostas ou ficavam indiferentes às provocações dos professores de tal maneira, que dentro
de mim mesma dizia: Bravo! Porque, pondo-me no lugar deles, em outros tempos iria chorar.
Às vezes, os estudantes são cruéis, mas os professores como adultos na relação muitas vezes
são crudelíssimos. Pensando desse modo e se é assim como funciona a escola: “Para que se
envolver com estranhos, se com os conhecidos e os que convivem no dia-a-dia, a relação é
fria, de indiferença, com pequenas exceções? Para que sangrar o sentimento de amor
próprio?”
O meu intento, portanto, é evidenciar que:
a) as crenças, os valores e atitudes de um educador podem facilitar ou dificultar a
construção do vínculo com o outro;
b) os manejos de classes podem levar a diferentes resultados no ensino, mas são
escolhas pessoais. Estilos conflitantes num mesmo contexto podem levar a
insegurança e aos jogos de relação entre os sujeitos implicados na ação;
c) a visão que temos do outro e no caso da pesquisa, do estudante, vai determinar a
minha ação em relação a ele. Se é visto como um problema a ser resolvido, um
depositário, um ser “diferente” onde vou depositar os conhecimentos, o
205
procedimento é oposto se o percebo como o sujeito responsável pela construção de
sua própria história, onde o papel do professor é ser facilitador desse processo;
d) é fundamental considerar a cultura e o contexto para entender e viabilizar projetos
de pesquisa-ação;
e) saber e ter experiência é diferente de vivenciar um processo de pesquisa-ação;
assim como a intenção não é garantia de mudança.
A educação como formação, para diferenciar de ensino, no meu entendimento, não é
outra coisa senão o resultado de um determinado tipo de relação com um determinado tipo de
palavra, de argumentação, que tanto pode transformar pelo respeito à autonomia do educando
numa relação constituinte de uma nova sensibilidade e caráter, ou mantê-lo no silêncio e na
acomodação dos seus corpos e mentes sem dizer a sua palavra.
É preciso ter disponibilidade para que o vínculo saudável aconteça na sala de aula.
Tirando fora atitudes que prejudicam a formação de relações amistosas, que precisam ser
cuidadas, o que resta é a nossa humanidade e a capacidade de usar o racional para o bem. As
pessoas que estão na escola precisam ser cuidadas, porque trazem dentro de si toda a
capacidade para fazer florescer ambientes de convivência e aprendizagem mais lúdicos e
favoráveis ao crescimento humano. Cultivando o amor e a compaixão é possível trazer paz
para a escola, construir vínculos afetivos e ao final da jornada dizer, apesar dos pesares, os
estudantes são espertos, criativos, alegres e amorosos também. Todos juntos (professores,
estudantes e funcionários) podem fortalecer estas qualidades, para que a escola seja um
espaço de prazer, alegria, conhecimento e auto desenvolvimento.
Enfim, fazendo um balizamento de toda jornada é necessário salientar o que aprendi
como pessoa, à revelia de tudo o que foi planejado dentro do rigor científico; esses são
aprendizados especiais porque ocorreu na emergência, acompanhando o fluxo da vida.
Saio profissionalmente fortalecida por confirmar a validade dos recursos metodológicos
utilizados, pelo percurso feito, pelos conhecimentos adquiridos, pela ajuda recebida, mas nada
que se compare ao crescimento pessoal realizado no encontro existencial vivido – na
cumplicidade, na relação como força instauradora do ser, pela disponibilidade de acolher,
nutrir, confrontar e sustentar aqueles adolescentes, partilhando momentos
agradáveis/desagradáveis, bons/ruins, alegres/tristes, na tensão própria e apropriada do
encontro humano, focado no vínculo.
Fiquei com a sensação de que o maior apelo dos estudantes era a relação – o vínculo,
porque a experiência mostrou que só a partir do encontro, foi possível o contato de
206
responsabilidade para responder aos apelos da razão e do coração, diminuindo a distância
entre nós.
