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Apresentação

Temos a grata satisfação de apresentar o número 3 da Revista ReformaAgrária e Meio Ambiente (RAMA) com o título “Construindo o horizonteagroecológico: experiências de agricultura sustentável em assentamentos daReforma Agrária do Brasil”

Nesta edição são apresentadas reflexões sobre as experiências de transiçãoagroecológica desenvolvidas nos assentamentos de reforma agrária, além de buscaruma necessária interlocução com outros pesquisadores do tema, em vista de discutiros limites e contradições enfrentadas pelo processo de construção de um novomodelo produtivo e tecnológico para a agricultura brasileira. São quatro textos quea seu modo procuram refletir sobre aspectos distintos da realidade da agroecologiano país.

O primeiro discute a experiência de transição agroecológica da culturado arroz irrigado nos assentamentos do Rio Grande do Sul, uma experiênciaextremamente importante não apenas pela produção de qualidade que aí vemse obtendo, mas pelos ganhos metodológicos, especialmente o representadopela constituição do Grupo Gestor e da realização de eventos anuais deplanejamento, intercâmbio de experiência e construção coletiva do conhecimento.

O segundo texto discute, em caráter introdutório a experiência daconversão para sistemas orgânicos da produção de café Conilon nosassentamentos do Estado do Espírito Santo. Uma experiência ainda longe deum “final feliz”, mas que traz algumas lições úteis ao movimento agroecológicono país. Tanto a experiência como o artigo procuram, com sua provisoriedadeintrodutória, trazer reflexões sobre limites concretos que muitas vezesinviabilizam os processos de transição.

O terceiro texto procura refletir sobre os acúmulos obtidos na construçãode um novo modelo produtivo e tecnológico para as terras maranhenses. Combase nas contribuições fundamentais da produção científica acadêmica, osautores desvendam os caminhos da produção sustentável na região de transiçãoentre o semi-árido e a Amazônia brasileira. É um importante esforço de síntesee de balanço quanto aos avanços/limites do trabalho dos pesquisadores daUniversidade Estadual do Maranhão.

Por fim, o quarto artigo procura, a partir de levantamento bibliográficode estudos de caso brasileiros acerca sobre a produtividade e custos de produçãona transição agroecológica, contribuir para a formulação de políticas públicas.O texto discute os impactos muitas vezes contraditórios trazidos pela conversãoagroecológica, extraindo elementos que irão subsidiar as propostas de políticaselencadas. É uma reflexão útil sobre eventuais alterações de produtividade ecustos dos cultivos/criações submetidas a processo de transição tecnológica.

Boa leitura e bom proveito!

Coletivo de editores,Maio de 2008

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Este artigo, em seu esboço inicial, foielaborado como subsídio preliminar para odebate acerca da construção de uma políticanacional de promoção da agroecologia paraa Venezuela, no marco da RevoluçãoBolivariana para o campo daquele país. Noentanto, por diversos motivos essadiscussão não prosperou e avaliou-se, apartir do projeto CNPQ “Construindo ohorizonte agroecológico”, a conveniência deredirecionar o documento de forma quepudesse contribuir para as discussões sobreo processo de transição ecológica daagricultura no Brasil.

O documento se organiza em doisgrandes blocos. A primeira parte discute asimplicações técnicas e metodológicas datransição para a agroecologia, levando emconta informações atualmente disponíveis,principalmente em nosso país. Ela parte dedados disponíveis em diversos estudoscientíficos, que ilustram os efeitosprodutivos e a complexidade metodológicaenvolvida em processos de mudança dematriz produtiva e tecnológica.

A segunda parte do artigo buscaapresentar sugestões preliminares demedidas para um programa público deapoio à transição agroecológica no agrobrasileiro. Parte dessas medidas já foiamplamente testada em distintos países e ésugerida em uma perspectiva introdutóriano debate que pode ser levado a cabo comórgãos governamentais e movimentoscamponeses e ecologistas.

Elementos para a formulação de políticaspúblicas de apoio à conversão agroecológica

na agricultura brasileira

Pedro Ivan Christoffoli¹

1. O processo de transição para o modeloprodutivo Agroecológico – aspectosconceituais

A busca de alternativas produtivasbaseadas na agroecologia parte daconstatação e confluência de três tipos decrises: uma crise social, com a exclusão demilhões de camponeses dos resultados doprogresso social; uma crise econômica coma colocação em marcha de processosexcludentes onde se gera perpetuação dapobreza tanto no meio rural como agora cadavez mais nas cidades; e, por último, umacrise energética e ambiental, onde se geraramprocessos destrutivos e de depleção dosrecursos naturais a partir da adoção demodelos produtivos de alto impactoecológico gerando degradação dos recursosnaturais, desperdício de matérias primas econtaminação crescente de solos e águas.

A construção da agroecologia é umprocesso que envolve uma série de aspectoscomplexos nos campos das relações sociaise ecológicas, das tecnologias empregadas edos elementos metodológicos adotados noperíodo inicial de ruptura-transição. Noentanto, tem sido insuficiente a discussãoquanto à necessidade de políticas públicasque estimulem e suportem a mudança demodelo produtivo e tecnológico.

No campo teórico há diferentesacentos sobre o que seja a agroecologia e oque ela se propõe. Alguns autoresconsideram a agroecologia essencialmentecomo disciplina científica. É uma “ciência ou

1 Eng. Agrônomo, membro da CONCRAB e pesquisador associado do CEAGRO (PR). Doutorando em Desenvolvimento Sustentável na UnB.

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disciplina científica que apresenta uma sériede princípios, conceitos e metodologias paraestudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliaragroecossistemas, com o propósito depermitir a implantação e o desenvolvimentode estilos de agricultura com maiores níveisde sustentabilidade” (Miguel ALTIERI,citado por Caporal, 2002). Já para Guzmán,a agroecologia teria dimensões fortementesociais e políticas, além de seus aspectostecnológicos. Ela visa promover:

“o manejo ecológico dos recursosnaturais, através de formas de açãosocial coletiva que apresentamalternativas à atual crise demodernidade, mediante propostas dedesenvolvimento participativo desde osâmbitos da produção e da circulaçãoalternativa de seus produtos,pretendendo estabelecer formas deprodução e de consumo que contribuampara encarar a crise ecológica e social e,desse modo, restaurar o curso alteradoda co-evolução social e ecológica. [...] Taldiversidade é o ponto de partida de suasagriculturas alternativas, a partir dasquais se pretende o desenhoparticipativo de métodos dedesenvolvimento endógeno paraestabelecer dinâmicas de transformaçãoem direção a sociedades sustentáveis”.(SEVILLA GUZMÁN, citado porCaporal, 2002)

A agroecologia é também considerada

uma concepção distinta da agriculturaorgânica, por se propor a lutar portransformações sociais e econômicas aopasso que promove o redesenho produtivodas técnicas e metodologias de trabalho naagricultura. A agricultura orgânica, nessesentido, poderia ser considerada um estágioinicial ou parcial do processo de construçãode sistemas agroecológicos, no sentido deque algumas estratégias de transição iniciampela substituição de insumos. Mas, por outraparte, a agricultura orgânica é consideradapor diversos autores como sendo umavertente capitalista, que busca processosprodutivos de tipo amigável ao meioambiente, sem pretender alterar nenhum

outro elemento social e político dasociedade (seria uma vertente do“capitalismo verde”). Ademais dessadiscussão conceitual, a coisa toda seconfunde, no Brasil, país onde se adotaoficialmente a denominação de orgânico paratodos os produtos ecológicos legalizados(certificados). O conceito oficialmenteadotado sobre sistema orgânico deprodução envolve

“tudo aquilo em que se adotamtecnologias que otimizem o uso derecursos naturais e socioeconômicos,respeitando a integridade cultural etendo por objetivo a auto-sustentação notempo e espaço, a maximização dosbenefícios sociais, a minimização dadependência de energias não renováveise a eliminação do emprego deagrotóxicos e outros insumos artificiaistóxicos, organismos geneticamentemodificados (OGM/transgênicos), ouradiações ionizantes em qualquer fase doprocesso de produção, armazenagem ede consumo, e entre os mesmos,privilegiando a preservação da saúdeambiental e humana, assegurando atransparência em todos os estágios daprodução e transformação.” (Brasil, 1999)

Portanto um elemento central dadiferenciação do conceito de orgânico paraagroecológico se dá na busca detransformações sociais e econômicas paraalém apenas das alterações produtivas deordem tecnológica. A agroecologia visa ummodelo de desenvolvimento sustentávelalternativo, diferente do modelo dominantenas relações capitalistas do campo.

Um dos conceitos chave para aorientação teórica e metodológica daagroecologia é o de agroecossistema: “umecossistema artificializado pelas práticashumanas por meio do conhecimento, daorganização social, dos valores culturais eda tecnologia. Ou seja, a estrutura internados agroecossistemas “resulta ser umaconstrução social produto da co-evolução entreas sociedades humanas e a natureza” (Casado;Sevilla-Guzmán; Molina, 2000, p. 86, citados

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por MOREIRA e CARMO, 2004 p. 47).

Também é central o conceito dedesenvolvimento rural que se embasa “nodescobrimento e na sistematização, análisee potencialização dos elementos deresistência locais frente ao processo demodernização, para, através deles, desenhar,de forma participativa, estratégias dedesenvolvimento definidas a partir daprópria identidade local do etno-ecossistemaconcreto em que se inserem” (Sevilla-Guzmán, 2005 p. 2). Nessa mesma linha aArticulação Nacional de Agroecologia (ANA)sugere que a agroecologia se apóia nosconhecimentos acumulados durantegerações pelos produtores familiares emestreita convivência com os meios naturaisem que vivem e produzem.

“a evolução do conhecimentoagroecológico exige o estabelecimentode diálogos entre produtores ecientistas através de processosparticipativos de experimentação local.Isso requer uma profunda mudança nosmétodos e organização dos sistemas depesquisa e extensão rural. Odesenvolvimento de alternativasagroecológicas apropriadas para cadasituação socioambiental vem se dandoconcretamente através de processos deintensa troca de experiênciasenvolvendo grupos de produtoresexperimentadores com apoio deassessorias técnicas.”

Como conclusão inicial deste trabalho,pressupõe-se que a construção de políticaspúblicas de promoção da agroecologiadeverá envolver fortemente os agricultorese suas organizações tanto em sua formulaçãocomo, posteriormente, em sua aplicação acampo. Ela busca não apenas alteraçõestecnológicas e sim a construção de modelosde desenvolvimento rural sustentáveis,amparados na democratização da terra e dasrelações sociais de forma ampla, e tambémna valorização da contribuição de técnicos eagricultores na produção de conhecimentocompartilhado. Isso tudo implicaobviamente em luta social, junto com

transformações nos campos produtivo etecnológico.Construção da Agroecologia: Transição ouRuptura?

Discutir o conceito de transição éessencial para a promoção da mudança nossistemas produtivos agrícolas. Diversospesquisadores e militantes da causaagroecológica questionam o emprego dotermo transição e dos riscos aí implícitos. Háuma crítica de que ao sugerir a transiçãocomo caminho o processo se estenderiaindefinidamente, acabando por retroceder namaior parte das vezes, ou prolongando aagonia onde nem bem se desliga das práticasconvencionais, nem se consegue reconstruira fertilidade dos solos e a complexidadebiológica necessárias à produçãoagroecológica, permanecendo sempre nocampo da substituição de insumos e emgrande medida, da iminência do retorno aoconvencional. Isso explicaria o fracasso degrande parte das tentativas que se fez aolongo dos últimos anos.

Outros pesquisadores sustentam anecessidade de ruptura do ponto de vistafilosófico e metodológico, ainda que oprocesso tecnológico em si, implique emalguma gradualidade na substituição deinsumos (numa primeira fase) e a adoçãoplena dos princípios agroecológicos nomomento em que haja recuperação dafertilidade e da complexidade viva noagroecossistema em transição.

O termo transição, em sua acepçãosemântica, pode designar simplesmentea ação o efeito de passar de um modo de ser ouestar para outro distinto. Isso implica, desdelogo, a idéia mesma de processo, ou seja,um curso de ação mais ou menos rápidoque se manifesta na realidade concreta apartir de uma intrincada e complexaconfiguração de causas – passadas,presentes ou futuras–, e que sempre háde provocar consequências e efeitos,previsíveis ou não, na nova situação quese estabelece. (Costabeber e Mojáno, 2000)

Portanto, a transição agroecológica pode

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ser caracterizada como o período instáveldesde o ponto de vista produtivo eecológico que caracteriza a mudança de umsistema convencional para o sistemaecológico de produção que implica emalterações radicais em distintas dimensões:

1. Aspectos culturais e de modelosmentais tanto de agricultores comotécnicos.

2. Alterações tecnológicas no sistemaprodutivo em vista da obtenção desistemas produtivos sustentáveisecologicamente e equitativos doponto de vista sócio-econômico.

3. Alterações nas políticas, na legislaçãoe nas normativas internas do paísvisando mudanças nas relaçõessociais e econômicas, na posse epropriedade da terra, no modelo dedesenvolvimento adotado.

Nessa acepção a transição nãopoderia ser entendida apenas em seu eixotecnológico, como sendo “um processogradual de mudança, através do tempo, nas formasde manejo dos agroecossistemas, tendo comometa a passagem de um modeloagroquímico de produção a estilos deagricultura que incorporem princípios,métodos e tecnologias com base ecológica”(Caporal, 2003 p. 15). Essa seria uma partenecessária do processo, mas não se esgotarianisso a fase de transição para agroecologia.

No campo tecnológico, devido a essanecessidade de recomposição ecológica dossolos e de re-complexificação crescente dosecossistemas, a agroecologia demanda alémde tempo, mudanças nas atitudes, valores emodelos mentais de técnicos e agricultores.As questões técnicas da transição envolvemaspectos biológicos e incluem o reequilíbriodas populações de pragas e doenças e dascondições de solos, enquanto questõeseducativas dizem respeito à aprendizagem,por parte dos agricultores, dos conceitos etécnicas de manejo que viabilizem aagricultura orgânica. Isso implica numareconstrução da capacidade do agricultor edo técnico interpretarem os sinais que a

natureza emite.

A mudança de mentalidade supõealterações estruturais e de dinâmicas depensamento dos agricultores e técnicos. Esteé mais bem um momento de ruptura do quede transição (Dario Melo, 2008). Ao invés deconsiderar a natureza como inimiga daagricultura como faz a agriculturaconvencional, o processo agroecológicobusca aprender com a observação danatureza, buscar compreender acomplexidade das relações entre osorganismos vivos, os fluxos de energia emateriais, potencializando o uso dosrecursos naturais. Não lutar contra anatureza senão que integrar o processoprodutivo nos fluxos ecológicos eenergéticos da natureza no grau máximopossível. É com essa mudança de visão quese alteram conceitos e a visão sobre pragas,ervas daninhas, etc.

o homem possui a capacidade de ler os“indicadores naturais” que lhe sãooferecidos pelo ecossistema e deinterpretar as inter-relações da “trama davida”. Isto é, os ciclos climáticos nanatureza, junto com as formas de vidavinculadas a um meio ambienteespecífico, oferecem, por si só, respostaslocais de natureza ecológica que sãoapreendidas e apropriadas peloconhecimento local. [...] É a lógicaecológica existente nos ciclos naturais,vinculada a cada aspecto da natureza,que possibilita a geração doconhecimento local. (Guzmán, 2005 p. 5)

1.1. O método da transição Agroecológica

Um primeiro elemento acerca dadiscussão metodológica envolvida natransição agroecológica diz respeito aosfatores que estimulam os agricultores aempreender a ruptura com o modeloconvencional agroquímico de produção, seuabandono e a adoção de práticasagroecológicas. Diversas pesquisasindicaram que um dos fatores primeiros

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dessa tomada de consciência diz respeito aorisco de envenenamento pelosagroquímicos. Mais recentemente, com oaumento da procura de produtos orgânicosnos mercados, o fator econômico (facilidadede venda e bom retorno financeiro) temelevado o seu peso explicativo para essatomada de decisão.

Geralmente, a partir do início doprocesso de ruptura-transição com o modelo darevolução verde, uma série de empecilhoscostuma aparecer para os novosagroecologistas. Diversos fatores dificultam amudança da organização da produção,interferindo na transposição da agroecologia donível de proposta para a realidade concreta dosagricultores. Entre estes fatores, consideradosos mais importantes, estão o crédito, assistênciatécnica, os fatores culturais e a formação.

O crédito com exceção de algunsprogramas específicos vem casado coma compra de insumos para produtosespecíficos. A assistência técnica acabapor amarrar-se nesta estrutura deelaboração e viabilização de projetospara angariar recursos, tornando-seinsuficiente para atender as demandas.Quanto às questões culturais, as práticasvigentes há décadas, foraminternalizadas pelos agricultores, o quedificulta o processo de transição. Assim,a formação pontual não é suficientepara a mudança, vê-se a necessidade deuma formação contínua e mais efetiva.(Gomes e Silveira, [200?])

Ou seja, a mudança de paradigmasna agricultura envolve uma nova relaçãohomem-natureza. A exigência de força detrabalho em geral também tende a aumentarcom a transição agroecológica e se constituinum dos gargalos desse processo. Com atransição para a agroecologia, se buscaalterar parte das práticas produtivasadotadas: elimina-se a utilização de insumoscomo adubos químicos e pesticidas e, emum primeiro momento, se passa a utilizarinsumos alternativos substitutos, comocaldas, extratos vegetais, biofertilizantes,adubos orgânicos, etc. Os herbicidas são emgeral substituídos por capinas ou roçadas emanejo da cobertura do solo, a adubação

química é substituída pela compostagem,adubação orgânica e adubos verdes. Emgeral são atividades mais exigentes emtermos de tempo e de intensidade do usoda força de trabalho. Estudo de STORCH etal. (2004) no Rio Grande do Sul confirmouque o cultivo orgânico é mais exigente emforça de trabalho, encontrando jornadasmédias de trabalho de 12 horas/dia nosmeses mais intensivos, e de 8,6 horas paraos demais meses de cultivo.

Porém, não se deve confundir aagroecologia apenas com a substituição deinsumos, ainda que em uma primeira faseda transição seja um passo tático necessário(Rosset, 1999). É conhecido o fato de queprocessos ecológicos costumam levar certotempo para que se desenvolvamadequadamente na natureza, restaurando acapacidade de suporte à micro e meso-faunados solos e de reconstituição dabiodiversidade no ambiente agrícola. Issoimplica que se cumpram certos ciclosnaturais (e, portanto, certo período detempo) e na necessidade de muito trabalho,seja na forma de esforço físico, seja nodesenvolvimento de habilidades deobservação da natureza, ou naexperimentação de novas técnicas eprocessos.

O tempo é um fator importante paraqualquer conversão, sendo necessárioestabelecer limites de tempo para quesejam efetuados alguns ajustes na rotinae na aprendizagem das técnicasutilizadas na agricultura orgânica (Vitoi,2000). A forma como isso irá ocorrer, noentanto, dependerá da estratégia deconversão a ser adotada. Doisparâmetros são fundamentais nessaanálise: a forma de organização socialda produção [...] e o padrão tecnológicoda unidade de produção no início doprocesso de conversão [...], os quais irãodeterminar, além da estratégia a seradotada, a velocidade com que seprocessará a conversão e a inserção nomercado. (Assis e Romeiro, 2004)

O tempo necessário para a conversão,

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bem como o grau de dificuldades a seremobservadas nesse processo dependerá aindado grau de contaminação de solos e água,originada nas práticas convencionaisanteriormente empregadas, do período emque isso ocorreu e da intensidade de comoisso afetou as bases de produção até o iniciodo processo de conversão. Organismosinternacionais de certificação consideramtrês anos como prazo mínimo para isso. Noentanto, a legislação brasileira aceita de 12 a18 meses como prazo adequado para operíodo de descontaminação, o que emalguns casos parece ser claramenteinsuficiente.

As estratégias de transição devemconsiderar o ponto de partida, o estágio em

que se encontra a unidade de produção eseu entorno ecológico. Isso pode resultarem estratégias bem distintas, desde as queprevêem a conversão lenta e gradual,começando pela redução do uso esubstituição parcial de insumos químicos,até o outro extremo, de ruptura abrupta eradical, feita em uma única vez. Issodepende da intencionalidade e grau deconsciência do agricultor, mas também doestágio em que se encontra a utilização atualdo sistema produtivo e do grau de domíniodas técnicas e da filosofia agroecológicas.

Na seqüência apresenta-se umatipologia que procura descrever as diversassituações em que se pode verificar atransição agroecológica na agricultura.

Tabela 1- Possibilidades de padrões tecnológicos iniciais das unidades produtivas a serem convertidaspara a agroecologia.

