17
RAIOS CÓSMICOS DETECTADOS ATRAVÉS DE UM TELESCÓPIO DE PARTÍCULAS Daniel Martelozo Consalter 2 , Anderson Campos Fauth 2 , Luis Fernando Gonzalez 2 , Walan Cesar Grizolli 2 , Ernesto Kemp 2 e Júlio César Penereiro 1, 2 e 3,* 1 – CEATEC – PUC-Campinas. 2 – IFGW – UNICAMP. 3 – OMCJN – Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini. Resumo As partículas denominadas múons estão relacionadas à radiação cósmica e são conhecidas pela capacidade de penetrarem em grandes espessuras de matéria. Isso ocorre porque elas possuem energias elevadas, uma vida média curta e não interagem facilmente com a matéria. Essas partículas têm importância na medida que precisamos explicar a cascata de partículas cósmicas, também conhecida como Chuveiro Atmosférico Extenso (CAE), que são medidas na superfície da Terra por equipamentos especiais. Neste trabalho descrevemos as várias propriedades dessas partículas (múons) e mostramos em detalhes através do uso de cintiladores plásticos, fotomultiplicadoras, cabos, conexões e de uma eletrônica aplicada um detector de partículas o qual denominamos de Telescópio de Múons (TM). Com o TM medimos a freqüência de contagens de múons que chegam na região de Campinas/Brasil (23˚S 47˚W). Fazendo as devidas correções analíticas devido a abertura do telescópio, ou seja, a região do espaço que o equipamento enxerga, para uma distribuição angular de múons da forma I0.cos n θ e, levando em consideração a eficiência do TM, obtemos como medida do fluxo médio de múons um valor de I0 = 147,12±0,88 (múons.m 2 .s 1 .sr 1 ). Essa medida só é possível de ser explicada pelos efeitos previstos na Teoria da Relatividade Restrita de Einstein, em particular a contração do comprimento e a dilatação do tempo, que podem esclarecer de forma satisfatória a chegada dessas partículas na superfície terrestre. Palavraschave: telescópio de múons, detectores de partículas, raios cósmicos, chuveiros cósmicos. (*) email: jcp@puccampinas.edu.br

RAIOS CÓSMICOS DETECTADOS ATRAVÉS DE UM TELESCÓPIO …liada.net/universo.liada.net/5 - TM-LIADA-definitivo.pdf · Raios cósmicos são partículas elementares de alta energia que

  • Upload
    vukhanh

  • View
    233

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

RAIOS CÓSMICOS DETECTADOS ATRAVÉS DE UM TELESCÓPIO DE PARTÍCULAS

Daniel Martelozo Consalter2 , Anderson Campos Fauth2 ,  

Luis Fernando Gonzalez2 , Walan Cesar Grizolli2 ,  Ernesto Kemp2 e Júlio César Penereiro1, 2 e 3,*

1 – CEATEC – PUC-Campinas. 2 – IFGW – UNICAMP. 3 – OMCJN – Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini.

Resumo 

As partículas denominadas múons estão relacionadas à radiação cósmica e são conhecidas pela capacidade de penetrarem em grandes espessuras de matéria. Isso ocorre porque elas possuem energias elevadas, uma vida média curta e não interagem  facilmente  com  a  matéria.  Essas  partículas  têm  importância  na medida  que  precisamos  explicar  a  cascata  de  partículas  cósmicas,  também conhecida  como  Chuveiro  Atmosférico  Extenso  (CAE),  que  são medidas  na superfície da Terra por equipamentos especiais. Neste trabalho descrevemos as várias  propriedades  dessas  partículas  (múons)  e  mostramos  em  detalhes  ‐ através do uso de cintiladores plásticos, fotomultiplicadoras, cabos, conexões e de uma eletrônica aplicada ‐ um detector de partículas o qual denominamos de Telescópio de Múons (TM). Com o TM medimos a freqüência de contagens de múons  que  chegam  na  região  de Campinas/Brasil  (23˚S  ‐  47˚W).  Fazendo  as devidas correções analíticas devido a abertura do telescópio, ou seja, a região do espaço que o equipamento enxerga, para uma distribuição angular de múons da forma I0.cosn θ e, levando em consideração a eficiência do TM, obtemos como medida do fluxo médio de múons um valor de I0 = 147,12±0,88 (múons.m‐2.s‐1.sr‐1). Essa medida só é possível de ser explicada pelos efeitos previstos na Teoria da Relatividade Restrita de Einstein, em particular a contração do comprimento e a dilatação do  tempo, que podem esclarecer de  forma satisfatória a chegada dessas partículas na superfície terrestre. 