Acredito que a força instauradora da relação entre professores e estudantes está no
encontro dialógico preconizado por Martin Buber (1974), Jacob Levi Moreno (1983) e Paulo
Freire (2005), em cujas obras apresentam não só um projeto de esperança no ser humano mas
também o fundamento ontológico de sua existência como ser-de-relação. Como afirmei
inicialmente, educação é atividade relacional, em função disso, só a relação com o outro, o
encontro dialógico entre os atores dessa peça encenada a várias mãos, vai possibilitar o
entendimento e a construção não só de conhecimento, mas de relações vitais, afetivas e
transformadoras.
Como pesquisadora aprendi que ao estar disponível à experiência e acolher aqueles
adolescentes, comecei também a perceber e desfazer as distâncias culturais, de época, idade,
assegurando a liberdade e a soberania para cada um ser o que é. Descobri que ao criar um
vínculo sintônico com o grupo a cumplicidade aumentou em afetividade, boa vontade e as
atividades eram desenvolvidas num clima de amizade, disposição e alegria. Assim como, foi
angustiante observar que ao iniciar a pesquisa no Grupo “A”, no segundo semestre, o vínculo
já estava desgastado, o ambiente em sala de aula era de muita briga, agressão e falta de
respeito. Mesmo com atividades lúdicas e sociodramáticas, foi difícil resgatar a confiança e
amizades perdidas. Daí perceber que, fundamental é o vínculo, é a relação – partindo desse
ponto o percurso fica mais fácil.
Este tipo de pesquisa possibilitou-me refletir na experiência vivida o conceito de
inclusão ou seja, a capacidade de ter consciência do si mesmo e ao mesmo tempo perceber o
outro, respeitando-o em sua singular alteridade. Ao mesmo tempo mostrou-me a importância
de não estar só, pois essa empreitada não dava conta sozinha, precisava de companheiros.
Valeu colegas do GEPEL, colegas do mestrado, e outros tantos amigos e parentes que me
ajudaram. Valeu meus caros mestres Dra. Bernadete Porto e Dr. Cipriano Carlos Luckesi,
como vocês foram essenciais nessa jornada.
É viável afirmar aqui e agora que essa é uma utopia realizável porque está assentada não
apenas na pura descrição conceitual, mas vem acompanhada de propostas concretas para a
realização desta utopia, que não é simples e nem fácil, mas também não é complexa e nem
difícil – a disponibilidade e o querer trazem em si o gênio e o gérmen da realização.
Não tenho receitas e nem a segurança de proposições científicas, porque no terreno
humano tudo é fluido, difuso, possui múltiplos aspectos, no entanto fica a certeza de que o
encontro humano acontece na cumplicidade e no amor, reconhecendo que entre o eu e o outro
207
existe uma tensão, passível de entendimento, caso seja resguardado o respeito e a
individualidade dos dois pólos. As experiências gratificantes impulsionam para relações
amistosas, estimula a criação de vínculos emocionais entre as pessoas e conseqüentemente a
vida e alegria na escola.
208
6 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Aqui, trago reflexões conclusivas acerca da experimentação com atividades lúdicas e
sociodramáticas na construção do vínculo, tendo como foco a aprendizagem e a convivência
em sala de aula. A questão central que fundamentou este estudo foi compreender como as
atividades lúdicas e sociodramáticas contribuem para a formação do vínculo e como este
vínculo interfere na aprendizagem e na convivência dos educandos entre si e dos educandos
com os educadores. Para realizar tal intento e responder as questões, o campo teórico foi
delineado e a atuação em sala de aula foi realizada com a pesquisa-ação durante dois
semestres, em 2005 e 2006, com dois grupos diferentes: de 5ª e 6ª séries do ensino
fundamental, numa escola pública estadual em Salvador – BA.
