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    Razes normativas e razes motivadoras: uma anlise das

    propostas cognitivista e no cognitivista de Michael Smith e SimonBlackburn

    Caroline Izidoro MarimDoutoranda em Filosofia do PPGF-UFRJ

    Agir por razesO que significa agir por razes?Razo um termo ambguo e de acordo com Smith pode ser

    interpretado de dois modos: razes motivacionais e razes normativas. Asrazes motivacionais so estados psicolgicos que explicam a ao de umagente teleologicamente e, talvez, tambm causalmente. Razes normativasso proposies que sendo verdadeiras poderiam justificar certos tipos deescolhas ou aes, ou seja, elas so fatos sobre a desejabilidade do agir. Soproposies do tipo: desejvel agir de determinada maneira emdeterminadas circunstncias.

    As razes motivacionais so estados mentais que antecedem eexplicam as aes do agente. Enquanto que, as razes normativas soconsideraes ou fatos que racionalmente justificam certos tipos de escolhas

    ou aes. As razes normativas tm o papel de justificar aes, e no sopensadas como estados psicolgicos, que no justificam nada, mas comoproposies cuja verdade poderia justificar agir desta maneira ou de outra.Ou, como define Smith, a melhor descrio para tais proposies dadapela teoria disposicional do valor:

    (..) fatos sobre valores morais so fatos sobre desejos idealizados.(..) fatos sobre o que ns temos razo para fazer sosimplesmente fatos sobre o que seria bom e desejvel para nsfazermos onde, um por um, so fatos sobre o que ns idealmentedesejamos ns mesmos fazer. Valores morais so uma subclassede valores: fatos sobre o que ns moralmente devemos fazer souma subclasse de fatos sobre o que ns temos razo para fazer.

    (SMITH, Michael, p. 9.)

    Ou seja, de acordo com a teoria disposicional do valor as razesnormativas so proposies a respeito da desejabilidade em agir de certamaneira, onde fatos sobre desejabilidade so simplesmente fatos sobrenossos desejos idealizados. Deste modo, dizer que temos razes normativaspara fazer x em uma circunstncia C, simplesmente dizer que, sobcondies de crescente informao e reflexo racional, ns teramos o

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    desejode fazer x em C.Uma vez que se distinguem razes normativas de motivacionais,

    v-se que as crenas de um agente sobre suas razes normativas podem serseparadas de suas razes motivacionais de um modo totalmente sistemtico,assim como o melhor julgamento pode ser separado do desejo. Porm, agirpor razes pode ser, algumas vezes, mas nem sempre, agir por razesnormativas, mas sempre por razes motivacionais, portanto fundamentalcompreender a natureza da motivao e das razes normativas, bem como arelao entre elas. Assim de que modo as razes normativas interagem comas razes motivacionais?

    Smith pretende a partir da teoria disposicional do valor mostrarem termos do que desejvel, bom e correto, ou seja, dos desejos emcircunstncias ideais (desejabilidade) como e porque nossas crenas sobrenossas razes normativas so capazes de ambos, causar e racionalizar nossodesejo correspondente. Em sua tese internalista, a razo normativa a razopara agir, onde o que desejvel tem de ter alguma relao com o meudesejo real e, onde um juzo avaliativo d origem a um desejo, que foigerado pela crena avaliativa. O que explica a transio das crenas para odesejo nada mais que a capacidade que ns temos como criaturas racionaisde ter coerncia psicolgica, mas como explicar a natureza de vrias formas

    de irracionalidade e o que exatamente constitui a racionalidade plena?Primeiramente, ao contrrio de Hume, que define desejoscomo estados psicolgicos no sensveis a consideraes racionais dequalquer tipo, para Smith os desejos podem ser um produto de umacapacidade racional. Est relacionado s crenas avaliativas (crena sobredesejos). Eles no so gerados por uma cognio pura, mas isto nosignifica que no se relacionam a uma cognio (eles podem serracionalmente justificados). H uma relao entre desejo e crenasavaliativas.

    Modelo de motivao de Smith: crena avaliativas + capacidaderacional (tendncia coerncia) geram desejo correspondente.Modelo humeano: crena + desejo geram motivao.

    De acordo com Smith, uma pessoa plenamente racional aquelaque: (a) no tem crenas falsas; (b) tem todas as crenas relevantes e; (c)delibera corretamente, isto , tem um conjunto de desejos que unificado ecoerente e cujo conjunto de desejos convergiria. Ou seja, uma pessoa quetem uma razo normativa de fazer x em C e que deseja, em condies deplena racionalidade, fazer x em C. Contudo, a pessoa que falha em desejarfazer x em C, mesmo acreditando que em condies de plena racionalidade

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    ela desejaria fazer x em C incoerente, o que indica irracionalidade prtica.Desse modo, ou o indivduo motivado a fazer o que julga correto ou praticamente irracional.

