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Área Temática:Estratégia em Organizações AUTORA SILVANA ANITA WALTER Universidade Regional de Blumenau - FURB [email protected] Aliança Estratégica: papel dos estrategistas da organização e das propriedades estruturais do campo organizacional Resumo: Este estudo emprega a abordagem de estratégia como prática, para analisar a atuação de diferentes estrategistas na prática de aliança estratégica, aliada à teoria da estruturação, para verificar se as propriedades estruturais (regras e recursos) do campo organizacional guiam a adoção da aliança estratégica. Realizou-se o estudo de caso, adotando- se uma abordagem qualitativa de caráter descritivo-interpretativa. A perspectiva temporal é transversal com avaliação longitudinal de 2002 a 2011. Para a coleta de dados, empregaram- se entrevistas com questões abertas, observação não-participante e análise documental. Para análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo. Em relação aos estrategistas, notou-se que tanto os internos, como os sócios fundadores, quanto os externos, como a parceira, atuam na aliança estratégica da Sooro. Notou-se, também, que as ações da Sooro relacionadas a essa prática estratégica são orientadas por propriedades estruturais do campo organizacional, como os recursos de capital humano e de imagem e reputação positivos, assim como a regra de aliada da parceira. Conclui-se que a adoção da prática de aliança estratégica pela Sooro envolveu aspectos de diferentes âmbitos: organização e campo organizacional. Nota-se que a abordagem de estratégia como prática e a teoria da estruturação podem ser integradas como forma de analisar alianças estratégicas. Palavras-chave: Aliança estratégica. Estrategistas. Propriedades estruturais. Abstract: This study uses the strategy approach as practice to analyze the performance of different strategies in the practice of strategic alliance, together with the theory of structure, to verify the structural properties (rules and resources) of the organizational field guide the adoption of the strategic alliance. A case study was conducted, adopting a qualitative approach of descriptive-interpretative nature. The time perspective is longitudinal with cross- sectional assessment from 2002 to 2011. To data collection, interviews with open questions, non-participant observation and document analysis were used. To data analysis, content analysis was used. In relation to the strategists, it was noticed that both the internal, such as the founding partners, and the external, such as the partner, act on strategic alliance of Sooro. Another observation was that the actions of Sooro related to this strategic practice are guided by structural properties of the organizational field, such as human capital and image resources and positive reputation, as a rule combined with the partner. The conclusion was that the adoption of the practice of strategic alliance by Sooro involved aspects of different areas: organization and organizational field. The approach to strategy as practice and structure theory can be integrated as a way of analyzing strategic alliances. Keywords: Strategic alliance. Strategists. Structural properties

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Área Temática:Estratégia em Organizações

AUTORA SILVANA ANITA WALTER Universidade Regional de Blumenau - FURB [email protected]

Aliança Estratégica: papel dos estrategistas da organização e das propriedades

estruturais do campo organizacional Resumo: Este estudo emprega a abordagem de estratégia como prática, para analisar a atuação de diferentes estrategistas na prática de aliança estratégica, aliada à teoria da estruturação, para verificar se as propriedades estruturais (regras e recursos) do campo organizacional guiam a adoção da aliança estratégica. Realizou-se o estudo de caso, adotando-se uma abordagem qualitativa de caráter descritivo-interpretativa. A perspectiva temporal é transversal com avaliação longitudinal de 2002 a 2011. Para a coleta de dados, empregaram-se entrevistas com questões abertas, observação não-participante e análise documental. Para análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo. Em relação aos estrategistas, notou-se que tanto os internos, como os sócios fundadores, quanto os externos, como a parceira, atuam na aliança estratégica da Sooro. Notou-se, também, que as ações da Sooro relacionadas a essa prática estratégica são orientadas por propriedades estruturais do campo organizacional, como os recursos de capital humano e de imagem e reputação positivos, assim como a regra de aliada da parceira. Conclui-se que a adoção da prática de aliança estratégica pela Sooro envolveu aspectos de diferentes âmbitos: organização e campo organizacional. Nota-se que a abordagem de estratégia como prática e a teoria da estruturação podem ser integradas como forma de analisar alianças estratégicas. Palavras-chave: Aliança estratégica. Estrategistas. Propriedades estruturais. Abstract: This study uses the strategy approach as practice to analyze the performance of different strategies in the practice of strategic alliance, together with the theory of structure, to verify the structural properties (rules and resources) of the organizational field guide the adoption of the strategic alliance. A case study was conducted, adopting a qualitative approach of descriptive-interpretative nature. The time perspective is longitudinal with cross-sectional assessment from 2002 to 2011. To data collection, interviews with open questions, non-participant observation and document analysis were used. To data analysis, content analysis was used. In relation to the strategists, it was noticed that both the internal, such as the founding partners, and the external, such as the partner, act on strategic alliance of Sooro. Another observation was that the actions of Sooro related to this strategic practice are guided by structural properties of the organizational field, such as human capital and image resources and positive reputation, as a rule combined with the partner. The conclusion was that the adoption of the practice of strategic alliance by Sooro involved aspects of different areas: organization and organizational field. The approach to strategy as practice and structure theory can be integrated as a way of analyzing strategic alliances. Keywords: Strategic alliance. Strategists. Structural properties

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1 INTRODUÇÃO

Há tempos, os governantes das nações perceberam que, sem uma junção de esforços no mesmo sentido, seria impossível vencer inimigos econômicos ou políticos. Mais recen-temente, as empresas decidiram adotar essa mesma estratégia, a formação de alianças, para enfrentar as dificuldades do mercado e obter melhores resultados (ARRUDA; ARRUDA, 1997). Em uma aliança estratégica, as organizações fazem em conjunto o que não desejam ou não conseguem desenvolver internamente ou isoladamente (COSTA, 2005).