É muito significativo chegar ao fim desse percurso e a partir dele comentar o que fui
tecendo ao longo dos capítulos da dissertação, principalmente por considerar que não se pode
dissociar a atuação profissional e a pessoa do educador, sua história de vida e o aprendizado
no processo que vem ampliar a esfera do ser – o operar na plenitude. A busca do si mesmo, do
respeito próprio, deve expressar também a aceitação solidária do outro, pela aceitação da
existência, da diversidade da condição humana e da vida. Desse lugar, posso afirmar que esse
percurso possibilitou-me inúmeros questionamentos, superação de dificuldades, reformulação
de conceitos, (des) construção de saberes, engendrado no diálogo com os atores sociais
participantes da pesquisa, com os autores que a fundamentam e, de modo especial, com a
minha própria subjetividade, por estar imersa e plena nesse ato. Assim, o caminho foi feito ao
caminhar num ir e vir constantes pela fluência e indeterminação do cotidiano escolar,
seguindo as pistas do objetivo para não perder o foco delimitado. Portanto, os procedimentos
e as questões teóricas serão avaliadas reconhecendo que uma metodologia aplicada à prática
educativa escolar, que enfatiza o estado de inter-relação e interdependência entre os
fenômenos, a criação de vínculos, obedecendo princípios científicos, pode ser reconhecido
como referencial para novos paradigmas educacionais na contemporaneidade.
Antes de discutir e apresentar os resultados da pesquisa, é preciso falar do impacto da
metodologia da pesquisa-ação, por ser indeterminada, difusa, não só pelos imprevistos e auto-
engano verificados in loco, mas também pelo meu próprio amadurecimento e aprendizado,
que me ajudaram a não afastar do fluxo das propostas da ludicidade e do sociodrama,
209
principalmente pelas mãos seguras e competentes de meus orientadores: Drª Bernadete Porto
e Dr. Cipriano Carlos Luckesi, que me acolhiam com observações sensíveis e pertinentes.
A escola está inserida na complexa, conflituosa e dinâmica teia social, construindo
nesses espaços educativos suas relações sociais, configurando também contextos,
modalidades vinculares, que ainda atentam para os princípios do “aprender a conviver”, um
dos pilares preconizados pelo Relatório Jacques Delors (1999) para a Educação no século
XXI. A experiência na escola possibilitou-me adentrar num campo de estudo que sempre me
fascinou, ancorada na pesquisa-ação, que nos seus princípios e dinâmica, vai abrindo portas e
janelas, descortinando saberes e os meandros da subjetividade humana, principalmente por
mostrar a ludicidade e o sociodrama como significativos instrumentos de mobilização da
ação, para a construção de vínculos favoráveis à convivência e à aprendizagem.
As descobertas e conclusões desse estudo tem como referência as questões
apresentadas no início da dissertação, o uso do método e as atividades práticas que considerei
as mais relevantes para os grupos pesquisados, conforme anos de experiência com grupos.
Vou focar minhas conclusões em dois eixos importantes: na metodologia utilizada
para a identificação e construção do vínculo nos dois grupos distintamente e nos resultados
obtidos em decorrência do contexto, da realidade do vínculo existente ou em processo de
construção, considerando cada grupo, separadamente.
A metodologia utilizada para a identificação dos vínculos entre os atores sociais na
dinâmica escolar, como comprovam os dados analisados ao longo da dissertação, serviu-me
como guia para olhar objetivamente as relações, assim como planejar as atividades práticas.
O primeiro elemento considerado fundamental em todo o processo é o respeito à
vontade, à liberdade e à pessoa do estudante, no qual a pesquisadora se dispôs a acompanhar,
ouvir e aceitar o que vinha dele e do grupo e a partir daí, introduzir as técnicas e os
procedimentos que permitiram entrar em contato com os elementos conflitivos da relação em
sala de aula, por visar a tão desejada convivência e melhores resultados na aprendizagem. Em
respeito aos princípios da ludicidade e do sociodrama, tive que mudar o curso da experiência
com o grupo “A”, deixando de lado a atuação junto à professora regente, para investir na
construção do vínculo, pelo fato da pesquisa ter sido iniciada no segundo semestre e as
relações nesse período serem conflituosas e violentas. Cheguei mesmo a desanimar e
questionar se as atividades lúdicas e sociodramáticas ajudariam esse grupo na situação em que
estava. Nesse momento, caí em mim e percebi que nem mesmo as atividades lúdicas e o
sociodrama, com todo o seu potencial, não fariam de imediato o milagre de restabelecer todas
relações e a confiança perdida naquele grupo. Um espelho quebrado jamais refletirá a mesma
210
imagem. De modo semelhante, essa afirmação reflete a situação do Grupo “A”, uma vez
quebrada a confiança entre os estudantes e entre eles e os professores, o ambiente da sala de
aula tornou-se inseguro e isso prejudicou sobremaneira a reconstrução dos vínculos, mesmo
com atividades lúdicas, prazerosas, contextualizadas, dinâmicas, a convivência e a
aprendizagem foram prejudicadas. Estava claro que era preciso cuidar do vínculo. A reação
da metade dos que restaram, era de indiferença e rechaço aos jogos e brincadeiras
O teste sociométrico, as atividades lúdicas e sociodramáticas, revelaram como estava a
relação no grupo sem causar constrangimento, deixando clara a importância do vínculo.
