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86 FEEDFOOD.COM.BR BOVINOS JOÃO PAULO MONTEIRO, DE RIBEIRÃO PRETO (SP) [email protected] T empos atrás, início dos anos 2000, a pecuária de corte era uma atividade livre, um destacado universo formado por criadores, compradores e abatedores, conta o dire- tor-fundador da Scot Consul- toria (Bebedouro/SP), Alcides Torres. “Uma concorrência perfeita”, define. Porém, de alguns anos para cá, o segmento assistiu ao crescimento de algumas empresas via finan- ciamento público, gerando concentração do mercado e desequilíbrio no setor. “Isto não foi bom para pecuária brasileira”. Aliado a isto, novas gerações adentraram nos negó- cios do boi, produtores sem experiência em períodos inflacionários severos; o número de mulheres pecuaristas cresceu; e hoje, a in- formação chega à palma da mão do pecua- rista em abundância. Mais dinâmica do que nunca, a bovinocul- tura de corte passa dia a dia por uma série de transformações, e, quem não acompanhar tais mudanças, terá como destino a saída da ativida- de, conforme descreve Torres: “Os grãos empur- ram a pecuária extrativa para a marginalidade, forçando estes produtores a desistir da pecuá- ria”. Desta forma, para sobreviver e se destacar no segmento, o consultor sugere: “A melhor res- posta é sempre a solução mais simples”. Mesmo não sendo novo, o tema é preo- cupante e, neste sentido, a Scot Consultoria Fotos: 1. divulgação / 2. f&f organizou em Ribeirão Preto (SP), entre 14 e 16 de abril, a primeira edição do Encontro de Recriadores, unido ao já tradicional Encontro de Confinamento, que neste ano chegou a sua décima edição. “Em função da elevação do preço da arroba dos animais de reposição, há confinadores trabalhando com animais de 10@, bezerros. Isto é uma novidade. Por- tanto, reunimos em um mesmo evento a ca- rência de informação acerca da recria e con- finamento, matando dois coelhos com uma cajadada só”, alinha o analista. CENÁRIO DE TRANSIÇÃO. Nos últimos anos, o mercado viu não só uma alta do preço do boi gordo, mas também da reposição, oca- sionada pela oferta escassa, inicia o consultor e diretor Técnico da Scot Consultoria, Gusta- vo Aguiar. “Atravessamos uma fase onde se abateu muitas fêmeas, o que propiciou uma redução da disponibilidade de animais, e isso repercutiu em aumento dos preços. Porém, ao longo dos próximos anos, veremos uma rever- são deste processo”. (Veja no gráfico ao lado um comparativo por Estado da variação do pre- ço boi gordo e do bezerro desmamado) A explicação para a mudança deste qua- dro está na demanda, como explica o analis- ta da Scot Consultoria, Alex Lopes. “Cerca UNIÃO DOS ELOS DA CADEIA PROPICIA OPORTUNIDADE PARA O PRODUTOR DO BOI MAGRO COMPREENDER OS ANSEIOS DO CONFINAMENTO E VICE-VERSA RECRIA E CONFINAMENTO REUNIDOS BOVINOS MESA REDONDA ABERTA AS PERGUNTAS DO PÚBLICO GEROU AMBIENTE DE DEBATE E INTERAÇÃO

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BOVINOS

JOÃO PAULO MONTEIRO, DE RIBEIRÃO PRETO (SP)[email protected]

Tempos atrás, início dos anos 2000, a pecuária de corte era uma atividade livre, um destacado universo formado por criadores, compradores e abatedores, conta o dire-tor-fundador da Scot Consul-

toria (Bebedouro/SP), Alcides Torres. “Uma concorrência perfeita”, define. Porém, de alguns anos para cá, o segmento assistiu ao crescimento de algumas empresas via finan-ciamento público, gerando concentração do mercado e desequilíbrio no setor. “Isto não foi bom para pecuária brasileira”. Aliado a isto, novas gerações adentraram nos negó-cios do boi, produtores sem experiência em

períodos inflacionários severos; o número de mulheres pecuaristas cresceu; e hoje, a in-formação chega à palma da mão do pecua-rista em abundância.