Fonte: Adaptado pelo autor a partir de: Assis e Romeiro (2004); contribuição original de Feiden (2000)

Categoria

I – unidades produtivasinseridas no modelo darevolução verde

II – unidades produti-vas parcialmente inse-ridas no modelo darevolução verde

III – agricultores tradi-cionais

Descrição

Caracterizadas por forte inserção no mercado e em alguns casospredominância da força de trabalho assalariada, aliado a um altoíndice de mecanização e de monocultivos, sendo unidadesaltamente dependentes de insumos e energia externos

Constituídas por produtores com débil inserção no mercado, fatoque ocorre, em geral, com uma única cultura, na qual utilizam umou mais insumos “modernos”

Caracterizados como de subsistência ou com frágil inserção nomercado, pertencentes a comunidades isoladas, ou entãopossuidores de áreas marginais com sérias limitações à produçãoe que, em função da absoluta falta de recursos para a adoção detecnologias “modernas”, tendem mais facilmente à adoção desistemas agroecológicos de produção

A partir da tipologia acima é possível identificar estratégias possíveis mais adequadaspara se iniciar o processo de transição agroecológica.

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A partir da combinação doselementosobtidos nas tipologias acimadescritas, seria possível identificar algunsestágios tecnológicos resultantes nossistemas produtivos, desde o convencionalque se preocupa apenas em reduzir o usode insumos, com base em uma perspectivade custos, até os diversos graus de sistemasem transição para a agroecologia.

A estratégia de conversão varia deacordo com a motivação e a disponibilidadede recursos do agricultor. Produtores maiscapitalizados e com expectativa de retornosrápidos tenderão a uma conversão mais radicalda unidade produtiva enquanto produtorescom menos recursos, mais interessados emreduzir custos de produção e impactosambientais, tenderão a uma conversão maisgradual e mais lenta, dentro de suaspossibilidades de recursos (FEIDEN, 2000).

Independentemente da escolha dotipo de conversão, sempre existirá uma certagradatividade, em sendo processo denatureza biológica e cultural, sem roteiro

pré-definido a ser seguido, mas com umconjunto de preceitos a serem adaptados àsdiferentes situações:

A ruptura imediata e radical de todaa unidade produtiva parte já da eliminaçãoimediata de todos os insumos agroquímicose, na medida do possível, sua substituiçãopor insumos permitidos pelo processo decertificação. Como geralmente o sistema estátotalmente desequilibrado, essa estratégiaprovoca grandes reduções do potencial deprodutividade para as culturas em sistemamuito intensivo, além de significativasperdas de produção por ataques de pragas edoenças. Como nos primeiros anos o produtoainda não recebe o selo orgânico, não hápossibilidade dessas perdas seremcompensadas com o sobre-preço oferecidoa esses produtos, exigindo que o produtortenha forte motivação para a conversão,disponibilidade de recursos financeiros ououtra fonte de renda para sobreviver nosprimeiros anos (PETERSEN, TARDIN eMAROCHI. 2000).

Tabela 2 – Possibilidades de estratégias de conversão para a agroecologia.

Delimitação de área em separado a ser utilizada para aimplantação inicial de processos produtivos agroecológicos

Estratégia de mudança que busca fazer uma transformaçãogradual iniciando pela redução na utilização de um ou poucosinsumos químicos ou biológicos de cada vez, porém mantendoa utilização de outros.

Em algumas situações onde nunca se utilizou insumos químicosou produtos genéticos da revolução verde (caso de áreasintocadas ou de produção tradicional). Nesses casos é possívelcomeçar processos mais acelerados. Os níveis de diversidadebiológica e a vida do solo estão em melhores condições.

Fonte: adaptação de Assis e Romeiro, 2004.

II – conversão radical departe da unidadeprodutiva

III – conversão gradualde toda a unidade pro-dutiva

IV – utilização de unida-de produtiva que dis-pensa conversão.

Categoria

I – Ruptura radical eimediata em todaunidade produtiva

Descrição

Eliminação imediata de todos os insumos agroquímicos, com asubstituição, sempre que necessário, por práticas ou insumosaceitos pela produção orgânica ou agroecológica. Em casos maisradicais se opta por não utilizar nenhum insumo externo àpropriedade.

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A conversão radical de parte daunidade produtiva consiste em delimitar umaárea da unidade produtiva, criar um cordãode isolamento e realizar a conversão dessa áreaao sistema orgânico, enquanto no restante daunidade a produção continua no sistemaconvencional. Vencido o prazo de carência eobtida a certificação dessa área, delimitam-senovas áreas para conversão sucessivamente atéa conversão total da propriedade. Outra formade utilização dessa estratégia é a conversão deapenas uma exploração (ex. café, hortaliças)desde que esta não sofra influência direta dasoutras atividades (PETERSEN, TARDIN eMAROCHI. 2000).

A conversão gradual de toda aunidade produtiva é recomendada paraagricultores familiares das mais diversascategorias, que não dispõem de reservasfinanceiras para suportar períodos de declínio

de produção e de rendimento. Além disso, alógica de tomada de decisão dessa categorianão se baseia na maximização de lucros e simna redução de riscos, a estabilidade dosistema, no atendimento das necessidadesbásicas da família e na redução dapenosidade do trabalho. Ocorre a inclusãogradual de tecnologias agroecológicas, quevisam basicamente reduzir os custos deprodução, promover a proteção do solo,gerenciar a fertilidade e manejar abiodiversidade funcional, respeitando osciclos naturais com a incorporação gradualdessas tecnologias, além de eliminar, emmédio ou longo prazos, as práticas e osinsumos agressivos ao meio ambienterespeitando nesse processo a dinâmica decada agricultor, o qual estará apto a sercredenciado como orgânico, desde que sejaesta a sua opção (PETERSEN, TARDIN eMAROCHI. 2000).

Box 1- Níveis de Gradação de Sistemas Tecnológicos de produção na agricultura.

Sistema Convencional: inclui agricultores que vêm simplesmente reduzindo o uso de insumosquímicos, por razões econômicas ou outras, sem preocupar-se com a adoção de insumos oupráticas alternativas. Em geral são sistemas de produtividade física média a alta.

Sistema Tradicional – Agricultores que nunca adotaram o pacote tecnológico da revoluçãoverde, ou o adotam de forma bastante parcial (uso apenas de adubos químicos ou de sementesgeneticamente melhoradas). Mas que tampouco se utilizam de técnicas agroecológicas (ou asutilizam parcialmente). Em geral são sistemas de baixa produtividade, que poderiam facilmenteevoluir para a agroecologia sem perdas de produtividade.

Transição-substituição – agricultores que vêm realizando processos de substituição de insumosquímicos (adubos químicos e pesticidas) por insumos alternativos de base ecológica. Risco deredução dos níveis de produtividade física em relação ao patamar de produtividade anterior.

Transição-Redesenho - agricultores que, ademais do processo de substituição de insumos,vêm realizando o redesenho de suas propriedades, a partir de um enfoque ecológico e sistêmico(estão realizando simultaneamente e de forma integrada, diversos processos, tais como: manejoecológico do solo, rotação e diversificação de culturas, integração de sistemas agrícolas e decriação animal, florestamento e reflorestamento conservacionista, manejo de sistemasagroflorestais, entre outras técnicas e práticas agrícolas de base ecológica).

Transição Complexa – Unidade produtiva que já alcançou alto grau de produtividadeecossistêmica, baseada na diversidade e complexidade ecológica (desenvolvimento devariedades/espécies com alta variabilidade genética), em técnicas avançadas de agroecologiaadaptadas às condições locais de solo, clima, biodiversidade, e no pleno uso das potencialidadesderivadas das interações vivas presentes na natureza.

fonte: Adaptação pelo autor, a partir de EMATER/ RS (2002)

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Esse conjunto de tipologias adaptadade diversos autores, busca elencar situaçõesque indicariam a necessidade de estratégiasdiferenciadas de transição, conforme osdiversos estágios de que partem osagricultores, da condição da produção nomomento de início do processo, etc.

A estratégia de transição deagricultores tradicionais (que não seutilizam das técnicas da revolução verde) érelativamente mais simples do que osagricultores convencionais. Nesses casostambém tende a ocorrer menor ou nenhumaredução inicial da produtividade naatividade convertida. Caso a produtividadeconvencional seja extremamente baixa, aintrodução de práticas agroecológicas porsi só já poderá resultar em aumento daprodutividade ainda no período inicial datransição. Já para agricultores convencionaiscom maior aprofundamento na adoção domodelo da revolução verde possivelmenteestratégias de mudanças radicais em áreaslimitadas, a fim de ganhar experiência sejao mais indicado.

A falta de experiência tanto detécnicos como dos agricultores é umimportante fator de risco no processo deconversão para a agricultura orgânica,especialmente para produtores detentoresde unidades de produção inseridas nomodelo da “Revolução Verde”, na medidaem que eles terão maiores reduções iniciaisnos níveis de produtividade. Isso reflete naestratégia de conversão adotada pelosagricultores (Assis e Romeiro, 2004).

Fundamentos Econômicos do Processo deTransição Agroecológica - Lições do CasoBrasileiro

O processo de transição para a

agroecologia resulta em efeitos econômicosdiversos. De um lado pode promoverredução dos níveis de produtividade físicada agricultura, dependendo do estágio doqual parte a transição e dos níveis deprodutividade anteriormente obtidos. Talredução tem muitas vezes impacto diretosobre a renda obtida pelo agricultor. Noentanto, em alguns casos os produtosagroecológicos recebem preços adicionaisno mercado, compensando ou reduzindo aspossíveis perdas na produtividade física.

DULLEY e TOLEDO (2008) listam umasérie de fatores que explicariam em parte oporquê dos produtos orgânicos serem mais carosdo que os convencionais:

a) o sistema de produção orgânico é maisintensivo na utilização de mão-de-obra(representando, portanto, custo maior nesteitem em relação ao convencional);

b) não são permitidas pulverizações comagrotóxicos sempre que ocorrer umdesequilíbrio que provoque ataque intensivoe comercialmente prejudicial por parte deorganismos da fauna e flora locais. Essalimitação pode reduzir a produção e aprodutividade; Sistemas agroecológicosdependem, portanto, do grau de equilíbriodinâmico e da complexidade biótica-abiótica2 alcançada.

c) não são permitidas pulverizações comherbicidas para o controle das ervas locaisconcorrentes com as espécies comerciais. Emnome da preservação do meio ambiente eda saúde do consumidor, o produtor deveconviver com as ervas espontâneas apenascontrolando a sua concorrência;

d) A nutrição dos vegetais depende da

2 Esse termo se refere às inter-relações dinâmicas entre os seres vivos (biota) e o ambiente físico (abiótico).

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16 Reforma Agrária e Meio Ambiente

reconstrução da vida e da fertilidade dossolos que requer tempo e trabalho maiscomplexos do que a simples aplicação dequantidades de fertilizantes químicossintéticos com fórmulas específicas para cadacultura;

e) No sistema orgânico de produção agrícolahá auto-limitações na aplicação de insumose procedimentos consubstanciados nasnormas de produção vegetal, animal, deprocessamento e de comercialização, quedevem ser monitoradas por uma terceiraparte imparcial que é responsável pelacertificação e monitoramento das unidadesprodutoras. Isso representa um custoadicional referente ao pagamento por essaprestação de serviços que compreendem asvisitas iniciais, acompanhamento no períodode conversão e fiscalização após a obtençãoda certificação;

f) A conversão do sistema convencional parao orgânico não é simples/automática e nãodepende apenas de uma decisão doprodutor. Além da exigência que consta doitem anterior, a conversão do produtordepende do seu histórico relacionado autilização de agroquímicos nas atividades atéentão desenvolvidas no estabelecimento, doseu grau de organização, das condições devida apresentadas por seus funcionários , documprimento da legislação de modo geral,do potencial de contaminação das atividadesdesenvolvidas por estabelecimentos vizinhos,do estado de conservação do seu solo, daqualidade da água que vai utilizar parairrigação e lavagem dos produtos, além deoutros. É comum também a exigência deplantio de barreiras vegetais ou quebra-vento, com o objetivo de isolar/proteger acultura orgânica da de um vizinhoconvencional.

g) Os estabelecimentos com produção de

orgânicos possuem de modo geral áreasmenores, o que resulta em um volumemenor de produção, aumentando seuscustos de distribuição e reduzindo seu poder de negociação. As normas exigemtambém que o estabelecimento processadorou distribuidor atacadista disponha de umsistema mínimo de controle de entradas esaídas que permita aos inspetores identificara origem dos insumos e matéria prima e queindique como e quando estão sendoproduzidos, e o destino das espécies produzidas;

h) Comparado com a agriculturaconvencional, são ainda reduzidos osvolumes de produção e de comercializaçãoprovenientes das unidades produtivasorgânicas, o que reduz as possíveiseconomias de escala. E a existência dessastambém pode estar auto-limitada poreventuais princípios ecológicos mais rígidosde alguns produtores;

i) O lucro máximo não constitui o únicoobjetivo a ser alcançado pelosestabelecimentos cujos responsáveis demodo predominante, acreditam seriamente no sistema orgânico de produção. Emborao lucro seja considerado importante, estedeve estar sempre limitado por fatoresambientais e sociais;

j) Os agricultores orgânicos receberam nasúltimas décadas uma insignificante parcelada contribuição feita pelas pesquisasagropecuárias desenvolvidas pelo setorpúblico. Nesse campo do conhecimento amaioria quase que absoluta das pesquisasfoi feita para equacionar os problema dasagricultura convencional e desenvolvernovas técnicas a ela adequadas que emgrande parte não podem ser utilizadas naagricultura orgânica;

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17Reforma Agrária e Meio Ambiente

k) Eventuais subsídios e incentivos dados aagricultores convencionais não são acessíveisou são menos acessíveis aos produtoresorgânicos.

l) Praticamente não há assistência técnicaoficial gratuita para os produtores orgânicos,ainda que haja iniciativas dentro de algunsórgãos do Estado. Além de paga, é difícil deencontrar pessoal capacitado dada aformação agronômica viesada que tem tidoa área técnica ligada ao setor agrícola; e

m) Os mesmos autores chamam a atençãopara uma contradição no que se refere ao“baixo preço” relativo dos produtosconvencionais. Na verdade ocorre umaexternalização de custos ambientais. “Emdecorrência do nível elevado de degradaçãoambiental que provoca seu processo deprodução, implicam num custo socialindireto que acaba sendo pago pelacoletividade. Exemplo disso é o tratamentoda água potável que se consome no meiourbano (que fica mais caro ao ter que sofrertratamento especifico para eliminar resíduosde agroquímicos), aumenta a demanda porserviços de saúde como decorrência deintoxicações e doenças causadas poragrotóxicos.

Um dos principais argumentoscontrários à adoção da agroecologia se situana suposta redução da produtividade físicados cultivos e criações e que, portanto,poderia representar risco de redução novolume de produção global da agriculturaem vista do processo de transição. Se aagricultura mundial for convertida àprodução agroecológica teremos umaredução global na produção de alimentos?

Teríamos então aumento na fome mundial?Essas questões podem trazer nelasembutidas elementos de má-fé3 epreconceito, mas também se fundamentamem alguns resultados obtidos nasexperiências desenvolvidas em nosso país.

Para ilustrar a relevância dessedebate é essencial buscar estudos quediscutam a evolução comparada daprodutividade entre sistemas convencionais(revolução verde) ou tradicionais e sistemasem transição para a agroecologia. Paradiscutir melhor os aspectos referentes àevolução da produtividade dos cultivos nafase de transição agroecológica será feito aseguir um apanhado na bibliografianacional e nas experiências levantadas noprocesso de conversão agroecológica nosassentamentos de Reforma Agrária, arespeito do tema. Organizou-se dois blocosde dados e um de discussão sobre osresultados. No primeiro bloco são elencadosos casos onde foi constatada a redução daprodutividade física e a elevação de custosde produção nos períodos de transição oumesmo de estabilização do sistemaprodutivo agroecológico. Num segundobloco listamos estudos que não verificaramessa redução de produtividade e,finalmente um terceiro bloco onde osresultados são analisados à luz daproposição de políticas públicas queapóiem a transição agroecológica.

a) Redução de produtividade ouaumento de custos no período detransição agroecológica

O processo de conversão do sistemade produção convencional para o orgânico

3 Sabe-se que o problema da fome no mundo não é resultante da falta de alimentos e sim da desigualdade de distribuição de renda (CASTRO,1961). Portanto a necessidade de alimentos poderia ser suprida com a produção atual, sem maior pressão sobre o meio natural. E resultaria emuma pressão menor sobre a produtividade dos orgânicos no período inicial de transição.

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18 Reforma Agrária e Meio Ambiente

N° deEstabelecimentos

Produtividade(Kg/ha)

Cultivo Agricultura orgânica Agricultura Convencional

Banana 7 16.122 4 18.861Cana de açúcar 2 3.340 1 8.000Cebola 1 3.500 2 22.000Feijão Preto 3 751 5 1.516Laranja 4 472 2 7.120Milho 5 2.912 8 3.951

N° deEstabelecimentos

Produtividade(Kg/ha)

Tabela 3 – Indicadores de produtividade em produção vegetal, segundo a forma de agricultura praticada. SC, Brasil.

Fonte: Instituto CEPA/SC

muitas vezes acarreta redução de produçãoe produtividade, além de aumento dedemanda de mão-de-obra, fatores que nãoraro acabam contribuindo para o retorno àsantigas práticas culturais convencionais(HARKALY, 1995; ASSIS, 1993; PAULUS,1999; IBD, 2002; STORCH et al. 2004; ICEPA,2004)

É sabido que o período de conversão daagricultura convencional para aagricultura orgânica é crítico. O produtordeve enfrentar um processo deaprendizagem para domínio de suastecnologias de produção e sujeitar-se aalterações em sua rotina de trabalho.Além do mais, é preciso, entre outrosaspectos, um certo tempo para aadaptação dos solos e para o reequilíbrioda biodiversidade a estas técnicas. Nestafase não é incomum diminuírem aprodutividade e a renda. Por faltarem noBrasil políticas públicas específicas eabrangentes para apoiar os produtoresdurante esta fase de conversão, nem todosresistem. (ICEPA, 2004 p. 101-2)

A tendência apontada por estudos decaso realizados no Brasil e pelasexperiências alcançadas nos ensaiosrealizados em assentamentos da reformaagrária indica que o custo de conversão paraa agricultura com bases agroecológicas,tende a ser maior para agricultores compadrão inicial de produtividade maiselevado. Supostamente, no caso da pequenaprodução familiar, esta redução inicial deprodutividade em diversas situações podeter seu peso reduzido ou eliminado, vistoque a adoção de tecnologias da “RevoluçãoVerde” se deu, em geral, de forma bemmenos intensiva, ou em alguns casos nemmesmo ocorreu, principalmente para osprodutores simples de mercadorias (comfrágil inserção no mercado) e produtores desubsistência. Nesses casos, ao contrário doque se observa com a produção empresarial,a adoção de tecnologias agroecológicasintensivas em mão-de-obra, mas poucointensivas em capital, pode determinarganhos imediatos de produtividade eredução do risco econômico da atividadeagrícola (Assis, 2006). A seguir apresen-sentam-se alguns indicadores de perda deprodutividade em cultivos agroecoló- gicos,na agricultura brasileira.

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19Reforma Agrária e Meio Ambiente

Os dados se referem a cultivos quese encontram aos três anos de conversãopara a produção orgânica, o que indicanesse caso ter havido um custo elevado emvista da experiência com a transição, que sereflete nos níveis de produtividade dos

cultivos. Dados de Cerveira (2002) tambémindicam redução da produtividade nacultura de cana de açúcar no estado deParaná, Brasil. No primeiro ano de transiçãohouve perdas de produtividade em torno de30% para os sistemas de transição orgânica.

- - - 127,5 - - - 80

Fonte: Instituto CEPA/SC

Tabela 4 – Indicadores de produtividade animal, segundo a forma de agricultura praticada. SC, Brasil.

- 2.035,2 - - - 1.976,8 - -

Porcos Galinhas Gadode Corte

Gadode leite

Porcos Galinhas

48,75 - 18 - 42 - 10,4 -

468,1 - 150 6,04 385,7 - 122,8 5,72

44,7 64,2 - - 36,8 67,6 - -

Indicador

Idade médiade abate (dias)

Idade médiade abate(meses)

Peso médiode abate (Kg)

Idade médiade descarte(meses)

Litros de leite(l/animal/ano)

Agricultura Orgânica Agric. Convencional

Gadode Corte

Gadode leite

Como indicado anteriormente,chamam atenção os indicadores daagricultura de transição que são em geralmenores do que os da convencional, noscasos relatados. No campo da produçãoanimal agroecológica, outros estudostambém encontraram redução significativanos rendimentos dos cultivos em transição.Numa simulação realizada em Minas Gerais,visando identificar o que aconteceria emtermos de custos e produtividade caso fosseaplicado o sistema tecnológico preconizadopelas empresas certificadoras de produtosorgânicos encontraram-se dadospreocupantes:

- O custo do leite orgânico seria maiordo que o convencional. O sistemaorgânico apresentaria, segundo asimulação realizada, custos totaisrelativamente mais altos por litro deleite produzido. Isso se explica, em

parte, por menores índices deprodutividade (por animal e por áreade pastagem) em comparação àquelesobservados no convencional.

