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REFLEXÕES SOBRE A CRISE MUNDIAL DE 2008 E SEUS POSSÍVEIS CENÁRIOS
ECONÔMICOS, SOCIAIS E GEOPOLÍTICOS
Fernando Alcoforado1
RESUMO
Este artigo tem por objetivo traçar os cenários econômicos e sociais e as mudanças geopolíticas globais resultantes da crise econômica e financeira mundial de 2008. A metodologia adotada consistiu na análise de publicações relacionadas com a crise econômica e financeira mundial e seus desdobramentos. O resultado dos estudos indicou que a crise econômica e financeira mundial de 2008 será prolongada e que dela resultará o declínio dos Estados Unidos e a ascensão da China como a maior potência econômica do planeta. .
ABSTRACT
This article aims to trace the social and economic scenarios and the global geopolitical changes resulting from the economic and financial crisis of 2008. The methodology adopted was the analysis of publications related to the economic and financial crisis of 2008 and its developments. The results of studies indicated that the economic and financial crisis of 2008 will have long duration and that it would result in the decline of the United States and the rise of China as a major economic power in the world.
Palavras chaves: Origens da crise econômica e financeira mundial de 2008. Cenários da
economia mundial. Cenários mundiais no campo social. Mudanças geopolíticas futuras.
Keywords: Origins of the economic and financial crisis of 2008. Scenarios of the world
economy. Scenarios in the social world. Geopolitical changes in the future.
1 FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO é doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, Espanha, em 2003, especialista em Engenharia Econômica e Administração Industrial pela UFRJ- Universidade Federal de Rio de Janeiro em 1971, graduado em Engenharia Elétrica pela UFBA - Universidade Federal de Bahia em 1966, professor universitário, consultor de organizações públicas e privadas nacionais e internacionais nas áreas de planejamento econômico, planejamento e desenvolvimento regional, planejamento de sistemas de energia e planejamento estratégico. Exerceu os cargos de Secretário do Planejamento de Salvador (1986/1987), Subsecretário de Energia do Estado da Bahia (1988/1991), Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Gás Canalizado (1990/1991), Presidente do Clube de Engenharia da Bahia (1992/1993), Diretor do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (1990/1993), Presidente do Instituto Rômulo Almeida de Altos Estudos (1999/2000) e Diretor da Faculdade de Administração das Faculdades Integradas Olga Mettig (2005/2007). É autor dos livros Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (Empresa Gráfica da Bahia, Salvador, 2007), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2007), Um projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), De Collor a FHC- o Brasil e a nova (des)ordem mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998) e Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), entre outros. Há muitos anos é articulista de diversos jornais da imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, A Tarde e Tribuna da Bahia), publicando artigos versando sobre economia e política mundial e brasileira, questão urbana, energia, meio ambiente e desenvolvimento, ciência e tecnologia, administração, entre outros temas. Endereço: Rua do Benjoim, 209/1101, Caminho das Árvores, CEP 41820-340, Salvador, Bahia. Telefone: (71) 33542967. E-mail: [email protected].
1
1. Origens da crise econômica e financeira mundial de 2008
No início de agosto de 2008, surgiu uma crise financeira no setor dos empréstimos
hipotecários nos Estados Unidos que, imediatamente, se propagou para outras partes do
sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam o mercado.
Segundo Gillian Tett2 (2009), os grandes bancos ocidentais jogaram o mundo em uma
recessão. O Banco da Inglaterra diz que os prejuízos dos bancos que tiveram que reajustar os
seus investimentos para preços de mercado são de US$ 3 trilhões, o equivalente a cerca de um
ano de produção econômica do Reino Unido. O Banco de Desenvolvimento Asiático, por sua
vez, estimou que os ativos financeiros em todo o mundo podem ter sofrido uma queda, até
2009, de mais de US$ 50 trilhões - um número equivalente à produção global anual.
Segundo Gillian Tett (2009),
a atual crise é um produto de mudanças que vêm se enraizando silenciosamente no Ocidente há
vários anos. Há meio século, a atividade bancária parecia ser uma arte relativamente simples.
Quando os bancos comerciais estendiam os empréstimos, eles tipicamente mantinham essas
operações dentro de seus próprios sistemas contábeis - e utilizavam cálculos rudimentares
(combinados com as informações sobre os seus clientes) quando decidiam se emprestariam ou não.
Porém, da década de setenta em diante, duas revoluções ocorreram: os bancos passaram a vender o
seu risco de crédito a outros investidores nos prósperos mercados de capital e adotaram complexos
sistemas baseados em computadores para mensurar o risco de crédito que eram frequentemente
importados do setor de ciências puras - e elaborados por luminares da estatística, como Den Braber
do RBS.
não só o sistema financeiro está amargando prejuízos em uma escala que ninguém jamais previu,
mas os pilares da fé sobre os quais o novo capitalismo financeiro foi construído também
praticamente desmoronaram. Isso fez com que todos, dos ministros das finanças aos banqueiros
centrais, dos pequenos investidores aos pensionistas, ficassem destituídos de uma bússola
intelectual, desnorteados e confusos. "O nosso mundo está quebrado - e eu honestamente não sei o
que irá substituí-lo. A bússola segundo a qual conduzíamos os Estados Unidos desapareceu",
afirma Bernie Sucher, diretor de operações em Moscou do Merrill Lynch. "A última vez em que vi
algo desse tipo, em termos de sensação de desorientação e prejuízos, foi entre os meus amigos na
Rússia, quando a União Soviética desmoronou".
até o verão de 2007, a maioria dos investidores, banqueiros e governos acreditava que essas
revoluções representavam "progresso" real que beneficiava a economia como um todo. Os
2 Gillian Tett, PhD em antropologia social pela Universidade de Cambridge, é editor assistente do Financial Times onde faz a cobertura global dos mercados financeiros.
2
reguladores adoravam o fato de os bancos estarem ampliando as exposições de crédito, já que
crises como a de poupanças e empréstimos nos Estados Unidos, na década de oitenta,
demonstraram os perigos de os bancos serem expostos a um tipo concentrado de empréstimo. "A
dispersão do risco de crédito ajudou a tornar o sistema bancário e financeiro mais resistente",
proclamou em abril de 2006 o Fundo Monetário Internacional (FMI), expressando uma crença
ocidental generalizada.
à medida que a inovação no setor financeiro tornou-se mais intensa, ela também passou a ficar
permeada de uma terrível ironia. Em público, os técnicos financeiros na vanguarda da revolução
retratavam as mudanças como medidas que promoveriam uma forma superior de capitalismo de
livre mercado. Quando uma equipe do JPMorgan criou derivativos de crédito na década de 1990
(um contrato definido entre duas partes no qual se definem pagamentos futuros baseados no
comportamento dos preços de um ativo de mercado, normalmente as chamadas “commodities”),
uma palavra-chave favorita na sua literatura de mercado era a afirmação de que tais derivativos
promoveriam "completitude de mercado" - ou mercados livres mais perfeitos.
Em julho de 2007, a fé cega começou a sofrer rachaduras. Nos Estados Unidos a
inadimplência passou a aumentar no setor de hipotecas “subprime” que é um crédito de risco,
concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de
juros mais vantajosa (prime rate) ou para designar uma forma de crédito hipotecário
(mortgage) para o setor imobiliário destinada a tomadores de empréstimos que representam
maior risco. Esse crédito imobiliário tinha como garantia a residência do tomador e muitas
vezes era acoplado à emissão de cartões de crédito ou a aluguel de carros. Agências como a
Standard & Poor's reduziram as classificações de produtos vinculados a hipotecas e admitiram
que os seus modelos matemáticos estavam apresentando defeitos.
