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Recurso nº 329/2005 Data : 15 de Junho de 2006 Assuntos: - Erro notório na apreciação da prova - Relação laboral - Salário justo - Gorjeta - Danos não patrimoniais - Indemnização rescisória - Juros moratórios Sumário 1. Não exigindo prova de especial valor ou não tendo prova vinculada, as provas produzidas nos autos ficam à livre apreciação do Colectivo, de modo que não se pode imputar o Colectivo pelo vício de erro na apreciação da prova por ter dado valor a alguma prova enquanto não a outra, sob pena de sindicar a livre convicção do Tribunal Colectivo, nos termos do artigo 558º do Código de Processo Civil. 2. O contrato de trabalho é um contrato sinalagmático, que constituem-se obrigações para ambas as partes unidas umas as outras por um vinculo de reciprocidade ou interdependência. E nesta relação laboral, em princípio, a correspectividade estabelece-se entre a retribuição e a disponibilidade da força de trabalho (não o trabalho efectivamente prestado). TSI-329-2005 Página 1

Recurso nº 329/2005 · represálias; c) Não permitir ao A. levar um exemplar para casa a fim de melhor reflectir e não lhe dando mais que umas dezenas de minutos para apôr a assinatura;

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  • Recurso nº 329/2005

    Data : 15 de Junho de 2006

    Assuntos: - Erro notório na apreciação da prova - Relação laboral - Salário justo - Gorjeta - Danos não patrimoniais - Indemnização rescisória - Juros moratórios

    Sumário

    1. Não exigindo prova de especial valor ou não tendo prova vinculada, as provas produzidas nos autos ficam à livre apreciação do Colectivo, de modo que não se pode imputar o Colectivo pelo vício de erro na apreciação da prova por ter dado valor a alguma prova enquanto não a outra, sob pena de sindicar a livre convicção do Tribunal Colectivo, nos termos do artigo 558º do Código de Processo Civil.

    2. O contrato de trabalho é um contrato sinalagmático, que constituem-se obrigações para ambas as partes unidas umas as outras por um vinculo de reciprocidade ou interdependência. E nesta relação laboral, em princípio, a correspectividade estabelece-se entre a retribuição e a disponibilidade da força de trabalho (não o trabalho efectivamente prestado).

    TSI-329-2005 Página 1

  • 3. A retribuição perfila-se como a obrigação essencial a prestar no contrato de trabalho pelo empregador, obrigação de índole patrimonial e marcadamente pecuniária, ligada por uma relação de reciprocidade à actividade prestada.

    4. Sob os princípios respeitantes ao salário: o da equidade e o da suficiência, os trabalhadores estão legalmente garantidos o seu direito ao salário justo, a ser qualitativa e quantitativamente determinado.

    5. A lei não exige para a retribuição ou salário uma certa designação e uma certa forma de cálculo, permitindo qualquer das denominações e qualquer das formas de cálculo, desde que os montantes recebidos pelo Trabalhador sejam susceptíveis integrar o salário ou retribuição.

    6. Estando provado que o trabalhador recebia como contrapartida da sua prestação no âmbito do contrato laboral duas quantias, uma fixa e outra variável em função do montante das “gorjetas” recebidas, é de se considerar que tais quantias variáveis integram o seu salário.

    7. Se no âmbito da relação laboral, o trabalhador aceitasse livre e conscientemente o “ritmo” e “horário” de trabalho por anos consecutivos, e enquanto não tivesse sido provados factos comprovativos de danos dele resultantes, não poderia imputar à empregadora a responsabilidade pelo facto de alegado “cansaço” em consequência dos trabalhos contínuos.

    8. Sendo ilíquido o montante da indemnização resultante da compensação dos dias de descansos não gozados, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor, nem juros de mora e os juros são

    TSI-329-2005 Página 2

  • contados a partir da transição em julgado da sentença que condena o montante de indemnização.

    9. Não pode condenar a anterior concessionária de jogo de fortuna ou azar a indemnização rescisória em virtude de o trabalhador a disligou para outra concessionária por, face à cessação da sua licença, não mais poder manter ao seu serviço os trabalhadores cujo trabalho se inseria na actividade de exploração de jogos que antes desenvolvia.

    O Relator,

    Choi Mou Pan

    TSI-329-2005 Página 3

  • Recurso nº329/2005

    Recorrentes: Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SARL (澳門旅遊娛樂有限公司)

    A1

    Recorridos: Os mesmos    

    Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

    A, com os demais sinais nos autos, propôs acção laboral com processo comum ordinário contra a Sociedade de Turismo e Diversões de

    Macau, S.A.R.L., pedindo a condenação da ré:

    a) Pagamento da retribuição devida ao Autor, acrescida dos juros

    legais a contar da citação da Ré;

    b) Pagamento do trabalho prestado pelo Autor durante os

    períodos de descanso anual, descanso semanal e feriados

    obrigatórios (novecentas e cinco mil, novecentas e quatro

    patacas) , acrescido dos juros legais a contar da citação;

    1 Nos autos o autor A tem sempre identificado o seu nome em Chinês como sendo A, só foi erradamente escrito comoA no acórdão e na sentença. Assim sendo na sentença recorrida onde se lê A deve ler-se comoA.

    TSI-329-2005 Página 4

  • c) Pagamento de indemnização emergente da violação de

    direitos não patrimoniais do Autor, a liquidar em execução de

    sentença e em quantitativo conforme a equidade;

    d) Pagamento de indemnização rescisória (cento e oitenta e seis

    mil e quatrocentas patacas), acrescido dos juros legais a contar

    da citação;

    e) Pagamento de custas e procuradoria legal condigna.

    Citada a ré e, correndo todos os termos processuais no processo nº

    CV3-03-0010-LAO (que tinha antes o nº do processo LAO-039-03-3) junto

    do Tribunal Judicial de Base, o Tribunal Colectivo respondeu aos quesitos

    e o Mmº Juiz-Presidente proferiu a sentence decidindo:

    1. Condenar a Ré “Sociedade de Turismo e Diversões de Macau,

    S.A.R.L.” (澳門旅遊娛樂有限公司) a pagar ao Autor A o montante de

    MOP$356,000.00, a título de indemnização somatória de descanso

    semanal, de férias anuais remuneradas e de descanso nos feriados

    obrigatórios (MOP$264,004.00 + MOP$61,400.00 + MOP$30,596.00),

    acrescido de juros legais vincendos à taxa legal, desde o trânsito em

    julgado da sentença, até efectivo e integral pagamento.

    TSI-329-2005 Página 5

  • 2. Julgar-se improcedentes os demais pedidos do Autor2

    Inconformados com a decisão recorreram o autor e a ré, alegando

    para concluir, respectivamente, nos seguintes termos:

    O autor:

    I. “A R. negou ao A. a possibilidade de se restabelecer fisicamente

    como impõem as boas regras ditadas pela higiene internacional,

    maxime a OIT de que a RAEM é subscritora. (cfr. art.40° da Lei

    Básica)

    II. A R. impunha à A. o ritmo e horário de trabalho seguinte

    (repartindo-se num ciclo de três dias, voltando-se a repetir de

    novo após o terceiro dia):

    a. Primeiro dia de trabalho:

    - Entrada às 15:00 horas, saída às 19:00 horas

    - Entrada às 23:00 horas, saída às 03:00 horas

    2 A sentença ofereceu a versão chinesa desta parte decisória:

    “判被告“澳門旅遊娛樂發展有限公司"向原告 A 支付澳門幣叁拾伍萬陸仟圓整( MOP$356,000.00 ) , 作 為 周 假 、 有 薪 年 假 及 強 制 性 公 假 之 賠 償 總 和 (MOP$264,004.00 +

    MOP$61,400.00 + MOP$30,596.00),附加按法定利率計算之將來到期之利息,自本判決轉為確定

    之日起計,直至全數支付.

    裁定原告之其他訴求理由不成立。”

    TSI-329-2005 Página 6

  • b. Segundo dia de trabalho:

    - Entrada às 11 :00 horas, saída às 15:00 horas

    - Entrada às 19:00 horas, saída às 23:00 horas

    c. Terceiro dia de trabalho

    - Entrada às 07:00 horas, saída às 11 :00 horas

    - Entrada às 03:00 horas, saída às 07:00 horas

    III. Este ritmo e horário de trabalho foi exigido ao A. desde o ano de

    19.. até ao ano de 2002...

    IV. Semelhante situação teria que necessariamente afectar a

    capacidade de descanso de qualquer pessoa, em qualquer

    latitude do planeta Terra.

    V. O A., como simples mortal que é, está sujeita ao Princípio da

    Causalidade, assim, foi afectado com tal ritmo e horário de

    trabalho.

    VI. Bastará ao Tribunal lançar mão ao seu poder legal de exercitar a

    sua capacidade presuntiva para concluir, mui doutamente, sobre

    os nefastos efeitos de tal horário e ritmo de trabalho na saúde do

    Autor e no prejuízo causado no seu relacionamento familiar e

    social.

    VII. A violação de tais direitos merecem inequivocamente tutela

    jurisdicional nos termos da lei civil vigente. (aliás o próprio

    art.24° da Declaração Universal dos Direitos do Homem

    reconhece a toda a pessoa o “direito ao repouso e aos lazeres” e

    “férias periódicas pagas”)

    TSI-329-2005 Página 7

  • VIII. Aliás, Jurisprudência Superior comparada ensina que “O não

    cumprimento por parte da entidade patronal dos deveres que a

    lei lhe impôe é fonte de responsabilidade civil, com obrigação de

    indemnizar danos não patrimoniais por efeito do art.496° do

    Código Civil.” (cfr. Ac, do STJ de 16/12/1987,Recurso n°820, 3°

    Secção)

    IX. Impoe-se extrair um significado jurídico, e respectivas

    consequências, perante o facto de ao A. ao ter sido sujeita a uma

    intolerável pressão no sentido de assinar um contrato de trabalho

    nas circunstâncias já publica .e notoriamente conhecidas

    conhecidas como sejam as seguintes:

    a) Apresentar ao A. no seu local de trabalho um contrato já

    elaborado - com vários anexos - onde figurava como

    outorgante uma outra entidade patronal, a S.J.M.;

    b) Exigir-se ao A. a assinatura do mesmo contrato sob ameaça de

    represálias;

    c) Não permitir ao A. levar um exemplar para casa a fim de

    melhor reflectir e não lhe dando mais que umas dezenas de

    minutos para apôr a assinatura;

    d) E, perante este quadro factual resumido, veio a Ré defender

    depois que não tinha procedido ao despedimento do Autor!