A pesquisa sobre alianças estratégicas surgiu com foco na instabilidade das joint venture – criação de uma nova empresa por meio de parceria entre organizações já existentes – internacionais e passou a ser mais explorada a partir dos anos de 1990, inicialmente com enfoque no término das parcerias (COSTA, 2005). De acordo com Klotzlev (2002), apesar da importância crescente das alianças estratégicas na atualidade, o Brasil tem desenvolvido poucos estudos sobre esse tema. Uma das lacunas encontradas nessa literatura refere-se à atuação de diferentes estrategistas na realização de alianças estratégicas. Outro aspecto pouco estudado consiste na influência exercida pelo campo organizacional na adoção da aliança estratégica. Para responder a essas lacunas, este estudo emprega a abordagem de estratégia como prática, para analisar a atuação de diferentes estrategistas na prática de aliança estratégica, aliada à teoria da estruturação, para verificar se as propriedades estruturais (regras e recursos) do campo organizacional guiam a adoção da aliança estratégica.

Diante do apresentado, o objetivo desta pesquisa é verificar a atuação dos estrategistas e das propriedades estruturais do campo organizacional na prática de aliança estratégica de uma empresa brasileira do setor lácteo. A questão que se pretende responder com esta pesquisa é: Qual é o papel desempenhado pelos estrategistas e pelas propriedades estruturais do campo organizacional na prática de aliança estratégica da Sooro? Para isso, compreende-se que estrategistas internos e externos à organização podem influenciar a adoção de uma prática estratégica, guiando-se pelas regras e recursos existentes no campo organizacional.

O presente artigo está estruturado em cinco seções. Na próxima, apresenta-se a base teórico-empírica sobre aliança estratégica, conceito de estrategistas para a perspectiva de estratégia como prática e propriedades estruturais do campo organizacional a partir da teoria da estruturação. Na terceira seção, descrevem-se os procedimentos metodológicos empregados para o desenvolvimento do estudo de caso. Na quarta, tem-se a análise dos dados obtidos, abrangendo a descrição do caso e a análise da aliança estratégica entre a Sooro e sua parceira. Por fim, na quinta seção, destacam-se as considerações finais, incluindo a conclusão, limitações da pesquisa e sugestões para futuros estudos. 2 BASE TEÓRICO-EMPÍRICA

Nesta seção, apresentam-se alguns aspectos da literatura a respeito de alianças estratégicas, estrategistas e propriedades estruturais do campo organizacional. 2.1 Aliança estratégica

Aliança estratégica, para Faulkner (2003), é uma forma de organização das atividades dos parceiros que envolve um maior grau de integração do que outras formas de cooperação, possuindo mecanismos por meio dos quais capacidades e recursos organizacionais são integrados e reconfigurados ao longo das organizações. Essa forma de organização é estratégica e impacta direta ou indiretamente em diferentes atividades da organização (FAULKNER, 2003).

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A aliança estratégica é um dos três tipos de estratégia abordados por Barney (2002), precisamente a estratégia cooperativa: associação entre duas ou mais empresas que, compartilhando recursos e habilidades, dividem os riscos a fim de alcançarem um interesse comum. Nesse mesmo sentido, de acordo com Aaker (2001), a aliança estratégica consiste em duas ou mais organizações unirem esforços para perseguir um objetivo estratégico comum. Todavia, observa-se que os interesses das organizações na aliança estratégica podem ser distintos (OHMAE, 1989), podendo se complementarem e serem harmonizáveis (LORANGE; ROOS, 1996), como uma empresa que deseja se inserir em um novo mercado, estabelecendo aliança com outra que já atua no mercado desejado e que busca diversificar seus produtos.

De acordo com Nohara et al. (2007), as organizações podem estabelecer uma aliança estratégica em virtude da complexidade do assunto que fundamenta a formação da aliança e da percepção da falta de recursos para competir individualmente na área da aliança. Arruda e Arruda (1997) acrescentam o acesso a recursos e competências do parceiro, como tecnologia; acesso a mercados de produtos e geográficos; conhecimento sobre mercados; matéria-prima; infraestrutura de marketing; marcas reconhecidas; clientes importantes; superar barreiras e restrições; obter permissões e licenças regulamentares; acessar o capital e o crédito de curto e de longo prazos. Isso porque o valor dos recursos e ativos combinados das firmas pode ser maior do que o valor de cada um agindo em separado, gerando maior desempenho (BARNEY, 2002). Costa (2005) também indica como motivos para o estabelecimento de alianças estratégicas acesso à mão-de-obra barata; redução de custos de produção; acesso a clientes novos e ganho em escala em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e marketing; tecnologia de produção de produtos e serviços; e rede de distribuição.

As alianças estratégicas podem proporcionar algumas vantagens e benefícios: (a) o trabalho em conjunto de P&D ou produção coordenada possibilita uma vantagem de ganho em escala, com maior capacidade conjunta (LORANGE; ROOS, 1996); (b) o custo (baseado em volume) e os ganhos de capital são obtidos por meio dos investimentos compartilhados (LORANGE; ROOS, 1996); (c) divisão dos riscos em grandes projetos de P&D e em outros grandes investimentos (HAKANSSON; LORANGE, 1991); (d) atingir regiões ou nações em que seu parceiro opera (LORANGE; ROOS, 1996); (e) superar barreiras no mercado: tarifas, quotas ou barreiras não-tarifárias (TEPSTRA; SIMONIN, 1993); (f) por agregarem os esforços das organizações afins, são capazes de potencializar os ganhos de todas as empresas envolvidas (NOHARA et al., 2007).

Em relação às características de alianças estratégicas, Aaker (2001) apresenta a colaboração interorganizacional, a potencialização das forças, a busca por atingir metas estratégicas e o compromisso de longo prazo. Yoshino e Rangan (1996) indicam que as empresas que estabelecem alianças estratégicas necessitam contribuir continuamente nas áreas estratégicas cruciais à aliança, continuando, contudo, a atuar de forma independente nas metas que não estão relacionadas à formação da aliança estratégica. Esses autores também destacam que é importante que todos os membros participem do controle das atividades e dos benefícios obtidos que estão relacionados à aliança estratégica.

