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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Realização curricular cotidiana: uma
ecologia de saberes-fazeres-poderes na
formação de pedagogos
Vitória
2009
MARIA ENEIDA FURTADO CEVIDANES
Realização curricular cotidiana: uma ecologia de
saberes-fazeres-poderes na formação de pedagogos
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Educação da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em Educação, na
linha de pesquisa Escola, Currículo, Sociedade e
Cultura.
Orientador: Profª Drª Janete Magalhães Carvalho.
Vitória
2009
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Cevidanes, Maria Eneida Furtado. C424r Realização curricular cotidiana : uma ecologia de saberes-fazeres-
poderes na formação de pedagogos / Maria Eneida Furtado Cevidanes. – 2009.
320 f. Orientadora: Janete Magalhães Carvalho. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de
Educação. 1. Pedagogos - Formação. 2. Currículo. 3. Educação. 4. Saberes da
docência. I. Carvalho, Janete Magalhães, 1945-. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
MARIA ENEIDA FURTADO CEVIDANES
Realização curricular cotidiana: uma ecologia de saberes-
fazeres-poderes na formação de pedagogos
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Educação, na linha de pesquisa Escola, Currículo, Sociedade e Cultura.
Aprovada em 27 de novembro de 2009.
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________ Profª Drª Janete Magalhães Carvalho
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Orientadora
________________________________________ Profª Drª Regina Helena Simões Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
________________________________________ Carlos Eduardo Ferraço Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
____________________________________________
Célia Linhares Universidade Federal Fluminense (UFF) _____________________________________________ Maria Isabel Cunha Universidade Federal Vale dos Sinos (UNISINOS)
DEDICATÓRIA
Este estudo é fruto do amor, da perseverança, do incentivo da minha mãe, Eneid de Vasconcellos Furtado, ao longo de toda a minha vida. É a ela que dedico este trabalho, com muito carinho e reconhecimento.
1
AGRADECIMENTOS A Deus pela vida e pelos dons Que Ele me dá todos os dias. À minha família pela compreensão. À minha orientadora pelo apoio e ensinamentos. Aos membros da banca pelo aceite em participar. Às colegas professoras, às alunas, às funcionárias pela disponibilidade para nossas conversas. Aos amigos e amigas pelo companheirismo e pela presença. Aos autores pelos textos que fizeram parte da minha caixa de ferramentas. A todos que participaram de algum modo, para que este trabalho fosse realidade.
OBRIGADA!
2
3
1 Componentes da banca (e eu): Célia Linhares, Janete M. Carvalho (orientadora), Maria Isabel Cunha, eu, Regina Simões, Carlos Eduardo Ferraço. 2 Amigos, colegas de trabalho, filhos presentes na defesa. 3 Com o filho Vítor e com as amigas, Penha Sodré e Angélica Cabral.
Certeau4 me inspira no desafio de escrever este texto, assim, como um devir-escrita. Consumo-produção simultâneos. Na caneta, o sangue. O sangue que circula, alimenta E leva vida a todo o meu corpo. O sangue que escreve-inscreve, Nesse mesmo corpo, histórias de Estudos, trabalhos, desejos, vontades, Sonhos, realidades, alegrias, tristezas, Cansaços, fracassos, sucessos. Histórias que fazem desse percurso Momentos possíveis, Vivíveis Na estética e na ética materializadas na arte, Trajetórias de vida e morte. Histórias que fazem desse corpo Um palimpsesto, um corpo-escrevível. Cada palavra escrita na pele, Tatua na alma e na mente, Verdades de consumo-produção De contínuas lutas utópicas. É uma poética escriturística. Operação infindável que se faz escrita, Que se renova, que se altera, que se reescreve. Movimento processual, Incompleto, interminável, infinito. Um pergaminho. Um corpo-escrita-devir. ENEIDA
5
4 Michel de Certeau. 5 Fonte: internet.
RESUMO O presente trabalho, intitulado “Realização curricular cotidiana: uma ecologia de saberes-fazeres-poderes na formação de pedagogos”, expressa minha vivência e inserção com o cotidiano do curso de Pedagogia, em que tive-tenho oportunidade de atuar como docente e minha trajetória como professora-sempre-estudante, ao longo da vida. O tema pesquisado focou a seguinte problemática investigativa: “a compreensão dos modos como professores-formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia”. Neste sentido, teve como objetivo principal, “cartografar a produção de saberes-fazeres-poderes que atravessa o processo de realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia”. Tomei como principal intercessor teórico Boaventura de Sousa Santos, em diálogo com outros autores selecionados em função da temática, dos objetivos e dos achados que emergiam ao longo da investigação. A pesquisa foi realizada com o cotidiano do curso matutino de Pedagogia da UFES, com amostra intencional de professoras, alunas e funcionárias. Os tópicos abordados nas conversas foram decorrentes da temática estudada: currículo, formação, saberes-fazeres-poderes, modos de ensinar-aprender-para-ensinar, artefatos culturais, estratégias e táticas. Para produção de dados foram utilizados: entrevista-conversação, acompanhamento de movimentos processuais de realização do curso, pesquisa bibliográfica e documental. No Projeto Pedagógico de Curso (PPC, 2006) pesquisado, os saberes-fazeres-poderes da formação estão consubstancializados em três núcleos de ensino que constituíram o parâmetro para a tradução, na perspectiva da produção de um novo senso comum emancipatório. A análise dos dados configurou-se, a partir da perspectiva de Santos, na razão cosmopolita, configurada na sociologia das ausências e das emergências, no trabalho de tradução, na ecologia de saberes e das práticas, auxiliados pela hermenêutica diatópica, procedimentos esses, próprios a uma “epistemologia do Sul”. Partindo, assim, do pressuposto que a formação docente implica a produção de subjetividades insurgentes “guiadas” pelos “topoi” da fronteira (político), do barroco (estético) e do Sul (ético), bem como a proliferação de comunidades interpretativas nos contextos onde interagem docentes-discentes, no processo compartilhado de realização curricular. Nessa perspectiva, experiências disponíveis e possíveis foram visibilizadas e podem ajudar a fertilizar os modos de ensinar-aprender-a-ensinar. Conclusões, ainda que provisórias, evidenciam que a discussão da formação de pedagogos deve ultrapassar o espaço doméstico e alcançar outros espaços sociais, pois o currículo implica movimentos transfronteiriços, sendo nesses campos sociais que ocorrem as práticas de produção de conhecimentos e onde vigoram as lógicas de produção da não-existência que devem ser confrontadas pelas ecologias. Considerando os desafios epistemológicos que a formação de pedagogos (docentes e não-docentes) necessita enfrentar e cuidar, este estudo assume uma Pedagogia da Aposta, pretendendo, com ele, contribuir para suscitar inúmeros outros temas de pesquisa, visto que na perspectiva de ciência trabalhada, todo estudo é inconcluso e sempre aberto a novas e múltiplas interpretações e experimentações. Palavras-chave: 1. Pedagogos - Formação. 2. Currículo. 3. Educação. 4. Saberes da docência.
ABSTRACT
This Doctoral Dissertation, entitled “Routine Curriculum: an Ecology of knowing-doing-empowering In Teacher Education”, expresses my experiences and engagement in the Pedagogy-Teacher Licensure Programs at UFES (Federal University of the State of Espirito Santo, in southeast Brazil), where I work as an university professor. It is also based upon my on-going experience of teacher-always-student throughout my professional life. The key problem of investigation was understanding the ways in-service teachers (university professors) and students-to become teachers (undergraduate students) produce the knowledge-doing-empowering networks which underlie the daily routine curriculum implementation in the Pedagogy course (major) at UFES. The investigation's major objective was to map these knowledge-doing-empowering, according to the descriptions made by faculty and students in the Program. The framework for interpretation was based on the work of Boaventura de Sousa Santos and other selected authors, according to the emerging theme, the objectives and major findings. The research itself was conducted using a purposeful sample of professors, students and staff personnel at the Pedagogy Program at UFES. The informal conversation-interviews topics were defined according to essential dimensions of the investigated problem: curriculum, teacher training, knowledge-doing-empowering, modes of teaching-learning to teaching, cultural artifacts, strategies and teaching methods. Data were collected through a combination of approaches: conversation-interviews, on-going continuing observation of activities that illustrated the teaching learning approaches, bibliographic and primary sources. Data analysis was also based upon Santos theoretical framework. Major conclusions indicate that the discussion about the preparation of pedagogos (graduates from the Pedagogy program in Brazil) should go further than the so-called domestic space in order to achieve other social spaces, since curriculum implies bordering movements where the knowledge production take place and where the production of the non-existence may be confronted by the ecologies. Therefore, considering the epistemological challenges derived from the training of pedagogos, this study proposes a Pedagogy of Gambling. This may contribute for new research themes, considering that in the scientific approach used in this study, every investigation is an open-ended recollection of findings, always open to new and varied interpretations and experimentations.
Key words: 1. Teachers - Teacher Training. 2. Curriculum. 3. Education. 4. Teaching Knowledge.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................13 Para início de conversa......................................................................................................13
Movimentos para delinear a tese..............................................................................18 Contextualizando o estudo......................................................................................25 Novos modos de fazer ciência..................................................................................28 Síntese dos capítulos...............................................................................................37
Anexos............................................................................................. .........................39 CAPÍTULO 1..................................................................................................41 A “Pedagogia” e o curso de Pedagogia..............................................................................41
O curso de Pedagogia na UFES..............................................................................43 O novo currículo de Pedagogia................................................................................44 Percorrendo outros contextos....................................................................................48 A realização curricular: dobrar, desdobrar, redobrar..............................................49 Quem endereça e a quem é endereçado o currículo.................................................55 O olhar de si e o olhar do outro.................................................................................58 Refletindo.................................................................................................................69
CAPÍTULO 2.................................................................................................73 Compartilhando um novo currículo.................................................................................73
A participação no processo.......................................................................................73 O que é o currículo?..................................................................................................78 Mecanismos de distorção da realidade....................................................................80 Subjetividades insurgentes: guiadas por três topoi...............................................83 Cartografando o currículo: olhar, sentir, dizer......................................................87 Características curriculares.....................................................................................91 Outros aspectos do PPC............................................................................................99 Afinal, que formação?...........................................................................................121 Refletindo sobre o compartilhamento...................................................................127 Anexo...................................................................................................131
CAPÍTULO 3...............................................................................................133 Constelações de saberes-fazeres-poderes da formação...............................133
Que saberes-fazeres-poderes da docência?.............................................................139 Então, o que ensinar-aprender-para-ensinar?......................................................143 Os três núcleos de conhecimentos (PPC)..............................................................156
1) Núcleo de estudos básicos.............................................................................156 2) Núcleo: aprofundamento e diversificação de estudos.................................162 3) Núcleo de estudos integradores....................................................................165
Saberes-fazeres-poderes: dimensões ética, estética e política...............................167 Uma constelação de saberes: refletindo................................................................175 Anexo......................................................................................................................177
CAPÍTULO 4...............................................................................................179 Ensinar-aprender-a-ensinar: Uma caixa de ferramentas........................179
As artes de saberes-fazeres-poderes........................................................................184 A cada lógica uma ecologia!...................................................................................189 Constelações de práticas: modos de saber-fazer-poder...........................................194 Girando o caleidoscópio!.........................................................................................198
O que dizem as professoras?..........................................................................199 O que dizem as alunas..................................................................................224
Choque de realidade!..............................................................................................228 É preciso paixão!.....................................................................................................238 Aprendizagens formativas para a docência........................................................242
CAPÍTULO 5................................................................................................250 Douta ignorância: a formação que temos-fazemos-queremos..................250
A ecologia de saberes: uma proposta de inteligibilidade.................................253 1) A tradução de saberes-fazeres-poderes.....................................................254 2) A artesania das práticas..........................................................................258 3) A Pedagogia da aposta.............................................................................261
Nos interstícios do cotidiano: o que ver-potencializar?.......................................265 1) Experiências disponíveis no Centro de Educação (CE).........................267 2) Experiências possíveis no Centro de Educação (CE)..............................273 3) Limites, possibilidades, dificuldades e desafios...................................276
Por uma Axiologia do Cuidado..............................................................................290 Outros aspectos relevantes.....................................................................................299 Considerações finais: por uma Pedagogia da Aposta!.........................................305 Anexo......................................................................................................................313 Referências.............................................................................................................314
Nas “boaventuranças” Vou buscando fundamentos Para sustentação das minhas teorizações. Segundo as “boaventuranças”, não existe certeza de um mundo melhor, Mas podemos contribuir para que isso aconteça, Produzindo um conhecimento emancipatório, Que implique a trajetória da ignorância, o colonialismo, Para o saber, a solidariedade; um conhecimento Que se assuma ante o conhecimento-regulação, Que seja “um conhecimento prudente para uma vida decente”. Prudência e decência no atual contexto transglobalizado em transição?! Onde prevalece injustiça, fome, corrupção, deseducação, exploração, silenciamento?! O pensamento utópico, realista, plural, crítico Aciona, então, um permanente movimento Transmoderno para encontrar respostas Que a modernidade não conseguiu dar. A sociedade continua almejando Igualdade, liberdade, fraternidade e paz. Boaventura6 propõe como alternativa, Uma razão cosmopolita feita Pela ecologia dos saberes, com a articulação Das sociologias das ausências, Das sociologias das emergências E do procedimento de tradução e da artesania das práticas, Para se contrapor à indolência da Razão metonímica e da razão proléptica. Entra em ação a hermenêutica diatópica Que possibilita o diálogo intercultural. Não para chegar a consenso. Não para fazer a cabeça de ninguém. Mas para compreender que Todas as culturas são incompletas. E que essa incompletude, composta da diversidade cultural, social e epistemológica do mundo, pode ser um jeito de encontrar novos possíveis, Quem sabe, o utópico mundo melhor. Fazer, assim, a sonhada emancipação social. ENEIDA
6 Boaventura de Sousa Santos.
13
INTRODUÇÃO
PARA INÍCIO DE CONVERSA...
Afinal, “[...] que podemos cada um de nós fazer sem transformar nossa inquietude em uma história? [...] para esse alívio, acaso contamos com outra coisa a não ser com restos desordenados das histórias recebidas?” (LARROSA, 2006, p. 22). “Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois” (BENJAMIN,1993).
Minha palavra inicial, neste texto, é dedicada às professoras, às alunas, às funcionárias que
participaram da pesquisa. É uma palavra de agradecimento, de louvor, de respeito, pela
colaboração, pelo despojamento, pela coragem de falar, de se expor, na perspectiva de
construir um novo curso, de estabelecer novos modos de se relacionar entre si, com
instituições educacionais como a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o Centro de
Educação (CE) e a Educação Básica (EB), de consumir-produzir saberes-fazeres-poderes, de
buscar modos instituintes de produção de vida, como diria Linhares (2002). Em decorrência
dessa participação livre e disponível, pude reunir um material valioso para a produção deste
trabalho que é polifônico, fruto das múltiplas vozes que aqui se fazem presentes. Meu papel
foi provocar os encontros, as conversações, ouvir atentamente, perceber emoções,
(in)certezas, reticências, sonhos, alegrias, esperanças e muito mais. E, depois, fazer
escrileituras, traduscritas e escrever, escrever, pois “O ato de contar resgata a memória para
infinitos encontros que se realizam nas histórias” (MAIRESSE, 2003, p. 267).
Foram muitas escutas das gravações, silenciosas e reflexivas, para entendê-las e transcrevê-
las, para sentir seus significados e poder trabalhar com elas, com documentos oficiais, com
14
autores, acompanhar movimentos processuais cotidianos e escrever esta tese, que espero
possa contribuir com os estudos acerca da formação de pedagogos. Larrosa (2006, p. 39)
propõe que “[...] ler e escrever (escutar e falar) é colocar-se em movimento, é sair sempre para
além de si mesmo” e, penso que as participantes e eu, fizemos isso: colocamo-nos em
movimento para construir um caminho, uma viagem. Segundo Pais (2003, p. 51, 54), fazer
sociologia do cotidiano é, pois, desenvolver a capacidade de flâneur, de passeante ocioso; é
recuperar o olhar impressionista, que faz sobressair nas narrações, “o exotismo, o
desconhecido, o surpreendente, o enigmático”. O processo escriturístico me faz concordar
com Larrosa (2006, p. 47) que diz: “O escritor não inventa, nem desmascara, nem descobre. O
que o escritor faz é reencontrar, repetir e renovar o que todos e cada um já sentimos e
vivemos, [...]”. Foi o que procurei fazer e espero ter conseguido.
Escrevi-escrevo este trabalho num processo contínuo de ir e vir, sem estar presa a um ou a
outro capítulo. Isso me possibilita múltiplos movimentos de desterritorialização e de
reterritorialização, que só enriquecem a mim e ao texto e, ainda, ajudam a aliviar meu
pensamento e minha alma. Essa forma de trabalhar, me permitiu-permite, escrever vários
capítulos ao mesmo tempo. Esse jeito de manipular o pensamento cria enredamentos, mas
propicia independência; parece-me uma forma rizomática de escrever, sem começo e sem fim,
podendo começar a ler o texto de qualquer um dos capítulos. Transformo em palavras, os
sentimentos que me atravessam nesse processo de produção de conhecimentos, de saberes-
fazeres-poderes da formação de pedagogos. Assim, desenhei-desenho este meu percurso
almejando que seja significativo não só para mim, para o curso de Pedagogia, mas para
contribuir de modo mais abrangente e relevante com a pesquisa e a reflexão na-com-sobre a
formação de pedagogos. É um estudo que perpassa e é perpassado por uma multiplicidade de
textos, vozes, eus, elas, pensamentos, vivências, utopias que povoam a minha trajetória de
estudante-professora-sempre-estudante.
15
Como professora e pedagoga da Escola Básica que fui por longos anos e, agora, como
professora do curso de Pedagogia, sou-continuo desafiada, diariamente, na minha tarefa de
contribuir para a formação de futuros-pedagogos. Esse desafio me (im)pulsiona na
continuidade da minha própria formação que é inconclusa e está em permanente processo,
porque é devir. Assim, a escriturística desta tese de doutorado está inserida, encarnada na
minha trajetória de estudante-professora-sempre-estudante que viveu-vive em permanente
processo de ensinar-aprender-ensinar. A pesquisa que realizei no/do/com o cotidiano do curso
de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)7 pode ser sintetizada na
seguinte problemática investigativa: “compreensão dos modos como professores-
formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes
que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia”.
Algumas questões demarcaram o campo de estudo: qual a orientação do Projeto Pedagógico
do Curso (PPC/CE/UFES, 2006) em relação à formação do pedagogo? Que artefatos,
estratégias e táticas inventivas o professor-formador utiliza para realizar o seu trabalho
docente, para ensinar e ajudar a aprender-para-ensinar, para relacionar teoria e prática, para
associar ensino e pesquisa, para produzir uma rede de conhecimentos? Como discentes,
futuros-pedagogos, produzem e se apropriam de saberes-fazeres-poderes necessários à sua
formação? Defini alguns objetivos que orientaram este trabalho: o objetivo geral, “cartografar
a produção de saberes-fazeres-poderes que atravessa o processo de realização cotidiana do
currículo do curso de Pedagogia”. E os objetivos específicos, a) problematizar conversações
de docentes e discentes sobre a utilização de artefatos, estratégias, táticas inventivas para
produção de saberes-fazeres-poderes na realização do currículo do curso de Pedagogia; b)
indagar sobre processos de saberes-fazeres-poderes que atravessam e enredam a formação de
pedagogos.
A pesquisa foi realizada no-do-com o cotidiano do curso de Pedagogia da UFES, em 2007/02,
2008/01 e em 2008/02 e início de 2009/01, no turno matutino, com professoras-formadoras,
alunas e funcionárias8. Para produção de dados utilizei entrevista semi-estruturada, mais do
que entrevista, uma conversação (gravada), conforme roteiro9. Trabalhei na perspectiva de
pequena e grande escala para abranger o cotidiano estudado, em aspectos mais amplos e em
aspectos mais detalhados. Procurei cartografar movimentos processuais de realização do curso
7 Em Vitória, no Estado do Espírito Santo, Brasil. 8 Uso da forma feminina, sempre que me referir às participantes da pesquisa, porque a grande maioria é do sexo feminino e uso do masculino quando generalizo. 9 Anexo neste capítulo.
16
como: Abertura do Ano Letivo, Semana Pedagógica (docente), Recepção de Calouros,
Semana da Pedagogia (discente), Reuniões de Colegiado do Curso e de Departamento, aulas,
apresentação de seminários, fóruns, montagem de Exposições no corredor do prédio IC IV10,
bem como, momentos de conversações com as turmas do currículo novo, com pequenos
grupos de alunas dessas turmas e com as responsáveis por diversos núcleos do Centro de
Educação (CE) e da biblioteca.
Conversei com dezessete professoras e um professor em suas salas de planejamento-estudo ou
na minha. Foram conversações agradáveis e enriquecedoras, com muita disponibilidade por
parte delas e dele, considerando o excesso de encargos que assoberbam docentes do CE,
UFES. Ainda assim, abriram um espaço em suas agendas para me atender. São quatorze
docentes efetivos (todos doutores) e quatro substitutos (com mestrado ou especialização), que
atuam nas turmas do currículo novo do curso de Pedagogia, no turno matutino. Entre os
efetivos, estão incluídas a diretora e a vice-diretora do CE, a coordenadora e a
subcoordenadora do Colegiado e a coordenadora do PPGE. Em nossas conversas falamos
sobre o currículo, saberes-fazeres-poderes, modos de ensinar-aprender-para-ensinar, artefatos,
estratégias, táticas, relações, limites, dificuldades, desafios e possibilidades na realização
curricular, (in)visibilidades, entre outros assuntos que surgiram no decorrer das conversas.
Agrupei as falas por temas11, embora muitos aspectos sejam inerentes a vários temas, não
dando para separá-los completamente, nem é esse o objetivo, pois tudo que foi falado é
integrado, mescla-se, permeia os diversos assuntos abordados.
Pesquisar um curso exige conversar, também, com alunos, praticantes do currículo, para saber
o que pensam, como vêem o curso que fazem, é preciso acompanhar processos, viver o
cotidiano. Inicialmente, mantive contato com professores ou com representantes das turmas
que entraram a partir de 2006/01 e estudam com o currículo novo do curso, para combinar o
melhor horário para eu ir às salas de aulas. Anotei nomes de representantes, e-mails (delas e
das turmas), horários e outras informações que pudessem ajudar. No primeiro contato com as
turmas, fiz a apresentação do projeto, o convite para participação, uma conversa inicial sobre
o tema de estudo: “produção de saberes-fazeres-poderes na realização cotidiana do curso de
Pedagogia”. Os registros dos encontros nas turmas foram feitos por alunas e por mim,
também, e as conversas com pequenos grupos foram gravadas.
10 Prédio onde funcionam as aulas de graduação. 11 Necessidade puramente didática para organização do texto.
17
Após a organização dos dados produzidos e uma primeira análise, retornei à sala da 1ª turma
do curso12, para retomarmos pontos que se destacaram nas primeiras conversas; nesse outro
momento da pesquisa foi utilizado um formulário13 onde os discentes expuseram suas
percepções. Também, retomei pontos que se destacaram, anteriormente, nas conversas com
algumas professoras. A hermenêutica diatópica foi utilizada como procedimento
metodológico, porque é baseada na idéia da incompletude das culturas, dos saberes, dos
fazeres, dos agentes e possibilita um “exercício de reciprocidade entre culturas” (SANTOS,
2006, p. 87), na perspectiva da ecologia de saberes e de práticas. Foram realizadas pesquisa
bibliográfica e pesquisa documental em diversos documentos: as Diretrizes Nacionais para
Formação de Professores, as Diretrizes da UFES para Formação de Professores e as do CE,
para Formação de Pedagogos.
A pesquisa no-do-com o cotidiano objetiva captar todas as sensações possíveis, não se
contentar com a visão de janeleiro (estruturalista), mas fazer como o arruadeiro
(fenomenólogo), que sai à rua, que se mistura para ver de perto, para sentir e melhor
apreender o que pretende estudar (PAIS, 2003). Por isso, decidi por esse jeito de pesquisar,
por ser um modo útil para problematizar questões educacionais, por ajudar a ver, ouvir e
compreender táticas14 e estratégias15 inventadas no saber-fazer-poder, docente-discente, para
realização do ensino-aprendizagem, para pesquisar a própria prática, para formar pedagogos.
E, ainda, para compreender o currículo realizado, na sua relação com o currículo prescrito,
conforme as normas do MEC (Ministério da Educação), as Diretrizes da UFES e o Projeto
Pedagógico do Curso Pedagogia (PPC, CE, 2006).
Nesse sentido, Carvalho (2004, p. 39) afirma que “os espaços/tempos são ocupados por
estratégias e táticas que o ‘mobilizam’ (o professor) com suas representações, assim como
seus gestos, vozes, recordações, etc.”. São táticas e estratégias articuladas, cotidianamente,
para inventar os saberes-fazeres-poderes para formação de futuros-pedagogos. Perguntaria,
então, o que fazem os realizadores do currículo para serem produtores de conhecimentos e
12 Iniciada em 2006/01 e cursando o 7º período em 2009/01. 13 Anexo neste capítulo. 14 M. Certeau (1994, p. 100): “[...] chamo de tática a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. [...]. A tática não tem por lugar senão o do outro. [...] a tática é movimento “dentro do campo de visão do inimigo” [...] e no espaço por ele controlado”. 15 M. Certeau (1994, p. 99): “A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos de pesquisa, etc.)”.
18
não apenas consumidores já que vivem numa sociedade que “[...] cada vez mais envolve seus
membros no papel de consumidores e não no de produtores, [...]” (BAUMAN, 2003, p. 113)?
Esta é uma questão respondida ao longo deste trabalho, a partir das práticas discursivas
docentes-discentes.
Reunião colegiado/alunos – Auditório CE
Portanto, este estudo expressa minha vivência e inserção no-do-com o cotidiano do curso de
Pedagogia, em que tive-tenho oportunidade de atuar como docente e, como pesquisadora no
doutorado, manter conversações com praticantes do curso e acompanhar movimentos
processuais, para investigar a realização curricular cotidiana. A produção de dados resultou
numa quantidade muito rica, porém “excessiva” de material, por isso tive que fazer uma
exaustiva seleção, no sentido de reduzi-la, para melhor atender à problemática e aos objetivos
propostos neste estudo. Pesquisas desta natureza contribuem para o entendimento dos
processos de realização do currículo, assim como para a compreensão dos dados produzidos
nas entrevistas-conversações e demais momentos vivenciados no cotidiano do curso. As
unidades de agrupamentos de dados, oriundas das diferentes fontes, foram organizadas
conforme o roteiro para as conversações considerando: a concepção de currículo das
participantes, os três núcleos de saberes da formação (PPC, 2006) e os modos docentes-
discentes de ensinar-aprender-para-ensinar. Essas unidades foram cruzadas para efetuar a
tradução dos dados e possibilitar a escriturística do texto final, fundamentadas nas teorias de
base.
Movimentos para delinear a tese
A questão é o desejo do pensamento (BLANCHOT, 2001).
A formação de pedagogos tem sido alvo de amplas discussões no contexto das instituições
educacionais, por ser considerada significativa em relação aos resultados da Educação, pelas
mudanças definidas na legislação, pela contínua transformação que ocorre na sociedade, pela
transglobalização, pela transição paradigmática em que vive o mundo. Nesse sentido,
pesquisei-escrevi este trabalho na-da-com a produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes no
19
currículo da licenciatura de Pedagogia16. A atuação no Ensino Superior fez-faz-me voltar o
olhar para o cotidiano do curso, para os saberes-fazeres-poderes docentes de professores
universitários e de alunos, para as relações que se estabelecem no Centro de Educação (CE) e
com a escola (Infantil e Fundamental), para o currículo, entre outros aspectos. Por diferentes
razões, decidi pela pesquisa no-do-com o curso de Pedagogia: por ser professora do
Departamento de Linguagem, Cultura e Educação (DLCE) do CE, que oferece o curso de
Pedagogia, para formação de pedagogos e atende a quatorze licenciaturas da UFES; por
trabalhar com as disciplinas Estágio, Didática, Avaliação, Metodologia do Ensino Superior,
Currículo; por estar em constante e contínuo contato com estudantes, já professores, ainda não
professores e com docentes das escolas onde os estudantes estagiam; por trazer na bagagem a
experiência de muitos anos como professora e pedagoga na Escola Básica. E mais ainda, por
me sentir inquieta, desafiada, diariamente, com problemas da formação e da Educação.
É, pois, a partir do trabalho com a Educação Pública que procurei compreender os saberes-
fazeres-poderes da formação, na perspectiva da produção de um conhecimento
emancipatório17, e, assim, tentar vislumbrar novas possibilidades de experimentações nos
estudos relativos ao currículo para formação de pedagogos. Busquei cumplicidade com
autores diversos, porém, escolher um autor ou mais é definir uma parceria, para estar junto
por longo tempo, o que implica aproximações, distanciamentos, estar “no meio, no entre”. É
preciso paixão, entrega, disposição para ler, ouvir, compreender, aceitar, discordar, explicar,
ultrapassar, imaginar, inventar... Quantos verbos para uma mesma ação: escrever uma tese.
Assim, na produção deste estudo, conversei com textos de autores que discutem a docência
como Carvalho (2004), Ferraço (2005), Carvalho e Simões (2000), Linhares e Leal (2000,
2002), Cunha (1998), Alves e Garcia (2002), Behrens (2000), Pimenta (1999), entre outros,
que me ajudaram a compreender o tema pesquisado. Busquei, ainda, a contribuição das
teorizações de outros autores como Certeau (1994), Elsworth (2001), sendo que os estudos de
Santos (1997, 2002, 2004, 2006, 2007, 2008) constituíram a base maior de sustentação teórica
deste trabalho.
Este modo de pesquisar, definir caminhos a enveredar implica fazer escolhas entre múltiplas e
diferenciadas metodologias, escolhas que devem propiciar a produção de dados e a feitura do
trabalho, conforme os objetivos que se propõe. Nesse sentido, Santos (1997a, p. 48) afirma
16 Projeto Pedagógico de Curso (PPC, 2006), Centro de Educação (CE), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 17 Um conhecimento prudente para uma vida decente (SANTOS, 2002).
20
que “Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. Só
uma constelação de métodos pode captar o silêncio que persiste entre cada língua que
pergunta”. Escolher uma metodologia de pesquisa é tarefa delicada e complexa, pois é difícil
antever um caminho a trilhar. A metodologia deve ser vinculada à teoria, à problemática e a
todas as dimensões da pesquisa que se pretende realizar. Numa perspectiva crítica-renovada
(SANTOS, 1997, 2004, 2005, 2006, 2007; ARRISCADO, 2002), esse caminho vai se
delineando e se cartografando ao longo do percurso. A metodologia escolhida pode ser
acrescida de outras possíveis metodologias no decorrer do processo de realização do estudo,
pois precisa ser coerente com a linha teórica que vai fundamentar o trabalho e, chegar a essa
base, exige muita leitura, exploração, estudo, discernimento. Pais (2003, p. 33) caracteriza
bem essa dúvida metodológica, quando sugere que o método deve ser o
[...] de trotar a realidade, passear por ela em deambulações vadias, indiciando-a de uma forma bisbilhoteira, tentando ver o que nela se passa mesmo quando “nada se passa”. Nesse vadiar sociológico, como se adivinha, importa fazer da sociologia do quotidiano uma viagem e não um porto.
Assim, trabalhar com o cotidiano18 implica procurar caminhos diferentes dos
preestabelecidos, buscar linhas de fuga, enxergar nos interstícios, libertar-se de verdades
prontas e acabadas. Numa época em que o paradigma dominante de ciência é questionado e se
fragiliza desperta, ainda mais, o desejo de tentar fazer uma pesquisa numa perspectiva que
fuja da caracterização positivista da ciência moderna, em que o rigor científico se faz pelo
rigor das medições e conhecer significa quantificar, classificar, dividir (SANTOS, 1997a, p.
11). Com a crise do paradigma moderno aflora a possibilidade de emergir um novo
paradigma, emancipatório, que deve surgir do próprio paradigma dominante, ou seja, o
paradigma de um conhecimento prudente (científico) para uma vida decente (social)
(SANTOS, 1997a, p. 37).
Daí, o desafio que me fiz-faço, de promover a tradução dos dados produzidos na pesquisa,
tendo como base a teorização do estudioso Boaventura de Sousa Santos19, associada aos
trabalhos acadêmicos de outros, também, importantes autores nacionais e estrangeiros. Para
18 Certeau (1994, p. 38): “O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada”. Oliveira (2003, p. 52): “[...] o cotidiano é o conjunto de atividades que desenvolvemos no nosso dia-a-dia, tanto do que nelas é permanência (o seu conteúdo) quanto do que nelas é singular (as suas formas)”. Souza (2003, p. 245): “[...] pensar o cotidiano é atuar no território do interstício, do entrelugar, porque o próprio pensamento, a própria existência que se faz pensamento, é produzida no cotidiano”. Pais (2003, p. 28): “[...] é nos aspectos frívolos e anódinos da vida social, no “nada novo” do quotidiano, que encontramos condições e possibilidades de resistência que alimentam a sua própria rotura”. 19 Decisão tomada em consonância com a orientadora desta tese.
21
utilizá-lo, precisei proceder a um movimento de inteligibilidade, entre meus saberes e
experiências e sua teorização, para tentar compreendê-lo e, assim, realizar uma ecologia de
saberes e de práticas entre os dados produzidos na pesquisa e as idéias, conceitos e posições
teóricas de Santos, num processo de superação e/ou redução da minha ignorância douta20 em
relação a esse autor. Essa decisão exigiu de mim, ter que abrir mão e me prescindir de
aprofundar o diálogo com tantos outros bons autores, também, conceituados, dos quais
reconheço o valor da sua obra, mas como se sabe, ao realizar um trabalho científico é preciso
fazer opções, caso contrário, o pesquisador pode preparar uma armadilha, para si próprio.
Espero ter tomado a atitude correta.
A racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia tem predominado e
colonizado as demais racionalidades, na modernidade. Na perspectiva crítica-renovada há o
desejo expresso de incentivar a racionalidade estético-expressiva, a racionalidade moral-
prática da ética, bem como o princípio de comunidade, para a produção de um novo
conhecimento, de um novo senso comum. Assim, este é um momento para visualizar, na
sociedade, em particular na Educação, a presença dessas racionalidades e outras formas de
conhecimento, até então, desconsideradas, como os saberes do senso comum, os saberes
advindos das experiências práticas. Este trabalho aponta para a pesquisa acerca dos saberes-
fazeres-poderes da formação de pedagogos, tanto os curriculares como os da experiência,
vivenciados a partir do novo currículo do curso. Penso que o conhecimento que se pretende
produzir seria um conhecimento do tipo emancipação que de acordo com Santos (2002, p.
31), é um conhecimento que não deseja uma grande teoria, mas que “[...] aspira sim a uma
teoria da tradução que sirva de suporte epistemológico às práticas emancipatórias [...]”, que só
se sustentam em redes porque são incompletas e rizomáticas.
Neste estudo, portanto, pesquisei o cotidiano associado às entrevistas-conversações como
recurso metodológico, que pode fazer surgir os modos, como se constroem saberes-fazeres-
poderes, como se produzem subjetividades, comunidades interpretativas nos contextos onde
interagem docentes-discentes, nas relações sociais que se estabelecem com estudantes,
colegas docentes e funcionários, com a instituição, no ser, no fazer, no saber, no poder
profissional. Pesquisar numa perspectiva crítica-renovada, segundo Santos (1997a, p. 53), traz
a idéia de mudança na concepção de conhecimento: “[...] é necessária uma outra forma de
20 Ignorância douta (Nicolau de Cusa): “[...] sabe que ignora e o que ignora” (SANTOS, 2008, p. 25).
22
conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una
pessoalmente ao que estudamos”. Ou seja, não se deve desmerecer o saber produzido e
adquirido até então, mas (re)significá-lo à luz das novas realidades. Nesse sentido, trabalhar
com conversação como recurso metodológico me faz lembrar Blanchot (2001, p. 122) de
quem vou tomar fragmentos, para aquecer um pouco essa conversa. Ele afirma:
_ O que haveria entre o homem e o homem, se houvesse apenas o intervalo representado pela palavra ‘entre’, vazio tanto mais vazio que ele não se confunde com o puro nada, seria uma separação infinita, mas dando-se como relação nesta exigência que é a palavra.
Desse modo é possível passar da dialogia para a heterologia - palavra plural - marcada pelo
intervalo, uma interrupção, que ocorre entre a fala de um e de outro. Portanto, “[...] entre o
homem e o homem, há um intervalo que não seria nem do ser nem do não-ser e que carrega a
Diferença21 da palavra, diferença que precede todo diferente e todo único” (BLANCHOT,
2001, p. 123). A interrupção e a pausa permitem trocar de protagonista, compreender para
falar, pois a descontinuidade da conversa possibilita a continuidade. Segundo Carvalho (2009,
p. 189) “[...] a conversação não acontece sem ser criada e sustentada pela participação ativa e
criativa, que combina em si duas dimensões: a poética da participação e a sociabilidade,
articulando vozes, assuntos, de modo que tornem possível a multiplicidade partilhada –
conversação recriadamente aberta e inacabada”. Por isso, decidi pela conversa como um dos
modos de produção de dados nesta pesquisa. Então, o que é uma conversa? O que pode advir
de conversações com participantes22 de um curso?
A definição, quero dizer, a descrição, a mais simples de conversa mais simples, poderia ser a seguinte: quando dois homens falam juntos, eles não falam juntos, mas cada um por sua vez; um diz algo, depois pára, o outro outra coisa (ou a mesma coisa), depois pára. O discurso coerente que veiculam é composto de seqüências [...] (BLANCHOT, 2001, p. 131).
Nunes (2005, p. 128), também, esclarece essa dúvida dizendo: “Mas a conversa real, mais
alheia a essa fixação durável das manifestações da vida, é também ela um texto de palavras e
silêncios, modulados na voz, no olhar, na postura corporal, na eloqüência das mãos. A
entrevista é esta conversa, mas “programada””. Foi o que fiz: conversamos as participantes e
eu, num clima de aproximação, de troca, de espontaneidade, de colaboração. O trabalho com
cotidiano e com conversações envolve abertura para ver e ouvir, sem idéias e expectativas 21 A palavra “Diferença” está usada com maiúscula, conforme o original do autor. 22 Uso do gênero feminino porque exceto um participante docente, as demais são do sexo feminino; mesmo uso, também, em relação às discentes que são a grande maioria; uso do gênero masculino só na situação geral docente e discente.
23
preconcebidas, para perscrutar a imprevisibilidade, buscar a palavra plural, que enriquece e
respeita o pensar do outro, que fala e que escuta. Essa é uma forma de pesquisar que foge às
metodologias clássicas. Utilizando a conversação, acompanhando movimentos,
experimentações, escutando, lendo, falando, fotografando, busquei compreender como
professores-formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-
poderes que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia. Nesse
sentido, Benjamin (1999, p. 33) afirma que “[...] só devassamos o mistério na medida em que
o encontramos no cotidiano, graças a uma ótica dialética que vê o cotidiano como
impenetrável e o impenetrável como cotidiano”.
Portanto, o que fiz foi ver-ouvir-falar, pensar-escrever no-do-com o cotidiano do curso, na
perspectiva de compreender a sua realização. Com as percepções, reticências, surpresas,
alegrias, desapontamentos expressos nas vozes, nos gestos, nos olhares, nos silêncios, nos
risos das participantes, fui desenhando o itinerário cotidiano desse percurso. Segundo Ferraço
(2005, p. 32) “Nesses processos de enredamento de saberesfazeres, as dimensões de
topologia, heterogeneidades, metamorfoses, mobilidades, cartografias [...] e permanente
abertura das redes garantem diversas lógicas como possibilidades de entendimento [...]”.
Assim, o caminho é delineado, cartografado conforme o “caminhar” dos participantes. A
vivência, a convivência e a sobrevivência no cotidiano da Universidade mostram a presença
de múltiplas culturas que se entrecruzam interagindo e interferindo umas nas outras. Nesta
proposta de estudo, podem aflorar nas tramas diárias da formação do ser-saber-fazer-poder do
futuro-pedagogo (docente e não-docente), a presença dessas diversas culturas e a
multiplicidade de interações que nelas se (entre)laçam, por isso a importância da utilização da
hermenêutica diatópica, como procedimento que “[...] parte da idéia de que todas as culturas
são incompletas e, portanto, podem ser enriquecidas pelo diálogo e pelo confronto com outras
culturas” (SANTOS, 2006, p. 126), como pretende a ecologia de saberes e de práticas.
Ferraço (2001), utilizar uma metodologia de pesquisa que valorize a multiplicidade de
valores, linguagens e lógicas presentes no cotidiano, exige que o pesquisador procure
referenciais para melhor compreender quem são e o que fazem os sujeitos pesquisados, como
o professor-formador ocupa seu lugar e/ou não-lugar (Certeau, 1994; Augé, 1994; Carvalho,
2003) na instituição. Compreender, ainda, como docentes e discentes transitam nesses lugares,
estabelecem relações, produzem-consomem saberes-fazeres-poderes, enfim, como realizam o
currículo, como formam e são formados. Carvalho (2003, p. 49), afirma que “analisar os
24
lugares, os não-lugares e os entrelugares dos professores [...] implica dar voz aos professores
buscando o sistema de signos que, [...] constitui as suas representações”, para que se possa
problematizá-las no contexto pesquisado. Zaccur (2003, p. 187) enfatiza aspectos importantes
a serem observados na pesquisa com o cotidiano, como a exigência do detalhamento
metodológico, a ênfase na separação entre as informações factuais e a interpretação, a
discussão comparativa dos resultados. As metodologias são determinadas pelo cotidiano e
construídas no fazer da pesquisa, o que implica a possibilidade de riscos, mas não impede que
sejam feitas “[...] tentativas teórico-metodológicas de condução rigorosa e responsável do
processo, e de compromisso com os resultados apresentados, [...]” (ESTEBAN, 2003, p. 205).
Nesse sentido, Ferraço (2001, p. 92) afirma que “[...] por ser invenção não há como antecipar
caminhos. Somos levados, por movimentos caóticos (ordem/desordem), a percorrer redes
efêmeras de representações e práticas [...]”. Essa concepção revela uma grande diferença entre
a pesquisa no-do-com o cotidiano e outras formas de pesquisar. Ela trabalha com uma
concepção nova de ciência, pois não pretende fundamentar o estudo em verdades prontas,
acabadas, porque não existem. Mesmo que houvesse essa pretensão, aflora o medo de
sucumbir e Esteban (2003, p. 207) questiona: “[...], como nos proteger de nossas próprias
tramas de tradução que sempre as fazem acompanhar da traição?”. Esse risco incita o
pesquisador, nesse momento, em “[...] colocar sob suspeição nossos próprios saberes [...]”.
Entre as vantagens advindas da utilização desses recursos metodológicos, considera-se a
possibilidade de fazer emergir um conhecimento ampliado-renovado sobre o currículo do
curso de Pedagogia, sobre a produção de saberes-fazeres-poderes, que permita compreendê-
los melhor, contribuir para aprimorar os processos de formação inicial, da prática e da
profissão docente. E, ainda, buscar possíveis respostas, sempre parciais e provisórias, aos
desafios educacionais que se apresentam, hoje, no sentido de favorecer uma relação recíproca
entre teorização e prática, com vistas à (re)significação23 de ambas e do próprio currículo. As
teorias de base, certamente, vão proporcionar os fundamentos para realizar a compreensão e o
respaldo para a produção da teorização neste estudo.
23 O uso do prefixo entre parênteses em muitas palavras foi opção da autora, no sentido de reforçar dois significados para as mesmas.
25
Contextualizando o estudo
As Universidades são [...] instituições pluridisciplinares, que se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e de extensão [...] (SOARES, 2002, p. 48).
A concepção de Universidade retratada no documento do Fórum de Pró-Reitores de
Graduação das Universidades Brasileiras (ForGRAD, 2004, p. 7) orienta a Política Nacional
de Graduação, nas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, e enfatiza o tripé das
funções da Universidade. Segundo esse documento, a qualidade da Educação Superior está
relacionada a quatro pilares principais: 1) o projeto pedagógico institucional e de curso, 2) os
recursos humanos (corpo docente, técnico-administrativo e corpo discente), 3) a infra-
estrutura e 4) a gestão institucional/acadêmica. Assim, nessa época de transglobalização do
mundo contemporâneo, como um possível papel para a Universidade, considera-se que “A
adequada articulação de uma sólida visão humanística com os processos de desenvolvimento
científico e tecnológico amplia o campo da consciência e das práticas políticas, como parte de
um exercício profissional relacionado a práticas cidadãs e consequente compromisso com
demandas sociais” (ForGRAD, 2004, p. 7).
Outro aspecto importante, destacado no documento, refere-se à importância da “[...] adoção
de Projeto Pedagógico como instrumento de gestão, tanto ao nível geral da instituição, quanto
no nível específico de cada curso”. Nessa perspectiva, a Universidade deve passar a interagir
“com” e não “sobre” a sociedade. A avaliação institucional e de curso constitui, hoje,
condição básica para o aprimoramento do planejamento e da gestão da Instituição. Torna-se,
então, uma exigência, “[...] a construção de um Sistema de Educação Superior organicamente
articulado, integrando a graduação e a pós-graduação, e que preveja e estabeleça seu
relacionamento efetivo com os demais níveis da educação e com o sistema de ciência e
tecnologia” (ForGRAD, 2004, p. 8). Nesse sentido, a Universidade deve inserir-se no espaço
social produzido pela globalização, pois “Se alguns de seus papéis tradicionais foram
abalados, outros se abrem, trazendo desafios de um novo tipo, na busca pela participação
crítica na realidade social” (ForGRAD, 2004, p. 11). Em sua crise de hegemonia, a
Universidade deixa de ser a principal produtora de saber; com isso, seu papel,
[...] relacionado à formação, visando à inserção no mundo do trabalho, necessita de uma redefinição que possibilite acompanhar a evolução tecnológica que define os contornos do exercício profissional contemporâneo, considerando a formação acadêmica como tarefa que se realiza, necessariamente, em tempo diferente daquele em que acontecem as inovações (ForGRAD, 2004, p. 12).
26
A formação não deve, pois, visar apenas à profissionalização técnica, mas possibilitar a leitura
e a ação crítica dos seus fundamentos, procurando um equilíbrio entre sua vocação técnico-
científica e humanizadora, em que problemas éticos e/ou políticos não sejam considerados,
apenas, problemas técnicos. Essas idéias revelam a concepção de Educação Superior,
proposta pelos Pró-Reitores de Graduação, em 2004, que, certamente, devem interferir na
produção dos novos projetos dos diversos cursos. O Plano Nacional de Educação (PNE), em
2001, já ressaltava o importante papel que o Ensino Superior desempenha no processo de
desenvolvimento e independência do País. Por isso, sugere que o referido plano dê a devida
importância que as Instituições de Ensino Superior (IES) devem ter, pois elas constituem a
base de produção, desenvolvimento e disseminação do saber científico e tecnológico: “As
universidades constituem, a partir da reflexão e da pesquisa, o principal instrumento de
transmissão da experiência cultural e científica acumulada da humanidade” (PNE, 2001, p.
86).
Portanto, estudos relativos ao Ensino Superior, à formação de seus professores, às políticas
públicas, aos seus saberes-fazeres-poderes, entre outros, são significativos para a
compreensão e a contínua melhoria desse nível de ensino e das suas relações com a Escola
Básica, para a qual preparam futuros-pedagogos. Essas investigações contribuem para
aproximar a Universidade da sociedade, considerando o importante papel que as
Universidades exercem na dimensão cognitiva, social, ética, estética, cultural, política,
econômica como, também, na produção e na divulgação do conhecimento, na formação de
intelectuais e de profissionais das diferentes áreas de trabalho, por meio do ensino, da
pesquisa e da extensão. Assim, a Universidade é desafiada a “[...] reunir em suas atividades de
ensino, pesquisa e extensão, os requisitos de relevância, incluindo a superação das
desigualdades sociais e regionais, qualidade e cooperação internacional” (PNE, 2001, p. 86).
Nesse sentido, Santos (1997, p. 187) afirma que “[...] são-lhe (à universidade) feitas
exigências cada vez maiores por parte da sociedade ao mesmo tempo em que se tornam cada
vez mais restritivas as políticas de financiamento das suas actividades por parte do Estado”.
A formação de profissionais para o magistério no Ensino Superior é um tema que requer
estudos, uma vez que se observa “[...] uma enorme pressão social sobre a educação e o
professor, no sentido de lhes atribuir uma responsabilidade e um papel central na dinâmica da
sociedade tecnocrática e competitiva, cobrando-lhes a formação de pessoas para se integrar às
exigências dessa sociedade” (CARVALHO, 2004, p. 13). A Universidade vê-se, então,
desafiada a promover uma formação e uma profissionalização de qualidade, que responda aos
27
desafios do mundo transglobalizado e em contínua mutação. Feldens (1996, p.116) afirma
que,
Evidentemente que em um sistema educacional como o construído/desconstruído nos tempos atuais, há que se reconhecer a amplitude e seriedade dos problemas da educação de professores universitários, que vão dos pseudo e novos modelos de profissionalismo à ambigüidade e incerteza de professores emanadas da problemática da educação em geral, [...].
A docência, a vivência e a convivência no cotidiano universitário, a observação e a reflexão
incentivam-me na busca de conhecimentos relativos a esse nível de ensino, em particular do
curso de Pedagogia. Nesse sentido, recorro a Canclini (2003, p. 163), para me reportar ao
saber-fazer-poder de pedagogos, que atuando “[...] como atores não-profissionais utilizam as
técnicas teatrais” para realizar seu trabalho: a escola pode ser considerada como um palco
para a teatralização da vida, do ensino, da aprendizagem, da educação, da formação. É
possível que a produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes, no processo de realização do
currículo, ocorra de tal modo que provoque o transbordamento de suas margens, alongando,
quebrando, ultrapassando suas próprias fronteiras. Esse caminho enriquece o currículo, numa
atitude rebelde, provocadora de multiplicidades rizomáticas. Seria um modo de produção de
saberes que pode ser utilizado pelos futuros-pedagogos, desbancando o saber dominante de
uma posição que parece destinada ao poder da elite intelectual, desvinculando-o de posições
dogmáticas, inventando múltiplos caminhos para essa elaboração.
Segundo Pais (2003, p. 46), “São nas brechas do saber consolidado que se dão as
possibilidades criativas, de desvio”. O currículo do curso é escrito e é aprovado pelos
departamentos, porém na sua realização, docentes e discentes criam estratégias e táticas,
vivenciam práticas inventivas, que enriquecem e/ou empobrecem, em algumas situações,
enveredando por caminhos não imaginados. Assim, este estudo perspectivou compreender
como professores-formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-
fazeres-poderes que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia. Com
ele, pretendo me associar às demais discussões nacionais e internacionais que são realizadas
acerca da formação de pedagogos, conforme a Legislação Nacional e as mudanças advindas
das suas orientações. Entretanto, produzir um estudo implica, também, uma opção teórica por
um modo de produzir ciência e, por isso, explicito a seguir, sobre esse novo modo de fazer
ciência.
28
Novos modos de fazer ciência Mas o que me move e me apaixona, hoje, é a convicção de que estamos começando a trilhar novos e diferentes caminhos, e que estes podem nos levar a descobrir espaços cotidianos de luta na produção de significados distintos daqueles que vêm nos aprisionando, há séculos, em uma naturalizada concepção unitária de mundo e de vida (COSTA, 2002, p. 14).
Com base nos estudos de Santos, Certeau, Linhares, Cunha, Carvalho, Ferraço, entre outros, arrisco-me
a enveredar pelos meandros da ciência, nas suas formas de ser-saber-fazer-poder. Neste momento de
transição paradigmática, encontrar um novo modo de conceber e fazer ciência exige desconstruir
certezas e falsas verdades para produzir um conhecimento novo, fundamentado em concepções de um
paradigma emergente que busca superar a fragmentação, o caráter positivista de ciência. É um
conhecimento que utiliza uma pluralidade metodológica; que vê no conhecimento do senso comum a
possibilidade da elaboração de novos conhecimentos; que tenta superar antagonismos engessados pela
ciência moderna, como dualismos sujeito/objeto, qualidade/quantidade, sentimento/razão, entre outros.
Este é um caminho que pode abrir outras novas e múltiplas possibilidades de estudos.
A ciência moderna ocidental, “Convertida em conhecimento uno e universal, [...], ao mesmo
tempo que se constituiu em vibrante e inesgotável fonte de progresso tecnológico [...],
arrasou, marginalizou ou descredibilizou todos os conhecimentos científicos que lhe eram
alternativos, tanto no Norte como no Sul” (SANTOS, 2006, p. 155). Nesse sentido, muitos
pesquisadores recusam o paradigma da modernidade, porque estão insatisfeitos com a falta de
cumprimento de algumas promessas que a modernidade não foi capaz de cumprir. Este
modelo ocidental de racionalidade científica considera-se como única verdade e recusa outras
formas de conhecimento (o senso comum e as humanidades). Pesquisadores buscam, então,
em outros paradigmas, as possibilidades de novos modos de pesquisar, de compreender o
mundo e de produzir conhecimento. Segundo Nunes (2002), é difícil construir uma teoria
crítica interrogativa e não legislativa diferente da teoria moderna. Para ele (2002, p. 302), a
teoria pode “[...] ser definida como uma arena em que se jogam as tensões entre impulsos
regulatórios e emancipatórios, [...]”. Ainda assim, vive-se, hoje, a possibilidade de emergir
um novo paradigma, no próprio seio da modernidade, ora em crise.
Na tentativa de fazer uma caracterização resumida, poderia dizer que a ciência moderna
desconfia da experiência imediata, baseia-se em dualidades, utiliza a observação e a
experimentação, privilegia o rigor científico da Matemática, a neutralidade, a regularidade,
reduz a complexidade, aspira à formulação de leis, considera o conhecimento causal e
29
hegemônico, pressupõe ordem e estabilidade no mundo. Não se pode negar a contribuição da
ciência moderna para o desenvolvimento da própria ciência, da pesquisa, do mundo, mas hoje,
volta-se para a necessidade de buscar outros modos de fazer ciência, conforme Santos (1997,
2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008) sugere em seus estudos. A ciência moderna constitui-se por
um modelo de racionalização, que surgiu a partir da revolução científica do século XVI,
desenvolveu-se nos séculos seguintes, no domínio das ciências naturais e, só no século XIX,
chega às ciências sociais emergentes. Essa nova racionalidade científica (cognitivo-
instrumental) torna-se um modelo totalitário: nega todas as formas de conhecimento que não
se afinarem com seus princípios epistemológicos e com suas regras. Esta característica
representa a ruptura do novo paradigma científico com os paradigmas que o precederam
(SANTOS, 1997a, p. 11-12).
No séc. XVIII, a ciência moderna, deixava, gradativamente, os cálculos esotéricos e iniciava
uma transformação técnica e social – uma fase de transição (idem, 1997a, p. 7). Esse
movimento significou uma ruptura com o paradigma científico da ciência aristotélica,
medieval. O novo paradigma da modernidade passou a ressaltar duas distinções básicas: entre
conhecimento científico e conhecimento do senso comum e ainda, entre natureza e pessoa
humana. Segundo esse paradigma, o conhecimento advindo da experiência imediata, do senso
comum é ilusório e sem valor; portanto, é preciso que se faça uma observação rigorosa,
sistemática dos fenômenos naturais, para buscar a verdade, um conhecimento profundo da
natureza. Baseia-se em pressupostos epistemológicos e regras metodológicas e visa à
formulação de leis a partir de regularidades observadas (SANTOS, 1997a, p.10-16).
Concordando com Santos, Nunes (2002) considera que a teoria foi entendida em oposição a
vários “outros” como a prática, a pesquisa empírica, a experiência ou a política, que
correspondiam “[...] a instâncias incorporadas, territorializadas e localizadas de relação com o
mundo”. Portanto, A teorização implicava a confinação desses “outros” a procedimentos policiados por uma vigilância epistemológica que garantia a objectividade do conhecimento [...] critérios de validade e fiabilidade [...] separação entre sujeito e objecto [...]. (Daí a) [...] trivialização, a irrelevância e conseqüente invisibilização das formas de experiências e de conhecimento não conformes aos cânones da “boa” prática científica (NUNES, 2002, p. 306).
O modelo de racionalidade científica dominante passa, novamente, por uma profunda crise,
resultante de uma pluralidade de condições: a fragilidade dos seus pilares; o rigor da medição
baseada na Matemática; os avanços da Microfísica, da Química e da Biologia nos últimos
30
vinte anos (SANTOS, 1997a, p. 24-7). Esse movimento científico detona uma grande reflexão
epistemológica, feita pelos próprios cientistas e abrange questões que antes eram dos
sociólogos, como a análise das condições sociais e contextos culturais. Assim, considera-se
que a caracterização da crise do paradigma dominante já traz consigo o gérmen do paradigma
emergente.
A transição paradigmática em que vive o mundo interfere na sociedade, na educação, na
formação; ela é semi-cega, invisível e só pode ser realizada por um pensamento que
transforme silêncios insignificantes em sinais significantes (SANTOS, 2002, p.15). Esse autor
afirma que o 3º milênio é o tempo de transformação das energias emancipatórias em
regulatórias (crise final do paradigma da modernidade). Destaca, pois, duas dimensões
principais da transição paradigmática: a epistemológica (aspectos teóricos e metodológicos) e
a societal (o direito e suas articulações com o poder social). A transição epistemológica ocorre
entre o paradigma dominante da ciência moderna e o paradigma emergente (conhecimento
prudente para uma vida decente). A transição societal ocorre do paradigma dominante para
um paradigma ou conjunto de paradigmas que ainda não se conhece, está por ser feito. São
consideradas marcas do paradigma dominante: a sociedade patriarcal, a produção capitalista,
o consumismo, o individualismo, a mercadorização, a identidade fortaleza, a democracia
autoritária, o desenvolvimento global desigual e excludente.
O paradigma moderno, conforme Santos (2002, p. 50; 1997b, p. 77), assenta-se em dois
pilares: o da regulação e o da emancipação. O pilar da regulação envolve o princípio do
Estado (Hobbes), o do mercado (Locke, Smith) e o da comunidade (Rousseau); e o pilar da
emancipação compreende três lógicas da racionalidade: a estético-expressiva, a moral-prática
e a cognitivo-instrumental. O que mais caracterizou a condição sócio-cultural do fim do
século XX foi a absorção do pilar da emancipação pelo da regulação. O pilar da emancipação
foi hipercientificizado e, com isso, permitiu a divulgação de promessas da modernidade. Para
entender o desenvolvimento desequilibrado do pilar da emancipação, é preciso entender o da
regulação, isto é, o desenvolvimento desarmônico de seus três princípios: o desenvolvimento
excessivo do princípio do mercado, em detrimento do princípio do Estado e do princípio da
comunidade. As grandes promessas da modernidade não foram cumpridas ou resultaram em
cumprimento injusto: a promessa de igualdade, de liberdade, da paz perpétua e a promessa de
dominação da natureza. Assim, tanto a falta quanto o excesso, no cumprimento dessas
31
promessas, explicam a situação presente no mundo (SANTOS, 2002, p. 23-4). Nesse sentido,
Santos (SANTOS, 1997a, p. 35) afirma que [...] a crise do paradigma da ciência moderna não constitui um pântano cinzento de cepticismo ou de irracionalismo. É antes o retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com alguma dor, dos lugares conceituais, teóricos e epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e securizantes, uma despedida em busca de uma vida melhor a caminho doutras paragens onde o optimismo seja mais fundado e a racionalidade mais plural e onde finalmente o conhecimento volte a ser uma aventura encantada.
Mais de 200 anos depois do surgimento de um novo paradigma, perdeu-se a confiança
epistemológica. Vive-se de novo uma fase de transição diferente da que ocorreu no século
XVI; daí a necessidade de voltar a fazer perguntas simples, embora as respostas não sejam tão
simples. O que é uma pergunta simples? É uma pergunta que atinge o âmago mais profundo
da nossa perplexidade individual e coletiva. Seria de novo perguntar sobre as relações entre
ciência e virtude, o valor do conhecimento vulgar (criado para dar sentido às nossas práticas
cotidianas) que a ciência teima em considerar falso e irrelevante; perguntar sobre o papel que
o conhecimento científico acumulado exerce no enriquecimento ou no empobrecimento
prático das nossas vidas (SANTOS, 1997a, p. 8-9; 2002, p. 59).
Em texto mais recente, Santos chama essas perguntas de fortes, que acredito, de tão fortes, são
simples e cujas respostas são complexas, porém, a falta de inteligibilidade faz com que sejam
dadas respostas fracas, simplificadas. Nesse sentido, o autor (2008, p. 13), refere-se ao
método de Luciano de Samósata24, em relação ao contemporâneo, pois tem a vantagem de
“[...] criar distância em relação às teorias, ao conhecimento constituído”. Entre outras coisas,
esse método “[...] mostra-lhes que a verdade a que aspiram [...] não reside na correspondência
a uma realidade dada e sim na correspondência a uma realidade por dar, à utilidade em função
de critérios e objectivos sociais, em sentido amplo”. Portanto, Santos considera que esse
distanciamento é imprescindível, hoje, e se deve a uma das características da transição que é a
“discrepância entre perguntas fortes e respostas fracas”. As perguntas fortes são as que se
referem não só à vida individual e coletiva, mas às possibilidades existentes de escolha; e as
respostas fracas são as que respondem sem considerar o rol de possibilidades existentes. O
autor (2008, p. 17) cita diversas perguntas fortes com respostas fracas e, também eu, pensei
em perguntas fortes com respostas fracas na Educação, por exemplo:
24 Nascido na Síria e autor do diálogo “A venda de filosofias”, proposto, aproximadamente, no ano 165 da nossa era (SANTOS, 2008, p. 12).
32
Por que algumas crianças não aprendem? Porque são desinteressadas e atrasadas.
Por que certas famílias não acompanham a vida escolar dos filhos? Porque são descomprometidas com
sua educação.
Por que o resultado do ensino tem sido tão baixo? Porque as professoras são mal formadas.
Essa discrepância é uma característica do tratamento dado a perguntas de caráter tão forte e
importante para a Educação. As respostas fracas a essas perguntas garantem a continuidade do
colonialismo, da indiferença aos problemas educacionais, dos modos como os responsáveis se
eximem da sua responsabilidade social e as transferem para os que sofrem as conseqüências
do pensamento ortopédico que permeia o cotidiano social, econômico, cultural. Assim, é
maquiada a verdadeira dimensão de problemas educacionais, que se manifestam em carência,
omissão, descrença e desilusão. Então, o distanciamento de que fala Samósata, “[...] explica a
predominância de epistemologias negativas e, concomitantemente, de éticas e posições
políticas também negativas” (SANTOS, 2008, p. 18). Ser contrário a essa posição teórica,
implica a produção de subjetividades desestabilizadoras que reconhecem o despropósito
presente nas respostas fracas e procuram outras alternativas apesar da incerteza da sua
existência. O importante é não se sujeitar e buscar novas e múltiplas possibilidades presentes
nos diversos espaços sociais embora, muitas vezes, invisibilizadas, na imensa riqueza das
experiências do mundo.
Nesse contexto, os sinais do paradigma emergente anunciam-se sem base concreta, porque
não há caminhos, nem alternativas desenhadas, mas estão sendo rabiscadas, ensaiadas, ainda.
Santos (2002, p. 75) refere-se a um novo paradigma científico que deve ser, também, social;
sendo que o princípio da comunidade e a racionalidade estético-expressiva, “representações
mais inacabadas da modernidade ocidental”, devem ser priorizados nessa nova forma de
conhecimento que surge com a recuperação das energias emancipatórias. No paradigma
emergente tenta-se superar o dualismo sujeito/objeto, a neutralidade, a dicotomia ciências
naturais/sociais e se revalorizam os estudos humanísticos.
É com a crise do paradigma dominante, resultante de uma pluralidade de condições tanto
teóricas como sociais, que se anuncia o surgimento de um novo paradigma emergente, que
Santos (2002, p. 68) chama “[...] paradigma de um conhecimento prudente para uma vida
decente”. Este surge numa revolução científica diferente da ocorrida no século XVI; é um
33
paradigma científico e social, um conhecimento não-dualista, que busca a superação de
dicotomias. O paradigma emergente, segundo Santos (1997, 2002), apresenta quatro
características: todo o conhecimento é científico-natural e científico-social; todo
conhecimento é local e total; todo conhecimento é auto-conhecimento e todo conhecimento
científico visa a constituir-se em senso comum.
A 1ª característica (SANTOS, 1997, p. 37-45), “todo o conhecimento científico-natural é
científico-social”, indica que não tem sentido a distinção dicotômica entre ciência natural e
ciência social e põe em dúvida a distinção entre: orgânico e inorgânico, seres vivos e matéria
inerte, humano e não-humano. Assim, características de auto-organização, metabolismo e
auto-reprodução consideradas específicas dos seres vivos, agora, são também, atribuídas aos
sistemas pré-celulares de moléculas. Diferentes autores introduzem nos estudo da matéria,
conceitos que antes eram inerentes somente ao ser humano, como historicidade, processo,
liberdade, autodeterminação e consciência, sendo que a distinção entre sujeito e objeto sofre
uma transformação radical. O conhecimento do paradigma emergente não-dualista
fundamenta-se, portanto, na superação de distinções como: natureza/cultura; natural/artificial;
vivo/inanimado; mente/matéria; observador/observado; sujeito/objeto; coletivo/individual;
animal/pessoa.
A 2ª característica (SANTOS, 1997, p. 46-49) indica que “todo o conhecimento é local e
total”. Constitui-se em torno de temas, adotados por grupos sociais concretos, como projetos
de vida locais (exemplo, reconstituir a história de um lugar, de uma instituição, de um grupo).
A fragmentação pós-moderna não é disciplinar, é temática; os temas são galerias que levam os
conhecimentos ao encontro uns dos outros, como procurei organizar os dados produzidos
nesta pesquisa, para fins de tradução. O conhecimento emancipatório constitui-se de
pluralidade metodológica e cada método é considerado uma linguagem. Essa pluralidade só é
possível graças à transgressão metodológica (diferentes estilos e gêneros literários).
Exemplifico a transgressão literária com Victor Hugo, “grande mestre dos alexandrinos”, que
segundo Viviani et al25, além de dominar a técnica dos versos, renovou-os “[...] deixando-os
mais soltos, mais leves”, ou seja, fez uma revolução, pois “[...] a linguagem poética não deve
acorrentar o poeta dentro de uma prisão, e sim permitir que ele libere todos os seus
25 Na apresentação da edição bilingue do livro Poésie de l’Enfance/Poesia da Infância de Victor Hugo.
34
sentimentos” (Viviani et al, 2002, p. 18). Acusado de transgredir as regras dos alexandrinos,
V. Hugo respondeu: E nos batalhões de alexandrinos quadrados Eu fiz soprar um vento revolucionário26.
A 3ª característica (SANTOS, 1997, p. 50-55), “todo conhecimento é auto-conhecimento”,
lembra que a ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistêmico (científico),
mas o ignorou enquanto sujeito empírico (não científico). O conhecimento objetivo, factual e
rigoroso não aceitava a interferência de valores humanos e religiosos – daí a distinção entre
sujeito e objeto. Hoje, pode-se afirmar que o objeto é a continuação do sujeito por outros
meios (1997, p. 52), por isso todo conhecimento científico é auto-conhecimento. No
paradigma emergente, o caráter autobiográfico e autoreferenciável da ciência é plenamente
assumido. Assim, este estudo sobre o curso de Pedagogia, também, assume essa característica,
porque trabalha com material produzido por meio das enunciações discursivas de professoras,
alunas e funcionárias.
A ciência moderna deixou-nos um conhecimento funcional do mundo que ampliou nossas
perspectivas de sobrevivência. No entanto, hoje, não se trata apenas de sobrevivência, mas de
como saber viver (SANTOS, 1997, p. 53). Já dizia o poeta na letra de uma música: “É preciso
saber viver, saber viver, saber viver!” A incerteza do conhecimento que a ciência moderna
sempre viu como limitação técnica, transforma-se na chave do entendimento de um mundo
que mais do que controlado tem de ser contemplado. A ciência do paradigma emergente é
mais contemplativa do que ativa. Talvez por isso, Pais (2003, p. 27) sugira, com Simmel, que
o sociólogo seja “[...] um “fotógrafo amador” da realidade social, um “hábil em instantâneos”
[...]”, que tenha a arte de fotografar, porque para ele “[...] o fotografar é um processo de
capturar o fugaz que o olhar vagabundo do fotógrafo possibilita”; fotografar implica
contemplar e captar o contemplado sob a ótica de cada um. A dimensão estética da ciência
tem sido reconhecida por cientistas e filósofos e se considera que o discurso científico se
aproximará, cada vez mais, da criação literária. Ressubjetivado, o conhecimento científico
ensina a viver e se traduz num saber prático, concepção que considero significativa num
estudo sobre formação de pedagogos, cuja profissão implica lidar com o ser humano em
diferentes fases da vida.
26 Apud Viviani et al, 2002, p. 18.
35
Conforme a 4ª característica (SANTOS, 1997, p. 55-58), “todo conhecimento científico visa a
constituir-se em senso comum”. A ciência moderna nos ensina pouco sobre a nossa maneira
de ser-estar-viver no mundo. Ela produz conhecimento e desconhecimento; sabe que nenhuma
forma de conhecimento é em si mesma racional; tenta dialogar com outras formas de
conhecimento, deixando-se penetrar por elas e a mais importante é o conhecimento do senso
comum que orienta a vida cotidiana. A modernidade crítica-renovada (a transmodernidade)
procura reabilitar o senso comum para reconhecer nele, virtudes que enriquecem a relação
com o mundo. O senso comum faz coincidir causa e intenção, é prático e pragmático, é
transparente e evidente, é superficial (desdenha estruturas além da consciência). Esse tipo de
conhecimento é, também, considerado indisciplinar e imetódico, aceita o que existe como
existe (sem buscar explicações), é retórico e metafórico e não ensina, mas persuade. O senso
comum pode estar na origem de uma nova racionalidade. Na ciência moderna, a ruptura
epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento científico para o conhecimento
do senso comum. A ciência pós-moderna ou crítica-renovada, ao sensocomunizar-se
(SANTOS, 1997, p. 57) não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende
que assim como o conhecimento deve traduzir-se em auto-conhecimento, o desenvolvimento
tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. Este é o marco da prudência (insegurança
assumida e controlada).
Na fase de transição e de revolução científica que se vive hoje, essa insegurança resulta do
fato de a reflexão epistemológica ser muito mais avançada do que a prática científica. Essa
mesma opinião ocorre em relação aos estudos teóricos e às práticas docentes escolares. Não se
pode, ainda, visualizar uma pesquisa que corresponda, inteiramente, ao paradigma emergente,
porque ele está em fase de transição. Todo o conhecimento é auto-conhecimento e todo
desconhecimento é auto-desconhecimento. Segundo Morin (2000, p. 20), “O conhecimento
sob forma de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da
linguagem e do pensamento e, [...], está sujeito ao erro”. Assim, o século XXI deverá
abandonar a visão unilateral que define o ser humano pela racionalidade técnica, pelas
atividades utilitaristas e pelas necessidades obrigatórias (MORIN, 2000, p. 58). Pela sua
complexidade, o ser humano, traz em si, caracteres antagonistas: sábio/louco,
trabalhador/lúdico, empírico/imaginário, econômico/consumista, prosaico/poético. O homem
da racionalidade é, também, o da afetividade. Nesse sentido a Educação não pode ignorar o
desenvolvimento tecnológico, mas deve usá-lo de modo a aprimorar a qualidade da formação,
garantindo a humanização nas relações.
36
A separação entre a modernidade dos problemas e a pós-modernidade das soluções deve ser
ponto de partida para a construção de uma teoria crítica-renovada (SANTOS, 2002, p. 33).
Para essa teoria, todo o conhecimento crítico tem que começar pela crítica do conhecimento.
Na atual fase de transição paradigmática, a teoria crítica-renovada constrói-se a partir de uma
tradição epistemológica marginalizada e desacreditada da modernidade: o conhecimento-
emancipação. A teoria crítica proposta por Santos (2002, p. 17) “[...] parte do pressuposto de
que o que dizemos acerca do que dizemos é sempre mais do que o que sabemos acerca do que
dizemos. Neste excesso reside o limite da crítica”. Ele continua explicitando sua proposta,
afirmando que essa teoria reconhece a dificuldade de se aceitar que na crítica há sempre auto-
crítica. Portanto, esse autor (2002, p. 17) considera que “a auto-reflexividade é a atitude de
percorrer o caminho da crítica”, no caso, a transição paradigmática. Em concordância com
Santos, Nunes (2002, p. 328) afirma que o termo crítica está associado “[...] à descanonização
da teoria e ao reconhecimento da sua indispensabilidade para o momento desconstrutivo [...],
descanonizar significa reinventar os modos de articulação entre a dimensão cognitiva, a
dimensão estética e a dimensão moral numa nova política emancipatória, [...]”.
Santos (2002, p. 107) ressalta na sua teorização a importância da dupla ruptura
epistemológica; feita a primeira ruptura (distinção entre ciência e senso comum), há
necessidade de se fazer a segunda, ou seja, “[...] romper com a primeira ruptura
epistemológica, a fim de transformar o conhecimento científico num novo senso comum”, ou
seja, “[...] o conhecimento-emancipação tem de romper com o senso comum conservador,
mistificado e mistificador, [...] para se transformar a si mesmo num senso comum novo e
emancipatório”, que pressupõe uma nova ética, como também, uma nova estética e uma nova
política. Nesse sentido, a ciência transforma-se num conhecimento partilhado e contribui para
a construção da cidadania ativa. O autor (2002, p. 111) destaca três dimensões a serem
consideradas na construção do novo senso comum: a dimensão ética (o Sul, a solidariedade),
a dimensão política (a fronteira, a participação) e a dimensão estética (o barroco, a
expressividade). Na perspectiva de pesquisar a produção de saberes-fazeres-poderes na
formação de pedagogos, lancei no-do-com o cotidiano, um olhar emancipatório, buscando nos
dados produzidos as dimensões advindas da teorização de Santos, com intenção de trabalhar a
ciência como produção do conhecimento-emancipação, presente no paradigma emergente, na
atual fase de transição.
37
Por perspectivar uma visão mais ampla da realização curricular, no que concerne à produção
de saberes-fazeres-poderes da formação de pedagogos, não detalhei alguns aspectos que
aparecem no estudo. Por exemplo, poderia ter delimitado e focado minha atenção apenas na
integração teoria-prática, considerada um princípio fundamental do PPC (2006); ou me deter
na relação entre o curso de Pedagogia e a Escola Básica, ou na intra-inter-
transdisciplinaridade, entre outros aspectos do PPC. No entanto, optei por realizar uma
abrangência maior sobre os saberes-fazeres-poderes na sua realização cotidiana e visualizar,
mais amplamente, a produção das praticantes. Essa minha decisão implica, também,
consumo-produção de saberes-fazeres-poderes relativos ao desenvolvimento desta pesquisa.
Síntese dos capítulos
O capítulo 1 trata, sinteticamente, da ““Pedagogia” e do curso de Pedagogia”, do currículo
anterior e do atual do curso de Pedagogia da UFES, da realização curricular, endereçamento,
professor-formador e aluno. As teorias de base, que dão sustentação a este trabalho,
fundamentam-se em Santos (1997, 2002, 2004, 2006, 2007, 2008) no que concerne aos
conceitos de comunidade interpretativa, sociologia das ausências, sociologia das emergências,
tradução, ecologia de saberes e práticas; em Certeau (1994, 1996) vou buscar os conceitos de
cotidiano, táticas, estratégias, lugar, não-lugar; e em Elsworth (2001), o endereçamento.
Lanço mão de outros autores que contribuem para a compreensão desses e de outros conceitos
que emergem no decorrer da reflexão e da produção escrita, utilizados como ferramentas para
inteligibilidade dos dados produzidos na pesquisa.
O capítulo 2 “Compartilhando um novo currículo” traz a concepção e as características que as
participantes expressam sobre o currículo, bem como, outros aspectos que aparecem como
relevantes nas conversações: carga horária do curso, horário de aula, reestruturação do centro,
processo de socialização, planejamento, além de uma reflexão sobre essas concepções. Trata,
ainda, de mecanismos de distorção da realidade curricular e da produção de subjetividades
insurgentes.
O capítulo 3, “Constelações de saberes-fazeres-poderes da formação”, discute os três núcleos
de ensino: estudos básicos, aprofundamento e diversificação de estudos e estudos
integradores, a seleção de aspectos prioritários na realização do Projeto Pedagógico de Curso
38
(PPC, 2006) e a compreensão dos saberes-fazeres-poderes que emergem nesses três núcleos
de conhecimentos, materializados nas práticas discursivas das participantes. Discute o que
ensinar-para-aprender-a-ensinar
O capítulo 4, “Ensinar-aprender-a-ensinar: uma caixa de ferramentas” trata dos modos de
produção de saberes-fazeres-poderes com a utilização de artefatos, estratégias, táticas
presentes na realização cotidiana do curso, que são utilizados por docentes e discentes, no
processo ensino-aprendizagem. Destaca as ecologias como procedimento de inteligibilidade
intercultural e constelações de práticas formativas docentes.
O capítulo 5, “Douta ignorância: a formação que temos-fazemos-queremos”, busca a
compreensão dos dados produzidos durante a pesquisa, procurando identificar nos interstícios
da realização, experiências disponíveis e possíveis tornadas inexistentes, bem como limites,
desafios e possibilidades. Estes podem potencializar e fertilizar a feitura curricular, contribuir
para a reflexão sobre os saberes-fazeres-poderes, para os modos de produção no processo
formativo docente com características emancipatórias e para a teorização dessa problemática
que permanece, continuamente, aberta à discussão porque é processual, é complexa, é
movimento.
39
Anexos
I) Roteiro de entrevista-conversação
1) A reformulação do currículo (PPC).
2) A produção de saberes teórico-práticos no/do/com o cotidiano do curso de Pedagogia.
3) Os artefatos que utiliza na realização do currículo do curso.
4) As estratégias/táticas inventivas que utiliza na sua disciplina.
5) A relação com a escola básica.
6) A produção e apropriação de saberes-fazeres pelos futuros/as-professores/as.
7) Os limites/possibilidades para aproximar a teoria e os desafios advindos da cotidianidade.
II) Formulário
UFES/CE - 03/04/09 Tema: A produção de saberesfazeres-poderes na realização cotidiana do curso de Pedagogia Prezado/a aluno/a
Nós conversamos quando você estava no 4º período. Agora está quase concluindo o curso e já tem uma visão
mais ampla do mesmo, dos saberes que precisa para exercer as funções próprias do pedagogo. Assim, gostaria de
pedir-lhe que escreva sua compreensão sobre:
- os saberes produzidos durante o curso para aprender e para aprender-a-ensinar,
- a relação desses saberesfazeres com o que você vê e vivencia no cotidiano da escola,
- a relação desses saberesfazeres com o profissional que você vai se tornar para atuar em ambiente escolar e não-
escolar:
a) pedagogo docente (educação infantil, séries iniciais),
b) pedagogo não-docente (supervisor, orientador, diretor, ou seja, o gestor para séries iniciais, finais e ensino
médio) e
c) como pesquisador e formador de pesquisadores.
Sua participação é importante na realização deste estudo (de doutorado) que deve contribuir para compreensão e
melhoria do curso de Pedagogia. Agradecida
Professora Maria Eneida Furtado Cevidanes
40
Projeto Pedagógico de Curso da Pedagogia27 Eis que se anuncia um novo tempo! Professores discutem, elaboram e realizam um novo Projeto de Curso da Pedagogia. Pressupostos e fundamentos se apóiam na dimensão teórico-prática da formação de um pedagogo, que exige uma pluralidade de saberes da docência, da gestão e da pesquisa, para atuar no magistério da Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de magistério, nível de Ensino Médio, na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas que exijam conhecimentos pedagógicos. Destina-se à formação de gestores educacionais e, Ainda, à formação para produção e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos da Educação, em contextos escolares e não-escolares. O pedagogo deve ter postura profissional ética, responsabilidade social para construção de uma sociedade includente, justa e solidária. Para exercer tantas e importantes funções, conhecimentos e habilidades são necessários: Conhecimentos pedagógicos de formação geral, Conhecimentos pedagógico-didáticos e Conhecimentos das áreas específicas. Assim, a organização curricular do curso abrange um núcleo de estudos básicos, um de aprofundamento e diversificação de estudos e outro de estudos integradores. A dinamicidade do Projeto Pedagógico é assegurada por atividades acadêmicas como iniciação científica, extensão, seminários, monitorias, estágios, participação em eventos científicos, políticos, culturais e artísticos, além das aulas cotidianas das diferentes disciplinas. O estudo dos clássicos e das teorias educacionais deve proporcionar aos estudantes, conhecer a pluralidade de bases do pensamento educacional. As metodologias do processo educativo devem possibilitar compreender, planejar, realizar e avaliar processos de ensino e de aprendizagem. Esses estudos articulados aos fundamentos da prática pedagógica, objetivam estabelecer relação dialógica entre quem ensina e quem aprende. Portanto, a formação baseada na ação-reflexão-ação do futuro pedagogo docente ou não-docente implica uma postura permanente de indagação e de reflexão, pois um novo tempo se anuncia!
ENEIDA
27 Texto baseado no documento original do Projeto Pedagógico de Curso da Pedagogia, CE, UFES, 2006.
41
CAPÍTULO 1
A “Pedagogia” e o curso de Pedagogia
“Qual o lugar da Pedagogia na formação de professores?” (SILVA, 2003).
Pedagogia. Pedagogo28. Complexidade. Currículo. Cotidiano. Ser. Saber. Fazer. Poder.
Formação. Pedagogo. Pedagogia. Uma infinidade de palavras que sozinhas trazem a marca de
seus significados e juntas, incorporam, crescem, transbordam margens, ultrapassam fronteiras,
adquirem e criam múltiplas significações. Falar, pensar, escrever sobre a Pedagogia, permite
começar por qualquer uma dessas palavras, por qualquer fio, por qualquer nó, como uma rede,
como um rizoma.
A Pedagogia está presente em todos os cursos oferecidos pela Universidade enquanto
conjunto de saberes relacionados ao processo educacional e, não apenas, à formação de
pedagogos no curso de Pedagogia ou de professores, nas demais licenciaturas. Como, então,
não estudar de modo mais aprofundado os seus conhecimentos, se eles são fundamentais na
prática educativa que se dá em quaisquer cursos, em quaisquer níveis e áreas de estudo, em
quaisquer tempos e espaços?! Seria a pouca importância que se atribui aos processos
educativos, que corrobora o comportamento de descaso com a Educação?! Nesse sentido,
Nóvoa (2001, p. 74-5) afirma:
A educação vive assim “espartilhada” nesta dupla visão, feita de desconfiança e de aposta, de desqualificação e de exigência, de desprestígio e de responsabilização. Como se a educação fosse, por um lado, um campo científico e profissional habitado por gente de pouco valor e, por outro lado, o terreno social onde se jogam quase todas as perspectivas de futuro das sociedades contemporâneas.
No Informativo da UFES (Especial Calouros, 2007, p. 2), uma das seções trata dos Centros de
Ensino da Universidade, esclarecendo para os alunos-calouros que “todos os departamentos
estão vinculados, por afinidade temática, a um centro de ensino, [...]”. Pode-se observar que o
28 De acordo com a percepção da autora e necessidade do texto, será usada a forma masculina/feminina ou apenas uma delas.
42
Informativo não se refere a um centro administrativo, mas a um CENTRO DE ENSINO, ou
seja, de EDUCAÇÃO. Essa informação ressalta a presença pedagógica, em todos os cursos,
que ocorre por meio do processo ensino-aprendizagem, da relação docente-discente entre si,
com seus pares, com o colegiado, departamentos, direção do curso. Portanto, qual o lugar da
Pedagogia no processo de ensinar, aprender, pesquisar, fazer extensão universitária, na
Instituição de Ensino Superior, e não apenas, nas licenciaturas e, em particular, no curso de
Pedagogia?! É uma pergunta que não será respondida neste trabalho porque não se constitui
objeto deste estudo, mas que ajuda a pensar sobre o importante lugar que a Pedagogia ocupa
no contexto universitário, e que, às vezes, se visibiliza como um não-lugar.
Como a Pedagogia é uma área que tem sido desconsiderada, segundo diversos autores, não há,
então, uma grande preocupação em estudá-la, mesmo porque, para alguns não é considerada
como ciência, em função de problemas relacionados à sua identidade como campo de estudos
da Educação. Diversos fatores contribuem para que o espelho da Educação reflita-se em
baixos salários dos professores, descaso com a carreira e com a formação, baixo status do
magistério na sociedade, desinteresse pelas questões educacionais, descontinuidade nas
políticas públicas, má utilização dos recursos, etc. Nesse sentido, Hubert (1976, p. 3)
considera que a história do passado “[...] permite-nos pressentir o que os problemas atuais têm
de elementos novos, de dados irredutíveis a seus antecedentes. É possível que nosso tempo se
encontre em presença de uma situação pedagógica em grande parte inédita”, considerando que
o mundo vive um momento de transição paradigmática, de mudanças marcantes em todas as
dimensões da vida, da sociedade, da Educação. A situação atual do mundo e, também, do
Brasil revela sinais de que a sociedade não vai bem, a Educação parece não estar cumprindo o
seu papel, a violência campeia em todos os segmentos e setores, a corrupção, o desemprego, a
fome, a guerra, e muito mais, desenhando um quadro desolador que gera impotência e nubla
possibilidades. Este pode ser um momento importante de ruptura, de criação de linhas de
fuga, de produção de novas realidades, quem sabe?! Um momento de emancipação da vida!
É o que acontece com o curso de Pedagogia que passa pela implementação de um novo
currículo. A Pedagogia é uma área de conhecimento que trata da Educação e é de suma
importância na formação de docentes de todos os cursos universitários, bem como na
formação de pedagogos pelo curso de Pedagogia e de professores nas licenciaturas em geral,
afinal todos se utilizam de suas teorizações. No entanto, como campo específico de estudo
sobre a Educação, ainda não tem sido valorizada como merece, pela academia. Portanto, a
questão teórica e epistemológica da Pedagogia tem sido defendida, embora nem sempre com
43
as mesmas posições, por autores como Saviani (1983, 1994), Libâneo (1990, 1992), Pimenta
(1988, 1996), Severino (1995), Marques (1992), Freitas (1987), entre outros.
Como em outros períodos de grande transformação social, econômica, política, cultural, em
todas as dimensões, enfim, é obrigação do homem “[...] salvar sua humanidade, seu poder de
invenção de si mesmo, sobrepujando todas as forças materiais que tendem a escravizá-lo”
(HUBERT, 1976, p. 363); como em outras épocas “[...] o problema da educação é todo o
problema do destino do homem, [...]” e cabe a ele encontrar caminhos. É isto que o CE
procurou fazer, ao elaborar um novo Projeto Pedagógico de Curso (PPC, 2006) que iniciou a
sua realização no primeiro semestre de 2006. O PPC inclui mudanças que contemplam as
Diretrizes para Formação de Professores (MEC, 2006) e as da UFES (2006), bem como
necessidades de mudanças decorrentes de avaliações feitas com docentes e discentes do
próprio curso de Pedagogia.
O curso de Pedagogia na UFES
Um rápido passeio pela história permite cartografar o curso de Pedagogia da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), que, segundo o Projeto Pedagógico de Curso do Centro de
Educação (PPC/CE, 2006), foi criado em 7 de dezembro de 1951, vinculado à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. Em 8 de novembro de 1968, foi elaborada uma nova estrutura
para a UFES que instituiu, o Centro Pedagógico (CP) como a unidade responsável pelo ensino
profissional e a pesquisa, aplicados à Educação, cujo projeto foi implantado em 1975. O curso
de Pedagogia da UFES foi reformulado em 1990. Em 1991, ocorreu redução da carga horária
de 3000 horas para 2790 horas. Em 1994, houve outro ajuste na estrutura do curso. A partir do
segundo semestre de 1995, o curso de Pedagogia teve um novo currículo aprovado, com carga
horária mínima para graduação de 2.460 horas, com duração de oito semestres, incluindo uma
habilitação complementar, também de caráter obrigatório, dentre quatro opções: Magistério
da Educação Infantil, Magistério da Educação Especial, Magistério das Disciplinas
Pedagógicas do Ensino Médio, Magistério da Educação de Jovens e Adultos (Diretrizes do
Curso de Pedagogia, CE/UFES, 1994).
Em 2001, foi criada a Habilitação Gestão Educacional (Supervisão, Orientação,
Administração e Inspeção Educacional), passando, a partir de 2002 a ser oferecida, na
graduação, junto com as demais habilitações. Em 16 de agosto de 2002, o Centro Pedagógico
44
passa a se constituir como Centro de Educação (CE). Essa é, portanto, a organização
curricular que funcionou até 2005 e vai continuar sendo oferecida, até que todos os alunos,
que entraram no curso de Pedagogia sob regime de currículos anteriores, concluam o curso. O
curso de Pedagogia atravessou e foi atravessado por diversas políticas educacionais, em
diferentes contextos sociais, políticos, econômicos, sempre se organizando conforme as novas
orientações legais. Em 2006/01, iniciou-se a implantação e implementação do novo currículo
conforme as novas diretrizes e a legislação em vigor.
O novo currículo de Pedagogia O currículo, de 2006, expressa [...] o esforço coletivo do CE (P1).
A partir do ano de 2006, com a Resolução CNE/CP Nº 1, de 15/05/2006, muda a estrutura e a
carga horária do curso de Pedagogia, extinguem-se habilitações, entre outras alterações.
Movimentos institucionais impulsionam parcela dos praticantes do curso a se mobilizarem
nas discussões para feitura do novo currículo, que se encontra consubstancializado no
documento “Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia do CE/UFES” (PPC, 2006)29,
elaborado em decorrência das discussões dos professores e alunos, bem como devido às
alterações na legislação federal.
O PPC procura adequar-se às orientações das Diretrizes Nacionais para Formação de
Professores, bem como tenta eliminar problemas da matriz curricular em vigor, desde 1995,
embora se mantenha coerente com muitos pressupostos desta. É fundamentado em estudos
realizados por educadores que compartilham das propostas da Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) e do Fórum de Diretores de
29 Ele é estruturado conforme a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, artigo 205; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), nos artigos 3º inciso VII, 9º, 13, 43, 61, 62, 64, 65 e 67; o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), em particular no item IV, Magistério na Educação Básica, que define as diretrizes, os objetivos e metas, relativas à formação profissional inicial para docentes da Educação Básica. Baseia-se, ainda, no Parecer CNE/CP nº 9/2001, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (licenciatura, graduação plena); o Parecer CNE/CP nº 27/2001, que dá nova redação ao item 3.6, alínea “c”; o Parecer CNE/CP nº 28/2001 que modifica o Parecer CNE/CP nº 21/2001, estabelecendo a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (licenciatura, graduação plena); a Resolução CNE/CP nº 1/2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (licenciatura, graduação plena); a Resolução CNE/CP nº 2/2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica, em nível superior, bem como as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da UFES; o Parecer CNE/CP nº. 05/2005; o Parecer CNE/CP nº. 03/2006; e a Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia.
45
Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)
(CE/UFES, 2006). A ANFOPE defende uma organização institucional e curricular para
formação desses profissionais, dentre eles o pedagogo, que privilegie a dimensão humana, a
docência como base de formação profissional, o trabalho pedagógico como foco formativo,
aliado à realidade da escola básica, a pesquisa como princípio de formação, entre outros
(ANFOPE, 1992, apud ANFOPE, 2004, p.18-19).
Nesse novo projeto foram excluídas as habilitações, porém há possibilidades de direcionar o
ensino para “ênfases” na formação, conforme a realidade de cada curso, dependendo das
necessidades e interesses locais e regionais, bem como da disponibilidade do quadro de
docentes do CE/UFES. Em termos de suas áreas de formação, pesquisa e extensão, neste
curso poderão ser, especialmente, aprofundadas questões relativas à educação a distância, à
educação de pessoas com necessidades educativas especiais, à educação de pessoas jovens e
adultas, à educação étnico-racial, à educação indígena, à educação dos remanescentes de
quilombos, à educação do campo, à educação hospitalar, à educação prisional, à educação
comunitária ou popular, entre outras.
O Curso de Pedagogia da UFES oferece três entradas anuais de alunos: no turno matutino,
duas entradas de quarenta alunos cada (1º e 2º semestre letivos) e no turno noturno uma
entrada de quarenta alunos, no 2º semestre letivo. Em 2006, quando foi implantado o novo
currículo, o CE contava com quinhentos e oitenta e nove alunos matriculados no curso, com
uma média de quarenta e cinco alunos por turma. O perfil do profissional (PPC, 2006) a ser
formado é baseado no pressuposto de que o pedagogo deve assumir postura profissional ética,
pautada na responsabilidade social para com a construção de uma sociedade inclusiva, justa e
solidária.
Mediante a amplitude da área de atuação do profissional da Pedagogia, percebe-se a pretensão
de uma formação muito ampliada, que dê conta de todas as funções educativas a serem
exercidas: docência, pesquisa e gestão administrativa e pedagógica, em ambientes escolares
ou não. Até pouco tempo, a maioria dos alunos, que chegava ao curso de Pedagogia, já era
habilitada ao magistério das séries iniciais em nível de segundo grau (Ensino Médio) e aliava
os saberes da experiência prática aos saberes teóricos adquiridos com a formação no Ensino
Superior. Hoje, a maioria dos estudantes não tem o magistério em decorrência das mudanças
na legislação educacional de 1996. Com isso, os discentes estão chegando ao curso de
46
Pedagogia, como em outras áreas profissionais, com saberes do Ensino Médio acadêmico e
sem saberes da experiência profissional docente.
A estrutura do curso de Pedagogia, conforme as Diretrizes para Formação de Professores
(MEC, 2006) é constituída por três núcleos: um núcleo de estudos básicos; um núcleo de
aprofundamento e diversificação de estudos; e um núcleo de estudos integradores. Com base
nessa estrutura, o estudo das teorias educacionais é um meio para propiciar aos futuros-
pedagogos (docente, gestor, pesquisador) o conhecimento da pluralidade de bases do
pensamento educacional. O estudo das metodologias do processo educativo deve ajudar a
compreender, examinar, planejar, pôr em prática e avaliar processos de ensino e de
aprendizagem, sempre tendo presentes os conteúdos, valores, atitudes, posturas,
procedimentos nas diferentes dimensões (ideológicas, políticas, sociais, econômicas e
culturais). Esses estudos devem articular-se com os fundamentos da prática pedagógica, numa
relação heterológica, entre quem ensina, quem aprende, quem pesquisa e quem dirige.
Na elaboração dessa nova proposta de curso, decidiu-se pela manutenção da formação do
pedagogo, respeitando as determinações contidas nas Resoluções CNE/CP Nº 01/2002 e
CNE/CP Nº 02/2002, que normatizam a oferta de cursos de formação de professores para o
Ensino Infantil, Fundamental e Médio, bem como as determinações da Resolução CNE/CP Nº
1/2006, que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia (licenciatura). São alterações presentes no projeto do CE: 1) inclusão de 420 horas
de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso nas disciplinas
“Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III e IV”, a serem ofertadas uma, em cada
semestre, a partir do segundo período; 2) 2190 horas de atividades formativas (aulas,
seminários, pesquisas e outros); 3) complementação da carga horária de estágio, de forma a
atingir as 405 horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade
do curso; 4) inclusão e normatização da carga horária de 200 horas para outras formas de
atividades acadêmico-científico-culturais; 5) 195 horas para a disciplina “Trabalho de
Conclusão de Curso I e II”, cursadas a partir da segunda metade do curso e finalizadas com a
realização de um trabalho escrito pelo aluno e apresentado em Seminário.
Conforme o Parecer 09/2001 (p. 57), a prática deve ser entendida como "situações didáticas
em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem ao mesmo
tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundas de diferentes
experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares". A prática deve perpassar todo o
47
currículo do curso de formação de pedagogos, sendo contemplada no interior das disciplinas,
no Estágio Curricular Supervisionado e pela "Coordenação da dimensão prática". A
normatização referente à prática, como Coordenação da dimensão prática, encontra-se
definida na Resolução CNE/CP 01/2002 (Artigo 13 da Resolução CNE/CP 01/2002). Faz-se
necessária a elaboração de projetos de ensino30 para auxiliar na operacionalização da
Coordenação da dimensão prática da formação. Para distribuição da carga horária de 420
horas referentes a essa dimensão, foi proposto no PPC: 1) a criação de quatro disciplinas com
carga horária de 105 horas cada uma, as quais devem ser cursadas pelos alunos no transcorrer
dos primeiros semestres do curso de Pedagogia: “Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I”,
“Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica II”, “Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica III”,
“Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica IV”; 2) os objetivos, conteúdos e atividades
desenvolvidos em “Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica” devem ser coerentes com as
demais disciplinas.
O Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia, segundo o PPC, é um componente
curricular considerado como um tempo de aprendizagem, capaz de associar o saber teórico
com o saber da prática e não deve ficar restrito à sala de aula da escola-campo-de-estágio,
mas, também, levar em conta a vida da escola em sua totalidade, bem como os atores diversos
que transitam neste espaço. Nesse sentido, o Estágio Curricular Supervisionado apresenta-se
como o “coroamento da formação acadêmica de seus alunos”. A carga horária de 405 horas
destinadas ao estágio curricular será desenvolvida a partir da segunda metade do curso, em
unidades escolares nas quais os estagiários possam atuar na docência, como preparo para o
exercício da futura profissão. Além disso, são destinadas 200 horas para a participação em
“Atividades Complementares” que devem ter como “objetivo básico o estímulo à prática de
estudos independentes, transversais, opcionais que permita a permanente e contextualizada
atualização profissional específica”31.
30 Um projeto de ensino é concebido como um conjunto de ações integradas, apoiadas em certas teorias e concepções de conhecimento, de ensino e aprendizagem, de trabalho educativo e de prática profissional do professor, que visam a oferecer ao licenciando possibilidades variadas de inserção no contexto da prática pedagógica, em diferentes espaços institucionais e sociais. Entende-se, ainda, que esses projetos podem estar vinculados, em algum nível, a projetos de extensão e de pesquisa que visem analisar aspectos da prática pedagógica, em diferentes espaços educativos (Projeto CE, 2006). 31 Estão incluídos como Atividades Complementares: projetos de pesquisa de iniciação científica, projetos de extensão universitária, cursos de extensão, monitorias, PET (Programa Especial de Treinamento), congressos, seminários, simpósios, encontros, conferências, jornadas, oficinas, publicações, estágios não obrigatórios, representações estudantis, eventos científicos, culturais e/ou artísticos, grupos de estudos, cursos de línguas estrangeiras, disciplinas eletivas e disciplinas optativas.
