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recife | agosto | 2011 | n.1 editor Heitor Scalambrini Costa apoio

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recife | agosto | 2011 | n.1

editorHeitor ScalambriniCosta

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editoração

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apoio

Heitor Scalambrini Costa

Célio Bermann

Claudio Ubiratan Gonçalves

Clovis Cavalcanti

Daniel Coelho

Edilson Silva

Michael Löwy

João Suassuna

Heitor Scalambrini Costa

Roberto Malvezzi (Gogó)

Sílvio Diniz de Lourenço Junior

Sílvio Diniz de Lourenço junior

Sílvio Diniz de Lourenço Junior

Fundação Lauro Campos

Articulacao Anti Nuclear Brasileira

catalogaçãoD 958 Reflexões sobre energia nuclear: Revista Ecossocialista de Pernambuco

Organizador: Heitor Scalambrini Costa, agosto 2011, 28 p.

1. Reflexões sobre Energia Nuclear. 2. Movimento Ecossocialista de Pernambuco.

3. Semana Antinuclear do Recife.

ISSN2236-9783

O Movimento Ecossocialista de Pernambuco-MESPE, é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Nossos principais valores são o socialismo, a ecologia e a sustentabilidade

O MESPE busca parcerias estratégicas com aqueles que compartilham os valores da entidade e age de forma independente. Sua sede fica em Recife, mas atua como ator nacional no debate de idéias e na prática de atividades.

A instituição está engajada na política ecológica e no desenvolvimento sustentável, uma vez que, para nós, socialismo, ecologia e democracia são inseparáveis.

contatossite www.mespe.com.br

e-mail [email protected]

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índice

2 manifesto

3 prefácioCélio Bermann

5 geografia politica da energia nuclear Claudio Ubiratan Gonçalves

9 desenvolvimento sustentável? ou é desenvolvimento ou não é nadaClóvis Cavalcanti

12 qual o medo do debate?Daniel Coelho

14 usinas nucleares e democracia Edilson Silva

16 fukushimaMichael Löwy

17 o meio ambiente do país pede socorroJoão Suassuna

20 energia nuclear? não obrigado Heitor Scalambrini Costa

23 nucleares: para piorar o péssimo Roberto Malvezzi (Gogó)

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reflexões sobre energia nuclear

A sociedade mundial conjuga hoje um conjunto de crises que pode nos levar a pensar mesmo numa crise de civilização. Crise social: cerca de 1 bilhão de seres humanos passam fome hoje no mundo e o narcotráfico e a insegurança pública são um problema grave em praticamente todos os grandes centros do planeta. Crise econômica: experiências liberais ortodoxas e de modelos mistos, como estados sociais, ao longo do século 20, mostraram seu caráter estruturalmente excludente, incapazes de proporcionar um mínimo de dignidade humana ao conjunto da população mundial. Crise política e ética: a ditadura da economia de mercado definindo a sorte da sociedade mundial e presidindo as macro-relações de poder mostraram com nitidez que a corrupção, a imoralidade e a não-transparência são partes essenciais da ética do sistema capitalista.

Estas crises combinam-se no século 21 com uma grave crise ambiental. Se ao longo do século 20 as crises sociais, políticas, econômicas, e mesmo as guerras resultantes destas crises, tinham na retomada do crescimento econômico capitalista uma porta de saída, no século 21 a natureza já deu sinais claros de que não mais se submeterá à exploração anárquica do capital. O equilíbrio ambiental exige planejamento no uso dos recursos naturais do planeta. Sem planejamento não há desaceleração do aquecimento global, não há o fim dos desmatamentos e respeito aos nossos biomas. Sem planejamento, respeitando os limites da natureza, as catástrofes supostamente ambientais seguirão. Tudo isto combinado com fome, guerras urbanas, instabilidade política e flagrantes retrocessos no processo civilizatório.

É nesta perspectiva que nós, militantes socialistas, lançamos o Movimento Ecossocialista

de Pernambuco. Compreendemos a luta ecológica como uma disputa política por um novo projeto de sociedade. Políticas sociais e política econômica subordinadas a uma ética solidária e coletiva. Participação popular no processo decisório como direito político coletivo a ser protegido e desenvolvido. Planejamento estratégico democrático do desenvolvimento social, buscando a construção de um processo histórico-pedagógico de massas que compatibilize de forma equilibrada os princípios de igualdade, liberdade e democracia, ao mesmo tempo buscando atender de forma satisfatória às dimensões de sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Neste sentido, buscaremos propor, realizar e interagir de forma propositiva com todas as iniciativas que se coadunem com nossos objetivos estratégicos, em Pernambuco, no Brasil e em escala mundial, fazendo assim parte desta grande rede de organizações, pessoas e idéias que já desenvolvem alguma forma de luta política em torno desta plataforma.

Em Pernambuco, nascemos com o firme propósito de discutir em patamar distinto os rumos do desenvolvimento de nosso estado. Para tanto, faz-se necessário a mobilização social em torno da criação de uma Lei de Responsabilidade Socioambiental, que proteja na forma de políticas públicas os nossos biomas e nossos ecossistemas. No plano imediato, colocamo-nos frontalmente contra o aterro dos manguezais de Suape; em defesa do uso de energias limpas e renováveis, portanto, contra a instalação de usinas nucleares no Estado; em defesa de nossas bacias hidrográficas; em defesa da reforma agrária e da reforma urbana.

Somos Ecossocialistas!

manifesto

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As profundas divergências sobre a utilização da energia nuclear remontam aos primórdios de seu uso comercial. Os primeiros sonhos de seus defensores já esvaeceram, porém os riscos continuam junto com o perigo de abusos em mãos de militares. O aquecimento global e o caráter finito dos combustíveis fósseis não dissipam as grandes preocupações sobre a segurança da energia nuclear. Enquanto isso, um reator “a prova de acidentes” permanece há décadas no reino das grandes promessas não cumpridas.

O atual processo de aquecimento artificial da atmosfera terrestre, sem dúvida, é um dos grandes desafios da civilização humana. Há, porém, meios menos perigosos para lidar com o problema do que lançando mão da energia nuclear. A energia nuclear não é sustentável porque a oferta de seu material combustível físsil - o urânio - é tão limitada quanto a dos combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural. Além disso, seus subprodutos radioativos precisam permanecer isolados da biosfera durante períodos de tempo que superam a capacidade da imaginação humana.

A energia nuclear não é uma tecnologia de alto risco apenas por questão de segurança, mas também pelo risco financeiro. Sem subsídios públicos, não tem o menor futuro em uma economia de mercado. Mesmo assim, há empresas que continuam lucrando com a energia nuclear, sob condições específicas, controladas pelo Estado. Estender as licenças de velhos reatores é tudo que os operadores desejam, mas aumenta desproporcionalmente o risco de um grande acidente. Sempre haverá também os regimes que enxergam e promovem o uso civil da fissão nuclear como passo para a aquisição de uma bomba atômica.

Os promotores da geração de eletricidade com energia nuclear ficam particularmente satisfeitos com a mudança do foco da discussão das questões fundamentais de segurança para questões associadas com a economia, com a proteção ambiental e com a conservação de recursos. Eles vislumbram uma evolução na opinião pública para visões da energia nuclear como uma tecnologia entre muitas, a ser comparada com as usinas a carvão ou os moinhos de vento. A fissão nuclear está se acomodando dentro do triângulo usado por economistas para enquadrar o debate sobre política energética, a saber, viabilidade econômica, confiabilidade de oferta e compatibilidade ambiental. Seus defensores pouco se incomodam com o fato de que, mesmo dentro destes limites, muitas dúvidas permanecem quanto à conveniência da energia nuclear. Para eles, o que importa é que é cada vez mais possível ocultar o potencial singular da energia nuclear para provocar catástrofes, por trás de uma muralha de argumentos que nos distraem dos assuntos fundamentais, das várias dimensões da segurança.

O recente acidente na usina japonesa de Fukushima, quando as barras de combustível presentes nos núcleos dos seus quatro reatores quase derreteram, lançando na atmosfera e no mar rejeitos radioativos durante as semanas que se sucederam ao terremoto e ao tsunami que se formou, fez o debate sobre a energia nuclear ganhar as páginas dos jornais e as telas da televisão no mundo inteiro.

Durante as semanas que se seguiram ao acidente, a mídia brasileira foi tomada pelo lobby nuclear. Foram entrevistados vários técnicos do setor nuclear brasileiro e acadêmicos de universidades, que apresentaram as usinas

Célio Bermann

Professor associado do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. Desenvolve atividades docentes na Graduação, no curso de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da USP, e na Pós-graduação, no Programa de PG em Energia da USP, onde também desenvolve trabalhos de pesquisa nas áreas de energia, sociedade e ambiente; fontes renováveis de energia.

e-Mail: [email protected]

prefácio

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reflexões sobre energia nuclearnucleares brasileiras como mais seguras que as usinas japonesas, e indicando que o território brasileiro não está sujeito a tremores de terra da magnitude do ocorrido no Japão, nem a tsunamis com ondas de dez metros que atingiram as instalações nucleares de Fukushima.

Pouco espaço foi dado aos críticos ao programa nuclear brasileiro, que alertaram para o problema que o acidente de Fukushima apontava: a dependência do bombeamento de água para a refrigeração do reator de forma a evitar que as barras de combustível derretam.

O fato dos reatores da usina de Fukushima serem diferentes – estes são de água fervente (BWR-Boiling Water Reactor) enquanto os de Angra são de água pressurizada (PWR-Pressurized Water Reactor) – não altera o risco de que eventos naturais comuns na região de Angra dos Reis, como deslizamentos de encostas e consequente queda de torres de transmissão, comprometam o funcionamento das bombas de resfriamento presentes em ambos tipos de reatores.

Além disso, o Brasil não tem um plano de contingência para esvaziar a cidade de Angra dos Reis caso problema semelhante ao da usina japonesa de Fukushima ocorra. O plano de emergência de Angra estabelece a retirada da população - 12 mil pessoas no total - num raio de 5 km das usinas, o mínimo exigido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Na época do acidente na usina japonesa , a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) indicou que uma remoção em 20 km, como a feita no Japão,

“começaria a pegar a cidade de Angra e é mais complicada”, concluindo que o governo brasileiro “vai pensar” em revisar o plano de emergência.

Observa-se que o acidente nuclear de Fukushima foi minimizado pelas autoridades nucleares brasileiras. As iniciativas governamentais de aumentar a segurança das instalações existentes foram evasivas, e os planos de construção de novas usinas nucleares não foram abandonados.