Na literatura, podem ser encontradas diversas tipologias para classificação das alianças estratégicas. Optou-se por abordar duas delas, visto que podem contribuir para a análise do caso estudado. Douglas e Craig (1995) ressaltam três formas de colaboração tendo por base as fases da cadeia de valor: investigação e desenvolvimento de novos produtos; produção e logística; marketing e distribuição. Já Eiriz (2001) destaca três domínios das alianças estratégicas: (a) comercial: grupo de exportadores, acordo de distribuição, acordo de representação, central de compras, franquia e assistência comercial; (b) técnico/produção: consórcio, formação e/ou assistência técnica, subcontratação, acordo de produção conjunta, acordo de P&D e licenciamento de patentes; (c) financeiro: aquisição de empresa, participação minoritária em empresa, joint venture e fusão.

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No tocante à escolha dos parceiros para a aliança estratégica, Faulkner (2003) indica algumas características importantes: (a) encaixe estratégico: vantagem competitiva para ambos, alinhamento dos objetivos e complementaridade; (b) encaixe cultural: alinhamento de culturas e respeito às diferenças; e (c) competição limitada entre os parceiros. 2.2 Estrategistas

Para a estratégia como prática, a estratégia é uma prática social, na qual os estrategistas atuam e com a qual interagem (WHITTINGTON, 1996). Assim, o objetivo dessa abordagem é descobrir como as pessoas realizam o seu trabalho nas organizações (WHITTINGTON, 2003).

Diante do apresentado, percebe-se a importância da atuação dos estrategistas ou praticantes para essa abordagem. Isso porque os estrategistas consistem em atores que afetam a construção de práticas pelo que são, pela forma como agem e pelos recursos que utilizam (JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007). Whittington (2006) acrescenta que os praticantes são centrais na disseminação e na inovação de práticas estratégicas. Dessa forma, são considerados os atores da estratégia, atuando na execução das atividades de prática estratégica e de práxis estratégica, ou seja, realizam atividades envolvidas com a formação, adaptação e execução da estratégia (WHITTINGTON, 2006).

Os estrategistas internos às organizações podem ser executivos seniores, gerentes medianos e outros atores que se ocupam do trabalho de estratégia. Há, ainda, os conselheiros de estratégia externos à organização, como consultores, banqueiros de investimentos, advogados e gurus acadêmicos (WHITTINGTON, 2006). Assim, as ações de diferentes estrategistas são fundamentais para as estratégias da organização como um todo (JOHNSON et al., 2007). Apesar disso, Whittington (2003) destaca que se tem visto pouca discussão sobre os praticantes da estratégia.

2.3 Propriedades estruturais do campo organizacional

Na teoria da estruturação formulada por Giddens (2003), as propriedades estruturais do campo organizacional são consideradas em relação às regras e recursos que o integram. Como destaca Giddens (2003, p. 20), a estrutura, em seu significado mais elementar, refere-se a regras e recursos de transformação que governam a “matriz de transformações admissíveis dentro de um conjunto”. Assim, a estrutura refere-se “às propriedades de estruturação que permitem a ‘delimitação’ de tempo-espaço em sistemas sociais, às propriedades que possibilitam a existência de práticas sociais discernivelmente semelhantes por dimensões variáveis de tempo e de espaço” (GIDDENS, 2003, p. 20).

Giddens (2003, p. 22) desfaz “o caráter fixo ou mecânico” costumeiramente atribuído ao termo estrutura. Para o autor, as regras e os recursos empregados na produção e na reprodução da ação social são, concomitantemente, os meios de reprodução do sistema, o que está relacionado ao conceito de dualidade de estrutura. Assim, da mesma forma que a estrutura auxilia uma ação isolada, constrói a estrutura. No âmbito da estrutura, as regras devem ser consideradas conjuntamente com os recursos. Esses recursos se referem aos modos pelos quais as relações transformadoras são incorporadas à produção e à reprodução de práticas sociais. As regras atuam tanto na constituição de significado quanto no sancionamento de maneiras de conduta social. Para o autor, as regras da vida social são como procedimentos ou técnicas – que podem ser generalizados – aplicados no desempenho e na reprodução de práticas sociais.

As leis, segundo Giddens (2003), são exemplos de regras sociais discursivamente formuladas e formalmente sancionadas, estando entre as regras mais fortemente sancionadas. No entanto, também não se pode “subestimar a força de sanções informalmente aplicadas”

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(GIDDENS, 2003, p.27). As regras mais importantes são as práticas institucionalizadas, ou seja, mais profundamente sedimentadas no tempo-espaço.

Diante do apresentado, considera-se, neste estudo, que os estrategistas das organizações adotam práticas estratégicas orientadas pelas regras e recursos existentes na estrutura do campo organizacional. Giddens (2003) considera a prática como algo social e independente do indivíduo. A perspectiva de estratégia como prática também destaca que as práticas estratégicas de uma organização podem advir tanto do contexto organizacional quanto do extraorganizacional ou institucional (WHITTINGTON, 2006). 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para análise em profundidade, optou-se pelo estudo de caso único (STAKE, 1995) da empresa Sooro Concentrado Indústria de Produtos Lácteos Ltda., empresa situada no oeste do Paraná. Igualmente se optou por uma abordagem qualitativa de caráter descritivo-interpretativa, em virtude da natureza dos fenômenos, do tipo de relação e da necessidade de descrever esses fenômenos e suas especificidades. A perspectiva temporal é transversal, com perspectiva longitudinal de 2002 ao início de 2011.