48
O PPC (2006) inclui a exigência do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), embora ele não
seja obrigatório, pela legislação. O TCC “compreende trabalhos de natureza acadêmico-
científica de temáticas relacionadas à educação em contextos escolares ou extra-escolares com
ênfase nas habilitações cursadas pelo aluno”. O curso será integralizado com o cumprimento
de uma carga horária total de 3410 horas, sendo: 3030 horas correspondentes a disciplinas
obrigatórias; 180 horas a disciplinas optativas e 200 horas para Atividades Complementares.
É neste curso, ora apresentado, com essas características curriculares (PPC, 2006), que
enveredei com esta pesquisa buscando investigar como professores-formadores e alunos-
futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes que perpassa a realização
cotidiana do currículo do curso de Pedagogia.
Percorrendo outros contextos
No projeto do curso de Pedagogia da UFES (PPC, 2006), [...] uma atenção especial foi dada no sentido de dotar o profissional egresso do curso de uma visão crítica da sociedade em que ele irá atuar das suas responsabilidades éticas e sociais, do seu comprometimento com a disseminação e aplicação do conhecimento adquirido, tornando-o capaz de atuar de maneira dinâmica na pesquisa, na aplicação de conhecimentos no mercado de trabalho de modo responsável e na inovação educacional visando ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa (PPC, p. 10-11).
Em outras universidades, o que pensam seus praticantes? Pois bem, pesquisar a realização do
curso impulsionou-me na busca de estudos semelhantes. Não encontrei nenhuma pesquisa
relativa ao novo currículo (2006) em outras instituições; talvez outros pesquisadores estejam
na mesma etapa que eu em suas pesquisas e não haja publicações, ainda. Nessa busca,
encontrei estudos relacionados às mudanças curriculares decorrentes da LDB 9394/96 e suas
proposições cabem no contexto atual, porque, afinal as mudanças de hoje são resultantes de
um processo de discussão das entidades ligadas à Educação e de outros fatores como as
políticas públicas. As discussões32 realizadas, embora sejam anteriores à divulgação das
Diretrizes de Formação de Professores (MEC, 2006), abordam questões que se fizeram
presentes nesse documento, por isso considero que são atuais e podem ajudar a entender o
processo de reestruturação que se faz após as diretrizes.
32 BELO de SOUZA e CARINO (1999) discutem a reestruturação dos Cursos de Educação (Pedagogia e de Formação de Professores para as séries iniciais) em cinco universidades do Rio de Janeiro (cito três à p. 49), a partir da LDBN 9394/96 e dos atos governamentais que se seguiram.
49
Nessas discussões, dez temas centrais, comuns a todas as Universidades participantes foram
discutidos: o processo interno de discussão das propostas de reestruturação; os pressupostos
político-pedagógicos; o perfil do egresso; o eixo central; as habilitações; a organização
curricular; a integração curricular; a relação teoria-prática; a formação cultural; as disposições
governamentais (BELO de SOUZA e CARINO, 1999). Esses temas constam na nova diretriz
curricular e, certamente, continuarão, porque estão no cerne do processo educacional
formativo. Como afirma Linhares (1999, p. 44), “Enfim, é preciso refazer um caminho de
volta, para ver o que foi ficando às margens, nesses desencontros da escola com os saberes
[...]”.
Apesar da mudança no curso ser anterior às Diretrizes de 2006, a UFF já propunha a formação
do pedagogo na perspectiva das Diretrizes: “Optou-se por uma formação comum e múltipla
que possa garantir ao pedagogo condições de exercer a docência e demais encargos
pedagógicos, através de um currículo mais denso [...]” (TRINDADE, 1999, p. 52). A
reestruturação do curso de Pedagogia na UFRJ, realizada com base na LDBN 9394/96, inclui
decisões que “[...] apontam para o pedagogo como um professor e como um gestor e
organizador do processo pedagógico, seja nas escolas, seja em experiências extra-escolares”
(MACEDO, 1999, p. 124). Na UNI-RIO almejavam “[...] um currículo que deveria permitir
espaços para discussões contemporâneas, que contemplassem as diferenças, possibilitasse o
diálogo entre os diversos campos do saber, favorecesse o intercâmbio entre o racional e o
emocional e o entrelaçamento filosofia, arte e ciência” (MARTINS, 1999, p. 149). Enfim,
esse rápido retrato de algumas outras instituições indica que as preocupações são semelhantes
e têm o mesmo propósito: aprimorar o processo formativo de pedagogos.
A realização curricular: dobrar, desdobrar, redobrar33
Um currículo é passível de plasticidade, de múltiplas possibilidades de dobra-desdobra-redobra (CEVIDANES, 2007).
Para estudar a realização de um currículo, como neste caso, inicio destacando que a vontade
de saber não pode ser dissociada da vontade de poder e da ética, assim, produzir currículo é
produzir subjetividades. As narrativas curriculares expressam concepções de um determinado
grupo social sobre o conhecimento, o homem, a educação, sobre as formas de organização da 33 Conceito G. W. Leibniz; Gilles Deleuze.
50
sociedade, sobre as diferentes culturas, etc. O currículo implica mecanismos de regulação e
controle; ele regula e, ele mesmo, é regulado. Para que um Curso Superior seja aprovado,
entre outras exigências legais, a Instituição deve apresentar um currículo conforme as
orientações previstas na legislação Ministério da Educação e Cultura (MEC). Na avaliação
periódica de um curso leva-se em consideração o currículo escrito e sua execução.
Também, docentes e discentes, regulam a produção cotidiana do currículo, o que não impede
burlas, criação de linhas de fuga, resistências ao instituído, na tentativa de buscar outros
possíveis para a sua feitura. Com a ênfase nos estudos culturais e a proliferação de
movimentos sociais relacionados a gênero, raça, etnia e outros, as tensões resultantes desses
processos não devem, nem podem ser ignoradas na discussão curricular. Essas questões
podem ser desdobradas, infinitamente, de múltiplas e criativas maneiras. Portanto, um
currículo nunca está tão pronto, fixo, fechado, acabado, que não possa ser dobrado,
desdobrado, redobrado em seus conteúdos, carga horária, disciplinas, concepções, porque ele
é passível de plasticidade, de múltiplas possibilidades de dobra-desdobra-redobra.
O currículo deve ser concebido como um artefato cultural, campo de produção e reprodução
de cultura, campo de conflitos e de possibilidades. Nesse sentido, fazer um novo currículo
implica rupturas, (des)montagens e (re)montagens de práticas discursivas, de formas de
avaliação, de vivências cotidianas plurais. Nos anos 1930, Caswell “[...] define o currículo
como o “ambiente em ação”” (MOREIRA, 2000, p. 68), ampliando o conceito de currículo e
levando-o para fora do espaço escolar. Segundo Moreira (2000, p. 69), um especialista, ao
analisar currículos universitários em geral e, particularmente, os de formação de professores,
observa neles uma concepção fundada na visão do conhecimento como uma árvore, em que
há um tronco comum de onde saem os galhos que representam as ciências; no entanto ele
lembra que a visão atual aponta para um conhecimento que se constrói em rede. Nesse
sentido, Ferraço (2005, p. 18) defende uma concepção de currículo que “[...] só é possível de
ser pensada na dimensão das redes coletivas de fazeressaberes dos sujeitos que praticam o
cotidiano [...]”.
As territorialidades, os currículos instituídos são atravessados por linhas de fuga que
denunciam movimentos de desterritorialização e reterritorialização34 que ocorrem
incessantemente nas instituições, provocando a abertura curricular em infinitas possibilidades
de ser, saber, fazer, poder a formação de pedagogos. Estou pensando “escrito”, porque 34 Conceitos de Gilles Deleuze.
51
escrever é uma forma de pensar, no caso, sobre o currículo que está sendo mapeado,
produzido e realizado no curso de Pedagogia da UFES. Um currículo que permaneça no
“meio”, no entre, no fio dos territórios do Centro de Educação (CE) e da UFES, pode ser um
caminho possível. Portanto, o currículo constitui um lugar, possui um lugar próprio, “[...] um
espaço que é controlado por um conjunto de operações, “estratégias”, fundadas sobre um
desejo e sobre um conjunto desnivelado de relações de poder” (JOSGRILBERG, 2005, p. 23).
Pensar num currículo para formação de pedagogos exige pensar, também, no currículo para a
Escola Básica35, onde esses futuros profissionais irão atuar. É imprescindível que haja
coerência entre os dois currículos, para que haja convergência entre o que o futuro pedagogo
aprende e o que ele deverá ensinar em suas aulas; entre o pedagogo-cidadão que se forma e o
estudante-cidadão com quem irá interagir no processo educativo. Nesse sentido, Cevidanes
(1996), em pesquisa realizada com professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental,
observa que os primeiros anos de trabalho mostram à professora a complexidade, as
contradições e a realidade inerentes à profissão, que no seu curso de magistério pareceram
ignoradas, ocultadas, invisibilizadas.
Hoje, também, não se pode desconsiderar, na formação, o efeito de artefatos como cinema,
TV, vídeo, computador, internet, celular, máquina fotográfica digital, jogos eletrônicos, que
entraram, definitivamente, na vida das pessoas. De certo modo, a presença desses artefatos
instala um movimento de (des)ordem na aparente ordem naturalizada da vida, dos modos de
ensinar e de aprender, das idéias construídas e transmitidas pela cultura oral, advindas do
senso comum e do texto escrito, principalmente, livros, jornais, revistas. Porém, faz uma
grande diferença, na formação de pedagogos, saber que eles vão lidar com estudantes que
estão crescendo e evoluindo junto com todos esses artefatos e que “[...] não se constituem a
partir de identificações com figuras, estilos e práticas de antigas tradições, que definem ainda
hoje o que é cultura, mas a partir da conexão/desconexão (do jogo de interface) com os
aparatos (RAMIRES e MUÑOS, 1995, p. 62)” (BARBERO, 2000, p. 84). Importa ressaltar
que, crianças e jovens utilizam o computador e outros artefatos, com facilidade, mas nem
sempre fazem o mesmo com os conteúdos escolares, segundo estagiárias e docentes do
Ensino Fundamental e minhas próprias observações e vivências em espaços escolares.
35 O currículo da Escola Básica não é objeto de estudo neste trabalho.
52
Assim, nesta fase de transição paradigmática em que o mundo vive, a teoria crítica-renovada é a base
orientadora dessas mudanças que “[...] constrói-se a partir de uma tradição epistemológica,
marginalizada e desacreditada da modernidade o conhecimento emancipação” (SANTOS, 2002, p. 29-
30). Trabalhar o currículo sob a ótica emancipatória significa mudança de postura: sair da posição
pessimista sobre a problemática (caos) da Educação, a formação de pedagogos que, às vezes, impõe um
currículo desvinculado da realidade da Escola Básica, da sociedade, das questões políticas, culturais,
econômicas, pedagógicas, éticas, estéticas. Nesse sentido, a realização curricular pode partir de uma
concepção de emancipação, considerando como ponto de ignorância, o colonialismo, na perspectiva de
“[...] elevar o outro da condição de objeto à condição de sujeito” (SANTOS, 2002, p. 30), numa
concepção de conhecimento-reconhecimento (solidariedade) do outro como sujeito, ou seja, o futuro-
pedagogo não é um mero objeto a ser formado para exercer uma função, mas é o sujeito, o articulador, o
mentor, o experienciador da sua própria formação.
É possível que essa razão indolente, preguiçosa de que Santos (2002, p. 42) fala, seja a mesma
que serpenteia nos meios educacionais envenenando esperanças, desejos e possibilidades,
porque apregoa uma imagem fatalística “irreversível” de que a Educação não tem jeito, de que
os professores não são-estão preparados para exercer seu trabalho e, assim, oculta, ignora a
complexidade da Educação, ou seja, questões fundamentais como políticas públicas,
investimentos, condições de trabalho e outros. É difícil, mas não impossível, mudar a
Educação, apesar de os espelhos refletidos pela sociedade mostrarem imagens de injustiça,
corrupção, desemprego, fome, intolerância, desrespeito, etc. De tanto refletir essas mesmas
imagens, não se consegue refletir outras, que possibilitem vislumbrar possíveis, já que as
imagens refletidas estão petrificadas, irreconhecíveis. A sociedade não mais consegue ver,
nesses espelhos sociais imagens diferentes, outros possíveis para ela mesma. Com a Educação
acontece o mesmo, porque está inserida na sociedade. É necessário inventar novos espelhos
para se ver e se (re)fazer a Educação. Nesse sentido, Cunha (1998, p. 20) enfatiza que “[...] a
possibilidade de uma nova matriz para construir a ciência, que ultrapasse o pensamento
epistemológico positivista estabeleceu novas alternativas para pensar o processo ensino-
aprendizagem na universidade”, neste caso o curso de Pedagogia.
Portanto, analisar e (re)elaborar um currículo considerando o discurso, a experiência, a
percepção da própria pedagoga sobre as questões educativas pode ajudar a aproximá-la da
realidade da escola. Para dar mais sustentação ao meu discurso trago, ainda, dados recentes,
como a fala de professores (CARVALHO, 2006) de uma Escola Pública Municipal, que
reflete seu pensamento acerca do ensino, da aprendizagem e da escola, em múltiplos aspectos.
53
Esses discursos corroboram os anteriores e podem contribuir na discussão sobre o currículo de
formação de pedagogos, sobre a relação teoria-prática, contextualização, aproximação entre a
instituição formadora e Escola Básica, entre outros. O que eles dizem:
Essa mudança deve começar primeiramente em nós (professores) [...] (P). Essa falta de prazer está muito ligada, ao trabalho que acontece em sala, [...] (P). Será que esse acúmulo de conhecimentos não está sobrecarregando as crianças? [...] elas não estão dando conta, estão explodindo, estão dando sinais (P). Até que ponto esta educação está servindo para o cotidiano do aluno? Cabe ao professor ter discernimento ao selecionar o conteúdo (P).
Quantos aspectos importantes foram destacados nas práticas discursivas docentes! Como a
Educação tem considerado essas vozes, esses pedidos de socorro de docentes, que clamam nas
reuniões e nas salas de professores, sobre os desafios que emergem, cotidianamente, nas salas
de aulas? Melhor juntar às suas vozes, a voz de Baudrillart (1951, p. 11) que assim se referia
sobre o nível de conhecimento dos alunos: “Entram na Politécnica alguns que aos quatorze
anos não compreendiam nada de matemática; [...]”. Hoje, fala-se de alunos que estão
chegando à oitava série, carentes de conhecimentos básicos de leitura e escrita e da
Matemática. Como nos tempos atuais, o saber pedagógico, como o saber da experiência
explicita a diversidade, a diferença, que nem sempre é compreendida, cuidada e respeitada
(parece que a escola não sabe, ainda, como fazê-lo).
Observa-se que o discurso de Baudrillart bem retrata o discurso de hoje, ou o é o discurso de
hoje que retrata o dele?! É só ouvir o que dizem professores! Na sociedade propaga-se que o
Ensino Público vai mal, que professores não estão preparados para o magistério, que alunos
não aprendem etc. O tempo passa, mudam os costumes e as teorias, transglobaliza-se o mundo
e os problemas educacionais permanecem quase sempre os mesmos! O currículo do curso de
formação de pedagogos não pode ignorar esses fatos na sua realização. Se os problemas estão
aí, “escancarados” na boca de alunos, professores, pais, técnicos e de todo mundo, devem ter
algum fundamento e, conseqüentemente, precisam ser considerados na formação.
Então, que currículo deve ser o de formação de professores (e o da Escola Básica), de modo
que docentes “preparem-se” para atuar nessa realidade e possam intervir, positivamente, para
a mudança esse “quadro educacional insatisfatório”, que insiste em se manter década após
década?! Cevidanes (1996), em pesquisa com professoras, afirma que entre as dificuldades
que elas apontam, inclui-se não saber selecionar o conteúdo a ser trabalhado em cada série ou
conforme as dificuldades de seus alunos, além de não saber como preparar aulas e ensinar.
Certamente, que na formação de futuros pedagogos devem ser discutidas essas questões,
procurando abranger diferentes dimensões da docência/não-docência, o que não significa
54
discutir-pedir receitas de modos de ser-fazer educação. É possível mudar a realidade?! Pode
haver um melhor ensino e uma melhor aprendizagem?! A instituição formadora de pedagogos
deve considerar necessidades expressas por profissionais nela formados?! Há invisibilidades
presentes na Educação que precisam vir à tona para ajudar a entender e a encontrar caminhos
possíveis para as questões educacionais?!
Segundo Cevidanes (1996) professoras relacionam alguns aspectos que faltaram ou não foram
bem trabalhados na sua formação inicial, tais como: conteúdos próprios das séries iniciais,
maior compreensão sobre a realização do processo de alfabetização, conhecimento e análise
do programa curricular das séries iniciais, como selecionar o conteúdo de cada série, como
utilizar diferentes e adequados procedimentos metodológicos para melhor promover a
aprendizagem de seus alunos, como lidar com problemas e situações imprevisíveis que
ocorrem no cotidiano da sala de aula, como lidar com as crianças uma vez que as salas de aula
são multiculturais, como trabalhar com sala multisseriada e planejar as aulas de modo que
atendam a essa diversidade, como tornar o conhecimento mais próximo da realidade da escola
pública, como organizar as situações de ensino e geri-las, como ter segurança, vencendo a
insegurança natural característica de todo início de qualquer atividade profissional, como dar
aulas e como se preparar para “enfrentar” a sala de aula.
Nesse sentido, a formação deve ser realizada de modo intra-inter-transdisciplinar, pois pensar
que se faz Educação de um só jeito coincide com a concepção do modo ocidental de conceber o
mundo de uma só maneira, em que ocorre “a contração do presente (razão metonímica) e
expansão do futuro (razão proléptica)”, de acordo com Santos (2004, p. 779). O autor sugere
fazer o inverso, ou seja, “expandir o presente (sociologia das ausências) e contrair o futuro
(sociologia das emergências)”. A contração do presente invisibiliza experiências sociais
interessantes e criativas no mundo. Eu diria que a Escola e a Universidade são exemplos disso:
suas ações, necessidades, problemas, nem sempre são vistos com o devido cuidado e, às vezes,
são ignorados; isso é chamado não-existência (ausência), ou seja, uma instituição, uma ação “é
desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável” (idem, 2004, p. 787). Prevalece
uma “arrogância” de não querer ver, nem valorizar a experiência próxima, pois as experiências
de outras instituições, de outros profissionais são consideradas melhores. Esse autor sugere a
sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o trabalho de tradução como uma
resposta à situação atual de mundo. Ele considera que a solução está no presente e não num
futuro remoto, portanto, aposta na reinvenção do presente, ampliado pelas duas sociologias e
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feito compreensível pelo trabalho de tradução, procedimento próprio à ecologia de saberes e
práticas. Este pode ser um possível caminho para análise do currículo, da formação e da
Educação.
A expectativa, então, é de que a Educação seja melhor, mais humana impregnada de uma
utopia emancipatória. Porém, Santos (2004, p. 813) afirma que: “Não há nenhuma garantia de
que um mundo melhor seja possível”; penso que nem para a Educação, pelo que se tem visto ao
longo da história. Assim, a razão cosmopolita (sociologia das ausências, sociologia das
emergências e trabalho de tradução, configurados na ecologia de saberes e de práticas) prefere
imaginar o mundo melhor a partir do presente, do agora; aumentando o campo de experiências,
pode avaliar melhor as alternativas, que hoje são possíveis e disponíveis. Essa poderia ser uma
possibilidade para a escola, para o currículo, para a formação de pedagogos. As expectativas
são, pois, as possibilidades de reinventar a experiência educacional vivida até então, por meio
da hermenêutica diatópica, confrontando as experiências hegemônicas, que lhe são impostas,
com a imensa variedade das experiências, cuja ausência é produzida ativamente (pela razão
metonímica) ou cuja emergência é reprimida (pela razão proléptica). Portanto, o rumo de uma
pesquisa pode alterar-se dependendo do seu encaminhamento, dos dados produzidos, uma vez
que não há como antecipar os acontecimentos cotidianos, mas acompanhá-los e traduzi-los.
Nesse sentido, a busca de compreensão do contexto curricular, dos pedagogos, dos seus
saberes-fazeres-poderes,
[...] nos coloca diante do desafio de mergulhar nestes cotidianos, buscando neles mais do que as marcas das regras gerais de organização social e curricular, outras marcas, da vida cotidiana, dos acasos e situações que constituem a história de vida dos sujeitos pedagógicos que, em processos reais de interação, dão vida e corpo às propostas curriculares (OLIVEIRA, 2001, p. 42).
Quem endereça e a quem é endereçado o currículo?
Colegiado, docentes, discentes - auditório
A (re)elaboração da prescrição de um currículo faz refletir sobre quem endereça e a quem é
endereçado o curso. Esses dois pontos são fundamentais para se compreender as motivações, os
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múltiplos fios que se estendem e que estão prontos para serem puxados por todos os lados na
ampliação de redes de comunicação, de saberes, de fazeres e de poderes. Uma aluna e uma
professora falam disso: Eu tenho percebido, que os professores que mostram o novo currículo... são mais aqueles professores que
têm mais um ideal de educação libertadora mesmo, porque eles estão deixando a gente livre um pouco
para correr atrás, mas eles NÃO ESTÃO NOS DEIXANDO ENGANADOS! Eles nos mostram a verdade,
mas nos dão também a idéia de que você pode fazer a DIFERENÇA, pode MUDAR a realidade que está
vendo! Você pode TENTAR fazer alguma coisa. Mas eles estão deixando a gente mais conscientes e esse
negócio da pesquisa, eu desconfio que eles “jogaram” pra gente logo agora, porque com certeza tinha
aluno que chegava depois na escola: _ Meu Deus, não é isso que eu quero! (ALUNA)
[...] o que dá o tom do nosso curso não é a moçada jovem, é o pessoal mais maduro, que traz experiência,
mesmo que não seja professor, tem uma outra vivência, eles que fazem o jeito de ser do estudante de
Pedagogia. [...] (P6).
Portanto, quem são os estudantes, que expectativas têm em relação ao curso, o que pensam
sobre o ser-saber-fazer-se pedagogo (professor, gestor, pesquisador)? Para exemplificar,
inspiro-me em Ellsworth (2001), que trabalha com endereçamento nos estudos relativos a
cinema. Para ela, endereçamento se resume na frase: “Quem este filme pensa que você é?”
(2001, p. 11), ou quer que você seja? Poderia parafraseá-la e perguntar: Quem a instituição
formadora pensa que seus estudantes, futuros-pedagogos são, ou como ela quer que eles sejam
e se tornem (o perfil)? Quem ela pensa que são os estudantes, com os quais os futuros-
pedagogos irão trabalhar na Escola Básica? Quem os estudantes pensam que são seus
professores-formadores? Que expectativas têm em relação ao curso? Portanto, como se dá o
endereçamento do currículo aos futuros-pedagogos? Parece que, nas devidas proporções, a
importância da relação entre o texto de um filme e o espectador é semelhante à importância da
relação entre o texto do currículo e o aluno, como ocorre na Educação.
Tanto o professor-formador como o aluno-futuro-pedagogo precisam entrar na rede que se
estabelece nas relações educacionais e tecer fios, mudá-los de rumo, associá-los a outros fios
de múltiplas e infinitas redes, para acreditar que é possível, que podem ser criados, inventados
diferentes e novos caminhos para se fazer a Educação, a formação, para mudar a realidade de
resultados “negativos” em relação à Educação Pública. Porém, “O modo de endereçamento
não é um momento visual ou falado, mas uma estruturação – que se desenvolve ao longo do
tempo – das relações entre o filme e seus espectadores”, afirma Ellsworth (2001, p. 15), eu
diria das relações entre professores, alunos e instituições, no decorrer do processo.
57
O endereçamento depende do formato que o currículo escrito assume: de que lugar é feito, a
legislação, o posicionamento teórico, a carga horária, a composição disciplinar, os objetivos, o
perfil do profissional que se deseja formar, etc. e cada um vai vivenciá-lo conforme seus
interesses, seus conhecimentos, suas possibilidades. Esses artefatos indicam ao professor-
formador, caminhos e variedades de ação e convocam o estudante a se posicionar, a produzir
conhecimentos, a visualizar e se inserir na profissão. A vivência do endereçamento está
relacionada ao modo como a Instituição concebe os futuros-pedagogos e ao modo como eles
pensam que são. O endereçamento pode não ser o adequado, os estudantes podem ser
diferentes do que se pensa, podem ter outros desejos e necessidades, além dos que se supõe
que eles possuam. Os estudantes podem perceber que a matriz curricular não atende ao que
eles esperam, ou ao que eles pensam que deva ser oferecido/discutido no curso. Ele é recebido
de maneiras heterogêneas, porque os endereçados são diferentes e muitas culturas perpassam
a sala de aula.
Ellsworth (2001, p. 47) fala: “O modo de endereçamento consiste na diferença entre o que
poderia ser dito [...] e o que é dito” (ELLSWORTH, 2001, p. 47). Eu completaria: entre o que
poderia ser escrito e o que é escrito no Projeto do Curso (PPC, 2006); entre o que poderia ser
feito e o que é feito; entre o que poderia ser estudado e o que é estudado; entre o que se pensa
fazer e o que se faz, de verdade. É na diferença que o endereçamento pode transitar por
fronteiras, pelas margens, pelas periferias, ir além do que é proposto, fazer diferente do que se
diz e se faz e, não apenas, repetir, embora a repetição nunca aconteça do mesmo modo.
Portanto, discutir formação e currículo exige trazer ao palco, cenas relativas ao cotidiano da
prática docente, porque os saberes teóricos estão, intimamente, imbricados com os saberes da
prática.
Sobre essa questão, utilizo autores como Huberman (1992), Gonçalves (1992), Cevidanes
(1996), Ellsworth (2001), Carvalho (2005, 2006), entre outros e para exemplificar sobre a
inserção no mundo da docência, trago o exemplo de Ellsworth (2001, p. 10), que não era
professora, quando começou a atuar no magistério com a disciplina “Introdução ao cinema”.
Ela achou estranho “[...] ter que aprender as teorias e as práticas desse novo mundo
acadêmico chamado “currículo e ensino”, na ausência absoluta de qualquer suspense,
romance, sedução, prazer visual, música, enredo, humor, dança de sapateado ou páthos”. Eu
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acredito que os modos de ensinar-aprender36 incluem tudo isso; penso que ela, como tantos
outros, não viu porque “[...] não falava a linguagem da pesquisa educacional” e “[...] não
conhecia as narrativas e os personagens daquele campo” (idem, 2001, p. 10), como ela mesma
frisou.
Como poderia, então: ver, ouvir, sentir a presença de todos aqueles artefatos?! Ao mesmo
tempo, questiono: será que ela teria razão?! Pois percebeu que a Educação não parece com
cinema e nem com TV, mas lembra as aulas de Sociologia que ela teve na faculdade, em que
eram utilizados livros-texto de instrução programada. Será que é assim, ou não, o que
acontece na formação de pedagogos?! Uma formação de profissionais, para trabalhar com
crianças, jovens e adultos, deve ser pautada tanto na aquisição de uma sólida base teórica,
como, também, ser desdobrada em múltiplas formas de relações, de aproximações,
possivelmente, enriquecedoras e possibilitadoras de modos inventivos de ser-fazer-poder
Educação. O que pensam professores-formadores e estudantes?!
O olhar de si e o olhar do outro
37
1) Quem são os professores-formadores
O professor _ aquele que dá o texto a ler, aquele que dá o texto como um dom, nesse gesto de abrir o livro e de convocar à leitura _ é o que remete o texto. O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete. Como um presente, como uma carta (LARROSA, 2006, p. 140).
É o professor que remete, que endereça, que mais se aproxima, que chega junto no-com o
currículo até o aluno. É ele que lê e dá a ler-fazer o texto curricular na sua materialização, na
produção compartilhada com os discentes. É o professor, mas não só ele, que cartografa
caminhos, que inventa estratégias e táticas nesse processo de formação de pedagogos.
Conforme Francisco (2006, p. 43), professores-formadores preocupam-se em formar futuros-
pedagogos que “[...] saibam construir, no processo da prática, saberes docentes [...] que
saibam mobilizar os conhecimentos pedagógicos na transformação de suas práticas e dos
próprios saberes que vão sendo percebidos como ultrapassados ou inadequados para algumas
situações”.
36 O capítulo 4 desta tese aborda os modos de ensinar-aprender. 37 Fonte: internet.
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Professores-formadores desempenham um papel fundamental na realização curricular, na
produção de saberes-fazeres-poderes e, consequentemente, na formação de pedagogos, pois
provocam-dinamizam o processo de ensinar e de aprender. Segundo a professora P1838, nem
sempre o ensino é a prioridade no curso, embora seja considerado o eixo fundamental na
formação: “A gente prioriza a pesquisa, a produção acadêmica e qualquer outra coisa. O
ENSINO é alguma coisa que a gente faz no INTERVALO de TODAS AS OUTRAS”. Ela
continua dizendo dos encargos administrativos que tanto ocupam o tempo dos professores,
inclusive, às vezes, prejudicando a docência: “Os efetivos, com TAN-TO encargo
administrativo! A gente toma TAN-TO tempo se ocupando com reunião e uma porção de
coisa que a docência e o tempo do nosso planejamento ficam prejudicados”.
Nesse sentido, Isaia (2003, p. 270-1) em sua pesquisa com professores de licenciatura,
constatou que a maioria considera “[...] que uma sólida formação em conteúdo específico é
condição para a formação de futuros mestres, [...]; no entanto, há dificuldade “[...] em
conscientizar-se de que a dimensão pedagógica é indispensável à formação de professores”.
Essa autora (p. 270) ressalta, também, que a maioria dos docentes pesquisados “[...] tem
escassa vinculação com a realidade para a qual formam. A ligação que mantém é
preferencialmente via projetos de pesquisa e extensão”, sendo que menos da metade teve
algum tipo de contato com a Escola Básica num período de um a cinco anos. Assim, a “[...]
formação pedagógica é mais discursiva do que concretização da prática” (ISAIA, 2003, p.
269). Com as mudanças curriculares efetuadas a partir de 2006, com o eixo de pesquisa
materializado nas disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III e IV (PEPP),
ocorre a inserção do discente na Escola Básica, desde o segundo período do curso,
contribuindo para essa aproximação e conhecimento da realidade escolar onde irão atuar,
inclusive abrindo caminhos para a vivência do Estágio curricular. O papel do professor-
formador é importante na orientação e acompanhamento dos alunos nesse processo.
A professora P2 lembra a questão do “preparo” dos professores-formadores, do conhecimento
da proposta curricular para sua realização e faz uma sugestão de integração: Nós não discutimos o preparo dos professores-formadores para realizar o currículo novo, conforme as
concepções que ele traz. Quando nos encontramos é para discutir questões muito pontuais, mais de
natureza administrativa ou aprovar ou não, o que já está posto! _ Olha, eu diria que tem tempo, sim!
38 As professoras foram indicadas por um número antecedido pela letra P (Professor), na tentativa de resguardar a identidade, embora possam ser identificadas pela especificidade da disciplina com que trabalham ou o cargo que ocupam.
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Temos, exatamente, o que dizemos que a escola deveria ter: 40 horas com dedicação exclusiva! Por mais
ocupados que sejamos todos nós, trabalhamos fim de semana, à noite, excedendo de muito as oito horas,
mas temos uma coisa: a maioria de nós, temos as tardes, que poderiam ser ocupadas, pelo menos duas
tardes, pelo menos uma por semana, para pensarmos juntos! Nós poderíamos porque nós fazemos o
nosso horário!.
Essa professora continua materializando em palavras a sua proposta:
Nós podemos eleger coisas, nós podemos dizer: _ Vamos deixar em aberto todos os horários, todas as
quartas à tarde, ou às sextas-feiras; seria um ótimo dia para fazer um lanche e pensar essas coisas! Nós
temos uma reunião do PPGE, uma do Conselho. Teríamos tempo de pelo menos duas reuniões às sextas-
feiras, não é? De quinze em quinze dias! E poderíamos ter subgrupos formativos trabalhando num outro
dia; que fossem os professores de pesquisa, das disciplinas de conteúdo, de fundamentos, de conteúdos
voltados para as práticas da escola, da Educação Infantil. Enfim, nós poderíamos ter quinzenalmente
também, esses subgrupos trabalhando! (P2).
Sobre esse mesmo tema, a professora P4 falou: Enquanto curso, fizemos encontros para discutir o currículo, entregamos o PPC para cada professor,
esses professores participaram das discussões do colegiado. Uma coisa é o currículo prescrito e outra é o
que acontece no cotidiano. Você vai dizer: _ Ah, você está cuidando dessa dimensão porque participou
da elaboração do currículo. É talvez, mas não quer dizer que alguém que não tenha participado não se
preocupe. [...]. Eu acho que estamos num momento bem propício a essa integração, que não é só com a
pequena infância, mas com diferentes dimensões, contextos escolares e não-escolares. O curso não é só
isso.
A compreensão que o professor-formador tiver sobre o currículo, seus objetivos, a idéia que
ele traz, vai ajudar nos modos como ele participa de sua realização. P4 concorda com isso: Sim! As disciplinas PEPPs têm sido um desafio no curso, cada semestre tem discussões, o colegiado tem
feito mais especificamente a professora “Fulana” tem atuado nessa tarefa de reunir os professores de
PEPP [...]. O que eu gostaria de marcar é que há uma preocupação de estabelecer esses momentos de
discussão. Agora, se eles dão conta de fazer integração completamente, não dá para avaliar, ainda.
E essa integração é processual, nunca se completa, pois se alteram os espaços-tempos, os
atores, as situações. Professores substitutos e de outros departamentos são temporários,
mudam, frequentemente, o que enfatiza a importância da atuação do colegiado e dos
departamentos na sua recepção e orientação, principalmente, dos novatos. P4 explica: “Em
termos das ementas das disciplinas no processo de elaboração NO colegiado, as ementas
foram, voltaram, eles deram sugestões, [...]!”, embora uma ementa não dê conta da
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concepção do currículo, complementei, ao que ela retrucou: “Estou falando da participação
no prescrito que teve essa intenção. O acompanhamento é o grande desafio! Estamos
tentando a cada semestre fazer uma reunião de planejamento e trabalhar questões do curso.
Numa (reunião) até teve uma mesa sobre diretrizes. Faz-se uma reunião com alunos a cada
semestre”. As questões administrativas e pedagógicas são de responsabilidade do colegiado,
então, seria conveniente ter um profissional no colegiado, responsável pela parte pedagógica
do curso?! P4 (silêncio) disse: “ALGUÉM? Acho que não; parece que é uma dimensão do
colegiado que precisa ser discutida coletivamente e ser trabalhada...”.
A professora P4 continua explicando sobre a parte pedagógica relativa ao trabalho docente do
CE: Acho que há uma intenção disso que é a reunião de planejamento estratégico do início do semestre para
todos os professores. Gostaria de marcar a INTENÇÃO DE... Esse MOVIMENTO é muito interessante. A
parte pedagógica não é assim uma marca que alguém cuida. Ela tem dimensões. Nesse novo curso então,
ela abarca uma complexidade! O que a gente tem feito no colegiado é dividir responsabilidades, por
exemplo, uma professora cuida mais do PEPP, inclusive pegando a disciplina para trabalhar. [...] As
questões da Educação Infantil eu tenho pesquisado, feito articulações, [...]. A Didática agora não é só
Educação Fundamental. Esse é um movimento NOVO, tanto para quem está buscando fazer essas tarefas,
como para os professores que vinham trabalhando numa dimensão mais fragmentada; então eu diria que
é um desafio.
Em relação ao professor substituto que só atua na docência e não assume outros encargos
docentes como os efetivos, P18 questiona: “Como construir alguma coisa com alguém que a
gente não vai ver daqui a dois anos? Ou que não tem perfil nem interesse nas disciplinas que
está lecionando e não pretende continuar?” Professores de outros departamentos e mesmo
alguns daqui, são substitutos que chegam para realizar um currículo que desconhecem, do
qual não participaram, não estão imbuídos da sua filosofia. Segundo P7 o colegiado tem
buscado caminhos para resolver essas questões: A gente está com uma demanda grande em várias áreas e poucos professores. [...] A gente vai se
organizando na medida do possível. Nós tínhamos elaborado uma proposta curricular e você participou
dela e tivemos que começar a fazer de novo. [...] então eu diria que quem tem condição de levar isso
avante, que são os professores do colegiado, eles ficaram muito envolvidos com outras questões. E aí
tivemos problema porque é um currículo que começou a ser implantado, ao mesmo tempo, que a
reestruturação do centro. Tivemos que correr contra o tempo e são questões concretas burocráticas que
se dependesse de nós, preferíamos ter feito com mais calma, mas havia prazos institucionais que tivemos
que seguir. E aí o colegiado está conseguindo fazer agora.
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P7 continua falando sobre as ações que o colegiado tem tentado realizar: Na verdade são ações diferenciadas. Como temos os professores do colegiado envolvidos com pesquisa
sobre o curso, à medida que as condições permitem, vão trazendo elementos do olhar sobre o novo
currículo e sugerindo ações para encaminhar. [...] Há ações como o contato dos professores com os
outros centros e da necessidade de fazer isso, [...].
Professoras substitutas, participantes deste estudo, narram suas necessidades. P13 disse:
“Acho que nós substitutos, somos relegados a nada, aqui dentro da Universidade. Eu fico
perdida, às vezes querendo discutir as coisas... Sinto o DESEJO do coletivo, gosto de
trabalhar coletivamente. A gente propõe (aos futuros-pedagogos) e aqui dentro não faz (entre
professores)”. P10, professora ligada a outro centro, não tem conhecimento sobre o currículo
escrito do curso de Pedagogia, sobre as disciplinas do período que trabalha e comenta que isso
faz falta, porque, muitas vezes, os alunos fazem referências à disciplina de Filosofia, de
Sociologia: _ Ah! A gente viu esse filósofo! _ O que vocês viram sobre ele? _ Ah! A gente viu
Paulo Freire, então é legal fazer esse intercâmbio! E eu sinto falta, mesmo!”.
Em relação à dimensão pedagógica do curso de Pedagogia, P10 assim se expressa: “Não tem
essa parte pedagógica! Não tem feedback! Tem, quando alguns alunos resolvem falar para
você, mas nem todos falam”. A professora P2 explica sobre o trabalho que realiza, sobre o seu
empenho ou não, para mudar o que está instituído: “Eu gosto de trabalhar com o possível!
Nós podemos, até mudar... Eu brinco com os alunos que não tem nada que eu odeie mais do
que dar aula às sete da manhã. Mas enquanto eu não fizer nada para mudar, eu estarei aqui,
às sete da manhã dando aula”.
P18 ressalta uma das tarefas primordiais do professor que é o ensino: “Eu não sei se a nossa
questão é o currículo ou se nosso problema é com o ENSINO. Porque nós fazemos parte de
uma instituição que NÃO PRIORIZA o ensino! Embora sejamos do CE e nós talvez sejamos
universais, somos as pessoas que mais ressentem disso”. Então, professores-formadores estão
sobrecarregados com encargos docentes, mesmo assim, buscam entender o novo currículo e
trabalhar na perspectiva da sua realização, no sentido da formação do pedagogo docente e
não-docente, reflexivo, investigador, que atue tanto em ambientes escolares como não-
escolares.
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2) Como as alunas39 se vêem?
A percepção que tenho da turma de primeiro período (2007/02) é que ainda (as
alunas) estão muito segundo grau, trabalho (ilustrado) com Hello kit, Garfield, o
vocabulário, o jeito de ser (ALUNA do 3º período).
A temática proposta para as conversações com as discentes versou sobre a produção de
saberes próprios à formação de pedagogos, que saberes são esses, os modos de produção,
enfim, a realização curricular cotidiana. A ênfase nas narrativas de alunas de um dos períodos
foi relacionada à prática docente dos formadores, embora eu tenha dito que o estudo não tem
como objetivo avaliar o currículo, nem professores, nem alunos, mas acompanhar a realização
curricular cotidiana. Pude perceber que para as discentes, a produção passa pela ação dos
professores, dos modos como eles conduzem suas aulas. Esse resultado coincide com
pesquisa de Bedran40 (2003, p. 60) em que “As respostas dos alunos a respeito dos fatores que
dificultam e facilitam a sua produção na universidade apontam o professor como o elemento
determinante, prioritário [...] do seu processo de produção”. Observei, também, que as alunas
do 4º período são muito empolgadas com o magistério e se interessam por tudo que diz
respeito à profissão. Porém, como acontece, a entrada, a descoberta, a inserção das alunas no
CE, na Universidade? “Você chega aqui com medos, receios, apavorada. A palavra trote
também parece que vem carregada de um monte de mito”, esclarece uma aluna.
As alunas consideram que na chegada à Universidade ocorre um choque inicial, conforme
esse fragmento de diálogo: A: Não sei se fazem isso de propósito pra gente buscar mais, ou qual o intuito da gente receber esse
choque todo quando entra aqui (no CE, no início do curso).
A: É pra gente se preparar pra vida adulta mesmo, porque você tem que se virar, nada é fácil, e você tem
que correr atrás, porque eu aprendi na UFES: é correr atrás senão você fica pra trás, fica PERDIDA! Se
você não procurar saber, não correr atrás o pessoal passa na sua frente e você não anda!
E: Correr sozinha ou correr junto?
As três falaram juntas: AH, É SOZINHA! (e riram!).
39 A grande maioria é do sexo feminino. 40 Pesquisa no curso de Psicologia.
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Entretanto, o processo não é tão isolado como parece, porque elas trocam entre si as
descobertas que fazem: “Uma descobre uma coisa, passa pra outra”. O colegiado fez uma
semana de recepção para os calouros (2008/02), porém, alunas participantes dessa pesquisa,
consideram que é insuficiente porque tudo é explicado de modo muito superficial, além de ser
muita informação que recebem em um dia só. Com o tempo, aos poucos, vão se apropriando
desses conhecimentos sobre o curso. As alunas falam sobre o processo de socialização, sobre
aprender a viver na Universidade, de como se deve receber o aluno e de como ele precisa se
preparar para fazer o curso, para ser universitário. Viver, conviver e conseguir sobreviver na
Universidade constitui um grande desafio para elas, por isso dizerem de medos, de mitos, de
choques. Segundo Larrosa (2006, p. 81-2), Na Universidade, os espaços intersticiais são o lugar do perigo, porque aí, fora do mundo seguro e insignificante das salas de aula, não valem as seguranças da verdade, da cultura, do saber, do sentido. Renunciando à segurança dos espaços tutelados, nos quais se comercia uma verdade intranscendente, habitando a diversidade caótica e sem marcas dos lugares marginais, os estudantes divagam, vagabundeiam. É aí, nessas extravagâncias, onde estudantes testam suas armas, ensaiam seus gestos, medem o poderio de sua voz, tentam suas primeiras canalhices ou seus primeiros atos de nobreza, aprendem o gosto ácido da vaidade ou o sabor enjoativo da modéstia, investigam o sentido da fidelidade e da traição, degustam os matizes da camaradagem, da solidão, do abandono.
Nesse sentido, as alunas expressam suas primeiras impressões acerca da vida universitária e
revelam como vêem o espaço universitário. Uma estudante afirma: “Na Universidade parece
que tudo é exposto, nada é de ninguém, entra quem quer. No caso do laboratório, você não
sabe quem é quem, quem é professor, quem é aluno, ninguém tem identificação. Faltam
regras” (A). Continuo com Larrosa (2006, p. 82), porque ele bem explicita essa inserção do
estudante na Universidade: É aí, nesses espaços fronteiriços, não tutelados que José Cemí41, pela primeira vez, vai se dar a viver na intempérie, vai testar sua própria têmpera, formar sua maneira de ser, começar a reconhecer seu destino, acumular forças para novos saltos, para novas rupturas, para novas aberturas da espiral no sentido do ainda desconhecido. É aí também onde José Cemí, já sem a proteção do lar, vai enfrentar o risco inevitável, o extremo perigo em cujo contato vai se converter no que ele é.
Assim, as alunas começam a experimentar o sabor das alegrias, dos dissabores, dos desafios e
das dores da vivência universitária, no curso de Pedagogia, caminho pelo qual descobrem a
Universidade. A maioria não tem muito conhecimento sobre o curso, seu funcionamento, o
profissional que pretende ser: “Meu grande questionamento é: será que essa abertura do
leque, formando o professor generalista vai dar condições para a gente realmente atuar em
determinados assuntos específicos?” (A). Uma discente sinaliza o tipo de formação que 41 Personagem do livro Paraíso de José Lezama.
65
deveria perpassar o curso: “Nós pedagogos precisamos de uma formação mais humana, saber
que a merendeira, a auxiliar de serviços gerais é gente como nós e precisa, também, ter
orientação para lidar com as crianças e nós, também, para saber que esses funcionários são
gente, têm necessidades, precisam, também, saber lidar com crianças de necessidades
especiais”.
Conversei com elas sobre o curso, sobre formar-se pedagogas, se têm clareza sobre as funções
que poderão exercer. Uma aluna disse: “A princípio eu tenho noção sim, dessas habilitações
que você falou, agora eu entendo que na função de gestor, entraria a função de pedagogo, da
direção e tal. Nas disciplinas que eu tenho tido (o ensino) não é para a função de pedagogo,
mas de professor, seja da educação infantil ou das séries iniciais. Não sei se estou
entendendo errado, o meu curso hoje”. Algumas discentes acham que há professores que não
compreenderam o espírito do novo curso, ainda: “Então, os professores daqui ainda estão
pensando como no curso antigo! [...] porque a gente pergunta: _ O que seremos? A gente
questiona muito ainda na sala de aula e eles não sabem”. Pode ser que haja docentes que não
se despiram, ainda, da concepção do currículo anterior com a base da formação no magistério
das séries iniciais ou trabalham com disciplinas específicas de determinada área, por isso
abordam os conteúdos de maneira restrita, tento esclarecer.
Na conversa com um pequeno grupo, estudantes manifestaram muitas dúvidas em relação às
habilitações. Expliquei que, agora, o currículo não tem mais as habilitações e o curso vai
formar o pedagogo com foco na docência, gestão e pesquisa. Portanto, o professor-formador
deveria orientar os temas de suas disciplinas, não apenas para a formação de professores das
séries iniciais, mas também para a Educação Infantil e demais dimensões, porque está
formando um pedagogo docente e não-docente. Algumas alunas entenderam, assim, a síntese
do Projeto do Curso a elas apresentada pelo Colegiado: “Hoje, independente de você gostar
ou não, vai ter que ter um conhecimento básico de todas as áreas envolvidas, mas você vai
ter que se especializar numa pós, naquilo que tem interesse!” Outra questiona: “Mas essa
especialização não vai te proibir de atuar naquele campo ou pra trabalhar com Educação
Especial (EE), por exemplo, tem que fazer a habilitação? Então nós não precisamos e já
podemos trabalhar com EE? É isso?” E a colega respondeu: “Não é que você vai estar
habilitada para trabalhar; você vai ter que procurar especialização fora da grade do
currículo do curso de Pedagogia, ou seja, ele te dá a noção de Educação de Jovens e Adultos,
Educação Especial”.
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Na verdade mudou a concepção de formação, por exemplo, Educação Especial (EE) no
currículo anterior era considerada uma habilitação. Hoje, compreende-se que as necessidades
especiais perpassam todas as séries, todos os níveis, então, todo pedagogo, docente ou não,
todo profissional que vai trabalhar com Educação precisa ter conhecimentos relativos à EE,
pois qualquer pedagogo pode receber em sua turma um aluno que tenha necessidades
especiais. Há, também, os casos e não são poucos, em que pelas circunstâncias de vida, de
família, de violência, de contexto social, a criança vai necessitar de atendimento mais
especializado, mais adequado, mesmo não sendo aluno “especial”. Uma discente referiu-se à
Educação de Jovens e Adultos: “Pois é, então vamos falar de uma outra que precisa de uma
especialização maior, Educação de Jovens e Adultos, que é totalmente diferente da Educação
Infantil e das séries iniciais. Então, assim que eu me formar aqui na minha graduação, vou
estar apta a assumir uma turma de Educação de Jovens e Adultos?”. Outra aluna explicou
para as colegas que o currículo novo possibilita flexibilização e uma possibilidade maior de
trabalho, inclusive fora do ambiente escolar.
3) Quem as professoras dizem que os alunos42 são?
As professoras P11, P12, P17, P18, P9, P14, P6 percebem mudanças no perfil dos alunos que
estão chegando ao curso, no que concerne à idade, maturidade, interesse ou desinteresse pela
Pedagogia, pela Educação, a não-experiência docente, a falta de tempo para estudar. A
professora P12 disse: “Com essa mudança de perfil, por serem mais novos, eles pedem uma
direção, é impressionante isso”. O docente precisa estar atento para poder orientá-los nas suas
necessidades. Uma professora ressaltou que o curso de Pedagogia chama os alunos à
responsabilidade, pelo papel social da profissão, pois trabalham com o outro, com a formação.
P11 considera que o perfil dos alunos, hoje, aponta para uma necessidade específica de
atendimento, principalmente, do Colegiado de Curso: São alunos que precisam de acompanhamento, assistência, orientação. O colegiado tem um papel
importante porque ele tem que tomar conta da vida acadêmica desse aluno. Quando eu era aluna, todo
período tinha uma reunião com algum professor-orientador, para ajudar na decisão da matrícula. Não
42 Referem-se aos alunos de modo geral e não, especificamente, às que participaram nas conversas dos pequenos grupos.
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sabem o que é Universidade. O colegiado tem que ir às salas, conversar com os alunos, instruir,
organizar, direcionar até o próprio processo de matrícula.
P18 lembra a situação sócio-econômica dos alunos e sua inserção no contexto universitário: Fica difícil para eles viverem a vida da Universidade porque vêm para cá cedinho, vêm de longe, para
ficar até meio-dia. É difícil, têm que sair correndo porque dão aula longe, lá em Viana, em Cariacica.
Não ficam aqui o dia todo como estudantes de outros cursos. Alguns não conseguem participar das
mobilizações, seminários, dos eventos, fazer bolsa de iniciação científica. A continuidade de estudos em
nível de pós-graduação fica dificultada por causa disso! Pouco acesso às práticas de pesquisa, porque na
pós a gente quer que eles tenham prática de pesquisa.
Apesar de estarem na Universidade, parece que os discentes precisariam de uma preparação
no primeiro semestre para assumirem o papel de universitários, para usar a leitura, a escrita, a
oralidade, a audição de modo mais maduro, na perspectiva de formação superior. A
professora P12 fala sobre a aparente (i)maturidade e autonomia dos estudantes: Você vai dar um trabalho e perguntam:
_ Professora é para escrever com caneta ou lápis?
Quinhentas vezes, o semestre inteiro, perguntam. Isso é pergunta de menino de 5ª série. Tem a questão de
que eles não escutam, a da leitura, ler não é uma prática, ainda mais o livro. Tem a dificuldade da escrita
que é da grande maioria. Quando é para fazer prova, não, eles estudam e vão lá e fazem, mas no caso
que eles estão formulando o projeto, aí tem problemas, uma coisa estanque. Falei: _ Vamos fazer um
parágrafo disso? E dividi em grupo para transformarem aquela linha num parágrafo: _ Que que a gente
pode escrever? E a dificuldade que é para escrever! Tento compreender esse comportamento dos alunos,
explicando que são muitas coisas novas para eles: fazer um projeto, os saberes, os conhecimentos, as
relações. Por isso acho que nessas disciplinas de base, o olhar do professor tem que ficar mais atento a
essas questões. Então, sobre a leitura, a escrita e a pesquisa digo: _ Vão à biblioteca! _ Não professora,
vou no Google!
P14 afirma: “Nós temos alunos que não sabem o que é a escola. Eu acho que o professor-
formador quando tem essa experiência e não só a teoria, mas um pouco dessa relação com o
cotidiano, ajuda nessa compreensão”. Até pouco tempo, o CE recebia alunos já professores
em nível médio, com o saber da experiência docente e isso ajudava na compreensão dos
conhecimentos teóricos do curso de Pedagogia. Hoje, eles não trazem mais esses saberes o
que constitui mais um desafio para o professor-formador. P17 também observou que O desempenho matemático continua baixo. Alunos que vieram (fazer o vestibular) com uma letra na
cabeça. Outro dia tivemos um ciclo de palestras e falaram: _ Ah, os alunos são do Ensino Médio... Uma
aluna que ainda não fez a disciplina de Matemática, mas estava preocupada como ia aprender, porque
falou: _ Ah, isso é muito relativo, pensar que a gente passou no vestibular e sabe matemática. Ela falou
68
para a palestrante: _ Eu tenho HORROR à Matemática! Saí de casa com uma letra na cabeça e marquei
de cima embaixo (no vestibular).
A professora P17 discorda de que alunas com experiência docente tenham o conhecimento
matemático: Peguei essas alunas-professoras e elas tinham uma rejeição enorme ao conteúdo e metodologia (de
matemática), porque elas já sabiam, já sabiam que NÃO queriam saber, porque já davam aula e não iam
mudar! Então eu não estou achando difícil! Estou achando mais tranqüilo e até porque essa experiência,
como elas desconhecem o ambiente escolar, elas trazem as perguntas. As outras conheciam muito e acho
que tinham vergonha de perguntar ou do fato que não sabiam; estou sentindo que essa turma pergunta
mais.
O professor P9 levanta a questão relativa ao tempo, ao não-desejo de estudar do aluno de
agora: O tempo do aluno é reduzido. Há na cultura contemporânea uma aversão à teoria, à reflexão. Em
algumas turmas, percebe-se aversão ao estudo, numa época fortemente marcada pela velocidade, tudo se
torna fugaz. Alguns autores caracterizam como sociedade do espetáculo. [...] Os alunos entram na
Universidade já nessa cultura do tempo, da promoção de aversão à teoria, principalmente quando já
trabalha, quer um conhecimento tácito, do como fazer.
O professor-formador faz um elo de ligação com a prática e com a instituição em que futuros-
professores vão atuar. P12 complementa: “E com a própria idéia do que é o pedagogo, qual a
sua função na escola, o seu lugar, que de uns anos para cá acho que é indefinido”. A
concepção do pedagogo como aquele que exerce o papel do supervisor e do orientador que
tem vigorado, muda com o novo currículo, porque agora ele é docente, também. P3 lembra
que os alunos preocupam-se em saber quem é o professor que vai assumir determinada
disciplina, mas não fazem questionamentos quanto à estrutura do curso: [...] Alguns alunos mostraram preocupação em relação aos professores que iam assumir aquelas
disciplinas que a gente estava apresentando para eles: _ Quem é que vai ocupar essa cadeira? E nós
falamos: _ Alguns já temos os nomes que os departamentos disponibilizaram, mas outros têm que fazer
concurso. A conversa não progrediu, não saiu daí e NÃO HOUVE nenhuma discussão sobre a natureza
do curso, de uma disciplina, por exemplo, que é PEPP, que eu sei que na turma da noite rolou essa
discussão pra entender melhor qual era a proposta dessas disciplinas.
Segundo P9 os alunos demonstram dificuldades em relação às habilidades com a leitura, na
concentração, na entonação e na compreensão: “Dei três questões numa prova: duas objetivas
e uma discursiva; já corrigi umas quinze e até agora, só uma acertou a prova toda”. Ele
69
percebe que há uma mudança no perfil do aluno e isso interfere nas práticas docentes
cotidianas, por isso é necessário o conhecimento sobre o currículo e a realização de momentos
integradores. P6 relata a percepção que tem dos discentes a partir de uma pesquisa que está
realizando: “Estou fazendo uma pesquisa com os alunos de Pedagogia, com foco na
juventude. [...] Minha pesquisa está indicando que a turma se divide, há uma cisão clara,
evidente dos mais velhos e dos mais novos, dos adultos e dos mais jovens, eles não se
integram. [...] Realmente isso está mudando”. Assim, as inovações acrescidas à estrutura
curricular, como a pesquisa, objetivam maior integração entre a instituição formadora e a
instituição onde futuros-pedagogos irão atuar. O aluno só estabelecia contato com a escola no
5º período, uma vez por semana no Estágio, no 6º período, também, uma vez e, no 7º período,
ia três vezes à escola. Como não tinha essa experiência antes do estágio, questões diversas
vinham à tona, naquele momento. A intenção das disciplinas PEPPs é de que graduandos
tenham contato com a escola desde o 2º período e iniciem logo essa parceria formativa.
Refletindo...
Enfim, docentes e discentes fazem o currículo num processo compartilhado de realização,
umas mais engajadas, outras menos. As professoras ressaltam a importância de alguns bons
professores que tiveram na formação e procuram imitar o que eles faziam em suas aulas.
Destacam o papel do professor-formador que precisa estar preparado, não apenas, para indicar
novas teorias e procedimentos de ensino-aprendizagem, mas para exercitá-los nas suas aulas,
de modo que futuros-pedagogos as vivenciem e não se sintam como uma professora que disse
“[...] ter tido contato com teorias atualizadas, mas não sabia como colocá-las em prática na
sala de aula” (CEVIDANES, 1996).
O depoimento de professoras, segundo Cevidanes (1996), aponta para a necessidade de se
rever, criteriosamente, alguns aspectos da formação inicial que, certamente, contribuirão para
aprimorar o curso e aproximá-lo da realidade da Escola Fundamental onde irão atuar. Entre
os aspectos a serem analisados, aparecem com relevância a questão do conteúdo e do
currículo do curso de formação de professoras, do estágio, das práticas discursivas, do contato
com a criança, da contextualização da formação, da formação-atualização dos professores-
formadores, além de outros, como apoiar a professora iniciante na carreira, de modo a evitar
ou amenizar as dificuldades encontradas. Realizar uma reflexão crítica e contínua sobre a
formação e a prática, numa aproximação entre a teoria e a prática, discutir e pensar sobre
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como colaborar no processo de socialização profissional dos pedagogos e na construção da
sua identificação profissional foram outras necessidades citadas pelas docentes.
Cevidanes (1996) sugere que o estágio seja mais bem estruturado, por meio da elaboração de
projetos com a participação conjunta da instituição formadora, da escola fundamental e dos
profissionais envolvidos no processo. Assim, futuros-pedagogos vivenciariam um estágio em
que fossem participantes junto com os demais envolvidos no processo e poderiam
experienciar a realidade da escola, permitindo que eles mesmos, fizessem uma reflexão e
auto-reflexão crítica sobre a sua ação e o seu papel como professores. É imprescindível que na
formação inicial estagiários tenham contato com diversas e possíveis realidades educacionais
de sala de aula e de escola: comum, multisseriada, de alfabetização, de educação infantil, de
educação de jovens e adultos, de crianças com necessidades especiais, com utilização de
diferentes metodologias, com clientela de diferentes níveis sócio-econômicos e culturais.
O contato com a variedade de realidades escolares ajudaria a reduzir o choque sentido por
professores e alunos ao iniciar a carreira e se deparar com situações sócio-econômicas,
pedagógicas, relacionais imprevistas, não discutidas na formação. O estagiário deveria ter
acesso à prática mais burocrática do trabalho docente na escola, ter contato com todas as
dependências e funcionários, conhecer a secretaria, seu funcionamento, seu papel dentro da
organização escolar, etc. Em relação à estrutura educacional mais ampla, os estagiários
poderiam visitar e conhecer órgãos relacionados à sua profissão tais como: Secretarias de
Educação (municipal e estadual), Núcleo Regional, Conselho Estadual de Educação,
Sindicato, etc.
Nesse sentido, Silva (1996, p. 61) afirma que “Há, na literatura educacional, uma ausência
intrigante de análises e estudos dos currículos e das pedagogias universitárias”. Por isso,
considero que estudos sobre o curso de Pedagogia podem contribuir para ampliar e enriquecer
a discussão sobre o curso e a profissão docente, favorecer a elaboração de um conhecimento
parcial e sempre provisório acerca da produção de saberes-fazeres-poderes próprios à
formação de pedagogos (docentes e não-docentes), entre outras possibilidades que emergem
no processo. Portanto, a análise das potencialidades inventivas dos praticantes desses saberes-
fazeres-poderes, encontrados ou não no currículo prescritivo e realizado, poderia abrir
possibilidades para uma reflexão sobre novas propostas de feitura curricular.
71
Assim, o que fiz foi produzir um texto sobre uma pesquisa, texto que continua aberto,
inconcluso, porque sempre em movimento, tecendo idéias a partir das minhas próprias idéias,
numa intertextualidade com as idéias de professores, alunos, funcionários, de autores, de
teorizações, enfim, uma polifonia de vozes a produzir este texto. Mas o que é o texto, afinal?
Barthes (2006, p. 74-5) explicita bem dizendo:
“Texto quer dizer Tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, [...], nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha, através de um entrelaçamento perpétuo, perdido neste tecido _ nessa textura _ o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia”.
No segundo capítulo trato do compartilhamento das participantes na escritura e na realização
curricular, o que elas percebem no currículo, características e diversos aspectos significativos.
72
À minha frente, o mapa. Mapa curricular que cartografa O percurso de formação de pedagogos. O currículo é um “lugar próprio”, sua realização um “espaço praticado”. Um mapa cartográfico, formativo, instrumental, gramatical, emancipatório com características pedagógicas, éticas, políticas, culturais, estéticas, sociais. Como os mapas, o currículo distorce a realidade por mecanismos de escala, projeção e simbolização. Um currículo emancipatório implica a produção de subjetividades combativas, guiadas por três grandes topoi, ou seja, a fronteira, o barroco e o Sul. Quem escreve, lê e realiza o currículo? Docentes, discentes, a sociedade. Esse leitor-escritor-realizador é como um viajante e, como tal, se des-re-territorializa, continuamente nos movimentos cotidianos de consumo e produção curriculares solidários, interculturais, éticos, estéticos, políticos e, principalmente, pedagógicos.
ENEIDA
73
CAPÍTULO 2
Compartilhando um novo currículo
“[...] as mudanças que não são feitas com os professores, voltam-se contra eles, silenciando-os, depreciando-os em suas capacidades de ação e recriação” (LINHARES, 1999, p. 16). “[...] não há um tempo para a crítica e um tempo para a transformação. Não existem aqueles que fizeram a crítica e os que têm que transformar, [...]. Uma reforma é sempre o resultado de um processo no qual há conflito, afrontamento, luta, resistência...” (FOUCAULT, em entrevista a DIDIER ERIBON, 1981). “Se há brechas e contradições na Reforma Educacional, não podemos deixar de ampliá-las para implementar projetos que carreguem larvas de práticas e concepções instituintes” (LINHARES, 1999, p. 48).
Neste capítulo está explicitada, pelas participantes desta pesquisa, a sua concepção sobre o
PPC/CE/UFES (2006) e o seu compartilhamento nos processos de elaboração e feitura
curriculares. Tentei cartografar na primeira parte, os modos de participação docente e a
concepção de currículo presentes nas suas vozes, gestos e sentimentos. Organizei o conteúdo
de nossas conversações, agrupando discursividades que dizem respeito à estrutura curricular,
à tríade como eixo formativo (docência, gestão e pesquisa), às disciplinas, à integração entre
as disciplinas, às ênfases, ao “modelo” de formação, à perspectiva do profissional a ser
formado. Em seguida, refiro-me a outros aspectos que se destacaram nos discursos, como
carga horária do curso, horário, reestruturação do centro, processo de socialização,
planejamento. Para finalizar, faço uma reflexão sobre o compartilhamento presente nas
concepções manifestadas em relação ao saber-fazer-poder curriculares.
A participação no processo Comunidades interpretativas são comunidades políticas (SANTOS, 2002).
No processo de reestruturação do currículo do curso de Pedagogia, docentes do CE,
constituíram-se como uma comunidade interpretativa e/ou, segundo Carvalho (2009, p. 121),
74
como uma “[...] comunidade heterológica que, baseando-se no diálogo, na leitura e na
tradução, visa à construção do comum no espaço e no tempo”. Mas o que seriam comunidades
interpretativas? Segundo Santos (2002, p. 95), seriam comunidades que “[...] englobam o
conhecimento e a vida, a interacção e o trabalho, o consenso e o conflito, a intersubjectividade
e a dominação, e cujo desabrochar emancipatório consiste numa interminável trajectória do
colonialismo para a solidariedade própria do conhecimento-emancipação”. Essa trajetória
atravessa e é atravessada por múltiplas relações intra, inter e trans-comunitárias. É justamente,
na tensão resultante das relações que ocorrem nesses processos sociais (lutas pelos direitos
humanos, dentre eles, de alunos e de professores), que se dá a reinvenção da comunidade,
porque oportuniza a vivência de novas e diferentes práticas sociais. O conhecimento assim
produzido é retórico, ou seja, é “um conhecimento prudente para uma vida decente”, que deve
ser (re)construído, continuamente; seria, assim, uma novíssima retórica (idem, 2002, p. 104).
Nessa novíssima retórica, a relação orador-auditório fica mais maleável, o que possibilita
alternar as posições de ambos, tornando o resultado da argumentação incompleto, pois o
conhecimento por meio da retórica é sempre dialógico e processual. Nesse sentido, o auditório
é a comunidade considerada na perspectiva do conhecimento argumentativo. As comunidades
constituem redes de comunidades e “[...] os topoi gerais exprimem o que há de comum entre
elas (pontos de vista partilhados)” (SANTOS, 2002, p. 110). Segundo Santos, as formações
sociais capitalistas são formadas por seis grupos de relações sociais, considerados as bases das
principais comunidades interpretativas presentes na sociedade: espaço doméstico, da
produção, do mercado, da comunidade, da cidadania e espaço mundial. Para que haja
emancipação, nesses seis grupos ou espaços-tempo, os topoi relativos às relações sociais
dominantes devem ser substituídos por tópicas, temas de emancipação, na perspectiva de
encontrar novas formas de produção de ser-saber-fazer-poder.
Assim, no espaço doméstico, onde vigora o poder do patriarcado, deve-se substituir a tópica
patriarcal pela tópica de libertação. No que concerne à Educação, a participação curricular
poderia ser ampliada a todos os segmentos, associar-se a outras instituições da sociedade,
descentralizar. A responsabilidade pela formação se expandiria para além do espaço relativo
às questões educacionais, constituindo um permanente processo de descolonização.
No espaço da produção, em que o poder é composto pela exploração, propõe-se a substituir a
tópica capitalista por um eco-socialismo. A Educação não se limitaria a ampliação de acesso à
75
escola, ao aumento de vagas, ao índice de aprovação, à produtividade professor-aluno, mas
ampliaria esse diálogo na perspectiva da humanização, da solidariedade; poderia criar novos
modos de produção do conhecimento, de ensinar e de aprender-para-ensinar.
No espaço do mercado, em que impera o poder do fetichismo das mercadorias, pressupõe-se
substituir a tópica do consumismo fetichista por necessidades fundamentais. A Educação não
deveria ficar subserviente ao mercado, mas estabelecer uma hermenêutica diatópica, de modo
que haja um diálogo em que suas incompletudes sejam discutidas e se possibilite uma
formação emancipatória, na perspectiva da “descoisificação das pessoas e da
despersonalização dos objetos”. A Universidade e a formação seriam consideradas como
lugar de produção e não só de consumo, nem de subjugação às exigências mercadológicas,
por exemplo, em relação às decisões relativas aos cursos a serem por ela oferecidos.
No espaço da comunidade, cujo poder é a diferenciação desigual, deveria substituir a tópica
chauvinista (nacionalismo exagerado, que assume posição exacerbada, que inclui o que
pertence e exclui o que lhe é estranho), por uma tópica cosmopolita (desaprender do Norte e
do Sul imperial e aprender com o Sul, criar o conhecimento a partir do Sul global). A
Educação deveria superar a forma dualista e contraditória de agir, ou seja, em algumas
situações, ter flexibilidade para os que pertencem a um grupo e ser rigorosa com outro, com
aquele que se posiciona contrário a certas concepções de ensino, a determinadas políticas
públicas, por exemplo. Poderia reconhecer a presença da diferença, pois alunos e professores
são diferentes, aprendem e ensinam de modos diferentes e variados.
No espaço da cidadania ou espaço público, o poder é constituído pela dominação (um poder
cósmico, gerado no sistema político e centrado no Estado; e outras formas de poder que
constituem o poder caósmico, que é descentralizado e informal, exercido por múltiplos
microcentros de poder). A proposta é substituir a tópica democrática fraca, por uma forte, pois
todo poder combina um componente cósmico com uma pluralidade caósmica. No curso de
Pedagogia, poderia dizer que convivem e se retroalimentam os dois tipos de poder; portanto, o
poder cósmico seria a direção do centro e o caósmico seria constituído pelo colegiado,
departamentos, núcleos do CE, docentes-discentes e suas entidades, que perpassam e são
perpassados pelos diversos poderes. Seria assim, agir com atitude de compartilhamento nas
discussões e decisões, como tem ocorrido no centro, o que significa estabelecer uma tópica
forte, que sustenta a busca da emancipação.
76
E, no espaço mundial, em que o poder é constituído pela troca desigual, deve-se substituir a
tópica do Norte pela do Sul (toda forma de poder é desigual e se relaciona com as demais
como exploração, fetichismo, dominação, patriarcado, diferenciação desigual; tende a
mercadorizar as necessidades humanas e da vida cotidiana). Nesse sentido, também, na
escola, o fracasso, muitas vezes, é atribuído à falta de recursos sofisticados, salários
incompatíveis com o trabalho docente, adoção de teorias de contextos que nem sempre
condizem com as necessidades de realidades que as adotam. Permanece, ainda, no tempo
atual, a concepção de que se o indivíduo estudar, em troca terá emprego garantido, bom
salário, ascenção social e, isso nem sempre, acontece.
De acordo com Santos (2002, p. 110), só “Haverá senso comum emancipatório quando os
topoi emancipatórios desenvolvidos numa dada comunidade interpretativa encontrarem
tradução adequada nos topoi de outras comunidades e se converterem assim, em topoi gerais”.
É o que deveria ocorrer na Educação, se seus profissionais desejarem fazer uma formação de
pedagogos que seja fundada na tópica de “um conhecimento prudente para uma vida
decente”. A tradução deveria ocorrer em todos os espaços e não só no doméstico, para que a
mudança curricular provoque a produção de um saber-fazer-poder emancipatório e a
emergência de subjetividades obstinadas, capazes de especular e de tirar proveito das
possibilidades emancipatórias, advindas da transição paradigmática.
Portanto, um novo mapa é cartografado nesse (re)fazer curricular, uma nova gramática é
escrita a muitas mãos: outros verbos, outros substantivos e adjetivos, outra estrutura. O
currículo expressa uma polifonia de vozes e sua elaboração reflete os muitos eus, sons,
olhares, gestos dos seus realizadores, presentes nas suas narrativas. A participação docente
ocorreu de diferentes modos, em diferentes níveis e momentos do processo: algumas
professoras participaram mais ativamente e com muito envolvimento, outras com pouco e
outras quase nada, por diferentes razões. Elas dizem: Participei como representante do departamento no colegiado, [...]. Fiquei responsável pelo documento
“Atividades Complementares”, uma coisa completamente nova. [...] (P6)43.
[...] a gente fez reuniões com os alunos durante a constituição deste projeto. Em todos os momentos eu
estive presente, no colegiado e na equipe, no diretório acadêmico e tentando acompanhar o que estava
acontecendo nacionalmente nesse processo (P4).
Eu não participei do currículo, estava afastada para o doutorado. [...] (P17).
43 As narrativas das participantes estão em itálico, com 1cm de afastamento da margem esquerda; em outros momentos continuam em itálico, porém estão inseridas no texto.
77
Uma professora faz referência ao interesse e à participação de alunos, cujas sugestões e
posicionamentos foram considerados na elaboração do projeto: “Nós tivemos momentos
distintos: com todo mundo, com iniciantes, planejamento do centro, momentos chamados
pelos alunos, principalmente do curso “velho”, sobre a situação deles. Os alunos do curso
“novo”, também, solicitaram” (P4). Ela continua: As questões foram problematizadas! Algumas estão em discussão até hoje, como o apostilamento do
curso anterior. Temos que lembrar que estamos entrando com as novas diretrizes, por isso é importante
os alunos do currículo anterior questionarem, porque eles têm experiência do curso de outro tipo. Os
alunos do curso novo não tinham uma demanda específica, ainda (P4).
Então, quem assume a autoria do currículo? A autoria está ligada a conceitos como iniciativa,
criatividade, autoridade, autenticidade, originalidade e, também, com a noção de sujeito
individual e coletivo. A participação marca a autoria e a assinatura curricular e, está
relacionada, não só com o interesse e o desejo de cada participante, mas a partir do lugar que
ocupa, seja como diretor ou vice do centro, coordenador ou vice do colegiado, chefe ou sub de
departamento, coordenador da pós-graduação, professor efetivo, substituto, recém-chegado ou
não, coordenador de núcleo, pesquisador da Capes ou do CNPq, aluno iniciante ou quase
concluindo o curso. Para Certeau (1994, p. 201), “Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo
a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. [...]. Aí impera a lei do
“próprio”” e é a partir daí, que a participante cria seu espaço, “um lugar praticado”.
Dependendo do lugar de onde fala, a docente se faz ouvir e é mais escutada ou não; pode
situar-se, também, no contexto de trabalho, num não-lugar, um espaço solitário, sem
identificação, o que não impede que venha a conquistar um lugar, em outro momento.
Professores44 substitutos, quase sempre ocupam um não-lugar, vivenciam uma situação
fronteiriça, pois ocupam um cargo temporário, embora alguns conquistem um lugar pelo seu
desempenho, pelas relações que estabelece, pela sua participação ativa na prática cotidiana do
curso. Linhares (1997, p. 142) ressalta que é preciso [...] atentar para as vozes periféricas que
disputam um lugar na escola e que não aceitam a ditadura de uma voz única, magistral [...]”.
Assim, o currículo foi (re)elaborado e está sendo realizado nessa polifonia de vozes, numa
multiplicidade de gestos, idéias, desejos, saberes-fazeres-poderes. Vive-se, hoje, no Centro de
Educação, um momento de transição de um Projeto Pedagógico (1995) para outro (2006), que
44 Uso da forma feminina para as participantes e a masculina quando me refiro a professores e alunos em geral.
78
envolve alterações quanto aos paradigmas, matriz curricular e ao profissional que se pretende
formar.
O que é o currículo?
O currículo é um “lugar próprio”, sua realização um “espaço praticado”45 em que docentes e discentes criam seus itinerários, seus espaços, na feitura desse currículo (CEVIDANES, 2008). Eu diria assim, que o currículo é um mapa cartográfico, formativo, instrumental, gramatical, com características pedagógicas, emancipatórias, éticas, políticas, culturais, estéticas, sociais (CEVIDANES, 2009).
Inicio com a voz de uma professora que diz: “Tudo que a gente vai falar sobre o curso, está
sendo feito, está para fazer, eu não vou dizer para você: _ Isto está consolidado! Está em
processo” (P7). Portanto, percorrer uma proposta curricular e se embrenhar nos seus espaços
escritosvividos, entender as suas formas de representação/distorção (escala, projeção e
simbologia) é como abrir uma mapa diante de si mesmo, consultá-lo e decidir como fazer a
sua própria viagem. Então: Por que um currículo poderia ser um mapa? Quem são os leitores
e utilizadores do mapa curricular? Que usos são feitos dele? Mas o que é um mapa?! Segundo
Certeau (1994, p. 205), “Os primeiros mapas medievais comportavam só os traçados
retilíneos de percursos [...]. Cada mapa desses é um memorando que prescreve ações. Aí
domina o percurso a fazer”. O currículo, também, traz a marca da prescrição, embora não seja
seguido com tanta rigidez como em outros tempos. Para Deleuze e Guattari (1995, p. 22), “O
mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível
de receber modificações constantemente”, é passível de plasticidade, de construção,
desconstrução, criação, inovação. Esse modo de conceber o currículo é diferente da prática
discursiva de alguns profissionais que, ainda, conceituam o currículo nos moldes do
conhecimento-regulação e não visam à emancipação da sua realização, nem de seus
praticantes.
Na concepção cartográfica de Santos (2002, p. 198), os mapas são modos de imaginar e
representar o espaço, que neste caso, exemplifico com o currículo. Os mapas “[...] são
distorções da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões credíveis de
correspondência”. Para o autor, essa distorção da realidade, no mapa, objetiva a orientação e
45 Lugar próprio e espaço praticado: Certeau, 1994.
79
nos poemas institui a originalidade. E eu perguntaria: os currículos também distorcem46 a
realidade? Por quê? Para que? O que objetivam ou instituem47? Prescrição? Orientação?
Homogeneização? Pedagogização? Regulação? Emancipação? A escriturística do mapa
curricular deveria materializar o pensamento, o desejo de seus praticantes. Nem sempre o é,
porque existem discordâncias internas, necessidade em atender às orientações legais, às
políticas públicas que, às vezes, não coincidem com o pensar dos praticantes. É possível que a
diversidade inventiva na produção dos caminhos de realização do currículo, expressa na fala
de Macedo (1999, p. 126), exemplifique essa distorção:
Obviamente, a construção de um currículo é um processo coletivo que se estabelece no interior de uma instituição [...]. Esse documento, que representa o currículo formal acordado, vai sendo imediatamente desrespeitado ao ser posto em prática. Inicia-se um processo de reformulação curricular, em que cada sujeito que havia participado do grande acordo faz a sua leitura do material escrito. E põe em prática o seu currículo. Do conjunto de currículos particulares que vão se materializando, se reconstrói, no cotidiano da instituição, o currículo efetivamente vivido pelos sujeitos.
Quem lê o currículo? Que usos faz dele? Onde? Como? Por quê? Para que? Na prática, há os
que usam, discutem, sugerem, fazem o currículo, são consumidores-produtores, considerando
o escrito como fonte de inspiração-orientação para seu trabalho, porque acreditam que ele seja
fruto da hermenêutica estabelecida nas discussões para sua elaboração escrita e seu processo
de realização. Há os que desconhecem, ignoram e agem como se não existisse uma
comunidade a partir da qual e das suas considerações o Projeto de Curso é elaborado. Há os
que consomem o texto tal qual é apresentado, sem questionar, sem refletir, sem se imiscuir
nas suas fissuras. Então, como afirma Certeau (1994, p. 262), “A leitura é apenas um aspecto
parcial do consumo, mas fundamental”, e Larrosa (2004, p. 58) complementa: a leitura “não é
experiência de plenitude, mas de vazio”.
Certeau (1994, p. 263) afirma que “O poder instaurado pela vontade (ora reformista, ora
científica, revolucionária ou pedagógica) de refazer a história, graças a operações
escriturísticas efetuadas em primeiro lugar num campo fechado, tem aliás por corolário uma
intensa troca entre ler e escrever”, como ocorre na feitura curricular. O leitor é como um
viajante e como tal se desreterritorializa, continuamente; nesse movimento, altera e/ou
acrescenta significados, inventividades ao texto lido e atribui sentidos poéticos diversos,
46 Em que aspectos? Nega a diversidade? Controla a criatividade, a criticidade? Ignora leis, regionalidades, problemas sociais, carências dos praticantes, das instituições, de recursos? 47 Organização? Funcionalidade? Didaticidade? Praticidade? Viabilidade? Diversidade? Regionalidade?
80
diferentes dos sentidos atribuídos por outros possíveis leitores. Por isso, ocorrem tantas
dúvidas, incompreensões, discussões acerca do currículo, porque fazem nele-dele-com-ele,
múltiplas e diversificadas escrileituras. Enfim, conforme Certeau (1994, 270), “A escritura
acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um lugar [...]” e “A leitura não tem
garantias contra o desgaste do tempo [...]”, pois está sempre num não-lugar, afinal, o leitor é
um viajante que usa o lugar do outro para criar seu próprio espaço e atribuir nas releituras que
faz os significados que lhe interessam.
Os mapas, então, são metáforas culturais e um currículo, no sentido metafórico, seria um
mapa cartográfico, diria, também, gramatical. Uma característica principal dos mapas é
(tentar) corresponder à realidade, assim como um currículo escrito-vivido, por isso se
pergunta: para que, para quem, por que, quando, como, ao se elaborar ou analisar um
currículo. Se essa correspondência for, demasiadamente, coincidente ou distanciada, pode
fazer perder a praticidade, porque seria um material muito meticuloso e o excesso de detalhes
dificulta a compreensão e, às vezes, provoca o desinteresse. Assim, não corresponder,
exatamente, implica distorção da realidade, necessária em certa medida, pois dá abertura para
interpretações e experimentações inventivas. São três, os mecanismos principais, por meio
dos quais os mapas distorcem a realidade: a escala, a projeção e a simbolização (SANTOS,
2002, p. 201).
Mecanismos de distorção da realidade
1) A escala
Poderia dizer que um mapa curricular implica transescala, pois envolve pequena e grande
escala, ou seja, a chance de ver o contexto por diferentes escalas e ter possibilidades múltiplas
de analisar a realização do currículo de um curso em diferentes dimensões. Penso que a escala
seria, neste caso, a relação entre a escriturística da proposta curricular e a sua correspondência
com a realidade cotidiana. Um mapa de grande escala é mais pormenorizado porque se refere
a uma área menor do que o de pequena escala, tornando-se possível identificar maiores
detalhes do contexto. No caso do mapa-currículo, ele apresenta especificidades próprias ao
curso, como princípios norteadores, objetivos, duração do curso, períodos, matriz curricular,
ementas, carga horária, perfil do profissional a ser formado, sistema de avaliação, etc. A
pequena escala refere-se a uma área mais ampla, permitindo o acesso a aspectos de caráter
mais geral; assim, o mapa-currículo toma como base as políticas educacionais, a legislação
nacional, associações e órgãos representativos de docentes e da Educação e inclui tópicos
81
gerais da formação. Em nota de rodapé, Santos (2002, p. 210) explica que a educação de
grande escala “[...] privilegia a representação dos espaços socialmente constituídos e a
posição que nesses espaços ocupam os diversos sujeitos do processo educativo”; e a educação
de pequena escala “[...] privilegia o movimento e a orientação entre diferentes espaços sociais,
constituídos ou a constituir [...]”.
2) A projeção
Pela projeção seriam retratados no mapa curricular os diferentes aspectos relativos à
formação, considerando concepções, necessidades, condições, perspectivas, recursos, etc.
Essa projeção não corresponde exatamente à realidade, pois implica a presença de distorções
decorrentes de conflitos, discordâncias, expectativas, possibilidades, de caráter individual,
coletivo, institucional. É impossível retratar com exatidão como se dará a realização de um
currículo, pois essa feitura envolve políticas, atores, tempos e espaços, contratempos diversos
e outros aspectos. Assim, a projeção representaria as decisões tomadas pela comunidade
educativa responsável pelo projeto. Na projeção, segundo Santos, indica-se o centro do mapa,
pois todo mapa tem um centro, mas acredito que no currículo não há um centro fixo. Esse
centro desloca-se conforme o processo de realização, o tempo-espaço, os praticantes, as
condições, etc.
No momento de implantação dessa nova proposta, parece que o centro curricular localiza-se,
na articulação teoria-prática expressa na tríade (docência, gestão e pesquisa), por ser
considerada no PPC (2006, p. 15) e pelas docentes e discentes, como prioridade curricular.
Entretanto, o centro pode estar em qualquer lugar, porque a teoria-prática (práxis) atravessa o
currículo em todas as direções, numa rede rizomática de atribuições de sentidos. São
múltiplos centros que se deslocam porque o mapa é permeado de margens, periferias e
fronteiras que elegem centros temporários, conforme suas necessidades. A projeção, pois,
distorce a realidade segundo regras conhecidas e precisas (SANTOS, 2002, p. 203), que
geram compromissos, pois um currículo, assim como um mapa precisa ser útil e fácil de
manusear, para ser lido e compreendido, nas suas concordâncias e nas suas disparidades, para
ser, então, realizado.
82
3) A simbolização
A simbolização é outro aspecto importante, pois facilita a leitura dos mapas; para isso são
utilizados símbolos, gráficos, sinais, palavras, simbologias úteis às identificações e
sinalizações que possibilitam uma melhor compreensão do que se quer ler. No mapa
curricular, também, são usados sinais que apontariam a perspectiva política, filosófica,
pedagógica, possíveis caminhos a enveredar, porque o currículo é feito para ser lido, utilizado,
avaliado, reelaborado se preciso for; deve orientar a feitura cotidiana, objetivando a formação
conforme propõem seus princípios, objetivos e organização. O sumário indicaria os diversos
componentes que constituem o mapa curricular, a paginação, o que encontrar e em que lugar.
O currículo, como um mapa, indica percursos, porém precisa estar aberto à invenção de outros
possíveis (e até impossíveis) caminhos. Um currículo com características emancipatórias
implicaria a produção de uma subjetividade, simultaneamente, individual e coletiva, que
invista tanto em nível epistemológico como societal, que compreenda e explore as
potencialidades da transição paradigmática, que faça a mediação entre conhecimento e
prática. Essa subjetividade emergente deveria “[...] conhecer a si mesma e ao mundo através
do conhecimento emancipatório, recorrendo a uma retórica dialógica e a uma lógica
emancipatória [...]”; e “[...] ser capaz de conceber e desejar alternativas sociais assentes na
transformação das relações de poder em relações de autoridade partilhada [...]” (SANTOS,
2002, p. 345).
Esse seria o caminho para a invenção de subjetividades constituídas pelo topos de “um
conhecimento prudente para uma vida decente”. A emergência desse paradigma “[...]
manifesta-se como a inquietude de que falava Condillac, essa inquietação que ele considerava
ser o ponto de partida, não apenas dos nossos desejos e anseios, mas também do nosso pensar
e julgar, do nosso querer e agir (Condillac, 1984, 288)” (SANTOS, 2002, p. 346). Acredito
que é essa inquietação que impulsiona subjetividades inconformadas na produção cotidiana do
ser-saber-fazer-poder curricular. Como, então, criar tal subjetividade insurgente, combativa,
indomesticável? Santos responde ao sugerir, que uma subjetividade com tais características
deva ser “guiada” por três grandes “topoi”: a fronteira (político), o barroco (estético) e o Sul
(ético).
83
Subjetividades insurgentes: guiadas por três topoi
1º topoi: A fronteira
O topos da fronteira é, na verdade, o metatopos subjacente à criação de um novo senso comum político, um senso comum participativo concebido como parte da tópica para a emancipação [...] (SANTOS, 2002, p. 351).
Pois bem, num processo de feitura curricular, uma subjetividade emergente como a que se
propõe, deveria arriscar-se a viver na fronteira, que é considerada, neste estudo, como um
espaço situado de comunicação, como uma zona de encontro, embora se constitua como um
não-lugar. Santos (2002, p. 347) explica que a fronteira privilegia a dimensão política, a
participação e, sentir-se à vontade nela, contribui para explorar seu potencial emancipatório.
Esse autor considera como principais características da vida na fronteira: a invenção de novas
formas de sociabilidade, o enfraquecimento de hierarquias, o fortalecimento do
comunitarismo, a existência de poder plural proveniente de fontes diversas, as relações sociais
transitórias, a mistura de tradições, de heranças e as inventividades. Assim, viver na fronteira
é uma “[...] tarefa constante de fazer e desfazer [...]” (SANTOS, 2002, p. 352), como o mito
de Sísifo48. A fronteira é, pois, um momento social que se faz-desfaz e desaparece, quando
esse espaço se consolida.
Um currículo em processo de implantação está na fronteira; assim que se estabiliza, reduz a
novidade, a transgressão e surge a sensação de que não há mais o que inventar, já foi feito o
que era preciso para sua implantação-implementação, agora é só continuar o que foi iniciado.
Porém, seria conveniente, produtivo, criativo continuar a vivência transfronteiriça, sempre?!
Na fronteira, o poder “[...] tende a ser exercido no modo abertura-de-novos-caminhos, mais
do que no modo fixação-de-fronteiras” (idem, 2002, p. 351). Então, como seria viver e
permanecer na fronteira curricular num processo de abertura emancipatória?! Santos (2002, p.
351) afirma que “A criação de obrigações horizontais sobrepõe-se à criação de obrigações
verticais, o que significa que a subjetividade é participativa [...] orientada pelo princípio de
comunidade”. No caso do currículo, seria importante ampliar a participação incluindo toda a 48“[...] Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste, vê-se simplesmente todo o esforço de um corpo tenso, que se esforça por erguer a enorme pedra, rolá-la e ajudá-la a levar a cabo uma subida cem vezes recomeçada; vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de um ombro que recebe o choque dessa massa coberta de barro, de um pé que a escora, os braços que de novo empurram, a segurança bem humana de duas mãos cheias de terra. No termo desse longo esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a finalidade está atingida. Sísifo vê então a pedra resvalar em poucos instantes para esse mundo inferior de onde será preciso trazê-la de novo para os cimos. E desce outra vez à planície [...]”. CAMUS, Albert, O mito de Sísifo – ensaio sobre o absurdo. Livros do Brasil, Lisboa, s./d, pp. 13-17; 147-152; Apud: Casimiro Amado, Axiologia Educacional – Textos para acompanhamento das aulas, texto 2, Universidade de Évora, 2006, (fonte: internet).
84
comunidade interna e externa, porém essa participação não tem sentido de troca, mas de
colaboração, de compartilhamento.
A emergência de um novo paradigma educacional dá-se no aumento das margens, das escalas
e na diversidade de cartografias orientadoras da produção de saberes-fazeres-poderes. “Viver
na fronteira é viver nas margens sem viver uma vida marginal” (SANTOS, 2002, p. 353).
Assim, conforme Santos (2002, p. 353), “Estar nas margens é fazer parte de um todo, mas
fora do corpo principal”, é ter vontade de aproveitar as oportunidades de liberdade e
autonomia, fazendo florescer a subjetividade de fronteira. De acordo com Ribeiro (2002, p.
481), a divisão entre quem está na fronteira e quem está fora dela, nos centros hegemônicos,
seria “[...] como uma imagem de espelho _ uma inversão, que nos diz apenas o que queremos
saber a respeito de nós próprios. (Frow, 1996:3)”. Ribeiro (2002, p. 481) esclarece ainda, que
“Construir o Outro, nesta acepção, implica construir a fronteira que dele me separa [...]”. Na
transição paradigmática, a subjetividade de fronteira não abandona de vez o paradigma
dominante, mas se orienta, ora por ele, ora pelo paradigma emergente, na expectativa de
chegar o mais perto possível deste. Assim, o currículo anterior do curso (1995), também não
foi e não é abandonado, mas ocorreu-ocorre um processo de transição para o currículo de
2006.
2º topoi: O barroco
Proponho o topos do barroco como um metatopos para a construção de um novo senso comum estético, o senso comum reencantado [...] (SANTOS, 2002, p. 358).
A subjetividade da transição paradigmática é uma subjetividade barroca, que implica a
emergência da estética e possibilita a expressividade, o afloramento da sensibilidade. Santos
utiliza o termo barroco no sentido metafórico cultural, para caracterizar uma forma de “[...]
subjetividade e de sociabilidade capaz de explorar e de querer explorar as potencialidades
emancipatórias da transição paradigmática” (SANTOS, 2002, p. 357). Ocorre em momentos
históricos em que o centro do poder está enfraquecido, aproveitando as brechas (linhas de
fuga) abertas em decorrência desse enfraquecimento. O barroco tem um “[...] carácter aberto e
inacabado que permite a autonomia e a criatividade das margens e das periferias” (SANTOS,
2002, p. 357). Como não consegue planejar sua própria repetição infinitamente, “[...] a
subjetividade barroca investe no local, no particular, no momentâneo, no efêmero e no
transitório” (SANTOS, 2002, p. 359). O sentido da direção na subjetividade barroca é de
85
dentro para fora, do mais próximo para o mais distante. A temporalidade barroca é a
temporalidade da interrupção, que possibilita a reflexividade e a surpresa.
“A reflexividade é a auto-reflexividade exigida pela falta de mapas” (SANTOS, 2002, p. 359),
pois sem guias é preciso mais cuidado para caminhar. A surpresa é o suspense e,
“Suspendendo-se momentaneamente a si própria a subjetividade barroca intensifica a vontade
e desperta a paixão” (idem, 2002, p. 359). Essa interrupção é capaz de provocar “admiração e
novidade” impedindo a conclusão, por isso a subjetividade e a sociabilidade barrocas são
inacabadas e abertas; daí a sua força para lutar por um acabamento que nunca se realiza
completamente. O mesmo acontece com o currículo, que nunca está concluído, nem é
imexível, inquestionável; é sempre passível de mudança, conforme o contexto, o tempo, o
espaço, os atores, porque se faz a cada dia e é processual. São características da sociabilidade
barroca a emoção e a paixão (pela utopia), que assumem o sentido da solidariedade. Um dos
pilares da emancipação, portanto, “[...] é o senso comum encantado que não dispensa a
carnavalização das práticas sociais emancipatórias [...]” (idem, p. 364), ou seja, mantém o
riso, o divertimento e a ludicidade. Estes seriam como uma caixa de brinquedos que desperta
e mantém a sensibilidade, o prazer de ser-viver. Portanto, não se devem excluir esses
elementos da Educação; para ser credível, não é necessário eliminar a sensibilidade, o humor,
a expressividade. Esses elementos alimentam o caráter emancipatório e fazem florescer e
manter o encantamento que deve revestir a atividade educativa.
3º topoi: O Sul
Vejo o Sul como o metatopos que preside à constituição do novo senso comum ético [...] (SANTOS, 2002, p. 367).
O Sul, assim como a fronteira e o barroco, também é utilizado por Santos (2002, p. 367) como
metáfora cultural, “[...] como um lugar privilegiado para escavação arqueológica da
modernidade, necessária à reinvenção das energias emancipatórias e da subjectividade da pós-
modernidade”. O Sul e o Oriente são produções do império, dependentes, respectivamente, do
Norte e do Ocidente, tanto cultural como economicamente. Assim, “[...] o Sul exprime todas
as formas de subordinação a que o sistema mundial deu origem: expropriação, supressão,
silenciamento, diferenciação, desigualdade, etc.” (SANTOS, 2002, p. 368), características,
também, presentes na Educação. A subjetividade emergente é uma subjetividade do Sul e,
uma das formas dela se constituir é pelo processo de desfamiliarização, ou seja, pela “[...]
86
desaprendizagem das ciências sociais que constituíram o Sul como o “outro” [...] (e) o norte
como “nós” (idem, 2002, p. 369).
Nesse sentido, a alternativa é desfamiliarizar-se do Norte, isto é, desaprender em relação ao
conhecimento-regulação (da ordem ao caos) e reaprender em relação ao conhecimento-
emancipação (do colonialismo à solidariariedade). O Sul precisa ter chance de expressar seu
saber-fazer-poder, para que se possa aprender com ele. O mesmo acontece com as instituições
educativas: é preciso ouvir seus atores para melhor compreender a Educação, seus problemas,
necessidades e encontrar possíveis e múltiplos caminhos, os caminhos do Sul solidário.
“Conhecendo apenas através das lentes do Norte imperial, a periferia não podia senão
reconhecer-se a si próprio como o Sul imperial” (SANTOS, p. 373), assim, aprender a partir
do Sul, implica eliminar, também, o Sul imperial e construir um novo Sul, na solidariedade.
A desfamiliarização seria um meio de criar uma nova universalidade “[...] capaz de libertar,
ao mesmo tempo, a vítima e o opressor” (SANTOS, 2002, p. 375). Essa nova universalidade
fundamenta-se numa hermenêutica diatópica, ou seja, questiona, escava a própria cultura para
“[...] aprender como entrar em diálogo com outras culturas munido da máxima tolerância
discursiva [...]” (SANTOS, 2002, p. 376) e reconhecer que outras culturas, também, buscam a
emancipação e a reinvenção da sociedade. Assim, a subjetividade do Sul representa “a
capacidade e a vontade” de praticar a solidariedade para produção de um Sul não-imperial,
que mantenha com o Norte uma relação de “diferença sem subordinação”, que se faça
valorizar por meio das suas próprias produções.
Santos (2002, p. 381) compreende que “Os topoi da fronteira, do barroco e do Sul presidem à
reinvenção de uma subjectividade com capacidade e vontade de explorar as potencialidades
emancipatórias da transição paradigmática”. Um topoi, sozinho não dá conta de realizar tal
proposição; é necessária a presença dos três e que todos tenham atuação relevante na
constituição da subjetividade e sociabilidade emergentes. Para esse autor (2002, p. 382), as
“[...] potencialidades emancipatórias dependem da intensidade com que interiorizam as
constelações tópicas da fronteira, do barroco e do Sul: quanto mais intensa for a
interiorização, maior será a proximidade entre as práticas sociais e epistemológicas e o
paradigma emergente”. No entanto, na transição paradigmática, não é possível eliminar a
contradição e a competição que existem entre o paradigma dominante e o paradigma
emergente, ou seja, entre regulação e emancipação. Por exemplo, entre o currículo anterior e o
87
atual, acredito que essa tensão é geradora de enriquecimento, de conflitos que impulsionam a
reflexividade e a inteligibilidade. Nesse sentido, em período de transição, é necessário
construir [...] uma nova cultura política que permita voltar a pensar e a querer a transformação social e emancipatória, ou seja, o conjunto dos processos económicos, sociais, políticos e culturais que tenham por objectivo transformar as relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada [...] (SANTOS, 2006, p. 14).
Encontram-se, portanto, problemas modernos (igualdade, liberdade, fraternidade, paz) que
não têm soluções modernas (SANTOS, 2006, p. 15). Por isso é preciso reinventar a
emancipação social, retomar o princípio de comunidade e a racionalidade estético-expressiva,
devido à redução das possibilidades de emancipação. Porém, é tempo, ainda, de pensar em
emancipação, conceito moderno tão desgastado?! Pelo meu entendimento, a partir de estudos,
acredito que não se deve descartar o termo emancipação social por ser moderno e ocidental;
ele precisa ser reconceitualizado (idem, 2006, p. 42).
Cartografando o currículo: olhar, sentir, dizer O currículo constitui-se por tudo aquilo que é vivido, sentido, praticado no âmbito escolar e que está colocado na forma de documentos escritos, conversações, sentimentos e ações concretas vividas/praticadas pelos praticantes do cotidiano (CARVALHO, 2009, p. 179).
Reportando-me aos dados produzidos na pesquisa, trago a concepção de currículo a partir dos
dizeres docentes (PPC/CE, 2006). A diretora do CE, que já esteve à frente do colegiado e,
como professora que é, permanece sempre envolvida com a elaboração do projeto e com a
realização do curso e, assim, se posiciona: O currículo, de 2006, expressa um movimento que não começa agora. Expressa o esforço coletivo do CE
e, também, as condições de produção desse momento que é histórico, datado, personalizado, com a
aprovação dos PCNs da Pedagogia, também datado ali, a gênese da concepção de um novo profissional.
E que, de certa maneira, já entrava em sintonia com as entidades organizadas socialmente, com o
histórico do próprio curso que tinha na docência a base das habilitações, independente de qual o aluno
escolhesse. [...].
Segundo a professora P11, o currículo desenhado no PPC (2006), É o modelo de formação generalista que perpassa a política do MEC: ter o profissional generalista que
depois vai buscar suas especializações em nível de pós-graduação. [...] é um currículo que materializa
uma apropriação dos profissionais do Centro de Educação a partir de uma política, quer dizer, ele é a
forma como nós interpretamos essa política. Então, ela precisa ser avaliada, ter pesquisa para
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acompanhamento desde a entrada dos alunos. Não adianta acompanhar só no meio ou no final, mas
durante todo o processo, uma pesquisa longitudinal.