Mas quando o índice de inadimplência das “subprime” aumentou, os contadores exigiram que
os bancos reavaliassem os instrumentos utilizados. Por volta da primavera de 2008, o Citi, o
Merrill e o UBS haviam amargado coletivamente um prejuízo de US$ 53 bilhões. Gillian Tett
(2009) afirma que os bancos tentaram tapar este buraco com a obtenção de mais de US$ 200
bilhões em capital novo. Mas o buraco continuou aumentando. Como resultado, a fé na
capacidade dos reguladores de monitorar os bancos desmoronou. A fé nos bancos também
acabou. A seguir, quando os modelos matemáticos perderam a credibilidade, os investidores
desprezaram todas as formas de finanças complexas.
Em setembro de 2008, o último pilar da fé veio abaixo. A maioria dos investidores admitia
que o governo dos Estados Unidos jamais deixaria um grande grupo financeiro fracassar. Mas
3
quando o Lehman Brothers faliu, a desconfiança e a perplexidade aumentaram
exponencialmente. A maior parte dos mercados de crédito desmoronou. Os preços
enlouqueceram. Os bancos e analistas de ativos descobriram que todos os seus modelos
financeiros fragmentaram-se. "Nos mercados de capital, nada mais funcionava", diz o
principal analista de riscos de um grande banco ocidental. Conforme observou algumas
semanas mais tarde Mervyn King, diretor do Banco da Inglaterra, "o sistema estava no
precipício".
Segundo Gillian Tett (2009),
enquanto buscam atualmente novos pilares de confiança para as finanças, os governos estão
intervindo para substituir muitas funções do mercado. O Tesouro dos Estados Unidos está
realizando "testes de estresse" nos bancos, a fim de aumentar a confiança dos investidores. No
Reino Unido o governo está fornecendo aos bancos garantias contra os ativos "tóxicos". Os bancos
e as agências de crédito estão - tardiamente - reformulando os seus modelos. As financeiras e os
reguladores também prometeram tornar a indústria mais transparente e padronizada.
Gillian Tett (2009) pergunta como o mundo chegou aqui?
Uma grande parte da resposta é de que a era da liberalização continha as sementes de sua própria
queda: esse também foi um período de enorme crescimento na escala e lucratividade do setor
financeiro, de inovação financeira frenética, de crescentes desequilíbrios macroeconômicos globais,
de grande endividamento dos lares e de bolhas de preços de ativos, isto é, um desvio no preço justo
do mesmo ou um exagero por parte dos investidores que estariam dispostos a adquirir ativos por
preços incompatíveis com o fluxo de caixa que estes ativos prometem gerar. Ao intervir para
manter suas taxas cambiais baixas e acumular reservas de moeda estrangeira, os governos das
economias emergentes geraram imensos superávits em conta corrente, que reciclaram, juntamente
com os afluxos de capital privado, em fluxos de saída de capital oficial. Entre o final dos anos 90 e
o pico em julho de 2008, apenas as reservas de moeda dos países emergentes cresceram em US$
5,3 trilhão.
Estes fluxos imensos de capital, somados aos superávits tradicionais de vários países ricos e
os crescentes superávits dos exportadores de petróleo, foram parar em grande parte em um
pequeno número de países ricos e particularmente nos Estados Unidos. No pico, os Estados
Unidos absorveram cerca de 70% do superávit poupado do restante do mundo. Enquanto isso,
dentro dos Estados Unidos, a razão de endividamento dos lares em relação ao PIB saltou de
66%, em 1997, para 100% uma década depois. Saltos ainda maiores no endividamento dos
4
lares ocorreram no Reino Unido. Estes aumentos nas dívidas dos lares foram apoiados, por
sua vez, por sistemas financeiros altamente elásticos e inovadores e, nos Estados Unidos, por
programas do governo.
Gillian Tett (2009) afirma que
estamos testemunhando a crise financeira mais profunda, ampla e perigosa desde os anos 1930.
Como os professores Reinhart e Rogoff argumentam em outro trabalho, "as crises bancárias estão
associadas a profundos declínios na produção e emprego". Isto se deve em parte aos balancetes
estendidos além do limite: nos Estados Unidos, a dívida geral atingiu o pico recorde de pouco
menos de 350% do PIB - 85% dela privada. Isto em comparação a pouco mais de 160% em 1980.
Entre os resultados possíveis deste choque estão déficits fiscais imensos e prolongados nos países
com grandes déficits externos, à medida que tentam manter a demanda, uma recessão mundial
prolongada, um ajuste brutal da balança global de pagamentos, um colapso do dólar, alta da
inflação e protecionismo. A transformação certamente será mais profunda no próprio setor
financeiro.
Segundo Gillian Tett (2009), o brilhante novo sistema financeiro - apesar de todos seus
participantes talentosos, apesar de todas as suas ricas recompensas - fracassou no teste de
mercado. Em um recente trabalho, Andrew Haldane, o diretor executivo de estabilidade
financeira do Banco da Inglaterra, mostra quão pouco os bancos entendiam os riscos que
supostamente deveriam administrar. Ele atribui estes fracassos a uma "miopia de desastre" (a
tendência de subestimar os riscos), uma falta de consciência da "rede de externalidades"
(contaminações de uma instituição para outras) e "incentivos desalinhados" (o lado positivo
para os empregados e o lado negativo para os acionistas e contribuintes).
Gillian Tett (2009) afirma ainda que
após a crise, nós certamente "veremos um setor financeiro menos orgulhoso". Os mercados
imporão uma disciplina brutal, mesmo que temporária. A regulamentação governamental também
endurecerá. Menos claro é se os autores de políticas contemplarão soluções estruturais com uma
separação do sistema bancário comercial do sistema bancário de investimento ou uma redução
forçada do tamanho e complexidade das instituições consideradas grandes demais ou
interconectadas demais para falirem. Também é possível imaginar um retorno de grande parte da
atividade bancária ao mercado doméstico, à medida que os governos cada vez mais dêem as cartas.
Neste caso, haveria uma "desglobalização".
5
Outra conclusão de Gillian Tett (2009) é o de que o colapso financeiro provocaria uma
desaceleração industrial mundial. Ela também está se espalhando por todo setor significativo
da economia real, grande parte da qual está clamando por assistência e que a busca por
segurança fortalecerá o controle político sobre os mercados. Uma mudança das políticas
significa privilegiar uma mudança para o nacional e longe do global. Isto já está evidente nas
finanças. Também é visto na determinação de resgatar os produtores nacionais. Mas a
intervenção protecionista provavelmente se estenderá muito além dos casos vistos até agora
que é só o começo.
Paul Krugman3 (2009) afirma que,
o fato é que os recentes números econômicos são assustadores, não apenas nos Estados Unidos,
mas ao redor do mundo. O setor manufatureiro, em particular, está despencando em toda parte. Os
bancos não estão emprestando, as empresas e os consumidores não estão gastando. Não vamos
medir palavras: isto se parece muito com o início da segunda Grande Depressão.
O economista francês François Chesnais4 (2008) afirma que o efeito da crise financeira sobre
a economia real atingiu os mercados emergentes mais duramente do que as economias
desenvolvidas, com o colapso dos fluxos de comércio e uma queda dramática nos preços das
“commodities”. Está claro que aqueles mais duramente atingidos serão os mais pobres -
especialmente na África- que possuem menos com que contar. Depois desses, os mais
duramente atingidos serão os produtores de “commodities” que sempre enfrentaram grandes
problemas sociais e demográficos, como os ricos em energia (Rússia, Irã, Nigéria e
Venezuela). Até mesmo os produtores de petróleo do Golfo foram afetados. Todos se
acostumaram à exportação e receitas inchadas e estão enfrentando ajustes.