 Palavras‐chave: telescópio de múons, detectores de partículas, raios cósmicos, chuveiros cósmicos.  (*) e‐mail: jcp@puc‐campinas.edu.br     

2

I.   INTRODUÇÃO 

  Raios  cósmicos  são  partículas  elementares  de  alta  energia  que  chegam continuamente  a  Terra  e,  quando  penetram  na  atmosfera,  colidem  com  as  moléculas (principalmente N2 e O2) provocando um fenômeno que intriga os cientistas até os dias de hoje.  Essa  radiação  cósmica  primária  é  composta  principalmente  por  núcleos  (~90% prótons,  ~9%  partículas  alfa  e  o  restante  são  núcleos  pesados)  e  se  destacam  pela  sua altíssima energia [1]. A maior parte dos raios cósmicos possui um caráter relativístico, uma vez que suas energias são da ordem de 1012 a 1018eV. Entretanto, há alguns raios cósmicos que chegam a ser ultra‐relativísticos, pois suas energias podem superar a cifra dos 1019eV.   A  cadeia  de  eventos  em  que  é  iniciada  na  interação  de  um  raio  cósmico,  com energia  relativística,  com  uma molécula  da  alta  atmosfera  terrestre  é  denominada  de Chuveiros Atmosféricos Extensos – CAE [2]. Os produtos da primeira interação movem‐se praticamente  na  mesma  direção  do  primário  dando  origem  a  uma  cascata  de  outras interações  podendo  atingir  um  número  de  produtos  (os  denominados  secundários) superior a 106 partículas. Detectar os instantes iniciais do CAE é uma tarefa difícil, mas que possibilita  ter  uma  maior  compreensão  do  “primário”  e  com  isso,  responder  a  várias questões que ainda estão em aberto, como: qual sua origem e de onde provêm? A figura ‐1 procura  ilustrar  o  desenvolvimento  de  um  CAE  na  atmosfera  terrestre  para  as  duas primeiras interações fortes com as moléculas de N2 e O2.   Sabe‐se que a primeira colisão produz em sua maioria as partículas denominadas de  mésons  pi  neutros  e  carregados  (π˚,  π‐  e  π+),  apesar  de  também  produzir  outros hádrons  (K‐méson,  prótons,  nêutrons  e  suas  antipartículas).  O  número  médio  de partículas produzidas nessa interação depende da energia do primário e do parâmetro de impacto da colisão.  

3

   Os mésons  π˚,  e boa parte dos K˚, decaem  antes de  interagir originando múons (mésons  μ),  que devido  a  sua pequena  seção de  choque  e  longo  tempo de  vida média (~2,19 μs) [3], praticamente atravessam a atmosfera sem interagir e sem sofrerem grandes deflexões. Isso faz com que na superfície terrestre os múons sejam as partículas carregadas da radiação cósmica mais abundante, perdendo no total (partículas neutras e carregadas) apenas para os neutrinos. Os elétrons (e‐) e pósitrons (e+) são representantes com cerca de um quinto das partículas carregadas da radiação cósmica no nível do mar, entretanto as suas trajetórias não são retilíneas e suas energias são bem  inferiores quando comparadas com as dos múons.   Neste trabalho descrevemos uma atividade experimental que nos permitiu medir o fluxo  médio  dos  múons  da  radiação  cósmica.  Na  seção  II  destacamos  algumas características dessas partículas produzidas por um CAE. A  seção  III  foi  reservada para uma descrição detalhada do equipamento desenvolvido, onde citamos aspectos dos seus componentes  principais,  dentre  os  quais  os  cintiladores,  as  fotomultiplicadoras,  a eletrônica  empregada  e  a  eficiência  total  dos  detectores. Na  seção  IV  apresentamos  os procedimentos  de medidas  e  as  correções  geométricas  necessárias  no  TM  para  obter  o fluxo médio de múons. Nesta mesma secção apresentamos os resultados experimentais e os  comparamos  com medidas  realizadas  em  outras  localidades  e  que  se  encontram  na literatura. Finalizamos o trabalho com as conclusões e apresentamos algumas perspectivas 

 

Fig.  –  1:      Esquema  de  desenvolvimento  de  um  CAE  (chuveiro atmosférico extenso) na atmosfera terrestre. 

π +

π 0

π -

γ

γ e

+

e -

μ +

νμ

μ -

νμγ

γ γ

Partícula primária

14N

16O

Primeira interação

14N

π -

π 0π

+

μ +

νμ

Segunda interação

γ

γ γ

π 0

νμμ -

4

para dar seqüência ao uso desse equipamento.  II.   OS MÚONS DA RADIAÇÃO CÓSMICA 

IIa. As características dos múons 

  Múons são partículas bem conhecidas pela comunidade científica e se caracterizam por serem carregadas (μ  e μ‐ +) e por terem uma alta capacidade de penetrarem em grandes espessuras da matéria. Essa última característica ocorre, em parte, por que eles possuem energias  elevadas  e  uma  vida  média  de  apenas  2,19  μs,  fazendo  com  que  eles  não participem  de  interações  hadrônicas.  As  diversas  propriedades  dos  múons  estão detalhadamente  listadas por Yau  e  colaboradores  [3]. Citaremos  apenas o  fato que, por medidas realizadas em diversos experimentos, o fluxo vertical (μ  + μ‐ +) atinge seu máximo, de 220 partículas/(m2.s.sr), a uma altura de cerca de 15000 m. Já na superfície terrestre esse fluxo diminui para cerca de 110 partículas/(m2.s.sr). 