    X. A supra descrita conduta é uma tentativa de Fraude à Lei, salvo

    devido respeito por opinião diversa, e um autêntico venire in

    causa propriam que o Direito não pode acobertar mas antes, ao

    contrário, censurar asperamente quem sendo uma concessionária

    violou, e pretende continuar a violar, direitos sociais mais

    TSI-329-2005 Página 8

  • elementares deixando, assim, mal visto o próprio Estado que

    durante décadas a deixou participar na sua Administração

    Indirecta.

    XI. Pois que, sendo ensinamento milenar que não se pode ser servo

    de dois senhores a Ré, in concreto, ao ter conseguido que o A.

    tivesse assinado um contrato com outra entidade patronal

    conseguiu alcançar o mesmo resultado por outros meios...

    XII. Já que salta à evidência que o A. nunca poderia continuar a ser

    trabalhadora da STDM e, simultaneamente, trabalhadora da SJM,

    XIII. Ou seja, a actuação da R. não passa de um engodo destinado a

    fraudar a própria lei, já que por detrás de todo um processo

    cheio de formalismo escondeu-se, sub-repticiamente, um fim

    destinado a escapar-se das malhas do Direito.

    XIV. Por outro lado, a Ré, sendo um dos maiores empórios comerciais

    de Macau, sabia ab initio que mercê da violação de direito

    imperativo (dever de conceder férias anuais, descanso nos

    feriados obrigatórios e descanso semanal) lhe acarretava o dever

    de indemnizar tendo conhecimento exacto da quantia devida em

    razão de ser assistida por credenciados juristas e contabilistas de

    Macau desde o início da sua concessão.

    XV. A citação deverá ser considerada como interpelação à Ré nos

    exactos termos do art. 793° do Código Civil devendo, por isso,

    fazer nascer juros moratório a partir dessa data.

    XVI. Em rigor, o momento da constituição da mora deve ser

    independente da interpelação em razão do facto que lhe deu

    TSI-329-2005 Página 9

  • causa provir de facto ilícito praticado pela Ré. (cfr. al. b), n°2 do

    art.794° do C.C.)

    XVII. Por outro lado, no presente processo intervem o princípio do

    favor laboratoris em benefício do A., o qual se encontra expresso

    nas seguintes leis:

    a) “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou

    em objecto diverso dele quando isso resulte de aplicação, à

    matéria especificada ou quesitada ou aos factos de que possa

    servir-se nos termos do art.514° do CPC, de preceitos

    inderrogáveis de leis ou convenções colectivas.” (art.69° do

    CPT de 1963, sublinhado nosso)

    b) Consagração do Princípio do mais favorável em benefício do

    trabalhador. (art.5° do Dec.-Lei n°24/89/M de 3 de Abril)

    c) “O tribunal deve condenar em quantidade superior ao

    pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso

    resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos

    inderrogáveis das leis ou regulamentos.” (art.43°,n°3 do

    CPTM em vigor)

    XVIII. Pelo que, os juros moratórios deveriam ser contados a partir do

    momento do facto ilícito pelas razões supra expostas...

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, vossas Excelências.,

    condenando a Ré ao pagamento dos danos não patrimoniais causados

    ao A. (em quantia considerada equitativa), ao pagamento da legal

    indemnização rescisória e ao pagamento dos juros moratórios

    (emergentes da violação do dever de conceder descanso anual, feriados

    obrigatórios e descanso semanal à A.)”

    TSI-329-2005 Página 10

  • A Ré:

    I. “Houve erro manifesto na apreciação da prova produzida em

    Audiência de Discussão e Julgamento, relativamente à resposta

    dada aos quesitos 2° a 5°;

    II. Resulta claro dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas

    – quer da Recorrente, quer sobretudo das testemunhas

    apresentadas pelo Recorrido – que a Recorrente gozou de dias de

    descanso, mas que o gozo desses dias não seria remunerado;

    III. Não é razoável dar como provado que uma pessoa, não gozou de

    dias de descanso durante cerca de12 anos!!

    IV. Para que fosse dado como provados os quesitos 2° a 5° deveriam

    ter sido juntos aos autos pelo Recorrido comprovativos de

    pedidos de férias ou de dias de descanso indeferidos pela aqui

    Recorrente.

    V. Era o Recorrido, nos termos do art. 355° do CC – e não a

    Recorrente – que tinham o ónus da prova – testemunhal,

    documental ou outra – de que não gozou dias de descanso e, a

    provar-se tal facto, quais os dias de descanso não gozados.

    VI. As consequências jurídicas da não remuneração de dias de

    descanso (cfr. art. 21°, 26°, n.° 1 do RJRT) ou da não compensação

    pelo trabalho prestado (que não seja voluntário) em dia de

    descanso semanal (cfr. ns. 4 e 6, b) do art.° 17° do RJRT), anual

    (cfr. art. 24° do RJRT) ou feriado obrigatório (cfr. art. 20° do RJRT)

    são diferentes.

    TSI-329-2005 Página 11

  • VII. Porque são diversas as consequências jurídicas estatuídas para o

    não gozo de dias de descanso e para a não remuneração de dias

    de descanso, não pode o juiz validamente concluir que, pelo

    facto de A. não ter gozado de dias de descanso remunerado, não

    terá em absoluto gozado de dias de descanso.

    VIII. Não tendo ficado provado quais os dias de descanso em que o

    Recorrido, efectivamente, trabalhou (se foi descanso anual,

    semanal ou feriados obrigatórios) e bem assim, se não gozou,

    quantos dias não gozou, afigura-se impossível proceder a uma

    condenação da Recorrente.

    IX. Não tendo ficado provado quais os dias de descanso em que o

    Recorrido, efectivamente, trabalhou (se foi descanso anual,

    semanal ou feriados obrigatórios) e bem assim, se não gozou,

    quantos dias não gozou, afigura-se impossível proceder a uma

    condenação da Recorrente.

    X. Caso o entendimento do Tribunal a quo, tenha sido o de que o

    ónus da prova estava invertido, e que era a R. quem tinha a

    incumbência de provar que a A., terá gozado dias de descanso,

    deverá considerar-se nula a sentença por falta de fundamentação,

    porquanto a mesma não se refere a qualquer eventual inversão

    do ónus e não justifica a sede legal para tanto.

    XI. Assim, nos termos do disposto na al. b) do n.° 1 do art. 571° do

    Código de Processo Civil é nula a sentença.

    Assim não se entendendo, e ainda concluindo:

    XII. O A. pediu a condenação da R. no pagamento de uma

    indemnização por danos emergentes da não compensação

    TSI-329-2005 Página 12

  • adicional por dias de descanso que não gozou, ou seja, alegou o

    seu direito a ser compensada por dias de descanso semanal,

    anual e feriados obrigatórios não gozados.

    XIII. Os factos constitutivos do direito da A. são o não gozo de dias de

    descanso; a prestação de trabalho não voluntária (cfr. vd infra o

    que se dirá a este respeito) a não compensação devida pelo

    trabalho prestado nesses dias.

    XIV. O não gozo de dias de descanso não constitui, por si só, um acto

    ilícito do empregador.

    XV. Apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador -

    e consequentemente direito a idemnização - quando, o

    trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso

    semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o

    empregador não o remunere nos termos da lei (arts. 20°, 17°, 4, b)

    e 24 ° do RJRT).

    XVI. Refrise-se que, a ilicitude do acto, é ainda um facto constitutivo

    do direito alegado pelo A., pelo que era a ela que competia

    provar que não foi devidamente remunerada pelo trabalho prestado em

    dia de descanso.

    XVII. Da matéria provada resulta apenas que o A. não gozou de dias

    de descanso semanal, anual e de feriados obrigatórios, mas não

    resulta que o A. não foi devidamente compensada por isso.

    XVIII. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da R.

    por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do

    direito do A., i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora

    recorrente.

    TSI-329-2005 Página 13

  • XIX. A sentença de que se recorre deverá ser anulada por erro de

    julgamento, devendo V. Exas. declara a absolvição da R. do

    pedido, em conformidade.

    Ainda assim não se entendendo - o que não se concede - e ainda

    concluindo:

    XX. O Tribunal a quo errou ao qualificar o contrato celebrado entre a

    Recorrente e o Recorrido como um puro contrato de trabalho.

    XXI. O contrato objecto dos presentes autos é um contrato misto,

    porquanto, paralelamente à existência de um contrato de

    trabalho - de onde decorriam, para ambas as partes, os direitos e

    obrigações tipificados na lei, existem dois outros: o contrato de

    sociedade - a que, em rigor, a entidade patronal é estranha - e o

    contrato de prestação de serviços.

    XXII. O trabalhador aceitou celebrar o contrato de trabalho e receber o

    correspondente Rendimento Salarial e, paralelamente, decidiu

    entrar como sócio de uma sociedade, correndo um determinado

    risco empresarial para, consequentemente, receber um

    rendimento empresarial, sendo o Rendimento Global, no seu

    conjunto, arriscado, mas que, no uso da sua autonomia privada,

    decidiu assumir.