No que se refere à escolha deste caso, seguiram-se as orientações de Stake (1995), para quem o critério de maior importância consiste em maximizar o que se pode aprender por meio dele. Nesse sentido, o autor aponta essencial a receptividade e o acesso às informações, uma vez que o contrário comprometeria profundamente a aprendizagem e o alcance do propósito do estudo. Assim, destacam-se a receptividade e o interesse dos integrantes da Sooro em fornecer as informações necessárias para a realização da pesquisa. Ressalta-se que os dirigentes da empresa pesquisada autorizaram por escrito a publicação das informações coletadas, bem como a identificação de seus cargos. Além disso, esta empresa apresentou alinhamento aos objetivos do estudo, visto que possui uma aliança estratégica duradoura e integrantes que a acompanharam desde seu surgimento, possibilitando a adoção de uma perspectiva longitudinal, bem como seu amplo relacionamento com outros integrantes do campo organizacional, permitindo verificar possíveis influências de estrategistas externos e de propriedades estruturais do campo organizacional.

A coleta de dados foi realizada de abril de 2009 a janeiro de 2011. Para a coleta de dados primários, utilizaram-se roteiros de entrevistas com questões abertas. Gravaram-se as entrevistas em áudio e se fez a transcrição de forma literal. Entrevistaram-se 28 indivíduos de diferentes setores e níveis hierárquicos, bem como externos à organização. Realizaram-se 45 entrevistas, totalizando 46 horas de gravação e 745 páginas transcritas literalmente. A coleta de dados primários envolveu, ainda, a observação não-participante de reuniões, conversas informais e outros momentos do cotidiano da organização, procurando-se identificar estrategistas e ações estratégicas.

Quanto aos dados secundários, analisaram-se 147 documentos obtidos por meio da consulta a artigos de revistas e de jornais, a documentos existentes na organização pesquisada, como relatórios, manuais internos, registros históricos, relatórios de auditorias, entre outros, e à legislação, como leis, instruções normativas, decretos, portarias, resoluções, relatórios técnicos e decretos.

Para a análise dos dados, empregou-se a análise de conteúdo temática (BARDIN, 2002) com auxílio do software Atlas.ti versão 5.0. Fez-se a identificação dos estrategistas por meio da verificação de todos os indivíduos que participaram da formação da prática estratégica aliança estratégica, ou seja, que realizam atividades como idealização e/ou adaptação da prática, participação na tomada de decisão, participação em reuniões relacionadas à prática, contribuições para a formação da prática e definição de como a prática será utilizada pela organização.

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As propriedades estruturais do campo organizacional, por sua vez, foram identificadas por meio das regras e recursos nele disponíveis para a formação das práticas estratégicas da organização em foco no período de tempo especificado. Com base nas ideias de Giddens (2003), definiram-se regras como padrões e procedimentos generalizáveis e normativos que guiam a interação interorganizacional no campo, orientando e sancionando a formação de práticas estratégicas pela organização. Já os recursos consistem nos meios mobilizados pelos estrategistas no campo organizacional para a formação de práticas estratégicas na organização. Esses recursos podem ser de natureza física e material, tais como crédito, financiamento, equipamentos, matéria-prima, tecnologia, entre outros, e de natureza relacional, enquanto benefícios resultantes do relacionamento com outras organizações, tais como informação, conhecimento, reputação, contatos comerciais, participação em entidades, etc.

4 ANÁLISE DOS DADOS

Nesta seção, apresenta-se a descrição do caso analisado e a análise da aliança

estratégica da Sooro com a Alfa (nome fictício), abrangendo os estrategistas e as propriedades estruturais do campo organizacional. 4.1 Descrição do caso

O caso analisado é o da Sooro, uma indústria do setor lácteo localizada na região oeste do Paraná. Consiste em uma empresa familiar fundada em 2001 por um casal de sócios. A estrutura que abriga a sede da Sooro foi, inicialmente, arrendada de um laticínio e, após quatro anos de funcionamento, adquirida. Atualmente, a empresa possui um parque industrial de 3.500 m² de área construída, implantado em um terreno de 100 mil m².

A produção da Sooro é feita em circuito fechado, totalmente automatizado. Em 2005, a Sooro atingiu o quádruplo de sua produção inicial. No mesmo ano, a empresa investiu em torno de R$ 1,5 milhão na aquisição de equipamentos e acessórios, bem como ampliações das instalações. Nos anos de 2008 e 2009, a Sooro foi atingida pela crise econômica mundial que provocou uma retração em toda a cadeia produtiva de alimentos, afetando negativamente a procura por produtos derivados do soro de leite. Apesar disso, em 2009, a Sooro processou 700 mil litros de soro/dia e colocou, no mercado, 1.200 toneladas de produto/mês, obtendo um faturamento anual de, aproximadamente, 23 milhões de reais. Contudo, a empresa necessitou adiar projetos programados para sua consecução em 2009, como a construção da torre de secagem própria, iniciada em 2010.

No início de suas atividades, a Sooro produzia apenas soro de leite concentrado. Contudo, em 2002, passou a produzir, também, soro de leite em pó, ocasião em que estabeleceu uma parceria com outra empresa, com o objetivo de realizar a secagem do soro. Em 2009, a Sooro igualmente iniciou a produção de creme (matéria gorda), produto que é extraído antes de o soro ser enviado para a secagem, e, em 2010, a de manteiga. Atualmente, a Sooro está envolvida com a montagem de uma torre de secagem própria, que permitirá a produção de um novo produto, o concentrado protéico de soro, também conhecido como Whey Protein Concentrates (WPC). A previsão é de que a nova torre de secagem comece a operar no segundo semestre de 2011.