Com prudência, P12, professora substituta, alerta sobre processos de mudança: Acho que tem que ter muito cuidado com modismos que se abatem sobre o meio acadêmico. Mudança
curricular é uma mudança formal, protocolar e há algo mais do que isso. O grande mal da educação de
maneira geral, é que as coisas acabam ficando muito em termos administrativos e formais. As mudanças
acabam adquirindo um caráter só de papel mesmo.
Uma mudança implica, pois, atitudes de reciprocidade, de inteligibilidade, de reflexividade e
de solidariedade mútuas. Segundo P1, o PPC apresenta princípios orientadores, resultantes
das discussões coletivas, dos posicionamentos dos professores do CE que são múltiplos e
diferenciados em relação à base teórica que fundamenta o currículo: “[...] não existia só uma
concepção de currículo. O que é produzido, é escrito e vai sendo proposto para a
comunidade da Educação, vem sendo uma tradução desses esforços teóricos. [...] na
realidade, esse currículo expressa uma somatória de diferentes olhares teóricos [...]”. Na
ótica que tento ver o currículo, em conformidade com Santos (2006, p. 454), a hermenêutica
diatópica é uma metodologia que “[...] exige uma produção de conhecimento colectiva,
participativa, interativa, intersubjetiva e reticular”, que investe no conhecimento-emancipação
em detrimento do conhecimento-regulação.
Entretanto, não se pretende promover a completude entre as concepções das políticas públicas
e as concepções docentes, mas transformar a consciência inicial de incompletude, numa
consciência auto-reflexiva (SANTOS, 2006, p. 460). Apesar de discordâncias visualizadas no
processo, a ecologia de saberes e práticas, com a utilização da hermenêutica diatópica,
procedimento de análise e de discussão realizado-em-realização, possibilita a percepção das
incompletudes no processo de (re)elaboração curricular e contribui para a compreensão e a
busca de alternativas, perspectivando a inteligibilidade do ser-saber-fazer-poder. Para P1,
apesar das divergências e conflitos, há uma convergência de idéias entre os professores: [...] existia um ponto comum que integrava todas as visões, que era a necessidade de que esse vivido não
pudesse ser ignorado na trajetória da concepção do currículo. A proposta inicial não era imutável, não
estava fechada, nem acabada. Tinha professor defendendo mais um currículo de um tempo X, outra
defendendo determinada área.
Na verdade, o currículo traduz uma concepção pautada nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Graduação em Pedagogia (Licenciatura, 2006) e na sua configuração propõe-
89
se a considerar as teorias curriculares que vêm sendo discutidas nos meios acadêmicos e as
proposições da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE) e pelo Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades
Públicas Brasileiras (FORUMDIR), bem como as discussões do próprio Centro de Educação.
Poderia dizer que a base teórica que fundamenta o PPC (2006, p. 15-18), do CE/UFES, está
expressa na seção relativa aos “princípios norteadores” do referido projeto (que envolve
pequena e grande escala) que, de certo modo, implicam regulação porque subjazem às
orientações legislativas e, entre elas, destaco duas: “A consonância com muitos dos
pressupostos que configuram a organização curricular vigente”49; e “O compartilhamento das
idéias propostas pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE)50 e pelo Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das
Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)”.
Nesse sentido, P1 explicita com mais detalhe a proposta curricular: “[...] é um currículo que
tem transições horizontais e verticais, articulado em núcleos, em disciplinas que possibilitem
o olhar para o ensino, a pesquisa e a extensão. Ele coloca a pesquisa desde o início no cerne
desse fazer-se professor, enquanto um agente reflexivo da sua própria prática. [...]”. Essa
professora continua sua explanação para esclarecer a base teórica presente no projeto: Aí tem influência do cotidiano, [...]; os que vão defender uma posição teórico-prática, os que defendem
autores pós-estruturalistas ou estudos culturais, etc. Se você pegar o texto do projeto não vai aparecer
nenhum parágrafo fazendo discussão de currículo. Agora, se você fizer uma análise discursiva da
primeira à última página, você vai ver que tem uma coerência, um eixo de que profissional se quer
formar via esse currículo. [...].
49 Pressupostos: docência como base da formação profissional do professor; trabalho pedagógico como foco formativo; sólida formação teórica [...]; ampla formação cultural; contato dos alunos com a realidade da escola, desde o início do curso; pesquisa como princípio de formação; vivência pelos alunos de formas de gestão democrática; desenvolver compromisso social da docência; reflexão sobre a formação do professor (Diretrizes curriculares do Curso de Pedagogia, 1995, p. 3). 50 A ANFOPE defende uma organização institucional e curricular para formação desses profissionais, dentre eles o pedagogo que apresente como foco: a formação para o humano, forma de manifestação da educação omnilateral dos homens; a docência como base de formação profissional; o trabalho pedagógico como foco formativo; a sólida formação teórica em todas as atividades curriculares; a ampla formação cultural; a criação de experiências curriculares que permitam o contato dos alunos com a realidade da escola básica, desde o início do curso; a incorporação da pesquisa como princípio de formação; a possibilidade de vivência, pelos alunos, de formas de gestão democrática; o desenvolvimento do compromisso social e político da docência; a reflexão sobre a formação do professor e sobre suas condições de trabalho; a avaliação permanente dos cursos de formação dos profissionais da educação como parte integrante das atividades curriculares, e entendida como responsabilidade coletiva a ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico de cada curso em questão; o conhecimento das possibilidades do trabalho docente nos vários contextos e áreas do campo educacional (ANFOPE, 1992, apud ANFOPE, 2004, p.18-19) (PPC, 2006, p. 15).
90
A produção curricular implica, pois, um complexo processo de reestruturação da cultura e da
organização da instituição em todas as suas dimensões, como tem acontecido no Centro de
Educação (CE). Há o desejo e a expectativa de que a adequação curricular atenda à legislação,
mas corresponda, também, aos anseios de formação do Centro, às concepções de docentes e
discentes, que em alguns aspectos parecem distanciar-se do que é proposto pela legislação.
Observa-se a abertura da concepção curricular materializada nos três eixos citados pela
professora. Prudentemente, P1 lembra a política de avaliação do MEC que não pode ser
ignorada, pois estipula parâmetros a serem considerados na avaliação de um curso: A gente não pode ser ingênua de achar que vai desconstruir tudo que o MEC propôs, senão seremos
penalizados, o curso será mal avaliado, não titulam. Mas podemos recriar e inventar algumas coisas,
principalmente, as linhas teóricas. É um currículo pragmatista, voltado para a adequação de um
indivíduo que vai sair para o mundo do trabalho, dentro de uma perspectiva globalizada. [...].
É um modelo de currículo que parece ainda, estar atrelado à modernidade, mas existe a
possibilidade de reinvenção a partir de uma crítica da teoria crítica, de um agir na perspectiva
crítica-renovada, como muitos professores têm buscado fazer. Portanto, não se pode, na
elaboração-realização, desconsiderar a legislação e a regulação inerentes à hierarquização
organizacional, mas é possível enveredar pelas fissuras, usar a criatividade e a inventividade e
encontrar outros meios de escapar, de (re)inventar propostas alternativas que se conciliem
com o modelo do MEC e os anseios do Centro. Se a escolha for uma perspectiva
emancipatória, esta permite criar agenciamentos que possibilitem a expansão das dimensões
curriculares, que impliquem linhas de fuga, processos de desreterritorialização (DELEUZE;
GUATTARI, 1995, p. 17). Assim, para fazer o novo é imprescindível a (des)construção de
conceitos, de saberes, de fazeres, de poderes e de se abrir a outros possíveis, (des)arraigado de
idéias engessadas e limitantes. Mudar implica visualizar utopias realistas e plurais; é ter
audácia, integração, vontade para enfrentar os desafios, pois só a libertação permite o vôo, a
busca, o devir, mesmo correndo o risco de errar em alguns momentos.
Seria um processo emancipatório de produção de solidariedades, de forma participativa,
intersubjetiva com utilização da hermenêutica. Seu objetivo não é atingir a completude, mas
ampliar o diálogo (SANTOS, 2003, p. 444) que acontece ou deveria acontecer, neste caso,
entre a cultura do CE, a cultura expressa nas Diretrizes e as culturas das escolas. Santos
(2006, p. 87) define a hermenêutica diatópica como “[...] um exercício de reciprocidade entre
culturas que consiste em transformar as premissas de argumentação de uma dada cultura em
91
argumentos inteligíveis e credíveis noutra cultura”. Nesse sentido, a condição para que
aconteça o diálogo intercultural seria “o reconhecimento de incompletudes mútuas”
(SANTOS, 2003, p. 447). Nesse diálogo intercultural, a presença da cultura da Escola Básica
é imprescindível, porque é nela que futuros pedagogos irão atuar. Assim, a criação de uma
nova teoria crítica-renovada, poderia ser baseada no princípio de comunidade e na
racionalidade estético-expressiva, e nessa dinâmica, eu incluiria a racionalidade moral-prática,
sem a qual, penso que as demais não aflorem e nem se sustentem.
Características curriculares
Algumas características foram elencadas pelas professoras participantes contribuindo para
cartografar o novo mapa-currículo, como a formação centrada em três eixos, a inclusão das
Atividades Complementares, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), as disciplinas do eixo
de pesquisa, a formação do professor investigador e reflexivo, a integração entre teoria e
prática, a ampliação da carga horária do curso. Para P1, a mudança mais marcante e que vai
fazer diferença, é a própria concepção de Pedagogia presente no currículo e que está sendo
muito debatida no centro. O curso anterior era denominado “Formação de professores das
séries iniciais do Ensino Fundamental” e, agora, é “Licenciatura em Pedagogia”. P1 lembrou
que as “habilitações” foram agrupadas num só curso, orientado por três eixos: a docência, a
gestão e a pesquisa.
A professora P15 reafirma essa tríade, ressalta o lugar de cada disciplina e a luta pela
conquista de espaço de disciplinas relacionadas aos outros eixos que não a docência. Ela
destaca a questão da abrangência excessiva e da impossibilidade de uma carga horária
“normal” de um curso dar conta de tamanha diversidade como a que é proposta neste
currículo. A tríade aparece como eixo curricular nas Diretrizes Nacionais e, como não poderia
deixar de ser, nas Diretrizes do CE. P15 faz uma crítica ao que, hoje, está sendo entendido
como eixo: O parecer estabelece EIXOS, mas aí, cada um está entendendo como um conjunto de disciplinas que já
existiam; vou usar um termo pesado, assim como foi na nossa, acho que em outras universidades
TAMBÉM! Acho que na verdade, pegou o que tinha de velho e fez uma mudança assim: o que cabe nesse
eixo, naquele, sem pensar a idéia de EIXO, que é a articulação horizontal, vertical; você fala a idéia de
mapa, de rede, eu não entendo isso muito bem, mas NÃO É! Eixo não é grade!
92
No currículo anterior o eixo principal era a Docência para o Ensino Fundamental, com
obrigatoriedade de cumprir mais uma habilitação, a escolher entre Gestão Educacional,
Educação Infantil (EI), Educação Especial (EE) e Educação de Jovens e Adultos (EJA). O
novo currículo aponta para a formação de um profissional generalista, formado em Pedagogia,
abrangendo as dimensões da docência (professor do Ensino Infantil, Ensino Fundamental e de
outras opções docentes), da gestão (supervisor, orientador, diretor) e da pesquisa. Inclui um
leque de possibilidades e de necessidades de formação e para atender à nova proposta, a carga
horária do curso foi alterada de 2800 para 3410 horas.
O objetivo de todo curso profissionalizante é “preparar” o estudante para iniciar-se em numa
determinada carreira, o que não significa finalizar a formação. Portanto, para inserção no
magistério, a formação inicial é um requisito básico, como em outras profissões. Neste
currículo, as habilitações deixaram de ter vida própria e passaram a se constituir como um
bloco único de formação do pedagogo. Este curso forma pedagogos para a Escola Básica, que
vão elaborar e executar projetos, currículos que devem ser coerentes com a concepção de
ensino, de aprendizagem, de homem, de sociedade em que acreditam. Na formação, pois,
deverão discutir e aprender como fazer, por isso os formadores assumem um papel relevante
nesse processo, afirma P15. A seguir explicito algumas características curriculares que
emergiram nas narrativas das participantes.
1ª Característica: a tríade (docência, gestão, pesquisa)
a) Eixo da docência
Questionada quanto à docência não ser mais a base única do curso, pois fica em situação de
igualdade com os demais “eixos”, P1 falou: “Não é a base; ela está na tríade: docência,
gestão e pesquisa. E aí, é óbvio, acredito que essa mudança vai favorecer um novo
profissional”. A professora especificou porque e em que aspectos: Acho que tem uma prescrição curricular por mais flexibibilidade que queremos dar a ele, pois você pega
uma estrutura engessada; mas enfim, para que este currículo tenha movimento, vida, a cara das pessoas
que estejam fazendo na prática (alunos, professores, funcionários, pessoal técnico), as condições de
logística, econômicas, sociais. Tudo isso vai estar pautado para que esse currículo tenha o melhor
favorecimento ou não, na sua execução.
93
b) Eixo da gestão
A professora P15 ressalta sua luta pela conquista de maior espaço no contexto curricular para
o eixo da gestão: “[...] No princípio, tive uma sensação de estranheza, achei que o currículo
não contemplava a área de política e gestão educacional e que a ênfase na formação, no
currículo antigo, era muito voltada para a docência e só no oitavo período iam ver alguma
coisa de gestão, muito precariamente”. P15 afirma não entender que o curso todo tenha que
ser direcionado para a docência, só porque a base seja a docência. Ela continua: A base é a docente articulada à Pedagogia como Ciência da Educação, dos fenômenos educativos. E a
diretriz era muito clara de que um dos eixos da configuração do currículo seria a Gestão Educacional (e
não apenas a docência) e na proposta que foi apresentada à época pela comissão, a gestão tinha ainda
uma carga horária menor que na anterior. [...] Sugeriram que eu fizesse uma proposta para aumentar a
carga horária, eu fiz com inclusão de disciplinas ligadas à Gestão Educacional e a divisão da disciplina
em duas partes: uma Introdução à Gestão Educacional e depois no oitavo período, a Gestão
Educacional, propriamente dita. Passou com 595h; a minha sugestão foi garantir uma carga horária
maior.
c) Eixo da pesquisa
A professora P11 falou sobre seu entendimento em relação às disciplinas Pesquisa, Extensão e
Prática Pedagógica I, II, III e IV (PEPPs), e considera que existem posições diferentes sobre
essas disciplinas que são novas. P12, que é professora substituta, trabalhou com PEPP I e II e,
o que conhece do currículo, é apenas a sua prática pessoal com essas disciplinas. Sobre a
inclusão do eixo de pesquisa no currículo ela falou: Tudo a princípio tem potencialidades, mas depende de como vai ser feito. Acho interessante, tive essa
experiência agora com a minha turma; elas foram à escola pela primeira vez, sendo que na PEPP1, o
objetivo primeiro é trabalhar questões teóricas porque eles estão iniciando nesse universo teórico da
Pedagogia. Nós fizemos quase 70% das aulas em sala com estudos teóricos para dar a base. Depois
fomos à escola para que eles trouxessem a experiência de lá e a partir daí a gente pudesse pensar aquilo
que vimos anteriormente: a teoria. E foi essa prática que eles vivenciaram. Foi bem interessante.
Segundo a professora P12, o fator dificultador da realização dessa disciplina é a chegada às
escolas, que neste caso constituem o auditório e o CE, na pessoa do professor é o orador. É
uma relação retórica e, por isso, o auditório pode alternar para a posição de orador e fazer
argumentações, acerca do modo como acontece a presença de futuros pedagogos na escola.
Ela explica: As escolas estão superlotadas de estagiários, não só da UFES, mas de outros cursos de Pedagogia. Tem
escola que não quer receber, principalmente as desse entorno aqui, porque são as mais procuradas. Eu
94
consegui porque conheço muita gente, trabalho na Educação Fundamental há muitos anos. Toda escola
que fui, reclamaram dos estagiários e da forma como é feita essa participação. Eles pedem que haja um
projeto prévio do professor e que trabalhe junto com a escola; que não seja uma coisa formal,
administrativa do aluno ficar lá só olhando e NADA! Isso eles já estão muito cansados. _ Tudo bem que
vocês vêm aqui, mas venham com uma proposta.
2ª Característica: a flexibilização
Outro aspecto citado pelas participantes é a flexibilização presente na proposta, que
possibilitaria ao aluno cursar disciplinas em outros cursos e até em outras universidades, num
modo emancipatório de desfazer fronteiras e de inserção e atuação em outros espaços sociais.
A flexibilização está escrita no papel, mas na prática tem sido difícil a sua concretização,
porque os discentes têm que seguir a oferta do semestre/período, pois se deixarem para trás
alguma disciplina, no semestre seguinte encontram dificuldades em conciliar o horário. P3
explica sobre o funcionamento desse sistema engessado, como uma “grade” trancada e
fechada: A orientação do colegiado é que sigam o fluxo porque se ficarem em débito por algum motivo fica difícil
conciliar. Quanto à disciplina da dança (que uma aluna cursou fora da grade), falei: _ Aproveitem o fato
de estarem numa Universidade pública. Só a UFES oferece essa oportunidade! A disciplina pode entrar
(no histórico) como eletiva. Você agrega conhecimento, mas a carga horária obrigatória do curso é
demais! É pesada para que você consiga pegar outra coisa. A grade é realmente cerrada! O desejo que a
gente tem é que fosse flexível. Nós temos umas quinze disciplinas elencadas.
A professora P3 continua seus esclarecimentos: Falei pra eles: _ Não esperem que um dia, aquelazinha ALI vai ser oferecida, porque nós temos um
limite! E a brincadeira que se faz de chamar essas optativas de obrigatórias, tem sentido de ser, mas esse
é um limite que a gente reconhece que tem. O que nós podemos e que o colegiado recomenda é que vocês
busquem seus próprios interesses. Vão ao colegiado: _ Professora, tem um grupo de alunos que quer
fazer a optativa tal! Vocês vão oferecer? Vamos supor que o colegiado esteja oferecendo outra. _
Professora, vamos procurar um professor para essa disciplina! E aí eu disse: _ Essa é uma questão de
vocês. Para que as optativas sejam o mais próximo possível de vocês!
Mais uma vez percebe-se o mecanismo de distorção da realidade, em relação ao que se prevê
em documentos prescritivos. Nem sempre são possíveis de serem realizados, mesmo quando
desejados, como neste caso.
95
3ª Característica: a teoria-prática
A prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra e a teoria é um revezamento de uma prática a outra (DELEUZE, apud FOUCAULT, 1999, p. 69-70). [...] a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma prática” FOUCAULT,1999, p. 71).
A professora P8 fala com emoção sobre a relação experienciada no seu trabalho com as
discentes. Essa paixão, de que fala a professora, está presente na subjetividade barroca que
vigora em processos de transição quando se busca a emancipação. A emoção e a paixão são,
assim, componentes da utopia que alimenta o barroco. É muito lindo e oportuniza, à Universidade, a visita permanente ao chão da escola, não por um olhar frio
de alguém que não pertenceu aquele meio, mas com um olhar de alguém que viveu ali. De um jeito ou de
outro pode ter acesa a chama da paixão por aquilo que viveu lá atrás e agora ela pode perceber pela
escolha do curso que fez. Isto tem sido muito rico (P8).
Concordo com Linhares (1999, p. 40) quando afirma que “Nesses últimos anos, um dos temas
mais discutidos tem sido o divórcio entre teoria e prática com sérios desdobramentos, tais
como: abismos que não param de crescer entre a vida e a escola [...]”. No PPC (2006), a
questão relativa à integração teórico-prática é muito significativa. Segundo P6 este currículo
“[...] tem como proposta-eixo tentar superar o distanciamento ou a dicotomia teoria e
prática. [...]. É uma recomendação muito forte. [...] Se a gente conseguir trabalhar uma
complementando a outra, juntas, o trabalho vai ficar interessante”. Como professora e como
coordenadora de um dos núcleos de ensino do CE, P11 participou de perto da elaboração do
novo currículo e assim se posiciona: Acho que há uma carga excessiva de prática nesse currículo, tanto de estágio, quanto de prática como
componente curricular para atendimento do que é colocado em nível nacional. Isso acabou retirando um
espaço e um tempo de carga horária de algumas disciplinas teóricas, que poderiam ser teórico-práticas,
porque na minha perspectiva toda disciplina tem que fazer essa relação entre o conteúdo e a prática, o
vivido, como aquele conteúdo pode ser utilizado pelo futuro-pedagogo ou pelo professor da Educação
Infantil e de 1ª a 4ª séries.
Fernandes e Fernandes (2005) falam sobre a ênfase na prática: “[...] a concepção da prática
posta como condição fundante de referência para a formação do professor em formação tem
trazido um risco de aligeiramento dessa formação, deslocando a discussão da práxis nos
processos formativos e provocando um certo esvaziamento da teoria”. A relação teoria-prática
propicia a integração, tanto das disciplinas teóricas com das disciplinas de caráter mais
96
prático, como entre docentes, entre a instituição formadora e a instituição em que os futuros-
pedagogos irão trabalhar. P6 assim se expressa: “Aí entra uma outra característica,
fortemente, marcada que é a questão da prática pedagógica ou seja, a gente possibilitar a ida
dos nossos alunos à escola, ao campo onde vão atuar, isto está fortemente colocado no nosso
currículo”. Nesse sentido, a professora P8 referiu-se à importância das relações que se
estabelecem a partir das interações com a escola: Cabe a nós professores, potencializarmos a relação teoria e prática. E aí, nessas visitas estabelece-se um
laço novo de contato real entre Universidade e Escola, porque as alunas relatam sobre convites que
recebem para falar para as crianças sobre a escola de ontem, sobre o que estão estudando hoje, às vezes
são convidadas para trabalhar na escola como eventual substituta; elas reatam os elos com a escola.
Na a sua disciplina, P10 tem oportunidade de fazer essa aproximação trazendo vivências para
a UFES. Esse movimento de ir-e-vir, centro-escola-centro, que alunos fazem nas diversas
disciplinas, implica permanentes processos de desretorritorialização. Eles trazem as vivências deles, dos irmãos e, alguns poucos, já trabalham. Isso enriquece muito. Mesmo
esses alunos que vieram do Ensino Médio têm as experiências que viveram como alunos. A gente fala: _
Olha só, você está vendo de um ponto de vista, vamos ver de outro. Eu tento ter esse cuidado de não tirar
a culpa de um e botar no outro, de não cristalizar essa questão de culpa, do saber (P10).
A elaboração de projetos intra-inter-transdisciplinares relacionados a possíveis ênfases
favorece a criação de espaços para que professores possam reunir-se, planejar, integrar-se,
pois as reuniões de departamento são, basicamente, administrativas. Nesse sentido, a
professora P11 explica sobre a prática, materializada em projetos integradores: Eu acho que as 400h de prática como componente curricular, só com a criação de algumas disciplinas
com nome laboratório, que não é o caso da Pedagogia que ficou como Pesquisa, Extensão e Prática
Pedagógica (PEPP), com responsabilidade de um professor, não é suficiente [...]. Essa disciplina não
tem apenas que apresentar as atividades de pesquisa e extensão realizadas no Centro de Educação; isso
não se constitui em espaço integrador.
P11 considera que é preciso ir além da criação da disciplina PEPP: Ela deveria organizar projetos de extensão, de pesquisa ou congregar projetos de diferentes professores
para integrar as áreas de conhecimento. Se ela está alocada no primeiro período, cabe perguntar: _
Quais são as disciplinas desse período? Que conteúdos são trabalhados? Que projetos posso construir
enquanto professor responsável por tal disciplina? Chamar, então, os demais professores (para
participar) e possibilitar ao aluno ver como se relacionam aqueles conteúdos na prática docente e na
prática pedagógica do professor de primeira a quarta série, da Educação Infantil.
97
De acordo com a professora P15, o currículo “[...] está atendendo a uma exigência legal, mais
que isso, nós não temos articulação ALGUMA entre nós mesmos, professores, [...]. São
muitos substitutos, [...]”, e discorda de que esteja ocorrendo a tão propalada integração. Sobre
a organização e planejamento das atividades da instituição, Linhares (1997, p. 100) afirma
que “Sem definir uma direção educativa, as articulações entre teoria e prática se pulverizam,
[...]”, elas se perdem no contexto da realização curricular, por isso surge a necessidade de
proliferação de comunidades interpretativas e de um permanente processo de inteligibilidade
fundado na ecologia de saberes e de práticas.
4ª Característica: TCC
Segundo a professora P6, “Outra coisa que dá um novo caráter ao currículo é o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) [...]”, pois esse tipo de atividade pode promover a integração
entre conhecimentos de diferentes disciplinas, a vivência em trabalho de pesquisa e a
elaboração de texto científico.
5ª Característica: Atividades Complementares
Neste currículo foram reservadas 200 horas para a realização de Atividades Complementares,
destinadas a eventos diversos. No entanto, a curta duração do contrato de professores
substitutos, a descontinuidade nas disciplinas (assumidas por eles) e nos processos cotidianos
têm dificultado a ocorrência dessa integração.
Além das características que se fizeram presentes nas discursividades docentes, algumas
professoras destacaram outros pontos que consideram significativos no currículo do curso: Houve preocupação em adequar o currículo às novas diretrizes, às demandas da formação mais
generalista do pedagogo (P18). (atendimento às exigências legais)
Esse novo currículo [...], tem muita coisa para se ensinar em pouco tempo, precisa de uns quatorze anos
para dar conta de tudo que as diretrizes estabelecem no perfil desse novo pedagogo. [...] (P15).
O curso de Pedagogia é profissionalizante (P11).
Eu achava estranho, modalidades de ensino tipo Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação
Especial (EE), serem habilitações. [...] (P15).
Foi preciso reduzir a carga horária de disciplinas específicas (P18).
É o modelo de formação generalista [...]: ter o profissional generalista que depois vai buscar suas
especializações em nível de pós-graduação. [...] (P11).
Já que é esse o currículo que a gente tem, vamos pensar pelo lado positivo, as possibilidades dele (P2).
98
Um currículo traz no seu bojo uma multiplicidade de realidades, necessidades e de
possibilidades (categorias modais de existência), utopias que Santos (2006, p. 205) entende
como “[...] a exploração, pela imaginação, de novos modos de possibilidade humana e de
estilos de vontade fundada na recusa em aceitar a necessidade da realidade existente apenas
porque existe [...]”. Essas mudanças dão um caráter novo ao currículo, mas não eliminam a
preocupação ante esse novo que nem sempre é coerente com o pensamento de alguns ou com
as necessidades de muitos e expressa incertezas, sempre presentes em processos de transição,
por exemplo, na dúvida de como integrar os saberes que se sabe (da experiência de currículos
anteriores) com os saberes que se desconhece (presentes na nova estrutura curricular, como as
200 horas de Atividades Complementares). A ecologia de saberes e de práticas possibilita a
inteligibilidade acerca dessas questões.
A vice-diretora do CE participa na administração e no ensino, como professora do curso;
então vivencia o cotidiano sob diferentes pontos de vista. Concorda que o currículo traz
modificações-inovações que podem contribuir para uma formação docente mais coerente com
as exigências do mundo atual, com as exigências que estão sendo colocadas, hoje, na escola e
com as quais o professor se defronta. Ela não tem clareza se a extinção das habilitações vai
contribuir para a melhoria da formação. Para a professora P5, o projeto do CE parece manter
o que já existe: “Não sei se é uma análise muito simplista, mas o PPC do Curso Superior
reproduz o espaço da escola; ele não entra com uma proposta para quebrar os paradigmas
do que a gente encontra na escola e a gente encontra, na verdade, é a reprodução do mesmo
modelo”.
Penso que para quebrar paradigmas do que se vê na escola seria preciso antes, quebrar os
próprios paradigmas do curso. Essa afirmação faz refletir se é o Centro que reproduz a escola
ou se é a escola que reproduz o que se faz no centro, porque nele são formados pedagogos,
são produzidos saberes-fazeres-poderes e subjetividades. Entretanto, poderia pensar com
Santos (2006, p. 18) que afirma: “[...] o novo constrói-se a partir do velho e o velho, longe de
ser apenas um campo de bloqueio, é também, um campo de oportunidades”. Esse autor sugere
a criação de um novo senso comum a partir do presente. Seria um trabalho realizado pela
retórica, entre o curso (orador) e a escola (auditório), pela criação de redes de comunidades,
pela identificação de topoi gerais, ou seja, de pontos de vista comuns, partilhados pelas duas
culturas. A emergência de um novo paradigma surgiria do paradigma já existente; o PPC,
também, partiu do já existente para criar um novo currículo.
99
A professora P4, considera que o novo projeto de curso vai “[...] acabar com a distinção da
gestão e da docência no interior do universo da cultura escolar. Porque a gente sabe do
histórico de rivalidade entre pedagogos e professores no chão da escola!”. No entanto, P3
acredita que ainda continua a separação entre as funções docente e não-docente, devido à
necessidade de identificar quem é quem dentro da escola (professor e/ou pedagogo), porque
os profissionais desempenham papéis diferentes e ocupam lugares, também, diferentes na
instituição. Ela explica: Os termos não estão muito claros ainda, o que é magistério, função docente. Atualmente eu uso a
seguinte categorização: o pedagogo-docente é aquele que tem exercício em sala de aula, contato direto
com aluno, regular, sistemático, etc., seja no Ensino Infantil ou Ensino Fundamental; e o pedagogo-não
docente, aquele que tem funções de gestão na escola, que tem frentes diversas de trabalho. Como eu
trabalho com gestão, sinto necessidade de dizer de qual pedagogo estou falando, porque são
responsabilidades distintas: se sou professor, tenho tais responsabilidades; se estou na gestão, tenho
outras. Sinto necessidade de fazer essa diferenciação.
P11 admite que “Nem todo mundo que atua, hoje, no curso de Pedagogia tem clareza do que
é competência, habilidade, do que significa um currículo, porque isso é uma opção teórica!”.
Ela continua: “Se você pegar, não só o curso de Pedagogia, mas o próprio documento de
Diretrizes para formação de professores da UFES há um modelo de competências e
habilidades posto aí! Será que os professores têm realmente consciência, os coordenadores
de curso, os profissionais, todos que estão envolvidos?”. O que seriam as habilidades e as
competências de que falam as Diretrizes Nacionais e o próprio PPC, quanto às habilidades?
Percebe-se, nas práticas discursivas das participantes, a intervenção, a marca do Centro de
Educação, o desejo de manter suas concepções, pois muitos professores discordam da
concepção presente nas Diretrizes Nacionais calcada no desenvolvimento de “habilidades e
competências”.
Outros aspectos do PPC
Diversos outros aspectos que atravessam e são atravessados na-com a realização cotidiana do
currículo, emergiram nas conversações: a matriz curricular, a intra-inter-transdisciplinaridade,
encontros da comunidade educativa, a relação discente com a Escola Básica, as ênfases, a
estrutura organizacional, horário das aulas, reestruturação dos departamentos, núcleos,
biblioteca, laboratório de informática.
100
1) A Organização curricular
A organização disciplinar do currículo implica uma manifestação de poder, porque “[...]
funciona como uma maquinaria, como uma máquina social” (MACHADO, apud
FOUCAULT, 1999, p. XIV), que não fica num lugar especial, mas se espalha por toda a
parte, num processo relacional e implica a disciplinarização do cotidiano, “[...] do ensino e a
utilização do exame como estratégia de controle e vigilância; [...]” (EIZIRIK, 2005, p. 70).
Onde há poder há resistência e esta ocorre dentro da própria rede de poder; não existe um
lugar definido para a o exercício da resistência, mas pontos móveis espalhados na estrutura
social.
Disciplina é, pois, “[...] uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de
poder, [...]” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVII). É um modo de organizar o
espaço, é controle do tempo, é vigilância, é registro de conhecimento. Machado refere-se a
uma “pirâmide de olhares”, que no caso do CE, eu diria ocorrer nessa sequência: direção,
colegiado, departamentos, professores, alunos (sequência que na emancipação, pode ser
invertida) que tem como objetivo “[...] tornar o homem “útil e dócil”” (MACHADO, apud
FOUCAULT, 1999, p. XVIII). Assim, ao agir sobre um grupo confuso e desordenado, “[...] o
esquadrinhamento disciplinar faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o
indivíduo emerge como alvo de poder” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XIX).
Apesar das mudanças incluídas no PPC (2006), a estrutura curricular do curso continua no
modo de organização disciplinar, que constitui uma prática de colonização, de sujeição, ou
seja, de disciplinarização dos conteúdos curriculares, das ementas, das ações, dos horários,
dos prazos institucionais, da distribuição de espaços e de disciplinas entre departamentos e
docentes, de carga horária, de horários de aula, de formas de produção de fronteiras. Nesse
sentido, Foucault (1999, p. 180) afirma que “Afinal, somos julgados, condenados,
classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou de
morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder”.
Em seus estudos, Gallo (2002, p. 21) aborda a compartimentalização dos saberes e dos
currículos escolares e lembra que a disciplinarização não reflete, apenas, a
compartimentalização dos saberes científicos, mas, também, a questão do poder. Saber e
poder possuem um elo de ligação pois conhecer é dominar.
101
A Educação, como forma potencial de poder, é permeada por mecanismos de controle sobre o
aprendizado, e a compartimentalização do saber e o exercício de formas particulares do poder
na escola, são sustentados e intensificados pelo aparato burocrático escolar. Atuar numa
perspectiva emancipatória poderia provocar a quebra de fronteiras disciplinares e relacionais e
professores poderiam-deveriam participar no rompimento dessa tradição alienante,
(re)significando a compartimentalização, fluidificando fronteiras, conforme as possibilidades
existentes (experiências disponíveis e possíveis). Assim, a intra-inter-transdisciplinaridade
poderia ser exercitada na formação para que futuros-pedagogos da Escola Básica, já tivessem
vivenciado essa experiência ao chegar à escola como docentes. Eles se sentiriam seguros, na
Escola Básica, em percorrer um caminho integrador, transversal e aceitar, ou recusar, esse
modo de trabalhar o conhecimento.
Tal proposta não surgiu por acaso. Desde meados do século XX o movimento histórico de
especialização na produção dos saberes, começa a não dar conta de responder a certas
questões da realidade, por exemplo, questões de ecologia. Para pensar a possibilidade de uma
educação não-disciplinar (GALLO, 2002, p. 29) é preciso visualizar o conhecimento de
modos diferentes do paradigma dominante. As ciências relacionam-se todas com seu “tronco
comum”, mas não conseguem relacionar-se entre si, no contexto desse paradigma; a metáfora
da árvore já não dá conta. Assim, o paradigma rizomático (DELEUZE E GUATTARI, 1995)
rompe com a hierarquia do conhecimento, apresentando novas possibilidades de trânsito
encontradas na transversalidade (GALLO, 2002, p. 32). Porém,
A epistemologia foucaultiana mostra também que a disciplinarização é histórica. Quando nos deparamos com a compartimentalização do saber nos currículos escolares, buscamos na prática interdisciplinar uma tática de rompimento que permita superar suas limitações, mas sem atentar para o fato de que afirmar o interdisciplinar é afirmar o disciplinar (GALLO, p. 94-5).
Conforme Santos (2006, p. 147), “Defender as fronteiras significou, em muitos casos, a
diferença entre a consolidação ou a fragilização de novas disciplinas ou domínios científicos”,
como ocorre em situações de mudanças, neste caso, curriculares, em que cada um defende sua
área como importante, ressalta a necessidade de reduzir carga horária de algumas, para incluir
outras disciplinas. São situações de conflito em que, nem sempre, vigoram os interesses e
necessidades de formação dos alunos. Esse autor lembra que muitas áreas inovadoras do
conhecimento científico surgiram em territórios de passagem, nas fronteiras. Ele (2006, p.
147) não fala de interdisciplinaridade, forma de colaboração que respeita as fronteiras entre as
102
disciplinas, mas de um trabalho de fronteira que pode gerar novos objetos, novas
interrogações e novos problemas e, na pior das hipóteses, levar à colonização de novos
espaços abertos. A seguir, serão discutidos alguns aspectos fundamentais do PPC, que
emergiram nas narrativas das participantes, como: matriz curricular e intra-inter-
transdiciplinaridade, comunidades necessitam encontrar-se e relação discente com a escola
básica.
O documento do PPC (2006, p. 5) apresenta uma nova matriz curricular51 para o curso de
Pedagogia, considerada “[...] mais adequada às orientações das diretrizes e aperfeiçoada
através da eliminação dos problemas detectados na matriz curricular atual, que vigora desde
1995”. Nela, estão distribuídas as disciplinas do curso conforme a nova estrutura. Nesse
sentido, algumas professoras expõem seu pensamento acerca das disciplinas que constituem a
nova matriz curricular. A professora P15 questiona o elenco de disciplinas que reforçam a
docência como eixo principal e algumas inovações curriculares: A base é a docência, mas quais disciplinas traduzem essa base, que orientação, que articulação,
horizontal, vertical? Eu acho que a gente vai precisar, talvez, fazer uma avaliação no meio desse
percurso. Essas atividades que não são realizadas na sala de aula vão ser um verdadeiro desafio para a
gente, não é? Seminários, Atividades Complementares... Acho que essa história de Prática Pedagógica
também, não se sabe bem o que é, não trabalhei, não sei nem como chama direito, mas tem aqui.
Professoras de diversas disciplinas abordam e discutem o lugar (ou não-lugar?) que sua
disciplina ou área de atuação ocupa no contexto da nova matriz curricular: [...] O que eu venho acompanhando da disciplina de Arte é que o espaço dessa disciplina no currículo
diminuiu: a carga horária passou de 120 para 60 horas. (como aconteceu com Matemática e com
Ciências), na segunda versão do currículo e agora na terceira, se a gente não gritasse, ela passaria para
30 horas. Então ficou uma indagação: que formação é essa para um pedagogo, que exclui, diminui a
arte?! (P5).
Para a professora P17, a Matemática continua na mesma situação do currículo anterior e teve
pouca mudança. Ela disse: O programa de disciplina, a ementa, ela foi atualizada. Agora, você sabe que quem experimenta o
currículo não é o papel; o papel está modernizado, mas não modificado, não se inventou nada, até
porque já tínhamos o PCN que é anterior ao currículo novo e a Matemática que se ensina na Educação
Fundamental é a mesma e na Educação Infantil, também. Nós só atualizamos: no programa colocamos
51 Ver anexo neste capítulo.
103
novos autores, mas a estrutura do curso, o coração, a parte dura da ementa é a mesma. O que estamos
fazendo é nos aprimorar mais.
Com a professora P14 conversei sobre a disciplina Alfabetização. Esta é considerada
inconclusa, processual, prossegue ao longo da vida. Na formação do pedagogo, o leque da
alfabetização deve abrir-se porque na estrutura curricular anterior ela se restringia ao pré e à
Educação Fundamental; agora deve abranger toda a Educação Infantil e incluir ainda, o papel
do pedagogo não-docente na alfabetização. P14 admite: “Em relação a isso, acho que as duas
disciplinas Alfa I e II contemplam, porque trabalham a formação do alfabetizador e do
pedagogo. O ensino de jovens e adultos não é contemplado, mas tem espaço na grade para
falar de Educação de Jovens e Adultos”. Professoras de disciplinas que são trabalhadas na
Escola Básica, como Ciências e Matemática, argumentam sobre a redução da carga horária,
para redistribuição em favor de outras disciplinas que, se por um lado, resolve o problema da
inclusão de disciplinas novas, por outro, dificulta a realização de suas disciplinas que têm
caráter e conteúdo específicos e fundamentais no ensino de crianças, adolescentes e adultos. A
professora P18 fala: O pessoal da área específica sentiu porque teve necessidade de reduzir a carga horária de Ciências,
Matemática, áreas que também fazem parte do currículo do Ensino Fundamental. Teve que ceder lugar
para outras que não são menos relevantes, que são as disciplinas voltadas para a formação, para a
pesquisa, prática pedagógica, prática de extensão, educação especial, educação inclusiva. [...] quando a
gente vem do contato permanente com as aulas, especialmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
nota lacunas na formação de professores nessas áreas.
A área de Ciências, na matriz curricular anterior, era contemplada com duas disciplinas de 75
horas cada e a professora P18 considerava pouco tempo para trabalhar Conteúdo e
Metodologia para todo o segmento do Ensino Fundamental. Ela se ressente porque “Agora só
tem UMA de 60h!” e a discussão deve incluir, também, a Educação Infantil. A redução de
carga horária de disciplinas que tratam, diretamente, do conteúdo e da metodologia de áreas
de conhecimento com que as docentes irão trabalhar na Escola Básica, tem sido motivo de
preocupação para professoras dessas áreas. Como professora que fui, na Escola Básica, como
professora de Estágio que sou na Universidade e trabalhando com formação continuada de
professores, percebo, assim como outras profissionais, que no Ensino Fundamental nas áreas
de Ciências e Matemática há uma lacuna que parece ser maior do que em História, Geografia
e Português.
104
Por exemplo, no Centro de Educação tem um laboratório de Ciências cujo espaço não
comporta uma turma, nem dá para guardar os artefatos utilizados nas aulas. P18 disse: _
“Você chegou aqui (na sala de estudos da professora) e falou: _ Ah, o laboratório aqui
(materiais estavam expostos nas prateleiras de um armário)”. Essa professora ressalta a
importância do trabalho teórico-prático: não basta só falar o que o futuro-professor deve fazer,
mas oportunizar a experiência como estudante, na perspectiva de realização do trabalho com a
criança, posteriormente. E complementou: Isso é material que eu compro, produzo, é material produzido por aluno durante as aulas. Talvez, durante
muito tempo não tenha tido no currículo, essa perspectiva da importância da prática experimental, essa
dimensão mais prática, mais concreta das ciências. Então a gente não tem uma sala com pia, com
material adequado para prática de laboratório, a não ser a sala 2, lá embaixo que é maior e acaba sendo
utilizada para disciplinas com número maior de alunos, como não pode deixar de ser. Eu já tive, com os
alunos, de ir lá para fora do prédio, para mexer com fogo, com produtos químicos, até porque a
disciplina de Ciências, para a Pedagogia, precisa despertar ESSE INTERESSE, RESGATAR A
CURIOSIDADE, que a escolarização parece que tira da gente!
A professora P16 falou sobre a visão de totalidade do ensino, a perspectiva de homem, de
sociedade, de Educação que a Didática vê e estuda. Mas a disciplina Didática continua com
60 horas de carga horária como era antes e quem trabalha com ela sempre considerou o tempo
escasso, para esse saber-fazer do ensinar-aprender e do aprender-para-ensinar. Ela disse: _
“Que fazer estou querendo propor?! É não trabalhar numa perspectiva de receitas com
elas”. Não de receitas, mas de aprender-a-saber-fazer para depois ensinar. Nesse sentido,
Garcia (1996, p. 31) sugere: “Podemos fazer outra leitura de seu aparente pedido por receitas,
identificando em suas falas o desejo de encontrar formas de melhorar a sua prática
pedagógica”. Quanto à relação com as demais disciplinas do período em que atua, essa
professora disse: Eu não tenho relação com as demais disciplinas. Essa é uma dificuldade que tenho aqui pela própria
estrutura da Universidade, do Centro. Não existe um momento de conversa, não existe uma organização
que propicie aos professores deste Centro (de Educação), pelo menos é o que eu senti, discutirem (suas
práticas). [...] (P16).
Segundo P1, nas disciplinas PEPPs já está sendo feita uma articulação desde o começo da
implantação do curso: É óbvio que frente à estrutura de desmantelamento do centro, de precariedade, muitas vezes, o
departamento não consegue nem ter um planejamento específico. [...] se hoje nós quisermos fazer um
planejamento estratégico, uma discussão pedagógica de quem somos, de que maneira vamos dar
105
organicidade a esse currículo, é praticamente impossível. Nós não sabemos quais professores vão ser
contratados no lugar dos que vão sair porque encerra o contrato. Eu não sei ainda qual demanda os
departamentos vão colocar. A gente teria que ter uma consonância interna estrutural [...]. A gente tem
um exemplo bem fiel, professor da Filosofia, da Psicologia, das Ciências Sociais, da Educação. Para esse
professor que, minimamente, conseguir fazer essa conjugação, ele vai se deparar aqui com dificuldade de
estrutura, porque eu posso até achar um lugar, um horário possível para os três que são do CE, mas não
necessariamente de forma a acomodar os três que estão vindo de outros departamentos, especialmente,
para dar aquelas disciplinas para o curso de Pedagogia. O envolvimento na educação é diferenciado
porque haveria de se ter grandes e muitos, muitos momentos formativos e debates pedagógicos não só
com o curso no qual ele está vinculado, mas frente aos departamentos que oferecem disciplinas para
esses cursos, também.
As disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III e IV (PEPP), incluídas na
nova matriz curricular, objetivam a aproximação com a escola e com sua prática. Para P12, É uma disciplina em que eles têm que ser autores, tem que ser protagonistas, isso que é diferente. Eu
falo: _ Agora é tarefa de vocês! Vocês é que têm a idéia dessa produção, não é? Sair um pouco desse
lugar de facilidade. O professor está ali, explica, ouve. Hoje até me aborreci com uns aqui; depois eu fico
com pena, mas você fala 500 vezes a mesma coisa e eles não escutam... é impressionante! Parece que
estão na 5ª série. Não escutam, têm o programa, eu falo isso, e escuto: _ Professora, que é isso? _ Isso
está no programa de vocês, no e-mail que passei, escrevi lá tudo como era para fazer, a organização [...].
_ Isso me impacienta!
Em sua experiência com a disciplina de Pesquisa, a professora P2 falou sobre a integração que
tenta fazer com os saberes das demais disciplinas: No semestre passado, no primeiro período, eu tinha uma preocupação de dizer para eles: _ Me parece
que a disciplina Pesquisa, da forma como eu trabalho, não ficou tão bem localizada nessa organização
curricular. _ Eu também estou aprendendo a ser professora de pesquisa, porque vocês não têm algumas
coisas básicas, e não tinham mesmo que ter, que no segundo período quando eu pegava essa disciplina,
os alunos já tinham, porque já haviam feito História da Educação, Filosofia, Sociologia. Então, eu falo
algumas coisas que vocês não viram ainda, mas vão ver. No segundo período, essa disciplina fica mais
fácil. Então, como vamos ver? Muitas vezes, eu penso o que vocês estão vendo em Filosofia, Sociologia e
vamos fazendo os nexos entre as disciplinas do período e dizia para eles: _ Isso aí, quando vocês viram
na disciplina, para ficar um pouquinho mais fácil... mas dá uma olhada, comenta com o professor o que
vocês estão vendo! Não estava fazendo nada tão especial, mas estava tentando facilitar a minha vida e a
deles. Isso confirma a nossa preocupação.
A importância das interações, em particular para realizar disciplinas novas como as PEPPs, é
esclarecida, pela professora P6:
106
Enquanto a gente não consegue articular os professores para uma política do centro, posso dizer o que
eu estou fazendo com as disciplinas PEPP; estou trabalhando com a III. Foram dadas a I e a II e aí a
gente acompanhou um pouco dessa disciplina e viu que o que estava sendo feito ainda precisaria ser
aperfeiçoado para se aproximar um pouco mais. Nesse início de semestre, sentamos com os professores
dessas disciplinas para discutir. A gente está envolvida com as Atividades Complementares, a não ser que
tenha um outro professor para ajudar a pensar o Trabalho de Conclusão de Curso. Para você ver, as
demandas são muitas e nós somos poucos. Nesse caso é o possível de se fazer no momento.
Essa professora relata sua experiência com a disciplina Pesquisa, Extensão e Prática
Pedagógica III (PEPPIII) e lembra que para desenvolvê-la, precisava saber o que tinha sido
trabalhado na I e na II, por outras professoras. Com isso, percebeu que houve uma
compreensão equivocada sobre essas disciplinas. Assim, na PEPP I e na II, as professoras
entenderam que era para as alunas escolherem o tema para fazer a pesquisa para o TCC.
Quando chegaram na III, a professora P6 falou: _ Não é isso! O TCC é mais para frente. A I (primeiro período) seria pegar os Fundamentos da Educação
e trabalhar com os alunos, trazer um pouco da prática junto com a teoria. Isso seria na Introdução, na
PEPPI e talvez na II. Na III, tem uma proposta de estudar, fazer pesquisa, ver concretamente na escola.
No ano que vem (2008) eu vou ficar com a responsabilidade pela II. Nela você estuda os sujeitos: a
criança, o adolescente, o adulto, entendeu? Tomar esse conhecimento e na III, quando demos este ano,
são as metodologias de ensino. Você vai ver nosso trabalho. Quem está no quarto período não teve dessa
forma. Eles ficaram só na pesquisa; em cada período começava um projetinho de pesquisa novo,
pensando no TCC. Agora não: eles fizeram uma pesquisa de fato e foram à escola.
Para evitar a repetição de situações como essas, P6 e sua colega da mesma disciplina tomaram
algumas decisões: Nós tomamos a decisão política de assumir essa disciplina, [...] porque estava saindo tudo fora dos eixos.
Então nós estamos construindo essa disciplina. Claro que a gente errou, não deu tudo certo como a gente
quis, mas resolvemos bolar um programa! Essa ementa vira um programa, para deixar, caso outros
professores novos que cheguem, não conheçam e pegarem, já tem alguma coisa feita. Estamos tentando
não perder esse eixo do nosso curso de Pedagogia, então eu vou pegar a II para construir essa base de
continuidade numa turma nova. Quem pegar depois vai ter idéia do que a gente estava pensando, vai
pensar nessa articulação, mas tudo tem uma lógica! Porque EU PARTICIPEI DA ELABORAÇÃO!
(ênfase).
Portanto, atuar numa perspectiva emancipatória implica a promoção de um diálogo
intercultural entre departamentos, docentes, discentes, escolas, na perspectiva de fazer
proliferar comunidades interpretativas, cujo topos é “um conhecimento prudente para uma
vida decente”. E, assim, criar subjetividades inconformadas e combativas, que não se
107
acomodem aos modos de ser-saber-fazer da modernidade, mas que busquem, nesse mesmo
espaçotempo em que atuam, possibilidades de viver melhor, de trabalhar e de produzir saberes
solidários.
2) A Intra-inter-transdisciplinaridade
Só uma perspectiva emancipatória, imbuída do princípio da comunidade, da racionalidade
estético-expressiva e da racionalidade moral-prática, possibilita um processo de integração
como o que o PPC propõe, ou seja, um trabalho interativo entre professores, alunos,
disciplinas, funcionários, departamentos, núcleos, instituições. A professora P5 assim se
expressa: “Eu tenho uma expectativa de que, talvez, se todos nós percebermos essa
(necessidade de) integração maior entre as disciplinas, a gente também vá ao encontro do
outro, que está tão escondido, tão oculto para a maioria de nós. Essa é a expectativa que eu
tenho: que a gente possa perceber melhor esse outro”. As alunas, também, percebem que há
relação entre as disciplinas e dizem: O curso de Pedagogia é interdisciplinar, pois todas as matérias falam de todos os assuntos (A).
[...] uma matéria lembra outra; elas são bem associadas (A).
A gente aprendeu em Filosofia, Sociologia uma vai para um lado e a outra vai para outro, mas é o
mesmo tema, se juntar passa a ter uma mesma idéia (A).
Desse modo, discentes vão identificando saberes-fazeres-poderes próprios da profissão
docente e suas relações com outros saberes, bem como as possibilidades de se realizar um
trabalho intra-inter-transdisciplinar. Nessa perspectiva integradora, Cunha (1998, p. 69)
afirma que “[...] os próprios estudantes pressionam a interdisciplinaridade forçando os
professores a pelo menos se inteirarem do trabalho de uns e de outros”. A professora P14
corrobora a posição dessa autora dizendo: “Isso quem tem feito são os alunos; infelizmente os
professores não têm feito. Eu, como professora substituta, talvez tenha mais dificuldade”. E
continua dizendo: “Acho que faltam encontros, planejamentos coletivos! Como a gente vai
trabalhar esse assunto [...]. Falta espaço-tempo para falar sobre planejamento, sobre alunos.
Às vezes a gente conversa no corredor: _ Ah, sabe o Fulano, está com esse problema. Por
que não tem espaço para falar disso?!”. Para as docentes, falta vivência cotidiana como
numa comunidade interpretativa; faltam oportunidades de socialização das concepções, dos
conflitos, para uma maior inteligibilidade do PPC, caso contrário, sua realização pode
continuar como na perspectiva anterior. As discursividades de alunas indicam que há
professores que ainda trabalham referindo-se, somente, ao Ensino Infantil ou ao Ensino
108
Fundamental, sem integrar todas as dimensões da formação, ou seja, a tríade, já que vai
formar o pedagogo generalista.
A professora P14 explicita a integração, um princípio do novo currículo, que deve ser
trabalhado na perspectiva intra-inter-transdisciplinar: Eu já falei da articulação que os alunos fazem com as outras disciplinas e a relação que fazem com as
escolas do Ensino Fundamental. O que eu acho, às vezes, ruim é a maneira que isso aparece muito
generalizada, até pessimista do cotidiano escolar. E eu dizia sempre que eu era muito otimista e
começava a mostrar que tem muita gente que faz a escola e faz bem-feito. Muitas crianças estão
aprendendo, sim! Eles trazem um retrato do cotidiano assim: _ Professora, olha só o que eu trouxe! Um
aluno da 8ª série! Olha só como ele está escrevendo! E ele foi aprovado! E começava a polêmica na sala
e todo mundo desacreditado porque professor desvaloriza professor e eu falava: _ Gente, verdade, tem
esses problemas todos e eu resgato [...] o problema não está no professor só, no aluno só, no material
didático. São múltiplos problemas, é muito complexo para generalizar. E eu problematizava mais: _
Vocês já pensaram sobre esse ponto? E sobre esse outro? O que tem por trás disso tudo? Por que tem
isso envolvido? Foi muito legal!
Sobre a possibilidade de se fazer a aproximação, inclusive dentro do próprio CE e não só com
a escola, P10 disse que no semestre anterior, trocou e-mail e mandou seu programa para o
professor de Filosofia, ele mandou o dele para ela e fizeram uma adaptação. “_ Ah, o ano que
vem a gente vai fazer melhor! Mas, aí eu não dei aula para a mesma turma que ele,
infelizmente!”. Conforme a professora, com a experiência que teve no 1º período de
Pedagogia, no seguinte, se trabalhasse com a mesma disciplina iria aprimorar: “De repente, já
teria conseguido conversar com os professores das outras áreas. [...]”. O currículo novo
exige uma articulação maior entre as disciplinas para poder dar conta, talvez, do que se pensa
realizar da proposta e, também, do professor que se quer formar, o professor investigador que
reflete sobre sua própria prática. A professora P7 explica: Vai sendo feito tudo, simultaneamente, um alimentando o outro. E a gente vai vendo o que é possível
fazer no momento. É claro que há ações que nós precisamos ter e quando você coloca do contato dos
professores com os outros centros e da necessidade de fazer isso, mas não deu tempo ainda [...].
3) Comunidades necessitam encontrar-se
[...] as comunidades interpretativas são comunidades políticas. [...] cujo desabrochar emancipatório consiste numa interminável trajectória do colonialismo para a solidariedade própria do conhecimento-emancipação (SANTOS, 2002, p. 95).
109
Os momentos de encontro propostos pelas participantes desta pesquisa devem contribuir para
a formação de comunidades interpretativas e, consequentemente, para a proliferação de
solidariedades. O processo de socialização no CE é tão importante para o professor como para
o aluno e é citado e requisitado por ambos. Possibilita a inserção e a integração nos grupos,
nos contextos, fluidifica fronteiras, aproxima e provoca encontros. As professoras P13 e P16,
ambas substitutas, narram sua chegada ao CE: nos departamentos, receberam a ementa e o
horário e começarem a trabalhar. Não houve uma apresentação, uma interação com o Centro,
com os departamentos, com os professores, nem um momento pedagógico, segundo elas. No
entanto, o novo currículo tem a característica de promover a integração, a interface entre
disciplinas, professores, alunos, escola básica. P4 explicita isso: Eu acho que é preciso até forçar esse movimento. Não sei se a gente tem conseguido dar conta dele
nessas condições de trabalho. Agora é uma característica desse currículo! Por exemplo, eu antes estava
na Educação Infantil, na habilitação, lá naquele lugarzinho da Educação Infantil, esse era o posto.
Agora, além de trabalhar no interior do curso com Educação Infantil, estou com a responsabilidade
também de provocar os meus colegas nessa discussão. Quando a gente tem encontro de planejamento do
centro, por duas vezes já fui chamada a falar desse desafio e também para o encontro da ANPAE,
discutir o curso, falar desse desafio da infância, da Educação Infantil, das interfaces... Esse movimento
tem acontecido.
À medida que cada um sai do seu lugar próprio, transita por não-lugares, descobre que existe
o ”outro” e, assim, vê possibilidades da ocorrência de encontros periódicos de caráter
pedagógico, propostos pela totalidade das professoras participantes deste estudo. Isto se torna
possível, pois fronteiras são deslocadas, diferenças são reconhecidas e identidades afirmam-
se. Quanto mais as fronteiras ampliam-se, mais estratégico torna-se o conceito de fronteiras
(RIBEIRO, 2002, 481-2). Nesse sentido, P18 argumenta: Quando eu estava na escola, a cada dois meses tinha os conselhos de classe, os professores se
manifestavam, a gente fazia proposta de ação, de intervenção, propostas pedagógicas. Hoje a gente não
tem nada que se assemelha, não tem como saber se está atingindo os objetivos com os alunos. Eu acho
que a cada início de período, se os professores de cada turma pudessem se encontrar, planejar em
conjunto, traria um rendimento muito grande para o trabalho, concretizaria essa proposta de formação
que se pretende generalista, interdisciplinar, integrada e daria mais materialidade para esse currículo.
Segundo P12, para se ter uma relação mais participativa “[...] o professor tem que se
organizar melhor. Fica difícil essa relação porque cada semestre tem um professor! No
semestre passado teve uma reunião geral dos professores e conversamos. Nesse semestre
conversei só com o professor que divide (a disciplina) comigo [...]”. Essa professora perdeu o
110
contato com o colega, embora os dois trabalhem com alunos do mesmo período, no mesmo
horário, mas não se vêem e isso pode comprometer a concepção-realização da disciplina
PEPP. É necessária a interação horizontal com os professores que atuam no mesmo período,
para desencadear um processo intra-inter-transdisciplinar de trabalho. P12 fala de sua
tentativa integradora, que acontece “[...] de maneira muito embrionária, precária, dentro da
sala mesmo, por exemplo: _ Em Filosofia, vocês viram isso! Trazer o relato da experiência
do aluno, mas uma coisa bem simples. Contato com os demais professores, eu não tenho, pois
estou aqui poucas vezes por semana”. Para planejar coletivamente, socializar experiências é
preciso incluir espaço-tempo para esses momentos na distribuição de horários. Nesse sentido,
P2 ressalta com muita ênfase e compromisso, questões relativas ao tempo e à autonomia:
E veja! A gente diz assim: _ Ah! A escola não faz porque não tem tempo, não tem organização. Nós
teríamos, como? Eu diria: _ NÓS TEMOS! Nós temos maior possibilidade do que a escola; comparando
temos maior autonomia sobre nossos fazeres que a escola, eu acho! Por mais loucos que nós estejamos,
nós não temos de dizer assim: _ A pedagoga não deixou, o diretor não deu o material, Vigotsky não pode
passar na porta. Não é o nosso caso! [...] Temos as disciplinas integradoras ao longo do semestre, que
nos possibilitariam isso! Que nos possibilitariam esse trânsito! Então você diz assim: _ Nós temos as
disciplinas de 60 horas; vamos fazer 40 horas na escola e juntos; os professores por semestre teriam 20
horas para fechamento. Muitas vezes é uma coisa interessante!.
A professora P2 reafirma a questão do tempo fazendo uma proposta de flexibilização das
ações: Eu creio que nós, otimistamente falando, AINDA TEMOS TEMPO. [...]. Não digo de uma avaliação, mas
de processo de acompanhamento dos alunos e das práticas: como foi, pensar isso para o ano que vem.
Temos um calendário mais flexível, temos dezoito semanas, mas nossas disciplinas cabem em dezesseis!
Sabe o que acontece (em relação à parte pedagógica do CE)? Hoje o colegiado se tornou uma instância
burocrática, como se tornaram as reuniões de departamento, de câmara de graduação, por exemplo, esse
ponto alto das reuniões, virou uma instância de decisão BUROCRÁTICA! Não que não deva acontecer,
mas logo agora, com novos departamentos, por exemplo, acho que é uma questão que se coloca para
nós: é um momento de mudança, mas é um momento interessante. Quem sabe até de organização
enquanto departamento responsável por um conjunto de disciplinas?! Quem sabe dinamizar essa coisa,
já que tudo vai ser novo, vamos fazer como prática também, alternativa de departamento?! Os espaços
existem, o respirador, mas a gente precisa achar, senão vai continuar sufocado!
Suas sugestões para ocorrência de encontros de planejamento, de discussão, de avaliação
sobre os processos de realização do currículo, do ser-saber-fazer-poder docentes implicam
vivência como uma comunidade interpretativa, que assume uma nova concepção de ciência,
111
respeita a pluralidade e incentiva a heterologicidade entre todos. Percebe-se, portanto, a
importância do trabalho com base no princípio da comunidade, tão esquecido pela
modernidade. A professora P15 considera uma posição contraditória, implantar um currículo
que privilegia a integração e manter a organização departamental, na reestruturação do CE: [...] Acho um pouco paradoxal a gente ter um currículo que está tentando uma integração e ter uma
organização didático-administrativa por departamento ainda e de uma maneira CLÁSSICA, fechada.
Parece que ainda não conseguimos perceber que a reestruturação do ponto de vista curricular, também
tem a ver com a reestruturação do ponto de vista da gestão! Eu acho que a gente vai ter que fazer em
breve uma avaliação sobre isso porque a gente tem resultados. Estou trabalhando com o terceiro
período, Introdução à Gestão Educacional e com essa mesma disciplina no oitavo período (currículo
antigo). A avaliação que eu faço é: Não sei se ela tem que estar aí (no começo do curso).
Portanto, o modo de organização administrativo-pedagógico do CE não propicia o encontro
segundo o depoimento de muitas professoras, embora desejem e façam o esforço para
integrar-se. É possível que a existência de uma sala de professores coletiva, ajudasse de
alguma maneira nessa aproximação: a passagem por lá, contribuiria para humanizar as
relações, as pessoas se verem, trocarem idéias. Uma sala assim seria um não-lugar, uma
instalação necessária à circulação acelerada das pessoas, como são para a maioria, no próprio
centro, os departamentos, os núcleos, a biblioteca, a cantina, o banheiro, os corredores. Nesse
sentido, Linhares (1997, p. 139) afirma que “A circulação de poderes e a invenção de lugares
obedecem a uma cartografia que se define e se redefine permanentemente, movida por
práticas sociais conjugadas, por discursos que as permeiam”.
Fala-se que a escola trabalha desvinculada, fragmentada, a Educação Infantil não sabe do
Ensino Fundamental, a Universidade não sabe do Ensino Médio e vice-versa e, na prática,
todos deveriam trabalhar juntos, por meio da ecologia de saberes-fazeres-poderes, utilizando
os procedimentos da sociologia das ausências e das emergências, buscando, assim, o diálogo
intercultural pela hermenêutica diatópica. No entanto, na formação superior, alunos, também,
percebem o trabalho realizado de modo desvinculado e fragmentado, conforme o paradigma
moderno de ciência que ainda predomina. Sem questionar razões, no sentido da própria
estrutura institucional e da própria concepção de ensino-aprendizagem que perpassa a
formação, à medida que muda um currículo, é preciso (re)significar conceitos de ensino,
aprendizagem, de profissional, de sociedade, de escola, de relações, etc.
112
4) A relação discente com a Escola Básica
A relação discente com a Escola Básica, de acordo com a professora P8, constitui uma
atividade muito interessante, conforme tem realizado com seus alunos: Por exemplo, a gente tem feito algumas experiências de pedir às alunas que voltem às escolas onde
estudaram, observem e nos relatem, fazendo uma análise da mudança, principalmente, geográfica e isso
enriquece muito o fazer delas porque conseguem visualizar com o antigo olhar de criança, ingênuo: _ O
pátio parecia tão grande! Olha que oportunidade bárbara que tenho para explorar a Geografia aí,
pensando as noções de espacialidade construídas na infância. Elas falam assim: _ Minha escola está
mais bonita agora, porque passou para o município e ele cuida mais! E a gente tem a oportunidade de
trabalhar a temporalidade e a questão dos efeitos da sociedade sobre a organização institucional.
Esse tipo de trabalho lembra a presença barroca no processo de produção de subjetividades,
em que a surpresa e a reflexividade fazem-se presentes, perpassadas pela emoção e
ludicidade, como ocorreu com as discentes, numa oportunidade de fazer aflorar a
sensibilidade, a ética, a estética que deve permear todo processo formativo.
5) As ênfases
Continuando a tentativa de explicitação do pensamento docente acerca do novo currículo,
outra questão levantada pelas docentes diz respeito às ênfases que podem ser incluídas na
matriz curricular, conforme as Diretrizes Nacionais. Nestas, as habilitações foram excluídas,
porém, foram abertas possibilidades de direcionar o ensino para “ênfases” na formação,
oferecidas conforme a realidade e as condições de cada curso. Essas ênfases seriam, assim,
como portas para abrir outros possíveis caminhos, conforme interesses pessoais em se dedicar
a determinados campos educacionais. Segundo as Diretrizes do CE/UFES (2006), essas
ênfases serão definidas
Dependendo das necessidades e interesses locais e regionais, bem como da disponibilidade do quadro de docentes da UFES em termos de suas áreas de formação, pesquisa e extensão, neste curso, poderão ser, especialmente, aprofundadas questões que devem estar presentes na formação dos educadores, relativas, entre outras, educação a distância; educação de pessoas com necessidades educacionais especiais; educação de pessoas jovens e adultas; educação étnico-racial; educação indígena; educação dos remanescentes de quilombos; educação do campo; educação hospitalar; educação prisional; educação comunitária ou popular. O curso será oferecido nos turnos matutino e noturno.
Há alunas que se interessam pela Pedagogia Empresarial, que não é foco do curso da UFES,
embora os conhecimentos nele adquiridos possam ajudar na realização de funções em outras
áreas pedagógicas que não sejam as escolares. P3 explica:
113
[...] não é uma vertente da UFES, mas há alunas que têm interesse nessa área. Então o caminho é buscar
fora daqui. A ênfase também elas têm que escolher entre o que for oferecido aqui! Nesse caso de
Pedagogia empresarial [...] respondi o seguinte: _ O nosso curso de Pedagogia é uma licenciatura.
Certamente muitos conhecimentos que o aluno consegue ter aqui poderão ser úteis numa empresa, no
entanto, essa não é a tônica. Isso é uma opção, por ser licenciatura, por ser uma instituição pública! _
Ah, mas eu gostaria! _ Nosso curso não tem esse perfil.
Sobre isso, P2 ressalta a escolha e a decisão mais significativa que o CE deve fazer: Mas eu acho, que [...] precisamos pensar as ênfases nessas 800 horas, senão corremos o risco de
fragmentar e elas serão sempre um pouco e nada, e ao final você diz assim: _ Aumentou, melhorou,
porque um curso mais longo pressupõe mais qualidade. [...]. O nosso aluno já pode fazer o vestibular
sabendo que aqui, a nossa ênfase (opção) é a escola pública brasileira. Se ele tem outras pretensões,
pode fazer vestibular em instituições que oferecem essas ênfases ou então, quando terminar o curso, fazer
pós-graduação porque o mercado está oferecendo.
A professora P7 fala sobre as possíveis decisões dos alunos, quanto às escolhas que poderiam
fazer: “A gente tem aí um currículo, na verdade uma grade curricular estabelecida, mas existe
também a possibilidade do aluno fazer escolhas ao longo do curso! Pelo menos para iniciar, o
Trabalho de Conclusão de Curso traz uma contribuição nesse sentido e as ênfases, também. Ele pode
ir escolhendo um caminho, uma área e começar por ela. Eu acho que vai ter que ser assim”. A
escolha da ênfase vai depender da oferta do Centro que nem sempre corresponde aos
interesses dos discentes. É uma escolha relativa, porque vai ser ofertada como optativa e/ou
seminário, conforme o CE puder ofertar. P7 continua: Por conta das habilitações temos Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, que parece que são
possibilidades para ênfases nesse momento. Agora, pensando a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental, tendo em vista a nossa predileção de ofertar como habilitação básica as séries iniciais do
Ensino Fundamental, eu acho que aí, a coisa está um pouquinho mais sedimentada apesar dos desafios a
vencer, ainda. Agora, a Educação Infantil em termos da preparação desse profissional, traz mais
desafios. Não porque não tenha professor da área da Educação Infantil, mas é pelo fato dos conteúdos
terem que perpassar todas as disciplinas.
Devido à abertura curricular, o aluno poderia fazer escolhas, decidir seu percurso de
formação, porém, é quase impossível concretizar alguma escolha que desvie da matriz
curricular, porque, contraditoriamente, ela continua hermética e engessada. No entanto, P4
considera que está sendo formada outra cultura e demora, para que as pessoas entendam,
aceitem e trabalhem de acordo com o proposto, pois o novo assusta. Ela explica: “O aluno vai
ter possibilidade de escolhas ao longo da carreira, aprofundamento de estudos, por isso essa
114
lógica da pesquisa. Esse curso apresenta grandes desafios e não só da formação inicial, mas
da formação continuada.” Por exemplo, se o interesse do aluno refere-se à Educação
Especial, há poucas disciplinas nessa área na matriz curricular, portanto, ele terá que fazer
uma especialização, posteriormente. Essa ampliação do curso abrangendo todas as áreas de
atuação parece que dificulta “preparar” o estudante, para atuar em todas as frentes. Nesse
sentido, trago uma pergunta de Linhares (1997, p. 105) para refletir: “Quais as funções novas
a serem pedidas ao novo professor, novo orientador, novo supervisor, novo administrador, em
nome da escola necessária, reclamada pelas classes majoritárias da sociedade brasileira?”. Eu
continuo com perguntas: elas corresponderiam às exigências que se apresentam no cotidiano
escolar? A formação está atenta a essas exigências cotidianas?!
O papel do colegiado na definição das ênfases é destacado pela professora P11: [...] a coordenação do curso é extremamente importante para definir ênfases, (conforme as condições que
tem para ofertá-las) para agregar e congregar os diferentes profissionais e também formar a construção
da identidade desse profissional, que está em diferentes departamentos. São profissionais substitutos que
têm uma passagem temporária por aqui e ficam por até 24 meses. Nesse tempo tem que ter uma instância
interna que vai fazer essa agregação, que vai integrar esse profissional à lógica (do curso). Então, estou
querendo colocar que a instância responsável pela construção dessa articulação deve ser o
COLEGIADO DE PEDAGOGIA. (afirmação enfática). Mas, para isso o colegiado precisa ter um PRO-
JETO político de formação!
Numa comunidade interpretativa, essa articulação deve ocorrer em decorrência do
procedimento da ecologia de saberes e de práticas que incita a ação cooperativa, porque
ultrapassa fronteiras, desloca centros de poder. Segundo a professora P2, há uma
multiplicidade de fios a serem puxados quando se fala em alfabetização, porque esta não se
restringe apenas a ensinar a ler e a escrever como antigamente, mas considera especificidades,
possíveis ênfases, nessa aprendizagem: [...] nós temos uma outra (responsabilidade): a alfabetização. Por isso, eu diria que passa por todas as
outras questões (ênfases): a bilíngüe, se ela for indígena, pela questão da criança com necessidades
especiais, com deficiência, dos jovens e adultos. Não que a alfabetização seja a panacéia de todas essas
coisas, mas se eu quiser pensar questões básicas da Alfabetização I e II e aprofundar isso, mais 200
horas, mais três disciplinas, mais estágios, mais experiências, acho que seria importante para o
pedagogo, para o gestor.
Essa professora demonstra clareza e segurança quanto à sua opção educacional: Então, a gente tem que fazer escolhas e, eu não tenho a menor dúvida: a escolha é pela escola pública. O
resto pode vir por acréscimo. Uma outra escolha que eu não sei se está perpassando as disciplinas de
115
pesquisa e prática pedagógica, seria ir formando esse profissional que tem o olhar investigativo sobre a
sua própria prática e sobre a prática coletiva, [...]. O que se está fazendo para formar essa atitude
investigadora na ação? Porque as disciplinas são cinco (no semestre)! _ Nossa! Teria tudo para fazer!
Quando eu ouço os alunos, eu fico com a sensação de que não está fazendo! (P2).
Seria assim, um agir conforme as epistemologias do Sul, desfazendo silenciamentos,
desigualdades na perspectiva de “abertura-de-fronteiras” e não de fechamento.
6) A estrutura administrativa
A estrutura administrativa da Universidade, ao mesmo tempo, que possibilita a realização do
currículo dos cursos, também, limita as ações do colegiado e dos departamentos. Sobre isso
P3 questiona: A gente tem uma carga horária mínima para cumprir pelas Diretrizes Nacionais. Uma coisa que tenho
discutido na Câmara de Graduação e não estou sozinha, inclusive na questão dos dias letivos e da carga
horária é quanto aos prazos e interesses do Departamento de Recursos Humanos (DRH). Eles abrem
concurso para professores nos dias que querem e não, necessariamente, quando nós precisamos. O
próprio calendário da UFES define que a distribuição de encargos docentes vai se dar na época tal, o
DRH faz antes, a gente não tem a demanda ainda e coisas desse tipo.
Para essa professora, questões administrativas acabam sobrepujando questões de ensino. Ela
assim se expressa: O ensino está a reboque. Outra questão que tem a ver com nosso caso é, por exemplo, não podermos
começar o semestre letivo antes. A UFES nos diz quando o período letivo vai começar! E a gente quer
reverter isso. Por quê? Porque se a gente tem um ano letivo mais longo, nós teremos possibilidade de
fazer um calendário mais maleável, entendeu? Estou apostando nisso! Não sei exatamente que formato
isso vai ter. Como a carga horária está diretamente ligada a dia letivo, eu vejo que não faz sentido
comprimir uma carga horária pesada em poucos dias letivos, podendo colocar isso de uma maneira...
(P3), mais elástica, complemento.
Segundo a professora P11, o colegiado exerce um papel importante como articulador de
processos, de modo a dinamizar a realização das orientações propostas no PPC (2006): Penso que o colegiado tem esse papel de articular a política, de agregar as diferentes pesquisas que vão
possibilitar esse tipo de acompanhamento [...] porque ele é grande, não atende só à Pedagogia. Por isso
alguém tem que articular o processo de avaliação desse currículo ouvindo os alunos, os professores, os
egressos desse curso. Historicamente, a gente espera a política chegar, os prazos que vão prorrogar,
aquilo que vai mudar e, só aí, corre atrás para se adequar. Na verdade, a gente tem adotado uma prática
de adequação ao que está estabelecido e não uma prática criativa, no sentido de analisar, avaliar,
propor.
116
Diversas professoras ressaltam a necessidade de um espaço de discussão para ampliar a
compreensão sobre aspectos curriculares, tarefa que não compete apenas ao Colegiado, mas a
toda a equipe, enquanto comunidade participativa e plural. P11 explicou: “Tem que ser um
espaço integrador das disciplinas trabalhadas no currículo”. No entanto, às vezes, essas
disciplinas são ministradas por professores substitutos, de outros departamentos, que não
participaram da elaboração e que desconhecem a proposta de currículo e de formação, o que
pode comprometer sua realização. Essa professora explicita: A coordenação do curso de Pedagogia é a instância responsável de puxar esse tipo de política. A
coordenação do colegiado não pode ser uma instância puramente burocrática e técnica; também é
definidora da criação e da articulação desses espaços pedagógicos e não pode funcionar apenas numa
dimensão administrativa e burocrática. Ela exerce um papel fundamental que é promover as reflexões
que precisamos hoje, não só com relação a essas disciplinas, mas sobre a realização dos estágios e que
ultrapassem eventos que falam do que é feito! Mas, sim, DAQUILO QUE PRECISA SER FEITO (ênfase)
enquanto política!
Seria, então, uma atribuição do Colegiado, articular, conduzir, exercer um poder, quase
pastoral em relação ao curso?! Segundo Foucault (apud DREYFUS; RABINOW, 1995, p.
242), o poder “É uma forma de governo que faz dos indivíduos sujeitos”52 e, o exercício do
poder, não se restringe a uma relação entre “parceiros” individuais ou coletivos, pois “[...] só
há poder exercido “uns” sobre os “outros”; [...]”. Uma relação de poder não é uma relação de
violência, pois a violência “[...] age sobre um corpo, sobre as coisas; [...] fecha todas as
possibilidades; [...] (idem, 1995, p. 243). No entanto, Uma relação de poder, ao contrário, se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: que o “outro” (aquele sobre o qual ela se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como sujeito da ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis (idem, 1995, 243).
Na relação de poder, não há, pois, um confronto entre poder e liberdade, mas sim, um jogo
complexo, pois a liberdade surgirá como condição de existência do poder, ao mesmo tempo,
que se constitui como uma precondição, pois é necessário que haja liberdade, para o poder se
exercer (DREYFUS; RABINOW, 1995, 244). É importante lembrar que o poder não é só
negatividade; ele “[...] possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma
positividade” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVI). Se ele só reprimisse não seria
obedecido, portanto, “[...] ele não pesa só como uma força que diz não, mas [...], produz
52 “Há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a” (FOUCAULT, apud RABINOW; DREYFUS, 1995, p. 235).
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coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede
produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que
tem por função reprimir” (FOUCAULT, 1999, p. 8).
É necessário, então, “[...] parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos:
ele ‘exclui’, ele ‘reprime’, ele ‘recalca’, ele ‘censura’, ele ‘abstrai’, ele ‘mascara’, ele
‘esconde’” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVI). Na verdade, o que interessa,
“[...] não é [...] impedir o exercício das suas atividades, e sim gerir a vida dos homens,
controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando
suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas
capacidades” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVI). Nesse sentido, é importante
lembrar que numa perspectiva emancipatória de Educação, os participantes deveriam agir
como numa comunidade interpretativa, como propõe a ecologia de saberes e práticas, criando
condições para revelar incompletudes, diferenças e encontrar caminhos para estabelecer e
realizar as políticas desejadas pelo centro, por meio do exercício de poder partilhado.
7) O calendário
Determinações dessa natureza, como um calendário letivo, revelam a questão da regulação
nos processos institucionais. Mesmo uma realização curricular que perspectiva a
emancipação, está sujeita à ação do poder no controle e no fortalecimento de fronteiras que
limitam as ações dos praticantes. A realização curricular não acontece somente na sala de
aula, mas em diferentes espaços sociais, em múltiplas dimensões, envolve questões
funcionais, relacionamentos institucionais, entre outros. P3 expõe sobre o calendário: E aí, o que acontece? Contraditoriamente, a gente tem semanas letivas apertadíssimas,
concentradíssimas e, antes do final do período letivo, a gente já terminou! É um contrasenso! Isso está
completamente desajustado. A carga horária de cada uma das disciplinas em função desse tempo letivo
tem que ser revista. Eu não sei como a gente ainda fez projetos de curso sem se dar conta disso. [...]. São
200 dias letivos a cumprir e a gente não cumpre isso! [...] Essa é uma questão muito séria. Deixa eu falar
sobre entrada e saída. Nós temos um ritmo de trabalho aqui, professor que dá aula aqui e lá fora, um
ritmo que é tradicional na Universidade.
Percebe-se que há esforços, desejos, movimentos por parte do colegiado de curso no sentido
de encontrar experiências possíveis e disponíveis, modos descolonizadores de realização
curricular, o que não é fácil porque depende de muitos fatores, internos e externos. A questão
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da carga horária total do curso, carga horária diária e semanal aparece muito fortemente nas
falas, principalmente, das alunas. O curso passou para 3410 horas, as aulas semanais
funcionam de sete as doze, sendo que são quatro aulas corridas, de 7 as 11 e outra de 11 as 12
horas. As artimanhas do tempo têm provocado inúmeros problemas para professores, alunos e
colegiado. Discentes explicam: “_ Quem trabalha precisa sair e quem não trabalha sai,
também. Se não saem, quem trabalha fica prejudicado porque perde aula”. Seria uma saída
solidária por parte de alguns. As alunas não gostam de ter aula a manhã inteira com um
professor, somente. Para o docente, também, ficar com uma mesma turma de sete as onze,
quatro horas seguidas, não é fácil. A aula precisa ser muito diversificada e dinâmica. Alunas
afirmam que, nem elas, nem os professores agüentam; seria mais proveitoso, se as aulas
fossem divididas em dois dias.
Em função da problemática de horário, P17 propõe que haja uma linha de ação mais ou menos
homogênea dos professores, não para serem iguais, mas para que haja um eixo de ação e essa
é uma das razões da existência do currículo. Seria, assim, a realização permanente de uma
hermenêutica diatópica, que possibilite o diálogo intercultural, a compreensão das
incompletudes, a tradução dos problemas considerando diferentes escalas e a emergência de
subjetividades barrocas, que privilegiem a solidariedade e alimentem a emoção e a ludicidade.
Essa professora considera que deveria haver “[...] integração de professores visando
ATITUDE próxima, cada um com sua autonomia [...]”. Segundo ela, a existência de uma
linha de ação coletiva, de princípios norteadores da ação pedagógica que orientassem a
conduta docente-discente poderia ajudar na melhoria desse problema.
8) A reestruturação do CE
Paralelamente à implantação do currículo novo, deu-se a reestruturação administrativa do CE.
“A discussão de reestruturação do curso vem se dando há um certo tempo e a comissão é
nomeada em portaria de 2003; é uma comissão representativa dos três departamentos e com
representante discente. Houve a condição de fazer uma escuta mínima às agências
empregadoras, secretarias municipais, estaduais, uma escuta de egressos...”, segundo P1. A
reestruturação do CE coincidiu com a mudança e a implantação do currículo novo do curso. É
possível que tenha interferido na realização curricular e que possa ou não, advir benefícios
dessas mudanças administrativas e pedagógicas. “Eu acho que estamos vivendo muitas
119
mudanças ao mesmo tempo de tanto caos, [...]”, fala P1. Para essa professora, o mais
significativo na reestruturação, e algumas professoras concordam com ela, é estabelecer [...] uma eqüidade entre os departamentos. Uma tentativa em distribuir o trabalho de maneira mais
racional, para que os três departamentos consigam ter uma distribuição e uma vinculação com as
licenciaturas, para não ficar um departamento com certa predominância. Pela proposta os três teriam
um contato específico com certas licenciaturas, não é? Os três departamentos trabalham com o curso de
Pedagogia. Você tem nessa proposta uma tentativa de integrar disciplinas mais teóricas com disciplinas
mais práticas, que antes tinha quase um fosso: era um departamento eminentemente teórico, o outro
eminentemente prático.
A docente P18 considera positiva a reestruturação, porque [...] ajuda para que a gente torne mais ágeis as discussões. Outro aspecto, são os departamentos serem
organizados por meio de áreas. Todas as áreas do currículo estão lá no departamento de Teorias
Educacionais. Então, lá está o pessoal da Física, da Química, da Matemática, dessa parte da Ciência,
ficaram concentrados ali. Lá no outro estão todos das Ciências Sociais; das Linguagens ficou todo
mundo agrupado no outro. Então, nas GRANDES ÁREAS que compõem o currículo da escola básica, é
possível que a gente consiga ter um diálogo para propor uma ação conjunta [...].
A importância da reestruturação, para a professora P8, está muito voltada para as questões
relacionais, integração entre pessoas e ações que é uma reivindicação constante no discurso
das docentes, no que concerne à realização curricular: Eu parto do seguinte princípio: só da gente se reagrupar de uma maneira diferente, haverá forçosamente,
quer queiramos ou não, uma oxigenação das nossas práticas e dos nossos saberes. Vamos ter que
dialogar com pessoas com as quais temos costume de conversar, de trocar figurinhas, mas não
sistematicamente, nem cotidianamente e passaremos a fazer. Eu acredito que haverá ganhos para o curso
de Pedagogia numa dimensão em que o arranjo foi pensado para aglutinação de pesquisa e estudos mais
próximos e não apenas administrativos, professores que trabalham com a mesma espécie de disciplina.
[...].
Algumas professoras acreditam que no projeto de reestruturação deveria ter sido pensada a
possibilidade de criação de espaços alternativos, como salas-ambiente, especialmente, para
algumas áreas de estudo, como Artes, Ciências, Matemática, pois são relatadas dificuldades
encontradas para realização do trabalho docente-discente. Segundo uma participante da
pesquisa, em escolas do Ensino Fundamental há salas-ambiente que, em muitos casos, não são
utilizadas devidamente; uma das razões pode ser o fato de as docentes não terem vivenciado
esse espaço na formação. As professoras-formadoras compartilham da mesma opinião,
também, no que concerne à falta do elemento pedagógico nas reuniões, num curso que é de
120
Pedagogia. Seria, pois, agir como uma comunidade compartilhada, como se propõe que a
Escola Básica o faça.
A professora substituta P12 levanta a questão relativa à gestão, que de acordo com sua
opinião, é um ponto muito delicado da administração: “Eu acho que o grande problema da
UFES é gestão, faltam gestores. A gente tem a imagem de que gestor é só para empresa
privada. Mas aqui acho que você vê muito dinheiro e material humano mal utilizado. Creio
que não só na UFES, mas minha experiência é com a UFES, não é? Eu vejo crônico o
problema de gestão [...]”. P17, também, se refere à questão administrativa e relacional: Eu acho que (melhorou) sim, no que tange à administração. Quando a administração fica mais fácil,
menos tempo se perde com burocracia, temos mais tempo para os alunos, mais rápidas são as reuniões,
você se sente melhor, tem menos brigas, menos discussão, menos discordância, a conversa fica mais olho
no olho. [...]. Flui melhor, a oferta de disciplinas é mais fácil, trocar disciplina, ajuda a coordenação do
colegiado, o aluno fica mais bem atendido.
No que concerne à estrutura administrativo-pedagógica, discentes têm a seguinte percepção: Há desorganização nos departamentos para orientar os professores (A).
A contratação de professores deixa a desejar porque muito dos professores que estamos tendo não são
habilitados para trabalhar com determinada disciplina; a Universidade teria que disponibilizar
professores formados nas áreas específicas (A).
A disciplina de PEPP não tem boa estrutura física e material para ser trabalhada (A).
Não participamos da reestruturação do PPC do CE, muito menos tivemos acesso a esse material na
íntegra (A).
P1 destaca o papel dos departamentos na estrutura universitária, na realização do currículo: O professor para ser contratado, tem que estar vinculado a um departamento, a oferta tem que vir desse
departamento, se vai ter professor ou não é dentro do âmbito do que a decisão dessa célula, que é a
célula principal dentro da Universidade, que é o departamento, é ele que decide entre os pares qual é a
área prioritária para concurso, quais os critérios para fazer o edital; isso tudo tem implicação na hora
que esse sujeito chega ao mercado.
A professora P18 ressalta as políticas de permanência propostas pela administração da
Universidade para ajudar os alunos com maior dificuldade sócio-econômica: Agora, sim, com as políticas de permanência a gente tem a expectativa e a esperança de que elas (alunas)
sejam contempladas. [...] a UFES ajude a esses estudantes com maior carência financeira. Há uma cota
de cópia, material básico, livros que os coordenadores de curso apontarem como ESSENCIAIS para os
121
estudantes de baixa renda, vão ser adquiridos com uma verba que a UFES está recebendo, uma verba
permanente, inclusive para restaurante!.
Enfim, P1 retratou o que sua gestão, à frente da Direção do curso tem buscado fazer com
muito compromisso: O que nós estamos implementando na nossa gestão é pensar que estamos criando possibilidades
possíveis. Não estamos com a estrutura ideal, mas no início de cada semestre, vemos o que é o mais
gritante. Tivemos momentos de discutir o PPC do curso e o estágio, tivemos um planejamento estratégico
para discutir o nosso olhar para o ensino, a pesquisa e a extensão, as dificuldades. É óbvio, que a gente
está tentando várias coisas, mas não é simples reunir nem mesmo os professores substitutos da área de
Estágio. A situação hoje está muito complexa. Todo o CE está passando por uma nova mudança, de
reestruturação departamental.
Penso que a discussão relativa à reestruturação do centro poderia constituir-se como uma ação
de grande escala, que possibilita visibilizar e refletir sobre suas peculiaridades considerando-o
no contexto da Universidade, mas seria perpassada, também, pela pequena escala, pois ao
realizar o processo de inteligibilidade do centro, não seria possível dissociá-lo de questões
mais amplas da Universidade e das Políticas Educacionais.
Afinal, que formação?
Para Linhares não deve haver um modelo único de formação, mas o entrecruzamento de vozes
que se anunciam e ecoam numa polifonia sinfônica, no sentido de inventar novas teorizações
e práticas plurais, que seguindo numa direção ética, estética e política, possam intervir nos
rumos da Educação e da História. A autora destaca a importância da participação dos
professores como sujeitos históricos, em movimentos de resistência por eles organizados e
nos movimentos das instituições ligadas à Educação e aos movimentos sociais. Ela ressalta,
ainda, as mudanças realizadas na legislação, no sentido de produzir um novo magistério e
uma nova Educação (CEVIDANES, 2006). Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia, o Parecer CNE/CP N.º 5/2006, o curso de Licenciatura
em Pedagogia visam
[...] à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Destina-se à formação de gestores educacionais que compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da
122
Educação; planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares. O curso destina-se, ainda à formação para produção e difusão do conhecimento científico e tecnologia do campo educacional em contextos escolares e não-escolares.
De acordo com o PPC (2006, p. 20), o pedagogo deve ser o profissional habilitado a atuar nas
seguintes áreas e/ou campos profissionais: “na docência na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de
Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos”; como “[...] gestores educacionais que compreendem
participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, [...]”; e “na
produção e difusão do conhecimento no campo da Educação [...]”. Segundo P1, as Diretrizes
objetivam resgatar o que está sendo chamado de formação inicial. Ela explicita seu
pensamento: [...] não estamos falando de um esvaziamento nem teórico, nem prático dessa formação, mas de um
princípio formativo. Estamos falando de um curso de formação inicial! E que ele prescinde, necessita de
experiência na prática. E é nessa prática que vai fazer a complementação dessa formação. E vai ser essa
constituição de professor, de pedagogo, que se dá em diferentes ângulos, porque esse sujeito professor
não está só na escola! Ele está na família, na igreja, no sindicato, isso tudo são espaços formativos.
Então, está sendo agregado a esse sujeito, também, esse pedagogo. Acredito que pela situação de salário,
de carreira há de se pensar na formação permanente desse profissional, quer dizer, estamos falando de
um degrauzinho dessa formação. Poderia ser um curso de 10.000 horas que não daria conta!
Todo curso profissionalizante tem como objetivo formar o profissional na perspectiva do
exercício crítico, criativo, comprometido, seja em que área de atuação for. Para isso, é preciso
trabalhar conhecimentos próprios, gestos, posturas daquela profissão e isto é “preparar-se”. Se
a formação é destinada ao magistério, são conhecimentos da Educação, que possibilitem
identificações com essa área de saber e de trabalho. O preparo inicial não implica eliminar a
continuidade porque o mundo não pára e os saberes estão em aberto e em contínua mudança,
inovação e renovação. Apesar de ter aumentado a carga horária do curso (PPC, 2006),
algumas professoras consideram que a formação seria, de certo modo, aligeirada, devido à
especificidade de suas diferentes dimensões e da possível atuação do pedagogo. A formação
teria assim, uma parcela de cada dimensão e não “prepararia para nenhuma”. Quando estou
dizendo “prepararia” não estou afirmando que deva sair pronto, mas habilitado para o
exercício da profissão. P1 admite que a proposta atual, faz voltar a uma discussão histórica,
que é a questão do generalista versus especialista: “Essa discussão, também, não é consenso.
E aí eu te digo que especificidades não estão anuladas!”.
123
P1 continua expondo seu entendimento sobre a continuidade da formação: [...] espera-se que essas especificidades sejam aprofundadas em outros níveis e espaços de formação; por
isso a gente está dizendo que o complemento da formação vai se dar em outros âmbitos! Se o sujeito está
num processo formativo, aparentemente, mais generalista e fala: _ Frente a essa minha demanda de
formação, eu hoje, para a minha carreira enquanto pedagogo, docente, no meu âmbito de pesquisa, estou
me aprofundando num determinado eixo. E vai ser essa trajetória, frente a sua experiência de vida, frente
a sua perspectiva de formação que ele vai fazendo um certo percurso, aparentemente com uma certa
autonomia para escolher, para fazer esse grande aprofundamento. Mas eu entendo do que você fala: dos
riscos ou dos limites que é ter um currículo generalista, quer dizer, nós tivemos e passamos por uma
formação que na LDB era pautada na especialidade, do especialismo, mesmo. E vem a proposição em
2006, e agora vamos ter uma outra trajetória para ver se dá conta um pouco dessa complexidade.
Esperar de antemão, no curso de Pedagogia, que o discente busque a especialização, não
implicaria assumir uma nova concepção de formação?! O objetivo da continuidade seria para
aprofundamento, acesso às inovações, outras procuras profissionais, que se faz,
paralelamente, ao exercício da profissão, decorrentes de necessidades advindas das
problematizações cotidianas?! Ou seria para dar o “preparo” que a graduação não conseguiu
ou não considera que deva fazer?! Essa perspectiva parece que tem algo da razão metonímica
e da proléptica: encurta o presente e expande o futuro?! Deposita no futuro a responsabilidade
da formação profissional?! A sociologia das ausências e das emergências ajudaria a encontrar
possíveis para essa situação?! É o consenso que se procura? Ou a inteligibilidade e a
recíproca heterologicidade?
O currículo anterior engessava o aluno, que não tinha muitas possibilidades de criar um
percurso de caráter mais individual. Com a flexibilização que a legislação permite, hoje, o
currículo poderia dar mais chance, inclusive se o aluno quisesse fazer alguma disciplina em
outros departamentos. No entanto, continua uma grade. P1 bem lembrou que na realidade, o
currículo continua vinculado ao sistema de informação da Universidade: “Não adianta achar
que a gente faria um currículo extraterrestre; ele tem que ser rodado em algum sistema, na
estrutura que a Universidade tem hoje”. Realmente, esse é um aspecto burocrático importante
que limita as possibilidades de mudança: “[...] não adianta querer uma nova regra, um novo
estatuto para a Universidade, ter outra instituição que não essa!”. Ou seja, não é possível
afastar-se do que está institucionalizado, só se a Instituição modificar sua estrutura, portanto,
a questão administrativa pesa muito sobre a pedagógica.
124
Nesse sentido, compreende-se que não só a questão pedagógica interfere na formação, na
realização curricular, como também, a estrutura universitária de modo geral. P1 afirma: [...] a estrutura funcional precisa de uma estrutura administrativa para dar conta dela! A concepção
teórica muitas vezes se esbarra com as estruturas que estão colocadas. Quer dizer, haveria de ter
também, paralelo a essa mudança, uma nova concepção organizativa da própria Universidade” e até um
novo programa do Núcleo de Processamento de Dados (NPD) que pudesse atender às mudanças, aos “[...]
novos sistemas e maneiras de encarar as disciplinas que poderiam ser compartilhadas por diferentes
departamentos, se não tivesse problemas: _ Ah, eu não vou ficar com você porque quem vai ficar com a
pauta? Essa disciplina vai contar pra quem? Essa hora vai contar pra quem? Fica com qual
departamento? OU então, nós mesmos tentamos criar aqui uma certa flexibilidade, por exemplo, optativa
ou seminário? Então estamos dizendo: _ Não vai ser só de um departamento, os três vão poder dar (a
disciplina). Por mais que esteja designada aqui: Pesquisa, extensão e prática pedagógica, por mais que
elas estejam aqui na EDU. Na realidade essas disciplinas teriam outro caráter se a gente tivesse outra
estrutura.
Seria, talvez, o efeito da projeção, mecanismo de distorção em que a realidade se afasta do
que é proposto no mapa curricular?! Ou é o mapa que distorce a realidade no processo de
escrita?! Parece que o discurso teórico perspectiva uma mudança paradigmática “na teoria”,
mas “na prática” é quase impossível realizar: seria a tradicional separação entre teoria e
prática que se confirma?! É falar sobre inovações teóricas que são assumidas e não podem ser
realizadas na prática?! Muda o currículo e mudam concepções, portanto, em qualquer
disciplina será preciso abranger da Educação Infantil à Gestão e à Pesquisa, como numa rede
de multiplicidades. A disponibilidade de todos deve permitir pôr em prática as mudanças,
como está previsto no projeto, caso contrário, o currículo mudaria no papel, mas na feitura
ficaria como antes.
Só é possível realizar pesquisa e prática integradas, se professores conhecerem as disciplinas
dos demais e como são trabalhadas, para que ocorra a partilha, a colaboração. Nesse sentido, o
discurso das docentes indica a necessidade de realização de reuniões para discutir a dimensão
pedagógica da realização curricular, os modos de ser-saber-fazer-poder da formação,
conforme orienta o PPC. Para a professora P4 há aspectos no currículo novo que parecem ser
mais significativos para aprimorar a formação de pedagogos e um deles é [...] a DINÂMICA de você pensar, desde a Educação Infantil. O que a gente tem é a inserção dos estudos
da infância no interior do curso. Marco isso como um desafio porque se antes os estudos da 1ª infância
estavam presentes na habilitação de Educação Infantil, hoje eles atravessam todo o curso. [...] acho um
ganho e um grande desafio porque a gente precisa que os professores todos, também, se apropriem
dessas discussões. Tem disciplina que tem um foco maior na Infância, na educação, no trabalho docente e
125
no Currículo da Educação Infantil! Por exemplo, Alfabetização, tem DES-DE a primeira infância, isso
gera desafios no curso.
P4 continua expondo seu pensamento sobre a formação: Tem muita coisa para avançar no processo educacional para provocar a aproximação desses sujeitos
professores das licenciaturas e pedagogos no cotidiano da escola. Mas acho que esse curso nos provoca
até nesse movimento enquanto formadores e movimentos outros que se estabelecem, por mais resistência
que a gente tenha. [...]. Essa história de que os alunos na habilitação procuravam um centro de estudos
para aprofundar, já faziam escolhas (prévias), isso é um MITO! Observando nossos alunos egressos e até
a discussão do apostilamento, hoje, vê-se que os alunos JÁ faziam TODAS as habilitações, “meio” às
novas diretrizes, ao “modo aluno” (no currículo anterior). Então eles já saiam dessa forma: faziam duas
e apostilavam as outras. E quando não apostilavam, formavam e voltavam, porque se abriu o precedente:
conseguiram isso sob a ótica da normatização e faziam tudo.