Estão previstas a construção de duas usinas nucleares na região Nordeste do Brasil. O local escolhido é a cidade de Itacuruba, no estado de Pernambuco, às margens do Rio São Francisco, onde estão planejadas duas usinas (de aproximadamente 1.000 MW cada) e com possibilidade de futuras expansões para abrigar até seis usinas com a mesma capacidade. Os planos do Programa Nuclear brasileiro previam inicialmente que a primeira usina nuclear do Nordeste entraria em operação em 2019 e a segunda em 2021. O último Plano Decenal de Energia 2011-2020 (EPE/MME, 2011) indica a postergação para depois de 2020.

É neste contexto que o presente número da ECOSS - Pernambuco: A Revista Ecossocialista de Pernambuco propõe uma série de artigos elaborados por conceituados pesquisadores da temática nuclear. Este conjunto de artigos, apresentados como “Reflexões sobre Energia Nuclear”, cumpre o importante papel de ampliar o debate, tão necessário, mas tão ausente na definição da política nuclear no Brasil.

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geografia politica da energia nuclear

Claudio Ubiratan Gonçalves

Professor do Departamento de Geografia/UFPE. Membro da Associação dos Geógrafos Brasileiros e Doutor em Ordenamento Territorial e Ambiental pela Universidade Federal Fluminense.

e-Mail: [email protected]

Considerações IniciaisTrês motivos me despertaram para o interesse

em levantar alguns pontos para reflexão e análise da retomada da política nuclear brasileira. Já faz algum tempo que venho dedicando tempo de estudo à região do Rio São Francisco: compreender sua geografia agrária, seus povos ribeirinhos e a dinâmica exploradora do sistema capitalista. A militância e o compromisso pela socialização e uso da terra por camponeses também me levaram a entender que é preciso lutar também pelo acesso a água, conservação das florestas, e pela garantia da reprodução da própria existência humana. Por fim ressalto que o saber da Geografia é uma grande motivação que me faz perceber que através da dimensão territorial é possível discutir e quiçá revelar questões pertinentes aos campos das relações de poder e das interações da/na natureza com a matriz energética.

Desse modo, após um período de engavetamento de grandes projetos, sobretudo os nucleares, temos a gestação do Plano de Aceleração do Crescimento do governo Luis Inácio da Silva, que reedita políticas orientadas por um mix de princípios do ultradesenvolvimentismo com o desenvolvimentismo controlado (Binsztok, 2006). Em julho de 2008, o governo criou o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro que tem como função fixar diretrizes e metas para o desenvolvimento do programa e supervisionar sua execução. O governo alega, através do Plano Nacional de Energia, a necessidade de expansão do sistema elétrico brasileiro em mais 4.000 Mw, contando para isto com Angra III com capacidade de produção de 1.405 Mw e mais quatro usinas nucleares com capacidade de 1.000 Mw, sendo duas no Sudeste e outras duas no Nordeste.

Além disso, o governo planeja investir na

diversificação das fontes de energia. O processo encontra-se em etapa inicial, que consiste na seleção de sítios para abrigar a Central Nuclear do Nordeste, com previsão de operação da primeira usina para 2019. De acordo com o padrão técnico e normativo de segurança, os critérios essenciais são: água abundante e baixa concentração demográfica. Quanto a esse aspecto, cogita-se áreas próximas ao Rio São Francisco. Agora além do malogro da transposição, temos também o fantasma da usina nuclear rondando o Velho Chico. O fato é que as disputas pelos investimentos orçados em cerca de R$ 7 bilhões para cada usina já despertou o interesse dos governos dos estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia.

Neste contexto à convite da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Sergipe participei no ano de 2010 do Fórum Pensar Sergipe, cujo tema foi “Política Energética: usina nuclear”. A chamada geral girava em torno da crise energética que nos obriga a encontrar formas de suprir as necessidades geradas pelo padrão de produção capitalista. Estavam compondo a mesa redonda além do Pró-Reitor, mediador do debate, o secretário de meio ambiente e dos recursos hídricos do estado de Sergipe, uma professora especialista em tecnologia nuclear do Departamento de Física da UFS e um representante da Empresa Eletronuclear. O objetivo do evento foi esclarecer o projeto de expansão da energia nuclear no Brasil. Entre defensores e críticos da idéia de implantação de usinas nucleares na região do São Francisco, sobressaiu a ignorância e o total desconhecimento da visão técnica do Estado sobre o Sertão Nordestino. O engenheiro, representante da subsidiária da Eletrobrás, alegava as enormes vantagens da possível instalação da Usina a partir de um vôo panorâmico que havia

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reflexões sobre energia nuclearrealizado recentemente a região de Canindé de São Francisco(SE) e Piranhas(AL). O mesmo verificou que o sertão preenche as exigências necessárias, pois é pouco habitado, ou seja, não possui grandes contingentes populacionais e como se não bastasse ainda comparou a caatinga com a Amazônia, argumentando que o impacto da grande obra na natureza não ocorrerá haja vista a ausência de grandes florestas. Ora, comparar a Floresta Latifoliada úmida da Amazônia com a Mata Branca Xerófila do semi-árido é no mínimo preocupante e assustador, pois deduzo que o quadro de experts em energia nuclear da República Brasileira desconhece as noções básicas da biogeografia brasileira.

Energia Nuclear - uma opção de diversificação da matriz energética?

A ideologia do modelo nacional-desenvolvimentista dos anos 70 do século XX continua vigente em algumas universidades, institutos de pesquisas e principalmente nas instâncias de governo, ainda existem ardorosos defensores desta corrente ideológica. Este é o formato da reestruturação produtiva, no qual ocorre o ajuste entre as relações de produção e o avanço das forças produtivas que o modo de produção atual requer. Certamente que não rompemos com nosso histórico atraso sóciopolítico embora estejamos, na atualidade, observando acréscimos nos PIBs estaduais e também surfando nas ondas da crise econômica dos países centrais do capitalismo.

Frente a isso, assistimos reedições de programas de desenvolvimento do capitalismo no Brasil com base na industrialização induzida por políticas de governo. É bem verdade que ainda predomina no imaginário de economistas, gestores e grupos liberais a necessidade de superação do capitalismo tardio tupiniquim e por conta disso, são válidas quaisquer estratégias de desenvolvimento econômico encaradas como elemento de acumulação e crescimento. A natureza neste contexto é tratada como fonte inesgotável de recursos e como recipiente de rejeitos de diversas grandezas. Não há nenhum tipo de consciência ou parcimônia em relação à propriedade comunitária global nem tampouco com as gerações futuras.

O uso de energia nuclear como opção de desenvolvimento está situada no quadro descrito e, por conseguinte, não é possível estabelecer um espaço de diálogo ou criar uma arena de debate com transparência na qual ao final saiam vencendo aqueles que conseguirem comprovar a fonte energética menos insustentável, se hidráulica, térmica convencional, nuclear, eólica ou outras. Os arautos da energia nuclear obliteram o debate porque não existe argumento ou idéia plausível seja de ordem econômica ou ambiental

que sustente tal programa nuclear. Inclusive, ele só é sustentado pelo uso excessivo do poder da autoridade das portarias e decretos. Com efeito, a energia nuclear não é uma boa solução para o Brasil.

Ao abordar a nova Geografia Política da energia, Porto-Gonçalves (2008) chama atenção não somente para as implicações políticas da questão, mas também epistêmicas. Antes de tudo, é preciso ter em conta que estamos diante de um debate em torno da matriz energética, particularmente de mudanças nas fontes de energia. E a energia, diga-se, não é uma matéria qualquer, mas uma a partir da qual se transformam outras matérias. Energia é a capacidade de realizar trabalho, e trabalho é a capacidade de transformar matéria, ensinam os físicos. As implicações disso são enormes, na medida em que são, ao mesmo tempo, políticas e epistêmicas. Até aqui o fundamento filosófico antropocêntrico de tradição européia tem acentuado, tanto a direita, quanto à esquerda, o papel redentor da tecnologia como se o sistema técnico operasse num vazio material e fora das relações sociais de poder.

O Preço da riqueza de um paradigma ultrapassado

No aspecto econômico podemos tomar como exemplo Angra III, onde o custo da eletricidade nuclear ficará em torno de R$ 138/Mwh, abaixo dos custos de termoelétricas a gás e carvão importado de acordo com informações da EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Mesmo assim não é economicamente viável, visto que a Eletronuclear assumiu uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10%, abaixo das praticadas pelo mercado, que variam de 12% a 18%. Somente uma taxa de retorno tão baixa pode proporcionar a tarifa de R$ 138 MW/h. A operação a baixas taxas de juros revela o subsidio estatal, e tais subsídios invisíveis neste projeto estão distribuídos nas contas de luz. Se isto ocorrer quem pagará a conta seremos nós os usuários e contribuintes, que já pagamos uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo (Costa, 2009).

Mormente, o empreendimento de Angra custará R$ 7,2 bilhões, sendo 70% do financiamento de recursos do BNDES e fontes estatais, e os 30% de investidores internacionais como a estatal francesa de energia nuclear AREVA. Será que não valeria construir um parque eólico com o dobro da capacidade da usina nuclear (1.350 MW) em dois anos e sem a produção de lixo radioativo ou riscos de acidentes? Por outro lado, no aspecto ambiental não é correto afirmar que as centrais nucleares são limpas quanto à emissão de gases estufa. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica no processo do ciclo do combustível nuclear que vai desde a mineração do urânio,

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transporte, enriquecimento do minério e posterior desmontagem da central, além do processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, são produzidos entre 30 e 60 gramas de CO² por kWh gerado.

No caso do enriquecimento para obtenção do combustível nuclear, os minérios que contém o metal pesado urânio são complicadíssimos de serem tratados, produzindo gases estufa em todas as etapas. Além do painel traçado, temos o grave problema da produção de rejeitos de alta radioatividade que são armazenados em piscinas nas proximidades dos reatores. Reatores que possuem uma vida útil de cerca de 40 a 60 anos. Ou seja, na produção do lixo nuclear deve ser considerada a escala do tempo nuclear onde o tempo oscila de 10 a 240 mil anos. Assim a usina será desativada e os refugos radioativos ficarão como tormento e herança para os habitantes das proximidades por longos anos.

Intenções na aceleração do capitalCompreendemos que ao discurso e escrita

do Programa de Aceleração do Crescimento, elaborado essencialmente pela atual presidenta e ministra das Minas e Energia do Governo Lula, se junta a efetivação na prática da Aceleração do Capital. Neste sentido me referencio em Moreira (2006) ao discutir os sentidos e os significados do embuste da bioenergia. O mesmo enfatiza que o desenvolvimento é mais acelerado em relação ás forças produtivas do que as mudanças que esta aceleração vai impondo às relações de produção põem estas duas forças num estado de tensão que só se resolve com a mudança das relações de produção pela intervenção dos homens na história. Tal intervenção fundamenta e dá sentido a mudança de base material na relação: homem – meio. A primeira revolução industrial ou técnica teve por epicentro energético o carvão, a segunda o petróleo e a hidreleticidade e a terceira em andamento está sustentada na concepção fisicoinorgânica de natureza e de relação com o meio. Desse modo, a energia, trabalho e matéria estão referenciados no paradigma da tecnologia de produção da civilização geológica, orientada a partir do uso, ritmo e consumo de matérias primas de origem mineral.