    Tudo o que necessitamos para explicar a transio da convicode que fazer x em C correto para o desejo de fazer x em C a apreciaode duas premissas, o discernimento lgico e que toda criatura racional tendena direo de uma psicologia coerente. E uma psicologia coerente significaque uma pessoa tem os seguintes pares de estados psicolgicos: a convico(V ou F) de que se tivesse um conjunto de desejos maximamenteinformado, coerente e unificado, ou seja, ser plenamente racional eleprprio quereria fazer x em C, mais o seu desejo de fazer x em C.

    A racionalidade exige no apenas que desejemos agir do modoque acreditamos ter razes normativas para agir, mas exige que a relativaintensidade de nossos desejos se alinhe relativa importncia dessas razesnormativas.Se, por exemplo, uma pessoa que possui um desejo de fazer xem C, desejo relativamente fraco, mas que tambm acredita que deveria terum desejo de fazer y em C, mais forte se ela fosse plenamente racional,ento, embora ela pense que tem alguma razo normativa para fazer x em C,ela julga ter mais razo normativa para fazer y em C. Desse modo, Smithestabelece que se a conexo entre razes normativas - que acreditamos ter

    depois de ter deliberado - e nossa razo motivacional uma conexoracional, embora contingente, ento possvel aceitar que: Se um agentejulga que seria melhor fazer y do que x, ento ele deveria (ceteris paribus)querer fazer y ao invs de querer fazer x. Nesse caso a racionalidade exigeque tenhamos desejos iguais no contedo e intensidade dos desejos queacreditamos que teramos se fossemos plenamente racionais.

    Cognitivistas versus no cognitivistas

    Smith claramente defende uma tese cognitivista, na qual, sustentaque as razes normativas so prticas, isto , que uma razo normativaimplica uma razo motivadora, ao menos na ausncia de irracionalidadeprtica.

    Para ele, as razes normativas so objetivas, pois envolvem umprocesso de reflexo e argumento e na medida em que os indivduos socapazes de responder questo: o que temos razo (normativa) para fazerse estamos em tais e tais circunstncias? h convergncia na resposta, naqual desejvel que faamos tal coisa em determinada circunstncia.Portanto, as razes normativas no apenas so prticas, como tambm soobjetivas. E, ainda, se existem razes normativas, sob condio de plenaracionalidade, ns convergiramos nos desejos que temos em circunstncias

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    bastante especficas. Se existem razes normativas, seramos capazes dejustificar nossos desejos, e isso seria, primeiro, uma justificao suficientepara convencer um agente plenamente racional para adotar um desejo,segundo, uma justificao suficiente para outro agente racional adot-lotambm.

    Dizer que razes normativas implicam razes motivacionaissignifica que agentes que crem possuir uma razo normativa para, porexemplo, manter uma promessa em certas circunstncias C, so motivados amanter sua promessa em C, ao menos na ausncia da irracionalidadeprtica. Como por exemplo, se consideremos dois grupos, o primeiro,composto de agentes que acreditam que desejariam manter a promessa emcircunstancias C e que tambm possuem um conjunto de desejos unificadose coerentes e desejam manter a promessa em C, enquanto, o segundo,composto de agentes que possuem a crena, mas no o desejo. O primeiropossui uma maior coerncia do que o segundo. H um desequilbrio oudissonncia no segundo que no h no primeiro, pois para Smith agentesplenamente racionais convergem nos desejos que eles tm e isto parte doque ele entende por justificao racional de nossos desejos, ou seja, quepessoas que tm esses desejos tm uma justificativa que outras pessoastambm podem ver como justificativa.