No tocante aos colaboradores, na época de sua fundação, em 2001, a Sooro contava com dezesseis e, atualmente, possui 139. A partir de 2003, a Sooro passou a investir em sua profissionalização por meio da contratação de profissionais com formação superior e/ou experiência de atuação em diversas áreas, como de produção, de qualidade, de manutenção, comercial, administrativa e financeira. Além disso, a partir de 2009, a Sooro iniciou um

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processo de sucessão familiar com a inserção de todos os herdeiros na equipe de funcionários da empresa. O processo de sucessão familiar tem seu ápice previsto para 2012.

Diante do apresentado, resume-se a trajetória da Sooro na Figura 1.

2001 2002 2003 2005 2008 2009 2010 2011 2012

Criação da Sooro

Parceria para

construção de uma torre de

secagem e produção de soro em pó

Início do processo

de profissio-nalização

Aquisição de sua sede

Início da crise

econômica mundial

que afetou a Sooro

Produção de creme de leite

Início da instalação da

torre de secagem própria

Conclusão da

instalação da torre de secagem

(previsão)

Conclusão do

processo de

sucessão familiar

(previsão)

Ampliação da

capacidade produtiva

Início do processo

de sucessão familiar

Contratação de consultor

para o processo de

sucessão familiar

Figura 1 – Resumo da trajetória da Sooro Fonte: Dados da pesquisa. 4.2 Aliança estratégica da Sooro

A Sooro possui uma aliança estratégica com a empresa Alfa (nome fictício), desde abril de 2002, com o objetivo de realizar a diversificação de produtos por meio da produção de soro de leite em pó. Fabricar esse produto é fundamental para a Sooro porque o soro de leite concentrado possui um mercado restrito, tem prazo de validade limitado e gera maiores custos com transporte, haja vista que necessita de caminhões especiais. Embora fosse estratégico para a Sooro realizar a produção de soro em pó, a empresa não possuía recursos financeiros para construção da torre de secagem própria, conforme destaca um dos entrevistados: “tivemos que arrumar esse parceiro porque não tínhamos capital pra investir na torre”. Como observado na literatura, a divisão de despesas em grandes investimentos é um dos benefícios que uma aliança estratégica pode proporcionar (HAKANSSON; LORANGE, 1991; LORANGE; ROOS, 1996). Nohara et al. (2007) também destacam que as organizações podem estabelecer uma aliança estratégica em virtude da complexidade do assunto que fundamenta a formação da aliança e da percepção da falta de recursos para tal.

Assim, a Sooro buscou, desde o início de suas atividades em 2001, um parceiro que pudesse realizar a secagem de soro. Após negociações com outras empresas, em 2001, foi estabelecido contato entre os dirigentes da Sooro e os da Alfa, o que conduziu ao estabelecimento da parceria em 2002, conforme explicitou um dos entrevistados:

Nós tínhamos um processo e eles tinham outro, que seria o final do nosso processo. Um complementava o outro. E os dois tinham interesse. Então fizemos uma parceria [...] pra fazer o processo de secagem e ao mesmo tempo produzir os produtos dela, que levam como matéria-prima o soro pó.

O interesse da Alfa na parceria refere-se ao fato de a mesma produzir derivados

lácteos e misturas alimentícias em pó, que utilizam o soro de leite em pó como matéria-prima. Assim, por meio da aliança com a Sooro, a Alfa poderia reduzir custos e garantir o fornecimento dessa matéria-prima (ARRUDA; ARRUDA, 1997). Nota-se, portanto, que os interesses das duas empresas com a aliança estratégica eram diferentes (OHMAE, 1989), mas complementares entre si (LORANGE; ROOS, 1996). Faulkner (2003) também destaca o encaixe estratégico (vantagem competitiva para ambos, alinhamento dos objetivos e complementaridade) como fator importante para a escolha de um parceiro em uma aliança

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estratégica. Dessa forma, as duas organizações realizam produção coordenada de soro de leite em pó, o que possibilita uma vantagem de ganho em escala, com maior capacidade conjunta (LORANGE; ROOS, 1996).

Um aspecto importante para a efetivação da parceria foi a Alfa se instalar nas proximidades da Sooro, como indicado por um dos entrevistados:

A Alfa falou ‘oh, pra não ficar levando produto perecível daqui [Sooro] pra secar em São Paulo nós... vocês alugam um pedaço do terreno de vocês?’. Aí ela veio, se instalou aqui do lado pra fazer o processo de secagem e ao mesmo tempo produzir os produtos dela.

Assim, a Sooro, em 2002, alugou uma parte de seu terreno, que foi adquirido pela Alfa

em 2009, para que instalasse sua indústria. Dessa forma, a Sooro realiza a concentração do soro, enviando-o, diretamente por duto, para secagem na Alfa. Esse procedimento permitiu uma redução de custos, dado que eliminou as despesas com o transporte do soro concentrado. Essa proposta da empresa Alfa foi fundamental para que a Sooro a escolhesse como parceira, pois havia outras interessadas na época, mas que já possuíam a indústria de secagem instalada a distância considerável. Como Costa (2005) indica, um dos motivos para o estabelecimento de alianças estratégicas é a redução de custos de produção. Nesse sentido, dá-se destaque ao relato de um dos entrevistados:

Fomos em busca de parceiros, tivemos vários candidatos, várias empresas se interessaram... Mas na época o mais interessante pra nós foi a Alfa porque ela não tinha indústria ainda, ela tava procurando um parceiro pra fazer a indústria de secagem no local pra diminuir custo. Então transporte já não existe. Então só aí já ajuda bastante a reduzir o custo do produto.

A aliança estratégica também permitiu às duas empresas, como indicado por Costa

(2005), o acesso a uma tecnologia de produção, no caso a tecnologia de secagem do soro de leite. Posteriormente, a Sooro vendeu sua parte na primeira torre de secagem para a parceira e está atualmente construindo uma torre própria, mas que fabricará produtos diferentes que os da Alfa. Já a Alfa está construindo uma segunda torre de secagem, similar a que já possuía. Assim, observa-se que o domínio dessa tecnologia foi um importante recurso para as duas empresas desenvolverem novos projetos de forma independente.

