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4.1 Debates sobre questões sob desenvolvimento O PNUD promoveu a realização de um con- junto de seis Workshops temáticos com pes- soas chave provenientes de vários extractos socio-profissionais e institucionais, que apor- taram contribuições para a temática central do relatório anual do desenvolvimento humano. Os workshops foram animados por profissionais competentes e tiveram como suporte um guião de perguntas semi-estruturadas, elaborado para o efeito pela equipe do projecto do Relatório de Desenvolvimento Humano. Os debates tiveram lugar no terceiro trimestre de 2002. Este exercício intelectual permitiu que várias vozes, em média 12 pessoas por cada grupo de trabalho, opinassem sobre questões relativas ao desenvolvimento humano, em áreas como: a) Que desenvolvimento humano para Angola? Haverá consenso sobre o para- digma de desenvolvimento humano? b) Em que medida o paradigma actual de provisão de serviços sociais responde às expectativas do cidadão? c) Como financiar de forma sustentável o desenvolvimento humano? d) Criação de um pacto social e económi- co de desenvolvimento; e) Família, mulher, criança e HIV/Sida; f) Provisão da justiça e desenvolvimento humano; A seguir se apresentam para cada temáti- ca, um resumo das discussões realizadas. 4.1.1.Que desenvolvimento humano para Angola? Haverá consenso sobre o paradigma de desenvolvimento humano? Este foi o tema central de um dos work- shops, estruturado em torno de três sub- temas, nomeadamente: * Quais as causas do paradoxo (grande potencial de riqueza/nível generalizado de pobreza) que caracteriza a presente situação em Angola? * De que forma a política fiscal vigente, contribui ou não, para a manutenção ou agravamento da situação? * Que papel deverá jogar o investimento privado e, particularmente, o investi- mento estrangeiro em Angola para melhorar a situação? * debate foi orientado em torno das seguintes questões: * No caso concreto de Angola, em fase de pós-conflito será que o conceito de desenvolvimento sustentável faz senti- do e é, de facto, oportuno? * Em que medida as políticas actuais de desenvolvimento, privilegiam o factor mão de obra? Será que a política fiscal actual, beneficia proporcionalmente mais os pobres que os ricos? Em que medida a forte dependência do Estado das receitas petrolíferas, torna prejudi- cial a redistribuição do rendimento nacional? * A política actual de investimento priva- do e estrangeiro, em particular, é capítulo 4 >> Reflex õ es sobre algumas quest õ es de desenvolvimento humano Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 67

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4.1 Debates sobre questões sob desenvolvimento

O PNUD promoveu a realização de um con-junto de seis Workshops temáticos com pes-soas chave provenientes de vários extractossocio-profissionais e institucionais, que apor-taram contribuições para a temática central dorelatório anual do desenvolvimento humano.Os workshops foram animados por profissionaiscompetentes e tiveram como suporte um guiãode perguntas semi-estruturadas, elaboradopara o efeito pela equipe do projecto doRelatório de Desenvolvimento Humano. Osdebates tiveram lugar no terceiro trimestre de 2002.

Este exercício intelectual permitiu quevárias vozes, em média 12 pessoas por cadagrupo de trabalho, opinassem sobre questõesrelativas ao desenvolvimento humano, emáreas como:

a) Que desenvolvimento humano paraAngola? Haverá consenso sobre o para-digma de desenvolvimento humano?

b) Em que medida o paradigma actual deprovisão de serviços sociais responde àsexpectativas do cidadão?

c) Como financiar de forma sustentável odesenvolvimento humano?

d) Criação de um pacto social e económi-co de desenvolvimento;

e) Família, mulher, criança e HIV/Sida;

f) Provisão da justiça e desenvolvimentohumano;

A seguir se apresentam para cada temáti-ca, um resumo das discussõesrealizadas.

4.1.1.Que desenvolvimento humano para Angola? Haverá consenso sobre o paradigma de desenvolvimento humano?

Este foi o tema central de um dos work-shops, estruturado em torno de três sub-temas, nomeadamente:

* Quais as causas do paradoxo (grandepotencial de riqueza/nível generalizadode pobreza) que caracteriza a presentesituação em Angola?

* De que forma a política fiscal vigente,contribui ou não, para a manutenção ouagravamento da situação?

* Que papel deverá jogar o investimentoprivado e, particularmente, o investi-mento estrangeiro em Angola paramelhorar a situação?

* debate foi orientado em torno dasseguintes questões:

* No caso concreto de Angola, em fase depós-conflito será que o conceito dedesenvolvimento sustentável faz senti-do e é, de facto, oportuno?

* Em que medida as políticas actuais dedesenvolvimento, privilegiam o factormão de obra? Será que a política fiscalactual, beneficia proporcionalmentemais os pobres que os ricos? Em quemedida a forte dependência do Estadodas receitas petrolíferas, torna prejudi-cial a redistribuição do rendimentonacional?

* A política actual de investimento priva-do e estrangeiro, em particular, é

capítulo 4 >>

Reflexões sobre algumas questões de

desenvolvimento humano

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 67

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favorável ao desenvolvimen-to económico sustentável?Quais são os grandes obstácu-los à promoção do investi-mento estrangeiro em Ango-la? A política de investimentodeveria privilegiar o apareci-mento de uma classe deinvestidores nacionais oudeveria ser neutra? Quedeveria o Governo realizar,para reduzir os riscos perce-bidos pelos investidores? Emque medida é que os merca-dos de trabalho locais podembeneficiar com o investimentoestrangeiro em Angola? Como pode oinvestimento estrangeiro em Angola, nosector dos petróleos, gerar mais empre-gos e que políticas seriam as mais ajus-tadas para que isso aconteça?

Um dos primeiros objectivos desteprimeiro workshop temático, foi o de foiavaliar o entendimento dos participantessobre o conceito de desenvolvimentohumano sustentável e em que medida ele sediferencia do conceito clássico de desen-volvimento assente no crescimento económi-co puro (trickle down effects). Os partici-pantes reconheceram que o crescimento dorendimento económico (per capita) não temdeterminado o crescimento do índice dodesenvolvimento humano. O nível de desen-volvimento económico está baseado numaeconomia de petróleo e o seu crescimentonão tem sido expresso em melhoria dodesenvolvimento humano. Daí que o cresci-mento económico em si não ter sidocondição única para que o desenvolvimentohumano possa ocorrer pelo menos em Ango-la. Há um grande abismo entre a teoria e aprática do desenvolvimento humano em Ango-la, segundo os participantes. Embora se con-sidere correcto que o país invista sistematica-mente nos petróleos e diamantes, importantepara o crescimento económico, isso não temrelação com o desenvolvimento humano massim com a gestão política do Estado e Governo.A ausência de políticas públicas, não tem per-mitido garantir e disponibilizar uma partedesses resultados para o desenvolvimento

humano, foi a impressão deixadapelos participantes. Os participantes referiram afraca base de informação sócio-económica, que não permitevalorizar correctamente a situaçãoreal da economia e da sociedade,embora já se tenham realizadomuitos inquéritos multidiscipli-nares socio-económicos, que per-mitem um melhor conhecimentoda realidade, para a elaboraçãode estratégias de melhoria dodesenvolvimento humano.

Contudo, os participantes constataram quesem um crescimento económico sustentávelnão é possível atingir-se desenvolvimentohumano sustentável pois, existe uma relaçãoentre o crescimento económico e o desenvolvi-mento humano. Sem desenvolvimentoeconómico não há desenvolvimento humano e

vice-versa. Segundo os mesmos, não obstanteos esforços do PNUD e outras instituições emdivulgar esses conceitos, tem sido poucoexpressiva ou tímida a sua incorporação naelaboração das políticas de desenvolvimento.Por outro lado uma melhoria do desenvolvi-mento humano iria determinar um desenvolvi-mento económico sustentável mais aceleradosegundo os participantes. Daí que seria impe-rioso um mínimo de crescimento dos índices dedesenvolvimento humano nas suas compo-

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200568

Sem desenvolvimentoeconómico não hádesenvolvimento

humano e vice-versa.Não obstante os

esforços do PNUD e out-ras instituições emdivulgar esses con-

ceitos, tem sido poucoexpressiva a sua incor-poração na elaboraçãodas políticas de desen-

volvimento.

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nentes de capital humano e redistribuição dariqueza para se atingir um desenvolvimentoeconómico sustentável.

Em relação a questão sobre se, para Ango-la, em fase de pós-conflito, o conceito dedesenvolvimento humano sustentável faziasentido, os participantes consideraram que odesenvolvimento humano implica desenvolvi-mento social, o que infelizmente não corre-sponde à realidade, já que as políticas públicasactuais não têm o mínimo de sustentabilidadepara garantir uma prática do desenvolvimentohumano. As formas e os métodos de gover-

nação não estão orienta-dos para esse objectivojá que ele não abrange amaioria da população,mas somente uma elite,como acontece actual-mente. É verdade que opaís está numa fasecomplexa, caracterizadapela transição da guerrapara a paz, da economiacentralizada para aeconomia de mercado,mas mesmo assim, é

preciso não esquecer o objectivo de desen-volvimento humano, segundo os participantes.

Na realidade, só agora se retorna a algunsindicadores económicos de 1973 e muitosdeles, nem sequer serão recuperados. Os par-ticipantes consideraram que haveria riquezasuficiente para atingir melhores resultados dodesenvolvimento humano; isso não aconteceporque o Estado delapida os recursos que opaís precisa para seu desenvolvimento. Con-stataram, lamentavelmente, a diferença comoutros países que não têm recursos naturais,mas que atingem altos níveis de desenvolvi-mento humano.

As políticas de desenvolvimento sãoanárquicas e têm pouco a ver com o conceitode desenvolvimento humano. As grandesempresas de comunicações, levam os telefonesa zonas onde não há água, electricidade, redessanitárias e outros serviços públicos indispen-sáveis para a sociedade. Como se pode falar dedesenvolvimento humano, se não há escolas,

pão, saúde, nem uma gov-ernação digna e democráti-ca? O desenvolvimento daeconomia de mercado nopaís, é ainda reduzido. Amaioria dos gruposhumanos de algumas áreas, não têm nenhumacesso ao mercado, como por exemplo asfamílias pobres das cidades e dos campos nãotêm nenhuma participação na economia demercado. Essa imensa maioria da população,não tem as mínimas e indispensáveis condiçõespara o desenvolvimento da vida. Como é pos-sível então falar do desenvolvimento humanoem Angola nas actuais condições? indagaram osparticipantes.

Em relação a questão sobre, em que medi-da as políticas actuais de desenvolvimentoprivilegiariam o factor mão de obra, houveconsenso entre os participantes de que não háuma política económica estável em Angola,dirigida ao desenvolvimento humano. Que mãode obra qualificada há em Angola, indagaram-se os participantes? Segundo eles infelizmentenão há e seria péssima a distribuição actual dosquadros. Muitas experiências demonstram quedepois de o Estado ter investido na formaçãoprofissional dos quadros, estes não têm empre-gos. Por outro lado, constitui um factor nega-tivo para o desenvolvimento da mão de obra nopaís, a discriminação salarial dos profissionaisnacionais relativamente aos estrangeiros. Aspolíticas públicas não eliminam essa diferen-ciação salarial com base na igualdade de nívelprofissional. Os participantes referiram quenão haveria relações uni-versalistas de emprego. Exi-stiria um determinado graude complexo de inferiori-dade no local de trabalho,que não deixa de implicaros profissionais: para alémdos problemas sociais,haveria complexos de infe-rioridade nas relaçõeshumanas que afectam asrelações laborais, segundoalguns dos participantes.