À medida que o currículo abrange tantas possibilidades, compete às disciplinas de base dar
uma dimensão aberta à formação. Por exemplo, na disciplina PEPP1, a professora procura
ampliar o olhar para os discentes enxergarem na escola, a Educação Infantil, as séries iniciais,
a gestão (direção, supervisão, orientação). Entretanto, em algumas situações, alunas afirmam
que o foco continua no Ensino Fundamental, por tradição. P12 assim se posiciona: “[...] Acho
que hoje é natural esse olhar mais amplo sobre a escola e sobre as funções do pedagogo,
tanto que eu disse para os alunos quando foram fazer observação: _ Professora, eu olho o
que? _ Quero que vocês olhem tudo”. Então, mediante o que está sendo discutido, que
profissional se pretende formar? P1 responde: É uma questão que o tempo vai nos dizer e as nossas pesquisas vão nos mostrar “para aonde caminha a
humanidade” (risos), o novo profissional. Nós não podemos dizer que todo o reflexo educacional que
estamos tendo hoje, não é reflexo de uma dada formação, de uma dada visão de que passamos por
experiências combativas e essa é mais uma. Não encaro que esta proposta curricular do curso de
Pedagogia vai ser eterna e nem que a sociedade vai continuar do jeito que está. Então, eu não sei que
tipo de profissional deve ser formado, para dar conta, hoje, de toda a complexidade, que a escola está
exigindo do profissional chamado educador.
Qual a identificação desse profissional que vai ser formado? O curso vai formar o pedagogo
“habilitado” para atuar em funções relativas aos três eixos propostos no PPC: docência, gestão
e pesquisa, em ambientes escolares e não-escolares, em diferentes níveis de ensino. Mendes
(2002, p. 503) cita Stuart Hall, ao afirmar que a identidade “[...] funciona como articulador,
como ponto de ligação, entre os discursos e as práticas que procuram interpelar-nos, [...]
enquanto sujeitos sociais de discursos particulares, por um lado, e, por outro, os processos que
126
produzem a subjectividade, que nos constroem como sujeitos que podem falar e ser falados
[...]”. Para a professora P1, esse profissional pode ser identificado como [...] um pedagogo, não bacharelado, mas formado na licenciatura, então ele é docente, ele é professor
não só do ambiente escolar, mas deveria estar preparado nessa formação, de modo que hoje, se ele
estivesse saindo do Espírito Santo e fosse para Roraima, e lá tivesse um movimento social que precise da
ação de um pedagogo para atuar num ambiente não escolar, seja numa ONG, etc., que ele fosse capaz de
ser esse elemento necessário nessa comunidade, de forma que numa escola X, Y, Z ou para o Ensino
Infantil.
Quer dizer, esse pedagogo deve ser preparado para atuar em diversos campos educacionais.
P1 explica: “É um profissional que tenha possibilidade de uma variação de atuação, porque
hoje ele pode estar na gestão de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), amanhã
como um docente de um Bloco Único (BU) ou das séries iniciais do Ensino Fundamental”. A
professora P14 considera que deve ser formado o pedagogo que busca, continuamente, os
saberes, que seja pesquisador e estudioso, que continue sempre a formação. Mesmo assim, a
realidade tem mostrado que professores trabalham até em três horários, em municípios
diferentes, e que, nem sempre, vão conseguir tempo-dinheiro-disposição para essa busca
permanente. Segundo P14 “[...] as instituições têm que ter o espaço para formação, têm que
garantir esse espaço”, mas como se sabe, nem sempre o fazem.
Corroborando a idéia de inserção do discente no mundo do trabalho, no sentido da
profissionalização, a professora P17 fala sobre o aluno e suas expectativas: Sei que o currículo foi enxugado até pela experiência do que o antecedeu, pela demanda dos alunos,
decepcionados porque não tinham a formação de gestão. Muitos vinham procurar a Universidade para
ter um diploma superior e como já eram professores, achavam que não precisavam mais de formação de
professores. O que na minha experiência, formando esses que já estavam na sala de aula, não se
confirmava de forma geral na área de Matemática [...] até porque um curso (magistério) de Ensino
Médio não pode ser igual a um curso de nível superior [...] (P17).
Portanto, com as globalizações presentes neste mundo em transição, têm ampliado as
experiências disponíveis e possíveis que sustentam as argumentações para justificar processos
de identificação, nos diferentes espaços sociais. Esses processos “[...] são sempre situacionais
e históricos, havendo, a cada momento, expressões identitárias que são dominantes (Galissot,
1989)”, afirma Mendes (2002, p. 505). Assim, de acordo com as mudanças na legislação, a
formação passou a incluir diversas dimensões formativas em uma apenas, com a
responsabilidade de, em quatro anos, “preparar” o profissional para exercer todos esses papéis
127
na educação escolar e não-escolar, ou seja, “[...] para atuar na docência na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como
em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Res. CNE/CP n.
01/2006, Art. 2º.)” (PPC, 2006). Uma formação tão ampla, às vezes, é dificultada conforme
depoimentos de professoras-formadoras, pela falta de conteúdos básicos do Ensino
Fundamental, dos programas de terceira e quarta séries, por parte dos que vão ensinar às
crianças, quando estiverem atuando como docentes. Segundo P14 a questão de falta de
conteúdo na formação inicial não vai ser resolvida por mais horas que o curso tenha, por mais
espaço e tempo que ele inclua: “[...] sair daqui “completa”, isso não existe!” Essa
deficiência está relacionada, também, à Escola Básica, por isso as ações devem ser integradas
em todos os níveis de ensino.
Refletindo sobre o compartilhamento
A conversação com as participantes da pesquisa girou em torno do currículo, da concepção
que elas têm sobre o novo Projeto de Curso do Centro de Educação (PPC, 2006). Nesse
sentido, Ferraço (2005, p. 18) afirma que “A questão curricular, na perspectiva que aqui
defendemos, só é possível de ser pensada na dimensão das redes coletivas de fazeressaberes
dos sujeitos que praticam o cotidiano”, posição que implica mudança de determinadas
concepções teórico-práticas. Assim, este estudo acompanhou por um tempo, os movimentos
processuais de realização curricular para compreender a produção de saberes-fazeres-poderes
na complexidade cotidiana do curso.
A percepção de docentes sobre o currículo e sobre a matriz curricular é diversa e diferenciada
e reafirma que o currículo ocupa um lugar próprio (Certeau, 1994) dentro do CE. É um lugar
controlado, que marca o início da caminhada de um novo momento-movimento do curso,
colocado em prática a partir de 2006/01. O currículo, tanto o escrito, quanto o realizado é um
lugar de poder, porque é constituído de elementos organizados de forma estável, sendo cada
elemento localizado em referência ao outro. Portanto, implica ações que organizam seus
elementos, muitas vezes, sem considerar movimentos que vão advir da sua realização. Um
lugar é organizado por uma série de estratégias e de táticas, pois onde há estratégia há tática,
ou seja, cálculo e manipulação de relações de poder. São exemplos disso, no currículo, a
128
inclusão/exclusão de disciplinas, a redução/aumento de carga horária, a definição de eixos, a
distribuição de disciplinas, os encargos docentes etc. As estratégias organizam, determinam o
lugar que o currículo ocupa no CE e na Universidade. Um procedimento estratégico
importante é a escriturística; com ela o texto do currículo é organizado com saberes, poderes,
fazeres, múltiplas vozes que nele se entrecruzam numa rede permanente de produção da
materialidade curricular. Esse texto escrito toma por base a legislação vigente, os interesses
do próprio CE ou de parte dele e corporeifica a formação que se pretende fazer, os caminhos
que se deseja seguir.
Direção, coordenação, docentes, discentes, funcionários, núcleos, como numa comunidade
interpretativa vão criando seus percursos e abrindo espaços para a realização curricular. O
espaço seria, assim, esse lugar praticado: horário das aulas e dos professores, distribuição das
salas de aula pelos períodos, salas de estudo-planejamento de cada professor, usos da
biblioteca, dos núcleos de ensino do próprio centro, dinamizados por movimentos táticos
como, também estratégicos, porque um não prescinde do outro. As estratégias vêm atreladas à
formalização do lugar e “precisam” ser cumpridas, como o calendário, os dias letivos, a carga
horária das disciplinas, o horário elaborado pelo colegiado, a distribuição das disciplinas por
semestre e entre os professores, os prazos, avaliação, as relações com colegiados e
departamentos de outras licenciaturas, com a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), com o
Departamento de Recursos Humanos (DRH) e outros setores da Universidade.
Porém, em meio ao cumprimento das estratégias, os praticantes se vêm forçados a criar linhas
de fuga, táticas, que podem ser positivas ou não, para a feitura do currículo, para a realização
das disciplinas, para viver e sobreviver às exigências cotidianas, às relações que se
estabelecem por força das circunstâncias ou pela própria vontade dos participantes,
possibilidades de respirar, mover-se, concordar, discordar, sobreviver: são situações que
abrem ou fecham espaços de realizações. Nesse sentido, Certeau (1994, p. 202) afirma que o
“Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o
temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de
proximidades contratuais”.
As estratégias são procedimentos que se referem a um lugar próprio, no caso o currículo. Elas
objetivam organizar um espaço, um lugar praticado e, para isso, implicam movimentos que
fogem às operações de poder, mas que, também, têm o seu poder. São correlatas aos
129
processos enunciativos. As táticas tiram proveito de lugares organizados; elas não têm seu
próprio lugar, portanto, para funcionar usam o espaço do outro. Na verdade, “As táticas se
alimentam da “morte” que ronda o discurso científico ou qualquer outro discurso
hegemônico” (JOSGRILBERG, 2005, p. 25) como no currículo, por exemplo, pela presença
de possíveis posturas engessadas, avessas às mudanças. Os movimentos táticos aproximam-se
da ilegalidade, porque são modos de burlar o instituído e fazer proliferar processos instituintes
de subjetivações inconformadas e combativas. São dispositivos que impulsionam ações que
minam o lugar instituído abrindo brechas para outros possíveis, que necessariamente, nem
sempre são os melhores. Assim, na feitura curricular, são realizadas táticas em relação ao
horário, às relações interpessoais, às ementas das disciplinas, às aulas, aos procedimentos etc.
Portanto, é no entre, no intermédio da escritura e da feitura, que praticantes do currículo
encontram fendas, brechas para abrir espaços de realização conforme seus interesses e
expectativas. Giard (apud Certeau, 1994, p. 17) cita fragmento de um texto de Certeau sobre a
necessidade “[...] de esboçar uma teoria das práticas cotidianas para extrair do seu ruído as
maneiras de fazer”. Nesse sentido, esta pesquisa no cotidiano do curso de Pedagogia é
realizada em meio a conversações com professoras, alunas, funcionárias e pelo
acompanhamento de movimentos processuais. Na perspectiva do estudo no-do-com o
cotidiano, Certeau (1994, p. 202-3) assim se expressa: Num exame das práticas do dia-a-dia que articulam essa experiência, a oposição entre “lugar” e “espaço” há de remeter sobretudo, nos relatos, a duas espécies de determinações: uma, por objetos que seriam no fim das contas reduzíveis ao estar-aí de um morto, lei de um “lugar” (da pedra ao cadáver, um corpo inerte parece sempre, no Ocidente, fundar um lugar e dele fazer a figura de um túmulo); a outra, por operações que, atribuídas a uma pedra, a uma árvore ou a um ser humano, especificam “espaços” pelas ações de sujeitos históricos (parece que um movimento sempre condiciona a produção de um espaço e o associa a uma história).
Penso que isso, também, acontece na realização do currículo. Nesse sentido, este é um
trabalho contínuo em que lugares são transformados em espaços e, para isso, os praticantes
inventam seus próprios itinerários nos lugares instituídos, fazendo deles, processos instituintes
de realização de sonho e de vida. Os relatos revelam o que praticantes fazem, como fazem,
porque fazem e apesar de intercorrências imprevisíveis, retratam modos de ver, ser, fazer,
poder, viver o cotidiano no curso de Pedagogia.
As professoras participantes deste estudo consideram esta nova versão do currículo,
pragmatista (P1, P11), multifacetado, com abrangência exagerada de conteúdos (P15, P2),
130
profissionalizante (P1, P11), calcado nas concepções de habilidades e competências, excesso
de prática (P11), que atende a uma exigência legal, genérico (P15), com caráter aligeirado,
com formação geral (P2), adequado às novas diretrizes (P18, P15), com múltiplas tendências
teóricas (P1). Segundo as narrativas, ele aponta para uma formação generalista que corre o
risco de ser superficial, na tentativa de abordar de tudo um pouco e não dar conta de se
aprofundar em quase nada. Este currículo pretende formar o pedagogo que tenha atitude
investigativa e postura reflexiva ante o trabalho docente, a escola e a vida. Penso que só uma
razão cosmopolita é capaz de desvendar essa realidade complexa, com suas múltiplas
incompletudes, multiculturalidades e, assim, produzir um conhecimento emancipatório que
parta da colonialidade para a solidariedade, num permanente devir curricular.
Disso tudo fica claro, que a escriturística no papel é morta, quase sem sentido! São
professores, alunos, funcionários que dão vida, movimento, dinamicidade, corporeidade ao
currículo. Isso é feito individualmente ou numa perspectiva de trabalho coletivo, socializado,
compartilhado que parece ser um modo melhor de trabalhar. Só estando juntos, discutindo,
concordando, discordando, colaborando, modificando as concepções e modos de ser-fazer-
poder, haverá integração, partilha, afeto, e principalmente, pelo sabor-dissabor de
experimentar vivências de um currículo novo, com a proliferação de comunidades
interpretativas! Enfim, concordo com Barros (2005, p. 80) que diz: O “currículo real” não é, portanto, um objeto estático, delimitado a priori; é ação, processualidade e fala dos diferentes “usos de si” (Schwartz). “Currículo real” tem a ver com pluralidade de práticas e de sentidos; são multidimensionais, complexos, plurais, incontroláveis e falam do trabalho real, que recusa diferentes formas de prescrição/modelização do trabalho docente.
A processualidade do currículo está expressa no capítulo 3, que aborda os saberes-fazeres-
poderes consumidos-produzidos, no contínuo movimento de realização curricular cotidiana.
131
Anexo
Matriz curricular - 2006 - CURSO 681 (matutino) 1º
Período 375h
Introdução à Filosofia
75h FIL
Sociologia da Educação
60h CSO
Introd. à Psi. da Educação
60h DPSI
História da Educação I
60h EPS
Introd. à Pesquisa
Educacional 60h EPS
Política e Org. da Educ. Básica 60h EPS
2º Período
C.H. 405h
Filosofia da Educação
60h EPS
Arte e Educação
60h LCE
Psicologia da Educação II
60h DPSI
História da Educação II
60h EPS
Pesquisa Extensão e
Prática Ped.I 105h EPS
Educ. Corpo e Movimento
60h LCE
3º Período
C.H. 405h
Infância e Educação
60h LCE
Introdução à Educação
Especial 60h TEP
Alfabetização I 60h LCE
Introd. à Gestão
educacional 60 h EPS
Pesquisa Extensão e
Prática Ped. II 105h LCE
Movimentos Sociais e EJA
60 h EPS
4º Período
C.H. 405h
Matemática I
(C. M.) 60h TEP
Didática 60h TEP
Alfabetização II
60h LCE
Ciências Naturais (C. M.)
60h TEP
Pesquisa Extensão e Prática Ped.
III 105h TEP
Trabalho docente na
Educ. Infantil 60h LCE
5º Período
C.H. 405h
Matemática II (C. M.)
60h TEP
Gestão Educacional
60h EPS
Português (C. M.)
60h LCE
Trabalho e Educação
60h EPS
Pesquisa Extensão e Prática Ped.
IV 105h EPS
Tecnol. De Informação e Comunicação como apoio
Educ. 60h LCE
6º Período
C.H h
435
Currículo da Ed. Infantil
60h TEP
Geografia (C. M.)
60h EPS
Estágio Supervisionado da Ed.Infantil
120h TEP
História (C. M.)
60h EPS
Fundamentos da Língua
Brasileira de Sinais 60h LCE
Trabalho de Conclusão de Curso I
75 h TEP/LCE/EPS
7º Período
C.H 375h
Currículo dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental
60h TEP
Estágio Supervisionado
dos Anos Iniciais do
Ensino Fund. 120h TEP
1ª Optativa 60h
TEP/LCE/EPS
2ª Optativa 60h
TEP/LCE/EPS
Trabalho de Conclusão de Curso II
75h TEP/LCE/EPS
8º Período
C.H. 405h
Educação, Diversidade e Cidadania
60h EPS
3ª Optativa 60h
TEP/LCE/EPS
Trabalho docente na
Gestão Educacional
60h EPS
Estágio Sup. em Gestão Ed.120h
EPS
Tópicos Avançados em
Educação 60h
TEP/LCE/EPS
Seminário de TCC 45h
TEP/LCE/EPS
Carga Horária Total: 3.410 h Obrigatórias: 3.030 h; Optativas: 180 h; Atividades Complementares: 200 h
132
Ora direis ouvir estrelas. Certo, perdestes o senso, dizia o poeta. Porém, Boaventura proclama Nas suas práticas discursivas, a necessidade De reencontrar esse senso (perdido?!), Um senso comum que se faça renovado, Proveniente da desaprendizagem Do Norte e produzido com A aprendizagem com o Sul. Resgatar uma infinidade de experiências Perdidas, ignoradas, desqualificadas No Sul, em favor de um Pensamento único, dominante, Que tem prevalecido na ciência moderna. A ordem, portanto, é desmodernizar E transmodernizar, criticamente, o caminho, Pois o novo constrói-se a partir do velho, Verdadeiro campo de possibilidades, Até, então, invisibilizadas. É um trabalho de reinvenção. Um procedimento de “comer pelas bordas”, Como se diz no popular, ou seja, Agir a partir das margens, das fronteiras. Produzir uma teoria crítica-renovada, Fundada na hermenêutica diatópica, Entre conhecimento científico e senso comum, Sem que um domine o outro. Cada um ter seu espaço e Se completar em suas incompletudes.
ENEIDA
133
CAPÍTULO 3
Constelações de saberes-fazeres-poderes da formação
“Ao longo dos séculos, as constelações de saberes foram desenvolvendo formas de articulação entre si e hoje, mais do que nunca, importa construir um modo verdadeiramente dialógico de engajamento permanente, articulando as estruturas do saber moderno/científico/ocidental às formações nativas/locais/tradicionais de conhecimento. [...]. Não há nem conhecimentos puros, nem conhecimentos completos; há constelações de conhecimentos” (SANTOS, 2006, p. 154).
Neste capítulo, destaco tópicos do Projeto do Curso de Pedagogia para discuti-los associados
às enunciações discursivas das participantes no que concerne aos saberes-fazeres-poderes da
formação, consubstancializados em três núcleos de ensino: estudos básicos, aprofundamento e
diversificação de estudos, e estudos integradores. O PPC (2006, p. 16) traz uma conceituação
curricular que sintetiza os encaminhamentos que devem orientar sua realização cotidiana,
destacando os saberes a serem trabalhados na formação. O currículo é assim considerado “[...]
como um conjunto de atividades, disciplinas e posturas, voltadas para o desenvolvimento das
dimensões pessoal, profissional e social, por sua vez, embasadas na tríplice relação: a)
domínio de saberes, b) transformação de saberes, c) atuação ética”. Portanto, a formação do
pedagogo implica uma pluralidade de saberes situados na aproximação entre a Teoria da
Educação e da Pedagogia, Filosofia e as demais ciências: Sociologia, Psicologia, História,
Antropologia, Política, Linguagem, Ciências da natureza etc. (PPC, 2006, p. 16). São campos
do saber que intra-inter-transdisciplinarmente possibilitarão ao futuro-pedagogo proceder à leitura do mundo onde se situa e atua cotidianamente, construindo, nessas interfaces, os saberes educacionais para atuar na docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Res. CNE/CP n. 01/2006, Art. 2º.; PPC p. 16-7).
O profissional a ser formado com essa proposta curricular seria “[...] um produtor de saberes.
Mediador de saberes no processo de ensino-aprendizagem, [...] deverá se envolver com a
134
pesquisa, visto que a reflexão individual e coletiva essencial para uma prática reflexiva e
transformadora necessária é característica de um pedagogo pesquisador” (PPC, p. 17). Essa
formação, fundamentada na ação-reflexão-ação, deve propiciar condições para que o futuro
pedagogo assuma uma postura de indagação e reflexão no contexto em que atua, na
perspectiva de encontrar possíveis soluções para os problemas cotidianos (PPC, p. 33).
Seguindo as indicações da ANFOPE e do FORUMDIR, o CE elaborou a proposta formativa
para o curso de Pedagogia (PPC, p. 18) perspectivando a formação de um: a) profissional que conheça os caminhos da prática docente, saiba trabalhar no coletivo, [...] estar
sintonizado com processos de mediação entre o contexto escolar e o social;
b) professor-pesquisador capaz de perceber a complexidade de sua ação, [...];
c) pesquisador que saiba formar pesquisadores;
d) profissional da educação com possibilidades de intervenção pedagógica nas práticas sociais fora da
escola, [...].
Assim, a formação oferecida no curso é destinada ao exercício da docência, da gestão dos
processos educativos escolares e não-escolares, da pesquisa na produção e difusão do
conhecimento científico e tecnológico do campo educacional, devendo os formadores estar
atentos para essas dimensões do processo formativo (PPC, p. 30). Considerando a relação
entre ensino, pesquisa e extensão como um dos princípios mais importantes que fundamentam
a formação profissional do pedagogo, foram inseridas e enfatizadas na matriz curricular,
disciplinas como Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III, IV, que podem ser
exploradas de forma intra-inter-transdisciplinar, como meio de realização de Projetos de
Extensão associados aos Projetos de Ensino e Pesquisa (PPC, p. 79). Para melhor entender os
saberes da formação esclareço, a seguir, o significado de algumas palavras presentes no
conceito de currículo, pois são significativas para sua compreensão; são elas: atividades,
disciplinas e posturas do PPC.
a) Atividades
No Regulamento Interno das Atividades Complementares (PPC, 2006, p. 58), o Art. 2º (p. 59)
explicita a concepção de atividades53: Consideram-se Atividades Complementares aquelas que, garantindo relação de conteúdo e forma com atividades acadêmicas, se constituam em instrumentos válidos para o aprimoramento na formação básica e profissional. Seus objetivos devem convergir para a flexibilização do curso de Pedagogia no sentido de oportunizar o aprofundamento temático e interdisciplinar.
53 Ver anexo neste capítulo.
135
O PPC destina 200 horas para Atividades Complementares e relaciona ações que nelas podem
ser incluídas: projetos de pesquisa de iniciação científica, projetos de extensão universitária,
cursos de extensão, monitorias, Programa Especial de Treinamento (PET), congressos,
seminários, simpósios, encontros, conferências, entre outras. Além disso, os estudantes,
também, poderão participar de atividades dedicadas à educação de pessoas com necessidades
especiais, à educação do campo, indígena e com remanescentes de quilombos, em
organizações não-governamentais, escolares e não-escolares, públicas e privadas (PPC, p. 37).
b) Disciplinas
As disciplinas estão circunscritas na matriz curricular54 e constituem três núcleos de estudos,
que são traduzidos em 48 disciplinas, distribuídas por oito períodos, tendo seis disciplinas em
cada um, totalizando a carga horária de 3.410 horas (h), sendo 3.030h (disciplinas
obrigatórias), 180h (disciplinas optativas) e 200h (atividades complementares). Esses núcleos
de estudos devem propiciar a formação do profissional que “[...] cuida, educa, administra a
aprendizagem, alfabetiza em múltiplas linguagens, estimula e prepara para a continuidade do
estudo, participa da gestão escolar, imprime sentido pedagógico a práticas escolares e não-
escolares, compartilha os conhecimentos adquiridos em sua prática” (PPC, p. 30).
O currículo do curso de Pedagogia continua com uma estrutura organizacional disciplinar,
embora a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) abra espaço para novas formas de organização do
ensino. Linhares (2000, p. 48) sugere que um dos caminhos para a mudança educacional pode
ser a invenção de uma nova forma de organização. Ela pergunta com Varela: “[...] quais as
possibilidades que vão se abrindo para novos tipos de organização dos conhecimentos?”. E
continua: “[...] para avançar é necessário romper o círculo vicioso criado pela
disciplinarização dos saberes e pela disciplinarização dos sujeitos, [...]’” (VARELA, 1994,
apud LINHARES, 2000, p. 49). Seria possível, então, encontrar diferentes modos de
organizar os saberes curriculares?! A disciplinarização fragmenta e engessa os saberes-
fazeres-poderes como, também, a sociedade.
Há muito, ocorrem movimentos que visam a romper com as grades curriculares e com as
pesquisas circunscritas a divisões disciplinares, porém, essa é uma prática convencional
naturalizada e difícil de ser mudada; encontra barreiras, inclusive, na estrutura administrativa
54 Ver anexo capítulo 2, desta tese.
136
da própria Universidade. Apesar de a legislação permitir a abertura para experimentações
dessa natureza, há uma espécie de medo da mudança, apesar de se propalar a inconveniência
da fragmentação dos saberes, sem contar aspectos de ordem burocrática. Surge uma questão
que fica por responder: seria viável, prudente, mudar a formatação do curso de Pedagogia e
organizá-lo de outros modos, novos agrupamentos de conhecimentos e saberes, áreas de
interesse, problematizações?! E mais ainda: deveria o curso experimentar a vivência
cognitiva, pedagógica, ética, estética, cultural, política na intra-inter-transdisciplinaridade, na
integração de saberes-fazeres-poderes, desfazendo fronteiras disciplinares, relacionais, de
poder e trabalhar o conhecimento, a formação, de modo integrado, plural, emancipatório?!
Assim, as futuras-pedagogas teriam a oportunidade de vivenciar o que lhes é proposto que
façam na escola, tanto pela legislação como pela formação: não fragmentar nem encarcerar os
conhecimentos em disciplinas fechadas, mas trabalhá-los de forma integrada na Educação
Infantil e no Ensino Fundamental.
Conversei com as participantes, sobre o currículo na perspectiva da disciplinarização, que é o
modo como funciona o curso no Centro de Educação. Mudar o formato atual implicaria risco,
audácia, desejo, inventividade, insegurança, pôr-se em outros movimentos, ir além,
(des)construir, enfim. Implicaria aperfeiçoar o falar, o ouvir, o calar, o aceitar, o saber, o
poder, o partilhar, o conviver. Seria trabalhar como uma comunidade compartilhada. Mudar,
porém, não significa ignorar o que vem sendo realizado, mas (re)significar, (re)ler,
(re)inventar porque o novo se faz pela repetição, como lembra Larrosa (2006, p. 62), a palavra
“repetição” em alemão significa, também, “renovação”: ao repetir renova-se, nunca se faz do
mesmo modo!
c) Posturas
As posturas a serem aprendidas-inventadas-adotadas de acordo com o PPC (p. 20) indicam
que “O perfil do profissional, portanto, baseia-se no pressuposto de que o Pedagogo deve
assumir postura profissional ética pautada na responsabilidade social para com a construção
de uma sociedade includente, justa e solidária, [...]”. O texto refere-se, também, à postura do
pedagogo no que concerne aos portadores de necessidades especiais: “[...] os professores
deverão sentir-se sempre desafiados a trabalhar com postura ética e profissional, acolhendo os
alunos que demonstrem qualquer tipo de limitação ou deficiência [...]” (PPC, 2006, p. 28).
137
Sobre a postura dos alunos em sala de aula, que é, também, um tipo de aprendizagem, a
professora P14 falou:
É nosso papel também. “Tem coisas que não admito: uma pessoa apresentando trabalho e o aluno
conversando! Se quem está apresentando não se incomoda, EU me incomodo! É um desrespeito ao
colega! Às vezes o aluno chega, você está conversando, ele põe a perna em cima da mesa. Não querendo
dizer que tem que ser um quartel general, não é isso, mas é educação básica de convivência!.
Nas discursividades de alunas são encontrados exemplos de posturas que elas dizem ter que
assumir, devido às exigências da profissão para a qual estão se preparando: Quando cheguei aqui (no CE) começou aquela coisa: _ Você vai ser professora, vai ser isso, aquilo. Aí a
gente ficou: _ Meu Deus, que é isso? Para onde eu vou? (A)55.
Acredito que sair do segundo grau para a faculdade é uma transformação muito forte. Particularmente,
acho que quando chega o mês de setembro (para quem entrou no segundo semestre) a gente tem vontade
de desistir. _ Por que, MEU DEUS?! Você começa a ouvir... Os professores falam tanto que a gente vai
formar, tem que modificar, que inovar em educação, esquecer educação bancária, tem que ser educação
libertadora, fazer estilo Paulo Freire! (A).
P6 expõe sua percepção de professora sobre o discente, que cedo deve decidir-se por uma
profissão e assumir uma postura conivente com o papel social que vai desempenhar como
pedagogo: O nosso curso exige, acho que nós, professores! Os alunos chegam aqui e são cobrados em relação a
uma postura de mais seriedade, de mais responsabilidade: _ Porque vocês são educadores, falamos. É
um jeito de ser nosso que exige postura (ética, moral) de bom comportamento, entendeu? (tom de
seriedade na voz). Quando chega ao segundo, terceiro período elas vão mudando, vão amadurecendo.
Além dos termos explicitados “atividades, disciplinas e posturas”, o conceito de currículo
(PPC) propõe o desenvolvimento das dimensões pessoal, profissional e social do futuro-
pedagogo, que devem ser trabalhadas na perspectiva da totalidade, da produção de
subjetividades emancipatórias. Essas dimensões implicam uma formação que abranja a vida, o
ser pessoal, individual, o prazer de aprender-saber-fazer-poder, como também, aspectos
relativos à vida profissional, ao preparo para participar e para assumir cargos públicos na
Educação. Na dimensão social, aborda o viver, o conviver, coletivamente, de modo ético
(afetivo e estético), nos grupos de trabalho, nas relações com diferentes segmentos da escola e
da sociedade. Conforme o PPC essas dimensões estão fundamentadas numa tríplice relação
com os saberes: a) domínio de saberes (base de conhecimentos do pedagogo); b) 55 Todas as alunas estão identificadas pela letra A ou pela palavra ALUNA.
138
transformação de saberes (atuação como produtor de conhecimentos); e c) atuação ética
(atuação ético-política).
Com base nas Diretrizes para Formação de Professores do MEC, o CE apresenta no item sete
do PPC (2006, p. 24-6) a estrutura do curso de Pedagogia, “respeitadas a diversidade local e
sua autonomia pedagógica”, que é materializada em três núcleos, consubstanciados nas
disciplinas que compõem a matriz curricular do curso de Pedagogia (PPC, 2006, p. 39): um
núcleo de estudos básicos, que deve considerar a diversidade e a multiculturalidade da
sociedade brasileira; um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, voltado para
as áreas de atuação profissional priorizadas no projeto do curso; e um núcleo de estudos
integradores, para enriquecimento curricular. Assim, torna-se imprescindível que, no decorrer
de todo o curso, estudantes e professores-formadores
pesquisem, analisem, interpretem fundamentos históricos, políticos e sociais de processos educativos; aprofundem e organizem didaticamente os conteúdos a ensinar; compreendam, valorizem e levem em conta ao planejar situações de ensino, processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, em suas múltiplas dimensões: física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial; planejem estratégias visando a superação das dificuldades e problemas que envolvem a Educação Básica (PPC, p. 29).
Este é o caminho proposto pelo CE, em consonância com as Diretrizes Nacionais, para pôr em
prática a estrutura do curso de Pedagogia, comprometido que é com a formação de um
profissional crítico, criativo, ético, reflexivo, investigador, que acredito, busque a produção
inventiva de um novo saber-fazer-poder solidário e utópico. A estrutura relativa aos conteúdos
da formação de pedagogos é bastante abrangente e possibilita, ao que parece, uma base
teórico-prática (práxis) significativa. Ela prioriza a inclusão e no seu texto ressalta a
importância dos pedagogos “[...] conhecerem as políticas de educação inclusiva e
compreenderem suas implicações organizacionais e pedagógicas, para a democratização da
Educação Básica no país. A inclusão não é uma modalidade, mas um princípio do trabalho
educativo” (PPC, p. 27).
O PPC (2006, p. 77-8) faz, também, referência ao uso das tecnologias de informação e
comunicação (TIC), área que inclui saberes decorrentes do processo acelerado de
desenvolvimento da tecnologia. O Parecer CNE/CP nº 9 de 2001 destaca a ausência de
conteúdos relativos ao uso das TIC na formação de professores, por isso as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação de Professores “[...] estabelecem, por
139
meio da Resolução CNE/CP nº 2/2002, artigo nº 2, que a organização curricular dos cursos de
formação de professores deverá observar, dentre outros aspectos, o uso de tecnologias da
informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio
inovadores”.
Coerente com essa orientação, a Resolução CNE/CP Nº1/2006 que institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, define no artigo 5º, inciso
VII, que o egresso desse curso deverá estar apto a: “Relacionar as linguagens dos meios de
comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das
tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens
significativas”. Por isso, foi incluída na matriz curricular (2006) do curso de Pedagogia, a
disciplina Tecnologias de Informação e Comunicação como apoio Educacional (60 horas). A
oferta de disciplinas relacionadas às TICs e o seu uso no ensino-aprendizagem, exige que o
CE ajuste sua estrutura para que elas sejam utilizadas como artefato de formação. Implica,
ainda, mudanças no trabalho pedagógico, na relação de docentes e discentes com o
conhecimento e com as pessoas, na concepção-utilização do espaço-tempo, no ambiente
escolar e não-escolar e na vivência colaborativa de ensino-aprendizagem em redes, uma vez
que “O futuro encontra-se, assim, na encruzilhada dos saberes e das tecnologias”, conforme
Santos (2006, p. 154).
Que saberes-fazeres-poderes da docência?
56
As práticas das bruxas constituíam crenças, concepções e condutas que desestabilizavam os dogmas medievais e católicos. Elas criaram uma dimensão ética-estética-política que produzia vida e existência nas margens e nas lacunas da máquina burocrática de Estado (KROEF, 2006, p. 4-5)57.
56 Fonte da imagem: Livro “Manual prático de bruxaria: em onze lições”, Malcolm Bird. 57 “As bruxas, ao mesmo tempo, rebatiam os dogmas da Igreja e o poder do rei, produzindo saberes que bifurcam com a ciência – por vezes maldita. Entretanto, estes saberes eram considerados de segunda categoria pelos critérios modernos de conhecimento. As bruxas, enquanto máquinas de guerra, não se submetiam nem à Igreja, nem à ciência, abriam fendas que conferiam à vida uma alegria, uma travessura, um riso e possibilidades de existência incompatíveis com seus dogmas e referentes científicos (KROEF, 2006, p. 4-5).
140
Sou provocada e provoco com perguntas: O que é o saber? Quem produz os saberes da
formação? Que saberes são “próprios e necessários” à formação profissional? A formação do
pedagogo, como a do profissional de outras áreas, implica conhecimentos que o habilitem a
exercer a função própria daquela profissão para a qual se prepara na graduação e em outros
estudos. Para isso, o curso deve propiciar transmissão, apropriação e produção de saberes-
fazeres-poderes coerentes com a profissão para a qual o estudante está se preparando. Os
saberes seriam assim, os conhecimentos específicos e gerais relativos à profissão; os fazeres,
seriam a utilização prática desses saberes e os poderes, constituiriam a capacidade, a condição
para assumir e exercer determinada função, pois todo lugar de poder é “[...] ao mesmo tempo,
um lugar de formação de saber” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XXI). Esses
saberes são acadêmicos, pedagógicos, específicos, gerais, cotidianos, relacionais, afetivos,
experienciais, práticos, saberes de toda ordem, perpassados pela ética, pela política e pela
estética.
Na versão moderna da ciência, os conhecimentos da prática eram entendidos como senso
comum. No mundo atual, foram criados novos campos científicos, ecologia, informática,
telemática, entre outros. Eles se desenvolvem a partir do rompimento de fronteiras
disciplinares e da criação de redes de relações, de comunicação, de conhecimento. “Foucault,
historiador dos saberes, ou dos saberes/poderes, tinha uma aguda consciência desse modo de
ser do saber moderno” (TERNES, 2004, p. 165). Assim, de acordo com a concepção moderna
de conhecimento, que valoriza o saber científico como o único credível, os saberes da
experiência docente e escolar têm sido desvalorizados, ao longo dos tempos. Então, eu
perguntaria se no contexto da formação, esses saberes seriam semelhantes aos saberes de
bruxas: (re)negados pela modernidade, (in)visibilizados, (des)qualificados pelo saber
científico, pelo poder da academia?! Como praticantes do curso de Pedagogia produzem,
consomem e disseminam saberes-fazeres-poderes no processo de formação de pedagogos?
Em Larrosa (2006, p. 52) encontro uma possível resposta: “Porque se alguém lê ou escuta ou
olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é
ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado
à sua própria forma”, e assim, alguém vai se formando, gradativamente, continuamente, na
relação consigo e com o outro, eu completaria.
Pois bem, este capítulo trata de saberes-fazeres-poderes da formação de pedagogos. Tomei
como base, estudos de Boaventura de Sousa Santos (1997, 2002, 2004, 2006, 2007, 2008),
141
associados à contribuição de outros autores, para fundamentar a minha construção teórico-
prática. Santos propõe a produção de um conhecimento-emancipação que se constrói ao longo
de uma trajetória entre a ignorância, concebida como colonialismo e o saber, como
solidariedade. A ignorância compreendida como colonialismo significa o não-reconhecimento
do outro como igual e sim, como objeto (SANTOS, 2006, p. 32). Na Educação isso poderia
ocorrer na relação hierárquica equipetécnica-professor-aluno-escola-família, em situações que
pedem, e são negadas, atitudes de colaboração, respeito, solidariedade. O autor (2006, p. 154)
sugere utilizar a ecologia de saberes, procedimento que deve ser compreendido como ecologia
de práticas de saberes.
Nesse sentido, seria trabalhar o conhecimento como emancipação, valorizar o saber do Sul
(periferias) e desaprender do Norte (centros hegemônicos), pois o conhecimento científico,
ainda, é a forma de conhecimento privilegiada na sociedade, nos meios acadêmicos
(SANTOS, 2006, p. 137). Os saberes considerados não-científicos são excluídos do cânone
ocidental e continuam, até hoje, de certo modo alijados dos debates. A ecologia de saberes e
práticas permite não só superar a monocultura do saber científico como superar a idéia de que
os saberes não-científicos são alternativos ao saber científico (idem, 2006, p. 107), pois na
verdade não o são, mas constituem outros tipos de conhecimentos, embora não reconhecidos
pelo cânone ocidental; são os saberes da experiência, do senso comum e múltiplos outros
saberes produzidos que circulam nos diversos espaços sociais. É preciso, então, reconhecer a
pluralidade de saberes heterogêneos, a autonomia de cada um e a articulação entre eles (idem,
2006, p. 157). A ecologia de saberes e práticas perspectiva a criação de novos modos de o
conhecimento científico relacionar-se com outras formas de conhecimento e conceder
igualdade de oportunidade às diferentes formas de saber.
O que pensam as docentes
Nas suas narrativas, professoras58 participantes desta pesquisa apresentam agrupamentos de
saberes que são muito próximos uns dos outros e coerentes com o PPC. Segundo P8, ela
“Poderia agrupar esses saberes (da formação) em duas categorias: o saber eminentemente
voltado para a área de estudo (específico); e, uma outra grande categoria, a do saber
metodológico, do saber didático, do saber pedagógico, [...], para preparação dos meus
alunos para lidar com outros alunos. [...]”. A professora P2 distribui os saberes, no que
58 Utilização do feminino porque todas as participantes são do sexo feminino, com exceção de um participante.
142
chama de três grandes conteúdos: “1) disciplinas de fundamentação (História da Educação,
Filosofia, Sociologia, Psicologia e Antropologia (que não está incluída no currículo)),
disciplinas das práticas (ênfases) e disciplinas integradoras; 2) disciplinas que dão suporte
às questões educacionais (Didática, Currículo, Avaliação) e são fundamentais; 3) grupo dos
saberes-do-fazer (conhecimentos dos conteúdos a serem ensinados às crianças e do como
ensinar)”. Essa professora ressalta a importância do grupo dos saberes-do-fazer,
exemplificando com uma situação cotidiana de sala de aula:
_ Amanhã é sua primeira aula e você vai falar de fração. Como é que se ensina fração?
_ Amanhã você vai falar de corpo humano. Como é que se ensina corpo humano? Como é que você
constrói conceito científico de esqueleto?
E aí, as experiências são feitas como se essas pessoas adultas fossem crianças. Às vezes, eu fico agoniada
de ver coisas desse tipo; infantiliza a ação do aluno (futuro-pedagogo). Enquanto professora, tenho esse
tipo de resultado, estou desenvolvendo o conhecimento científico e com o meu aluno, eu estou partindo do
conhecimento do cotidiano, do conhecimento do aluno sobre plantas.
_ Que conceitos científicos quero trabalhar com esses alunos, quais são as possibilidades de
conhecimento científico aos nove anos e daqueles que têm nove anos e não chegaram lá?
_ O que é base? Aonde esses meninos estão? Não adianta falar em músculos com esses meninos, que eles
não têm ainda a noção.
_ Então, o que está atrás, para dizer que o corpo se sustenta e a caveira não cai? Que conhecimento de
base é esse que essa meninada precisa?
_ Está tudo bem! Nós queremos falar de poluição mas se eles não derem conta de que existe uma coisa
chamada ar que a gente respira, não adianta falar em poluição, ainda (P2).
Autores diversos, professores, como eu, concordam que os saberes docentes constituídos
pelos Fundamentos da Educação, específicos das áreas de ensino, metodológicos, assim como
os da experiência e os de natureza geral, são imprescindíveis para o docente ensinar-para-
aprender-a-ensinar, mas o processo não se reduz a isso. Outros fatores, também, interferem
nesse movimento: fatores endógenos (motivação, problemas pessoais, saúde, formação, etc.) e
exógenos (políticas públicas, investimentos na educação, estrutura física, condições de
trabalho, relações, etc.). Seria assim, como propõe Santos, partir de um ponto de ignorância, a
colonialidade, para um ponto de saber, a solidariedade; na ecologia de saberes e de práticas
entrecruzam-se ignorâncias e conhecimentos porque ambos coexistem nos diversos espaços
sociais.
143
Então, o que ensinar-aprender-para-ensinar? [...] não há como estudar processos educativos, na sua relação ensinar-aprender, sem explicitar o que se quer ensinar e o que se pretende aprender (PPC, p. 27).
[...] os saberes pedagógicos são os saberes que fundamentam a práxis docente, ao mesmo tempo em que a prática docente será a expressão do saber pedagógico e desta forma fundamentar-se-á que a atividade docente é uma prática social, historicamente construída, que transforma os sujeitos pelos saberes que vão se constituindo, ao mesmo tempo em que os saberes são transformados pelos sujeitos dessa prática (FRANCISCO, 2006, p. 31).
Fonte: A Gazeta, ES.
Os saberes na formação são trabalhados conforme orientação do PPC (2006), observando o
que ele propõe: estrutura curricular, conhecimentos e habilidades, princípios da formação,
além de outras dimensões. A análise dos saberes, neste estudo, levou em consideração essas
orientações, além de associá-las às dimensões política, estética e ética. Nesse sentido, o
ensino, a aprendizagem e a produção de saberes no curso de Pedagogia priorizam a formação
de um profissional, o pedagogo, que tenha as características de docente, pesquisador e
extensionista; de gestor de processos e práticas sociais escolares e não-escolares; de produtor
e mediador de saberes; que integre teoria e prática e saiba formar pesquisadores (PPC, 2006).
Mediante a configuração apresentada no PPC, perguntaria: que saberes devem ser ensinados-
aprendidos na formação do profissional pedagogo?
Pois bem, na Proposta Curricular (2006, p. 17), uma tríade de saberes constitui os vértices de
uma formação com foco na docência, na pesquisa e na gestão. Nesse sentido, um processo de
formação que pretende habilitar profissionais para exercer uma multiplicidade de funções,
também, exige uma multiplicidade de conhecimentos e habilidades, que estariam
materializados nos três núcleos que constituem a estrutura curricular do curso. Assim, no
processo de formação, os seguintes tipos de conhecimentos são necessários, segundo o PPC
144
(2006, p. 21-2): conhecimentos pedagógicos de formação geral; conhecimentos pedagógico-
didáticos; e conhecimentos das áreas específicas. As alunas, participantes desta pesquisa, já
identificaram alguns desses saberes-fazeres-poderes nas disciplinas que fizeram ou estão
fazendo. Elas relatam: Quando nos colocam a refletir sobre a necessidade do trabalho colaborativo, a gestão em si, expõe o
problema e questiona o cotidiano. Isso nos leva a pensar esse pedagogo como a pessoa que vai estar ali
pra pensar, coordenar, como professor em sala de aula. (A)
O pedagogo que planeja, que procura se organizar, se orientar, a flexibilidade pra não fazer tudo igual,
[...] vai ter casos diferentes com o aluno, com problemas sociais, etc. [...]. (A)
Eu acredito que a cada matéria diferente que a gente faz, descobre uma coisa nova, vê algo que passa
despercebido. A gente, às vezes, até volta à infância e relembra o que aconteceu na época de
alfabetização, de séries iniciais, isso é uma maneira de transpor para os nossos dias e faz pensar: _
Peraí, fizeram isso com a gente, não foi legal! Não vou querer fazer a mesma coisa que a gente sofreu.
Penso que dá pra haver uma reflexão em cima desses conhecimentos na maneira como você vai lidar com
certos problemas, com certas situações. (A)
Porém, continuo com perguntas: os saberes da formação docente seriam considerados como
conhecimento-emancipação?! Penso que sim, mesmo que não esteja explícita essa concepção
no PPC. Seria um tipo de conhecimento a que Santos (2007) chama de “conhecimento
prudente para uma vida decente”, que deve ser científico e social. É um saber que procura
considerar o conhecimento tecnológico sem ignorar a necessidade de uma vida melhor para o
ser humano. Assim, o saber da formação docente seria um conhecimento-emancipação, entre
outras razões, porque visa à melhoria da qualidade do curso e à participação coletiva da
comunidade acadêmica fundadas no princípio da comunidade; e à discussão da implantação
de práticas alternativas de aprendizado, realizadas dentro e fora da sala de aula, reflexão e
discussão dos mecanismos de ensino, integração com a sociedade, reveladas pela ecologia dos
saberes e práticas (PPC, 2006, p. 5). Objetiva, ainda, em conformidade com a racionalidade
estético-expressiva e a racionalidade moral-prática que o egresso tenha [...] visão crítica da sociedade em que ele irá atuar, das suas responsabilidades éticas e sociais, do seu comprometimento com a disseminação e aplicação do conhecimento adquirido, tornando-o capaz de atuar de maneira dinâmica na pesquisa, na aplicação de conhecimentos no mercado de trabalho de modo responsável e na inovação educacional visando ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa (PPC, p.11-2).
De acordo com Santos (2002, 2007), a ciência moderna desenvolveu-se no campo do
conhecimento-regulação que canibalizou as possibilidades do conhecimento-emancipação.
Esse autor (2007, p. 54-5) afirma que o ensino nas Universidades, a maneira de fazer teoria,
145
reprime e desacredita o próprio conhecimento. Para mudar essa situação e, assim, produzir um
conhecimento-emancipação, ele sugere desafios a serem enfrentados, que exemplifico com
falas de professoras: 1º) reinventar as possibilidades emancipatórias:
“Eu acho que nós precisamos, urgente, eu vou falar enquanto alguém que tem a pesquisa como foco do
trabalho e a formação na perspectiva do professor investigador. Para mim, é esse o eixo da formação; se
não é “o”, é “um” dos principais na minha perspectiva (P2).
2º) sermos interdisciplinares; buscar outra metodologia (modos) de saber, ensinar, aprender: “[...] conhecer número e saber fazer as contas. Então, isso continua valendo, não mudou não. Agora, o
que a gente traz hoje, é compreender que para contar e operar com números, você precisa conhecer o
conceito. [...]” (P17). “Então, eles traziam a questão da escola, dos seus alunos, dos seus outros colegas
e isso era muito enriquecedor para a aula” (P10).
3º) desenvolver subjetividades rebeldes e não conformistas: “Eu não entendo essa lógica de uma criança de sete anos de idade na primeira série ter que ficar sentada
na carteira por quatro horas” (P10); ao contrário, é preciso promover a autonomia, a vontade de fazer e
não a passividade monótona e a-criativa.
4º) o objetivo da sociologia das ausências e do procedimento de tradução é a tentativa de criar uma
Epistemologia do Sul: “É a possibilidade de produção do conhecimento sobre um Currículo em processo que está iniciando e
que tem uma contribuição que eu diria nacional, porque assim como você, outras pessoas estão olhando
esse currículo. Eu acho que formamos um corpo de conhecimento: é fundamental. [...]” (P2).
Portanto, vive-se uma época de transição paradigmática na sociedade e no mundo porque “[...]
temos problemas modernos para os quais não temos soluções modernas (SANTOS, 2007, p.
19), por isso há necessidade de (re)inventar a emancipação social59, ou seja, aprender com o
Sul global e propor suas próprias soluções. Essa necessidade advém da não realização de
valores como liberdade, igualdade, solidariedade e paz (idem, 2006, p. 27). Na sua proposta
de reconstrução teórica, esse autor parte de idéias marginalizadas pela modernidade ocidental:
o princípio da comunidade (pilar da regulação) e a racionalidade estético-expressiva
(emancipação social). Embora pareça que não tenha sido tão marginalizada como as citadas, a
racionalidade moral-prática, também, precisa ser incluída aí, em virtude de esta racionalidade
estar tão desprestigiada, hoje, apesar de ser, intimamente, relacionada com as demais; acredito
que sem ela as outras não se restabelecem, não se firmam. Vive-se, hoje, uma discrepância
entre expectativas e experiências, entre teoria e prática social, por isso, “[...] não é 59 Na modernidade “[...] a emancipação social é concebida como o processo histórico da crescente racionalização da vida social, das instituições, da política e da cultura e do conhecimento com um sentido e uma direcção unilineares precisos, condensados no conceito de progresso” (SANTOS, 2006, p. 31).
146
simplesmente de um conhecimento novo que necessitamos; o que necessitamos é de um novo
modo de produção de conhecimento. [...] necessitamos é de um pensamento alternativo às
alternativas” (SANTOS, 2007, p. 20) já existentes.
Na Educação, também, há discrepâncias entre expectativas e experiências, por exemplo: uma
maior qualificação dos docentes implica melhor ensino (expectativa), mas nem sempre é
assim que ocorre (experiência); uma maior qualificação docente resulta em aprendizagem
melhor e bons resultados discentes (expectativa), no entanto, cresce o índice de alunos que
chegam analfabetos funcionais ao final do Ensino Fundamental (experiência); o acesso ao
curso de Pedagogia fomenta o desejo de ser pedagogo-docente (expectativa), porém, no curso
de Pedagogia o interesse pela docência tem diminuído e aumentado o interesse pela gestão e
atividades não-escolares (experiência). Ocorre, assim, uma inversão nas discrepâncias: as
expectativas passam a ser mais negativas do que positivas em função das experiências
vividas.
É preciso continuar pensando a emancipação, não em termos modernos, porque os recursos
que regularam as discrepâncias estão em crise, mas com perspectivas transmodernas, o que
faz mudar o olhar que se põe sobre ela. Não está em crise, entretanto, a idéia de que
necessitamos e queremos uma sociedade, uma Educação, uma formação melhor e mais justa,
assentada em aspirações da modernidade: liberdade, justiça, igualdade e paz, pois estas
continuam necessárias. Afinal, o mundo continua com problemas modernos para os quais as
soluções modernas não mais dão conta, daí o caráter de transição em que vive. A reinvenção
da emancipação pode fazer aflorar novas soluções, novos possíveis para a Educação e para a
vida, ou fazer enxergar muitas, já existentes, porém, invisibilizadas.
As teorias hegemônicas da modernidade nem sempre se coadunam às realidades do Sul,
porque foram produzidas no Norte. Isso acontece na Educação, quando esta adota teorias
educacionais produzidas para realidades de países centrais e as assume como suas; algumas
vezes, os resultados são desastrosos. O caminho, portanto, é aprender com o Sul e produzir
teorias a partir da realidade periférica e semi-periférica, das margens, das fronteiras
(SANTOS, 2007, p. 19-20), conforme suas realidades. Vive-se, hoje, uma discrepância entre
teoria e prática social, que é nociva para ambas. Assim, para a teoria cega, a prática social é
invisível; para a prática cega, a teoria social é irrelevante. Na Educação, às vezes, se ouve
dizer: _ Na teoria é uma coisa e na prática é outra! Quer dizer, uma não consegue enxergar-
147
se na outra, nem vê-la, embora façam parte de um mesmo todo. Por isso, é preciso visibilizar
os conhecimentos e experiências existentes, reconhecê-los e realizar um diálogo entre as
diferentes culturas, por meio do procedimento da hermenêutica diatópica.
Esse novo “olhar” está ligado à “viragem cultural” nas ciências sociais, marcada pela ênfase
no estético e “[...] por uma renovada atenção ao visual e à percepção”, conforme alerta Nunes
(2002, p. 308). Na verdade, precisa-se de um pensamento alternativo às alternativas já
existentes, uma retomada da relação entre a cognição, a ética, a estética, a política, a
tecnologia e a cultura. Também, a Educação necessita de novos modos de produção de
conhecimentos que possam impulsionar de maneira emancipatória a formação de pedagogos,
nesse mundo revolucionado por tantas mudanças transglobalizantes implicadas em múltiplas
dimensões. Um desses modos poderia ser a produção de uma epistemologia que visibilize os
saberes silenciados, a conquista de espaços de produção, a divulgação e valorização desses
saberes, que na Educação seriam os saberes da prática escolar.
Nesse sentido, Santos (2007, p. 21) critica a racionalidade indolente que vigora no mundo e
ignora uma enormidade de experiências existentes, eu diria, inclusive, na Educação, nas
escolas, no próprio centro. Por isso, talvez, o discurso das professoras pesquisadas enfatize a
necessidade de “encontros” para planejar, para falar e ouvir sobre o trabalho de cada uma,
para divulgar eventos, projetos, resultados, numa atitude de compartilhamento de experiências
realizadas ou em processos de realização. A razão indolente manifesta-se de duas maneiras
principais: a razão metonímica (RM) e a razão proléptica (RP). A razão metonímica toma a
parte pelo todo, ignorando tudo que fica de fora; contrai o presente, porque desperdiça muitas
experiências, ignora a diversidade e produz ausências. Ela pode invisibilizar, na realização do
curso de Pedagogia, experiências bem sucedidas de ensino, projetos de pesquisa e extensão,
parcerias com escolas, necessidade de reuniões pedagógicas, de estudo, de planejamento
coletivo, de discussão das práticas, de criação de salas ambiente para determinadas áreas,
como Artes, Ciências, Matemática. A razão proléptica antecipa o futuro porque acha que já o
conhece, além de considerá-lo infinito. Nesse sentido, poderia perguntar se, no novo projeto
de curso, a formação estaria, de certo modo, sendo adiada para a especialização, no futuro,
devido à multiplicidade de dimensões abarcada, no presente, pela graduação?! A proposta do
autor é fazer o contrário dessas racionalidades, ou seja, ampliar o presente e encurtar o futuro
e, assim, combater a razão metonímica com a Sociologia das Ausências e combater a razão
proléptica com a Sociologia das Emergências, completadas pelo trabalho de tradução.
148
Mas, o que é a sociologia das ausências? “[...] é um procedimento transgressivo, uma
sociologia insurgente para tentar mostrar que o que não existe é produzido ativamente como
não-existente, [...], invisível à realidade hegemônica do mundo”, de acordo com Santos (2007,
p. 28-9; 2002, 2006). Com base nessa concepção eu perguntaria: Como a sociologia das
ausências pode expandir o presente no CE? Seria, por exemplo, repensando a variedade de
dimensões de formação/atuação que o currículo novo abrange?! O procedimento de tradução
proposto por Santos pode ser um caminho para ajudar a encontrar essa e outras respostas.
Entre os cinco modos de produção de ausências60 que esse autor (2007, p. 29) apresenta, o
primeiro, “a monocultura do saber e do rigor científico”, considera que só o saber científico é
válido e rigoroso. Essa monocultura ignora práticas sociais que são fundamentadas em saberes
populares, do senso comum, sem base científica e desqualifica conhecimentos alternativos;
nesse caso, o modo de produção, a forma social da inexistência é a ignorância. Na formação
de pedagogos seria desconsiderar a experiência docente e a experiência prática da escola em
geral, ignorar a experiência prática docente que estudantes do curso de Pedagogia, já
professores, trazem para a sala de aula da Universidade.
A sociologia das ausências propõe substituir as monoculturas pelas ecologias para visibilizar
experiências tornadas ausentes. Assim, a monocultura do saber e do rigor científico seria
substituída pela ecologia dos saberes e das práticas. Esta não pretende desacreditar as
ciências, mas propõe o uso contra-hegemônico da ciência hegemônica. Propõe que a ciência
não seja uma monocultura, mas participe de uma ecologia de saberes e de práticas que
dialogue com os múltiplos saberes, sem hieraquização. Santos (2007, p. 33) ressalta que não
basta conhecer a existência de um novo saber, mas é importante compreender o que ele pode
produzir na sociedade, por isso a proposta de fazer uma ecologia de saberes e de práticas, para
expandir o presente. Na formação de pedagogos essa ecologia não significaria, apenas,
conhecer os saberes “próprios” à docência, os saberes produzidos na formação, mas o que se
pode fazer com eles para realizar o trabalho docente, para melhorar o ensino-aprendizagem,
para formar pedagogos com características emancipatórias. Seria compreender como esses
saberes podem ser utilizados, como ensinar e aprender de outros modos, que efeitos produzem
nas crianças, nos adolescentes, na escola, na sociedade, etc.
60 1) Monocultura do saber e do rigor científico (ignorante); 2) Monocultura do tempo linear (residual); 3) Lógica da classificação social (inferior); 4) Lógica da escala dominante (local); 5) Lógica produtivista (improdutivo) SANTOS (2002).
149
A razão proléptica é enfrentada pela sociologia das emergências e procura reduzir o futuro.
Santos (2007, p. 37) propõe ampliar o presente e procurar ver “[...] os sinais, as pistas,
latências, possibilidades que existem no presente e que são sinais de futuro, que são
possibilidades emergentes e que são “descredibilizadas” porque são embriões, porque são
coisas não muito visíveis”. Portanto, que possibilidades podem ser visibilizadas no CE para
fertilizar a realização do currículo, para aprimorar a formação, hoje, e ver-fazer o futuro
agora, no presente?! Seria não transferir, de certo modo, a responsabilidade da graduação para
a especialização (docentes e discentes falam sobre a necessidade da especialização para poder
completar a formação e poder atuar), por exemplo?! Alterar a organização dos espaços-
tempos, criar salas-ambiente conforme solicitação de diversas professoras, devido à
especificidade das suas disciplinas?! Realizar trabalho integrado, intra-inter-transdisciplinar
entre professores do mesmo período e de outros, também?! Trabalhar em parceria com outros
setores da Universidade e da sociedade?! Integrar e partilhar o trabalho com a Escola Básica?!
As duas sociologias produzem uma variedade de realidades que não existiam antes, mas que
podem ser tornadas possíveis, como muitas das propostas citadas pelas professoras em nossas
conversações.
Em que consiste a sociologia das emergências? Ela “[...] consiste em substituir o vazio do
futuro segundo o tempo linear (um vazio que tanto é Tudo como é Nada) por um futuro de
possibilidades plurais e concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que se vão
construindo no presente através das atividades do cuidado” (SANTOS, 2004, 794). O
conceito que preside à sociologia das emergências é o conceito de “Ainda-Não”, proposto por
Bloch (1995), porém, na filosofia ocidental predominou os conceitos de “Tudo e Nada”.
“Ainda-não” é a categoria mais complexa, pois constitui um movimento latente, no processo
de manifestar o modo como o futuro se insere no presente e o expande. É um futuro que
constitui possibilidades e capacidades concretas que redeterminam, ativamente, tudo que
tocam, é consciência antecipatória, é capacidade (potência) e possibilidade (potencialidade).
Perpetua no presente uma possibilidade incerta, que nunca é neutra; pode ser a possibilidade
da utopia ou da solução, ou a possibilidade do desastre ou da perdição. Essa incerteza faz com
que toda mudança implique receio, insegurança e é ela, que dilata o presente e contrai o futuro
tornando-o carente e objeto de cuidado. São, pois, três categorias modais de existência,
conforme Bloch (apud SANTOS, 2004, 795): realidade, necessidade e possibilidade. A razão
indolente focou sua atenção nas duas primeiras e descuidou da terceira.
150
Segundo Santos, Bloch convida a destinar a atenção na categoria modal esquecida, a
possibilidade, que é o movimento do mundo e implica três momentos: 1) carência: algo que
falta, é o domínio do “Não”. Seria o momento de se pensar o que falta na formação docente
para que seja mais coerente com os novos tempos, com as necessidades da sociedade e,
principalmente, para atender ao que o estudante vai buscar com a formação, na Universidade;
2) tendência: processo e sentido, é o domínio do “Ainda-não”. O novo currículo do curso de
Pedagogia entrou em vigor em 2006/01 e está em processo de realização. Apesar de ser
fundamentado num projeto, de ter princípios orientadores, uma matriz curricular, número
determinado de períodos e prazo para ser concluído, ele não deve ter um sentido linear e único
para caminhar, atravessado e atravessando o cotidiano, na vivência de processos de
desreterritorialização, ultrapassando fronteiras, (re)significando concepções, num contínuo
devir-formação; 3) latência: o que está na frente desse processo; é o domínio do “Nada e do
Tudo”. A realização da formação é processual, então pode-se perguntar: o que “Ainda-não”
foi feito, o que pode ser feito, o que está invisibilizado? A estrutura do novo curso pode
resultar em sucesso e esperança, ou em fracasso e frustração; pelo acompanhamento e
avaliação da realização curricular, parece que a eliminação das habilitações não foi uma boa
medida; o curso está sendo muito audacioso em perspectivar a formação de pedagogos para
assumir a multiplicidade de funções atribuídas à tríade: docência, gestão e pesquisa.
Nesse sentido, as possibilidades constituem o movimento para realização do curso e da
formação; e os possíveis que se busca nesse movimento, indicam caminhos que vão para além
do que está previsto, determinado, porque a feitura implica criatividade, criticidade, vontade,
poder, saber. A sociologia das emergências investiga as alternativas que cabem no horizonte
das possibilidades concretas existentes nos diversos espaços sociais. Assim, a sociologia das
ausências amplia o presente juntando ao real existente, o que dele foi retirado pela razão
metonímica; e, ainda, amplia o presente (e contrai o futuro) juntando ao real amplo, as
possibilidades e expectativas futuras que ele comporta. Então, a sociologia das emergências
promove a ampliação simbólica dos saberes, das práticas e dos agentes de modo a identificar
neles as tendências de futuro (“Ainda-não”) sobre as quais é possível atuar, para superestimar
a probabilidade de esperança, em relação à probabilidade de frustração. Essa ampliação
simbólica é, assim, uma forma de imaginação sociológica que tem duplo objetivo: conhecer
condições de possibilidade de esperança e definir princípios de ação que promovam a
realização dessas condições. As possibilidades de um currículo dar certo, de ser aprovado pela
comunidade educativa são incertas, como é o futuro, porém, há empenho no presente, para
151
que ele tenha sucesso, apesar de participantes expressarem dúvidas quanto ao seu texto e à sua
realização. A aposta e o cuidado na-pela-com a Educação, apoiada na ecologia de saberes-
fazeres-poderes, sustenta essa esperança utópica.
A sociologia das ausências atua no contexto das experiências sociais e a sociologia das
emergências no contexto das expectativas (SANTOS, 2004, p. 797). A sociologia das
emergências atua sobre as possibilidades (potencialidades) e sobre as capacidades (potências).
Seria agir sobre as potencialidades e potências da escola, da Educação, da formação. Como o
“Ainda-não” não tem um sentido definido (enquanto possibilidade), porque pode resultar em
esperança ou desastre, a sociologia das emergências substitui a idéia de determinação
(axiologia do progresso), pela idéia axiológica do cuidado (2004, p. 796). A axiologia do
cuidado tem dimensão ética: na sociologia das ausências ela é exercida em relação às
alternativas disponíveis; e na sociologia das emergências ela é exercida em relação às
alternativas possíveis. A sociologia das ausências e a sociologia das emergências não são
sociologias convencionais devido à dimensão ética e à dimensão subjetiva que as envolve. O
elemento subjetivo da sociologia das ausências é a consciência cosmopolita e o
inconformismo ante o desperdício da experiência; e da sociologia das emergências é a
consciência antecipatória e o inconformismo ante uma carência cuja satisfação está no
horizonte de possibilidades. Os elementos fundamentais não são acessíveis sem uma teoria
das emoções (Bloch). O “Não, o Nada e o Tudo” iluminam emoções básicas como fome ou
carência, desespero ou aniquilação e confiança ou resgate. São emoções presentes no
inconformismo que move tanto a sociologia das ausências como a sociologia das
emergências. A sociologia das ausências move-se no campo das experiências sociais e a
sociologia das emergências move-se no campo das expectativas sociais, procedimentos que
devem ser associados ao trabalho de tradução, a uma epistemologia do Sul.
Assim, Santos afirma que não há uma teoria geral que dê conta da diversidade inesgotável de
experiências e conhecimentos do mundo. Daí ele sugere o procedimento de tradução: “[...] um
processo intercultural, intersocial. [...] é traduzir saberes em outros saberes, traduzir práticas e
sujeitos de uns aos outros, é buscar inteligibilidade sem “canibalização”, sem
homogeneização” (SANTOS, 2007, p. 39). Seria criar inteligibilidade sem destruir a
diversidade. O autor (idem, p. 41) continua: “Esse procedimento de tradução é um processo
pelo qual vamos criando e dando sentido a um mundo que não tem realmente um sentido
único, porque é um sentido de todos nós; [...]”. É um processo que Santos chama
152
Epistemologia do Sul (saberes silenciados) e, para isso, ele (2007, p. 43) propõe “uma
tradução recíproca: eu traduzo e você traduz, e nos traduzimos reciprocamente”. Esse novo
conhecimento deve ser mais horizontal, mais compartilhado (princípio da comunidade) por
todos do CE na realização cotidiana curricular.
Para Santos (2007, p. 46), uma característica da transição é trabalhar o velho para renová-lo
até o limite, à exaustão, a partir da própria realidade, das próprias experiências. É uma atitude
diferente de desqualificar o que já se faz, por exemplo, em Educação, acreditando que o novo
é melhor, que a experiência realizada é descartável, é ultrapassada, que as propostas
educativas dos países do Norte são mais atualizadas (até podem ser), porém é preciso criar e
valorizar saberes que emergem em cada realidade. Santos (2007, p. 46) sugere utilizar a
ecologia dos saberes e práticas como uma extensão universitária ao contrário, ou seja, trazer
outros tipos de conhecimentos de fora para dentro da Universidade, neste caso, trazer as
experiências da Escola Básica e experiências não formais, como já fazem diversos professores
do CE, como P8, P2, P11, P5. Uma aluna, também, faz essa sugestão: “Seria ótimo trazer a
escola para a Universidade!” Ao trazer a escola, com ela vêm todos os seus saberes-fazeres-
poderes, suas experiências, dificuldades, necessidades que enriquecem a discussão didático-
pedagógica da formação. A professora P2 destaca a parceria da Universidade com a escola,
fala sobre o movimento de trazer a sociedade para dentro da instituição universitária e abrir
espaços:
Nós tivemos uma experiência com alunos de Mestrado e alunos de Graduação de Educação Especial
(EE). O que fizemos? Nós demos, AQUI, na Universidade, um mini-curso para os professores das escolas
onde estávamos fazendo o estágio. Olha, isso virou uma sensação para aqueles professores! Não era
gente indo lá, espremendo horário não! Eles tinham horário, vindo para cá para a Universidade. Quase
enlouquecemos com problema de ônibus trazendo esses professores aqui. TEM QUE SER AQUI! Tem
coisa que eles têm que ver no ambiente da Universidade. E foi uma experiência muito boa! ISSO FAZ
DIFERENÇA! Não estou falando da linha (de pesquisa), mas de coisas que podem ajudar ao curso de
Pedagogia [...].
Portanto, novos modos de produção de saberes-fazeres-poderes exigem a participação, além
do espaço doméstico, de outros e novos espaços, que não são dados, mas conquistados. Nessa
realização, Santos (2007, p. 48) afirma: “Não temos outra opção, são nossos corpos que estão
incorporados em uma história. É a materialidade de nosso corpo, a partir da qual tentamos
pensar o que está fora do corpo. Só esse é o limite do que podemos pensar”. É preciso ir de
153
uma ciência à outra, “buscar conceitos que venham de outros conceitos” (idem, 2007, p. 49).
A necessidade de pertencimento, às vezes, dificulta o novo. Esse autor sugere reinventar a
teoria crítica, que de acordo com ele, opto por chamar crítica-renovada, conforme as
necessidades de hoje. O currículo novo de Pedagogia busca aliar ensino, pesquisa e extensão
na produção de saberes-fazeres-poderes que permeia a formação; esse é um dos desafios na
realização curricular cotidiana.
Assim, neste estudo, os saberes são analisados na perspectiva do conhecimento-emancipação;
os saberes teóricos são aliados aos saberes da experiência prática adquirida no cotidiano do
trabalho docente e esse é um dos pressupostos do PPC (2006). O saber prático tem sido
considerado como o saber do senso comum, ou seja, é prático e pragmático, é transparente e
evidente, desdenha as estruturas, é indisciplinar e imetódico, é retórico, porém o novo senso
comum deverá ser construído a partir do princípio da comunidade, da racionalidade estético-
expressiva e da moral-prática. Esse conhecimento-emancipação implica uma nova ética que
“[...] não seja colonizada pela ciência nem pela tecnologia, mas parta de um princípio novo”
(SANTOS, 2002, p. 111) e seja valorizado como um saber diferente e significativo.
Afinal, que conhecimentos são esses que professores transmitem, produzem, consomem,
discutem com os discentes61 para realizar a formação do pedagogo? Em nossas conversações,
as docentes expressam sua compreensão sobre a mudança que deve ocorrer nesses saberes-
fazeres-poderes. A professora P18 visibiliza a necessidade de integração entre os docentes
para que possam agir de modo partilhado, também, com as discentes no ensinar-aprender,
com base no princípio da comunidade: Isso é uma das coisas que eu mais insisto aqui: que a gente tem muita fé nos alunos! A gente acredita
muito que eles vão fazer coisas que NÓS NÃO CONSEGUIMOS fazer com eles! Que eles vão conseguir
chegar numa escola, coordenar um grupo ENORME de professores, com horários desencontrados e vão
conseguir desenvolver na escola um trabalho interdisciplinar, com interesses muito variados, com
crianças com TODO tipo de experiência de vida e VÃO CONSEGUIR FAZER um trabalho que NÓS
AQUI na Universidade NUNCA conseguimos! Articular diferentes áreas, pensar um projeto
INTEGRADO de formação de professores, ir para a sala de aula falando a mesma língua, permitir que
eles saibam que as nossas disciplinas foram planejadas em conjunto e a gente fazer na aula a relação
com a disciplina de outro professor, aquilo EXATAMENTE que a gente está RECOMENDANDO QUE
FAÇAM e NÓS NÃO DAMOS CONTA DE FAZER!
61 Utilização da forma feminina porque a grande maioria é do sexo feminino.
154
O discurso da professora provoca uma reflexão crítica, uma reflexividade, uma
inteligibilidade, com o uso do procedimento da hermenêutica diatópica, como diria Santos
(2006), acerca da formação que está sendo realizada, de questões de ordem teórico-prática que
os pedagogos deverão dar conta na escola. A atitude de trazer conhecimentos de natureza
prática da docência, do cotidiano da sala de aula e da escola, para dentro da sala de aula
universitária, aliando conhecimentos da academia com conhecimentos da escola, na produção
de saberes-fazeres-poderes docentes, seria um modo de pôr em prática a ecologia dos saberes
e das práticas. É importante, portanto, o planejamento, as estratégias, as táticas, os artefatos
que a professora utiliza, atenta que está às necessidades dos estudantes, aos modos que
considera propícios para trabalhar determinada disciplina, para realizar o ensino-
aprendizagem. O conhecimento-emancipação enfatizaria o princípio da comunidade, a
racionalidade moral-prática e a racionalidade estético-expressiva. Nesse sentido, trago um
exemplo da professora P18:
E como é que eu pretendo formar um professor que vai ter habilidade para despertar isso (curiosidade,
entusiasmo) no aluno, se ele, na PRÓPRIA FORMAÇÃO, não vivencia?! Eu tenho que FAZER que, de
alguma forma, esse aluno fique curioso, queira experimentar, perguntar, pois quando ele estiver na sala
de aula com crianças, ele tenha esse mesmo entusiasmo de fazer o olhinho do aluno brilhar da mesma
forma que o dele brilhou, quando viu o resultado da experimentação! Então, é por isso que é TÃO
importante trabalhar com ele nessa perspectiva de suprir a lacuna de conteúdo sim, MAS construir
conhecimento metodológico! De como é que eu vou pegar essa coisa tão legal que eu descobri, que eu
aprendi agora, e tornar isso compreensível, acessível para o meu aluno de 8, 9 anos?!
Atividade de Estágio curricular
Observa-se que, além do conhecimento acadêmico-científico, o prazer de aprender-ensinar-
para-aprender da professora contagia seus alunos e torna o processo mais aprazível; é a
presença da ética e da estética para além do conteúdo e da cognição. Percebe-se que
professoras estão imbuídas de um compromisso que supere a regulação, a colonialidade e
produza saber-solidariedade. Percorrendo os discursos docentes, pude (a)notar saberes,
aprendizagens e modos de trabalhar na formação que emergiram nas conversações. Poderia
155
incluí-los em dimensões (inseparáveis): cognitiva, pedagógica, ética, estética e política
(CEVIDANES, 2008). Santos (2002, p. 74) propõe “um conhecimento prudente para uma
vida decente”, portanto, um conhecimento-emancipação, que seja científico, mas também
social, porque se preocupa com, o que fazer com esse conhecimento, para que a sociedade
viva melhor. A solução, para ele (2002, p. 78), está numa assimetria que sobreponha a
emancipação sobre a regulação, com a cumplicidade epistemológica do princípio da
comunidade e da racionalidade estético-expressiva e da moral-prática.
Esse autor (2002, p. 80) sugere estratégias contrárias ao que está posto pela racionalidade
indolente e, assim, provocar o desequilíbrio do conhecimento a favor da emancipação: propõe
reafirmar o caos como forma de saber e não de ignorância (como se faz no conhecimento-
regulação); e revalorizar a solidariedade como forma (hegemônica) de saber. Por ocasião da
implantação do novo currículo e da reestruturação do CE ocorreram e ocorrem, ainda,
problemas quanto as relações intra-inter-departamentais, horários, distribuição de disciplinas,
constituição de departamentos, etc. e a ordem é prejudicada; porém, na perspectiva
emancipatória, esse aparente caos constitui um movimento de (re)construção de parcerias, de
solidariedade, de trabalho compartilhado. A solidariedade seria uma forma de saber que
reverte o colonialismo; este “[...] consiste na ignorância da reciprocidade e na incapacidade de
conceber o outro a não ser como objeto. A solidariedade é o conhecimento obtido no
processo, sempre inacabado, de nos tornarmos capazes de reciprocidade através da construção
e do reconhecimento da intersubjetividade” (SANTOS, 2002, p. 83).
No paradigma emergente, a ênfase dada à solidariedade converte a comunidade no campo
privilegiado do conhecimento-emancipação. Nessa fase de transição paradigmática em que
vive o mundo, a opção epistemológica mais adequada é a revalorização e a reinvenção do
conhecimento-emancipação. Hoje, a solidariedade é considerada uma forma de caos e o
colonialismo uma forma de ordem (uma inversão do que ocorre no conhecimento-regulação).
Assim, o saber-solidariedade pretende substituir o objeto-para-o-sujeito pela reciprocidade
entre sujeitos. Nesse paradigma que emerge, o caráter autobiográfico do conhecimento-
emancipação é assumido como um conhecimento novo que se une ao que já se estuda, ou
seja, que seja ligado à realidade, contextualizado, produzindo novos conhecimentos sem
desvalorizar os conhecimentos já existentes, como fazem P2, P18, P5, P8, entre outros.
156
Os três núcleos62 de conhecimentos (PPC)
Retomo a proposição de organização dos conhecimentos na formação de pedagogos, expressa
na matriz curricular do curso de Pedagogia, ao buscar diferentes dimensões presentes nas
narrativas docentes. Na proposta do CE (PPC, p. 24-6), em conformidade com as Diretrizes
Nacionais, os conhecimentos estão distribuídos, em três núcleos: estudos básicos,
aprofundamento e diversificação de estudos e estudos integradores. Esses núcleos devem ser
trabalhados considerando uma tríplice relação (PPC, p. 16): domínio de saberes,
transformação de saberes e atuação ética. Procuro ver nesses saberes as dimensões propostas
por Santos: o barroco - a dimensão estética (o prazer, a expressividade); a fronteira – a
dimensão política (a participação) e o Sul – a dimensão ética (a solidariedade). As três
dimensões e os saberes trazem a marca do compartilhamento, base do princípio da
comunidade, que deve existir no processo de ensinar-aprender-a-ensinar. Analiso os saberes
em conformidade com os núcleos de estudos apresentados no PPC (2006).
1) Núcleo de estudos básicos
O PPC (2006, p. 24-5), de acordo com a Legislação Nacional, inclui na sua organização
curricular um “núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a
multiculturalidade da sociedade brasileira, [...] articulará a) [...] diferentes áreas do conhecimento (campo da Pedagogia), [...]; b) [...] gestão democrática [...]; c) [...] processos educativos e de experiências educacionais, em ambientes escolares e não-escolares; d) [...] conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de aprendizagem; e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões: física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial; f) realização de diagnóstico sobre necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da sociedade, relativamente à educação, [...]; g) planejamento, execução e avaliação de experiências que considerem o contexto histórico e sociocultural do sistema educacional brasileiro, [...]; h) estudo da Didática, de teorias e metodologias pedagógicas, de processos de organização do trabalho docente, de teorias relativas à construção de aprendizagens, socialização e elaboração de conhecimentos, de tecnologias da informação e comunicação e de diversas linguagens; i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes, Educação Física; j) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural, cidadania, sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea;
62 Os três núcleos a que me refiro a seguir constituem o modo de organização dos conteúdos, de acordo com o PPC (2006). Os demais núcleos a que faço referência neste trabalho, são setores do Centro de Educação, como Núcleo de Educação Infantil e outros.
157
k) atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática educativa; l) estudo, aplicação e avaliação dos textos legais relativos à organização da educação nacional”.
Considero importante relacionar todos esses itens, para que se perceba a extensão do 1º
núcleo de estudos, que constitui a base da formação do pedagogo e, assim, visualizar o que ele
propõe para ser estudado, conforme indica o PPC. A legislação estabelece, portanto, um longo
rol de atribuições direcionadas ao pedagogo. As práticas discursivas de duas professoras
questionam essa extensa proposição. P2 pergunta com ênfase: _ Será que há lugar nesse currículo para tais especificidades? _ Será que é possível formar o professor
de 1ª a 4ª série, de Educação Infantil, o antigo especialista, esse sujeito que dá conta de maneira mais
ampla da gestão da educação? Então o pedagogo, no sentido que a gente vem usando hoje em dia, é o
gestor, o articulador do currículo, é o sujeito que pensa as questões da organização da escola. [...] Mas
aquele que dá conta de pensar a educação de jovens e adultos está aí, atravessado por mil outras
questões! _ Será que nós daremos conta de tudo isso na formação do pedagogo, com o sentido amplo da
palavra, nesses quatro anos de curso? Por outro lado, eu também não quero, não faço o gênero
pessimista!
A professora P6 concorda que é um desafio enorme o que pretende o PPC e considera este
novo profissional como [...] o tipo do pedagogo-bombril, mil e uma utilidades! É a leitura que eu faço. Quando a gente fez o
nosso curso de Pedagogia tentando atender ao que estava proposto, vamos ver que a prioridade é a
docência. A gente fez assim. Se analisar mais friamente em gestão também é muito forte aqui! Está tudo
junto. Mas na anterior também era assim. A partir do 6º período os alunos faziam a gestão.
Então, essa primeira dimensão, seria a base de conhecimentos do pedagogo constituída pelos
“conhecimentos pedagógicos de formação geral” (PPC, p. 21) que estão relacionados com as
disciplinas de Fundamentos e incluem: a) [...] conhecimentos filosóficos, sociais, históricos,
econômicos, políticos, artísticos e culturais; b) [...] políticas educacionais e seus processos de
implementação; c) [...] desenvolvimento e a aprendizagem de crianças, jovens e adultos,
considerando as dimensões cognitivas, afetivas, socioculturais, éticas e estéticas; e d) articular
as teorias pedagógicas e de currículo no desenvolvimento da docência, [...] na organização e
gestão do trabalho educativo escolar e não-escolar. São conhecimentos que devem possibilitar
o alcance da extensa enumeração de experiências formativas propostas no PPC (p. 24-5). Os
itens relacionados aos saberes dos Fundamentos, que explicitam os conhecimentos de base da
formação estão a seguir, exemplificados com fragmentos de falas de professoras:
158
a) [...] conhecimentos filosóficos, sociais, históricos, econômicos, políticos, artísticos e
culturais: Creio, hoje, que eu ainda seja antiga, ainda volto para aquilo que a gente tem chamado de base da
educação. Acho que a gente tem ainda que trabalhar muita Filosofia, Sociologia, muita História da
Educação, muita Antropologia (que não consta na matriz curricular) e a Psicologia; essas são disciplinas
de fundo e precisam estar lá (P2).
Tem um bloco de disciplinas que são importantes, que são os fundamentos. Acho que esse bloco neste
currículo perdeu muito, porque somem disciplinas de fundamentos. Como é que pode o aluno ter
Sociologia da Educação e não ter Sociologia (geral, antes)? (P6).
Filosofias da Educação Brasileira vão ajudar na compreensão do mundo, (re)elaborar concepções na
ética, no cotidiano, nas escolhas (P9).
b) [...] políticas educacionais e seus processos de implementação: Na verdade a gente tem trabalhado um breve histórico dos movimentos sociais e EJA, depois a gente
trabalha um pouco com as políticas, legislação, em relação a EJA (P13).
c) [...] desenvolvimento e a aprendizagem de crianças, jovens e adultos, considerando as
dimensões cognitivas, afetivas, socioculturais, éticas e estéticas: Os alunos não têm conhecimento aprofundado da infância em teóricos, do que é criança; nem de
adolescente. Ninguém vai ser pedagogo só das séries iniciais, mas de 5ª em diante e ensino médio (P6).
Estou na primeira experiência de ‘Infância e Educação’ e de ‘Trabalho docente em Educação Infantil’.
Nós temos buscado primeiro, o leque de textos e referências bibliográficas, uma discussão da infância, da
relação e da dimensão com a criança, [...] (P4).
[...] trabalhei diferentes concepções de homem, as percepções. [...] (P10).
d) articular as teorias pedagógicas e de currículo no desenvolvimento da docência, [...] na
organização e gestão do trabalho educativo escolar e não-escolar: Quando eu falei do cotidiano, é essa professora perceber a organização que a sala de aula tem. Vou usar
uma palavra bem tecnicista, de gestão mesmo. Discuto com elas a questão da autoridade do professor na
sala de aula, enquanto gestor daquele espaço com os alunos. Gerir esse espaço tem a ver com a
organização do espaço-tempo; [...] Então como ela divide (e usa) esse espaço-tempo de trabalho? Ela vai
trabalhar com projetos, vai optar por formas de organizar, com atividades seqüenciais, selecionar
conteúdo com o objetivo que se propõe. Por isso não é uma coisa mecânica. Não importa a perspectiva
que você vai trabalhar; você tem quatro elementos fundamentais: objetivos, conteúdos, metodologia e
avaliação. Vou baseando nos documentos oficiais para a discussão, certo? Pego o PCN, busco um
objetivo oficial e pergunto: _ A partir daí, como você desencadeia um fazer? (P16).
A idéia é que a aluna busque elementos de todas, da Didática, que se fundamentasse com esse
conhecimento e criasse um projeto de ensino para atuar na realidade. Os alunos não põem em prática
159
esse projeto, é um exercício. A prática vem no estágio e o aluno leva essa experiência de elaboração que
não tinha antes. Deve ajudar bastante no processo de ir para um CEMEI ou escola EF, de aprender a
fazer diagnóstico dessa realidade, de conversar com alunos, com professores, de pensar que este
diagnóstico tem que ser utilizado para problematizar a realidade, escolher um determinado aspecto que
vê como problemática e tentar pensar um modo de intervenção nesse contexto, fazer a proposta e
registrar. O registro é fundamental nesse processo. É na PEPP III, que estamos conseguindo fazer e é o
que a gente pensa propor aos outros; propor a I e a II, porque elas não estão no nosso departamento,
para ver se seguem essa mesma linha (P7).
As alunas dizem que já aprenderam no curso: [...] a importância da formação continuada, de buscar saber sempre mais, pois não há um saber pronto,
tem que construir (A).
Compreender que a professora passa texto, ensina, mas posso construir a minha própria prática (A).
[...] necessidade de ensinar a fazer análise, a elaborar plano de aula e pautas (A).
[...] importância da pesquisa (A).
No que concerne aos conteúdos da formação, um dos principais objetivos do currículo novo
em todos os núcleos de conhecimentos é integrar a teoria e a prática, em todas as disciplinas,
desde o início do curso. Uma aluna fala sobre a dificuldade em fazer a integração: “Hoje na
aula, a gente estava falando sobre a coerência entre a teoria e a prática; muitas vezes a
prática é incoerente. Por quê? Porque não tem como de fato, fazer como se pretende” (Será
que não tem ou não se sabe ainda como fazer?). Outra lembra que “As aulas são repletas de
exemplos e o estágio também ajuda”. A professora P18 ressalta que não basta falar, mas é
preciso fazer: “_ Dizer que a teoria e a prática precisam estar articuladas não convence!
Convence se a gente conseguir articular!”. Essa é uma questão polêmica porque se teoria e
prática fazem parte de um mesmo todo, se uma inclui a outra, se uma não existe sem a outra,
como integrá-las se já são integradas, então?!
Numa tentativa de entender a relação teoria e prática como um todo, retomo a razão
metonímica, que é obcecada pela idéia da totalidade; a parte é tomada pelo todo (e some
nele). A forma mais acabada de totalidade é a dicotomia (que combina simetria e hierarquia).
A simetria entre as partes é uma relação horizontal, uma igualdade-valoração aparente entre
teoria e prática, que esconde uma relação vertical em que a teoria é considerada superior à
prática, como o conhecimento científico é considerado superior ao do senso comum. Na razão
metonímica, a totalidade é feita de partes homogêneas, porque o que fica fora dessa totalidade
não interessa. Ela contrai, diminui o presente, por isso este se torna fugaz, momentâneo
160
(SANTOS, 2007, p. 25-6). Segundo essa razão não existe nada fora da totalidade que mereça
ser inteligível; ela não aceita que a compreensão do mundo seja mais do que a compreensão
ocidental do mundo; considera que nenhuma das partes pode ser pensada fora da totalidade e
não admite que uma parte tenha vida própria (SANTOS, 2006, p. 98).
A razão metonímica produz não-existência do que não cabe na sua totalidade e no seu tempo
linear, talvez, por isso a prática docente escolar tem sido tão invisibilizada, ignorada,
desmerecida ao longo dos tempos. Mediante isso, compreende-se que existem muitas
totalidades e que a teoria é uma totalidade e a prática é outra totalidade, embora façam parte
de um mesmo todo, que é o conhecimento. Simplesmente, uma não é superior, nem a outra
tem que se anular para fazer parte da totalidade do conhecimento, assim, como outros
conhecimentos que existem na sociedade. Isso se explica porque a matriz fundadora, o
Oriente é totalizante, pois abrange uma multiplicidade de mundos (terrenos e extraterrenos) e
uma multiplicidade de tempos (passado, presente, futuro, cíclico, linear, simultâneo). O
Ocidente aproveita do Oriente só o que contribui para a expansão do capitalismo, ou seja, a
multiplicidade de mundos é reduzida ao terreno e a multiplicidade de tempos, ao tempo linear.
A proposta de Santos (2006, p. 101) é, então, “Pensar o Sul como se não houvesse o Norte,
[...]”; compreender as relações de poder imaginando os dominados livres da dominação. Mas
acredito que o Norte não deve ser ignorado, ele precisa ser (re)significado e olhado, não como
aquele que domina e sabe, mas como aquele com o qual se pode aprender e a quem se pode
ensinar, porque o Sul, também, tem seus saberes e suas experiências. A razão metonímica
produz “[...] não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada
invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível” (SANTOS, 2006, p. 102;
2004, p. 787) como ocorre em relação à experiência da prática escolar. Na perspectiva
emancipatória, a sociologia das ausências torna presentes, experiências disponíveis, que
estavam invisibilizadas e a sociologia das emergências presentifica as experiências possíveis.
O autor propõe uma inteligibilidade por meio da hermenêutica diatópica para encontrar novas
maneiras de os conhecimentos se relacionarem. Ele associa às sociologias, o procedimento de
tradução, processo por meio do qual se cria e se dá sentidos ao mundo, que não tem um único
sentido, nem uma só direção. Pensando a teoria e a prática por essa perspectiva, fico mais à
vontade para explicá-las como totalidades, que fazem parte de um mesmo todo, que têm vida
própria, embora uma inclua a outra, sem querer forçá-las como uma só totalidade. Por
161
exemplo, nas minhas andanças pelo interior do Estado do E. Santo, trabalhando com
formação continuada de professoras, encontrei, muitas vezes, práticas docentes que
retratavam diversas teorias, embora essas professoras desconhecessem tais teorias; quer dizer,
sua prática é produção teórica e a produção teórica do pesquisador é, também, uma prática.
Na realização curricular há saberes-fazeres-poderes que perpassam e interferem no-do-com o
cotidiano onde se realiza o curso e que são importantes e próprios à formação de pedagogos.
Em algumas disciplinas, os alunos vão adquirindo conhecimentos relativos ao exercício da
profissão e outros específicos de áreas como Língua Portuguesa, Matemática, que também
fazem parte da matriz curricular da Educação Básica e nelas são trabalhados o Conteúdo e a
Metodologia dessas disciplinas. Por exemplo, estudam como ensinar um conhecimento
específico da Matemática, que alunas-já-professoras trazem do Ensino Fundamental e Ensino
Médio por onde passaram e da sua experiência, como docentes que são. A professora P17
afirmou enfática que elas “_ NÃO TRAZEM! Não trazem porque não têm a base; sabem fazer
a conta, quando sabem; sabem escrever o número, mas não têm a compreensão...”.
Apropriar-se desse conhecimento não significa que a futura-pedagoga vai saber ensinar;
precisa adquirir, TAMBÉM, saberes que são próprios aos modos de ensinar. Ela estuda a
teoria, porém, muitas vezes, não sabe o que fazer com essa teoria na escola, na sala de aula,
não sabe como ensinar! Isto não quer dizer que deva existir um almanaque, tipo receituário
com fórmulas infalíveis de como ensinar, mas que é preciso ter esses conhecimentos para
criar os modos próprios de ser-fazer a Educação.
Então, quanto ao primeiro núcleo de estudos básicos do PPC, a professora P6 refere-se a ele
como muito importante, principalmente, no processo inicial de formação: [...] Os conhecimentos e saberes importantes são os fundamentos [...]. A gente tem Matemática, Ciências,
História, Geografia e o pessoal diz que precisa ter só uma Didática, porque tudo isso aqui é Didática,
[...]. Só que no meu entender, esse nosso curso está levando a conhecimento de ordem prática,
fragmentado e sem aquela fundamentação. [...] se eles não tiverem a outra conexão, fica técnico! E,
162
como operar, é uma técnica?! Então, acho que o nosso curso acaba perdendo muito desses
conhecimentos [...] _ Ah, é porque eles vão para a escola!
Nesse sentido, Lima (2006, p. 273) ressalta a importância de que futuros-pedagogos “[...] se
apropriem dos conteúdos básicos para a sua formação não só com profundidade teórica, como
também com atitude crítica [...]”. Essa autora lembra que a formação no curso de Pedagogia
vive um sério problema devido à polivalência e à extensão dos conteúdos a serem trabalhados
com os discentes. Além dos conteúdos do currículo da Pedagogia, devem ser considerados os
conteúdos curriculares da Escola Básica onde futuros-pedagogos irão atuar. Lima (2006, p.
274) sugere, então: “E, se em quatro anos de curso é difícil conseguir essa façanha, seria de
todo indicado que a formação continuada prosseguisse tratando dessas questões”, afinal a
formação deve ser contínua, permanente e é essa a proposta atual da legislação e a concepção
assumida pelo CE. Portanto, os saberes do primeiro núcleo condizem com a fundamentação
teórico-prática necessária à compreensão da profissão do pedagogo nas suas diversas
dimensões.
2) Núcleo de estudos: aprofundamento e diversificação
O núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos está voltado às áreas de atuação
profissional e oportunizará entre outras possibilidades: a) investigações sobre processos
educativos e gestoriais, em diferentes situações institucionais escolares, comunitárias,
assistenciais, empresariais, outras; b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos,
procedimentos e processos de aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural
da sociedade brasileira; c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de
elaborar propostas educacionais consistentes e inovadoras (PPC, 2006, p. 26). O agrupamento
das disciplinas do segundo grupo feito pela professora P2 indica que elas contribuem para a
compreensão do trabalho educacional em geral: Outro conjunto de disciplinas de fundo são as disciplinas que dão suporte às questões da Educação. Eu
acho que as Organizações e os Ensinos, como é que a Educação Brasileira se dá, é a Política, é a
Legislação... Eu nem sei se a disciplina é Didática, mas passa pela Didática, que passa pelo Currículo,
pela Avaliação; é outro conjunto de disciplinas fundamentais. Longe de mim, pensar que a gente tem que
ter um teórico e uma perspectiva teórica, até porque estamos na Universidade, agora, e esposemos quem
quisermos, mas façamos isso em profundidade! Temos feito essa discussão com nossos alunos de maneira
muito superficial. Aí, eu chamo lá, em Currículo, em necessidades especiais: _ Vamos olhar a questão
dos signos, como é que a gente vai trabalhar._ Ah, eu não lembro, disso, não! Quem lembra é Fulana,
porque ela fez um trabalho sobre Vigotsky, porque só aquele grupo leu, se aprofundou um pouco.
163
Fazendo a ponte, qu, acho, você quer fazer também, para que esse aluno do curso de Pedagogia dê conta
de pensar a questão da semiótica, da mediação na educação de crianças especiais ou não, há que se
estudar isso! Esse professor que dá aula precisa disso, porque se como nós dizemos, que o nosso aluno de
Pedagogia, só sabe a matéria do nível da série que vai ensinar, ou seja, se ele trabalha só até 2ª série,
então, não precisa saber fazer conta com decimais, porque só vai ensinar mesmo, divisão de números
inteiros! (necessidade de ter também os conhecimentos da Escola Básica).
Este núcleo de aprofundamento refere-se à atuação do pedagogo como produtor de
conhecimentos (PPC), uma dimensão que trata de conhecimentos pedagógico-didáticos que
implicam: a) participar da formulação, implementação e avaliação contínua de projetos
pedagógicos escolares e não-escolares; b) planejar, desenvolver e avaliar situações de ensino e
de aprendizagem, de modo a adequar objetivos, conteúdos e metodologias específicos das
diferentes áreas à diversidade dos alunos e aos fins da educação; c) incorporar as tecnologias
de informação e comunicação ao planejamento e às práticas educativas; d) analisar situações
educativas e de ensino e realizar estudos e pesquisas, de modo a produzir conhecimentos
teóricos e práticos que visem a inclusão de todos (PPC, p. 21-2).
Para a professora P17, não basta saber os conteúdos a serem ensinados-aprendidos, é preciso
compreendê-los: “[...] o que a gente traz hoje, é compreender que para contar e operar com
números, você precisa conhecer o conceito”. Ela continua explicando questões relacionadas
ao ensino da Matemática: São poucas horas e isso é uma discussão da área, a gente querer mais horas, não porque a Matemática
seja mais importante ou menos, mas porque nós trabalhamos muito com o aluno que vem traumatizado
pela Matemática. Na verdade esse aluno escolhe EI ou 1º, 2º e 3º anos (EF) porque lá não tem que
trabalhar muito Matemática, na opinião deles, porque lá eles vão alfabetizar. A alfabetização eles gostam
porque é Língua Portuguesa, mas esquecem que a gente tem que alfabetizar na linguagem matemática,
ou seja, como eles vão operar e resolver problemas sem conhecer?! [...] Isso a gente conhece muito bem
em Língua Portuguesa, mas em Linguagem Matemática, NÃO!” (P17).
P5 exemplifica como faz o ensino: “Eu sempre levo as reproduções (das obras) antes de ir
para uma exposição. Eu me lembro numa exposição, uma obra modernista! E a aluna diante
daquilo falou assim: _ Mas o meu aluno não vai entender isto! Não é o aluno! É ela que não
conseguia nem chegar próximo ao que ela acha que se trata. Não estava dizendo nada para
ela”. Mas o que é entender a obra de arte?! Tem algum entendimento pré-determinado?! A
professora explica:
164
É o entendimento dela, não é o do aluno! A gente em Artes diz que cada professor faz a curadoria das
obras que leva para sala de aula e que essa curadoria é de extrema importância porque é por meio dela
que você está levando a arte. Todas as pesquisas têm mostrado na relação do museu com a escola, da
escola com outros espaços, que não é pelas mãos dos pais que as crianças têm a relação com a arte; é
pelas mãos DA ESCOLA! É a ESCOLA que leva essas crianças aos espaços expositivos. Quando ela
retorna no final de semana a gente vê esse movimento no Museu Ferroviário: ela leva os pais. Ela leva os
pais! Isso é uma coisa nova em Vitória, em Vitória não, porque o museu fica em Vila Velha, mas no
Espírito Santo. Vamos ver alguma mudança em relação a isso, futuramente, eu acho, sou otimista (P5).
P4 falou sobre o seu trabalho: Estou na primeira experiência de ‘Infância e Educação’ e de ‘Trabalho docente em Educação Infantil’. O
que temos observado é que nossos alunos estão chegando mais jovens, com experiência educacional mais
como aluno e não como docente, diferentemente de outros momentos. A dinâmica profissional criou,
também, um outro modelo de extensão do trabalho ao longo do curso, que é o estágio não-obrigatório ou
o professor auxiliar que nossos alunos da Pedagogia, até por uma questão econômica se inserem. As
diferentes funções, principalmente, para quem trabalha com a primeira infância, ainda não estão muito
definidas na legislação; você tem auxiliar de turma que não é professora, basta ter segundo grau e entra
como auxiliar. Tem um número significativo de alunos vivendo essas experiências, logo no INÍCIO do
curso; então é nesse jogo do trabalho que se estabelece.