Mais dinâmica do que nunca, a bovinocul-tura de corte passa dia a dia por uma série de transformações, e, quem não acompanhar tais mudanças, terá como destino a saída da ativida-de, conforme descreve Torres: “Os grãos empur-ram a pecuária extrativa para a marginalidade, forçando estes produtores a desistir da pecuá-ria”. Desta forma, para sobreviver e se destacar no segmento, o consultor sugere: “A melhor res-posta é sempre a solução mais simples”.

Mesmo não sendo novo, o tema é preo-cupante e, neste sentido, a Scot Consultoria

Fotos: 1. divulgação / 2. f&f

organizou em Ribeirão Preto (SP), entre 14 e 16 de abril, a primeira edição do Encontro de Recriadores, unido ao já tradicional Encontro de Confinamento, que neste ano chegou a sua décima edição. “Em função da elevação do preço da arroba dos animais de reposição, há confinadores trabalhando com animais de 10@, bezerros. Isto é uma novidade. Por-tanto, reunimos em um mesmo evento a ca-rência de informação acerca da recria e con-finamento, matando dois coelhos com uma cajadada só”, alinha o analista.

CENÁRIO DE TRANSIÇÃO. Nos últimos anos, o mercado viu não só uma alta do preço do boi gordo, mas também da reposição, oca-sionada pela oferta escassa, inicia o consultor e diretor Técnico da Scot Consultoria, Gusta-vo Aguiar. “Atravessamos uma fase onde se abateu muitas fêmeas, o que propiciou uma redução da disponibilidade de animais, e isso repercutiu em aumento dos preços. Porém, ao longo dos próximos anos, veremos uma rever-são deste processo”. (Veja no gráfico ao lado um comparativo por Estado da variação do pre-ço boi gordo e do bezerro desmamado)

A explicação para a mudança deste qua-dro está na demanda, como explica o analis-ta da Scot Consultoria, Alex Lopes. “Cerca

UNIÃO DOS ELOS DA CADEIA PROPICIA OPORTUNIDADE PARA O PRODUTOR DO BOI MAGRO COMPREENDER OS ANSEIOS DO CONFINAMENTO E VICE-VERSA

RECRIA E CONFINAMENTO REUNIDOS

BOVINOS

MESA REDONDA

ABERTA AS PERGUNTAS DO PÚBLICO

GEROU AMBIENTE

DE DEBATE E INTERAÇÃO

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de 80% da produção brasileira é destinada ao mercado interno, e, como a população vem sentindo os efeitos macroeconômicos do País, o consumo vem sofrendo baixas”. O mercado externo também não se apresen-ta de forma animadora: “Países como Esta-dos Unidos e China ainda não compraram quantidades expressivas da carne brasileira e, mesmo o Brasil exportando para diversas regiões, ainda há uma concentração, como Rússia e Venezuela, países que sentem a cri-se internacional do petróleo”. Desta forma, o próprio mercado atua na direção de limitar o poder de valorização da arroba.

Este conjunto de fatores resulta em um cenário único: o produtor é quem está dando as cartas do jogo. Lopes detalha: “Além de ser escassa a oferta de boi atualmente, as fa-zendas estão com pasto, devido às chuvas, ou seja, isto possibilita ao pecuarista reter o ani-mal e só entrega-lo ao frigorífico mediante a pagamento acima do preço de referência”. Po-rém, o analista ressalta os riscos para a cadeia como um todo, pois a operação dos frigorífi-cos está com margens baixas. “Com o poder de compra reduzido e resultados menores, a indústria pode não conseguir mais pagar pelos animais. Então, não adianta querer cru-cificar determinado elo da cadeia, é preciso andar juntos e trabalhar de forma harmônica. Se houver prejuízos para a indústria, toda a cadeia acaba sofrendo”.

Acreditando em um mercado firme devido a menor oferta de bois, o atual momento é o ideal para o produtor fazer contas e saber exa-tamente o seu custo de produção, para assim utilizar as ferramentas de comercialização via mercado futuro, sugere o médico veterinário e consultor de Mercado da Scot Consultoria, Hyberville Neto. “É preciso ter em mente os valores mínimos que se pode receber pela arroba e trabalhar daí para cima. Assim que aparecer a oportunidade, não esperar até o segundo semestre e utilizar a ferramenta de preço mínimo e travar a negociação, pelo me-nos parte dos animais, se esta já o remunera de maneira satisfatória”.