Os múons decaem espontaneamente através da  interação fraca, de acordo com os seguintes esquemas: 

μννμ ++→ ++ee           (1) 

μννμ ++→ −−ee           (2) 

onde,  utilizamos  a  notação    para  o  pósitron,  e    para  o  elétron, +e −e μνν e e   para  o 

neutrino  eletrônico  e muônico  e  μνν e e   para  o  anti‐neutrino  eletrônico  e  muônico, 

respectivamente. A massa de um múon é 105,658 MeV/c2, enquanto que a sua energia média detectada 

em solo (ao nível do mar) é da ordem de 4 GeV, ao passo que a uma altura de 15000 m essa energia chega a ser da ordem de 6 GeV [2 e 3]. 

Essas  características  (alto  fluxo,  trajetória  retilínea,  alta  energia  e  longa  vida média) fazem com que esta partícula seja ideal para as demonstrações dos efeitos relativísticos de dilatação do tempo e contração do espaço.  

IIb. Desenvolvimento longitudinal do CAE 

  Analisemos agora as características do desenvolvimento  longitudinal de um CAE baseado no modelo simplificado proposto por [10]. Supondo que uma partícula de energia inicial E0 incida sobre um absorvente (no caso, uma partícula da atmosfera) e supondo que na  profundidade  X0  emite  uma  partícula  de  energia  E0/2  e  retém  uma  quantidade  de energia E0/2. Depois de ter atravessado uma nova profundidade X0, emite outra partícula de energia E0/4 e retém uma energia de igual valor. A partícula de energia E0/2, depois de atravessar a mesma espessura, cria um par de elétrons, cada um com energia E0/4. Desta maneira, a CAE vai avançando e ao final, o número de partículas N depois de atravessar uma profundidade ξ, será dado por: 

ξξ 2=)(N           (3) 

5

ou seja e a energia de cada partícula será de ( ) ξξ −= 20EE            (4) 

Supondo que  a progressão do  chuveiro  se  tem quando E  é  igual  a uma  energia crítica Ec, a profundidade máxima alcançada ( maxξ ) será dada por 

( )210

lnlnmax ⎟⎟

⎞⎜⎜⎝

⎛=

cEE

ξ           (5) 

e o número máximo de partículas nesse momento será 

cEEN 0=max            (6) 

Passado  o  ponto  de  máxima  progressão,  podemos  assumir  uma  absorção exponencial do tipo 

( ) λξ

ξ1

max

= eNN           (7) onde:  max1 ξξξ −=  e λ  é denominado de coeficiente de atenuação do CAE. 

Para múons,  cuja  vida média  aceita  é  da  ordem  de  τμ  =  2,19μs,  e  o  número  de múons  pode  ser  determinado  pela  equação  acima,  escrita  na  forma  de  decaimento exponencial dado por 

μτt

eNN−

= 0             (8) ct=1ξNessa equação, consideramos a profundidade das partículas   e o coeficiente 

de atenuação das partículas  μτλ c= . Na mesma equação, N0 é o número de múons no tempo t=0, ou seja, no topo da atmosfera. [5]. 

Essa última equação nos possibilita calcular a quantidade de múons (N) que chega na superfície terrestre.  

IIc. A dependência angular para a detecção de múons 

  As  linhas de  indução do campo magnético  terrestre provocam uma assimetria na direção  azimutal  de  incidência  de  múons.  Esse  efeito  é  causado  principalmente  pelo excesso de cargas positivas da radiação primária. Devido a essa assimetria, ocorre numa direção privilegiada, isto é, no sentido de leste para oeste, e é caracterizada por um excesso de aproximadamente 13% de múons incidindo da direção oeste com energia abaixo de 100 GeV [4]. Para energias superiores a essa não há efeitos significativos do campo magnético terrestre, sendo a incidência azimutal isotrópica.   Com relação à incidência zenital, um decréscimo do fluxo com o aumento do ângulo é  esperado  para  baixas  energias,  enquanto  que  para  altas  energias  deve  ocorrer  um acréscimo ocasionado pelo aumento da probabilidade de decaimento dos mésons π e K. Para  baixas  energias  há  uma  diminuição  no  fluxo  devido  aos  desvios  na  trajetória causados  pelo  campo  magnético  terrestre  que  implica  no  aumento  da  trajetória  das partículas [5]. Desta forma, podemos deduzir que a distribuição angular zenital de múons para ângulos menores que 75˚ pode ser expressa por uma equação do tipo: 