Gillian Tett (2009) afirma que
a capacidade do Ocidente em geral e dos Estados Unidos em particular de influenciar o curso dos
eventos futuros será também comprometida. O colapso do sistema financeiro ocidental, enquanto a
3 Paul Krugman, economista, colunista do The New York Times, professor de Economia e Assuntos Internacionais da Universidade Princeton, é detentor do Nobel de Economia de 2008.4 François Chesnais, especialista em economia industrial e economia da inovação tecnológica, membro do Laboratório de Pesquisa Larea-Cere na Universidade de Paris-X Nanterre e professor da Universidade de Paris-XIII Villetaneuse, foi economista da Direção de Ciência, Tecnologia e Indústria (DSTI) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
6
China floresce, marca um fim humilhante para o "momento unipolar", isto é, de dominação dos
Estados Unidos. Enquanto os autores de políticas ocidentais enfrentam dificuldades, a credibilidade
deles está arruinada. Quem ainda confia nos professores? Estas mudanças colocarão em risco a
capacidade do mundo não apenas de administrar a economia global, mas também de lidar com os
desafios estratégicos representado por Estados frágeis, terrorismo, mudança climática e a ascensão
de novas grandes potências. No extremo, a integração da economia global da qual quase todos
agora dependem pode ser revertida.
Gillian Tett (2009) afirma que a era da liberalização financeira acabou. Mas, diferente dos
anos 1930, não existe nenhuma alternativa à vista para a economia de mercado. Segundo Tett
(2009), para saber para onde o capitalismo está rumando, é imperativo entender mais
claramente o que ocorreu de tão errado com o sistema financeiro do século 21. Sem dúvida o
que não falta são potenciais culpados: ganância desbragada, regulações destituídas de rigor,
políticas monetárias excessivamente flexíveis, empréstimos fraudulentos e fracasso gerencial.
Tudo isso desempenhou um papel - conforme ocorreu em períodos anteriores de prosperidade
e crise. Um outro problema que influiu na crise foi a extraordinária complexidade e opacidade
do sistema financeiro moderno. Nas duas últimas décadas, uma onda de inovação remodelou a
forma como os mercados funcionam, de uma maneira que dava a impressão de resultar em
grandes benefícios para todas as partes. Mas essa inovação tornou-se tão intensa que
atropelou a capacidade de compreensão dos banqueiros mais comuns - isso para não
mencionar os reguladores.
Michel Chossudovsky5 (2009) afirma que
a leitura conjunta dos livros de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme américain? — e de
Aglietta e Berrebi (Désordres dans le capitalisme mondial. Paris: Odile Jacob, 2007) é muito útil.
O primeiro permite compreender por que era quase inevitável que o choque ocorresse no setor
hipotecário norte-americano.
Paul Jorion lança um olhar bem severo sobre práticas financeiras que ele não hesita em caracterizar
como quase permanente e intrinsecamente fraudulentas, mesmo nos casos em que, como no da
Enron, não se abriu nenhum processo penal. Aglietta e Berrebi, por seu turno, explicam de que
modo a atual fase do capitalismo só pode gerar, em intervalos próximos, crises financeiras cujo
epicentro é os Estados Unidos.
5 Michel Chossudovsky, economista canadense, professor visitante de instituições acadêmicas na Europa, América Latina e Sudeste da Ásia, tem atuado como assessor econômico de países em desenvolvimento e como consultor de organizações internacionais.
7
Um dos grandes problemas enfrentados pelo sistema capitalista mundial é o da necessidade de
expansão da demanda para dar sustentação à produção de bens e serviços. Chossudovsky
(2009) afirma que
para manter um nível de atividade elevado no planeta, “é necessária uma demanda dinâmica”. Ao
menos por enquanto, ela não provém dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde a
distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do consumo interno
e onde os excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos Estados Unidos. A
demanda também não pode ter como origem as rendas salariais, cujo crescimento é fraco. Ela
provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente, mas sua massa global é
insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento rápido. A resposta a esse dilema
encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o capitalismo contemporâneo encontra a
demanda que permite realizar as exigências do valor acionário.
O economista francês François Chesnais (2008) afirma que
um dos meios utilizados para superar os limites do capital das economias centrais foi que todas elas
recorreram a criação de formas totalmente artificiais de ampliação da demanda efetiva, que,
somando-se a outras formas de criação de capital fictício, geraram as condições para a crise
financeira que está se desenvolvendo hoje.
para Marx, o capital fictício é a acumulação de títulos que são “sombra de investimentos” já feitas
mas que, como títulos de bônus e de ações aparecem com o aspecto de capital aos seus possuidores.
Não o são para o sistema como um todo, para o processo de acumulação, mas o são para os seus
possuidores e, em condições normais de fechamento dos processos de valorização do capital,
rendem aos seus donos dividendos e rendimentos. Mas seu caráter fictício se revela em situações de
crise. Quando sobrevêm crises de superprodução, quebra de empresas, etc, se adverte que esse
capital não existia.
é devido ao capital fictício que se pode ler às vezes nos jornais que tal ou qual a quantidade de
capital desapareceu em alguma “sacudida do mercado”. Essas somas nunca haviam existido como
capital propriamente dito, apesar de que, para os donos dessas ações, representavam títulos que
davam direito a dividendos. Um dos grandes problemas de hoje é que em muitos países os sistemas
de aposentadoria estão baseados no capital fictício, com pretensões de participação nos resultados
de uma produção capitalista que pode desaparecer em momentos de crise.
o processo de liberalização e globalização financeira dos anos 1980 e 1990 esteve baseado na
acumulação de capital fictício, sobretudo nas mãos de fundos de investimentos, fundo de pensões,
fundos financeiros. E a grande novidade desde finais ou meados dos anos 1990 e ao longo dos anos
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2000 foi, nos Estados Unidos e na Grã Bretanha em particular, o impulso extraordinário que se deu
à criação do capital fictício na forma de crédito. De crédito a empresas, mas também e, sobretudo,
de crédito habitacional, créditos ao consumo e a maior parte em créditos hipotecários.
isso contribuiu para dar um salto na massa de capital fictício criado, originando formas ainda mais
agudas de vulnerabilidade e fragilidade, inclusive frente a choques menores, inclusive frente a
episódios absolutamente previsíveis. Por exemplo, se sabia que um “boom” imobiliário termina
inexoravelmente e que no mercado acionário existia a ilusão de que não havia limites para a alta no
preço das ações. Com base em toda a história prévia se sabia que a expansão não seria sustentável
nem no setor imobiliário nem no mercado de ações. Quando se trata de edifícios e casas e mercado
de ações é inevitável que chegue o momento em que o “boom” acaba.
o fim da prosperidade, que era um fato normal e previsível, se transformou numa crise tremenda.
Acrescenta-se a tudo isto, o fato de que, durante os últimos dois anos, os empréstimos foram feitos
nos Estados Unidos a famílias sem a menor capacidade de pagamento. E, além disso, tudo se
combinou com as novas “técnicas” financeiras permitindo-se assim que os bancos vendessem
bônus em condições tais que ninguém podia saber exatamente o que estava comprando até a forte
explosão dos “subprime”em 2007.