Áreas estratégicas e muito sensíveis comoa agricultura, não têm uma política séria de

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 69

Seria imperioso [projec-tar-se] um crescimento

mínimo nas suas compo-nentes de capital

humano do índices dedesenvolvimento

humano e na redis-tribuição da riqueza

para se atingir umdesenvolvimento

económico sustentável.

A discriminação salarialdos profissionaisnacionais relativamenteaos estrangeiros, consti-tui um factor negativopara o desenvolvimentoda mão de obra no país.As políticas públicasnão eliminam essadiferenciação salarialcom base na igualdadede nível profissional.

Depois do Estado terinvestido na formaçãoprofissional dosquadros, estes não têmempregos.

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formação da mão deobra e a “catana” comoinstrumento de trabalhomanual, ainda teriainfelizmente um futuropromissor. Por outolado, as estatísticaspúblicas não reflectema realidade sendo

desconhecidas a taxa real de emprego, opotencial de graduados e a taxa de desemprego.

Segundo a percepção dos participantes, amaioria da população não é abrangida pelobenefício das políticas fiscais. A população nãoreceberia benefícios pelos impostos que pagamao Estado, em resultado de más políticas fis-cais, acabando ela por estar sujeita a umimpacto inflacionista negativo. São os ricos enão os pobres, os que mais beneficiam daspolíticas fiscais, em resultado da má aplicaçãodas mesmas. Os ricos não pagam os impostosna mesma correspondência com os seus rendi-mentos, foi a opinião geral. Por exemplo, osempresários não pagam imposto sobre osrendimentos. Por outro lado, há a ideia de queos empresários não gostam de pagar os impos-tos, porque não têm nenhum beneficio, já queo Estado não garante créditos e outras formasde ajuda ao desenvolvimento do empresariadonacional.

Alguns dos participantes referiram que sediz que 90% das receitas fiscais beneficiariamas camadas mais vulneráveis da população.Contudo, isso não seria verdade tendo sidoapontado, como exemplo, as políticas públicasde transportes orientadas para a aquisição decarros de luxo. Ainda segundo alguns dos par-ticipantes, nunca se teve em conta as relaçõesentre pobres e ricos, na busca de soluções paraos problemas sociais, sendo as políticas fiscaismais populistas que realistas. Haveria um mauemprego das políticas fiscais, como mostramos investimentos em obras urbanas em Luanda,como túneis, etc. enquanto as pessoas nãotêm água, electricidade e outros serviçospúblicos indispensáveis para o desenvolvimen-to humano.

Em relação a questão sobre em que medi-da a forte dependência do Estado das receitas

petrolíferas tornaria prejudicial a redis-tribuição do rendimento nacional, os partici-pantes referiram que os petróleos suportarama guerra e a má gestão da economia.. O Esta-do deveria aplicar os impostos de maneira quetodos possam contribuir para o desenvolvimen-to do país e, por conseguinte, do desenvolvi-mento humano. A economia de dependência dosector petrolífero consolida-se, porque não háuma política de desenvolvimento dos outrosramos da economia. Na opinião dos partici-pantes, devia-se exigir maior responsabilidadeao Governo, na aplicação correcta dos impos-tos.

Em relação as questões sobre a políticaactual de investimento privado e a suarelacção com o desenvolvimento económicosustentavelo, e sobre os grandes obstáculos àpromoção deste investimento estrangeiro nopaís, surgiu a percepção que existe uma políti-ca de investimento estrangeiro do país rela-cionada com os petróleos, diamantes e outrosrecursos minerais. Constata-se que na reali-dade angolana, o processo de investimentoestrangeiro não tem influenciado na produçãode bens e serviços com benefícios directospara os cidadãos. O desenvolvimento da políti-ca de investimentos não é eficaz, sobretudopara os nacionais quenão têm capacidadede disponibilizar capi-tal para o desenvolvi-mento do país,estando dependentesdo capital estrangeiro.Por enquanto, o que seprecisa é que essecapital nacional nãoseja expatriado.

Por outro lado, aspolíticas económicasde investimentos, têm basicamente incidênciano litoral do país, sem nenhum impacto nasprovíncias do interior. Haveria que criar infra-estruturas no interior do país que permitissemmudanças das políticas de investimento. Oapoio do Governo ao investimento rural seriapraticamente nulo, pois continua a importar-setudo, incluindo vegetais e ovos, segundoalguns dos participantes.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200570

A população não recebebenefícios pelos impos-tos que paga ao Estado,

em resultado de máspolíticas fiscais, aca-

bando ela por estarsujeita a um impacto

inflacionista negativo.

Há um mau empregodas políticas fiscais,como mostram os inves-timentos em obrasurbanas em Luanda,como túneis, etc.enquanto as pessoasnão têm água, electrici-dade e outros serviçospúblicos indispensáveispara o desenvolvimen-to humano.

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Os participantes assinalaram a tendênciadas políticas de investimento incidirem maissobre grandes projectos, já que os pequenosprojectos ficariam esquecidos. Contudo, seri-am estes os que, directamente, seriamcapazes de resolver muitos problemas sociais.No geral, os participantes consideram funda-

mental não se come-terem os mesmo errosque em etapas anteri-ores, pelo que as políti-cas de investimentosteriam que ser nofuturo mais reais e sus-tentáveis.

Na opinião dos partici-pantes, seria maior o volume de investimentosde angolanos no estrangeiro do que no seupróprio país. O Estado não dá nenhuma pro-tecção à produção local, pelo que não é privi-legiada a acumulação nacional. A capacidadede realização de investimentos pelo capitalnacional é mínima, tendo sido apontado o casode hotéis que deixaram de ser entregues aosestrangeiros em proveito de nacionais, masque estes últimos perderam os financiamentosdo Governo. Isto teria acontecido do mesmomodo, nos outros ramos da economia, segundoos participantes. Os créditos destinados aodesenvolvimento empresarial seriam dirigidosàs pessoas influentes e não para projectos,económica e socialmente, úteis.

A dinâmica de desenvolvimento do capitalestrangeiro é muito mais rápida do que a docapital angolano, segundo os participantes. Osinstrumentos jurídicos que têm que garantir oprocesso de investimento estrangeiro não seri-am suficientes, o que conduz o Estado a mudara lei, que passaria a chamar-se “lei do investi-mento privado” . As actuais infra-estruturaspara canalizar os processos de investimentoseriam insuficientes, segundo alguns dos par-ticipantes.

A seguir apresentam-se algumas das princi-pais conclusões do seminário extraídas pelosmoderadores do mesmo:

* Na generalidade, o envolvimento partici-

pativo dos cidadãos, do nível comu-nitário ao nível nacional, poderia ser achave principal para a resolução dosenormes desafios que o país enfrentano momento actual;

* A guerra já é vista como algo do passa-do; grande parte das dificuldades que opaís enfrenta, foram atribuídas: àausência de políticas; à fraca ade-quação das políticas existentes aosreais problemas do país, à pouca efi-ciência dos instrumentos de política eseus mecanismos de implementação. Odesenvolvimento sustentável, enquantogarante da paz e da estabilidade, é nãosó importante, mas também prioritárioe urgente;

* Os participantes demonstraram umfraco domínio técnico sobre as questõesrelativas à política fiscal, nomeada-mente, a sua análise na óptica dadespesa. Porém, a intervenção de umdos participantes, contribuiu para asuperação dessa lacuna e as con-tribuições prestadas apontaram para oconsenso de que se do lado das receitasexiste alguma preocupação do Governoem estabelecer critérios diferenciadospara a tributação de ricos e pobres, omesmo já não se verifica em relação àsprioridades de investimento do país, nosentido de beneficiar mais os pobres. Apolítica fiscal é inadequada e inconsis-

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 71

Na realidade angolana,o processo de investi-

mento estrangeiro nãotem influenciado a pro-

dução de bens eserviços com benefícios

directos para oscidadãos.

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tente para produzir o efeito desejávelde uma equitativa redistribuição dorendimento nacional. Os instrumentospara a arrecadação das receitas emecanismos de implementação dapolítica fiscal, são muito pouco efi-cientes;

* A forte dependência do Estado dasreceitas do sector petrolífero tem influ-enciado negativamente a política derendimentos;

* Os participantes reconheceram aimportância do investimentoestrangeiro, mas demonstraram algu-mas ambiguidades sobre o papel que omesmo poderá desempenhar, quercomo impulsionador do crescimento

económico, quer quan-to à criação de empre-gos locais, em particu-lar, de nível técnico ede direcção;

* Políticas económicaspouco adequadas e aescolha aleatória dosinvestimentos, têmpromovido mais ocrescimento económi-co do que o desen-

volvimento humano. Estabelecer arelação entre os dois conceitos é impor-tante, mas é igualmente importantenão descurar o conceito de igualdadena redistribuição do rendimentonacional;

* A inexistência de uma adequada políticade enquadramento e de aproveitamen-to racional dos recursos humanos, temcontribuído para a não priorização dofactor mão de obra, para um cresci-mento económico mais fraco e ainda,para a criação de um fosso de frus-tração colectiva, que em nada contribuipara o desenvolvimento humano e, paraa tão necessária mudança de atitudes;

* O investimento privado nacional eestrangeiro, deveria privilegiar a cri-

ação de empregos qualificados e tecni-camente diversificados, para propor-cionar aos cidadãos angolanos a dig-nidade que lhes é devida;

* A política de investimento público deve-ria priorizar a reabilitação das infra-estruturas básicas impulsionadoras doinvestimento privado nacional eestrangeiro, devendo ser esse o princi-pal contributo à minimização do risco.

4.1.2. Em que medida o para-digma actual de provisão deserviços sociais responde àsexpectativas do cidadão?

Este assunto constituíu o tema central deoutro dos seminários. Os serviços prestadospelos provedores de serviços sociais públicos, enão só, são considerados pela maioria doscidadãos, como ineficientes. Muita dessa inefi-ciência tem sido atribuída à escassez de recur-sos, embora haja quem argumente que muitotem a ver com os modelos correntes de pro-visão dos serviços sociais. Algumas dasquestões levantadas no seminário foram:

* Se um aumento simples da despesapública nos sectores sociais, iria provo-car uma melhoria substancial dosserviços prestados ao cidadão?

* Será que a forma como os serviços soci-ais são prestados, tem implicação sobrea cobertura e qualidade dos mesmos?

* Se sim, quais as desvantagens dos sis-temas actuais?

* Como se poderia aproximar os cidadãosdas instituições, por forma a que osprimeiros possam expressar os seus pon-tos de vista e, esse retorno de infor-mação possa alimentar mudanças nagestão dos serviços?

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200572

O desenvolvimento dapolítica de investimen-tos não é eficaz, sobre-tudo para os nacionais

que não têm capaci-dade de disponibilizarcapital para o desen-

volvimento do país,estando dependentes

do capital estrangeiro.

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Outras questões incluiram:

* Qual o grau de responsabilidade socialdo cidadão no financiamento dosserviços sociais? Que papel poderiamjogar as principais empresas do país nofinanciamento do mesmo? Uma políticade subsídios cruzados ou de subsídiosalvo (subsídios alvo dirigidos a sub-popu-lações) poderia promover uma maiorequidade no sistema de financiamentodos serviços sociais? Como a co-gestãode serviços de saúde e educação porinstituições não públicas poderia pro-mover a qualidade dos serviços e melho-rar a sustentabilidade financeira do sis-tema de provisão de serviços sociais?,

A sustentabilidade de qualquer sistema deprovisão de serviços está fortemente depen-dente da capacidade do seu financiamento, deforma regular e a baixo custo. A maximizaçãodo bem estar do cidadão que beneficia dessesbens públicos, deve ser feita com base embaixos custos.