Constatei na prática, como relações estremecidas minam o ambiente escolar, disseminando
violências diversas, a ponto de tornar esse ambiente insuportável para professores e
estudantes. O comportamento humano é movido pela afetividade, pela busca da redução das
tensões psicobiológicas, na relação com outros. No caso dos estudantes, iam abandonando a
escola ao longo do ano. Foi o que aconteceu com o grupo “A”, de 33 estudantes
matriculados: 10 evadiram, 15 foram reprovados e 08 aprovados. Foi um trabalho de
paciência, fé e muita afetividade para trabalhar os vínculos. Ao final da pesquisa, um
pequeno grupo permaneceu unido, o que acredito ajudou na aprovação desses estudantes e os
laços de amizade foram mantidos na série seguinte, onde continuei a pesquisa. Nesse sentido,
Maria Cândida Moraes (1997, p. 22) diz:
Eu sou o que são meus relacionamentos. Meus relacionamentos com o meu próprio ser, com o meu passado, o meu presente e o meu futuro, com os meus semelhantes e com a própria natureza. Não é possível separar o que sou dos meus relacionamentos. Haverá sempre uma dependência do ser em relação a seu ambiente geral. Tudo isso implica que a educação promova o respeito às diferenças, á diversidade entre os seres, às diferenças culturais e aos diferentes processos de desenvolvimento humano.
Na escola ainda prevalece o autoritarismo e a crença de que para se obter disciplina é
necessário manter a distância entre professores e estudantes, não reconhecendo a
interdependência dos papéis, o que leva a um distanciamento e até mesmo a agressividade,
uma problemática educacional enfrentada na pesquisa e que continua preocupante na
atualidade. A metodologia em questão, pela sua proposta de reflexão-ação, traz a
possibilidade de contribuir para corrigir as distorções visíveis das relações na escola,
demonstrando que a interdependência e a interatividade entre coisas e pessoas constroem a
teia de interações e relações compatíveis com os princípios nos quais se acredita.
211
Outro elemento presente na metodologia foi possibilitar num campo relaxado o
aparecimento dos conflitos, que ficavam camuflados por um ideal de escola, com estudantes
sentados em fileiras, contidos em seus corpos e emoções, na ilusão de que é possível
conseguir resultados satisfatórios, sem considerar o ator aprendiz como o principal centro de
referência da ação educativa. No momento em que foi possibilitada a expressão dessas vozes
e desses corpos, o espanto e o impacto eram constantes, ao mostrar em suas histórias versões
da realidade que permitiam entender e transformar os mitos e fantasias com os quais
convivemos, sem saber o quanto afetam nossa qualidade de vida.
O grande diferencial dessa metodologia é possibilitar a construção de um espaço
relacional continente, afetivo, onde os atores experimentam a sensação de serem
compreendidos. Sua ênfase está nas relações interpessoais e a sua proposta teórica sustenta a
importância do vínculo e da afetividade, considerando que se relações inadequadas
constituem problemas, podem ser solucionados pela nossa capacidade, poder criativo e crença
em nossos ideais para a construção de relacionamentos sintônicos.
Pelos depoimentos dos estudantes e dos professores, foi possível observar algumas
mudanças positivas no relacionamento e aprendizagem, com menor intensidade no grupo “A”.
Esse grupo vinha rotulado como “grupo dos repetentes”, indisciplinados, como aqueles
estudantes que não queriam nada, agressivos, etc., acredito que esses rótulos negativos
influenciaram no processo. Como a intervenção foi iniciada no segundo semestre, o problema
já estava grave. A mesma metodologia foi trabalhada com o Grupo”B”, que também
enfrentou dificuldades no relacionamento, porém em escala menor; o contexto favoreceu
melhores resultados..