    XXIII. Sendo a esmagadora maioria do Rendimento Global do

    trabalhador composta pelo Rendimento Empresarial concedido

    por terceiros, rendimento esse nunca seguro e sempre incerto

    quanto ao seu montante, revelando uma enorme aposta do

    trabalhador num risco que decidiu correr, torna-se aberrante

    concluir estarmos perante um contrato de trabalho puro ou,

    TSI-329-2005 Página 14

  • sequer, misto, aplicando-se a cada uma das partes desse contrato

    o seu respectivo regime jurídico.

    XXIV. O contrato celebrado pouco tem de verdadeiro contrato de

    trabalho, para além da duração da prestação diária de trabalho,

    do local de trabalho e dos poderes de direcção da entidade

    patronal - em tudo semelhante aos poderes do promotor do

    centro comercial no caso análogo supra analisado.

    XXV. Não assentando as pretensões do Recorrido na violação dos

    termos contratuais acordados, mas em disposições legais

    inaplicáveis in casu, porquanto incompatíveis com o clausulado

    por si expressa e integralmente aceite, não podem as mesmas

    proceder. .

    Não se entendendo desta forma, deverá concluir-se:

    XXVI. O Tribunal a quo sempre deveria ter considerado o contrato em

    análise com um contrato atípico ou inominado, aplicando o

    respectivo regime jurídico.

    XXVII. Na génese do contrato sub judice está um contrato de trabalho,

    mas as suas cláusulas acessórias desvirtuam-no a tal ponto que o

    seu pendor mais empresarial acaba por assumir o papel

    preponderante.

    XXVIII. Assim, é forçoso admitir que existe preponderância do tipo

    contratual atípico de pendor empresarial (com os aliados

    serviços prestados pela R) sobre o carácter laboral - porque o fim

    económico deste contrato assenta substancialmente num risco

    assumido pelo trabalhador.

    TSI-329-2005 Página 15

  • XXIX. Sendo o contrato predominante um contrato atípico ou

    inominado, o seu regime jurídico será determinado pelo

    clausulado acordado entre as partes e, perante uma lacuna,

    aplicar-se-ão à respectiva situação as regras previstas para a sua

    integração dispostas no art. 9. do CC.

    XXX. A fundamentação jurídica que Tribunal a quo utilizou para

    considerar como parcialmente procedente o pedido do Recorrido,

    assenta em regras legais aplicáveis ao contrato de trabalho que

    brigam frontalmente com regras aplicáveis ao fim principal deste

    contrato, i.e, com o fim empresarial.

    XXXI. Deveria o peticionado pelo Recorrido ter sido considerado

    improcedente, porque não provado e, a final e em consequência,

    ter a Recorrente sido absolvida de todo o pedido.

    XXXII. Não podendo por isso assacar-se qualquer responsabilidade à

    Recorrente pelo eventual não gozo de dias de descanso durante a

    relação contratual com o Recorrido.

    Ainda que assim não se entenda:

    XXXIII. O regime que resulta da aplicação à relação laboral que se

    estabeleceu entre a Recorrente e o Recorrido era mais favorável

    ao trabalhador do que o que resultaria da aplicação das regras do

    RJRT;

    XXXIV. O RJRT estabelece os condicionalismos mínimos à contratação

    livre entre trabalhadores e empregadores.

    XXXV. Estes “condicionalismos mínimos” podem decorrer, ou de normas

    legais - estatuídas no RJRT ou noutros diplomas avulsos - ou de

    TSI-329-2005 Página 16

  • normas convencionais livremente aceites pelos respectivos

    representantes associativos, ou dos regulamentos de empresas,

    ou dos usos e costumes geralmente praticados (art. 1° do RJRT).

    XXXVI. O n° 1 do art. 5° do RJRT dispõe que o diploma não será

    aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que

    sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador,

    esclarecendo o art. 6° deste diploma legal que os regimes

    convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se

    daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos

    trabalhadores.

    XXXVII. Donde se pode concluir que o legislador optou por um

    regime de hierarquia material das fontes, consagrando uma

    imperatividade apenas relativa das normas jus-laborais.

    XXXVIII. As normas convencionais, os regulamentos das empresas e os

    usos e costumes geralmente praticados (art. 1°, n° 1 do RJRT),

    serão aplicáveis em detrimento de normas relativamente

    imperativas quando destes resultem condições mais favoráveis

    ao trabalhador (art. 5° do RJRT).

    XXXIX. A doutrina e a jurisprudência têm sido claras sobre a forma

    como deve ser aferida a aplicação do princípio do tratamento

    mais favorável ao trabalhador;

    XL. “o principio do tratamento mais favorável (...) há-de encontrar-se na

    sua totalidade em sede de interpretação global das suas normas e não

    meramente parcial ou especifica dos preceitos em conflito que,

    individualmente, sejam porventura mais favoráveis”;

    TSI-329-2005 Página 17

  • XLI. As normas decorrentes do clausulado acordado entre o A. ora

    Recorrido e a R., ora Recorrente, e bem assim resultante dos usos

    e costumes do sector do jogo, beneficiam claramente o

    trabalhador.

    XLII. O regime convencional acordado entre a Recorrente e o

    Recorrido, afigurando-se mais favorável a este último do que o

    que resultaria da aplicação das regras do direito do trabalho,

    justifica por si só a derrogação das regras imperativas que

    impõem compensações por dias de descanso gozados,

    compensações por dias de descanso não gozados e bem assim o

    dispositivo que impõe a obrigação de pagamento de um salário

    justo ao trabalhador,

    XLIII. Na verdade, mesmo que se possa argumentar que o salário do

    Recorrido não era um salário justo, porque não tinha

    correspondência com a prestação laboral do Recorrido, a

    verdade é que, por ser trabalhador da Recorrente, beneficiava de

    um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe

    permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente

    rendimentos que numa situação normal nunca auferiria.

    XLIV. O que justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do

    dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um

    salário justo, pois caso o Recorrido auferisse apenas um salário

    justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra

    por esta - certamente que esse salário seria inferior ao

    rendimento total que o Recorrido, a final, auferiu durante os

    vários anos em que foi empregado da Recorrente.

    TSI-329-2005 Página 18

  • XLV. No caso em apreço - e, atendendo à natureza do pedido -

    interessava, por um lado, analisar o acordado no que diz respeito

    aos descansos semanal, anual e em dias de feriados obrigatórios

    e, por outro lado, o que acordado foi em matéria salarial e,

    finalmente, aferir da conformidade do acordado com as normas

    constantes do RJRT.

    XLVI. Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão

    - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do

    acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos

    rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro

    de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora

    em crise.

    Assim não se entendendo e ainda concluindo:

    XLVII. No caso em apreço, o Tribunal a quo não podia ter votado ao

    esquecimento que o trabalhador auferia rendimento em função

    do período de trabalho efectivamente prestado;

    XLVIII. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso

    semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde

    qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada

    como válida.

    XLIX. Da conjugação dos arts. 17° a 24.° e 37° do RJRT não resulta claro,

    ao contrário do que o Mmo. Juiz a quo veio a considerar, que o

    direito ao gozo de dias de descanso semanal, anual e em feriados

    obrigatórios seja irrenunciável.

    L. Os artigos 24° e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto

    de direitos fundamentais, assim como os artigos 67° e seguintes

    TSI-329-2005 Página 19

  • do Código Civil consagram um conjunto de direitos de

    personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos

    violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).

    LI. Não deveria a decisão ora posta em crise, ter desprezado o facto

    de, nem a Lei Básica, nem o Código Civil, consagrarem a

    irrenunciabilidade de qualquer direito, para além do direito à

    vida.

    LII. Relativamente aos feriados obrigatórios, prevê o n.° 2 do artigo

    19 ° do RJRT que, nesses dias, “Os trabalhadores (...) devem ser

    dispensados da prestação de trabalho.”.

    LIII. Quanto ao descanso anual, da conjugação do n° 1 do artigo 21 °

    com o art. 24°, ambos do RJRT, resulta que “Os trabalhadores têm

    direito a seis dias úteis de descanso anual, sem perda de salário, em cada

    ano civil.”, sendo que “O empregador que impedir o trabalhador de

    gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador (...)” uma

    indemnização;

    LIV. Dispõe, ainda, o n° 5 do art. 17° do RJRT, a respeito do descanso

    semanal, que “A observância do direito [ao gozo, em cada período de

    sete dias., de um período de descanso de vinte e quatro horas

    consecutivas] não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar

    serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no

    entanto, a isso ser obrigado.” (sublinhado e negro da Recorrente);

    LV. Consagrando a última das disposições transcritas que o

    trabalhador, aqui Recorrente, tinha a faculdade de prestar

    trabalho num dia de descanso semanal, contanto que essa opção

    fosse voluntária e sem que a tal possa ser obrigado pela entidade

    TSI-329-2005 Página 20

  • patronal, por maioria de razão, deve o disposto nesta norma ser

    aplicado analogicamente aos demais direitos a descanso anual e

    feriados obrigatórios;

    LVI. Todas as disposições que consagram tais direitos, falam apenas

    em “deve” e “tem direito”;

    LVII. Em todo o diploma que regula as Relações de Trabalho em

    Macau, o legislador não sugere sequer a irrenunciabilidade ao

    gozo de tais direitos, pelo que os mesmos têm forçosamente de

    se considerar renunciáveis.

    LVIII. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos

    direitos em questão, devem os mesmos ser considerados

    livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz

    qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação

    voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.

    LIX. Se o legislador tivesse querido consagrar tais direitos como

    irrenunciáveis, tinha-o feito, expressamente, no texto que regula

    as Relações Jurídicas de Trabalho em Macau ou em qualquer

    outro diploma legal aplicável no domínio das relações jurídicas

    laborais privadas, tal como o fez o legislador do Estatuto dos

    Trabalhadores da Administração Pública de Macau (adiante

    “ETAPM”), a propósito do direito a férias, expressamente,

    qualificado como irrenunciável (cfr. n° 3 do art. 80° do ETAPM);

    LX. Donde, e por ter sido voluntária a prestação de trabalho em dias

    de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios, deveria o

    Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de

    tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.

