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Refgio de Vida Silvestre Peixe-boi Marinho
Execuco
Projeto apoaido pelo Programa Costa Atlntica da Fundao SOS Mata Atlntica, pela Rede Marinho-costeira e Hdrica da Fundao AVINA e pela Fundao Mamferos Aquticos/FMA
Caucaia - CE
Dezembro 2008
1
EQUIPE EXECUTIVA
AQUASIS
Alberto Alves Campos Coordenador
Katherine Fiedler Choi Diagnstico Peixe-boi
Antnio Carlos Amncio Diagnstico Peixe-boi
Thas Moura Campos Amncio Diagnstico Peixe-boi
Ana Carolina Oliveira de Meirelles Diagnstico Peixe-boi
Caio Jos Carlos Aves migratrias
Weber Giro Aves migratrias
Ciro Ginz Albano Aves migratrias
Rodrigo de Salles Diagnstico da Pesca
Roberto Kobayashi Diagnstico da Pesca
Thieres Pinto Cartografia e geoprocessamento
APA Delta do Parnaba/ICMBio
Mrcio Barragana Fernandes Coordenador
Silmara Erthal Diagnsticos Socioambientais
Centro Mamferos Aquticos/ICMBio
Magnus Severo (CMA/PE) Diagnstico Peixe-boi
Iran Normande (CMA/AL) Diagnstico Peixe-boi
Heleno Francisco da Silva (CMA/PI) Diagnstico Peixe-boi
Patrcia dos Passos Claro (CMA/PI) Diagnstico Peixe-boi
DIREP / ICMBio
Eduardo Godoy Criao de Unidades de Conservao
Universidade Federal do Cear / Depto de Geografia
Prof.Dr. Jeovah Meireles Servios Ambientais Estuarinos/Carcinicultura
2
SUMRIO
Pg.
INTRODUO 4
rea de Estudo 5
Histrico do Processo de Criao da UC 8
Integrao da UC Proposta com a Gesto da APA Delta do Parnaba 8
Sistema de Informaes Geogrficas e Mapas 9
PARTE 1 ESTUDOS COMPLEMENTARES PARA PROPOSTA DE CRIACO DE UNIDADE DE CONSERVAO
13
Peixe-boi Marinho 14
Aves Costeiras e Migratrias 85
Pesca 116
Carcinicultura 157
Turismo 216
Servios Ambientais Estuarinos 257
PARTE 2 CONSOLIDAO DA PROPOSTA DE CRIAO DE UNIDADE DE CONSERVAO
282
Proposta de Categoria, Limites e Alvos de Conservao 283
3
APRESENTAO
Na divisa entre Cear e Piau localizam-se dois complexos estuarinos de extrema importncia biolgica. Alm de abrigar significativas populaes de espcies Criticamente Em Perigo de extino, como o peixe-boi marinho, constituem-se ainda em importantes pontos de parada e alimentao de aves migratrias do Corredor Migratrio do Atlntico Ocidental, e abrangem a maior rea de manguezal remanescente do Nordeste do Brasil (excetuando o Maranho), com mais de 10.000 ha.
A rea considerada crtica para a conservao e criao de Unidades de Conservao por levantamentos estaduais (Aquasis, 2003), regionais (ZEE Delta do Parnaba), nacionais (Avaliao de reas Crticas para a Conservao da Biodiversidade, MMA, 2007) e globais (Birdlife, CI e IUCN).
Devido importncia scio-econmica e ambiental da regio, formou-se uma parceria entre ONGs, Universidade e rgos ambientais federais, visando a criao de uma Unidade de Conservao na regio, com os seguintes objetivos:
Proteger um dos mais significativos santurios do peixe-boi marinho no hemisfrio sul, incluindo reas de reproduo, alimentao e abrigo;
Proteger reas de desova e alimentao de tartarugas marinhas no litoral do Piau, incluindo espcies Criticamente Em Perigo de extino como a tartaruga-de-couro, Dermochelys coriacea;
Conservar um dos mais importantes pontos de descanso, alimentao e reproduo de aves migratrias do Cear e Piau, e do Nordeste nas rotas neotropicais;
Garantir a integridade do maior complexo estuarino do Cear e Piau para a manuteno da biodiversidade costeira e a exportao de biomassa para o mar adjacente;
Incrementar a produtividade pesqueira nas guas costeiras adjacentes, incluindo a lagosta, o camaro e as principais espcies de peixe capturadas, as quais dependem do esturio seja para alimentao, reproduo, maturao gonadal, desenvolvimento larval ou ps-larval;
Contribuir para o ordenamento da pesca artesanal e do ecoturismo na regio.