- O custo total para o sistema orgânicoseria de R$ 0,65 por litro de leite, cercade 50% maior do que o observado nosistema convencional. Entretanto, ocusto operacional efetivo,representado pelo desembolso, foimaior em apenas 15%. Esta diferençapode ser atribuída ao menordesembolso no sistema orgânico, queapresentou uma diminuição de 39% dodispêndio com a alimentaçãoconcentrada, em comparação àquelaverificada no convencional.

- A avaliação do sistema de produçãoorgânico de leite, com base nasexigências atualmente preconizadas

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20 Reforma Agrária e Meio Ambiente

pelas Certificadoras, apresentouredução de produtividade por vaca(33%); da terra (63%); da mão-de-obra(47%) e aumento do custo total por litrode leite em 50%. Para que sua produçãopossa ser economicamente viável énecessário um preço ao produtor de, nomínimo, 70% superior ao praticado parao leite convencional. (AROEIRA et. al.2006)

É importante notar que tais dadosforam fruto de uma simulação e também quesão contraditórios com resultados obtidos acampo em outra região do país, conformeserá apresentado mais adiante nestetrabalho. No entanto, são parcialmentecondizentes com resultados identificadosem casos específicos obtidos em processosde transição agroecológica emassentamentos no Brasil. No Caso da

Estes dados são condizentes com osobtidos em sistema de produção de frangodiferenciado (transição para oagroecológico)na Cooperunião, cooperativa localizada emassentamento da reforma agrária na regiãoOeste de Santa Catarina. Nesse caso houvealterações significativas como: aumento naidade de abate, redução da conversãoalimentar, e consequentemente, elevação do

Tabela 5- Comparativo de Custos de Produção de Frango de Corte (R$ por kg frango vivo)

Convencional

Alternativo sem antibióticos,sem quimioterápicos e sem in-gredientes de origem animal

Orgânico

Sistema de Criação Custo (R$ por kg) TOTAL (R$)

Custoração

Custopintos 01 dia

Custointegrado

1,503 0,201 0,152 0,113 1,969

0,954 0,201 0,127 0,113 1,395

0,551 0,188 0,108 0,069 0,917

Outroscustos

4 Tal fato tem levado inúmeros médicos a restringirem o consumo de carne de frangos industriais para diversos tipos de pacientes, dentre osquais meninas, para as quais o consumo da carne “turbinada” das aves industriais estimularia a antecipação da primeira menstruação.

Copavi, cooperativa coletiva situada naregião Noroeste do Paraná constatou-se aredução de produtividade no leite com atransição agroecológica, visto o sistemaprodutivo anteriormente adotado serbaseado em suplementação na base derações e no uso de insumos químicos.

Em relação à avicultura, dadosempíricos em geral têm comprovado umaacentuada redução de produtividade físicados produtores agroecológicos em relaçãoao sistema convencional. Demattê Filho et.al. (2008) compararam os custos estimadosde três sistemas de criação de frangos:criação convencional, criação semantibióticos, sem quimioterápicos e semingredientes de origem animal na ração ecriação orgânica. Os cálculos foram feitospara uma mesma linhagem de aves, comdados de janeiro/2003.

custo de produção por kg de ave produzida.

Tais diferenças se originam de terhavido uma impressionante evoluçãogenética na avicultura industrial e pelaincorporação de aditivos químicos epromotores de crescimento4 , além do uso deantibióticos em rações para aves de corte epostura, resultando em aceleração das taxas

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21Reforma Agrária e Meio Ambiente

de crescimento dos animais. Ademais, ascondições de criação fazem com que sejaotimizado o uso do capital fixo empregadoem detrimento do bem estar animal. Osaspectos onde há mais impacto nesse sistemasão: (a) aumento da taxa de conversãoalimentar; (b) redução do tempo médio para

costuma ser necessário um tempo menordo que para o café. Dados similares a esseforam verificados em sistemasagroecológicos de cultivo do café emassentamentos do Norte do Espírito Santo(CONCRAB, 2006). Em diversos casos,agricultores constataram redução de até30% no rendimento do café Conilon, comaumento concomitante de custos referentesa adubação orgânica e mão de obra paracontrole de plantas espontâneas. Noentanto, tais dados podem apenas refletirdificuldades relativas ao domínio detecnologias agroecológicas adequadas àscondições locais de solo, clima e variedades.

Essa linha de argumentação pôde sertestada por experiências realizadas poragricultores do Estado do RJ, utilizandosistemas orgânicos consorciados de cafécom banana e que resultaram em ganhostanto em termos de produtividade comoeconômicos, parecendo indicar que há umaimportante lacuna de conhecimento acercados sistemas produtivos agroecológicos, oque explicaria a diversidade de resultadoscontraditórios dentro da mesma cultura.

Época Tipo de agricultor

F (n=6) � E1 (n=4) E2 (n=6) E3 (n=4) Geral (n=20)

Antes 28 ± 13� 57 ± 28 42 ± 22 30 ± 10 39 ± 46

Durante 18 ± 10� 33 ± 17 31 ± 13 21 ± 14 27 ± 19

depois 38 ± 27� 60 ± 0� 46 ± 26 35 ± 0� 42 ± 27

Tabela 6 – Produtividade média de café (sacas de 60 Kg) no processo de transição agroecológica. Brasil, 2003.

Fonte: Assis e Romeiro, 2004.

abate; (c) redução da taxa de mortalidade;(d) redução dos custos de produção.

Também na cultura do café de altorendimento Assis e Romeiro identificaramredução significativa de produtividade,com a transição para a agroecologia.

� Os agricultores de tipos F são os familiares,ou produtores simples de mercadorias. osdemais tipos são agricultores empresariaisvariando desde o tipo E1 (menos de 20 hectaresde cultivo de café) até o E3 (acima de 50 ha decafé plantado). A área média de cultivo de cafénos estratos é de 2,3 ha para os agricultoresfamiliares, 8,5 ha para E1, 32,7 ha para E2 e123 ha para E3.

� Valor médio de cinco agricultores

� Inclui somente 5 agricultores familiares quese utilizavam de adubos químicos e pesticidas.Dois relataram não ter ocorrido perdas deprodutividade.

� Inclui somente os casos em que o processode transição estava já concluído.

� Somente um agricultor havia retornado aonível inicial de produtividade

O tempo de recuperação daprodutividade nesse caso variou de 1 a 6anos. No entanto, para outras atividades(grãos, sementes, gado de leite, etc.)

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22 Reforma Agrária e Meio Ambiente

Osdados acima apresentam umelemento pouco estudado em relação aosaspectos da produtividade sistêmica doscultivos agroecológicos. É sabido que aestratégia de produção agroecológica sebaseia fortemente na diversificação daprodução, com integração agricultura-pecuária-floresta e na interpenetração dosciclos e sistemas produtivos, onde o resíduode uma atividade torna-se matéria primapara a seguinte, e onde ciclos de ordem egrandeza diferenciados se entrecruzam aolongo do tempo5 , etc.

Nessa linha de argumentação, asimples comparação entre cultivos solteirosnos sistemas convencionais e ecológicospode resultar na falsa impressão que aprodutividade desse último sistema ésignificativamente inferior ao convencional.Na verdade, será necessário um maiorvolume de estudos de caso implicando emadaptações metodológicas que permitamincorporar a avaliação da produtividadesistêmica do conjunto de atividades

desenvolvidas de forma articulada ecomplexa nos sistemas ecológicos para quese consiga ter uma avaliação coerente com opotencial produtivo de cada uma dasalternativas tecnológicas comparadas.

Ou seja, até o presente momento asavaliações comparativas claramente foramembasadas nos pressupostos teóricos emetodológicos da ciência cartesiana onde osfatores em análise são simplificados deforma a permitir uma melhor análise de cadafator isoladamente. No entanto é justamenteaí que reside um dos pontos de discussãoparadigmática entre a agroecologia e aprodução convencional. O efeito sinergísticoe a produtividade agro-ecossistêmica é quedeveriam ser mensurados e avaliados emvista de concluir sobre a superioridade deum ou de outro sistema.

É sabido que a agroecologiapressupõe a diversificação produtiva comocomponente estrutural do sistemaprodutivo. Portanto, desconsiderar essaprodutividade dos diversos elementos

1Considerando o preço de R$ 410,00 e de R$ 28,00 como os valores da saca de 60 kg de caféorgânico e da caixa de 20 kg de banana orgânica, respectivamente (valores de 2006).Fonte: RICCI e OLIVEIRA, [2006?]

Tabela 7- Produções de café e banana e receitas brutas obtidas (R$) em dois anos agrícolas consecutivos nossistemas de cultivo a pleno sol (PS) e consorciado (Cons.). Valença, RJ. 1

PS Cons. PS Cons. PS Cons PS Cons. PS Cons.

Café(sacas ha-1) 1 23,9 22,6 9.799,00 9.266,00 20,8 26,0 8.528,00 10.660,00 18.327,00 19.926,00

Banana(cx ha-1) —— 163 —— 4.564,00 —— 216 —— 6.048,00 —— 10.612,00

Total —— —— 9.799,00 13.830,00 —— —— 8.528,00 16.708,00 18.327,00 30.538,00

Receita bruta(R$)

Produto Produção 2003 - 2004

Produção 2004 - 2005

Receita bruta(R$)

Receita brutatotal (R$)

5 Por exemplo, a adubação orgânica, num primeiro cultivo tende a não ser completamente disponibilizada para as plantas e solo, tendo umefeito indireto e cumulativo, de forma crescente ao longo do tempo. Um estudo comparativo de curto prazo tende a não identificar esse aspectode melhoria estrutural da vida microbiana e da micro-estrutura dos solos, fato que levará em médio prazo, a melhorias significativas na sanidadee produtividade dos cultivos.

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23Reforma Agrária e Meio Ambiente

componentes do sistema fragiliza aavaliação de seu potencial produtivo, comofoi demonstrado no caso do consórcio café+ banana, no Rio de Janeiro. Em linha geralpode ser afirmado que a comparação diretaentre a produtividade da cultura principalno sistema convencional versus oagroecológico tende a mascarar efeitossinergísticos ecossistêmicos fundamentais e,portanto, prejudicar os resultados obtidospelo sistema agroecológico.

Nesse sentido a Confederação dasCooperativas de Reforma Agrária do Brasil(CONCRAB, 2007; CHRISTOFFOLI, 2006)buscou desenvolver iniciativas dedesenvolvimento metodológico no campoda pesquisa científica juntando elementosde metodologias participativas, com aavaliação de resultados tomando em contaa complexidade dos fatores envolvidos noprocesso de transição agroecológica.

b) Estudos de caso onde não severificou redução de produtividade noperíodo de transição agroecológica

Diversos estudos de casoidentificaram não haver redução dos níveisde produtividade física das atividadesprodutivas submetidas ao processo detransição agroecológica. STORCH et al. 2004(p. 358-9) conduziram estudo onde 85,7% dosagricultores responderam que aprodutividade aumentou ou se manteve emrelação à convencional e, somente 14,3%responderam que a produção diminuiuapós adotarem o cultivo agroecológico.

Estudo realizado no Espírito Santoencontrou produtividade maior do Quiaboorgânico do que no convencional. Essaresposta tende a aparecer como padrão nashortaliças, ou seja, a produtividade dosorgânicos tende a se manter ou mesmo

aumentar já nos primeiros ciclos de cultivo,o que explicaria porque nessa área houveavanço maior dos orgânicos. Algunselementos identificados na experiênciacapixaba foram (TAVARES, 2008):

- as práticas da agricultura natural,quando aplicadas simultaneamente,culminaram em uma produção dequiabo (14.015,00 kg/ha) 57% maior doque a obtida pela agricultura química(8.926,00 kg/ha), no período de maio anovembro de 1998;

- esta diferença percentual detectadapermitiu garantir, a partir de análisesestatísticas, que houve umaprodutividade maior no sítio onde foiaplicado o método de cultivo “natural”menos estressante ao ecossistema dosolo;

- o tratamento menos estressante daagricultura natural, quandocomparado com a agricultura química,teve a produção 57% maior, muitoembora o solo de onde se obteve estagrande produção tenha sido o maispobre em nutrientes e o que apresentouo pH mais baixo (5,1);

- entre os três tratamento de agriculturanatural, aquele que obteve a produçãomais baixa (8.858,00 kg/ha) foi oconduzido no solo mais ricoquimicamente e com o melhor pH (6,7),porém foi o que recebeu o tratamentomais estressante para o seu ecossistema

Na produção ecológica de leite, RIZZOLIe SCHMITT FILHO [2007?] acompanharam aimplantação de projetos de transiçãoagroecológica junto a produtores de leiteutilizando-se do sistema PRV (Pastoreio RotativoRacional Voisin) como eixo para introdução daprodução orgânica.

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24 Reforma Agrária e Meio Ambiente

Quanto à produção diária de leite porpropriedade, antes da adoção do projeto,a média de produção dos projetosdiagnosticados foi de 105,46 l/dia, edepois da adoção do projeto 131,93 l/dia.O incremento, considerando todos osprojetos, hoje é de 25,09%. O incrementoda produção de leite nos projetos antigosficou em torno de 73,76%, sendo que nomunicípio de Santa Rosa de Lima oaumento foi de 88,24% e nos projetos daRegião de São Bonifácio e Águas Mornaspróximo dos 41,18%. Sobre a produçãopor área de pastagem (produtividade), amédia das propriedades antes da adoçãodo Pastoreio Voisin era de 3.722 l/ha/ano. A média depois da adoção doPastoreio Voisin ficou em 4.428 l/ha/ano.Isso equivale a um acréscimo de 18,98%a produtividade estimada antes e depois.Distinguindo os projetos novos dosantigos, os projetos antigos tiveram umacréscimo na produtividade na ordem de63,98% e os projetos novos ficaram com6,9% de aumento.

Como se pode perceber tais dadosconfrontam diretamente aqueles obtidos nasimulação realizada por AROEIRA et. al.(2006) demonstrando a complexidade desituações envolvidas na transiçãoagroecológica, bem como possíveis errosmetodológicos e/ou de pressupostosenvolvidos em tal simulação. Coerente como que se sugeriu na tipologia dos sistemasde transição agroecológica, há diversosfatores explicativos para os índices diversosencontrados em termos de produtividadefísica e custos do sistema produtivo emtransição para a agroecologia.

A não ocorrência de diminuiçõessignificativas de produção na mudança dosistema convencional para o orgânico podeser atribuída à baixa produtividade dapropriedade antes da adoção do sistemaorgânico de produção, concordando com asopiniões dos produtores de que as práticasalteradas na mudança do sistema foram

principalmente em relação ao uso deagroquímicos.

No entanto, há particularidades quepodem ser encontradas em algumasespécies vegetais, como é o caso dehortaliças, em especial as folhosas, onde seconsegue índices de produtividadecompatíveis ou superiores aos obtidos naprodução convencional, mesmo quando estaparte de patamares altos de rendimento. Issoexplicaria o porquê da agroecologia estarmais avançada e consolidada na produçãode hortaliças do que nas outras espéciesvegetais ou animais.

Outro aspecto a ser ressaltado dizrespeito ao potencial de aumento daprodutividade do leite a partir da adoçãode práticas agroecológicas, ao contrário doque se afirma em termos de risco de reduçãodas colheitas derivadas de possíveis reduçãode produtividade física das atividadesagropecuárias em transição agroecológica.

Discussão dos dados

A seguir elencamos alguns elementospara discussão dos diversos dados depesquisa compilados:

a) Observou-se a existência de dadoscontraditórios quanto ao sentido daevolução dos rendimentos físicos doscultivos agroecológicos (transição), oque indicaria a necessidade de maispesquisas de campo, mas também darelevância de se pensar tipologias detransição, com base nas proposiçõesapresentadas no texto. Ou seja,situações pré-transição que secaracterizem por alta produtividade(derivada da inserção de formaavançada no modelo da revoluçãoverde) tendem a registrar quedasexpressivas nos rendimentos. Já nos

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casos em que os agricultores nãohaviam adotado completamente omodelo tecnológico agroquímico, atransição já se mostra desde o iníciorentável (via redução de custos) semocasionar perda de produtividadefísica no sistema.

b) No entanto isso é uma verdaderelativa, pois variações nos tipos decultivos também influenciam emdiferentes sentidos os rendimentos noperíodo de transição agroecológica.Algumas espécies não apresentamqueda de produtividade, enquanto queoutras sofrem de forma muitosignificativa. O estímulo à transiçãodeveria levar em conta essasespecificidades.

c) A transição agroecológica implica emum período de ganho de experiência(curva de aprendizado) fortementepositivo. O tempo tende a trazermelhorias nos rendimentos na medidaem que se domina técnicas de manejoagroecológico e se recompõe acomplexidade ecológica dosagroecossistemas.

d) O período de transição representa,portanto, o “calcanhar de Aquiles” daagroecologia, seja por ocasionar perdasde produtividade, pela falta dedomínio de técnicas agroecológicas,pelo período necessário dedescontaminação dos solos/água, pelaeventual elevação dos custos pontuaisde produção. É nesse período inicialtambém onde ocorrem as desistências.Muitos agricultores param e retornamdesse ponto, devido às dificuldadeselencadas.

e) Isso implica que há espaço parapolíticas públicas que promovam esuportem o período de transição paraa agroecologia, como condiçãonecessária para a mudança global da

agricultura brasileira rumo a sistemasequitativos e sustentáveis deprodução.

É o que procuraremos desenvolverno capítulo que segue.

2. Elementos para uma política de estimuloà conversão produtiva para a agroecologiano Brasil

O presente trabalho buscoucaracterizar a transição agroecológica paraa agricultura brasileira tomando em contaos diversos desafios identificados a partirdos estudos de caso reais desenvolvidos emnosso país. Agora busca-se desenvolveruma série de propostas em vista deconstruir políticas públicas que asseguremo apoio e o estímulo à construção de ummodelo sustentável de agricultura,combinado com alcance da equidade ejustiça social.

Os dados elencados mostraram aviabilidade de um modelo tecnológico quetenha por base a agroecologia, ainda quepesquisas adicionais sejam necessárias emvista de se alcançar uma base mais sólidade dados em vista da proposição demedidas massivas de conversãoagroecológica.

É justamente na fase de transição quesão necessárias políticas de apoio para apermanência dos agricultores no processoagroecológico. O risco de reversão ouabandono do processo existe e é bastantepresente por todo o país. No trabalho decampo realizado pelo Instituto CEPA [200?]se constatou que 23% das unidadesprodutivas em processo de transiçãoagroecológica haviam desaparecido em cercade 3 anos na região vizinha à capital doestado de Santa Catarina. As razões principaispara tal fato foram dificuldades de adaptaçãoao estilo de cultivo ecológico e a queda darenda obtida pelos camponeses.

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26 Reforma Agrária e Meio Ambiente

É nesse sentido que procuramosconstruir um conjunto de propostas quepossam ser incorporadas como elementosde uma política pública que ampare deforma clara o processo de conversão para aAgroecologia. A formulação leva em contaalguns elementos centrais:

a) A necessidade de um suportecientífico e tecnológico para aconstrução de um novo modeloprodutivo e tecnológico para aagricultura, com base na agroecologia,na eficiência econômica e no alcanceda máxima produtividade agro-ecossistêmica possível.

b) A necessidade de programaspúblicos de estímulo e suporte viamecanismos de preços, garantia derenda e créditos subsidiados em vistado período de transição, onde ocorrefreqüentemente, queda temporária deprodutividade física dos cultivos ecriações.

c) A necessidade de criar mercadoinstitucional para os produtosecológicos mediante a destinação deuma parcela do poder de compra doEstado para produtos desse tipo. OEstado poderia induzir a que parcelascrescentes de agricultores sedediquem à produção ecológica deforma a criar massa produtivasuficiente para ir abastecendo osequipamentos e programas públicosde forma a assegurar melhoria naqualidade biológica dos alimentosservidos à população brasileira.

d) A necessidade de se criarmecanismos de capacitação e extensãorural para que os conhecimentos jádisponíveis possam estar acessíveisaos agricultores que busquem atransição agroecológica.

Acreditamos ser necessárioinicialmente um conjunto de políticas quegradualmente seriam construídas uma vez

dadas as condições para tal. O eixo depolíticas estruturais propõe os elementosbásicos que deverão ser seguidamenteavaliados e revistos com o fim decontemplar novas possibilidades que se vãoconstruindo sob as condições dedesenvolvimento do processo políticobrasileiro.

1. Apoio à capacitação de técnicos eagricultores em tecnologias eestratégias para a implantação daagroecologia

2. Estruturação e direcionamento dosistema de apoio técnico,educacional e social com base namatriz produtiva agroecológica e emmetodologias participativas

3. Apoio a realização de pesquisasparticipativas em agroecologia

4. Criação de linhas de creditosubsidiado para viabilizar eestimular a transição agroecológica

5. Promover ações de apoio àcomercialização, beneficiamento eindustrialização da produçãoagroecológica

6. Apoio a constituição de arranjosprodutivos cooperativos de grandeescala articulando pequenosprodutores em sistemas produtivosagroecológicos e diversificados.

