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Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

Rede São Paulo de - Acervo Digital: Home · Maria Heloisa Ferraz e Maria Fusari, apresentam uma concepção de metodologia em seu livro Metodologia do Ensino de Artes (FERRAZ; FUSARI,

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Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

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Metodologias para ensino e aprendizagem de arte

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Vdeo da Disciplina

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SumrioMetodologias para ensino e aprendizagem de arte ........................2

2.1. Metodologias modernas: academicismos .............................................5

Para saber mais: ...................................................................... 14

2.2. Metodologias modernas: modernismos .............................................14

Para saber mais: ...................................................................... 21

2.3. Metodologias ps-modernas: arte como expresso e cultura ..............21

Para saber mais: ...................................................................... 28

Referncias Bibliogrficas: ...................................................... 28

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Metodologias para ensino e aprendizagem de arteNo tema anterior procuramos e apresentamos alguns dos sentidos de mtodo. Agora per-

correremos as metodologias. Voltando ao Dicionrio de Filosofia de Nicola Abbagnano, quatro foram os significados encontrados para a palavra Metodologia. Desses, apresentamos apenas dois pertinentes s nossas discusses.

Um deles a compreenso de metodologia como l-gica ou parte da lgica que estuda os mtodos, sendo a lgica definida, entre outros, como a arte de bem con-duzir a prpria razo no conhecimento das coisas, tanto para instruir-se como para instruir os outros, definio ps-cartesiana, divulgada pela Lgica de Port Royal1, publicada em meados do sculo XVII.

A outra acepo de metodologia, apropriada a essa disciplina, a de um conjunto de pro-cedimentos metdicos de uma ou mais cincias. Nesse sentido, a metodologia resultante da necessidade especfica de garantir sua disciplina tambm especfica o uso cada vez mais eficaz das tcnicas de procedimento de que dispem (ABBAGNANO, 2003, p. 669).

Assim como mtodo, independente da forma como compreendida, assumida e usada, a metodologia pressupe sistematizao, conscincia e domnio sobre um processo de aquisio de conhecimento.

Maria Heloisa Ferraz e Maria Fusari, apresentam uma concepo de metodologia em seu livro Metodologia do Ensino de Artes (FERRAZ; FUSARI, 2001). Segundo as autoras a meto-dologia do ensino e aprendizagem em arte integra

os encaminhamentos educativos das prticas de aulas artsticas e estticas. Em outras palavras, esses encaminhamentos metodolgicos constituem-se em um conjunto de ideias e teorias educativas em arte transformadas em opes e atos que so concretizados em projetos ou no prprio desenvolvimento das aulas de Arte. So ideias e teorias (ou seja, posies a respeito de como devem ou como deveriam ser as prticas educativas em arte) baseadas ao mesmo tempo em propostas de estudiosos da rea e

1. A Lgica de Port-Royal, como era po-pularmente conhecida a Art de penser foi durante muito tempo o texto mais importante sobre lgica, servindo como modelo para demais tratados sobre esse assunto. Foi criada no convento de Port--Royal na Frana, da seu nome e publi-cada por volta de 1662.

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em nossas prticas escolares em arte e que se cristalizam nas propostas e aulas (FERRAZ; FUSARI, 2001, p. 98)

Importante ressaltar a relao entre teoria e prtica como fundamento do conceito de me-todologia exposto pelas duas autoras. A metodologia, do ensino da arte em nosso caso, funda--se na relao entre subsdios tericos e prticas escolares. Ela indissocivel da epistemo-logia. No h possibilidade de separar o como fazemos e o como entendemos a arte e o seu ensino. Portanto, a metodologia inseparvel de nossa concepo sobre arte e de como ensinar essa arte por ns concebida:

A metodologia educativa na rea artstica inclui escolhas profissionais do professor quanto aos assuntos em arte, contextualizados e a serem trabalhados com os alunos nos cursos. Referem-se tambm determinao de mtodos educativos, ou seja, de trajetrias pedaggicas (com procedimentos tcnicos e proposio de atividades) (FERRAZ; FUSARI, 2001, p. 98).

Por citao a Jos Cerchi Fusari, as autoras incluem em seu texto uma outra definio de metodologia, complementar s ideias expostas no incio de seu texto, em afirmao ao.Conjunta entre teoria e prtica como elementar a uma elaborao metodolgica:

A metodologia pode ser considerada como o mtodo em ao, onde os princpios do mtodo (atitude inicial, bsica de percepo da realidade e suas contradies) estaro sendo mencionados na realidade da prtica educacional. (...) Todavia, para que a metodologia cumpra esse objetivo de ampliao da conscincia fundamental que ela tenha uma origem nos contedos de ensino; considere as condies objetivas de vida e trabalho dos alunos e professores; utilize competentemente diferentes tcnicas para ensinar e aprender os contedos (...) e os diferentes meios de comunicao (FUSARI, 1988: 18-19 Apud FERRAZ; FUSARI, 2001, p. 101).

Ressaltando sempre a relao teoria e prtica como fundadora da metodologia, Fusari e Ferraz apresentam, em seqncia ao seu texto, um quadro sinptico dos componentes cur-riculares bsicos que se inter-relacionam no planejamento e desenvolvimento desse processo

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educativo, quais sejam: os professores de arte, os objetivos educacionais em arte; os contedos escolares em arte; os mtodos de ensino e aprendizagem em arte; os meios de comunicao escolares em arte e os alunos de arte (FERRAZ; FUSARI, 2001, p. 102-103).

Para articul-los, as autoras estabelecem 3 etapas constituindo uma seqncia de observa-o e avaliao, uma constatao, contnua, sobre os conhecimentos artstico e esttico dos alu-nos. A partir dessas constataes promove-se a anlise dos conceitos sobre os quais os alunos ainda no tem domnio, considerados essenciais para que ocorra gradualmente a diversificao, aprofundamento e aprendizagem pela realizao e compreenso de produes artsticas e suas histrias. Essa segunda etapa nomeada encaminhamento seria integrada, pela anlise de con-ceitos, por roteiros, por planos, flexveis de curso e pelas aulas de arte propriamente ditas, in-tegradas por comeo, meio e fim. Finalizando a seqncia sugerida por Fusari e Ferraz, para a articulao dos componentes curriculares bsicos para o processo metodolgico, encontramos o item discusses peridicas, fechando esse caminho em um ciclo, pois tais discusses no so seno observaes e avaliaes contnuas sobre toda essa articulao, visando o rearranjo de algum de seus elementos, para promover a realizao dos objetivos que definem a direo de um processo de ensino e aprendizagem (FERRAZ; FUSARI, 2001, p. 102-103).

Metodologia, portanto, um todo integrado por nossa concepo de arte, educao e de sua relao; pelo contedo escolhido pelo professor; pelas condies objetivas de trabalho; pelos objetivos. Metodologia o todo desse conjunto e tambm uma de suas partes, em ao contnua s outras que o integram. Podemos entend-la como um organismo, vivel se com-preendido na articulao e interdependncia entre as partes que o compe.

Assim compreendida, podemos ressaltar como sua caracterstica a variabilidade. A meto-dologia transformada na medida da transformao de suas partes, alteradas, pois, suscetveis s interferncias de uma relao tempo-espao. Suscetveis, portanto, a outras ideias e prticas criadas e acumuladas ao longo do tempo em relao a diversos espaos. Voltaremos, pois, histria e tentaremos compreender as concepes metodolgicas em relao s concepes de ensino da arte de um certo tempo e lugar.

Para tanto, apresentaremos aqui algumas das variaes metodolgicas-conceituais do en-sino da arte, compondo com esses fragmentos uma breve historiografia das Metodologias para ensino e aprendizagem da arte. Volte disciplina M1_D2: Ensino da arte: aspectos histricos e

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metodolgicos, da qual voc poder retomar a histria sobre arte e seu ensino, relembrando-a e a trazendo a esse texto para complement-lo.

Queremos lembr-los e ressaltar que esse texto apenas um nfimo recorte, portanto houve uma edio e muitas aes e informaes ficaram de fora dessa disciplina. Para um conheci-mento mais aprofundado, portanto, vale a leitura dos textos, filmes, sites indicados e outros que encontrarem, caso esse texto tenha despertado o interesse pelo tema. Trouxemos a vocs algumas metodologias compreendidas como exemplares para mostrar as mudanas concei-tuais e metodolgicas e a resistncia de certas ideias que foram se configurando ao longo de alguns sculos e que mantm-se, guardadas as suas devidas variaes, em nossas prticas, livros didticos e paradidticos.