Assim, os exemplos adiante de Caetité na Bahia, que já é uma mina de urânio em exploração e Itataia no Ceará prestes a ser explorada, ilustram o caso da produção e consumo da Energia Nuclear. Ambas, compõem o atual quadro da terceira revolução técnica vigente e que já se encontra obsoleta enquanto modelo de ultradesenvolvimento ou do desenvolvimento controlado.

Vejamos um primeiro caso. Recentemente foi

assinado contrato para formalizar o consórcio que visa explorar Urânio e Fosfato na mina de Itataia, no município de Santa Quitéria, região do sertão central do Ceará. O argumento do governo estadual está assentado na geração de aproximadamente 500 empregos diretos e 3.000 indiretos e associados – devido à implantação das atividades básicas e de apoio que serão instaladas. O projeto da mina de extração de Urânio tem previsão para entrar em operação em 2012. É um empreendimento de interesse das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), do governo do Ceará, da empresa Galvani e da Prefeitura de Santa Quitéria. O empreendimento está localizado em uma área de 4.000 hectares, da Fazenda Barrigas, que tem no seu entorno as comunidades de camponeses de Morrinhos (414 habitantes), Riacho das Pedras (350 habitantes) e Lagoa do Mato (5.588 habitantes).

Segundo representantes dos movimentos sociais ligados a Via Campesina, os empreendedores da Mina de Itataia buscaram driblar o licenciamento solicitando à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), que separasse a atividade de extração de fosfato da extração de urânio. Obtida a licença, o Ministério Público Federal conseguiu derrubá-la na justiça, fazendo com que as obras fossem suspensas até que a realização do procedimento adequado ocorresse para verificar os impactos da extração do urânio no território. Porém, a avaliação dos impactos socioambientais apresentada à SEMACE conclui que 64% serão impactos negativos, em detrimento dos 36% considerados positivos. O projeto de extração é de 20 anos, mas atualmente, não há um plano de recuperação das condições sociais, econômicas e ambientais das áreas que serão degradadas.

Um outro aspecto fundamental é a questão da água que será consumida pela Mina de Urânio, o precioso liquido será retirado do Açude Serrote (Ceará), maior reserva de água da região. A água desse local abastece a população que vive no entorno, via rio Groaíras, os moradores de Santa Quitéria, distrito de Taperuaba, Bilheiras, Liziê, Muribeca e Sobral, além de outras comunidades que tiram do açude o sustento econômico e garantem sua soberania alimentar. Segundo as lideranças há projeções que a mineração de urânio poderá contaminar as águas do Açude Serrote, porque o governo do Estado se comprometeu a disponibilizar seis milhões de metros cúbicos, por ano do açude, para as atividades da mineração. Também serão utilizadas as águas do Açude Quixaba, com capacidade de armazenamento de dois milhões de metros cúbicos e reserva de água subterrânea. Há relatos que em Caetité (Bahia), os poços das comunidades vizinhas à Mina de Urânio estão secando e as populações locais estão ficando sem água.

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reflexões sobre energia nuclearPor conseguinte, o segundo exemplo se refere

a Caetité (Bahia) e denota a opção equivocada de desenvolvimento da matriz energética nuclear e reflete uma situação de tensão entre os responsáveis pela mina de Caetité e os moradores da região. Segundo o Jornal Folha de São Paulo, no dia 15/05/2011 ocorreu um incidente envolvendo os seguintes atores.

De um lado o INB (Indústrias Nucleares do Brasil) que afirma que o transporte de uma carga de 90 toneladas de urânio estava sendo transportado de uma reserva da Marinha de Iperó/SP para Caetité/BA, onde está a única mina de urânio em funcionamento no país. Segundo a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), o concentrado de urânio tem baixa radioatividade e o material supriria um déficit de produção da mina de Caetité onde é reembalado e segue para a Europa, onde passa por processo de enriquecimento. Depois de enriquecido, o urânio retorna e servirá de combustível para as usinas de Angra dos Reis (RJ).

De outro lado, cerca de 3.000 pessoas bloquearam a entrada de nove carretas com o urânio na cidade de Caetité/BA, os manifestantes diziam que a carga era lixo radioativo. O protesto foi convocado por ambientalistas, representantes de ONGs e o Partido Verde da Bahia. Ao final os manifestantes queriam queimar a carga e a Polícia Federal impediu a ação. A carga foi levada para o município vizinho de Guanambi/BA, porém o prefeito está recusando a guarda do material por muito tempo. Nos últimos anos um estudo do Ingá (Instituto de Gestão das Águas) órgão do governo baiano detectou que parte da água consumida em Caetité/BA apresentava índice de radioatividade maior que o recomendado. Já Agência Internacional de Energia Atômica da ONU concluiu que as atividades da mina de urânio não provocavam impacto ambiental superior ao aceitável.

Considerações Finais Nesta lógica de uso excessivo exploratório

dos recursos do território e aumento do ritmo de produção, tanto o local de extração do Urânio sofrerá algum tipo de impacto negativo bem como a região com sua população próxima aos sítios selecionados para abrigar o complexo da Usina Nuclear. Temos tensões no campo das idéias e das práticas em decorrência de visões epistêmicas distintas sobre formas de desenvolvimento, modos de vida e compreensões diferenciadas sobre o significado da natureza.

É indiscutível que, se continuarmos nesta direção, faremos parte do conjunto de países que estão na vanguarda do atraso ao priorizarem o avanço do programa nuclear. Caminhamos na contramão da Espanha, Alemanha e paises

escandinavos que iniciaram um processo de revisão e mudança no modelo energético, e estamos em aproximação do modelo chinês que assumiu, na atualidade, o ônus inconseqüente da construção de 25 usinas nucleares, além da previsão desmedida de mais 54 novas usinas para os próximos 30 anos. As dimensões econômica e ambiental revelam a pouca eficiência na produção da energia nuclear desfazendo o mito da energia barata e segura e da infalibilidade humana. A ética humanista que orienta o principio da precaução ao invés do risco e incerteza envia um ultimato aos grupos de interesse e aos setores industriais somente preocupados com a oferta de energia em curto prazo a fim de evitar apagões.

É hora de voltarmos nosso olhar para as populações ribeirinhas do rio São Francisco e abrirmos o debate não somente sobre energia nuclear, mas, sobre toda problemática que a bacia hidrográfica vem enfrentando em contexto de subalternidade, tais como: transposição, poluição urbana e por agrotóxicos, ausência de uma gestão ecológica dos reservatórios, erosão genética das espécies aquáticas, bem como a negação da presença de terras e territórios de populações tradicionais ribeirinhas. Enfim, é chegado o momento de valorizarmos o diálogo e o quê, indígenas, camponeses, pescadores, lavadeiras, artesãos, quilombolas e pequenos comerciantes pensam a respeito da questão.

ReferênciasBINSZTOK, Jacob. Principais vertentes (escolas)

da (des)ordem ambiental. In: SANTOS, Milton (Org). Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, p.315-331, 2006.

COSTA, Heitor S. Eletricidade Nuclear: na contra mão da sustentabilidade. Portal EcoDebate, 19 dez. de 2009.

FONSECA, Pedro L. Protesto de moradores barra carga de urânio em Caetité(BA). Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 17 maio de 2011.

LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. Revista Terra Livre, São Paulo, v.1, n.3, p.75-87, 1988.

MOREIRA, Ruy. Bionergia, Sentido e Significado. Revista da ANPEGE. v.3, p.43-56, 2007.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Outra verdade inconveniente: a nova geografia política da energia numa perspectiva subalterna. In: OLIVEIRA, M. P. de (Org). O Brasil, a América Latina e o mundo: espacialidades contemporâneas (I). Rio de Janeiro: Lamparina: Anpege, Faperj, p.181-219, 2008..

RABELLO, Sidney L. O anacronismo de Angra 3. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 05 fev. de 2010.

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Clóvis Cavalcanti

Economista ecológico (fundador e membro da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, ISEE). Professor da UFPE, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Professor visitante de várias universidades, inclusive Oxford (Grã-Bretanha), em 2000, e Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA) em 2008.

e-Mail: [email protected]

desenvolvimento sustentável? ou é desenvolvimento ou não é

nada

No mundo de hoje, fala-se com desenvoltura na noção de sustentabilidade. Trata-se quase de um mantra repetido à exaustão. Só que ele vem sem compromisso claro quanto ao que representa na essência. Visa-se a um modelo de economia que permita se alcançarem os mesmos propósitos de progresso material de sempre, supondo – muitas vezes, por um jogo complicado de raciocínio – que eles não comprometam a base de recursos da natureza. Daí, a adesão generalizada à retórica do desenvolvimento sustentável (ninguém defende o desenvolvimento insustentável, claro). Sobre isso, fui procurado em 2009 por uma universitária do Rio Grande do Norte, Jessicleide Dantas, que me fez a seguinte pergunta: “Como o senhor entende o desenvolvimento sustentável?” Respondi: “Na verdade, só pode haver desenvolvimento que seja sustentável. Pois se ele é insustentável, vai acabar. Não é, portanto, desenvolvimento, mas alguma coisa como um espasmo da sociedade. O desenvolvimento sustentável é aquele que dura. Quem o sustenta em primeiro lugar é a natureza, o ecossistema, do qual dependemos para tudo. Dessa forma, para que possa sustentar-se, ele tem que levar em conta as regras e os limites da natureza. Sem descuidar do bem-estar humano, dos valores da cultura, da realização plena da cidadania”. A aluna quis saber ainda como se entende a sustentabilidade do ponto de vista socioambiental. Expliquei: “O desenvolvimento, para ser sustentável, deve usar os recursos renováveis a um ritmo inferior ao da sua reprodução; e os não-renováveis, procurando investir os rendimentos deles obtidos para o desenvolvimento científico e tecnológico no sentido de encontrar substitutos renováveis para

os recursos não-renováveis. No fundo, trata-se de minimizar o uso da natureza, com obtenção de máximo bem-estar social”. Um consumo mínimo para um máximo de felicidade, como na filosofia do budismo.