    TSI-329-2005 Página 21

  • Assim não se entendendo, e ainda concluindo:

    LXI. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em

    nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de

    forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso

    (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o

    Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente

    retribuição em singelo.

    LXII. In casu, não tendo o Recorrido sido impedida de gozar quaisquer

    dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer

    feriados obrigatórios, forçoso é concluir pela inexistência do

    dever de indemnização da STDM ao Recorrido.

    Ainda sem conceder, e ainda concluindo:

    LXIII. Depois da entrada em vigor do DL 24/89/M, de 3 de Abril, e até

    à revisão deste Diploma pelo Decreto-Lei, 32/90/M, o A. tinha

    direito a gozar um total de 64 dias de descanso remunerado (a

    título de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios) e a 4

    de feriados obrigatórios não remunerados, sendo que:

    - o trabalho prestado nos 52 dias de descanso semanal era

    remunerado à razão do dobro do salário de um dia de

    trabalho efectivo;

    - o trabalho prestado nos dias de descanso anual era

    remunerado à razão do triplo do salário de um dia de

    trabalho efectivo;

    TSI-329-2005 Página 22

  • - o trabalho prestado nos feriados obrigatórios remunerados

    era remunerado à razão do dobro do salário de um dia de

    trabalho efectivo;

    - o trabalho prestado nos feriados obrigatórios não

    remunerados era remunerado à razão do salário de um dia

    de trabalho efectivo;

    LXIV. Depois da revisão do DL 24/89/M, de 3 de Abril, operada pelo

    Decreto-Lei 32/90/M, o A. o Recorrido tinha direito a gozar um

    total de 64 dias de descanso remunerado (a título de descanso

    semanal, anual e feriados obrigatórios) e a 4 de feriados

    obrigatórios não remunerados, sendo que:

    - o trabalho prestado nos 52 dias de descanso semanal era

    remunerado à razão do salário de um dia de trabalho efectivo,

    sem qualquer acréscimo, tal como acordado com a entidade

    patronal;

    - o trabalho prestado nos dias de descanso anual era

    remunerado à razão do triplo do salário de um dia de

    trabalho efectivo,

    - o trabalho prestado nos feriados obrigatórios remunerados

    era remunerado à razão do dobro do salário de um dia de

    trabalho efectivo;

    - o trabalho prestado nos feriados obrigatórios não

    remunerados era remunerado à mesma razão diária do

    salário de um dia de trabalho efectivo;

    TSI-329-2005 Página 23

  • LXV. Por outro lado, tendo já sido os dias de trabalho prestado em dia

    de descanso remunerados, em singelo, é forçoso que a mesma

    remuneração tenha de ser subtraída nas compensações devida.

    LXVI. Para que a decisão Recorrida pudesse ter acolhimento não

    poderia o legislador ter distinguido entre as alíneas a) e b) do n°

    6 do art. 17° RJRT!

    LXVII. Apenas no caso de o n° 6 do art. 17° ter a seguinte redacção: “O

    trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago pelo dobro

    da retribuição normal”, sem distinção entre as alínea a) e b),

    poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento do dobro

    do salário para compensar o não gozo de dias de descanso

    semanal.

    LXVIII. A decisão recorrida enferma de ilegalidade por errada

    aplicação da al. b) do n° 6 do art. 17° e do artigo 26° do RJRT o

    que, em consequência, importa a revogação da sentença na parte

    que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às

    compensações pelo não gozo dos dias de descanso semanal, o

    que desde já se requer.

    LXIX. Não podia ainda ter perdido de vista a decisão de que se recorre

    que os dias de descanso anual e, bem assim, feriados obrigatórios

    não gozados, foram já pagos em singelo, valor esse que deverá

    ser deduzido a eventuais compensações devidas, pelo que violou

    a mesma o art. 20° e 24° do RJRT.

    LXX. De acordo com a matéria de facto dada como provada, o

    rendimento do Recorrido, enquanto empregada da Recorrente,

    era composto por uma importância fixa (HKD$ 10 até Abril de

    TSI-329-2005 Página 24

  • 1995 e, a partir daqui, HK$ 15), e por uma quota parte variável,

    correspondente ao montante de gorjetas entregues pelos clientes

    da Recorrente aos trabalhadores e que, por todos os

    trabalhadores eram distribuídas.

    LXXI. Errou o Mmo. Juiz a quo ao ter pugnado pela injustiça do salário

    acordado entre as partes tendo considerado e que, por esse facto,

    as gorjetas deveriam ser consideradas parte integrante do salário

    do Recorrido.

    LXXII. O que se traduz numa errada aplicação dos artigos 5° e 6° do

    RJRT e, bem assim, da alínea b) do n° 1 do mesmo diploma, mas

    não só.

    LXXIII. De acordo com o entendimento exposto nos dois pareceres

    subscritos pelos Ilustres Professores de Direito, João leal Amado

    e António Monteiro Fernandes, a conclusão é idêntica, embora

    diferente do Tribunal a quo: as gorjetas não são parte integrante

    do conceito de salário dos trabalhadores da STDM.

    LXXIV. Nas palavras do Professor leal Amado, “Não havendo

    unanimidade dos tribunais quanto à qualificação jurídica das ditas

    gorjetas [as percebidas pelos trabalhadores de casino] a corrente

    jurisprudencial largamente dominante é aquela que, a meu ver com

    boas razões, sustenta que tais gratificações não fazem parte da

    retribuição do trabalhador”, referindo, como exemplo desta

    jurisprudência dominante, o Acórdão do Tribunal da Relação de

    Lisboa, sobre esta matéria, de 8 de Julho de 1999. O Ilustre

    Professor refere, ainda, que “a doutrina se tem pronunciado sobre o

    assunto em sentido pacificamente unânime”, ou seja, no sentido de

    TSI-329-2005 Página 25

  • que as gorjetas não são qualificáveis enquanto quantitativo

    enquadrável no conceito de salário dos empregados de casino.3

    LXXV. Comum na doutrina - com reflexo nos pareceres dos referidos

    Professores - tem sido o ponto essencial para análise da

    problemática da qualificação das prestações pecuniárias

    enquanto prestações retributivas, a questão de quem realiza a

    prestação.

    LXXVI. Neste sentido, conclui-se que, a prestação será sempre

    retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do

    empregador,

    LXXVII. Ora, daqui decorre a análise do animus da prestação que,

    tanto Monteiro Fernandes, como leal Amado, acabam por

    discernir nos seguintes termos: nas gratificações há um animus

    donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma

    obrigatoriedade.

    LXXVIII. Como doutamente discorreu o Professor leal Amado: “A

    retribuição, repete-se, consiste numa prestação obrigatória a cargo do

    empregador: se a prestação em causa não é juridicamente obrigatória ou

    não é efectuada pelo empregador - e as gorjetas não são nem uma coisa

    nem outra - então não estaremos perante uma prestação de natureza

    retributiva”.4

    3 O Professor aponta como defensores desta posição: Menezes Cordeiro, Bernardo Lobo Xavier, Mário Pinto, Furtado Martins, Nunes Carvalho, Pedro Romano Martinez e Júlio Vieira Gomes. 4 In Parecer constante de fls. 243 a 276.

    TSI-329-2005 Página 26

  • LXXIX. Nem sequer o facto de a Recorrente reunir, contabilizar e

    distribuir as gorjetas dadas pelos seus Clientes, invalida a tese

    defendida.

    LXXX. Não será pelo facto de incidir sobre as gorjetas imposto

    profissional que sejam qualificadas como salário.

    LXXXI. Desde logo, porque estabelece o art. 2° da Lei n° 2/78/ M, de

    25 de Fevereiro, a propósito da incidência do Imposto

    Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do

    trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não,

    fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e

    forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.

    LXXXII. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de

    salário.

    LXXXIII. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos

    trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”,

    esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião

    da prestação de trabalho, mas não em função ou como

    correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.

    LXXXIV. Fazemos nossas as conclusões do Ilustre Professor: “Mas a sua

    tributação [das gorjetas] é irrelevante para a qualificação pretendida

    (atribuição patrimonial da entidade patronal)”.

    LXXXV. Errou o Mmo. Juiz a quo, ao considerar que o facto de o

    salário base não ser um salário justo, nos termos do art. 25° do

    RJRT, tornava decisivo que se considerasse as gorjetas como

    parte integrante do salário.

    TSI-329-2005 Página 27

  • LXXXVI. A este propósito, retoma-se o Professor Leal Amado que com

    acutilância: “Quanto à norma legal relativa ao direito a um salário

    justo,(...) também não poderá ser voluntaristicamente concebida como

    uma norma que habilite o tribunal a substituir-se à vontade dos

    contraentes na determinação do quantum salarial”.

    LXXXVII. A norma relativa ao montante do salário justo serve, tão só,

    como garantia de que os trabalhadores terão, pelo menos, um

    rendimento do trabalho suficiente para prover as suas

    necessiades (art. 27° do RJRT) o que, in casu, manifestamente

    acontece, não havendo, por isso mesmo, qualquer violação do

    disposto no art. 25° do RJRT.

    LXXXVIII. É forçoso concluir que o rendimento dos trabalhadores

    dos casinos da STDM, proveniente das gorjetas concedidas,

    directamente, pelos clientes, não pode ser qualificado como

    prestação retributiva e, desta forma, ser levado em linha de conta

    no cálculo de uma eventua1 indemnização que os trabalhadores

    pudessem reivindicar da aqui R., R., aqui Recorrente.

    LXXXIX. E, dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só

    poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as

    gorjetas.

    Sem conceder, e concluindo:

    XC. O Tribunal a quo deveria ter fixado eqüitativamente o valor de

    um salário justo em vez de optar por considerar as gorjetas

    incluídas no conceito de salário, salário que corresponde, grosso

    modo, ao salário de um técnico superior da função pública que

    tem, no mínimo, de estar habilitado com uma licenciatura!