Queremos ressaltar que algumas das cita-es includas nesse tema 2 dessa disciplina so fontes primrias e por isso optamos por man-ter a sua grafia original, por entend-la tambm como um documento2 , um indcio do contexto ao qual pertencem.

2.1. Metodologias modernas: academicismos

Muito ouvimos falar e falamos sobre o ensino acadmico, o ensino desenvolvido nas aca-demias de arte. A academia era um lugar especfico aonde os jovens iam para se formarem artistas. No entanto, seu mtodo de ensino de arte na escola ainda conduz a forma de pensar e praticar o ensino da arte na escola, ainda conduz nossos conceitos e prticas.

Um livro elucidativo sobre a formao das academias e sobre o ensino praticado nessas ins-tituies o de Nicolau Pevsner Academias de Arte: passado e presente.

Segundo Pevsner, a sequencia de desenhos a partir de desenhos, desenhos a partir de mo-delos em gesso e desenhos a partir de modelo-vivo era considerada o fundamento do currculo acadmico (PEVSNER, 2005, p. 149). Tal procedimento era preconizado por diferentes te-

2. Documento entendido aqui como dependente de causas humanas que no escapam de forma alguma anlise, e os problemas postos por sua transmisso. (BLOCH apud LE GOFF, 2006, p. 534). No o compreendemos como um feliz ins-trumento capaz de reconstituir o que os homens fizeram ou disseram, o que passado e o que deixa apenas rastros, como uma matria inerte, sobre a qual atribumos uma fala, mas como elemento de um tecido documental, do qual possvel in-ferir unidades, conjuntos, sries, relaes. Desta materialidade documental, escrevemos uma his-tria (FOUCAULT, 2000, p. 7-8).

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ricos em textos sobre o assunto, mesmo que sem a devida referncia ao velho currculo de Squacione e Leonardo da Vinci. Essa ressalva foi feita por Pevsner com a inteno de mostrar que um programa em vigor durante os sculos XVIII e XIX tinha por fundamento um mtodo realizado no sculo XVI.

H uma gravura do sculo XVIII, reproduzida e publicada no livro de Pevsner, apresentan-do as etapas da sequencia mencionada. Junto a imagem encontramos a seguinte legenda:

Programa de ensino de arte na Frana no sculo XVIII. Esta gravura de C. N. Cochin, o Jovem, data de 1763 e encontra-se no comeo da srie de ilustraes do verbete desenho da Encyclopdie de Diderot dAlembert. Pode-se ver, esquerda, o desenho a partir de desenhos; ao centro, o desenho a partir de modelo em gesso, e direita, ao fundo, o desenho a partir do nu (PEVSNER, 2005, p. 148).

Como vimos na M1_D2: Ensino da arte: aspectos histricos e metodolgicos, o ensino da arte no Brasil foi influenciado por essa conformao europia. O mtodo de ensino de dezenho usado na Escola Nacional de Bellas Artes durante os primeiros anos da Repblica brasileira (1890-1930) mantinha-se coerente com o modelo acadmico.

Abaixo reproduzimos por exemplo, o Programa das dis-ciplinas prticas do curso de Pintura da Escola nacional de Belas Artes durante a 1. Repblica3, trazendo a seguinte metodologia de ensino:

Programa para a aula de Dezenho Figurado da Escola Nacional de Bellas Artes

Todo discpulo que entrar para a aula de dezenho obrigado fazer um trabalho de prova, e conforme o trabalho que apresentar, entrar nas seguintes classes:

1 anno

1. desenho linear e figuras geomtricas

2. desenho de folhas e ornamentos,copias de phototypias

3. Essa e outras informaes sobre a Escola Nacional de Bellas Ar-tes podem ser encontradas no site http://www.dezenovevinte.net

http://www.dezenovevinte.net

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3. as mesmas folhas e ornamentos formadas do natural e reproduzidas em gesso

4. modellos em gesso apresentando bocca, nariz, olhos, orelhas, etc.

2 anno

5. partes de extremidades mos, ps, etc., formados em gesso do natural

6. mascaras troncos, braos, pernas, formado do natural

7. bustos, cabeas, troncos de originaes antigos

3 anno

8. figuras antigas em tamanho natural (conforme o espao que houver na sala de dezenho)

9. retratos em tamanho natural, modello vivo

Para estes estudos absolutamente necessrio que as salas sejo illuminadas com uma luz de 45 grus.

Capital federal, 8 de junho de 1891

Outro estudo elucidativo sobre mtodo de ensino durante o sculo XIX no Brasil a tese de doutorado de Renato Palumbo Dria (2005), Entre o Belo e o til: manuais e prticas de en-sino do desenho no Brasil do sculo XIX, defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo FAU-USP.

A pesquisa de Renato Palumbo Dria sobre manuais de ensino de desenho que circula-vam no Brasil durante o sculo XIX, alguns de origem portuguesa, sempre trazendo refern-cias acadmicas. De sua tese apresentamos a citao de um anncio para modelo vivo publica-do em um jornal de 1834. Nessa podemos encontrar, explicitamente, a concepo acadmica europia de ensino da arte como um paradigma a ser seguido:

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A Academia das Bellas Artes, para equiparar os meios de estudo, que ela oferece aos Alunos, como os das mais Academias da Europa, necessita de um homem Branco, Nacional ou Estrangeiro, robusto e jovem, que sirva de modelo. Quem estiver nas mencionadas circunstancias pode-se dirigir mesma Academia na travessa Sacramento, das onze horas da manh at s duas da tarde, para tratar do ajuste, que ser favorvel ( DRIA, 2005, p. 104).

Um outro livro, tambm sobre o ensino acadmico e sua interferncia na formao espe-cfica de artistas mulheres brasileiras o de Ana Paula Simioni Profisso Artista: pintoras e escultoras acadmicas brasileiras. Como exemplo do rigor do mtodo acadmico, destacamos do texto de Siminoni o seguinte trecho sobre um desenho reprovado da ento aluna de escultura Julieta Frana:

Um desenho por ela elaborado em 1899, a partir do gesso, recebeu parecer contrrio da comisso [...]. De fato a produo continha defeitos evidentes. Especialmente no que concerne aos erros grosseiros de anatomia: como o exagerado cotovelo esquerdo que se confunde com uma suposta prega a pender do meio das costas, ao que se seguia o contorno excessivamente volumoso nas ndegas e ainda os tendes demasiadamente pronunciados na perna esquerda do modelo, uma estatueta em gesso. Mas havia tambm a demonstrao de certas qualidades, como o bom uso das sombras e um dom para a captao de volumes. Se o desconhecimento anatmico e a incapacidade de registrar o objeto eram aspectos profundamente comprometedores para qualquer estudante de belas-artes, em se tratando dos escultores eram negligencias imperdoveis (SIMIONI, 2008, p. 169).

Julieta Frana ganhou uma bolsa para estudar na Acadmie Julien em Paris, uma referncia do ensino da arte no sculo XIX. Desse perodo, Ana Paula Simioni coletou um outro dese-nho, do qual pode-se verificar os principais ensinamentos da escola: a observao segura e competente; a nfase em um desenho fidedigno com contornos distinguveis; e a ateno aos volumes obtidos com uso de sombreamentos (SIMIONI, 2008, p. 159).

O estudo e aplicao das propores era outro elemento fundamental do rigor metodolgi-co do ensino e concepo acadmica da arte. Outra citao da tese de Renato Palumbo Dria demonstra como esse era um elemento norteador dos mtodos acadmicos, inclusive servindo

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de parmetro para os crticos da poca:

[...] perguntaremos ao Sr. Moreau Velho, porque razo se no sujeita as regras mais triviais do desenho? Ns julgamos ter ouvido dizer que a estatura ordinria de um homem, ou de uma mulher, de sete cabeas para o talhe ordinrio, e de sete e meia para as figuras altas. Pensamos que nenhuma das figuras do Sr. Moreau tem mais de seis cabeas. Este defeito tira toda a graa, toda a elegncia a esta composio: estas cabeas colossais sobre corpos enguiados nos representam um povo de hydrocfalos [...] triste (DRIA, 2005, p. 118).