“O confinador não pode se tornar refém do momento de venda”, complementa o pes-quisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP (Piracicaba/SP), Sergio De Zen, e refor-ça: “Em um ano totalmente incerto como 2015, como o pecuarista depende de valores externos, não dá para correr riscos”.

GESTÃO E SANIDADE. Fundamental para a comercialização no mercado futuro, men-surar os custos da propriedade também se mostra como instrumento fundamental para elevação da eficiên-cia produtiva. O pes-quisador da Estação Experimental Hilde-gard Georgina Von Pritzelwitz e

QUANDO O ASSUNTO É PECUÁRIA, A MELHOR RESPOSTA É SEMPRE

A SOLUÇÃO MAIS SIMPLES, DESTACA

ALCIDES TORRES

GUSTAVO AGUIAR DESTACOU A

NECESSIDADE DE GESTÃO E EFICIÊNCIA

OPERACIONAL PARA UMA PECUÁRIA DE

RESULTADOS

SEGUNDO ALEX LOPES, HOJE, AS VIAS DE ESCOAMENTO DA PECUÁRIA ESTÃO LIMITADAS

Variação do preço em 2014

Bezerro desmamado

Boi gordo RIO GRANDE DO SUL

35,3%18,1%

RIO DE JANEIRO

34,8% 21,6%

BAHIA

64,1%

30,9%

PARÁ

45,3%

10,5%

SANTACATARINA

34,1%18,5%

MATO GROSSO DO SUL

42,5%

18,9%

TOCANTINS

48%

17%

RONDÔNIA

32,8%

16,3%

PARANÁ

38,3%20,2%

MINAS GERAIS

40,4%24,4%

MATO GROSSO

39,9%19%

SÃO PAULO

41,2%20,5%

GOIÁS

40,7%20,6%

MARANHÃO

56,5%

16,2%

Fonte: Scot Consultoria

BOI GORDO XBEZERRO DESMAMADO

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administrador da Fazenda Figueira (Londrina/PR), da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq/USP), José Renato Gonçal-ves, reforça o caráter dinâmico da atividade e a necessidade de uma gestão de qualidade: “É inadmissível esperar o surgimento de alguma solução milagrosa, como um novo capim, uma nova ração ou um sistema de IATF. A chave é trabalho. E o primeiro passo é mensurar. Ir além do custo, ou seja, proje-tar o quanto a propriedade terá de desem-penho ao fazer uso de determinada tecnolo-gia. No atual momento, no qual o produtor é bombardeado por possíveis tecnologias, a única ferramenta para selecionar os incre-mentos em determinado sistema de produ-ção é a avaliação do ponto de vista do custo benefício”.

Sendo ainda uma atividade historica-mente extrativa, a produção a pasto nacio-nal precisa rever seus conceitos, acredita o pesquisador: “O boi retira os nutrientes da planta, que por sua vez retira do solo. Como não existe produção sem aporte de insu-mos, para manter o sistema em equilíbrio, é preciso, no mínimo, repor tais nutrientes”. Desta maneira, possuir dados e estatísticas na palma da mão é elementar. “O pecuaris-ta precisa olhar o boi como uma ferramenta de colher o pasto, e produzir esta pastagem com qualidade, pois somente assim o animal desempenhará seu potencial em plenitude. Assim, para manter este sistema produtivo sustentável por longos períodos, a realização de análise de solo e monitoramento da ferti-lidade é indispensável”.

E, não importa qual o sistema produti-vo adotado na propriedade, recria ou con-finamento, conciliar a produção animal com boas práticas de manejo, segurança alimentar e gestão ambiental é premissa

para uma rentabilidade positiva, afirma o professor do Campus de Araçatuba (SP) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Iveraldo Du-tra. Segundo o especialista, o pecuarista não deve temer qualquer tipo de doença, mas sim possuir um sistema de detecção e controle. “É isto que falta no País”, lamenta Dutra. “É fundamental que a cadeia como um todo discuta quais as medidas mínimas que deveriam ser adotadas dentro das fa-zendas, como notificação e diagnósticos das enfermidades. É preciso criar esta cul-tura de conhecimento e controle dos riscos, visando mitigar os impactos negativos na atividade. Isto, com certeza, geraria uma enorme segurança a todos, principalmente se tratando de exportação”.