A professora P4 continua: Temos buscado na disciplina de Infância e Educação: primeiro, o leque de textos e referências
bibliográficas; uma discussão da infância, da relação com a criança, da dimensão com a criança, que
sempre é muito tranqüila, porque todo mundo ou tem uma criança ou conhece (risos); essa idéia de que
todo mundo sabe um pouco de criança. Para os saberes teórico-práticos isso dá um caldeirão fervente
muito interessante e a gente tem buscado dar visibilidade a essas discussões para buscar a síntese. A
gente tem um projeto “A criança em cena” em que se discute a infância. Aí, cada mesa pega uma
temática e pessoas DIS-TINTAS, por exemplo, alguém que trabalha no cinema com infância, alguém que
recebe crianças no teatro e alguém que dá aulas para crianças. Eu coordeno esse projeto de extensão;
nele tem professores atuantes, nossos alunos do curso; ali também há a possibilidade de ver outras
sínteses.
Além de conteúdos específicos das disciplinas, os alunos aprendem, também, modos de
ensinar. Uma disse: “A pesquisa ajuda na sala de aula porque (a estudante) está dialogando
com professores, com os autores, e essa troca é enriquecedora”. De acordo com o novo
currículo de Pedagogia, as disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica (PEPP) têm
como objetivo inserir os discentes no mundo da pesquisa e da escola, porém eles encontram
dificuldades, por exemplo:
165
Na produção científica, quem não tem bolsa fica mais restrito; poderia haver mais bolsas porque é
importante e é um outro campo (de atuação) (A).
A troca de experiência, de frustração, com professores ajuda a ver a realidade e mostra que o caminho é
a pesquisa (A).
O professor na docência faria a pesquisa da prática, não é uma pesquisa científica, mas é pensar,
discutir sobre o que faz (A).
Assim, nesse segundo núcleo de estudos do PPC, os ensinamentos-aprendizagens voltam-se
para as especificidades das práticas docentes, dos modos de saber-fazer-poder o ensino nos
diferentes contextos onde o pedagogo pode atuar.
3) Núcleo de estudos integradores
O núcleo de estudos integradores objetiva enriquecimento curricular e compreende: a)
participação em seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica,
monitoria e extensão, diretamente orientados pelo corpo docente da instituição de Educação
Superior; b) participação em atividades práticas, de modo a propiciar aos estudantes
vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamentos e
diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos; c) atividades de
comunicação e expressão cultural (PPC, p. 26). Segundo P11, a integração pode ser realizada, Por meio de projetos de professores-formadores, projetos de pesquisa, de extensão com participação de
alunos e de professores, que agregassem [...], por exemplo, a educação do campo, a educação indígena,
a questão etno-racial, a questão da diversidade cultural. Na época, coloquei minha preocupação e até
teve uma tentativa de se criar uma disciplina que desse conta da diversidade. Porque eu penso que a
diversidade não pode ser entendida apenas na dimensão da Educação Especial ou da Educação de
Jovens e Adultos! E a gente tem essa obrigação enquanto responsabilidade da Universidade e isso é
demanda do nosso Estado.
Esse terceiro núcleo do PPC, o de estudos integradores, inclui conhecimentos das áreas
específicas de estudo (exemplo, Conteúdo e Metodologia de Língua Portuguesa, Matemática,
Geografia, História, Ciências) e se propõe em: a) conhecer e articular conteúdos e
metodologias específicas das áreas de conhecimento envolvidas nos diferentes âmbitos de
formação e atuação profissional; b) proceder à avaliação e organização de conteúdos e de
estratégias para a aprendizagem, considerando as múltiplas dimensões da formação humana;
c) estabelecer a articulação entre os conhecimentos e processos investigativos do campo da
educação e das áreas do ensino; d) promover e planejar ações visando a gestão democrática
166
nos espaços e sistemas escolares e não-escolares (PPC, p. 22). As práticas discursivas
docentes exemplificam:
Todo mundo quando chega à universidade, no primeiro período, tem uma grande dificuldade para
apresentar seminário, é tudo muito rápido, causa/conseqüência (P10).
A todo semestre eu achava que fazia uma coisa muito bacana que era pegar meus alunos do Mestrado e
promover um seminário de pesquisa para a turma da Pedagogia. Esta tinha que me dar um relatório; eu
percebi que esse relatório começou a se tornar obrigação e que uma colava da outra. Eu falei: _ Não tem
propósito com isso, não é construção do saber. Foi uma proposta que eu não pensei ter a resposta que
teve: _ Vá a essa exposição! Eu acho que elas nunca vão esquecer! Só uma aluna, de uma turma de 38, já
tinha ido aquele espaço. Quatro que ficaram sem ir, vou levá-los a outra exposição. Isso, eu acho que faz
a diferença, porque não é ver a arte pelo olho do outro. Eu acho que esse é o grande desafio nosso, como
professores de Arte da turma de Pedagogia! A gente só vai conseguir discutir, dialogar como a arte é
importante na vida das crianças, se ele (futuro professor) compreender como é importante para ele,
também! (P5).
Segundo a professora P10 os saberes diferenciados e específicos de diferentes áreas, parece
que não se conectam, são fragmentados e é contra isso que muitos professores lutam. É
necessário “Que haja integração de saberes [...]”. Essa professora falou sobre o modo como
tenta relacionar os saberes com os exemplos, com o conhecimento que cada aluna traz da sua
vivência. Ela disse: “A gente trabalha no começo do curso algumas abordagens da Psicologia e
uma das ênfases foi sobre as diferenças das percepções que as pessoas têm sobre as verdades que
constroem. Existem questões culturais, do bairro, familiares, locais. Nós íamos trabalhando e elas
trazendo muitos exemplos [...]”. Tive oportunidade de assistir a apresentações de trabalhos dos
alunos, na disciplina dessa professora, inclusive, em relação à sexualidade, um tema que hoje
está mais visibilizado na escola (e muito, na mídia), mas que sempre foi ocultado. P10
confirma: “Ainda tem um pouco de tabu”. Completei, citando a inclusão, que é outro tema
invisibilizado, que está sendo trazido à tona. Portanto, são conhecimentos, saberes que vão
servir no curso e na vida.
Apresentação de trabalho – auditório IC IV
167
Refletindo sobre os três núcleos de ensino do PPC, percebo que eles envolvem uma gama de
saberes na expectativa de abranger todas as dimensões de formação do pedagogo docente e
não-docente. Ainda assim, muitas das participantes admitem que em áreas específicas, o
conteúdo fica a desejar, seja pela carga horária restrita, seja pela ausência de disciplinas que
seriam, também, importantes. No entanto, todas concordam que a carga horária de 3410 horas
do curso é bastante extensa e não comporta incluir nada mais. Para Linhares (2000, p. 33), os
saberes dos professores são constituídos dos saberes escolares, populares, domésticos,
familiares, religiosos, políticos, como os eruditos, científicos, filosóficos, artísticos,
tecnológicos, ou seja, são constituídos por uma constelação de saberes. Ela explica: “[...]
procuramos tratar os saberes docentes como construções sempre mestiças, híbridas, de
fronteira e, portanto, hifenizadas, [...]”. Penso que os saberes dos discentes são aqueles
trazidos da sua escolarização anterior, da sua experiência de vida, do currículo, do cotidiano
das aulas ao longo da sua trajetória estudantil. Segundo Grillo e Fernandes (2003, p. 229), “A
incerteza do aluno de formação inicial sobre o que constitui o saber profissional docente o
leva a considerar, prioritariamente, a necessidade de ser um especialista na sua área de
conhecimento”, por isso a importância do futuro-pedagogo compreender os saberes da
docência, pois se ele atuar de modo crítico-criativo, se inventar maneiras de ser-fazer-poder
emancipatórias, pode contribuir na produção de uma nova profissionalidade docente.
Saberes-fazeres-poderes: dimensões ética, estética e política
Os saberes atravessam e são atravessados por diferentes dimensões: ética, estética e política; é “um conhecimento prudente para uma vida decente” (SANTOS, 2002).
A (re)invenção do senso comum carrega um potencial utópico e libertador, que pode
enriquecer e humanizar as relações no-do-com o mundo, a Educação, a formação, com a
produção de subjetividades combativas e de conhecimento-emancipação.Este compreende
uma rede rizomática de saberes-fazeres-poderes, que inclui o conhecimento tecnológico, “[...]
que [...] deve traduzir-se em sabedoria de vida” (SANTOS, 2002, p. 109). Os saberes são
produzidos em diferentes espaços sociais e, Santos (2002, p. 110) esclarece, que as formações
sociais capitalistas são constituídas por seis conjuntos de relações sociais63, matrizes das
comunidades interpretativas. Em cada um há um domínio tópico, portanto são seis sensos
63 Espaços: doméstico, da produção, do mercado, da comunidade, da cidadania e mundial.
168
comuns básicos. Assim, só haverá emancipação com a substituição nesses espaços sociais,
das tópicas dominantes por tópicas emancipatórias fundadas em políticas de reconhecimento
(identidade) e políticas de redistribuição (igualdade)64. Nesse sentido, na formação de
pedagogos, o currículo será emancipatório, quando houver a tradução entre saberes
acadêmicos, da Escola Básica, da legislação nacional, das concepções docentes, dos anseios
da sociedade, uma hermenêutica diatópica que ultrapasse o espaço doméstico da Educação e
se estenda aos demais espaços sociais. Penso que esse caminho é buscado pelo PPC, apesar da
sua excessiva abrangência.
No entanto, Teodoro (2003, p. 25) considera que a discussão da Educação já passou do
domínio doméstico para o domínio público, adquirindo centralidade nos debates das políticas
públicas, embora não tenha ainda, o destaque que precisa e merece, em função da situação
educacional e dos problemas de violência, desemprego, injustiça que assolam, diariamente, a
sociedade, pois a Educação é um caminho importante para sair do colonialismo e passar para
relações de solidariedade. Em período de transição paradigmática, a escola pode-deve
constituir-se como “um espaço público de experimentação institucional”, no trabalho com
estudantes, na busca de novos modos de produção de uma sociedade mais humana e mais
justa, ou seja, “Um mundo, no simbolismo da expressão de Paulo Freire (1993, p. 46), mais
‘redondo’, menos arestoso, mais humano, e em que se prepare a materialização da grande
Utopia: Unidade na Diversidade”” (TEODORO, 2003, p. 102). Portanto, o novo senso
comum surge com o restabelecimento das suas energias emancipatórias, com a transformação
da ciência num conhecimento partilhado e contribui para a construção da cidadania ativa.
Nesse sentido, Santos (2002, p. 111) destaca três dimensões65 a serem consideradas na
construção do novo senso comum: a dimensão ética (a solidariedade): o Sul; a dimensão
política (a participação): a fronteira; e a dimensão estética (a expressividade): o barroco.
1) Dimensão ética: a solidariedade
Para Santos (2002, p. 111-2), a ética no conhecimento-emancipação deve partir de um princípio novo que é o princípio da responsabilidade (Hans Jonas, 1985). Este princípio “[...] reside na Sorge, na preocupação ou cuidado que nos coloca no centro de tudo o que acontece e nos torna responsáveis pelo outro, [...].
64 Ver capítulo 2 desta tese. 65 Essas dimensões foram consideradas na tradução dos saberes presentes no discurso das participantes da pesquisa e detalhadas no capítulo 2, deste trabalho.
169
O princípio ético implica cuidado e está presente no texto do PPC, que aponta para a
formação de um profissional a ser considerado como um “[...] sujeito ético, visto que, a
relação do profissional de pedagogia com o saber, diz respeito às implicações éticas do
trabalho pedagógico. [...]” (PPC, p. 17-8). Exemplifico essa dimensão com as vozes de duas
professoras. P18 traz a questão ética (a solidariedade) que, também, é cognitiva, política,
estética: O que a gente observa e não há nenhum demérito nisso, é a lacuna da formação no curso de Pedagogia,
porque alunos não tiveram acesso a essas informações na sua formação. [...] Mas a gente OBSERVA
realmente, que elas trazem um conhecimento nessas áreas que são o RETRATO do que tem sido a
educação científica no País. Elas vêm de uma época que o ensino de Ciências nas séries iniciais era
considerado secundário, porque a ênfase era na leitura, na escrita e nos algoritmos, não existia essa
ênfase e o conhecimento era muito de senso comum!
P2 expressa sua preocupação mediante situações cotidianas como a que relatou em nossa
conversa: Outro dia, eu estava assistindo no Fantástico, os menininhos sendo entrevistados, dez anos! Um menino
paranóico que lutou com o banho. Eu fiquei pensando: _ Gente, essa formação que estamos trabalhando,
estamos criando mais sujeitos culpados que responsabilizados! Eu deixo de tomar meu banho, mas eu
não penso que o vizinho do lado não toma banho, não é porque tem que tomar banho rápido, mas é
porque não tem água, não tem casa, mora na rua. Eu tomo meu banho de três minutos, mas não penso
que mais sério do que tomar um banho de dez, é meu vizinho não tomar porque não tem condições
básicas para tal. Eu acho que é um pouco dessa problematização que a gente precisaria fazer com o
aluno, mas em outro nível. Fico agoniada saber que o nosso aluno sabe rasantemente. E às vezes, faço
comentários com eles na aula e digo: _ Gente, vocês precisavam saber disso. Pelo menos entrem na
internet! E aí uma menina virou para mim, do 1º período, dessa turma agora, do curso novo e disse: _
Professora, você pensa que todo mundo tem computador em casa? Falei: _ Realmente, você tem razão;
vamos fazer uma coisa, vocês vão para o laboratório de informática do CE. Ainda não atende, mas às
vezes fica ocioso.
São dois exemplos que podem ser trabalhados de modo ético, visando o bem-estar coletivo, o
respeito ao outro e a si mesmo. A terceira fase da obra de Foucault (ou o domínio do ser-
consigo) coaduna-se com a dimensão ética de Santos, para pensar o futuro da Educação: “Se
aceitarmos o desafio de Foucault, uma Educação para muito além da disciplinarização e da
técnica será necessária fundar as possibilidades de tal Ética” (GALLO, 2004, p. 95), isto é,
uma Ética que seja “uma estilística da existência”. Fazer assim, “Uma Educação voltada para
o cuidado de si mesmo e do outro, possibilitando novas formas de produção de si e de
170
relações com os outros” (idem, p. 95). A nova ética é contra-hegemônica e é solidária com o
futuro (no presente). Nas narrativas docentes predomina essa dimensão: A técnica pela técnica para certas coisas serve, mas para educação não serve! Não sei nem se
eles sabem, por exemplo, dar uma aula para a quarta série, dar uma aula de Geografia para a
terceira! Você entendeu como é? A gente pensa que fazendo aqui essas disciplinas, que eles irão
para a sala de aula e vão precisar. Ele (o saber), desvinculado de outro tipo de formação, fica
técnico e o técnico para mim é insuficiente porque se ele não sabe, sairá assim sem ter essa
concepção (pedagógica, didática, humana, relacional) de escola, de aluno, do contexto.
Entendeu, porque a gente fala que é difícil?! (P6).
A professora P10 cita um trabalho que os alunos da Psicologia fizeram com docentes de uma
escola sobre integração de grupo e que, em certo momento, a estagiária falou: _ “Vocês estão
aí batendo papo da mesma forma que seus alunos na sala de aula e vocês só estão aqui há
trinta minutos e eles ficam quatro horas!”. P16 corrobora essa afirmação destacando a
autoridade: “Uma questão que eu discuto muito com elas é a questão do espaço da
autoridade do professor dentro da sala de aula, enquanto gestor daquele espaço com os
alunos” (P16). A nova ética, portanto, “[...] não é antropocêntrica, nem individualista, nem
busca apenas a responsabilidade pelas conseqüências imediatas. É uma responsabilidade pelo
futuro” (SANTOS, 2002, p. 112), seria a utopia de um mundo melhor, de uma Educação que
considere os avanços tecnológicos mantendo-se humana. Seria a responsabilidade,
principalmente, por um presente que se reverte em benefício pelo futuro, conforme a proposta
da sociologia das ausências e das emergências.
2) Dimensão estética: expressividade
O prazer é a marca estética do novo senso comum, um senso comum reencantado (SANTOS, 2002, p. 114).
Trabalhar a dimensão estética (o prazer, a expressividade) seria trazê-la de novo para o
contexto do conhecimento, uma vez que a modernidade expulsou o prazer da cientificidade.
De acordo com Santos (2002, p. 116) será preciso agir por meio do “[...] reencantamento das
práticas sociais locais-globais e imediatas-diferidas que plausivelmente possam conduzir do
colonialismo à solidariedade”. Cito um exemplo que retrata a importância da Estética na
formação de pedagogos, não porque seja específico da disciplina Artes, mas porque entendo
que a Arte como a Estética está presente em tudo na vida:
171
Não adianta você falar isso só na sala de aula! Ela tem que viver essa arte, viver essa experiência de
estar diante de um espaço que ele todo é artístico; ele está fora dessa moldura, ele engloba esse sujeito
também. Então, nesses relatos elas mostraram, também, primeiro uma autonomia e a questão da
subjetividade; mesmo em dupla, cada uma apontava o seu ponto de vista; isso é bom para o sujeito” (P5).
Nesse sentido, Hermann (2005, p. 106) afirma que “[...] a aparência estética nada tem de
superficial, ao contrário, oferece as condições de transcender o cotidiano” e é essa
transcendência que parece, o docente tenta provocar nas discentes, para que vivenciem a
esteticização no ser-saber-fazer cotidianos. A professora P5 afirma que as alunas confessaram
surpresa e estranhamento em relação ao que viram e diziam: _ Eu não esperava encontrar o que eu encontrei! Algumas confessaram que chegaram lá e não
entenderam nada, algumas só entenderam pelo olhar da criança (tinha muitas lá) ou pelo olhar do
monitor. E aí se surpreenderam, porque falaram: _ Agora eu estou entendendo porque eu olhei a criança
e consegui ver que elas não olhavam as nuvens, elas estavam nas nuvens; elas se comoveram em todo
aquele espaço. Ela se colocou naquele espaço! Então eu acho que isso que a arte contemporânea faz:
não é só a relação estética com o belo; é a relação do nosso corpo com todas as transformações que
nosso corpo vem sofrendo nessa sociedade contemporânea.
O estranhamento que assombrou as discentes “[...] pode ampliar a sensibilidade, até que o
não-habitual possa ser reconhecido em sua diferença” (HERMANN, 2005, p. 109). Segundo
Nunes (2002, p. 303), “A recente “viragem visual” na teoria social e cultural assenta,
precisamente no reconhecimento dessa relação entre o conhecimento e a visão”, entre o saber-
fazer-poder e a estética. Ele lembra que a história fala dessa “construção do olhar moderno e
da sua desconstrução pós-moderna”, que acredito, ocorre na produção do novo senso comum
emancipatório. P5 conclui estética, ética e politicamente entusiasmada: A arte não pode negar a indagar, a refletir sobre NÓS enquanto corpo, também, com nossos
afetos, com nossas questões. E uma exposição dessa, é a possibilidade de você interagir e ver
esse seu corpo presente na obra, como você se sente, que efeitos são produzidos, são espaços de
memória que são resgatados. Então, tudo isso está, também, nos relatórios delas. Foi uma
experiência rica não só para mim que me surpreendi; nunca vi um relato tão sincero e sem que
uma tenha copiado da outra.
Alunas no auditório IC-IV
172
Penso que essa relação com a Arte fortalece o processo de humanização do pedagogo, da sala
de aula, das relações, da capacidade de observar, de olhar o mundo, de se olhar, olhar os
outros, pois, às vezes, as pessoas não observam, passam e não vêem! Perdem oportunidades!
Nunes (2002, p. 305) lembra que “[...] o olhar “objectivo” e desapaixonado do cientista, o
olhar associado à actividade de teorização é um olhar que reduz a percepção à cognição [...]”.
O panóptico, em Foucault é um dispositivo marcante da indissociabilidade do poder e do
saber, “[...] expressão suprema da dominação pelo olhar totalizante, do poder/saber, do poder
disciplinar” (NUNES, 2002, p. 307). A reintrodução da estética na cientificidade visa a
ampliar a sensibilidade e o olhar em múltiplas direções. Para fortalecer essa posição destaco a
concepção de alguns autores sobre a estética.
A proposta de Foucault é tentadora (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 261): “Entretanto, não
poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou
uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida?” Completando: e por que não a educação
e a formação, também? Retomo Santos (2002, p. 114) que afirma: “O prazer foi, assim,
expulso da ciência e ficou confinado a duas esferas aparentemente incompatíveis: por um
lado, ao consumo da massa e à ideologia do consumismo; por outro lado, à autonomia da obra
de arte”. Por fim, Guattari (1992, p. 127-148) ao tratar do “Novo paradigma estético” diz: “A
Potência estética de sentir, embora igual em direito às outras _ potências de pensar
filosoficamente, de conhecer cientificamente, de agir politicamente _, talvez esteja em vias de
ocupar uma posição privilegiada no seio dos Agenciamentos coletivos de enunciação de nossa
época”. A possibilidade de privilégio para a estética de que fala Guattari, constitui a proposta
de Santos corporeificada na racionalidade estético-expressiva e no princípio da comunidade,
perspectivados nesses novos modos de produção de conhecimentos, que fogem aos modos
engessados do paradigma moderno. Portanto, “O limiar decisivo de constituição desse novo
paradigma estético reside na aptidão desses processos de criação para se auto-afirmar como
fonte existencial, como máquina auto-poiética” (GUATTARI, 1992, p. 135).
Em muitas narrativas docentes, percebe-se a presença da dimensão estética se o olhar estiver
atento para ver, ouvir, sentir. As alunas aprendem com a pesquisa a ampliar o olhar, a
estabelecer relações afetivas com as pessoas, a assumir uma postura investigativa de professor
reflexivo (PPC, 2006). Tudo que está sendo falado é importantíssimo e, realmente, pode dar
uma visão muito boa de uma concepção de postura de professor em qualquer instituição que
ele for trabalhar com Educação. Mas se professores-formadores não tiverem compreendido e
173
interpretado o caráter dessas disciplinas, sua realização poderá não seguir pelos caminhos
propostos pelo PPC, eu penso, como algumas participantes, também. Nessa perspectiva, as
alunas ilustram com suas discursividades: Estamos aprendendo a ‘filosofar’ (pensar, argumentar) com a (disciplina) Filosofia (A).
As disciplinas do 1º período fazem pensar: é um semestre pensante! (A).
Na matéria “Corpo e movimento”, estamos aprendendo a compreender a brincadeira-jogo como algo
mais que um momento de lazer (A).
A professora P5 relata a visita das alunas ao museu: A aluna estava nesse contexto sócio, cultural, estético, ao mesmo tempo em que a leitura dela também
está lá. E o que se percebe é que a produção tomou essas formas da contemporaneidade, mas a leitura
ainda não (tom de decepção na fala). A leitura ainda ficou com esse olhar renascentista; isto é que eu
quero dizer. Então o que que isso vem? Vem classificar: isso é arte, isso não é, isso eu entendo, isso eu
não entendo. Isso vem carregado de valores que perpassam, inclusive, nesse trabalho docente. [...].
Assim, a Estética presentifica-se na inovação curricular, também, pela introdução do eixo de
pesquisa com as disciplinas PEPPs, que não têm o papel do Estágio, mas o objetivo de
incentivar a atitude investigativa e aproximar o aluno do cotidiano escolar. P14 diz: Acho que esse pode ser um caminho desses meninos já começarem a atuar e o que tenho feito nas
disciplinas é favorecer esse olhar. Se o aluno chega aqui, e não tem ainda essa experiência, os que têm
contribuem muito, porque eles fazem perguntas e trazem os problemas. E os que não têm também se
queixam: _ Ah, porque ele tem experiência e eu não tenho! Aí eu resgato em dois pontos: a questão da
memória e peço pesquisa de campo! _ Vamos fazer um trabalho que vocês vão investigar a escola, vão
fazer contato com professora e alunos, para a gente poder dialogar um pouco nesse sentido. E situações
que a gente tem que mostrar na sala de aula. [...].
Enfim, eu diria com Larrosa (2006, p. 51): “[...] alguém que, ao ler com o coração aberto,
volta-se para si mesmo, [...]. Pois bem, esse voltar-se para si mesmo é o efeito da melhor arte
e constitui, talvez, o núcleo e a grandeza da experiência estética. A idéia de formação está
construída em relação a uma teoria da arte”, a arte de ser-saber-fazer-poder a Educação, a
formação e a vida.
3) Dimensão política: participação
Foucault disse, fundamentado em Nietzsche: “[...] o conhecimento é essencialmente político: saber e poder estão interligados; tanto o poder produz saberes quanto o saber põe a funcionar poderes vários” (apud GALLO, 2004, p. 91).
174
A participação é a marca da dimensão política na produção-consumo de conhecimentos
emancipatórios. No novo senso comum, todas as formas de poder são políticas e o
conhecimento-emancipação visa a uma repolitização global da vida coletiva (SANTOS, 2002,
p. 113-4). Essa dimensão faz-se presente no Centro de Educação com a participação nos
fóruns, reuniões de departamento, nas decisões, comissões, eventos, nas próprias aulas, nos
corredores, etc. A modernidade, com a ênfase no conhecimento-regulação, contribuiu para o
processo de despolitização, desmontando movimentos organizados, fragmentando grupos. Na
própria Universidade, a organização em departamentos, o ensino por créditos, a
semestralidade, são exemplos dessa desmobilização. Nesse sentido, alguns discursos trazem
uma marca mais forte no que se refere à política: “E aí vê o que na minha cabeça fica uma
coisa de doido: como é que essa meninada de 16, 17, 18, 19 anos está realmente com vontade
de discutir o que é fundamental nas Ciências da Educação, ou nas Ciências que oferecem
suporte à Educação? Será que isso é fundamental para eles?”, fala P2. A professora P6
explica como compreende isso: No meu entender se você não conhecer as estruturas da sociedade exatamente como ela é, saber qual é a
realidade social, quem são essas pessoas concretas, aí não dá certo! Por que não dá certo? Porque esses
alunos não sabem o que fazem lá, porque para eles é tudo ideal, a escola é ideal, o aluno é ideal, não é
aquele embasado na empiria, mas não pode ver lá, o menino cheio de meleca no nariz, pobrezinho com
piolho.
Uma aluna disse que passou a perceber a “importância da reflexão para a profissão” e outras
comentaram que a disciplina “História da Educação ajuda a perceber a origem de falhas no
sistema de ensino”; ajuda a compreender “[...] porque professores têm dificuldade de acesso
aos seus direitos e deveres”. Para elas, a disciplina “Política Educacional também ajuda a
entender o que (o governo) visa, quando faz as mudanças na lei”. A professora P13 trabalha
duas disciplinas com o 3º período, que são Movimentos Sociais e Ensino de Jovens e Adultos
e Organização do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Sobre os saberes produzidos nesse
fazer cotidiano, ela assim se expressa: A gente tem trabalhado os movimentos sociais e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Depois a gente
trabalha um pouco com as políticas, legislação, em relação a EJA. [...] Eu acho que [...] o mais
importante para eles é compreenderem a sua importância como sujeitos sociais nesse processo. No
sentido de serem atores, não só de cobranças políticas, não só de elaboração do próprio conhecimento,
mas principalmente aprender a lidar com essa clientela.
175
Esses conhecimentos contribuem na questão da cidadania e dão oportunidade de conhecer o
adulto, de como ele aprende a importância de freqüentar uma escola, mesmo, tardiamente. “O
Ensino Fundamental (EF) foi marginalizado, então, é legal apreender que é importante
investir no EF (como, também, na Educação Infantil, gestão e pesquisa), conhecer a estrutura
da Educação, a legislação, como a legislação avançou. É importante estarem na
Universidade, mas vão ser educadores é na prática, a partir dos desafios, dos conflitos, dos
problemas” (P13). A professora P10 fala do processo participativo discente: “[...] eles
participavam muito, [...] e eles traziam a questão da escola, dos seus alunos, dos seus outros
colegas e isso era muito enriquecedor para a aula”.
Uma constelação de saberes: refletindo...
Enfim, o saber da formação docente, o saber expresso nos três núcleos do PPC (2006),
estudos básicos, aprofundamento e diversificação de estudos e um núcleo de estudos
integradores, expressa essas três dimensões: ética, estética e política, na perspectiva da
produção de saberes-fazeres-poderes emancipatórios. Uma licenciatura que forma pedagogos
deve-se perguntar sempre: o que se quer-precisa saber-aprender-para-ensinar, para ser
pedagogo? Foucault (1999, p. 36) afirma que “[...] o querer-saber não se aproxima de uma
verdade universal [...]”, portanto, não existiriam os mesmos saberes para todo tempo, mas
saberes próprios a cada contexto. Neste caso, propus-me a compreender como são produzidos
os conhecimentos que perpassam a realização curricular, saberes-fazeres-poderes que
imbricam teoria e prática em redes de multiplicidades. Assim, trago fragmentos de uma
conversa entre Foucault e Deleuze (Foucault, 1999) que ajudam a esclarecer.
Segundo Foucault (1999, p. 70) “[...] nenhuma teoria pode se desenvolver sem encontrar uma
espécie de muro e é preciso a prática para atravessar o muro”. Quer dizer, para compreender a
produção de saberes não basta conhecer a matriz curricular e afirmar: estes são os saberes da
formação de pedagogos! É preciso ir aos realizadores, docentes e discentes, ouvi-los sobre o
que sentem, pensam, fazem, precisam, querem em relação ao novo currículo, conversar sobre
o ensino-aprendizagem, os saberes-fazeres-poderes e outros aspectos que emergirem durante
as conversações. É uma estratégia para chegar perto, estar com o outro, ouvi-lo. Quanto à
relação que se busca estabelecer na formação de pedagogos entre a teoria e o conhecimento
prático advindo da experiência, lembraria Foucault (1999, p. 71), mais uma vez, que diz: “É
por isso que a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma
176
prática”. Portanto, não há como separar, mas concebê-las como saber teórico-prático, que cria,
ele mesmo, suas verdades e se revela nas práticas discursivas e não-discursivas dos
praticantes. Concluo com Hermann (2005, p. 110) que diz:
[...] a relação entre ética e estética abre uma nova perspectiva para a educação estruturar sua ação ética [...]. O sujeito ético, aspiração do projeto pedagógico moderno (e do transmoderno), se constitui numa pluralidade de experiências e numa abertura ao mundo e ao outro para os quais a experiência estética, enquanto um horizonte aberto, assume um sentido eminentemente formativo.
A seguir, no capítulo 4, abordo a multiplicidade de modos utilizados pelas docentes-discentes
na produção-consumo de saberes-fazeres-poderes da formação docente.
Fonte: A Gazeta, ES.
177
Anexo ESPECIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES
Descrição das Atividades Carga horária da atividade desenvolvida
Limite máximo para aproveitamento
Conversão em pontos
1. Participação em Projeto de Iniciação Científica orientado por professor do curso, como bolsista remunerado ou voluntário.
01 ponto para cada 01h de participação
Até 80 horas Até 80 pontos
2. Relatório parcial e/ou final de Iniciação Científica, orientado por professor do curso, elaborado pelo bolsista remunerado ou voluntário.
20 pontos por relatório Até 04 relatórios Até 80 pontos
3. Participação em Projeto ou Programa de Extensão Universitária, vinculados à UFES, como bolsista remunerado ou voluntário.
01 ponto para cada 1h de participação.
Até 60 horas Até 60 pontos
4. Relatório parcial e/ou final de Projeto ou Programa, orientado por professor do curso, elaborado pelo bolsista remunerado ou voluntário.
20 pontos por relatório Até 04 relatórios Até 80 pontos
5. Participação em curso de extensão realizado na UFES.
10 pontos para cada 20h de curso
Até 180 horas Até 90 pontos
6. Atividades de Monitoria em disciplinas da UFES.
01 ponto para cada 01 hora de participação
Até 60 horas Até 60 pontos
7. Atividades desenvolvidas com bolsa PET (Programa Especial de Treinamento) no âmbito da UFES.
01 hora para cada 01 hora de participação
Até 60 horas Até 60 pontos
8. Participação em eventos da área da educação, como congresso, seminário, simpósio, encontro, conferência, jornada, oficina, etc..
04 pontos para cada evento
Até 15 eventos Até 60 pontos
9. Participação como membro de organização de eventos como os mencionados no item imediatamente acima.
10 pontos para cada evento
Até 02 eventos Até 20 pontos
10. Apresentação de trabalho científico em evento da área de educação.
05 pontos por trabalho apresentado
Até 10 trabalhos Até 50 pontos
11. Publicação de livro, capítulo, artigo, resenha ou resumo em anais, na área da educação;
50 pontos para livro; 40 pontos para artigo em revista indexada ou capítulo de livro; 30 pontos para revista não indexada; 10 pontos para resumo e resenha em anais.
Até 06 publicações Até 60 pontos
12. Estágio não obrigatório, de acordo com normas vigentes.
01 ponto para cada 01h de estágio
Até 60 horas Até 60 pontos
13. Atividade de representação estudantil em mandatos específicos.
05 pontos por mandato Até 04 mandatos Até 20 pontos
14. Disciplinas eletivas, oferecidas pela UFES, quando excedentes ao número de créditos exigidos.
30 pontos para cada disciplina de no mínimo 60 h.
Até 03 disciplinas Até 90 pontos
15. Disciplinas optativas oferecidas pelo Curso de Pedagogia.
30 pontos para cada disciplina de no mínimo 60 h.
Até 03 disciplinas Até 90 pontos
16. Curso de língua estrangeira realizado em instituição credenciada.
05 pontos por semestre cursado
Até 05 semestres Até 25 pontos
17. Participação regular em grupos de estudos coordenados por professores da UFES.
10 pontos por semestre Até 04 semestres Até 40 pontos
18. Participação em eventos científicos, culturais e/ou artísticos mediante comprovação.
04 pontos por evento Até 05 eventos Até 20 pontos
19. Outras atividades analisadas e autorizadas antecipadamente, em cada caso, pelo Colegiado.
A definir pelo Colegiado
A definir pelo Colegiado
A definir pelo Colegiado
Fonte: PPC, 2006.
178
Ensinar-aprender-a-ensinar Sala de aula. Ensinar. Aprender. Professores. Alunos. Livros. Saberes. Fazeres. Poderes. Como bem ensinar e bem aprender? Foucault fala que a teoria é uma caixa de ferramentas. O que guarda essa caixa de que falo aqui? Ela enriquece as práticas com seus conteúdos. Nela há teorizações, pensamentos, paixões, idéias, saberes diversos, recursos didáticos, experiências, relacionamentos, jogos, afetos, materiais para experimentações, utopias, uma infinidade de artefatos que podem enriquecer o processo educativo. Formação de pedagogos. Então, como aprender-para-ensinar? Que modos professores utilizam, para realizar o trabalho docente? Que estratégias, táticas, linhas de fuga? Explanação oral, conversa, pesquisa, grupos, relação teoria-prática, dramatização, apresentação de trabalhos, seminários, visitas, palestras, tudo associado ao uso de filmes, músicas, revistas, jornais, internet, quadro e giz. O que o discente já sabia sobre o tema? O que aprendeu com as aulas, com o estudo com os colegas, com o professor, com outros pedagogos, com as crianças? O que aprendeu em outros espaços sociais? Na biblioteca, nos laboratórios, nos núcleos, Nas escolas, nos corredores, nos auditórios? Os professores também aprendem nessa troca. Sala de aula. Ensinar. Aprender. Professores. Alunos. Livros. Saberes. Fazeres. Poderes. Aprender-para-ensinar. Formar e se formar. Tornar-se pedagogo, docente e não-docente. Ensinar-aprender-a-ensinar. Sempre! Com sabedoria e amor!
ENEIDA
179
CAPÍTULO 4
Ensinar-aprender-a-ensinar: Uma caixa de ferramentas
“Todos os meus livros, seja História da Loucura ou Vigiar e Punir são, caso se queira, pequenas caixas de ferramentas. Se as pessoas querem abri-las, servir-se de uma frase, de uma idéia, de uma análise como se fossem torqueses ou alicates para cortar, provocar curto-circuito, romper os sistemas de poder, e eventualmente os mesmos sistemas de onde saíram meus livros, tanto melhor” (FOUCAULT, apud HEUSER, 2008).
Fazer Educação é um processo que exige, além do conhecimento, da vontade e da
criatividade, a utilização de ferramentas cognitivas, pedagógicas, didáticas, éticas, estéticas,
políticas, culturais, afetivas, ferramentas de toda ordem. O processo de ensinar e de aprender
na realização cotidiana do currículo de Pedagogia é intencional, planejado, associado a
diversos artefatos, estratégias, táticas e conta com o apoio da biblioteca setorial, dos
laboratórios e dos núcleos de ensino-aprendizagem do Centro de Educação (CE). Não existe,
então, uma norma, um modo único de caminhar na feitura desse processo. Os praticantes vão
construindo seus percursos, cotidianamente, variando a intensidade pessoal, na relação com
os outros, no compartilhamento de necessidades, possibilidades, sucessos, alegrias,
decepções. Como um carpinteiro que para trabalhar com a madeira, precisa de sua caixa de
ferramentas: martelo, alicate, serrote; o pintor necessita de tintas, pincéis; o eletricista, o
médico, o dentista, o enfermeiro, o bibliotecário devem ter ao seu dispor, instrumentos que
ajudem na realização do seu trabalho.
Material da professora P8
180
Com o pedagogo-docente ou não-docente, também, é assim. Ele tem sua caixa de
ferramentas, no sentido metafórico e, é de lá, que tira materiais concretos ou simbólicos,
necessários ao seu trabalho. Que materiais seriam esses? Pensamentos, idéias, teorias,
palavras, sabedoria, relacionamentos, vontade, criatividade, planos, estratégias, táticas,
artefatos, livros, revistas, jornais, cartazes, filmes, TV, quadros, giz, pincel, lápis, caneta,
papel, jogos, computador, e mais uma infinidade de artefatos. No entanto, o processo vai
muito além de uma caixa de ferramentas! Deleuze numa conversa com Foucault (1999, p.
71) assim se expressa sobre o uso da teoria:
Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. [...] É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. [...]. É curioso que seja um autor que é considerado um puro intelectual, Proust, que o tenha dito tão claramente: tratem meus livros como óculos dirigidos para fora e se eles não lhes servem, consigam outros, encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um instrumento de combate.
Para compreender os modos de ensinar-aprender-a-ensinar, utilizo o PPC/CE/UFES (2006),
como uma ferramenta, porque estudei-estudo a sua realização cotidiana, com foco na
produção de saberes-fazeres-poderes. Alio outras ferramentas a esse trabalho, ou seja, as
narratividades das participantes e as teorizações de diferentes autores, em particular, de
Boaventura de Sousa Santos, para promover uma inteligibilidade recíproca entre esses
discursos e experiências disponíveis e possíveis, reveladas pela sociologia das ausências e das
emergências. Portanto, retomo um princípio considerado fundamental na formação de
pedagogos: “[...] os pressupostos e fundamentos para o curso de graduação em pedagogia se
apóiam em dois elementos básicos, a saber: “[...] a dimensão teórica que lhe dá sustentação e
a dimensão prática do seu acontecer” (p. 3)” (PPC, p.15). O projeto propõe um ensino e uma
aprendizagem calcados na concepção do saber-fazer, dimensões de um mesmo processo, de
modo que supere a concepção de que há excesso de teoria e pouca prática na formação. Na
verdade, o futuro-pedagogo começa ir para a escola já no segundo período do curso.
Fonte: A Gazeta, ES.
181
O curso de Pedagogia como a grande maioria, senão a totalidade dos cursos da Universidade
é profissionalizante66. Seu objetivo é formar profissionais docentes e não-docentes para atuar
na Educação em contexto escolar e não-escolar. Os pedagogos vão trabalhar com crianças,
adolescentes e adultos, portanto, necessitam ter conhecimentos dos fundamentos da
Educação, conhecimentos específicos das disciplinas, conhecimentos metodológicos, mas
também, conhecimentos relativos aos conteúdos curriculares da Escola Básica e aos modos
de ensiná-los, entre outros, dos quais vão lançar mão para realizar o processo ensino-
aprendizagem, a gestão e a pesquisa. Até há pouco tempo, a grande maioria dos alunos
chegava à Universidade trazendo na sua bagagem conhecimentos de caráter prático que
adquiriam no curso de magistério em nível médio e na experiência docente. Eram saberes que
antecipavam e facilitavam a aprendizagem de conhecimentos acadêmicos do Ensino
Superior. Hoje essa realidade mudou.
Portanto, se eles não adquirem mais esses saberes, “competências” e habilidades no
Magistério do Ensino Médio, onde vão discuti-los e aprendê-los, agora?! O que precisam
saber para se tornarem pedagogos (docentes e não-docentes)?! Basta conhecer grandes
teóricos e suas teorizações para saber o que fazer na escola?! O que ajuda a compreender a
complexidade cotidiana da docência, do ensinar, do aprender, do relacionamento, do
planejamento, da avaliação, da gestão, da pesquisa?! Há, pois, necessidade de valorizar os
saberes-fazeres cotidianos escolares, pois só o domínio das grandes teorizações não garante
encontrar caminhos, por isso é importante discutir os conteúdos da formação aliados aos
saberes da prática docente escolar, por meio da hermenêutica diatópica. Nesse sentido, Pais
(2003, p.146) recomenda aos seus alunos: “leiam, leiam e leiam; mas não se esqueçam: o
facto de terem a cabeça cheia de teorias [...] não vos capacita a teorizarem da forma mais
adequada”... E continua: “Aponto-lhes a janela da sala de aula para lhes mostrar que a janela
nos enquadra (e limita) o ângulo de visão daquilo que podemos observar no exterior”.
67
66 Não vou abordar a questão relativa ao caráter profissionalizante que vigora, hoje, na maioria das Universidades e em relação ao qual existem discordâncias. 67 Gravuras do Google.
182
Há pesquisadores, professores e alunos “janeleiros”, que se contentam em ver, somente, o que
enquadramento da janela permite e, há os “arruaceiros”, que saem à rua, misturam-se às
pessoas, querem ver mais e de perto, não se contentam com a visão limitada da janela. Assim,
saindo da “janela” e se imiscuindo no contexto educativo, uma professora lembrou que o
pedagogo-não-docente poderá atuar em funções de gestão no Ensino Infantil, Fundamental,
Médio e no Ensino Superior, logo, a formação deve propiciar a discussão sobre o trabalho
pedagógico de forma mais abrangente, para além do Ensino Fundamental. Não é dar receitas,
mas discutir modos de ensinar-aprender-a-ensinar:
Já no século XVI, Montaigne retoma de Rabelais a crítica da escola livresca, copista e medíocre, que empanturra o aprendiz de receitas e informações que só servem para impedi-lo de ser gente. [...] ele acreditava ser essencial livrar-se das idéias já prontas e das lições fechadas pela provocação da curiosidade do aluno, aproveitando a matéria simples que a própria vida e a experiência nos vão fornecendo (LINHARES, 1997, p. 129-130).
Alarcão manifesta, sua preocupação sobre a necessidade de se pensar os modos de ensino nos
processos educativos. Ela (1996, p. 14) ressalta que “Nas instituições de formação, os futuros
profissionais são normalmente ensinados a tomar decisões que visam à aplicação dos
conhecimentos científicos numa perspectiva de valorização da ciência aplicada como se esta
constituísse resposta para todos os problemas da vida real”, como no paradigma da ciência
moderna, a única considerada válida. Na prática, esses profissionais vêem que as questões não
se resolvem dessa forma simplista e fechada e se sentem impotentes e inseguros. Essa autora
(1996, p. 14) refere-se à “[...] síndroma de se sentir atirado às feras numa situação de salve-se
quem puder ou de toque a viola quem tiver unhas para a tocar”. Corroboro a afirmação da
autora com um exemplo: tive uma aluna, advogada, em curso de Didática, que ao entrar como
professora numa sala de aula sentiu-se como se fora “jogada numa jaula de leões”, como ela
mesma disse, por isso procurou o curso de Didática. Alunos do curso de Pedagogia, também,
relatam situações semelhantes. Para melhor ilustrar essa questão da relação teoria-prática, dos
modos de ensinar-para-aprender-a-fazer, Alarcão (livro de James Herriot) relata o caso de um
veterinário recém-formado atendendo a uma situação em que fica “[...] sem saber o que fazer,
[...]”. O jovem profissional tenta, relembrar e rever, mentalmente, o que diziam e mostravam
os livros de obstetrícia que tinha estudado e não se recordava de nada! Alarcão (1996, p. 140)
admite que é mais ou menos isso que acontece com estagiários das diferentes licenciaturas:
“[...] não fomos capazes de os preparar para lidar com situações novas, ambíguas, confusas,
183
para as quais nem as teorias aplicadas nem as técnicas de decisão e os raciocínios aprendidos
fornecem soluções lineares”.
O exemplo fala de saberes, habilidades, competências para realização de uma atividade
profissional. Nesse sentido, na docência, a professora deveria ser capaz de se mobilizar para
identificar e resolver problemas complexos, explicitar e descrever situações sem fazer
julgamento de valor, apropriar-se das idéias pedagógicas sem se tornar prisioneira delas,
trabalhar como numa comunidade plural, interpretativa, compartilhar artefatos, idéias,
problemas, sucessos, dificuldades. E, ainda, planejar coletivamente, utilizar procedimentos
didáticos e artefatos diversificados, gerir a classe, exercitar o poder, a autonomia, a maneira
de ser, de falar, de ouvir os alunos, procurando estabelecer um equilíbrio entre regulação e
emancipação, sempre, numa perspectiva emancipatória da Educação.
Para Santos (2006, p. 27), a aprendizagem implica reinventar a emancipação social para além
da teoria crítica produzida no Norte e partir da práxis social e política que se faz no Sul. Daí a
necessidade de renovar, permanentemente, a caixa de ferramentas, para não ficar obsoleta e
impedir movimentos de produções inventivas de saberes-fazeres-poderes. Quem não quer
mudar, quem se mantém fiel às práticas rotinizadas, quem transforma interesses hegemônicos
em verdades acabadas, continua atrelado à razão metonímica, que se prende a uma só lógica,
a um só caminho, a um só tipo de ordem, porque se considera “exaustiva, exclusiva,
completa”. Na Educação, também, se vê isso. Portanto, uma proposta emancipatória de
formação, há de “preparar” pedagogos para superar a razão metonímica e a razão proléptica e
agirem na perspectiva de uma razão cosmopolita, ou seja, aliando a sociologia das ausências,
a sociologia das emergências e o trabalho de tradução numa experimentação permanente da
ecologia de saberes e de práticas.
A partir das conversações, pude cartografar modos de ensinar-aprender-a-ensinar expressos
pelas docentes e pelas discentes, bem como identificar saberes-fazeres-poderes produzidos
nesses processos. As práticas discursivas das professoras revelam a presença de uma
variedade de estratégias, táticas e artefatos utilizados nesse processo, de acordo com as
concepções de cada uma e com a especificidade de cada disciplina. Esse conjunto constitui
uma verdadeira caixa de ferramentas usada para enriquecer o trabalho docente. Assim, numa
sala de aula onde vigore a abertura para processos inventivos, pode florescer um trabalho
interativo, afetivo, heterológico, experimental, ético, estético na disseminação e na produção
de saberes-fazeres-poderes que passam a constituir a bagagem formativa (sempre renovável)
184
de futuros-pedagogos. O professor-formador tem o papel não só de discutir conhecimentos
acadêmicos destinados à formação de um profissional que aprende, mas também, de alguém
que vai ensinar a crianças, adolescentes, jovens e adultos e vai orientar-coordenar o trabalho
educativo-pedagógico, em diferentes níveis, funções, tempos e locais, escolares e não-
escolares.
As artes de saberes-fazeres-poderes Que tipo de aulas dá o professor que se queixa de alunos reprodutores? [...] Que tipo de aluno se queixa de professores reprodutores? Que política existe por trás do coro de professores e alunos desencantados? (KASTRUP, prefácio apud BEDRAN, 2003, p. 15).
[...] Isabelle Stengers tem vindo a propor um projecto de uma “ecologia das práticas”, caracterizada por uma relação cosmopolítica, sem desqualificação mútua, dos saberes e conhecimentos que são produzidos, circulam, comunicam, se articulam e se confrontam em diferentes espaços (Stengers, 1996/97) (NUNES, 2004, p. 62, nota de rodapé).
Estas artes docentes envolveriam a produção de subjetividades desestabilizadoras, poéticas,
barrocas, com vontade de agir com clinamen68, de produzir um conhecimento emancipatório
que implique a travessia do colonialismo para a solidariedade. Como produzir tais saberes e
subjetividades, num contexto em que os resultados da Educação são desanimadores, e que,
entre outros fatores, culpabiliza-se a formação, a qualificação, a ação docente por tais
resultados desastrosos?! Como fazê-lo, num contexto em que docentes e discentes não se
entendem, em que há agressões verbais e físicas, como as futuras-pedagogas constatam em
suas andanças no chão da escola básica, ou como a mídia divulga, cotidianamente?!
Essa produção requer a participação de todos, professores, alunos, funcionários, instituições,
sociedade, como numa comunidade interpretativa, numa rede infinita de interações. Seria
assim um devir-pedagogo, que contagia, que deseja formar profissionais num processo
potente e potencializador de produção, entre o que os estudantes são e o que pretendem ser
como profissionais (endereçamento), por meio de dispositivos, de agenciamentos que
provocam desterritorializações e reterritorializações, repetidamente, incessantemente, eu diria.
Embora eu não tenha pesquisado o trabalho do professor-formador, e sim, a produção
resultante da ação docente-discente na realização curricular cotidiana, muitas alunas fizeram
68 Santos (2008, p. 35) toma de Epicuro e Lucrécio, o conceito de clinamen “[...] que faz com que os átomos deixem de parecer inertes e revelem um poder de inclinação, isto é, um poder de movimento espontâneo [...]”.
185
referências aos professores, quanto às relações interpessoais, modos de ensinar e aos seus
saberes. Exemplifico essa ênfase no professor-formador com fragmento do resultado de
pesquisa efetuada por Bedran (2003), num estudo sobre a produção na Universidade, em que
se vê, também, o destaque relativo à ação docente. Ela (2003, p. 60) diz: “[...] o primeiro
pensamento em todas as respostas (de alunos), dirige-se ao professor como alavanca principal
da produção (discente)”.
Sabe-se que o professor-formador, como o docente na escola, não é o único nem o principal
responsável pelos resultados educacionais, mas sabe-se, também, que docentes são elementos
primordiais no processo educativo que atravessa e é atravessado por múltiplos fatores
econômicos, sociais, pedagógicos, afetivos, políticos, éticos, estéticos, culturais. Assim, o que
se pode fazer na formação para inventar conhecimentos solidários capazes de promover
mudanças positivas no processo educativo e em seus resultados?! Um ensino-aprendizagem
emancipatório implica a produção de subjetividades inconformadas com a realidade
educacional, que desejam buscar novos modos de ensinar-aprender, de relacionar-se, de
(re)formular programas de ensino e propor uma nova maneira de ser-fazer docente-discente.
Nesse sentido, Nunes (2002, p. 318) afirma que a reconstrução de uma geopolítica do
conhecimento, na perspectiva crítica-renovada e emancipatória, implica “[...] organizar novas
formas de diálogo e de acção comum entre os intelectuais e cientistas [...] e os cidadãos,
ancoradas no diálogo e na negociação, e não na desqualificação mútua ou na hierarquização
dos saberes”.
A sociologia das ausências e a sociologia das emergências podem ser uma resposta para essa
questão. A sociologia das ausências expande o domínio das experiências já disponíveis e a das
emergências expande o domínio das experiências sociais possíveis. Assim, quanto maior for a
multiplicidade e a diversidade das experiências disponíveis (pela ecologia dos saberes e
práticas) no presente, maior será a possibilidade de experiências possíveis no futuro (pelos
campos sociais - experiências). Na sociologia das ausências, essa multiplicidade e
diversificação ocorrem por meio das ecologias; na sociologia das emergências acontecem por
meio da amplificação simbólica (atenção excessiva) das pistas ou sinais do que existe como
tendência ou como possibilidade futura, numa prática, experiência ou saber (SANTOS, 2004,
p. 798-9). Nessa perspectiva, as práticas de produção de conhecimentos ocorrem em campos
sociais e os mais importantes onde a multiplicidade e a diversidade, possivelmente, mais se
mostrarão são: experiências de conhecimentos, de desenvolvimento, trabalho e produção, de
186
reconhecimento, de democracia e experiências de comunicação e de informação (idem, 2006,
p. 120-2).
O campo das experiências de conhecimentos implica conflitos e diálogos possíveis entre
diferentes formas de conhecimento. Na Educação, eles poderiam ocorrer entre conhecimentos
acadêmicos e os da prática escolar; entre conhecimentos relativos às experiências na formação
regular, na formação destinada ao Movimento dos Sem Terra, ao indígena, à Educação de
Jovens e Adultos, infância, ambiente escolar, não-escolar; pedagogia hospitalar, empresarial,
entre educação tradicional e crítica-renovada.
O campo das experiências de desenvolvimento, trabalho e produção constitui conflitos e
diálogos possíveis entre formas e modos de produção diferentes. Na Educação, é possível que
aconteçam entre práticas educativas tradicionais e emancipatórias; entre diferentes modos de
produção de conhecimento na formação docente; modos de ensinar-aprender-a-ensinar; na
(des)valorização de diferentes tipos de conhecimento, dos saberes que o aluno traz para a
escola, dos saberes-fazeres do estudante que tem a prática docente; em processos avaliativos
da aprendizagem, da instituição, de sistemas, etc.
O campo das experiências de reconhecimento inclui conflitos e diálogos possíveis entre
sistemas de classes sociais. Na Educação, esse reconhecimento poderia dar-se em relação ao
papel da formação, da escola, dos professores, da qualidade e, não somente, da quantidade;
diálogos e conflitos em relação à Educação em âmbito local, nacional, regional, institucional,
políticas públicas.
O campo das experiências de democracia são os conflitos e diálogos possíveis entre o modelo
hegemônico de democracia e a democracia participativa. Na Educação, poderiam ocorrer
entre experiências de gestão autocrática ou partilhada, formas de participação de professores,
de alunos, da família, modos de tomada de decisões; eleição de direção do CE, de reitor, do
diretório Acadêmico (DA); realização de projetos intra-inter-transdisciplinares, parcerias com
escolas, com setores diversos da Universidade, com entidades civis.
E, por fim, o campo das experiências de comunicação e de informação constitui conflitos e
diálogos possíveis derivados da revolução das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC), entre os fluxos globais de informação e os meios de comunicação. Na Educação,
187
poderiam ocorrer diálogos e conflitos com o uso ou não-uso das TIC para ensinar e aprender;
provocar mudanças nas relações professor-aluno, na noção de espaço, tempo, distância, nos
modos de ensino-aprendizagem. Também, poderia emergir a necessidade de ampliação do
laboratório de informática do CE, ampliando seu espaço para o uso docente-discente nas
aulas, na perspectiva de que futuros-pedagogos necessitam de experiências didáticas com as
TIC, porque irão utilizá-las em laboratórios na Escola Básica como artefato para ensinar e
aprender com seus alunos.
É, portanto, nesses campos sociais que vigoram as lógicas de produção de não-existências,
visto que a razão metonímica produz “[...] não-existência sempre que uma dada entidade é
desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível”
(SANTOS, 2006, p. 102). O autor (2004, p. 787) distingue cinco lógicas de produção da não-
existência e, todas, são manifestações da monocultura racional (idem, 2006, 102-4).
A lógica da monocultura do saber e do rigor científicos é o modo mais poderoso de produção
da não-existência; consiste na transformação da ciência moderna e da alta cultura em critérios
únicos de verdade e de qualidade estética. A não-existência, nesta lógica, é a ignorância ou
incultura. Na Educação, poderia dizer que uma não-existência seria o saber da prática. Essa
monocultura valoriza o saber acadêmico, científico e desconsidera o saber da experiência
produzido na prática escolar cotidiana.
A lógica da monocultura do tempo linear considera que a história tem sentido e direção únicos
e conhecidos, expressos no progresso, na revolução, na modernização, no desenvolvimento,
no crescimento. O tempo linear é comum a todas essas formulações e produz não-existência,
considerando “atrasado” tudo que é assimétrico ao que é definido como “avançado” pela
modernidade. A não-existência toma a forma de residualização (o primitivo, o selvagem, o
pré-moderno, o simples, o obsoleto, o subdesenvolvido). Segundo essa monocultura, só
haveria um caminho para a Educação, e tudo que foge às práticas tradicionais é
desqualificado. A Educação seria considerada atrasada, desatualizada, inadequada aos novos
tempos e a não-existência decorrente dessa lógica, seriam as formas alternativas de espaços-
tempo para a escola, pois permanece, ainda hoje, o mesmo modo linear de organização
escolar, de conteúdos, avaliação, ser-fazer-poder, horário, calendário escolar, matriz
curricular.
188
A lógica da classificação social assenta na monocultura da naturalização das diferenças;
distribui as populações por categorias que naturalizam hierarquias, como classificação racial e
sexual. A não-existência seria produzida sob a forma de inferioridade insuperável, porque
naturalizada. Na escola, isso se revelaria em diversas situações: separar alunos por nível de
conhecimento, por comportamento; considerar que todos aprendem e ensinam do mesmo
modo; desconsiderar métodos de alfabetização e de ensino de professores que os utilizam com
bons resultados; valorizar ou ignorar saberes de alunos e de docentes, conforme a sua
realidade e procedência social. A não-existência, nessa lógica, se configuraria em alunos
incapazes de aprender e professores incapazes de ensinar.
A lógica da escala dominante tem como base o universalismo abstrato e a escala global; a
escala dominante desconsidera todas as outras possíveis escalas e são duas formas principais
de escala: a universal e a global. O universalismo é a escala das realidades que vigoram
independentes de contextos específicos. A globalização é a escala que privilegia realidades
que alargam seu âmbito a todo o globo e adquirem a prerrogativa de designar realidades rivais
como locais. A não-existência é produzida sob a forma do particular e do local. Na Educação,
isso ocorreria ao desconsiderar projetos e experiências locais e localizadas e ao assumir,
inadvertidamente, propostas teórico-educativas do Norte e, mesmo, do Sul, por considerá-las
mais evoluídas. A não-existência manifesta-se na invisibilização da experiência local, da
escola, da universidade.
E a última lógica, a produtivista, assenta na monocultura dos critérios de produtividade
capitalista e o crescimento econômico é um objetivo inquestionável. A não-existência é
produzida sob a forma de trabalho improdutivo, preguiça, desqualificação profissional. Na
Educação, esta lógica se manifestaria ao taxar determinado aluno como preguiçoso,
desinteressado, a família descomprometida com o estudo dos filhos; poderia ocorrer
atribuindo o baixo desempenho de alunos ao trabalho da professora, (des)qualificando sua
competência profissional, considerando-a acomodada, desinteressada, sem compromisso
social; outro aspecto, seria dar “recompensa”, tipo abono financeiro, a professoras que
tiverem o índice X de aprovação de alunos; seria educar em função dos interesses
empresariais, desconsiderando necessidades humanas. A não-existência estaria relacionada às
razões do aluno que não aprende e da professora que não obtém bons resultados com os
alunos, ou seja, a escola improdutiva.
189
Fonte: A Gazeta, ES.
A produção social destas ausências (não-existências) resulta na redução do mundo e na
contração do presente, ou seja, no desperdício da experiência educativa cotidiana que se faz
na formação, por exemplo. A sociologia das ausências atua substituindo monoculturas por
ecologias; não pretende acabar com as categorias de ignorante, residual, inferior, local e
improdutivo, mas questioná-las segundo outros critérios argumentativos. Para Santos a
solução seria contrapor ecologias às lógicas; ele (2006, p. 105, nota de rodapé) conceitua
ecologia como “[...] a prática de agregação da diversidade pela promoção de interacções
sustentáveis entre entidades parciais e heterogêneas”. São cinco ecologias que ele propõe e
cada uma corresponde a uma lógica: ecologia dos saberes, das temporalidades, dos
reconhecimentos, das trans-escalas e das produtividades.
A cada lógica uma ecologia!
1)Ecologia dos saberes
A utopia do interconhecimento consiste em apreender novos e estranhos saberes sem necessariamente ter de esquecer os anteriores e próprios. É esta a idéia de prudência que subjaz à ecologia dos saberes (SANTOS, 2006, 106).
A primeira lógica, a da monocultura do saber e do rigor científicos, deve ser contraposta pela
ecologia de saberes e práticas que possibilita identificar uma diversidade de saberes
produzidos no mundo, porém, invisibilizados. “A idéia central da sociologia das ausências
neste domínio é que não há ignorância em geral nem saber em geral”, pois “Toda ignorância é
ignorante de um certo saber e todo o saber é a superação de uma ignorância particular”
(SANTOS, 2006, p. 106). Nesse sentido, a ecologia de saberes e práticas visa à criação de
uma nova forma de relacionamento entre o conhecimento científico e outras formas de
conhecimento. Consiste em dar igualdade de oportunidade às diferentes formas de saber;
desafia as hierarquias universais e abstratas e os poderes que através delas têm sido
naturalizados pela história e, ainda, visa à construção de “um outro mundo possível” (idem,
2006, p. 108), neste caso, eu diria, de uma outra Educação e de uma outra escola e formação
possíveis.
190
Para Santos (2006, p. 154-165), a ecologia de saberes é uma ecologia de práticas de saberes
(de multiplicidades); é uma epistemologia da luta contra a injustiça cognitiva. Nesse sentido, é
importante e necessário na Educação, considerar outros saberes como significativos para a
formação e o trabalho docente. É um paradoxo o que faz o Ocidente, ignorando pela
contração do presente, a produção de uma imensidão de experiências sociais no mundo, na
educação, na escola, nos seus projetos e realizações. A pobreza da experiência resultante
desse paradoxo não representa carência, mas arrogância de não querer ver, nem valorizar a
experiência da escola, dos professores, a presença da violência, a não-aprendizagem de
alunos, os salários inadequados, as condições de segurança para a inserção em determinados
contextos sociais, o trabalho educativo em geral. Segundo a professora P8, o CE69 é um dos
mais produtivos da Universidade, mas seu trabalho é pouco divulgado. A não-existência
acontece, sempre, que uma entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou
descartável, como parece, às vezes, ocorrer com a experiência da escola, com o esforço de
docentes e discentes para ensinar-aprender, com a dificuldade da família para entender e
acompanhar a vida estudantil dos filhos, com o isolamento da instituição escolar no contexto
de determinadas comunidades, com o descaso das autoridades em relação aos problemas
sociais. A utilização da ecologia dos saberes e das práticas visa à reversão dessas situações.
2) Ecologia das temporalidades
A segunda lógica, a da monocultura do tempo linear, confrontada pela ecologia das
temporalidades, é questionada pela sociologia das ausências, com a idéia de que o tempo
linear é uma concepção de tempo entre muitas outras existentes; por isso, a subjetividade de
uma pessoa ou de um grupo social é constituída por uma constelação de diferentes tempos e
temporalidades. As diversas culturas e suas práticas possuem regras distintas de tempo social
e diferentes códigos temporais, por exemplo, a relação passado-presente-futuro; cedo-tarde,
curto-longo-prazo, agora-depois, o ciclo de vida-urgência. Assim, diferentes culturas criam
diferentes comunidades temporais: algumas controlam o tempo, outras privilegiam o tempo-
horário, a continuidade/descontinuidade, o tempo linear, o não-linear (SANTOS, 2006, p.
109). Berger e Luckmann (1985, p. 39) explicitam essa organização assim: “A realidade da
vida cotidiana está organizada em torno do “aqui” de meu corpo e do “agora” do meu
presente. Este “aqui e agora” é o foco de minha atenção à realidade da vida cotidiana”. Na
69 No ano de 2008, foram defendidas 11 teses de doutorado e 43 dissertações de mestrado no Programa de Pós-Graduação da Educação/CE/UFES.
191
Educação, esse tempo linear está presente na sequenciação dos conteúdos, na seriação, no
horário das aulas, que embora necessários, nem sempre têm uma flexibilidade que facilite o
trabalho docente-discente.
3) Ecologia dos reconhecimentos
A terceira lógica da produção de ausências é a da classificação social que deve ser enfrentada
pela ecologia dos reconhecimentos. Nesta lógica, a desclassificação recai sobre os agentes e,
como consequência, sobre a experiência social (práticas e saberes). A sociologia das
ausências enfrenta a colonialidade, procura uma nova junção entre o princípio da igualdade e
o da diferença e abre espaço para a possibilidade de iguais, uma ecologia de diferenças feita
de reconhecimentos mútuos. Quanto maior a diversidade social e cultural dos sujeitos
coletivos que lutam pela emancipação social, maior a necessidade de se fazer uma ecologia
dos reconhecimentos. O reconhecimento da diferença cultural, da identidade coletiva, da
autonomia e autodeterminação originou novas formas de lutas sociais. À medida que amplia o
âmbito das diferenças iguais, a ecologia dos reconhecimentos cria novas exigências de
inteligibilidade recíproca e a necessidade da tradução (SANTOS, 2006, p. 111), ou seja,
oportunidades e atendimento aos diferentes, aos que têm necessidades especiais (ou não-
especiais). Na Educação, essa ecologia pode desmontar processos classificatórios de
desvalorização docente e discente, aprimorar o atendimento aos docentes e discentes com
necessidades especiais, adequar acessos aos diversos espaços sociais, incluir livros em Braille
nas bibliotecas, usar linguagem de Libras (Língua Brasileira de Sinais) nas palestras, etc.
4) Ecologia das trans-escalas
A quarta lógica, a da escala global, é enfrentada pela sociologia das ausências por meio da
ecologia das trans-escalas. Nessa lógica, a sociologia das ausências age demonstrando que,
hoje, o mundo diverge mais do que converge e, age, também, des-globalizando o local em
relação à globalização hegemônica. Santos (2006, p. 112) chama de “[...] localismo
globalizado [...] o impacto específico da globalização hegemônica no local” e explica que o
local e o global são produzidos pelos processos de globalização70. De acordo com essa
70 “Trata-se de um conjunto de trocas desiguais pelo qual um determinado artefacto, condição, entidade ou identidade local estende a sua influência para além das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outro artefacto, condição, entidade ou identidade rival”. Esse autor distingue quatro formas distintas dessas relações desiguais que ele chama de globalização: 1) globalização localizada (países periféricos), 2) localismo globalizado (países centrais), 3) cosmopolitismo subalterno e 4) patrimônio comum da humanidade (o 3 e o 4 estão ligados à globalização de resistência contra os dois primeiros; são contra-hegemônicos) (SANTOS, 2006, p. 112).
192
sociologia é preciso fazer um exercício de imaginação cartográfica, para perceber em cada
escala de representação o que ela visibiliza e o que ela esconde (SANTOS, 2004, p. 792). Em
Educação, isso ocorreria com a expansão de comunidades interpretativas, com a utilização da
hermenêutica diatópica, para promover o diálogo intercultural entre as diferentes culturas
escolares e da sociedade, entre diferentes saberes, na busca da produção do saber solidário e
humano.
5) Ecologia das produtividades
A quinta lógica, a produtivista, deve ser defrontada pela ecologia das produtividades; nela, a
sociologia das ausências consiste na recuperação e valorização dos sistemas alternativos de
produção, das organizações econômicas populares e cooperativas (SANTOS, 2006, p. 113).
Este é, talvez, o âmbito mais controvertido da sociologia das ausências, pois questiona o
paradigma do desenvolvimento e do crescimento econômico infinito e a lógica da prioridade
em processos de acumulação. Nesta lógica, a sociologia das ausências amplia a realidade
social por meio da experimentação e da reflexão sobre opções econômicas realistas para a
construção de uma sociedade mais justa (idem, p. 114). Nessa perspectiva, na Educação, não
basta ampliar a acessibilidade da classe popular ao Ensino Superior, criar sistemas de cotas,
mas é preciso discutir possibilidades de inserção profissional no mercado de trabalho, pois o
acesso a determinados cursos não implica chances de atuar naquela profissão, por exemplo.
Há necessidade de valorizar o trabalho do profissional que se forma e vai atuar na Escola
Básica com crianças, jovens e adultos
Fonte: A Gazeta, ES.
Assim, em cada um dos cinco domínios citados, “[...] o objectivo das sociologias das
ausências é revelar a diversidade e a multiplicidade das práticas sociais e credibilizar esse
conjunto por contraposição à credibilidade exclusivista das práticas hegemônicas” (SANTOS,
2006, p. 115). Essa idéia de multiplicidade é dada pelas cinco ecologias, pois todas
consideram que a realidade não pode ser reduzida ao que existe. Elas incluem ao que é
193
considerado existente e visível, realidades sociais que se tornaram ausentes por meio do
silenciamento, supressão, marginalização, produção de inexistências. O exercício das
sociologias das ausências exige dois tipos de imaginação sociológica: a epistemológica e a
democrática. A imaginação epistemológica permite diversificar saberes, perspectivas e escalas
de identificação, análise e avaliação das práticas; e a imaginação democrática permite o
reconhecimento de diferentes práticas e atores sociais. As duas têm uma dimensão
desconstrutiva e reconstrutiva. A desconstrução implica: despensar, desridualizar,
desracializar, deslocalizar e desproduzir em relação às cinco lógicas; e a reconstrução é
composta pelas cinco ecologias que objetivam possibilidades de mudança nessas realidades.
Trabalhar a formação docente considerando as ecologias permite vislumbrar modos de
ensinar-aprender como, também, a seleção e a compreensão de conteúdos possíveis e
necessários à formação de pedagogos, num contexto de transição paradigmática, em que se
busca “um conhecimento prudente para uma vida decente”. Santos (2006, p. 82) propõe “[...]
recuperar a capacidade de espanto e de a construir de modo a poder traduzir-se em
inconformismo e rebeldia”. No caso da formação de pedagogos, a surpresa e espanto
poderiam fundamentar saberes-fazeres-poderes desestabilizadores de práticas fechadas, de
fronteiras intransponíveis, de muros inalcançáveis. Um inconformismo que suscite novas
significações para o ensino, para a aprendizagem, para a formação, para a docência, para a
Educação; que desperte paixões por este trabalho tão humano, social e socializador; que abra
espaços ao pedagógico, ao cognitivo, ao afetivo, à ética, à estética, ao político, ao cultural.
Desejo-vontade-atitude utópica?! Sim! Por que não?! Sem utopias não há como vencer a
razão indolente que tem marcado e massacrado a Educação e a vida.
O autor (2006, p. 82) continua sugerindo: “A nossa tarefa consiste em reinventar o passado de
modo a que ele assuma a capacidade de fulguração. De irrupção e de redenção que Benjamin
imaginou [...]”. Seria assim, uma ação inconformista, que provoque a criação de
subjetividades cheias de vontade de agir com clinamen (desvio). Seria uma subjetividade
poética que experimenta formas alternativas de sociabilidade, uma subjetividade barroca,
sempre aberta à reinvenção e à experimentação. Seria realizar, portanto, uma ação-com-
clinamen, contrária à ação conformista que tem permeado a Educação, calcada numa “[...]
prática rotinizada, reprodutiva e repetitiva [...]” (SANTOS, 2006, p. 90). Essa ação-com-
clinamen não ocorre com uma grande ruptura, mas com pequenos desvios, pequenas ações e
pequenas mudanças, cujos resultados possibilitam novas e criativas composições. Nesse
194
mesmo sentido, Pais (2003, p. 46) assim se expressa: “São nas brechas do saber consolidado
que se dão as possibilidades criativas, de desvio”. Para ele, o desvio é entendido como
“renovação e reelaboração”. Assim, apesar de tantas ações significativas estarem
invisibilizadas, é possível, sem grande estardalhaço, começar a agir e fazer a mudança. As
possibilidades estão aí!
Constelações de práticas: modos de saber-fazer-poder A coisa mais interessante é quando você integra a teoria na prática. É quando ALI, na vivência da sala
de aula a gente consegue proporcionar situações que eu não consigo resolver se não for à luz da teoria.
E aí eu estou com um problema concreto aqui para resolver que o meu modelo explicativo, intuitivo não
resolve. Eu vou precisar recorrer à explicação teórica, ao modelo científico. Mas eu também preciso
produzir conhecimento metodológico porque eu vou ter que explicar isso depois para outras pessoas; aí
eu vou ter que recorrer à Metodologia do Ensino para fazer essa articulação teoria e prática. E estou
fazendo isso no momento em que eu construo o modelinho, um globo terrestre que eu vou usar. Então isso
que você falou é absolutamente verdadeiro. A gente não vai convencer NINGUÉM só com o discurso.
Dizer que a teoria e a prática precisam estar articuladas não convence! Convence se a gente conseguir
articular! (P18).
Fonte: Google.
O caleidoscópio é uma metáfora que mostra os múltiplos movimentos que ocorrem na
realização do curso, no processo de ensinar-aprender-a-ensinar e visibiliza possibilidades de
uso de inúmeras ferramentas e de diferentes modos. Assim, ao girar o caleidoscópio docente,
variadas e criativas imagens desse processo vão aparecendo e encantando. Saber-fazer-poder
implica trabalho teórico-prático de professores. Fiquei-fico empolgada com as conversas que
tive com as participantes, com o que fazem, como fazem, por que fazem nos processos
educativos de formação de pedagogos. É o que trago neste espaço do capítulo: constelações
195
de práticas experienciadas pelas professoras-formadoras, participantes desta pesquisa, nos
seus processos docentes cotidianos.
Para organizar essas artes-dos-fazeres-docentes, considerei princípios inclusos no texto do
PPC (2006) como a relação teoria e prática, o trabalho com a pesquisa e as diversas formas de
integração (entre docentes, discentes, com escola, funcionários, setores, etc.), assim como
outros aspectos importantes do projeto que emergem nas narrativas: perfil do pedagogo,
trabalho coletivo, atuação ética, estética, política, reflexão individual e coletiva, vivência de
práticas reflexivas, criação e usos de textos, materiais didáticos, procedimentos e processos de
aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural, participação em seminários, em
atividades práticas, articulação entre conhecimentos e processos investigativos, uso das
tecnologias de informação e comunicação (TIC). Tudo isso faz parte da caixa de ferramentas
que pedagogos abrem, diariamente, para planejar e realizar seu trabalho, na expectativa de
ensinar e de que os alunos aprendam. Na perspectiva dos modos de ensinar, ilustro com
fragmento de diálogo, em que Deleuze71 explica como “preparava” suas aulas: [...] CP: As aulas da faculdade são preparadas de outra maneira? GD: Para mim, não. CP: Para você, era igual? GD: Totalmente. Sempre preparei aulas da mesma forma. CP: A preparação era tão intensa na escola quanto na faculdade? GD: Certamente. É preciso estar totalmente impregnado do assunto e amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É preciso ensaiar na própria cabeça, encontrar o ponto [...]. É como uma porta que não conseguimos atravessar em qualquer posição. [...]
É, pois, no cotidiano do curso de Pedagogia que praticantes inventam seus modos, suas artes
de ser-saber-fazer-a-docência, para ensinar-aprender-a-ensinar, para formar-e-se-formar.
Percebe-se nas práticas discursivas de professoras e de alunas, que elas lançam mão de
inúmeros e diferentes jeitos para realizar a docência-discência, conforme suas maneiras de
usar e vivenciar os lugares, a sala de aula e outros espaços do centro, da própria Universidade
e da sociedade. São modos, usos, produções e consumos reflexivos, inventivos, afetivos,
pedagógicos, que fazem dos praticantes usuários ativos, porque tanto são consumidores como
produtores (CERTEAU, 1994). Considero que o consumo é uma forma de produção, porque
não se consome sempre do mesmo jeito; cada um consome de acordo com seus interesses,
71 Conversa entre Claire Parnet e Gilles Deleuze filmada nos anos 1988 e 1989 e divulgada só em 1994. Referência: O abecedário de Gilles Deleuze. Realização de Pierre-André Boutang, Paris: Éditions Montparnasse. No Brasil, foi divulgado pela TV Escola, Ministério da Educação. Tradução e Legendas: Raccord [com modificações].
196
possibilidades, dificuldades, criatividades, experiências. O consumo compreende maneiras
diferentes de usar, pois no ato de consumir ocorre eliminação, modificação, acréscimo,
inventividade que muda o objeto consumido e muda, também, quem consome. Nesse sentido,
o usuário torna-se autor, inclui sua assinatura e encontra modos de marcar os usos que faz, por
exemplo, no tempo que passa na sala de aula, nos laboratórios, na biblioteca, nos núcleos, no
setor de xerox, na cantina, nos corredores, nas escadas, no auditório, nas escolas de estágio,
onde estiver.
No ser-saber-fazer-poder da docência, os praticantes transitam pelo mapa curricular, que
impõe determinados caminhos institucionais que não podem ser alterados arbitrariamente,
como períodos, disciplinas, carga horária, horário, entre outros. Os praticantes, entretanto,
encontram brechas no cotidiano e associam a essas estratégias regulatórias, táticas
desviacionistas que, segundo Certeau (1994, p. 93) “[...] não obedecem à lei do lugar”, porém
acredito que possibilitam usos diferenciados que enriquecem ou empobrecem o processo e
acrescentam, ou não, características emancipatórias a esses fazeres. Assim, os modos de
produção constituem a rede de saberes-fazeres-poderes da docência que, rizomaticamente,
percorre o mapa curricular, quebrando fronteiras, reconhecendo diferenças, vasculhando
periferias, abrindo novos caminhos, transformando lugares em espaços praticados,
conhecimentos em saberes-docentes encantados e encantadores. Um verdadeiro movimento
de brasilização72, na sua dimensão positiva, como diria Nunes (2002), que faça vir à tona a
poética, uma ação de inventar, de criar novas maneiras de usar-fazer-consumir.
Então, como é, e o que é ensinado-aprendido-fabricado pelos consumidores-produtores nesses
espaços-tempos da sala de aula e em outros espaços organizados ou não, do centro, da
Universidade, da escola, da sociedade?! O que seria uma aula? Deleuze (1988) assim se
expressa sobre a aula e a aprendizagem dela decorrente:
[...] Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente. Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical. Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a que não
72A brasilização refere-se aos fenômenos com características negativas das sociedades urbanas do Brasil, portanto, associados ao Sul (terceiro mundo), como insegurança, miséria, exclusão, marginalidade, violência, que estão sendo, reconhecidos, hoje, nas metrópoles do hemisfério Norte. Sob outro ângulo, “a noção de “brasilização” pode ser usada num sentido crítico, para desnaturalizar as epistemologias e políticas do conhecimento dominadas pela referência às experiências do Norte e ao que Boaventura de Sousa Santos designa conhecimento-regulação, baseado na transição de uma situação concebida como caos para uma situação concebida como ordem”. A brasilização pode implicar, também, exemplos positivos como “[...] resistir e lutar pela transformação das condições que geram a “brasilização negativa” (NUNES, 2002, 324-6).
197
convém a ninguém. Não podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Por que ele acorda misteriosamente no momento que lhe diz respeito? Não há uma lei que diz o que diz respeito a alguém. O assunto de seu interesse é outra coisa. Uma aula é emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas de acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura. [...].
Acredito que a utilização do espaço da sala de aula para a realização do processo ensino-
aprendizagem, ainda, é predominante na Educação e no CE, também. Mas a sala de aula de
hoje, nos tempos de transmodernidade, de transglobalização seria a mesma de outros
tempos?! Que usos são feitos dela e nela?! A sala de aula é um espaço doméstico e como, uma
casa, também, espaço doméstico, pode constituir-se como “[...] espaço de fechamento ou de
alargamento dos relacionamentos culturais dos indivíduos [...]”, (FORTUNA; SILVA, 2002,
p. 456) e das suas ensinagens e aprendizagens. É necessário, pois, (re)interpretar o contexto
da sala de aula e da instituição educativa, pois hoje, pelo menos no centro, para uso geral, há
artefatos tecnológico-culturais como TV, vídeo, computador, datashow, retroprojetor, que
possibilitam ampliar a produção-consumo de praticantes, docentes-discentes, sem sair do
espaço doméstico.
No entanto, professoras como P5, P8, P18, entre outras, falam73, também, de como fazem esse
“consumo cultural exo-domiciliário” (FORTUNA; SILVA, 2002, p. 456) em outros espaços
públicos e, dos bons resultados, advindos dessas experiências. Nesse sentido, “[...] com a
globalização da cultura e as novas tecnologias, a casa se “mundializa” e os sujeitos podem
comunicar com universos culturais distantes”, de acordo com Fortuna e Silva (2002, p. 456),
com o que concordo e, assim, participar de amplas redes de comunicação, que ao mesmo
tempo constituem-se numa comunicação “solitária”. Com isso, reduz-se a partilha e o espaço
doméstico passa a ser um espaço de “deslocalização dos sujeitos”. Penso que a proposta de
Santos, em relação à emergência de um paradigma emancipatório, visa, justamente, evitar
essa quebra das relações com a passagem de “[...] um espaço ou relação social “colonizada”
por um conjunto de agentes e instituições que lhe são exteriores [...]” (FORTUNA; SILVA,
2002, p. 458), para uma relação solidária de partilha, como propõe a razão cosmopolita.
73 Neste mesmo capítulo.
198
Atividade de Estágio com crianças
Compreendo, portanto, que a escola, como “A casa pode ser vista hoje como um espaço de
abertura activa (e não apenas de passiva receptividade) a tudo que se passa no mundo [...]”,
conforme Fortuna e Silva (2002, p. 457). Então, a sala de aula é um lugar que se transforma
em espaço praticado pelos usos e consumos que dela se faz. Concordo, ainda, com Certeau
(1994, p. 39), ao propor que “[...] a análise das imagens difundidas pela televisão
(representações) e dos tempos passados diante do aparelho (comportamento) deve ser
completada pelo estudo daquilo que o consumidor cultural “fabrica” durante essas horas e
com essas imagens”. Transfiro esse questionamento para o contexto da sala de aula: o que
docentes-discentes fabricam-consomem durante o tempo que passam na sala de aula (e em
outros espaços)?! Que ensinos, que aprendizagens, que usos, enfim?!
Girando o caleidoscópio!
Fonte: Google
Pela lente do caleidoscópio, as narrativas das professoras e das alunas permitem imaginar-ver-
ouvir-sentir vozes, gestos, aborrecimentos, alegrias, ensinagens e aprendizagens. São
inúmeras cenas de situações cotidianas de caráter emancipatório, que acontecem no processo
formativo e revelam os modos, as artes-de-fazer-docência. O resultado do trabalho docente-
discente emerge nas conversações que tivemos. Afinal, “[...] as fronteiras dos saberes
docentes são infinitas e fluidas, (por isso) é urgente conhecer melhor os processos que vão
construindo, na prática, estes saberes” (LINHARES, 2000, p. 37). A escola não escapa à
199
tensão regulação-emancipação em que a sociedade está envolvida. Para Teodoro (2003, p. 18-
9), “[...] a escola vive uma dupla crise: de regulação, porque não cumpre eficazmente o seu
papel de integração social; de emancipação, porque não produz a mobilidade social aguardada
por diversas camadas sociais [...]”. Por isso, urge que a ação formativa docente se alie à
Escola Básica, para encontrar modos que sejam propícios à emancipação e contribuam para
aliviar essa tensão fazendo emergir a solidariedade. Explicito, a seguir, como as praticantes
expressam seus modos de ser-saber-fazer a docência-discência. O que dizem as professoras?
O que dizem as alunas? Portanto, o que, por que, para que, quando e como usar a caixa de
ferramentas docentes?! Que tal abri-la e descobrir seus mistérios?!
O que dizem as professoras?
Professoras-formadoras lançam mão de múltiplos modos de ensinar-aprender-a-ensinar com a
utilização de artefatos, estratégias, táticas, na expectativa de produzir uma formação conivente
com o PPC (2006), com suas próprias concepções e com as necessidades manifestadas pelos
alunos, pelas escolas, pela sociedade. Para facilitar a apresentação das práticas discursivas
narradas, tentei separá-las por temas, conforme o Projeto Pedagógico de Curso (PPC): relação
teoria e prática; trabalho com pesquisa; diversas formas de integração; realização de parcerias;
desenvolvimento de habilidades e saberes; uso da leitura e da escrita; ensinar a pensar;
situações cotidianas; valorização da experiência discente; utilização de espaços alternativos;
ambiente didático; uso de estratégias variadas de ensino e de artefatos; uso de inter-intra-
transdisciplinaridade; diversificação na avaliação; despertar o gosto pela disciplina; clareza
nos objetivos; preparação para realização de atividades; atendimento ao perfil do aluno.
1) A relação teoria-prática
É extremamente importante para a aluna, “juntar” os saberes teóricos e os saberes práticos, [...], além
de considerar o contexto, [...], com quantos alunos ela vai trabalhar, [...], como vai usar esse espaço. Ela
tem que ter conhecimento de que tipo de escola vai encontrar e que tipo de vida, esses alunos levam, para
que possa ter uma linguagem adequada. Uma outra coisa é como esses alunos farão uso disso na vida
deles. Isto inclui, obviamente, o trato dela com eles, porque a partir do conhecimento prévio que eles
trazem, [...], além do tipo de relação com eles, mais formal ou não, que vai permitir até os laços de afeto
e propiciar um melhor entendimento para aproveitamento desse conhecimento, afirma a professora (P8).
Pois bem, os pressupostos e fundamentos no PPC da Pedagogia apóiam-se nesses dois
elementos fundamentais: a dimensão teórica e a dimensão prática. Essa preocupação atravessa
200
as discursividades de todas as professoras-formadoras e das discentes. Assim, as práticas de
formação devem priorizar a integração entre as duas dimensões. A professora P8 aborda
aspectos importantes dessa interação: conhecimento da realidade onde atua e realidade das
crianças, a afetividade, o saber solidário, alternativas de realização da educação.
Segundo P5, o trabalho prático precisa ser atrelado às teorias, para depois optar pela linha que
mais se coaduna com suas concepções: [...] Quando você trabalha com a apresentação das obras, nunca consegue estar desvencilhada de uma
Filosofia da ARTE que está ali, analisando, trabalhando [...] Agora, com a Psicologia, é DEMAIS, na
parte do desenho infantil, principalmente, quando analisa do ponto de vista dessas teorias: _ Ah, gente,
eu não gosto porque está ultrapassada, não vou trabalhar com elas. A nossa obrigação de professoras é
mostrar: tem essas três teorias! Quatro, que seja! Mostro a piagetiana, um pouco de Vigotsky e mostro
Rodaquelo, mais ainda sob o olhar da pesquisa de César Cola74, do que de Rodaquelo. [...] lamento
porque a gente chegou a ter uma sala (ambiente e não tem mais), que era de Artes, em que nós tínhamos
pia, essas coisas que precisamos.
As alunas estudam, têm acesso a uma literatura muito boa, a ótimos autores e pesquisadores,
mas “[...] se não fazem a prática, se não manipulam, não experienciam, só a teoria não vai
dar o respaldo para depois atuar com os alunos na escola”, fala a professora P18. Ela dá
como exemplo, em Ciências, fazer trabalhos usando materiais como isopor, tinta e outros,
num curso universitário, que mesmo sendo de formação de pedagogos que vão atuar na
Escola Básica, às vezes, pode parecer um trabalho “primário”, que não condiz com o status da
academia, pois essa tem o papel de possibilitar o acesso a uma teorização mais aprofundada
sobre Educação. Entretanto, se os alunos não fazem mais o magistério do Ensino Médio onde
realizavam esse tipo de atividade e vinham para a Universidade já trazendo esses
conhecimentos de caráter mais prático, metodológico, aonde irão fazê-lo, agora?! No curso
superior, eles buscavam na teorização, uma complementação da experiência. Agora mudou,
porque o perfil do aluno não é o mesmo e ele vai buscar todo tipo de aprendizagens e
ferramentas teórico-práticas para a sua profissionalização. P18 concorda: Com toda certeza e, eu também concordo, que a gente precisa superar essa formação primária, essa
coisa lúdica de pegar o modelinho ficar ali construindo, “brincar” com a bolinha de isopor. A idéia não
74 “César Cola fez o doutorado sobre Educação Infantil na contramão da teoria evolucionista de Piaget, mostrando que
CADA SER HUMANO POSSUI UM REPERTÓRIO CULTURAL, ESTÉTICO, esse repertório está ali, sendo formado em
TODAS as suas concepções, inclusive na do desenho. O César já foi à turma conversar com as alunas, eu sempre convido”
(P5).
201
é essa; é problematizar a construção de modelos, é saber se é aplicável ou não. Eu não consigo achar
que é PRIMÁRIO, desenvolver metodologias para serem aplicadas nos primeiros anos do Ensino
Fundamental, com pessoas que vão exercer essa prática profissional. Eu estou FORMANDO pessoas que
vão trabalhar com CRIANÇAS! Discutir, refletir sobre as práticas que são usuais na sala de aula de
crianças, não é primário, nessa formação! Eu até entendo que não faz sentido com o meu aluno da
Biologia que vai atuar com Ensino Médio e, até com eles, eu faço! Aí é outra contextualização!
De acordo com a fala da professora, torna-se necessário cuidar para que a monocultura do
saber científico não apague nem desqualifique saberes como os relativos aos modos de
ensinar, imprescindíveis para exercer a docência, principalmente, com crianças e
adolescentes.
2) O trabalho com pesquisa
Apresentação de trabalho de PEPP, no auditório.
Eu vou falar enquanto alguém que tem a pesquisa como foco do trabalho e a formação na perspectiva do professor-investigador (P2).
O curso de Pedagogia objetiva a formação do pedagogo-docente (o professor), não-docente (o
gestor: diretor, supervisor, orientador) e do pesquisador. O modo de agir investigativo deve
perpassar todo o curso e visa à formação para a pesquisa, bem como a inserção do estudante
na instituição escolar. A professora P2 promove a interação entre conhecimento do senso
comum e conhecimento científico, trabalha com pesquisa, grupos, produção escrita e fala
sobre o trabalho do estagiário na Escola Básica, que deve ser realizado em parceria com a
professora da turma: [...] Para mim, a pesquisa é o eixo da formação; se não é o, é um dos principais na minha perspectiva.
[...]. Qual é a contribuição que eu posso dar? É outra questão séria que nós não damos conta de fazer e
de dizer: _ Gente, esse aluno da Universidade está na sala de aula, está no contexto da escola, e ele vem
para ajudar, não é para virar, ele, o professor da turma, não é para virar, ele a ‘babá’ do aluno com
necessidade especial, não é isso! Mas são dois adultos na sala de aula; é planejar juntos, é dizer: _ Eu
vou ficar um mês, dois meses na sala da primeira série e outros dois na segunda; eu venho aqui três vezes
por semana, então, qual é o planejamento dessa professora, como ela faz, como eu posso trabalhar
aqueles cinco meninos naquela meia hora, como posso dar conta do contexto da sala de aula para que a
professora possa se dedicar aqueles cinco meninos? São coisas para pensar! Se essa criatura vai três
vezes por semana, para fazer isso e o mundo vem abaixo! E o professor da sala não quer. O professor
202
não quer que eu fique sentada lá atrás, e até conversando, batendo papo, lendo revistas; quer ações
colaborativas que nós podemos estar desenvolvendo com o sistema. Ele age dessa forma re-significando
o estágio.
Trabalhar com pesquisa numa perspectiva emergente implica a visibilização de experiências
existentes, porém, ignoradas, pois faz surgir “[...] o carácter autobiográfico do conhecimento-
emancipação [...] um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos
uma pessoalmente ao que estudamos”, explica Santos (2002, p. 84).
3) As diversas formas de integração
O projeto do curso visa à inserção e à integração do aluno da Pedagogia na-e-com a escola,
desde o 2º período, de modo que ele conheça melhor esse espaço onde irá atuar, faça a
interação dos saberes acadêmicos com a prática da escola e vice-versa. Numa perspectiva
emancipatória é prudente ampliar a discussão da Educação para outros espaços sociais, buscar
outros modos de produção de saberes e de práticas na multiplicidade de experiências de
conhecimentos, de trabalho, de reconhecimento, etc., bem como a utilização de ecologias,
como a ecologia de saberes e práticas que promove a heterologia entre diversos saberes, a da
transescala que permite estudar os acontecimentos por diferentes ângulos de visão. A seguir
apresento variados modos de integração realizados pelas docentes no seu trabalho cotidiano: a
intra-inter-transdisciplinaridade, a relação discente-docente, a relação com a escola e as
parcerias.
a) A intra-inter-transdisciplinaridade
O trabalho que a gente tem desenvolvido com as meninas é na vertente transdisciplinar [...] (P8).
As disciplinas PEPPs têm o objetivo de interação com as disciplinas e com as escolas, além
da prática de pesquisa. P16 mostra uma tentativa de integrar sua disciplina com outra: Eu estava discutindo a organização do ensino, planejamento e levaria uma atividade para elas naquele
dia, mas ao entrar na sala, vi que tiveram aula de Ciências antes e estava ali um plano no quadro.
Larguei o que havia trazido e fiz a discussão a partir da disciplina da aula anterior. Fiz uma ligação, mas
casual. O ideal é que eu tivesse articulado antes com a outra professora.
A professora utilizou uma estratégia interessante, associando o seu conteúdo com o de outra
disciplina da turma. Futuros-pedagogos poderão fazer isso na escola, na sua ação docente, do
mesmo modo que a professora-formadora fez: integrar e aproveitar a experiência do outro.
Nesse sentido, P8 expõe seu trabalho com a Geografia:
203
Na Geografia (Conteúdo e Metodologia), no curso de Pedagogia, a gente tem conseguido fazer algumas
coisas para fugir da cristalização que aterroriza, porque a gente vê nas escolas, uma pressão muito
grande sobre a importância da Linguagem e da Matemática com o achatamento da Geografia, da
História e das Ciências, que passam a ter momentos mais curtos e menos poderosos. Então, para a gente
ganhar nisso daí tenho estabelecido com as meninas, alguns pactos e provocações no sentido de uso de
textos que servem tanto para leitura como para apropriação de conhecimento geográfico. A gente oferece
para elas uma oficina chamada “Quando o texto vira mapa e quando o mapa vira texto”, por exemplo,
dentro do próprio programa porque vai produzir todo o material, toda a seleção, todo o trabalho que
poderia ser feito depois na escola. E aí, a gente coloca para elas como poderiam não ficar presas aos
limites disciplinares, porque o mesmo texto que poderia ser para Língua Portuguesa pode conter
ensinamentos de Geografia. Discutimos como poderiam trabalhar com isso e oferecemos possibilidades
de conhecimentos geográficos se transformarem, por exemplo, transformar esse texto num mapa.
A professora P8 continua apresentando suas artes-de-saber-fazer nas aulas: [...] a gente não aprisiona o professor. É a grande vantagem do professor de 1ª a 4ª séries e da
Educação Infantil: ele tem mais tempo com as crianças, tem possibilidades de efetuar laços de
compreensão muito maiores, de conhecer mais os alunos e não precisa ficar preso à grade, engaiolado.
Há possibilidade de inventar muita coisa e a Geografia é muito rica, por exemplo, a maquete é feita no
pensamento geográfico para reproduzir um dado espaço da extensão terrestre e acaba virando um
artefato possível de trabalhar a escala, a proporção matemática, a visualização histórica do desenrolar
de acontecimentos naquele dado espaço, as categorias geográficas como região, lugar, território, a
questão de português quando tiver que escrever o que se passa ali. Penso que a Geografia é
extremamente rica por conta disso. Às vezes, uma saída a campo, aqui perto traz uma riqueza
extraordinária! Saí com as alunas entre o IC IV e o IC III: pedi que descrevessem plantas, árvores,
arbustos que viram; inicialmente elas apresentavam listagens com nomes, depois iam compreendendo
que diante delas havia um verdadeiro nicho de vida e que ele não estava descolado do entorno.
Vivenciamos essas coisas depois lá na escola, porque aprendemos desse jeito e enriquecemos esse
aprender com a nossa experiência. Hoje, parece que se foge dessas coisas que são muito ricas e, quando
retomadas, posso lhe asseverar, que há uma resposta muito positiva!
Professora de Geografia com alunos em atividade exo-domiciliar.
Poderia até chamar essas artes-de-saber-fazer, uma espécie de brasilização, em que os atores
procuram agir nos interstícios, nas fronteiras, no sentido de encontrar alternativas
provocadoras e interativas de processos emancipatórios do ensinar-aprender. No entanto, P16
expõe razões que dificultam essa integração:
204
Isso foi o que eu senti, pela situação de chegar, de estar isolada do contexto, o que eu percebi das
práticas foi através da fala das alunas: _ Ah, isso a gente está vendo numa disciplina! Se a gente tivesse
esse espaço de articulação entre os professores dos períodos seria mais produtivo. Eu não darei essa
disciplina no próximo semestre. Vou continuar com Didática em Educação Física (EF). Já pedi ao
colegiado que me desse o currículo deles para eu ter a visão do que viram, estão vendo e vão ver depois.
Estou procurando me encontrar com os professores de lá, para poder articular o trabalho. O curso de EF
fez uma reunião com todos os professores daquele período para discutir a prática do semestre. Eu acho
que uma é pouco, mas já abriu portas para mim, para eu conhecer os professores, isso facilita.
É necessário, pois, criar oportunidades para a emergência de experiências de reconhecimento,
de democracia, de participação, de cidadania e o consequente desmonte da lógica da
classificação, do isolamento, da produção de não-existência, da redução de hierarquias e de
diferenças. E assim, tornar possível a comunicação e a cumplicidade, para a qual, Santos
(2006, p. 85) propõe três níveis: epistemológico (revalorização da solidariedade como forma
de conhecimento), metodológico (uso do procedimento da hermenêutica diatópica) e político
(governo humano, com potencial de oposição).
b) A relação discente-docente
O cotidiano é permeado por múltiplas relações que se estabelecem continuamente. Algumas
enunciações discursivas dizem respeito à relação discente-docente no CE e na escola. Na
perspectiva da produção de saberes-fazeres-poderes, duas alunas admitem: “[...] é pensar
como o professor vai atuar porque cada um tem um jeito diferente”; “A turma reage/interage
conforme a maneira de ser dos professores”. O papel do professor e seus modos de ser-fazer
são muito realçados pelas alunas e considerados primordiais no processo educativo.
c) A relação com a escola
Atividades com crianças das séries iniciais
No que concerne à relação com a escola as alunas disseram: Fizemos duas visitas à escola na disciplina Pesquisa e Prática III. No outro dia, a gente estava eufórica
porque tinha ido à escola. Por que fico assim? Tenho vontade de estar naquele lugar; a gente achava o
máximo, tudo o que acontecia lá! (A).
205
Já dá para perceber a relação com a escola, a Psicologia, as concepções de educação (A).
Fiquei na Criarte com estágio voluntário e vi como a Psicologia contribui muito para saber trabalhar
com as crianças (A).
As disciplinas Infância e Educação e a de Trabalho docente na Educação Infantil me motivaram a fazer o
trabalho voluntário (A).