6

( ) ( )θθ nII cos0=           (9) onde: θ é o ângulo zenital, I0 é o fluxo de múons na direção vertical (θ=0˚) e o expoente n é uma  fração do momento dos múons, que para a  intensidade  integrada à baixas energias tem valor de n = 2 [5 e 6].   Esta  equação  nos  será  útil  para  a  determinação  correta  dos múons  através  dos detectores do equipamento que desenvolvemos.   III.   O TELESCÓPIO DE MÚONS (TM) 

  O  equipamento  que  desenvolvemos  (ao  qual  denominamos  de  Telescópio  de Múons  ‐ TM) é constituído de dois detectores de partículas, uma eletrônica composta de fontes  de  tensão,  contadores,  discriminadores,  osciloscópio,  cabos,  conexões  e  um microcomputador.  Esses  detectores  são  montados  sobre  uma  estrutura  metálica  com divisões de alturas fixas, mas que podem ser intercambiáveis.  

 Fig. ‐2:   Imagem do TM em sua configuração 

atual.    Cada detector, cujo  formato se assemelha a uma “raquete”,  tem a secção sensível constituída  de  plástico  cintilador  onde  ocorre  a  interação  do  múon  e  a  conseqüente produção de fótons de cintilação. Esses fótons são transportados por guias de luz até um tubo fotomultiplicador onde são convertidos em um sinal elétrico. A figura ‐2 ilustra uma visão global do Telescópio de Múons na sua configuração atual.   A  seguir,  destacamos  os  principais  componentes  desse  equipamento,  inclusive destacando  os  procedimentos  adotados  para medir  a  eficiência  de  cada  detector  e  as medidas do fluxo de múons.  

IIIa. O Cintilador 

  Um  cintilador é  constituído por bloco de plástico  transparente  (Polivinyltolueno) que é dopado com moléculas cintilantes. Para aumentar a  intensidade do sinal  forramos com  papel  de  alumínio  refletor  e  protegemos  da  luz  externa  envolvendo‐o  com  fita 

7

adesiva preta. A função das moléculas cintilantes é detectar a passagem de partículas carregadas. 

Quando uma partícula carregada atravessa uma quantidade de matéria ela perde parte da sua energia para o meio que atravessou. Assim, essa energia é absorvida pelos elétrons das moléculas  desse  meio,  que  transitam  para  um  nível  de  maior  energia.  Quando  estes elétrons  retornam de novo  ao  estado  fundamental  re‐emitem  a  energia  absorvida  sob  a forma de  luz visível. No  caso dos  cintiladores usados  em nosso TM a  luz  emitida  é no comprimento de onda do violeta (λ ~ 430 nm). Esta luz propaga‐se ao longo do plástico do cintilador, é refletida nas folhas de alumínio, sendo recolhida por guias de luz. Um guia de luz  é  também  uma  peça  de  plástico  transparente mas  que  é  cortada  com  uma  forma geométrica especial de maneira a focar a luz numa área pequena. O guia de luz é colocado numa  das  extremidades  do  cintilador  de  modo  a  conduzir  a  luz  na  direção  da fotomultiplicadora (figura ‐3a).  

        

 

 

Fig. –3b:     Esquema da amplificação de um sinal  luminoso que  entra pela  janela  (parte superior),  através  de  dínodos  que  são alimentados por divisores de tensão. (fonte: www.lip.pt). 

Fig. –3a:   A propagação de sinais luminosos dentro das  raquetes e direcionando‐os para o guia de luz. (fonte: www.lip.pt). 

 IIIb. A Fotomultiplicadora 

Uma  fotomultiplicadora  tem  a  função  de  converter  a  luz  em  sinal  elétrico.  A 

8

intensidade do sinal elétrico é tanto maior quanto maior for a quantidade de luz detectada. Esta conversão baseia‐se num fenômeno da Física Quântica denominado efeito fotoelétrico. Basicamente, a luz que provem do guia de luz entra na fotomultiplicadora por uma janela e  incide  sobre  uma  superfície  designada  fotocátodo.  Aí  é  absorvida  pelos  elétrons atômicos os quais adquirem energia suficiente para se libertarem da atração do núcleo. Os elétrons libertados sofrem a ação de uma elevada diferença de potencial e são acelerados para  uma  placa  designada  dínodo. Ao  chocarem  com  o  dínodo  liberam‐se  novamente elétrons  atômicos  multiplicando  o  sinal  elétrico  inicial.  Este  processo  de aceleração/multiplicação  é  repetido  ao  longo  de  uma  cadeia  de  dínodos  e  quando  os elétrons atingem o ânodo da fotomultiplicadora formam uma corrente elétrica detectável. (figura ‐3b). O sinal de saída da fotomultiplicadora é posteriormente analisado utilizando um osciloscópio. 