Os resultados confirmaram que os vínculos estabelecidos podem elucidar as
motivações, a conduta dos estudantes e despertar a experiência emocional neles contida, seja
ela positiva ou negativa. A metodologia em questão serviu como passaporte para facilitar
continências relacionais favorecedoras de vínculos de amizade entre os educandos do Grupo
“A”, sendo que em menor escala com os professores. No Grupo “B”, a relação dos estudantes
entre si e com os professores, desde o início da pesquisa foi bem melhor.
O conhecimento da interferência dos vínculos na conduta do indivíduo e do grupo
poderá favorecer que com o esforço dos professores, assistência do governo, preparo e boa
vontade, adotem uma metodologia que proporcione o contato com o conflito, a exclusão, a
superação do isolamento, adotando modalidades vinculares facilitadoras da união e
cooperação na escola. O modelo educacional de ensino precisa ser mudado, isso porque o
modelo adotado não gera ações para um ambiente cooperativo; não estimula o espírito crítico,
212
a pesquisa científica, a criatividade, além de valores para a formação do cidadão intelectual e
humanamente feliz e competente.
A intencionalidade é uma forma de viver e refletir sobre as conseqüências do nosso
fazer. Voltando ao foco da propositividade da pesquisa, posso afirmar pelos resultados já
descritos que os objetivos foram alcançados. Nas entrelinhas e desviando a atenção do
propósito do estudo para as emergências ocorridas, para as cenas humanas de cooperação,
participação espontânea e para o inusitado, tudo isso nos encaminhará para o operar do ser
vivo – o operar na plenitude do ato, sem expectativas em relação à convivência, à
aprendizagem, mesmo com a tentação de esperá-las, nesse sentido, os resultados são
surpreendentes. A partir desse olhar sustento que tanto pela observação do desenvolvimento
do vínculo entre os estudantes, quanto por meio da reflexão sobre seus depoimentos, pelos
resultados na aprendizagem, principalmente do Grupo “B”, cujo trabalho foi desenvolvido em
condições mais favoráveis que o Grupo “A”, em função disso, é possível afirmar que esses
jovens cresceram como seres humanos e tudo isso foi intermediado pela ludicidade e o
sociodrama, ou seja, pelo brincar e amar.
Acho fundamental destacar que se as atividades lúdicas e sociodramáticas fossem
realizadas fora da aceitação, do respeito mútuo, da compreensão, do olhar reflexivo sobre as
atitudes e conteúdos dos estudantes, elas não satisfariam a demanda relacional e formativa,
seriam apenas brincadeiras, jogos e passatempo. Acredito que a escola para recuperar-se
como espaço de crescimento intelectual e desenvolvimento humano, como ambiente
fomentador de encontro de mentes e corações – no qual o autoritarismo, a discriminação, a
agressividade, o desrespeito e a opressão não sejam modos costumeiros de viver, mas
fragilidades e erros ocasionais da convivência – deve ser dado espaço à racionalidade, a
emoção e à ludicidade como forma de pensar e viver na atmosfera do vínculo amoroso.
213
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Mirian et al. Violências nas escolas: versão resumida. Brasília: Unesco Brasil, 2003.
AFONSO, Maria Lucia Miranda. Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
AGUIAR, Moisés. O teatro terapêutico: escritos psicodramáticos. Campinas, SP: Papirus, 1990.
ALMEIDA, Lucia. O trabalhador no mundo contemporâneo: psicodrama nas organizações. São Paulo: Ágora, 2004.
ALMEIDA, Wilson Castello de. Formas do encontro: psicoterapia aberta. 2. ed. São Paulo: Agora, 1988.
______. Grupos: a proposta do psicodrama. São Paulo: Ágora, 1999.
ALVES, Rubem. Ao professor com o meu carinho. Campinas, SP: Verus Editora, 2004.
ANDRADE, Antonio S. Sociodrama educacional: uma estratégia de pesquisa-ação em Psicologia Escolar Institucional. In: FLEURY, Heloisa J.; MARRA, Marlene Magnobosco (Org.). Intervenções grupais na educação. São Paulo: Agora, 2005.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1985.