Jessicleide Dantas argumentou: “Como sabemos, na eterna busca por crescimento econômico, o homem esqueceu do equilíbrio necessário à sociedade para crescer de modo sustentável. Será que um dia teremos uma sociedade com essa configuração? Quais as experiências que poderíamos apontar nesta direção?” Esclareci: “Nunca existiu uma ‘eterna busca por crescimento econômico’. De fato, a civilização tem 5.000 anos e o crescimento (em versão inicial moderada) só começou a acontecer nos últimos 250 anos. Hoje se pensa e age, porém, como se o crescimento econômico fosse a regra para a Humanidade. Nunca foi. Crescimento significa necessariamente esgotamento de recursos, destruição de alguma coisa do meio ambiente. Não existe nenhum exemplo de sociedade desenvolvida que seja ecologicamente sustentável, simplesmente porque as sociedades desenvolvidas (Grã-Bretanha, Estados Unidos, Alemanha, Japão, etc.) chegaram a esse nível há menos de 250 anos. Sustentáveis, podemos dizer, foram as sociedades indígenas no Brasil que tinham 12.000 anos de existência quando os portugueses chegaram aqui”. Quem garante que a sociedade americana vai ser como é hoje no ano 2100? Ou a chinesa? Ninguém garante, nem mesmo daqui a vinte anos! E daqui a doze mil?

Caberia então a pergunta de se é possível equilibrar crescimento econômico ilimitado

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reflexões sobre energia nuclear(“espetáculo do crescimento”. Ou, como na pergunta de Jessicleide, “crescer de modo sustentável”) com um meio ambiente que não se deteriore ou entre em colapso. Na perspectiva da ecologia a resposta é não. Crescimento implica sempre menos meio ambiente. De fato, o planeta não cresce; se a economia cresce – e ela é parte do planeta –, obviamente menos meio ambiente restará. Quanto mais gente na Terra, quanto mais produção econômica, quanto mais artefatos construídos, tanto menos natureza. Em outras palavras, como falam os economistas – embora não o reconheçam no caso –, existe aí um “custo de oportunidade ambiental”. O que pode, sim, acontecer é um desenvolvimento ambientalmente sustentável. A questão é que desenvolvimento (que significa mudança, evolução, progresso) não é crescimento (que se entende como aumento, como expansão; uma criança cresce, um adulto não). Amartya Sen conceitua o desenvolvimento como “expansão das liberdades”: mais cidadania. Isso não é crescimento material, embora possa incluí-lo. Sen, como Prêmio Nobel de Economia de 1998, sabe do que está tratando. Daí, não fazer nenhum sentido falar-se em crescer sustentavelmente. Essa possibilidade simplesmente não é parte dos processos naturais. Com efeito, na natureza, processos de crescimento contínuo terminam inevitavelmente em desastre. Param causando estragos. Como o vapor que se acumulou em reatores da usina de Fukushima Dai-ichi, no Japão, e os fez explodir tragicamente em março de 2011. Desenvolver-se sustentavelmente, pelo contrário, é possível. E isso é o que acontece com o ser humano (e todos os organismos vivos): crescem; param de crescer; e nunca deixam de desenvolver-se (sustentavelmente) – até o fim inevitável.

A realidade do desenvolvimento no mundo evidencia um embate quase insolúvel entre iniciativas de promoção econômica e o indefeso patrimônio natural. Na sociedade moderna, se a ecologia fosse levada realmente a sério como instrumento para o bem-estar duradouro da sociedade, muitas ações no plano econômico teriam que ser abandonas. Por sua própria essência, na ecologia se encontra uma crítica permanente das ações humanas dentro do ecossistema. O modelo econômico que domina o discurso do desenvolvimento oferece uma situação em que a economia é um sistema isolado – ou seja, sem entorno com o qual se relacione. Ela independe da natureza. Na Termodinânica, o único caso concreto de sistema isolado é o universo. Os demais sistemas ou são fechados (como a Terra, que admite entradas e saídas de energia) ou abertos (como o corpo humano, uma floresta, um rio, no qual, além de energia, matéria também entra e sai). Pensar a economia como sistema isolado é o mesmo que imaginar um organismo

apenas com sistema circulatório, sem trato digestivo (que é o que o sustenta). É como se fosse afirmado: sim, o meio ambiente existe; mas fica em outro planeta.

Só que o fato concreto é que se precisa encarar o processo econômico enquadrado dentro do sistema – a natureza – que o envolve. Assim, o ecossistema não pode ser pensado como externalidade. Ele é o todo maior a que a economia deve inexoravelmente submeter-se. Ou seja, passar a pensar o sistema econômico com aparelho digestivo: nele, matéria e energia (de alta qualidade, ou baixa entropia, a verdadeira riqueza do mundo), são engolidas, viram artefatos e terminam derradeiramente como dejetos (de alta entropia). Quer dizer: o que nós produzimos mesmo, em última instância, é lixo. Um carro zero pode ser visto como uma pré-sucata. Entendida a realidade econômica dessa forma – o que representa afastamento enorme do paradigma que os defensores do desenvolvimento econômico atual (que, na verdade, pensam mesmo é em crescimento da economia) utilizam –, não se pode aceitar que intervenções econômicas não contemplem suas repercussões ecológicas. Com tal raciocínio, é inevitável que grandes projetos, a exemplo do complexo industrial-portuário de Suape, em Pernambuco, tenham que ser examinados rigorosamente para avaliação de custos ambientais. Ora, como o meio ambiente significa uma externalidade no cálculo econômico convencional, aqueles que empregam esse cálculo sentem-se tolhidos quando se levanta o tema das restrições ecológicas a respeito de grandes projetos – que, por ser grandes, possuem também significativos e inevitáveis impactos ambientais. O caso do Projeto de Suape, que me parece paradigmático, serve para evidenciar isso com toda a clareza. Que estimativa de malefícios dessa obra foi comparada com os benefícios que dela poderão resultar? Não há nada que o os mostre. O que se verifica aí é uma clara manifestação da crença absoluta no crescimento econômico, crença que atribui ao processo a condição de quase único antídoto contra a pobreza, capaz até de dissolver conflitos ambientais que a crítica à megalomania de projetos salvadores da pátria possa desencadear. Não se pode negar que o crescimento econômico se impõe (é desejável) em muitas circunstâncias. Para criar infra-estruturas, habitação, serviços de saúde, uma rede de estabelecimentos de ensino, bibliotecas, cidades onde valha a pena viver, estádios de esportes, etc. Para reconstruir países ou regiões devastadas – como Angola, depois da guerra civil; ou como o Haiti pós-terremoto. Ou seja, promover o crescimento sobretudo para quem sofre de carências básicas. A questão é que se tem que pensar em prazos. O crescimento não pode ser considerado como uma proposta política que não seja substituída em determinado momento por

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, Pernambuco tem alternativa!

algo de caráter mais qualitativo – como a idéia do “buen vivir” que as constituições recentes da Bolívia e Equador introduzem como meta a ser perseguida.

Tristemente, julgo oportuno afirmar que o Brasil é um país antiecológico. De fato, a forma como o meio ambiente é entendido e usado no Brasil corrobora essa constatação. Ao invés de considerá-lo como fonte derradeira e insubstituível de vida, de que, deveras, é, a sociedade brasileira – de suas elites e dirigentes às pessoas comuns – só o percebe como fonte inesgotável de recursos para máxima exploração. Paulo Prado, em Retrato do Brasil (livro de 1931), diagnostica o problema, atribuindo o espírito antiecológico nacional às origens do país, com seu afã de “cobiça insaciável, na loucura do enriquecimento rápido”. Sérgio Buarque, em Raízes do Brasil (1935), fala da personalidade antiecológica brasileira, caracterizada, segundo ele, pela ânsia de prosperidade a todo custo na “busca oca de títulos honoríficos, de posições e riqueza fáceis”. Em Nordeste (1937), belo livro de reflexão, Gilberto Freyre – primeiro cientista social brasileiro a empregar o “critério ecológico” na análise sociológica, o que faz nessa obra – confirma a percepção de Prado e Sérgio Buarque. Um dado atual a reafirma. Do total da extensa Mata Atlântica original, equivalente a 15% do território brasileiro, resta apenas uma fração de 25 por cento, constituída de fragmentos. Sem que, a despeito disso, se pare a insana destruição do inigualável bioma da floresta litorânea brasileira, devastado incessantemente desde o começo da colonização. No sítio do projeto de Suape (onde também se destroem mangues para a construção de refinaria e estaleiros), a Mata Atlântica continua sendo desflorestada.

O espírito irresponsável, sem compromisso algum com a saúde dos ecossistemas regionais, delira de prazer com a refinaria de Suape, como se isso fosse a coisa mais inofensiva do mundo. Ora, o aquecimento global – demonstrado por estudos idôneos como fenômeno antropogênico – impõe que se reduza no mundo a emissão de CO2, gás que a queima do petróleo libera abundantemente (cada tonelada de combustível gera 3,2 t de dióxido de carbono). Como é que se justifica hoje um projeto que contribui para mais emissão desse gás, como o da refinaria de Suape? Não faz sentido, em um mundo inteligente, a expressão maravilhada da sociedade pernambucana (do governo estadual, do federal, da Petrobras) diante da refinaria em

questão – salvo por uma visão antiecologista que a permeie. Se se quer a sustentabilidade autêntica, a solução mais aceitável é a das energias renováveis. De que nós temos abundância, a começar do sol tropical. Verdadeiramente, porém, o caminho para um processo inteligente de uso sustentável de energia teria que considerar saídas que significam viver sobriamente. Por exemplo, diminuindo o consumo de energia, algo muito viável.

Carlos Gabaglia Penna, da PUC-Rio, há pouco falecido, explica que, no mundo natural, o crescimento nunca é linear, e sim exponencial. Ele cita exemplo clássico: “imaginemos que um lago contenha uma espécie de alga que, ao cobrir toda a superfície do corpo d’água, sufocará a vida nele existente. A comunidade de algas dobra de tamanho a cada dia. Suponhamos que, em 30 dias, as algas tomarão o lago todo. No 21º dia, as algas cobrem tão somente 0,2% da superfície (menos de 0,0001% no 10º dia). Em apenas mais oito dias, já terão coberto a metade e, no dia seguinte, o lago estará completamente tomado pelas algas, eliminando o oxigênio disponível da água”. Em outras palavras, crescimento geométrico leva sempre, na natureza, ao desastre (caso da bola de neve, do crescimento celular ilimitado, etc.). Por que teria que ser diferente no tocante ao sistema econômico, se ele constitui um subsistema da natureza? Para o subsistema valem as mesmas leis que governam o todo maior.

Existirá sempre uma escala máxima sustentável do sistema econômico com respeito ao ecossistema, escala essa a ser determinada pela comparação de benefícios econômicos com custos marginais da destruição ambiental (e de outros impactos negativos). O problema, pois, consiste em se encontrar a escala ótima do macrossistema econômico diante do sistema ecológico, permitindo a separação entre (i) crescimento genuinamente econômico (quando os benefícios adicionados do aumento da economia superam os custos adicionais do processo) e (ii) crescimento antieconômico (quando, pelo contrário, os benefícios decorrentes do aumento da economia se tornam inferiores aos custos adicionais). Supõe-se, é claro, que, em algum momento, benefícios e custos marginais se igualem. Para chegar ao desenvolvimento genuíno, essa regra tem que ser observada. É aí que vale a observação de que, por definição, o desenvolvimento tem que ser sustentável – ao mesmo tempo concluindo-se que crescimento sustentável é uma mentira.