    Contudo, a tese cognitivista assim apresentada tem algunsproblemas, principalmente do ponto de vista das teorias no-cognitivistas.So eles:

    1) Existe plena racionalidade?2) O fato da razo normativa ser objetiva implica convergncia?3) A razo normativa prtica, isto , implica uma razo

    motivacional?Retomando um pouco o que foi dito acima, para determinar o que

    desejvel Smith introduz a idia de que temos a capacidade de serplenamente racionais, de ter uma capacidade de ter desejos corretos, ou seja,quando sou racional tenho a capacidade de desejar o que bom. Sendoassim o papel dessa capacidade fazer a distino de crenas relevantes eirrelevantes, verdadeiras e falsas. Ser plenamente racional implica: 1) no

    ter crenas falsas; 2) ter todas as crenas relevantes e verdadeiras; 3)deliberar corretamente. Mas como podemos saber o que desejvel? Ou,como aponta Copp, de que modo agentes plenamente racionais teriamtodos, crenas verdadeiras? (COPP, David p. 33-54) Ou, de acordo comMcCord, um conjunto mais coerente e unificado de desejos um conjuntomais racional? (Sayre-McCord, Geoffrey, p. 55-83)

    A tese no-cognitivista de Simon Blackburn sustenta queno parte da funo do juzo tico representar o mundo de maneira a

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    alcanar uma verdade, mas ao invs disso, os juzos ticos so estadosmentais, no cognitivos como as emoes e as sentenas apenas expressamaprovao ou desaprovao a um determinado fato ou evento. A deliberao todo o processo de avaliar, constitudo pela crena e o desejo. Assim sealgo desejvel, essa a motivao para agir e no necessrio recorrer anenhuma outra capacidade de julgamento, isto , uma razo normativacomo defende cognitivistas como Smith. O desejo impulsionou a ao,levou a ao e aqueles, como no exemplo tratado acima, que crem possuiruma razo normativa para, por exemplo, manter uma promessa em certascircunstncias C, mas que no conseguem realizar a ao de acordo com suarazo normativa, no se constitui um caso de irracionalidade prtica. Elessofrem de auto-engano e por isso o problema no o desejo, mas odesconhecimento de suas verdadeiras crenas.

    Para os expressivistas, tendo como principal representanteBlackburn, os juzos morais expressam estados psicolgicos que no sorepresentacionais, mas ao invs disso, so um certo tipo de estado avaliativode encaminhamento para a ao. Portanto, as afirmaes, asseres esentenas morais no possuem contedos descritivos. Ao fazer um juzomoral o agente no faz referncia ao fato moral, mas simplesmente que algo reflexo de uma atitude que ele endossa, ou seja, a linguagem moral no

    tem a pretenso de assegurar que certa posio seja correta, mas ao invsdisso que ns a aprovamos. Assim, a sentena: matar errado expressaapenas que o agente aprova o enunciado matar errado e isso expressode seu desejo.

    De acordo com Blackburn, no h algo como verdade namoralidade, ou crenas morais, ou as condies de verdade das sentenasmorais, assim no existe e no necessria a idia de plena racionalidade. Alinguagem moral visa outra coisa que no a verdade ou falsidade. umproblema vincular a moralidade idia de racionalidade, principalmente deuma racionalidade plena, pois cada um de ns esta disposto a responderpara vrias situaes com atitudes diferentes. Assim, quando um agente dizque errado matar est expressando uma atitude de aprovao oudesaprovao atravs de sua sensibilidade moral.

    Outro problema da teoria cognitivista de Smith defender queum conjunto mais coerente e unificado de desejos um conjunto maisracional, pois na tica, uma determinada situao pode demandar diferentesrespostas ticas, sendo difcil estabelecer qual o conjunto mais racional. Oconflito est nas emoes e no nas crenas. Por isso, necessriomodificar as emoes, j que os desejos movem a ao e as crenasparecem em muitos casos no ser suficiente para alter-los. Desse modo, acoerncia necessria para realizar uma ao tica est mais na sensibilidade

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    moral do que na correo das crenas.Contudo, ainda mais razovel defender a coerncia do que a

    idia de convergncia. Primeiro, para Smith, as razes normativas implicamconvergncia, pois so objetivas, isto , elas dependem apenas da naturezado objeto de pensamento (a coisa ou o estado das coisas que se pensa), eno do sujeito que pensa. Segundo, como o desejo formado a partir deuma crena avaliativa mais a capacidade racional (tendncia a coerncia)ele acredita ser possvel justificar os desejos, o que seria suficiente paraconvencer um agente plenamente racional a adotar um desejo econsequentemente que outros agentes tambm o adotem. Um dos problemascom a defesa de convergncia o fato de algo ser desejvel no implicanecessariamente que todos convergiriam para isso. Copp d o exemplo daaspirina, no qual um agente que tem uma razo para tomar aspirina porqueestcom dor de cabea no implica necessariamente que todos os agentescom dor de cabea, tenham uma razo para tomar aspirina, pois isso exigiriaque o agente que sente dor desejasse que ela fosse aliviada. , portanto, umproblema querer passar da coerncia no mbito das crenas para os desejose que isso implique convergncia.