As instituies parceiras desta proposta realizaram pedido formal junto DIREC/Ibama em 2005 para criao da Unidade. No ano seguinte, aps viagem de campo para vistoria da rea proposta, as autoridades ambientais competentes reconheceram a importncia da regio e a necessidade de criao de uma Unidade de Conservao de Proteo Integral, sugerindo a categoria de Refgio de Vida Silvestre, porm recomendando a realizao de estudos complementares e produtos cartogrficos.
Nesse sentido, a presente proposta se fundamenta na realizao dos estudos necessrios para viabilizar a criao desta UC, protegendo um importante patrimnio biolgico brasileiro, incrementando a capacidade destes esturios de prover servios ecolgicos para as populaes do entorno, e promovendo a conservao de reas estuarinas, os ambientes mais crticos e produtivos para a manuteno da funcionalidade ecolgica das zonas costeiras.
Os coordenadores
Alberto Alves Campos AQUASIS
Mrcio Barragana Fernandes APA Delta do Parnaba/ICMBio
4
INTRODUO
O presente relatrio apresenta os resultados dos trabalhos de campo realizados na regio costeira limtrofe dos estados do Cear e Piau, entre os esturios dos rios Timonha/Ubatuba e Cardoso/Camurupim, e poro costeira adjacente, incluindo o Lagamar de
Santana (Figura 1).
O complexo estuarino dos rios Timonha e Ubatuba, apresenta a maior rea de bosque de mangue do Nordeste do Brasil (excetuando-se os manguezais com perfil mais amaznico do
Maranho; Tabela 1), alm de abrigar espcies criticamente ameaadas de extino (como o peixe-boi marinho e a tartaruga-de-couro) e de constituir-se numa das principais rea de pouso e alimentao de aves migratrias na regio.
O objetivo geral desta proposta apoiada financeiramente pelo Fundo Costa Atlntica (Fundao SOS Mata Atlntica), Fundao AVINA e Fundao Mamferos Aquticos subsidiar a proposta de criao de uma Unidade de Conservao na rea em questo, para conservao da biodiversidade, manuteno dos servios ecolgicos prestados pelos esturios e ecossistemas associados e incremento do recrutamento pesqueiro.
Os objetivos especficos relacionam-se com a execuo de estudos complementares que visam refinar os limites propostos para a UC, e atender a exigncias dos rgos ambientais competentes para o fechamento da proposta, isto :
(1) Diagnstico das reas utilizadas pelo peixe-boi marinho (Trichechus manatus manatus, espcie Criticamente Em Perigo de extino), com nfase nos ambientes de alimentao, reproduo e berrio; bem como estudos complementares de fauna focados na identificao de aves migratrias, endmicas e/ou ameaadas;
(2) Diagnstico das atividades relacionadas pesca e extrativismo marinho, incluindo levantamento do conhecimento tradicional dos pescadores sobre a biodiversidade e processos ecolgicos costeiros;
(3) Identificao das atividades mais significativas para a socio-economia da regio, com destaque para um diagnstico sobre a carcinicultura e o turismo, avaliando suas limitaes, potencialidades, e compatibilidade com a gesto da UC proposta;
(4) Caracterizao dos processos ecolgicos e seus benefcios principalmente na forma dos servios ambientais prestados pelos esturios e ambientes associados - para a manuteno da biodiversidade e o bem-estar das populaes costeiras;
(5) Compilao de dados cartogrficos e imagens existentes para montagem de sistema de informaes geogrficas (SIG), o qual servir de base para consolidao dos dados supracitados em produtos cartogrficos e georreferenciados que iro refinar os limites propostos para a UC.
5
rea de Estudo
Figura 1. Localizao da rea de estudo (quadrado vermelho, no mapa menor) na divisa dos estados do Cear e Piau. Distncias aproximadas: Fortaleza/CE (380km); Parnaba/PI (60km); So Lus/MA (350km). O contorno em amarelo (mapa superior) ilustra rea de estudo do presente trabalho, incluindo os dois esturios em questo (Timonha/Ubatuba, direita, e Camurupim/Cardoso, esq.), o Lago de Santana (centro) e zona costeira adjacente.
6
Tabela 1. reas de manguezal do Nordeste do Brasil (segundo FUNCEME, 1989).