Para que as duas empresas não se tornassem concorrentes, foi estabelecido, em contrato, que a Alfa realizaria a secagem do soro de leite e empregaria 500 mil quilogramas de soro em pó/mês como matéria-prima em seus produtos, enquanto o excedente da produção seria comercializado pela Sooro. Essa preocupação está alinhada ao que indica Faulkner (2003) sobre a importância de as empresas participantes da aliança estratégica apresentarem competição limitada. Contudo, até março de 2009, a Alfa absorvia quase todo o soro de leite em pó que ambas produziam em parceria. No entanto, com a crise econômica mundial que afetou o mercado brasileiro, em 2008-2009, a Alfa começou a enfrentar dificuldades e não possuía demanda para consumir a mesma quantia de soro de leite em pó produzido pelas empresas, de forma que a Sooro ampliou a comercialização desse produto para outras empresas. No final de 2010, com a recuperação do mercado após a crise econômica mundial, a Alfa ampliou o consumo de soro. Contudo, não se trata de uma ampliação na cota estipulada em contrato, pois o gerente industrial da Sooro indicou que, quando o mercado não está favorável, a Alfa pode reduzir o consumo e, nesse caso, a Sooro vende o produto para outros clientes. A respeito disso, destaca-se a fala do gerente comercial da Sooro:

A Alfa aumentou muito o volume de consumo de soro concentrado. Ela pediu para aumentar o consumo. Aí nós fizemos uma avaliação e resolvemos atender ela. Hoje

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nós estamos aí com 100, 120 toneladas que nós estamos mandando pra ela. Parceira... A ideia agora é buscar mais produto [ampliar a captação de soro in natura para aumentar a produção de soro concentrado] pra atender ela, que é um cliente nosso. Se eles quiserem aumentar [o consumo de soro concentrado], nós vamos aumentar... Nosso trabalho agora é buscar ampliar a produção de soro concentrado pra atender eles e atender nossa própria torre de secagem. Alfa é um cliente que..., não preciso nem falar, é um ‘clientão’.

Como se pode perceber na fala desse entrevistado, a Sooro está ampliando a captação

de matéria-prima (soro in natura), visando atender à demanda de produto desse parceiro e da torre de secagem própria, quando esta iniciar suas atividades. Nota-se, também, que esse gerente da Sooro está satisfeito com a parceria comercial com a Alfa ao se referir a ela como um “clientão”. Percebe-se, ainda, no trecho “Se eles quiserem aumentar [o consumo de soro concentrado], nós vamos aumentar...”, que a Sooro adota uma postura de dar prioridade de fornecimento à Alfa, em virtude dos laços de parceria entre as empresas e de a principal intenção da Alfa com a aliança estratégica ser a obtenção dessa matéria-prima.

Cabe acrescentar que o fato de uma empresa se situar próximo à outra possibilitou também a redução de despesas, pois, como ressaltado por Lorange e Roos (1996), os parceiros podem reduzir custos pelo maior volume de utilização. Pode-se constatar isso na fala de um dos entrevistados: “nós instaladas no mesmo pátio, nós vamos reduzir custos, nós não precisamos cada uma ter a sua estrutura de balança rodoviária, de portaria, de refeitório, de vestiário, de laboratório, de caldeira, de tratamento de efluentes... e aí é claro o produto sai com custo bem menor”.

Exceto a relação fornecedor-cliente por meio da qual a Alfa adquire o soro de leite concentrado para produzir o soro em pó que utiliza em seus produtos, as atividades envolvidas na parceria são, atualmente, realizadas em sistema de prestação de serviço. A Sooro, desde o início da parceria, em 2002, presta para a Alfa serviços de análises microbiológicas e físico-químicas; tratamento de resíduos nos efluentes; e geração de vapor por meio das caldeiras. Para cada um desses serviços foi estipulado um valor a ser cobrado do parceiro conforme o volume de utilização. Um dos entrevistados relatou como ocorre a prestação de serviço de tratamento em efluentes:

chega fim do mês: ‘custou tanto pra tratar os efluentes... o de vocês deu tanto’. Porque tem o medidor de vazão de efluentes e tem o medidor de carga poluidora. Então você faz um rateio por carga de poluição e por vazão. Então aí pega todo o custo que deu e rateia pra cada empresa a parte dela.

Atualmente, com o crescimento das duas empresas, ambas optaram por separar o

refeitório e o vestiário, como destaca a sócia fundadora da Sooro: “Refeitório e vestiário cada uma vai ter a sua estrutura porque ambas estão crescendo muito e daí começa a ficar mais complicado pra administrar”. Para tal, a Alfa está construindo um refeitório e um vestiário próprios para atender à ampliação no número de funcionários das duas empresas. A Sooro, por exemplo, pretende contratar, até setembro de 2011, mais 30 funcionários para atuar na torre de secagem própria. No tocante aos serviços de laboratório, indica-se que a Alfa construiu seu laboratório próprio que iniciou as atividades em abril de 2010.

Sobre os estrategistas que atuaram nessa prática estratégica, frisa-se que a ideia de se instalar no terreno da Sooro e dividir as despesas partiu da Alfa, de forma que esta consiste em um importante estrategista externo para a Sooro. No tocante aos estrategistas internos, tem-se que os sócios fundadores da Sooro (diretor geral e gerente administrativo e financeiro) identificaram a parceria como uma possibilidade para produzir soro em pó. Além disso, atualmente, as negociações com a parceira são realizadas e definidas em conjunto entre

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diretor geral, gerente administrativo e financeiro, diretor industrial e herdeiro que, no futuro, assumirá a gerência administrativa e financeira.