7. Estímulo à produção de insumosnecessários à etapa de transiçãoagroecológica (insumos de tipoquímico, orgânicos, biológicos eminerais)

Detalhamento das políticas:

a) apoio à capacitação de técnicos eagricultores em tecnologias e estratégiaspara a implantação da agroecologia

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Esse conjunto de medidas visa enfrentarum dos principais gargalos existentes noestágio inicial de transição, qual seja, a faltade informação tecnológica relacionada àagroecologia.

• Apoio à realização de seminários,oficinas, congressos técnicos,

• Apoiar a realização de cursos formaise não-formais para agricultores

• Apoiar a realização de intercâmbios,visitas a experiências já consolidadasem produção agroecológica.

• Implementação de cursos superioresem Agroecologia ou Agronomia comenfoque agreocológico.

• Publicação de livros e cartilhas,vídeos e programas educativos nasemissoras publicas de televisão sobreas características, vantagens eprocessos de transição para aagroecologia.

• Fortalecimento de Escolas TécnicasRurais (CFRs/EFAs, Centros deFormação ligados a movimentossociais e agroecológicos, cursostécnicos em agroecologia na rede deescolas técnicas públicas...)

• Inserção nos currículos das escolas deciências agrárias disciplinas ligadasà agroecologia.

b) estruturação e direcionamento de umsistema participativo de apoio técnico,educacional e social com base na matrizprodutiva agroecológica e em metodologiasparticipativas

Os sistemas públicos de ATER/ATES devem se voltar prioritariamente paraa promoção da agroecologia. Deve-se buscartambém a democratização das ações dosórgãos de extensão, abrindo espaço tambémpara formas públicas não-estatais deprestação de ATER agroecológica.

• Definir regiões estratégicas detransição agroecológica onde seriamfocalizados os esforços iniciais deestruturação do sistema.

• Estabelecer metas quanto a númerode técnicos a serem formados emmetodologias participativas detransição para a agroecologia

• Estabelecer cronogramas com metasde número de técnicos qualificadosem agroecologia priorizandoinicialmente regiões estratégicas parao processo de transição.

• Repasse de recursos aos sistemas deATES cooperativos e ligados aosmovimentos sociais em vista dapromoção da agroecologia.

• publicação de livros, cartilhas,folhetos e cartazes de estímulo eorientação à produção ecológica

• apoiar a produção de vídeos eprogramas radiofônicos educativos ede sensibilização sobre produçãosustentável, agroecologia, malefíciosdos pesticidas, etc.

• Estimular a produção de programastécnicos, educativos e de divulgaçãoda agroecologia e sua difusão a partirdos meios de comunicação públicos.

c) apoio à realização de pesquisasparticipativas em sistemas produtivosagroecológicos

Sistemas produtivos agroecológicostêm que necessariamente ser adaptadoslocalmente. Não existe a possibilidade dese gerar “pacotes tecnológicos” em escalanacional de forma a ser aplicado localmente.A diversidade do meio biótico e abiótico,as interações ecossistêmicas, os elementosde cultura e de trabalho são extremamentevariáveis mesmo em escala local-regional.Nesse sentido o estímulo à processos depesquisa descentralizada e participativa éfundamental para viabilizar o processo detransição agroecológica.

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Sistemas agroecológicos sãoespecíficos para cada realidade, poisprocuram potencializar a diversidadeambiental das mesmas. Isto faz com que setorne inviável e indesejável a criação de“pacotes agroecológicos” homogêneos paraamplos conjuntos de agricultores, exigindosoluções particulares para cada agricultor.Este impasse aparente coloca desafiosnovos para as políticas de pesquisa,extensão rural e crédito.

Uma solução possível seria integrar osagricultores nos processos de pesquisa e deextensão. Com o apoio de pesquisadores ede extensionistas, os agricultores identificamos problemas de seus agroecossistemas eselecionam soluções adaptadas para suassituações particulares com base nos seusconhecimentos prévios e aqueles oriundos daciência agronômica, da ecologia e da biologia.Estas soluções são então testadas por cadaagricultor e comparadas entre si, corrigidas,melhoradas e, finalmente, aplicadas noconjunto de suas propriedades.

Esta abordagem implica em umaprofunda modificação dos processos depesquisa e de extensão que funcionam hojede forma unilateral e unidirecionada,controlada totalmente por cientistas etécnicos sendo os agricultores, vistos comomeros recipientes de tecnologia.Experiências nacionais e internacionaisdemonstram ser possível desenvolversistemas de pesquisa participativos comalto grau de sucesso (Von der Weid, 2006;CONCRAB, 2007; HOLT-GIMENEZ, 2008)

Pesquisas realizadas no Brasilindicam que a propensão às atividades depesquisa é mais comum entre agricultoresorgânicos do que junto aos produtoresconvencionais. Ou seja, há demanda ereceptividade para políticas públicas queestimulem o envolvimento dos agricultorescomo partícipes dos projetos de pesquisa,e não apenas como meros receptorespassivos de tecnologias geradas nos centrosde pesquisa.

TABELA 20 - Importância atribuída pelos produtores à pesquisa e experimentação, segundo otipo de agricultura praticada - 2003

Fonte: Instituto Cepa/SC

COMPORTAMENTO RELATIVO ÀPESQUISA E DESENVOLVIMENTOTECNOLÓGICO

Não desenvolvm pesquisas ouexperimentos agropecuários emseus estabelecimentos

Desenvolvm algum tipo depesquisa ou experimentoagropecuário emseus estabelecimentos

- Por iniciativa própria

- Em pareceria com centros

de pesquisa- Em outra situação

Conhecem os trabalhos depesquisa em agricultura orgânicade instituições públicas

Desconhecem os trabalhos depesquisa em agricultura orgânicade instituições públicas

Gostariam de sugerir projetosde pesquisa

N°Produtores

22 55 34 85

15 37,5 5 12,5

3 7,5 1 2,5

AGRICULTURAORGÂNICA

AGRICULTURACONVENCIONAL

%

12 30 4 10

27 67,5 34 85

17 42,5 6 15

N°Produtores

%

1 2,5 0 0

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29Reforma Agrária e Meio Ambiente

Propostas:

• Estabelecer um programa público depesquisa em agroecologia, comorçamento e dotação de pessoal,priorizando algumas temáticas egargalos ligados aos principaisprodutos agropecuários do país.

• Apoiar atividades de sistematizaçãode conhecimentos tradicionais elocais já consolidados em termos deprodução agroecológica ou semutilização de insumos industriais.

• Apoiar atividades de pesquisaparticipativa com base emmetodologias que envolvam agrupos de camponeses como ametodologia campesino a campesinoadotada em toda America Central eCuba, ou outras já desenvolvidas emnosso país.

• Promover processos de resgate,sistematização e comunicação detecnologias agroecológicas jáexistentes nos centros de pesquisa,universidades, ONGs, etc.

• Viabilizar programas definanciamento de atividades de P&Dparticipativas junto a organizaçõespopulares e instituições de pesquisaem vista do desenvolvimento denovos arranjos produtivo-tecnológicos-organizacionais naperspectiva agroecológica.

• Para a Embrapa e órgãos estaduais depesquisa: contratação depesquisadores específicos paraagroecologia; destinaçãoorçamentária adequada e de formacrescente para programas depesquisa em agroecologia; gestãoparticipativa dos programas,envolvendo representação dasentidades camponesas.

d) criação de linhas de crédito subsidiadopara viabilizar e estimular a transiçãoagroecológica

O período inicial da transiçãoagroecológica representa a fase mais difícilno longo caminho para se construir umnovo modelo de agricultura em nosso país.Os dados empíricos e científicosdemonstram a necessidade de se proverestímulo e suporte para essa etapa onde écomum ocorrerem perdas deprodutividade, associadas ou não aaumentos pontuais de custos de produçãoe de uso da força de trabalho. É tambémnessa etapa onde ocorrem as desistências,onde agricultores abandonam a transição eretornam para o modelo convencional ouaté mesmo desistem da atividade agrícola.

Posteriormente, já na fase em quecomeça a ocorrer aumento naprodutividade agro-ecossistêmica, osefeitos benéficos da agroecologia se fazemsentir e se reduz a necessidade de aportede insumos externos (energia, nutrientes,trabalho...) e, portanto, inclusive derecursos financeiros (especialmente osdestinados para custeio das atividades),fato favorecido pela menor utilizaçãorelativa de insumos e menor volume deinvestimentos (ICEPA, 2004; Von der Weid,2006; CONCRAB, 2007).

Experiências concretasdemonstram que uma propriedadefamiliar manejada segundo os princípiosda agroecologia não demandafinanciamentos recorrentes de custeio.Por sua própria natureza, um sistemaagroecológico mantém elevado nível deauto-reprodução de seus insumos e desua fertilidade. Após um investimentoinicial para a estruturação dos sistemasagroecológicos, os custos de produçãoanuais se reduzem substancialmente epassam a ser assumidos pelas própriasfamílias. Por essa razão, as famíliasecologistas tornam-se bastanteautônomas em relação aos mercados deinsumos e totalmente independentes dos

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agroquímicos. Esse fato demarcaclaramente a diferença da natureza dademanda por crédito dos sistemasecológicos em relação à dos sistemasconvencionais. Enquanto os primeiros seauto-regeneram pela ação dos fluxosnaturais e pelo trabalho familiar, osúltimos só se reproduzem mediante o altoaporte anual de insumos e energiaexterna. [...]

Para que esse tipo definanciamento seja adequado àsnecessidades e capacidades das famílias,bem como aos ritmos de recuperaçãoambiental dos agroecossistemas, deve serconcebido com prazos mais extensos.Deve simultaneamente permitir planosflexíveis de transição de forma que asfamílias possam fixar novas metas ano aano em função dos resultados que foremobservando com a evolução do sistema.(Von der Weid, 2006 p. 19)

A fala de Von der Weid ainda quecorreta poderia, no entanto, induzir aequívocos, como o de confundir a redução danecessidade de custeio com a falta de demandapara investimentos na produção agroecológica,ou com a questão da perda de competitividadeda produção agroecológica nos períodos iniciaisda transição. Uma das questões que parecemafetar o desenvolvimento da agroecologiareside no fato de que práticas recomendadasdemandem maior força de trabalho e maioresforço físico do que as práticas da agriculturaconvencional. Substituir herbicidas pela capinapode ser mais eficiente do ponto de vistaecológico, mas representa um acréscimo brutalna carga de trabalho, tanto em termos detempo como de esforço exigidos. Por issoreivindica-se que recursos subsidiados sejamdirecionados para o período de transiçãovoltados para, de um lado superar a queda deprodutividade e de outro permitir investimentosque representem economia de tempo e esforço/intensidade de trabalho.

O governo Lula procurou criar medidasde estímulo creditício à agroecologia. Aprincipal medida foi a criação do PronafAgroecologia. No entanto, essa modalidade nãosurtiu o efeito desejado.

Para operar o Pronaf Agroecologia, por

exemplo, os agricultores quetencionavam o crédito foram obrigadosa apresentar projetos de conversão daspropriedades que tivessem a duração detrês anos. Nesses projetos, deveriamestar claramente indicadas, ano a ano,as etapas de substituição de práticasconvencionais por práticasagroecológicas. Essa exigência colocouum obstáculo insuperável às famílias namedida em que as obrigava a projetaros processos de transição de suaspropriedades em ritmos acelerados,quando, em situações normais,poderiam se estender por até oito anos,sem que se pudesse prever com exatidãoos passos dados a cada ano. Para queesse tipo de financiamento sejaadequado às necessidades e capacidadesdas famílias, bem como aos ritmos derecuperação ambiental dosagroecossistemas, deve ser concebidocom prazos mais extensos. Devesimultaneamente permitir planosflexíveis de transição de forma que asfamílias possam fixar novas metasanualmente em função dos resultadosque forem observando com a evoluçãodo sistema. (Von der Weid, 2006 p. 19)

Já para o INESC, entidadeespecializada em análise de políticas públicasvoltadas para a cidadania, as medidasadotadas pelo governo foram insuficientes e,ademais, contraditórias,

A análise de programas e açõesconstantes do Plano Plurianual 2004/2007 deixa visível a opção política dogoverno federal pelo maior apoio aoagronegócio exportador, emcontraposição à promoção daagroecologia e do desenvolvimentosustentável da agricultura familiar. Oagronegócio tem força e peso no governoLula, sendo o desempenho dasexportações agrícolas na balançacomercial brasileira um fatorfundamental para a atual políticamacroeconômica.[...]

No PPA do governo Lula, aspoucas ações que poderiam serrelacionadas às práticas agroecológicassão poucas e fragmentadas, embora já

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possam compor o que chamamos de“orçamento pró-agroecologia”. (INESC,2004 p. 1)

Portanto, em vista dos aspectosdiscutidos, propõe-se:

• Criação de linhas de crédito visandoestimular e viabilizar a soberaniaalimentar do povo em condiçõesecológicas sustentáveis. Para isso irápromover a diversificação dos cultivos,permitindo o financiamento demúltiplas atividades (e não somentefinanciamento de um tipo de cultivopor crédito, por exemplo).

• Apoiar a pequenas e médiasestruturas associativas paraarmazenagem, beneficiamento, e/outransformação agroindustrial oucomercialização dos produtosagroecológicos.

• Aspectos que deveriam de serconsiderados na política dessa linha:

• Prever recursos adicionais além doslimites disponíveis nas linhas decrédito convencionais. Ou seja, criaruma espécie de extra-teto paraviabilizar os custos suplementaresnecessários à transição.

• ter taxas de juros menores que aslinhas convencionais em vista doaumento de custos de produção oude redução da produtividade noperíodo de transição.

• criar estímulos indiretos (como p. ex.bônus de adimplência) para opagamento de parcelas da dívidadentro dos prazos de vencimento.

• Flexibilidade na aplicação dosrecursos em diversas atividadesprodutivas e em diversas fases doprocesso, tendo em vista adiversidade de situações encontradasnos processos de transição.

e) promover ações de apoio àcomercialização, beneficiamento eindustrialização da produção agroecológica

Um desafio inicial da transiçãoagroecológica é ir criando condições para queessa produção se realize no mercado. Ouseja, que se comece a criar condições paraque alimentos agroecológicos comecem achegar de forma mais ampla ao mercado,remunerando os custos de produção eviabilizando a expansão gradativa daatividade. Contudo, num segundo momentoé fundamental superar o estágio atual emque os alimentos orgânicos estão confinadosa um gueto, direcionado apenas para a classemédia, partindo para o desafio de alimentaro povo trabalhador com produtosagroecológicos.

Para se chegar a esse ponto é que sãonecessárias medidas com apoio estatal, nosentido de ir ampliando o espaço ocupadomarginal atualmente pela produçãoorgânica. A abertura de mercadoinstitucional pode se converter numapoderosa ferramenta para essa transição nosmercados.

e.1. promover ações de apoio àcomercialização dos produtosagroecológicos

• objetivo: possibilitar a segregação(isolamento dos convencionais) eagregação de valor aos produtosagroecológicos.

• apoio à realização de atividadeslocais de comercialização dosprodutos agroecológicos.

• utilização do poder de compra doestado para abastecimento de escolas,hospitais, creches, asilos etc.priorizando produtos agroecológicose garantindo preços-prêmios queremunerem os custos de produção eassegurem condições de reproduçãodas unidades de produçãoagroecológica em esse período.

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32 Reforma Agrária e Meio Ambiente

• Promover campanhas deesclarecimento acerca das qualidadesdos alimentos e produtosagroecológicos (na medida em quecresça a oferta dos produtos)

• Promover ações de capacitação paraos agricultores e suas organizaçõesem vista de sua atuação no mercadode produtos agroecológicos.

• apoiar a realização de feiras e eventosde divulgação e comercialização deprodutos agroecológicos.

• Apoio financeiro e legal à criação desistemas de certificação participativa.

e.2 apoio à beneficiamento e industrializaçãode produtos agroecológicos

• apoio à realização de estudos técnicosde análise de viabilidade e àelaboração de projetos financeirospara implantação de unidades debeneficiamento e industrializaçãoagroecológicos.

• Utilizar a capacidade de compra doestado para apoiar e fortalecer asunidades industriais agroecológicas jáinstaladas ou em fase inicial deinstalação e funcionamento.

• Dirigir parte dos fundos públicos parainvestimentos associativos nessa área.

• apoiar ações de qualificação dostrabalhadores em temas de gestão ecapacitação técnica para a operação deunidades agroindustriaisagroecológicas.

• criar programas de apoio técnico egerencial para as unidadesassociativas existentes o em vias de serconstituídas.

• Apoio financeiro ao desenvolvimentode processos produtivos e atecnologias brandas em vista do

processamento de produtosagroecológicos.

• Maior incentivo e apoio à agroindústriaorgânica (capacitações, crédito,assistência técnica, etc.), possibilitandoo aproveitamento de refugos de altaqualidade nutricional.

e.3 Divulgação e Marketing da AgriculturaOrgânica

• Apoio à divulgação na mídia (rádio, TV,jornal e revista);

• Promoção de eventos de caráter regionale estadual (seminários, encontros,workshops, dias de campo, palestras);

• Apoio ao desenvolvimento de marcasque caracterizem as frutas, hortaliças eprocessados agroecológicos daagricultura familiar em estratégias locaisde comercialização direta;

• Ampliação, criação e incentivo a canaisalternativos de comercialização (feiraslivres, lojas dos agricultores, pontos emestradas, cooperativas de consumidores,pontos de abastecimento popular, etc).

• Criação de um banco de dados em AOno Estado, por órgão público,permitindo circulação de conhecimentose informações em home page daagricultura orgânica.

• Atuação firme através dos órgãos defiscalização ambiental na fiscalização docomércio de agrotóxicos, liberação dereceituários agronômicos e certificadosfitossanitários de origem (CFO) e nocumprimento da legislação vigente quecontrola o uso dos produtos agrotóxicos.

f) apoio a constituição de arranjosprodutivos cooperativos de grande escalaarticulando pequenos produtores emsistemas produtivos agroecológicos ediversificados.

O franco desenvolvimento daagroecologia no Brasil pressupõe o

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estabelecimento de uma ampla rede deorganizações de apoio, iniciativascooperativas e associativas no campo daprodução, pesquisa e marketing dosprodutos agroecológicos. Nesse sentidopropõe-se:

• Apoiar mediante a disponibilizaçãode recursos humanos e financeiros aconstituição de sistemas integrados deagrupações cooperativas oassociativas em vista de fomentarcadeias produtivas agroecológicas sobcontrole dos próprios pequenoscamponeses.

• Recursos para desenvolvimento(Modelagem) de sistemas produtivosagroecológicos em escala regional,combinando unidades produtivasfamiliares e coletivas integradas.

• Recursos para desenvolvimentotecnológico em vista de tecnologias eequipamentos adequados arealidades de complexos produtivosenvolvendo pequenas unidadesprodutivas.

• Apoio a constituição de patrulhasmecanizadas voltadas a grupos deagroecologia, visando a mecanizaçãodo processo produtivo, buscando aredução do tempo de trabalho e apenosidade do mesmo.

g) Estimulo à produção de insumos emáquinas/equipamentos necessários à etapade transição agroecológica (insumos de tipoquímico, orgânicos, biológicos e minerais)

O desenvolvimento da agroecologiatem como pressuposto a viabilização de umacadeia de insumos de forma a atender asnecessidades específicas desse tipo deagricultura. Em muitos locais inexiste hoje ofornecimento dos insumos necessários, o quedificulta ainda mais a expansão daagroecologia.

- Isenção ou diferenciação de impostos para

produtos necessários à transiçãoagroecológica

- Estímulo tributário para pesquisa eprodução de insumos e máquinasalternativos destinados ao processo detransição agroecológica.

- Isenção tributária para o importação demáquinas, equipamentos e insumosnecessários à produção agroecológica e/ouem pequena escala (unidades familiares);

- Estímulo fiscal e creditício para odesenvolvimento de máquinas eequipamentos destinados a pequenas emédias unidades de produção, em especialas agroecológicas.

Conclusões

O presente estudo buscou construirum conjunto de propostas de políticaspúblicas a partir da análise dos gargalos queenfrentam os agricultores no momento atual,de transição da agroecologia brasileira, rumoa sistemas produtivos agroecológicos.

Trata-se de um esforço preliminar,visando contribuir, a partir de um projetolimitado de pesquisa financiado pelo CNPQ,para repensar o modelo de agriculturadominante em nosso país. Os próximospassos pressupõem a discussão dessasmedidas com os grupos de agricultores etécnicos envolvidos no processo de mudançade modelo tecnológico e produtivodesenvolvido nos assentamentos de reformaagrária no Brasil.

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34 Reforma Agrária e Meio Ambiente

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INTRODUÇÃO

O trópico úmido é caracterizado pelapresença de solos intemperizados, com baixaconcentração de nutrientes disponíveis eacidez, que se traduz em baixa fertilidadenatural. As condições climáticasprevalecentes são marcadas por altastemperaturas e preciptações pluviométricaselevadas e concentradas durante poucosmeses. Essas condições favorecem adecomposição da matéria orgânica do solo,que responde pela maior fração dacapacidade de retenção de nutrientes.