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reflexões sobre energia nuclear

qual o medo do debate?

Daniel Coelho

Deputado estadual e foi vereador do Recife por dois mandatos. Formado em Administração pela Universidade de Pernambuco (UPE), tem mestrado na Universidade de Bournemouth, na Inglaterra, e atua na vida pública desde 2003, sempre defendendo as causas ambientais.

e-Mail: [email protected]

Na história, o homem tem evoluído desde a sua compreensão dos objetivos da vida até as tecnologias que o permitem colocar em prática seus sonhos de mais qualidade de vida.

No inicio, conhecíamos o fogo, a força animal. Aprendemos sobre o vento, as águas e, em algum momento, sentimos a necessidade de mais. De fazer mover, de ter luz, aquecer e esfriar. Aí apareceram novas forças e a impressão de que isto é a base para o desenvolvimento humano.

Com uma nova compreensão da física, surgiu a possibilidade de se criar uma grande quantidade de energia através do enriquecimento de urânio. Energia esta que já foi diretamente usada para destruir, com as grandes bombas, e que também foi apontada como uma solução energética para o mundo moderno.

Países com dificuldades territoriais e de condições naturais, como Japão e Alemanha, apostaram fortemente na energia nuclear como solução. Isto foi desde o princípio até o fim do século passado.

Na década de 80, havia um otimismo em todo o planeta de que através da força nuclear teríamos mais energia, segura e barata. Sentimento que não era diferente no Brasil, após os investimentos em Angra.

Contudo, foi necessário o primeiro grande desastre nuclear acontecer em Chernobyl para a humanidade compreender que o preço pago por essa energia era muito mais caro do que se pensava. Assim, em Pernambuco, os nossos deputados, ao fazerem a Constituição Estadual, no fim da década de 80, ainda sob os efeitos da catástrofe ocorrida, proibiram em nossa lei maior a utilização de energia nuclear no Estado.

Agora, num momento em que a ilusão de aprovação popular ao desenvolvimentismo selvagem parece tomar conta de nossas lideranças políticas, nosso Estado luta para ‘‘ganhar’’ uma usina atômica. Para tal, pensam em como mudar a Constituição.

Não vou me prender aqui aos argumentos contrários à energia nuclear, pois nesta mesma revista teremos outros artigos com este conteúdo. Eu já tenho opinião formada sobre o assunto. Sou contra, por princípios filosóficos, éticos, ambientais e até pela sustentabilidade econômica de nosso Estado. Mas será que toda a população tem informações suficientes para opinar? Para decidir se é contra ou não?

Aqui em Pernambuco, temos tentado fazer o debate amplo, franco e democrático sobre o tema. Temos cobrado a realização de audiência publica na ALEPE, como forma de fazer a sociedade participar dessa discussão. Sou democrata como princípio básico da política, portanto, posso aceitar o fato de alguém defender a ideia absurda de usarmos a energia nuclear, mas não admito que se evite o debate.

Quem é a favor que o diga, argumente, confronte ideias. O que me preocupa é quem é a favor e evita a discussão enquanto providencia a instalação dessa usina que representa a cegueira de uma parte da humanidade. Pessoas que parecem não ver que não temos o direito ético de destruir o futuro dos nossos netos e dos netos dos nossos netos.

Com os desastres ocorridos no Japão, o mundo definitivamente entendeu que não dá pra brincar com energia nuclear. A Alemanha já decidiu fechar todas as suas usinas até 2022 e outros países vão no mesmo caminho.

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Aqui, ocorreu uma fuga do debate, pois os defensores da ideia entenderam que o momento era ruim. Mas não pararam as articulações em nível federal, estadual e até municipal tentando consolidar esta usina que já tem até endereço: a remota e isolada cidade de Itacuruba, no Sertão do São Francisco.

Fazem isso na surdina, escondidos, evitando a discussão. Peço que apareçam. Vamos às universidades, rádios e praças públicas debater o assunto e deixar a sociedade informada. Negar a

intenção para evitar o debate é desonesto com a população.

Nosso desejo é do debate honesto e democrático. Confiamos no bom senso do nosso povo e sabemos que, se decisões políticas forem tomadas deixando de lado o resultado das próximas eleições e avaliando o futuro de nossa sociedade com um horizonte mais longo do que os quatro anos que separam os pleitos eleitorais, todos juntos podemos garantir a produção de energia limpa em Pernambuco.

a luta ecológica é uma disputa política por um novo projeto de sociedade.

nascemos com um firme propósito

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entre em nosso site e fique a vontade!

pois o papo é virtual, mas o debate e o respeito a igualdade, a liberdade e a democracia estão sempre presentes.

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reflexões sobre energia nuclear

usinas nucleares e democracia

Edilson Silva

É Presidente do PSOL-PE e membro de sua Executiva Nacional. É Técnico industrial e já foi dirigente da Federação Nacional dos Ferroviários e da CUT – Central Única dos Trabalhadores. É ativista ambiental, membro fundador e integrante do Movimento Ecossocialista de Pernambuco.

e-Mail: [email protected]

O modo de produção capitalista atravessou o século XX sobrevivendo às custas da marginalização de parte da sociedade do processo de desenvolvimento. Revoluções tecnológicas em diversas áreas, guerras, neo-colonialismo, aumento frenético do ritmo de consumo e da descartabilidade das suas mercadorias foram remédios fartamente usados ao longo do século passado para controlar o “tumor maligno” descoberto com a grande crise de 1929.

Nas últimas décadas, porém, ganharam mais protagonismo as tecnologias do sistema financeiro globalizado. Com a queda do Muro de Berlim, já no último quarto de século, a extensão dos poderes do “deus mercado” ao leste europeu e outras paragens na Ásia parecia, para alguns, a cura definitiva do tumor, o fim da história. O reino do liberalismo econômico se viu absoluto e a lógica do mercado, com todos os seus vícios, invadiu sem freios o espaço público e o Estado em todos os continentes.

Este processo não daria apenas sobrevida ideológica e lucros ao núcleo do sistema, mas também aprofundaria sobremaneira as contradições entre a necessidade cada vez maior de produção e consumo frenéticos com os limites de exploração apresentados pela própria natureza. O aquecimento global se tornaria uma verdade inconveniente, e o conceito de crescimento econômico capitalista como alternativa inescapável de organização social teria que conviver não apenas com os custos e efeitos colaterais sociais, mas agora também ambientais. As taxas de crescimento médio da economia, contudo, “justificavam” os riscos.

E foi este capitalismo que bateu às portas do século XXI, cortando-lhe a fita de chegada com um

ar ainda triunfante. Porém, sem fechar sequer a primeira década, uma crise grave veio à superfície, a crise dos subprimes no mercado imobiliário dos Estados Unidos, crise que abraçou toda a economia mundial. Soube-se, então, que as “tecnologias” do mercado financeiro global tão lucrativo eram na verdade mega-fraudes. Uma indústria de papel podre.

A sociedade vive hoje, então, um conjunto de crises simultâneas: econômica, social, ambiental e ética. Numa palavra: crise civilizacional. É muito difícil negar que foi o modo de produção capitalista e sua ética que nos trouxe até aqui e que este já não pode e não deve “dar as cartas”, pois já deu mostras mais que suficientes que se preciso for parte o planeta ao meio para não ter prejuízos na bolsa.

É neste cenário que se debate hoje a reativação do programa nuclear brasileiro. Quais são os parâmetros? Quais são as necessidades? Existem alternativas renováveis? Quem está definindo as prioridades? Não existe na sociedade brasileira hoje um debate e um processo democrático e transparente sobre isto. As decisões são de governo, ou seja, com viés de mercado. Um grupo “seleto” e fechado, com membros de alguns ministérios, está definindo os rumos do programa nuclear brasileiro.

Recentemente o estado de Pernambuco foi escolhido para receber usinas nucleares destinadas ao nordeste do país. Foi definido o município de Itacoruba, às margens do Rio São Francisco, para o empreendimento. O governador Eduardo Campos, de forma absolutamente anti-democrática, fez gestões no sentido de incluir a construção de usinas nucleares no plano decenal de expansão da oferta de energia elétrica do governo federal,

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para além das já previstas em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, colocando no planejamento a região nordeste. Na seqüência, quando dos estudos das alternativas de localização por parte da Eletronuclear, fez gestões para que as usinas ficassem em Pernambuco. Conseguiu. Toda esta movimentação foi feita sem absolutamente nenhuma audiência pública ou debate democrático.

Ironia do destino, os acidentes nas usinas de Fukushima, no Japão, aconteceram em meio aos anúncios orgulhosos da “vitória” do governador em trazer as usinas para Pernambuco. Frente aos protestos e à imagem negativa que as usinas nucleares ganharam por conta destes acidentes, o governador investiu no esvaziamento do debate, chegando a afirmar que não havia nada de concreto – o que é uma inverdade -, apostando em colocar o tema na pauta de novo em momento menos inoportuno. O governo assim trata o tema, mais uma vez, como um assunto interno ao próprio governo, e não um tema de Estado, como realmente o é. Pior, utiliza-se de uma ética reprovável no debate com a sociedade.

O Brasil já fez várias opções estratégicas no passado em base a interesses de mercado, como o foi com a sua matriz de transporte, e hoje pagamos um preço altíssimo. Especialistas não conseguem compreender como num país com a nossa topografia predomina o modal rodoviário, em detrimento de outros modais, como o ferroviário,

por exemplo. A explicação é simples: as decisões foram tomadas por governos capturados para a defesa de interesses que não eram do país.

Na busca por novos empreendimentos que façam girar seu capital, eventos esportivos globais como Copas do Mundo e Jogos Olímpicos, são hoje uma fonte de renda irracional. As recentes obras do Panamericano do Rio de Janeiro são um exemplo, assim como a Copa do Mundo na África do Sul. Investimentos públicos vultuosos que caem direto no caixa de uns poucos, em detrimento do atendimento de demandas mais sentidas pelas populações. As notícias que temos agora sobre os investimentos públicos nas obras para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil são, no mínimo, preocupantes. É a lógica do mercado em operação.

Portanto, a ante-sala para um debate desta envergadura – usinas nucleares são “eternas”! – é o fortalecimento da democracia real, a construção de um ambiente republicano saudável, com ampla participação da sociedade civil, muita transparência e sem manipulações. Exige-se planejamento impecável em direção aos interesses das gerações presentes e futuras, compatibilizando crescimento econômico com responsabilidade sócio-ambiental. O debate sobre a utilização de usinas nucleares envolve não só aspectos econômicos, trata-se de um debate fundamentalmente político. A sociedade precisa ser chamada a participar.

Vamos vestir essa campanha!