Os participantes acharam que os respon-sáveis dos serviços sociais não tinham noção dasua importância, da abrangência de serviços,papel das comunidades e da família, na realiza-ção dos serviços sociais. Houve a percepçãoentre os participantes, de que haveria umatotal anarquia na prestação dos serviços soci-ais. Ainda segundo eles, não parecia existir

uma estratégia nacional, oque tinha efeitos nega-tivos para o desenvolvi-mento humano. Tambémfoi referido o baixo nívelde disponibilidade dasdespesas públicas geridaspelos serviços sociais. Aprática generalizada dacorrupção entre algunsfuncionários públicos egovernantes, seria um fac-tor negativo ao desenvolvimento dos serviçossociais e ao desenvolvimento humano. Aproblemática da ausência de uma política deincentivos, entre os funcionários provedoresde serviços sociais foi também levantada.

Em relação a questão sobre se a formacomo os serviços sociais eram prestados tinhaimplicação sobre a cobertura e qualidade dosmesmos, os participantes referiram que paraque impere uma qualidade de vida aceitável, énecessário que os sistemas de serviços sociaissejam funcionais, o que não acontece. A faltade estratégias de desenvolvimento dos serviçossociais, aliada às condições obsoletas e reduzi-das das infraestruturas actuais, são algumasdas causas principais da má qualidade dos mes-mos, segundo os participantes.

Haveria uma forte centralização dosserviços sociais e nenhuma participação doscidadãos na sua concepção e desenvolvimento,quando nas questões de prestação de serviçossociais, é extremamente importante o papelparticipativo dos cidadãos. A participaçãopopular na gestão social é, além de outrascoisas, um problema cultural. Por outro lado,foi referido que a grande inoperância dosinstrumentos de justiça, é um factor que deses-tabiliza o desenvolvimento dos serviços sociais.

Na sequência das percepções anteriores foicolocada a questão sobre como se poderiaaproximar o cidadão das instituições, porforma a que os primeiros possam expressar osseus pontos de vista e o processo de retorno dainformação possa alimentar mudanças nagestão dos serviços. Em resposta, os partici-pantes, consideraram que os cidadãos tem aobrigação de participar mediante o pagamento

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 73

Há uma forte central-ização dos serviços soci-ais e nenhuma partici-pação dos cidadãos nasua concepção e desen-volvimento, quando nasquestões de prestaçãode serviços sociais, éextremamente impor-tante o papel participa-tivo dos cidadãos.

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de impostos. Já deveria existir um determina-do nível de participação dos cidadãos no finan-ciamento dos serviços sociais. O problemacoloca-se em saber qual o destino dos impos-tos. Noutros países onde a sociedade tem umoutro nível de desenvolvimento, o Estado nãoassume toda a responsabilidade pelos serviçossociais, já que os cidadãos contribuem para oefeito. O grave problema que preocupava osparticipantes, seria o destino do dinheiro que oEstado disponibiliza para o desenvolvimentodos serviços sociais proveniente dos impostos,sendo desejável que os cidadãos tenham umsuficiente conhecimento dos destinos dasdespesas financiadas pelos impostos.

As conclusões do seminário seguem-se:

* Necessidade de restruturação daAdministração Pública com descen-tralização efectiva (alocação de recur-sos) sob critérios de complementari-dade, garantindo o Estado a função deregulação e supervisionamento;

* O Estado deveria garantir acções defomento para o desenvolvimento dosserviços sociais;

* Necessidade de adequar o sistemalegislativo à dinâmica do novo contexto;

* Estimulo à gestão participativa, demaneira que as políticas públicas sejamdefinidas e implementadas numaperspectiva de incentivo à participaçãodos cidadãos;

* O cidadão deve participar com impostos,através de pagamentos directos dosserviços públicos. Em contrapartida,deverá ter direito a exigir serviços dequalidade. Observando-se que há fun-cionários públicos que praticam “auto-imposto” as autoridades devem agiratravés da correcção das políticassalariais;

* Os empresários e os cidadãos devemcontribuir, de forma transparente,através do tesouro público, sendoadmissível a consignação de receitas às

regiões onde se exploram recursosminerais;

* É preciso incrementar a gestão pública,o seu papel regulador e fiscalizador, demaneira a atingir uma melhoria daqualidade dos serviços e a contribuiçãodos beneficiários no respectivo finan-ciamento.

4.1.3. Financiamento sustentável do desenvolvimento humano

Este assunto constituíu o tema do terceirowokshop, onde se pretendeu perceber quais osmecanismos de financiamento sustentável dodesenvolvimento humano. Uma das grandesquestões da actualidade, tem sido o uso dosrendimentos do petróleo. Há quem advogueque esses rendimentos deveriam ser canaliza-dos mais fortemente para os sectores sociais.

A importância do tema em discussão residenas características particulares da economiaangolana, com um sector de exploraçãomineira, de capital intensivo, e o resto daeconomia, com muito baixa produtividade,incapaz de gerar rendimentos e riqueza sufi-cientes para cobrir as necessidades de investi-mento de reposição, resultantes do crescimen-to populacional e do desgaste físico e moraldas infraestruturas e equipamentos produtivos,assim como de cobrir as necessidades básicasde toda a população. Estas necessidades fun-damentais foram, no passado largamente satis-feitas pelo recurso à importação, com rendi-mentos provenientes do sector de exploraçãomineira. A predominância do sector mineiro,especialmente petróleo, na economia, é com-provada pela elevada participação no PIB, ron-dando os 50%, nas receitas em divisas (superi-ores a 90% do total) e nas receitas tributáriaspara o OGE que para 2001 foram estimadas em35,7%. Se for adoptado um modelo de cresci-mento endógeno, assume-se como crucial aorientação das receitas provenientes dosrecursos de Angola para financiamento de

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200574

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acções de desenvolvimento económico e sociale, em particular, do capital humano .

As questões centrais que serviram desuporte à discussão foram as seguintes:

* Que papel podem jogar os rendimentosdo petróleo no suporte ao desenvolvi-mento humano sustentável?

* Como se pode financiar de forma susten-tável o desenvolvimento do capitalhumano, em particular a educaçãoprimária?

* Como promover o acesso ao micro crédi-to, a micro e pequenos empresários?

* Como a revisão da lei da propriedade daterra em Angola e a privatização do imo-biliário público, podem desencadear umprocesso de capitalização da populaçãoAngolana?

* Como pode o Estado financiar o desen-volvimento rural e a reintegração demilhares de deslocados de guerra?

No caso concreto de Angola, os partici-pantes tinham a percepção que o problemaessencial não tem sido a falta de recursosfinanceiros e, pelo contrário, em certos casos,o seu excesso, na medida em que a economiapetrolífera, à semelhança do que acontececom outros países onde o petróleo impera,injecta demasiado dinheiro relativamente àcapacidade de o utilizar para acções de desen-volvimento. Foi lembrada a célebre máximachinesa de que o importante é ensinar a pescare não dar o peixe, tendo sido levantada aquestão da gestão dos fundos provenientes dopetróleo. Entram todos no OGE?; Servem paraa construção de escolas? Serão as receitasprovenientes da exportação de petróleodepositadas em bancos nacionais, no interiordo País?; Ou, pelo contrário, as receitas sãousadas para comprar bens de consumo, parapagar bolsas de estudo no exterior e, paramelhorar a situação de reservas em sistemasbancários estrangeiros?

Os participantes, constataram que de facto

as empresas petrolíferasestão dentro, mas FORAde Angola, na medida emque dão pouco empregoa angolanos, directa eindirectamente, atravésde aquisições que pode-riam fazer no País;depositam as receitas noexterior; contratamespecialistas e técnicosno exterior e portanto,praticamente, não criam efeitos multipli-cadores na economia nem contribuem, real-mente, para a criação e fortalecimento daeconomia nacional, do aumento da produção edo emprego, sendo inversamente, uma fortevia para inflaccionar o custo de vida local.

Haverá que evitar a delapidação dessesrecursos, não os esgotar a curto prazo e paraisso, seria necessário rever a situação legalexcepcional de que a actividade petrolíferatem vindo a beneficiar. Seria urgente garantir,e legislar, para que o dinheiro proveniente dopetróleo, entre no sistema bancário e credití-cio nacional, de forma a criar efeitos de propa-gação económica e social, benéficos para asgerações actuais e futuras de Angola.

Assim, considerando que o petróleo é umrecurso não renovável, considerou-se queAngola deveria fazer um esforço para que:

* O petróleo sirva, principalmente, paragarantir as necessidades de acumulaçãoe, em particular, a formação do homemangolano nas condições mais racionaispossíveis, como sejam a garantia daeducação com qualidade no país. Osrecursos do petróleo devem servir, pri-mordialmente, para a EDUCAÇÃO,acompanhada da formação profissionale acções de pesquisa e desenvolvimentode progresso técnico apoiando, espe-cialmente, as pessoas mais dotadas;

* Poder-se-ía, à semelhança do que fazemoutros países (por exemplo, a Noruega),criar um Fundo destinado, exclusiva-mente, à capitalização, de forma agarantir que as futuras gerações possam

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 75

Os recursos do petróleodevem servir, primor-dialmente, para a EDU-CAÇÃO, acompanhadada formação profission-al e acções de pesquisae desenvolvimento deprogresso técnicoapoiando, especial-mente, as pessoas maisdotadas.

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beneficiar dos resultados da extração eexportação deste recurso;

O desenvolvimento do capital humano, emparticular, a educação primária recebeu aopinião unânime dos participantes. Atenção àreforma do sistema de ensino, adequando-o aomeio em que se insere a criança, deveria sertida em conta. Dever-se-ia dar especialatenção à formação de professores, con-siderando que a relação Professor-Escola con-stitui um importante factor de desenvolvimen-to da comunidade e considerar, por outro lado,que a educação integral da criança deveriaenvolver, obrigatoriamente, a própria família.Só o desenvolvimento do Homem garante odesenvolvimento da sociedade e por isso, alémdo ensino das questões científicas e técnicastambém é necessário transmitir às crianças,conhecimentos que lhes permitam tornarem-sehomens e mulheres íntegros, como por exemp-lo: higiene, cuidados de saúde, criação de ani-mais, educação moral, melhor alimentação,hábitos de convivência e solidariedade social.

A formação profissional deveria igualmenteser estimulada e a criação de centros para oefeito. No meio rural, deveriam ser erguidasescolas de formação técnica profissional. Aoensino superior, deveria ser garantida quali-dade e exigência no acesso e frequência dasuniversidades, sendo urgente reformular todoo sistema de bolsas de estudo, reorientando osmeios para o interior do País, com as conse-quentes vantagens de se pouparem recursos.Por outro lado, seria necessário atender aosprofessores, garantindo a sua boa formação.Igualmente, a urgência na implantação de sis-temas de aconselhamento, de forma avalorizar as profissões de todos os níveis e, nãoapenas o nível superior.