Nestas condições, a estabilidade dosníveis de produtividade das lavouras, aolongo do tempo, em patamares econômicossatisfatórios depende muito da conservaçãoe do aumento dos teores de matéria orgânica,para a construção e manutenção dafertilidade do solo. Os agricultoresfamiliares ao utilizarem a roça itinerante,com pousio prolongado, favorecem arecuperação da produtividade, que foireduzida durante o cultivo feito após adeposição das cinzas resultante da queimada biomassa da capoeira. A presença detocos e raízes melhora a drenagem do solopermitindo uma melhor aeração, superandoas condições de anaerobiose promovidaspelo excedente hídrico, comum durante operíodo chuvoso.

Esse sistema permitiu ao Estado doMaranhão ostentar durante vários anos o títulode maior produtor de arroz de sequeiro doBrasil. Nas últimas duas décadas, o sistemade agricultura de derrubada e queima entrouem colapso. A concentração fundiária,capitaneada pela pecuária bovina e pelo usoda terra como reserva de valor, contribuiu parao desequilíbrio deste modelo principalmente

A Agroecologia no Estado do Maranhão

Altamiro Souza de Lima Ferraz Junior1

e Emanoel Gomes de Moura2

porque a redução do período de pousio emsolos de baixa fertilidade natural, não permitea restauração da produtividade do sistema,tendendo a resultar em lavouras menosprodutivas. Hoje as expressões “É roça!” e“Você quer me levar prá roça?” associam a roçamaranhense à pobreza, em um Estado queostenta os piores indicadores dedesenvolvimento humano do país.

As alternativas à agricultura itinerante,pressupõem o cultivo de uma mesma área porperíodos prolongados. Isso implica nasubstituição dos benefícios da queima porestratégias que resultem em benefícios nomínimo equivalentes àquelas como: limpezada área, redução do banco de sementes,correção e fertilização do solo, redução donúmero de capinas para controle de ervasadventícias e controle de pragas e doenças.

A agricultura convencional oumoderna não tem sido uma alternativa desucesso à agricultura itinerante, uma vezque tem por princípios: a substituição dassinergias proporcionadas pelabiodiversidade dos ecossistemas naturais,presentes no trópico úmido, por açõespontuais altamente dependentes de insumosextenos ao agroecossistema, tais como: omonocultivo, a ressaturação dos colóidesvia uso maciço de corretivos e fertilizantessolúveis, os controles químicos de ervasadventícias, de pragas e de doenças, oestreitamento da base alimentar e da basegenética. As tentativas de implementação domodelo de agricultura moderna, com amobilização intensa de solos e altos níveisde aporte de energia fóssil só logrouresultados nas áreas de cerrado, onde adisponibilidade de terras de baixo custo vempermitindo aos grandes empreendimentosde empresários sulistas, a escala necessária

¹Professor Adjunto IV – Deptº Química e Biologia, UEMA²Professor Adjunto IV Deptº Engenharia Agrícola - UEMA

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à geração de lucros com o monocultivo dasoja, principalmente na região centro-sul doestado, que tem no município de Balsas seumaior expoente.

Esse modelo de agricultura temcontribuido mais para o desequilíbrio dasdimensões da sustentabilidade, uma vezque é concentradora de renda e fortementeexcludente do ponto de vista social, porquesua viabilidade é extremante dependente daescala. Do ponto de vista ambiental é notórioque esse modelo destrói as bases dosrecursos naturais dos quais depende aatividade agrícola e acirra a pressão sobreos recursos naturais exercida pela parcela dapopulação pobre e excluída do processoprodutivo, como vem ocorrendo com aexpansão da sojicultura na região do BaixoParnaíba, nordeste do estado.

No centro-norte do Maranhão agrande maioria da população ainda vive nomeio rural, o que implica em alta demandade alternativas para a pesquisa eimplantação de agroecossistemassustentáveis adequados à agriculturafamiliar. Nestas circunstâncias a tecnologiaa ser aplicada deve contemplar apreocupação com a conservação parcial dossistemas, com ênfase no uso de técnicasdesenvolvidas pela microbiologia,bioquímica, genética e fisiologia vegetal,compatíveis com o uso intensivo de energiasolar e humana e o uso mínimo de energiafóssil (Fernandes et al.,1992).

Na realidade rural maranhense, ossistemas de produção com basesagroecológicas surgem como alternativaspromissoras à agricultura de corte e queima,uma vez que estes estão mais ao alcance dagrande maioria dos agricultores familiares,pois têm por base pressuostos diferentesdaqueles da agricultura convencional, ouseja: policultivo, otimização de sinergias,uso dos recursos internos, diversificação dabase genética e ciclagem de nutrientes.

2. EXPERIÊNCIAS COM SISTEMASDE PRODUÇÃO AGROECOLÓGICOCONDUZIDAS PELA UEMA

A área de atuação do Programa dePós-Graduação em Agroecologia da UEMA,

a região Centro-Norte do Maranhão, ocupauma situação geográfica, entre o Nordeste ea Amazônia, que lhe faculta o domínio deuma grande diversidade de agroambientes,mas esta posição dificulta a solução dosproblemas de produtividade da agriculturaporque suas especificidades de solo e climainviabilizam a utilização de grande parte dastecnologias geradas em outras regiões dopaís. Historicamente, à margem dasiniciativas federais que investiram nageração de tecnologias agrícolas em outraspartes do Brasil, esta região tem hoje umenorme passivo social representado por umcontingente de mais de 60% de suapopulação sobrevivendo abaixo da linha depobreza, praticando uma agriculturaitinerante que ainda utiliza o fogo comoforma de preparo e fertilização do solo. Asvantagens agronômicas desse sistema, quese manifestavam no tempo de vegetaçãoabundante e baixa densidade demográfica,agora são apenas entraves para a introduçãode outros modelos agrícolas, segundo FerrazJúnior (2004). Como agravante, as tentativasde introdução, de práticas “modernas”como a gradagem pesada e aplicação deadubos químicos, resultaram apenas emdegradação de extensas áreas onde a camadaarável foi recompactada pela atuação dechuvas intensas, sobre um solo de estruturafrágil porque é constituído basicamente porareia fina e silte (Busscher et al. 2002). Alémdisso, a exposição desta camada aos rigoresda insolação equatorial acelera a queima damatéria orgânica e elimina a possibilidadede reestruturação do solo, aumentando oefeito nocivo da acidez (Moura 2004).

Principalmente por falta de umaalternativa sustentável para o uso do solona Agricultura Familiar, o Maranhão estáinserido na penúltima colocação quanto aosíndices de desenvolvimento humano dopaís, com um valor de IDH de 0,647, situaçãoabsolutamente não condizente com asfrancas possibilidade de uso das fontes derecursos naturais disponíveis.

As experiências acumuladas peloPrograma de Pós-graduação emAgroecologia da Universidade Estadual doMaranhão (Moura, 1995; Albuquerque, 1999;

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e Ferraz Júnior, 2000) demonstraram quepara estes agroecossistemas deve seraplicada uma nova abordagem queconsidere as especificidades locais inerentesao trópico úmido. Em síntese, estestrabalhos confirmaram que para esta regiãoos indicadores de qualidade do solo maisimportantes para o crescimento eprodutividade das culturas são acapacidade de aeração e os teores de matériaorgânica. Com base nestas conclusões trêsassertivas dão suporte teórico àsexperiências conduzidas pelo grupo:

i) a capacidade de aeração dos solos dotrópico úmido pode ser aumentada emantida acima de seu nível crítico, por meiodo plantio direto sobre cobertura morta demateriais que protejam o solo do impactodas chuvas e estimulem a atividade danumerosa fauna que habita os solos dotrópico úmido;

ii) os teores de matéria orgânica do solo nostrópicos podem ser mantidos e atéaumentados se for aproveitada a capacidadede algumas leguminosas arbóreas, quandocultivadas no ambiente tropical sem estressehídrico, produzir ramos e folhas para seremcortados e aplicados ao solo. Todas essaspremissas foram testadas inicialmente nocampo experimental da UEMA: com váriasespécies de leguminosas arbóreas, em sistemasde aléias, combinadas ou isoladas, em váriosespaçamentos, com qualidade de resíduosvariáveis, cujos ramos e folhas resultaram emdiferentes níveis de cobertura do solo queevidentemente produziram diferentes efeitossobre a qualidade do solo e a produtividadedas culturas do arroz e milho.

O cultivo em aléias, um dos sistemasagroflorestais mais simples, consiste emplantar uma cultura de interesse econômiconas entrelinhas de um plantio de árvorespreferencialmente leguminosas. Os ramosdas leguminosas são cortados eperiodicamente adicionados nas entrelinhas,servindo como fornecedores de nutrientese cobertura morta para a cultura principal.Esse sistema surgiu na Ásia, em regiõesmontanhosas das Filipinas, com a finalidadede reduzir a erosão do solo (Kang et al.

1990). Segundo Atta-Krah (1989), os doisprocessos essenciais de manutenção eregeneração da fertilidade do solo, os quaissão separados espacialmente etemporariamente na agricultura itinerante,são reunidos no cultivo em aléias.

Essa prática, tradicionalmenteempregada em regiões tropicais da África eÁsia, tem permitido melhoria nascaracterísticas químicas do solo (carbonoorgânico e nutrientes), especialmente nacamada superficial, quando comparado aomonocultivo (Yamoah et al. 1986). Amelhoria tem sido atribuída à reciclagemmais eficiente dos nutrientes pela fitomassadas podas ou pela serrapilheira. Além disso,a espécie florestal mostra efeitos benéficospor suas raízes mais profundas, quereduzem as perdas por lixiviação e pelamaior cobertura do solo, que proporcionaproteção contra a erosão. As espéciesarbóreas recomendadas para este sistemadevem apresentar as seguintescaracterísticas: fácil estabelecimento, sistemaradicular profundo e pouco extenso nascamadas superiores, crescimento rápido,tolerância ao corte, capacidade de rebrota,alta produção de massa, fixação biológica denitrogênio associada a altos teores de N nasfolhas e ser de fácil decomposição (Kang etal. 1990); também é desejável que as espéciessejam tolerantes a condições adversas desolo tais como: baixa fertilidade e acidez(Szott et al., 1991).

No trópico úmido, a adição deresíduos orgânicos é essencial para sustentara fertilidade dos solos, porque estesresíduos adicionam nutrientes por meio damineralização, principalmente nitrogênio eajudam a manter os teores de matériaorgânica do solo, além de minimizar osefeitos adversos da erosão, doencrostamento, da desestruturação, datemperatura elevada e da redução dacapacidade de troca catiônica (Roder et al.1995; Vanlauwe et al., 1995).

Em sistemas agrícolas de baixo“input”, os resíduos das raízes das plantaspode servir como principal fonte de matériaorgânica do solo e nutriente. As raízes têmgrande quantidade de estoque de nutrientes,

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cerca de 64% do N da biomassa das plantasestão contidas nas raízes da FlorestaAmazônica na Venezuela (Sprent, 1987).Trabalhos realizados em solos característicosdessa região demonstraram que a utilizaçãode resíduos orgânicos como cobertura do solo,aumenta expressivamente a produtividadedas culturas (Veras, 1994; Moura, 1995).

Vários trabalhos relatam asquantidades de nutrientes que sãoadicionadas aos solos pelos ramos deleguminosas, utilizadas como cobertura mortaou incorporadas às estrelinhas de plantio dacultura anual. Entretanto, estes trabalhos nãocaracterizam as camadas do solo de ondeestão sendo retirados os nutrientes, portantonão é clara a contribuição do sistema radiculardas leguminosas nas camadas maisprofundas com relação ao total de nutrientesabsorvidos e ciclados (Buresh, 1995). No solosob cultivo em aléias, foram observadasalterações nos teores de N, P, Ca e Mg nacamada superficial 0-20 cm. Para o N, o teorpassou de 0,9 g.kg-1 para 1,3 g.kg-1, o quepode ser atribuído ao conteúdo reciclado pelafitomassa e a fixação biológica (Mafra et al.,1998). Sanchez et al. (1989), cita que, demaneira geral, os sistemas agroflorestaispodem fornecer na superfície do solo de 3 a15 t.ano-1 de carbono, com um adicional de1,3 a 6,5 t.ano-1 por meio das raízes’’.

No Maranhão, tudo teve início no ano1996 quando com o apoio financeiro do BNB-

FUNDECI, foi instalado um experimento decampo para avaliação do comportamento dequatro espécies de leguminosas arbóreas:Inga edulis, Clitoria fairchildiana Howard,Leucaena leucocephala e Cajanus cajan emsistema de cultivo em aléias na áreaexperimental da UEMA, sob nossacoordenação. Os resultados desteexperimento revelaram que a leguminosaClitoria fairchildiana Howard de ocorrênciaespontânea na região Centro-Norte doEstado do Maranhão, permitiu elevadasproduções de biomassa e altos aportes denutrientes ao solo (Tabelas 1e 2), bem comoprodutividades relativamente altas de arroznos três primeiros anos (Figura 1) e de milhono quarto ano (Figura 2).

Figura 1 - Cultivo do milho em aléias de Clitoriafairchildiana Howard na UEMA, ano de 2005.

Tabela 1 - Produção de massa vegetal seca dos ramos de quatro leguminosas arbóreas utilizadasem sistema de cultivo em aléias, em ARGISSOLO VERMEHO-AMARELO Distrófico na UEMA.

Letras diferentes na mesma coluna indicam diferença significativa ao nível de 5% pelo teste Tukey.

Leguminosas 1996 1997 1998 1999 2001 2002

Matéria seca t.ha-1

Inga edulis 0,00b 0,88c 3,21b 3,27c 4,95c 4,20c

Leucaena lecochephala 0,04b 3,50b 6,39a 8,21b 6,61b 6,80b

Cajanus cajan 0,97a 8,50a 3,55b 2,43c 0,00d 1,95c

Clitoria fairchildiana 0,22b 6,98a 7,64a 12,40a 10,82a 10,20a

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Tabela 2 - Nutrientes adicionados através da poda dos ramos das leguminosas, total dequatrocortes por ano (Ferraz Jr, 2000)

Espécies 1996 1997 1998 1999

N P N P N P N P

kg.ha-1

I. edulis 0 b 0 b 20,71 d 1,60 d 94,37 b 5,33a 115,69b 4,91b

L. leucocephala 1,19b 0,08 b 98,18 c 6,44 c 247,67ª 12,59ab 402,29a 17,32a

C. cajans 31,33a 3,10 a 290,10a 20,4 a 136,28 b 8,09 bc 151,41b 8,62b

C. fairchildiana 6,47 b 0,46 b 214,77b 13,47 b 264,88 a 13,98a 471,35a 21,45a

Letras diferentes na mesma coluna indicam diferença significativa ao nível de 5% pelo teste Tukey.

Figura 2 - Produção de arroz em casca (t.ha-1), média de duas variedades, em cultivo solteiro(testemunha) e em aléias de leguminosas durante três anos, Letras iguais nas mesmas colunasnão diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey a 5%.

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Figura 3 – Produção de grãos de grãos de dois genótipos de milho cultivados em aléias dequatro espécies de leguminosas e em cultivo solteiro, em ARGISSOLO VERMELHO AMARELODistrófico na UEMA.

Os níveis de produtividade obtidosno primeiro ano de cultivo foramsuperiores àqueles reportados por Kato etal.(1999) em solos arenosos do Estado doPará. A maior produção de grãos ocorreucom o plantio do arroz nas entrelinhas daClitoria fairchildiana, não diferindo dasparcelas com Cajanus cajan, Leucaenaleucocephala e testemunha, porémsuperando as aléias de Inga edulis (Figura1).Estes dados mostram que no primeiro anode cultivo, utilizando-se adubação químicaa produtividade de arroz não responde àadição de resíduos orgânicos deleguminosas e ainda que a adição deresíduos com baixos teores de N como osde Inga edulis, tendem a reduzir aprodutividade.

No segundo ano (1998) aprodutividade do arroz manteve tendênciasemelhante àquela observada no anoanterior (1997). As maiores produções degrãos foram observadas nas parcelas comadições de Clitoria, Cajanus e Leucaena, e asparcelas com aléias de Inga edulis nãodiferiram da testemunha. Estes dadosindicam que no segundo ano somente o

tratamento com aléias de Clitoria fairchildianaalcançou níveis de produção de grãossignificativamente superiores àquelesobtidos com o cultivo solteiro, apesar daadição significativa de matéria seca dasdemais leguminosas (Tabela 1).

No terceiro ano o plantio de arrozem aléias de Clitoria fairchildiana, Cajanuscajan e Leucaena leucocephala resultaram emproduções de grãos significativamentesuperiores àquelas observadas natestemunha e nas parcelas com Inga edulis(Figura 1).

Observou-se uma queda dosníveis de produtividade nos anos de 1998e 1999 comparado ao primeiro ano, emboraa poda das leguminosas tenha fornecidoaltas quantidades de matéria seca, N e Pnesses dois anos, superiores àquelasadicionadas no ano de 1997. Entretanto, asleguminosas amenizaram a queda deprodutividade do arroz, no terceiro ano decultivo contínuo (Figura 1), comparado àtestemunha que recebeu somenteadubação química.

Considerando que a ausência derotação de culturas nos três anos de plantio

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de arroz, pode ter influenciado nasreduções das produtividades, no ano de2001 procedeu-se o cultivo de duasvariedades de milho, AG 405 e BR 106, entreas aléias de leguminosas. Os dados obtidosmostraram que a adição de matéria secapelas leguminosas Clitoria fairchildiana,Leucaena leucochephala e Inga edulis,contribuiram para elevação daprodutividade de miho em relação aocultivo solteiro (Figura 2), com maiorresposta do milho híbrido comparado àvariedade (Leite, 2000). Neste experimentoavaliaram-se as produtividades e o peso de1000 grãos dos dois genótipos nas duaslinhas de plantio no centro da parcela, bemcomo nas duas linhas adjacentes àsleguminosas, para avaliar o efeito dacompetição interespecífica entre as plantasde milho e as leguminosas em aléias. Asvariáveis peso de 1000 grãos e produçãode grãos (Tabelas 3 e 4) não diferiram entreas linhas, sugerindo que não houvecompetição interespecífica (milho xleguminosa).

Os resultados desse trabalhoassemelham-se aqueles encontrados por

Jeanes et al. (1996) e Akinnifesi et al. (1997)estudando a competição entre a Leucaenaleucocephala e o milho, esses autoresconcluíram que a eficiência de uso do N foimaior para as plantas de milho crescidasadjacentes às aléias de Leucaena leucocephala,na estação chuvosa e o contrário foiobservado durante a estação seca.Provavelmente os altos índicespluviométricos durante o ciclo da culturado milho impediram a competiçãointerespecífica.

Outro aspecto favorável do cultivoem aléias é a supressão das ervasadventícias que cotribui fortemente para aredução da penosidade do trabalho naagricultura familiar. Isto foi evidenciadopela contagem, pesagem e identificação daservas adventícias, efetuadas ao final do ciclodo milho no ano de 2001, os resultadosobtidos mostraram que a adição debiomassa da leguminosas Clitoriafairchildiana suprimiu as ervas daninhas deforma muito eficaz praticamente anulandoa competição com a cultura do milho e anecessidade de controle (Figura 4) (FerrazJr et al. 2001)

Figura 4 – Densidade de ervas adventícias em aléias de quatro leguminosas arbóreas,avaliada ao final do ciclo da cultura do milho na UEMA, Ferraz jr et al. (2001).

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Observou-se também umamodificação nas proporções das espécies deervas adventícias, com predominância dagramínea Eragrostis pilosa, nas parcelas semadição de ramos de leguminosas e Commelinasp naquelas que receberam adições debiomassa das leguminosas.

Os resultados obtidos nos levaram apropor um novo projeto, desta feita emáreas de assentamento no município deMiranda do Norte, distante 130 Km de SãoLuís, utilizando o sistema de cultivo emaléias com a leguminosa Clitoria fairchildianaHoward.. No campo, este sistema mostrouaos pesquisadores e agricultores suaviabilidade para o uso continuado do solono trópico, com elevada produtividade,mesmo para culturas mais exigentes comoo milho. Neste experimento, implantado emum PLINTOSSOLO ARGILÚVICODistrófico, após três anos de plantio dasleguminosas foram obtidas produtividadesde milho em torno de 5.500 kg.ha-1, combaixo nível de insumo empregado.

Este trabalho em área de produtoresfoi alvo de vários dias de campo comassentados das áreas próximas e de outrosmunicipios, onde os instrutores enfatizarama importância da matéria orgânica para aconstrução da fertilidade do solo.Atualmente, percebemos que váriosagricultores estão plantando leguminosascomo a Clitoria fairchildiana e outrasautóctones em sistema de aléias, paramelhoria da fertilidade do solo.