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reflexões sobre energia nuclear

Cada dia aparecem notícias mais assustadoras sobre a catástrofe nuclear de Fukushima. Pela segunda vez em sua história, o povo japonês é vítima da loucura nuclear. Não se sabe ainda a extensão do desastre, mas é óbvio que se trata de uma reviravolta. Na história da energia nuclear, haverá um antes e um depois de Fukushima.

Com Chernobil, o lobby nuclear ocidental tinha encontrado a resposta: é o resultado da gestão burocrática, incompetente e ineficaz, própria do sistema soviético. “Isso jamais aconteceria conosco.” De que vale esse argumento hoje, quando é a nata da indústria privada japonesa que está envolvida?

As mídias colocaram em evidência a irresponsabilidade, o despreparo e as mentiras da Tokyo Electric Power Company (TEPCO) – com a cumplicidade ativa dos órgãos de controle e das autoridades locais e nacionais –, mais preocupada com lucro que com segurança. Tais fatos são indiscutíveis, mas de tanto insistir nesse aspecto, arriscamos perder de vista o essencial: a insegurança é inerente à energia nuclear. O sistema nuclear é fundamentalmente insustentável, os acidentes são estatisticamente inevitáveis. Cedo ou tarde, outras Chernobils e outras Fukushimas acontecerão, provocadas por erros humanos, problemas de funcionamento internos, tremores de terra, acidentes de avião, atentados ou acontecimentos imprevisíveis. Parafraseando Jean Jaurés, pode-se dizer que o nuclear traz a catástrofe como a nuvem traz a tempestade.

Portanto, não é nenhuma surpresa o movimento antinuclear que está se mobilizando outra vez em grande escala, com alguns resultados positivos, como, por exemplo, na Alemanha. A palavra de ordem “Fim imediato da energia nuclear” se

espalha como fogo. Entretanto, a reação da maioria dos governos – principalmente na Europa e nos Estados Unidos – é a recusa em sair da armadilha nuclear. Tenta-se acalmar a opinião pública com a promessa de uma “séria revisão da segurança de nossas centrais”. A MOCN, Medalha de Ouro da Cegueira Nuclear, merece ser entregue ao governo francês, do qual um dos porta-vozes, o senhor Henri Guaino, recentemente declarou que “o acidente nuclear no Japão poderia favorecer a indústria francesa, que tem na segurança sua marca principal”. Sem comentários…

Os nucleocratas – uma oligarquia particularmente obtusa e impermeável, afirmam que o fim da energia nuclear significaria o retorno à vela ou à lamparina. A simples verdade é que somente 13,4% da eletricidade mundial é produzida pelas centrais nucleares. Pode-se perfeitamente passar sem ela… É possível, bem provável mesmo, que, sob a pressão da opinião pública, em muitos países sejam consideravelmente reduzidos os projetos delirantes de expansão ilimitada da indústria nuclear e de construção de novas centrais. Mas pode-se temer que isso seja acompanhado de um retrocesso às energias fósseis mais “sujas”: o carvão, o petróleo off shore, as areias betuminosas, o gás de xisto. O capitalismo não consegue limitar sua expansão, ou seja, seu consumo de energia. E como a conversão às energias renováveis não é “competitiva”, pode-se prever uma nova e rápida subida das emissões de gás, aumentando o efeito estufa. O primeiro passo na batalha socioecológica para uma transição energética é a recusa desse falso dilema, dessa escolha impossível entre uma bela morte radioativa ou uma lenta asfixia por aquecimento global. Um outro mundo é possível!

Traduzido do francês por Leonardo Gonçalves.

fukushima

Michael Löwy

Sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).

e-Mail: [email protected]

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Das enchentes em São Paulo às agressões ao rio São Francisco, o impacto da ação humana vem colocando em risco o potencial ambiental brasileiro.

O povo brasileiro não costuma tratar adequadamente o seu ambiente natural. O resultado disso é que o caos, costumeiramente, prevalece. Essas assertivas são divulgadas constantemente na mídia de um modo geral e, por se tornarem rotineiras, têm assustado todo o país. Dentre uma infinidade de acontecimentos lamentáveis na área ambiental, podemos citar alguns como merecedores de destaque.

As recentes enchentes ocorridas na cidade de São Paulo, por exemplo, decorrentes em sua maior parte da obstrução das galerias pluviais pelo lixo jogado nas ruas pela população, têm resultado em recorrentes transtornos naquele município, transformando a nossa maior metrópole em um gigantesco lago. Querer livrar-se do lixo de forma inadequada jogando-o simplesmente na rua é conseqüência direta da falta de preparo da população nas questões referentes à preservação de seu ambiente natural, razão pela qual a sociedade paulistana não consegue encontrar outra saída, senão aquela de ficar sempre se lamentando. O problema do lixo nas vias públicas, bem como de outras ações predatórias ao ambiente, tem dado ao brasileiro a triste fama de ser um dos povos que mais menosprezam o seu patrimônio natural.

O caso dos desmatamentos ocorridos no bioma da caatinga, no oeste pernambucano (bacia do Brígida, afluente do rio São Francisco), com o propósito de calcinar a gipsita para transformação daquele mineral em gesso, é outro acontecimento que tem tirado o sono dos ambientalistas. Realizados sem os cuidados

devidos e, principalmente, desconsiderando a legislação ambiental vigente, essas ações vieram por exterminar, de vez, a frágil vegetação daquela região do sertão pernambucano, colocando os municípios de Araripina, Trindade, Ipubi, Ouricurí, Parnamirim, Exú e Bodocó como fortes candidatos à formação de novos núcleos de desertificação, fenômeno que já ocorre no município de Cabrobó, no mesmo estado.

O lançamento de esgotos nos rios sem o tratamento devido é outra questão séria e que também reflete o despreparo da população, assunto este que, infelizmente, não se restringe apenas à população residente nas bacias hidrográficas dos rios, mas também às ações da classe política do país.

Residimos em Casa Forte, em bairro de classe média do Recife, que vive, no momento, visível expansão imobiliária. Contam-se dezenas de edificações construídas ou em fase de construção e que já estão trazendo problemas ao sistema de esgotamento sanitário do bairro. Estas questões são fáceis de entender, porquanto a cidade do Recife tem parte de sua malha de esgotos sanitários construída em meados do século XVII, portanto na época em que os holandeses dominavam a região. Antigos e obsoletos, os esgotos de Casa Forte não podem mais receber a carga adicional oriunda de tais edificações, o que tem resultado em mais comprometimento do Capibaribe, rio sabidamente bastante sacrificado pela poluição.

Sobre estas questões, a bacia do rio São Francisco também merece referência, tendo em vista o seu contingente populacional, de cerca de 14 milhões de pessoas, costumar despejar seus esgotos “in natura” (domésticos e industriais)

o meio ambiente do país pede socorro

João Suassuna

Engenheiro agrônomo, pesquisador titular da Fundação Joaquim Nabuco e Coordenador do Núcleo de Estudos e Articulação sobre o Semiárido (NESA).

e-Mail: [email protected]

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reflexões sobre energia nuclearem seu leito, o que tem resultado numa péssima qualidade das suas águas. A cidade ribeirinha de Petrolina, no oeste pernambucano, que possui um dos mais importantes pólos de irrigação do Nordeste, tem as águas do Velho Chico impróprias para o banho, devido à existência, nelas, de elevados índices de coliformes fecais. Igual problema ocorre na bacia do rio Moxotó (afluente do São Francisco) no município de Ibimirim, também no estado de Pernambuco, onde o açude Poço da Cruz, o maior do estado, com capacidade de 500 milhões de metros cúbicos, está com suas águas imprestáveis para o consumo humano, por apresentarem forte odor de esgotos recebidos dos municípios a montante da represa. O curioso de tudo isso é que as águas do rio São Francisco, previstas para serem bombeadas através do eixo leste do projeto de transposição, irão abastecer aquela represa, para, em seguida, irem em direção aos municípios de Gravatá e Campina Grande, localizados nos agrestes de Pernambuco e da Paraíba, para o abastecimento de suas populações. O fato grave é que as ações do projeto irão fazer com que as águas do rio São Francisco, que já apresentam certas restrições para o consumo humano, sejam misturadas às águas de uma represa, cuja qualidade é duvidosa para o consumo, devido à presença de forte carga poluidora. Diante desses fatos e caso se concretize o projeto, torna-se fácil imaginar os problemas de saúde pública que irão surgir naquelas regiões, principalmente com doenças veiculadas pela água.

A geração de energia elétrica no Brasil é outra questão que merece destaque neste artigo. A potência elétrica instalada no país no ano de 2003 era de cerca de 87 mil MW, valor este que, segundo informações obtidas na Chesf, deveria ser ampliado em cerca de 4 a 5 mil MW/ano, para a satisfação do nosso desenvolvimento. Nessa perspectiva, em julho de 2011, a potência elétrica instalada no país, que deveria ser de cerca de 127 mil MW, totalizava apenas 114 mil MW. A considerar esse diferencial muito aquém do desejável, é provável a existência de problemas de geração elétrica no Brasil, ainda na gestão Dilma.

Vale a pena um comentário adicional sobre as hidrelétricas previstas para serem construídas na bacia amazônica. Por tratar-se de uma região de planície, geralmente as represas ali construídas são rasas e de grande superfície inundada. Nesse sentido, o problema gerado é de supressão de vasta área com rica biodiversidade nos lagos formados pelas hidrelétricas. Será que um país que não costuma tratar seu ambiente natural de forma adequada tem condições de avaliar o custo/benefício da implantação desses empreendimentos naquela localidade? É um caso para se refletir.

Diante desses problemas, não é por outra

razão que o governo federal vem se empenhando na construção de novas unidades geradoras (hidrelétricas e termelétricas), para satisfazer, tanto a demanda reprimida na geração, como para garantir o crescimento do país. Fala-se inclusive na construção de unidades termonucleares no Nordeste brasileiro, sendo, algumas delas, na bacia do rio São Francisco. O município de Itacuruba, em Pernambuco, por exemplo, localizado nas margens do rio São Francisco, será o provável local de construção da primeira usina nuclear na região nordeste do país.

Não somos contrários à geração de energia em usinas termonucleares, principalmente quando o uso dessa energia é para fins pacíficos. Somos contrários, sim, à localização dessas usinas em regiões que costumam tratar mal o seu ambiente natural. A nossa preocupação maior recai no destino que será dado ao lixo atômico gerado nessas usinas. Achamos, por exemplo, que o caso do plutônio que compõe o lixo atômico é emblemático. Esse elemento radiativo (PU-239 físsil) é resultante da reação nuclear do urânio no interior do reator, e tem período de meia vida estimado em cerca de 24 mil anos (meia-vida é o tempo necessário para que a atividade de um elemento radiativo seja reduzida à metade). Portanto, a pergunta que tem que ser feita é a seguinte: uma vez construídas essas usinas no Nordeste, que destino será dado ao lixo atômico ali gerado? Não bastassem todas as mazelas da forte degradação ambiental existente na bacia do rio São Francisco, ainda por cima poderemos vir a ter, no futuro, um rio com problemas semelhantes àqueles ocorridos com o césio 137 em Goiânia, onde a radiação desse elemento exposto no lixo resultou na morte de algumas pessoas.