Relativamente ao micro crédito, dever-se-ádistinguir aquele que se refere ao meio rural,tendo sido referido a experiência da “extensãorural” onde os créditos eram acompanhadosde assistência técnica, meios técnicos e trans-missão de tecnologia. O micro crédito exigeinfraestruturas pesadas e de elevados custos,pelo que o Estado deve apoiar com subsídios;fundos de fomento; estruturas de apoio técni-co; especialistas. Os bancos poderiam actuar

como “grossistas” de empréstimos a entidadesque usariam os fundos em sistemas de microcrédito. O Estado deveria apoiar todo esteprocesso ao mesmo tempo que o envolvimentodirecto das comunidades, seria importantepara o sucesso dos projectos.

A questão da lei da terra foi considerada deextrema importância, porque se trata de umrecurso extremamente limitado e esgotável.Se a Lei da terra não fôr elaborada tendo emconta o desenvolvimento futuro, poderá gerargraves problemas económicos e sociais. Apesarde necessária seria importante esperar maisalgum tempo até aprovar a lei de terras garan-tindo, entretanto, o uso de longo prazo porforma a garantir a obtenção de créditos. Naopinião dos participantes, as comunidadesrurais precisam de grandes extensões de terra,devido ao sistema de pousio (deve ter-se emconta que as terras aráveis são muito escas-sas). Por outro lado, o direito de propriedadedeve ser respeitado (direito consuetudinário),pelo que dever-se-ia estabelecer limites para apropriedade da terra e, garantir o seuaproveitamento àqueles que reivindicam aposse e uso. No caso específico da criação degado, ela ainda exige maior extensão de ter-reno, devendo ser garantidos os direitos deacesso à água, pelas populações e pelo gado.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200576

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Seria urgente elaborar os cadastros das terras.Isto iria permitir aos portadores de títulos dasterras, usar a terra como garantia na obtençãode meios financeiros. Identificados a ausênciade mecanismos legais que garantam aosinvestidores a segurança dos seus investimen-tos, o actual projecto de lei de terras não teriasuficiente profundidade para ser aprovado deimediato, segundo alguns dos participantes,pelo que deveria ser alvo de um amplo debate.Enquanto a lei não fosse aprovada, deveriamser concedidas garantias de concessão a prazo.

Quanto à privatização do imobiliário públi-co seria urgente rever, agilizar e pôr ordem,nas formas de legalização do património imo-biliário, sobretudo em Luanda, onde a situaçãoé mais morosa. Sugeriu-se a aplicação doprincípio da “Renda resolúvel”. Já sobre opatrimónio ligado às empresas, este deveriaser entregue a quem provar ter capacidadeempresarial e financeira para gerar riqueza.Do mesmo modo, deveriam ser dadas garantiasaos trabalhadores, através da aquisição de“quotas”, garantidas por títulos.

Sobre como o Estado pode financiar odesenvolvimento rural e a reintegração demilhares de deslocados de guerra, os partici-pantes referiram que a questão dos deslocadosera muito sensível e delicada, pelo que deve-ria ser atendida rapidamente, uma vez setratarem de famílias a quem falta tudo. Comominimizar as carências? Através da concessãode meios de produção como: catanas, animaisde tracção e de criação, enxadas, sementes,etc. Embora este problema tenha sidoconsiderado temporário, é necessário dar-lhe adevida atenção com apoio directo, comidapelo trabalho e criação de condições de esta-bilidade, segurança, desminagem, campanhasde reeducação. Se os deslocados ganharemnovas casas, novos empregos, não quererãoregressar às cidades. Foi sugerida a aplicaçãode um Quadro Legal de Incentivos às empresasque apoiem as comunidades vizinhas dosrespectivos empreendimentos (no caso deAngola esta iniciativa seria muito pertinente,considerando as condições especiais deextracção de recursos minerais e outros).

4.1.4. Criação de um Pacto Social e Económico de Desenvolvimento

Criacão de um pacto social e económico dedesenvolvimento foi o tema do quarto work-shop temático. A ideia central seria testar ahipótese de trabalho de que seria salutar paraum país saído de um longo conflito, promoverum pacto social e económico de desenvolvi-mento, que poderia levar à criação de umambiente institucional e político favorável aodesenvolvimento humano sustentável. Odesenvolvimento humano sustentável prevê aexistência de um conjunto de pressupostos devária índole, tendo como denominador comuma característica de promover a estabilidadepolítica, institucional e social.

* No caso concreto de Angola saída de umconflito prolongado, faria sentido falarda necessidade de um pacto de estabili-dade política institucional?

* Que mecanismos poderiam ser utilizadospara a promoção de uma maior estabili-dade político e institucional futuras?

* Que factores de risco podem ser anteci-pados que possam pôr em causa a coesãoe paz social? Como reduzir os níveis deinstabilidade actu-ais e futuros? Osreflexões à estaquestão foram jáapresentados sobforma de caixa, nocapítulo 1 (verCaixa 1).

* Por outro lado, as elites, partidos políti-cos, igrejas, media e exército, sãoagentes e canais que promovem a cri-ação de estabilidade ou instabilidadepolítico e institucional. Os seus produtose resultados das suas acções, moldam aconsciência colectiva e o modus operan-di da sociedade. Que papel podem aselites jogar para o desenvolvimento deuma cultura de respeito e reconciliaçãonacionais?

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 77

O primado das leis eo seu cumprimentorigoroso, em particu-lar da Constituição,deve regular toda avida político - institu-cional do País.

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* Os media podem funcionar como factor deestabilidade ou de instabilidade na for-mação da consciência política e pública?

* Qual o papel dos partidos políticos nacriação de uma maior estabilidadepolítica e institucional? Ao redor destasquestões centrais se desenrolou odebate cujas reflexões se apresentam aseguir.

O debate neste workshop temático sedesenrolou a volta destas questões e as princi-pais reflexões são apresentadas a seguir:

Sobre a necessidadeda criação de umpacto de estabilidadepolítico institucional,as opiniões giraram àvolta da utilidade eperíodo de duração deum pacto destanatureza. Referiu-seque um pacto destetipo só poderia ser demuito curta duração eservir para um objecti-vo concreto e dealcance imediato.Nunca para promovera génese e fortaleci-

mento das instituições ou garantir a sua esta-bilidade. O primado das leis e o seu cumpri-mento rigoroso, em particular da Constituição,deve regular toda a vida político-institucionaldo País, segundo os participantes. Considerou-se mesmo que já existe esse pacto, consubstan-ciado nos 17 princípios já aprovados pelo Par-lamento, que darão forma à futura Constitu-ição e irão modelar toda a vida futura daNação. Referiu-se que outras contribuiçõesvindas da sociologia, da antropologia oumesmo do jogo político, não acrescentam nadade importante, nem aportariam qualquer novi-dade, pois a solução é, principalmente, técni-ca e passa pelo cumprimento rigoroso doquadro legal e aplicação estrita das sançõesaos que dele se afastem. Foi referido que umpacto económico e social de desenvolvimento,para além de uma utopia e surrealismo políti-

co comporta perigos para o multipartidarismo,pois, subentende uma única opção política, oumesmo a ausência de partidos. De igual modo,haveria muita dificuldade em verificar ocumprimento desse pacto, tendo em conta oque se passa com o memorando de entendi-mento que, apesar de ser menos abrangente,exige um mecanismo de verificação complexo,o qual, no caso de um pacto económico esocial de desenvolvimento, seria de aplicaçãoduvidosa. Ficou marcada a posição de recusados participantes a esta proposição. O fun-cionamento das instituições deve pautar-sepela legalidade e isso deve ser o suficientepara criar estabilidade e resolver os problemassociais. O voto popular deveria garantir aaprovação deste pressuposto.

Em suma, poderá afirmar-se que o embriãodo pacto social e económico de desenvolvi-mento já existe e está consubstanciado na rela-tiva trégua política que se vive, postergando asbatalhas eleitorais para mais tarde, no sindi-calismo de baixa intensidade que apenasoferece movimentos reivindicativos episódicos– quando a situação salarial é caótica – naacalmia e aceitação civil das diferentes ati-tudes das autoridades, por vezes lesivas dosinteresses e direitos individuais. Não estáescrito, mas é implícito no comportamento dasociedade, no funcionamento do Governo deUnidade e Reconciliação Nacional –GURN–, naexpectativa geral de que é possível reconstru-ir o País e assumir o espaço a que cada um temdireito.

Em relação aos possíveis mecanismos a uti-lizar para a promoção de uma maior estabili-dade político e institucional futuras, a ideiaque ficou reflectida nos debates, é a de que aestabilidade político-social, é fruto do fun-cionamento das instituições e da afirmação dopoder do Estado. O que se tem verificado, éque o Estado se tem demitido da sua funçãoreguladora da sociedade e mesmo, do exercí-cio do poder ao nível do quotidiano, permitin-do a desregulamentação da vida social – cadaum faz o que lhe apetece – provocando a insta-bilidade. Para colmatar esta situação, énecessário que as instituições cumpram os seuspapéis.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200578

A estabilidade político-social, é fruto do fun-

cionamento das institu-ições e da afirmação dopoder do Estado. O que

se tem verificado, éque o Estado se tem

demitido da sua funçãoreguladora da sociedade

e mesmo, do exercíciodo poder ao nível do

quotidiano, permitindoa desregulamentação da

vida social.

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O mecanismo fundamental para a pro-moção da estabilidade política e institucional,é a assumpção plena do exercício do poder porparte do Estado. Foi também referido, quepara a existência de uma estabilidade real,seria importante a igualdade de oportunidadespara cada cidadão, o que é difícil quando asinstituições não funcionam. Os desvios de fun-dos públicos, não são investigados até às últi-mas consequências, o enriquecimento súbitonão é questionado – a própria educação docidadão e da classe dirigente, para o usoracional dos bens e espaços colectivos, éfunção da qualidade das instituições.

Em relação ao papel que papel as elitespodem jogar para o desenvolvimento de umacultura de respeito e reconciliação nacionais, adiscussão recaiu na dúvida se, estas elites,realmente existiam e moldavam a opinião dasociedade. Criadas durante o sistemamonopartidário, hoje não têm quem as siga.Parte delas extinguiu-se com o regime. Os quese apresentam hoje como elites, não se desta-cam por nada de especial. Líderes e gover-nantes não são encarados como elites, por nãoapresentarem propostas que interessem aocidadão comum, segundo alguns dos partici-pantes.

As elites devem trans-mitir valores educa-tivos patrióticos e serexemplo para osdemais. Elites que nãotransmitam a culturado trabalho, mas a do“esquema”, darão aentender que só como“mafiosos” é possívelsobreviver. As elitestradicionais que, ante-

riormente, resolviam muitos assuntos local-mente, hoje deixaram, praticamente, deexercer esse papel que passou para o Estado,verificando-se também dificuldade em cumpriro seu papel de educadores e de transmissoresdos valores da sociedade.

Sobre as questão se os media podem fun-cionar como factor de estabilidade ou de insta-bilidade na formação da consciência política e

pública, os partici-pantes consideraramque, os media respon-dem, cada vez mais,aos interesses dos seusproprietários, defend-em os interesses sócio-económicos dos seusfinanciadores, reflecti-do na forma comoabordam matérias porvezes sensíveis, deuma forma parcial eque chega a chocar aopinião pública, crian-do instabilidade. É importante que os jornalis-tas elevem o seu nível e se habituem a consul-tar os especialistas, quando tratarem dematérias de carácter técnico. Muitas vezes, aspessoas são levadas a acreditar naqueles quese exprimem melhor em detrimento dos quesabem mais. Mudar esse estado de coisas, éuma responsabilidade que os media não podemdeclinar, para se afirmarem como instrumentosde estabilidade.