A arte acadmica assim como o seu ensino, traziam o rigor e a preciso das relaes mate-mticas e de pesquisas realizadas no mbito da cincia da anatomia. Caso a apropriao das pesquisas feitas por Pieter Camper, tambm conhecido por Petrus ou Pierre Camper, anato-mista holands nascido em 1722. Os resultados de seus estudos sobre a anatomia, especial-mente a craneometria ou intellectometria, realizados ao final do sculo XVIII, foram incorpora-dos como diretrizes para a elaborao do desenho da figura humana, por exemplo, em auxlio descriminao de raas, nacionalidades, temperamentos.

Tais pesquisas pautavam-se na medio craneana, estabelecendo uma relao entre a me-dida do ngulo facial e a inteligncia do animal pesquisado. Em sua tese, Dria comenta a interferncia dos estudos de Camper sobre a arte e seu ensino, apresentando-os como parte da cultura cientfica do sculo XVIII, e que alcanariam grande popularidade nos sculos XIX e XX sedimentando, indiretamente um aparato conceitual que serviria ao racismo, fortalecen-do os pressupostos da criminologia e da eugenia (DRIA, 2005, p. 119).

Entre as publicaes de Camper, Dria cita uma com um ttulo elucidativo: A conexo entre a cincia da anatomia e as artes do desenho, pintura e estatuaria de 1794. Camper, fazendo uso do Apolo de Belvedere como modelo de perfeio, justifica cientificamente, a noo de belo ideal (DRIA, 2005, p. 120).

Como exemplo da interferncia das pesquisas de Pieter Camper sobre a concepo da arte, Dria cita um trecho de uma revista de 1845, no qual um crtico comenta os retratos do im-

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perador Pedro II:

[...] Parece-nos que o respeito, o bom gosto, o amor da verdade deveriam proibir uma representao to falsa de SS.MM.II. D. Pedro II tem-se tornado um belssimo homem, sua cabea tem muito carter, sua tez de uma grande fineza de tom, sua fronte desenvolvida anuncia uma alta inteligncia, seus olhos so brandos ainda que observadores, seus cabelos so de um louro todo germnico, sua mo muito delicada. Dizei-me, na verdade, v-des ns alguma coisa que se assemelhe a tudo isso nos retratos que h alguns anos afluem nas exposies? Geralmente exageram tanto as qualidades da cabea imperial que dela fazem defeitos; sua tez delicada torna-se cadavrica, sua grande fronte torna-se de dimenses impossveis, sua oval, um pouco alongada, torna-se disforme (DRIA, 2005, p. 120).

As pesquisas de Camper resistiram ao tempo. Um exemplo de sua sobrevivncia est conti-do em 3 pginas de uma publicao brasileira de 1932, intitulada Methodo de Desenho Pintvra e Arte Applicada.

Durante 15 anos a religiosa irm Maria Raphaela trabalhou na elaborao desse seu metho-do o qual compreende um perodo de 6 anos de estudos sobre arte, direcionado, particularmen-te, educao das senhoritas, e por isso laureado em sua apresentao feita pelo professor Antonio Rocco:

este sem dvida, um livro instrutivo e de grande utilidade. Alm da diversidade e seleo dos assuntos, cujo conhecimento necessrio, principalmente s senhoritas, so eles tratados de maneira simples, demonstrando, porem, um profundo conhecimento da matria; noes de geometria, arte aplicada, desenho, noes de perspectiva, biografia de artistas celebres, historia da arte, pintura, arte de pintar, etc.

Tudo isso repito, exposto com uma clareza e simplicidade tais, que se torna acessvel a qualquer inteligncia (RAPHAELA, 1932).

O trabalho de Camper aparece no volume II desse livro que compreende as aulas dos IV, V e VI annos. As alunas encontrariam esse contedo da aula de desenho, em seu IV ano de

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estudos.

O texto introdutrio ao estudo sobre ngulo facial traz a seguinte afirmao:

Segundo as observaes dos anatomistas, a medida do angulo facial uma referencia certa para reconhecer e estabelecer scientificamente o nivel relativo das faculdades intellectuaes nos animaes. Quanto mais o facial for aberto, mais a raa qual pertence o animal occupa um logar elevado na escala dos seres...A inveno desse processo engenhoso, que se poderia chamar craneomtria ou mais exactamente a intellectometria [...] devida ao anatomista hollandez Pierre Camper e conserva o seu nome. Diz-se indifferentemente angulo facial ou angulo de Camper (RAPHAELA, 1932, p. 11).

A autora continua o texto com uma advertncia sobre a transformao das concluses de Camper em lei por alguns sabios que vieram depois delle. Porm, nem mesmo o prprio Camper teria extrado todas as consequencias de sua descoberta. Por esse motivo eram ne-cessrias algumas reservas sobre os veredictos pronunciados pela jurisprudencia empririca do angulo de Camper. No entanto, as excees de preciso dos estudos de Camper eram de um nmero muito pequeno, segundo a autora. A exatido dos resultados dos estudos de Cam-per superavam o nmero de suas excepes. Valendo-se dessa concluso, a autora de Methodo de Desenho Pintvra e Arte Applicada, afirmava que no se poderia seno prestar homenagem justeza assim como originalidade desta especie de criterio achado por Camper. Segue o tex-to um exemplo das concluses de Camper endossado por irm Maria Raphela, o qual hoje reconhecido, identificado e rechaado, com indignao, como um contedo discriminatrio.

Segundo a autora, como o grau de inteligncia estaria associado a abertura do ngulo fa-cial, os escultores da Grcia antiga, teriam uma tendncia a exaggerar a amplitude do angulo facial de suas figuras. As mais bellas estatuas ofereceriam um ngulo facial de 90. e meio.

Os textos que integravam o contedo desse livro de irm Maria Raphaela vinham acompa-nhados de perguntas como forma de fixao do contedo terico. Exerccios prticos tambm eram propostos, sempre a partir de um contedo terico precedente.

Alm de referenciar Pieter Camper, esse Methodo de Desenho Pintvra e Arte Applicada de 1932, trazia como contedo das aulas sobre myologia expressiva observaes e desenhos de

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Charles Le Brun, nome fundamental da arte acadmica, no somente por ter sido o pintor ofi-cial do rei Luis XIV e diretor da Academia Real de Pintura e Escultura em 1663, mas tambm por ter elaborado um compndio que normatizou, inclusive o senso comum indiretamente - sobre o desenho das paixes humanas, das emoes: O mtodo para aprender a desenhar as paixes, ou Caracteres das Paixes.

O pintor Charles Le Brun, segundo a irm Maria Raphaela, escreveu um tratado sobre as paixes debaixo do ponto de vista expressivo e pittoresco, no hesita em considerar as sobran-celhas como principal instrumento da linguagem dos olhos (RAPHAELA, 1932, p. 168).

A autora finalizar os estudos sobre a myologia expressiva, cujo conjunto constitue o jogo da physionomia, com alguns croquis muito interessantes do pintor Le Brun [...] tirados de seu lbum muito pouco conhecido: Caracteres das paixes (RAPHAELA, 1932, p. 7).

O Mthode pour apprendre dessiner les passions (Mtodo para aprender a desenhar as paixes), divulgado por volta de 1698, se tornou referncia para mtodos e manuais de ensino e apren-dizagem da arte e do desenho, mantendo-se como uma referncia durante sculos como foi observado por sua citao em Methodo de Desenho Pintvra e Arte Applicada de 1932.

Um dos manuais de desenho mencionado por Renato Palumbo Dria em sua tese, trazia o apndice Caracteres das paixes segundo M. le Brun por M. le Clerc para uso da Mocidade Portugueza offerecido A S. A. R. [ Sua alteza real], O Prncipe Regente Nosso Senhor, uma publicao sem data precisa, mas que provavelmente faz parte do sculo XVIII, segundo o au-tor que ressaltou ainda tratar-se de um contedo que prescrevia uma frmula que teria grande sucesso no sculo XIX (DRIA, 2005, p. 120).