    TSI-329-2005 Página 28

  • Assim não se entendendo. e ainda concluindo:

    XCI. O Mmo. Juiz a quo poderia ter utilizado como referência, o valor

    máximo de salário mensal para efeitos de cálculo da

    indemnização rescisória a pagar por uma entidade patronal a um

    qualquer trabalhador.

    XCII. Tal montante foi fixado pelo n° 6 do art. 47° do RJRT em

    MOP$12,000.00, valor que vigorou até 1997 e que, pela Portaria

    n° 254/97/ M, de 15 de Dezembro, foi actualizado para a quantia

    de MOP$ 14,000.00 - revisão essa que foi efectuada, tal como

    impõe a citada norma do RJRT, “(...) de acordo com a evolução

    das condições económicas entretanto verificada. “,

    XCIII. Em última análise, um trabalhador que tenha sido despedido

    apenas terá direito a 168,000.00(!!!) qualquer que seja o seu

    salário ou período durante o qual tenha prestado!

    XCIV. Tal montante indemnizatório deverá ser considerado como o

    montante máximo a que um trabalhador de Macau tem direito

    por rescisão unilateral do contrato de trabalho, sem justa causa,

    por parte do empregador,

    XCV. Computando as gorjetas no cálculo do salário, a Recorrida, , de

    acordo com a sentença recorrida, terá direito a um montante de

    MOP 356,000.00, valor muito superior ao valor máximo do

    montante indemnizatório - fixado pelo legislador - em caso de

    rescisão sem justa causa, situação em que um trabalhador poderá

    ver-se, de um dia para o outro, sem sustento, e sem que exista

    justa causa para tal, o que não foi, nem de perto nem de longe, o

    caso do Recorrido.

    TSI-329-2005 Página 29

  • XCVI. O Mmo. Juiz recorrendo os critérios de justiça, na esteira do que

    estatui o Código Civil e o RJRT deveria ter fixado um salário

    justo.

    XCVII. Por todo o exposto, fez a decisão recorrida uma errada

    interpretação e aplicação dos artigos 1°, 5° , 6°, 25° e 26° do RJRT.

    XCVIII. Por outro lado, o critério utilizado pela decisão ora em crise

    aplicou, para efeitos de compensação a média de cada ano, e não

    - como se impunha, nos termos do n. ° 4 do art. 26° do RJRT - a

    média dos últimos três meses da duração da relação contratual -

    (..) trabalho efectivamente prestado (...).

    XCIX. Aplicando-se o referido preceito, à matéria de facto. provada não

    é possível aferir-se qual a média diária dos últimos três meses da

    relação laboral.

    C. Pelo que, a fixação do montante indemnizatório - sem prejuízo

    do exposto supra e aqui sem conceder - apenas em sede de

    execução de sentença (n.° 2 do art. 564° do CPC), poderá

    apurar-se o rendimento do ora Recorrido nos últimos três meses

    em que trabalhou no ano de 2002, o que, desde já, expressamente

    se requer.

    CI. Ainda que assim não se entenda, e se considere que o montante

    indemnizatório deverá ser fixado tendo em conta os últimos três

    meses de cada ano, sempre se dirá que da matéria de facto dada

    como provada, não existem elementos que permitam fixar a

    média diária dos salários dos últimos três meses de cada ano,

    durante os anos em que durou a relação laboral.

    TSI-329-2005 Página 30

  • CII. Neste contexto, deveria o Mmo. Juiz ter relegado, ao abrigo do

    disposto no n° 2 do art. 564° do CPC, a fixação do “quantum”

    indemnizatório para posterior liquidação em execução de

    sentença, o que desde já, expressamente, se requer.

    CIII. Deve também nesta parte, ser a sentença revogada, decidindo V.

    Exas. em conformidade.

    CIV. De igual modo, não deveria, a decisão recorrida, ter

    desconsiderado o facto de mais de 5,000, então colaboradores da

    ora Recorrente, já terem aceitado as gorjetas como não fazendo

    parte do seu salário, o que, a confirmar-se a decisão recorrida,

    poderá criar nesses mesmos 5,000 colaboradores uma enorme

    instabilidade e quiçá, instabilidade social que, a final, apenas

    poderá afectar a economia da Região Administrativa Especial de

    Macau e a “Paz Social” já almejada.

    CV. Os Tribunais são também garantes da ordem e da paz social,

    pelo que no exercício da sua actividade - máxime nas decisões

    que emitem - devem manter a preocupação de salvaguardar

    tanto a ordem como a paz social...

    Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V.Ex.as.

    doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente

    procedente, revogando-se a decisão recorrida em conformidade.”

    O autor não ofereceu a resposta ao recurso interposto pela Ré,

    enquanto ao recurso do autor a ré respondeu nos termos seguintes:

    TSI-329-2005 Página 31

  • 1. “Nos presentes autos apenas ficou provado que os dias de descanso

    não eram remunerados, pelo que os dias de descanso semanal,

    feriados ou férias em que o A. trabalhou foi porque quis auferir os

    respectivos rendimentos.

    2. Era sobre o A., aqui Recorrente, que recaía o ónus de provar que a

    R., aqui Recorrida, a impediu de gozar os dias de descanso de que

    não beneficiou - neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência,

    onde se decidiu claramente que “ Incide sobre o trabalhador o ónus da

    prova de que a entidade patronal obstou ao gozo das férias a que ele tinha

    direito.” (Ac. Rel. Porto de 04.07.88 in Colo Jur., 1988, 4° -230).

    3. Acresce que, a Recorrida ao ser condenada no pagamento de uma

    indemnização cujo montante pecuniário se destina também a

    compensar esse não gozo de dias de descanso, fica, desde logo,

    dispensada de compensar quaisquer eventuais danos da A. Na

    verdade, a sanção decorrente da lei, que faz duplicar, ou triplicar, o

    montante pecuniário que corresponderia a esse dia, destina-se,

    nomeadamente, a cobrir danos morais, a ratio de uma indemnização

    correspondente ao dobro ou triplo do prejuízo patrimonial

    prende-se, mais do que com uma natureza sancionatória da

    entidade patronal, com uma indemnização pelos eventuais danos

    não patrimoniais do trabalhador.

    4. Não ficou provado - como competia à A. provar - que os danos

    alegados foram “ (...) objectivamente graves e merecedores da tutela do

    direito e que sejam consequência adequada dos deveres contratuais por

    parte da entidade patronal.” (Ac. STJ de 27.11.2002, doc. n°

    SJ200211270024234 in www.dgsi.pt).

    TSI-329-2005 Página 32

  • 5. Não sendo os danos provados graves e, simultaneamente,

    merecedores de uma específica e autónoma tutela do direito, a

    acrescer à indemnização imposta por lei, esse dano não podem, em

    hipótese alguma, ser considerados uma consequência adequada dos

    deveres contratuais por parte da entidade patronal, na medida em

    que nunca a entidade patronal obstou ao gozo desses dias, apenas,

    repita-se, não os remunerava, facto que também ficou provado.

    6. Admitindo apenas por exclusive cautela de patrocínio que assiste

    ao A., aqui Recorrente, o direito a ser compensado por danos

    morais, o quantum pecuniário em que os estima é manifestamente

    desadequado, pelo que deverá o mesmo ser equitativamente

    reduzido, sempre tendo em atenção que as condições contratuais ao

    abrigo das quais o A., ora Recorrente, formula o seu pedido eram

    do seu conhecimento e foram por si expressamente aceites aquando

    da sua contratação pela R., aqui Recorrida.

    7. Assim não se entendendo – o que não se concede e apenas se

    admite por mera cautela e dever de bom patrocínio – sempre se dirá

    que qualquer eventual indemnização a que o Tribunal considere

    que o Recorrente tem direito deverá ser calculada com base no

    salário diário que o mesma auferia, nele não se incluindo o

    montante das gorjetas, como melhor se explicará

    8. Não assiste razão ao Recorrente quando pede a revogação da

    decisão a quo na parte que absolveu a R. do pedido de condenação

    no pagamento de indemnização rescisória.

    9. Desde o início da década de 60 que a Ré foi concessionária de uma

    licença de exploração, em regime de exclusividade, do jogos de

    TSI-329-2005 Página 33

  • fortuna ou azar ou outros jogos em casinos por adjudicação do

    então Território de Macau.

    10. - Essa licença de exploração terminou ope legis em 31 de Março de

    2002 (alínea B) da matéria de facto assente.

    11. - Por Despacho do Chefe do Executivo n°76/2002, foi adjudicada

    uma licença de exploração à Sociedade de Jogos de Macau, S.A.

    (adiante “SJM”) a qual se encontra titulada pelo Contrato de

    Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou

    Outros Jogos em Casino na R.A.E.M., celebrado com a R.A.E.M.,

    ambos publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M., II Série,

    suplemento de 3 de Abril de 2002. (alínea C da Especificação).

    12. Por motivo da cessação da sua licença, a R. não mais podia manter

    ao seu serviço quaisquer trabalhadores cujo escopo da sua

    actividade se prendesse com a actividade de exploração de jogos de

    fortuna ou azar, pelo que, os contratos desses trabalhadores,

    quando directamente ligados à actividade dos casinos – tais como o

    do Recorrente – caducariam por impossibilidade superveniente,

    absoluta e definitiva da manutenção do objecto do contrato de

    trabalho e, assim, do vínculo laboral.

    13. Embora o Regime Jurídico das Relações de Trabalho, aprovado pelo

    Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 9 de Julho, com as alterações

    introduzidas pelo Decreto-Lei 32/90/M, de 9 de Setembro,

    Decreto-Lei 40/99/M, de 3 de Agosto e Lei 8/2000 (adiante “RJRT”)

    não preveja a extinção de contratos de trabalho por caducidade, não

    deixarão de se aplicar as regras gerais de direito civil pelo que a

    referida causa de extinção, sempre operaria nesse domínio.