Esturio rea (ha)
Esturios PIAU
Cardoso/Camurupim 714
Arraia/Carpina/Ubatuba 952
Delta do Parnaba 2.707
Total PI 4.373
Esturios CEAR
Timonha/Ubatuba 10.184
Remdios 431
Corea 4.620
Acara 1.907
Zumbi (itarema) 1.708
Aracatiau 498
Munda 1.071
Cear 500
Pacoti 158
Chor e Alagamar 24
Pirangi 200
Jaguaribe 1.260
Total CE 22.561
Esturios RIO GRANDE DO NORTE
Areia Branca/Mossor N/d
Macau 1.239
Guamar/Galinhos/Salina Melancias 1.795
Natal (Rio Potengi) 879
Tibau do Sul (Lagoa Guarara) 320
Canguaretama (Rio Curimata) 2.263
Esturio Rio Cear-mirim 224
Total RN 6.720
Esturios PARABA
Rios Paraba/So 2.924
Rio Mamanguape 4.772
Rios Camaratuba, Miriri, Gramame, Abia e Goiana 2.384
Total PB 10.080
7
Esturios PERNAMBUCO
Rios Goiana / Mego 2.135
Canal Santa Cruz 2.255
Rios Sirinham / Trapiche 1.480
Rios Formoso / dos Passos 1.350
Rio Ilhetas 40
Rio Uma 50
Total PE 7.310
Esturios ALAGOAS
Rio Manguaba 315
Rio Camaragibe 1.105
Rio Antonio Grande 310
Lagoa Mundau/Manguaba 1.050
Rio So Miguel 260
Rio Jequi 90
Rio Coruripe 375
Rio Poxim 60
Total AL 3.565
Esturios SERGIPE
Rio Parapu 1.900
Rios Sergipe/Pomonga/Sal 1.077
Rios Vaza Barris/Santa Maria 2.330
Rios Piau/Real 5.710
Total SE 11.017
Esturios BAHIA
Rios Real/Itapirucu, Riacho da Coroa 4.055
Baa de Todos os Santos 6.100
Valena/Velha Boipeba 10.175
Baa de Camamu/Mara 6.137
Barra Velha/Barra Grande/Rio Sedrero -
Barra das Canavieiras/Belmonte -
Caravelas/Nova Viosa 6.153
Total BA 32.620
TOTAL NE (exceto MA) 98.246
Fonte: FUNCEME (1989).
8
Histrico do Processo de Criao da UC
A partir de estudos realizados desde 1998, constatou-se a grande relevncia ambiental deste esturio tanto para a conservao da biodiversidade, como para a manuteno de processos costeiros e servios ecolgicos que so fundamentais para a zona costeira adjacente, especialmente no tocante ao recrutamento e conservao de estoques pesqueiros, dos quais depende a maioria das comunidades costeiras do entorno.
Como o esturio em questo localiza-se dentro da APA Delta do Parnaba, e como havia tambm um interesse do chefe da APA em criar um Unidade de Conservao na poro extremo leste da APA (incluindo os esturios dos rios Timonha/Ubatuba e o vizinho Cardoso/Camurupim), firmou-se uma parceria com o Ibama para consolidar esta proposta de UC. A maior ameaa estes esturios o avano das fazendas de camaro, quase todas em reas de manguezal.
Nesse sentido, em 2005, foi consolidada uma proposta e enviada ao Ministrio do Meio Ambiente e Ibama, acompanhada por diversas visitas da equipe proponente a Braslia para divulgar e acelerar o processo de criao desta UC. Em fevereiro de 2006, foi realizada uma visita tcnica oficial rea proposta, incluindo um tcnico da DIREC/Ibama, dois tcnicos do Ministrio do Meio Ambiente (SDS/ZEE), dois tcnicos do CRS/Ibama (Centro de Sensoriamento Remoto), e dois tcnicos do Ibama/PI, bem como a equipe de proponentes (APA do Delta, Aquasis, UFC). Em novembro do mesmo ano foi apresentado o parecer dos tcnicos do Ibama e MMA sobre esta visita, reforando a importncia ecolgica da regio, e sugerindo a categoria de Refgio de Vida Silvestre, alm de requer informaes adicionais para dar seguimento ao processo de pedido de criao de UC.
Dentre estas informaes, podemos destacar: a elaborao de um diagnstico da pesca estuarina e costeira na rea de influncia direta da UC; a determinao da rea de ocorrncia do peixe-boi marinho na regio; e um levantamento fundirio. O objetivo desta proposta realizar os dois estudos inicialmente supracitados (diagnstico da pesca e do peixe-boi). Atravs do Programa Zoneamento Ecolgico Econmico, da Secretaria de Desenvolvimento Sustentvel do Ministrio do Meio Ambiente, est sendo contratada consultoria especfica para a elaborao do estudo fundirio.