Ainda hoje, no sculo XXI, podemos nos encontrar com as prescries de Le Brun sobre as expresses fisionmicas. Alguns manuais oferecidos como livros paradidticos para o ensino fun-damental, trazem, guardadas as devidas variaes, os ensinamentos desse pintor do sculo XVII.

O mtodo de ensino acadmico, ainda resistente em variaes, como dissemos, fundou e nos legou uma forma de compreender e realizar a arte e seu ensino, bem como o padro de um certo tipo de beleza, que nos move, mesmo depois de tanto tempo, a identificar o bonito e o feio, o bom e o mau desenho.

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No entanto, esse tipo de ensino resiste em convivncia com seus contrrios. Segundo Pe-vsner, desde meados do sculo XVIII vinha se configurando um movimento em oposio s academias, intensificado entre o final desse sculo e incio do XIX. Artistas, escritores e fil-sofos do Sturm und Drung (Tempestade e mpeto) e do Romantismo manifestavam-se con-trariamente a arte e a educao artstica desenvolvidas nas academias. Schiller (cf. M2_D4: Esttica), por exemplo, em uma carta de 1783, escreveu: Pode haver entusiasmo onde reina o esprito das academias? . O conceito de gnio, da genialidade do artista, concebida e assu-mida pelos romnticos justificava o ensino como realizado ento, como algo suprfluo.

O programa das academias da poca era organizado de tal forma que durante todo o primeiro ano, o estudante se limitava a desenhar disiecta membra [elementos isolados]: olhos, focinhos, narizes, orelhas e faces, mos e ps, de acordo com as normas [...] Os estudantes adiantados elaboravam suas figuras pelo mesmo mtodo, fazendo um inventrio de atitudes tiradas de obras clebres, e suas composies, como arrolamentos de figuras completas emprestadas das mesmas fontes (PEVSNER, 2005, p. 248).

Em contrapartida a esse mtodo acadmico, os artistas e pensadores integrantes desse mo-vimento romntico de oposio academia, propunham um ensino livre de regras, afeito a in-veno, liberdade de expresso: No gaste muito tempo fazendo cpias; experimente inven-tar, uma atividade beatfica. Na concepo desses opositores, arte no se aprenderia como se aprende a contar; a arte livre, no assunto para professores. Um mtodo de ensino nesse caso se mostrava como contradio. Como resolver, portanto o ensino da arte, se arte livre e no pode ser aprendida? A soluo no foi abolir o mtodo, tampouco o ensino. Esses artistas e pensadores do final do sculo XVIII e incio do XIX enfrentaram esse paradoxo, disseminando a ideia - a qual nos acompanha at hoje, junto s reminiscncias acadmicas de que se deixasse cada um trabalhar sua maneira, segundo sua forma de expresso, e ajudem o estudante com seus conselhos, em vez de lhe impor a regra. Essa ideia pertinente aos sculos XVIII e XIX pode ser considerada como uma das origens do ideal da livre-expresso, fundamental para o ensi-no da arte realizado em ateliers e museus ao longo do sculo XX, especialmente em sua primeira metade. O pensamento romntico abriu espao para ideais firmados como modernistas.

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Para saber mais: BARBOSA, A. M. Arte-educao no Brasil. 3 ed. So Paulo: Perspectiva, 1999.

Podemos dizer que esse livro de Ana Mae Barbosa um clssico sobre a histria das re-laes entre arte e educao no Brasil entre o final do sculo XIX e incio do XX. O livro traz, alm das implicaes polticas dessa relao, fontes primrias que apresentam trechos de pensamentos sobre arte e educao durante esse perodo.

COMENIUS. Didtica magna. Traduo Ivone Castilho Benedetti. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2006.

Outro clssico sobre educao, escrito no sc. XVII, e vale ser lido somente por isso. A Didtica Magna de Comenius atravessou os sculos e se tornou uma referncia para educa-dores da transio do XIX para o XX. Especialmente h uma parte dedicada ao Mtodo de Ensino das Artes, na qual podemos identificar ideias que nos so bastante familiares.

ROUSSEAU, J. J. Emlio ou da educao. Traduo Roberto Leal Ferreira. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

Mais um clssico sobre educao. Nesse livro, Rousseau trata de ideias educacionais pela histria de formao do menino Emlio. H belos trechos sobre o ensino do desenho e sobre o conceito de liberdade nesse texto do sculo XVIII que tambm se tornou referente para o pensamento educacional da primeira metade do sculo XX, que no deixa de ser tambm nosso, por isso vale a leitura.

2.2. Metodologias modernas: modernismos

Artistas e intelectuais do primeiro modernismo brasileiro, imersos na tendncia das van-guardas europias, incentivavam a valorizao da produo grfica e plstica infantil.

Flvio de Carvalho, por exemplo, realizou no ano de 1933 o mez dos alienados e das crianas no CAM, Clube dos Artistas Modernos, um evento dedicado ao debate sobre a arte produzida pelos loucos e pelas crianas. Palestras sobre a Interpretao dos desenhos de crianas e o seu valor pedagogico, sobre a Psychanalyse dos Desenhos dos Psychopathas, sobre A arte

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e a Psychiatria atravs os tempos e A musica nos Alienados, entre outras foram proferidas durante esse mez. Sobre esse evento publicado o artigo Crianas-artistas, doidos-artistas na revis-ta carioca Rumo4. Nesse, foram includos trechos atribudos a Flavio de Carvalho sobre a profunda importncia psychologica da produo infantil, quando no estupidamente controlada pelos professores, como evidncias de todo o drama animico dos homens das cavernas, do epithecanthropus erectus. Alm desse mrito, a produo infan-til teria um valor artstico, pois para esse artista modernista os verdadeiramente grandes artis-tas possuam a mesma espontaneidade inconsciente da criana, e preservavam-se distncia dos trucs dos prestidigitadores das escolas de belas artes, responsveis por abafar ou matar qualquer surto de originalidade que aparece na fantazia da criana.

Anita Malfatti foi outra modernista que incentivou a valorizao sobre a expresso infantil. No apenas como artista formada sob a orientao expressionista, mas tambm como pro-fessora de desenho e pintura para crianas. Anita Malfatti inovou a concepo de ensino de desenho vigente, ao considerar os sentimentos infantis. Em um artigo sobre a exposio das produes de seus alunos, intitulado Mostrando as crianas os caminhos para a sua formao artstica, publicado no jornal Correio da Tarde em 1 de dezembro de 1930, a pintora e pro-fessora Anita Malfatti, expe seu methodo de ensino, cujo ponto de partida era a ideia de que:

todo individuo de intelligencia normal pde ser um artista. Da mesma forma por que manifesta suas ideias e as consubstancia na escripta, igualmente pde expressar no desenho o seu pensamento e minucial-o das mais complexas formas imaginveis. Na criana normal, notadamente, instinctiva essa intuio artstica. Para desenvolvel-a basta despertar no desenho essa atividade creadora que a imaginao provoca. E isso se consegue por um trabalho orientado scientificamente, tendente a sua ida, inspirada na prpria imaginao. Aproveitando-se dessa forma a technica, procura-se exprimil-a de acordo com as qualidades bsicas que cada criana possue. Nunca contrarial-a na sua inclinao, porm deixal-a manifestar o seu sentimento livremente. O que produz maior sensibilidade ndole infantil justamente o que serve de motivo (MALFATTI, 1930).

4. CRIANAS-artistas, doidos--artistas. Rumo, Rio de Janeiro, n.5/6, set/out. 1933, p. 29.

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Na sequencia desse artigo exemplificada uma situao de aula de Anita Malfatti. Foi pe-dido aos alunos que desenhassem um pic nic. O articulista pondera que se isso fosse pedido a um adulto, as imagens mais obvias de um pic nic seriam realizadas. No entanto, as crianas por terem se deixado levar pela sensao do passeio, desenharam despertadores de vrios tama-nhos [...] trem [...] praias com banhistas. O aparente estranhamento causado por essa diversi-dade de imagens incomuns para um pic nic, era justificado pela considerao subjectividade. Dos desenhos apresentados, depreendia-se o elevado grau fantasista de seus alumnos.