Em relação às propriedades estruturais do campo organizacional (GIDDENS, 2003), o recurso imagem e reputação positivas se destaca porque a Sooro foi procurada por empresas que se ofereceram para realizar a parceira pretendida. Quanto ao recurso capital humano, observa-se que é essencial para as negociações das parcerias. Tem-se, ainda, a regra de aliada da parceira. Percebe-se que esses recursos e regras são empregados pela Sooro na produção e na reprodução de ações já realizadas por outras empresas do campo.

Para obter uma imagem e reputação positivas (Figura 2), as organizações do campo analisado se valem de diferentes condutas: obtenção de prêmios, pioneirismo, modernização e valorização dos funcionários. Além disso, buscam cumprir as regras de qualidade dos produtos, responsabilidade ambiental e certificação ISO, sendo que essa última está relacionada às duas anteriores.

Recurso: imagem e reputação positivas

Prêmios

Pioneirismo

Modernização

Qualidade dos produtos Responsabilidade ambiental

Certificação ISO

Responsabilidade social

Valorização dos funcionários

Figura 21 – Recurso: imagem e reputação positivas Fonte: Dados da pesquisa.

Encontraram-se registros de prêmios recebidos por organizações do campo em diferentes áreas: destaque em seu setor, qualidade dos produtos, realização de campanha publicitária, responsabilidade ambiental, destaque empresarial e produção de matéria jornalística. Também se identificaram várias ocorrências de organizações do campo que ressaltavam aspectos inéditos ou nos quais foram pioneiras no Brasil, entre os quais se destaca o pioneirismo da Sooro na coleta organizada de soro de leite e na construção da torre de secagem que permitirá a produção do concentrado protéico de soro de leite, visto que não existe torre com tecnologia similar no Brasil. Exemplos de outras empresas encontradas na análise documental também podem ser indicados, como o pioneirismo na instalação de um biodigestor no seu setor, assim como o pioneirismo de outra organização do campo na exportação de queijos. A imagem de organização moderna é explorada pelas organizações do campo no tocante à modernização de processos, de equipamentos e de tecnologia. A certificação ISO também contribui para uma imagem e reputação positivas das organizações tanto quando relacionada à qualidade dos produtos (séries 9000 e 22000) quanto à responsabilidade ambiental (série 14000). Esses aspectos, por si só, são importantes para esse recurso. Assim como a responsabilidade ambiental, ações de responsabilidade social fomentam uma imagem e reputação positivas para as organizações. Outro aspecto importante para esse recurso é a valorização dos funcionários, que inclui ações como confraternizações; escolha de funcionário destaque; parabenizar aniversariantes de nascimento e de tempo de serviço; reconhecimentos e agradecimentos públicos, feitos em jornais; oferta de benefícios, como plano de saúde e seguro de vida; remuneração complementar, como participação nos lucros e bonificações; e ações sociais, como creche, bolsas de estudo e projeto de esportes para filhos de funcionários.

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Para conquista do recurso capital humano (Figura 3), as empresas do campo organizacional recorrem a diferentes ações, como contratação de funcionários, capacitação técnica, capacitação gerencial, experiência de atuação dos gestores e valorização dos funcionários. Além disso, são realizados treinamentos visando à capacitação técnica e gerencial dos colaboradores.

Recurso: capital humano

Contratação de funcionários

Capacitação gerencial Capacitação técnica

Treinamento

Experiência atuação dos gestores

Valorização dos funcionários

Figura 3 – Recurso: capital humano Fonte: Dados da pesquisa.

Em referência à contratação de funcionários, as organizações do campo investem na contratação de funcionários com formação e/ou experiência nas áreas técnicas e gerenciais em que atuarão. No caso das áreas de produção, a empresa dá a preferência à contratação de pessoas que já atuaram em indústrias, principalmente de alimentos. Um meio amplamente empregado pelas organizações, quando precisam contratar uma pessoa que será fundamental dentro da empresa, normalmente em algum cargo de gestão, que necessita ampla experiência, é a troca de informações por meio da rede de contatos. Assim, os dirigentes estabelecem contatos com conhecidos e amigos de outras empresas para averiguar se conhecem alguém com o perfil desejado que possa ser contratado. A capacitação técnica dos funcionários é muito importante para as organizações do campo organizacional analisado, visto que tais funcionários estão diretamente envolvidos em todo o processo produtivo. Para que esses funcionários obtenham essa capacitação, as empresas do campo organizacional analisado incentivam a participação em treinamentos, bem como os promovem. Grande parte das empresas do campo organizacional é formada por cooperativas as quais normalmente elegem seus dirigentes entre seus cooperados que, por sua vez, não estão, muitas vezes, familiarizados com cargos de gestão. Um recurso empregado por essas organizações para melhorar a gestão desses dirigentes consiste na profissionalização de seus gestores por meio da capacitação gerencial dos mesmos. Esse processo envolve a realização de treinamentos e a contratação de funcionários com formação e experiência para auxiliar na direção dessas organizações. Na Sooro, também está sendo realizada a capacitação gerencial dos herdeiros que, no futuro, atuarão no conselho administrativo da empresa. Os proprietários e os dirigentes das organizações possuem, comumente, experiência de atuação em setores relacionados ao campo. Assim, observa-se que alguns funcionários e os sócios fundadores da Sooro também atuaram em cooperativas do setor. Têm-se, ainda, ações voltadas à valorização dos funcionários, já especificadas.