    Para os no-cognitivistas os julgamentos morais no so capazesde ser objetivos, porque eles no descrevem o mundo, mas so expresso de

    nossas crenas e desejos em relao ao mundo. Os problemas morais emsua maioria se do em uma situao de desacordo moral, assim parece maisinteressante pensar que ao invs de pensarmos que os juzos avaliativos (oucrenas) so capazes de mudar os desejos e que mudando as crenasdesejaramos algo diferente, que nossas emoes possam ser transformadaspor uma sensibilizao moral e desse modo, ser possvel substituir umdesejo por outro mais desejvel moralmente. O problema endossar que umprincpio pode sobrepor o outro, que podemos chegar a convergncia de quementir errado, sendo que pode ser vlido tambm ter a crena de que emcertas circunstncias podemos achar melhor mentir.

    Por fim, Smith defende que razes normativas so prticas econsequentemente motivadoras, ou seja, que em condies normais, deracionalidade prtica, as crenas tm conseqncias prticas. Essa exigncia

    segue da teoria disposicional do valor, na qual uma pessoa plenamenteracional que acreditava que ela tinha uma razo para fazer A, estariamotivada ou formaria um desejo para fazer A (SMITH, p. 53). Para oscognitivistas existe uma conexo em ser desejvel e estar motivado e,portanto, o que ns desejamos realizar, ns realmente desejaramos serefletssemos bem. Contudo, a defesa de praticalidade das razesnormativas no modelo proposto por Smith problemtica. Resumindo omodelo de Smith:

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    crenas avaliativas (o que um agente deveria fazer) +tendncia acoerncia (capacidade racional)desejo (de fazer A).

    Primeiro, ao considerar que a tendncia a coerncia constitutivados nossos estados racionais e no uma contingncia externa. Essainferncia apenas terica e no prtica, pois uma crena nunca

    intrinsecamente prtica, ela no implica motivao. Segundo, o problema tentar explicar a praticalidade das razes normativas defendendo quedesejar fazer o que meu eu plenamente racional acredita ser desejvel, no um desejo, apenas tem a direo de fit de um desejo (SMITH, p. 55, nota 5).Nesse caso, Smith invoca outro elemento (direo de fit) para explicar comocrenas sobre razes podem nos levar ao, na tentativa de defender umatese cognitivista na qual os desejos possam ser modificados, contudo, omodelo humeano, o par crena-desejo, ou como prope os no-cognitivistasde que a ao expresso direta do desejo, parece ser mais bem sucedidopara explicar a praticalidade. A explicao expressivista parece maissimples e econmica, pois o estado mental j intrinsecamente prtico,envolvendo no apenas crenas, mas desejos, emoes, atitudes.

    ConclusoO presente artigo teve o objetivo de mostrar algumas dificuldadesda tese cognitivista de Smith contrastando-a com a teoria no-cognitivistade Blackburn. Enquanto problemtica a defesa cognitivista de umaracionalidade plena; de que o fato da razo normativa ser objetiva implicaconvergncia; e ainda de que razes normativas implicam razesmotivadoras, o modelo no-cognitivista parece ser mais bem sucedido aodefender que o significado das afirmaes ticas dado em termos do tipodo estado mental que essas afirmaes expressam, no em termos dascondies de verdade desses enunciados. Para eles no h nenhuma questoreal em torno do que faz com que uma afirmao seja verdadeira, noincorrendo assim nos problemas que as teorias cognitivistas enfrentam.Assim, dentre as teorias no-cognitivistas, o expressivismo mostra que

    mais relevante a sensibilizao no mbito da tica, do que a discusso. Eleexplica a coexistncia de teorias ticas rivais, como um resultado detradies culturais diferentes, propondo uma concepo coerente depluralismo tico e principalmente no defende uma moral na qual os desejossejam purgados, mas onde os juzos morais so expresso de nossasemoes, tornando o debate tico mais rico.

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    Referncias Bibliogrficas

    BLACKBURN, Simon. Essays in Quase-Realism. Oxford: OxfordUniversity Press, 1993.

    COPP, David. Belief, Reason, and Motivation: Michaels The MoralProblem, In: Ethics, Vol. 108, 1997, p. 33-54.

    SAYRE-MCCORD, Geoffrey. The Metaethical Problem: a discussion ofMichael Smiths The Moral Problem, In: Ethics, Vol. 108, 1997, p. 55-83.

    SMITH, M. Ethics and the A Priori: selects essays on moral psychologyand meta-ethics. Cambridge University Press, 2004.