Sobre o methodo usado em suas aulas de pintura, Anita Malfatti teria afirmado que este era

meramente mecanico e intuitivo, orientado por observaes psychologicas que me induzem a aproveitar o sentimento do alumno. Dessa maneira no uso determinado assumpto, porm, uma infinidade, promanados de uma suggesto do aprendizado, que se utilisa e estimula.

[...]

Baseio meu methodo [...] na inclinao de cada um, procurando realizar um trabalho collectivo

[...]

A technica instinctiva. Todo o individuo pode desenhar, desde que tenha intelligencia normal.

(MALFATTI, 1930).

Dessas suas convices, e da constatao de que 75% de seus alunos desenhavam com fa-cilidade, Anita Malfatti julgava, segundo o artigo, errada a opinio publica que restringe os artistas a uma insignificante minoria.

Em continuidade a apresentao do mtodo da professora Anita Malfatti, nos exposto a preferncia pelos desenhos mais simples: todos objectivos. De preferncia assumptos espor-tivos, divertimentos. O necessrio realmente era fazer a criana interessar-se pelo prprio trabalho e tel-o como um coisa agradvel e jamais como uma obrigao aborrecida.

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Tarsila do Amaral e Mrio de Andrade comentaram tambm em artigos de jornal essa exposio de trabalhos dos alunos de Anita Malfatti. Tarsila pelo texto Instruco Artstica--Infantil, publicado em 28 de janeiro de 1931 no Correio da Tarde, ressaltou o cultivo imaginao de seus alumnos. Mrio de Andrade, por sua vez, exalta a qualidade espontnea dos trabalhos criticando aqueles que demonstravam ainda uma certa propenso cpia, frios como Cambuci. Para ele, nesta mostra havia no s muito que aprender como teoria de pin-tura e como psicologia, mas tambm umas trs ou quatro obras-primas indiscutveis.

Mrio de Andrade problematizava o reconhecimento da produo plstica e grfica infantil como obra de arte (COUTINHO, 2002). Estabeleceu critrios de julgamento para qualificar o valor artstico, responsabilizando o acaso pelo aparecimento de uma verdadeira obra de arte realizada por crianas, pois a criana no estaria ainda munida das verdades crticas que per-mittem ao adulto suprir com tecnica geral as falhas e incertezas da imaginao criadora. Por outro lado, como lhe foi observado pela prpria pintora Anita Malfatti, a criana possuiria por instinto todos os princpios basicos da tecnica da pintura. Chegando mesmo a, dentro das normas gerais da tcnica, inventar sua tecnica particular (ANDRADE, 1930).

A exposio dos trabalhos infantis orientados por Anita Malfatti foi realizada em 1930, momento modernista de uma agudizao da conscincia poltica entre artistas e intelectuais, expressa em produes artsticos-literrias cuja nfase recai sobre o drama social brasileiro. A reunio de uma conscincia nacionalista e do interesse pelo social criam um modernismo que substitui o projeto esttico e a euforia dos anos de 1920 por um projeto ideolgico, expan-dindo seu campo de atuao, antes limitado ao artstico (LAFET, 2000, p. 28).

No mesmo ano dessa exposio, em 26 de fevereiro de 1930, Fernando de Azevedo, um dos principais nomes do escolanovismo brasileiro, pela palestra A Arte como instrumento de Educa-o Popular na Reforma, realizada na Sociedade de Educao de So Paulo (AZEVEDO, 1958, p. 117-131), sustentava sua defesa sobre a insero da arte nas escolas, por identificar nela um carter ldico e familiar. Para Azevedo a arte falaria direto ao corao do povo, pois seria sua nica forma de expresso, alm de ser seu recreio, seu drama, seu anelo e sua esperana. Para o projeto escolanovista, a arte representava um poderoso instrumento de aproximao, persuaso e socializao. A arte era uma possibilidade de educao e padronizao dos senti-dos. As manifestaes artsticas e culturais, sob o controle das autoridades responsveis, seriam

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instrumentos para a reeducao esttica e cultural do povo (LOPES, 2000, p. 409). A arte seria, neste sentido uma forma superior da prpria sociabilidade, da simpatia universal, um agente da comunho de sensaes e sentimentos, genitora de simpatia e [...] solidariedade social, proporcionando, inclusive a adequao a um regime de vida e trabalho em comum (AZEVEDO, 1958, p. 119).

A arte na escola contribuiria, segundo Azevedo, para o desenvolvimento do bem-estar do indi-vduo e da comunidade, promovendo a sensibilizao das novas geraes ao encanto espiritual das coisas delicadas e ao despertar, como que por instinto a todas as formas que pode revestir a beleza, para que o sujeito, alm de descansar o esprito da tenso constante das atividades mo-dernas, tivesse tambm a possibilidade de recrear, isto , criar de novo, pr em vibrao, renovar e elevar a mentalidade embotada pelas ocupaes cotidianas s altas esferas do pensamento, das inspiraes da arte e dos grandes ideais da vida humana (AZEVEDO, 1958, p. 119).

Azevedo mencionar o valor de cada uma das linguagens artsticas para esse projeto educa-cional, no entanto, ao falar do desenho infantil o tratou como manifestao espontnea e cria-dora da criana, rechaando o exerccio da cpia e enaltecendo o incentivo produo livre de quaisquer influncias prejudiciais. Destacou a importncia da originalidade e ingenuidade desses desenhos, que no seriam na primeira idade, resultado de observao da natureza, mas representaes plsticas de seus estados de alma.

O discurso da livre-expresso ganhar fora ao longo da primeira metade do sculo XX, tornando-se tambm um mtodo de ensino, embora mais prximo do sentido de educao atravs da arte, como exposto por Herbert Read. No final da dcada de 1940, a livre-expres-so, nesse sentido, mover muitas aes educativas, configurando uma tradio modernista. O movimento Escolinhas de Arte do Brasil, EAB, criado por Augusto Rodrigues (cf. M1_D2: Ensino da arte: aspectos histricos e metodolgicos) foi o grande responsvel pela instituio desse tipo de ensino da arte.

Outra ao realizada sob essa tendncia foi o Club Infantil de Arte do Museu de Arte de So Paulo, criado e orientado pela atriz de teatro de bonecos Suzana Rodrigues.

As crianas que freqentavam esse Club criado em abril de 1948, eram incentivadas a traba-lhar em grupo, pintando e desenhando sobre grandes pedaos de papel dispostos sobre mesas, cho e paredes. O mnimo de orientao era dado. Por essa concepo moderna e modernista,

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que valorizava a expresso infantil, o professor deve falar o mnimo possvel, se ele puder ser mudo melhor!, como nos contou Suzana Rodrigues, em entrevista realizada para a pesquisa de mestrado intitulada Das lembranas de Suzana Rodrigues: t-picos modernos de arte e educao5. Mas essa livre-expresso dos anos de 1940 e 1950 no era a mesma livreexpresso da dcada de 1970. Nesse modernismo da metade do sculo XX, o aluno no era deixado a fazer. Sua inteno era considerada, no en-tanto, se esse aluno comeasse a se repetir ou se distanciasse de uma representao natural, seria o momento de interveno do professor:

claro que se uma criana estiver desenhando uma figura humana com oito dedos, seis dedos, o papel do professor chegar muito habilmente e dizer: opa! Vamos olhar nossa mozinha, pe sua mozinha aqui e vamos contar 1,2,3,4,5 e l quanto que tem? Vamos contar quanto tem. Ento c est errado, no pode ser seis. E assim dessa maneira voc vai induzindo uma criana a observar melhor, a fazer melhor, copiar melhor, reproduzir melhor, ela est aprendendo a entender que no como ela quer s vezes precisa ser como : uma mo, cinco dedos (RODRIGUES apud BREDARIOLLI, 2004, p. 194).

O professor deveria ficar atento a essas situaes, e conduzir o aluno quando considerasse necessrio, conforme constatamos pelo relato de Suzana Rodrigues, citado acima. No entanto, tambm deveramos ficar atentos, ainda segundo suas palavras para no

exigir da criana mais do que ela pode nos dar, assim, o respeito e o acatamento a toda a manifestao da sua personalidade, deve ser o nosso principal cuidado. Devemos compreender que todo o desenho produzido livremente por uma criana antes de mais nada um retrato da sua alma, uma descarga das suas emoes. Antes de julg-lo pela perfeio de suas formas, devemos analis-lo pela sua expontaneidade (RODRIGUES apud BREDARIOLLI, 2004, p. 216).