Além dos resultados positivos e dagrande expectativa criada junto aosagricultores, a experiência permitiu retirarimportantes observações a respeito domanejo sustentável de agroecossistemas nascondições específicas do trópico úmido,levando em conta os princípios daAgroecologia:i) As mesmas características de clima quefavorecem a produtividade das árvoresleguminosas e aumenta a quantidade dematerial para cobertura, contribuem para oaumento da agressividade das ervasdaninhas principalmente quando se aumentaa fertilidade do solo. Isto dificulta a aceitaçãodo plantio direto pelos agricultores porque

aumenta os trabalhos de capina.ii) O uso da Clitoria fairchildiana apesar de suaperfeita adaptabilidade e de sua grandecapacidade de produção, aumenta ademanda provisória por Nitrogênio nosistema, por causa da menor qualidade deseus resíduos dai sua maior durabilidadena superfície do solo.iii) O plantio todo ano da mesma áreacontínua, oportuniza o aumento daincidência de algumas pragas, que se antesjá eram importantes, agora sem a agriculturaitinerante e sem o uso do fogo, setransformam em ameaça concreta,principalmente no caso da cangapara(Tibraca limbativentis Stal) no arroz, da moscabranca (Bemisia sp) na abóbora, da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) no milhoe da vaquinha (Cerotoma arcuata) no feijãocaupi.

No que tange aos itens (i) e (ii), umaestratégia promissora seria a inclusão juntoao cultivo da safrinha, normalmenteimplantada depois do pico das chuvas, deuma leguminosa anual que mantenha o solocoberto entre o final e o início do períodochuvoso seguinte. Além disso, os resíduosdessa leguminosa deverão auxiliar emqualidade e quantidade as deficiências domaterial adicionado com o corte daleguminosa arbórea, bem como superar obalanço negativo de N causado pela colheitado feijão.

A possibilidade de controle das ervasespontâneas por supressão ou por efeitoalelopático como sugerido por Inerjit eKeating (1999) foi testada, na mesma áreaescolhida para este projeto, utilizandoquatro leguminosas de cobertura no final doperíodo chuvoso. Das quatro leguminosastestadas o tratamento onde foi utilizadofeijão-de-porco como cultura de coberturaapresentou a menor densidade o menornúmero de espécie e as menoresdiversidade e biomassa de ervasadventíceas, como se verifica na Tabela 3.

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Tabela 3. Efeitos das espécies usadas como cultura cobertura sobre a densidade, número deespécies, índice de diversidade de Shannon-Wiener e biomassa das ervas espontâneas. Osdados representam média e os valores entre parênteses e erro padrão*.

*Adaptado de Araújo (2004)

Tratamento Densidade Nº de espécies Diversidade Biomassa

Plantas m-2 spécies m-2 (índice de g m-2

Mucura 59,0 (±12,2) 5,2 (±1,1) 1,0 (±0,2) 377,9 (±93,8)

Guando 51,8 (±11,3) 5,2 (±1,7) 0,9 (±0,4) 392,9 (±58,4)

Feijão-de-porco 44,8 (±6,1) 3,8 (±0,8) 0,8 (±0,2) 158,6 (±49,8)

Calopogônio 53,4 (±9,5) 6,4 (±1,6) 1,0 (±0,2) 414,6 (±24,4)

Controle 73,8 (±16,5) 6,4 (±1,1) 1,0 (±0,2) 428,4 (±122,8)

Shannon-Wiener)

Das quatro leguminosas anuaissemeadas junto à cultura da apenas o feijãode porco (Canavalia ensiformes) resistiu aosrigores do período seco apresentandomelhor desempenho na supressão daservas, que normalmente produzem nesteperíodo as sementes que vão infestar alavoura seguinte. Mucuna preta, feijãoguandu anão e calopogônio, nãoapresentaram nenhum efeito sobre o

controle de ervas e foram pouco produtivosneste período.Também quanto ao aporte de nutrientes ofeijão de porco se mostrou muito superioràs outras leguminosas como se pode verificarna figura 5, o que sugere ser esta espécieadequada para compensar o efeito imediatona fixação do N resultante da aplicação dosresíduos de baixa qualidade dos ramos dosombreiro.

Figura 5. Capacidade potencial de aporte ou ciclagem de N, P, K, Ca e Mg da parte aérea deleguminosas cultivadas em um sistema de aléias com sombreiro, Miranda do Norte - MA, 2003.

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4. Oportunidades e Perspectivas

Definir e implementar estratégias,para enfrentar as questões, de controlealternativo de pragas e doenças em sistemasagroecológicos, bem como introduzirespécies que produtoras de frutos de maiorvalor de mercado, de forma compartilhadacom os agricultores e mediadores, passarama ser agora o grande desafio do grupo depesquisadores envolvido na problemática domanejo dos agroecossistemas do programade Agroecologia do Maranhão. Em visita aum sistema de aléias na estação experimentaldo Programa de Agroecologia o Dr. MiguelAltieri sugeriu a intercalação de culturas nasfaixas entre as árvores, inclusive com aintrodução da mandioca dividindo as faixasde arroz e milho. Este esquema pode seruma alternativa para diminuir a expansão deinsetos na lavoura diminuindo ou atéeliminando a necessidade de pulverizaçõese ainda atender as necessidades dosagricultores, que normalmente plantam emconsórcio estas mesmas culturas, geralmenteadicionando a abóbora nos locais commaiores concentrações de cinza.Evidentemente a rotação de culturas nasfaixas será imprescindível principalmentepara evitar a autotoxicidade do arroz, mastambém por várias outras razõesagronômicas conhecidas.

Os campos expostos e asconcentrações de espécies de um só cultivoabrem o caminho à infestação por pragas, jáque proporcionam recursos concentrados econdições físicas uniformes que fomentama invasão de insetos. A abundância e eficáciados predadores se reduzem, devido aambientes simplificados que nãoproporcionam fontes alternativas adequadasde alimentação, refúgio, reprodução e outrosfatores ambientais. As pragas de insetosherbívoros são mais propensas a colonizar ea permanecer por mais tempo nos cultivoshospedeiros que estão concentrados, já queo conjunto de necessidades de vida daspragas se satisfaz nesses ambientessimplificados. Como resultado, aspopulações de pragas especializadasalcançam níveis economicamente

indesejados nestas condições.É sabido que os policultivos

sustentam uma menor carga herbívoracomparados aos monocultivos. Um dosfatores que explica esta tendência é que ospolicultivos preservam populações deinimigos naturais relativamente maisestáveis, devido a disposição mais contínuade fontes de alimentação e uma maiordiversidade de microhabitats. O outro fatoré que os herbívoros especializados têm maisoportunidades de encontrar e permanecernos monocultivos puros, já que essesbrindam recursos concentrados e condiçõesfísicas monótonas (Altieri, 2002).

Outra abordagem está sendoimplementada no assentamento VilaDiamante, município de Igarapé do Meio,distante 180 Km de São Luís, região daBaixada Ocidental Maranhense. Consiste noestabelecimento de aléias de Clitoriafairchildiana, por ocasião do plantio da “roçano toco”, após a queima da biomassa dacapoeira, feita em conjunto com agricultoresexperimentadores. A partir do segundo anointroduziram-se espécies frutíferas como ocupuaçu e a manga enxertada nasentrelinhas das leguminosas. Pretende-se,desta forma, utilizar o sistema de cultivoem aléias para a produção de culturasalimentares até o crescimento das fruteirasas quais deverão gerar renda mais elevada.

5. Considerações FinaisNo Estado do Maranhão, as

condições adversas à atividade agrícolapraticada no modelo de monocultivo daRevolução Verde podem ser superadascaso os estilos de agricultura, respeitem aspeculiariadades locais, e otimizem asvantagens que se traduzem por ausência dedéficits hídricos acentuados no período decultivo, oferta de energia solar, altabiodiversidade e a existência de um grandenúmero de variedades adaptadas a essascondições. A Agroecologia comoabordagem sistêmica tem permitido oconhecimento da realidade, como pontocrucial para o redesenho de sistemas deprodução que otimizem essas vantagens,permitindo o entendimento dos princípiosdos saberes locais e os utilizem na

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estruturação de sistemas produtivossustentáveis. Estes sistemas não podemexcluir o uso de leguminosas adaptadascomo a Clitoria fairchildiana Howard e outrasque ainda estão por terem o potencialrevelado. O sistema de cultivo em aléiaspode ser também um ponto de partida paraa busca da sustentabilidade, entretantoqualquer que seja a via deve serdesenvolvida conjuntamente com osagricultores familiares.

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Transição agroecológica na culturado arroz irrigado nos assentamentos

do Rio Grande do Sul

Leandro F. Fagundes1

1 Técnico em agropecuária, estudante de Geografia da UNESP/Via Campesina. Membro da Cooptec e do Setor de Produção, Cooperação eMeio Ambiente da CONCRAB.2 Nome dado pelos camponeses, para designar os territórios conquistados, que fica aos arredores da região metropolitana de Porto Alegre.

Apresentação

O presente trabalho vem relatar aexperiência de produção do arroz orgânico,desenvolvida no entorno da regiãometropolitana de Porto Alegre, por umconjunto de camponeses assentados peloprograma de reforma agrária. Esta região secaracteriza por abrigar um dos ecossistemasmais ricos do Brasil, o “ecossistemabanhado”, o qual tem um papel relevanteno meio natural, além de ser rico em suabiodiversidade; Ele também garante asobrevivência de outros ecossistemasvizinhos, como os rios e lagoas, fornecendoágua nas épocas de escassez e retendo nascheias. Por se tratar de um ecossistemamuito rico em matéria orgânica, osbanhados, também chamados de várzeassão ocupados pela agricultura, ondepredomina o cultivo da monocultura doarroz irrigado.

Um fator a ser considerado, é atransformação que estas áreas herdadaspelos assentamentos, sofreram nasúltimas décadas. No final do séculopassado o Governo Federal patrocinavadrenagens nos Banhados, para aumentaras áreas de cultivo do arroz irrigado, comisto presenciamos a destruição dosbanhados, numa proporção assustadora.Dos mais de 45 mil ha. do Banhado

Grande de Gravataí, restaram pouco maisde 5 mil ha. (FEPAM, 2007)

Esta ação desenfreada, desenvolvidapelos latifundiários e patrocinada pelogoverno, levou a um grande assoreamentodos banhados, atingindo os cursos d’águae as lagoas, que também estão sendoaterradas com grande velocidade.Atualmente, podemos assistir a um gravedesequilíbrio ecológico, e ao ler a paisagem,notamos que os camponeses assentadosherdaram parte destas terras, na qual seconstata a perda da biodiversidade local.

Ao longo dos últimos anos algunscamponeses assentados, vemdesenvolvendo inúmeros processostecnológicos na produção do arroz,contrapondo o receituário agronômicodominante. Estes processos têm como pontode partida o intercâmbio de informações deaproximadamente 123 famílias, queconstituíram o Grupo Gestor do ArrozOrgânico. Estes camponeses localizam-seem 06 municípios, envolvendo 07assentamentos da Regional Porto Alegre2 :Charqueadas (Assentamento 30 de Maio);Nova Santa Rita (Assentamento Capela);Viamão (Assentamento Filhos de Sepé);Eldorado do Sul (Assentamentos ConquistaNonoaiense e Integração Gaúcha); Guaíba(Assentamento 19 de Setembro); Tapes(Assentamento Lagoa do Junco).

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Contextualização da região

A região metropolitana de PortoAlegre e seu entorno, há mais de 60 anos secaracteriza pela monocultura do arrozirrigado, atividade esta desenvolvida pelosgrandes produtores e arrendatários rurais.A partir do ano de 1987 o INCRA - InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária,começou assentar famílias de agricultores,em regiões próximas a Porto Alegre. Estefato ocorreu por dois motivos: primeiro pelovalor da terra, já que no período que a terrafoi adquirida pelo órgão federal, estavamdesvalorizadas em relação a outras áreas noEstado; isto se deu principalmente pela criseeconômica da atividade orizícola,vivenciada pelos grandes produtoresgaúchos, que tinham na época altos custosde produção e enfrentaram a desvalorizaçãodo produto no mercado. O outro motivo foipela pressão social que o governo sofria, jáque existiam na época vários acampamentosna beira de estradas, de agricultores semterra, reivindicando um pedaço de chão.

Estes camponeses eram oriundos deoutras regiões do estado. A maioria dasfamílias com conhecimento em cultivarculturas de sequeiro, na região do altoUruguai, noroeste do estado. A compra deterras com características apropriadas paraa produção de arroz irrigado foi um desafiomuito grande para as famílias quedesconheciam completamente tal sistema decultivo e não tinham habilidades paracultivar terras de várzea.

Atividade orizícola nos assentamentos

O cultivo do arroz irrigado pelos

assentados, teve início no ano de 1995, deforma convencional dentro do pacotetecnológico3 da revolução verde. Oscamponeses conquistaram neste períodouma linha de crédito para as cooperativas,chamada PROCERA – Programa de CréditoEspecial para a Reforma Agrária. Na regiãoeste recurso foi utilizado para dar início àatividade orizícola. Neste período ocorreua incorporação de algumas tecnologiasnecessárias ao cultivo do arroz, como acompra de colheitadeira, tratores e outrosimplementos e benfeitorias, pelascooperativas regionais vinculadas àCOCEARGS4 . Neste período também foicriada a Cooperativa Regional dosAssentados da Região de Porto Alegre(COOTAP), com o objetivo de prestarserviços aos assentados com algumasmáquinas. Esta cooperativa de prestação deserviço, não conseguiu dar suportesuficiente para o conjunto das famílias,devido a dificuldades de gestão, ao grandenúmero de assentados na região e àsdistancias entre os assentamentos.

No decorrer dos anos, o sistemaprodutivo desenvolvido pelos camponesescomeçou a entrar em crise econômica,devido aos altos custos de produção e à faltade estrutura apropriada, aliada àinexperiência na atividade. Mesmo com todoempenho e esforço para desenvolver aatividade orizícola, havia fatores quelimitavam o desenvolvimento destaatividade e que para superá-los, havia anecessidade de desenvolver outras formasde produção, que iremos relatar no capituloposterior.

Outro fator importante e que faz partedo processo vivenciado na região é oarrendamento de terras para cultivar arroz,esta prática sempre fez parte do contexto

3 São formas de se organizar a produção, segundo um “conjunto de técnicas, práticas e procedimentos agronômicos que se articulam entre sie que são empregados indivisivelmente numa lavoura ou criação, seguindo padrões estabelecidos pela pesquisa” (AGUIAR, 1986, p. 42).4 Cooperativa Central de Assentados da Reforma Agrária, organização de segundo grau de âmbito estadual, que congrega outras cooperativasde assentamentos.

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gaúcho, onde fazendeiros arrendavam suasáreas ou parte delas, para plantadores dearroz.

A partir do ano de 1999, este processode parcerias e/ou arrendamentos se agravounos assentamentos. No entanto é precisocontextualizar este momento, já que neste anoa orizicultura entrou em crise, devido aopreço baixo na comercialização, chegando aovalor de R$ 12,88 a saca de 50 kg, nãocobrindo sequer os custos de produção. Tantoos grandes como os pequenos produtoresgaúchos de arroz se endividaram. Esta crisedeu oportunidade para que arrozeiros doestado de Santa Catarina viessem para aregião de Porto Alegre em busca de terras eágua barata. Vale a pena salientar que oscamponeses catarinenses não se endividaramnesse período, devido à escala de produçãoe à produtividade da lavoura, associadas aaspectos chaves da matriz tecnológicaempregada que influenciaram nestaestabilidade econômica.

Os camponeses catarinenses secaracterizam por terem áreas de no máximo20 ha., com baixo custo de produção devidoa utilizarem máquinas menos potentes (aocontrário do grande produtor gaúcho) e teremuma alta produtividade, entorno de 150 sc/ha, ao passo que os produtores gaúchostiveram no ano de 1999 uma média de 109sc/ha.

Outro motivo importante é que oprograma “Pró Várzea” em Santa Catarina,foi gerenciado pela EPAGRI (Empresa dePesquisa Agropecuária e Extensão Rural deSanta Catarina S.A.), que utilizou o recursopara sistematizar as pequenas áreas de arroz,proporcionando o uso da técnica de plantiopré-germinado (consiste em colocar a sementepré-geminada ao solo, antecipando o ciclo dacultura) esta tecnologia proporcionoumaiores rendimentos e custos mais baixos.Se lembrarmos, o mesmo programa foi

gerenciado no Rio Grande do Sul peloInstituto Rio Grandense de Arroz - IRGA efoi utilizado pelo grande produtor paradrenar as várzeas, tirando-as do seu estadoecológico e pondo-as ao serviço do capital,até o momento que estas áreas faliram, sendoposteriormente comercializadas, ouredirecionadas para a Reforma Agrária,graças à luta dos camponeses, conforme járelatado.

Os camponeses catarinensesbuscavam áreas a fim de expandir aprodução, e o ponto alvo foi a região de POA,por ter arrendamento de terra e água barata,já que os agricultores desta região estavamcom dificuldades financeiras. Um dadorelevante neste contexto, que demonstra aentrada de agricultores catarinenses no RS éa importação de 400 mil toneladas de arrozem casca pelo estado de Santa Catarina, nomesmo ano. (EPAGRI, 2007).

Alguns camponeses assentadosutilizaram o arrendamento, para estruturarsuas áreas em vista da cultura do arroz, jáque os “catarinas”5 realizavam toda a infra-estrutura necessária, como sistematização daárea, abertura de estradas, canais deirrigação e drenos, e com isso os agricultoresforam se apropriando de um conjunto detecnologias, entre elas o pré–germinado, paraimplementar suas futuras lavouras.

Contudo, esta abertura que pode terbeneficiado alguns grupos de camponeses,também gerou uma cultura de dependênciae passividade em outros grupos, visto quealguns camponeses assentados não sedesafiaram a ocupar e se apropriar daatividade orizícola, permanecendo naestratégia de arrendamento das várzeas,cultivando diretamente somente nas áreasaltas. Hoje estes camponeses recebem emtorno de 20 sc/ha pelo arrendamento e estãoficando empobrecidos com o passar dotempo, tanto financeira como culturalmente,

5 Expressão utilizada pelos agricultores assentados para denominar os arrozeiros catarinenses.

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perdendo sua raiz cultural camponesa,sobrevivendo da renda da terra e não da suarelação de trabalho com a mesma.

No ano de 2005, novamente a culturado arroz entrou em crise (baixo preço pagoao produtor), atingindo alguns agricultorescatarinenses, que estavam endividados juntoaos engenhos de seu estado e a outras fontesfinanciadoras, já que utilizam todo o pacotequímico, pagam o arrendamento e a água epor muitas vezes arcam com a sistematizaçãodas áreas, para o cultivo do arroz pré-germinado. Apesar de alguns “catarinas”desistirem da atividade, sempre chegavauma nova leva, dentro da mesma lógica.

Neste processo, os assentamentosperdem a gestão do território (várzea) e quempassa a realizar a produção são osarrendatários. Por sua vez alguns assentadosviram a possibilidade de retomar o controle,e receber as terras já sistematizadas para oplantio do pré-germinado; no entanto, emcontrapartida, estas terras estavamenvenenadas, pelo uso intensivo deagrotóxicos. Dentro desta conflitualidade, háum aprendizado e trocas de conhecimento,onde os assentados se apropriam dealgumas técnicas e buscam uma nova matriztecnológica.

Outro fator a se considerar e quedificulta a produção dos camponesesassentados, é a estrutura das antigaslavouras das fazendas que foi planejada comuma infra-estrutura (canais, drenos, sistemade irrigação, tamanho dos quadros dearroz...) para implementar uma grandemonocultura de arroz. Neste caso, há umgrande gasto de energia e tempo pelosagricultores assentados para readaptar aárea, que em muitos casos, torna-seimpossível o remanejo para a pequenaagricultura. A única solução seria o cultivode forma associada em cooperativas,parcerias ou em grupos, que por vezes, poruma dificuldade cultural dos camponeses,torna-se difícil. Relacionados a estes

problemas acima, há também os altos custosiniciais desta infra-estrutura limitando aatividade pelos assentados que preferemtrabalhar em regime familiar.

Mudança da matriz tecnológica – GrupoGestor

A mudança da matriz tecnológica sedeu juntamente com a conflitualidadevivenciada pelos camponeses, que foirelatada anteriormente. Parte destescamponeses, no ano de 1999, tomaram umadecisão política de aderir à agroecologia,visto que havia um conjunto de informaçõese práticas agroecológicas (Bionatur,produtores biodinâmicos de arroz,experiências nas hortas dos assentamentose outras), que possibilitavam vislumbrarformas alternativas de produção.

No ano 2000, implementaram-se asprimeiras áreas orgânicas de 3 a 4 ha,basicamente no Assentamento da Capela(Capela RS) com a Cooperativa COOPAN eno Assentamento Lagoa do Junco (Tapes RS)com a Cooperativa COPAT. As experiênciaspráticas desenvolvidas pelas duas unidades,pioneiras, na produção de arroz orgânico,levaram ao interesse de mais famílias dopróprio assentamento e de outros, aproduzirem arroz orgânico. A partir daí,iniciaram-se as trocas de experiências entreas famílias que vinham produzindo arrozorgânico e as que estavam iniciando ou quetinham interesse na atividade.