François Chesnais (2008) levanta uma grande indagação se, a curto prazo, a demanda interna
da China poderá passar a ser o lugar que garanta esse momento de realização da mais-valia
(taxa de exploração, segundo Marx, que corresponde à diferença entre o valor produzido pelo
trabalho e o salário pago ao trabalhador) que se dava nos Estados Unidos. A acumulação de
capital na China se fez com base em processos internos, mas também com base em algo que
está perfeitamente documentado, mas pouco comentado: o deslocamento de uma parte
importantíssima do Setor II da economia, o setor da produção de bens de consumo, dos
Estados Unidos para a China. E isto tem muito a ver com o volume dos déficits americanos (o
comercial e o fiscal), que só poderiam reverter-se por meio de uma reindustrialização dos
Estados Unidos.
Isto significa dizer que se estabeleceram novas relações entre os Estados Unidos e China. Não
se trata já mais das relações de uma potência imperialista com um país semicolonial. Os
Estados Unidos criaram relações de novo tipo, que agora têm dificuldades de reconhecer e
assumir. Com base no superávit comercial, a China acumula milhões e milhões de dólares,
que logo empresta aos Estados Unidos. São relações internacionais de um tipo totalmente
novo.
9
Na Europa é evidente a tendência a uma aceleração da destruição de forças produtivas e de
postos de trabalho para deslocar-se para o único paraíso do mundo capitalista hoje que é a
China. Na China se deu internamente um processo de competição entre capitais, que se
combinou com processos de competição no aparato político chinês, e de competição para
atrair empresas estrangeiras, o que resultou num processo de criação de imensas capacidades
de produção. Além da capacidade de violentar a natureza em enorme escala, também na
China se concentra uma superacumulação de capital que em um dado momento se tornará
insustentável.
Segundo Chesnais (2008), as fases desta crise são distintas das de 1929, porque a crise de
superprodução dos Estados Unidos se constatou desde os primeiros momentos. Da mesma
forma que ocorreu com a crise de 1929 e nos anos 1930, ainda que em condições e formas
distintas, a crise se combinará com a necessidade, para o capitalismo, de uma reorganização
total da expressão de suas relações de forças econômicas no contexto mundial, marcando o
momento em que os Estados Unidos verão que sua superioridade militar é somente um
elemento, e um elemento bastante subordinado, para renegociar suas relações com a China e
outras partes do mundo. Ou chegará o momento no qual se dará o salto a uma aventura militar
de imprevisíveis consequências.
Chesnais (2008) constata também que
estamos diante do risco de uma catástrofe, mas já não do capitalismo, e sim de uma catástrofe da
humanidade. De certa forma, se levarmos em conta a crise climática, possivelmente já existe algo
deste tipo.
ocorreu em 2008, uma verdadeira ruptura que deixa para trás uma longa fase de expansão da
economia capitalista mundial; e que essa ruptura marcou o início de um processo de crise com
características que são comparáveis com a crise de 1929, ainda que venha a se desenvolver em um
contexto muito distinto. Estamos frente a um destes momentos em que a crise vem expressar os
limites históricos do sistema capitalista.
entramos numa fase onde está colocada a possibilidade real de uma crise da humanidade, dentro de
complexas relações onde estão também os acontecimentos bélicos, mas o mais importante é que,
mesmo excluindo a possibilidade de uma guerra de grande amplitude que no presente só poderia
ser uma guerra atômica, estamos enfrentando um novo tipo de crise, a uma combinação desta crise
econômica que se iniciou com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menor consideração e
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golpeada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal. Isto é algo quase
excluído de nossas discussões, mas que vai se impor como um fato central.
o processo de liberalização e desregulamentação levadas à cabo em escala mundial, com a
incorporação do antigo campo soviético e a incorporação e modificação das relações de produção
na China significou o desmantelamento dos poucos elementos regulatórios que se construíram no
marco mundial ao sair da Segunda Guerra Mundial, para entrar em um capitalismo totalmente
desregulamentado. Não somente desregulamentado, mas também um capitalismo que criou
realmente o mercado mundial no sentido pleno da expressão, transformando em realidade o que era
para Marx uma intuição ou uma antecipação.
Chesnais (2008) advoga a tese de que
durante os últimos quinze anos se desenvolveram, em determinados pontos do sistema, grupos
industriais capazes de integrarem-se como sócios de pleno direito aos oligopólios mundiais. Tanto
na Índia como na China se conformaram verdadeiros e fortes grupos econômicos capitalistas. E no
plano financeiro, como expressão do rentismo e do parasitismo puro, os chamados Fundos
Soberanos (instrumento financeiro adotado por alguns países que administram as imensas reservas
de divisas dos países exportadores que tiveram suas receitas multiplicadas de maneira formidável
nos últimos anos e vem sendo utilizadas, na maioria das vezes, para adquirir participações em
empresas estrangeiras, com objetivos financeiros e estratégicos) se converteram em importantes
pontos de centralização do capital em forma de dinheiro, que são meros satélites dos Estados
Unidos, têm estratégias e dinâmicas próprias e modificam de muitas maneiras as relações
geopolíticas dos pontos chave em que a vida do capital se faz e se fará.
Chesnais (2008) opina que estamos diante de um perigo iminente. O fato de que tudo isto
ocorra depois de uma tão longa fase, sem paralelos na história do capitalismo, de 50 anos de
acumulação ininterrupta (salvo uma pequeníssima ruptura em 1974/1975), assim como
também tudo o que os círculos capitalistas dirigentes, e em particular os bancos centrais,
aprenderam da crise de 1929, tudo isso faz com que a crise avance de maneira bastante lenta.
Os bancos centrais e os governos podem proclamar que acordarão entre si e colaborarão para
impedir a crise, mas Chesnais (2008) não crê que se possa introduzir a cooperação no espaço
mundial convertido em cenário de uma tremenda competição entre capitais. E agora, a
competição entre capitais vai muito além das relações entre os capitais das partes mais antigas
e desenvolvidas do sistema mundial com os setores menos desenvolvidos sob o ponto de vista
capitalista. Porque em formas particulares e inclusive muito parasitárias, no cenário mundial
se deram processos de centralização do capital por fora do marco tradicional dos centros
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imperialistas: em relação com eles, mas em condições que também introduzem algo
totalmente novo na cena mundial.
2. Cenários da economia mundial
Ocorreu em 2008, uma verdadeira ruptura que deixa para trás uma longa fase de expansão da
economia capitalista mundial e que essa ruptura marcou o início de um processo de crise com
características que são comparáveis com a crise de 1929, ainda que venha a se desenvolver
em um contexto muito distinto. Da mesma forma que em 1929, os bancos estiveram no
epicentro da crise, e no início do ano parecia que muitos deles poderiam falir como o Lehman
Brothers ou serem estatizados, como de fato ocorreu com alguns deles. Esse quadro se refletiu
em forte queda nas bolsas, um aumento recorde nos “spreads” de risco em operações de
crédito, inclusive nos empréstimos interbancários, e uma fuga para os títulos públicos.
O ano de 2009 começou sob a ameaça de nova depressão econômica que a economia mundial
não enfrentava desde a década de 1930. O sistema capitalista mundial só não entrou em
depressão após a crise de 2008 graças às intervenções governamentais realizadas em todo o
mundo. Diferentemente do que aconteceu na década de 1930, o setor público reagiu
rapidamente à queda na demanda e no crédito privados, expandindo suas atividades com
pacotes de gastos, isenções tributárias e farta oferta de crédito, inclusive por meio dos bancos
centrais, como nos Estados Unidos, área do euro e Reino Unido. Junto com o Japão, esses
países também passaram o ano com taxas de juros próximas a zero. Na China, o governo não
só adotou um grande pacote tributário, como expandiu o crédito numa escala nunca antes
registrada.