A professora mostra a criança de modo que estimula a trabalhar, a fazer atividade (A).
A educação infantil é um campo de conhecimento do professor (A).
O olhar que a professora passava para a gente era o olhar da criança e na disciplina seguinte era o
olhar do professor (A).
É um trabalho desgastante, mas é muito bom! Você pega as crianças engatinhando e quando chega ao
final já estão andando, falando, você vê a evolução; é do não falar para o falar, e depois em outras
séries, do não ler para o ler (A).
Às vezes a criança não está aprendendo, mas ela precisa é de mais atenção e não de ir para o psicólogo
como a escola indica (A).
As discentes têm tido essa relação com a escola, não só com as disciplinas de Pesquisa,
Extensão e Prática Pedagógica (PEPP), mas com outras, como Filosofia, Sociologia,
Psicologia75. Essas disciplinas têm contribuído para aproximar e para ampliar o olhar sobre-
na-com a escola. Quem não é professor ainda, tem o olhar de estudante: “Quando você entra
no curso de Pedagogia passa a olhar a escola com outro olhar!”, disse a aluna que explicou: Desde o período passado, nós fizemos visita à escola, as professoras têm um contato muito bom com as
escolas da Rede Municipal da Grande Vitória; tem ajudado muito a olhar com outros olhos. Eu faço
estágio à tarde e tenho chance, mas as pessoas que trabalham o dia todo... As professoras conseguiram
marcar horário com EJA (Educação de Jovens e Adultos) e algumas pessoas conseguiram liberação no
trabalho, para passar a manhã ou a tarde dentro de uma escola para conhecer a realidade educacional.
O modo de ensinar-aprender-a-ensinar por meio da integração com a escola possibilita
perceber a prática docente e analisá-la à luz das teorizações estudadas no curso, conforme
explica P11: Elas estão conseguindo acompanhar esse movimento do que o profissional tem feito na escola, por
exemplo, em relação à leitura e à escrita, à alfabetização, ao ensino gramatical e como ele tem tratado
isso, em diferentes níveis de ensino, tudo relacionado com a literatura. Acompanham, também, o que os
docentes não têm feito que as teorizações mostram como possibilidade de trabalho, o que a gente pode
contribuir para intervir com relação ao desempenho acadêmico, no que advém das práticas já
cristalizadas. Isso inserido, elas têm condições de observar esse trabalho de pesquisa que traz essa
prática e articular com aquilo que elas trabalham nas disciplinas voltadas para a linguagem, que são
Alfabetização e Português, Conteúdo e Metodologia. Elas passam por uma série de conteúdos nas
75 As alunas estavam na metade do curso.
206
disciplinas de Alfabetização: leitura, produção de texto, conteúdos gramaticais. Da grade curricular e
obrigatória tem até pré-requisito, porque primeiro elas fazem Alfabetização I e depois a II, depois
Português, Conteúdo e Metodologia; essas disciplinas têm uma articulação entre os conteúdos: até
Alfabetização I e II tem um determinado conteúdo e depois continua com Português. O núcleo de ensino
de certa forma contribui para oxigenar os conteúdos, estabelecendo essa articulação e ao mesmo tempo
aproximando as meninas da graduação com o que está sendo feito na linha de pesquisa Educação e
Linguagem. Nossas pesquisas têm priorizado as práticas de leitura, de escrita, a alfabetização, os
conteúdos gramaticais, a história da alfabetização, do ensino da leitura, por meio das oficinas, dos ciclos
de palestras, da pesquisa e de todas as atividades que esse núcleo tem realizado.
Fonte: A Gazeta, ES.
Perguntei à P16, professora de Didática, se nas suas aulas dirige o olhar para o contexto da
sala de aula, para a relação com as escolas na perspectiva da produção e da apropriação de
saberes dos futuros-pedagogos. P16 disse: Como a gente faz o link disso? Na minha disciplina não fiz. Fiz só através da análise de programas,
planos, seqüências didáticas e de relatos das alunas. Fiz a discussão a partir do que elas fizeram na
disciplina PEPP, fiz gancho desse trabalho delas. Senti que poderia ter articulado as duas disciplinas de
modo formal. Não tive contato com as professoras dessas disciplinas, só depois.
A relação com a escola desde o início do curso foi destacada como positiva para a formação, pois
possibilita um parâmetro entre expectativas e experiências concernentes à Educação, além de reduzir a
assimetria entre os saberes acadêmicos e os saberes da prática escolar. As idas, a vivência, a
participação na escola, local onde irão trabalhar, proporcionam aos alunos experiências de diferentes
naturezas: de conhecimento, de trabalho e produção, de reconhecimento, de democracia. Constituem
oportunidades para desfazer estranhamentos, perscrutar fronteiras, criar zonas de contato cosmopolita.
d) As parcerias
A gente está sempre que possível fazendo essas parcerias para que os espaços de difusão científica da
cidade se tornem mais acessíveis para quando as professoras tiverem suas turmas ou estiverem na
coordenação pedagógica das escolas, não deixem de explorar isso (P18).
Essa professora explica que algumas instituições já incluíram suas turmas na programação,
em decorrência de parcerias que estabelece com elas: Por exemplo, o Planetário, a Escola de Ciência Física já têm uma apresentação montada, especial para
receber a Pedagogia da UFES, todo semestre! Porque aí é um diálogo que se faz, falando não só do
espaço que se tem, mas da exploração didática que o pedagogo pode fazer. Entrei em contato com essas
207
coordenações, fui pessoalmente a várias delas, conversei para que a gente tivesse essa abertura.
Também, com a Experimentoteca da UFES (no Núcleo de Vivência), o Núcleo de Ciências com o projeto
de extensão, em que a gente tem acesso aos monitores e a gente já teve palestra com monitores do
Laboratório de Geografia. [...] A gente até tentou uma vez ir ao Museu Mello Leitão, em Santa Tereza,
mas não deu certo, porque ficou caro porque era longe (P18).
P18 continua expondo os modos como trabalha com seus alunos, os artefatos que utiliza e as
parcerias que faz com outros setores da Universidade e da sociedade. Ela procura aproveitar
todos os espaços disponíveis na Universidade e fora dela, no sentido de enriquecer suas aulas
e provocar a aprendizagem dos alunos na perspectiva de ensinar-aprender-a-ensinar de modo
que experienciando na formação, eles façam o mesmo com seus alunos, quando estiverem
exercendo a docência na Escola Básica. Ela diz: Eu, particularmente, com todas as minhas turmas a gente conheceu o espaço do campus, mangue, mata, o
que tem de espaço modificado, a construção da Universidade, esse ambiente que ela se insere, como se
relaciona com o entorno, os espaços que você citou, as Escolas de Ciências da Prefeitura, o Planetário, a
Escola de Ciência Física, a escola de Ciência de Biologia, a Praça da Ciência. A gente mantém uma
relação de parceria com as coordenações desses espaços para atender semestralmente a turma da
Pedagogia da UFES.
A professora P5 pode perceber que é mais válido, sempre que possível ver in loco, participar
de atividades fora do contexto da sala de aula, ou seja, exo-domiciliar, como por exemplo,
fazer visitas educativas: Tenho feito algumas interferências. Essa turma agora, por exemplo, elas foram obrigadas, não era
opção, TINHAM QUE IR à exposição da CVRD. Não era qualquer exposição que eu queria que elas
visitassem lá em Paul. _ É longe, professora! _ Peguei chuva, professora! [...] foi um dos melhores
relatórios que eu já recebi das turmas de Pedagogia. [...] mesmo quem entregou o relatório em grupo,
uma NÃO COPIOU da outra! Elas ficaram tão surpreendidas com o que viram que colocaram isso nesse
relato.
Esse modo de trabalhar “exo-domiciliário” mostra como é importante extrapolar o espaço
físico da sala de aula e usar outros espaços disponíveis e possíveis, explorar contextos
diferentes, estabelecer parcerias, ampliar a concepção de aula, os modos de ensinar-aprender-
a-ensinar. São possibilidades de sair da mesmice e vivenciar o cotidiano de forma criativa,
crítica, enriquecedora como propõem as sociologias das ausências e das emergências e as
ecologias. P18 comenta: “A Feira do Verde, a gente foi num momento até que o diretório
acadêmico estava numa fase de efervescência política, muita discussão e, nossa ida à feira,
208
rendeu grandes debates sobre desenvolvimento e sustentabilidade”. As professoras relatam
práticas de consumo e produção dos espaços alternativos que só fazem enriquecer os
processos educacionais e as aprendizagens.
e) A interação com setores educativos do CE
A produção de saberes-fazeres-poderes na formação extrapola a sala de aula e utiliza
possibilidades de articulação com setores do próprio CE, como de outros espaços da
Universidade. Assim, no CE ocorrem parcerias com a biblioteca, núcleos e laboratórios que se
constituem como auxiliares no processo ensino-aprendizagem e, conseqüentemente,
contribuem para a realização curricular, para a produção de saberes e para a formação de
pedagogos. São eles: Biblioteca Setorial, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização,
Leitura e Escrita do Espírito Santo (NEPALES), Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e
Educação Ambiental (NIPEA), Núcleo de Educação Infantil (NEdI), Laboratório de Ensino e
Aprendizagem de Geografia (LEAGEO), Laboratório de Matemática (LAMATI), Educação
de Jovens e Adultos (EJA), Laboratório de História (LAHIS), Laboratório de Informática da
Graduação do Centro de Educação (LIGCE), Laboratório de Aprendizagem da UFES
(LAUFES). Essas parcerias possibilitam a invenção de outros modos de ensinar-aprender e se
constituem como artefatos no processo educativo.
Laboratório de Informática – CE
4) Explorando potencialidades
O processo de ensinar-aprender-a-ensinar comporta desenvolver habilidades, saberes
diversos, capacidades básicas como ler e escrever bem, pensar, raciocinar, porque é isso que
pedagogos vão fazer-ensinar na escola e em outros ambientes educativos com crianças, jovens
e adultos.
a) As habilidades e saberes
Algumas habilidades e saberes são básicos para todas as disciplinas e a disciplina Ciências contribui
muito para que isso aconteça [...] (P18).
209
Numa girada inventiva do caleidoscópio, a professora P18 traz inúmeras possibilidades de
trabalho, circunscritas numa sequência de habilidades e saberes que ajudam a pensar e a
aprender em qualquer área de ensino e são condizentes com a produção de um conhecimento
crítico-renovado, emancipatório: [...] por exemplo: a capacidade de observar problematizando, questionando, perguntando as causas, os
porquês dos fenômenos; a habilidade de levantar hipóteses, observar como os objetos funcionam e agem,
como os processos acontecem e investigar os porquês disso; TESTAR essas hipóteses experimentalmente;
adquirir habilidades manipulativas para manusear instrumentos de medir, para fazer leituras,
interpretação de registros, gráficos, utilização de tecnologia da informação, consulta na internet, livros,
fontes variadas de informação. A parte mesmo concreta, a construção de modelos é muito interessante!
Você precisa mobilizar conhecimentos prévios sobre aquilo para tentar reproduzir uma representação
que NÃO é a REALIDADE, mas que PRECISA tornar clara a realidade do conceito que ela quer discutir.
E aí tem que fazer essa aproximação entre modelo e realidade, modelo científico e cotidiano.
P18 continua explicitando suas artes de saber-fazer-poder para aprender-para-ensinar: Tudo isso levando em conta, que: essa ciência não é neutra, que ela está inserida numa cultura, que a
gente tem que valorizar o conhecimento que se traz para a sala de aula (o conhecimento religioso, da
vida, da família, da experiência profissional), que tudo isso precisa ser feito numa grande comunidade de
aprendizagem em que a gente entenda que todo mundo que está ali está compartilhando conhecimento;
que não tem quem sabe mais e quem sabe menos, tem quem tenha mais vivências, mais experiências, mas
todo mundo está construindo conhecimento. Para mim isso é muito claro: eu não consigo fazer o mesmo
trabalho em duas turmas; em cada uma o trabalho sai de um jeito, ele ganha a cara daquela turma, das
demandas que tem. Então eu aprendo como me relacionar com a turma mais bagunceira, com a mais
curiosa, a mais interessada, a mais inquieta. Em todo o semestre, no contato com eles, a gente está
aprendendo alguma coisa.
Quantos saberes expressos na fala da professora e úteis em todas as disciplinas! Esse jeito de
trabalhar propõe a pesquisa como meio de encontrar respostas para as questões,
problematizando, perguntando (ao invés de usar, apenas, leitura e exercícios no livro didático
adotado, como alguns, ainda, teimam em fazer, em discordância com os princípios que
fundamentam o Ensino Fundamental). Esse modo investigativo de agir é coerente com a
produção de conhecimentos emancipatórios em comunidades interpretativas, conforme
propõem Santos, Carvalho, Linhares e outros estudiosos. Seria assim, uma artesania das
práticas, uma ecologia de saberes que os transforma a todos em saberes experimentais. A
professora P18 fala de uma ciência que se coaduna com a perspectiva emancipatória que se
propõe a produzir um novo senso comum.
210
b) A leitura e escrita
Como você vai ser professora-alfabetizadora se não lê? (P14). E se não escreve, complemento.
Algumas professoras disseram, em nossas conversas, que “há alunos que querem fazer o
curso, mas grande parte não quer estudar, não quer ler! Ler um texto de algumas páginas é
um sacrifício, imagine ler livros! Seria bom ler pelo menos um ou dois em cada disciplina!”.
O professor deve fazer essa provocação, incentivar o gosto pela leitura e pela escrita. A
professora P10 descreveu seus modos de conduzir as aulas com discussão, textos e exemplos: Olha, eu trabalho de uma forma que é difícil terminar a discussão numa aula, porque eles trazem
contribuições das outras disciplinas, fazem trabalho, trazem exemplos. [...]. Isso é que deixa a aula
enriquecedora, quando você dá possibilidade ao aluno de trazer suas experiências e a partir daí, ter
idéias para trabalhar. Uma vez peguei um texto e os alunos não tinham lido para a aula, pois tinham uma
prova; aí a aula fica pobre, não flui. Então, atrasei a aula, separei em grupos, cada um leu um pedaço,
dei uma geral do texto, eles trabalharam e colocaram exemplos. Eles conversam e tiram suas dúvidas
entre si. _ Ah, então é isso que quer dizer... Muitas vezes os próprios alunos falam: _ Professora, eu
tenho uma revista que fala disso, na Nova Escola! _ Professora, essa reportagem que fala de Piaget já
tem cinco anos! Você quer? E a gente disponibiliza na pasta para todos os alunos. Então, acredito que é
importante ter estratégias na aula usando o que os alunos trazem de contribuição. A maneira de
trabalhar o que a turma vai conseguir de exemplos torna o trabalho interessante.
Os usos da leitura nas aulas são destacados pela professora P13: É impossível fugir do texto, é fundamental, o aluno tem que ler. Não trabalho com livros, só com textos
diversos de vários autores. O aluno não pode comprar todos os livros, então, eu seleciono textos de
alguns autores, os mais conhecidos. A leitura é fundamental, faço questão! Trabalho com roteiro para
que eles possam ler e organizar a leitura. Alguns lêem, não todos, eu acho que talvez, uns 50%; minha
prática mostrou nesse semestre.
A importância da leitura no contexto universitário é ressaltada por diversas professoras e P14
procura ajudar o aluno a entender isso: A questão da leitura é muito importante nessa reflexão com eles e uma das coisas que fiz foi o memorial
de leitura. Eles tinham que escrever os momentos que foram mais influenciados por alguém ou por uma
situação para ler. Não é que se queira colocar o peso da responsabilidade no professor-formador, não,
mas o seu papel, aqui na Universidade, na escola básica, é incentivar o aluno para a leitura! Então,
quando o aluno chega à Universidade, ele ficou estudando para fazer o vestibular, aquele estudo
característico de pré-vestibular e perde a dimensão da leitura. Cabe ao professor ajudar nessa questão!
Foi super-bacana! Então, através desses depoimentos, fui dando pra cada um, o feedback de que isso era
fundamental. No momento em que o aluno percebeu que foi esse o ponto que o fisgou para fazer uma
leitura que tivesse sentido, importância na vida dele, eu falei: _ É essa isca que você tem que jogar para
os seus alunos. Ele foi buscar onde eu achei como fazer isso como professora! [...].
211
Outras atividades realizadas com os alunos para incentivar a leitura foram relatadas pela
professora P14: Quando a gente fez essa reflexão, pensei numa idéia de ciranda. Por quê? Porque uma das queixas que
eu faço e os alunos, também, é porque nossa biblioteca não tem livros de literatura, entendeu? Então
esses alunos não podem nem resgatar o gosto da leitura via literatura; são mais livros de Educação. E o
que a gente fez? Eu tinha pensado ir a uma livraria [...]. Fiz isso há quatro anos, quando dei essa mesma
disciplina, fiz como estratégia. [...]. Este ano não fui à livraria, pois cada vez mais eles têm se queixado
de falta de dinheiro. Falei: _ Esses meninos não têm dinheiro pra tirar xerox... A gente vai à livraria?! _
Cada um vai trazer de casa um livro que tenha lido e gostou e nós vamos fazer a nossa biblioteca da sala.
Não mobilizou a turma inteira, mas os mais próximos começaram a trocar os livros que estavam lendo e
eu deixava alguns minutos da aula para falarem um pouco. É uma tentativa! Outra coisa que fiz em
relação à leitura, como estratégia, era começar a aula trazendo coisas curtas de Cecília Meirelles, de
Drumond, Clarice Lispector; tem aluno que passa pela vida sem ler nada disso. Aí comecei a fazer outra
coisa que eles ADORARAM, que é o seguinte: isso tem em coleções ‘Para gostar de ler’, coisa assim bem
fácil, por exemplo, Clarice Lispector: o que eu acho da leitura, como escrevo, porque escrevo, coisas
rápidas, entrevistas desses escritores mais consagrados. Quando eu trazia uma poesia, trazia uma rápida
biografia e acho que era o momento da aula que eles gostavam. Quebra um pouco aquela coisa da teoria.
Então, eram mais estratégias!
Perguntei a essa professora se aproveitava o trabalho com a leitura para provocar o desejo de
escrita nos alunos, para fazer a relação leitura-escrita, porque são imbricadas, são
escrileituras. Ela esclarece: “[...] Isso eu não fiz; poderia ter feito! Mas eu sempre dizia para
eles: _ Gente, vamos escrever e conversar com o papel, o que vem na cabeça! Depois você
vai arrumando, entendeu? É sem fim”. P14 contou outra experiência: Teve uma aluna que falou: _ Sabia que antigamente eu escrevia aquelas cartas dando opinião para o
jornal? Falei: _ Você vai trazer para gente ler aqui na sala. Eu sempre provocava assim. Ela trouxe a
carta e a gente falou: _ Está vendo! Quantas coisas que a gente lê no jornal, que se indigna, fica com
raiva, fala que não gostou. Dá sua opinião! Manda um e-mail! Essas coisas eu fazia, mas parar para
escrever, eu não fiz.
A escrita e a leitura são imprescindíveis na aprendizagem no Ensino Superior, acho que a
mais importante e penso que constitui um bom caminho ampliar o gosto por ambas. Tenho
trabalhado muito ao longo da vida, em formação continuada, com professores já atuantes e
quando se pede para explicar alguma situação por escrito eles reclamam: “_ Ah, não pode só
falar? Tem que escrever?”. Percebe-se, então, que muitos docentes não têm essa cultura de
ler e de escrever! Encontrei professoras que só liam a cartilha que trabalhavam com os alunos!
Não gostavam de ler jornal, revista, nem de ouvir noticiário. E só escreviam o essencial
212
relativo ao desenvolvimento das suas aulas! Como vão incentivar o aluno a gostar de ler e de
escrever?!
c) Ensinar a pensar
O que é pensar, então? Jódar e Gómez (2004, p. 142) respondem: “Pensar, então, não pode ser identificado, inocente e escolarmente, com alguma disciplina acadêmica, com as lições, tarefas, programas e manuais que constituem a carcaça imutável e organizada do ritual escolarista da pedagogia tradicional como meio soberano de adquirir cultura.
Hoje, é muito divulgada a concepção de que a escola precisa ensinar o aluno a pensar,
aprender a refletir, aprender a aprender, a buscar alternativas para os problemas com que se
depara, a encontrar soluções novas para problemas velhos, como um novo modo de ensino-
aprendizagem. E é isso que a formação deve propiciar: exercitar o pensar para aprender-a-
ensinar-a-pensar. Aprender a pensar é aprender a aprender, é exercitar a curiosidade, a
pesquisa, é questionar. Para P10, “Todo mundo quando chega à Universidade, no primeiro
período, tem uma grande dificuldade para apresentar seminário, é tudo muito rápido, muito
sucinto, causa/conseqüência. E a gente tenta trabalhar que não tem que ser assim”. Outras
atitudes ajudam nessa aprendizagem: ter autonomia, ser responsável pelo seu trabalho,
mostrar-se interessado, pesquisar, estudar e compreender a importância da leitura e da escrita
no processo de aprender a pensar.
P10 continua: “[...] A maioria das pessoas que trabalha leitura, por exemplo, obriga a ler
dois, três livros e tem que fazer um trabalho, uma redação sobre o tema”; isso ajuda a
aprender a pensar?! Pensar, então, independe da disciplina, do lugar, do tema, mas de
situações que provoquem o pensamento problematizando, perguntando, buscando respostas,
errando, acertando, procurando possíveis soluções; ou seja, ter oportunidades de vivenciar
situações que fazem pensar e aprender. Essa é uma questão muito importante: o professor
pode-deve “ensinar” o aluno a pensar! E como se trabalha isso com os alunos? Como se
“ensina” a pensar? P18 explicou um dos modos que utiliza: Eu falo para eles: _ Vocês estão trabalhando meio ambiente e meio ambiente é um conceito
interdisciplinar. _ Ah, você tem que ouvir a contribuição da Geografia, da Matemática, da História, de
todo mundo junto! Em que MOMENTO da formação a gente tem um trabalho interdisciplinar?! Esse
trabalho o pedagogo vai ter que coordenar na escola depois! Em que MOMENTO que a gente
proporcionou isso para o aluno?!
213
Não é o conceito de intra-inter-transdisciplinaridade que ajuda a pensar, mas as possibilidades
reflexivas de ações como ler, discutir, concordar, divergir, advindas da escuta de diferentes
áreas, contribuindo para ampliar a percepção acerca de um mesmo tema.
d) Valorização da experiência-saber-discente
Algumas posturas de professores são consideradas significativas para provocar desejo-
vontade de aprender nos discentes, tais como ouvir o que o aluno sabe acerca do tema
discutido, valorizar a diversidade de experiências discentes, enxergar o conteúdo teórico na
vida cotidiana e esta na teoria, extrapolar a sala de aula e utilizar outros espaços para
desenvolver o trabalho docente, como se pode ver na experiência contada a seguir. No período passado, por exemplo, tinha um cara de teatro na MINHA AULA de Prática de Ensino,
excelente! Ele deu uma oficina de teatro para elas! Agora, nesse período, nós temos uma menina de
música! É bacharel em música pela PUC e está com um desafio: em dezembro, vai ter que fazer algum
trabalho com a turma, na área de música (P5).
A professora P5 aproveita as experiências e os saberes de seus alunos para enriquecer os
processos educativos: “Uma vez por mês a gente promove alguma oficina, que não seja coisa
repetidora, não é modelo para elas repetirem, é um modelo para elas verem. Se eu mando o menino
desenhar, como é o desenho? É o olhar dela sobre a sua própria produção e sobre outras, não é?”.
Seu relato é importante porque procura considerar o conhecimento e a realidade das alunas: [...] fazer um levantamento com a turma do que conhece, pensa, sabe, viu sobre Arte. Mas o que nós não
podemos é nos dias de hoje, pensar que uma professora vê um menino que desenha de forma mais
realista e dizer: _ Esse é um artista! E aquele que não o faz: _ Ah, esse não sabe desenhar! Então ela
reproduz esses valores que faziam parte de um determinado tempo, determinados contextos e teóricos. Eu
acho que esse é o trabalho que a gente tem que fazer: mostrar que a arte não é só representação do
morto (P5).
É importante visibilizar e valorizar os saberes que o discente traz na sua bagagem e os saberes
que produz, no cotidiano da Universidade. É um modo de contrapor à lógica da classificação,
experiências de reconhecimento da capacidade de consumo e produção do aluno.
e) As situações cotidianas
A sociologia das ausências mostra o que é produzido como não-existente às alternativas
dominantes, experiências consideradas descartáveis, invisíveis à realidade hegemônica.
Situações cotidianas podem ser consideradas com características barrocas porque constituem
um campo aberto de reinvenção e de experimentação. São assim, como zonas de fronteira
214
onde florescem experiências criativas de solidariedade, de conhecimento, de participação,
com oportunidades de desfazer estranhamentos em relação à escola. [...] Experimentar essa sensação de estar aprendendo de um jeito novo. É muito interessante! Nas
primeiras aulas, quando a gente começa a problematizar o que eu chamo de conhecimento do senso
comum: _ Pode dormir com a planta no quarto? _ Não pode! _ De onde vem o oxigênio que o peixe
respira? E coisas desse tipo: _ Por que o navio não afunda? O avião não cai? _ Por que quando joga sal
na água fervente do macarrão ela para de ferver? E qual a relação disso com a mudança de estado físico
da água? Coisas assim, que, às vezes, a gente é obrigada a fazer uma série de adaptações para tornar
esses conceitos mais acessíveis (P18).
Conhecer metodologias de trabalho docente, manipular materiais didáticos, questionar
situações cotidianas, ajudam no enriquecimento das aulas, na compreensão de conteúdos e
impede que o aluno, simplesmente, decore um conhecimento do qual nada entendeu. A
professora P18 continua enumerando outras situações cotidianas que utiliza nas aulas de
Ciências para trabalhar a curiosidade, a formação e a compreensão de conceitos: _ Que horas são em São Paulo quando é meia-noite em Tóquio? Fusos horários. Está bom, isso a gente
sabe. Teve as Olimpíadas em Pequim, quando é dia aqui é noite lá, mas onde amanhece primeiro? Em
que sentido a terra gira? Perguntas dessa natureza que a gente dificilmente se faz no dia-a-dia e elas,
digo elas, porque a maioria são meninas (por isso eu também digo elas), falam assim: _ Ah, professora,
eu não sei nada! Pára com isso, estou com a sensação de que não sei nada! _ Estou ficando perdida!
Tudo aquilo que eu sabia parece que não sei mais. É muito legal, porque à medida que elas vão
experimentando, construindo, consultando as fontes, aquilo vai tomando forma e ganhando sentido. Fica
muito interessante o trabalho!
Esses conceitos científicos são conteúdos do Ensino Fundamental que pedagogos-docentes
vão trabalhar com seus alunos, por isso é importante aprendê-los, para depois ensinar. A
professora-formadora parte de perguntas sobre situações cotidianas, para ir do senso comum
ao saber científico e produzir assim, um conhecimento emancipação, um novo senso comum,
“um conhecimento prudente para uma vida decente”. Se os alunos não aprenderem,
discutirem, refletirem sobre questões dessa natureza na sua formação, certamente, farão como
algumas professoras que adotam o livro didático como única ferramenta de trabalho. Nesse
sentido, os estudantes lêem e fazem as atividades do livro, sem nada entender, sem
experienciar, pois ainda há professoras que só lêem e respondem um texto, como qualquer
pessoa alfabetizada, apenas decodificando símbolos, sem atribuir significados concernentes ao
conteúdo da disciplina, como Ciências, por exemplo. Os depoimentos de docentes e discentes
confirmam a importância do papel dos núcleos, laboratórios, biblioteca e escolas de estágio,
215
sobre a contribuição das parcerias nesse processo de ensinar-aprender-a-ensinar na formação
docente.
5) Estratégias, táticas, artefatos
As aulas podem e devem ser enriquecidas com estratégias, táticas e artefatos, ferramentas que
ajudam a fortalecer as artes de ensinar-aprender-para-ensinar. Com habilidade e inventividade
prepara-se o ambiente, utiliza-se uma variedade de procedimentos e artefatos, de acordo com
o conteúdo, a disciplina, o contexto, a realidade, os atores. Como em todo processo é preciso
planejar e avaliar (antes, durante e depois): participantes, ações, aprendizagens e (re)planejar,
(re)fazer, alterar, num processo contínuo e heterológico.
a) O ambiente didático
Atividade na aula de Psicologia
O ambiente deve ser propício ao ensino e à aprendizagem, não só na sala de aula, mas em
outros possíveis espaços. Se não é adequado, ocorrem situações como a que relata a
professora P18: Eu carrego pedra, depois tem que lavar tudo no banheiro. Ajudaria muito essa sala ambiente. Se a gente
pudesse deixar as amostras de solo lá, as rochas... A TV já estaria lá, não teria que reservar sala de
vídeo, isso tornaria o trabalho mais flexível.
Essa docente explica que se tivesse uma sala ambiente facilitaria o trabalho porque dispende
muito tempo para carregar material do laboratório para a sala de aula. As professoras de Artes
e de Matemática, também, abordaram essa questão; a de Matemática disse que, às vezes,
carrega oito engradados de material para a sala de aula. Nesse sentido, a docência orientada na
perspectiva investigativa revela múltiplas e, às vezes, inesperadas demandas e se a turma está
num ambiente próprio à prática da disciplina, a professora pode promover experiências não
previstas na programação, caso contrário, ela vai dizer a “sua verdade” para os alunos, sem
questionar ou discutir, afirma P18: De repente vem uma questão que você não pode perder a oportunidade de desenvolver uma prática
experimental ali, naquele momento, até mesmo para poder confrontar como o modelo explicativo do
216
aluno, da gente tentar chegar a uma mudança conceitual, não estando acessível, não tem muito como
escapar daquela coisa de dar a resposta! Depois fala: _ Não faz isso não! Leva seu aluno a pensar!
b) Variedade de procedimentos
A professora P8 trabalha, em suas aulas, com a transmissão de conhecimentos, com a
experimentação e com a utilização de artefatos: No caso da Geografia, se minhas alunas precisam compreender os movimentos de rotação da terra e
como se dá o fenômeno das estações do ano, tudo que tem de teórico em relação a isso me parece que
tem que ser trabalhado pela transmissão do conhecimento para a compreensão dessa professora que se
forma, [...]. Outro modo seria na dimensão do que ela vai trabalhar com seus alunos. Além disso, vou
apresentar para ela o modelo de um kit, de uma reália que possibilitará o entendimento do processo. Isso
dentro da Geografia. Para além disso, trabalhar o pedagógico, preparando o espaço para o uso desse
kit, como ela vai se referir a isso, posicionar os alunos, discernir objetivos, como preparar o texto para
explicar isso, como preparar os recursos, como ela vai posicionar a lanterna.
P10 falou sobre sua prática docente, como professora iniciante que é: Não tenho trabalhado com maneiras muito diferenciadas: trabalho aulas expositivas com discussão,
filmes, se desse tempo usaria mais porque filme enriquece. Principalmente no começo da disciplina tem
alguns textos que trabalho bem as abordagens da Psicologia. Tem exemplos e modelos; uma coisa que
nunca viram é mais fácil fazer a relação. Em várias discussões alunos dizem: _ Ah, eu vi um filme que
fala disso. Não sei se você conhece o filme ‘Um dia pra ser feliz’, um documentário, passou no
Metrópolis. Na época, nós fomos. Foram poucas pessoas porque não era em horário de aula e a gente
trouxe a discussão para aula, o aluno se interessa.
P5 continua falando sobre os procedimentos que utiliza em suas aulas: Vou diminuir é esse diálogo com o pessoal da pós-graduação, porque eu não quero que fique como uma
obrigação de escuta, como se fosse um cumprimento de regras, mas de participação das alunas da
graduação. Não gosto! O dia que eu for ensinar e que eu percebo cumprimento de atividades, eu tenho
até horror dessa palavra, eu tenho vontade de SUMIR! [...] gosto de sentir que a turma está participando
com desejo, que estão curiosos, tanto que nesse período, eu só vou levar duas! (apresentações de alunas
do Mestrado).
Essa professora procura integrar a linha de pesquisa com a graduação; assim, alunas do
Mestrado fazem depoimentos na graduação e apresentam suas pesquisas. Sobre o uso de
artefatos tecnológicos, docentes consideram que a estrutura do Centro de Educação ainda é
deficiente, o que constitui uma dificuldade pedagógica. P5 afirma que embora haja [...] um pólo que tem SETENTA dvd’s, utilizo pouco e poderia estar utilizando mais; sou muito visualista
em outro ponto, utilizo, muito, transparências; datashow a gente não pode usar. Material, tenho demais,
217
o problema é que temos uma sala disputadíssima! [...] Se tivéssemos uma estrutura com todas as salas
equipadas... não temos, aí fica muito complicado.
A professora P13 expõe seus modos de atuar:
Então, trabalho com texto, roteiro, com filmes, também; às vezes [...] indico para que assistam e depois a
gente discute. É fita, documentário, alguma coisa que consigo copiar da TV; retroprojetor com
transparência, gosto muito do datashow, embora eu tenha tido muita dificuldade aqui na Universidade
para conseguir o datashow. Não consegui reservar nem uma vez nesse semestre. Ah, sim, gosto de
trabalho de campo; nesse semestre fomos à aldeia guarani. [...].
A visita que P13 fez com os alunos teve como objetivos integrar conhecimentos teórico-
práticos, relacionar a Universidade com a realidade e o saber da Universidade com o saber da
experiência. Às vezes, para incentivar é preciso buscar formas diferentes de trabalhar com os
alunos e a visita à aldeia indígena, em Aracruz, foi uma delas: Os alunos fizeram uma fita, fotos, relatórios, e mais do que isso, tiveram uma ação concreta, porque as
mulheres lá estão fazendo um trabalho de bazar com roupas, eles são muito pobres! Então as alunas
entraram na campanha, estão coletando roupas para mandar para aldeia. Aí as pessoas falam: _ É
assistencialismo. Não sei se é assistencialismo não; os caras estão pobres, passando necessidade e a
gente pode ajudar. Que é isso? É uma ação social importante; nós estamos estudando, aprendendo,
trocando. Não é uma coisa isolada! É o conjunto de um trabalho de pesquisa, de produção de
conhecimento. Isso, na disciplina EJA.
Durante a visita não foram a uma sala de aula indígena porque só puderam ser recebidos, na
aldeia, no sábado: Conversamos com o cacique da aldeia, ele explicou como funciona, o ensino é bilíngüe. É objetivo que os
jovens e adultos estudem; eles querem aprender a ler, a falar português direito, porque eles falam o
guarani. [...]. Eles querem se comunicar direito, não serem discriminados pela comunidade branca, têm
vergonha de botar o dedão, querem assinar direitinho, querem falar as duas línguas. As alunas ficaram
entusiasmadíssimas, adoraram! Elas bombardearam o cacique, coitado! (P13).
A professora P14 trabalhou com a estratégia de memórias para chegar aonde pretendia, aos
conceitos de leitura, escrita, alfabetização: Pedi que os alunos descrevessem as memórias que eles tinham da sua alfabetização. A partir desse
relato, das lembranças de como aprenderam, das influências que tiveram, na relação com a leitura e a
escrita, a gente começou a trabalhar os conceitos que eram importantes para essa disciplina: os métodos
de alfabetização usados na história da humanidade, a relação da criança hoje com esse mundo
alfabético, os sentidos da alfabetização para essas crianças, elas estão tendo uma alfabetização mais
mecânica ou mais significativa? Como é que essa criança vai poder expressar pensamentos e
218
sentimentos, variações lingüísticas, os saberes produzidos?! A gente tentou [...] trabalhar com leitura dos
textos e discussões coletivas. Esses professores (graduandos) vão trazendo experiências do que vivenciam
na prática e interligando essas discussões com os teóricos; [...] tem alunos que não têm experiência,
nunca foram para a prática e não conseguem dialogar com os autores sem essa vivência da prática. Por
isso pedi para resgatarem as memórias de quando estudavam. Isso favorecia um pouco. No início a gente
pergunta quem já foi à escola, quem trabalha em escola e teve turmas que era muito grande o número de
alunos que não tinham ido às escolas. Propus trabalho de campo, em que eles iam: fazer entrevistas com
professor alfabetizador, passar um dia com esses professores, para ver o que estavam estudando aqui.
Então eram estratégias e táticas que fui encontrando para fazer com que essa leitura e com que esses
estudos não ficassem desarticulados do cotidiano. Os alunos que estão estudando a teoria também fazem
perguntas práticas, entendeu? Como isso acontece? Os dois campos articulados é muito melhor!
c) A utilização de artefatos
Atividade de pesquisa e extensão com docentes do Ensino Fundamental
Os artefatos enriquecem o processo de ensinar-aprender-ensinar, então, que artefatos são
utilizados por professores e alunos que mais contribuem e interferem na realização cotidiana
do currículo? Destaco narrativas de algumas professoras: [...] eu gosto de sentir que a turma está participando com desejo, que está curiosa (P5).
O artefato mais importante continua sendo a leitura; utilizo também a internet, discuto por e-mail com os
alunos; trabalho muito com cinema, literatura (não técnica) que, às vezes, aparentemente, não tem
ligação com a Filosofia, por exemplo, um romance. No semestre passado, a turma de Pedagogia leu o
livro “O carteiro e o poeta”, e as alunas resistiram; em Pedagogia há mais resistência à leitura. Não
gosto muito de usar seminários, atividades de leitura em sala de aula. Prefiro que façam a leitura em
casa e debate aberto em sala de aula; dou o roteiro de leitura para facilitar. Tem momento em que faço
exposição oral, que é confundida com Pedagogia tradicional (P9).
[...] é importante que esses artefatos sejam usados à luz dos objetivos que se pretende desenvolver e
alcançar; que sejam maximizados como forma de complementação do meu próprio trabalho na sala de
aula (P8).
A gente não dispõe de outro espaço aqui, que pudesse fazer uso não só do computador, como máquina de
escrever ou como fonte de consulta, mas como tecnologia educacional mesmo. Não tem! (P18).
Em termos de artefato a gente tenta explorar o máximo que tem. [...]. O nosso curso é pobre, mas acho
que temos o fundamental; até dá para a gente se virar, entendeu? Acho que falta para nós é sabermos
explorar, usar da melhor maneira o pouco que tem. Todos os alunos deveriam passar pela experiência de
usar o datashow, por exemplo, e nós possibilitamos isso na apresentação delas. Quero que saiam daqui,
sabendo usar o quadro, o jornal, a revista! Tem que usar a criatividade! (P6).
219
A professora P18 utiliza artefatos diversos, trabalha na perspectiva investigativa e com
parcerias: [...] TV, vídeo, computador tem menos acesso aqui. A sala de informática a gente já pediu não só para a
Pedagogia, mas para a Biologia também, mas não pode ser liberada para uma turma, é aberta ao uso
(geral). Então eu não tenho como chegar lá com quarenta alunos e ocupar, dar aula naquele espaço;
acaba sendo só para as alunas consultarem. A gente não dispõe de outro espaço aqui, que pudesse fazer
uso não só do computador, como máquina de escrever ou como fonte de consulta, mas como tecnologia
educacional mesmo. Não tem!”
Essa professora continua sua exposição sobre os modos de ensinar, os artefatos e as parcerias: O caso da biblioteca é que a gente tem pouquíssimas obras voltadas para o ensino de Ciências nas séries
iniciais. Eu poderia citar poucas referências bibliográficas nessa área. Então a gente trabalha com
artigo mesmo. Sou obrigada a dizer que (uso) muita produção minha; não gostaria que fosse assim [...]
tenho muita interação com o pessoal da USP, da UFMG, de projetos como o Mão na Massa que é um
projeto francês que chegou ao Brasil e hoje está na Academia Brasileira de Ciências e estimula a
metodologia experimental nos anos iniciais. A gente trabalha com esse projeto e é vinculado à
Experimentoteca, lá no Núcleo de Ciências. Eles são ligados à Academia Brasileira de Ciências e
disponibilizam esse material para nós. Ter essa parceria lá ajuda porque é um projeto que EMPRESTA
material, então é onde a gente consegue ter acesso a algumas coisas. A gente não tem um microscópio,
um torso anatômico para estudar órgãos do corpo humano, não é? Já está até pedido. Um quadro digital
na sala! Nem sei se a gente tivesse isso tudo teria tempo de explorar! Com 60h! (P18). (A professora
reflete).
P16 enfatiza os modos que o aluno vai trabalhar ao assumir uma turma, por isso considera
importante discuti-los nas suas aulas: A aluna vai trabalhar com projetos, optar por formas de organizar, com atividades seqüenciais,
selecionar conteúdo com o objetivo que ela se propõe, com a organização do trabalho. Por isso que não é
uma coisa mecânica. Não importa a perspectiva que vai trabalhar; tem quatro elementos fundamentais:
objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação e eu discuto dentro da metodologia. [...] não descarto com
elas a técnica de fazer isso, mas eu mostro as diversas possibilidades. Vou baseando nos documentos
oficiais para a discussão, certo? Pego o PCN, busco um objetivo oficial e pergunto: _ A partir daí, como
você desencadeia um fazer?
Sobre seus modos de realizar a prática docente, P14 assim se expressa: [...] _ Vou com vocês a essa oficina! Isso estimulava e trazia coisas da oficina para a sala de aula. _ Ah,
Fulano e Fulano foram à oficina tal. Mostrem para a gente o que viram; vamos abrir um momento de
discussão sobre isso. Geralmente os que procuram são os que já estão na prática e sabem da
necessidade, mas eu trazia para a sala de aula, porque mobilizava o restante do grupo. Em relação aos
artefatos ainda, eu senti essa coisa da xerox que sempre me incomodava, porque além de pedir para ler
220
um texto fragmentado, a gente via alunos que vinham para a sala sem ler o texto e eu não tinha a certeza
que eles teriam aquele texto na mão. Como comecei a fazer isso? Percebi que quando eu só fazia uma
aula expositiva era muito cômodo para eles, mas não havia uma interação. Aí eu falei: _ Foi uma
estratégia, vou vir com a aula preparada, mas na hora, vou pedir a alguns alunos para trabalhar junto
comigo esses textos. Comecei dizendo com antecedência para eles planejarem. Resumo da ópera: só liam
aqueles que tinham que planejar (risos). Aí comecei a falar: _ No próximo não vou dar com antecedência,
todo mundo vai ler. A gente ia vendo o que fazer para tentar que todo mundo se envolvesse.
Para a professora P8 não basta o uso de artefatos, às vezes, até sofisticados, mas esse uso deve
ser associado ao trabalho didático que o professor faz para compreensão do assunto estudado.
Ela explica porque: É extremamente importante utilizar artefatos em qualquer área de conhecimento. Na Geografia isso
ganha um realce muito grande, porque há vários trabalhos com dimensões espaciais, que às vezes
extrapolam a compreensão concreta dos alunos. Por exemplo, se eu me refiro a um local muito distante
como Japão, China, a televisão vai ajudar a criar toda uma imagem, uma compreensão espacial, de
cultura, de modo de viver desses povos, a paisagem, o relevo, tudo mais. Mas essa TV de nada servirá, se
nós professores em sala de aula, não adaptamos o poder dessa compreensão associando ao que estamos
trabalhando. Me incomoda muito, ultimamente, a coisa da moda, do artefato dentro da escola. Usamos
quadro de giz, ampliamos cartazes, figuras para flanelógrafo, mas depois entramos na era tecnológica,
propriamente, e aí a TV ocupou espaços massificantes para o aluno. Hoje, a gente tem o datashow, o
computador que transportam para uma dimensão meramente audiovisual e não didático-pedagógica,
porque se o professor não compreender que esses artefatos são auxiliares no seu trabalho, que não
resolvem por si só, se eu não me preparar para fazer uso geográfico de um kit composto, por um globo,
lanterna, lâmpada criarão impacto sobre os meninos, mas não ajudarão a compreender o que seria,
propriamente, o objetivo do uso deles.
Essa docente destaca a importância de preparação do professor para fazer uso de
determinados artefatos, além de compreender possíveis fios que poderá puxar, para enriquecer
o processo de ensinar e de aprender: O professor tem que assistir ao filme antes, preparar, ver o que ele quer analisar, chamar atenção e
aproveitar coisas que lhe escapam; ele tem que estar preparado para isso, também, porque às vezes os
meninos mais ensinam do que aprendem. Eles percebem coisas, que são sutis ou que não são compatíveis,
que nos escapam; então é importante que esses artefatos sejam usados à luz dos objetivos que se pretende
desenvolver e alcançar, que sejam maximizados como forma de complementação do próprio trabalho na
sala de aula. No caso da Geografia, a gente destacaria o uso da TV não apenas em sala de aula, mas,
também, no cotidiano do aluno, com resgate dessas imagens, como recurso que pode ser levado à
pesquisa, programação num canal, pesquisar tipos de paisagens, que impactos percebem da sociedade
sobre essas paisagens. É um recurso rico porque o aluno vai estar, permanentemente, sendo provocado a
relacionar. No CE, diferentemente de outros centros, a gente tem alguns recursos disponíveis, mas,
221
infelizmente, alguns deles estão sucateados, inadequadamente, colocados em alguns lugares, são de uso
restrito, muitas vezes têm um controle que nos impede de utilizar. Acho que há uma exacerbação do uso
tecnológico de determinados recursos em detrimento de outros que são muito próprios, entre aspas, do
curso de Pedagogia, por exemplo, vejo pouco uso de cartazes, que poderiam ser melhor trabalhados,
visando preparar as professoras para o seu uso na escola (P8).
Hoje, há muita ênfase no uso de artefatos tecnológicos, mas P8 lembra que há alguns outros
artefatos bem simples, fáceis de serem usados, que implicam pouco ou nenhum recurso
financeiro e que estão esquecidos. Determinadas imagens, determinados artefatos que hoje caíram em desuso como o flanelógrafo, o
imantógrafo, seriam bastante interessantes; o rádio, o gravador que propiciariam uma série de
possibilidades pedagógicas. Há pouco tempo atrás trabalhei com uma turma de metodologia e conteúdo,
Geografia e estimulei essa turma a usar algumas coisas tipo, teatro de sombras e foi um sucesso
tremendo porque elas nunca tinham visto como se podia trabalhar com uma coisa tão simples, que
independe de energia elétrica, de muita habilidade. É uma coisa mágica: você tem um painel, pode usar
figuras enriquecendo a partir de livros ou de criação dos próprios alunos. O uso do retroprojetor com
outras finalidades, como por exemplo, reprodução de mapas, de figuras, ampliação acabam virando
novidades, como se fossem descobertas muito atuais. Penso que a TV tem que ser considerada, o jornal, a
revista, como artefatos extremamente ricos porque além de propiciar toda uma parte de informações,
imagens, às vezes, os alunos me fazem rir, por lembrarem a história daquela professora da maleta
amarela. _ Ah, professora, você traz tanta coisa! Porque é uma pasta grande e eu fico imaginando que
não quero ser a professora, que se tirarem a maleta fica sem recurso, também não quero ficar
trabalhando só pela sedução do concreto de um recurso didático, de um artefato poderoso como são as
mídias hoje em dia. Eu penso que é uma coisa da qual o professor não poderia subtrair de estar
utilizando!
A professora P12 fala sobre seus modos de ensinar-aprender: Nesse semestre usei só uma vez sala de vídeo, DVD, um programa muito bom da TV Cultura “Café
filosófico” bem interessante. Trabalhei bem na tradição mesmo: livro, texto, aula expositiva, seminários;
foram muito bons, surpreendentes, os alunos já conseguem usar a tecnologia. Fiquei surpresa porque
dividi a turma em grupos e eles fizeram apresentação de seminário sobre as diversas correntes teóricas;
dentro delas escolheram um autor estrangeiro e um brasileiro. Achei legal o trabalho! Isso aí também,
são aprendizagens que eles vão tendo: trabalhar em grupo, expor as idéias publicamente, diante de
colegas porque nem sempre têm essa experiência. Quando faço seminário, marco no auditório.
A utilização desses artefatos implica experiências de comunicação e informação nos
laboratórios, bem como a reinvenção de saberes e práticas pelo trabalho da ecologia de
saberes e práticas.
222
Segundo P17, o docente-discente pode construir artefatos para serem usados nas disciplinas
em diferentes conteúdos: A gente constrói muito! É preciso saber sempre que objetivo você tem, que conhecimento você quer
construir e os objetivos não são só cognitivos, são atitudinais, também. A gente trabalha muito isso na
nossa área. Agora, aluna no estágio, que vê professor que não trabalha com isso, com certeza, ela vai
saber dizer porque, com o conhecimento que tem, com experiência de leitura, sala cheia, e às vezes, falta
de material, de condição de construir e... (professores que trabalham em duas ou três jornadas). Você sabe
que as escolas públicas recebem verbas para material. Mas das alunas escuto isso: _ Ah, esse material
tem lá em cima do armário da sala da diretora! _ Ah, o governo mandou um tanto de sacolinha desse
negócio, mas eu não sabia que era chamado de blocos lógicos, material dourado. A gente fala hoje do
papel da escola. Qual é o papel da escola? O diretor que é empenhado, quando chega um material ele vai
saber para que (serve) com o professor, pedagogo, quem pode ajudar, porque o diretor não é obrigado a
saber de todas as áreas, mas (deve) procurar saber.
Essa professora citou outros artefatos que utiliza na produção de saberes-fazeres docentes: Nós usamos a tecnologia: a calculadora que é artefato, nossas alunas têm noção, a gente não conseguia
desenvolver tudo que poderia até por causa dessas 60h e porque tem muita falha de conceituação, a
gente TEM que trabalhar conceito de número, de operação, como (faz) com a criança. Usamos ábaco,
QVL, material dourado, dinheiro chinês. Filme e DVD eu uso menos, mas sei que outras professoras
usam bastante. Eu uso menos, acho que é uma falha, mas eu não acho tempo também, porque quero
manipular muito material concreto e ajudá-los, estão no estágio já, quinto período e elas falam isso: _
Ah, na minha escola a professora botou um aluno para trabalhar comigo, como esse material vai ajudar?
_ Um aluno tem essa dificuldade, lá na escola tem esse material, mas ninguém saber usar. Como eu vou
ajudar a professora a usar esse material? _ Ah, isso é diferente! (P17).
P17 trabalha com diversos autores, material didático e jogos, em suas aulas, pois ela acredita
que o aluno aprende Trabalhando bons autores que auxiliam como leitura, a gente dá uma bibliografia básica e uma
complementar e na sala de aula a gente usa muito material concreto. Nós trabalhamos por sorte com um
financiamento de 1995 da CAPES, de formação de professores, que hoje está voltando com o nome de
PIBIT, que é muito parecido com o PAVCD e a gente conseguiu um financiamento. Temos, hoje, bastante
material concreto que foi qdquirido naquela época. Quando eu entrei aqui na UFES mostrava figura: _
Isso aqui é um material dourado. Agora, a gente tem cinco jogos de cada e pode dividir a turma em cinco
grupos e cada um tem o seu material.
Na disciplina Arte e Educação, por exemplo, entre os artefatos mais utilizados pela
professora-formadora e pelos alunos, que vivenciam a realização curricular da Pedagogia na
referida disciplina, é a visita ao Museu.
223
Eu separo o curso delas em três grandes etapas: a 1ª chamo “A arte e seu ensino e suas várias
histórias”; eu trabalho com elas e com o Centro de Artes. Essa turma do segundo período, por exemplo, é
muito instigadora; eu fiz uma coisa com essa turma que foi pedido delas e que não fiz com as turmas
anteriores. Eu levei mais reproduções de obras de artes do que levei nas demais. Por quê? Porque elas
me pediram: _ Professora, o que é isso? O que é o impressionismo? Me mostra isso! Foi interessante
porque partiu delas! Do desejo, do interesse delas! (P5).
d) A diversificação na avaliação
Vi que eles estudaram quando eu disse que ia dar uma prova escrita, entendeu? (P14).
Eu acredito que a maioria das alunas vem de um nível médio, de um cursinho e são acostumadas a
decorar e fazer, decorar e fazer (P10).
A professora P16 relata seu dilema em ter que incluir o tema de avaliação em Didática com
uma carga horária tão pequena: Eu falei:_ Já que não posso fazer uma abordagem mais ampla, vocês coloquem suas angústias, para eu
poder trabalhar. Hoje eu revejo a prática que tive aqui. Repensando muitas questões, vou usar
instrumentos de avaliação diferenciados com os alunos e voltados para a área de atuação. Dentro da
minha aula [...], por exemplo, numa avaliação eles analisaram um plano de aula; [...]. Estou repensando
para o semestre que vem trazer essas práticas mais para o início da disciplina. Foi uma resposta muito
positiva dos alunos, quando a gente pegou práticas e analisava a luz da teoria. Exercitei com eles esse
fazer. Uma coisa é exemplificar e outra é dar uma situação para elas fazerem a análise a partir de tudo
que a gente estava discutindo. Eu fiz isso mais para o final: essa é uma aula, o professor fez o
planejamento, então, vamos analisar essa prática. Fazendo uma avaliação da disciplina com os alunos a
partir do planejamento feito, o que foi proposto e o que foi executado, eles sugeriram fazer mais vezes
essa prática.
Sobre a prática de leitura, escrita e a avaliação, P14 fala: [...] falei pra eles: _ É preciso dar uma prova para vocês estudarem? E comecei a refletir com eles. Para
que a gente precisa chegar ao ponto de dar uma prova?
_ Ah, então tá, mas é em dupla, é com consulta? Eu falei:
_ Não, é individual e SEM consulta! E aí para quebrar o clima, até como estratégia, agora que vocês
fizeram a prova, cada um vai ler a prova do outro e corrigir. Eles falaram:
_ Cadê aquela coisa tão radical? Eu falei:
_ Estou mostrando para vocês que o importante é vocês escreverem sobre o que leram. Vocês agora vão
ler o texto do colega, interagir com esse texto.
_ Ah, mas você não vai corrigir?
_ Vou, depois; quero que vocês aproveitem, degustem esse momento, também! Aí um corrigiu a prova do
outro, trocaram idéia e quebrou aquele clima de ser a prova para o professor ler e dar nota. Foi mais
uma estratégia que a gente foi criando. No final:
224
_ Agora vai ter outra prova? Falei:
_ Não. Quero ver se vocês estão compartilhando comigo os textos. E depois da 1ª prova eles começaram
a ler mais. Não é 100%..
Uma avaliação que exige pensar pode ser uma estratégia para o aluno estudar, segundo a
professora P10: [...] Então, nas minhas avaliações, dificilmente, alguém tira dez, porque todas as questões são de escrita.
Uma aluna pergunta: _ Professora, deixa fazer com consulta? _ Com consulta não vai adiantar porque
você não vai ter resposta no seu texto. Então, dou a possibilidade de fazer em dupla, quem quer. Tentar
trabalhar o conhecimento, atravessar uma discussão e chegar a uma idéia.
P2, também, exemplifica essa forma de avaliar que exige a produção escrita acadêmica como
fruto da pesquisa, da reflexão, da crítica: “_ Vocês vão fazer uma artigo científico. _ Ah, eu queria
fazer um relatório! _ Um relatório descritivo? Mas nem pensar! Você vai fazer um processo de
relatório descritivo, para, a partir daí, fazer outros trabalhos; mas não me venha com relatório
descritivo, não!”. Segundo a professora é preciso desafiar o aluno para além do que ele acha
que pode e, escrever um artigo, vai exigir mais do que somente relatar, porque o artigo
implica pesquisa, posicionamento teórico, defesa de pontos de vista, etc.
O que dizem as alunas76?
As aulas são repletas de exemplos, de experiências próprias que a gente traz. A professora é atuante e ela
está sempre trazendo exemplos para a sala de aula, tem gente que faz estágio, todas as experiências
narradas, acho que é uma tática boa para relacionar as aulas (A).
Para algumas estudantes os modos de ensinar dos docentes são criativos e propiciam a
aprendizagem; outras admitem que há professores que precisariam diversificar suas formas de
atuação docente, para tornar as aulas mais aprazíveis e interessantes. Uma discente
exemplifica como ocorre o processo de ensinar-aprender-a-ensinar: O exemplo que nós temos é a professora de Psicologia que trouxe vários jogos para falar da importância,
de como os jogos podem ser utilizados na sala de aula, para identificar uma dificuldade que a criança
possa estar apresentando. Eu penso que ela utilizou muito bem isso. Também o nosso professor de
“Corpo de Movimento” sempre usa jogos, fala como pode usar, influencia A CRIAR jogos para utilizar
na sala de aula. É bem legal!
No entanto, há alunas que pensam que poderiam ser utilizados outros modos de ensinar-
aprender para enriquecer as aulas: 76 Alunas pesquisadas.
225
O professor se limita a texto e fala, e isso cansa; deveria ter uma abertura maior não só pra seminário,
como também, para aulas normais! - Pôxa, tem um auditório aqui que, muitas vezes, fica vazio, por que
não usar?! - Não! Tem um processo, uma burocracia imensa, aluno de graduação não pode! A aula
torna-se cansativa, passar quatro a cinco horas numa cadeira de pau, dói a coluna, não é legal e muitas
vezes acaba atrapalhando o conteúdo que a gente vai receber!
Outra aluna continua: “Os professores acabam culpando os alunos dizendo que eles não têm
interesse. De certa forma, parece que eles já vêm demonstrando que passam isso pra gente,
entendeu?”. Ela tenta exemplificar: “Por exemplo, tem matéria que a gente já sabe que vai
ter uma dinâmica diferente, então a gente já vem preparada; tem professor que chega aqui
naquela mesmice. Na minha turma a gente costuma falar: _ A turma responde de acordo com
cada professor”. A colega complementa: “Se o professor é exigente a turma quer, ELE FAZ,
A TURMA FAZ TAMBÉM (animação!), traz, mostra, somos capazes. Mas aqueles professores
que chegam (pausa)... não querendo estar aqui, a turma responde dessa maneira também”.
Esse discurso discente tem um contraponto no discurso docente, porque diversas professoras
falam sobre impontualidade de alunos, não cumprimento de tarefas e de leituras indicadas, do
manifesto desinteresse nas e pelas aulas, pela docência e pelas atividades propostas, a não ser
que valham nota. Essas atitudes, certamente, interferem nas relações e nos processos de
ensinar-aprender-poder.
As discentes já fizeram disciplinas de Pesquisa Extensão e Prática Pedagógica, que não
constavam no currículo anterior e são uma novidade neste. Essas disciplinas têm o objetivo de
introduzir o aluno no mundo da pesquisa e promover sua inserção na escola. Uma aluna
concordou, em parte, dizendo: “No primeiro e terceiro períodos, eu digo que sim; no segundo
eu digo que não. As aulas de pesquisa que foram feitas não contribuíram para essa relação
que você está falando! Contribuíram de certa forma, para ter um entendimento sobre o curso
de Pedagogia, mas não para fazer essa ponte com a escola; não foi a proposta”. Os relatos
discentes confirmam a necessidade de utilização de modos estimulantes de ensinar-aprender-
a-ensinar, porque não têm tempo para estudar: Os professores sempre retomam a matéria que estudamos em outro período. A gente mesma procura
fazer isso, retomar textos já estudados, procurar outros novos. Quem precisa sair cedo, primeiro
conversa com o professor, lê os textos em casa, procura saber o que vai fazer no grupo, manda e recebe
trabalho pela internet, entra em acordo (alunos e professores); usa também o telefone para saber o que o
professor deu, o que tem de fazer. Quando estou numa aula, ouço, participo, mas ao mesmo tempo estou
revendo a matéria da aula seguinte, que pode ser também no ônibus, no recreio da escola, uso todo
tempo que dá. Se tem muito texto e o aluno não tem tempo para ler, seria melhor dar menos e os alunos
226
terem tempo de ler. Com recursos, as aulas seriam mais dinâmicas; seria oportunidade de contato com
outras artes que não só a textual.
Estudantes criam, também, estratégias-táticas, para sobreviver no curso, para conciliar
trabalho e estudo, para driblar o tempo, criar espaços para ler-estudar e dar conta dos
compromissos pessoais e profissionais. Elas participam na realização do currículo que é novo
e desafiador para todos, para professores, para os departamentos, para o colegiado e falam
sobre o lugar que, para elas, o curso de Pedagogia ocupa no CE: Os professores falam o tempo todo que nós temos que ser criativos na sala de aula, que temos que buscar
novidades. A gente estava discutindo isso esses dias, parece que a graduação não tem importância aqui
dentro do centro, a sensação que dá é essa: a verdadeira importância aqui é o PPGE. É a pós-
graduação, mestrado, doutorado. Parece que tudo que se passa, neste espaço, PARECE QUE FICA
AQUI (ênfase), não volta pra graduação (A).
A gente se sente abandonada! Como por exemplo, você tem uma proposta de apresentação do seminário
e você quer reservar o datashow e falam: _ Oh, gente, está tudo no PPGE; essa semana não pode usar
porque é do PPGE. _ Pôxa e a graduação, será que não tem espaço? Eu vejo assim: _ Como ser
inventiva se professores já chegam, não sei, até desconsiderando muita coisa que acontece lá (A).
Você fica limitada quanto aos recursos que quer usar porque é ficar só no retroprojetor, acaba cansando,
né? (A).
Algumas discentes reclamam sobre as necessidades de artefatos, a importância da sua
utilização e sobre a estrutura física do CE: No CE tem carência de recursos; precisamos de alguns recursos tecnológicos como projetor de slides,
datashow, [...], textos, filmes, brincadeiras (A).
A sala está até hoje sem cortina, o que dificulta a apresentação de imagens (A).
Está provado que o aprendizado é maior quando se usa diversos sentidos (A).
A professora de Psicologia usa jogos e mostra a importância de serem usados na sala de aula. Ela usou
dois filmes, que ajudaram a entender o conteúdo; quando foi explicar psicanálise, passou o filme “Freud
além da alma”, depois passou “Laranja mecânica” que ajudou a entender o behaviorismo, a questão do
estímulo e resposta (A).
O professor de Filosofia usa jogos, pede para criar jogos (A).
[...] professores/as usam filmes, slides ligados à disciplina, que ajudam na associação, na
complementação de uma disciplina com a outra (A).
Se o aluno não tiver acesso à internet fica prejudicado, a turma trabalha com a tecnologia, alguns
professores/as põem trabalhos, textos no e-mail da turma (A).
Os livros são usados só para seminários”; [...] são usados muitos textos xerocados (A).
A metodologia de seminários é muito utilizada e gostamos, incentiva quem vai apresentar a pesquisar
mais. Vamos apresentar o seminário de Filosofia e o professor pediu para usar diferentes artefatos nas
metodologias (A).
227
No entanto, outras alunas consideram que os professores, ainda, não utilizam muitos artefatos
e estratégias no processo educativo, sejam quais forem as razões: escassez de tempo, de
recursos, etc. Para elas, constitui aprendizagem, participar de aulas dinâmicas, criativas,
porque além de conteúdos elas, também, estão aprendendo os modos de ensinar associados
aos usos de uma multiplicidade de recursos, porque esse será seu trabalho como pedagogas-
docentes. Elas dizem: Vou ser sincera, 90% usa aquele método de aula expositiva, professores falando. [...] (A).
Eu faço os dois horários, da manhã e da noite e hoje eu posso colocar que a matéria que deu uma
DIFERENCIADA foi “Infância e Educação”, com a exposição de fotos que a gente fez aqui. A professora
trabalhou com a gente mais ou menos três semanas, do noturno. Ela começou a trabalhar “olhares da
infância”, como as crianças influenciam no mercado financeiro, na família. Ela pediu para a gente fazer
uma exposição fotográfica com o tema “Infância e contemporaneidade”, [...]. Aliviou um dia de aula que
a gente passou brincando de fazer mural, foi legal. Pra mim, o que mais diferenciou foi essa exposição
porque das outras aulas é texto, texto, trabalho, seminário, texto, prova, texto (A).
Exposição de fotos – corredor do IC IV; Tema: Infância77
Segundo Kastrup (apud BEDRAN, 2003, p. 14), “Aulas e textos são produtos para serem
consumidos pelos alunos, que deverão, por sua vez, alimentar a cadeia de produção, tornando-
se eles próprios capazes de produzir outros artigos para consumo”, porém nem sempre essa
produção-consumo implica qualidade. Esse é um cuidado que o professor-formador deve ter.
Poderia ser diferente no curso superior?! Ou as alunas não estariam entendendo o lugar que
ocupam?! Elas já compreendem que os jogos, por exemplo, não são só para brincar, que
visam a objetivos definidos, de socialização, concentração, de aprendizagem e uma aluna
explicou: “Assimilar o conteúdo jogando, aprende mais”. Um grupo de discentes considera
que os modos de ensinar interferem nos modos de aprender: Nos seminários que a gente vem apresentando, a professora falou como se “postar na frente de uma
turma, como falar, tom de voz (A). 77 As alunas mantinham contato comigo, pondo-me a par de atividades a serem realizadas para que eu pudesse participar, conforme e-mail a seguir: Cara Eneida, Em breve passaremos um cronograma dos acontecimentos que estão por vir. Teremos uma Mostra Fotográfica, já fizemos Memorial, estamos assistindo a alguns filmes selecionados e fazendo relatórios, faremos também visitas a Instituições que cuidam de crianças com NEE e a alguns Movimentos Sociais. Se te interessar escolha as datas e entre em contato conosco. Bjos Pedagogia UFES 2007/1
228
Tem, também, esse projeto de pesquisa que a gente está formulando, correndo atrás de ir a uma escola
observar, pesquisar (A).
Eu acho que a educação como um todo tem que ser inclusiva, ter o fim da educação bancária; então são
úteis artefatos e matérias que fazem a gente refletir, inventar e criar possibilidades através de jogos,
brincadeiras e outros (A).
Assim, a produção é a própria realidade e é impossível estar na Universidade e não produzir,
porque a produção está em tudo, é um processo político, cultural, pedagógico, ético, estético
de ensino-aprendizagem, que ocorre em contínuos movimentos de des-re-territorialização.
Choque de realidade!
Alunas sentem um choque da realidade quando chegam à Universidade, como docentes
iniciantes das séries iniciais do Ensino Fundamental, ao chegar à escola, conforme estudo de
Cevidanes (1996). Não se deve ignorar que o processo de estudar-aprender-estagiar das alunas
é permeado por facilidades, dificuldades e nem sempre é agradável, podendo ser doloroso,
também, por uma série de fatores. Elas compreendem, mas nem sempre podem agir como
acham que deve ser, por exemplo, em relação à leitura: “Se não ler, não consegue
acompanhar a aula” (A). Também, já percebem o entrelaçamento entre teoria e prática: “A
teoria vem, eles passam... Mas na hora que você está na prática, É ALI QUE VOCÊ
DESCOBRE (riso de alegria!) que muitas vezes saber por saber não adianta” (A).
O que provoca, então, a profusão de idéias, conhecimentos, saberes, relações, trocas,
acontecimentos, aprendizagens, enfim?! Larrosa (2006, p. 81) alerta: “O que conta são os
espaços intersticiais: as escadas, o pátio, a cantina, os parques e praças adjacentes, a ante-sala
da biblioteca, os corredores entre as faculdades, os bastidores das livrarias”. Esse autor refere-
se ao acontecimento-aula como pouco propício à aprendizagem, por considerá-lo
desinteressante. É, pois, um grande desafio para professores, num mundo digital, cheio de
novidades, TV, vídeo, DVD, computador, internet encontrar modos criativos para incentivar
os alunos. Então, como tornar suas aulas aprazíveis? Como inventar momentos coletivos,
críticos, emancipatórios, pedagógicos de transmissão-consumo-produção de conhecimento
que atraiam os estudantes? O autor aponta espaços como escadas, cantina, eventos, que
parecem ignorados ou pouco valorizados, mas que adquirem importância no processo
formativo pelas relações, pelas conversas, por tudo que ali se passa sem estar programado,
controlado, vigiado, avaliado.
229
Uma aluna relatou um acontecimento vivenciado na escola, que faz perceber a relação entre a
teoria e a prática: A teoria ajuda o seguinte: quando você está vivendo aquele momento, dá tipo um estalo, um insight, e
você se lembra da matéria. _ Tenho que tomar cuidado! Peraí, eu não posso fazer isso! Vamos respirar,
tentar relaxar para ajudar a resolver o problema, porque às vezes o ser humano age por impulso. Eu,
então, sou ser-humano-impulso! E ajuda assim, aconteceu comigo, logo que entrei (no estágio): Um
menino quis me morder; a minha vontade era dar uma mordida nele! (risos de todas). Parei e pensei: _
Gente, o que vou fazer com esse menino? [...].
Ela fez tentativas diversas, experimentações para se aproximar e cativar o menino e conclui:
“_ Hoje em dia, ele quer me carregar no colo!”. Esse fato faz parte do cotidiano da escola
que a futura-pedagoga vai encontrar. Situações dessa natureza devem ser discutidas na
formação, não para dar receitas porque estas não existem, mas para que docentes reflitam,
discutam e busquem na teoria e nas experiências de outras docentes, explicações, estratégias e
táticas, modos de agir não-convencionais, na tentativa de melhor lidar com os estudantes e
ajudá-los a sobreviver na escola e na vida. Em Educação é assim, não há, não pode haver
receitas porque se trabalha com o ser humano, porém, é imprescindível para futuras-
pedagogas discutirem acontecimentos cotidianos da sala de aula e da escola, bem como
possíveis formas de agir nas diferentes situações; são modos de aproximar teoria e prática.
Nesse sentido, as alunas falam sobre a importância do saber adquirido na formação, do
“preparo” para exercer a docência: Depois de ter iniciado o curso, essa atitude de como agir com a criança mudou, porque se fosse outro
caso, o que a gente faria sem conhecimento nenhum?! Pôr de castigo, deixar sem brincar, sem fazer
Educação Física, Informática, participar das brincadeiras. Hoje, percebo que mesmo que a criança
mereça uma lição entre aspas, a gente não pode tirar esse direito dela, de brincar, de participar das
atividades extra-sala de aula, porque isso faz parte do crescimento dela (A).
No exemplo da Fulana, de criança morder, se você tem um entendimento maior que é uma fase que a
criança passa você procura artifícios para que ela supere aquela fase. Se fosse outra situação a gente
achava que era só um menino malcriado. Assim, o embasamento teórico te dá essa noção. Agora, por
exemplo, no meu caso, só o embasamento teórico não me fazia ENXERGAR quando eu iria aplicar
aquela teoria. Então, eu tive que, realmente, entrar numa escola não só como pesquisadora cumprindo
uma disciplina de nossa área, mas como estagiária, num turno direto, vivenciando aquela rotina, não de
ir esporadicamente, mas de estar inserida, só assim consigo ter essa noção (A).
As situações relatadas apontam para a realização de ações visando um “conhecimento
prudente para uma vida decente” e implicam uma axiologia do cuidado com a professora, com
a criança, com o processo educativo. Nesse sentido, Eizirik (2005, p. 107) afirma que “É no
230
próprio diálogo que se realiza o cuidado com os outros. Tanto para Sócrates como para Platão
o cuidado de si só se justifica na perspectiva do cuidado com os outros, [...]”, portanto, cuidar,
também, é zelar pelo princípio que visa à articulação teoria e prática, é realizar o saber-fazer
de diferentes modos, como em experimentações, pesquisas de campo, visitas a museus, ao
planetário, entre outras que só fazem enriquecer a formação. O docente-discente vivencia na
prática, uma teoria que está ali presente e que, nas discussões, vem à tona por meio da
produção oral e escrita de trabalhos, das conclusões, das perguntas, às vezes, sem respostas
naquele momento, das dúvidas, das aprendizagens, enfim. Nesse sentido, o professor-
formador tem um papel preponderante, principalmente, quando se trata de alunos que só
entraram na escola como discentes, que não trazem o olhar da escola sob outra ótica, nem
trazem a experiência docente. Portanto, a necessidade dessa integração é ressaltada por todas
as professoras participantes deste estudo. A ecologia de saberes e de práticas possibilita,
assim, modos inventivos de relacionar os múltiplos saberes e práticas consumidos-produzidos
na formação.
As alunas percebem os modos como consomem-produzem saberes-fazeres-poderes durante o
curso e fora dele, também, porque a formação não fica restrita à sala de aula, é muito maior
que o tempo que nela passam! Uma aluna disse: “Depois que entrei no estágio-não-
curricular, [...] deu pra perceber melhor o curso, dentro da concepção das teorias, como por
exemplo, o convívio das crianças, como elas recebem o conteúdo da escrita, da alfabetização.
Depois que passei a ter esse contato vivo com a escola, a visão é totalmente diferente”. Elas
falaram sobre a percepção que tiveram ao ver a escola como futuras-pedagogas, com olhar
diferente do olhar de alunas. Uma discente não teve uma boa experiência inicial e assim se
expressou: Ah, não foi boa, porque quando a gente chegou lá, na sala de aula, na quarta série, as crianças
quietinhas, a professora muito boa, mas depois os alunos saíram da sala e a professora chamou para a
gente participar da reunião de professores. Aí a gente ficou sabendo de cada coisa HORRÍVEL! Depois a
professora ficou falando dos alunos que eles nem sabiam ler direito, e também gravidez na terceira série.
A gente ficou HORRORIZADA! A professora falou de um menino da quarta série que faz HORRORES na
escola! [...] Reunião de pais é um HORROR! Só faltam bater nos professores, eles botam a culpa toda
nos professores.
O que causa estranhamento, o que vê de “ruim” na escola, um “circo de horrores” para essa
futura-pedagoga, também, é importante para a aprendizagem, para conhecer a realidade que
nem sempre é como se idealiza. Perguntei o que ela viu de “bom” na escola, porque algumas
231
vezes, o negativo é tão chocante que provoca o apagamento de ações significativas. A aluna
pensou, pensou e disse: “De bom?! De bom tinha lá aquele projeto de violência. Como
chama? PROERD. O policial falou dos sinais de trânsito, de violência, da droga, achei
interessante”. Certamente, havia muitos outros aspectos positivos que ficaram invisibilizados
para ela, mediante as experiências que teve. As alunas relataram uma série de situações
“difíceis” que como futuras-pedagogas têm encontrado nas instituições educativas. Em
relação ao sentido do olhar com que se vê a escola, lanço mão de Nunes (2002, p. 304) ao
afirmar que a objetividade (excesso, talvez) na observação, resulta no registro “[...] de um
conhecimento desincorporado, deslocalizado e desterritorializado, independente das
circunstâncias particulares da observação [...]”. Penso que, bom seria olhar a escola com os
“olhos mágicos do Sul” (NEVES, 2003, p. 114), olhar utópico que resulte em iniciativas
contra-hegemônicas visando à emergência de realidades solidárias. Um olhar esperançoso
diferente do “Olhar distanciado e desincorporado, o olhar “objectivo” e desapaixonado do
cientista [...]” (NUNES, 2002, p. 305) cuja concepção de ciência, ainda, esteja atrelada a
características da modernidade.
Os saberes produzidos na formação ajudam a enxergar a escola, a associar seus problemas
com as disciplinas estudadas, com as relações interpessoais, problemas culturais, econômicos,
sociais, familiares que fazem pensar, também, nos investimentos para a Educação, na
qualidade da administração. Ajudam a refletir ainda, sobre a formação que precisam ter para
atuar no contexto escolar e não-escolar que se lhes apresenta, num mundo de violência,
rancor, de falta de solidariedade, de falta de humanidade que estamos vivendo e é propagado,
diariamente, pelas diferentes formas de mídia. A aluna parte de uma situação próxima, que
ocorre na escola, que se amplia, gradativamente, porque nada é fragmentado, tudo está
inserido num contexto maior. Então, que conteúdos devem ser trabalhados nas disciplinas
para ajudar futuros-pedagogos, docentes e não-docentes, a compreender a escola que aí está, a
conviver com as crianças, as famílias, os colegas de trabalho e contribuir não só para a
aprendizagem de fundamentos básicos da Educação como leitura, escrita e conhecimentos
básicos da Matemática, mas aprender como (con)viver, solidariamente, na sociedade, como
tornar o mundo melhor, como disseminar o amor e não o desamor!!
Quando discentes estudam os conteúdos das diversas disciplinas a partir de questões trazidas
da escola, percebem como a teoria contribui para enxergar essas situações e buscar
alternativas para entender e tomar decisões. Vão encontrar um livro de receitas? Não! Alguém
232
pode instituir um modo de agir que é o certo? Não! Mas, discutir essas questões é importante,
porque muitas jovens se decepcionam quando chegam à escola porque “sonham” encontrar
uma escola ideal e não é essa a realidade. Elas se deparam com situações desafiadoras
conforme as que esse grupo presenciou. Poderia dizer: _ Poxa, mas tem que assustar para
desistir pelo meio do caminho? _ Não! Não é isso! Uma aluna falou que a entrada no curso
superior provoca uma transformação tão grande, “que quando chega o mês de setembro (para
quem entra no segundo semestre) a gente tem vontade de desistir”, ela conclui. Numa
pesquisa (CEVIDANES, 1996), professoras disseram o quanto é distante a realidade da
formação da realidade da escola. Nesse sentido, o currículo novo (PPC, 2006) tem a intenção,
o compromisso de promover essa aproximação. Outra discente conta sua experiência numa
escola: No período passado, numa escola perto da minha casa, tinha um projeto relacionado ao trabalho que eu
fazia aqui (no CE). Por conta própria fui lá na escola e fiquei aguardando a moça para conversar sobre
o trabalho com as crianças. Fiquei aguardando perto da sala. A escola é uma bagunça! Fiquei
observando aquilo ali, um monte de aluno xingando na Educação Física, a professora não falava nada e
eu fiquei lá só observando. Uma sala tinha uma aluna com deficiência, [...] toda hora ela saía da sala de
aula, entrava e saía. E eu comecei a observar aquilo. Tinha alguns meninos que eram da sala dela, só
que eles estavam LÁ FORA fazendo bagunça. Aí eles falaram com ela:
_ Vai lá na sala buscar minha bolsa! Aí ela entrou na sala de aula, pegou a bolsa do menino e saiu. O
outro menino falou:
_ Vai buscar a minha, também? Ela entrou, pegou a bolsa e saiu de novo. O terceiro pediu, também, e ela
não quis! _ Se você não buscar, eu te dou um tiro na cara! Falou com ela.
Eu só observando. Ela entrou de novo, pegou a bolsa dele. Três vezes ela entrou e pegou as bolsas e
entregou aos meninos. Então eu comecei a pensar:
_ Gente, o aluno falar isso com ela?! E essa professora, que deixa a aluna entrar e sair várias vezes?! Aí
eu pensei:
_ Será que a professora anota o nome... Não faz nada? E os outros que estão fora da sala? Ah, a
professora não liga de sair mesmo! Fiquei pensando: _ Será que vou me portar como essa professora?
Não conheço a professora nem a vi, mas a menina saiu VÁRIAS VEZES da sala e voltou. Pensei: _ Puxa,
essa educadora não está sendo positiva ali na educação dela!”
Essa futura-pedagoga sentiu-se num dilema quanto ao comportamento docente-discente,
inclusive quanto ao medo de repetir esse tipo de atitude. Ela acredita que a professora via a
aluna entrar e sair da sala, mas se omitiu, seja quais forem as suas razões! E fala: “_ Poxa, o
mundo está cada dia mais violento! A corrupção, a desestrutura familiar... E eu vou ser
professora! Vou lidar com essas crianças!”. Então, o professor-formador precisa discutir essa
realidade onde futuras-pedagogas vão atuar! Elas podem trabalhar numa instituição onde tudo
233
está bem, ou não! O que foi relatado pelas alunas está acontecendo em muitas escolas, daí a
importância de se discutir essas questões! Não tem saber teórico de um lado e prático de
outro, não! Eles são imbricados! Porque a teoria tem o papel de desmistificar, de ajudar a
entender essa realidade e procurar possíveis modos de resolver seus problemas; ela emerge
todo tempo nas práticas. É improcedente numa escola como essa, chegar ao fim do ano e a
professora dizer: _ Dei o programa todo! Dar o programa todo é o mais importante para a
vivência, a sobrevivência, as relações, a vida dessas crianças?!
Observa-se, na narrativa discente, a impotência da professora da Escola Básica para encontrar
modos de agir, por medo, solidão, por não saber o que fazer. Segundo depoimento de
professoras, de alunas-estagiárias, a dificuldade maior não é ensinar o conteúdo, mas
coordenar as relações que se estabelecem, cotidianamente, na escola, lidar com situações
estressantes e difíceis, aparentemente, insolúveis. É preciso discutir essa realidade na
formação, buscar possíveis, considerar para quem se endereça a aprendizagem do ser-
professora, com que crianças essa docente vai lidar e em que tempo-espaço. A formação não
pode ignorar a realidade que muda a cada dia, por isso deve interagir com outras instituições
da sociedade, porque não se pode atribuir como responsabilidade única da escola encontrar
soluções para situações de insegurança e de violência instaladas na sociedade e que se
manifestam no espaço escolar.
A vivência cotidiana dos acontecimentos escolares contribui para a formação, para a
compreensão desses acontecimentos a partir da teoria estudada. Ajuda a pensar uma formação
voltada para a realidade, para as necessidades docentes-discentes: que formação, para que
professores, para que alunos? Considero a gestão da sala de aula um dos maiores desafios
para professores: implica ensino e aprendizagem num processo atravessado por múltiplos
dispositivos disparados todo o tempo, sem previsão, que não são facilmente “controlados”,
nem resolvidos. Todas as disciplinas do currículo devem tratar dessas questões, mas seria
necessária uma, especificamente, que trate da “gestão da sala de aula” para abordagem dessas
múltiplas dimensões?!
Às vezes, a professora tem faculdade, especialização, é qualificada, mas o que acontece com
ela, ao se colocar numa posição perante a turma, que parece de comodidade (lógica
produtivista)?! Não quer se desgastar com alunos que não assistem aula; que saem e ficam
fora da sala de aula?! Se uma aluna tem necessidades especiais e a professora não tem
234
recursos e condições para atendê-la, o caminho é deixar sair da sala e fazer de conta que ela
está sendo atendida na escola, que está sendo incluída (lógica da classificação social)?! Então,
que táticas inventivas, que modos de agir podem ajudar a professora a atuar de modo
emancipatório? E isso ela vai adivinhar do nada?! Ela vai ter que passar dez anos ou mais de
magistério, usando discentes como cobaias, para adquirir a experiência e encontrar caminhos
possíveis?! Ou será que a formação pode-deve refletir essas questões, buscar parcerias com
órgãos e organizações da sociedade, enxergar essas situações da escola e discutir a teoria por
meio delas e vice-versa, utilizando os procedimentos da ecologia de saberes e de práticas?! É
imprescindível compreender que ensinar-aprender vai muito além de conhecimentos
puramente escolares, porque escola é vida, inserida num contexto social vivo. Escola lida com
gente que traz para seu interior todas as suas vivências positivas ou negativas, seus sonhos,
(des)ilusões, medos, entusiasmos, sofrimentos, utopias.
As primeiras experiências em escolas, das estudantes, participantes deste estudo, foram
marcantes. Elas contaram: Eu posso estar errada, mas lá (na escola) eu percebi que eles falaram que o que pega lá é o horário da
tarde, de 5ª a 8ª série. E lá tem esse negócio de droga, aluno de fora que vem para querer passar para os
de dentro! Aí eu acho que os professores TÊM MEDO! Se o aluno falou que ia dar um tiro e a professora
não falou nada! A gente tem que se pôr no lugar dela, porque já teve caso de professor que TEVE que
pedir a APOSENTADORIA dele! Por quê? Uma criança de OITO ANOS estava levando droga para a
escola, ele (professor) chamou atenção da criança, chamou os pais e a criança ameaçou, ele mesmo! DE
OITO ANOS! _ Você está pensando que eu mexo com gente pequena? Eu mexo com gente grande! Eu sei
que você tem uma casa lotérica para alugar, tem isso, sua filha faz isso. A CRIANÇA! Essa criança não
sabia disso sozinha! Alguém instruiu essa criança para saber TUDO ISSO! Porque se a gente ensina a
elas dois mais dois, passa no outro dia, elas já ESQUECERAM!
Para quais crianças essas pedagogas vão endereçar o seu trabalho? Para quais futuras-
pedagogas é endereçado o currículo novo que está sendo implementado? São perguntas que
merecem uma reflexão permanente, porque mudam as crianças, mudam as pedagogas, os
espaços-tempos, o mundo e a discussão não acaba, é um movimento contínuo, permanente.
Estágio curricular – escola fundamental.
235
A ida à escola propiciou, às alunas, muitas vivências, olhares interrogativos e exclamativos
sobre o que ocorre no chão da instituição, porém, trazem depoimentos de fatos negativos,
porque são os que mais chamam a atenção, são os que mais desafiam. A discente prossegue: A última notícia que eles estavam discutindo é que estavam querendo “enfiar” mais aluno na escola! Só
que não tem espaço para mais aluno! Tem sala que é improvisada, não tem sala de vídeo, essas coisas
assim... E eles estão lutando querendo chamar a Rede Tribuna, A Gazeta, para falar sobre esse assunto,
porque não tem condições de “enfiar” mais aluno. Eles querem biblioteca porque não tem, eles falam
para fazer biblioteca de brinquedo (brinquedoteca) eles preferem encher a escola de aluno. A única coisa
que tem é informática, mas não tem equipamento para Educação Física. São vinte e um computadores,
quarenta crianças, duas para cada computador, não tem como vigiar! (postura panóptica?) Acho que tem
ajudante, porque o professor nem sabe mexer no computador!
Dessa narrativa depreende-se que é preciso ter uma pessoa habilitada para orientar o trabalho
na sala de informática numa parceria com a professora da turma, pois o computador deveria
ser mais um artefato para ajudar na aprendizagem e não só, propiciar um momento de lazer
para discentes e, até, de um possível descanso para a professora, esgotada pelos desafios
cotidianos. Essa série de depoimentos das alunas em relação à sua inserção e sobre o que
viram-vêem no contexto escolar, me fazem lembrar Pais (2003, p. 52), ao dizer: “Quando
Monet começa a produzir as suas telas de série sobre o mesmo tema, o que é que na verdade
procura? Momentos diversos da mesma paisagem, razão de ser da alteridade do mesmo que é
sempre outro quando visto a outra luz”. Com a aluna é a mesma coisa: ver-viver,
repetidamente, as cenas escolares, que a cada dia se renovam!
Por isso é importante propiciar a ida à escola, desde o segundo período, para o futuro-
pedagogo ver-participar, repetidas vezes, desse mesmo cotidiano escolar, na busca de
impressões fugidias, de captar nos seus interstícios, instantaneidades que ajudem a
compreender os seus mistérios, a escola, a sala de aula, a criança, a docência. Seria assumir
uma atitude de viajante, de pesquisador flâneur. Pais (2003, p. 52) ressalta, ainda, que
“Quando Baudelaire pedia aos pintores modernos que desenvolvessem um olhar rebelde e
indisciplinado [...] propunha um olhar espontâneo, liberto, [...]”. Essa proposta me faz lembrar
Santos, ao sugerir a emergência de subjetividades rebeldes e inconformadas, que façam a
transição paradigmática, que produzam um novo senso comum.
Seria assim, mudar de uma prática conformista para uma prática criativa, que implique
ruptura, uma ação-com-clinamen. Seria uma sociologia das ausências tão importante quanto
236
uma sociologia da presença, pois nesta sociologia dual revela-se a vontade emancipatória.
Então, é disso que estamos falando: de como essas relações podem ajudar a produzir saberes-
fazeres-poderes, concepções de escola, do papel de professores e outros conceitos. A
professora não vai chegar à escola e dizer: _ Ganho pouco, não estou nem aí com esses
problemas! Ou vai enfrentar e correr o risco de ser ameaçada?! O que fazer? Será que existem
outros possíveis caminhos para a escola?! Se não houver, ninguém vai querer ser professor, a
escola terá que fechar suas portas?! Existem modos de reivindicar, de articular, buscar,
conseguir que o governo e a sociedade olhem para a escola, que ela seja visibilizada?! Os
meios de comunicação têm chamado a atenção para acontecimentos de violência que
ameaçam a escola e a sociedade através de diversos materiais que são divulgados: o
documentário “Pro dia nascer feliz”, filmes como “Entre os muros da escola” e “A onda”, a
imprensa escrita e falada, vídeos disseminados na internet. Não é fácil, mas é possível, como
numa comunidade compartilhada, trabalhar coletivamente, para a produção de subjetividades
combativas, que promovam a cidadania, para uma escola e sociedade mais humana e feliz.
Enfim, para que se produza “um conhecimento prudente para uma vida decente”, conforme
Santos (1997, 2002, 2006) propõe.
Na disciplina Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica III (PEPP3), pude perceber e anotar
alguns modos de produção de saberes-fazeres-poderes discentes durante a apresentação, pelos
alunos, de trabalhos de pesquisa que realizaram em escolas. Esse tipo de atividade envolve
muitas aprendizagens como: trabalho em grupo, inserção na instituição escolar, observação,
participação, pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo, estabelecimento de relações
interpessoais, acadêmicas e profissionais, produção escrita acadêmica, elaboração de texto
científico com citações, referências, exercício de fala/apresentação em público, aquisição de
conhecimentos sobre a criança com necessidades especiais, conhecimento do contexto
escolar, funcionamento, tratamento/inserção da criança com deficiência visual, concepções de
infância, saber ouvir, fazer inferências, capacidade de argumentação, organização do
pensamento oral e escrito, acesso a outros tipos de linguagem como Braille e Libras,
preparação de recursos e utilização de artefatos tecnológicos.
Uma formação, em qualquer profissão, implica a aprendizagem de uma multiplicidade de
saberes-fazeres-poderes gerais e específicos. As alunas demonstram a compreensão de que a
formação é inconclusa, permanente, contínua; está sempre em processo. Uma disse: “Preciso
aprender sempre mais, não encontro tudo pronto, tenho que fazer, construir e descontruir,
237
também; achei que quando terminasse o curso ia sair daqui formada!”. Esse entendimento
faz com que elas percebam a necessidade de continuidade da formação, mesmo para quem já
está há muito tempo atuando na profissão, como mostra o diálogo entre duas alunas: “Minha
amiga perguntou: _ O que você acha sobre esses professores que estão na escola meio que
emburrecendo? Respondi: _ Já sei, precisam de formação continuada, pesquisa, contato
teórico, troca de experiências”.
Professores-formadores criam estratégias, táticas inventivas, utilizam diferentes artefatos e
assim produzem seus modos de ser-saber-fazer-poder para ensinar-aprender-a-ensinar no
contexto atual. Nesse sentido, Ternes, (1998, p. 166) afirma que “A educação, hoje,
certamente se coloca exigências maiores do que a instrução. [...]. Saber-invenção, antes de
saber-espetáculo. [...]. Nossa modernidade nasce quando o princípio da visibilidade perde
força, quando o visível e o invisível se reaproximam”. De acordo com Ternes, assim como
Santos (2002) e Rousseau, P18 propõe “[...] recomeçar a descobrir o simples. Eu acho que a
gente tornou tudo tão COMPLICADO, QUE OS PROBLEMAS mais concretos do dia-a-dia
da sala de aula continuam SEM RESPOSTAS!”. O retorno à simplicidade implica retomar as
coisas simples do cotidiano da escola e da vida, para melhor entender a sua complexidade;
implica esmiuçar e valorizar os saberes-fazeres-poderes transmitidos, produzidos e
consumidos na escola e discuti-los à exaustão, sem preconceitos, sem barreiras, sem
escrúpulos, sem medos, na perspectiva da criticidade, da criatividade, da estética, da ética, da
afetividade. P18 exemplifica esse retorno à simplicidade: “Eu estou FORMANDO pessoas
que vão trabalhar com CRIANÇAS! Discutir, refletir sobre as práticas que são usuais na sala
de aula de crianças, não é primário nessa formação!” Assim, para praticar, para realizar uma
disciplina com os futuros-pedagogos é necessário, muitas vezes, lançar mão de estratégias e
táticas inventivas, criativas, que fogem aos padrões corriqueiros, para incentivar, para
produzir saberes, para relacionar os conhecimentos de uma disciplina com os conhecimentos
das demais disciplinas de um mesmo semestre e de outros, para se aproximar da escola.
Porém, na prática, sabe-se que não bastam os saberes específicos das disciplinas, mas são
necessários outros tipos de saberes que, aliados uns aos outros, constituem os saberes da
formação docente. Este capítulo traduziu os modos de pensar, agir, ser, saber, fazer, poder de
docentes-formadoras, de alunas-futuras-pedagogas, com base em dados produzidos nas nossas
conversações. Recorro à professora P8 que explicita a invenção de possíveis para a realização
curricular:
238
Os professores têm que estar muito atentos. As táticas como possibilidades de manipulação utilizadas,
conscientemente, para o alcance de resultados e as estratégias como possibilidades de fuga não
pensadas, inicialmente, meio que tornadas invisíveis, possibilitam escapes, forjar subterfúgios. Nós,
professores, podemos estabelecer estratégias para fugir de currículos tão petrificados. O currículo é
forjado, trabalhado no dia-a-dia, não o documento que pode ser pensado com a nossa participação, o
que temos é a ementa que é institucional [...], os programas que podemos realizar com a aprovação dos
departamentos. Mas nesse sentido, o programa não pode me congelar, existe uma maneira, um
movimento impresso no dia-a-dia neste currículo vivido em sala de aula. O professor tem que estar atento
a este movimento até para que possa corresponder à aprendizagem que ele mesmo efetiva e que alunos
efetuam na relação de troca com o conhecimento e com a vivência.
Acredito que a enunciação de Linhares (1997, p. 139-140) possibilita pensar caminhos para
resolver ou amenizar a tensão existente na instituição educativa, ou seja, explorar vazios,
contradições, silêncios. A visibilização do oculto, do ignorado, do periférico, do
transfronteiriço poderia ajudar a equilibrar essa tensão, impedindo a regulação de canibalizar
a emancipação como o fez e faz a modernidade. Nesse sentido, Linhares (2002, p. 119), em
estudo com experiências instituintes realizadas na Educação, considera que experiências que
se fazem nas escolas [...] não são fruto de idéias miraculosas, espetaculares e inaugurais, [...]. Não podem ser decretadas de fora, [...]. Sua validade e legitimação vem de movimentos históricos que carregam sonhos, desejos e projetos de saberes e conhecimentos, de fazeres e poderes que foram marginalizados e até interditados em outros períodos, clamando por serem reapropriados para a pavimentação de uma outra cultura, sustentada de forma mais plural e emancipatória.
É preciso paixão! CP: [...] Você disse que dava aula com paixão. [...] GD: [...] É verdade que foi a minha vida, que foi uma parte muito importante da minha vida. Eu gostava muito de dar aula, [...] Uma aula é algo que é muito preparado. [...] Se você quer cinco minutos, dez minutos de inspiração, tem de fazer uma longa preparação. [...] Sempre fiz isso, eu gostava. Eu me preparava muito para ter esses momentos de inspiração (DELEUZE; PARNET, 1988).
Despertar o gosto pela disciplina faz parte da tarefa de professores-formadores. Como o aluno
irá ensinar uma disciplina que ele não tenha aprendido a gostar, a compreender, a ensinar?!
Professoras e alunas, neste estudo, fazem referência a essa questão que está ligada à axiologia
do cuidado: “_ Elas chegam com horror de Química e Física” (P18); “_ Eu tenho HORROR
à Matemática!” (A). Há alunos que aportam à Universidade trazendo experiências
desagradáveis e rejeição por algumas disciplinas, que, também, fazem parte da matriz
239
curricular da Escola Básica onde irão atuar. O professor-formador precisa usar estratégias e
táticas inventivas para desfazer atitudes negativas em relação a essas disciplinas, pois os
futuros-pedagogos irão ensiná-las e como vão ajudar os alunos a gostarem de uma disciplina,
que eles mesmos não gostam?! Deleuze bem ilustra essa situação: CP: Você não ensaiava diante do espelho, não é? GD: Não, cada atividade tem seus modos de inspiração. [...] É preciso achar a matéria da qual tratamos, a matéria que abraçamos fascinante. Às vezes, temos de nos açoitar. Não que seja desinteressante, a questão não é essa. É necessário chegar ao ponto de falar de algo com entusiasmo. O ensaio é isso. [...] Uma aula é algo que se estende de uma semana a outra. É um espaço e uma temporalidade muito especiais. Há uma seqüência. Não podemos recuperar o que não conseguimos fazer. Mas há um desenvolvimento interior numa aula. E as pessoas mudam entre uma semana e outra. O público de uma aula é algo fascinante (DELEUZE; PARNET, 1988).
É necessário, pois, encontrar modos de provocar nos alunos a curiosidade, a vontade de saber,
de perguntar, de investigar, de gostar: A gente acaba tendo que explorar um pouquinho o aspecto lúdico disso. Quando a gente vai construir o
globo e manuseia bola de isopor, guache colorida, é meio que voltar na infância, voltar no tempo, elas
mencionam muito isso: _ Puxa vida, eu poderia ter aprendido na quarta série assim! Se alguém tivesse
me ensinado assim eu teria aprendido! Então o objetivo é um pouco esse mesmo, voltar, lá atrás, onde
esse ensino ficou com uma marca ruim na lembrança e tentar ver outra forma de trabalhar. Não precisa
ser daquele jeito que marcou negativamente (P18)
Conforme depoimento da professora P17, os alunos não chegam ao CE com um
conhecimento matemático adequado para futuros-professores e, muitos, trazem um “horror” à
Matemática. Então, a professora-formadora procura despertar, neles, o gosto pela
aprendizagem e, consequentemente, pelo ensino da Matemática. A primeira coisa é o gosto pela Matemática, é desbloquear, porque, normalmente, se você aprende, gosta
e se sente capaz, você está pronta para continuar a aprender. Eu não tenho nenhuma ilusão de que eu
consigo formar esses professores! Eu diplomo em Matemática, porque eu assino embaixo na Matemática
I e na Matemática II, então estão formados, mas não estão não! Eu não estou satisfeita com o
desempenho desses alunos ao final do curso. Aliás, eu fiz isso na minha tese de doutorado. Eu dei uma
prova para alunos que já tinham terminado as duas Matemáticas, tanto do presencial, quanto do curso a
distância. E o rendimento, o desempenho desses alunos em Matemática foi MUITO BAIXO. _ Ah, mas
todos dois formam (por) baixo. Mas ter a maioria entre 45 e 75% é muito pouco! E ter 9% com
rendimento abaixo de 45 pontos numa prova de zero a cem, eu acho que é baixo (P17).
Quer dizer, se o professor não sabe o conteúdo, como vai ensinar?! Logo, se alunos chegam
ao curso superior para se formar pedagogos e não sabem os conteúdos das disciplinas da
Escola Básica, que vão trabalhar com as crianças, o que fazer? A instituição formadora vai
240
ignorar essa carência na formação ou criar táticas inventivas, que possibilitem aos graduandos
aprender esses conteúdos por meio de oficinas, mini-cursos, com auxílio de monitorias,
núcleos, parcerias com o curso de Matemática, por exemplo?! Os saberes específicos das
disciplinas são indispensáveis na constituição de saberes docentes e todas as professoras
participantes desta pesquisa concordam com esse pressuposto. Em relação à carga horária e ao
domínio dos conteúdos de Matemática, P17 assim se expressa: “[...] Eu já vi cursos de
Pedagogia cujos currículos tinham SEIS Matemáticas! Cada Matemática com 80h! Uma
carga horária significativa, um quarto do curso, se considerar que o curso tem 3410h”.