Diante desse relato, ficamos preocupados e até indignados com declarações recentes feitas por nossas autoridades, quando qualificaram os ambientalistas, os povos indígenas, os quilombolas, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União como entraves ao desenvolvimento do nosso país. Coerente com essa lógica e diante da demora no licenciamento ambiental para a implantação de grandes obras, o governo federal criou mecanismos para legitimar instituições na agilização dos licenciamentos ambientais do país. O Instituto Chico Mendes tornou-se um exemplo disso. No nosso ponto de vista, isso sinaliza um retrocesso na legislação vigente e na garantia de direitos conquistados pela sociedade brasileira.

Cremos que, nesse caso, o foco de análise de nossas autoridades mostrou-se, de certa forma, equivocado. Normalmente, as mudanças nas questões ambientais não costumam ocorrer de forma rápida. Não se pode esperar, por exemplo,

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que elas aconteçam no intervalo de um mandato presidencial. As autoridades deveriam se preocupar mais com a implantação de ações estruturadoras e de longo prazo, cujos efeitos costumam aparecer através de gerações. Nesse sentido, deveriam interferir diretamente na educação do povo brasileiro, fazendo constar no currículo escolar dos cursos de primeiro e segundo graus, matérias relacionadas às questões ambientais, de uma maneira diferente daquela existente na atualidade. A população jovem do país precisa ter acesso a tais mecanismos, para saber refletir melhor sobre as conseqüências impostas ao ambiente natural

pelos desmatamentos ilegais; pelos lançamentos indevidos de esgotos no leito de um curso d´água; pela utilização das águas de um rio de múltiplos usos, que apresente sinais de debilidade hídrica; pela geração de energia cuja matriz energética é calcada, prioritariamente, em hidrelétricas; pelos efeitos danosos da radiação nos organismos vivos e por tantas outras questões que costumam ocorrer no nosso cotidiano. Cremos que é sempre através do diálogo que iremos dar seqüência a tudo aquilo que foi conquistado, com muito esforço, pela sociedade.

se não cuidarmos, o pior vai acontecer

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reflexões sobre energia nuclear

energia nuclear? não obrigado

Heitor Scalambrini Costa

Graduado em física pela Universidade Estadual de Campinas (SP), mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorado pela Universidade de Aix-Marselha (França). Atualmente professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco atuando junto a organizações não governamentais.

e-Mail: [email protected]

A energia que a nossa civilização consome origina-se majoritariamente de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural). Apesar de sua enorme contribuição para promover o conforto de parte importante da população mundial, a matriz energética mundial está criando problemas que ameaçam a estabilidade e a continuidade do tipo de civilização que temos hoje.

Isso porque os combustíveis fósseis acarretam problemas, riscos e incertezas, sendo a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa nas grandes cidades e em várias regiões do mundo, e estão provocando o aumento da temperatura média do planeta. Eles são a origem de inúmeros problemas que comprometem a segurança de abastecimento energético, uma vez que as reservas destes energéticos estão localizadas em poucos países, e a maioria dos países não têm reservas de petróleo e gás e ficam dependentes de pressões políticas dos fornecedores, como os países do Oriente Médio e a Rússia.

Sem dúvida, nos encaminhamos para o fim da era do petróleo, e nos defrontamos com o grande desafio, que é combater as causas das mudanças climáticas, principalmente substituindo os derivados do petróleo por combustíveis renováveis.

Estamos em um período de transição e de incorporação de novas fontes energéticas na vida das pessoas e das nações. Discutir, portanto, uma mudança na matriz energética que realmente busque preservar a vida e o bem-estar dos indivíduos no planeta precisa levar em conta uma profunda transformação nos padrões atuais de produção/consumo, no estilo de vida, no conceito de desenvolvimento vigente e na própria organização da sociedade.

Para concretizar uma estratégia em bases

sustentáveis, seria necessário investir na diversidade e na complementaridade das fontes energéticas, portanto nas alternativas renováveis tais como a energia eólica, solar térmica, fotovoltaica, marés, ondas, biomassa, pequenas quedas de água (PCH´s ). Portanto, discutir matriz energética implica, em primeiro lugar, refletir sobre a serviço de quem estará esta nova matriz e levar em conta quem se beneficiará ou a qual propósito servirá, ou seja, energia para quê e para quem?

As propostas que existem para solucionar os problemas de bilhões de pessoas sem acesso a formas modernas de energia nas regiões mais pobres do mundo, se originam, de modo geral, nos países industrializados, que têm acesso a combustíveis fósseis. Em alguns deles existe certo entusiasmo pela energia nuclear, que contribui para a oferta de energia elétrica, mas acaba criando problemas de gravidade maior e imediata, como se viu no recente desastre nuclear de Fukushima, no Japão.

Já nos países em desenvolvimento os problemas são mais amplos, incluindo a necessidade de incorporar ao sistema aquelas populações que não tem acesso a serviços de energia elétrica, além da necessidade de pagarem pela importação de combustíveis fósseis, o que compromete suas economias. Muitas vezes não utilizando os recursos energéticos disponíveis localmente.

Estudos e experiências recentes mostram que existem várias combinações de recursos naturais e tecnologias que permitiriam resolver simultaneamente os problemas acima mencionados sem a necessidade da energia nuclear, nem de outras tecnologias ainda não completamente testadas.

Portanto, os grandes desafios com relação à

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questão energética são: garantir acesso universal de serviços de energia as pessoas que não as possuem, melhorar a eficiência no uso de energia, e aumentar a contribuição sustentável das energias renováveis na matriz energética mundial.

Os recursos financeiros para se atingir estes objetivos não vão exigir muito mais do que os que são usados atualmente, mas seu redirecionamento, ou seja, decisão política. Fica evidente também que energias renováveis devam ser produzidas de maneira distribuída, próximas do local onde serão consumidas, reduzindo assim a insegurança energética, e a insustentabilidade que podem gerar. Por exemplo, como na produção monocultural do álcool da cana-de-açúcar, em grandes áreas agrícolas.

Há também uma complementação favorável entre maior eficiência energética e energias renováveis, porque maior eficiência permite realizar as mesmas tarefas com menos energia, o que favorece o uso das fontes renováveis.

No caso do Brasil as fontes renováveis são abundantes, diversificadas, já contribuindo significativamente na matriz energética nacional. Todavia, ainda muito pouco, a nível de políticas públicas, está sendo feito para incentivar particularmente as fontes solar e eólica, daí a pífia contribuição destas fontes primárias na matriz energética.

O desperdício de energia também pode ser conseguido tanto na oferta como no consumo de energia. Estudos de várias universidades e centros de pesquisa tem assim demonstrado. Mas muito pouco tem sido implementado, e os resultados do Programa de Conservação de Energia (Procel) são muito aquém das possibilidades técnicas existentes.

Mais recentemente muito se tem falado e escrito pró e contra a opção do governo Lula/Dilma em reativar o Programa Nuclear, implicando assim na instalação de centrais nucleares no território brasileiro.

Os defensores desta tecnologia identificados com setores da burocracia estatal, militares, membros da academia, grupos empresariais (empreiteiras e construtores de equipamentos), julgam que o Brasil não deve prescindir desta fonte de energia elétrica para atender a demanda futura, alegando ser vantajosa por ser barata e “limpa” por não emitir gases de efeito estufa. Consideram estratégico o domínio da tecnologia nuclear, pois dizem não ser possível acompanhar seu desenvolvimento tecnológico, caso não se construam usinas nucleares. E por outro lado, minimizam o recente desastre ocorrido no complexo de Fukushima Daiichi, garantindo riscos

mínimos, e mesmo a ausência deles nas instalações brasileiras.

A primeira vista tais argumentos pareceriam convincentes, e poderiam até confundir os mais neófitos e menos desavisados cidadãos e cidadãs, que desejam o melhor para o país e para sua população. Mas a verdade dos fatos tem revelado que a opção pela energia nuclear atende somente a interesses inconfessáveis de alguns, em detrimento dos interesses da ampla maioria, resultando em mais problemas do que soluções.

É preciso entender de uma vez por todas, a grande vantagem comparativa do Brasil por possuir uma diversidade e abundância de fontes energéticas renováveis que não são encontradas em nenhuma parte do mundo, e que podem pela tecnologia atual, atender as necessidades energéticas atuais e futuras do país. Estas sim, desde que utilizadas de forma sustentável podem contribuir para uma sociedade descarbonizada.

Afirmar que as usinas nucleares não emitem gases de efeito estufa é uma meia verdade. É certo que quando em funcionamento as usinas núcleo elétricas emitem desprezíveis quantidades destes gases. Mas lembremos que as centrais não funcionam sem o combustível nuclear. E este para ser obtido, passa por etapas e operações que são conhecidas como “ciclo do combustível nuclear”, que vão desde a extração do minério radioativo, sua concentração, enriquecimento, preparação das pastilhas de combustível, seu uso na usina na geração de eletricidade, armazenagem do lixo radioativo produzido e o descomissionamento da usina, depois de atender sua vida útil. Em todas estas etapas e operações a produção de gases de efeito estufa é importante, e a quantidade varia muito em função da metodologia empregada para calcular, de 60 a 400 gCO2/kWh, como relatado por inúmeras publicações científicas. Por si só esta grande variação merece explicações e estudos mais conclusivos.

Relacionar a necessidade de instalação de usinas nucleares no país como sendo fundamental e imprescindível para acompanhar o desenvolvimento científico tecnológico na área nuclear é uma justificativa completamente fantasiosa, irreal e agride o bom senso. Ao invés de investir 10 bilhões de reais na construção de usinas, como está previsto, com baixo índice de nacionalização de seus componentes, poderia se construir reatores multi propósito por 1 bilhão de reais cada unidade. Seriam muito mais úteis ao desenvolvimento e a soberania do país.

Minimizar os riscos das instalações nucleares é um atentado a inteligência de qualquer pessoa. Mesmo não divulgados são freqüentes os vazamentos de materiais radioativos e problemas

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reflexões sobre energia nuclearque ocorrem nas 453 usinas instaladas no mundo. Os desastres mais significativos nos últimos 20 anos, de Thernobyl, Three Mille Island e de Fukushima Daiichi, foram suficientes para alertar o mundo de quão é perigosa e dos riscos à vida que oferecem estas instalações.