O colapso financeiro do sistema capitalista mundial provocou uma desaceleração industrial
mundial em 2009. Ela também está se espalhando por toda a economia real, grande parte da
qual ainda está clamando por assistência. A busca por segurança está fortalecendo o controle
político dos Estados nacionais sobre os mercados. O mundo termina 2009 com a economia
mundial em recessão contabilizando um prejuízo acumulado muito grande. No seu
prognóstico, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu que em 2009 o PIB mundial
cairia e o comércio internacional contrairia como de fato aconteceu.
O ano de 2010 foi um ano com taxas de desemprego ainda altas na economia global e com
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volatilidade acima do normal no mercado financeiro mundial. Com o PIB mundial crescendo
abaixo do potencial, a geração de empregos foi insuficiente para absorver todos os
desempregados e os novos ingressantes no mercado de trabalho. As dúvidas sobre a saúde
financeira das empresas, em especial dos bancos, e, crescentemente, das contas públicas ainda
são muitas. O alto desemprego persistente em todo o mundo e um baixo crescimento da
economia mundial poderão até mesmo ameaçar a própria globalização.
As fraquezas fundamentais do setor financeiro mundial ainda não foram solucionadas.
Dúvidas também permanecem sobre o funcionamento do sistema monetário internacional
baseado no dólar cujo valor se encontra em queda, os alvos corretos para a política monetária,
a gestão dos fluxos globais de capital, a vulnerabilidade das economias dos países emergentes,
como demonstrado na Europa central e oriental, e, também, a fragilidade financeira
demonstrada ao longo das últimas três décadas. Ainda estão à espera de solução os problemas
relacionados com a regulação da economia mundial. Sem esta regulação, o sistema capitalista
mundial estará sempre sujeito a crises sucessivas.
Há muita especulação quanto à evolução futura da economia mundial. Alguns analistas
advogaram a tese de que a economia mundial teria uma evolução em “V”, isto é, apresentaria
no primeiro momento recessão com queda no crescimento cuja retomada aconteceria
imediatamente após atingir o ponto mais baixo. Outros consideraram o crescimento em “U”,
isto é, haveria recessão com a queda no crescimento econômico seguida de um longo período
de depressão após a qual ocorreria a retomada do crescimento e os mais pessimistas,
defenderam uma evolução em “L”, isto é, haveria recessão seguida de depressão sem
perspectiva de crescimento. Neste último caso, a retomada do crescimento só aconteceria com
a edificação de uma nova ordem econômica mundial.
Nouriel Roubini (2009) apresentou nova forma de evolução da economia mundial, em “W”,
em seu artigo “Cresce o risco de nova contração”. Neste artigo, Roubini afirma que,
existem duas razões para que exista risco ascendente de uma recessão de duplo mergulho, em forma de
W. Para começar, existem riscos associados às estratégias de saída para o grande relaxamento da política
monetária e de estímulo fiscal: as autoridades serão criticadas por agir e também por não agir. Caso
decidam levar a sério os grandes déficits fiscais e decretem aumento de impostos, corte de gastos e
redução da liquidez excessiva poderão solapar a recuperação e levar a economia a uma estagdeflação
(recessão e deflação).
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O jornal Folha de São Paulo (2009) informava que o Fundo Monetário Internacional (FMI)
afirmava que o mundo já ensaiava sair da pior recessão do pós-Segunda Guerra, mas que uma
recuperação mais firme poderá demandar mais tempo do que o previsto. Segundo o FMI a boa
notícia é que as forças que vinham empurrando a economia global para baixo estão perdendo
força. Mas a má notícia é que ainda é muito fraca a força que nos empurra para cima, disse o
economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, ao anunciar as novas previsões contidas no
relatório "Panorama da Economia Mundial". Isto significa dizer que o FMI defendia uma
evolução entre “V” e “U” para a economia mundial.
O futuro da economia mundial depende da solução que seja dada às relações econômicas
entre os Estados Unidos e a China, à gigantesca dívida pública dos Estados Unidos, à
recuperação do sistema financeiro mundial, à regulação da economia mundial e aos potenciais
conflitos sociais. O primeiro problema que precisa ser solucionado é o das relações
econômicas entre Estados Unidos e a China. Este problema decorre, de um lado, do fato das
reservas monetárias chinesas estarem financiando decisivamente o crescimento do déficit dos
Estados Unidos e, de outro, o mercado dos Estados Unidos representar o principal destino das
exportações chinesas. Com a receita gerada por enormes excedentes comerciais com os
Estados Unidos - e as políticas que mantêm sua moeda artificialmente baixa - Pequim é o
maior investidor em títulos do Tesouro norte-americano.
O aparente controle financeiro da China sobre os Estados Unidos vem ganhando grande
destaque. Ressalte-se que o acúmulo por parte da China de uma enorme reserva em divisas
estrangeiras (US$ 2 trilhões) é efeito colateral de um modelo econômico demasiado
dependente das exportações. O enorme superávit comercial da China é fruto de um Yuan
subvalorizado que vem permitindo que outros países consumam bens chineses às custas da
própria população chinesa. A China não pode vender as reservas de seu Tesouro sem
desencadear o próprio colapso do dólar que supostamente teme. Um aspecto fundamental a
considerar é que se os Estados Unidos adotarem a política de reduzir seus déficits levaria o
país a comprar menos produtos chineses.
A cúpula entre os governos chinês e norte-americano realizada em 2009 teve por objetivo
iniciar conversações para procurar soluções conjuntas, apesar das divergências sobre a moeda,
para o déficit orçamentário norte-americano e o fosso comercial (exportações – importações)
entre os dois países, entre outros. O governo Obama manteve a intenção de se centrar na
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diferença na balança comercial frisando que a China não deve contar com os consumidores
norte-americanos para fazer a economia global sair da recessão, porque o consumo das
famílias norte-americanas estava em contração. Isto significa dizer que a China teria que
necessariamente impulsionar o consumo interno para manter seu crescimento econômico e
contribuir para uma mais rápida, porém mais equilibrada e sustentável recuperação global.
Os Estados Unidos se defrontam com um pesado déficit em conta corrente, tornando-se o
maior detentor de dívida externa do mundo. Se os Estados Unidos não apertarem o cinto,
colocando em xeque o “american way of life”, e começarem a perseguir déficits em conta
corrente menores e balança comercial superavitária vão ter que decretar moratória. Ressalte-
se que as obrigações dos Estados Unidos devem somar um montante superior a 3 trilhões de
dólares. No entanto, se os Estados Unidos adotarem a política de apertar o cinto, reduzir
déficits e tornar superavitária sua balança comercial haveria o comprometimento do comércio
internacional dado o peso da economia norte-americana. Isto significa dizer que, qualquer que
seja a solução para a economia norte-americana, a crise global atual terá continuidade
avançando da recessão em que se encontra à depressão crônica. A evolução da economia
mundial seria, portanto, em “L”.