ARDOÍNO, Jacques. A complexidade. In: MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
ARROYO, Miguel González. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
______. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
214
BARBIER, René. A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação: uma introdução a teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais para a formação de professores. Brasília, 1999.
BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1995
BRITO, Valéria; MERENGUÉ, Devanir; MONTEIRO, André M. Pesquisa qualitativa e psicodrama. São Paulo: Agora, 2006.
BUBER, Martin. Eu e tu. 5. ed. São Paulo: Centauro, 1974.
BUCHBINDER, Mario. A poética do desmascaramento: os caminhos da cura. São Paulo: Agora, 1996.
BUSTOS, Dalmiro. Novas cenas para o psicodrama: o teste da mirada e outros temas. São Paulo: Agora, 1999.
______. O psicodrama: aplicação da técnica psicodramáica. São Paulo: Gente, 2001.
______. O teste sociométrico: fundamentos, técnica e aplicações. São Paulo: Brasiliense, 1979.
CASSIRER, Ernest. Uma chave para a natureza do homem: o símbolo. In:CARNEIRO, José Xavier de Melo (Coord.). Coletânea de textos filosóficos. Fortaleza: Departamento de Ciências Sociais e Filosofia, Universidade Federal do Ceará, 1976. p. 99-112
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CHARLOT, Bernard. Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre: Artmed, 2001.
CODO, Wanderley (Coord.). Educação, carinho e trabalho: Burnout, a síndrome da desistência do educador que pode lever a falência da educação. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1999.
215
COLL, César; GALLART Isabel S. Fatores psicossociológicos relacionais e contextuais implicados na aprendizagem escolar. In: COLL, César . Psicologia do ensino. Porto Alegre: Artmed, 2000.
CORAZZA, Sanda Mara. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos novos olhares na pesquisa em educação. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
CRUZ, Silvia Helena V.; PORTO, Bernadete de Souza. Uma pirueta, duas piruetas... bravo! bravo! A importância do brinquedo na educação das crianças e de seus professores. In: PORTO, Bernadete de Souza (Org). Ludicidade: o que é mesmo isso? Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Gepel, 2002. p. 141-159.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI
DEMO, Pedro. Avaliação qualitativa: polêmicas do nosso tempo. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
______. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
______. Pesquisa e informação qualitativa. São Paulo: Papirus, 2001.
FERNANDEZ, Alicia. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
______. Psicopedagogia em psicodrama: morando no brincar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.
______. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
216
FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GALEFFI, Dante. Karl-Otto Apel e a questão da fundamentação-última não-metafísica: diálogo enviesado como apropriação para uma Filosofia do Educar. Noésis, Salvador, v. 3, n. 3, p. 23-36, 2002.
GARRIDO MARTIN, Eugenio. Psicologia do encontro: J.L. Moreno. São Paulo: Agora, 1996.
HELLINGER, Bert. A simetria oculta do amor. São Paulo: Cultrix, 1999.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 2000.
KAUFMAN, Arthur. Teatro pedagógico: bastidores da iniciação médica. São Paulo: Agora, 1992.
KNOBEL, Anna M. Moreno em ato: a construção do psicodrama a partir das práticas. São Paulo: Agora, 2004.
LAING, Ronad David. Laços. Petrópolis: Vozes, 1974.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
LEITE, Dante Moreira. Educação e relações interpessoais. In. PATTO, Maria Helena de S. Introdução à psicologia escolar. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 301-325.
LINHARES, Ângela Maria Bessa. O tortuoso e doce caminho da sensibilidade: um estudo sobre a arte e educação. 2. ed. Ijui: Ed. Unijuí, 2003. 256 p. (Coleção fronteiras da educação).
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação, ludicidade e prevenção das neuroses futuras: uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese. In: LUCKESI, Cipriano Carlos (Org.) Ludopedagogia: ensaios 1: Educação e Ludicidade. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Gepel, 2000.
217
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
______. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a partir da experiência interna. Ludicidade: o que é mesmo isso?. In: PORTO, Bernadete de Souza (Org.). Ludicidade: o que é mesmo isso?. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Gepel, 2002.