A expontaneidade da criana, para esses modernistas, era o que deveria ser incentivado e preservado, pois como vimos, os desenhos infantis produzidos livremente eram considerados retratos da alma. Os adultos, portanto, deveriam se limitar a observar e interferir, sempre habil-

5. Essa dissertao, realizada na Escola de Comunicaes e Arte da Universidade de So Paulo, ECA-USP sob orientao da profa. Ana Mae Barbosa foi pu-blicada sob o mesmo ttulo em 2007 pela Editora da Universi-dade Federal do Esprito Santo.

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mente, em ltimo caso, para no obstruir a expresso da criana, como exemplificado por outra histria contada por Suzana Rodrigues sobre seu trabalho no Museu de Arte de So Paulo:

Eu disse : minha senhora, no pode interferir no trabalho do seu filho. Na sua casa a senhora j est errando, se ele estiver fazendo alguma coisa que a senhora quer que seja. Agora, aqui no! Aqui, se ele diz que um cavalo e o que a senhora v um cachorro problema seu! Aqui se ele disse que cavalo cavalo mesmo! (RODRIGUES apud BREDARIOLLI, 2004, p. 216).

Entre as atividades realizadas por Suzana Rodrigues para exerccio da livre-expresso es-tava a da Sala Suja, lugar onde as crianas pintavam sem qualquer interveno em grandes papis estendidos, presos sobre as paredes, usando tintas naturais e comestveis feitas com frutas, era com a mo que elas desenhavam, fazia aquele embaralhado de beterraba com la-ranja, com espinafre, tudo que desse cor de uma forma natural, se libertando (RODRIGUES apud BREDARIOLLI, 2004, p. 194).

A criana passava algum tempo apenas experimentando o material. Depois cansava-se da monotonia da atividade e comeava, por ela mesma, a elaborar um desenho. Neste momento, era conduzida para uma outra sala onde ela pudesse fazer aquilo que ela queria fazer. Pri-meiro faziam aquela bobagem na sala suja, depois iam para o trabalho na outra sala, de atuao, de trabalho, de ocupao pessoal de cada um, como nos contou Suzana Rodrigues.

A Sala Suja era uma espcie de mtodo usado em instituies inglesas voltadas ao trata-mento de jovens delinqentes, como divulgado em um artigo de 1950 redigido pelo jornalista Ibiapaba Martins, intitulado O Direito da Criana Creao Artstica. No temos outros dados sobre esse artigo, por ser um recorte integrante do acervo pessoal de Suzana Rodrigues. Mas, uma informao interessante que esse texto de Martins foi criado a partir de uma publicao da UNESCO, o El Correo do ms de fevereiro de 1950. Isso mostra como essas ideias sobre a livre-expresso e seu potencial educativo, como um tratamento contra os males do esprito eram divulgadas e disseminadas entre vrios pases. Uma espcie de ideia e ideal comuns que circulavam pelo mundo em dado momento, fomentadas pelo interesse de determinados gru-pos, no caso educadores e artistas modernistas.

A valorizao da importncia da livre-expresso como caminho para a paz mundial foi um projeto encampado pela UNESCO, Organizao Educacional, Cientfica e Cultural das Naes Unidas no Ps-Segunda Guerra, tendo como seu principal motivador e divulgador, Herbert Read.

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Durante a segunda metade do sculo XX, a livre-expresso instituiu-se como possibilidade metodolgica para o ensino da arte. Nas escolas ainda no havia Educao Artstica. Prximas s linguagens artsticas podemos identificar as disciplinas escolares de Desenho, Msica e Trabalhos Manuais, mas a arte, essa ideia um tanto mais generalista, somente entrou na escola em 1971 pela lei 5692/71, quando as trs disciplinas especficas Desenho, Msica e Trabalhos Manuais foram extintas e seus professores remanejados para as aulas de Educao Artstica.

A livre-expresso manteve-se presente nessa nova configurao, no entanto sem o teor psicolgico da primeira metade do sculo XX. Ganhou a alcunha pejorativa de laissez-faire, transformada em ponto de pauta do Movimento Arte-Educao da dcada de 1980, con-junto de aes dirigidas ao fortalecimento poltico e conceitual da rea do ensino da arte, pela criao e afirmao de uma identidade para seus profissionais.

Para saber mais: READ, H. Educao atravs da arte. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

Herbert Read foi um dos principais divulgadores da livre-expresso e esse seu livro de 1941, uma das principais referncias sobre o tema, trazendo um pequeno captulo sobre o sentido

desse conceito.

2.3. Metodologias ps-modernas: arte como expresso e cultura

O Movimento Arte-Educao (nesse momento ainda usava-se o hfen) promovia um de-bate em torno da Educao Artstica realizada nas escolas durante a dcada de 1970, abor-dando diretamente temas considerados problemticos como, alm do j referido laissez-faire, a nfase sobre a produo o fazer - em detrimento de um contedo terico e analtico sobre arte, e a polivalncia.

Ao longo da dcada de 1980, encontros de arte-educadores foram promovidos com o intuito de desenvolver o debate e encontrar solues para esses temas, como, por exemplo, a Semana de Arte e Ensino no ano de 1980 e o Festival de Inverno de Campos do Jordo de 1983, dedicado aos professores de arte da rede pblica municipal de Campos do Jordo e estadual paulista. Entre os anos de 1984 e 1989, foram tambm realizados trs Simpsios de histria do ensino da arte.

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Alm desses eventos, durante a dcada de 1980 foram criadas as associaes polticas de arte-educadores como a AESP, Associao de Arte-Educadores de So Paulo, fundada em 1982; a Associao Nordestina de Arte-Educadores, ANARTE, fundada em 1983; a Asso-ciao Gacha de Arte-educao, a AGA, criada em 1984 e em 1987 a FAEB, Federao de Arte Educadores do Brasil.

Dentre os resultados dessa mobilizao, a ideia de que o ensino da arte no se realiza apenas pelo incentivo produo, mas tambm pela contextualizao e anlise dessa e de outras produ-es. O Movimento Arte-Educao instituiu uma nova concepo de ensino da arte no Brasil. Uma outra forma de conceber o ensino da arte demanda uma outra forma de ensinar arte.

Em 1991, Ana Mae Barbosa lana um de seus livros mais influentes A Imagem no Ensino da Arte, divulgando o trabalho por ela desenvolvido no Museu de Arte Contempornea da Universidade de So Paulo, cuja nfase recaia sobre a leitura de imagem. Nesse livro chamava esse seu trabalho de metodologia triangular. Nome revisto para proposta triangular, em seu livro Tpicos Utpicos de 1998 e recentemente na 7 edio de A Imagem no Ensino da Arte, publicada em 2009 (cf. M1_D2: Ensino da arte: aspectos histricos e metodolgicos ).

Esse livro foi um dos responsveis pela divulgao da sistematizao de um ensino da arte efetivado pela complementaridade de trs aes: produo, leitura e contextualizao, sendo a leitura compreendida no sentido exposto por Paulo Freire, portanto, no limitada a uma anlise sinttica, formalista, no caso das imagens, mas ampliada para sua relao com o tem-po e o espao no qual foram criadas, por isso a meno ao contexto como um dos itens dessa triangulao.

As noes de leitura e releitura de imagem, tambm foram divulgadas por esse livro, pode-mos dizer a tal ponto de transformar o conceito de releitura em mtodo, fato tambm revisto no livro de 1998, Tpicos Utpicos.

Mas, alm desses motivos, destacamos o livro A Imagem no Ensino da Arte de 1991 por compreender alguns mtodos de leitura de imagem, que acabaram incorporados ao cotidiano escolar. A imagem, nesse texto de Ana Mae Barbosa, bem como nos discursos sobre arte/edu-cao, tanto se refere a uma produo quanto a sua reproduo em forma de impresses em pginas de livros, slides ou fotografias.