    TSI-329-2005 Página 34

  • 14. De qualquer modo, a cessação da licença da R. sempre seria justa

    causa de despedimento por força da aplicação da al. c) do n°1 do

    art.44° do RJRT, visto que o motivo de despedimento estaria

    fundamentado por uma alteração relevante das condições em que a

    relação de trabalho foi acordada.

    15. A este propósito note-se que, nos temos do n°1 do art.43 que

    “Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôe termo à

    relação de trabalho, não havendo lugar ao pagamento de

    indemnizações.”, donde a pretensão do Recorrente a que ora se

    responde não pode proceder.

    16. Prevendo a causa de extinção desses contratos de trabalho, a SJM,

    com a total concordância e mesmo incentivo do Executivo da

    RAEM, iniciou um processo de apresentação de propostas para a

    contratação dos cerca de cinco mil trabalhadores anteriormente ao

    serviço da R.

    17. Nas propostas de contrato de trabalho efectuadas aos ditos

    trabalhadores, entre os quais se encontrava a ora A., a SJM propôs

    novas condições de trabalho da especificação, e nessa sequência, em

    26 de Julho de 2002, a ora Recorrente assinou um contrato de

    trabalho com a SJM (alínea g) da matéria de facto assente).

    18. Posteriormente, no dia 9 de Agosto de 2002, a SJM recebeu uma

    carta da Recorrente alegando a invalidade do Contrato e solicitando

    a renegociação do contrato, mais declarando que se até 21 de

    Agosto desse ano., a SJM não se demonstrasse disponível para tal,

    que serviria essa sua carta como denúncia do Contrato, com efeitos

    a produzirem-se a partir do dia 28 de Agosto de 2002

    TSI-329-2005 Página 35

  • 19. A SJM não acedeu a tal convite e carta foi considerada pela SJM

    como rescisão unilateral e sem justa causa - tendo disso dado

    conhecimento ao A.

    20. Ora, ao alegar ter sido despedida (o que não se concede, apenas se

    admitindo por prudência de patrocínio) tal despedimento

    referir-se-à necessáriamente ao contrato de trabalho com a SJM e

    nunca com a aqui Recorrida.

    21. Pelo que, nesta parte do pedido, andou bem o colectivo a quo ao

    absolver a R., aqui Recorrida, donde, deverá o recurso ser

    considerado improcedente, porque não provado e,

    consequentemente, ser mantida a decisão do Tribunal a quo no que

    respeita a esta parte.

    22. Assim não se entendendo, o que em absoluto não se concede e só se

    admite por pura cautela de patrocínio, a indemnização pedida não

    pode corresponder ao montante peticionado. O cálculo de qualquer

    eventual indemnização que, a título de cessação do contrato de

    trabalho, seja devida à A., terá de ser efectuado com base no salário

    auferido pelao A. enquanto ao serviço da R. (como adiante melhor

    se explicará) e nos termos do art. 47° do RJRT.

    23. Não são devidos juros de mora desde a citação, pelo que andou

    bem o Tribunal a quo ao condenar a R., aqui Recorrida, no

    pagamento e juros apenas a contar do trânsito em julgado. .

    24. Nos termos do disposto no art. 794° do Código Civil (CC) o devedor

    fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou

    extrajudicialmente interpelado para cumprir e a citação não é uma

    interpelação para cumprir.

    TSI-329-2005 Página 36

  • 25. Acresce que, para haver mora, deve a prestação em cause ser

    liquida, certa e exigível, e em rigor, tal apenas se verifica com o

    proferimento da sentença.

    26. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Português,

    de 4/7/2005, em que se decidiu o seguinte: “Para haver mora, não

    basta a interpelação do devedor. II - Para que haja mora, além da culpa do

    devedor e, consequentemente da ilicitude do retardamento da prestação, é

    ainda necessário que esta seja certa, líquida e exigível. III - Não há culpa do

    devedor quando ele não cumpre apenas por não saber, nem ter o dever de

    saber qual o montante exacto da dívida. IV - Diz-se ilíquida a obrigação

    cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado. V- No

    domínio da responsabilidade contratual, o simples facto do credor pedir

    quantia certa, avaliando os danos por sua conta e risco, não significa que a

    dívida se torne líquida com a petição inicial, pois só se tornará líquida com

    a decisão. VI - Líquido ou específico será apenas o pedido formulado, mas

    não a obrigação, pelo que os juros de mora apenas são devidos a partir da

    decisão Judicial que fixe o montante da indemnização. ( in www.dgsi.pt,

    Doc. N.° JSTJ000 ).

    27. Em face do exposto, deverá ser considerado improcedente o

    Recurso interposto pela Recorrente e consequentemente mantida a

    decisão.

    Caso V. Exa.s considerem ser devida qualquer idemnização à Recorrente

    - o que não se concede mas se admite por mera cautela de patrocínio -

    sempre se dirá o seguinte:

    TSI-329-2005 Página 37

  • 28. De acordo com a matéria de facto dada como provada, o

    rendimento do A., ora Recorrente, era composto por uma

    importância fixa e por uma quota parte variável.

    29. A parte fixa era paga pela R., ora Recorrida, e a parte variável era

    correspondente à quota parte do A., ora Recorrente, do total das

    gorjetas entregues pelos clientes da R., ora Recorrida, aos

    trabalhadores e que, por todos os trabalhadores eram distribuídas.

    30. As gorjetas não devem ser consideradas parte integrante do salário

    do A., ora Recorrente.

    31. Sobre esta matéria teve a R., ora Recorrida, oportunidade de juntar

    aos autos dois pareceres subscritos pelos Ilustres Professores de

    Direito, João Leal Amado e António Monteiro Fernandes, os quais,

    acabam por concluir que as gorjetas não são parte integrante do

    conceito de salário dos trabalhadores da STDM e assim da ora A.,

    ora Recorrente.

    32. A complexidade da matéria não invalida que, nas palavras do

    Professor Leal Amado, “Não havendo unanimidade dos tribunais quanto

    à qualificação jurídica das ditas gorjetas [as percebidas pelos

    trabalhadores de casino] a corrente jurisprudencial largamente

    domimante é aquela que, a meu ver com boas razões, sustenta que tais

    gratificações não fazem parte da retribuição do trabalhador”, referindo,

    como exemplo desta jurisprudência dominante, o Acórdão do

    Tribunal da Relação de Lisboa, sobre esta matéria, de 8 de Julho de

    1999.

    33. O Ilustre Professor refere, ainda, que “a doutrina se tem pronunciado

    sobre o assunto em sentido pacificamente unânime”, ou seja, no sentido

    TSI-329-2005 Página 38

  • de que as gorjetas não são qualificáveis enquanto quantitativo

    enquadrável no conceito de salário dos empregados de casino.5

    34. Comum na doutrina - com reflexo nos pareceres dos referidos

    Professores - tem sido o ponto essencial para análise da

    problemática da qualificação das prestações pecuniárias enquanto

    prestações retributivas, a questão de quem realiza a prestação.

    35. Neste sentido, conclui-se que a prestação será sempre retribuição

    quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.

    36. Acresce a este critério de qualificação um outro, que sustenta que

    essa mesma prestação do empregador é feita em benefício do

    trabalhador, a que este tem direito como contrapartida do seu

    trabalho.

    37. Ora, daqui decorre a análise do animus da prestação que, tanto

    Monteiro Fernandes, como leal Amado, acabam por discernir nos

    seguintes termos: nas gratificações há um animus donandi, ao passo

    que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.

    38. A este propósito, e para sumarizar o que tem vindo a ser dito,

    parece-nos oportuno citar um trecho do douto parecer do Professor

    Leal Amado: “A retribuição, repete-se, consiste numa prestação

    obrigatória a cargo do empregador: se a prestação em causa não é

    juridicamente obrigatória ou não é efectuada pelo empregador - e as

    gorjetas não são nem uma coisa nem outra - então não estaremos perante

    uma prestação de natureza retributiva”.6

    5 O Professor aponta como defensores desta posição: Menezes Cordeiro, Bemardo Lobo Xavier, Mário Pinto, Furtado Martins, Nunes Carvalho, Pedro Romano Martinez e Júlio Vieira Gomes. 6 In Parecer constante de fls ....a.....

    TSI-329-2005 Página 39

  • 39. O argumento que sustenta que o quantitativo diário fixo auferido

    pelo A., ora Recorrente, não consubstancia um salário justo, nos

    termos do art. 25° do RJRT e que esse facto, por si só, implica que

    consideremos as gorjetas como parte integrante do salário, para que

    este tenha de ser considerado justo, não deve proceder.

    40. Com o devido respeito, tratam-se de realidades distintas.

    41. A este propósito, leal Amado é bastante assertivo: “Quanto à norma

    legal relativa ao direito a um salário justo,(...) também não poderá ser

    voluntaristicamente concebida como uma norma que habilite o tribunal a

    substituir-se à vontade dos contraentes na determinação do quantum

    salarial”.

    42. A norma relativa ao montante do salário justo serve, tão só, como

    garantia de que os trabalhadores terão, pelo menos, um rendimento

    do trabalho suficiente para prover as suas necessidades (art. 27° do

    RJRT) o que, in casu, manifestamente acontece, não havendo, por

    isso mesmo, qualquer violação do disposto no art. 25° do RJRT.

    43. Em face do exposto, é forçoso concluir que o rendimento dos

    trabalhadores dos casinos da STDM, proveniente das gorjetas

    concedidas, directamente, pelos clientes, não pode ser qualificado

    como prestação retributiva e, desta forma, ser levado em linha de

    conta no cálculo de uma eventual indemnização que os

    trabalhadores pudessem reivindicar da aqui R., aqui Recorrente.

    44. Do exposto se conclui que qualquer eventual indemnização que

    venha a ser atribuída ao Recorrente deverá ser calculada tendo por

    base o seu salário diário fixo.