Em relação ao papel dos partidos políticosna criação de uma maior estabilidade políticae institucional, os participantes consideraramque os partidos políticos respondem, igual-mente, aos interesses dos detentores do podereconómico. Aliás, verifica-se isto nas crises ecisões que afectam os partidos que não têm umcarácter programático, mas apenas o interessepelos valores financeiros em jogo. Pede-se umamaior responsabilidade dos diferentes par-tidos, como organizações que se encontram nadisputa do poder e representam todos os queneles depositam confiança através do voto,afirmando-se assim como factores de estabili-dade político-social.

Por outro lado, outros organismos dasociedade civil, escamoteiam o objecto paraque foram criados e, parecem vocacionadosapenas para gerar valores e lucros, muitasvezes por meios ilícitos, constituindo um fortefactor de instabilidade. Requere-se transparên-cia na actuação destes órgãos representativosdos mais diversos interesses, segundo algunsdos participantes.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 79

As elites devem trans-mitir valores educativospatrióticos e ser exem-

plo para os demais.Elites que não transmi-

tam a cultura do trabal-ho, mas a do “esque-

ma”, darão a entenderque só como “mafiosos”

é possível sobreviver.

Os media respondem,cada vez mais, aosinteresses dos seus pro-prietários, defendem osinteresses sócio-económicos dos seusfinanciadores, reflecti-do na forma como abor-dam matérias por vezessensíveis, de uma formaparcial e que chegam achocar a opinião públi-ca, criando instabili-dade.

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4.1.5 A Família, Mulher, Criança e VIH/SIDA

A família, a mulher, a criança e o VIH/SIDAforam os elementos que constituiram o temacentral do quinto workshop, que tinha porobjectivo entre outros, relacionar o perigo querepresenta para o desenvolvimento humano oVIH/SIDA. O desenvolvimento e o futuro dequalquer sociedade depende, em grande medi-da, da formação e dos apoios sociais prestadosà família, nomeadamente, no domínio da edu-cação, da saúde, pois esta, para além de con-stituir a base de todas as sociedades, constituio embrião de formação das crianças, jovens emulheres, como indivíduos, tornando-as pes-soas socialmente úteis.

As questões debatidas durante este work-shop temático incluiram:

* Em que medida o apoio ou a falta deapoio à família, às mulheres e às cri-anças, pode afectar o desenvolvimentohumano em Angola?

* Que tipo de apoio deve ser prestado? epor quem?

* Com que problemas se debate hoje afamília Angolana?

* Como amenizá-los ou superá –los, nafase pós conflito?

Referiu-se que um dos maiores problemascom que se debate a família Angolana é apobreza e as deslocações – migrações, em con-sequência da guerra que o País viveu durantemais de trinta anos, e que, os problemas dafamília, eram susceptíveis de se reflectir nomaior ou menor índice de desenvolvimento.Igualmente, foi referida a falta de apoio anível dos serviços sociais, nomeadamente,educação e saúde. Foi feita uma abordagemsobre a condição da mulher e da criança nasociedade Angolana, tendo sido referido quesão quem mais sofre com os problemas dafamília, na medida em que, grande parte dasfamílias Angolanas são chefiadas por mulheres,mas estas acabam por ser discriminadas, por

causa dos costumes existentes que aprovam asubmissão e subordinação das mulheres aoshomens e favorecem a progressão dapoligamia.

Para combater os problemas com que sedebate a família, os participantes propuseramuma justa distribuição da riqueza e um com-bate sério à pobreza, assim como a criação depostos de trabalho, centros de formaçãoprofissional e o investimento no desenvolvi-mento comunitário, que inclua a reparação deredes de serviços básicos, como serviços desaúde, de educação, lojas, cantinas, vias decomunicação, etc.;

Dever-se-ia dar prioridade ao fomento dascondições de vida nas zonas rurais, para incen-tivar os camponeses a regressarem à agricul-tura, de forma a criar bases de sustento dapopulação.

Em conclusão, todos os participantes con-cordaram, ser necessário, fortalecer a famíliae educá-la, criando novas mentalidades enovos hábitos, quer seja através de programasde educação, quer seja através da criação delegislação protectora da família.

A realidade social e estudos empíricosefectuados em diversos países têm mostradoque a informação sobre o VIH/SIDA e seu com-bate, deve começar na família, a quem deveser propiciada informação, na medida em quese considera a prevenção como a principalforma de combate ao VIH/SIDA. Por outro lado,o tratamento aos doentes e o acesso aosmedicamentos, é hoje considerado um direito

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200580

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

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humano. Neste sentido, as questões seguintesforam dirigidas aos participantes:

* Como se poderá facilitar em Angola oacesso ao tratamento, e o combate àdoença sem criar estigmas aosdoentes?;

* O Estado deverá criar mecanismos paraintrodução no curriculum escolar aabordagem ao VIH/SIDA?;

* Que medidas poderão ser tomadas nodomínio da saúde e da educação visan-do a prevenção da doença?

* Quem deverão ser os parceiros sociais doEstado na divulgação/informação/for-mação sobre os efeitos do VIH/SIDA?

Foi referido que o VIH/SIDA, constitui hojeum dos principais problemas com que sedebate a família Angolana, na medida em que

constitui uma fonte deregressão do desen-volvimento humano,pela diminuiçãodemográfica, eredução da força detrabalho necessáriapara a reconstrução dopaís. Os números seri-am assustadores, namedida em que,segundo dados estatís-ticos da ONUSIDA, aque os moderadores doseminário tiveramacesso, em 1989,

haveriam cerca de 38.709 seropositivosenquanto que em 2001, este número passoupara cerca de 523.654 seropositivos, represen-tando uma subida de prevalência de 0,9% em1989, para 8,6% em 2001, números só julgadospossíveis para o ano de 2009, segundo as pro-jeções.

Foram evocadas as principais causas e con-sequências do VIH/SIDA, tendo sido referidoque as principais causas de propagação e con-tágio do VIH/SIDA são: a pobreza, a falta deacesso aos medicamentos, as migrações devido

à guerra e o desem-prego. Outro grupo defactores seriam: obaixo nível de escolari-dade e falta de for-mação e informação,assim como a falta deeducação sexual nasescolas, prostituiçãoinfanto-juvenil, cri-anças deslocadas,desenraízadas etraumatizadas, eleva-do nível de doençasendémicas. A resistên-cia social ao uso dopreservativo, constituitambém um grandefactor de risco.

As consequências da propagação doVIH/SIDA, nomeadamente, as consequênciasde ordem social, como a estigmatização eostracismo dos seropositivos, foram igual-mente apontadas. O VIH/SIDA tem igualmenteinúmeras consequências a nível económico,nomeadamente, o aumento da mortalidade,que faz regredir o crescimento económico, namedida em que os custos com o tratamento dadoença são bastante elevados, estimando-seem cerca de 18 mil dólares/pessoa/ano.Partindo da estimativa de que em 2009 deveráhaver, em Angola, cerca de um milhão de pes-soas infectadas, estar-se-ia diante de umacatástrofe sócio-económica, por um lado,devido aos grandes custos com o tratamento, epor outro, a morte e desaparecimento de adul-tos, deixando milhares de crianças entregues àsua sorte, aumentando as responsabilidades doEstado relativamente ao seu sustento e edu-cação.

Os participantes referiram que se deveinvestir na prevenção da doença, de forma aevitar que mais pessoas fiquem infectadas. OVIH/SIDA não pode resumir-se a um problemade saúde pública, devendo o Estado criar pro-gramas integrados de desenvolvimentonacional, afectando parte significativa doOrçamento Geral do Estado à prevenção etratamento da doença, de forma a não excluirdo tecido social os seropositivos. Há necessi-

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 81

Em 1989, haviam cercade 38.709 seropositivosenquanto que em 2001,

este número passoupara cerca de 523.654

seropositivos, o querepresenta uma subidade prevalência de 0,9%em 1989 para 8,6% em

2001, números só julga-dos possíveis para o ano

de 2009, segundo asprojecções.

Partindo da estimativade que em 2009 deveráhaver, em Angola, cercade um milhão de pessoasinfectadas, estar-se-iadiante de uma catástrofesócio-económica, devidoaos grandes custos com otratamento, por um ladoe por outro, a morte edesaparecimento deadultos, deixando mil-hares de criançasentregues à sua sorte, oque aumentaria asresponsabilidades doEstado relativamente aoseu sustento e educação.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

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dade de educar as pes-soas para o perigo querepresenta a doença, deforma a serem engajadostodos os actores sociaisna prevenção e no com-bate à doença. Foisugerido, igualmente,

que os actuais programas de prevenção sãoassustadores, na medida em que deveriamalertar para o perigo sem ferir a susceptibili-dade de quem é seropositivo, pois normal-mente dizem “A SIDA mata”, fazendo com queas pessoas infectadas criem sentimentos devingança. Todos os participantes alertarampara a necessidade de humanização dadoença, através da informação às pessoas, sug-erindo inclusive que a nível do ensino básico,seja introduzida na cadeira de formação morale cívica, informação sobre o VIH/SIDA.

Os participantes sugeriram que o EstadoAngolano se candidatasse a todos os fundosmundiais que são alocados a prevenção etratamento da doença, tendo referido, igual-mente, que o Estado deve assumir as suasresponsabilidades a nível do tratamento, pois oacesso à medicação é hoje considerado umdireito humano. Concluiu-se que deve ser pro-posta a aprovação de uma lei de protecçãosocial dos seropositivos, nomeadamente, nodomínio laboral, por forma a manter a confi-dencialidade da doença.

Foi ainda referida a necessidade de infor-mar sobre a doença utilizando todos os veículospossíveis, com prioridade para as mulheres,pois são elas que educam os filhos,passando–lhes as mensagens recebidas, e quan-to aos homens, procurar a mudança dementalidades, sobretudo a nível dos costumes,utilizando para sua sensibilização os sobas dasaldeias e os promotores de saúde que devemeducar toda a população, sensibilizando–aspara o perigo de contraírem a doença. Foi apre-sentado como exemplo de formação e infor-mação sobre a doença, o projecto JIRO, consti-tuído por jovens das igrejas que criam gruposde conversação com outros jovens e fazempalestras alertando para o perigo do VIH/SIDA,e que necessitam de apoio financeiro do Estadopara prosseguir com tal actividade.

Caixa 7 - O que fica para as Mulheres Angolanas como resultado do conflito?

Parece oportuno questionar o que fica paraas mulheres angolanas como resultado do con-flito, considerando que a sua trajectória, comosoldados, líderes, activistas, sobreviventes evítimas de um dos conflitos mais trágicos docontinente africano continua a ser desconheci-do. Além disso, as estatísticas sobre o númerode mulheres envolvidas na tomada de decisão,embora mais alto em comparação com o restodo continente, está em contradição com oposicionamento das mulheres na sociedadeangolana.

As mulheres angolanas têm estado emnegociação constante com as lideranças, com oobjectivo de serem ouvidas e, para que as suaspreocupações sejam integradas nas políticasdo governo. As realizações mais significativaspara a integração de assuntos de género, pro-movidas pela Organização da Mulher Angolana(OMA), aconteceu nos anos 80 com a intro-dução do Código de Família e a formulação eimplementação de uma política de provisão deserviços do Planeamento Familiar para asmulheres. Porém, a realidade é que a maioriadas mulheres ainda luta para que os seus dire-itos sejam respeitados. Dois exemplos, são aquestão do direito à herança e o apoio à cri-anças de mães soleiras. Estes assuntos, apesarda sua inclusão em políticas e reformas, nãoestão a ser respeitados, e o governo não temcapacidade para assegurar que as providênciasestipuladas sejam, suficientemente, conheci-das. Contra este quadro, os longos anos deconflito, trouxeram muitas consequênciasnegativas na população angolana e nas mulheres,em particular, para além de parecer que ogoverno tem falhado no direccionamento dopapel das mulheres angolanas e na transfor-mação das relações de género.