No entanto, ela admite que a carga horária de Matemática é pequena no curso de Pedagogia e
conclui: “Por isso que a docente das séries iniciais pede para dar aula só até a terceira
série”. Nas séries iniciais, segundo observações de alunas e docentes, tem professora que
trabalha mais Português e Estudos Sociais e ensina pouco de Matemática e de Ciências e a
falta de conhecimento desses conteúdos pode ser uma das razões para essas escolhas e essas
atitudes. A professora P5 procura suscitar o desejo nas alunas: “Eu levo o material logo de
cara, [...]. E elas começam a se surpreender e aí é que acho que há um pouco da quebra
desse olhar estético, naturalista, renascentista da arte só como representação e cópia da
beleza da natureza. [...] então começa a quebra ali. [...]”.
P17 considera prudente ter clareza nos objetivos, tanto para o professor como para alunas:
“Qual é o meu objetivo como professora de professora e com a criança?”, questiona e
ressalta a importância de objetivos dirigidos à graduanda e à criança para orientar o trabalho
formativo docente: Nós trabalhamos conteúdo e metodologia! Eu não dou conteúdo de Matemática: _ Vem cá, você vai
aprender a fazer essa conta, a compreender o que é o número. Eu TRABALHO com elas, como se eu
estivesse trabalhando com as crianças. E aí toda hora eu paro a aula e falo:
_ Por trás dos bastidores, qual é o meu objetivo como professora de professora? Eu falo o objetivo de
aula, de atividade.
_ Agora, qual é o meu objetivo com a criança? Você não vai falar para ela tudo isso que eu estou te
falando! Ela não precisa saber porque confunde a cabeça dela! Mas você vai falar o QUE, o tipo de
orientação para o trabalho, com que objetivo. Acho que o material concreto é fundamental!.
Em relação à diferença que se tem entre objetivos e conhecimentos na formação, a professora
P8 concorda com P17: “É como se tivéssemos [...] dois tipos de conhecimento: o domínio da
academia, e outro, que se refere à área de ensino”. Essa produção de conhecimentos envolve
241
uma dimensão ética que, conforme Santos (2006, p. 118), implica trabalhar com a axiologia
do cuidado. Na sociologia das ausências essa ética é exercida em relação às alternativas
disponíveis e na sociologia das emergências é exercida em relação às alternativas possíveis.
Nesse sentido, importa cuidar porque se busca a passagem do colonialismo para a
solidariedade como possibilidade para a emergência do conhecimento-emancipação, que
contribua para a formação de um pedagogo inconformado e combativo.
A professora P2, também, explicita a forma de tratamento com o graduando, a adequação do
conhecimento para cada aluno: Enquanto professora, tenho esse tipo de resultado, enquanto professora, estou desenvolvendo o
conhecimento científico; com o meu aluno, estou partindo do conhecimento do cotidiano, do
conhecimento do aluno sobre plantas.
_ Que conceitos científicos eu quero trabalhar com esses alunos?
_ Quais são as possibilidades de conhecimento científico aos nove anos e daqueles que têm nove anos e
não chegaram lá? _ O que é base? Aonde esses meninos estão?
Não adianta falar em músculos com esses meninos, que eles não têm ainda a noção; então, o que está
atrás, para dizer que o corpo se sustenta e a caveira não cai?
_ Que conhecimento de base é esse que essa meninada precisa?
Está tudo bem: nós queremos falar de poluição, mas se eles não derem conta de que existe uma coisa
chamada ar que a gente respira, não adianta falar em poluição, ainda.
A preparação, tanto docente como discente, para realização de atividades é outro aspecto que
não pode ser ignorado. Uma estratégia que P5 utiliza nas suas aulas é levar artefatos que
contribuam para o processo de aprendizagem, que ajudem na preparação da discente para a
feitura das atividades. Ela ressalta o papel da escola na inserção do estudante no mundo da
cultura: A gente em Artes diz que cada professor faz a curadoria das obras que leva para sala de aula e que essa
curadoria é de extrema importância porque é por meio dela que você está levando a arte não só. Todas
as pesquisas, Eneida, têm mostrado na relação do museu com a escola, da escola com outros espaços,
não é pelas mãos dos pais que as crianças têm a relação com a arte, é pelas mãos DA ESCOLA! É a
ESCOLA que leva essas crianças aos espaços expositivos. Quando ela retorna no final de semana a gente
vê esse movimento no Museu Ferroviário: ela leva os pais. Ela leva os pais! Isso é uma coisa nova em
Vitória, em Vitória não porque o museu fica em Vila Velha, mas no Espírito Santo. Vamos ver alguma
mudança em relação a isso futuramente eu acho, sou otimista.
É importante considerar, também, a quem se destina o ensino, qual o perfil do aluno e planejar
aulas que vão ao encontro dos seus anseios. A professora P17 destaca uma mudança que tem
242
percebido nas alunas: “Eu dou aula desde 1995; quando elas chegavam ao estágio, nos
últimos semestres, já estavam muito distantes de mim, agora não! Isso é diferente! Eu estou
percebendo muito na minha aula; elas estão lá na sala de aula e vêm me perguntar”. Hoje,
chegam ao Curso Superior com experiência de estudantes de Ensino Médio, e não como
professoras do Ensino Fundamental, que buscam complementar a formação como ocorria
antes. Na disciplina Artes, segundo P5, procura-se abranger o leque das dimensões propostas: Fica mais diferente é para Educação Infantil, porque Educação Fundamental e Educação de Jovens e
Adultos já faziam parte da minha prática há muitos anos; com a Educação Infantil vou buscar ajuda com
Fulano, com as alunas mesmo. Agora, uma coisa que eu percebo, mudou muito o aluno da Pedagogia.
Você pergunta assim: _ Quantos aqui estão em sala de aula? Três, numa turma de 38! É diferente,
inclusive porque o curso de Arte mudou, mas conserva esse perfil: normalmente, tem quase metade da
turma de professores.
O currículo novo aponta para o pedagogo-generalista que atua em diferentes funções
educacionais e é um currículo polivalente que parece pretender formar um “super-pedagogo”.
Professores-formadores precisam estar atentos e procurar responder ao preparar suas aulas:
Para quem? O que? Por que? Para que? Como? Seria, assim, adotar procedimentos
semelhantes à ecologia de saberes e práticas, voltados para a compreensão das incompletudes
entre as culturas do Ensino Médio, de onde vêm esses alunos, e do Ensino Superior onde
estão, agora.
Aprendizagens formativas para a docência Que aprendizagens poderão apoiar estes profissionais quando a vida de hoje e de amanhã se faz, cada vez mais, surpreendente? (SCHON, 1992, apud LINHARES, 1999, p. 12).
Enfim, o que é ensinar-para-aprender-a-ensinar (professor-formador)? O que é aprender-para-
ensinar (estudante)? Na formação docente, o professor-formador tem o papel não só de
trabalhar conteúdos relacionados aos fundamentos profissionais, mas de promover situações
de aprendizagem, para estudantes que buscam saberes do “como fazer” a docência, a gestão e
a pesquisa. O trabalho formativo envolve integração, parceria e colaboração entre a instituição
formadora e a instituição onde futuros pedagogos irão atuar. Assim, Linhares (1999, p. 12-3)
questiona: “Como educar os profissionais da educação para que possam ultrapassar posições
de transmissores, encorajando ações criadoras?”. Nesse momento de tantas incertezas quanto
à formação, vemos que a “[...] imbricação entre teoria e prática, entre ensinar e aprender – tão
243
antiga quanto a humanidade, embora tenha sido mantida às margens da pedagogia – ganha no
momento atual uma intensidade crescente”. Assim, na perspectiva emancipatória de
formação, a brasilização poderia ser uma estratégia de trabalho importante. Segundo Nunes
(2002, p. 326), [...] vale a pena explorar a possibilidade de recuperar o potencial analítico e crítico da “brasilização”, no momento em que esta deixou de ser um fenômeno periférico e passou a caracterizar uma condição que, ao tornar-se, geral, desloca para o centro da renovação epistemológica e da política do conhecimento as experiências das sociedades do Sul (que) [...] podem, assim, contribuir para a emergência de novas configurações de conhecimento de sentido emancipatório, apontando não para um horizonte de ordem, mas para um horizonte de solidariedade.
Nesse sentido, pelo procedimento de brasilização, docentes-discentes procurariam renovar os
modos de ensinar-aprender, fugindo às práticas engessadas e instituídas. Por exemplo, no caso
do Ensino Médio, segundo depoimentos das próprias discentes, o aluno recebe “tudo pronto”,
como verdade única, acabada, portanto, aprendem de acordo com “[...] a lógica do Ensino
Médio; outras se apropriam ouvindo aqui e ali; outras têm isso como verdade absoluta. [...]
Mas acredito que é pela lógica do ensino que tiveram no Ensino Médio; e agora têm que
mudar a forma de aprender, de estudar” (P10). No curso superior essa situação deve mudar,
ele passa a conhecer diferentes posições teóricas, de diversos autores, acerca de um mesmo
assunto e terá que assumir posicionamentos, também. P10 continua: Dificilmente vai ter um professor que vai falar, isso é melhor, pois na Psicologia temos diferentes linhas
teóricas. A Pedagogia também deve ter; tem pessoa que gosta de Vigotsky, de Paulo Freire, de Piaget. As
alunas falam para mim: _ Professora, um completa o outro! Aí eu falo: _ Por um lado sim, mas por outro
a concepção que eles têm de homem é diferente! Então não é a mesma coisa. Aí elas ficam tentando ver
qual deles acham mais interessante.
A professora P8 expressa satisfação e otimismo em relação à aprendizagem de seus alunos: Consigo ver com muito orgulho e emoção, com uma expectativa muito boa em relação ao futuro das
escolas. Eu acho que a gente tem conseguido tocar, algumas vezes, a emoção e a racionalidade do fazer
pedagógico. Eu não sou muito aberta a provas como instrumento de avaliação como se provassem um
dado conhecimento. Eu tenho visto minhas alunas produzirem conhecimento em aulas que reúnem teoria
e prática.
Atividade de estágio e extensão
244
P8 continua explicitando o processo de aprendizagem de saberes-fazeres-poderes de seus
alunos por meio da interlocução entre graduandos da Geografia e da Pedagogia nessa
produção: Trabalho na perspectiva da oficina pedagógica e tenho visto essa produção transformada em trabalhos
que são apresentados em eventos e no cotidiano daqui mesmo. Por exemplo, como sou, também,
professora de Estágio Supervisionado, às vezes, trago os alunos do estágio para falar de Geografia para
as alunas da Pedagogia e elas falam do ensino de Geografia, da compreensão pedagógica que é o lugar
delas, com muita propriedade para os meus alunos de Geografia. Isso daí tem propiciado demonstrações
muito claras de como elas têm produzido esse conhecimento.
Oficina pedagógica
Outro modo de acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos é pelo uso do portfólio.
Para P8: O portfólio também tem se revelado um instrumento fantástico para acompanhar a aprendizagem e a
produção das meninas. Penso que isso fica visível para nós professores do mesmo jeito que ficam,
também, aquelas bordas tristes daquela aluna que visivelmente está no curso de Pedagogia porque não
encontrou ainda outro caminho. Ela se aborrece porque não acredita, não produz; ela aprende, mas
aprende, rigidamente, o que lhe é proposto para cumprimento do dever e não de algo que lhe é proposto
para além daquilo.
Essa professora destaca a importância da tríade que sustenta a produção na Universidade e
deve ser objeto de trabalho dos professores-formadores: Uma proposta que o professor universitário não pode esquecer é o tripé (ensino, pesquisa, extensão) que
tenta, continuamente, cortar uma das pernas que a Universidade deve manter: a pesquisa tem que ser
iniciada como uma proposta de trabalho no curso de Pedagogia, na tentativa de formar o professor-
pesquisador. O professor aprende porque pesquisa. É preciso também trabalhar com os graduandos
numa perspectiva de sistematização da pesquisa, para que essa produção do saber possa ser socializada
posteriormente em seminários, mostras, feiras, publicação de artigos, troca de figurinhas, como diz a
Joanir, nos corredores da escola. Mas é importante que isso aconteça, que seja ressalvado com as
meninas, porque isso não foi feito conosco, de tal forma que o professor se reconheça como professor-
pesquisador, porque essa não é uma prerrogativa de professor universitário. [...] (P8).
Sobre os modos de aprender discentes, como produzem e se apropriam de conhecimentos na
perspectiva de depois ensinarem às crianças, P18 disse: Sabe o que é mais difícil quando se fala de apropriação de conhecimento? É a gente conter o “não sei se
está certo!”, porque elas vêm com uma postura de quem NÃO ACREDITA que está produzindo
245
conhecimento. Elas assimilam esse discurso, mas na hora de SE PERCEBER AUTOR, PRODUTOR, de
conhecimento mesmo, bate uma dúvida, se o conhecimento que eu estou produzindo é válido. Então é
assim: nós vamos fazer essa experiência, você vai registrar o resultado, colocar aqui a sua interpretação
desse resultado, a sua análise, a sua conclusão. Aí eu tenho que lutar: _ Oh, professora, eu tentei, mas eu
não sei se está certo! _ Eu fiz desse jeito, mas deve estar tudo errado! _ Eu não sei se consegui explicar!
É a insegurança de quem acredita que há um modelo (certo) que ela não consegue ter acesso ou esse
acesso é parcial ou ela não compreende essa linguagem e não consegue operar com esse conceito.
P18 ressalta que essa insegurança é generalizada entre estudantes: E isso não é um problema da Pedagogia; é um problema da educação científica. Da gente não estar
conseguindo decodificar uma linguagem que acaba servindo de obstáculo para que as pessoas tenham
acesso democratizado a um saber que é de todo mundo! A gente criou um conhecimento que na verdade
confere poder aos poucos que o detêm, que têm acesso! Então, por que a gente vai repartir poder? A
gente reparte uma porção de coisas, mas poder é difícil!
Segundo essa professora-formadora, as alunas duvidam da própria condição e possibilidade
de produzir e de se apropriar dos conhecimentos, quanto à sua capacidade para pensar,
discutir, sugerir, argumentar, propor conceitos e idéias. Sobre essa produção e apropriação de
conhecimentos pelos alunos, P14 afirma: O que consegui perceber dos alunos foi assim: você faz uma primeira leitura de um texto, se esse texto
não for dialogado, trabalhado, esmiuçado, ele não tem sentido. O aluno não consegue e eles falam:
_ Nossa, como é diferente ler o texto em casa e vir aqui e discutir o texto, com você e com a turma! É
outro olhar que eu tenho já sobre esse texto, porque eu tinha pensado uma coisa, mas já pensei milhões
de outras. [...] Eu fazia muito isso:
_ Gente, já que trabalhamos concepções de linguagem, vamos buscar livros didáticos para analisar como
estão as concepções de linguagem subjacentes nesse livro didático! Quando iam olhar no livro, às vezes
não conseguiam fazer isso. Aí a gente trabalhava:
_ Vamos ver essa fala aqui, será que tem alguma coisa que está implícita na concepção de linguagem?
Essa atitude da professora mostra o que se orienta na teoria para a docente das séries iniciais
fazer, ou seja, atuar na zona de desenvolvimento proximal. P14 concorda: “Exatamente. Se a
gente não fizer isso, o aluno fica na linha de desenvolvimento efetivo, o potencial efetivo. Ele
não faz com a ajuda do outro! E às vezes a ajuda não era só minha! Você possibilita trabalho
em grupo na sala e um mostra para o outro!”. Segundo P17, as alunas aprendem do mesmo
modo que crianças: [...] só que mais rápido, porque elas têm uma experiência de vida, tem algumas questões que fazem parte
da vida delas e elas não tiveram oportunidade de colocar para ninguém porque não eram mais alunas ou
estavam no Ensino Médio e não competia, não ficava bem perguntar certas coisas. Na nossa aula, uma
das características é dizer não tenho medo de não saber, não tenho vergonha, pois perguntar e errar, é
246
sinal de interesse. Então, parece que a gente consegue e tem um certo sucesso nisso, daí e eu fico
bastante feliz de achar que é possível saber Matemática, o que não quer dizer, cem por cento das alunas.
Tenho uma que é estagiária na área administrativa e ela treme, chora; é uma aluna que eu precisava
PEGAR comigo, mesmo eu trabalhando com o sistema de monitoria em sala. Os que se apropriaram
primeiro voltam, porque a gente faz um trabalho de recuperação ao mesmo tempo, e os alunos que se
saíram melhor são os monitores dos outros e, mesmo assim, essa aluna não superou. (reação da aluna;
atendimento individual).
A professora P16 explica como tenta entender o processo de aprendizagem dos alunos: Eu tento entender isso na prática; tento dar atividades para ver como eles estão elaborando o que
estamos discutindo em sala. O professor vai ser o mediador dessa aprendizagem e o aluno reelabora o
conhecimento, o que ele já traz de conhecimento prévio, porque eu tento colocar essas questões em
prática vendo se eu consigo articular estratégias para isso. Estou corrigindo uns trabalhos que já deveria
ter entregue às alunas, não pela nota, mas para poder aproveitar o momento dessa leitura que estou
tendo, porque vejo como as alunas estão conseguindo articular o que está sendo discutido. É a resenha
de um livro que nós discutimos algumas questões em sala; elas conseguiram articular com outros textos,
outras questões, expressando na linguagem escrita. Mas eu deixei de dar um feedback disso, de ter
explorado em sala, porque não tive tempo. São questões que vou pensando em refazer. O que preciso
programar? Preciso dar um tempo para elas fazerem em sala, em conjunto, não sei se estou conseguindo
me expressar. Eu tento colocar a atividade individual ou coletiva que trabalha articulação com os textos;
por exemplo, trabalhei instrumentos de avaliação com duplas de alunas, para haver troca; cada uma
fazia a sua elaboração individual do que considerava relevante até aquele momento na sua prática,
enquanto professora; eu não queria que elas me falassem de teorias, mas como estavam associando isso
ao fazer a atividade. É uma tentativa de trabalhar teoria-prática.
As discentes, também, falam sobre seu processo de aprendizagem. Num dos grupos que
conversei só uma estudante dá aula há quatro anos como professora-estagiária e, apesar de ter
feito poucas disciplinas, ela entende que estas possibilitam enxergar a sala de aula de outro
modo, que já agregou aos seus saberes, outros saberes que ajudam na sua prática docente. Ela
disse: “Uma coisa que percebi foi sobre a área da zona de desenvolvimento proximal, então
isso é uma coisa que eu tenho praticado. Iniciei agora em maio o curso PROFA
(Proformação de alfabetizadores, oferecido pela Rede Municipal). Lá, já trabalha com isso e
aqui a gente estuda. Lá vê a prática e aqui a teoria, então uma coisa completou a outra”.
Essa aluna explicita a importância da relação teoria-prática; por exemplo, quando está em aula
vendo um assunto, associa com uma criança da escola e isso ajuda na compreensão do
conteúdo estudado. Principalmente, para o aluno que não tem experiência, o professor-
247
formador precisa trazer exemplos, provocar a discussão sobre situações cotidianas da sala de
aula, da escola e promover a tão desejada aproximação.
É bom ouvir da própria aluna, já no último ano do curso, dizer o que ela aprendeu: Durante o curso aprendi, principalmente, a respeitar as especificidades dos alunos, lembrando sempre
que são seres únicos, que trazem uma bagagem de conhecimentos e não chegam vazios. Portanto, tenho
que ser flexível na minha profissão, pois nem sempre a dificuldade de um será a de todos. Temos que
respeitar as individualidades. [...] durante o período de estágio me deparei, diversas vezes, com
profissionais que mantém práticas distantes da realidade vivida pelos alunos. Pretendo e vou ser um
profissional diferente! Vou tomar como exemplo as experiências que obtive nas escolas, das “boas”, vou
levá-las comigo e procurar aperfeiçoá-las sempre mais e, das “ruins”, vou procurar evitá-las e não
deixar que façam parte da minha atuação. Achei que o curso me enriqueceu muito, no entanto a carga
horária é muito curta para tanta coisa. Algumas áreas ficaram a desejar.
Parece que na aprendizagem discente predomina o conceito do “Ainda-não” (SANTOS, 2006,
p. 117), da sociologia das emergências, que é um movimento latente no processo de se
manifestar; é o modo como o futuro se insere no presente e o dilata; é a capacidade (potência)
e a possibilidade (potencialidade) de aprender que alunos carregam. É uma possibilidade
incerta, porque pode provocar no aluno a vontade de ser professor, a paixão pela sala de aula,
mas pode, também, frustrar e desfazer sonhos. Essa possibilidade (movimento) de aprender
dos alunos implica carência (falta de conteúdos da Escola Básica, por exemplo), tendência (o
processo, a realização do curso) e a latência (o que está por vir, frustração ou esperança, por
exemplo, quando conhecem a realidade das escolas, as condições de trabalho, de
(in)segurança, etc.).
Enfim, compreende-se que a razão metonímica é inadequada à compreensão da escola, da
Educação, pois promove o silenciamento, a não-existência, porque considera alunos
incapazes, professores desqualificados, a família desinteressada, oculta a imensidade de
experiências de saberes e práticas educativas que ocorrem, como se viu nas narrativas
docentes-discentes. A razão cosmopolita é, pois, a proposta para passar do colonialismo
(recusa do conhecimento do outro) para a solidariedade (emancipação social). O colonialismo
privilegia relações desiguais, por exemplo, entre a Universidade e a Escola, por isso é
necessária a criação de zonas de contato (de encontro) cosmopolitas que ajam a partir das
fronteiras, das minorias para a realização de novas estruturas de saber, fazer e poder. Fica
mais visível o interesse pela geopolítica do conhecimento, ou seja, quem produz, em que
248
contexto e para quem, como, também, se pergunta no currículo: quem? Onde? Como? Por
que? O que? Para que? A utilização da hermenêutica diatópica, procedimento da ecologia de
saberes e de práticas, favoreceria experiências de reciprocidade entre as culturas acadêmicas e
escolares, num processo de auto-reflexividade, em que o eu-ele se torne nós.
Mediante todos esses saberes e modos de ensinar-aprender-a-ensinar, recorro a Linhares
(2000, p. 50), que coerente com suas teorizações, faz uma proposta poética de mudança: “Que
tal se tomássemos o desafio de poetizar, como um tratamento de transformação de nossas
vidas e nossos saberes em obras de artes, estimulando o protagonismo dos estudantes e
professores para compreender e transformar o mundo?” e nos provoca propondo: Seria possível plantar ensinos e aprendizagens num solo de curiosidades que, ao questionar a si mesmo, questionaria a vida e vice-versa? Como promover, nas instituições de ensino, experiências de aprendizagem que não se esgotem sob os limites de moldes, modelos e arranjos, sempre bem menores do que o ímpeto de fluir da própria vida? Não seria esta uma maneira de ir quebrando as grades disciplinares nas sociedades, ciências e instituições de ensino, mas não só dentro delas? Não poderíamos tentar libertar o poético dos contornos dos poemas consagrados e fazê-lo transbordar em nossos linguajares, como substância de que são feitas nossas vidas? Se assim o fizéssemos, não iríamos liberando a materialidade com que poderíamos ativar nossa cidadania?
No capítulo 5 finalizo a escritura deste trabalho, discutindo a Educação que temos-queremos-
fazemos, a visibilização de experiências disponíveis e possíveis, bem como dificuldades,
desafios e possibilidades na realização curricular.
249
Passado, presente, futuro Mudar concepções para fazer o novo: O passado deixar de ser ato consumado; O presente deixar de ser mera repetição; E o futuro deixar de ser apenas progresso, Fulguração, revelação messiânica. Olhar o passado de modo reinventado. Não sobrecarregar o futuro com Expectativas que não se concretizam. Tornar o presente, momento de realizações, De produções que signifiquem cuidado com o presente estendido ao futuro. Compreender o passado como possibilidade de inconformismo e de redenção. Nesse tempo de transição, Vive-se a aceleração da repetição. Fácil, fácil se cai na tentação de ilusões: De projetar o futuro no passado, O passado no futuro e o presente “eterno e uno” neutralizar essas ilusões. É preciso recuperar a capacidade de surpresa e traduzi-la em energias emancipatórias Ativadas em movimentos contra-hegemônicos, pela ecologia dos saberes, com a sabedoria da douta ignorância e da artesania das práticas. E, assim, ampliar o entendimento transglobal. Desfazer a hegemonia do conhecimento-regulação e Revalorizar o conhecimento-emancipação. Portanto, nesse momento de transição: O futuro perdeu a capacidade de redenção, O passado não a adquiriu ainda, O perigo está na repetição homogênea do presente. Só subjetividades desestabilizadoras, combativas, fortalecidas por energias emancipatórias podem constituir-se em possibilidades para a mudança desse quadro de desassossego em que vive a humanidade. Seria a chance do presente sair da condição entricheirada entre o passado e o futuro e se tornar emancipação e solidariedade. Seria, assim, uma Pedagogia da Aposta, uma Pedagogia do Cuidado, que se faz realidade!
ENEIDA
250
CAPÍTULO 5
Douta ignorância: a formação que temos-fazemos-queremos
“Nossa proposta, portanto, é endereçada para compreender a ‘escola que somos’, sobretudo procurando captar os processos históricos que vão produzindo a escola e nos produzindo dentro dela, sem dicotomias e dualismos separatistas” (LINHARES, 1999, apud LINHARES; LEAL, 2002, p. 124).
Este capítulo objetivou compreender a realização curricular cotidiana do curso de Pedagogia e
“a escola que somos”, o “Centro de Educação que somos!”, ressaltado, com ênfase, pela
professora P15: “NÓS SOMOS UM CENTRO DE EDUCAÇÃO DENTRO DA
UNIVERSIDADE!”, quer dizer, temos um papel pedagógico, político, social, ético, estético,
cultural, temos um ser-saber-fazer-poder importante no contexto do processo educativo
universitário. Nesse sentido, Foucault (1995, p. 235) pergunta: “[...] quem somos nós?” e essa
questão, tomada de Kant “[...] aparece como uma análise de quem somos nós e do nosso
presente”, neste caso, de todos que fazem parte do CE, considerando o tempo presente como
dispositivo detonador para uma ecologia de saberes e de práticas. Ao pesquisar a realização
curricular, emergem muitos temas para estudo e o desta tese, como dito, está materializado na
seguinte problemática investigativa: a compreensão dos modos como professores-formadores
e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes que perpassa a
realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia.
Tomei como base o PPC/CE/UFES (2006) associado às Diretrizes Nacionais, às Diretrizes da
UFES, a teorizações e autores, para analisar as práticas discursivas das participantes. Nas
conversações emergiram aspectos que poderiam ser mais visibilizados no Centro de Educação
(CE), de modo que ajudassem a fertilizar a realização cotidiana do currículo, das disciplinas,
da produção de saberes-fazeres-poderes, tanto de professores que ensinam e, também,
aprendem, como de alunos que aprendem-para-ensinar. O mapa curricular retrata os modos de
realização cotidiana do curso de Pedagogia pelos seus praticantes. Olhar, escutar, falar são
atitudes que ajudam a compreender a cartografia do currículo vivido. “Mas o mapa não se
251
limita a circunscrever a partir de um espaço-tempo delimitado [...]” (MAIRESSE, 2003, p.
270), porque ele quebra limites, é transformável, é devir. Assim, ler o currículo, viver e
acompanhar seus processos de feitura constituem modos de compreender seus territórios,
fronteiras, como também, a ética, a estética, a política, os saberes, os fazeres e os poderes que
o compõem.
A teorização de Santos, associada a teorizações de outros autores, foi utilizada como suporte
necessário para a compreensão dos dados produzidos nesta pesquisa. São conceitos que
manipulo como ferramentas que me ajudam a melhor entender o tema estudado. Embora
Santos não dirija suas pesquisas à Educação, ele trata de questões sociais e a Educação é um
tema, essencialmente, social, por isso acredito que seus escritos possam ser aplicados a-ela-e-
nela. Foi o que tentei fazer neste trabalho, porém, como a teoria está sempre em movimento e
esse autor continua com suas pesquisas e produções teóricas, algum conceito pode já estar re-
significado por ele e, inclusive, diferente da concepção por mim entendida-adotada. Mas essa
é a beleza da pesquisa e do conhecimento: o movimento contínuo que os impulsiona,
modifica, enriquece. Segundo esse autor (2008, p. 20), assumir o tempo atual, o tempo
presente, implica a recusa do pensamento ortopédico78 e a busca de alternativas a partir das
incertezas que delas emergem. A insatisfação com os resultados da Educação, com a
formação de pedagogos que parece, não coaduna com os desafios encontrados na Escola
Básica exige, pois, que se tome uma decisão: ou se ignora e deixa como está, ou se busca
alternativas, mesmo na incerteza de mudar, de ser mais adequada aos novos tempos, de ser
mais humana e humanizadora. Assim, Santos apresenta duas grandes incertezas que
confrontam esse tempo de transição paradigmática.
A primeira incerteza destaca o paradoxo da finitude (do planeta Terra) e infinitude (da
experiência humana). Contraditoriamente, esse processo que admite a infinitude da
experiência humana, ocorre, paralelamente, ao processo que revela a finitude da
sustentabilidade da vida na Terra. A transglobalização contribuiu para aprofundar essa
consciência de finitude e de infinitude (SANTOS, 2008, p. 21). Daí emerge a pergunta:
“Como é que, num mundo finito, a diversidade da experiência humana é potencialmente
infinita?” Esse paradoxo expressa uma carência epistemológica: “[...] o saber que nos falta
para captar a inesgotável diversidade do mundo”. Essa carência causa uma incerteza maior,
78 “[...] o constrangimento e o empobrecimento causado pela redução dos problemas a marcos analíticos e conceptuais que lhes são estranhos. Com a crescente institucionalização e profissionalização da ciência [...] (ela) passou a responder exclusivamente aos problemas postos por ela” (Santos, 2008, p. 15).
252
ainda, “[...] se tivermos em mente que a diversidade da experiência do mundo inclui a
diversidade dos saberes que existem no mundo” (2008, p. 21). O pensamento ortopédico
transforma, então, a carência da finitude em problema técnico-científico e a carência da
infinitude é ignorada como não-problema, ou seja, os outros saberes e experiências sociais são
considerados inexistentes. Entre outras, Santos (2008, p. 22) pergunta: “Como articular os
saberes que sabemos com os saberes que ignoramos?” No caso deste estudo, seria perguntar:
como articular os saberes acadêmicos com os saberes da prática? O PPC traz diversas opções,
como, por exemplo, a inclusão das disciplinas PEPPs na matriz curricular.
A segunda condição de incerteza expressa, também, uma contradição: um sentimento de
urgência (agir agora porque amanhã pode ser tarde, exige ações de curto prazo, refere-se a
fenômenos da natureza, sustentabilidade, exige posições táticas e reformistas; no popular
seria: “não deixe para fazer depois o que pode fazer agora!”); e a idéia da possibilidade de um
mundo melhor que implica mudança civilizacional (mudanças mais profundas para serem
realizadas a longo-prazo; essa atitude exige posições estratégicas e transformadoras)
(SANTOS, 2008, p. 23). Já passou da hora de a Educação, também, buscar novos caminhos,
ampliar o diálogo do espaço doméstico para os outros espaços sociais e encontrar alternativas
para os problemas que se repetem ano-a-ano. O século XX mostrou que não é suficiente ter o
poder, mas é preciso transformá-lo. A incerteza das alternativas está no pensamento que as
desacredita, portanto o mundo não precisa de alternativas novas, mas de um pensamento
alternativo às alternativas existentes. Também, na Educação e na formação, só vai se
distanciar do pensamento ortopédico quem recusar o futuro oferecido pela modernidade e
desejar um futuro melhor, mesmo sem saber como deveria-poderia ser (idem, 2008, p. 22).
Mediante essas duas incertezas, surgem desafios epistemológicos e Santos propõe, para
enfrentá-los, duas tradições esquecidas da modernidade: a douta ignorância e a aposta79. De
acordo com esse autor (2008, p. 24-5), “Estas duas tradições são, por assim dizer, o Sul do
Norte e, por isso, estão em melhores condições do que qualquer outra para aprender com o
Sul global e colaborar com ele na construção de epistemologias que ofereçam alternativas
credíveis ao pensamento ortopédico e à razão indolente”.
Portanto, a epistemologia do Sul, proposta por Santos, (2008, p. 11), “visa à recuperação dos
saberes e práticas dos grupos sociais que, [...] foram [...] postos na posição de serem tão só
objecto ou matéria prima dos saberes dominantes, [...]”. As epistemologias do Sul tentam sair
79 Formuladas respectivamente por Nicolau de Cusa e Pascal (SANTOS, 2008) e sobre as quais falarei mais adiante.
253
da posição de objeto de pesquisa do Norte, para ser objeto-sujeito de suas próprias pesquisas,
porque têm suas próprias experiências e saberes, possuem luz própria como afirma a letra de
uma música: “Eu trago a luz, que vem de lá do Sul; Eu trago o sol do Sul da América”80.
Essas epistemologias procuram, ainda, incluir o maior número possível de experiências de
conhecimento do mundo e “Nelas cabem, assim, depois de reconfiguradas, as experiências de
conhecimento do Norte”, também. Afinal, desprezá-las seria um paradoxo, seria desqualificar
esses saberes, como a ciência moderna fez-faz com a multiplicidade de saberes do mundo que
não considera verdadeiros, atitude essa, condenada pela própria razão cosmopolita. Nesse
sentido, inclusive na Educação, o reconhecimento, a produção e a aprendizagem de novos
saberes-fazeres, não implicam o desprezo de conhecimentos já conhecidos e experienciados,
mas a sua (re)significação, de acordo com os novos espaços-tempos e conforme os anseios e
necessidades dos contextos em que ocorre.
A ecologia de saberes: uma proposta de inteligibilidade
A ecologia de saberes permite superar a monocultura do saber científico e visa criar uma nova forma de relacionamento entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento, dando igualdade de oportunidade às diferentes formas de saber (SANTOS, 2006, p. 108).
Para trabalhar a ecologia de saberes e práticas como proposta de inteligibilidade, Santos
pauta-se na epistemologia da douta ignorância, ou seja, na compreensão de que “[...] cada
saber conhece melhor os seus limites e possibilidades comparando-se com outros saberes”
(SANTOS, 2008, p. 29). Segundo esse autor (2008, p. 25), a douta ignorância que Nicolau de
Cusa propõe é “[...] uma reflexão centrada na idéia do saber do não saber”, o importante é
saber o que se ignora. E aproveito para questionar: o que é ignorado, invisibilizado na
formação de pedagogos? As praticantes dizem mais à frente, neste mesmo capítulo! No atual
contexto, a douta ignorância é considerada plural e deve constituir um trabalho de reflexão e
de interpretação sobre limites e possibilidades que se abrem e as exigências que criam (idem,
2008, p. 26), como trago, neste capítulo, limites e possibilidades que as participantes apontam
em suas narrativas. Para agir assim, é preciso ser um douto ignorante, ou seja, compreender
“[...] que a diversidade epistemológica do mundo é potencialmente infinita e que cada saber
só muito limitadamente tem conhecimento dela”. E, apesar da impossibilidade de captá-la, a
80 Música “Sol do Sul”, Daniela Mercury.
254
ecologia dos saberes e das práticas exige que se tente conhecê-la, mesmo assim, como a
tentativa que se fez neste estudo.
As possibilidades e os limites de compreensão e de ação de cada saber só podem ser
conhecidos pela comparação entre saberes (hermenêutica diatópica) feita pela ecologia dos
saberes e das práticas (SANTOS, 2008, p. 28). Nesse sentido, quanto menos um saber
conhece acerca dos limites dos outros (da Escola Básica), tanto menos ele conhece seus
próprios limites e possibilidades (do curso de formação de pedagogos). A epistemologia da
douta ignorância constitui, pois, a proposta de ecologia dos saberes e das práticas que Santos
(2008, p. 29) recomenda. Esta se depara na sua tarefa com dois problemas: como comparar
saberes dada a diferença epistemológica (assimetria), e como criar o conjunto de saberes na
ecologia dos saberes e das práticas, se a pluralidade é infinita? O autor (2008, p. 29) propõe
para confrontar esses problemas, respectivamente, os procedimentos de tradução e de
artesania das práticas. Para realizar a análise dos dados produzidos durante a pesquisa,
procurei me basear na razão cosmopolita de Santos, configurada na sociologia das ausências,
na sociologia das emergências, no trabalho de tradução e na ecologia dos saberes e das
práticas. Neste capítulo, centro a atenção no trabalho de tradução acrescido da artesania das
práticas, procurando fazer o uso de conceitos, conforme minha compreensão, condições de
trabalho e objetivos previstos.
1) A tradução de saberes-fazeres-poderes
A tradução é o procedimento proposto por Santos (2008, p. 29) para confrontar o primeiro problema da ecologia dos saberes: como criar o conjunto de saberes na ecologia dos saberes, se a pluralidade é infinita?
Então, pergunto: o que é a tradução? Santos (2006, p. 123) define tradução como “[...] o
procedimento que permite criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo,
tanto as disponíveis como as possíveis, reveladas pela sociologia das ausências e sociologia
das emergências”. A tradução entre saber acadêmico e experiência prática, por exemplo, tenta
assumir a forma de uma hermenêutica e consiste no trabalho de interpretação entre duas ou
mais culturas, com vistas à identificação de similaridades entre elas e as diferentes respostas
que fornecem. A tradução é motivada pela carência e incompletude dos saberes e pode ser
realizada entre saberes hegemônicos e saberes não-hegemônicos, como também, entre
diferentes saberes não-hegemônicos (idem, 2006, p. 124). A tradução entre práticas sociais e
seus agentes “[...] visa criar inteligibilidade recíproca entre formas de organização e entre
255
objectivos de acção”, como, também, entre o currículo escrito e o currículo realizado; ela “[...]
incide sobre os saberes enquanto saberes aplicados, transformados em práticas e
materialidades” (SANTOS, 2006, p. 126-7). Todas as práticas sociais envolvem
conhecimento, portanto, todas são práticas de saber. O trabalho de tradução visa, pois, a
esclarecer o que une e o que separa os diferentes movimentos e as diferentes práticas, de
modo a determinar as possibilidades e os limites de articulação entre eles. Esse procedimento
é imprescindível para definir constelações de práticas com maior potencial contra-
hegemônico.
Santos (2008, p. 29) afirma que “A existência da diferença epistemológica faz com que a
comparação tenha de ser feita através de procedimentos de busca de proporção e
correspondência que, no conjunto, constituem o trabalho de tradução”. São procedimentos
que permitem aproximações débeis, que vão do conhecido para o desconhecido, como sinais,
símbolos, conjecturas, enigmas, pistas, perguntas, paradoxos, ambiguidades, procedimentos
de proporção e correspondência, chamados de ecologia de saberes e de práticas. Esta constitui
um conjunto de epistemologias que parte da possibilidade da diversidade e da globalização
contra-hegemônicas perspectivando credibilizá-las e fortalecê-las (SANTOS, 2006, p. 42).
Portanto, a tradução é, ao mesmo tempo, um trabalho intelectual, político e emocional, pois
admite o inconformismo ante a carência. O fechamento disciplinar significou o fechamento da
inteligibilidade da realidade investigada. Nesse sentido, o procedimento do trabalho de
tradução procura responder às questões: o que traduzir? Entre que? Quem traduz? Quando
traduzir? Traduzir com que objetivos? (perguntas, também, feitas no currículo: o que? para
que? por que? como? quando?). Esclareço, a seguir, com base nas perguntas feitas por Santos.
O que traduzir?
Essa pergunta é respondida pelo conceito de zonas de contato (SANTOS, 2006, p. 130), que
são zonas de fronteira, terras de ninguém onde as periferias ou margens dos saberes e das
práticas emergem, como ocorre com o mapa curricular. Constituem campos sociais, onde
diferentes mundos-da-vida normativos, práticas e conhecimentos encontram-se e interagem,
como exemplo, a zona de contato Universidade-Escola. Duas zonas de contato destacam-se na
modernidade ocidental: a epistemológica (onde se confrontam a ciência moderna e os saberes
leigos, tradições; saber acadêmico e da experiência prática da escola); e a colonial (onde se
defrontam o colonizador e o colonizado; o professor e o gestor, o professor e o aluno, o
professor e a família). Em contraposição a essas duas zonas devem-se construir as zonas de
256
contato necessárias à razão cosmopolita. Nesta, compete, a cada saber ou prática, decidir o
que deve ser posto em contato, vir à tona para ser discutido e com quem. As decisões em
relação aos aspectos selecionados para confronto cultural decorrem da dinâmica do trabalho
de tradução: quanto mais o trabalho aprofundar-se, mais aspectos são trazidos à zona de
contato. O que é traduzível está presente no que é impronunciável numa certa cultura, isto é,
as ausências, os vazios sem possibilidades de preenchimento. As versões mais inclusivas de
cultura são as que produzem as zonas de contato mais adequadas, para aprofundar o trabalho
de tradução e a hermenêutica diatópica (SANTOS, 2006, p. 131). Nesse sentido, Carvalho
(2009, p. 140) lembra que além da relação entre conhecimentos, deve ser feita “[...] a tradução
dos espaços e tempos e dos lugares marcados pela individualização que impedem a
emergência de novas práticas e atitudes voltadas para a identificação de interesses comuns”.
Entre que traduzir?
A seleção de saberes e práticas entre as quais se realiza o trabalho de tradução, é, sempre,
resultado de uma convergência de experiências de carência, de inconformismo e da motivação
de superação (idem, 2006, p. 131).
Quando traduzir?
A zona de contato cosmopolita deve ser resultante da conciliação de tempos, ritmos e
oportunidades, caso contrário, ela se torna imperial e o trabalho de tradução uma forma de
canibalização (idem, 2006, p. 132).
Quem traduz?
Saberes e práticas só existem se usados por grupos sociais, por isso, o trabalho de tradução é
sempre realizado entre representantes desses grupos sociais e como trabalho argumentativo
que é, exige capacidade intelectual. Os intelectuais cosmopolitas devem ser enraizados nas
práticas e saberes que representam e ter uma compreensão profunda e crítica de um e de
outro; essa dimensão crítica é chamada “sabedoria didática” (idem, 2006, p. 133).
Como traduzir?
O trabalho de tradução é argumentativo, fundamentado na emoção cosmopolita de partilhar o
mundo com quem não partilha o nosso saber ou a nossa experiência, porém, apresenta
257
múltiplas dificuldades: 1) quanto às premissas da argumentação, pois toda argumentação
baseia-se em postulados, axiomas, regras, idéias que não são objeto de argumentação, pois são
aceitos como evidentes por todos do grupo argumentativo e se chamam topoi ou lugares
comuns. O trabalho de tradução não dispõe de topoi porque dispõe dos já existentes, que não
são aceitos por outra cultura, ou seja, os topoi que cada saber ou prática trazem para zonas de
contato deixam de ser premissas de argumentação e se transformam em argumentos
(SANTOS, 2006, p. 133); 2) quanto à língua em que a argumentação é conduzida: é pouco
comum que os saberes e práticas nas zonas de contato tenham uma língua comum, portanto,
quando a zona de contato é multicultural, uma das línguas é a que dominou a zona de contato
colonial; 3) e quanto aos silêncios, ou seja, os diferentes ritmos com que os diferentes saberes
e práticas sociais articulam as palavras com os silêncios; a gestão e a tradução do silêncio são
das tarefas mais exigentes do trabalho de tradução (idem, 2006, p. 134).
Para que traduzir?
O novo inconformismo resulta da constatação de que hoje e não amanhã será possível viver num mundo melhor (SANTOS, 2006, p. 135).
Esta última pergunta envolve todas as outras. A sociologia das ausências e a das emergências,
com o trabalho de tradução, permitem desenvolver uma alternativa à razão indolente e ao
pensamento ortopédico na forma da razão cosmopolita, que se baseia na idéia de que só é
possível ter justiça social global, se tiver justiça cognitiva global (SANTOS, 2006, p. 134). A
necessidade da tradução surge porque a modernidade ocidental não resolveu os problemas que
deveria e a sua resolução é cada vez mais urgente, portanto, não há soluções para eles, nem
para os problemas da Educação, da formação e da prática docente nos diversos contextos
sociais. O objetivo do trabalho de tradução é criar constelações de saberes e de práticas fortes
para propiciar alternativas credíveis (idem, 2006, p. 135). Como não há certeza se é possível
ter um mundo melhor, a razão cosmopolita prefere imaginar o mundo melhor a partir do
presente, por isso propõe dilatar o presente e contrair o futuro, pois assim aumenta o campo
de experiências e pode avaliar melhor as alternativas possíveis e disponíveis. As expectativas
são as possibilidades de (re)inventar a experiência, confrontando as experiências hegemônicas
impostas, com a imensa variedade das experiências, cuja ausência é produzida, ativamente,
pela razão metonímica ou cuja emergência é contida pela razão proléptica. Portanto, as
possibilidades de uma Educação e de uma formação melhores, estão na reinvenção do
258
presente ampliado pela sociologia das ausências e das emergências, e feito coerente pelo
trabalho de tradução e pela artesania das práticas (idem, 2006, p. 135). O trabalho de tradução
cria condições para emancipações sociais concretas, de grupos sociais concretos, cuja
injustiça é autorizada pelo desperdício da experiência, sendo que o trabalho de tradução
permite revelar o tamanho desse desperdício. O tipo de transformação social que se pode
construir a partir dele exige que as constelações de sentidos criadas pelo trabalho de tradução,
transmutem-se em práticas transformadoras. A teoria da tradução é o procedimento que
possibilita a mútua inteligibilidade dos movimentos em torno da igualdade e da diferença,
pois só há reconhecimento se houver (re)distribuição. Assim, tem-se o direito de ser igual
sempre que a diferença inferioriza; têm-se o direito de ser diferente sempre que a igualdade
descaracteriza (SANTOS, 2006, p. 198-9).
2) A artesania das práticas
A artesania das práticas é o procedimento proposto por Santos (2006, p. 29) para confrontar o segundo problema da ecologia dos saberes: como comparar saberes dada a diferença epistemológica (assimetria)?
A diversidade epistemológica do mundo, hoje, causa incerteza e o pensamento ortopédico e a
razão indolente não podem dar uma direção adequada a esse mundo, porque se baseiam na
ciência moderna que ignora os demais saberes. Nesse sentido, a preocupação com a dupla
incerteza (urgência e mudança civilizacional) partilhada por diversos grupos sociais, inclusive
pela Educação, faz surgir a busca pela ecologia dos saberes e das práticas (SANTOS, 2008, p.
31), como, por exemplo, a preocupação com a formação de pedagogos pode levar a uma
ecologia entre saber acadêmico e saber da prática escolar, entre a prescrição curricular e os
interesses dos estudantes, entre o acúmulo de encargos docentes e as condições de trabalho.
“A ecologia dos saberes sinaliza a passagem de uma política de movimentos sociais para uma
política de inter-movimentos sociais” (idem, 2008, p. 31), como a mudança de um movimento
isolado em prol de uma Educação melhor, de condições dignas de trabalho, de uma formação
emancipatória, para associar-se a outros movimentos sociais, fazer-se presente em outros
espaçostempos da sociedade. Os saberes que dialogam que, mutuamente, se questionam não o
fazem como atividade solitária, mas no contexto de práticas sociais e, muitas vezes,
percebem-se incapazes de resolver os problemas que encontram. Assim, “A interpelação
cruzada dos saberes nasce do reconhecimento dessa incapacidade e da tentativa de a superar”
(idem, 2008, p. 31). No sentido da compreensão da ação da ecologia de saberes e de práticas,
259
Santos (2008, p. 32) relata o diálogo81 entre o artesão (idiota) e o erudito (filósofo). O artesão,
um homem simples e iletrado,
[...] é o sábio capaz de resolver os problemas mais complexos da existência a partir da experiência da sua vida activa, à qual é conferida prioridade em relação à vida contemplativa”. Assim, segundo “[...] Leonel dos Santos (2002: 73), “O Idiota é contraposto ao homem erudito e letrado [...]”, que provoca o Idiota: “Que presunção é a tua, pobre idiota, [...] que assim minimizas o estudo das letras, sem o qual ninguém progride?” (2002: 78). O Idiota responde: “Não é, grande Orador, presunção o que me não deixa calado mas a caridade. Pois vejo-te dedicado à busca da sabedoria com muito trabalho em vão... A opinião da autoridade fez de ti, que és livre por natureza, algo semelhante a um cavalo preso pelo cabresto à manjedoura, que só come aquilo que lhe é servido. O teu conhecimento alimenta-se da autoridade dos que escrevem, limitado a um pasto alheio e não natural” (2002: 79). [...]. “Eu, porém, digo-te que a sabedoria grita nos mercados e o seu clamor anda pelas praças” (2002: 79).
Esse diálogo entre o idiota e o sábio bem ilustra a narrativa da professora P18, ao questionar o
sistema social e a discriminação entre saberes e práticas de alunos da Pedagogia e de outros
cursos. Algumas alunas admitem que existe preconceito da sociedade em relação ao curso de
Pedagogia e a professora esclarece que no cotidiano do curso há aspectos invisibilizados, em
relação a essa questão. Ela fala: A gente tem preconceito com o nosso aluno da Pedagogia, quando a gente detecta todas essas lacunas do
conhecimento demonstradas, de certa forma, ainda que a gente não diga. A gente presume algumas
causas para essas lacunas: a origem social, o tipo de escola a que esse segmento da população, a
MAIORIA do curso de Pedagogia, teve acesso. Então, a gente tem a expectativa de que em outros cursos
eles viriam mais bem formados, aqueles cursos que pontuam mais no vestibular, mais concorridos e mais
elitizados. De alguma forma a gente tem uma expectativa baixa em relação ao aluno de Pedagogia. As
alunas sabem disso! Elas vêm de uma sociedade que faz essa hierarquia e sabem muito bem como
funciona esse jogo, o que é a academia, o que é passar no vestibular. Sabem! Sabem e vêm para cá,
muitas vezes, não querendo ser pedagogos, porque se sentiam incapazes para passar em outros cursos
mais concorridos. E o que está invisibilizado nisto tudo? O questionamento desse sistema todo! Quem é
esse pedagogo, de onde vem, porque chega aqui com essa crise de auto-estima, quem é que disse que
fazer mais pontos no vestibular torna alguém mais capaz de aprender, onde estão escritas essas regras
sociais que a gente se impõe e a gente problematiza, muito pouco, essas coisas?! (P18).
Nesse sentido, Linhares (2002, p. 119) considera que [...] temos uma dívida pedagógica que precisa ser saldada com a cultura popular, com a cultura familiar, doméstica, com a cultura juvenil – sobretudo em suas dimensões éticas e estéticas –, de cuja ausência se alimentam os processos de
81 “O idiota”, Nicolau de Cusa, 1450.
260
artificialidade tão espalhados em nossas escolas e tão responsáveis pela extrema precariedade de conectivos sociais de que sofrem os processos escolares.
O trabalho na escola constitui, pois, a materialização da teoria-da-prática-da-teoria, é palpável
e é isso que futuros-pedagogos vão nela buscar. No entanto, na formação, às vezes, esse
trabalho parece ser desprestigiado, considerado inexistente devido à excessiva valorização do
conhecimento acadêmico-científico. A professora P18 assim se expressa: [...] Tem que ter um trabalho concreto, prático, será que isso é muito primário?! Não sei; fico me
perguntando: _ Será que a gente não traz arraigado na gente essa idéia de que o trabalho manual está
distante do intelectual?! Mas existe uma dimensão do trabalho intelectual ABSTRA-TO, REFLEXI-VO
(saber científico) que é mais valorizado que o trabalho braçal, manual, do operário fabril (saber prático;
como no caso do idiota e do sábio?!). Então, (devido à predominância desse modo de pensar) quem está
na academia tem que romper com essa coisa prática de construir modelinho, mexer com tinta, isso é
coisa de artesão (é menos importante), não é coisa de intelectual (que lida com o saber verdadeiro), mas é
disto que as alunas gostam. Gostam por quê? Porque são desse segmento! Esse segmento é que tinha que
estar na fábrica e não na Universidade! Então, eu estou sendo muito radical, muito cruel nessa fala, mas
para tentar dar um pouquinho mais de visibilidade para essas coisas que você falou, que não são ditas,
mas que ficam MUITO visíveis, presentes, concretas, no dia-a-dia do curso, na maneira como a gente se
relaciona com essas alunas, quando a gente percebe a maneira como elas REAGEM a qualquer atitude
nossa que elas POSSAM interpretar como uma hostilidade, uma esnobação, uma ostentação. Elas não
ACEI-TAM mais serem HUMILHADAS, elas já foram muito! A classe social que elas representam, elas
vêm de uma história de opressão muito GRANDE! E quando elas chegam aqui, elas vão entrar no
território do inimigo e vão conquistar esse espaço e vão definir esse espaço e vão se apropriar dele!
Alunas no corredor do IC-IV
Há de se convir que o profissional da Educação vivencia a escola, diariamente, e vive as
alegrias e as amarguras desse cotidiano. Esse saber da experiência prática, ele não adquire só
em livros, mas é vivenciando um conhecimento que se produz e se dissemina para além das
salas de aulas e laboratórios de ensino, alcançando espaços transfronteiriços, como sala de
professores, corredores, cantina, escadas, pátios da escola e da Universidade, a vida, enfim.
“Este descentramento dos saberes é fundamental para que a ecologia dos saberes atinja os
seus objectivos: a promoção de práticas eficazes e libertadoras a partir da interpelação cruzada
dos limites e das possibilidades de cada um dos saberes em presença” (SANTOS, 2008, p.
32). O campo das interações práticas onde se realiza a ecologia dos saberes e práticas não
261
deve ser o espaço exclusivo dos saberes (Universidades e Escolas), mas todos os lugares onde
o saber é chamado a ser experiência transformadora (conforme Paulo Freire ensina), efetuar
discussões em lugares não familiares, no terreno da vida prática, e este é o terreno da artesania
das práticas, o terreno da ecologia dos saberes e práticas.
3) A Pedagogia da Aposta
A aposta é a metáfora da transformação social num mundo em que as razões e visões negativas (o que se rejeita) são muito mais convincentes do que as razões positivas (a identificação do que se quer e como lá chegar) (SANTOS, 2008, 34-5).
O que se quer, o que se faz, o que se pode fazer para que o currículo escrito da formação de
pedagogos chegue aos endereçados por meio de uma realização emancipatória, que
permaneça num contínuo devir?! Para enfrentar a incerteza de não se saber se é possível ter
uma Educação e formação melhores, utilizo mais uma vez da idéia de Santos, que propõe
outra sugestão filosófica: a aposta de Pascal. A questão é esta: que razões podem incentivar a
luta pela possibilidade de uma formação emancipatória correndo riscos certos, que se sabe,
existem e são muitos, tendo como contrapartida a incerteza de bons resultados? O apostador
de hoje é a classe ou grupo social excluído e seus aliados, os fronteiriços. Só aposta82 na
possibilidade de um mundo melhor quem recusa o jeito de ser do mundo atual, como na
Educação, caso contrário, ocorre acomodação ao que existe. As razões para apostar estão
ligadas à desilusão do determinismo do futuro ou do presente e as razões para não apostar
incorrem em conseqüências para o projeto de emancipação social (SANTOS, 2008, p. 36),
sendo que a primeira razão refere-se à Pedagogia da Aposta. Já que as razões para apostar não
82 Só para ilustrar, um fragmento de texto sobre aposta: “Se o Simplício Comes não fosse um rapaz do nosso tempo, se não usasse calças brancas, paletó de alpaca, chapéu de palha e guarda-chuva, daria idéia de um desses quebra-lanças que só se encontram nos romances de cavalaria. De outro qualquer diríamos: "Ele gostava de Dudu"; tratando-se, porém, do Simplício Comes, empregaremos esta expressão menos familiar: 'Ele amava Edviges." [...] O caso é que o Simplício Comes parecia adivinhar os menores desejos de Dudu e nessas ocasiões recorria ao ardil de uma aposta: _ Aposto que hoje chove! _ Que idéia! O dia está bonito! _ Pois sim, mas o calor é excessivo: temos água com toda a certeza! _ Não temos! _ Façamos uma aposta!- Valeu! Se chover eu perco uma caixa de charutos. _ E eu aquela blusa que você viu na vitrina da Notre-Dame e cobiçou tanto. _ Quem lhe disse que cobicei? _ Ora, esses olhos não me enganam. No dia seguinte Dudu recebia a blusa. [...] Dudu ficou sentada no canapé, olhando para o chão. O Simplício Gomes aproximou-se de mansinho, e sentou-se ao seu lado. Ficaram dez minutos sem dizer nada um ao outro. Afinal Dudu rompeu o silêncio. Olhou para o céu iluminado por um crepúsculo esplêndido, e murmurou: _ Vamos ter chuva. _ Não diga isso, Dudu: o tempo está seguro! _ Apostemos! _ Pois apostemos! Eu perco... perco uma coisa bonita para o seu enxoval de noiva. E você? _ Eu... perco-me a mim mesma, porque quero ser tua mulher! E Dudu caiu, chorando, nos braços de Simplício Comes”. Fonte: www.biblio.com.br (Google) (Artur Azevedo. Uma aposta). (Observ: no texto aparecem as formas “Comes e Gomes”).
262
são claras e para serem convincentes devem ser objeto de argumentação, o caminho é optar
pela razoalidade argumentativa da aposta. Assim, a Pedagogia da Aposta deve acontecer nos
contextos onde a ecologia dos saberes e das práticas atua.
O que é essa Pedagogia? A Pedagogia da Aposta é o “[...] projecto de educação popular em
que o conhecimento acadêmico e a ciência podem participar, desde que o façam nos termos
da ecologia dos saberes” (SANTOS, 2008, p. 36) e das práticas. Ela ocorrerá de acordo com o
lugar, o contexto da sua prática e o tipo de apostadores. Por exemplo, no caso da ilusão do
futuro, a Pedagogia da Aposta visa a “[...] transformar a necessidade do futuro na liberdade do
presente”, e quanto à ilusão do presente, seria “[...] transformar a necessidade do presente na
liberdade do futuro” (idem, 2008, p. 36), seria assim, uma Pedagogia do Cuidado, porque
quem aposta, cuida! As paixões da aposta83 e da vontade de emancipação social devem
alimentar as razões da escolha do apostador de hoje; devem favorecer ações que atuem no-do-
com o cotidiano que promovam a melhoria do ser-fazer a Educação aqui e agora. Pela aposta
é possível juntar cotidiano e utopia (idem, 2008, p. 37). É preciso, pois, acarear os problemas,
as incertezas e as perplexidades próprias da formação atual para encontrar as possibilidades
que se pretende.
A douta ignorância e a aposta são propostas que implicam (des)pensar ou (des)aprender o
pensamento ortopédico e a razão indolente. No Sul global visam a (re)inventar ou
(re)considerar, como válidos, saberes e experiências que o pensamento ortopédico e a razão
indolente declararam ignorantes e produziram como ausentes; e no Norte global, (des)pensar e
(des)aprender visa a aprender a ignorar. Nesse sentido,
[...] o facto de a douta ignorância, a ecologia dos saberes e a aposta privilegiarem, como lugar de enunciação, o quotidiano, onde a reflexão e a acção não se separam permite ter presentes as abissais diferenças do quotidiano no Norte global e no Sul global. Essas diferenças são activamente ocultadas [...] (pelo) pensamento ortopédico, [...] (SANTOS, 2008, p. 39).
As três, douta ignorância, a ecologia dos saberes e a aposta, são práticas de conhecimentos
que ocorrem no contexto de outras práticas e implicam a axiologia do cuidado; delas emerge a
83 Ainda, para ilustrar sobre “aposta”: A “Aposta dos Deuses” ou “Nietzsche, quem diria, acabou em comédia” é o quinto livro do escritor e poeta gaúcho Álvaro Santi. Nele, o autor "flerta” com a dramaturgia [...] e se aventura para além da lírica, [...] inspirado na estética de Friedrich Nietzsche (1844-1900). [...] Na "Aposta dos Deuses", Álvaro Santi diverte-se ao transformar os deuses que inspiraram o filósofo alemão, nos irmãos gêmeos Apolo e Dionísio, que disputam o amor de uma princesa mortal, Helena. Julgando-se um melhor do que o outro, eles trocam de identidade, apostando que aquele que não conseguir se passar pelo outro deverá renunciar ao amor de Helena. Esta, por sua vez, pede a ajuda de sua criada para decidir com qual dos dois ficará, segundo Álvaro Santi. [...]. Fonte: Internet.
263
razoabilidade e a vontade de lutar por um mundo melhor, pela emancipação social. Esta
representa toda ação que visa a desnaturalizar a opressão e concebê-la com as proporções em
que pode ser combatida (SANTOS, 2008, p. 40). A douta ignorância, a ecologia dos saberes e
a aposta são formas de pensar que estão presentes na emancipação social. Então, quais são as
instituições que representam esses três procedimentos? Nenhuma, responde Santos, pois elas
são exercitadas em contextos sociais diversos, o que não significa que as Universidades
estejam condenadas ao pensamento ortopédico. Elas, também, são práticas sociais e nelas
circulam e são produzidos saberes e práticas.
Assim, num estudo como este, que ocorre no contexto universitário, o discurso de algumas
docentes, participantes desta pesquisa, indica que houve por parte da direção e do colegiado, a
intenção de realizar um trabalho compartilhado, feito a muitas vozes e a muitas mãos, na
tentativa de aproximar a proposta curricular o mais possível das concepções da comunidade
educativa. Procurei caracterizar o saber-fazer-poder como um possível conhecimento-
emancipação, “um conhecimento prudente para uma vida decente”. O cotidiano no qual me
inseri para pesquisar e vivo nele inserida, esse cotidiano, esse espaço social é onde se realiza o
curso de Pedagogia, onde são praticadas, vividas, vivenciadas experiências disponíveis no CE
e reveladas pela sociologia das ausências.
São experiências de formação docente, de modos de produção de saberes-fazeres-poderes que
não cabem no pensamento ortopédico nem na razão indolente. Um cotidiano em que existem,
também, experiências possíveis de serem realizadas, porém, estão invisibilizadas e necessitam
vir à tona. Um cotidiano vivido nos centros, nas periferias, nas margens do Centro de
Educação, onde há caminhos a serem desvendados. Um cotidiano repleto de limites e
possibilidades, conforme narraram as participantes da pesquisa. Pois bem, o professor P9
caracteriza esse cotidiano em que exerce a docência do seguinte modo: O cotidiano é uma riqueza; vivemos imersos nele. A Universidade é um espaço que você deveria ter como
momento de desaceleração, de caminhar na contramão. Saint-Exupéry diz no livro “O pequeno
príncipe”, que “o essencial é invisível aos olhos”. Se o cotidiano desse conta, não precisaria da ciência.
Gosto de trabalhar com o ordinário (todo dia) e o extraordinário (quando consigo viver uma cultura que
não a produzida pela sociedade do espetáculo, re-significando o cotidiano). O que seria do cotidiano
num centro de formação de professores? Professores sobrecarregados, alunos que correm porque vão
trabalhar ou fazem outro curso.
264
Manter o instituído, o hegemônico, não alterar os modos de agir cotidianos, parece ser ainda
uma norma arraigada no jeito de compreender a aula, o ensino, a aprendizagem, talvez, no
jeito, mesmo, de ser de muitos discentes. Professores exemplificam com situações por eles
vividas: Se passar um filme que não esteja no padrão do que as alunas querem, há estranhamento e recusa; Se
quiser levá-los ao cinema, muitas vezes, há recusa. É uma confusão, é contraditório, porque ao mesmo
tempo que o aluno quer algo mais leve, quando a gente se propõe a utilizar dispositivos postos na
cotidianidade, eles tendem a achar aquilo como não-conhecimento, como não-sério: se é filme vejo em
casa! (P9).
[...] aqui na UFES, na Pedagogia, tem vários eventos e os alunos não participam, pelo menos no 1º
período, porque eles querem aula, querem estar em sala de aula. Acho que vem de uma lógica! Como se
só aula fosse resolver e aí, talvez essa relação com outros acontecimentos, extensão e pesquisa fica
prejudicada [...]. Teve seminário, os alunos não foram e não se interessaram. Teve um de Psicologia que
dei até a metade da aula; o autor do primeiro texto que nós lemos [...], vai falar numa mesa redonda. A
aula vai acabar 10h, porque a mesa começa às 10,20 e a gente vai assistir. Marcaram reunião, com outro
professor, pressa para ir embora... Talvez, se mais professores integrassem essas outras maneiras de
produzir conhecimento na Universidade, porque eu falava com eles: _ Tem pesquisa, extensão, palestra e
tem festa! Você conhece pessoas diferentes! Até festa na universidade possibilita saber sobre outros
cursos, outras realidades... (P10).
Penso que essa atitude pode ser decorrente da ânsia de começar a se apropriar do conhecimento do
curso, emergindo, assim, a necessidade de descolonizar modos engessados de se pensar o saber-fazer
da Educação. De acordo com a narrativa dessas professoras, parece que a Educação-formação
precisaria passar por um processo de descanonização84 que implica dois momentos: a
desconstrução (do que está posto); e a reconstrução (articulação de processos decorrentes do
momento desconstrutivo, associados à viragem cultural nas dimensões pedagógica, estética,
ética e política). Essa atitude implica a realização de ações capazes de promover “[...] práticas
de resistência aos excessos de regulação e de fazer convergir os movimentos sociais que
incorporam dinâmicas de emancipação [...]” (NUNES, 2002, p. 329). Seria assim, instaurar
uma política em que predomine o caráter interrogativo e não o legislativo, em que a
comunidade se abra a outras possibilidades e à utilização de táticas e artefatos diversificados,
na produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes, que não se mantenha subjugada a uma
hegemonia didático-pedagógica que amarra e simplifica. A teoria crítica-renovada assume
84 “Descanonizar significa não só reconhecer o carácter histórico e contingente das fronteiras que delimitam a teoria dos seus outros discursos e, por conseguinte, possibilidades de transgredir, diluir, redefinir essas fronteiras, [...], descanonizar significa reinventar os modos de articulação entre a dimensão cognitiva, [...] estética e [...] moral numa nova política emancipatória [...]” (NUNES, 2002, p. 328).
265
esse poder interrogativo e não legislativo, por isso, não tem que mostrar como o mundo deve
ser, nem a Escola, nem a Universidade, nem a formação, mas alertar que pode ser de outros
jeitos. É um poder que se exerce pela arqueologia do presente, [...] um “escavar virtual” dos silêncios, silenciamentos e interrogações não formuladas (Santos, 1995); [...] é um modo de intervir no mundo, e não de intervir sobre o mundo, recusando-se a substituir os saberes e as experiências dos actores envolvidos neste por um conhecimento “superior” e por uma capacidade de acção legitimada por esse saber ( NUNES, 2002, 329).
Nos interstícios do cotidiano: o que ver-potencializar? [...] aprender a ver mais, a observar o invisível, a escutar com tranqüilidade, a valorizar o menosprezado, traduzindo com palavras e ações suas potências ocultas (LINHARES, 1999, p. 11).
O que traduzir? ausências, vazios sem possibilidades de preenchimento. Entre que traduzir? experiências de carência, de inconformismo e motivação de superação. Quando traduzir? conjugando tempos, ritmos e oportunidades. Quem traduz? representantes dos grupos sociais. Como traduzir? partilhar o mundo com quem não partilha o nosso saber ou a nossa experiência. Para que traduzir? desenvolver uma alternativa à razão indolente na forma da razão cosmopolita.
São cinco lógicas de produção de ausências, formas sociais de não-existência, que implicam
contração do presente e desperdício de uma infinidade de experiências da Escola, da
Universidade, do mundo. O objetivo da sociologia das ausências é transformar situações
consideradas impossíveis em situações possíveis e, com isso, transformar ausências em
presenças. Uma idéia comum a todas as ecologias é a de que a realidade não pode ser
reduzida só ao que a gente pensa-vê como existente, mas deve incluir, também, as realidades
produzidas como não-existentes, que estão invisibilizadas. Nesse sentido, a sociologia das
ausências revela a disponibilidade de muita experiência social que é considerada inexistente e
a sociologia das emergências revela a possibilidade de muita experiência social emergente
que é declarada impossível.
Para entender um pouco mais de como se constrói e naturaliza a invisibilidade na sociedade,
exemplifico com a questão indígena brasileira. No Estado do Espírito Santo, há um grupo
indígena no município de Aracruz, cuja visibilidade tem sido revelada à custa de muita luta,
mas sempre, os indígenas são “recolocados” no seu “devido lugar”, porque afinal, são eles, os
que aqui viviam que incomodam e não, os que chegaram depois. É a inversão entre
expectativa e experiência, de que fala Santos. Nesse sentido, Souza Filho (2003, p. 80) refere-
se à invisibilidade com que foram tratados os povos indígenas do litoral e do sul do Brasil. Ele
afirma que “[...] o Estado (Nação) os desconsiderou totalmente em suas políticas públicas e
266
fez questão de negar sua existência por muito tempo” e os que sobreviveram, continuam
resistindo com coragem.
O povo guarani acostumado a compartilhar o território com outros povos é o grande
invisibilizado nesse contexto. Ele não sabia “[...] que o uso da terra pelos novos habitantes era
devastador e exigia a morte dos animais e plantas nativas para a introdução de novas plantas e
bichos, todos domesticados, que nasciam e cresciam pela mão do homem” (SOUZA FILHO,
2003, p. 80). E isso aconteceu com os saberes indígenas, desclassificados pelos colonizadores,
para serem substituídos pelos saberes-fazeres-poderes do mundo desenvolvido. A escola,
também, faz o mesmo: ignora, algumas ou muitas vezes, os saberes que alunos periféricos
trazem para a sala de aula, em nome da aprendizagem de saberes escolares instituídos pela
ciência moderna. No entanto, os povos indígenas do Nordeste brasileiro são, para todos os
grupos que lutam por causas emancipatórias, o grande exemplo de “renascimento de vontades
coletivas”: “Desconsiderados pelo Estado, continuaram a existir, mutilados em sua língua,
machucados em sua dignidade, e não poucas vezes dispersos, recrutados como indivíduos
integrados à sociedade envolvente” (idem, 2003, p. 86).
Esse é um exemplo de invisibilidade, entre tantos outros que permeiam os diversos espaços
sociais, a que subjetividades individuais e coletivas foram-são submetidas. Os saberes e
experiências dos indígenas eram e são, ainda, de tal modo ignorados, que de acordo com uma
lei de 1850, em terras a eles reservadas, “[...] os índios deveriam ficar até que aprendessem
um trabalho “civilizado” e pudessem ser integrados à vida nacional” (SOUZA FILHO, 2003,
p. 101). Penso que, como os “Olhos mágicos do Sul (do Sul)” que pretendem “[...] ser uma
contribuição, a partir de iniciativas contra-hegemônicas dos povos indígenas do Brasil, [...]”
(NEVES, 2003, p. 114), os olhos mágicos dos que labutam e defendem a Educação devem-
podem fazer aflorar e agir vontades coletivas de mudanças significativas na formação docente
e na Educação em geral.
Nesse sentido, procurei identificar no contexto das narrativas das participantes, experiências
disponíveis e possíveis no Centro de Educação e, a partir delas, vislumbrar a ampliação de
caminhos para a feitura de uma formação emancipatória, plena de solidariedade e
humanização. Não me cabe, porém, dizer como essa formação deve constituir-se, mas discutir
disponíveis e possíveis modos de realização. O conhecimento que brota desses processos é
um conhecimento emergente que se caracteriza por uma “constelação” de saberes-fazeres-
267
poderes, experiências essas que materializam um novo senso comum. Assim, “Se o contar e o
escutar compõem, constituem redes de tradução em busca da criação de sentidos, também o
registrar e escrever o contado podem vir a ser problematizados da mesma forma”
(MAIRESSE, 2003, p. 269), como procuro fazer neste texto.
1) Experiências disponíveis no Centro de Educação (CE)
A sociologia das ausências revela a disponibilidade de muita experiência social declarada inexistente (SANTOS, 2008, p. 20). Então: Como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem hegemônica que o pretende fazer falar? (SANTOS, 2002, p. 30).
Que experiências estão disponíveis no CE, reveladas pela sociologia das ausências, porém,
invisibilizadas como não-existentes? São experiências que não cabem no pensamento
ortopédico nem na razão indolente. O papel das sociologias das ausências e, também, o da
sociologia dos saberes ausentes, é justamente, “[...] a identificação dos saberes produzidos
como não existentes pela epistemologia hegemônica” (SANTOS, 2008, p. 27). Foi o que
procurei identificar a partir das enunciações discursivas das participantes. O Centro de
Educação tem uma tradição de muitas e grandes realizações de trabalho acadêmico-científico
produzido na graduação, na pós-graduação, na própria Universidade e em parcerias com a
sociedade. No entanto, a professora P8 ressalta a cultura da invisibilidade existente no próprio
centro quanto às pesquisas, trabalhos, estudos, parcerias realizadas. Como valorizar e
participar do que se desconhece a existência? A implementação de um novo currículo foi e é
uma boa oportunidade para visibilizar saberes e práticas produzidas, cotidianamente. Assim, o
que precisa ser visibilizado no CE? As participantes desta pesquisa narraram essas
invisibilidades que procurei organizar por itens como: uso dos núcleos e laboratórios,
publicações, saberes dos alunos, reestruturação do CE, relação graduação/pós-graduação,
divulgação de eventos, estrutura organizacional, cotidianidade, horário, que estão
exemplificados, a seguir.
O uso dos núcleos e laboratórios
A gente tem algumas coisas aqui dentro que precisavam ganhar visibilidade: o uso dos núcleos e
laboratórios [...], que têm um trabalho maravilhoso, que não é trazido à tona, a não ser em alguns
eventos dos quais às vezes participam apenas aqueles que estão envolvidos com a área e projetos de
extensão que são feitos abarcando mais de uma disciplina (P8).
268
As publicações
Dar visibilidade, por exemplo, a Revista do Centro Pedagógico (hoje, Centro de Educação) que
desapareceu, num momento em que sequer o papel, a revista precisaria existir concretamente, a não ser
pelo virtual, tão concreto no nosso cotidiano! Por que não uma revista virtual? (P8).
Os saberes dos alunos
As experiências que os alunos trazem, do que é feito e produzido por eles, talvez isso fique um pouco
apagado, como o que é feito pelas pessoas, um pouco disso que se fala na graduação, do que é produzido
no mestrado e no doutorado. Acho que já há alguns grupos fazendo essa integração. [...] é aproveitar
aquilo que é produzido e, alguns professores fazem isso, realmente P12.
Percebo, como concluinte do curso de Pedagogia que minha visão acerca da Educação mudou
significativamente. Aprendi conceitos e comportamentos que me ajudarão muito no cotidiano educativo,
escolar ou extra-escolar, pois somos formadores, independente do lugar onde estejamos (A).
Se quisermos buscar uma área específica que não seja docência, temos que buscar uma formação
continuada, voltada para a área almejada (A).
A reestruturação do CE
Eu diria, agora, pelo menos, na departamentalização, que é um momento super-rico. Eu acho que não
poderia ser assim: eu levo pesquisa, você traz didática, e aqui nós nos juntamos e virou um novo
departamento. Não creio que seja juntar partes de um todo que compõe um novo todo, para formar um
novo sujeito que agora nós queremos ou precisamos formá-lo; podemos até nos insurgir contra, a medida
que a gente começar a fazer. Não sei se nós estamos nos dando conta de que estamos formando um novo
profissional ou se estamos dizendo que nossas disciplinas mudaram de período e nós mudamos de
departamento (invisibilidade para alguns?). São questões que a gente precisa colocar (visibilizar). É um
momento difícil, mas ao mesmo tempo promissor, porque de mudanças (P2).
A relação graduação/pós-graduação
Outra visibilidade que a gente não tem construído com o devido cuidado, a gente faz coisas
individualmente, não temos sistematizado, é a relação graduação/pós. Poderiam ser momentos
maravilhosos onde se beneficiariam todos (P2).
A divulgação de eventos e participação dos alunos
Eu acho que precisa dar visibilidade aos eventos! Na última palestra que eu fui no auditório, falei para
um professor e para uma professora: _ Isso precisa ser mais visibilizado! Era uma discussão que a gente
ficou sabendo na véspera! Aí ele falou: _ Ah, a gente tenta divulgar, mas cartaz é caro... Falei: _ Gente,
tem que por a boca no trombone! Esses eventos são fundamentais na formação desse pessoal. A
269
universidade é para isso! Apresentação de pesquisas... Quantas ficam naquela salinha individual? Tinha
que ser mais divulgado! Então é função do professor MOSTRAR o que tem. Porque cartazes muitas vezes
o aluno passa e não lê! Acho que o DA pode trabalhar nisso! (P10).
A estrutura organizacional
O que eu percebo é que, por mais que a gente pense neste currículo como interdisciplinar, integrado,
ainda na cabeça do aluno e, talvez, até de professores, ele se mostra muito estanque. Falo como uma
herança dos currículos que a gente vem formando e carregando no decorrer dos anos. Na Pedagogia não
vejo como um currículo vai dar conta de desfragmentar isso. A experiência que a gente está tendo agora
no Centro de Artes (estou aqui desde 1989) e foi a primeira vez que eu vi professores das várias
disciplinas sentarem juntos para discutir as suas disciplinas. No CE nunca vi isso! Tem os fóruns, mas
têm um caráter geral. Eu acho que a própria constituição dos departamentos, da Universidade, escapa
dessa discussão integrada. O departamento vira um grande cartório administrativo. E os problemas, a
gente nunca sabe o que o outro faz! (P5).
Essa professora continua explicando: A Universidade tem [...] de começar a ver os próprios cursos, tirar o professor do isolamento e colocá-lo
para conversar com os demais (seria propriamente a questão pedagógica que precisaria vir à tona, ser
visibilizada). [...] As reuniões no ano passado no Centro de Artes (CA) foram reuniões estritamente
pedagógicas. Então, foi difícil, teve resistência?! Teve, mas acredito que teve um ganho muito grande,
pois, pela primeira vez, desde 1989, que alguém do CA soube o que eu proponho e vice-versa! Fizemos
essa troca e a gente propôs isso para o curso de Física e alguém disse: _ Como que eu posso ler sobre
lógica se eu... Então, por que existe essa divisão tão grande nas especialidades?! O próprio CE ao
propor esse curso novo precisa integrar seus membros. A gente sempre vive aqui num estado de
separação entre as Licenciaturas e a Pedagogia. Tenho dito até, que as mudanças que aconteceram
agora, políticas, de redepartamentalização possam ser o primeiro embrião para quebrar essa estrutura
separatista, porque agora os departamentos ficaram mais pulverizados, as licenciaturas no meio deles
(P5).
As alunas falam que professoras da Escola Básica não têm tempo de atualizar-se e estudar,
porque cumprem três jornadas de trabalho. P13 explica: Essa é uma grande questão que eles colocam. Isso já está meio enraizado. É difícil ser professor na
prática! A gente não pode se deixar dominar por esse desânimo. O professor tem que ser uma pessoa alto
astral, tem que saber que vai passar por dificuldades; aí eu relaciono com outras profissões também.
Uma chegou outro dia: _ Professora, eu vi um edital da PMV de concurso para médico, quatro mil e
pouco. Professor mil e pouco. _ Pô, professora, dá desânimo, tristeza, a diferença de remuneração e
tal!”. A professora continua: “Hoje mesmo teve uma aluna que não entregou dois trabalhos: _
Professora, estou te passando e-mail porque tive vergonha de falar com você na sala; estou sem dinheiro
270
para passagem e para fazer xerox. Essa questão econômica é séria mesmo. Ouço muito que eles falam: _
Ah, professora, tudo que você está falando aí, teoricamente, na prática é bem diferente. Porque eles
acham que o professor ganha pouco, tem que trabalhar muito e não pode se dedicar totalmente a uma
causa como dos jovens e adultos, por exemplo, que é uma CAUSA importante (P13).
Algumas discentes, da primeira turma deste currículo, assim expõem suas idéias, já no
penúltimo semestre do curso (2009/01):
Achei que o curso me enriqueceu muito, no entanto, a carga horária é muito curta para tanta coisa.
Algumas áreas ficaram a desejar (A).
O novo curso sintetiza os campos de atuação e o TCC é a maior prova disso, pois para a elaboração dele
se faz necessário pôr em prática tudo aquilo que buscamos para nossos saberes e fazeres individuais, é a
síntese dos anos que passamos dentro da Instituição, [...] (A).
Continuo achando que esse nosso curso de Pedagogia está completamente errado. Acho que deveria ser
dividido em duas pedagogias: a primeira voltada para quem gostaria de estar em sala de aula com mais
períodos das matérias específicas que serão utilizadas pelos futuros professores; a segunda pedagogia
voltada mais para os alunos que não pretendem entrar em sala para ensinar. Poderiam ser focadas mais
as matérias de gestão, administração escolar, leis e outras (A).
[...] o MEC em parceria com as universidades precisaria pensar em um projeto menos generalista e mais
objetivo (A).
Cotidianidade
Segundo a professora P12, os desafios da cotidianidade estão presentes e invisibilizados, No dia-a-dia dos próprios alunos: aluno que trabalha, que não pode comprar livro... são desafios que
limitam, mas também existem brechas, possibilidades para encontrar caminhos. No curso da manhã, em
termos materiais, estruturais é até mais tranqüilo do que à noite. À noite a gente tem mais problemas por
exemplo, aluno que trabalha o dia todo e não consegue chegar às seis horas, trabalha em Vila Velha e sai
às seis. Pela manhã tem na saída também. _ Ah, professora, tenho que trabalhar, que almoçar.
Essa professora destaca, também, a separação que se fez entre a vida e a ciência: Acho que é uma característica da ciência moderna de maneira geral jogar para um foco específico a
teoria: isso é ciência, isso é vida (separadas). Então a ciência moderna se desprendeu da vida e a gente
não vê que a própria ciência nasce da vida, das experiências cotidianas, só que ao longo da história do
Ocidente ela foi colocada num lugar áureo. Então o desafio, hoje, para todo professor seria ver que
aquilo que a gente vê, diariamente, está impregnado de teoria, enxergar a teoria no dia-a-dia, produções
de idéias de novos entendimentos sobre a teoria; acho que isso é o grande desafio e é fundamental (P12).
271
Então, seria desmistificar na formação, essa concepção de ciência, ainda presente, dissociada
da vida, porque é um cânone que se encontra não só na Pedagogia, mas em outras
licenciaturas. E o professor na Escola Básica, desculpa-se, às vezes, dizendo que não pode
fazer essa ou aquela atividade, que não pode trabalhar questões de vida cotidiana como o uso
de dinheiro, uma epidemia e outros, porque vai perder tempo e não vai dar o programa. O
próprio docente, nessas situações, desvincula a vida que se vive do programa, do livro
didático, da sala de aula, atitude, em algumas situações, até como exigência da instituição
onde atua, devido à concorrência, à perspectiva de vestibular, inclusive. Então, pode ser um
papel do professor-formador discutir junto com a mudança de concepção de ciência, a
mudança de postura em relação ao ser-saber-fazer docente e a consequente visibilização do
conhecimento que é trabalhado na escola, na realidade de vida cotidiana dos alunos. Nesse
sentido, a maioria das alunas referiu-se à necessidade de relacionar o conteúdo acadêmico ao
cotidiano escolar: Sinto falta de disciplinas que discutem o cotidiano escolar, pois ficar só no conhecimento científico não
dá; quando chegamos dentro da escola (na disciplina de estágio), não sabemos, ou melhor, não estamos
preparados para lidar com a diversidade encontrada (A).
Os saberes que aprendemos na teoria se concretizam de forma linear, ou seja, a prática requer muito
mais habilidade e conhecimento que a teoria nos mostra. As duas caminham juntas. Mas o cotidiano da
escola ainda deve ser mais explorado teoricamente, para que as questões que envolvem o cotidiano sejam
explicadas com mais respaldo (A).
Horário
P12 expõe o problema de horário que todos vivenciam, muitos não gostam da forma como
tem sido organizado e o assunto torna-se, às vezes, ausente: Não gosto da aula de sete ao meio-dia, acho improdutiva. Eu tenho aula de sete às onze, mas acho mais
produtivo dividir em dois dias: 7 às 9 ou 9 às 11 h. Eu gosto mais. E você perde menos tempo, porque a
aula de sete as nove eles ficam, não tem intervalo. E sete as onze tem intervalo, aí saem, não gosto. Não
sei porque fazem essa disciplina num dia só! Não entendo o motivo disso!
As alunas percebem a existência de aspectos do curso que ficam invisíveis e, no entanto,
existem, estão no CE, no currículo, na sala de aula, no Diretório Acadêmico, mas são
invisibilizados por diferentes razões e em diferentes situações. São aspectos que precisam vir
à tona porque podem ajudar a maximizar a realização curricular cotidiana. Uma discente
destaca uma questão primordial que é conhecer o projeto do curso, visibilizar os objetivos não
só para a formação do pedagogo-docente, mas, também, do pedagogo-não-docente e conhecer
as possibilidades que o curso oferece, tanto para professores como para alunos. Parece que
272
uns e outros não têm muita clareza do que seja o novo curso de Pedagogia, segundo a
enunciação discursiva de alunas.
Também, percebi e sintetizei nas formações discursivas das participantes, algumas outras
invisibilidades além das citadas, anteriormente. Seria, assim, invisibilizar o caráter
profissionalizante (e conclusivo) do curso, embora se saiba que ele objetiva, também, a
continuidade de formação na pós-graduação, na formação de pesquisadores, sendo que seu
objetivo principal é a formação do pedagogo para atuar na Escola Básica (incluindo aqui a
Educação Infantil). A ânsia e a necessidade de trabalhar impulsionam alunas, ainda, no
primeiro período, a tentarem encontrar campo de estágio não-curricular onde possam começar
a atuar. Nesse sentido, a prática da pesquisa deve estar subjacente à tarefa do pedagogo, como
uma possível metodologia que dê suporte ao seu trabalho e não como objetivo maior. Outro
aspecto seria ignorar que grande parte dos alunos, talvez, a maioria, não pretende estar na sala
de aula, mas objetiva ocupar outros cargos na escola ou fora dela, desde que não seja estar à
frente de uma sala de aula85. Visibilizar e propor discussões sobre esses temas, é fundamental
para a realização do curso.
Apesar de tão importantes para a convivência humana e profissional, as relações interpessoais
ocorrem no mundo do invisível e, ainda, não têm sido objeto de cuidado e de tomada de
decisões que impliquem a aproximação solidária entre profissionais, alunos, escolas,
sociedade. Entre as diversas possibilidades existentes, uma sugestão simples, que pode
contribuir para a aproximação entre docentes, seria a criação de uma sala coletiva para
professores, um local por onde docentes transitem, tomem um cafezinho ou uma água, leiam
um jornal, encontrem um colega, conversem, tenham chance de se manter atualizados por
meio de acesso a uma pasta com os documentos recentes do centro, mural com informações
de reuniões, eventos etc. Foram feitas ainda, pelas participantes desta pesquisa, sugestões para
realização de projetos e seminários integrados e para a necessidade de encontros periódicos,
programados, com caráter pedagógico.
Os conhecimentos didático-pedagógicos, básicos para a formação do pedagogo parecem
invisibilizados e considerados até de pouca significação, às vezes. Parecem ignoradas,
85 Em três turmas que estive substituindo uma colega professora (2009/01), uma aula em cada, somente seis alunas disseram que pretendiam ser pedagogas-docentes.
273
também, as necessidades específicas de áreas como Artes, Ciências, Geografia, História,
Matemática, Língua Portuguesa, tanto de conhecimentos relativos aos conteúdos quantos aos
procedimentos metodológicos (possibilidade de trabalhar em salas ambiente e com materiais
diversos). Grande parte das alunas participantes é dessa mesma opinião: A relação desses saberesfazeres com o que vivemos na escola não é uma relação muito estreita. Sentimos
um distanciamento entre a fala do pedagogo e a realidade da sala de aula. O pedagogo, nas séries finais
do Ensino Fundamental, por exemplo, desconhece as especificidades das outras áreas, História,
Geografia... As disciplinas que compõem o núcleo básico das matérias, o que traz prejuízos para o
trabalho muitas vezes (A).
Para atendimento às novas tecnologias informacionais e comunicacionais (TIC) que a
legislação propõe, o centro não dispõe, ainda, de condições para o uso didático das TIC’s, que
é outro ponto importante a ser enxergado e resolvido. Essas são, pois, experiências
disponíveis, identificadas pela ecologia de saberes e práticas que visibilizadas contribuem
para uma realização emancipatória da formação. Uma aluna expõe sua opinião: “Outro ponto
que merece atenção é o fato da disciplina TIC ser ministrada sem que haja um laboratório
próprio” para sua realização.
As sugestões de experiências disponíveis realizadas no CE e, muitas vezes, invisibilizadas,
narradas por docentes e discentes mostram que existe uma diversidade de experiências sendo
produzidas, cotidianamente, mas são consideradas inexistentes pela razão metonímica. Elas
estão presentes, porém, ignoradas, mas o trabalho de escavação da ecologia dos saberes e das
práticas permite visibilizá-las por meio do procedimento das sociologias das ausências; assim,
uma imensidade de experiências desconhecidas por muitos, do próprio centro, é revelada e
tornada disponível a todos.
2) Experiências possíveis no Centro de Educação (CE)
A sociologia das emergências revela a disponibilidade de muita experiência social emergente declarada impossível [...] (porque é) [...] produzida como não existente (SANTOS, 2008, p. 20).
Que experiências possíveis são detectadas no Centro de Educação? A sociologia das
emergências revela a disponibilidade de muita experiência social emergente, de muita
realidade que existe e é ativamente produzida como não existente e impossível. Então, que
experiências possíveis estão disponíveis no CE e são reveladas pela sociologia das
emergências? Relacionei algumas que emergiram nas narrativas das participantes, como:
274
apresentação e mostra de trabalhos, uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TIC), integração graduação/pós, reuniões entre docentes, avaliação, eventos, localização da
biblioteca e do laboratório de informática, todas exemplificadas a seguir.
Apresentação e mostra de trabalhos
Nós da Geografia temos feito algumas provocações, por exemplo, quando um professor trouxe o projeto
“Dando vozes aos professores”, que seria a pesquisa do aluno da Pedagogia e da Geografia, junto aos
professores, registrando práticas de sucesso desses professores na escola, a tentativa era fazer uma
apresentação no auditório, mesa redonda, mas falei: _ Vamos provocar! E a gente pendurou um monte
de cartazes no centro, a gente prendeu no teto, e eles ficavam soltos no meio do caminho do corredor,
para todo mundo olhar para aquilo. Inclusive os murais, também, ficaram mais visíveis, no momento que
tirei tudo e coloquei o papel branco, e depois de prontos, tamanha era a poluição visual. Esta se estende
para outras poluições: a auditiva, a perceptiva das coisas que são feitas e acabam encobertas,
invisibilizadas, consideradas como não-existentes (P8).
P8 continua falando de possíveis: Se a gente tivesse um momento para apresentar sistematicamente, para fechamento do semestre, com
todos os professores dizendo como foi seu semestre letivo, as dores e alegrias que sentiram, os projetos
que desenvolveram, com a presença, testemunho e apresentação dos alunos... Eu lembro quando uma
professora trouxe de S. Mateus, o trabalho sobre os “500 anos de Brasil”. Para muitos isso é tornar a
Universidade infantil, mas não é, não se trata disso! É cuidar disso em nível acadêmico, mas envolto
numa afetividade pelo encontro e não apenas pela amostragem, pela comunicação fria, pelo quantitativo
do PAD (Plano de Atividades Departamentais).
P14 assim se expressa: Uma professora fez um trabalho e colocou visível a produção dos alunos com aquela mostra ali da frente
no corredor do IC IV. Isso é fantástico! Quantas coisas que os alunos produzem e só servem para dar
nota! Por que a gente não cria um espaço para mostrar o que os alunos estão produzindo?!
Uso das TIC
Uma lista de e-mails tão comum entre os estudantes... Eu crio listas com meus alunos, em e-mail, com
senha pública, onde todos nós colocamos nossas produções, nossas dúvidas, nossas mágoas. Mas é uma
prática que fica isolada (P8).
275
Integração graduação/pós
Todos nós, na nossa linha, estamos envolvidos com a graduação, onde todo mundo faz um pouco de tudo;
estamos vivendo essa experiência muito interessante. [...] pegamos os alunos sob a supervisão dos
professores e participamos mestrandos e doutorandos, no Estágio. Está sendo uma experiência FAN-
TÁSTICA! É estágio, pesquisa e extensão e é ensino, porque toda semana tem um encontro de quatro
horas aqui, onde todos discutem as experiências que estão tendo, o que estão fazendo (P2).
P2 continua: Esses dias eu estava lendo o diário de campo e a carta dos encontros do meu doutorando, onde quem fez
o registro foi o aluno da graduação. E aí, eu estava mostrando ao meu doutorando, como o aluno da
graduação cresceu até agora, no registro, como o aluno mudou e fui apontando para ele. Ele dizia como
o aluno conduziu uma atividade e eu dizia como ele poderia acompanhar mais de perto. Mas veja, eu
estou falando com o doutorando, mas também com o aluno da graduação, como é possível ele viver essa
experiência. Um aluno que passa por esse tipo de experiência ele vem com outra cabeça e não pára mais.
Eles vêm aqui e me deixam louca! _ Eu queria ler a dissertação de não sei quem. E vem falar comigo: _
Fulano falou que você tem uma tese [...]. Lá fui eu procurar, para um aluno da graduação, que quer ler
uma tese da Unicamp. Agora, eu sento, às vezes, com dois que discutiam, um o neoliberalismo e outro,
Foucault, como isso se colocava. E eu, mais dramática dizia: _ Eu estou ficando doida! Porque a gente
fala de inclusão, de neoliberalismo, de Boaventura, deixa a gente doida! [...]. A nossa linha toda faz, mas
outras linhas fazem também, mas isso precisa ser um projeto, não pode ser uma iniciativa de um, não
pode ser um envolvimento de outro. Eu sei que outras pessoas se envolvem, mas como é que isso vira uma
política do CE? É olhar a política em ação, como a política acontece, não de quem pratica, é a questão.
Portanto, me parece que nós perdemos chance. Precisamos pelo menos a cada quinze dias, um ofício,
alguma coisa da extensão dizendo, por exemplo, sobre projetos, isso, aquilo. Será que não acontece? É
claro que acontece! Uns são mais afeitos à pesquisa, outros só dão conta de algumas coisas.
Essa professora realiza uma espécie de ecologia de saberes e práticas no seu trabalho com
discentes, possibilita a troca, o compartilhamento, exercita com eles a tradução dos processos
e minimiza a assimetria graduação/pós-graduação.
Reuniões docentes
Todas as participantes destacaram a necessidade de reuniões de caráter pedagógico para
discussão de temas pertinentes à educação, planejamento integrado, partilha de experiências
concluídas ou em andamento. Mendes (2003, p. 217) fala sobre reuniões pedagógicas
realizadas com participantes de um determinado movimento, que ele considera “[...] um
exercício de confrontação e de exposição de argumentos”, que constitui um “[...] aprendizado
de debate democrático (que) atualiza e ritualiza a proximidade [...]” dos participantes entre si
e com o contexto.
276
Avaliação
P11 fala sobre a necessidade de avaliação da implementação do novo currículo e de reuniões
com caráter pedagógico: Penso que a gente vai ter que fazer um momento, não só fóruns, são momentos mesmo de auto-avaliação,
de analisar como está a implementação até agora, ouvir os alunos, inclusive os que já saíram e que já
passaram pelo currículo antigo. Não adianta ter só a visão do professor. Acho que a gente precisa sair
da dimensão de reuniões extremamente técnico-burocráticas e ter discussões de cunho mais pedagógico,
de planejamento, de analisar o que está sendo implementado, de ouvir os diferentes sujeitos envolvidos
no processo.
Eventos
Aqui na Universidade, às vezes, você tem no mesmo dia, no mesmo horário, duas, três coisas que gostaria
de participar e não pode, mas com uma pauta organizada e divulgada mensalmente, teria mais chance
(P8).
Localização da biblioteca e do laboratório de informática
Achei que a biblioteca ter descido (para o andar térreo) foi ótimo! Ela tem que ser de mais fácil acesso! A
posição dela, estrategicamente, foi melhor! O laboratório de informática, também. Eu achei que o
NEPALES foi muito importante na disciplina Alfabetização, não sei dos outros núcleos (P14).
Essas sugestões de experiências possíveis de serem efetuadas no CE, narradas por docentes e
discentes, comprovam que, algumas vezes, o que é considerado inexistente pela razão
proléptica, está presente; consequentemente, por meio do procedimento das sociologias das
emergências, uma riqueza de experiências desconhecidas vem à tona e se torna conhecida e,
possível de ser realizada.
3) Limites, possibilidades, dificuldades e desafios A douta ignorância seria um trabalho de reflexão e de interpretação sobre limites e possibilidades que se abrem e as exigências que criam (SANTOS, 2008).
Pois bem, visibilizar experiências disponíveis e possíveis, presentes no CE, implica desvendar
limites, possibilidades, dificuldades e desafios que obscurecem e dificultam a emergência de
alternativas existentes ou que venham a existir e que podem promover novos e significativos
caminhos para a formação. As possibilidades e os limites são conhecidos por meio da
comparação entre saberes, práticas, agentes, feita pela ecologia de saberes e de práticas. São
277
possibilidades e limites de compreensão e de ação de cada saber para serem conhecidas na
inteligibilidade entre saberes e práticas. A assimetria (diferença epistemológica) entre saberes
dificulta a comparação (sociologia dos saberes ausentes), porém, ao mesmo tempo é o motor
da comparação com outros saberes (SANTOS, 2008, p. 28). Maximizar a assimetria é um
epistemicídio e minimizá-la é a ecologia dos saberes e das práticas, ou seja, a epistemologia
da douta ignorância. Cada saber conhece mais seus limites e possibilidades do que os dos
outros saberes. Devido à diferença epistemológica, a comparação pela tradução para conhecer
limites e possibilidades, deve ser feita por procedimentos de busca de proporção e de
correspondência, que são procedimentos indiretos que permitem aproximações ao
desconhecido a partir do conhecido e ao estranho a partir do familiar (idem, 2008, p. 29).
É preciso, pois, confrontar os problemas, as incertezas e as perplexidades próprias da
Educação atual, como muitas citadas pelas participantes, que se encontram no contexto deste
trabalho, e assim, buscar possibilidades, que constituem o movimento de realização do curso
de Pedagogia. Santos (SANTOS, 2006, p. 117) destaca três categorias modais da existência: a
realidade, a necessidade e a possibilidade, sendo que a razão indolente dedicou sua atenção às
duas primeiras e descuidou-se da possibilidade. A possibilidade é o movimento do mundo e
implica três momentos: a carência (manifestação de que falta algo – “Não”); a tendência
(processo e sentido – “Ainda-não”); e a latência (o que está na frente desse processo – “Nada
ou Tudo”). Os três momentos ocorrem, simultaneamente, sendo que um deles destaca-se mais
ou menos em determinadas ocasiões.