Martin Wolf (2009), articulista do Financial Times, perguntava se “a economia mundial está
saindo da crise? O mundo aprendeu as lições certas? A resposta para ambas as perguntas é:
até certo ponto. Nós fizemos algumas coisas acertadas e aprendemos algumas das lições
certas. Mas nem fizemos o suficiente e nem aprendemos o suficiente”. Wolf afirma ainda que
devemos colocar estas notícias, por mais bem-vindas que sejam, em contexto. O pior da crise
financeira pode ter ficado para trás, mas o sistema financeiro continua subcapitalizado e
carregando um fardo ainda desconhecido de ativos duvidosos. Pelo contrário, ele está
escorado por um imenso apoio explícito e implícito dos contribuintes. A probabilidade de
prejuízo à frente é próxima de 100%.
A subcapitalização do sistema financeiro impacta negativamente sobre a economia real
inibindo o financiamento do setor produtivo e do comércio internacional. Muitos países estão
sofrendo quedas acentuadas em suas receitas de exportação devido à redução da demanda
mundial resultante da recessão global, mas também em conseqüência da retração do crédito
para exportação. Teme-se que, na tentativa de cada país estimular sua própria economia na
conjuntura atual associada à adoção de medidas protecionistas, leve a uma reação em cadeia.
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Isso reduziria o comércio internacional, aumentaria o desemprego e autoalimentaria a crise
em cada país e em escala global. A busca de vantagens em cada país levaria ao pior cenário
para todos: a depressão da economia mundial. Muitos analistas temiam que se repetisse o que
aconteceu durante a Grande Depressão, nos anos 1930. A volta do
protecionismo representaria um sério risco para a continuidade do processo de globalização.
Martin Wolf (2009) afirmava também que por trás do excesso de capacidade e dos enormes
aumentos nos déficits fiscais estava o desaparecimento do consumidor que gasta muito,
principalmente nos Estados Unidos. A prudência do setor privado provavelmente perdurará
em um mundo pós-bolha caracterizado por montanhas de dívida. Aqueles que esperam um
retorno rápido aos negócios de costume de 2006 estão fantasiando. Uma recuperação lenta e
difícil, dominada pela desalavancagem e riscos deflacionários, era a perspectiva mais
provável. Os déficits fiscais permanecerão imensos por anos. As alternativas -liquidação do
excesso de dívida por meio de um aumento da inflação ou falência em massa- não serão
permitidas. A alta dependência de uma expansão monetária imensa e déficits fiscais nos
países que antes consumiam muito serão insustentáveis no final. A visão de Wolf é a de que a
evolução da economia mundial ocorreria em “U”.
Segundo Martin Wolf (2008),
o mundo está sem tomadores de empréstimo privados dispostos e dignos de crédito. O colapso
espetacular do sistema financeiro ocidental é um sintoma deste grande fato. A curto prazo, os
governos substituirão os setores privados como tomadores de empréstimos. Mas isso não pode
durar para sempre. A longo prazo, a economia global terá que se reequilibrar. Se os países com
superávit não expandirem a demanda doméstica em relação à produção potencial, a economia do
mundo aberto poderá até mesmo quebrar. Como nos anos 30, este agora é um risco real.
Analisando a economia mundial, Chesnais (2008) constatou que
seria preciso encontrar remédios para a taxa de poupança. Ela é baixa demais em alguns países, alta
demais em outros. Os Estados Unidos, onde ela se tornou negativa, e a China representam os polos
extremos dessa distorção. A reconstituição de uma taxa de poupança que deixasse de fazer dos
Estados Unidos a sede, quando não o transmissor mais imediato, de crises financeiras sucessivas
“requer uma consolidação orçamentária incompatível com as orientações políticas da maioria
conservadora no poder. Implica, sobretudo, uma recuperação considerável da poupança das
famílias. Isso supõe uma revisão dilacerante do consumo a crédito, combinado com o desperdício
aterrorizante dos recursos não renováveis, que constitui o modo de vida norte-americano.
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Para Wolf (2009), quanto mais forte for o crescimento da demanda nos países com superávit,
em relação ao PIB potencial, e mais poderoso for o reequilíbrio global, mais saudável seria a
recuperação global. Isso vai acontecer? Wolf duvida. O alto desemprego persistente e um
baixo crescimento poderão até mesmo ameaçar a própria globalização. As fraquezas
fundamentais do setor financeiro ainda não foram tratadas. Dúvidas também permanecem
sobre o funcionamento do sistema monetário internacional baseado no dólar, os alvos corretos
para a política monetária, a gestão dos fluxos globais de capital, a vulnerabilidade das
economias emergentes, como demonstrado na Europa central e oriental, e, também, a
fragilidade financeira demonstrada com tanta frequência e tão dolorosamente ao longo das
últimas três décadas.
3. Cenários mundiais no campo social
O principal problema social resultante da crise econômica e financeira mundial de 2008 é o
desemprego que já está assumindo proporções gigantescas. O Diário da Manhã publicou
artigo de Marcos Cintra6 (2009) sob o título Desemprego no mundo e no Brasil. O texto do
artigo é o seguinte:
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) produziu o relatório “Global Employment Trends” e
nele estima que a recessão global pode gerar em 2009, relativamente a 2007, um contingente
adicional de desempregados entre 18 milhões e 30 milhões de pessoas, mas esse número pode chegar
a 50 milhões caso o quadro continue se deteriorando.
O relatório da OIT aponta que em economias ricas como os Estados Unidos, Canadá, União
Europeia, Japão, entre outras, os desempregados adicionais poderão variar entre 4 milhões e 11
milhões de pessoas. No Leste e Sul da Ásia o desemprego pode atingir entre 8 milhões e 26 milhões
de trabalhadores. Na Europa Oriental, Oriente Médio e África esse contingente ficaria entre 3
milhões e 10 milhões.
A OIT não disponibiliza no relatório dados referentes a países, fazendo-o apenas para regiões. No
caso dos Brasil as informações estão contidas na América Latina e Caribe, onde a estimativa é que os
desempregados poderão variar entre 2 milhões e 4 milhões de trabalhadores nos quase 50 países que
compõem a região.
Os dados da OIT revelam que a turbulência econômica mundial iniciada nos Estados Unidos terá um
6 Marcos Cintra, doutor em Economia pela Universidade Harvard, é professor e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.
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impacto mais devastador sobre o mercado de trabalho nos países ricos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, o número de desempregados hoje já é de 12,5 milhões de pessoas, sendo que esse
contingente era de pouco mais de 7 milhões em 2007.
Na Europa o desemprego atingiu 8% em dezembro do ano passado, a mais alta dos últimos dois
anos, e no Japão a indústria anuncia com frequência cortes de funcionários e a estimativa é que cerca
de 30 mil dekasseguis voltem ao Brasil por conta disso.
A situação do mercado de trabalho no Brasil em função da crise global é relativamente boa quando
comparada com a dos países ricos da Europa, América do Norte e Japão. O desemprego preocupa
por aqui, mas a situação é mais dramática lá fora, como projeta a OIT.
O governo federal vem reorientando as diretrizes da política macroeconômica fortalecendo o
mercado interno para compensar a retração mundial. Mas é preciso dissipar o ambiente
extremamente ruim que se criou, e que aumenta o drama dos trabalhadores brasileiros, e buscar
alternativas que evitem cortes de funcionários.
Uma alternativa que coloco em debate poderia distribuir melhor o impacto da crise sobre o setor
produtivo. Em vez de simplesmente cortar postos de trabalho as empresas poderiam negociar com os
sindicatos uma redução nos salários na exata proporção das pretendidas demissões. Se uma empresa
concluísse que teria que cortar, por exemplo, 20% de sua folha salarial, essa redução se daria não
com cortes de pessoal, mas através da diminuição de salários nessa mesma proporção.