Por exemplo, as organizações de mulheresem Angola, sofrem de uma falta de capaci-dade, influência e coordenação. Muitas estãodesfocalizadas nos seus papeis e objectivos e,reflectem uma fraqueza mais geral a nível dasociedade civil angolana, ligada ao clima

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200582

Os actuais programasde prevenção são assus-tadores, na medida em

que deveriam alertarpara o perigo sem ferir

a susceptibilidade dequem é seropositivo.

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político. Apesar de, em algumas áreas, as ONGsserem os únicos provedores de serviços àcomunidade, as organizações femininastiveram pequena influência em políticas quepoderiam melhorar a vida das mulheres.A troca de informação, a coordenação e o tra-balho em rede entre as diferentes organiza-ções, interessadas em promover os direitos dasmulheres e os assuntos de género estão limita-dos, o que torna difícil descobrir que trabalhoestá a ser feito nas províncias.

Uma das razões por que tem falhado aunião das mulheres, é que a guerra não signifi-cou o mesmo para todas elas. As mulheresusaram uma variedade de meios para sobrevivere, a realidade social da mulher urbana, não foia mesma que a da mulher rural. Os recursospara a sobrevivência eram claramente depen-dentes do contexto no qual as mulheresviveram. Porém, os danos da guerra afectaramde maneira igual tanto as áreas urbanas comoas rurais e, até certo ponto, o ambiente sociale económico nas áreas urbanas, pode ter sidomais hostil devido à alta taxa de urbanização eà degradação dos serviços sociais e esquemasde sobrevivência.

O posicionamento da mulher angolanahoje, deu passos atrás em várias direcções. Asmulheres estão, sem dúvida, entre as maioresvítimas do conflito civil. As políticas governa-mentais, separaram claramente os assuntosdas mulheres, da principal agenda do Governo.Adicionalmente, as mulheres envolvidas natomada de decisão nacional, estão separadasda maioria das mulheres ordinárias, por estilode vida, classe e programas de trabalho.

Como tal, a questão sobre como pressionaro Governo Angolano para começar a olhar parahomens e mulheres de maneira igual na suapolítica de género, permanece. Novamente,parece que a pressão poderá vir daqueles quemais sofrem a falta de equidade de género, noGoverno e nos centros de decisão, do que dosdecisores própriamente ditos..

Até que ponto pode-se falar de política degénero e equilíbrio, num ambiente onde as dis-paridades sociais são as únicas referências paraas novas gerações?

A especificidade do género no conflitocivil, é muito aparente e sua análise deveriaser imperativa por muitas razões. Realmente,as experiências de conflito de homens,mulheres e crianças podem prover um entendi-mento mais profundo de como as pessoasreagem e se adaptam a situações novas e omodo pelo qual a política adequada ao génerodeveria atingir os diferentes grupos.

A primeira acção, deveria começar com agarantia plena de que as mulheres participarãoactivamente na reconstrução do país e, que apaz construída em Angola não deveria cingir-sea assuntos do homem.

Uma maneira de começar a caminhar nessadirecção, pode ser o exame do conflito, a par-tir de uma base do género e, numa perspecti-va de desenvolvimento. Isto envolve traduziruma análise de género da situação de pós con-flito, numa política e prática. Isto poderiacriar uma participação mais forte de mulheres,em todas as esferas de sociedade.

Em resumo, os principais desafios/questões que deveriam ser enfrentados imedi-atamente, para assegurar um maior equilíbrionas relações de género, além de abriremcaminho para uma maior igualdade entrehomens e mulheres como resultado de confli-to, são como segue:

* A introdução dos direitos humanos e deassuntos de género, no debate e acção,em questões de VIH/SIDA;

* Sensibilização em violência doméstica eatitudes circunvizinhas;

* Mobilização de recursos, para aumentaro número de mulheres na esfera políticae tomada de decisão;

* Mobilização de recursos, para fortalecera capacidade das organizações de mul-heres, para implementar actividades epolítica de influência.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 83

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4.1.6. Provisão de justiça e Desenvolvimento Humano

Este foi o tema abordado durante o sextoworkshop temático, que ficou estruturado aoredor de 4 sub-temas:

* Como a protecção dos direitos de pro-priedade (ex. lei das terras, acesso atítulos de propriedade de habitaçãourbana, etc.) tem afectado e poderáafectar, no futuro, o desenvolvimentohumano em Angola?

* Quais os problemas principais com quese debate a implementação da justiçaem Angola? Quem tem a responsabili-dade social e funcional na sua res-olução? Quais são as áreas na provisãode justiça mais dificitárias e se possívelproceder á sua priorização? Que grupossociais são mais vitimados pelos actuaisníveis de deficiência? Qual o papel dasautoridades tradicionais no contexto daprovisão de justiça em Angola?

* Num contexto de transição pós-conflitocom as características de Angola pode-se assumir que a provisão de justiça emtermos de qualidade e abrangência(justiça a que todo o cidadão podeaceder) pode jogar um papel impor-tante em termos de reconciliaçãonacional, redução e prevenção de con-flitos? Se a afirmação anterior tem algu-ma consistência como isso poderia terlugar em Angola? Que mecanismos,actores e estratégias? Como promover oacesso da justiça a um nível mais próxi-mo do beneficiário?

* O acesso à informação para o desen-volvimento constitui uma das carac-terísticas básicas do paradigma dedesenvolvimento humano. A ideia cen-tral é que a informação gera formação,conhecimento e em última análise apromoção do capital humano. Consideraque exista no país uma política depopularização da lei e dos mecanismosde justiça? Que actores governamentais

poderiam e já jogam um papel rele-vante nos processos de popularização dajustiça?

Segundo os participantes a justiça é umproblema de todos, porque é um fenónemouniversal que toca toda a sociedade e queatravés dela, se garante a aplicação do princí-pio de igualdade de todos os cidadãos perantea lei.

O mau funcionamento da justiça, seriagerador de muitos conflitos sociais. Na actuali-dade, o nível da administração da justiça nopaís é baixo, embora comecem a surgir algunsexemplos de que os tribunais começam a actu-ar com independência, face ao poder político.

No país, os tribunais e o resto das institu-ições, não estão preparadas para enfrentar ovolume de conflitos que se vão gerar à volta daaplicação da Lei da Terra, se a proposta emdiscussão pública for aprovada sem profundasalterações. O conteúdo da proposta de Lei daTerra, em debate, não apresenta suficientesgarantias de justiça para os conflitos que seavizinham, já que os conflitos no campo, sãomuito sensíveis e complexos. Seria necessárioprever e garantir a criação de mecanismos desolução dos conflitos. Partindo do conceito deque a propriedade é um complexo problemaestrutural da sociedade e, condição “sine quanon” para o desenvolvimento humano, é pre-ciso que o Estado garanta direito à propriedadesem os atropelos actuais, que geram odescrédito dos cidadãos.

Em geral, não existe uma clarificação dostítulos de propriedade, havendo exemplos depropriedades que têm dois ou mais titulares, oque gera uma conflitualidade a que, por outrolado, os Tribunais não têm capacidade deresposta atempada. A ineficiência dos Tribunaisna administração da justiça, leva os cidadãos arecorrerem a outras instituições, como a Polí-cia, para encontrar solução para os conflitos. Ocomplexo problema das construções de viven-das nos arredores da cidade de Luanda, emcondições de caos e arbitrariedade urbanísticaé uma amostra de que não há mecanismosbásicos para administração da justiça. Seriapreciso resolver o grave problema da con-

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200584

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strução e propriedade das vivendas.

A Lei do Condomínio, também precisaria deser aprovada e rapidamente implementada,segundo os participantes. O País não possuiriaum registo predial nem cadastro, comomecanismos básicos para regular a funcionali-dade da propriedade como instituição jurídica,o que constitui um entrave à realização deinvestimentos.

Um dos dramas relativos á provisão daJustiça tem sido que muitas das vezes a lei éclara sobre os direitos mas a sua aplicação émedíocre ficando aquém das expectativas docidadão. Por isso, em resposta as questõessobre quais eram os principais problemas naimplementação da justiça no país, quem tinhaa responsabilidade social e funcional na suaresolução, os participantes consideraram seruma condição básica, que o Governo garantauma independência total da administração dajustiça. Mais, é essencial compreender, profun-damente, que sem justiça não haverá ver-dadeira paz. Não se pode falar de “justiçaacima de tudo”, porque é necessário tambémter paz e desenvolvimento humano, uma vezque tudo isto condiciona a conflitualidade.

A administração da justiça depende demuitos factores: económicos, culturais, educa-

cionais e outros, quedeterminam ascondições locais daadministração dajustiça. Ainda, segundoos participantes, have-ria muitos condicional-ismos na administraçãoda justiça como osorçamentos, a for-mação de peritos,especialistas, traba-lhadores qualificados,etc..

A protecção da justiçaé um problema que

deveria ser resolvido, pelo que seria necessáriocriar as condições básicas para que a justiçapossa funcionar; que as pessoas possam sentir-se actores directos da administraVão da justiça

e, dessa forma, participar do processo dedesenvolvimento humano.

Segundo os participantes, actualmente nãohaveria prestígio generalizado da autoridadedos Tribunais. Existiria uma profunda diferençaentre as províncias, onde os edifícios em que

os Tribunais funcionam inspiram respeito eautoridade aos cidadãos. Mas, em Luanda, issonão acontece, pois os edifícios não inspiremrespeito nem autoridade. Como consequênciada exiguidade dos orçamentos, os Tribunaistêm muitas limitações materiais e humanasque também são condicionantes à adminis-tração da justiça.

Ainda não haveria uma correcta fun-cionalidade do Tribunal Constitucional, porquese produzem processos legais por executivos einstituições governamentais, que violam osprincípios e as normas da constitucionalidade.É necessário que se garanta uma maiorproximidade do Tribunal Constitucional e doTribunal de Contas ao Parlamento, ao Estado eao Governo, segundo alguns dos participantes.

Em relação a solicitação para identificaçãoe priorização das áreas de provisão de justiçamais dificitárias, bem como a questão sobrequais grupos sociais eram mais vitimados pelosactuais déficits na prestação da justiça, os par-ticipantes referiram que não seria possível cor-relacionar o nível da administração e acesso dajustiça a grupos sociais específicos, pois, ajustiça é um fenónemo universal que afecta

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 85

O processo de movi-mentação das popu-lações rurais para ascidades provoca uma

mistura de hábitos, cos-tumes e tradições entrerurais e urbanos, de talforma, que é necessário

respeitar e cuidar dosvalores daqueles quechegam, pois, muitosdesses valores podemser úteis para o aper-

feiçoamento da admin-istração da justiça.

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todos os cidadãos.