A tendência, o “Ainda-não”, implica capacidade (potência) e possibilidade (potencialidade) e
creio que a tendência seja o momento predominante em toda prática social, porque se vive
sempre em processo e este é atravessado por carências, incertezas e não-existências. Nele
sobressaem, ainda, as expectativas do que pode ou não ocorrer, resultando em esperança,
utopia, salvação ou, em frustração, desastre, perdição. Afinal, não existe a certeza de que um
movimento dará certo, mas importante é fazer, acreditar e apostar, pois o processo é permeado
de incertezas e é a sociologia das emergências que identifica (nos saberes, nas práticas e nos
agentes) as tendências de futuro, com as quais é possível atuar para maximizar as
probabilidades de sucesso em relação ao fracasso.
Nas conversas, as participantes narraram limites, possibilidades, dificuldades e desafios, que
advêm da cotidianidade universitária, da própria Escola Básica que interferem na realização
278
curricular e como dificultam ou ajudam o trabalho docente. Acho prudente ouvir,
atentamente, o que dizem as docentes, porque mais do que todos, elas vivem e sentem na pele,
na alma, no coração e na mente, o cotidiano da formação, nas suas relações com
conhecimentos, alunos, pais, escola, com a vida. Falam de emoções que se manifestam “[...]
em corpos e em culturas, sendo articulações de possíveis descobertas permanentes de
possibilidades de ser e de fazer” (MENDES, 2003, p. 205), que as desafiam, continuamente.
Portanto, mais importante do que a minha percepção como pesquisadora é a percepção das
docentes-discentes expressa nas suas vozes, olhares, paixões, emoções, devires. Elas falam de
resistência, isolamento, individualismo, encontros, relação teoria-prática, escola e
Universidade, integração entre salas, de sala ambiente e de utopias, exemplificados a seguir.
Resistência
A professora P18 traz uma palavra forte, que expressa a capacidade, a tenacidade das alunas
da Pedagogia para superar limites, por maiores que pareçam: É por isso que o curso de Pedagogia faz panelaço, apitaço, porque além de tudo tem um significado
histórico e político: é a CLAS-SE POPULAR na UNIVERSIDADE! Então o curso de Pedagogia assim
como outros que são MAJORITARIAMENTE ocupados por estudantes de origem popular, carrega essa
marca, a marca da RESIS-TÊNCIA, é por isso que não é FÁ-CIL dar aula para a Pedagogia, porque elas
podem saber pouco do conteúdo que a gente valoriza, mas o que elas trazem de experiência de VIDA
muitas vezes nos INTIMIDA, como profissionais da academia. A gente, à vezes, não sabe o que ELAS
SABEM! De experiência de VIDA, de LUTA, de SUPERAÇÃO de LIMITES! Muitas de nós não passou
por nada disso! Então me deixa muito entusiasmada lidar com a Pedagogia. Acho que a Pedagogia é
assim, um curso que veio para ocupar um espaço que é do estudante de origem popular na Universidade.
Essa tem sido muito a minha luta desde que eu entrei aqui, desde que passei a defender a reserva de
vagas. Inclusive o DA, da Pedagogia, tem uma força muito grande.
Isolamento, individualismo
A professora P8 assim se expressa: Eu acho que a primeira limitação é dentro do CE: isso é uma heresia, um pecado, é o fechamento dos
professores, naquilo que já virou um bordão, mas que de fato existe: cada um trancado na sua torre de
marfim. Por mais que a gente diga para os alunos das questões interdisciplinares e transdisciplinares, as
nossas vidas como professores que somos e, também, executores de atividades administrativas, de
pareceres, de contínuo estudo, essas limitações e mais as vaidades pessoais, os grupos fechados,
impedem um trabalho mais integrado, mais enriquecedor. Inclusive esse comportamento se expande para
a própria escola, ensinando aos professores de escola a fazer o mesmo. Este é um sentimento terrível,
porque falamos uma coisa e fazemos outra. Às vezes, nos surpreendemos numa determinada conversa,
279
quando sabemos o que o colega está fazendo e aquilo poderia ser tão rico quando feito em perfeito
contato com o que nós também estamos tentando fazer! Há outras limitações.
A professora (substituta) P16 disse: Olha só, um limite para realizar o currículo é a não integração dos professores deste curso. O meu limite
é chegar e conhecer essa dinâmica de funcionamento da Universidade, dessa estrutura, questões
estruturais do próprio centro. Às vezes você quer utilizar um recurso e não tem disponível, coisa boba,
mas a dificuldade para achar o vídeo-cassete: _ Ah, tem. Chega na hora não tem, você tem que refazer o
que estava pensando; questões dessa natureza. Outra coisa foi o crescimento que eu tive com o grupo; no
início as alunas ficaram meio distanciadas, por que? Porque no começo fui uma professora tradicional
(risos), depois eu fui trabalhando com elas. É a questão que, às vezes, eu sinto do grupo, preciso de
ambiente de aprendizagem na sala, não é ser professor primário ou de ensino médio, mas tem que criar o
clima propício para que você reflita com elas; é até uma questão de organização física da sala! _
Professora, você não está sendo muito exigente? _ Ah, vocês vão me desculpar, mas nós estamos aqui no
espaço que é de discussão, reflexão, não é qualquer espaço. Num primeiro momento, o grupo recuou.
Agora, eu parto do princípio que tem que ler, não sou eu que tenho que ler para elas.
Encontros
Como todas as demais docentes participantes deste estudo, P8 falou da necessidade de
momentos de “troca”, de encontros, de discussão sobre a realização curricular cotidiana nas
diferentes disciplinas: Devo dizer para você que quando comecei no Centro Pedagógico (hoje, CE), havia um grupo que se
propunha a estudar com freqüência e que mantinha encontros nos quais efetuava essas trocas de prática
de sala de aula e havia uma colega que estimulava muito. Depois esse grupo foi se dispersando. Penso
que muito em conseqüência da redução do quadro docente e aumento do número de alunos, de turmas, de
disciplinas, sem aumento do número de novos docentes, e ainda os cargos que a gente tem que ocupar,
politicamente, para manutenção da estrutura funcionando como um todo. O CE, ainda assim, faz
algumas tentativas, embora pequenas, pela importância disso que você aponta, porque são coisas
episódicas: fóruns de licenciaturas, encontros para discutir a nova grade curricular, pesquisas do centro.
Por serem episódicas restringem a presença de todo mundo e não têm o calor, por exemplo, daquelas
reuniões que você fazia como subchefe do DDPE (hoje, DLCE) com os professores substitutos na
tentativa de congraçá-los para um trabalho sério, compromissado, integrado e que pareciam aos olhos
dos acadêmicos, reuniões pedagógicas de escola. Mas agora tudo está na moda, porque as pesquisas
estão todas voltadas para a escola e parece que envolvem uma série de reuniões de escola. Quem sabe,
por essa via, fazer o jogo da estratégia, da tática para retornar essa prática? Essas reuniões seriam
fantásticas, porque você não precisaria estar inventando a roda a todo momento. Você poderia estar
descobrindo com o seu colega, soluções para problemas que você vive e para os quais não encontrou
resposta e, ao mesmo tempo, participando de trabalho conjunto. Isso posso dizer que tive experiências
280
assim aqui dentro, e é extremamente enriquecedor. Os alunos reconhecem, a escola agradece e a gente
também.
Seria agir como uma comunidade interpretativa, tendo a ecologia dos saberes e das práticas
como um procedimento constante. Segundo Mendes (2003, p. 220), o ritual das reuniões tem
um papel importante no percurso individual e grupal, pois os participantes ficam informados,
passam a interessar-se mais pelas questões coletivas e as reuniões “servem também para
canalizar paixões, emoções, sentimentos e explicitar e tornar públicas [...]” suas posições
teóricas, políticas, pedagógicas.
Relação teoria-prática
A professora P6 faz pensar sobre a distância entre o escrito e o realizado, entre a teoria e a
prática. A escriturística, o texto curricular é a teorização (que implica práticas, também) e é na
feitura que vem a prática (que, também, implica teorias) de professores e alunos, para realizar
o que está no papel, na escrita, na perspectiva de integrar teoria e prática. Eu percebo o seguinte: isso (características) está muito claro para nós que construímos este currículo,
mas quando a gente apresenta para os professores, o que cada um vai desenvolver na sua disciplina, aí a
coisa muda. Então, sinto que em alguns casos houve um distanciamento, não houve uma conexão, [...]
mas uma má compreensão da proposta. É difícil isso! Não há uma transposição mecânica, não é isso. Eu
acho que naquelas disciplinas novas, com ementas diferentes, propostas diferentes, aí é que foi o ‘nó’ da
questão. Por exemplo, as diretrizes dizem que a gente precisa ter 400 h de prática, vamos dizer fora o
estágio. E aí a gente bolou uma disciplina, PEPP, essa era a intenção: percebe como é o nome dela?
Pesquisa, extensão e prática pedagógica! Nossa proposta seria a do professor-pesquisador aquele que no
cotidiano consegue fazer uma análise, pesquisa, uma compreensão do que está acontecendo, certo? Aí, a
extensão chega lá e conhece uma determinada realidade, uma escola. Conhecendo, vê que é assim, tem
tais e tais problemas e, então, como interceder ali, atuar lá, seria a extensão. Como a Universidade
poderia estar indo à escola e fazendo alguma coisa? Na hora que você vai e leva uma ação de extensão
universitária, você também está colocando em prática, a prática pedagógica, propriamente. Por isso que
pensamos nessa disciplina mais ou menos nesse formato PEPP I, II, III e IV, de 100h cada uma. Eu já
sinalizei hoje aqui para você que a nossa proposta é uma e que houve uma série de mal-entendidos, no
meu entender: não haver a compreensão de como trabalhar essa disciplina (PEPP), o que ela significava,
o papel dela no contexto deste currículo. Para manter com coerência a nossa proposta, a gente pensou
que os alunos precisavam saber pesquisar, deveriam ter uma ação lá na escola, analisar e vivenciar o
cotidiano, as práticas, etc. [...] (P6).
Sobre a interação teoria-prática, a professora P5 assim se posiciona: Aproximar a teoria da Arte Educação implica desafios advindos da própria complexidade desses alunos.
Por que chamo de complexidade? Porque eles não estão com aquele perfil esperado, que era composto
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pelo pessoal da Pedagogia até poucos anos atrás. A maioria não tem a experiência da escola; tem
experiência da escola como aluno que foi e não como professor. Numa turma de 38, tenho quatro que
estão dentro da escola. Na verdade, trazer a escola como experiência atual para a sala de aula é muito
difícil, ainda mais quando eles estão no segundo período! Talvez em períodos posteriores quando
começarem os estágios, a prática, seria menos complicado. O que faço na disciplina, por exemplo?
Sempre trago alguém da escola para conversar com eles, como forma de aproximar. É uma professora
das séries iniciais que dá aula de artes para as crianças: como ela faz, a experiência dela. Eles fazem
muitas perguntas e é uma forma de ver como esses conhecimentos são utilizados na formação. No
semestre passado foi uma professora da educação infantil. [...]. Esse semestre virá dia nove de setembro,
uma professora de primeira à quarta série.
Para o professor P9, constitui um desafio, Essa tendência a aversão à teoria, que está em todo o lugar, porque é o espírito de uma época esvaziada
de sentido. Quando Marx fala que “tudo que é sólido, desmancha no ar” é que essa dimensão é de
esvaziamento, de danificação de uma cultura em geral, dessa relação com o passado, para perspectivar o
futuro. As estratégias devem fazer com que o aluno perceba que existe uma produção que precisa ser
conhecida e que vai contribuir para ele construir seu processo teórico-prático de realização cotidiana do
seu trabalho docente.
A professora P16 destaca a importância do realce dado à relação teoria-prática nessa nova
versão curricular e que ela está buscando fazer na sua prática como formadora: Uma coisa que senti como retorno positivo pelas alunas, foi aliar a teoria à prática, trazer o cotidiano da
escola, ilustrar com textos e discussões com esse fazer do dia-a-dia, porque às vezes elas falam: _ Ah,
isso é muito teórico! Quando comecei a sentir essas falas, levei duas telas de Salvador Dali, pintor que
brinca com as imagens, projetei para elas e pedi que falassem o que estavam sentindo e vendo naquela
tela. Até coloquei uma, que para mim, é muito interessante, já havia usado em outros momentos e nunca
havia percebido um cão IMENSO; ele ocupa a tela inteira. E, num determinado momento, que não foi
aqui, eu vi outras coisas nessa tela, mas não enxergava o cão. E hoje eu só vejo o cão!
Tela de Salvador Dali (fonte: internet)
P16 continua expondo sua experiência: E eu buscando com elas essa analogia: _ O que é a teoria? Como eu enxergava a teoria de uma forma
reflexiva. Que a teoria não é A RESPOSTA do cotidiano é um recorte que você faz do cotidiano para
ressaltar determinados elementos que você não está vendo (ou que está!). Como o caso na tela de Dali,
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que você vê N coisas e de repente o olhar que você não focou aquilo, mas aquilo EXISTE, está presente
no cotidiano, está na tela, mas não estou enxergando naquele momento (está invisibilizado). Então, teoria
e prática são casadas, mas a teoria não é A RESPOSTA, é uma possibilidade de resposta que estou tendo
para um recorte, um olhar que foquei para complexidade que é fazer a realidade.
Segundo essa docente, sua vivência pessoal ajuda muito no trabalho com a formação. Ela diz: Sou formada em Pedagogia, tenho uma caminhada de escola, fiz especialização em alfabetização, não
tenho mestrado (começou a fazer na PUC/SP, em agosto/08). Em algum momento, a gente fica naquela de
querer ter respostas, mas às vezes eu falo para as alunas que eu quero questionamentos e não respostas
(risos). Nos cursos de licenciatura (risos) é difícil você fazer os meninos se apaixonarem pela educação!
(P16).
Universidade e escola
A professora P10 fala dos limites e dificuldades para trazer e aproximar a escola à
Universidade. Considera que não há relação entre as diferentes disciplinas de um mesmo
período e nem de todos, e que só tem acesso às disciplinas de Psicologia do 1º e 2º períodos,
porque pode pedir no departamento. Sugeri que poderia fazer um seminário com outros
professores. Ela disse: “Existem limites. [...] Talvez falte um pouco mais essa interação,
talvez coubesse ao colegiado de curso, reunir os professores...”, fazer reuniões de caráter
pedagógico, porque as de departamento são essencialmente administrativas. Como os
professores substitutos só fazem a docência, os professores efetivos ficam sobrecarregados,
com um acúmulo de encargos além da docência; se fosse maior o número de efetivos, essas
atribuições seriam mais bem distribuídas. P10 considera um limite desconhecer o currículo:
“Acho que a questão principal é não ter conhecimento de todo o currículo que se trabalha,
porque às vezes eu tenho impressão, vejo pessoas tirando cópia, que eles estudam
psicomotricidade, e eu, talvez pudesse trabalhar”. Ela se refere à disciplina “Educação,
Corpo e Movimento”, no segundo período e continua esclarecendo: Pois é, talvez a Psicologia pudesse ajudar nela, também. Eu, professora substituta, não posso trabalhar,
mas poderia no Ensino Fundamental, por exemplo, porque não há um projeto de extensão, porque lá (no
departamento de Psicologia) a gente estuda Psicologia da Educação! Tem profissionais que dão aula de
Psicologia da Educação, que tem estágio, extensão, tem uma disciplina que se chama Dinâmica de grupo
e Relações humanas I e II. Eles também fazem intervenção em escola! Por que não pode trabalhar em
conjunto? Eu fiz um estágio em Psicologia em um ano, em clínica e em escola! Nunca foi um pedagogo
ou alguém da educação trabalhar na nossa reunião de estágio, a gente fazia contato com a pedagoga
daquela escola, que confesso não gostava muito da gente (risos). E provavelmente da profissão, também.
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A professora P11 destaca a responsabilidade em relação ao PPC, que penso é de todos os
participantes do centro, pois são todos que o tornam realidade: Eu acho que vai advir desse projeto, nós mesmos temos que conscientizar quais são as nossas concepções
– teoria, prática educativa – se não tivermos essa clareza... Às vezes você vê colegas falando de
concepção de estágio que está ultrapassada, [...]. É um processo desencadeado de formação e auto-
formação dos próprios profissionais. Se não tiver um projeto que tenha como meta uma formação desse
formador... É o PPC do curso que faz isso! Se não tiver clareza das concepções que perpassam esse
currículo, ele não vai dar conta de implementar, cada um vai fazer a leitura que melhor convier! Senão
eu posso trabalhar agora da mesma forma que trabalhava o outro!
Necessidade de Integração
P17 assim se expressa sobre esses possíveis limites, possibilidades, desafios: Eu acho que a questão da integração das salas em períodos iniciais está sendo muito importante, está
trazendo uma curiosidade demonstrada na sala de aula, isso ajuda bastante, desafia a gente também,
porque às vezes eles vêm com perguntas assim: _ Ah, meu aluno fez isso assim... Você não conhece o
aluno, não vai lá na escola para conhecer e ela quer uma dica, uma sugestão. Então você conversa, dá
várias sugestões, indica leituras, porque o diagnóstico do aluno, nem sempre, a gente mesma, professora,
dá conta de fazer isso. Então é um limite que não dou conta de responder tudo, mas posso mostrar que
não preciso saber tudo, que eu tenho algumas linhas e que elas vão me ajudar a testar as diversas
soluções propostas na literatura e ver o que se adequa com aquele aluno que ela está pegando na sala de
aula.
Essa professora continua: Os limites são o tempo de aula, poucas horas, precisamos de mais horas de aula, carga horária maior,
dividir a Matemática em quatro; hoje são duas que abrangem tudo que está no PCN, só que tudo mais
rápido. Você gasta mais tempo com um (assunto), os outros você só mostra material, não dá tanta
oportunidade, porque eu privilegio muito a construção de conceito de número, sistema de numeração, as
operações e resolução de problemas, a geometria, sólidos geométricos, e planificação. Já o uso de
material para construção da geometria plana, de triângulos, exploração de características e
propriedades dentro da Geometria, isso eu passo batido, dou de leve, uso transparência só para mostrar
que o assunto existe e onde pode ser melhor estudado, trabalho bastante frações, números decimais com
vírgula, são coisas que elas sentem dificuldade para a própria vida (P17).
Sobre os limites e possibilidades nas suas aulas, para aproximar a teoria e a cotidianidade da
Universidade e da Escola Básica, para realizar a aprendizagem, a professora P18 fala: Eu acho que o limite é a dificuldade, dentro dos nossos espaços, dos nossos tempos aqui na academia, de
conseguir um jeito de integrar todos esses produtores de conhecimento que nós somos aqui e colocar
todo mundo para conversar, todo mundo para compartilhar suas experiências e a gente abrir mão das
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diferenças teóricas, administrativas, políticas e tentar pensar um jeito de trabalhar juntos. Isso é ao
mesmo tempo um limite, a impossibilidade de fazer isso por causa da SOBRECARGA de trabalho que é
ENORME! É um limite e ao mesmo tempo um DESAFIO, porque se a gente não consegue fazer isso e fica
andando em círculos, apontando essas necessidades sem conseguir concretizar. Então acho que é
começar a construir o diálogo com a escola porque esse nosso diálogo, eu percebo que às vezes a gente
alterna monólogos, às vezes a gente diz para a escola o que ela tem que fazer, ela diz o que a gente tem
que fazer, mas diálogo é ter o ouvido sensível para poder escutar, conversar, entrar em consensos
possíveis.
Quanto à dificuldade de integração com a escola, para uma aluna do curso, “É o estágio que
possibilita ir à escola, porque a gente vai viver, mas já vai tendo um contato para
compreender. A nossa própria experiência vale muito mais do que você ter um manual, um
livrinho debaixo do braço e não saber como faz a prática, porque a prática é que constrói
não é só a leitura”. Por isso é importante para a discente ir com “leitura feita” para a aula,
porque terá possibilidades de debater, questionar, argumentar. Se não lê, não vai ter condições
de participar. Algumas alunas ressaltam a importância do estágio para conhecer diversas
realidades, conforme o fragmento de diálogo: A: Fazer estágio inclusive FORA da Rede Municipal! Não é porque eu estou aqui (na Universidade) que
eu vou lá trabalhar certo! É pegar a oportunidade de ir pelo menos duas vezes por semana! (...) Vamos
mudar de rede? Vamos para o bolsão de miséria? Eu vejo que precisa disso...
A: Vamos para diferentes realidades e depois a gente volta para cá. O que vimos lá em São Pedro, na
Serra, em Viana?
A: Mas aí, é o professor que tem que mandar cada um para um lugar...
A: Não é o professor, não!
A: Todo mundo queria ir perto de casa! A Fulana que foi comigo lá na Serra, porque mora lá, mas todo
mundo quer ir perto da casa!
Uma aluna levanta a questão da Pedagogia Empresarial, também, abordada em outros
momentos: “Já vi alguns concursos da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia
Siderúrgica do Tubarão dirigidos para PEDAGOGOS! Sempre senti curiosidade em saber: o
pedagogo vai atuar nessas empresas? É a área de gestão? Como ele vai trabalhar nessas
empresas?Tem uma Pedagogia especial ou é a Pedagogia normal?” Há pessoas que
trabalham em empresas, com os conhecimentos do curso de Pedagogia (escolar), mas existe
curso de Pedagogia Empresarial! Quem optar por trabalhar em empresa e não em escola, pode
fazer uma especialização ou procurar uma faculdade que ofereça a ênfase nessa área. São as
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ênfases de que a legislação fala. A lista de ênfases é enorme! Cada curso oferece conforme
suas possibilidades. As alunas continuam a conversa: A: O acompanhamento da pesquisa e do Estágio nos faz ver as coisas e viver experiências que a gente
viveria como professora.
A: A gente tem que aprender AQUI e ir às escolas sempre, nem que faça estágio de graça!
A: A experiência que eu tenho com escola, como professora, não é nada! Eu estava AJUDANDO como
“amiga da escola” e entrei como segmento de pais no Conselho de Escola, quando a prefeitura criou o
Conselho de Escola. Fizemos reuniões, a gente visitava OUTRAS escolas POR NOSSA CONTA, não era
a prefeitura que mandava! Eram dois pais, mas a gente incentivava os suplentes para irem, não tinham
voto, mas acompanhavam. Isso é uma coisa que você vai levando experiência. Eu tenho experiência de
currículo. Como essa criança de oito anos que ameaçou o diretor, eu não estava na sala de aula, nem
diretora, nem pedagoga, mas eu estava presente no Conselho de Classe!
A preferência pela escolha de escolas no entorno da Universidade, para realizar estágio e
outras atividades de caráter teórico-prático, é uma atitude cômoda para todos, porque o
professor tem muitas atividades docentes, acompanha alunos em muitas escolas e quando é
perto facilita! Além disso, os discentes, também, preferem a proximidade ao campus, porque
almoçam no Restaurante Universitário, ficam para estudar na biblioteca, são monitores,
estagiários, participam de projetos de pesquisa, de extensão, vão para estágio não-curricular,
trabalham. Há uma série de fatores que constituem limites para essa expansão. As alunas
continuam enumerando experiências que gostariam de ter para ampliar os saberes e abranger
diferentes dimensões profissionais como propõe o PPC: Eu gostaria de ter, como já tive, essa experiência de aprofundar MUITO mais, porque eu não fiquei só na
escola, fui pro CAJUN, instituição que ajuda aquelas crianças que ficam pela rua. No CAJUN tem
videogame, em casa não tem brinquedo, não tem nada. O que vai fazer? Nada! Ou vai para a rua ou vai
para as drogas. Então o que eles fazem? A gente leva para o CAJUN, lá você é uma segunda mãe, porque
não tem só os que... É muita criança!
O questionamento da aluna mostra a realidade, porque a sociedade vai deixando morrer uma
série de outras atividades que parecem antiquadas, que estão fora de moda e que poderiam ser
trazidas à tona. E as crianças dizem: _ Ah, na minha casa não tem videogame, não posso
brincar. Mas e as brincadeiras infantis? A aluna complementa: “_ Aí está o segredo! A
criança não pode ficar na rua. As mães TÊM que sair para trabalhar porque têm que ajudar!
É a realidade! A maioria das mães ajuda a sustentar o lar!”. A essas crianças é endereçado o
currículo escolar, crianças que vivem diferentes e diversas realidades e é para trabalhar com
elas, também, que é endereçado o currículo de futuros-pedagogos. Assim, discentes relatam
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outras situações limitantes e dificultadoras: “Vejo um pouco de dificuldade devido ao corre-
corre; a gente lê um texto na correria, sem poder aprofundar, fazer uma segunda leitura; a
professora falou que é preciso ler mais, ler as referências dadas”. Uma aluna estagia na
biblioteca e esclarece que, mesmo estando num “espaço de livros”, não consegue ler:
Sou estagiária de iniciação científica [...] sou monitora na biblioteca, fico lá, olho os livros e não consigo
ler, o tempo não dá. O contato que tenho na biblioteca dá uma oportunidade de conversar com quem
busca o livro: o graduando, o mestrando, o doutorando. O trabalho na biblioteca não é puramente
burocrático: às vezes um aluno do primeiro período pergunta se já fiz determinado trabalho e troco
idéias com ele; na biblioteca descubro novos livros e conhecimentos. Nos primeiros dias na biblioteca,
achei livros que no semestre anterior não consegui; eram livros que poderia ter usado [...]. Agora vi que
tem um monte de coisa, mas que a bibliotecária puxava no computador e não aparecia; às vezes até a
bibliotecária pensa que não tem. Na biblioteca setorial o aluno não tem acesso ao computador para
procurar livro. Pela manhã, os alunos procuram mais a biblioteca que à noite; fica lotada quando tem
trabalho para fazer. O acervo não atende às necessidades dos alunos, nem na biblioteca central, são
poucos volumes de cada livro. A bibliotecária reclama que não consegue organizar a biblioteca, fala da
necessidade de mais monitores, de fazer um mutirão para resolver de vez. Eu recorro mais à internet
para pesquisar; uso mais porque estou lá (na biblioteca), mas quem estagia não tem tempo. Fazendo
pesquisa dá para associar muita coisa com o currículo do curso.
Utopias
P13 retrata o desafio de ser professora: Eu acho que o que possibilita é o desejo, a vontade, o sonho. Toda pessoa que entra para ser educador na
realidade brasileira tem que ser idealista, ter um sonho, gostar porque ser educador no contexto em que
a gente vive nunca foi fácil. Hoje ainda está melhor! As motivações dos alunos são diversificadas. Tem
aquele que já está iniciando, talvez, por estágio e aí sente sede de conhecer mais; outro, talvez, por
idealismo mesmo, a mãe foi professora, a tia, a irmã, enfim... Tem aquele que não tem interesse, está aqui
porque quer o diploma. Acho que, infelizmente, eles trazem à tona dos debates, mais os limites do que as
possibilidades. Por exemplo, uma questão muito séria é a salarial...
Estágio A professora P14 fala sobre as normas institucionais de estágio não-curricular:
A UFES fez um contrato em relação a estágio. É o seguinte: os estagiários da Universidade só poderão
atuar como estagiários nas instituições numa carga horária de 4,30h. Isso para os nossos alunos é
maravilhoso, porque é maior tempo para eles estudarem, porque geralmente o estágio é de seis horas. A
Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) tem contratado muitos da Universidade Federal e é contrato de
4,30h. Só que a prefeitura não atende toda a demanda. Então, às vezes, elas falam assim: _ Estou
perdendo o meu estágio porque as instituições particulares só contratam por seis horas, porque eu sou da
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UFES não posso mais ter o meu estágio; então elas só podem ir para prefeitura. Falei (P14): _ Isso é
bom para vocês, mas é limitante. São possibilidades e limites...
Outras dificuldades
As participantes da pesquisa relatam dificuldades que são, algumas vezes, invisibilizadas, que
existem, mas por razões políticas, técnicas, sejam quais forem, são ignoradas e a sua
emergência e busca de superação, certamente, possibilitaria melhorias para o curso e seus
praticantes. Para o professor P9, [...] uma dificuldade seria a necessidade de ter uma diretriz, a falta de encontros pedagógicos. Outra é a
falta de carga horária para participação dos alunos em eventos, por exemplo, na Semana da Pedagogia,
muitos professores não vão dispensar os alunos para participar do evento que é organizado por eles
mesmos (no PPC há 200h destinadas a Atividades Complementares).
A questão da importância da leitura, citada em outro capítulo, é considerada como habilidade
básica para a aprendizagem no Ensino Superior. Sobre isso, P16 disse: Isso foi outra dificuldade que senti.
_ Ah, não vai dar tempo de eu ler! Elas fizeram uma crítica:
_ É muito texto que você está dando para a gente!
_ Tudo que estou falando tem um referencial e vocês vão ler! No início, quando elas não tinham nada
para me perguntar eu não tinha nada para falar. O grupo chocou!
_ Vocês leram o texto? Têm alguma coisa para pontuar? Então, está tranqüilo? Beleza! Elas olharam
para mim... Mas eu não vou dar uma aula, tem que partir das indagações, como que você recebeu esse
texto. Às vezes vão pontuar questões que eu não pontuei. Então, meu papel aqui é de comentar essas
discussões (risos). A primeira aula que trabalhei com texto: _ Não têm nada que perguntar, não tenho
nada para falar! Vamos seguir para o próximo conteúdo. Aí o grupo parou. (risos). E nas próximas aulas
começaram a entrar nos textos. Também vi que tinha que reduzir o ritmo, um pouco. Estava muito
acelerado para o grupo. O que eu percebo, por lidar com a linguagem escrita, com o texto, isso é um
dificultador também no trabalho com o grupo. Muitas vezes percebo que não é que elas não possam
elaborar determinadas coisas, elas não têm a familiaridade ainda com esse tipo de texto, e daí você
precisa ajudá-las, tipo: _ Como ler esse texto? Fui percebendo também, que às vezes eu dava um roteiro
para ajudar na leitura e compreensão do texto; essa dificuldade de lidar com a língua, percebo em
algumas alunas e em outras, também vejo coisas fantásticas.
Então, que formação para o mundo atual? Qual o papel da Universidade? O que ensinar e o
que aprender-para-ensinar? A professora P1 citou desafios do currículo que precisam ser
visibilizados e compreendidos para serem colocados em prática. Ela faz uma síntese dos
desafios de toda a nova estrutura curricular:
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Eu acho que nós temos muitos desafios pela frente:
Desafios para viabilizar as Atividades Complementares, para registrarmos essas atividades, porque
temos hoje um currículo que vai possibilitar o aluno ter uma formação em 200 horas de atividades extra-
curriculares no sentido de ensino, pesquisa e extensão e outras atividades acadêmico-culturais. Na
realidade você vai ter que traduzir isso em horas para que seja incorporado ao histórico e ele tem um
acompanhamento disso, porque ele precisa cumprir essas 200 h. Então você tem desafios em relação aos
aspectos mais simples e aos mais complexos.
Tem o TCC que é outro desafio que está vindo por aí. Para essa situação, temos a entrada de 120
alunos/ano, o que significa dizer que se todo mundo resolver fazer um trabalho monográfico individual,
nós vamos ter que pensar nas nossas pernas: quem, aonde, como, de que maneira.
Tem o desafio hoje colocado de 400 h de Estágio.
Temos o desafio de transformar essa PEPP na prática, em algo que venha desde o início interligando o
aluno na teoria e na prática, para não ficar aquela formação que tinha 75% de teoria no início do curso
e só no fim a prática. Como o curso está indo para a sua metade de execução, estamos percebendo as
dificuldades desde o primeiro período e não estão sendo simples.
Dificuldades no entendimento da própria concepção desse currículo, no entendimento do envolvimento
desses professores, para que de fato a mudança não seja só no papel.
E aí você tem, por exemplo, outra dificuldade que é arrumar tempo para fazer essas discussões! Porque é
preciso reunir com esses professores, fazer essas discussões e avaliação.
Precisamos discutir o processo de avaliação desse curso pois, é uma questão, que envolve a formação
desse pedagogo e vamos ter que fazer essa discussão, internamente.
P1 continua sua exposição para esclarecer questões pontuais do currículo: São pontos, os ‘nós’, os mórbidos... (risos), pontos onde vão ficar mais evidentes a complexidade da ação
(visibilizados), porque eles vão exigir mais, um esforço maior de todo mundo... Por exemplo, o TCC,
Atividades Complementares, Estágio, essas disciplinas de Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica, o
envolvimento com os núcleos, com os nossos outros âmbitos de pesquisa, PPGE, etc. Então, eu vejo
assim, que a explicação dessa nova configuração formativa vai demandar da gente muitos desafios que
estão ainda no meio do caminho, porque os alunos começaram em 2006/01 e estão indo agora para o 5º
período (essa primeira turma conclui o curso em 2009/02). O currículo 681 (matutino) é de oito períodos
e o currículo 682 é de nove, que é o da noite. Então, na realidade estamos vivenciando 50% da 1ª turma
desse currículo que está na metade do percurso (à época da nossa conversa). Ainda é muita fragilidade
porque esses quatro períodos passaram num contexto muito peculiar do próprio centro: peculiar de
mudança, de entendimento de dois currículos simultâneos, dos alunos estarem entrando sem entender o
que é isso, sem conhecer a legislação, os outros que estavam no anterior sem entender que formação eles
tinham para onde eles vão, onde a formação do outro, o que é melhor, o que é pior e gera dúvidas,
insegurança. São tantas dúvidas nesse processo que essas turmas estão vivenciando e que nós ainda
estamos sob consulta no CNE! Temos dúvidas, até no currículo de 1995, no sentido de apostilamento, das
habilitações como ficam, etc. Então, tudo isso causou muita incerteza, teve um acréscimo de quase 700h
nesse currículo, diferença de carga horária maciça!
289
É preciso pensar na carga horária que passou de 2460 h para 3410 e o número de professores
que permanece o mesmo. P1 explica: Praticamente o mesmo e ainda tem esse susto (risos) que você pode ter um abatimento do quadro (risos) a
qualquer momento, porque você não sabe do amanhã. Nesse semestre estamos com esse quadro; no
próximo não sabemos qual teremos, embora tenhamos o reforço para formação continuada que estamos
aguardando retorno (risos). Então é uma dinâmica... Essas dificuldades todas estão sendo colocadas. E
tem outras, algumas filigranas assim, igual da investigação que estou fazendo. Por exemplo, não termos
mais a habilitação da Educação Especial. Espera-se que esse profissional, em termos de discurso de
inclusão, seja um profissional que consiga atender a todos. Seja por diferença de classe, sexo, social, seja
normal ou não, portador de alguma necessidade especial, se é da área urbana ou rural. Vou te dar um
exemplo bem concreto: hoje tem uma tematização de diversidade, de diferença, de sujeito, de homem, de
escola, de igualdade, que deveria estar perpassando todo esse currículo, uma vez que não vai ter um
dado momento na formação, para fazer essa dita discussão mais centralizada. Embora tenha alguns
indicativos pelo enunciado das disciplinas, que vai ter alguns momentos mais diretivos, onde estas
discussões vão estar mais centralizadas em outra unidade do conteúdo, por exemplo, vai acontecer com a
gestão, com a Educação Infantil (EI), anos iniciais, Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação
Especial (EE), etc. E aí, vai ter circunstâncias como estamos enfrentando aqui, por exemplo, se eu olho o
currículo e simplesmente for contar o que o enunciado de antemão me prescreve, eu diria, da EE vou ter
uma disciplina aqui... (consulta à grade curricular).
P1 continua enfática: ENTÃO EU POSSO TER UMA EMENTA MARAVILHOSA, UM PROGRAMA LINDO, UMA MUDANÇA
DE PROPOSTA, UMA NOVA CONCEPÇÃO DE MUNDO, UMA NOVA CONCEPÇÃO DE
SOCIEDADE, PARA PODER TRABALHAR (fala bem enfática), mas quem vai dar visibilidade, quem vai
dar cara, dar corpo a tudo isso são os nossos professores, os nossos alunos, na hora que tiverem com a
mão na massa. E se esse sujeito não estiver imbuído dessa nova percepção, vamos ficar nós aqui, com
vontade política, muita vontade de transformação (risos). Por isso é importante a questão da
possibilidade desses encontros digamos pedagógicos dos professores. Não só dos encontros pedagógicos,
mas do CE não perder a perspectiva da escuta do outro. Porque na realidade o momento do projeto
escrito foi um momento. Ele não pode ficar ali, congelado. Todos esses momentos que você está trazendo
aqui de discussão que eu faço com o meu grupo de pesquisa, que todos os outros professores estão
fazendo isso tem que virar numa ação concreta para retroalimentar esse documento aqui.
E a escuta vai ter que se dar não só dos professores, mas dos alunos, dos funcionários. Porque senão a
gente só fica mudando o discurso, mas na prática não muda nada.
As alunas explicam os desafios em relação à Educação Inclusiva: Outros desafios são os das práticas docentes; a formação em Educação Especial ficou superficial, mas
com a pesquisa vai dar para aprender mais, aprofundar mais os conhecimentos. Quando faz grupo focal
na pesquisa, a gente ouve outras pessoas, outros profissionais, experiências e enriquece e vê que ainda
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há frustração em relação à educação inclusiva. Isso causa medo aqui (no CE) também, porque a gente
fica pensando em ter uma turma com trinta alunos e ter ali, alunos com necessidades especiais e a gente
ter que dar atenção a todos e não dar conta. Tem dois amigos nossos fazendo estágio e tiveram que
assumir a turma por um dia. Eu sonhei com isso: que eu assumia e fiquei desesperada. Ainda bem que
acordei. Acho um descompromisso dar a turma assim à gente! A pedagoga (da escola) não ajuda nada e
manda dar uma folha para pintar. Mesmo em escolas precárias, com salário baixo pode-se ter produção
de trabalho. Saí da instituição em que estagiava, porque via coisas que eu não concordava e não
conseguia conversar com a professora da classe para mudar.
Tantas experiências disponíveis, possíveis, como também, quantos limites, possibilidades,
dificuldades e desafios! Visibilizar tudo isso, implica valorização do trabalho realizado no
Centro de Educação, divulgação de suas pesquisas e realizações, atenção com aspectos que
estão ficando esquecidos nas fronteiras, nas margens e por isso, ignorados. Sua emergência,
certamente, ampliará em muito a atuação do centro e essa decisão passa pela Axiologia do
Cuidado.
Por uma Axiologia do Cuidado! A prática de cuidar de si [...] não constitui um exercício de solidão, mas sim uma verdadeira prática social, uma vez que é através dos cuidados que se têm com os outros e consigo mesmo, que há uma intensificação das relações sociais [...] Formar-se e cuidar-se são atividades solidárias (FOUCAULT, 1985, p. 43-73, apud EIZIRIK, 2005, p. 123).
Na dimensão ética do cuidado86, Eizirik (2005, p. 85) explica que “[...] a ética se coloca como
ponto estratégico nas relações entre as pessoas, assim como nas relações das pessoas consigo
mesmas”. Em consonância com o novo senso comum emancipatório, que implica um
conhecimento prudente para uma vida decente, “[...] o cuidado é caracterizado por sua
contribuição na promoção de uma vida decente, [...]” (BORGES, 2006, p. 16), portanto,
condição essencial para a produção de um novo conhecimento, de uma nova pedagogia. Na
sociologia das ausências, a Axiologia do Cuidado é exercida em relação às alternativas
86 Uma história que trata da “alegoria do cuidado”, tomada por Heidegger da Antigüidade (apud, EIZIRIK, 2005, p. 103): “Quando um dia o Cuidado atravessou um rio, viu ele terra em forma de barro; meditando, tomou uma parte dela e começou a dar-lhe forma. Enquanto medita sobre o que havia criado, aproximou-se Júpiter. O Cuidado lhe pede que dê espírito a essa figura esculpida em barro. Isso Júpiter lhe concede com prazer. Quando, no entanto, o Cuidado quis dar seu nome à figura, Júpiter o proibiu e exigiu que lhe fosse dado o seu nome. Enquanto o Cuidado e Júpiter discutiam sobre os nomes, levantou-se também a Terra e desejou que à figura fosse dado o seu nome, já que ela lhe tinha oferecido uma parte do seu corpo. Os conflitantes tomaram Saturno para juiz. Saturno pronunciou-lhes a seguinte sentença, aparentemente justa: “Tu, Júpiter, porque deste o espírito, receberás na sua morte o espírito; tu, Terra, porque lhe presenteaste o corpo, receberás o corpo. Mas, porque o Cuidado primeiro formou essa criatura, irá o cuidado possuí-la enquanto ela viver. Como, porém, há discordância sobre o nome, irá chamar-se homo (homem), já que é feito de húmus (terra)”.
291
disponíveis (experiências) e na sociologia das emergências, em relação às alternativas
possíveis (expectativas). Por piores, por mais desanimadoras que sejam as experiências
presentes na Educação, por exemplo, isso não impede que se tenha a ilusão de expectativas
promissoras. A sociologia das emergências busca a equilibrar experiências e expectativas, isto
é, expande o presente e reduz o futuro. Não são expectativas grandiosas e falsamente infinitas
como as da modernidade, mas expectativas legitimadas pela sociologia das emergências, por
isso são contextuais, isto é, definidas por possibilidades e capacidades concretas; são
expectativas que apontam para novos caminhos de emancipações sociais (SANTOS, 2006, p.
119). A sociologia das ausências e a sociologia das emergências propõem uma vigilância ética
sobre o desenrolar das possibilidades alimentadas pelas emoções, como ansiedade e
esperança, conforme se observa nas narrativas das alunas. Afinal, o descrédito das soluções
dadas aos problemas pela modernidade não desacreditam os problemas que ainda persistem
na Educação e na formação.
Segundo Santos (2006), é no presente que se cuida do futuro. Nesse sentido, a sociologia das
emergências substitui o vazio do futuro (Tudo ou Nada) por um futuro de possibilidades, que
se constrói no presente pelas atividades de cuidado. O conceito que orienta a sociologia das
emergências é o conceito de “Ainda-não” (de Ernest Bloch), que exprime o que existe como
tendência, um movimento latente, escondido, pronto para se manifestar. A sociologia das
emergências é o modo como o futuro se insere no presente e o aumenta, é consciência
emancipatória. Ela registra no presente uma possibilidade incerta, que não é neutra, pois pode
ser a possibilidade da utopia ou do fracasso (SANTOS, 2006, p. 116-7). Essa incerteza dilata
o presente e encolhe o futuro, tornando-o objeto de atenção. O “Ainda-não” tem sentido
(enquanto possibilidade), mas não tem direção definida (pode ser esperança ou desastre). O
“Não” (a carência), “o Nada e o Tudo” (a latência) “[...] iluminam emoções básicas como
fome ou carência, desespero ou aniquilação, confiança ou resgate [...] presentes no
inconformismo que move tanto a sociologia das ausências como a sociologia das
emergências” (idem, 2006, p. 118), para fortalecer ações coletivas de transformação social
que exigem, sempre, envolvimento emocional (entusiasmo ou indignação). De acordo com
Mendes (2003, p. 205), “[...] as emoções são modos de definição e de negociação das relações
sociais e da pessoa [...]”, cujo envolvimento realiza o equilíbrio entre a vontade de agir e os
obstáculos.
292
Promover uma boa formação é, pois, cuidar do futuro da Educação, da sociedade e da vida,
embora seja um futuro incerto, porém, a sociologia das emergências procura maximizar as
possibilidades de esperança de dar certo, para superar as possibilidades de frustração de dar
errado. Assim, a formação deve atuar com as possibilidades (potencialidades) e com as
capacidades (potências) do contexto e dos envolvidos. A tendência, o “Ainda-não”, não tem
uma direção certa, não é linear, por isso a sociologia das emergências substitui a idéia
mecânica de determinação (axiologia do progresso) pela idéia axiológica do cuidado.
Trabalhar com Educação, com formação, implica, assim, cuidar de si e cuidar dos outros, pois
“[...] toda ação social empreendida sem cuidado pode prejudicar não só o protagonista da
ação, mas também tudo e todos aqueles que estiverem ao seu redor” (BORGES, 2006, p. 13).
Esse cuidado deve estar voltado para cada um e para todos e se estender ao aluno, aos colegas,
ao professor-formador, ao contexto, às relações, às disciplinas, como explicitado a seguir nas
narratividades das participantes desta pesquisa.
Contraternização com alunos da Pedagogia
A professora P17 fala sobre o processo de socialização dos alunos, apresentação de
professores e respectivas ementas, sobre trabalho integrado, aspectos que são relacionados ao
cuidado: Olha, eu acho que (ter) atenção com as alunas, carinho, respeito como pessoa. [...] Escutar... Mas
cuidado, também, com as reivindicações porque tem muita gente que gosta de chutar o balde. Os alunos
que querem MANDAR! Eles não mandam, mas precisam ser ouvidos e saberem se fazer ouvir! Eu acho
que é uma coisa de ATITUDE que nós precisamos trabalhar, não sei em que disciplina, Didática,
Psicologia, nessa orientação. Nesse semestre, estou vendo no colegiado, uma semana de orientações,
palestras; acho que essa orientação do calouro e do próprio aluno... Já vi essa experiência: as aulas dos
veteranos começam num dia, veterano merece recepção, sem professor ainda, uma semana antes, levar
para o auditório e falar tudo de novo. Com alunos e professores.
Conforme P17 a recepção de alunos seria, assim, um processo de [...] socialização e de recordação de regras, deveres e direitos, um dia; no outro dia já começava a aula.
Ou o contrário: os calouros chegariam uma semana antes, onde ficaríamos por conta deles mesmo. O
calouro no primeiro período não tem Matemática, mas por que eu não posso estar lá numa manhã e falar
para eles que lá no quarto período vão ter Matemática, etc.?! Seria uma semana, três dias, sei lá, de
293
orientação com o calouro. Depois viriam os veteranos que também teriam um diazinho para eles: um
cafezinho da manhã, um lanchezinho à tarde e aí, no auditório, dar uma recordação; ganharíamos em
desempenho e em investimento do próprio aluno na sua formação.
Esse cuidado estende-se aos colegas professores e uma das formas é saber ouvir e prestigiar,
ou dar a conhecer o seu trabalho, segundo P17: Cada um vem falar um pouquinho da sua ementa. Eu não sei qual é a ementa do meu colega de Filosofia!
Se cada um vier falar, não é para ler: _ Ah, pega na internet... Você já fala com o seu coração e já dá o
que considera importante! Ajuda também na hora da matéria da gente, se tem alguma dúvida, você sabe
qual colega consultar, se precisa dele vir à sua sala, ele vem, faz uma palestrazinha para os alunos. Tem
que integrar mais! Acho que as disciplinas deveriam ser mais integradas! Poderia até fazer uma PROVA,
de tempos em tempos, uma vez no semestre que a gente construísse as questões integradas.
Portanto, nesse processo socializador, “[...] cada indivíduo encontra-se inserido em teias e
trajetórias de relações familiares, de trabalho, associativas, políticas e culturais que lhe
conferem uma posição, provisória e negociada, em uma hierarquia de credibilidade”
(MENDES, 2003, p. 205). Para a professora P16, o professor substituto precisa ser
visibilizado, recebido e integrado ao departamento, ao CE: Estou só há três meses aqui, sinto-me uma estrangeira, ainda. No próprio departamento participei de
uma única reunião, na semana passada e estava discutindo os encargos docentes. Parece que foi uma das
primeiras vezes que o professor substituto foi convidado; não tem direito a voto, mas ele está presente na
formação. O professor substituto, se não correr atrás, ele fica fora, não faz parte do CE!
A correria cotidiana permite que isso aconteça, embora o professor substituto, também, esteja
interferindo e contribuindo com a formação de futuros pedagogos e desempenhe um papel
importante no processo. Em sua passagem pelo centro, a professora P16 considera que as
relações precisam ser cuidadas e ganhar visibilidade: As relações que estabeleci foram mais com os alunos do que com os colegas profissionais, pelo fato de vir
dar aula e sair. As vezes que procurei outro colega, como aconteceu com uma disciplina que as alunas
falaram, procurei a professora e fui bem recebida. Isso foi agora no final, poderia ter sido antes e termos
trabalhado juntas. Essa é minha primeira experiência no ensino superior; tive uma disciplina numa
faculdade particular, [...] foi uma experiência isolada. E o mesmo sentimento foi aqui. Cinco turmas, tá?
Estava aqui uma boa parte do tempo, mas não tem momento para colocar o que eu fiz, fiz, o que não fiz.
Eu estou pedindo aos alunos uma avaliação do meu trabalho, mas ninguém está pedindo uma reflexão do
que eu faço.
294
Segundo essa professora (substituta), ela se sente solitária, não precisa dar satisfação a
ninguém do que faz, não é chamada a participar de nada, além do compromisso de dar suas
aulas! Seria falta de cuidado com quem chega e quer, precisa inserir-se neste contexto para
poder atuar?! Ou a dinâmica e sobrecarga de trabalho, ou até mesmo a desumanização das
relações invisibiliza e inviabiliza a necessidade de acolhimento a quem chega?! P16 continua: Autônoma! Qual é a proposta do curso de Pedagogia? Nas entrelinhas das falas das alunas, pelo que eu
estou vendo nas diversas disciplinas, pela ementa, você faz inferências, mas é uma coisa isolada, não é?
O que se propõe? Isso para mim foi frustrante, porque minha caminhada é na escola de Ensino
Fundamental, Ensino Médio, tenho caminhada grande, como supervisora. A tônica do trabalho que eu
fazia, até em direção mesmo, não era apenas burocrático, era refletir a proposta conjunta no coletivo
com o grupo, a tônica do estudo, da reflexão, o professor não é o fazer isolado na sala de aula. Discutir
isso na proposta de Didática era tranqüilo, mas discutir isso na parte de ser COERENTE, discurso e
prática, essa é uma das frustrações que eu tive. Aquele espaço, momento para discussão... É enxergar as
contradições e trabalhar sobre elas. Sou otimista, senão o que estaria fazendo na educação? Mas o
pessimismo foi o que marcou o MEU curso de Pedagogia, NESTE centro, na década de 70; formei em
dezembro de 80. Eu lembro que na época eu pensei: Por que me formei em educação?
Uma aluna enfatiza a necessidade de conhecer o contexto onde vai atuar e isto constitui,
também, um modo de cuidar de si, para ficar bem naquele lugar e cuidar do outro, para saber
lidar com os atores daquele contexto. A gente tem que VER o contexto em que a criança está inserida, o que ela precisa, se é só escola, é só
aprendizagem de escola? Vou muito pela brincadeira. Por quê? Você não vai dar só a matéria à criança;
ela pode em casa, passar a brincadeira para o irmãozinho, para outra criança, então eu brinco, porque
como prolifera a droga, pode proliferar coisa boa (risos) (A).
Outro aspecto destacado por uma discente refere-se ao conhecimento dos desejos e anseios
das graduandas como forma de cuidado, até para ajudar nas decisões profissionais. O
currículo anterior tinha como base a formação de professores do Ensino Fundamental e mais
uma habilitação, obrigatoriamente; o aluno faria outras, também, se quisesse. Agora a base
está em três eixos: docência, pesquisa, gestão, um tripé formativo. Entendo que, pelo texto do
PPC, os três estão em nível de igualdade, embora a docência seja considerada a base. Acho que uma coisa que tem que ser mais vista é qual a aptidão para a formação, porque eu não sei se eu
quero ficar na sala de aula e todos os professores nos tratam como professores em potencial e, eu não
sei, se eu quero fazer, porque esse curso não é isso. A gente vem com essa idéia, não é de... professorinha
das séries iniciais! Parece que pedagogia é (ser) professora! A.
Uma aluna expressa a importância de atitudes de cuidado que o professor-formador deve ter:
295
Hoje, eu estava conversando sobre isso, porque acho que a gente precisa aqui de mais professor tipo
Fulano. Por exemplo, a filosofia dele não é só pegar e sentar pau num texto e aquilo ali é o que vai nos
formar, viu? Ele traz vivências, bate-papo, de uma colocação, de uma ansiedade de uma aluna, ele traz
explicações, entendeu? Acho que falta isso, principalmente, no primeiro período. Acho que nessa
chegada nossa, que é tudo novo, uma passagem do estilo de um tipo de educação para outro, falta essa
mobilidade, essa liberdade em comunicar, em expressar, entendeu?
O discente sente-se invisibilizado, em um não-lugar e, para se socializar na Universidade,
necessita de apoio, ajuda e orientação. É importante visibilizar a realidade da escola e da
Universidade e escutar o que dizem ambas as partes. Há uma ilusão, um desconhecimento
dessa realidade, uma disparidade entre expectativa e experiência. Para adquirir a prática
docente e associar saberes acadêmicos com saberes da Escola Básica, da experiência docente,
conciliar horário para estudar, algumas alunas dizem que é preciso sacrifício delas e da
família. É o preço que você paga, às vezes deixar de sair com a família, ver seu trabalho pedagógico, onde você
está errando, escrever, comprar livros, chegar o final da semana, você não vai poder sair! Pegar o livro,
estudar, pesquisar, buscar outras formas, meios de trabalhar de outras maneiras com aquelas crianças.
Então, É O PREÇO QUE VOCÊ PAGA! (A).
Tentar ultrapassar fronteiras, aproximar saberes de diferentes disciplinas constituindo um
saber da formação e não um saber isolado, por exemplo, de Geografia, História, Alfabetização
ou de outra disciplina, são modos de cuidar da aprendizagem de futuros-professores. Segundo
P8, Esse é outro desafio porque quando aprovamos programas, nós podemos nos dedicar a conhecer as
interfaces entre esses programas. Então, às vezes, vira um objeto de buscas, de perguntas, de tentar
compreender, quando você elabora seu próprio trabalho, o seu próprio desenvolvimento de conhecimento
na sala de aula com seus alunos, por exemplo, na Matemática. Mas você não sabe se seu colega de
Matemática está fazendo e isso é um forte impedimento. Você poderá na retomada dessa nossa gravação,
ver três pontos a refazer isso daí; quando eu falava da felicidade das meninas de pertencerem ao quadro
da escola da 1ª a 4ª séries, porque elas ficam o tempo todo com os alunos e se responsabilizam por todas
as áreas de saber, eu já apontava a importância desse encontro, dessa fuga de limites e áreas, que na
verdade tentam apenas retratar a vida. A vida você não faz num corte entre vários conhecimentos; você
vive a vida e a Matemática, a História permeiam essa vida. Nesse primeiro momento você vê isso. Num
segundo momento, eu falava da transdisciplinaridade, da vontade que teríamos de fazer isso, mas que às
vezes somos impedidos de fazê-lo. E num terceiro momento, quando nos damos conta disso, dessa
impossibilidade. É preciso que professores e alunos fiquem atentos a isso porque me parece que são os
próprios alunos que costumam fazer essa costura entre o que aprendem nas várias áreas disciplinares. As
tentativas que nós, professores, fazemos são pessoais, elas não são uma postura institucional, não
296
abarcam o todo, são inserções pessoais com professores que de fato se preocupam com isso. E eu fico
olhando para as propostas de rearranjo do curso, como que no futuro isso vai se delinear, como a gente
vai ultrapassar essas barreiras. A gente tem visto aqui, por exemplo, entre nós, equipe de Geografia do
CE e a do curso, como é difícil e ao mesmo tempo como é fácil. É difícil quando não se começa e é fácil
quando se coloca em prática AS RELAÇÕES DE CONGRAÇAMENTO! E como os alunos reconhecem
isso!
Cuidado é, pois, uma dimensão ética das relações, que diz respeito ao saber, ao fazer, ao
poder, à emoção e rejeita a hegemonia dominante. Impulsiona para novas formas de viver e se
relacionar, refere-se à sobrevivência e é um modo de preparar o futuro pelo jeito de ser-saber-
fazer-poder aqui, hoje, agora. Promover uma boa formação de pedagogos implica cuidar no
tempo presente, do futuro dos alunos, do seu estudo, do seu trabalho, das relações que eles
vão estabelecer e do ensino que vão propiciar aos seus alunos na Escola Básica.
O acompanhamento da implementação do PPC, também, se constitui como uma atividade de
cuidado com o curso e com todos que o vivenciam, o que implica uma concepção de uma
Pedagogia do Cuidado, que aposta e cuida no-do processo formativo. Ao expressar sua
opinião em relação ao currículo novo, algumas professoras deixam escapar preocupações e
expectativas que se revestem de cuidado. Elas consideram que seria necessário sair da posição
de estabilidade para a instabilidade, deslocar pontos de vista, buscar novos modos de ser-
saber-fazer-poder a formação, provocar encontros, planejamentos coletivos, afetividades. As
docentes avaliam: Eu acho que a tendência é de ganhos, com algumas perdas, [...] O trabalho das comissões é
extremamente importante, [...]. Quero crer que alunos e professores [...] possam encontrar, futuramente,
desdobramentos interessantes (P8).
Na medida do possível, acho que o currículo está interessante e vai sendo construído e reconstruído no
processo. A gente tem a expectativa de contribuir de alguma forma para que ele atenda não só a UFES,
mas à formação de professores das alunas! (P18).
De acordo com a ecologia de saberes e práticas, é no presente que o centro deve fazer essa
construção-reformulação curricular, com base na sociologia das ausências e das emergências.
A professora P2 expressa seus sentimentos em relação à escritura do novo currículo: O primeiro sentimento é a dúvida. Acho que ele é muito genérico [...]. Acho impossível fazer essa
formação um pouco mais geral; eu diria que é até necessária, mas acho que termina sendo coisa demais
e a gente corre o risco de ser muito superficial e não aprofundar nem o básico e nem as especificidades.
Se pensar a minha área, de crianças com necessidades especiais... Eu fico pensando assim: _ Todos os
297
professores precisam ter o conhecimento mínimo básico, para dar conta de pensar os saberes e o seu
fazer com diferentes tipos de crianças. Mas existem especificidades, sim! (P2).
Essas especificidades da formação poderiam ser relacionadas com a razão proléptica, pois de
certo modo é adiado para o futuro, o que deveria ser feito no presente. Uma aluna considera
que “Muitos destes saberesfazeres desenvolvidos e trabalhados na academia estão presentes,
mas, no entanto, há, também, as ausências destas ciências no cotidiano escolar” (A). A
ecologia dos saberes e das práticas propõe que se faça agora, no presente, o que for preciso
para atualizar o curso e a formação. Seria melhor, então, assumir a formação de um pedagogo
generalista que em determinado momento do processo formativo da graduação faz escolhas
para orientar sua decisão na carreira?! Ou que caminho?!
Segundo a diretora do CE, este trabalha com poucos recursos em relação a outros e, mesmo
assim, cresceu na pesquisa, na extensão e na pós-graduação. São demandas frente a um
quadro de redução de profissionais, entre outras questões, que estariam dificultando o trabalho
coletivo, pensado, discutido, conforme depoimentos da maioria das professoras. Para ela, Entre a vontade do prescrito e o que vai acontecer tem muitas dessas condições. Para além do sistema há
a condição das pessoas que estão aqui fazendo esse currículo. Vai depender de nossa inserção nele, da
maneira como os professores estão encarando essa perspectiva, como agem, de como os alunos vão
entender essa nova titulação, esse novo percurso formativo. Na realidade vai exigir de todas as partes um
deslocamento.
A professora P1, também, destaca a questão relativa à prescrição e à realização curricular: O acontecer desse fazer também, compõe o currículo e ao pensarmos que entre o que está escrito e os
processos, muita coisa acontece, tanto que estamos investindo nas pesquisas de acompanhamento da
prática desse currículo, porque outras ações terão que ser incorporadas no prescrito anterior. [...] Na
verdade, a própria equipe está acompanhando a pesquisa, o que tinha sido uma proposta inicial. Quer
dizer, de certa maneira, cada um, ao olhar do seu ponto de vista teórico, vai estar retroalimentando esse
prescrito, porque ele vai ter que ser retomado, porque essas pesquisas vão retornar para o curso. A sua,
a minha, esse olhar todo que estamos fazendo, vai nos dar uma outra direção, porque ele não vai ficar
engessado, parado. Aí, é óbvio, que ele vai ter matizes comuns de percepções teóricas.
P2 admite que a elaboração, a implantação e o acompanhamento do novo currículo têm uma
contribuição teórica a acrescentar às demais pesquisas realizadas em outros contextos: É a possibilidade de produção do conhecimento sobre um Currículo em processo que está iniciando e que
tem uma contribuição que eu diria nacional, porque assim como você, outras pessoas estão olhando esse
currículo. Eu acho que formamos um corpo de conhecimento; é fundamental! Agora, um segundo olhar
que a gente não pode deixar de ter, enquanto responsabilidade séria e que você faz uma pesquisa, que
298
tem uma contribuição para esse momento atual de mudança, no processo de instalação do PPC. Acho
que é muito rico isso! E aí já tenho idéias mirabolantes, por exemplo, minha orientanda está tentando ver
como é que esse currículo antigo e o currículo novo possibilitam principalmente no novo, a formação
desse profissional que dá conta de pensar a diversidade dos alunos com necessidades especiais. Ela está
trabalhando aqui e acho que seria interessante, se um dia vocês duas se encontrarem e trocarem idéias.
Uma colega professora, também, está fazendo uma pesquisa de acompanhamento nessa mesma linha e
são trabalhos que não se sobrepõem. Acho que os três... vão numa linha que possibilita pensar esse curso
na atualidade.
As participantes deste estudo, assim como eu, ressaltam a importância do centro preocupar-se
com o acompanhamento do novo currículo. Os resultados das pesquisas complementam-se e
devem ser socializados e utilizados como dispositivos para a realização de possíveis
mudanças, se necessárias. Em decorrência de alterações realizadas na estrutura curricular, nos
departamentos, no curso em geral, algumas docentes, apresentam sugestões que acreditam,
poderiam enriquecer o novo currículo: Voltar ao sistema de créditos; soltar o currículo, principalmente, para o noturno; soltar o currículo
significa implementar em quatro anos, para quem dá conta e para quem não pode, organizar de modo
que não amarre; horário até meio-dia: quem não pode ter aula até as 12h, que tenha aquela disciplina
em dois dias; que a oferta seja diferenciada de modo que num semestre venha no primeiro horário,
noutro no segundo horário, com o cuidado de orientar o aluno; quem não pode ficar até as 12, faz a
disciplina cedo ou volta à noite, essa disciplina seria oferecida à noite, no semestre seguinte, para o
curso noturno (P2).
A professora P11 questiona o currículo e faz uma contra-proposta indicando uma base teórica,
que fortaleça a formação humanizadora. Seria assim, Uma perspectiva crítica da Educação, que não veja apenas a inserção do indivíduo no mundo do
trabalho, [...] que só se adapta às condições, mas ser o que Paulo Freire já colocava [...], a formação de
um indivíduo com consciência crítica, capaz de avaliar, analisar, de intervir. Não de interferir numa
perspectiva ingênua, mas com consciência das condições onde está inserido. O que não desmerece a
questão da própria sobrevivência. Eu não acredito nesse modelo de competências. [...] dentro da
perspectiva teórica que eu acredito, baseada nos princípios de Vigotsky, a gente aprende e, ao aprender,
se desenvolve. Essa seria uma perspectiva que trabalharia com o desenvolvimento das capacidades, que
vê o processo educativo como um trabalho [...] que vise o desenvolvimento das capacidades dos
indivíduos para atuarem aonde estiverem e sabendo avaliar. Não é um conceito de competência ou de
habilidade87 que vai dar isso...
87 No PPC/CE/UFES não aparece a palavra competência, só conhecimentos e habilidades (p. 21); são especificados três tipos de conhecimentos, mas não são relacionadas as habilidades.
299
Alunas dizem sobre o curso: A formação mais plena, sem a necessidade das habilitações, proporciona uma visão mais ampla da
atuação do curso, [...] (A).
[...] após a conclusão do curso, para me inserir na prática, terei que fazer especializações, para não me
sentir tão perdida no cotidiano escolar (A).
O curso de Pedagogia aqui na universidade precisa ter uma visão mais crítico-reflexiva sobre os dois
parâmetros: pedagogo docente e não-docente. Precisa “amarrar” os aportes teóricos à realidade da
educação básica deste país, à escola viva e não repleta apenas de ideais (A).
Portanto, nas narrativas docentes-discentes surgem disparidades entre expectativa/experiência,
como a observada por docentes-formadoras quanto à expectativa de que alunas, já
professoras, conheçam e saibam os conteúdos que ensinam nas séries iniciais, porém,
constata-se que muitas não os sabem. Outra expectativa é que, ao contrário do que uma
professora acredita, a matriz curricular não foi reduzida, mas ampliou sua abrangência quanto
à carga horária, número de disciplinas, áreas profissionais (ensino, pesquisa, gestão) quer
dizer, incluiu as habilitações antigas num só curso. Conforme o PPC (2006) as práticas
docentes devem ocorrer ao longo do curso, desde seu início e o dinamismo do Projeto
Pedagógico deve ser garantido pela organização de atividades acadêmicas variadas. Essas
atividades poderão ser consideradas como artefatos, produzidos no próprio curso, que
interferem na sua direção, na sua realização e na qualidade da formação oferecida-adquirida.
Entretanto, quando “[...] o discurso estético deixou de ser a representação do processo criador
para tornar-se um recurso complementar [...] no momento do consumo” (CANCLINI, 2003,
p. 64), as professoras-formadoras são desafiadas a encontrar alternativas, ante a realidade das
políticas públicas, da legislação, das instituições formativas e da Escola Básica. Parece, então,
que a Pedagogia para a Educação, como a Estética para a Arte, de certo modo, perdeu,
também, o sentido devido à pressão da sociedade do consumo, do mercado transglobalizado,
entre outros fatores. Como Canclini, Santos (2002) afirma que a racionalidade estético-
expressiva foi relegada pela modernidade; no entanto, considero que é possível e necessário
tornar visível a Estética como a Ética e a Política no novo currículo do curso de Pedagogia.
Outros aspectos relevantes
O PPC (2006, p. 16) na conceituação de currículo refere-se a atividades, disciplinas e
posturas, que devem ser trabalhadas na formação com vistas ao desenvolvimento das
300
dimensões pessoal, profissional e social, a ser fundamentadas na tríplice relação: domínio de
saberes, transformação de saberes e atuação ética. O que dizem as professoras? Uma coisa é o currículo prescrito e outra é o que acontece no cotidiano [...] (P).
O currículo é forjado, trabalhado no dia-a-dia, [...] (P).
[...] é um modelo de habilidades e competências [...] (P).
É um currículo pragmatista, [...] (P).
[...] está atendendo a uma exigência legal, [...] (P).
É um curso profissionalizante. [...] (P).
[...] me parece multifacetado, [...] (P).
A estrutura organizacional da matriz curricular continua disciplinar, embora a Lei de
Diretrizes (LDB) abra espaço para novas formas de organização do ensino. É constituída por
um núcleo de estudos básicos, que deve considerar a diversidade e a multiculturalidade da
sociedade brasileira; um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, voltado para
as áreas de atuação profissional priorizadas no projeto do curso; e um núcleo de estudos
integradores, para enriquecimento curricular (PPC, 2006, p. 24-6). Professoras disseram: “A
base é a docência, mas quais disciplinas traduzem essa base, que orientação, que
articulação, horizontal, vertical?”; “Quais são as disciplinas integradoras?”. A redução da
carga horária de disciplinas que tratam diretamente do conteúdo e da metodologia com que as
docentes irão trabalhar na Escola Básica tem sido motivo de preocupação: “Poderia ser um
curso de 10.000 horas que não daria conta”. Então, que currículo deve ser, o de formação de
professores (e o da Escola Básica?), de modo que docentes “preparem-se” para atuar nessa
realidade? Seria a abrangência excessiva do curso que está provocando essas reflexões que as
professoras fazem? Para algumas, no curso de Pedagogia, o ensino parece não ser a prioridade
conforme fragmentos de suas discursividades: O ensino está a reboque (P).
A gente prioriza a pesquisa, a produção acadêmica e qualquer outra coisa. O ENSINO é alguma coisa
que a gente faz no INTERVALO de TODAS AS OUTRAS (P).
Os efetivos, com TAN-TO encargo administrativo! A gente toma TAN-TO tempo se ocupando com
reunião e uma porção de coisa que a docência e o tempo do nosso planejamento ficam prejudicados (P).
Não tem essa parte pedagógica! (P).
Eu não sei se a nossa questão é o currículo ou se nosso problema é com o ENSINO. Porque nós fazemos
parte de uma instituição que NÃO PRIORIZA o ensino! (P).
Nesse novo projeto foram excluídas as habilitações, porém há possibilidades de direcionar o
ensino para “ênfases” na formação, conforme a realidade de cada curso: “Por conta das
301
habilitações temos Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, que parece que são
possibilidades para ênfase nesse momento”. Houve mudança ou uma simples troca de
habilitação por ênfase?! A articulação teoria e prática é prioridade: “Dizer que a teoria e a
prática precisam estar articuladas não convence! Convence se a gente conseguir articular!”,
ressalta uma professora. Alunas dizem: “A teoria vem, eles passam... Mas na hora que você
está na prática, É ALI QUE VOCÊ DESCOBRE (riso de alegria!) que muitas vezes saber por
saber não adianta”; “Só que no meu entender, esse nosso curso está levando a conhecimento
de ordem prática, fragmentado e sem aquela fundamentação”; “A teoria ajuda o seguinte:
quando você está vivendo aquele momento, dá tipo um estalo, um insight e você se lembra da
matéria”. Os objetivos, conteúdos e atividades desenvolvidos em “Pesquisa, Extensão e
Prática Pedagógica” devem ser coerentes com as demais disciplinas. O Estágio
Supervisionado do Curso de Pedagogia é um componente curricular considerado como um
tempo de aprendizagem, capaz de correlacionar o saber teórico com o saber-fazer da prática.
As docentes assim expressam suas maneiras de pensar: Enfim, é [...] importante para a aluna: juntar os saberes teóricos e os saberes práticos, [...] (P).
Que haja integração de saberes, que seja transdisciplinar [...] (P).
A maioria de nós, temos as tardes, que poderiam ser ocupadas, pelo menos duas tardes, pelo menos uma
por semana, para pensarmos juntos! (P).
Deveria haver [...] integração de professores visando ATITUDE próxima, [...] (P).
[...] integrar disciplinas mais teóricas com disciplinas mais práticas, [...]: era um departamento
eminentemente teórico, o outro eminentemente prático... (P).
Só da gente se reagrupar de uma maneira diferente, haverá forçosamente, quer queiramos ou não, uma
oxigenação das nossas práticas e dos nossos saberes (P).
Acho que há uma carga excessiva de prática nesse currículo, [...] (P).
Toda disciplina tem que fazer essa relação entre o conteúdo e a prática, [...] (P).
[...] possibilitar a ida dos nossos alunos à escola, ao campo onde vão atuar, isto está fortemente colocado
no nosso currículo (P).
[...] E aí, nessas visitas estabelece-se um laço novo de contato real entre Universidade e Escola (P).
A totalidade das docentes admite a necessidade de integração intra-inter-transdisciplinar.
Outra concepção, assumida por todas, é a imprescindibilidade de se manter uma relação
contínua, permanente com a escola onde futuros-pedagogos irão atuar. Uma docente afirma:
“Tem muita coisa para avançar no processo educacional para provocar a aproximação
desses sujeitos professores das licenciaturas e pedagogos no cotidiano da escola”. As alunas
dizem:
302
Nós fizemos visita à escola, [...] tem ajudado muito a olhar com outros olhos [...]. Fizemos duas visitas à
escola na disciplina Pesquisa e Prática III. No outro dia, a gente estava eufórica porque tinha ido à
escola. Por que fico assim? (A).
Tenho vontade de estar naquele lugar; a gente achava o máximo, tudo o que acontecia lá. A coisa mais
interessante é quando você integra a teoria a prática na prática (A).
É quando ALI, na vivência da sala de aula a gente consegue proporcionar situações que eu não consigo
resolver se não for á luz da teoria (A).
[...] Lá, já trabalha com isso e aqui a gente estuda. Lá vê a prática e aqui a teoria, então uma coisa
completou a outra (A).
Depois que entrei no estágio não curricular, [...] deu pra perceber melhor o curso, dentro da concepção
das teorias (A).
Nem sempre a percepção que futuras-professoras tiveram da escola, com olhar diferente do
olhar de alunas, foi das mais agradáveis ou esperadas. Uma aluna assim se expressou: “Ah,
não foi boa [...] Reunião de pais é um HORROR! Só faltam bater nos professores, [...]”. As
docentes falam sobre essa integração entre disciplinas, conteúdos e com a escola: Isso quem tem feito são os alunos; infelizmente os professores não têm feito. Eu, como professora
substituta, talvez tenha mais dificuldade, [...] (P).
Eu já falei da articulação que os alunos fazem com as outras disciplinas e a relação que fazem com as
escolas do Ensino Fundamental [...] (P).
Eu tenho uma expectativa de que, talvez, se todos nós percebermos essa (necessidade de) integração
maior entre as disciplinas, a gente também vá ao encontro do outro (P).
[...] Acho um pouco paradoxal a gente ter um currículo que está tentando uma integração e ter uma
organização didático-administrativa por departamento ainda [...]. Eu não tenho relação com as demais
disciplinas. Essa é uma dificuldade que tenho aqui pela própria estrutura da Universidade, do Centro
(P).
[...] não existe uma organização que propicie aos professores deste Centro (de Educação), pelo menos é
o que eu senti, discutirem (suas práticas) (P).
Há uma compreensão generalizada de que o Colegiado do curso tem um papel fundamental na
realização curricular cotidiana, em todos os aspectos, praticamente. No entanto, essa
responsabilidade deve perpassar toda a comunidade educativa, numa perspectiva de
compartilhamento, como numa ecologia de saberes e de práticas, por meio de um contínuo
processo de tradução, de artesania das práticas e pela Pedagogia da Aposta e do Cuidado.
Tudo isso, a partir do trabalho permanente de escavação de saberes e práticas, feito pelas
sociologias das ausências e das emergências. Assim, docentes posicionam-se:
303
A parte pedagógica não é assim uma marca que alguém cuida. Ela tem dimensões. O que a gente tem
feito no colegiado é dividir responsabilidades (P).
A coordenação do colegiado não pode ser uma instância puramente burocrática e técnica; também é
definidora da criação e da articulação desses espaços pedagógicos e não pode funcionar apenas numa
dimensão administrativa e burocrática (P).
[...] a coordenação do curso é extremamente importante para definir ênfases, para agregar e congregar
os diferentes profissionais e também formar a construção da identidade desse profissional, que está em
diferentes departamentos. E aí o colegiado está conseguindo fazer agora (P).
Hoje o colegiado se tornou uma instância burocrática, como se tornaram as reuniões de departamento,
de câmara de graduação, [...] (P).
Está claro para docentes e discentes, nas análises realizadas, que mudou o perfil das alunas do
curso de Pedagogia. Sobre essa mudança as discentes assim se expressam:
Acredito que sair do segundo grau para a faculdade é uma transformação muito forte [...] (A).
No 1º período a pessoa fica meio que apavorada! É o mesmo pânico que estar mudando de escola, de
realidade, de ares; você está saindo de um lugar que convivia com crianças e adolescentes para passar
para um mundo totalmente adulto! É um CHOQUE! (A).
E você chega aqui com medos, receios, apavorada. E o que acontece? Você recebe um monte de
informações que não assimila, olha um monte de siglas que não faz a mínima idéia do que significam,
sabe mal, mal o que significa o seu nome (A).
_ Puxa vida, eu poderia ter aprendido na quarta série assim! Se alguém tivesse me ensinado assim eu
teria aprendido! (A).
A percepção que tenho da turma de primeiro período (2007/02) é que ainda (as alunas) estão muito
segundo grau (A).
A palavra trote também parece que vem carregada de um monte de mito (A).
No primeiro período os professores não deveriam bombardear com conteúdo, mas procurar saber os
medos, os anseios e como trabalhar aquilo em favor (do ensino e da aprendizagem) para aplicar a
matéria (A).
Seminário no Auditório – CE
304
Em contrapartida as docentes posicionam-se, nem sempre, em concordância com as discentes:
Eu não estou satisfeita com o desempenho desses alunos ao final do curso [...] (P).
Se a futura-professora não sabe o conteúdo, como vai ensinar? (P).
Você pergunta a mesma coisa e as alunas não escutam [...] (P).
Com essa mudança de perfil, de serem mais novos, pedem uma direção, é impressionante! (P).
São alunos que precisam de acompanhamento, assistência, orientação [...] (P).
Fica difícil para eles viverem a vida da Universidade porque vêm para cá cedinho, vêm de longe, para
ficar até meio-dia (P).
Eles não escutam, têm dificuldade na leitura, ler não é uma prática (P).
Tem a dificuldade da escrita que é da grande maioria (P).
O perfil do aluno mudou, ele não conhece (a escola); porque antes ele já trabalhava, já conhecia (P).
[...] o desempenho matemático continua baixo [...] (P).
O tempo do aluno é reduzido (P).
Há uma cisão clara, evidente dos mais velhos e dos mais novos, dos adultos e dos mais jovens, eles não se
integram (P).
O nosso aluno de Pedagogia só sabe a matéria do nível da série que vai ensinar, ou seja, se eu trabalho
só até 2ª série, não preciso saber fazer conta com decimais, porque eu só vou ensinar mesmo, divisão de
números inteiros (P).
Eu acredito que a maioria das alunas vem de um nível médio, de um cursinho e são acostumadas a
decorar e fazer, decorar e fazer (P).
Elas estão conseguindo acompanhar esse movimento do que o profissional tem feito na escola (P).
Alunas dizem o que pensam sobre professores-formadores:
Os professores sempre retomam a matéria que estudamos em outro período (A).
_ Ah, professora, você traz tanta coisa! (A).
O professor se limita a texto e fala, e isso cansa (A).
Os professores acabam culpando os alunos dizendo que eles não têm interesse (A).
A turma responde de acordo com cada professor (A).
Então, os professores daqui ainda estão pensando como no curso antigo! Na realidade acho que 90%
deles não têm clareza, [...] (A).
Professoras assim se expressam sobre as relações que se estabelecem: A gente acredita muito que eles vão fazer coisas que NÓS NÃO CONSEGUIMOS fazer com eles! [...] ir
para a sala de aula falando a mesma língua, [...] fazer na aula a relação com a disciplina de outro
professor, aquilo EXATAMENTE que a gente está RECOMENDANDO QUE FAÇAM e NÓS NÃO
DAMOS CONTA DE FAZER! (P).
305
Acho que a gente tem [...] de sensibilizar os professores, de ajudá-los a se preparar. Na área de
Educação Especial [...], pensar situações de contato maior com os professores de todas as disciplinas e
não só da área de Educação Especial. [...] (P).
Acho que nós substitutos, somos relegados a nada, aqui dentro da Universidade. Eu fico perdida, às vezes
querendo discutir as coisas... Sinto o DESEJO do coletivo, gosto de trabalhar coletivamente. A gente
propõe (aos futuros-pedagogos) e aqui dentro não faz (entre professores) (P).
No CE ocorrem parcerias com núcleos que se constituem como auxiliares no processo de
ensino-aprendizagem e contribuem para a realização curricular, para a produção de saberes-
fazeres-poderes, para a formação de pedagogos, para gerar outros modos de ensinar-aprender.
Em relação à gestão administrativa, participantes disseram: “Eu acho que o grande problema
da UFES é gestão, faltam gestores”; “Eu acho que (melhorou) sim, no que tange à
administração”; “Há desorganização nos departamentos para orientar os professores”.
Observa-se assim, que o currículo está sendo produzido dia-a-dia, como numa comunidade
interpretativa, deslocando centros e fronteiras, valorizando saberes, vivenciando facilidades e
dificuldades, produzindo uma formação de caráter emancipatório. As contradições presentes
nas narrações são entendidas como parte do arsenal de saberes, experiências, culturas que
atravessam e são atravessados nessa feitura compartilhada, esclarecidas por uma
inteligibilidade sustentada no cuidado e na aposta de que a Educação pode-deve-precisa dar
certo, porque o mundo depende dela para ser solidário e feliz.
Considerações finais: por uma Pedagogia da Aposta!
Da douta ignorância, ecologia dos saberes e aposta não emerge um tipo de emancipação social, [...]. Emerge tão somente a razoabilidade e a vontade de luta por um mundo melhor e uma sociedade mais justa, um conjunto de saberes e de cálculos precários animados por exigências éticas e por necessidades vitais (SANTOS, 2008, p. 40).
Este estudo possibilitou cartografar a produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes da
formação docente. O mapa curricular indica que os conteúdos e os modos de ensinar-
aprender-a-ensinar devem ser direcionados para a docência, a gestão e a pesquisa, eixos
formativos do pedagogo (PPC). Assim, o cuidado e as paixões das apostas devem resultar na
produção de saberes-fazeres-poderes “encantados”, emancipatórios, que implica a
proliferação de subjetividades obstinadas construídas a partir das metáforas: fronteira, barroco
306
e sul. Essa produção decorre da participação de todos: professores, alunos, funcionários,
instituições, sociedade, como numa comunidade interpretativa.
Nessa perspectiva, as práticas sociais de produção de conhecimento significam questionar,
respeitar e procurar conhecer aquilo que não se conhece, aprender aquilo que não se sabe e,
nessa dinâmica, produzir conhecimentos novos na base de um “[...] reconhecimento do que
não se sabe e do que se pode aprender de novo na relação com esses novos objectos (Santos,
1989)” (SANTOS, 2006, 149), conforme estabelece a douta ignorância. Um aspecto
importante, neste estudo, foi perceber a necessidade de ampliar a discussão da formação e da
Educação para além do espaço doméstico, de modo a alcançar outros espaços sociais, pois,
afinal, os problemas educacionais não dizem respeito somente à escola, mas a toda a
sociedade e, como esta, [...] a escola vive uma dupla crise: de regulação, porque não cumpre eficazmente o seu papel de integração social; de emancipação, porque não produz a mobilidade social aguardada por diversas camadas sociais para quem a freqüência de um curso constituía a melhor “ferramenta” que podiam legar aos seus filhos (TEODORO, 2003, p. 18-9).
As narrativas docentes revelam um currículo com as seguintes características: multifacetado,
generalista, base na tríade (docência, gestão e pesquisa), flexibibilidade, modelo de
competências e habilidades, integração teoria e prática, aproximação com a escola, inclusão
de disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica (PEPP), disciplinas integradoras,
carga horária excessiva, matriz curricular extensa, abrangência excessiva a diferentes
dimensões do trabalho educativo. Outros aspectos curriculares destacados foram a redução da
carga horária que dificulta a viabilização de disciplinas como Ciências e Artes, a sugestão de
voltar ao sistema de créditos, o contrasenso de o curso priorizar a docência, incluindo na carga
horária maior número de disciplinas nesse eixo e desprestigiar o eixo da gestão (poucas
disciplinas voltadas para a gestão: supervisão, orientação, direção, que deveria abranger toda a
Escola Básica, o Ensino Médio e até o Superior, uma vez que o pedagogo não-docente pode
atuar em todos esses níveis de ensino), muito conteúdo para ensinar em pouco tempo, o papel
do colegiado como articulador das políticas e das pesquisas de acompanhamento, a falta de
oportunidade de professores discutirem suas práticas, questões relativas ao tempo e à
autonomia.
Algumas docentes consideram que houve esforço para realização de um trabalho
compartilhado como numa comunidade interpretativa. A reestruturação do centro,
307
simultaneamente, à implantação do currículo, também, parece ter sido positiva, porque
propiciou novas formas de organização grupal, mais coerentes com as áreas de atuação dos
docentes de cada departamento; propiciou, ainda, o estreitamento ou a possibilidade de
criação de laços afetivos e profissionais. Outro aspecto importante foi considerar na
elaboração do currículo, toda a trajetória do curso, as posições das entidades representativas e
o anseio do próprio centro, apesar de discordâncias em alguns aspectos, o importante está na
continuidade do processo de discussão e acompanhamento da implementação, ou seja, no
procedimento de ecologia de saberes e de práticas.
No decorrer deste estudo, após a realização da pesquisa, algumas mudanças foram
acontecendo como em relação ao horário. Também, a professora de Ciências levou-me feliz,
para conhecer o espaço que conseguiu para montar a sala ambiente para Ciências e
Matemática. Chegaram computadores para todas as salas de estudo de professores. Essas são
mudanças positivas que indicam o caráter processual da realização curricular, aquilo que eu
dizia no primeiro capítulo, que um currículo é passível de dobra-desdobra-redobra, porque é
plástico, flexível, processual. A intra-inter-transdisciplinaridade revela-se como uma
necessidade para que o currículo tenha o caráter solidário a que se propõe. Certamente, que
muitas outras alterações já devem ter ocorrido nesse espaçotempo, porém me é, impossível,
continuar esse acompanhamento, agora, porque tenho prazo de término desta tese.
Parece, ainda, que não havia, à época da realização da pesquisa, muita clareza por parte de
algumas docentes, quanto ao endereçamento desse currículo escrito (jovem proveniente do
Ensino Médio acadêmico e não mais docentes da Escola Básica, embora já percebessem
mudanças no seu perfil) e a compreensão do profissional que objetiva formar (pedagogo
docente e não-docente, para atuar em ambiente escolar e não-escolar). Algumas professoras
ressaltaram que não houve um preparo dos professores-formadores para a realização do
currículo novo, além disso, há mudanças freqüentes de professores substitutos que não
participaram do processo elaborativo e, muitas vezes, nem conhecem o Projeto Pedagógico de
Curso (PPC). Para algumas alunas, há docentes que ainda trabalham focando o ensino nas
séries iniciais do Ensino Fundamental sem fazer alusão às demais dimensões. A professora P4
lembra que a feitura curricular depende da compreensão que professores-formadores tiverem
acerca do que é proposto pelo PPC. Todas docentes concordam com a necessidade de
integração, de reuniões pedagógicas, de planejamento, de trabalho compartilhado. Mediante
as questões apresentadas, acredito que, com a conclusão da primeira turma (2009/02), muitas
308
das incertezas, certamente, foram superadas e é possível que outras tenham surgido, porque a
realização é processual, é um permanente trabalho de tradução e de artesania, uma
permanente Pedagogia da Aposta e do Cuidado, pois não se submete ao pensamento
ortopédico nem à razão indolente. Assim, a possibilidade faz o movimento do curso e nesse
processo se entrecruzaram-entrecruzam os três momentos: a carência (de reuniões, de espaço,
de recursos, etc.), a tendência (potências e potencialidades no fazer cotidiano) e a latência
(nada ou tudo, o que foi feito e o que está por vir).
As alunas, também, à época da pesquisa, não demonstravam segurança e conhecimento acerca
do currículo escrito a elas endereçado, nem quanto ao conteúdo, ao profissional a ser formado
e suas possibilidades de atuação. Em ambos os casos, docentes e discentes (representação
discente), houve, participação na elaboração, fóruns para discussão, recebimento, em reunião,
de síntese do projeto (PPC), por parte de todos os alunos calouros. Ainda assim, continuam
dúvidas, que acho, sejam comuns em toda situação de mudança. À proporção que algumas são
resolvidas, outras surgem, porque é processo e o currículo é feito no caminhar: há uma
proposta escrita, mas a realização depende dos atores, dos contextos, dos espaços-tempos,
condições, vontades, sonhos, etc. Porém, os professores vêem-se assoberbados de tarefas que
não se resumem a trabalhos docentes, mas, também, de ordem administrativa. As discentes
sentem-se encurraladas entre seus sonhos-anseios-dúvidas, pressão social e desafios da
Universidade, e se mantêm, em grande parte, em um não-lugar no contexto universitário. Nem
todas assumem seu lugar na Universidade, passam por ela, correndo como o vento; não a
conhecem, nem as possibilidades que ela lhes pode oferecer. Para elas é um momento de
transição da Escola Básica para a Universidade que lhes provoca medos, mitos e choques dos
quais têm consciência e vão superando aos poucos (ou não).
O curso de Pedagogia visa, pois, à formação de um profissional para o exercício integrado e
indissociável da docência, da gestão dos processos educativos escolares e não-escolares e da
pesquisa. Seria a formação de um profissional que conheça-exercite a prática docente e a
gestão; que seja um pedagogo-pesquisador, que saiba formar pesquisadores, que tenha
condições de fazer intervenção pedagógica nas práticas sociais fora do espaço escolar, que
trabalhe com educação inclusiva e tenha o domínio das tecnologias de informação e
comunicação para utilização no processo educativo. Essa concepção de formação é
atravessada pela minha preocupação e a de muitos docentes e discentes, sobre as
309
possibilidades de o processo formativo não ser capaz de “dar conta” de tamanha abrangência!.
Sobre isso as professoras assim se expressam nesses fragmentos de falas: É o modelo de formação generalista que perpassa a política do MEC: ter o profissional generalista que
depois vai buscar suas especializações em nível de pós-graduação. [...] (P).
[...] a proposta é que seja um pedagogo, não bacharelado, mas formado na licenciatura, então ele é
docente, é professor não só do ambiente escolar (P).
É um profissional que tenha possibilidade de uma variação de atuação, [...] (P).
No processo formativo, de acordo com a proposta curricular, torna-se imprescindível atuar
com o princípio da comunidade (pilar da regulação) e a racionalidade estético-expressiva
(emancipação social), além da racionalidade moral-prática. Para isso, faz-se necessário cuidar
da formação com o uso de procedimentos das sociologias das ausências e das emergências
para dilatar o presente e contrair o futuro, associados à tradução e artesania das práticas, aos
procedimentos da ecologia de saberes e de práticas, incluindo ainda, a douta ignorância e a
Pedagogia da Aposta. É a formação de um profissional crítico, criativo, ético, reflexivo,
investigador, participativo (PPC, 2006), que acredito, busque a produção inventiva de um
novo saber-fazer-poder solidário. Trabalhar a formação docente considerando as ecologias
permite vislumbrar modos humanos, emancipatórios, utopísticos de ensinar-aprender-para-
ensinar, como também, a seleção e a compreensão de conteúdos disponíveis e possíveis
necessários à formação de pedagogos docentes e não-docentes, num contexto de transição
paradigmática, em que se busca “um conhecimento prudente para uma vida decente”.
Os modos de ensinar das docentes revelaram-se criativos, críticos, reflexivos, compartilhados,
plurais, associados a uma verdadeira artesania das práticas. Embora, algumas professoras
destaquem dificuldades de acesso ao datashow, outras reclamem sobre a necessidade de
mudanças no uso da sala informática, de maior visibilização de núcleos, atualização do acervo
da biblioteca setorial e, ainda, ressaltem a importância da leitura no ensino universitário. Entre
os modos de ensinar-aprender materializados em estratégias, táticas e artefatos que emergiram
nas narrativas das professoras-formadoras, relaciono: apresentação de diferentes posições
teóricas acerca de um mesmo tema, suscitação do desejo de ensinar-aprender nas alunas, uso
de linguagem adequada, consideração do contexto em que o aluno vai atuar e como vai usar
esse espaço, integração teoria e prática, contribuições de outras disciplinas, boa relação
interpessoal e afetividade, apresentação de exemplos cotidianos da escola, dos alunos, dos
outros colegas, valorização do saber discente, desenvolvimento do conhecimento científico,
310
ensino a partir do cotidiano e do conhecimento do aluno, descoberta do “simples”, promoção
de atitude investigativa, diálogo com a pós-graduação, discussão a partir das demais
disciplinas e de relatos das alunas, incentivo à prática de leitura-escrita, compartilhamento de
conhecimentos, reflexão sobre práticas docentes usuais na sala de aula de crianças, vivência
da sala de aula, desenvolvimento de habilidades e saberes básicos para todas as disciplinas
(observação, problematização, levantamento de hipóteses, aquisição de habilidades
manipulativas), trabalho com conteúdo e metodologia, clareza de objetivos, formas de
organização da atividade docente, atividades seqüenciais, objetivos, conteúdos, metodologia e
avaliação.
Continuando a exposição de modos de ensinar, que enriquecem as aulas e contribuem para a
aprendizagem das alunas, relaciono outras, também, pinçadas das narrativas docentes:
memorial e ciranda de leitura, uso de poesia, biografia, falar-escrever memórias da
alfabetização, roteiro de leitura, discussão de textos, promoção de oficinas, visitas formativas,
trabalho em grupo, preparação e apresentação de temas com uso de artefatos, simulação de
situações cotidianas, resolução de problemas concretos, explicação teórica e uso de modelo
científico, produção de conhecimento metodológico, problematização da construção de
modelos, transmissão do conhecimento; pesquisa, aulas expositivas com discussão, filmes,
textos, exemplos e modelos, realização de entrevistas com professor alfabetizador, leitura e
trabalho com vários autores, trabalho de campo, realização de parcerias com núcleos de
ensino e outras entidades educativas da sociedade, exposição oral, diálogo, exploração
didática, trabalho com projetos.
Esse trabalho docente-discente é valorizado pela associação, a uma multiplicidade de
artefatos, muitos já citados, anteriormente, como: modelo de kit, reália, quadro de giz,
cartazes, figuras para flanelógrafo, TV, datashow, computador, globo, lanterna, lâmpada,
flanelógrafo, imantógrafo, rádio, gravador, retroprojetor, transparências, gravuras, CDs,
documentário, trabalho com texto, roteiro, filmes, tecnologia da informação, construção de
modelo científico, espaços diversos como campus, mangue, mata, Escolas de Ciências da
Prefeitura, Escola de Ciência Física, Escola de Ciência de Biologia, a Praça da Ciência,
planetário, material do laboratório, material didático diversificado, utilização da internet, e-
mail, cinema, literatura, leitura em casa e debate aberto em sala de aula, uso de biblioteca.
311
Algumas alunas fizeram referências a “visitas à escola, vivência na rotina escolar, trabalho
voluntário, estudo sobre a criança”. Há um paradoxo entre as percepções das alunas acerca
dos modos de ensinar-aprender dos quais participam: para algumas, os docentes são atuantes,
entusiasmados, exigentes, propiciam situações criativas, críticas, inovadoras, diversificadas,
que provocam o pensamento, o desejo, a vontade de estudar, de aprender, de ir à escola
básica; usam artefatos diversos, dão exemplos e valorizam a experiência dos discentes. Para
outras, alguns docentes deixam a desejar quanto à motivação e ao interesse, utilizam muitos
textos, “[...] é texto, texto, trabalho, seminário, texto, prova, texto, aula expositiva” e
consideram os alunos desinteressados.
Pude observar em apresentações de trabalho de alunos, uma série de aprendizagens além de
conteúdos teóricos de cada disciplina, importantes para o desempenho docente, que são
adquiridas no cotidiano formativo. Eles aprendem e demonstram a importância e a
necessidade de planejar bem as aulas e selecionar recursos com antecedência, ou seja,
preparar-se para realizar o trabalho docente. Além do conteúdo específico de cada assunto,
ocorrem aprendizagens advindas dos modos de realização didático-pedagógicos, nas parcerias
e orientações entre docentes-formadoras-e-alunas e nas orientações dadas-recebidas-trocadas.
Muitas aprendizagens decorrem dos modos de realização da disciplina: inserção na prática de
pesquisa, relação com a escola, comunicação, linguagem oral, ampliar o olhar sobre a escola,
elaborar material didático para apresentação, produzir texto acadêmico, usar artefatos
(datashow, revistas), conversas com grupos, observações, superar tensão e medo de falar em
público, aprimorar a expressão oral, coordenação das idéias, clareza na exposição, idéias
seqüenciais, postura, gestual na exposição oral, argumentação, trabalhar em grupo,
compreensão dos processos realizados na Escola e na Universidade. São estratégias, táticas e
artefatos inventivos utilizados na produção de saberes-fazeres-poderes do curso de Pedagogia.
Esses saberes-fazeres-poderes são atravessados pelas dimensões ética, estética e política,
aliadas à cognição que os sustenta, como também, pelo trabalho com a pesquisa que produz
saberes específicos, metodológicos, relacionais, pedagógicos. A brasilização poderia ser uma
estratégia de trabalho que perspectiva a emancipação; seria a possibilidade de deslocar para a
renovação epistemológica e para a política do conhecimento, as experiências das sociedades
do Sul que apontam horizontes de solidariedade. Essa atitude não significa desprezar o saber
advindo do Norte, mas dele (re)significar o que for considerado viável para o contexto do Sul,
em que este estudo está inserido. O conhecimento emergente nesse processo caracteriza-se
312
por uma constelação de saberes, práticas, racionalidades, experiências e formas de expressão
que configuram um novo senso comum (NUNES, 2003, p. 329). Trabalhar sempre na
fronteira, enfrentando riscos, inseguranças, descolonizar a Educação, considerar a presença de
experiências disponíveis e possíveis que não podem ser desperdiçadas, superar limites e
aproveitar possibilidades, minimizar a distância entre os saberes acadêmicos e os saberes da
Escola Básica, bem como, a utilização da epistemologia da douta ignorância nesse processo
de comparar saberes, proposto pela ecologia de saberes e práticas, parecem constituir
caminhos para a continuidade da realização curricular.
Assim, após o percurso cartográfico que empreendi para visualizar-produzir o conteúdo deste
estudo, ratifico, aqui, a esperança, o sonho utópico de uma Educação emancipatória em todos
os níveis de ensino, que seja impregnada de esforços coletivos, que perspective a formação de
cidadãos comprometidos consigo mesmos e, consequentemente, com todos. Uma formação
que promova a construção de uma vida mais humana, sustentável, solidária, afetiva e feliz,
fundada no princípio da comunidade, na racionalidade estético-expressiva e na racionalidade
moral-prática. Espero que este estudo contribua para a produção de vida, porque fiz-faço a
Aposta pela Educação. Desejo, também, que contribua, com a produção acadêmico-científica
e, a partir da sua escriturística, suscite inúmeros outros temas de pesquisa, pois na perspectiva
de ciência trabalhada, todo estudo é inconcluso e sempre aberto a novas e múltiplas
interpretações e experimentações.
Aprovação comemorada ao som da música “Viva La vida’ de Coldplay.
313
Anexo
Formulário
UFES/CE - 03/04/09
Tema: A produção de saberesfazeres na realização cotidiana do curso de Pedagogia
Prezado/a aluno/a
Nós conversamos quando você estava no 4º período. Agora está quase concluindo o curso (7º período) e já tem
uma visão mais ampla do mesmo, dos saberes que precisa para exercer as funções próprias do pedagogo. Assim,
gostaria de pedir-lhe que escreva sua compreensão sobre:
- os saberes produzidos durante o curso para aprender e para aprender-a-ensinar,
- a relação desses saberesfazeres com o que você vê e vivencia no cotidiano da escola,
- a relação desses saberesfazeres com o profissional que você vai se tornar para atuar em ambiente escolar e não-
escolar:
a) pedagogo docente (educação infantil, séries iniciais),
b) pedagogo não-docente (supervisor, orientador, diretor, ou seja, o gestor para séries iniciais, finais e ensino
médio) e
c) como pesquisador e formador de pesquisadores.
Sua participação é importante na realização deste estudo (de doutorado) que deve contribuir para compreensão e
melhoria do curso de Pedagogia. Agradecida
Professora Maria Eneida Furtado Cevidanes
314
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