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Dentre algumas das diferentes metodologias apresentadas no captulo A importncia da imagem no ensino da arte, destacamos o Mtodo comparativo de anlise de obras de arte de Edmund Feldman (BARBOSA, 2009), o Mtodo do Multipropsito de Robert Saunders (BARBOSA, 2009) aluno de Viktor Lowenfeld, nome fundamental para a tendncia da livre-expresso e por fim, o mtodo de Rosalind Ragans, cuja nfase recai sobre a crtica como descrito por Ana Mae Barbosa. Tais mtodos foram desenvolvidos para o ensino das Artes Visuais especifica-mente, embora tais procedimentos sejam, pela caracterstica de sua estuturao passveis de adaptao para outras linguagens. Podemos expandir a ideia de imagem e nos remeter, por exemplo, aos jogos teatrais, de Augusto Boal, criados sob a perspectiva de seu Teatro do Opri-mido. A leitura de cenas criadas a partir desses jogos era incentivada como exerccio crtico.

O desenvolvimento crtico para a arte tambm era o ncleo fundamental da teoria de Edmund Feldman, segundo Ana Mae Barbosa. Tal competncia crtica seria exercitada por meio do ato de ver, associado a princpios estticos, ticos e histricos.

Quatro procedimentos distintos, porm inter-relacionados, constituem o mtodo, o cami-nho, elaborado por Feldman para o exerccio da capacidade crtica, fundamental para o conhe-cimento artstico realizado pela compreenso de uma imagem: descrio, anlise, interpretao e julgamento.

A descrio proposta com o intuito de envolver a ateno daquele que observa para aquilo que observado. A imagem observada e descrita; a anlise refere-se observao da relao entre os elementos que compem a imagem; a interpretao o exerccio de atribuio de significado imagem; enquanto o julgamento exercita a valorao da imagem observada.

Ana Mae Barbosa denominou o mtodo de Feldman de comparativo, pois esse autor nunca prope a leitura de uma nica imagem, ao contrrio, sempre dispe duas ou mais ima-gens para motivar a percepo de similaridades ou diferenas entre aquilo que est sendo visto. Como exemplo, a autora cita uma situao criada para o ensino das diferenas entre pintura e desenho, por meio da comparao entre reprodues de trabalhos de Toulousse- Lautrec, Mark Tobey, Edward Hopper e Willem De Kooning. A exposio dessas imagens j seria suficiente para evidenciar a distino almejada.

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Outra peculiaridade do mtodo de Feldman a incluso de um trabalho prtico sempre aps o ato da anlise, ou observao das relaes entre os elementos compositivos da imagem.

Perguntas integram esse processo como caminho para estimular uma leitura de imagem criada pelos prprios alunos. No mtodo de Feldman, a leitura formal alia-se ao significado da imagem.

O segundo mtodo destacado foi elaborado por Robert Saunders sob a inteno de cons-tituir um caminho para o trabalho com reprodues de obras em sala de aula, sendo por ele reconhecido, segundo Ana Mae Barbosa, como apenas um passo para o contato insubstituvel com os originais.

Os exerccios propostos por Saunders para serem realizados com cada reproduo usada em sala de aula, assim como os de Feldman, dividem-se em quatro categorias: exerccio de ver; exerccio de aprendizagem; extenses de aula e por fim, produzir artisticamente.

Os exerccios de ver requerem do observador uma descrio clara, a identificao acurada e a interpretao de detalhes visuais. Para os exerccios de aprendizagem, Saunders prope a compreenso das imagens, expressando julgamentos de valor, exercitando o uso das capaci-dades inventivas da imaginao, o desenvolvimento de conceitos espaciais e dos sentidos da organizao espacial. Ao realizar a categoria extenses de aula , so incentivadas as relaes entre arte e seu meio ambiente, a redao criativa sobre a imagem, o estabelecimento de com-paraes histricas, a investigao dos fenmenos de luz e cor. Alm disso, Saunders prope ainda para essa categoria, o estmulo a improvisaes dramticas, a explorao das relaes humanas e a conscientizao sobre os problemas ecolgicos. Por fim, quando da realiza-o da categoria produzir artisticamente, o autor desse mtodo apresenta como propostas desenvolver a autoimagem atravs do desenho, encorajar a atividade criadora grupal, fazer experimentaes com as ideias de espao positivo e negativo, bem como com representaes do espao tridimensional, alm de investigaes sobre os elementos da linguagem visual como textura, cor, formas e linhas, e ainda exercitar as habilidades para recorte, colagem, modela-gem, desenho, pintura, e para o uso de instrumentos como rgua, compasso, incluindo lentes de aumento, por exemplo. Todas essas proposies, assim como o processo de Feldman deve-riam ser dirigidas por perguntas realizadas aos alunos, como meio de ativar o conhecimento passivo da criana, procedimento didtico coerente ao de seu mestre Viktor Lowenfeld.

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Tudo isso poderia ainda ser relacionado, conforme Saunders props em seu mtodo, com estudos sobre histria da arte, bem como com outras disciplinas do currculo escolar, propi-ciando trabalhos interdisciplinares.

Finalmente, apresentaremos o mtodo de Rosalind Ragans, que foi aluna de Edmund Fel-dman. Ragans, de acordo com Ana Mae Barbosa (2009), teria criado seu mtodo seguindo a metodologia do DBAE, Disciplined Based Art Education, que exerceu forte influncia no ensino da arte norte-americano e tambm brasileiro na dcada de 1980. A metodologia do DBAE era pautada em 4 disciplinas: produo artstica, crtica, histria da arte e esttica. Ao se apropriar dessa metodologia construda sobre essas quatro disciplinas, Ragans, enfatiza a crtica, sobrepondo-a as outras trs, tornando-as subsdios para o exerccio crtico. Haveria o esforo de estimular o debate sobre questes da crtica e esttica a partir da leitura de imagem, introduzindo informaes histricas e ainda incluindo proposies de trabalhos prticos de criao artstica. No entanto, o exerccio crtico como caminho para a compreenso e fruio da arte predominante.

Ragans, antes de expor seu mtodo, apresenta as disciplinas do DBAE como enunciado por Ana Mae Barbosa:

Produo de arte alegria. Quase todo mundo gosta de manipular material artstico.

Crtica de arte um procedimento semelhante a montar um quebra-cabeas.

Historia da arte complexo. Ela se relaciona com todos os aspectos da historia dos seres humanos.

Esttica um estranho novo mistrio. Como professores, sempre temos lidado com ela mas no sabamos seu nome ( BARBOSA, 2009, p. 77).

O exerccio crtico proposto por Ragans segue a mesma estrutura daquele proposto por seu professor Edmund Feldman. Inicia com a descrio da imagem, depois a anlise, quando os alunos so estimulados a pesquisar dados objetivos sobre a imagem analisada, logo em segui-da a etapa da interpretao, quando o significado da obra especulado em relao aos dados

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coletados no momento anterior. Por fim chega a etapa do julgamento, quando apoiados por evidncias formais da imagem demonstrveis ou defensveis, expe suas concluses par-ticulares sobre o que estava sendo lido.

A autora, seguindo afirmaes de Ana Mae Barbosa, teria como preocupao a distino entre a crtica e a esttica. Ao mbito da crtica pertenceria o debate sobre uma obra especifi-camente. Caso esse debate extrapolasse a abordagem da obra em questo, atingindo o mbito da arte de maneira generalizada, ento estaramos atingindo o campo de estudos da esttica. Como exemplo, Ragans teria afirmado que quando nossos alunos comparam uma linguagem artstica com outra ele estaria lidando com o domnio da esttica (BARBOSA, 2009, p. 78).

O mtodo de Ragans, segundo Barbosa, dentre os apresentados em seu livro, o que exige maior objetividade de leitura na fase da descrio. No entanto, o de maior flexibilidade na fase de interpretao, coerente com a sua inteno de leitura pautada sob o exerccio crtico. Enquanto Saunders e Feldman partem de pressuposies interpretativas, as quais de certa forma induzem o aluno a concluir algum significado, Ragans, preocupa-se com a fundamen-tao das interpretaes, advertindo os alunos sobre os dados formais objetivos que podem sustentar ou no o significado encontrado na imagem, por exemplo, no poderamos afirmar, somente pela composio formal, que uma mulher segurando uma criana a representao de uma me seu filho, ou filha. Apesar disso, defende a aceitao de toda interpretao, mesmo as mais abstratas, metafricas ou poticas. Ragans considera a interferncia do contexto do observador sobre aquilo que observado, portanto, mesmo uma interpretao anacrnica pode ser vlida se justificada formalmente, por esse motivo requer como necessidade a leitura clara dos elementos formais e de composio. O mtodo de Ragans parte daquilo que evidente.