MACEDO, Lino. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005.
MACEDO, Roberto Sidnei. A etnopesquisa crítica e multireferencial nas ciências humanas e na Educação. Salvador: EDUFBA, 2000.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
MARRA, Marlene Magnabosco. O agente social que transforma: o sociodrama na organização de grupos. São Paulo: Agora, 2004.
MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. 19. ed. Petrópolis :Vozes, 1993.
MERLEAU-PONTY, Maurice. A estrutura do comportamento. Tradução de José de Anchieta Corrêa. Belo Horizonte: Interlivros, 1975.
______. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MORAES, Maria Cândida. Educar na Biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
______. O paradigma educacional emergente. Campinas, SP: Papirus, 1997.
MORENO, Jacob Levy. Fundamentos do psicodrama. São Paulo: Summus, 1983.
______. Psicodrama. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993a.
______. Psicoterapia de grupo e psicodrama. Campinas, SP: Psy, 1993b.
______. Quem sobreviverá? fundamentos da sociometria, psioterapia de grupo e sociodrama. Goiânia: Dimensão, 1994. 3 v.
218
MORIN, Edgard. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
______. Os sete saberes necessários á educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000.
NERY, Maria da Penha. Vínculo e afetividade. São Paulo: Agora, 2003.
NÓVOA, Antonio. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.
PAGÉS, Max. A vida afetiva dos grupos: esboço de uma teoria da relação humana. Petrópolis, Vozes; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976.
PANDU, Pandia; PANDU, Ana. Que nome darei ao meu filho. 19. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
PEARCE, Joseph Chilton. O fim da evolução: reivindicando a nossa inteligência em todo o seu potencial. São Paulo: Cultrix, 2002.
______. Psicologia integral: consciência, espírito, psicologia, terapia. São Paulo: Cultrix, 1989.
PEREIRA, Lucia Helena P. Bioexpressão: a caminho de uma educação lúdica para a formação de educadores. 2005. 388 p. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia.
PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro: obra poética II. Porto Alegre: L&PM , 2007.
PICHON-RIVIÉRE, Enrique. O processo grupal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998a.
______. Teoria do vínculo. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998b.
PINTO, Leonel Correia. Psicologia educacional em novos temas. Rio de Janeiro: CEPA, 1978.
PORTO, Bernadete de Souza. Bola de meia, bola de gude: a criatividade lúdica, a formação e a prática pedagógica do professor-alfabetizador. 2001. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
219
ROJAS-BERMUDEZ, Jaime G. Que es el sicodrama? Buenos Aires, Argentina: Editorial Celsius; J. J. Vallory, 1984.
ROMAÑA, Maria Alícia. Construção coletiva do conhecimento através do psicodrama. Campinas, SP: Papirus, 1992.
______. Do psicodrama pedagógico à pedagogia do drama. Campinas, SP: Papirus, 1996.
______. Psicodrama pedagógico: método educacional psicodramático. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1987.
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
SERRÃO, Margarida; BALEEIRO, Maria Clara. Aprendendo a ser e a conviver. São Paulo: FTD, 1999.
SOARES, Ilma Maria F. Se der a gente brinca: crenças de professores sobre ludicidade e atividades lúdicas. 2005. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
SCHON, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SCHUTZENBERGER, Anne Ancelin. O teatro da vida: psicodrama: introdução aos aspectos técnicos. São Paulo: Duas Cidades. 1970.
SCOZ, Beatriz (Org.). Por uma educação com alma. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
SNYDERS, George. Alunos felizes. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2000.
VIGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VIRGOLIM, Ângela M. Rodrigues. Toc, toc, plim, plim: lidando com as emoções, brincando com o pensamento através da criatividade. Campinas, SP: Papirus, 1996.
220
WINICOTT, Donald Woods. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
YOZO, Ronaldo Yudi K. 100 jogos para grupos: uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas. São Paulo: Agora, 1996.