Certamente, haveria um consenso dentre os trabalhadores, que prefeririam manter seus empregos,
mesmo que recebendo menos, do que perder o emprego e conviver com rendimento zero. Além
disso, a tendência é que mesmo que encontre outro trabalho, numa situação de crise, sua
remuneração para o mesmo cargo provavelmente seja reduzida.
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, declarou ao jornal El País (2009) da
Espanha que havia o risco de uma "grave crise humana e social", por causa da crise
econômica atual, se não forem tomadas as medidas adequadas a tempo. O titular do Banco
Mundial alertou que o cenário atual ainda era imprevisível e que é melhor "estar preparado".
"O que começou como uma grande crise financeira e se converteu em profunda crise
econômica, agora está derivando para uma grande crise de desemprego".
O titular do Banco Mundial não rechaçou a hipótese de uma retomada da economia mundial,
como várias autoridades dos países mais desenvolvidos têm sugerido. Mas advertiu que "será
uma recuperação de baixa intensidade, durante um tempo prolongado", e acrescentou: "o
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desemprego vai continuar crescendo". "A probabilidade de uma grande depressão é baixa,
porém nunca nula", afirmou.
O Jornal de Notícias (2009) publicou texto em 04/05/2009 sob o título Aumento do
desemprego pode provocar crise social. Este texto informava o seguinte:
O presidente do Eurogrupo, o também primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker,
afirmou que o desemprego está a crescer até "níveis inquietantes". Os ministros das Finanças da
zona euro (Eurogrupo) alertaram para o risco de que a crise econômica e financeira que afeta a
Europa traga consigo uma "crise social", provocada pelo aumento acentuado do desemprego.
No final da reunião mensal do Eurogrupo, o seu presidente, o também primeiro-ministro do
Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, afirmou que o desemprego está a crescer até "níveis
inquietantes" e considerou que os governos da região devem dirigir "todos os seus esforços" para
combater a situação.
Segundo as novas previsões econômicas publicadas hoje pela Comissão Europeia, a taxa de
desemprego nos países da zona euro deverá crescer até aos 9,9 por cento em 2009, devendo atingir
os 11,5 por cento em 2010. Jean-Claude Juncker pediu ainda "responsabilidade social" às
empresas, advertindo que no atual contexto devem evitar recorrer às demissões coletivas como
medida de redução de custos.
O presidente do Eurogrupo sublinhou que não se pode subestimar o "caráter explosivo" que tem o
aumento do desemprego e os problemas que pode gerar, lembrando ainda que os mais prejudicados
por este elemento são os estratos sociais mais baixos. No seu encontro de hoje, dedicado quase
exclusivamente à análise das novas previsões econômicas de Bruxelas, os responsáveis da política
econômica da Zona Euro concordaram ainda que, de momento, não são necessárias mais medidas
de impulso conjuntural na Europa.
Jean-Claude Juncker insistiu que o esforço que a Europa realizou para combater a crise é
equivalente ao dos Estados Unidos e reiterou que "não se vê necessidade de aumentar o volume" de
fundos injetados na economia.
O site Terra.com.br (2009) publicou texto em 22 de abril de 2009 sob o título Crise
financeira pode levar à crise social na Ásia, diz OIT . O texto é o seguinte:
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) disse nesta quarta-feira, em reunião em Manila,
nas Filipinas, que a crise econômica e financeira internacional pode trazer o risco de uma crise
social na Ásia, onde a agência prevê que haverá mais 23,3 milhões de desempregados e mais de
140 milhões de pobres este ano.
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"Se enfrentarmos uma crise financeira prolongada, existe o perigo de cairmos em uma crise social
na região", disse o economista da OIT Gyorgy Sziraczki, da OIT, aos participantes de 11 países. A
diretora regional da OIT, Sachiko Yamamoto, disse, em seu discurso, que é "um cenário real" que
tende a se formar com "uma magnitude e uma rapidez assombrosa", porque o impacto da crise
financeira "está sendo sentido profundamente nos países industrializados e emergentes da Ásia".
Um estudo desta agência estima que 23,3 milhões de trabalhadores perderão o emprego este ano e
se unirão aos 90 milhões de desempregado que havia nessa região do mundo no final de 2008, e
prevê "um aumento dramático da pobreza em mais de 140 milhões de pessoas em 2009". O
relatório afirma que cerca de 60 milhões de trabalhadores passarão do setor formal ao informal este
ano, com o risco de perdas salariais e de proteção social.
O documento destaca que a Ásia gastará 3,9% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em planos de
estímulo econômico e, no entanto, os governos asiáticos são os que destinam menos dinheiro à
proteção social de todo o mundo. O relatório afirma que "o arrefecimento econômico substancial
levará ao congelamento ou à diminuição dos salários", e essa situação aumentará potencialmente as
disputas trabalhistas.
A OIT pediu que os governos da região atuem agora para enfrentar estes problemas, e o Banco
Asiático de Desenvolvimento lembrou que qualquer medida deverá incluir fórmulas para criar
trabalhos e infra-estruturas que beneficiem aos pobres. A Organização Internacional do Trabalho
(OIT) disse nesta quarta-feira, em reunião em Manila, nas Filipinas, que a crise econômica e
financeira internacional pode trazer o risco de uma crise social na Ásia, onde a agência prevê que
haverá mais 23,3 milhões de desempregados e mais de 140 milhões de pobres este ano.
O site Rumo Sustentável (2009) publicou texto sob o título Crise atual pode ser mais intensa
do que a de 1929, diz sociólogo. Neste texto, é apresentada entrevista com Ricardo Antunes,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em temas do
mercado de trabalho. Nesta entrevista Ricardo Antunes afirma que as empresas, antes da crise
atual, passaram por processos de “liofilização” e enxugaram suas “substâncias vivas”, os
trabalhadores, por meio da modernização tecnológica e da reestruturação produtiva. O
resultado disso foi o crescimento do chamado desemprego estrutural, que poderá aumentar em
muito com a crise econômica mundial de hoje.
Para Ricardo Antunes a crise econômica e financeira mundial já tem um resultado devastador
para a classe trabalhadora. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez a previsão de
novos 50 milhões de desempregados em 2009, o que elevava o número de desempregados
para até 340 milhões de pessoas no mundo. Este número era uma estimativa moderada. Só a
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China anunciou que 26 milhões de ex-trabalhadores rurais, que estavam ocupados nas
cidades, perderam o emprego. A tragédia que se abateu entre os trabalhadores é monumental,
a começar pelos imigrantes à cata de trabalho nos países do hemisfério norte, mas também a
classe trabalhadora em geral, que estava empregada na indústria metal-mecânica, têxtil, no
setor alimentício, etc. A primeira providência que o empresariado toma na eminência de uma
crise é o corte nos postos de trabalho. É emblemático que os Estados Unidos, a Inglaterra e o
Japão vivem a maior taxa de desemprego das últimas décadas.
Ricardo Antunes afirma que o governo brasileiro tentou nos vender a idéia, completamente
falsa, de que estávamos imunes à crise. A verdade, no entanto, é que nós, no final de 2009,
tivemos 640 mil novos desempregados. De lá para cá, os dados melhoraram, porque o
governo tomou medidas, como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)
dos automóveis e dos produtos de linha branca para impedir que a recessão fosse mais dura.
Mas essas medidas teriam fôlego curto. A economia brasileira é muito globalizada. O Brasil
depende muito do mercado externo por causa das commodities. O desfecho da crise brasileira
está bastante atado ao desfecho da crise internacional. Não podemos ter uma ilusão de que o
país é uma ilha rósea em um mar turbulento.