Esses mtodos apresentados so exemplos de um momento no qual o enfoque do conheci-mento sobre arte voltado para exerccios de anlise crtica, e para a aquisio de informaes sobre a esttica e sobre a histria, o contexto de criao da obra de arte.

Essa mudana de concepo e de metodologia de ensino da arte da dcada de 1980 abriu espao para outras concepes e metodologias que convivem conosco, em nossos dias, so nos-sas coetneas, nossas contemporneas, mas no menos vinculadas a uma tradio.

Essas outras formas contemporneas de compreender e encaminhar o ensino da arte parte tambm de toda essa trajetria apresentada nesse texto. Nelas esto contidas todos esses

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movimentos de variao. Algumas comearam a se constituir na mesma poca dessas que aca-bamos de expor, integrando as mesmas preocupaes sobre anlise crtica, esttica e histria da arte, mais tarde desviando-se para uma compreenso ampliada de arte. Caso o da prpria Proposta Triangular e da Cultura Visual, tendncias que vm se configurando desde antes da dcada de 1980, e que trazem consigo a preocupao com a leitura crtica de imagens, porm expandindo seu campo de estudos alm dos limites da produo artstica consagrada como tal pelas formas de legitimao tradicionais: histria e crtica da arte, revistas e livros especializa-dos, museus, salas de aula.

Essas tendncias contemporneas de fundo crtico, como as citadas acima, alm de expan-direm o conjunto de seus objetos de estudo, incluem como tema a problematizao dos limites entre arte e artesanato, arte erudita e popular, arte e cultura; integram ainda questes sobre representao, discriminao, preconceitos, hegemonia, enfim as relaes entre arte, educao e poder (cf. M1_ D2: Ensino da arte: aspectos histricos e metodolgicos).

Para essas tendncias, os pequenos e mltiplos relatos da cada aluno, por exemplo, de cada pessoa que faz parte da comunidade escolar e de seu entorno, so privilegiados em detrimen-to dos grandes relatos hegemnicos como aqueles encontrados nos livros de histria da arte transformados em referncia para nossas universidades, por exemplo, que geralmente contam uma histria linear construda pela sucesso de eventos como se cada um superasse seu ante-cedente. Uma histria feita de muitos compartimentos, cada qual contendo uma poca e um estilo em sua maioria da produo artstica ocidental.

A estruturao curricular sob a compreenso dessas concepes contemporneas de ensino da arte, no obedece a uma sequncia pr-determinada. Seu movimento o da necessidade emergente dos acontecimentos imprevistos da sala de aula. claro que h uma preparao, um programa, mas esse entendido em aberto, flexvel aos contratempos.

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Para saber mais: Os sites abaixo trazem importantes referncias para introduo e aprofundamento aos

estudos sobre a cultura visual, em alguns casos, entendida como sinnimo de estudos visuais, um campo de pesquisas que se conforma desde os anos de 1970, mas, que hoje se tornou uma forte tendncia para a compreenso das relaes entre arte e educao. O primeiro foi criado pela profa. dra. Jociele Lampert da Universidade Estadual de Santa Catarina, UDESC, o segundo por Jos Luis Brea, que era professor titular da Univer-sidad de Castilla-La Mancha.

http://www.artistasvisuais.com.br/culturavisual/noticia.asp

http://estudiosvisuales.net/revista/index.htm

Referncias Bibliogrficas: ABBAGNANO, N. Dicionrio de filosofia. Traduo Ivone Castilho Benedeti. So Pau-lo: Martins Fontes, 2003.

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Disciplina 07 Tem

a 2sumrio tema ficha

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Disciplina 07 Tem

a 2sumrio tema ficha

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SIMIONI, A. P. C. Profisso artista: pintoras e escultoras acadmicas brasileiras. So Paulo: EDUSP, 2008.

sumrio tema ficha

Ficha da Disciplina:Metodologias para ensino

e aprendizagem de arte

Rita Luciana Berti Bredariolli

Bacharel e Licenciada em Educao Artstica pela Universidade de Campinas, UNI-CAMP (1993). Possui mestrado em Artes pela Escola de Comunicaes e Arte da Universi-dade de So Paulo, ECA-USP (2004) e doutorado em Artes pela mesma instituio (2009). Atuou como professora de Arte de Ensino Fundamental II por 12 anos. Em 2005 ingressou na Universidade Federal do Esprito Santo, UFES, voltando a So Paulo em 2010 para assu-mir o cargo de professora assistente doutora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, IA-UNESP. Leciona as disciplinas de Fundamentos do Ensino da Arte e Didtica para os cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais, Licenciatura em Artes Cnicas e Licenciatura em Msica. autora do livro Das lembranas de Suzana Rodrigues: tpicos Modernos de Arte e Educao e desenvolve pesquisas sobre teoria da imagem, histria e memria do ensino da arte e ensino da arte como mediao cultural.

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4730992T9

sumrio tema ficha

Ementa: Conceitos de mtodo e metodologia. A relao entre epistemologia e metodologia do

ensino da arte em suas variaes ao longo do tempo. Mtodos e Metodologias artstico--educacionais contemporneos. O professor-pesquisador. O artista/pesquisador/ profes-sor. As relaes entre teoria (theorie), prtica (prxis) e criao (poisis). Metodologias para o artista/pesquisador/ professor.

Estrutura da DisciplinaTema 1: Metforas, mtodos e metodologias, metforas

1.1. Metforas 1.2. Mtodos e Metodologias 1.3. Metforas

Tema 2. Metodologias para ensino e aprendizagem de arte 2.1. Metodologias modernas: academicismos 2.2. Metodologias modernas: modernismos 2.3. Metodologias ps-modernas: arte como expresso e cultura

Tema 3: Isto tambm uma metodologia: duas verses contemporneas de mtodos, metodologias, educao e arte.

3.1. O professor ironista 3.2. Outras metforas: rvores, rizomas, mapas, a partilha do sensvel

Tema 4: professor-pesquisador: os outros, os mesmos mapas 4.1. Teoria como A/R/TOGRAFIA: artista/pesquisador/professor

Tema 5 : Metodologias para a prtica de uma pesquisa ativa 5.1. Etnografia 5.2. Um tipo de pesquisa ativa: a Pesquisa -Ao 5.3. Histria de Vida 5.4. Estudo de Caso

Rita Luciana Berti Bredariolli

Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraAna Maria Martins da Costa Santos

Coordenadora Pedaggica

Cludio Jos de Frana e SilvaRogrio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

Antnio Cezar Leal (FCT/Presidente Prudente) - sub-coordenador Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)

Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

Secretaria/AdministraoMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andr Lus Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Cssio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

Marcador 1Metodologias para ensino e aprendizagem de arte2.1. Metodologias modernas: academicismos

Para saber mais:2.2. Metodologias modernas: modernismos

Para saber mais:2.3. Metodologias ps-modernas: arte como expresso e cultura

Para saber mais:Referncias Bibliogrficas:

Boto 2: Boto 3: Boto 6: Boto 7: Boto 55: Boto 56: Boto 48: Pgina 4: OffPgina 5:

Boto 49: Pgina 4: OffPgina 5:

Boto 51: Pgina 6: OffPgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Pgina 13: Pgina 14: Pgina 15: Pgina 16: Pgina 17: Pgina 18: Pgina 19: Pgina 20: Pgina 21: Pgina 22: Pgina 23: Pgina 24: Pgina 25: Pgina 26: Pgina 27: Pgina 28: Pgina 29: Pgina 30: Pgina 31: Pgina 32: Pgina 33: Pgina 34:

Boto 52: Pgina 6: OffPgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Pgina 13: Pgina 14: Pgina 15: Pgina 16: Pgina 17: Pgina 18: Pgina 19: Pgina 20: Pgina 21: Pgina 22: Pgina 23: Pgina 24: Pgina 25: Pgina 26: Pgina 27: Pgina 28: Pgina 29: Pgina 30: Pgina 31: Pgina 32: Pgina 33: Pgina 34:

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