Redes Sociais Criam Bolhas Políticas

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  • 8/18/2019 Redes Sociais Criam Bolhas Políticas

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    Antes de os brasileiros a favor e contra a nomeação do ex -presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro

    da Casa Civil invadirem as ruas nas últimas semanas, grande parte deles manifestou seus pontos de vista nasredes sociais. Em seus perfis, compartilharam suas opiniões políticas, convocaram amigos para manifestações,travaram discussões e recorreram a medidas extremas, como deixar de seguir amigos de longa data.

    O que a maior parte dos usuários não sabe é que toda essa atividade é um “prato cheio” para os algoritmos,uma série de códigos baseados em inteligência artificial que estão entranhados no Facebook e em outros sites.Com base no que “aprende” sobre cada usuário, ele mostra mais conteúdos que “acha” que o usuário vaigostar.

    Segundo especialistas consultados pelo Estado , a tecnologia que ajuda o usuário a encontrar maisconteúdo relevante na internet está criando uma “bolha” em torno das pessoas. No caso das disputas políticas,

    o efeito é claro: o usuário sempre tem a impressão de que está certo, já que só tem contato com aqueles quecompartilham de sua visão.

    Usar algoritmos em sites não é uma novidade. Eles ganharam fama em 1996, quando Sergey Brin e LarryPage, cofundadores do Google, escreveram um código para exibir primeiro as páginas da internet maisrelevantes para uma determinada pesquisa. Sites com menor importância e menos links ficavam no fim da lista. A tecnologia – que atualmente leva em conta dezenas de outros fatores – deu origem ao maior buscador desites da internet.

    Com o sucesso do Google, outras companhias da internet criaram algoritmos. No caso das redes sociais, oFacebook passou a exibir postagens dos usuários mediante sua relevância a partir do fim dos anos 2000. Atecnologia foi um dos fatores determinantes para seu sucesso.

    Caixa - preta. Assim como outras empresas, o Facebook nunca revelou em detalhes como seu algoritmofunciona. Pelo que se sabe, ele considera ações dentro do site: ao curtir, compartilhar, comentar ou bloquearconteúdos, o algoritmo “aprende” e passa a exibir apenas o que considera relevante para aquela pessoa. Orestante fica no final do feed de notícias – ou, simplesmente, é ignorado.

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    FONTE:

    “O algoritmo e o usuário coproduzem o feed”, explica o professor de ciência da informação da Universidade deMichigan, Christian Sandvig. “O computador te observa e aprende com o que você clica. Ao mesmo tempo,você decide como responder ao que ele mostra a você.”

    Segundo o Facebook, o algoritmo ajuda o usuário a aproveitar melhor o conteúdo publicado na rede. “Ovolume de conteúdo criado e compartilhado é proporcional ao número de usuários. Assim, o algoritmo é umaforma de permitir que cada pessoa tenha acesso ao que julga mais importante”, disse a empresa, em nota. Atualmente, o Facebook é a rede social mais popular do mundo, com 1,59 bilhão de pessoas conectadas.

    Na prática, se uma pessoa gosta mais de culinária do que esportes, ela interage de maneira positiva compostagens sobre o assunto. Ao compreender esta preferência, o algoritmo exibirá para este usuário aspublicações relacionadas em primeiro lugar. Conteúdos sobre esportes ficarão, automaticamente, em segundoplano.

    “O Facebook tende a filtrar aquilo que é socialmente relevante para um grupo. Isso dá a sensação de que todaa rede social concorda com você”, comenta a professora e pesquisadora de mídias sociais da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, Raquel Recuero.

    Além da maçã. Enquanto o algoritmo se restringe aos gostos pessoais, os efeitos não são nocivos. As coisasmudam de forma, entretanto, quando o conjunto de códigos começa a influenciar na visão política daspessoas. A “bolha política” já foi comprovada por diversos estudos. Um deles – realizado em novembro de2010 pela Universidade da Califórnia, com aval do Facebook – simulou as eleições presidenciais americanas econcluiu que cerca de 340 mil pessoas mudaram de voto após verem uma postagem positiva sobre umcandidatos no topo do feed de notícias. “Seria bastante simples para uma rede social como o Facebookmanipular uma eleição”, diz Sandvig.

    No Brasil, nenhum estudo foi realizado para entender a influência do Facebook na política. Porém, usuários darede social já sentiram na pele os efeitos da “bolha” ao longo das últimas semanas.

    O administrador de empresas Radyr Papini, 37 anos, é a favor do impeachment da presidente Dilma ecompartilha uma média de cinco posts contra o governo por dia. Ele afirma que, em seu feed de notícias, “95%das postagens são contra a presidente”.

    Limitação. Esta sensação de que todos compartilham da mesma opinião causa problemas. A ausência dedebate é um deles. “A experiência, sobretudo no Facebook, não permite que todo usuário seja escutado”,afirma Fábio Malini, coordenador do laboratório de estudos sobre internet e cultura da Universidade Federal doEspírito Santo. Outro fator é o “efeito manada”, que tem consequências nos mundos virtual e real: ao verposições parecidas com a sua, as pessoas reforçam suas opiniões e se sentem mais estimuladas a protestar.

    A solução para essa “bolha” ainda não está clara e a tarefa deve ficar mais difícil no futuro, à medida queoutros sites adotam algoritmos. Nas últimas semanas, Twitter e Instagram anunciaram que vão abandonar acronologia das publicações em favor desses códigos. “É importante que as pessoas estejam conscientes desse processo algorítmico de seleção”, alerta PedroDomingos, autor do livro The Master Algorithm e professor de ciências da computação da Universidade deWashington. “No futuro, ele será usado por outros serviços, que ainda nem imaginamos.”