Em resumo, quando uma partícula carregada (por exemplo: μ‐ + μ+) atravessa um cintilador (empregamos o tipo: NE102A) deposita nele uma quantidade de energia que é convertida  em  luz. Esta  luz atravessa o  cintilador e é  focada por um guia de  luz numa fotomultiplicadora (usamos: PMT2232B‐Philips). Na fotomultiplicadora a luz é convertida em corrente elétrica, a qual é usada para assinalar a passagem das partículas de um CAE. Esse sinal é encaminhado ao módulo eletrônico do TM que será descrito mais abaixo.  

IIIc. A eletrônica empregada no TM 

Os módulos  de  eletrônica  empregados  no  TM  são módulos  no  padrão  NIM  e descritos em detalhes por Leo [11]. A figura ‐4 ilustra um esquema básico da eletrônica de aquisição de dados desenvolvida para a contagem de partículas carregadas. Basicamente, o sistema eletrônico recebe o sinal analógico de cada detector (via fotomultiplicadora) que é  levado a este sistema através de cabos coaxiais de 50 Ω, com 30 m de comprimento, o que  impõe um atraso sistemático de 10 ns em cada detector. Um módulo discriminador (usamos o modelo CAEN mod. 96) recebe esse sinal e emite um pulso lógico com 90ns de largura quando os pulsos de entrada superam –20mV. Esses pulsos são então  levados a um módulo de coincidência temporal (empregamos o modelo CAEN mod. 81A) que emite um  sinal de  saída quando ocorre  sinal  em  ambos detectores dentro da  janela  (90ns) de coincidência.   

9

  

Fig. –4:   Ilustração sobre o esquema da eletrônica de aquisição de dados empregada no TM. 

 Dentro desta janela a coincidência se deve a múons da radiação cósmica. O sinal é 

então  levado  para  um  contador  e  para  um  gerador  de  áudio  (opcional).  Todos  esses periféricos, além da fonte de tensão (utilizamos o modelo TCH3000), estão acoplados num CRATE NIM (Lecroy: modelo 1403). A figura ‐5 mostra todo o sistema eletrônico modular acoplado  no  CRATE.  Utilizando  dois  canais  de  um  osciloscópio  (HP  modelo  5461B), podemos  estabelecer  a  diferença  temporal  entre  o  registro  da  partícula  no  primeiro (superior) e no segundo (inferior) detector.  

 Fig. ‐5:   Parte da eletrônica (CRATE) utilizada na identificação das medidas do fluxo de múons. 

   A partir dessa eletrônica, faz‐se uma programação lógica com base na coincidência dupla  dos  dois  detectores  que  enviam  os  sinais  para  contadores  (usamos  o  tipo:  SEM Scaler Type 150 com capacidade para 950 MHz), como ilustra a figura ‐4. 

10

  Para avaliarmos a eficiência de cada detector realizamos várias medidas adotando a seguinte sistemática: realizamos a programação lógica que fazia a coincidência dupla dos detectores  acima  e  abaixo  do  detector  cuja  eficiência  estava  sendo  medida.  Também medimos a coincidência tripla dos três detectores, e a mesma era registrada. As medidas foram repetidas três vezes para cada tensão fixa e estabilizada, e eram feitas com tempo de exposição  fixo  em  60  segundos  (marcados  através  de  um  cronômetro  digital  Technos modelo CR‐2032X1).  

 Fig. ‐6:   Diagrama de aquisição para medida da 

eficiência.    Através de uma análise detalhada das figuras ‐7 podemos estimar a melhor tensão a ser empregada na alimentação das fotomultiplicadoras. No caso assumimos que ela ficou em  torno  de  1600  Volts,  o  que  corresponde  a  uma  eficiência média  de  87%  para  cada detector.  

Fig. ‐7a, b e c:   Eficiências dos detectores empregados no experimento TM. 