No ano de 2002 foi organizado um diade campo entre as famílias que vinhamproduzindo arroz de base agroecológica noAssentamento Lagoa do Junco em Tapes -RS, para troca de experiência e estudos emArroz pré-germinado orgânico eRizipiscicultura. A partir deste ano,consolidou-se o “Grupo Gestor do ArrozOrgânico”, que foi composto de famílias

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assentadas que trabalham em CPAs -Cooperativa de Produção Agropecuária, emAssociações e em grupos de agricultores.Neste encontro ficou definido pelas famíliasa organização de dois dias de campo e umseminário por ano, a fim de trocarexperiências, realizar estudos de todos osprocessos produtivos do arroz pré-germinado orgânico, bem como do restanteda cadeia produtiva, como: secagem/armazenagem, beneficiamento/processamento e formas de comerciali-zação.

O Grupo Gestor, para melhoracompanhar as metas estabelecidas noseminário, se organizou, de forma a ter umrepresentante de cada assentamento, quetenha experiências em arroz orgânico e umrepresentante da equipe técnica (Coptec);estes se reúnem a cada 45 dias paraencaminhar questões referentes à cadeiaprodutiva do arroz. Portanto, nos semináriosé realizado o planejamento das tarefas aserem realizadas, que envolvem objetivosestratégicos, eixos estratégicos, meios pararealizá-los e metas a serem atingidas.

O Grupo Gestor, com o apoio daCOCEARGS, Setor de Produção Cooperaçãoe Meio Ambiente e Assistência Técnica daCOPTEC, desenvolve um processo decapacitação em agroecologia, focando osistema de várzea. Neste processo deformação, há a necessidade de ter umacooperação entre os camponeses, já que aconcepção da agroecologia traz uma quebrade paradigma, procurando ter um olharsistêmico da agricultura e não unicista.Atualmente há aproximadamente 120famílias envolvidas neste processo.

A formação do grupo possibilitou,alem da troca de conhecimentos, um maiorganho econômico na atividade, visto queestes se juntam para comercializar suaprodução. Atualmente o grupo tem quatrounidades de beneficiamento com potencialde beneficiar em torno de 50 sacas/hora,

processando arroz orgânico. Todas asunidades estão vinculadas à COCEARGS.São elas:

• COPAC – Cooperativa de ProduçãoAgropecuária dos Assentados deCharqueadas Ltda, uma unidade desecagem e armazenagem junto comsecador;

• COPAT - Cooperativa de ProduçãoAgropecuária dos Assentados de Tapes –Ltda, uma unidade de secagem e um silosecador, uma unidade de beneficiamentoe uma empacotadora;

• COOTAP - Cooperativa dosTrabalhadores Assentados da Região dePorto Alegre tem uma unidade de secageme armazenagem;

• COOPAN Cooperativa de ProduçãoAgropecuária dos Assentados Nova SantaRita Ltda, tem silos secadores de 5000 sc, eum projeto para uma empacotadora.

Os mercados prioritários onde éescoada a produção do arroz orgânico seconstituem no comércio local (loja dareforma agrária, lojas de produtos orgânicose feiras), empresas privads (Jasmine,AGROPAR e exportação para os EstadosUnidos) e CONAB. A comercialização doarroz como produto ecológico se abriu apartir da certificação do produto, queocorreu na safra 2002/2003. Essa atividadeé estratégica e tem demandado muito esforçodo conjunto dos camponeses, visto que estesnão estão acostumados a lidar com ummercado destas proporções, que exige umnível de profissionalização devido àconcorrência e ao jogo de interesses docapital.

Analisamos por estas informaçõescitadas acima, o nível de conflitualidadeexistente neste mercado, onde empresas

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capitalistas estão se apropriando dosconceitos e produtos orgânicos para disputarnichos de mercados, como neste caso do arrozorgânico. Vimos que os camponesesassentados, por falta de opção no momento,optaram por comercializar via estasempresas. Mas o grupo do arroz orgânico temclaro, que esta não é a saída para o futuro etem que se unir com outros camponeses queproduzem orgânicos, para certificarem seusprodutos de forma participativa. Estescamponeses estão em busca de alternativas.

Modelo tecnológico utilizado – a buscade uma matriz produtiva agroecológicapelos assentados

Desde o inicio a atividade orizícolademandou um grande esforço, no que serefere à apropriação das novas tecnologias.As técnicas utilizadas, até então,compreendiam práticas convencionais, comoa aração do solo, gradagem, aplainamento,plantio em solo seco e entaipamento. Estaspráticas, por serem desenvolvidas comgrandes máquinas, consomem muita energiapara realizá-las, aumentando os custos, alémde provocar erosão dos solos e estarematreladas aos pacotes tecnológicos equímicos.

Com a tomada de decisão, queculminou na conversão para a agroecologia,os camponeses assentados, buscaram secapacitar e trocar experiências entre si e comoutros agricultores da região, a fim, de seapropriar de um conjunto de tecnologiasaplicáveis à sua realidade. Este processo foidesempenhado pelo Grupo do ArrozOrgânico e exigiu por parte dos assentadose técnicos um esforço de reinventar a práticaprodutiva da lavoura de arroz.

Estas novas práticas começam a serefetuadas ainda na resteva6 da antigalavoura. Passando pelo preparo do solo, queestá vinculado com a sistematização da área,manejo da água de irrigação e drenagem.Este por sua vez tem vínculo com o controledas plantas espontâneas ou moléstiasindesejáveis, plantio e por último a colheita,que geralmente é realizada mecanicamente.

O manejo realizado levou emconsideração um conjunto de tecnologias,aplicáveis nas quatro estações do ano,principalmente no inverno, época da resteva.Nesta época deve-se manter o banhadodrenado com o objetivo de permitir a entradade luz, reativando o banco de sementes dosolo. Este procedimento técnico oxigena osolo, tornando-o um ambiente aeróbico, comas ervas espontâneas. Com isto cria-se apossibilidade de realizar a integração vegetalanimal (marreco, bovinos, cabrito entreoutros, conforme a disponibilidade docamponês), princípio básico da agroecologia.

Para o preparo do solo, os campesinosdo grupo desenvolveram primeiramenteuma série de procedimentos, com o objetivode diminuir gastos de energias externas,entre eles a incorporação de máquinas eimplementos menores para desenvolver aatividade com menos gasto de energia fóssil,como os tratores. Um gargalo vivenciado poralguns camponeses do grupo é adependência de contratação de máquinas deterceiros, tanto para o plantio como paracolheita, fato este que prejudica oplanejamento da atividade, podendoacarretar em prejuízos econômicos.

Outro procedimento utilizado é a buscaconstante da sistematização das áreas, quetem por objetivo manter um controle maispreciso do nível da água nos quadros dearroz, facilitando a entrada e saída da mesma,fato imprescindível para uma lavoura de

6 Nome dado aos restos culturais de uma lavoura.

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base agroecológica, que no sistemaconvencional, não era realizado. Asistematização geralmente é feito durante osprimeiros anos de instalação da lavoura,tendo como propósito diluir custos, mastambém esta vinculada ao grau dedificuldade que o terreno apresenta, ou seja,do desnível da área.

A água da irrigação é bombeada de riosou provém de barragens, irrigando pordeclive natural, sendo levada por canais atéos quadros de arroz. O manejo da água é defundamental importância para controlar asplantas indesejáveis. Normalmente oscampesinos, após o preparo do solo,inundam os quadros a ser plantados, comuma lâmina de água de aproximadamente10 a 15 cm, este processo tem por finalidadecontrolar plantas indesejáveis deixando-asimersas. Sempre é bom salientar que todo oprocesso depende de estudo, observação,reflexão e ação, não ocorrendo de formamecânica.

O plantio é feito com variedadesencontradas no mercado, como: IRGA 417,IRGA 418, IRGA 419 e IAS 12-9 FORMOSA,com densidade variando de 120 a 150 kg/ha, conforme variedade, época e estágio dalavoura. O sistema utilizado é o pré-geminado7 , esta técnica favorece o rápidodesenvolvimento do arroz. Vale apenasalientar, que não há uma variedade própriapara este sistema, neste caso são plantadasas mesmas do sistema convencional.

Na seqüência, dentro de 3 a 5 dias, apóso plantio retira-se a água do quadro, paraque a planta do arroz fique no lodo e seenraíze, podendo ficar entorno de 20 dias noseco, após isto entra-se com 20 a 25 cm delâmina de água para controlar as ervasespontâneas. Neste estágio o arroz encontra-

se com aproximadamente 15 cm e as ervasespontâneas com 5 cm, então afoga-se todasas plantas. A razão técnica que faz com queo arroz consiga sobressair a lâmina de água,é que a planta de arroz é rica no elementosílica (responsável pela resistência dasplantas) e as invasoras são desprovidas ouo tem em menor quantidade. Por estemotivo, a planta de arroz que possuireservas de energia consegue se sobressairà lâmina de água, desta maneira controla-se as ervas indesejáveis que são a dor decabeça dos campesinos em sistemasconvencionais.

Vale à pena ressaltar aqui, que oscampesinos que se utilizam das tecnologiasconvencionais, vivem uma espécie desíndrome do medo, ao menor ataque deinsetos ou plantas indesejáveis o pânico seinstala, automaticamente corre-se para osagrotóxicos. Enquanto que os camponesesdo grupo procuram sistematizar a lavourae entender os processos cíclicos da natureza,a fim de melhor manejar, com isto o pânicosó se instala quando desconhecemos estesprocessos.

O grupo baniu do sistema todos osvenenos (inseticidas, herbicidas, fungicidasentre outros), das mais diferentes classestoxicológicas, que são utilizados naslavouras e começaram a utilizarbiotecnologias como os biofertilizantes8 eproduzir seus próprios insumos, assimcomo, a sua própria semente. As sementessegundo os camponeses possuem diferentesfacetas, sendo simultaneamente entidadebiológica, parte de sistemas ecológicos,portanto é produto do desenvolvimentohumano e, neste último sentido, compatívelcom valores culturais e organização sociallocais.

7 Caracteriza um conjunto de técnicas de cultivo de arroz irrigado adotado em áreas sistematizadas, onde as sementes previamente germinadas,são lançados em quadros nivelados e inundados.8 Composto orgânico líquido - tem como função promover saúde, através de fungos e bactérias benéficas, que sintetizam micro-nutrientes.(fonte: Coptec)

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Apesar de todo este esforço, o grupo doarroz orgânico está na busca de aumentar aprodutividade do sistema, necessitandomelhorar a sistematização das áreas e areciclagem de nutrientes no solo. Este fatocoloca um desafio a ser enfrentado portécnicos e camponeses.

Consideraçoes finais

O processo de formação doconhecimento dos camponeses, nas últimasdécadas veio se realizando dentro doparadigma agroquímico, que por sua vez, foiidealizada por uma determinada ciência, queproduziu um conjunto de tecnologias etécnicas que negam o conhecimento doscamponeses. Perante este fato os camponesesbuscaram, não só socializar o conhecimentotecnológico dominante produzido pelahumanidade, mas sim, buscaram resgatar ouaté mesmo construir suas alternativas, aosistema dominante.

O Grupo Gestor do Arroz Orgânicoaposta na agroecologia como forma deresistência ao modelo atual de produção,rompendo o paradigma dominante. Aagroecologia traz consigo as ferramentasteóricas e metodológicas que auxiliam ogrupo, a considerar de forma holística esistêmica, as seis dimensões dasustentabilidade, ou seja: a ecológica, por querespeita os ciclos da natureza, procurandoconviver dentro dos processos lógicos domundo natural; a econômica, por quereduziu os gastos com insumos, aumentandoo ganho real para o camponês; a social,porque aumenta a inter-relação entre oscamponeses, passando a conviver e a dividiros problemas e as soluções concretas dogrupo, tornando-se orgânico; a cultural, porque tem a oportunidade de realizar umresgate histórico do conhecimento camponês,tanto de técnicas, como de tecnologias, comoexemplo reproduzir suas próprias sementes;

a política, por que estes camponeses saíramda condição de excluídos e hoje sãoreconhecidos como cidadãos, comconsciência de classe; e a ética, por quereconhecem os seus limites e potencialidadessobre os sujeitos e o mundo natural.

Partindo deste contexto, o grupo vemdialogando com outros camponeses etécnicos partidários da agroecologia, a fimde construir um conhecimento endógeno,para consolidar este novo estilo deagricultura; procurando transpor a visãosimplista, que muitos a tem, de um conjuntode práticas agrícolas ambientalmente aceitas,em um determinado espaço geográfico.

Podemos dizer: quando um grupo decampesinos resolve os seus problemasconstrói conhecimento, que pode não ter anatureza científica, mas está imbricada nasbases epistemológicas do construir overdadeiro conhecimento, que são validadospelos próprios camponeses, no seu espaçode decisão.

BIBLIOGRAFIA

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- VIGNOLO, Antonio Marcos Santos.Ecológico ou Orgânico? A produção do arroz naRegional Porto Alegre – RS. Trabalhoapresentado no Programa de Pós-Graduaçãoem Agroecossistemas do Centro de CiênciasAgrárias. Florianópolis, 2007.

Anexo – Exemplo de planejamentoanual de metas do Grupo do ArrozAgroecológico. RS

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Alguns aspectos sobre a transiçãoagroecológica na produção do Café Conilon

na região norte do Espírito Santo

Araê Claudinei Lombardi1

Pedro Ivan Christoffoli2

Leandro F. Fagundes3

1 Eng. Agrônomo, membro do Coletivo de produção, Cooperação e Meio Ambiente da CONCRAB. Responsável pelo levantamento de dadosa campo e redação principal do texto.2 Eng. Agrônomo, membro da CONCRAB e pesquisador associado do CEAGRO (PR). Doutorando em Desenvolvimento Sustentável na UnB.

3 Técnico em agropecuária, estudante de Geografia da UNESP/Via Campesina. Membro da Cooptec e do Setor de Produção, Cooperação eMeio Ambiente da CONCRAB.

Com o avanço da RevoluçãoQuímico-Genética na agricultura, intituladaRevolução Verde, diversas contestações aesse modelo na esfera social, ambiental eeconômica fizeram emergir grupos sociaisque buscavam uma forma de produção quealiasse esses quatro quesitos: a) produçãoem quantidade suficiente para abastecer oconjunto da sociedade; b) garantia deinclusão e responsabilidade social, c)respeito e trabalho conjunto com o meioambiente e, d) que garantisse uma rendadigna com equidade social aostrabalhadores rurais.

As áreas destinadas à Reforma Agráriano Brasil, geralmente herdam do latifúndioum grande passivo ambiental, com alto graude depleção das características físico-químicasdo solo, extrema redução da biodiversidade,dentre outras questões que fazem estas áreasserem totalmente desequilibradasecologicamente e os agricultores assentadosextremamente dependentes de políticas queestruturem e possam garantir uma vida dequalidade no campo. O que muitas vezesocorre é que tais políticas se voltam a modelosbaseados na produção agroquímica, que aolongo destes anos se mostrou totalmenteinviável para a agricultura camponesa e jávem provocando impactos nasustentabilidade da vida no planeta.

À procura de altas produtividades,o Brasil revolucionou também a atividadecafeeira que adotou técnicas como:monocultivo de café a pleno sol,desenvolvimento de variedades altamenteprodutivas, clonagem de mudas, o queresultou na dependência de pesadasaplicações de adubos químicos eagrotóxicos (Sorragi, 2007).

O presente artigo busca analisar oprocesso de transição agroecológica daprodução de Café Conilon na parte norte doEstado do Espírito Santo, especificamentena região de São Mateus. Ele faz parte deum esforço nacional da Confederação dasCooperativas de Reforma Agrária do Brasil(CONCRAB) e do MST em conduzirexperimentos de transição produtiva paramodelos sustentáveis de agricultura, emcontraposição ao modelo destrutivo econcentrador de renda representado peloagronegócio.

O café Conilon

O café conilon é uma variedade oucultivar da espécie Coffea canephora, Pierre,da família Rubiaceae. Pelo porte da planta esua robustez, ela se encaixa no grupo dosCafés “Robusta”.

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No Brasil, as primeiras lavourascomerciais foram plantadas na década de1970. Hoje, o principal produtor é o estadodo Espírito Santo (70% da produção total),onde esse plantio cresceu e se tornou umadas principais atividades econômicas doestado, sendo responsável por 35% da rendada agricultura capixaba e presente em maisde 60 mil propriedades espalhadas nos 68municípios do estado.

Inicialmente plantado para atender àdemanda do café solúvel, paulatinamente foisendo testado pela indústria do torrado emoído em mistura com Arábica, pois umaproblemática ainda vivida é o conceito deque o Café Conilon possui uma bebidaneutra e, portanto, só poderia ser consumidono processo industrial do solúvel. Hoje amédia brasileira nas misturas com o arábicaé de 40%, havendo já casos de marcas de café100% Conilon, porém ainda sem expressãono mercado.

Hoje os principais países produtoresdesta cultivar são Indonésia (6,6 milhões desacas/ano), Brasil (4,3 milhões de sacas/ano),Vietnã (3,8 milhões de sacas/ano), Costa doMarfim (3,5 milhões de sacas/ano) e Uganda(3,4 milhões de sacas/ano)4 . No país oEspírito Santo é responsável por 70% da saframédia (3,1 milhões sacas/ano), seguido pelaRondônia (1,1 milhão sacas), Bahia (170 milsacas), Minas Gerais (60 mil sacas) e MatoGrosso (50 mil sacas)5 .

Com toda sua importância histórica,o café hoje no Brasil é produzido em 11Estados e em 1.850 municípios, onde sesomam 2,3 milhões de hectares plantados,com produtividade média de 21,63 sacas porhectare. Tal produção leva o café a serresponsável por 6,52% das exportaçõesbrasileiras (IEA/APTA/SAA-SP). Na safra2005/06, 64,31% da produção nacional foi deCafé Arábica e 35,69% de Café Conilon. Logo,

se percebe um crescimento importante doCafé Conilon na produção nacional nosúltimos anos, o que mostra sua importânciano cenário agrícola atual.

A região de estudo – Norte do Estado doEspírito Santo

O Estado do Espírito Santo, em suaorigem, possuía quase 90% da superfíciecoberta por Mata Atlântica, sendo o restanteocupado por ecossistemas associados,como brejos, restingas, mangues, camposde altitude e campos rupestres (FundaçãoSOS Mata Atlântica et al., 1993). Hoje temapenas 8% da mata nativa original.

A região norte do Espírito Santoainda tem algumas poucas unidades deconservação e parques que preservam aMata Atlântica. Constam que a ofensiva docafé no começo do século XX e a entradada agricultura foram os precursores daderrubada da mata. Hoje as grandesplantações de Eucalipto e cana de açúcartambém ameaçam a promoção daconservação e recuperação dabiodiversidade local.

Na região de São Mateus, asprimeiras lutas pela Reforma Agráriacomeçaram em 1985, num local dominadoprincipalmente por carvoarias e atividadepecuária, ou seja, com grandes latifúndios.Os primeiros sem-terras que exploraram aregião também acabaram entrando no cicloda madeira, explorando no começo asespécies encontradas na região (comoBraúna, Nuíba, Canela, Guarabu Amarelo)para venda à madeireiras e carvoarias ealgumas pequenas utilizações naconstrução, etc. Hoje a região épredominantemente dominada porpequenas e médias propriedades.

4 http://www.seagri.ba.gov.br/CafeConillon.htm5 Idem a 1.

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Boa parte das famílias vieram dopróprio norte do estado e viviam daagricultura, porém como meeiros, diaristas,etc. Logo não se percebe a característica decuidarem de seu próprio negócio ou sereunir em alguma cooperação informal paraatingir alguns objetivos conjuntos devido aesta carga histórica de organização de suaforça de trabalho.

No início de ocupação da área,plantaram feijão, mandioca, dentre outrasculturas, onde se verificava uma boadiversificação de plantio que objetivavaquase exclusivamente a subsistência. Oprimeiro crédito, adquirido em 1993,permitia apenas financiamento paraprodução de café e pimenta do reino (podiatambém acessar para atividade pecuária,porém esse manejo não era de domínio dasfamílias). Logo, o que predomina hoje naeconomia regional são estes dois produtos.

O presente texto pretende trabalharcom algumas realidades distintasencontradas na região: agricultoresassentados que optaram pela produçãoagroecológica, agricultores assentados quecontinuam apostando na práticaconvencional e pequeno agricultor quetambém optou pelo manejo orgânico há umtempo. Pretende-se buscar os elementos quenos levem ao entendimento das opções demanejo adotadas.

4. Estudo da realidade encontrada

Foi realizada uma viagem para coletade dados e busca de elementos paradescrição da atividade, contando com acontribuição de técnicos locais. Procurou-sedescrever a realidade típica de três situaçõesdiferenciadas. A primeira, dominante trata-se de um agricultor convencional. A amplamaioria dos agricultores produz com base

nesse sistema. A segunda trata-se de gruposde agricultores assentados que optaram pelatransição agroecológica. O grupo fez essaopção há muito tempo e vem enfrentandouma série de obstáculos para consolidar aprodução agroecológica na agricultura, oque pode ser um caso sintomático doslimites enfrentados pelas experiênciasagroecológicas desenvolvidas nosassentamentos do Espírito Santo. O terceirocaso trata-se de pequeno agricultor que temtido sucesso com a transição agroecológicaobtendo resultados econômicos eprodutivos satisfatórios, podendo serconsiderado, no momento, um produtorreferência na agroecologia dentro da regiãonorte do estado.