    TSI-329-2005 Página 40

  • Assim não se entendendo - o que não se concede e apenas se admite por

    mera cautela e dever de bom patrocínio - sempre se dirá o seguinte:

    45. Sem prejuízo dos recursos já interpostos da decisão que indeferiu o

    requerimento da prova pericial que deveria versar sobre o montante

    do salário justo para um trabalhador com as mesmas habilitações

    literárias que a Recorrida, e considerando ser despiciendo

    reproduzir a análise supra exposta do conceito de salário ou do

    carácter não salarial das gorjetas oferecidas pelos Clientes da

    Recorrida - tese comungada por diversos sectores da doutrina - e se

    estas estão ou não incluídas nesse conceito, sempre deverão V. Exas.

    sindicar o valor do salário era um salário justo ou, se ao invés,

    tomando em linha de consideração os diversos factores, se torna de

    tal forma injusto que, no limite, estar-se-á numa situação de

    enriquecimento sem causa.

    46. Assim, e caso V. Exas. considerem injusto o salário diário pago pela

    ora Recorrida à recorrente, deverão V. Exa.s fixar um montante

    considerado justo para efeitos de salário, atendendo à realidade

    macaense, ao mercado de trabalho, as condições laborais e às

    habilitações literárias da A., aqui Recorrente.

    47. Deverá recorrer-se a critérios de justiça, na esteira do que estatui o

    Código Civil e o RJRT:

    - O artigo 2° do Código Civil determina que os usos e

    costumes que não forem contrários aos princípios da boa fé;

    - O RJRT tem como fonte principal os usos e os costumes.

    48. Com efeito, deverão, de igual modo, V. Exa.s ter como referência, o

    valor máximo de salário mensal a utilizar para efeitos de cálculo da

    TSI-329-2005 Página 41

  • indemnização rescisória a pagar por uma entidade patronal a um

    qualquer trabalhador.

    49. Um parêntesis para realçar que esta indemnização rescisória é

    devida nos termos do art. 47° do RJRT para os casos em que não há

    justa causa, i.e., para os casos em que o empregador pura e

    simplesmente dispensa os serviços do trabalhador que se pode ver,

    de um dia para o outro, na situação de desemprego!

    50. Tal montante foi fixado pelo n° 6 do art. 47° do RJRT em MOP$

    12,000.00, valor que vigorou até 1997 e que, pela Portaria n°

    254/97/M, de 15 de Dezembro, foi actualizado para a quantia de

    MOP$ 14,000.00 - revisão essa que foi efectuada, tal como impõe a

    citada norma do RJRT, “(...) de acordo com a evolução das condições

    económicas entretanto verificada.”,

    51. A ratio da fixação desse montante máximo prende-se com a intenção

    do legislador em não onerar demasiado entidades patronais cujos

    trabalhadores auferem rendimentos consideravelmente elevados -

    pelo que tal montante tem forçosamente de ser entendido como

    uma referência daquilo que representa um salário excelente e que

    tal referência não podia, de forma alguma, ter sido menosprezada

    para efeitos de fixação do salário.

    52. Aliás, o n° 5 do art. 47° do RJRT suporta, de forma inequívoca, a

    tese que vimos defendendo, visto que limita a 12 vezes o valor do

    salário mensal do trabalhador, isto é, em última análise, um

    trabalhador que tenha sido despedido apenas terá direito a MOP

    168,000.00(!!!) qualquer que seja o seu salário ou período durante o

    qual tenha prestado!

    TSI-329-2005 Página 42

  • 53. Tal montante indemnizatório deverá ser considerado como o

    montante máximo a que um trabalhador de Macau tem direito por

    rescisão unilateral do contrato de trabalho, sem justa causa, por

    parte da entidade empregadora, ora Recorrida.

    Em face de todo o exposto, deverá o recurso apresentado pelo

    Recorrente ser considerado improcedente porque infundado e,

    consequentemente ser a decisão recorrida mantida, na parte em que

    absolveu a aqui Recorrida,”

    Cumpre conhecer.

    Foram colhidos os vistos legais.

    À matéria de facto foi consignada por assente a seguinte

    factualidade:

    Da Matéria de Facto Assente:

    - Desde o início da década de 1960 que a Ré foi concessionária

    de uma licença de exploração, em regime de exclusividade,

    do jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casinos por

    adjudicação do então Território de Macau (alínea A da

    Especificação).

    - Essa licença de exploração terminou opr legis em 31 de

    Março de 2002, pelo Despacho do Chefe do Executivo

    n°259/2001, de 18 de Dezembro de 2001(alínea B da

    Especificação).

    TSI-329-2005 Página 43

  • - Por Despacho do Chefe do Executivo n°76/2002, foi

    adjudicada uma licença de exploração à “Sociedade de

    Jogos de Macau, S.A.”(SJM) (alínea C da Especificação).

    - O Autor começou a trabalhar para a Ré em 21 de Janeiro de

    1990, na área de actividade desta ligada à exploração de

    jogos de fortuna ou azar (alínea D da Especificação).

    - Na data referida na alínea anterior, a Ré pagava ao Autor, a

    título de remuneração fixa diária a quantia de HKD$10,00 e

    a partir de Maio de 1995 e até à cessação da relação laboral

    entre as partes, tal remuneração foi de HKD$15,00 (alínea E

    da Especificação).

    - Além disso, o Autor, ao longo do período em que esteve ao

    serviço da Ré recebeu uma quota-parte, variável, do total

    das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os

    trabalhadores, cujo montante era diariamente reunido e

    contabilizado e, em cada dez dias, distribuído a todos os

    trabalhadores da Ré e de acordo com a respectiva categoria

    profissional (alínea F da Especificação).

    - Em 26 de Junho de 2002, o Autor celebrou com a referida

    SJM um acordo escrito cujo teor consta de fls. 112 a 114 e

    aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea G da

    Especificação).

    - Com data de 9 de Agosto de 2002, o Autor enviou à SJM que,

    por sua vez, recebeu, a carta cujo teor consta de fls. 122 e 123

    (em língua chinesa) e 124 e 125 (em língua portuguesa) e

    TSI-329-2005 Página 44

  • que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea H da

    Especificação).

    * * *

    Da Base Instrutória

    - Englobando a remuneração fixa e a quota-parte referidas

    nas alíneas e) e f) da matéria de facto assente, o Autor

    recebeu de Ré (resposta ao quesito 1°) :

    - Durante o ano de 1990, a quantia de MOP$71,846.00;

    - Durante o ano de 1991, a quantia de MOP$107,478.00;

    - Durante o ano de 1992, a quantia de MOP$124,703.00;

    - Durante o ano de 1993, a quantia de MOP$141,493.00;

    - Durante o ano de 1994, a quantia de MOP$157,033.00;

    - Durante o ano de 1995, a quantia de MOP$177,591.00;

    - Durante o ano de 1996, a quantia de MOP$183,410.00;

    - Durante o ano de 1997, a quantia de MOP$198,832.00;

    - Durante o ano de 1998, a quantia de MOP$196,149.00;

    - Durante o ano de 1999, a quantia de MOP$169,483.00;

    - Durante o ano de 2000, a quantia de MOP$171,190.00;

    - Durante o ano de 2001, a quantia de MOP$170,998.00; (cfr.

    fls. 198).

    - Desde o início da relação laboral entre o Autor e a Ré, o

    Autor não gozou de férias, nem de descanso semanal, nem

    feriados obrigatórios quando estava ao serviço da Ré e não

    TSI-329-2005 Página 45

  • beneficiou de qualquer acréscimo salarial (resposta aos quesito

    2°, 3°, 4° e 5°).

    - Por causa da sua situação profissional, o Autor estava

    cansada e com pouco tempo para passar tempo de lazer com

    a sua família ou para ir passear (resposta aos quesito 6°, 7°, 8°,

    9° e 10°).

    - Quanto às gorjetas, os trabalhadores sabiam que o seu

    montante era variável e o rendimento dos trabalhadores

    está sujeito a essas flutuações (resposta ao quesito 12°).

    - O Autor trabalhou no dia de descanso semanal, de descanso

    anual e também de feriados obrigatórios porque quis auferir

    os respectivos rendimentos (resposta ao quesito 14°e 15°).

    Conhecendo.

    1. Objecto do recurso

    Há dois recursos, respectivamente interpostos pelo autor e pela ré.

    O recurso do autor restringe-se à parte da sentença onde a Ré foi

    absolvida, ou seja, em relação à matéria seguinte:

    - não pagamento de danos não patrimoniais;

    - não pagamento de indemnização rescisória

    - não pagamento de juros moratórios a contar da data de citação.

    Por sua vez, a ré Sociedade de Turismo e Diversões de Macau,

    SARL, tal como todos os processos idênticos que correram termos neste

    Tribunal, trouxe para os seus fundamentos de recurso as mesmas

    TSI-329-2005 Página 46

  • questões, podendo embora variáveis dependente da situações concretas, a

    saber:

    1) Erro notório na apreciação da prova;

    2) A natureza da relação jurídica contratual entre o trabalhador e a

    ré;

    3) A fixação do salário do autor, nomeadamente a função da

    gorjeta;

    4) A compensação dos dias de descanso não gozados.

    Então vejamos.

    Antes de avançar, cabe decidir ainda uma questão prévia sobre o

    efeito do recurso.

    2. Efeito do recurso

    O presente recurso foi admitido com efeito suspensivo pelo Mmº

    Juiz a quo. E por despacho do relator foram as partes notificadas da

    possibilidade de ser tal efeito alterado para o meramente devolutivo (fls.

    627 a 637v).

    Pronunciando-se sobre a dita possibilidade, pede a recorrente que,

    caso se entenda que existiu erro na fixação do efeito do recurso, que seja a

    mesma notificada para prestar caução a fim de ao recurso poder ser

    atribuído efeito suspensivo, ou que se passe translado a remeter à 1º

    Instância para que aí se procedam às necessárias diligências com vista

    àquele efeito.