 IV.   RESULTADOS EXPERIMENTAIS 

 IVa. Aquisição e correções dos dados 

  As medidas das  eficiências dos detectores que operamos no TM  são  levadas  em consideração na medida  real dos  fluxos de múons que  realizamos variando  a distância entre  eles  desde  0,105  até  2,105 m. Nesse  intervalo  de  distância  foram  realizadas  doze medidas para alturas diferentes. Como cada detector possui uma eficiência de 87% e como empregamos dois detectores para medir  cada evento em modo de  coincidência, então a eficiência efetiva do TM é o produto da eficiência dos dois detectores, o que  resulta um 

11

valor em torno de 75,7%.   Para  efeitos  de  medidas,  na  prática  fixamos  um  tempo  de  integração  em  180 segundos, sendo o número de múons coincidentes que passou neste  intervalo de  tempo (isto  é,  registrado  em  ambos  detectores)  anotado  numa  planilha  EXECEL  do microcomputador.  Para  cada  altura  entre  os  detectores  realizamos  de  quatro  a  cinco integrações  no mesmo  intervalo  temporal,  sendo  calculada  a média  e  o  desvio  padrão associada àquela distância.    Uma  correção  importante  nas medidas  do  fluxo  real  de  partículas  é  dada  pela região espacial útil definida pelo TM. Essa região é denominada de abertura equivalente (Ab)  do  dispositivo  e  está  relacionada  à  geometria  da  colocação  superposta  dos  dois detectores. As medidas  físicas dos detectores  que utilizamos  são  fixadas  em: X=0,41 m, Y=0,38 m (para as laterais) e Z=2,105 m (para a máxima altura entre os detectores).   No caso das medidas do  fluxo de múons empregamos um arranjo composto por dois  detectores  planos.  A  figura  ‐8  ilustra  um  esquema  que  possibilita  encontrar geometricamente o termo Ab, que nada mais é do que a fração que o telescópio consegue “enxergar” em  todas as direções possíveis. Essa medida depende do arranjo geométrico entre  os  detectores.  Para  resolver  essa  questão  fundamental  recorremos  o  conceito  de ângulo  sólido  aplicado  ao  arranjo  experimental  [12]. No  detector‐1  (superior)  temos  o elemento de área dado por:  

rddydxdA ˆ1111 ⋅== σr . E, da mesma forma, para o detector‐2 (inferior) temos:  

rddydxdA ˆ2222 ⋅== σr .   Expressamos o termo Ab do TM empregando a equação abordada em [12] como: 

∫∫ ⋅=12

1SS

nb rddA ˆ)(cos σωθ r

     

  (10)   Analisando  a  figura  ‐8  identificamos  que  a  equação  (10)  pode  ser  re‐escrita  na forma: 

'')(cosˆ)(cos dydydxdxZ

rddAX X Y Y

n

S S

nb θσωθ ∫ ∫ ∫ ∫∫ ∫ +=⋅=

0 0 0 0

421

1

2 1

r  (11) 

As  soluções  explícitas  para  esta  equação,  fazendo  n  =  0,  1,  2,  3  e  4,  podem  ser encontradas  em  [7]. No  caso  do  TM  que  trabalhamos,  o mesmo  possui  uma  simetria retangular com dois detectores de dimensões X, Y e altura entre eles dada por Z. Neste caso, encontra‐se uma expressão do tipo: 

( ) ( )

}

{21 2222

⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡⎟⎠⎞

⎜⎝⎛⋅+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛⋅−

−⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛⋅⋅++⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛⋅⋅+⋅=

ZYarctgY

ZXarctgXZ

RYarctg

RYXR

RXarctg

RXYRA

xxx

yyyb

  (12) 

12

sendo:   e  .

  

222 ZXRx += 222 ZYRy +=

  

 

dA2

dA1

r Z

r ̂

r ̂

θ

θ

y2 – y1x2 – x1

d σ2

d σ1

Fig.  ‐8:      Esquema  da  geometria  espacial  do  arranjo  de detectores empregado para determinação da abertura (Ab) do telescópio de múons. 

   Assim, uma estimativa de Ab para o TM pode ser encontrada ao substituirmos os valores de X, Y e Z. Na Tabela listamos os valores de Z (distância entre os detectores em m),  os  valores  de Ab  para  diferentes  alturas  (em m2.sr)  e  as medidas  coletadas  para  as freqüências e os respectivos erros (em Hz) para cada uma das doze distâncias diferentes.  

TABELA:   Medidas realizadas por meio das coincidências. 

Características do Telescópio 

Medidas 

Distância  

Abertura  

Freqüência ± erro  

Fluxo (Φ)  .s(múons.m‐2 ‐

1(m)  (m2.sr)  (Hz)  .sr ) ‐1

2,105  0,0053  0,66±0,03  100,98 1,885  0,0065  0,77±0,03  118,74 1,715  0,0078  0,94±0,06  122,45 1,475  0,0104  1,24±0,07  100,98 1,215  0,0149  1,54±0,04  118,74 1,085  0,0182  2,13±0,09  122,45 

13

0,915  0,0245  2,84±0,08  100,98 0,675  0,0400  4,60±0,12  118,74 0,510  0,0595  6,94±0,18  122,45 0,345  0,0931  10,22±0,34  100,98 0,275  0,1138  12,77±0,28  118,74 0,105  0,1852  20,64±0,27  122,45 