4. Mudanças geopolíticas futuras
Giovanni Arrighi (1996) afirma que existiram quatro ciclos sistêmicos de acumulação de
capital durante a evolução do capitalismo como sistema mundial: um ciclo genovês, do
Século XV ao início do Século XVII; um ciclo holandês, do fim do Século XVI até decorrida
a maior parte do Século XVIII; um ciclo britânico, da segunda metade do Século XVIIII até o
início do Século XX; um ciclo norte-americano, iniciado no fim do Século XIX e que
prossegue na atual fase de expansão financeira. Ainda segundo o autor, o regime genovês
durou 160 anos, o holandês 140 anos, o britânico 160 anos e o norte-americano 100 anos.
Giovanni Arrighi defende a tese de que, em cada um dos ciclos de acumulação do capital, a
expansão comercial e da produção ocorrida no início deu lugar no final a uma especialização
mais concentrada nas altas finanças, isto é, na especulação e na intermediação financeira. Esta
é a situação que prevalece na economia mundial na atualidade. Segundo François Chesnais
(2008), a crise do sistema capitalista mundial que eclodiu em 2008 tem como outra de suas
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dimensões a de marcar o fim da etapa em que os Estados Unidos puderam atuar como
potência mundial sem paralelo.
Na opinião de Chesnais (2008), vivenciamos um momento em que os Estados Unidos, estão
sendo submetidos à prova. Em um prazo temporal muito curto, todas as relações mundiais dos
Estados Unidos se modificaram devendo, na melhor das hipóteses, renegociar e reordenar
todas as suas relações com base no fato de que terão de compartilhar o poder em escala
mundial. A era em que os Estados Unidos procuravam impor sua vontade no cenário
internacional acabou. É o que já está ocorrendo a partir do governo Barack Obama.
Há uma suposição em muitas partes do mundo de que a crise geral do sistema capitalista
mundial, representada pelo congelamento do sistema financeiro, acelerará a mudança
geopolítica de longo prazo, anunciando o declínio do poder americano e da influência
europeia. "A crise enfatiza o fato de a China ser um agente mundial chave", disse Bobo Lo
(2008). Segundo Bobo Lo, "ela pode ainda não ser uma superpotência mundial, mas acelerou
esta tendência”.
O jornal Estado de São Paulo publicou em 21/11/2008 artigo sob o título Força dos EUA no
mundo diminuirá, diz inteligência americana. O texto é o seguinte:
O Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, parte do aparato de segurança de Washington,
publicou uma previsão impressionante. O sistema internacional como elaborado após a Segunda Guerra
Mundial estaria, como previsto, "irreconhecível" em 2025, graças à globalização, a ascensão dos poderes
emergentes e "uma transferência histórica de riqueza relativa e poder econômico do Ocidente para o
Oriente". Nesta publicação constata-se que "os próximos 20 anos de transição para um novo sistema
serão repletos de riscos". "As rivalidades estratégicas provavelmente girarão em torno do comércio,
investimentos e inovação e aquisição tecnológica, mas não podemos descartar um cenário do século 19
de corrida armamentista, expansão territorial e rivalidades militares".
Este relatório foi escrito antes da força plena da crise financeira e econômica se tornar real.
Todavia, seus autores estavam convencidos de que o momento unipolar da hegemonia não
desafiada norte-americana pós-queda do Muro de Berlim já estava chegando ao fim. A futura
ordem mundial seria multipolar. A China caminha para se tornar um agente dominante em um
Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial fortalecidos. A China é atualmente o país
que mais cresce no mundo que, por essa razão, tem se destacado no cenário geopolítico
mundial.
22
A China tem exercido grande influência política, militar e econômica no cenário asiático e
internacional graças à grande extensão de seu território (ocupa o terceiro lugar em dimensão
territorial no planeta), elevadíssimo número de habitantes (cerca de 1,3 bilhão, o mais
populoso do mundo) e o dinamismo de sua economia (atualmente é a economia que apresenta
maiores índices de crescimento em todo o planeta).
Nesse ínterim, a velocidade e a ousadia da expansão mundial da China seguem surpreendendo
os analistas e os governantes de todo o mundo. O país está se transformando na primeira
sociedade não branca e não européia que se transformará em uma superpotência política,
econômica e militar global. E tudo indica que não haverá recuo nesta tendência. O século XXI
assistirá, certamente, à consolidação do maior Estado nacional do Extremo Oriente, a
República Popular da China, como a maior potência econômica, política e militar do mundo.
Tudo leva a crer que, em substituição à hegemonia global norte-americana, haverá no curto
prazo a construção de um sistema mundial multipolar sob a liderança conjunta da China e dos
Estados Unidos, num quadro de equilíbrio de poder. Isto se deve ao fato de a acumulação de
capital na China se fazer com base em processos internos, mas também com base em algo que
está perfeitamente documentado que é o deslocamento de uma parte importantíssima do setor
da produção de bens de consumo, dos Estados Unidos para a China. E isto tem muito a ver
com o volume dos déficits comercial e fiscal norte-americanos.
Mas o que ocorre nas entranhas da China? Na China se deu internamente um processo de
competição entre capitais, que se combinou com processos de competição no aparato político
chinês, e de competição para atrair empresas estrangeiras, o que resultou num processo de
criação de imensas capacidades de produção. Isto significa dizer que se estabeleceram novas
relações entre os Estados Unidos e China. Não se trata já mais das relações de uma potência
imperialista com um país semicolonial. Com base no superávit comercial, a China acumula
milhões e milhões de dólares, que logo empresta aos Estados Unidos. São relações
internacionais interdependentes de um tipo totalmente novo.
O impacto econômico da China, e agora da Índia, com a população combinada próxima de 2,4
bilhões de pessoas, já é evidente. Só a população da China já é maior do que a da América
Latina e da África Subsaariana juntas. Além disso, os gigantes não estão sozinhos. A ascensão
23
da China e, também, da Índia como potências mundiais é tão significativa quanto à dos
Estados Unidos, Alemanha, Japão e Rússia ocorrida no fim do século XIX. Historicamente, a
ascensão das potências emergentes contribuiu para o acirramento da competição econômica e
das contradições entre as classes dominantes desses países desencadeadores de conflitos
internacionais como aconteceu em 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e em
1939 com o advento da Segunda Grande Guerra.
A ascensão da China e da Índia poderá desencadear conflitos internacionais intransponíveis
como aconteceu no passado? A resposta a esta questão depende do que possa vir a ocorrer na
relação econômica interdependente entre a China e Estados Unidos e da capacidade que
ambos os países possuam de administrar o condomínio de poder mundial sob suas lideranças
e evitar o desencadeamento de conflitos internacionais. De outro lado, a emergência de
conflitos poderá acontecer se, no âmbito das atuais potências dominantes em declínio,
ocorrerem desestabilizações políticas resultantes da crise do sistema capitalista mundial e a
ascensão ao poder de setores políticos fascistas e belicistas de difícil solução pelo condomínio
de poder mundial liderado pela China e Estados Unidos.
BIBLIOGRAFIA
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Odile Jacob, 2007.
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. São Paulo: UNESP, 1996.
BOBO LO. Axis of Convenience: Moscow, Beijing, and the New Geopolitics. Kindle Edition,
2008.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CHESNAIS, François. Texto de François Chesnais sobre crise financeira. Blog IZB,
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CHOSSUDOVSKY, Michel. A Grande Depressão do século XXI: Colapso da economia real.
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24
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