Na opinião de alguns dos participantes, aadministração da justiça é, essencialmente,um problema político. Não há justiça se nãohouver boas leis, mas na maioria das vezes, asleis são feitas pelo Parlamento sob proposta doGoverno. Portanto, a justiça é um assunto emi-nentemente político. A política é que decide ajustiça em última análise. Mas, infelizmente,no país não é assim que funciona. Alguns políti-cos parecem ter medo da justiça e, para man-ter o poder, lutam para que a administração dajustiça fique sob o seu controlo. Não é presti-giante para os políticos que os tribunaisrevoguem as suas decisões, porque isso podefazer transparecer a incapacidade do Estado

de governar. Nasociedade angolana, hávários exemplos em queos Tribunais revogam asdecisões do Governo.

O nível de partici-pação dos diferentesgrupos sociais nas delib-erações dos fundamen-

tos das leis é quase nulo, em particular, de gru-pos mais marginalizados. Na opinião dos par-ticipantes, deve-se trabalhar no sentido da suainclusão na administração da justiça.

Os participantes consideraram que aadministração da justiça só teria lugar nacapital, porque realmente, há muitos lugaresnas províncias, nos municípios e nas comunas,onde as leis e os profissionais da justiça nãochegam. Por outro lado, não há uma cor-respondência entre as infra-estruturas daadministração da justiça e a realidade daspopulações. Como exemplo, foi apontado ocaso do município do Cazenga, em Luanda,onde antes da guerra moravam ao redor de 100mil pessoas e agora teria mais de um milhão demoradores. A capacidade das estruturas daadministração da justiça local, não sofreramalguma alteração para acompanhar o cresci-mento populacional do município.

Sobre o papel das autoridades tradicionaisno contexto da provisão de justiça em Angola,os participantes consideraram que nas áreas

onde a administração da justiça moderna nãose faz sentir, o poder tradicional exerce a suafunção social de justiça através do direito cos-tumeiro. Nas condições actuais do país, estim-ular e apoiar a administração da justiça tradi-cional, actuando em conformidade com aadministração da justiça moderna seria umaproposta válida. O processo de movimentaçãodas populações rurais para as cidades provocauma mistura de hábitos, costumes e tradiçõesentre rurais e urbanos, de tal forma, que énecessário respeitar e cuidar dos valoresdaqueles que chegam, pois, muitos dessesvalores podem ser úteis para o aperfeiçoamen-to da administração da justiça. Segundo algunsdos participantes, não seria possível afastar aadministração da justiça tradicional, dos com-plexos e sensíveis problemas da sociedade.

Outra questão levantada pelos partici-pantes, foi o acesso à informação sobre alegislação. Infelizmente, a difusão das leis peloGoverno é muito cara, sendo o acesso ao“Diário da República” , um bom exemplo deque as publicações não estariam ao alcance docidadão comum.

Sobre a questão segundo a qual a provisãode justiça, num quadro de transição pós-confli-to, poderia jogar um papel importante noprocesso de reconciliação nacional, particular-mente, na prevenção e resolução de conflitos,alguns dos participantes consideraram ajustiça como um mecanismo fundamental pararesolver os conflitos do processo da reconcili-ação nacional. No entanto, consideraram umavez mais, que alguns políticos continuam atentar ficar acima da administração da justiça.O impacto sociológico de tantos anos de guer-ra ainda se mantém e, por isso, as pessoas con-tinuam a pensar que fora de Luanda ainda nãoterminou o conflito bélico. Alguns dos partici-pantes consideraram que a amnistia é umanecessidade no plano internacional, mas que,internamente, existem crimes cujo perdãodeverá ser objecto de uma disposição tácita,mas não pública.

Sobre a existência ou não, no país, de umapolítica de popularização da lei e dos mecanis-mos de justiça, por um lado e por outro, sobrequais os actores governamentais que jogam ou

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200586

A difusão das leis peloGoverno é muito cara,

sendo o acesso ao“Diário da República”,

um bom exemplo deque as publicações nãoestariam ao alcance do

cidadão comum.

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poderiam jogar umpapel relevante nestesprocessos de popu-larização da justiça,os participantes aoseminário, estimamque dentro dos mecanis-mos básicos da adminis-tração da justiçaestariam a educação,em geral, e jurídica, em

particular, das pessoas. Elas seriam a base parao desenvolvimento do princípio de liberdade edemocracia e, precisamente, o conhecimentoda lei. Não é possível ser livre, quando se igno-ram os direitos e deveres. Contudo, a falta decultura jurídica no país, é uma realidade quedetermina que os níveis de liberdade edemocracia ainda sejam praticamente nulos.

Por outro lado, alguns dos participantesconsideram que o desconhecimento da leipelas autoridades tradicionais deveria levar aque o Governo levasse a cabo um programa deinformação sob a legislação moderna juntodelas.

Os participantes constataram não haveruma prioridade para o desenvolvimento de fac-tores como a educação geral e jurídica desdeos níveis de ensino formal básicos na sociedadeangolana, o que seria limitativo ao desenvolvi-mento individual da cidadania. Igualmente, foireferido não existir um asseguramento profis-sional e material, entre outros, para o fun-cionamento da administração da justiça, o queteria um impacto negativo sobre o desenvolvi-mento humano. Infelizmente, parece existiruma tendência para economizar na adminis-tração da justiça, o que seria um erro, pois nãose pode poupar naquilo que deve estar aoalcance dos cidadãos comuns. É preciso que oGoverno, estabeleça tarifas de serviços dejustiça ao alcance das populações e um sis-tema de serviços jurídicos que permita, aocidadão comum, dirigir-se e ter acesso àadministração da justiça. Só desta forma seestaria a desenvolver uma democracia maisalargada.

Haveria, segundo alguns dos participantes,um processo de distanciamento dos Tribunais

da sociedade, sendo que o que seria necessárioera justamente o contrário. Para ultrapassarisso, sugeriram a criação de Tribunais de menorinstância com capacidade para a solução deconflitos ao seu nível, evitando que ospequenos processos acabem por ser proteladospor dossiers ditos “mais importantes”.

Haveria na sociedade um quase totaldesconhecimento da verdadeira realidade davida colectiva. Haveria uma carência deinquéritos de carácter multidisciplinar combase na jurisprudência, o que iria permitir umaorientação mais segura e actuante, sobre atransformação dessa realidade que hoje, infe-lizmente, se desconhece.

A divulgação da legislação, é uma necessi-dade imperiosa uma vez mais reforçada pelosparticipantes, que constataram haver umdéficit no domínio da prevenção jurídica.Sugeriram o recurso, pela própria justiça, aosjornalistas e órgãos de imprensa.

4.2. As Igrejas e as Religiões em Angola no processo de reconciliação (1975-2002)

“Etu tuana a mbuiji: xinde dimoxi”Somos filhos da mesma mãe, comamos jun-

tos a mesma erva: Por outras palavras, hajafraternidade e solidariedade entre os homens emulheres, filhos de uma mesma mãe.(Provérbio extraído do livro Visabu ja Kimbundu)Frei Miguel Bottacin

As guerras civis que se desenvolveram noperíodo pós-independência (1975) provocaramfortes desestabilizações sociais, económicas epolíticas, transformando Angola num país vul-nerável, onde um terço da sua população éconstituída por deslocados de guerra, vivendoem situação de desemprego, fome e misériaabsolutas.

Durante os anos 80 e 90 as Igrejas foram,frequentemente, defrontadas com os diversosdesafios sociais e por isso, no exercício da sua

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 87

Infelizmente, pareceexistir uma tendência

para economizar naadministração da

justiça, o que seria umerro, pois não se pode

poupar naquilo quedeve estar ao alcancedos cidadãos comuns.

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missão pastoral, sentiram a necessidade deintervir efectivamente no domínio do político,com os meios que lhes são próprios, isto é, aluz do Evangelho, anunciar e denunciar asrealidades humanas e concretas, sobretudo noque concerne à violência provocada quer pelasguerras, quer pelas políticas neo-liberais eseus impactos na vida das populaçõesangolanas.

O termo «Igrejas» é aqui entendido nãoapenas como uma simples entidade gestora dareligiosidade dos seus fiéis mas, é igualmente,reconhecido e tomado como organizações soci-

ais portadoras de dis-cursos e práticas especí-ficas sobre os problemasque afligem a sociedadee a forma de os solu-cionar. É portanto, naperspectiva de comu-nidades orgânicas dehomens e mulheres,jovens e velhos que asIgrejas, na sua men-sagem cristãcomeçaram a desen-volver temas como a lib-

ertação, o perdão das ofensas, a reconciliaçãodas consciências e de pacificação das mentes eainda a falar sobre as questões dos direitoshumanos.

Para uma melhor percepção do empenhamen-to das Igrejas no cenário socio-político, énecessário recordar que Angola depois da suaindependência, adoptou como ideologia políti-ca o marxismo leninismo, o qual defendia oaxioma revolucionário “a religião é o ópio dopovo”. Nesta perspectiva, até aos princípios dadécada 80, havia um certo distanciamentoentre o Estado laico e as Igrejas que actuavamno campo social e espiritual, num ambiente deostracismo.

A abertura para um diálogo construtivoentre o Estado e as Igrejas tem início com apublicação do Decreto Executivo nº 7/87, oprimeiro instrumento jurídico que reconheceas doze primeiras Igrejas e este diálogo setorna mais sistémico a partir de 1991, em con-sequência da revisão parcial da Lei Constitu-

cional angolana, operada pela Lei de RevisãoConstitucional nº 12/91 de 06 de Maio de 1991,que formalmente instaurou no País o sistemapolítico multipartidário e a construção de umasociedade democrática, dando espaço ao surg-imento e florescimento quer de Partidos Políti-cos, quer de outras Organizações, entre asquais, as Religiosas.

Na sequência da construção de umasociedade democrática foi publicado o DecretoExecutivo Conjunto nº 46/91 de 16 de Agostodo Ministério da Justiça e Secretaria de Estadoda Cultura, que estipula os requesitosnecessários ao reconhecimento jurídico dasIgrejas e Organizações Religiosas.

Assim, o mosaico religioso em Angola a par-tir desde período reveste-se de várias cores, aolado das Igrejas históricas (Católica e Protes-tantes-Metodista, Baptista e Evangélica) flo-rescem outras Igrejas cristãs e não cristãs queapostam no desenvolvimento espiritual e socialdas populações. Em qualquer rua, praça ouquintal ergue-se um lugar de culto, cujos men-tores anunciam soluções para os males sociaise físicos que assolam este país (Viegas,1999:8).

Por outro lado, foram surgindo congre-gações de Igrejas Africanas Independentes ,nomeadamente a UIESA- União das Igrejas doEspírito Santo em Angola, que operam juntodas populações, à semelhança da AEA– AliançaEvangélica de Angola, fundada em 1974 e doCICA-Conselho das Igrejas Cristãs em Angola,fundada em 1977.

Vertiginosamente o campo religioso ganhacada vez mais dinamismo na vida dos fiéis, comdiferentes denominações deixando marcasindeléveis no espaço sócio-cultural urbanodemarcando os seus limites de actuação nasociedade, desenhando claramente os trêsespaços: um católico, outro protestante eoutro afro-cristão.

Embora as diferentes Igrejas cristãs desem-penham acções e estratégias no sentido deprestar um serviço à reconstrução e reconcili-ação da sociedade, contudo é relevanterealçar que um dos mais notavéis esforços

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200588

“Podemos e devemostrilhar os caminhos que

levam à paz pelassendas da força darazão e do diálogo

inclusivo, da tolerânciae justiça social efecti-

va, condições da pazque vão para além docalar das armas” (D.Zacarias Kamuenho).