Φmédio = 111,37±0,80 (múons.m .s .sr ) ‐2 ‐1 ‐1

 IVb. Resultados a respeito do fluxo de múons 

Quando  o  sistema  eletrônico  infere  uma  coincidência,  isso  representa  uma contagem útil ou um evento (portanto, um múon foi detectado). Trabalhamos com o TM dentro  do  prédio  em  que  se  encontra  o  Laboratório  do  Léptons  do DRCC  do  IFGW‐UNICAMP.  Como  dissemos  anteriormente,  empregamos  um  intervalo  de  tempo  de integração  fixado em 180 segundos, onde  fizemos várias  integrações  (geralmente 4 ou 5) para medirmos as  contagens numa determinada distância  (Z)  entre os detectores. Essas distâncias foram variadas e os correspondentes valores de Ab foram calculados, além das medidas  em  freqüências  e  seus  desvios. Os  fluxos  (múons.m .s .sr‐2 ‐1 ‐1)  correspondentes  a cada  altura Z  também  estão  listados na Tabela  abaixo. Essas medidas  foram  realizadas através do uso da relação: 

bAtN⋅Δ

=Φ           

(13) 

sendo: N  o número de  eventos  coincidentes, Δt  o  tempo de  integração  e Ab  a  abertura equivalente.   A  partir  desses  dados,  geramos  a  figura  ‐9  que  reflete  o  comportamento  das freqüências (contagens/seg.) com as distâncias entre os detectores (m). Analisando o ajuste das medidas fica fácil de perceber que, na medida em que afastamos os detectores um do outro  a  freqüência  de  partículas  (ou  seja,  as  coincidências)  vai  diminuindo gradativamente.  

14

0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,50

5

10

15

20

25

30

Chi2 = 0.06432R2 = 0.99894

Freq

uênc

ia [c

onta

gens

/seg

.]

Distância entre os detectores [m]

 Fig. ‐9:   Comportamento da freqüência com a distância entre os dois detectores 

   Através de um  ajuste pelos pontos da  figura  ‐9  encontramos  a medida do  fluxo médio em: 

Ф  = 111,37±0,80 (múons.m .s .sr ) ‐2 ‐1 ‐1médio

Do que discutimos na secção anterior, esse fluxo deve ser corrigido pela eficiência de  detecção  (que  foi  de  ~75,7%). Assim,  encontramos  como melhor  valor  para  o  fluxo médio de múons: 

Ф = 147,12±0,88 (múons.m .s .sr ) ‐2 ‐1 ‐1

 IVc. Comparações dos resultados 

A  figura  ‐10  é  uma  adaptação  do  trabalho  de  Eidelman  e  colaboradores  [9]  e representa  o  fluxo  vertical  dos  raios  cósmicos  secundários  (onde  também  inclui‐se  os múons carregados: μ+ + μ‐) em relação à altura e a profundidade atmosférica. Analisando essa  figura estimamos que a uma altura de 15000 m o  fluxo vertical de múons  tem um valor próximo a 220 múons.m .s .sr‐2 ‐1 ‐1, enquanto que para uma altitude de 640 m acima do nível do mar (mais ou menos onde se se localiza Campinas – local da coleta das medidas aqui analisadas), esse valor passa a ser da ordem de 107 múons.m .s .sr . ‐2 ‐1 ‐1

Porém, com o TM que empregamos foram detectados cerca de 147 múons.m .s .sr‐2 ‐1 ‐1, o que representa um valor ~37,5% superior ao que seria esperado da literatura [9].  

15

 Fig. ‐10:     Intensidade vertical de múons secundários da radiação cósmica  em  função  da  altitude  [9].  Os  símbolos  são  dados experimentais para múons negativos e a linha representas muons (μ+ e μ ) calculados a partir do fluxo de nucleons primários. ‐

 Tomando  como  outra  base  de  comparação  a  principal  referência  em  física  de 

partículas, que é a publicação bienal do Particle Data Group  [3], ela  traz como um valor para o fluxo de múons no nível do mar a cifra de 90 (múons.m‐2.s .sr ). ‐1 ‐1

  Essas diferenças se devem ao fato de que o valor expresso pela literatura [3 e 9] ser uma  referência para o hemisfério norte da Terra. Em Campinas  (~23˚S  ‐ ~47˚W) o valor experimental  obtido  neste  trabalho  reflete  o diferente  corte  geomagnético  imposto pelo campo magnético  terrestre  às  partículas  carregadas. Neste  sentido,  vale  lembrar  que  a intensidade vertical de múons em Nova York é de 98,8 múons/(m2.s.sr) e para Brasília é de 150,2 múons/(m2.s.sr), conforme consta publicado em [8].   V.   CONCLUSÕES 