221
APÊNDICE A – Teste Sociométrico Colégio Estadual Hildete Lomanto Nome do aluno: _____________________________ 5ª Série ___ Matutino Data da aplicação:_____________________________ Disciplina: _____________________________ Profª: ____________________________ Mestranda: Antonia Lucia Leite Ramos
TESTE SOCIOMÉTRICO
1. Escreva o nome de três colegas de sua turma, pela ordem de preferência, que você gostaria que sentasse ao seu lado em sala na sala de aula. 1º ____________________________________________ 2º ____________________________________________ 3º ____________________________________________
2. Escreva o nome de três colegas, pela ordem de preferência, que você NÃO escolheria
para sentar ao seu lado na sala de aula.
1º ____________________________________________ 2º ____________________________________________ 3º ____________________________________________
3. Escreva o nome de três colegas, pela ordem de preferência, que você acredita que lhe escolheriam para sentar ao lado delas na sala de aula. 1º ____________________________________________ 2º_____________________________________________ 3º ____________________________________________
4. Escreva o nome de três colegas, pela ordem de preferência, que você acredita que
NÃO lhe escolheriam para sentar-se ao lado delas na sala de aula. 1º ____________________________________________ 2º____________________________________________ 3º____________________________________________
222
APÊNDICE B – Questionário de Levantamento das Relações Interpessoais dos Estudantes da 5ª série... Turno Matutino
Colégio Estadual Hildete Lomanto Nome do aluno: ___________________________________ 5ª Série ____ Matutino Idade:_________ Data de Aplicação: __________________ Disciplina: ________________________ Profª:____________________________ Responsável: Antonia Lucia Leite Ramos INSTRUÇÕES: Abaixo você encontrará dez questões com quatro alternativas possíveis em Cada uma delas. Leia com atenção e assinale na resposta de acordo com suas convicções.
1. Existe um bom entrosamento entre os colegas dessa turma? ( ) sim ( ) não ( ) às vezes ( ) não sei
2. Você sabe o nome de seus colegas? ( ) de todos ( ) de muitos ( ) de alguns ( ) de nenhum
3. Há colegas isolados na sua turma? ( ) todos ( ) nenhum ( ) alguns ( ) muitos
4. Ocorre tratamentos agressivos entre os próprios colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
5. Existe espírito cooperativo entre os colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
6. Sente-se aceito(a) pelos colegas da turma? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
7. Você acha que sua turma é unida? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
8. Você considera importante relacionar-se com todos os colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
9. Sente receio em falar nessa turma? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
10. Existe afetividade entre colegas? ( ) sempre ( ) muitas vezes ( ) às vezes ( ) nunca
223
APÊNDICE C – Sociodramas temáticos
Escola Hildete Lomanto Pesquisa de Campo Mestranda: Antonia Lucia Leite Ramos Programa a ser desenvolvidos com os alunos da 6ª série ____ , turno matutino. Sociodramas temáticos: Convivência, Aprendizagem e Vínculo O VÍNCULO AFETIVO TRANSFORMA UMA REUNIÃO DE PESSOAS EM UM GRUPO. MARÇO: TEMA: Identidade É importante trabalhar o processo de tomada de consciência de si: do seu nome, do seu corpo, seus afetos, suas emoções, seus limites, suas dificuldades, seus valores, suas aptidões e sua história de vida. 10/03 – Apresentação do programa e realização do teste sociométrico. 17/03 – Quem sou eu? Quem é você? 24/03 – Como eu me vejo/ auto-imagem. 31/03 – Como os outros me vêem/como eu vejo os outros. ABRIL: TEMA: Integração É importante estabelecer regras básicas de relacionamento e convivência, para que um clima de respeito mútuo se instale. 07/04 – Somos iguais, somos diferentes, isso exige respeito e aceitação. 24/04 – Confiança. MAIO: TEMA: Comunicação À medida que o grupo constrói confiança, é possível a expressão dos pensamentos e das emoções, possibilitando a ajuda e trocas interpessoais. 05/05 – Quem não se comunica... 12/05 – Ruídos na comunicação 19/05 – Ouvir e falar 26/05 – Comunicando JUNHO: TEMA: Grupo Nesse tema é fundamental o aprofundamento sobre os papéis desempenhados por cada um dos participantes e novas formas de relacionamento. 02/06 – O que é um grupo? 09/06 – A construção do grupo
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo