Reflexões sobre o projeto lexicográfico

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    1/9

    REFLEXOES SOBRE 0 PROJETO LEXICOGRAFICO: ANALISE E

    DESCRH;AO DA FORMA DE CONTEUDO DA UNIDADE LEXICAL

    Questoes relativas   a   tipologia de dicion

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    2/9

    gratia, enquanto pratica - saber-fazer Ie.xiceqraf-ice de r-ecuperat;80 e

    armazenagem do vocabulario de sistemas Iingi..iisticos, sociais e cultu-

    rais, permitiu a inferencia desses model as, constituindo-se como ponto

    de partida do processo de realimentat;80 da pesquisa fundamental.

    Ao longo dos anos, a pratica lexicografica foi criando as marcas

    caracterizadoras de seus discursos, gerando universos e sub-universos

    (como classes de discursos) bem definidos, em termos de forma do con-

    teudo e de forma da express80 (Hjelmslev).   0discurso lexicografico,

    nessa insUlncia,   e   urn texto metassemi6tico, ja que, em termos hjelms-

    levianos e, ainda, segundo Alain Rey (1979), 0 plano do seu conteudo   e

    uma semi6tica (ITngua objeto), que articula urn plano de express80

    uma Ifngua e seu lexico, usos e seus vocabularios, certos discursos esuas ocorrencias - a urn plano do conteudo - urn universo expresso, vi-

    soes culturais do mundo, articulat;oes conceptuais correspondentes a

    a classes extensionais. Esse conteudo do conteudo, afirma 0 mesmo au-

    tor, e mal conhecido.

    As teorias semi6ticas comet;am a explorar esses sistemas model i-

    zantes secundarios, que fazem que os discursos de urn grupo social se

    organizem semanticamente segundo 0 que se denomina culturas e ideo-

    logias. Nesse momento, os discursos lexicograficos concretamente reali-

    zados deixam de ser considerados como geradores de modelos de reali-

    zat;80, para serem tornados, de outro ponto de vista, como objeto de

    estudo da lexicografia, entendida, nesse nivel, como investigat;80 funda-

    mental; a Lexicografia, pois, e tambem multissignificativa, visto que, de

    urn lado, se comporta como pesquisa fundamental, em relat;80   a   pratica

    lexicografica, e, de outro, como ciencia aplicada, em relat;8o   a   ciencia

     basica que e a Lexicologia.

    Oa Ifngua natural   a   metalexicografia ha, por conseguinte, sucessi-

    vos niveis de codificat;80: 0 primeiro deles, como dissernos, e 0 consti-

    tuido pelas linguas naturais, que se configuram como urn 'discurso se-

    mi6ticb'; 0 segundo nivel e a do 'fazer lexicografico' - Lexicografia co-

    mo ciencia aplicada e/ou tecnologia -, que, por sua natureza, gera urn

    'discurso metassemi6tico'; a terceiro nivel e 0 da ciencia lexicografica

    - Lexicogratia enquanto pesquisa fundamental -, que produz urn discurso

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    3/9

    meta-metassemi6tico; a quarto nivel corresponde ao da analise e des-

    cric;:ao da ciencia lexicografica, objeto de estudo, nessa msUlncia, da

    metalexicografia, que engendra, par sua vez, um 'discurso meta-me la-

    metassemiotico. Esquernaticamente, temos:

    4Q nivel

    de cadi ficac;:ao

    3Q nivel

    de codificac;:ao

    2Q nivel

    de cadi ficac;:ao

    1Q nivel

    de cadi ficac;:ao

     ___ I(- 1~_~1

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    4/9

     pedem seja alcam;ada a neutralidade e a objetividade a que se propoe

    esse tipo de discurso; outros falores dizem respeilo   a   questao da 'refe~

    rencialidade' gerada pelas palavras. Toda palavra, como observa Buzon,

    tem essencialmente um referente discursivo e, acidentalmente, um re-

    ferente objectal, ainda que este objectal se refira  a

      uma linguagem

     primaria. A significac;ao, as caracterlsticas semanticas de uma palavra

    san dadas pelo referente discursivo: 56 se pode dar conta da signi fica-

    c;ao de uma palavra a partir de um discurso construtor de uma ordem

    cultural e conceptual, isto   e,   de uma ideologia.

    De, fato, considerando que as palavras mudam de significac;ao,

    quando passam de um discurso a outro, porque mudam de quadro ideo-

    16gico, torna-se muito complexa a explicac;ao das relac;oes estabeleci-

    das pOl' Fradin e Marandin entre 'norma' e 'dicionario': geralmente to-

    ma-se como urn fato de norma tudo 0 que esta ou pode estar no dicio-

    nario; inversamente, 0 que esta no dicionario   e   tido como um fa to de

    norma; nesses termos, a norma   e   concebida segundo 0 modelo de um

    texto de dicionario, ou seja, como se fora uma lista de conteudos he-

    terogeneos constitutivos do patrim6nio lingufstico de uma comunidad8;

    de acordo com essa concepc;ao, 0 dicionario seria a transcl'ic;ao do di-

    cionario ideal representado pela norma, seria a instituic;ao material da

    instituic;ao ideal constitulda pela norma; nessa perspectiva, a relac;50

    entre dicionarios e norma po de ser entendida como a relac;ao existente

    entre um objeto ideal e suas realizac;5es, aind2 que inevitavelmente im-

     perfeitas; esse objeto ideal   e,   entao, concebido a partir ce objetos ma-

    teriais, que extraem dessa referencia sua autoridade e justificativa.

    Contudo, pOl' mais complexas que possam parecer tais relac;oes,

    san extremamente importantes - devem ser nuanc;adas, pOl' certo, con-forme a tipologia dos dicionarios -, ja que os paradigmas semicos que

    integram as 'informac;oes iniciais' e a 'definiC;ao' resultam de uma in-

    ferencia - igualmente, con forme 0 tipo de dicionario - de um mod810

    de fatos lingufsticos consagrados pelo uso, fatos de alta frequencia e

    de distribuiC;ao regular nos discursos dos falantes au de um falante, 0

    que corresponde   a   pr6pria definic;ao de norma, qualitativa e quantitati-

    vamente, segundo Coseriu e Muller.

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    5/9

    r   preciso observar, no en tanto, que a definic;ao, como tambem to-dos as paradigmas que integram a enunciado lexicogrBfico e a pr6pria

    mctodologia que permite a sua construc;ao organizam-se em fUnl;ao da

    natureza da obra lexicografica em que comparecem.

     Na verdade, existe uma   micro-estrutura   b~sica que, de acordo com

    Debove, e constiturda pelo conjunto das 'informac;oes' ordenadas que se-

    guem a entrada, e que tern uma estrutura constante, correspondente a

    urn program a e a urn c6digo de inforrnac;ao aplicaveis a qualquer entra-

    da. A esse conjunto 'entrada   +   enunciado lexicografico' denomina-se

    'artigo'. i\ssim,   0 'artigo' mlnimo tern dois constituintes: 'entrada' e

    'definic;ao':

    micro-estrutura minima

     predicados da entrada

    Entretanto, essa micro-estrutura e uma variavel, visto que   0 'pru-

    grama de informac;oes' nela contido sustenta-se numa relar;ao de depen-

    dencia para com   0   contexto lexicografico. Thesaurus, dicionjrios mono-

    lfngues, dicionarios bilfngues, vocabularios tecnico-cientrficos, vocabula-

    rios especializados, glossarios, etc., requerem programas di ferentes e

    adequados aos seus universos. Em tais condic;oes, indo B]em dessa es-

    trutura minima,   0   artigo do dicionario, segundo Vile!a, pede conteI':

    entrada   +   informac;ao (etimo16gica/ortogrMica/fon8tica/gramaticaJ)   +

    definic;ao (ou explicac;ao)   +   exemplos (ou aplicaC;ao da entrada em con-

    textos.

     Nessa segunda estrutura posslvel,   0   'pnunciado lexicografico' cons-

    titui-se, entao, de tres macro-paradigmas, tres grandes zonas semanti-

    co-sintaxicas: paradigma informacional   (PO,   paradigma definicional (PD)

    e paradigma pragmntico (PP). Esses macro--paradigmas, pOl' sua vez, po-

    dem subdividir-se em micro-paradigrnas, vari:'iveis em qual idade e em

    quantidade, con forme a natureza da obra lexicografica, seus objetivos,

    limites e publico-alvo).

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    6/9

    onde:

    Paradigma   I

    Paradigma D

    Paradigma   P

    ou seja,

    Paradigma

    Paradigma D

    Paradigma   P

    { Entrada   +   Enunciado Lexicogratico ( ~ PI   i+   PD   i" ! :   PP   i)}

    ~ ------- I

    { PI l'PI2, •••, PIn}

    {PD1

      PD2

      ,•••, PDn

      }

    { PP 1 PP 2 , ..• , PP n ~,

    { abreviatura, categoria, genero, numero, conjuga

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    7/9

    ma, sustentar-se-tl ao longo de uma mesrna obra. Essa mesma organiza-

    t;ao se veri fica em paradigrnas, sub-dasses das macro-classes componen-

    ciais da micro-estrutura.

    Observe-se, pOI' exemplo, 0 casu da antllise da polissemia, que, ao

    contrtlrio da exemplificat;ao - caracterizada como inforrnat;80 aberta, na

    medida em que nao htl um numero pre-estabelecido de exemplos -, nao

    e uma informat;ao abertaj varia, sem du\ida, de um diciontlrio para ou-

    tro, seja pela escolha dos sentidos principais, seja pela rejeit;80 dos sen-

    tidos tecnicos, e assim pOI' diante.

    A micro-estrutura apresenta, pois, uma hierarquia interna, que tem

    no paradigma definicional 0 seu elemento nuclear. Sua natureza tarnbem

    varia em funt;ao do seu contexto lexicografico, numa relat;ao inter-dicio-

    l1ariosj e constante, porem, numa relat;ao inter-artigos e intra-dicionario,

    independenternente da modalidade de construt;50 escolhida, na vasta ga-

    ma de opt;oes oferecidas pela tipologia de definit;oes lexicograficas.

    Dessa mancira, quer se opte pel a analise semica, quer pOl' outro ti-

     po de ideritificador semantico qualquer, estabelecem-se paradigmas semi-

    cos (semas, sintagmas semanticos ou enunciados semanticos), que tem,

    igualmente, uma hierarquia e todo um programa definit6rio.

    Uma vez definidos esses paradigmas, propoe-se uma questao extre-

    mamente importante, a que diz respeito   a   metodologia de pesquisa que

     permite chegar    a   definit;ao precisa de cada termo. Deve notar-se, aqui,

    que essa metodologia apresenta, semelhantemente, variaveis, em funt;ao

    da natureza da obra lexicografica considerada. Assim, pOI' exemplo,   0

    criterio de frequencia e indispensavel, na produt;ao de vocabularios tec-

    nico-cientfficos ou especializados mas nao tem a mesma pertinencia - htloutros aspectos mais relevantes -, quando se trata de um thesaurus ou

    de um diciontlrio de Ifngua, dentre outros.

    Se nos voltamos para os vocabularios tecnico-cientfficos e especia-

    lizados, verificamos que, nas vtlrias etapas de sua construt;ao,   0   concei-

    to de norma, a que nos referimos anteriormente, e fundamental. Efeti-

    vamente, do. estabelecimento do corpus de controle (fase   1),   ao levanta-

    mento dos dados, ou seja, dos term os a definir (fase 2), da compatibili-

    zacao das vtlrias definit;oes de um mesmo termo no corpus de controle

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    8/9

    (fase 3),   a   cornpatibilizac;ao das varias defini«;5es no corpus a analisar,

    e da!   a   constru«;ao da defini«;ao final (fase 5), a frequencia de emprego

    de determinado termo, como tambem a frequencia de ernprego com tal

    au qual acep«;ao sao decisivos para a elabora«;ao do conceito final.

     Na fase   1,   ou seja, a que concerne   a   constitui«;ao de urn corpu~

    de controle, a grande questao que se propoe e a de recorrer-se   a   lite-

    ratura nacional, ou   a   nacional e   a   estrange ira, relativamente a determi-

    nada area do conhecimento. As implica«;5es palfticas, cientificas, tecno-

    16gicas, culturais e sociais sao, nesses casas, pondera\eis, de modo que

    a escolha nao e tao aleat6ria como poderia parecer.