E finalmente, os custos da energia elétrica produzida pelas usinas nucleares são mais caros que outras fontes, como a eólica e a hidráulica, e comparados ao das termoelétricas. Além de necessitarem de subsídios públicos, ou seja, repasse de enormes recursos financeiros do tesouro nacional a serem disponibilizados para esta tecnologia; acabam dificultando que investimentos sejam realizados em outras fontes energéticas como a solar, eólica, biomassa, pequenas centrais hidroelétricas e no aproveitamento dos recursos energéticos encontrados nos oceanos. É certo

também que com as novas regras de segurança impostas pós Fukushima, ainda mais caro ficará o custo da eletricidade nuclear.

Uma pergunta que não quer calar, diz respeito a negativa de muitas seguradoras em cobrir os acidentes nucleares, em muitos países essa cobertura é atribuída ao Governo Federal. Se as companhias de seguro, especialistas em estimar os perigos de acidentes, não desejam arriscar seu dinheiro, por que se deve obrigar as pessoas a arriscarem suas vidas?

No mínimo é insensata esta opção energética adotada pelo governo brasileiro, que deve ser mais discutida com transparência. Daí estar junto à imensa maioria da população que tem se manifestado contrária a construção de usinas nucleares em território nacional, fortalecendo o coro: energia nuclear? Não obrigado.

você já se imaginou com um coração nuclear?

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nucleares: para piorar o péssimo

Roberto Malvezzi (Gogó)

Formado em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atualmente é membro da Equipe do São Francisco CPT/CPP, membro da Equipe de Terra, Água e Meio Ambiente do Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM) e articulista do Ecodebate e Brasil de Fato.

e-Mail: [email protected]

A insistência do governo brasileiro em levar à frente seu programa nuclear, agora de forma acelerada e intensa, suscitou um poderoso receio, senão pavor, nas populações onde já existem atividades do ramo, como em Caetité, Bahia, ou onde se promete a construção da primeira usina da nova empreitada, como em Itacuruba, no sertão pernambucano do São Francisco.

O povo brasileiro não tem tradição de lidar com a energia nuclear. Até hoje a questão ficou mais restrita a Angra dos Reis, onde já tivemos problemas técnicos com as usinas, mas sem maiores problemas para a população. Durante décadas não houve mais a proposta de ampliar essa matriz energética. Mas, ao retirar dos porões da ditadura militar tantos projetos, entre eles a ampliação do programa nuclear, os governos Lula e Dilma suscitam essa reação assustada, mas também indignada, de vasta parcela da sociedade brasileira.

Os especialistas nos dizem todos os dias, com palavras e números, que o Brasil tem outras possibilidades energéticas tão vastas, tão amplas, como a eólica e solar, que não necessitamos da matriz nuclear. Até pouco tempo se dizia que essas matrizes limpas eram caras e inviáveis. Entretanto, repentinamente, já produzimos um gigawatt de energia eólica. Portanto, quando a necessidade se fez real, surgiu a tecnologia, o preço caiu, a energia tornou-se limpa, embora o modelo de implantação também esteja gerando uma série de problemas nas comunidades onde as turbinas eólicas são instaladas. Queríamos energia limpa, mas também num modelo socialmente limpo. O modelo continua sujo como sempre, excluindo as comunidades e concentrando a propriedade dos ventos em mãos privadas.

A energia nuclear já é um problema em Caetité. Ali está a única mina de urânio em atividade no país. A atividade de extração, beneficiamento e transporte, em pouco mais de uma década, já gerou transtornos sociais de difícil avaliação em uma cidade que tem aproximadamente 46 mil habitantes e que divide seus problemas com Lagoa Real, que tem aproximadamente 13 mil habitantes.

Há um debate constante entre militantes sociais, a Indústria Nuclear Brasileira (INB) e organismos de estado (IBAMA e antigo INGÁ) que defendem o funcionamento da mina e também a atividade nuclear brasileira. O fato é que ali já houve vazamento de 76 kg de urânio, fato só admitido pela empresa três anos depois, mas que não admite a gravidade de suas conseqüências. Posteriormente outro fato grave foi o transbordamento da bacia de retenção de particulados da cava da mina sete vezes, liberando líquido, com concentração de urânio-238, tório-232 e rádio-226 para o meio ambiente, através do leito do Riacho das Vacas. (VILASBOAS, Zoraide)

O fato real é que existe uma série de multiplicação de doenças de tipo cancerígeno na região, experimentados e vivenciados pela população impactada, mas negada pela empresa e órgãos responsáveis como sendo de origem direta da atividade mineraria.

Diante da imposição autoritária da atividade, a população veio às ruas para manifestar-se contra uma carga depositada em caminhões que se dirigiu do Rio de Janeiro para Caetité, sem que a população soubesse exatamente qual era o conteúdo transportado. Talvez tenha sido a primeira reação social massiva contra esse tipo de atividade no Brasil, mesmo considerando a reação à

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reflexões sobre energia nuclearconstrução de Angra III, mas que se manifesta mais através de um abaixo assinado.

É útil ressaltar aqui o princípio sempre em destaque na literatura da saúde de que ela acaba sendo o desaguadouro dos problemas sociais, ambientais e econômicos. Ou a afirmação sempre presente da ONU, para exemplificar, que para cada dólar investido em saneamento se poupa de quatro a sete dólares investidos em saúde. Se a simples contaminação bacteriana das águas já é um problema social grave, que deságua na saúde, pode-se supor o problema da contaminação das águas por radioatividade. Esses problemas indicam a conexão indissolúvel entre ambiente, economia, sociedade e saúde.

Em Caetité os agricultores também reclamam que seus produtos, sob suspeita de contaminação, perderam mercado. Desde a fécula da mandioca, passando pelas hortaliças, até o leite das vacas que bebem das águas contaminadas.

Outro problema social grave é a necessidade de remover a população local para a implantação da extração do urânio. O raio de alcance é calculado em 20 km. Nem toda a população é relocada, mas pode ser a depender das necessidades do empreendimento.

O desastre de Fukushima, onde se supunha e se proclamava a total segurança da indústria nuclear, embora tenha sido uma tragédia até agora não totalmente mensurada, acendeu uma luz vermelha para o programa nuclear brasileiro. Vivendo na aldeia global, evidentemente as populações de Caetité e entorno de Itacuruba puderam ver na prática a contradição entre o discurso da segurança alimentada pelas corporações técnicas, empresas e políticos, com a tragédia real vivida pela população. Enfim, a tragédia japonesa acabou sendo iluminadora para a reação da população brasileira mais diretamente impactada.

Imediatamente houve reação também na região de Itacuruba, senão propriamente na cidade local, mas em seu entorno, como Floresta, Petrolândia, Belém do São Francisco e demais cidades da região. O movimento da Cultura da Paz, muito ativo a partir de uma iniciativa da diocese de Floresta, logo que soube da locação da nova nuclear na região, imediatamente desencadeou um processo de reflexão junto aos educadores e esforça-se para levar essa reflexão a toda população.

Claro que, como toda atividade empresarial de grande impacto, essas obras vêm revestidas em seu discurso com aquelas três palavras mágicas que sempre as envolvem: progresso, geração de emprego e renda. Ocultam-se sob esse tapete já fartamente mentiroso todos os problemas que podem surgir a partir de uma usina como essa na

proximidade e num raio muito mais vasto.Os interessados nesse progresso são sempre os

políticos locais, em vista dos royalties pagos, as corporações técnicas envolvidas, as empresas e, em se tratando da questão nuclear, os militares. O discurso generoso pode até envolver a população num primeiro momento, mas, em seguida, vem a decepção com os problemas criados. Como afirma o cacique Neguinho Truká, “os empregos são temporários, os problemas são permanentes”.

O primeiro problema em Itacuruba é que a usina, se for instalada, será exatamente sobre um território indígena, assim como em Angra a usina foi instalada próxima ao território Guarani.Portanto, mais uma vez um território indígena aparece como pedra no meio do caminho dos interesses do capital, assim como os Truká e Pipipã apareceram para atravessar as obras dos eixos da Transposição. Por sinal, as obras praticamente coincidem no mesmo espaço geográfico. Os índios, com apoio do Conselho Missionário Indigenista (CIMI), já começaram a pensar o que significa essa obra.

A Articulação Popular do São Francisco Vivo, promoveu um encontro ao nível de bacia, para debater a correlação de todas as matrizes energéticas existentes no vale do São Francisco, seu potencial e seus impactos sobre a população. O encontro de habitantes de Caetité com pessoas da região de Itacuruba, assim como professores das universidades e militantes sociais, alargou a visão dos impactos possíveis sobre essas populações.

Os argumentos oficiais para implantação da usina em Itacuruba são quatro: pouca gente na região, água do São Francisco, rede de transmissão da Chesf já instalada, depósito do lixo atômico na região vizinha do Raso da Catarina.

Se tivéssemos aqui espaço para destrinchar a falácia de cada um desses argumentos, todo leitor poderia analisar melhor sobre quantas mentiras se constrói uma obra. Mas, resumidamente, mais de 300 mil pessoas habitam a região num raio de 100 km; o São Francisco não tem água sequer para fazer girar cinco turbinas em Itaparica e mais cinco turbinas em Xingó que nem sequer foram instaladas; o raso da Catarina é uma reserva biológica que pode tornar-se um depósito de lixo atômico dessa usina e de outras que se promete para o São Francisco.

Os pescadores já se perguntam quanta água vão retirar do São Francisco e que qualidade de água será devolvida ao rio. Sabemos antecipadamente que a água utilizada para resfriar os geradores volta muito mais quente ao ambiente originário, portanto, modificando o habitat dos peixes já adaptados a determinadas temperaturas. Sabemos

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também por experiências da Alemanha que a demanda de água para resfriar uma usina como a que pretendem instalar é de 60 m3 por segundo. O dobro do volume de água demandado pela Transposição.

Por todas essas incertezas, há uma reação também social nas regiões mais diretamente impactadas e no Brasil como um todo. O governo, num primeiro momento arrogante, afirmou que continua com sua iniciativa mesmo após Fukushima. Agora, pelo menos mudou o discurso.

Entretanto, como em outros países, somente uma reação organizada da população pode realmente pôr controle e até fim ao programa

nuclear brasileiro. Essas populações diretamente impactadas têm um papel crucial para cumprir nessa árdua tarefa.

ReferênciasVILASBOAS, Zoraide. Mineração de urânio em

Caetité/BA: os custos socioambientais da energia nuclear. www.ecodebate.com.br/2008/11/05

CIMI. Depoimento de Ângelo José Bueno no encontro sobre Energias no Vale do São Francisco, em Juazeiro/BA, 27-29/05/2011.

WEIHERMANN, Ralph; FRIES, Susan. O Futuro Irradiante do Brasil – A exploração de Urânio em Caetité. Documentário.

sou leão do norte

e também digo não!

Junte-se a nós nessa luta contra a energia nuclear!