4.1 - Agricultor assentado commanejo convencional

Seu Juraci e família estão na áreadesde o primeiro acampamento organizadona região. Antes trabalhavam como diaristase não tinham muito conhecimento sobre omanejo do café. Devido a isto, dependeramda assistência técnica da época (EmpresaCapixaba de Pesquisa e Extensão Rural -EMCAPER), que logo trouxe (via o créditoque era baseado em café e pimenta do reino)todo o pacote sintético (revolução verde) daagricultura convencional, ondeautomaticamente os agricultores aderem aesta proposta e realmente vêem resultadosiniciais desta tecnologia.

- Sistemas Produtivos: 1 ha de Pimenta doReino, 5 ha de Café e uma horta (orgânica,sem adicionar adubo e agrotóxicos) que elecomercializa na feira, propiciando umarenda semanal.

Mesmo com a crise dos preços elecontinua apostando no café, não pensa emparar de usar agrotóxicos, pois como ele

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mesmo acredita, não haveria como produzirde outra forma na região pela presençamuito forte de doenças e pragas: “...todomundo aplica veneno”.

- Técnicas do manejo:

• 1 aplicação de herbicida e mais 2capinas manuais (se optasse apenaspelo manejo químico completo,seriam 3 aplicações de herbicida nototal);

• aduba com nitrogenados sintéticos(NPK 25:0:20) 3 vezes ao ano;

• há o chamado “kit café”6 , que custaR$620,00/kit, onde recomendamaplicar um kit por hectare. Até omomento ele utilizou 2 kits em umaparte de sua área (devido ao preçoelevado, mas também como teste doproduto). Se não utilizasse deste, elefaria uma aplicação por anomisturando agrotóxicos de combateao ácaro, cochonilha, pulgão, bichomineiro, ferrugem, cupim entreoutras.

- Mão de obra: se baseia nele, sua mulher eum diarista (paga aproximadamente 300diárias/ano).

- Produtividade: em torno de 30 sacas/ha.

4.2 - Agricultores assentados agroecológicos

Este é um grupo de 4 famílias doAssentamento Palmeira que trabalha deforma coletiva, com a proposta deproduzirem numa perspectiva ecológica.

Com as crises do preço do café,aproximadamente entre 1999 e 20017 , osagricultores não conseguiam mais sustentartodo o pacote químico que o modo decultivo exigia, onde a comercialização já nãotrazia mais retorno.

Este período coincide justamentecom o debate interno no MST sobre adependência dos agricultores à matriztecnológica agro-sintética, logo vem acontestação à forma de produzir daagricultura convencional e se busca propore repensar o modelo tecnológico nosassentamentos, buscando implantar sistemasprodutivos agroecológicos, quecondizessem com a aptidão da nossaagricultura. Então o grupo resolve apostarneste sistema e formam um coletivo de 10famílias para produzirem agroecologi-camente.

Decidem que os insumos queutilizariam na área seria produzido in loco,ouseja, dentro da área, pois não queriam quesua agricultura se baseasse na chamada“substituição de insumos”, onde apenas sedecide parar de usar agrotóxicos, mas sepassa a utilizar grande quantidade deinsumos orgânicos vindo de fora da unidadeprodutiva, pagando por produtos emantendo a produção encarecida da mesmamaneira. Esta opção é muito debatida dentrodos praticantes de agricultura ecológica.

O grupo enfrentou uma diversidadede problemas nesse processo de transição:

• aumento na exigência de trabalho nafase inicial do manejo agroecológico,

• divergências familiares sobre o acertoda estratégia agroecológica,

6 Produto que associa fungicidas para combater a ferrugem e inseticidas para evitar o bicho- mineiro, cigarras e outras pragas do solo7 No final dos anos 1980 influenciado pela ideologia neoliberal, foi desmontado o Acordo Internacional do Café, resultando em mais uma crise

mundial desse produto, fruto da liberalização dos mercados. O comércio passou a ser regido pelas grandes corporações que controlam o

mercado internacional, onde promoveu-se uma perda de controle sobre oferta e demanda deste produto, caindo numa crise de preços sentida

até hoje.

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• baixo preço do café8 que compensassea remuneração da força de trabalho,

• aparecimento de pragas e doenças,

• utilização de mesma cultivar eespaçamento do cultivo convencional(cultura já estava instalada),

• adaptação da variedade cultivada(café clonado) ao manejo ecológico,

• questões climáticas,

• falta de informações sobre a tecnologiadentro da agreocologia, etc.),

• hoje o grupo se mantém com apenas4 famílias nesta proposta.

- Sistemas Produtivos:aproximadamente 3500 pés de Café, o quedá um pouco mais de 2ha. Anteriormente,na época do fomento, haviam por volta de10000 pés. Parte foi abandonada por não darconta de manejar toda a área, parte se perdeucom a seca e falta de irrigação e parte foierradicada para se pensar em um novoinvestimento com outra cultura (talvezbanana) para se ter diversificação daprodução como alternativa de saída parasupostas crises, ou seja, não ficardependendo de apenas um produto. Ogrupo vem buscando testar outroespaçamento para o café no local, poisconstatou que o espaçamento recomendadoconvencionalmente não é tão eficiente parauma proposta ecológica de manejo.

- Possuem ainda aproximadamente400 pés de Pimenta do reino e 2 ha de

mandioca.

- Técnicas de Manejo: Utilizou-se deadubação verde uma vez e aplicou-sebiofertilizante9 por um certo período. Porémhoje não vem mais adotando esta técnicadevido ao fator tempo em vista deconcorrência com atividades externas aolote, como o acompanhamento de militantesjunto à cooperativa regional;

- O manejo das ervas espontâneas nasentrelinhas é feito com roçadeira costal,eliminando-se assim a capina com enxada.

- Realiza-se aplicação de caldabordaleza 2 a 3 vezes por ano;

- Mão de obra: maior parte da mão-de-obra é utilizada na poda e desbrota (umae duas vezes ao ano respectivamente) eaplicação de caldas. Não pagam diarista,com a mão de obra ficando exclusivamentena família ou com alguma ajuda por acordosinformais1010 .

- Produtividade: aproximadamente25 sacos/ha; A venda ocorre juntamentecom café convencional de outrosagricultores, o que representa um fatoradicional de desestímulo à conversãoagroecológica.

Um dos agricultores deste grupoiniciou há aproximadamente 2 anos umanova área de cultivo de café, onde foramplantadas mudas compradas e mudasproduzidas em seu próprio viveiro (comsementes de cafés que já estavam no manejoecológico em seu lote). As mudascompradas eram clonadas. Utilizou-se de

8 Os grupos de produtores agroecológicos de café nos assentamentos do ES sempre tiveram dificuldades para venda da produção no mercadoagroecológico-orgânico. Essa desarticulação produção-mercado custou muito caro a diversas iniciativas agroecológicas, mas no caso do café,em particular, tem um efeito muito dramático, devido ao período inicial de redução da produtividade física da lavoura com um concomitanteaumento do trabalho braçal necessário no período inicial de conversão.9 Adubo foliar, composto de esterco, minerais, e outros produtos de origem animal e vegetal, fermentado por meio de fungos e bactérias.10 Esses acordos comumente são feitos na época de colheita e secagem onde, por exemplo, um agricultor ajuda o outro na colheita, poda ou

empresta o terreiro para secagem. Na maior parte das vezes se “paga” com serviços, não monetariamente.

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adubação orgânica com o uso de compostode gado e carneiro comprados.

- Técnicas de manejo na nova áreade café:

• São realizadas 6 a 7 aplicações deurina de vaca, na concentração de 2 a 4%. Estuda-se a redução para 5 a 6aplicações/ano;

• Aplicação de MB411 (220 g/pé) +Cinza de fogão (200 g/pé) + FosfatoNatural (200 g/pé);

• Três capinas por ano

• O experimento encontra-se em faseinicial, não conclusiva, portanto.Estima-se uma produção de 30 sacas/ha na primeira safra.

A principal dificuldade, segundorelato, é o acesso a recursos parafinanciamento que permita a compra deadubos e outros insumos para a agriculturaecológica.

4.3 - Pequeno agricultor orgânico

Este agricultor não veio do processode reforma agrária e tem sua propriedadehá aproximadamente 40 anos, com um totalde 37 ha. No começo da decisão de produzirorganicamente, formaram um grupo deagricultores, porém a grande maioria saiupor optarem apenas em produzir café, nãodiversificando sua produção, nãoconseguindo segurar com o baixo preçopago, voltando ao manejo convencional ouabandonando as terras.

- Sistemas Produtivos: 2 ha com pimenta doreino, 2 ha com graviola (está abandonando,não sabendo o que fará no local), 1ha demamão (onde se consorciará com café), 0,5ha de capineira (local de plantio de capimnapiê) para alimentação do gado, 11ha decafé conilon e 4,5ha de mata nativa.

A área total está num processo deconversão há 10 anos, sendo que no últimosseis não fora utilizado nenhum adubosintético. A propriedade é certificada pelacertificadora EcoCert há 5 anos. Dos 11ha decafé, 3ha estão consorciados com mamãopapaya (no espaçamento 4 x 2,5 x 2,5 - filasduplas) manejado agroecologicamente háaproximadamente 2 anos (fim do ciclo domamão), onde já conseguiram tirar 120toneladas do papaya antes do café começara produzir. O restante da área tem café commais de 10 anos de plantio, que já foiconvencional e hoje produz 35 sacas/haorganicamente.

- Técnicas de manejo:

• A adubação é feita com chorume,visto terem uma chorumeira com oesterco do gado (10 cabeças) e doporco (10 cabeças) da propriedade.Aplicação de um adubo chamadoOrganomineral (adubo orgânicoenriquecido com nutrientes minerais,permitido pela certificadora), além decomposto feito na propriedade (3kg/pé de café).

• Controle biológico com o fungoBouveria bassiana e Trichoderma spp.,que são produtos comprados.

• Calda Bordalesa (2 a 3 vezes/ano) ecalda Sulfocálcica (2 a 3 vezes/ano).

11 Produto natural de rochas, usado para correção e aporte de nutrientes no solo.

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Para controle do ácaro utilizam óleode algodão com detergente.

• Roçadas na entrelinha e capina entreas plantas.

− Mão de obra: 4 pessoas da família e 3contratados (totalizando 300 dias/homem/ano) e a secagem é feita nopróprio terreiro, fator que já fezconseguirem preços melhores.

O agricultor avalia que o custo deprodução hoje se iguala com o caféconvencional e o principal problema queocorre é o café ser exigente em adubação, quequer dizer mais gastos. Tambémcomercializam o café em conjunto comconvencional da região e ainda dependem deatravessadores.

5 – Discussão acerca das experiênciasestudadas

5.1 Limites estruturais e condicionamentocultural dos produtores

Neste trabalho buscou-se resgatar eretratar de forma inicial, o processo deconversão para a agroecologia que vem sendodesenvolvido nos assentamentos e seuentorno, na região Norte do Espírito Santo.Fez-se uma tentativa de descrição e análisedos caminhos adotados que produziramdeterminados resultados que nos permitampensar em possíveis soluções técnicas emetodológicas em vista das reaiscontradições enfrentadas, de forma a permitirum processo de mudança do modeloprodutivo e tecnológico nos assentamentos

dessa região.

O processo de dominação do campopelos grandes grupos transnacionais, quecontrolam o mercado e influenciam ospreços exerce influência sobre o realconcreto levou, por exemplo, o grupo deassentados a optar pela agroecologia,sentindo na pele o preço baixo pago aoagricultor, se tornando na maioria dos casosum processo insustentável. No entanto, ocaminho da produção orgânica também temse mostrado duro e cheio de percalços,resultando no abandono do mesmo pordiversos produtores rurais, alguns delesabandonando inclusive o campo, partindopara viver nas cidades. Ou seja, ao tomaremdeterminadas decisões estes agricultorestambém dependem de uma estrutura criadapelo Estado e por um mercado oligopolistaque o controla, que caminham de formaimbricada com os processos de mudançasocial e transição tecnológica. Um exemplodisso são os condicionantes impostos peloEstado, com tais grupos tendo no crédito umexemplo gritante, num modelo que os levoua optarem por café no pacote tecnológicoconvencional, por exemplo.

Essas decisões condicionaramposteriormente de forma estrutural osistema produtivo (conduzindo aomonocultivo orgânico de café ou depimenta), claro que tendo em conta tambémo agravante do “aprisionamento” cultural eideológico que leva muitos agricultores abuscarem como estratégia de transiçãoagroecológica unicamente a substituição deinsumos, o que aparentemente é insuficientepara as condições de solo e clima onde selocalizam os assentamentos capixabas. Ora,essa estratégia é criticada por diversosautores em vista da limitação científica12 ,filosófica e metodológica em que está

12 Tal temática não será aprofundada neste documento em vista das limitações de espaço e de objetivos do mesmo. Um dos elementos centrais

é a discussão sobre complexidade e produtividade agro-ecossistêmica, a título de ilustração.

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metida. Um dos limites identificados nossistemas estudados diz respeito, portanto, àsimplificação dos sistemas produtivos emmonoculturas clonais orgânicas, o querepresenta uma contradição em si mesmo,com os preceitos da agroecologia e um limiteao desenvol- vimento desse sistemaprodutivo.

5.2 Limites da estratégia tecnológica adotada– “substituição de insumos emmonoculturas clonais de café orgânico”

Como afirmado acima, a estratégiaadotada por vários agricultores assentadospareceu se equivocar ao tentar estabeleceruma gradualidade via substituição deinsumos, na condução de lavouras clonaisde café convencional (fortementeintoxicadas e estruturalmentecondicionadas).

Em seu desenvolvimento natural ocafeeiro cresce como sub bosque nas sombrasda mata (Sixel, 2007). Isso implica que é umaplanta adaptada ao sombreamento e capazde interagir positivamente com outroscultivos. Exemplo disso foi o resultadoobtido pelo agricultor que diversificou suaunidade agrícola buscando realizarprodução consorciada mamão-café econseguiu produzir 120 toneladas demamão, enquanto a cultura do café orgânicovinha sendo conduzida em processo deformação. Experiência semelhante deprodução consorciada, obtendo altaprodutividade, foi desenvolvida no RJ edescrita por RICCI e OLIVEIRA [2006?]. Issopode nos indicar pistas de desenvolvimentode pesquisas e reflexões futuras para oestabelecimento das estratégias de transiçãopara a região.

Por ser uma planta muito exigente emnutrientes, o primeiro momento da transiçãono café ocasiona uma queda acentuada de

produtividade, que assusta eventuaisagricultores desavisados. O manejoecológico da planta na estratégia adotadapelos assentados pressupôs a busca deaporte de nutrientes em alto volume, pormeio de biomassa de origem animal(estercos) e vegetal (palha de café, aduboorgano-mineral...), o que representouelevação dos custos, sem a correspondentesustentação da produtividade, como já ditoanteriormente. Para diminuir o uso decomposto animal (escasso na região, o querepresentaria custos mais altos), buscou-seintroduzir timidamente adubos verdes. Ascondições de solo e clima seco,aparentemente dificultaram ou atéinviabilizaram tal estratégia, fundamentalem outras regiões e condiçõesedafoclimáticas.

O uso de consórcio com árvores(sistemas agroflorestais) que parece ser umaimportante estratégia para manter asustentabilidade do sistema, não foiexperimentada em escala e disciplinaexigidas pela situação, ao menos pelosagricultores assentados. Os limitesestruturais e metodológicos do processo deconversão também condicionaram osresultados. Em termos de produtividade,nos estágios em que se encontram oscultivos apresentados neste estudo de casonão foi constatada uma diferençasignificativa de produção entre osagricultores analisados (de 25 a 35kg/ha),sendo que os produtores ecológicosproduziam 25 e 35 sc/ha.

Ainda que o volume de produçãoobtido seja compatível e até superior àmédia brasileira, ele é claramenteincompatível com o asseguramento decondições dignas de vida aos agricultores emtransição. Tal fato ficou claro nosdepoimentos dos agricultores.

Tais resultados poderiam indicarainda, uma possível similaridade entre os

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dois sistemas (convencional e orgânico). Essaconclusão no entanto, pode ser apressada,visto que na amostra não foram selecionadosagricultores convencionais com altaprodutividade, e que são os esteios e areferência em termos de possibilidadespotenciais do sistema convencional,amplamente dominante na região emquestão.

Por último, pudemos identificar já aapropriação de diversas tecnologiasalternativas pelos grupos de agricultoresecológicos (como a utilização de caldas e deurina animal dentre outras), que mostrampotencial de apropriação e geração detecnologias da agroecologia. Tal fato precisaser registrado como parte de uma evoluçãoe acúmulo no sistema produtivoagroecológico como tecnologia gerada e quedeve ser levada em consideração, mesmoque exija um processo de validação social ecientifica.

No entanto, em relação a algunsaspectos centrais à transição agroecológica,o presente trabalho não pôde trazercontribuições significativas em vista delimitações metodológicas. Diferenciais nautilização de força de trabalho não foramespecificamente buscados no levantamentorealizado. Com isso não foi possível inferirse essa questão representa um diferencialentre os sistemas convencional e ecológicoempregados. Uma cisma sempre levantadana transição agroecológica custos dizrespeito à demanda de força de trabalho, quepode ser onerosa (aumento do tempo detrabalho) e/ou penosa (maior exigência emtermos de esforço, intensidade oudesconforto no trabalho). Como exemplo emlevantamentos anteriores e em depoimentosde agricultores percebe-se que, com o iníciodo processo de transição, há uma elevaçãona demanda de força de trabalho, com asubstituição de processos químicos emecânicos, por trabalho humano e/ou forçaanimal. Como exemplo, sabe-se que a capina

é um trabalho penoso e nisto, o grupoagroecológico parou de usar e enxada eadotou a roçadeira costal. Além de diminuiro tempo gasto, essa técnica da roçada nãoaltera a estrutura do solo, que permitemanter uma maior microvida neste. Noentanto, representa consumo de energiafóssil. São contradições em processo!

Limitações metodológicas tambémimpediram que se fizessem inferências sobreas variações no custo de produção entre osdois sistemas. O custo de produção do café,na percepção dos agricultores tambémestaria igualado, não apresentandodiferenças significativas entre um e outrosistema. O que se pôde inferir, no entanto, éque se não houvesse diferença significativano ganho final entre os diferentes extratos deprodutores, estaria aplainado o caminhopara buscar uma agricultura de baseecológica de forma ampla para toda a região.No entanto, não é isso o que vem ocorrendo,em particular nos anos em que ocorrerecuperação do preço do café no mercado eonde a maior produtividade do sistemaconvencional tem representado maioroportunidade de ganhos aos produtores.Portanto, a adoção de esquemas tecnológicosperpassa pelo caminho cultural e ético debuscar mudar as relações da sociedade hojee a relação homem-natureza numaperspectiva de superação da atual criseglobal, mas se vê amarrado no dia a dia comas vicissitudes de reconstruir a agricultura“com a carroça andando”.

A problemática da falta deorganização associativa na comercializaçãodo café é vivenciada por todos osagricultores, visto ainda dependerem devenda para atravessadores. Sabe-se que oproduto orgânico é diferenciado do produtoconvencional, logo ele deveria ter seumercado próprio, que foi um pontonevrálgico não encontrado na região. Acooperação e a agroecologia devemperpassar as fronteiras dos assentamentos,

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ou seja, envolver agricultores, sociedadecivil em geral (consumidoresprincipalmente) e poder público, no desafiode ir construindo políticas que fortaleçamestas iniciativas. No caso estudado, existemalgumas experiências de cooperação, comona colheita e secagem dos grãos, compra deadubos e insumos de uma forma combinadapara que ocorra a redução de alguns custos,que devem ser levadas em conta, mas nãoresolvem os problemas a fundo decomercialização e organização da produção.

6. Conclusão

Este é obviamente, um trabalhopreliminar, de caráter introdutório visandoa sistematização dos processos de transiçãodesenvolvidos nos assentamentos dereforma agrária, em particular na produçãode café conilon agroecológico na regiãoNorte do Estado do Espírito Santo.

Constatou-se uma série dedificuldades vivenciadas pelos grupos deagricultores no processo de transiçãoagroecológica. O enfrentamento e resoluçãodessas questões passa em primeiro lugar porum melhor entendimento dos limites edesafios que se manifestam no processo real.Há necessidade de estudos adicionais emaior aprofundamento da sistematização oque permitirá aos agricultores e aomovimento social refinar suas propostas eestratégias em vista da construção de ummodelo de desenvolvimento sustentávelpara a agricultura brasileira e capixaba.

Referências bibliográficas

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- RICCI Marta dos S. F. e OLIVEIRA, NelsonG. Custos de Implementação e manutençãoe receitas brutas obtidas com o cultivo decafé nos sistemas a pleno sol e consorciadoà banana e Eritrina. In: http://www.planetaorganico . com.br/ar t -implementacao.htm. [2006?]. Último acessoem Agosto de 2008.

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- SIXEL, B. T. Biodinâmica e Agricultura,2007 – Associação Brasileira de AgriculturaBiodinâmica, Botucatu/SP

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