A respeito das regras que orientaram essa prática, observa-se que a Sooro adota uma postura de “aliada” da parceira Alfa. Essa postura atua como orientadora de ações em relação a sua parceira, como no momento da crise econômica mundial em que a Sooro auxiliou a Alfa a realizar a comercialização do soro em pó; bem como pela Sooro privilegiar a parceira no fornecimento de soro concentrado quando esta o necessita para seus produtos. Como destacado por Giddens (2003), as regras também podem ser vistas quanto a sua influência na

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construção de significado e a sua relação com sanções. Postura similar também pode ser identificada na análise documental do campo organizacional em relação a um laticínio desse campo, no qual os sócios fundadores da Sooro atuaram profissionalmente. Quando esse laticínio foi criado necessitava encontrar um destino adequado para o soro de leite in natura que seria gerado pela produção de queijo. Por isso, estabeleceu uma parceria com outra organização, a qual instalou uma unidade de concentração nas proximidades do laticínio, para realizar a concentração do soro e enviá-lo para secagem em sua matriz. Essas duas empresas permaneceram por vários anos como parceiras, apresentando exclusividade de fornecimento. Quando a unidade de concentração deixou de ser vantajosa para a parceira, o laticínio a comprou e continuou enviando soro concentrado para secagem na matriz da parceira. Diante do apresentado, nota-se que, nesses dois casos de aliança estratégica encontrados no campo organizacional, os laços entre as empresas envolvidas tornaram-se profundos e duradouros, orientando as ações das organizações.

Diante do apresentado nesta seção, podem-se sintetizar as relações da prática de aliança estratégica na Figura 4.

Figura 4 – Prática: aliança estratégica Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme representado na Figura 4, a aliança estratégica com a Alfa possibilitou à

Sooro: a redução de custos com transporte de soro concentrado e divisão de despesas por se instalarem uma próxima à outra; o domínio da tecnologia de secagem de soro; a diversificação de produtos por meio da produção de soro de leite em pó; e a divisão do valor do investimento na construção da torre de secagem.

Além disso, observou-se que estrategistas internos, como fundadores, diretores, gerentes e herdeiro, e externos, vinculados à parceira, atuam sobre a prática de aliança estratégica. Também se verificou que propriedades estruturais do campo organizacional orientam a adoção e utilização dessa prática, como os recursos de capital humano e de imagem e reputação positivas, bem como a regra de ser aliada da parceira. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo buscou verificar a atuação dos estrategistas e das propriedades estruturais do campo organizacional na prática de aliança estratégica da empresa Sooro. Em relação aos estrategistas, notou-se que tanto os internos, como os sócios fundadores, quanto os externos, como a parceira, atuam na aliança estratégica da Sooro. Esses estrategistas internos e externos desempenham um papel fundamental difundindo práticas estratégicas do campo

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organizacional entre os demais estrategistas da organização e adaptando essas práticas às características da Sooro. Isso corrobora o apresentado por Whittington (1996) de que a estratégia é uma prática social, na qual os estrategistas atuam e com a qual interagem, e por Johnson et al. (2007) de que a perspectiva de estratégia como prática considera a estratégia como algo que as pessoas realizam, ou seja, uma atividade organizacional típica de interação.

Nota-se, também, que as ações da Sooro relacionadas a essa prática estratégica são orientadas por propriedades estruturais do campo organizacional, como os recursos de capital humano e de imagem e reputação positivas, assim como a regra de aliada da parceira. Segundo Wooten e Hoffman (2008), o campo organizacional é um espaço no qual organizações se relacionam ou se envolvem umas com as outras, o que remete ao conceito de relação social de Weber (1999), a qual consiste na probabilidade de que se aja socialmente de acordo com uma forma indicada. Assim, à medida que a Sooro se relaciona com outras organizações de seu campo, passa a agir conforme o padrão legitimado nesse espaço. Consequentemente, a adoção de práticas estratégicas por seus estrategistas é orientada por diferentes recursos e regras do campo organizacional, como percebido nesta pesquisa.

No tocante à aliança estratégica que a Sooro estabeleceu com a Alfa, percebeu-se que a mesma é importante para as duas organizações, pois, dessa forma, as duas obtiveram vantagens, como diversificação de produtos, no caso da Sooro, e obtenção de matéria-prima, no caso da Alfa, além do domínio da tecnologia de secagem de soro e da divisão de despesas. Como apontado por Barney (2002), o valor dos recursos e ativos combinados das firmas pode ser maior do que o de cada um destes agindo em separado, gerando maior desempenho.

Diante do apresentado, conclui-se que a adoção da prática de aliança estratégica pela Sooro envolveu aspectos de diferentes âmbitos: organização e campo organizacional. Nesse sentido, foi possível encontrar indícios da influência do campo organizacional por meio das propriedades estruturais e dos estrategistas externos, assim como da organização por meio dos estrategistas internos.

No que tange à contribuição teórica deste estudo, nota-se que a abordagem de estratégia como prática e teoria da estruturação podem ser integradas como forma de analisar alianças estratégicas, considerando tanto aspectos de âmbito organizacional, assim como a influência do campo organizacional. Isso poderá contribuir para que os estudos realizados sobre este tema não se limitem a um nível de análise, mas busquem relacionar os diferentes âmbitos e influências envolvidos.

A metodologia escolhida para esta pesquisa pode apresentar algumas limitações. A realização de entrevistas apresentou a limitação de se basear na consciência discursiva dos estrategistas. Como ressalta Giddens (2003), existem diferenças entre a consciência discursiva e a consciência prática, ou seja, entre o que é dito e o que realmente é realizado. Entretanto, o autor também destaca que todo indivíduo possui capacidade de monitoração reflexiva, ou seja, de racionalizar a respeito das ações.

Para futuros estudos, poderiam ser empregados outros delineamentos metodológicos, como estudo comparativo de casos. Além disso, poderiam ser empregadas outras técnicas de análise dos dados, como análise do discurso e análise da narrativa. O processo de interação dos estrategistas no strategizing é uma possibilidade a ser explorada. Dessa forma, considera-se importante analisar o papel desse nível da práxis, lembrando, contudo, de relacioná-lo com o nível organizacional para não se restringir ao nível micro. REFERÊNCIAS AAKER, D. A. Administração estratégica de mercado. Porto Alegre: Bookman, 2001.

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