MESMO SEM ALTAS, HYBERVILLE NETO CRÊEM UM MERCADO FIRME PARA A PECUÁRIA

DEVIDO À INSTABILIDADE DA ATIVIDADE, PECUARISTA DEVE UTILIZAR INSTRUMENTOS DE GESTÃO DE RISCOS, ACREDITA SERGIO DE ZEN

GESTÃO, AVALIAR AS AÇÕES E MENSURAR O RETORNO. DE ACORDO COM JOSÉ RENATO GONÇALVES, ESTA É A FÓRMULA A SER SEGUIDA

O professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL, Londrina/PR), Amauri Alfieri, corrobora o pensamento de Dutra apresentan-do estimativas relacionadas ao custo benefício de um protocolo de vacinação em um confina-mento: “Se comparada às perdas acumuladas, um manejo sanitário correto não representa nem 3% deste montante”. Isso porque, além do custo do tratamento, é preciso arcar com a mão de obra e também com os índices reduzi-dos de conversão alimentar e ganho de peso do animal, justifica o professor.

Alfieri pontua como o principal proble-ma relacionado à sanidade o manejo mal executado. Ao adquirir animais de diversas localidades, embarcar em um caminhão e então vacinar, o produtor acaba por não respeitar a biologia do animal nesta janela

DETECTAR E CONTROLAR ENFERMIDADES GARANTE A SEGURANÇA DA ATIVIDADE, APONTA IVERALDO DUTRA

MAIS DE 600 PARTICIPANTES ACOMPANHARAM AS ATIVIDADES NO CENTRO DE EVENTOS DO RIBEIRÃO SHOPPING, EM RIBEIRÃO PRETO (SP)

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epidemiológica dos primeiros quinze dias do confinamento. “É sabido que o pico de ocorrência das doenças é nestes primeiros dias, então, não há tempo hábil para o me-dicamento surtir efeito”. Segundo Alfieri, as vacinas inativadas necessitam da primei-

ra dose, chamada sensibilizante, quando o antígeno é apresentado ao organismo, e também de uma segunda dose, 21 dias após a primeira. “Desta forma se dá o booster, o pico de imunidade. É uma questão biológica que deve ser seguida”.

PARCERIA. No âmbito da pecuária de cor-te, várias são as escolas e as teorias, e todas verdadeiras, pontua Alcides Torres. “É uma questão de estratégia”, sinaliza o engenhei-ro agrônomo. “Devido à questão de custos e bem-estar animal, existem pessoas com ojeriza ao confinamento. Acredito que, se possível terminar um boi em dois anos e meio sem confinar, melhor. Porém, existe uma demanda de frigoríficos, que é atendi-da pelos confinadores”, completa.

Desta forma, a mensagem deixada pelo Encontro de Recriadores e de Confina-mento da Scot Consultoria, nas palavras do professor de zootecnia da Universidade de São Paulo (USP, São Paulo/SP), Moacyr Corsi, é que o confinamento não deve ser utilizado como um artifício para masca-rar a ineficiência da cria ou recria, a qual deve ser encarada como objetivo final da propriedade. “Com o confinamento como ferramenta de manejo da propriedade, propiciando ajustes na taxa de lotação, a atividade fim passa a ser a recria, pois esta proporciona ganhos capazes de absorver ágios na compra do bezerro e garante taxas de lotação rentáveis e compatíveis com outras alternativas de uso do solo”, conclui. ■

O PRODUTOR DEVE RESPEITAR A BIOLOGIA DO ANIMAL NA JANELA EPIDEMIOLÓGICA, AFIRMA AMAURI ALFIERI

“CONFINAMENTO NÃO DEVE SER UTILIZADO COMO ARTIFÍCIO PARA MASCARAR UMA INEFICIÊNCIA”, ACREDITA MOACYR CORSI

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