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nestes últimos 20 anos, consiste na implan-tação e desenvolvimento de uma «cultura depaz», passo fundamental para uma maior aber-tura ao diálogo, num país em que os conflitosarmados opuseram ao longo desses anos filhosde Angola uns contra os outros.

Que acções e estratégias desenvolveramas Igrejas no processo de reconstrução ereconciliação nacionais?

A Igreja Católica

O Episcopado desde 1975, por meio de Car-tas Pastorais e Mensagens sempre se opôs àviolência empenhando-se sempre na valoriza-ção do homem angolano, apostando no patrio-tismo, na tolerância, na solidariedade, noperdão e na luta pela paz e reconciliação dagrande família angolana.

Na Carta Pastoral sobre a Igreja e a Inde-pendência de Angola de 11 de Outubro de1975, os Bispos católicos de Angola apelampara um “clima de paz e entendimento, indis-pensável para a produção e o desenvolvimen-to, requer ainda que as minorias tenhamgarantida a sua justa expressão no conjuntosocial”

Os Bispos da Igreja Católica em Julho de1989 publicam uma Mensagem Pastoral sobre aReconciliação Nacional, na qual saúdam e seregozijam pelo primeiro encontro de reconcili-ação em Gbadolite entre o Presidente daRépublica de Angola, Sr Engº José Eduardo dosSantos e o Sr. Presidente da UNITA, Dr. JonasSavimbi, referindo que:

“Nós os Bispos de Angola no nosso nome eno do nosso povo martirizado pela guerraqueremos testemunhar os mais vivos sentimen-tos de admiração e gratidão pela nobre coragemque revelaram ao mundo, no seu primeiroencontro de reconciliação. Cremos que aqueleaperto de mão, gesto sem precedente, marcao início duma nova era na nossa histórianacional”

O Cardeal D. Alexandre de Nascimento,tem vindo a empenhar-se pela unidadenacional, frisando particularmente numa das

suas homilias em Dezembro de 1994 que:“A união de todos os cidadãos é que fará cadavez melhor a unidade nacional”

É ainda na perspectiva de paz e reconcili-ação que, em 1996 a Conferência Episcopal deAngola e São Tomé –CEAST-instituiu o 14 deMarço como o «Dia Nacional da Reconciliação».

Nesta linha de pensamento, uma eminentefigura da Igreja Católica, o arcebispo do Huam-bo, D. Francisco Viti referiu que:

“A guerra está a dividir a única famíliaangolana em grupos de amigos e inimigosexclusivos, e gera uma linguagem que a todosaliena...Porque desejamos a reconciliação ver-dadeira que, de longe, ultrapassa as dimensõesdo papel e da tinta, dizemos aos nossos irmãospequenos e grandes: Perdoemo-nos sem demo-ra... Temos de continuar a desenvolver a cul-tura de Paz contra a cultura de guerra que nosquer trair e frustar como País independente”(1997)

É na busca de paz que a Assembleia Geraldos Bispos Católicos de Angola elaboraram eaprovaram em 1999 o ante-projecto do regula-mento do MovimentoPro Pace, com intuitode formar “concili-adores” pararesolverem eventuaisconflitos consequentesda guerra. Deste movi-mento fazem partehomens e mulheresindependentemente das suas convicções reli-giosas e políticas. Por outro lado, implementouum diálogo inter-religioso com a criação de umComité Inter-Eclesial para a Paz em Angola –COIEPA, constituído pela Aliança Evangélica deAngola-AEA e pela Conselho das Igrejas Cristãsem Angola – CICA.

Este Comité Inter-Eclesial tem funcionadocomo órgão de consulta e de intervenção navida política, contribuindo para a justiça, paze reconciliação nacional em Angola.

A contribuição da Igreja Católica na reali-dade, tem sido dada tanto a nível individual

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 89

“a paz é um processocontínuo, uma coisaque se busca, que sepersegue continua-mente” (Bispo Emílio deCarvalho in Jornal Notí-cias de Maputo).

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como a nível institucional. De facto, um dosresponsavéis da Igreja, o arcebispo D. ZacariasKamuenho, a quem foi atribuído em 2001 oprémio Sakharov pelos seus esforços em prolda paz, tem defendido que:

“Podemos e devemos trilhar os caminhosque levam à paz pelas sendas da força da razãoe do diálogo inclusivo, da tolerância e justiçasocial efectiva, condições da paz que vão paraalém do calar das armas”

Estas e outras posturas da Igreja Católicaque poderiam aqui ser apontadas, vêmdemonstrar que a Igreja sempre esteve atentae solícita às vicissitudes das populaçõesangolanas. Significa dizer, que a Igreja não quiscom o silêncio ser cúmplice dos conflitos, dasmisérias e dos abusos humanos que flagelam asociedade angolana.

O Espaço Protestante

As Igrejas protestantes através do CICA edo AEA têm estado envolvidas na busca da paz,quer produzindo programas na rádio sobre atolerância, reconciliação e discussão dosdireitos humanos quer organizando fórunssobre a resolução dos conflitos.

A título de exemplo, podemos citar entreoutras, a Igreja Metodista Unida e o seuempenhamento social na área da Educação eAssistência Humanitária, baseado na filosofiade que «ajudar outros é ajudarem-se a sipróprios e ao próximo».

Nesta perspectiva, além de escolas do I e IIníveis, esta Igreja construiu também o “CentroSocial Alegria”, na província de Luanda, queprepara crianças na área escolar, transmite-lhes também conhecimentos profissionais(carpintaria, sapataria, culinária, corte e cos-tura, trabalhos manuais e desporto).

De salientar que o Dr. Emílio de Carvalho,primeiro Bispo Angolano desta Igreja, nas suasintervenções sempre se referiu à necessidadede transformação das mentalidades, aorespeito pelo outro, à tolerância e reconcili-ação nacional para a paz efectiva em Angola,defendendo numa entrevista dada ao Jornal

Notícias, em Maputo, que “a paz é um proces-so contínuo, uma coisa que se busca, que sepersegue continuamente”

As Igrejas Afro-Cristãs ou Igre-jas Independentes Africanas

Estas Igrejas na sua maioria surgem nosanos 90 e também não ficaram indiferentes àmiséria e às doenças das populações e por isso,se empenharam mais no domínio do sector dasaúde espiritual. São autênticos espaços deintegração social, lugares de auscultação dosproblemas e males que afligem os angolanos epor isso, actuam como redes sociais em tornode uma identidade religiosa.

Funcionando como espaços de apazigua-mento das tensões sociais, as Igrejas Indepen-dentes Africanas se constituem, portanto, emlugares de moralização e redes de soli-dariedade nos várioscantos urbanos e rurais,como refere o Rev.Inocêncio de Sousa,Secretário Geral daUnião das Igrejas doEspírito Santo-UIESA,numa entrevista datadade Outubro de 2003.: “Lá onde não chega oEstado está presenteuma igreja, ao lado dopovo minimizando os problemas quotidianos,construindo postos médicos e escolas”

Neste sentido estas e outras Igrejas têmexercido funções de integração, refúgio ecoesão social, porque o tecido social foi afec-tado pelas guerras civis. A função de inte-gração faz-se sentir em relação ao processo deexclusão social a que está sujeito o indivíduoem situação de pobreza, desemprego e dedoença, visto que estas Igrejas conseguemreintegrar o indivíduo e grupos de indivíduosnuma comunidade cristã.

Esta realidade é constatada pelo Rev.Inocêncio de Sousa, quando afirma:

“Essas pessoas à medida que vão para as

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 200590

“Lá onde não chega oEstado está presenteuma igreja, ao lado dopovo minimizando osproblemas quotidianos,construindo postosmédicos e escolas”(Rev. Inocêncio deSousa, Outubro de2003).

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nossas igrejas, têm direito a comida, porque opovo é mobilizado, no sentido de contribuircom arroz, farinha, mandioca e outros produ-tos básicos. Estas pessoas são assistidas e par-ticipam nas actividades da comunidade reli-giosa e há um convívio e assistência fora donormal”

Por outro lado, estas Igrejas mobilizam osseus crentes para a organização de cultos deacção de graças pela paz em Angola, assem-bleias de orações, jejuns e sacrifícios em prolda reconciliação e pacificação. São dissoexemplos os cultos de paz que se tem realiza-do no campo desportivo da Cidadela desde1991, nos quais congregam milhares de fiéis dediferentes confissões religiosas

É neste sentido que as Igrejas Indepen-dentes Africanas têm contribuído para oprocesso de reconciliação e desenvolvimento,na medida em que através das suas orações ecuras de libertação e pacificação dos espíritos,favorecem a emancipação dos medos, dasperseguições das forças malignas visíveis einvisíveis, integrando os indivíduos no seio dasfamílias e das comunidades, incentivando-osna luta pelos seus direitos e cumprimento dosseus deveres.

Para concluir, convém dizer que no contex-to de crise estrutural, as Igrejas cristãs no seuplano espiritual e social, lutaram por uma fér-rea disciplina e organização na hierarquia reli-giosa, procuraram, ao longo do tempo, trans-mitir o sentido de respeito pela dignidade epelos direitos humanos, a tolerância e osmecanismos capazes de minimizar as dificul-dades sociais, isto tudo na interpretação livredo Evangelho, combatendo o “status quo” emque vive a sociedade angolana.

Uma Nova Era de Paz

Em meados de 2002 desenhou-se uma novaconjuntura político-social jamais vivida emAngola pós-independência, depois de umperíodo de guerra civil que durou quase trêsdécadas. Na sociedade angolana reemergiu soba forma de uma nova era de paz, o processo dereconciliação nacional.

Entrou-se num novo período de convivênciaharmoniosa entre os angolanos: procurando-senovos diálogos, novos equilíbrios, novos hori-zontes, novos valores sociais, económicos,morais, e culturais.

A sociedade civil e política sentiram neces-sidade de uma nova ordem nacional, de umnovo paradigma de sobrevivência alargada.

Esta nova era iniciou-se a 4 de Abril doreferido ano, com um Memorando Complemen-tar ao Acordo de Paz de Lusaka, assinado entreo Governo e a UNITA, em Luanda.

Neste contexto histórico, a sociedade civil-as igrejas, os partidos políticos e a populaçãoem geral, traçam novas estratégias com oobjectivo de partilharem activamente no novoprocesso de reconciliação nacional, referidopelo Presidente da República, José Eduardodos Santos, na sua mensagem dirigida à Naçãona véspera do cessar fogo, a três de Abril:

“Amanhã terá lugar a assinatura formal daActa do Luena que nos vai permitir dizer, comgrande alegria, que a guerra em Angola acaboue a paz chegou para sempre. Perante o silênciodas armas, não posso deixar de apelar a todosos angolanos e angolanas, sem distinção, paraque comunguem em toda a sua plenitude apaz.

Para que isso aconteça é necessário quecada um e todos nós sejamos capazes de per-doar e de esquecer, isto é, de afastar os senti-mentos de ódio e vingança, que nunca poderãocontribuir para a construção de um mundomais digno e mais justo para o PovoAngolano... Quem ama verdadeiramente a Paztem de saber perdoar e reconciliar-se com oseu próximo, contribuindo assim para a uniãoverdeira e sólida dos angolanos”

Em jeito de conclusão

No período pós-independência, os princí-pios políticos e jurídicos que definiam o novomodelo de sociedade, não contemplaram asIgrejas, demarcando através da Constituição,um Estado laico de ideologia marxista emonopartidária.

CAPÍTULO 4 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 91