  Neste trabalho apresentamos de forma sucinta algumas características relacionadas aos raios cósmicos, em particular aos Chuveiros Atmosféricos Extensos (CAE) e a uma das partículas que se originam desse fenômeno – os múons da radiação cósmica.   Montamos  um  experimento  capaz  de  detectar  o  fluxo  de múons  na  superfície terrestre. Descrevemos em detalhes esse experimento (o qual denominamos por telescópio de múons – TM), no que se refere aos cintiladores plásticos, fotomultiplicadoras, fontes de alta  tensão, osciloscópio, cabos e conectores, além de uma eletrônica modular no padrão NIM  capaz  de  inferir  sinais  em  pequeno  intervalo  de  tempo. Analisamos  as  correções necessárias para a correta medida do fluxo de múons que, basicamente, estão relacionadas 

16

à abertura equivalente (devido aos dois detectores) e a eficiência mútua dos detectores. Após  todas  as  correções  necessárias  detectamos  um  fluxo médio  de  147,12±0,88 

(múons.m‐2.s‐1.sr‐1). Essa informação experimental foi comparada com os dados disponíveis na  literatura  e,  comprovamos  que  a  medida  inferida  para  a  região  de  Campinas  é aceitável, pois se encontra no intervalo esperado para a intensidade vertical de múons no hemisfério sul da Terra. 

Devemos  lembrar  que  os  múons  são  partículas  relativísticas  (deslocam‐se  com velocidades  próximas  à  da  luz),  assim,  dependendo  de  que  sistema  de  referência  que escolhermos  para  fazer  as medidas,  a  detecção  dessas  partículas  pelo  TM  ilustra  uma realidade  física prevista na Teoria da Relatividade Restrita,  seja através da dilatação do tempo, ou da contração do comprimento, como é discutida na literatura [13].   A  perspectiva  deste  trabalho  está  em  poder  envolver‐se  com  tópicos  em  física moderna e em astrofísica de alta energia. É nosso intuito continuar realizando medidas do fluxo de múons para: a) verificar possíveis variações devido à dependência com o campo magnético terrestre e b) a influência da variabilidade na atividade solar frente à atmosfera terrestre e o fluxo de múons detectável.   Esperamos  também  poder  levar  o  equipamento  junto  às  feiras  de  ciências, observatórios,  planetários  e  escolas;  para  não  só  passar  conteúdos  e  conhecimentos  da física moderna  e da astrofísica, mas  também mostrar para as pessoas um outro  tipo de informações proveniente do espaço (fora da região visível do espectro eletromagnético) e, assim, motivá‐las no estudo de ciências.   VII.   AGRADECIMENTOS 

JCP  agradece  parte  dos  recursos  vindos  através  do  DGRH  e  da  PROPESQ  da  PUC‐Campinas e da PMC através do OMCJN. LFGG   agradece ao SAE da UNICAMP. DMC agradece ao CNPq pela bolsa de iniciação científica concedida.  

VIII.   BIBLIOGRAFIAS 

[1] Gaisser, T. K.; Cosmic Rays and Particle Physics, Cambridge Univ. Press., (1990). [2] Cocconi, G.;  Extensive Air  Showers,  Encyclopedia  of  Physics, Cosmic Rays  I;  Spring‐Verlag; 215, (1961). [3] Yau, W. –M., e colab.; Particle Date Group, J. Phys. G, 33, 1, (2006). [4]  Tokiwak,  M.,  e  colab.;  Atmospheric  Muon  Measurements  –  III:  Azimuthal  Angular Dependence, Proceedings of  ICRC 2001, 939, (2001). 

[5] Allkofer, O. C.; Introduction to Cosmic Radiation, University of Kiel, Germany, (1975). [6] Grieder,  P. K.  F.; Cosmic Ray  at  Earth  – Researcher’s Reference Manual  and Data  Book; 

Elsevier Science, (2001). [7] Piazzoli, B.D., e colab.; Nucl. Instr. and Meth., 135, 223, (1976). [8] IBM Journal of Research and Development, Vol. 40, n˚. 1. 

17

Disponível em: http://www.research.ibm.com/journal/rd/421/ziegler.html. [9] Eidelman, S., e colab.; Phys. Lett. B, 592, 1, (2004). Disponível em: http://www.pdg.gov [10] Heitler, W.; The Quantum Theory of Radiation, Oxford Univ. Press., 3ª. ed., (1954). [11] Leo, W. R.; Techniques for Nuclear and Particle Physics Experiments – A How‐to Approach, 

Second Rev. Ed., Springer‐Verlag, (1994). [12] Sullivan, J. D.; Nucl. Instr. and Meth., 95, 5, (1971). [13] Resnick, R.; Introdução à Relatividade Especial, EDUSP e Ed. Polígono, (1971).