     Na segunda fase, a sele«;ao dos termos, na literatura eleita, para a

    constitui«;ao da macro-estrutura do vocabuli3rio, deve obedecer a crite-

    rios de campila«;ao rigorosas, que assegurem a sua exaustividade, dentro

    de uma maco-area cientffica ou tecnol6gica ou de qualquer urna de suas

    sub-areas.

    A definic;ao parametrica, resultado da compatibiliza«;ao das varias

    defini«;5es dadas pura um mesma termo, deve refletir, nessas condi«;5es,

    a cancep9ao que determinada area ou deterrninado grupo s6cio-linguisti-

    co-cultural tem do 'fato' cultural e linguistico. Sell levantamento se faz

     por meio de um instrumento de trabalho lexicograficc que denominamos

    ficha-pesquisa e carresponde   a   terceira fase do trabalho.

    Essa defini«;ao-parametro e tamada, entBo, apenas como uma defi.

    ni«;ao suplementar, no conjunto das defini«;5es cocetadas no corpus a

    analisar. Nessa quarta fase, autro instrumento de trabalho lexicografico,

    de compila«;ao, analise e descri«;ao e utilizado, a ficha-sfntese.

    Dessa compatibilizac;ao resulta, na quinta fase, a definic;ao final,

    que permite, par sua vez, compatibilizar todas as defini«;5es levantadas,

    em rela950 aD conceito final. Modelos dessas fichas utilizadas nas dife-

    rentes etapas foram por n6s elaborados e cons tarn das explica«;5es intro-

    dut6rias do   1 .   Glossario de Termos Utiliz'ados na Estatfstica Educacional,

    de cuja produ«;ao participamos na qualidade de consultora tecnica-cienti-

    fica.

    Esquematicamente: Termo./   '--.....

    Oef'

    1

      Oef.

    Z

      Oef.

    ...• I ".   nOef.-parilrnetro

    Oef.-Par.

    " "OefiniC;ao

    Oef.1

    , Oef·Z'

    //final

  • 8/15/2019 Reflexões sobre o projeto lexicográfico

    9/9

    Enfim, a montagem de grades s~micas permite, dentre ouLros as-

     pectos, relacionar os di ferentes termos que integnml   0   vocabu!nrio, evi-

    tar identidades indevidas entre dois termos, estabelecer a especificidade

    definicional de cada termo, possibilitando, tambem, a montagem de uma

    rede de remissivas. Assim, em qualquer das fases metodo16gicas, da

    constituic;80 da macro-estrutura, da micro-estrutura, do sistema de re-I

    missivas, a aplicaC;8o de reIac;oes de significac;ao   e   fundamental.

    Citamos, aqui, algumas dessas relac;oes de significac;ao utilizaclas

    no tratamento do vocabulario: monossemia, polissemia propriamente di-

    ta, homonrmia, homossemia total (sinonrnima), homossemia parcial (pa-

    rassi nonfm ia), hiperon fmi a/h iponfnima/ co-h iponfm ia, paron fm ia.

    Barbosa, M. A. - "Aspectos da produC;8o de \'ocabulario~ tecnico-cientr-

    ficos". In: Estudos Lingufsticos - XVII. Anais do GEL.San   Paulo, 1989. --- ---- - ---

    Barbosa, M. A. - "Proposta de uma metodologia de annlise estruturcd e

    funcional de descritores de glosserios tecnico-cientifi-

    cos". In: Acta semiotica et linguistic8, V. Sao P~Julo,Globa-r;-1979. -

    "Dictionnaire, Langue, Discours, Id601ogie". In:   IJlfl-

    gue franr;aise, n() 4. Paris, Larousse, 1979.

    - Teorfa deTJenguaje   y   linguist ica general. Madrid, Cre-dos, 1969~ - ~--

    Fradin, B. e "Autour de la definition: de 18 lexicflgraphie 3 la c.e-

    Marandin,   J.   M. mantique".~: ~angue frans:aise, n() 4. P8ric., I ,H'0IJ5-

    se, 1979.

    ProJeg6meilos ~ uma teoria da linguagem. Sao Paulo,

    Perspectiva, 1975.

    Initiation   a   la statistique lingu\.