    TSI-329-2005 Página 47

  • Ora, o que nos parece é que se afigura ser inútil a decisão da

    questão em causa, uma vez que com a decisão a proferir quanto ao

    objecto do recuso, deixa de subsistir o decidido na 1º Instância.

    Estamos já em condição de avançar.

    3. Recurso do autor

    É de apreciar se é correcta a decisão em absolver a ré do pedido de

    pagamento de danos não patrimoniais, do pedido de indemnização

    rescisória e do pedido de pagamento de juros moratórios a contar da data

    de citação.

    Vejamos.

    3.1. Danos não patrimoniais.

    Em primeiro lugar, o autor ora recorrente pôs em causa o

    julgamento de matéria de facto, nomeadamente quanto ao depoimento de

    algumas testemunhas sobre essa matéria subjudice.

    Pretende o autor apenas contradizer o que foi dado como provados

    pelo Colectivo, pondo assim em causa o princípio da livre apreciação das

    provas previsto no artº 558º, nº 1 do Código de Processo Civil.

    Sendo certo, está provado que o Autor, por motivo do trabalho,

    estava cansada e com pouco tempo para passar em lazer com a sua

    família e amigos ou para ir passear, está por outro lado provado que nos

    dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios o autor trabalhou

    TSI-329-2005 Página 48

  • porque quis auferir os respectivos rendimentos”, pois, com a factualidade,

    não se pode deixar de concluir que o próprio autor aceitou livre e

    conscientemente o tal “ritmo” e “horário” por anos consecutivos, de

    modo que não vimos qualquer razão para poder agora imputar à ré a

    responsabilidade pelo facto de alegado “cansaço” em consequência dos

    trabalhos contínuos.

    O que impõe a improcedência da peticionada indemnização por

    danos não patrimoniais.

    3.2. Indemnização rescisória

    Com as suas alegações, o autor ora recorrente pretende uma

    indemnização rescisória por entender ter sido ofendido do despedimento

    pela ré. Mas não tem razão.

    Como se vê da factualidade dada como assente, a licença de

    exploração, em regime de exclusividade, dos jogos de fortuna ou azar em

    casinos atribuída à ré, terminou em 3 de Março de 2002, e em 29 de Junho

    de 2002, a autora celebrou com a referida SJM um acordo escrito, o que

    implica que, face à cessação da sua anteriormente concedida licença, não

    mais podia a ré manter ao seu serviço trabalhadores cujo trabalho se

    inseria na actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar que antes

    desenvolvia, o que não deixa de constituir uma causa de cessação dos

    contratos de trabalho por impossibilidade objectiva e superveniente do

    vínculo laboral, mas já não uma “denúncia” da ré do anterior contrato.

    Por sua vez, quanto à invocada rescisão ou despedimento por parte

    da nova concessionária SJM e a que se refere a alínea H) da especificação,

    TSI-329-2005 Página 49

  • impõe-se dizer que é matéria respeitante a uma outra “pessoa colectiva”

    que não a ora R., não podendo por isso ser tal questão apreciada no

    âmbito dos presentes autos.

    Improcede o recurso nesta parte do autor.

    3.3. Juros

    Quanto à última questão sobre os juros, pretende o autor ora

    recorrentes que os juros de mora sobre as quantias em que foi a R.

    condenada sejam contabilizados desde da citação da ré e não, como se

    decidiu, desde o trânsito em julgado da sentença.

    Também não tem razão.

    Como dispõe o artigo 794º nº 4 do Código Civil, “[s]e o crédito for

    ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de

    liquidez for imputável ao devedor”.

    Não havendo mora, logicamente não se pode atribuir juros de mora

    às quantias condenadas, razão pela qual os juros só se podem começar a

    contabilizar depois de tornarem líquidas as mesmas quantias.

    Neste sentido julgou neste T.S.I. nos recentes Acórdãos de 9 de

    Março de 2006 do Processo nº 69/2006 e de 16 de Março de 2006 do

    Processo nº 322/2005.

    Pelo que nesta parte o recurso não pode proceder.

    4. Recurso da ré

    4.1. Erro notório na apreciação da prova

    TSI-329-2005 Página 50

  • Em primeiro lugar, a recorrente impugnou a decisão de matéria

    de facto na resposta aos quesitos nºs 2 a 5, pelo vício de erro notório na

    apreciação da prova, pedindo a sua reparação.

    Digamos que o Código de Processo Civil admite a alteração da

    decisão da matéria de facto nos termos do artigo 629º.

    Dispõe este artigo que:

    “Artigo 629º (Modificabilidade da decisão de facto)

    1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto

    pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:

    a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de

    base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido

    gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo

    599.º, a decisão com base neles proferida;

    b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa,

    insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

    c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si

    só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

    2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior,

    o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte

    impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e

    recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos

    probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.

    3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos

    meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente

    indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da

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  • decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias

    adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira

    instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.

    4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos

    termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o

    Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida

    na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a

    decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere

    indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte

    da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o

    julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim

    exclusivo de evitar contradições na decisão.

    5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da

    causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda

    Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira

    instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou

    repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a

    fundamentação com os mesmos juizes ou repetir a produção da prova, o juiz da

    causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.”

    E por sua vez dispõe o artigo 599º (Ónus do recorrente que

    impugne a decisão de facto) que:

    “1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar,

    sob pena de rejeição do recurso:

    a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera

    incorrectamente julgados;

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  • b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de

    registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto,

    decisão diversa da recorrida.

    2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios

    probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham

    sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso,

    indicar as passagens da gravação em que se funda.

    3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de

    investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na

    contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as

    conclusões do recorrente.

    4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender

    alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º”

    Os quesitos nº 2 a 5 textuaram-se o seguinte:

    “2º - Enquanto esteve ao serviço da ré, o autor nunca gozou férias?

    3º - Nem chegou a gozar qualquer dia de descanso semanal?

    4º - E passou todos os feriados obrigatórios a trabalhar?

    5º Sem que tenha recebido qualquer acr’scimo salarial pelo

    trabalho prestado nos dias de férias descanso semanal e feriados

    oibrigatórios?

    Com a matéria contida nestes quesitos o Tribunal veio dar como

    provado que “Desde o início da relação laboral entre o Autor e a Ré, o

    Autor não gozou de férias, nem de descanso semanal, nem feriados

    obrigatórios quando estava ao serviço da Ré e não beneficiou de qualquer

    acréscimo salarial”.

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  • Perante os quesitos elaborados no despacho saneador, cremos que

    para o apuramento dessa matéria de facto não se exigem as provas de

    especial valor, v.g., a prova documental, que se apresenta como prova

    vinculada.

    Não exigindo prova de especial valor ou não tendo prova

    vinculada, as provas produzidas nos autos ficam à livre apreciação do

    Colectivo, de modo que não se pode imputar o Colectivo pelo vício de

    erro na apreciação da prova por ter dado valor a alguma prova enquanto

    não a outra, sob pena de sindicar a livre convicção do Tribunal Colectivo,

    nos termos do artigo 558º do Código de Processo Civil.

    E perante a resposta aos quesitos nº 2 a 5, não se verificam

    qualquer “deficiência, obscuridade ou contradição” a que cabe à eventual

    censura do Tribunal de recurso.

    4.2. Relação laboral

    O contrato de trabalho é um contrato sinalagmático, que

    constituem-se obrigações para ambas as partes unidas umas as outras por

    um vinculo de reciprocidade ou interdependência. E nesta relação laboral,

    em princípio, a correspectividade estabelece-se entre a retribuição e a

    disponibilidade da força de trabalho (não o trabalho efectivamente

    prestado).7

    Dispõe o artigo 1079º do Código Civil:

    7 Acórdão deste Tribunal de 2 de Março de 2006 do processo nº 155/2005.

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  • “1. Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga,

    mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra

    pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

    2. … .”

    Por sua vez, o artigo 2º al. c) do D.L. nº 24/89/M que regula a

    relação laboral define como relação de trabalho “todo o conjunto de

    condutas, direitos e deveres, estabelecidos entre o empregador e o trabalhador ao

    seu serviço, relacionados com os serviços ou actividade laboral prestados ou que

    devem ser prestados e com o modo como essa prestação deve ser efectivada”.

    Os académicos apresentam sob um prisma teórico alguns métodos

    auxiliares para se distinguir os dois, procedendo a uma análise em torno

    do local para prestar o trabalho, do tipo de remuneração e do horário de

    trabalho.8

    Dos factos provados nos autos, não haverá dúvida que entre o

    trabalhador e a ré, nomeadamente conforme o que resulta dos seguintes

    factos, a relação laboral:

    - O autor começou a trabalhar para a Ré em 21 de Janeiro de

    1990 (alínea D da Especificação).

    - Na data referida na alínea anterior, a ré pagava ao autor, a

    título de remuneração fixa diária a quantia de HKD$4.10 e

    a partir de Maios de 1995 e até à cessação da relação laboral

    entre as partes tal remuneração foi de HKD$15.00 (alínea E

    da Especificação).

    8 Vide o Direito Laboral, 2.º tomo, contrato de trabalho fls. 40 a 44, 2.º volume, escrito pelo Sr. Pedro Romano Martinez

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  • - Além disso, o Autor, ao longo do período em que esteve ao

    serviço da Ré recebeu uma quota-parte, variável, do total

    das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os

    trabalhadores, cujo montante era diariamente reunido e

    contabilizado e, em cada dez dias, distribuído a todos os

    trabalhadores da Ré e de acordo com a respectiva categoria

    profissional (alínea F da Especificação).

    Pelos factos de, entre o trabalhador e a ré, existência duradosa e

    constante da relação remunerada e com horário determinado, não deixa

    de integra a relaç