Integrao da UC proposta com a Gesto da APA do Delta do Parnaba
A regio apontada nesta proposta para a criao da Unidade de Conservao encontra-se quase que totalmente inserida dentro da APA do Delta do Parnaba. No entanto, as dificuldades de gesto e fiscalizao de uma rea de uso sustentvel de tal magnitude, que abrange trs estados (CE, PI e MA) tm levado os gestores da APA a buscarem outras estratgias de conservao, incluindo a criao de categorias mais restritivas de manejo para reas prioritrias, como apresentado nesta proposta.
Assim, a idia da criao de uma nova UC nasceu dentro de um processo de discusso tcnica entre os proponentes sobre as caractersticas biticas peculiares e a importncia da rea proposta visando a definio de reas de excluso dentro da APA do Delta que deveriam ser geridas como unidades de utilizao restrita.
9
Sistema de informaes geogrficas e mapas
Os Sistemas de Informaes Geogrficas (SIGs) permitem organizar e espacializar
de forma dinmica informaes a respeito dos mais diversos temas. J Mapas, so meios de grafar a localizao espacial de diversos tipos de informaes, estejam estas organizadas ou no em um SIG.
Os SIGs so uma importante ferramenta para o planejamento de aes de manejo, pesquisa, bem como, para o direcionamento de polticas pblicas. Atravs destes pode-se visualizar e analisar diversos conjuntos de informaes e produzir mapas que apresentem os
resultados destas anlises. Atualmente os SIGs so utilizados para programar atividades em quase todas as reas do conhecimento, seja na sade, na segurana ou na conservao da biodiversidade.
O presente trabalho visa organizar em um SIG as informaes obtidas em campo por
diversas equipes de pesquisadores envolvidos no projeto. Nesse sentido, o SIG aqui produzido engloba dados biolgicos, geomorfolgicos e sociais.
Para tanto foram utilizados 3 softwares de forma complementar: o ArcGis 9.2 foi utilizado para visualizar, editar e organizar as informaes dentro de uma base de dados, para analisar as informaes colhidas em campo (Figura 2), bem como para elaborar o layout dos mapas (Figura 3).
10
Figura 2. Imagem da base de dados organizada no software ArcGis 9.2.
Figura 3. Imagem da produo de layouts no software ArcGis 9.2.
11
Tambm foram utilizados os programas GPS TrackMaker PRO (Figura 4) para editar
e tornar possvel o intercmbio de dados entre o ArcGis 9.2 e o Google Earth (Figura 5), programa que permite a visualizao de imagens de satlite de toda a regio.
Figura 4. Imagem da edio de polgonos no software GPS TrackMaker PRO.
Alm disso, foi formado um acervo de imagens de Satlite LANDSAT, Quick Bird e
Ikonos. Esta base permitiu a visualizao de reas no cobertas pelo Google Earth, bem como, viabilizou anlises de rea, vegetao e tipo de cobertura do solo, possveis apenas no ArcGis 9.2.
12
Figura 5. Imagem da vizualizao de imagens de satlite da regio no software Google Earth.
Os metadados foram projetados em UTM, Datum WGS 1984, Zona UTM 24M, Falso
Lesteg: 500000,000000, Falso_Norte: 10000000,000000, Meridiano Central: 39,000000, fator de escala: 0,999600, Latitude de origem: 0,000000 e foi usado o metro como unidade linear.
A partir desta base de dados foi possvel indicar as reas crticas para a conservao
do peixe-boi e das aves migratrias, alm de apontar as reas mais importantes para a pesca e reas mais atingidas pela carcinicultura. Da anlise destes resultados foi proposta uma rea critica para a conservao da biodiversidade e da pesca na regio, esta aqui
indicada para ser transformada em um Refgio de Vida Silvestre.
13
PARTE 1 ESTUDOS COMPLEMENTARES PARA PROPOSTA DE CRIACO DE UNIDADE DE CONSERVAO
14
PEIXE-BOI MARINHO
Diagnstico do Peixe-boi Marinho nos Esturios dos rios
Timonha/Ubatuba e Cardoso/Camurupim, e zona costeira
adjacente, municpios de Chaval e Barroquinha (CE), Cajueiro da
Praia e Luiz Correia (PI)
Subsdios proposta de criao de Unidade de Conservao
15
SUMRIO
APRESENTAO
1. INTRODUO
1.1. Ordem Sirenia
1.2. O peixe-boi marinho, Trichechus manatus
1.3. O peixe-boi marinho no Brasil e seu Status de conservao
1.4. Pesquisa e conservao do Peixe-boi Marinho no Brasil
2. METODOLOGIA
2.1. rea de Estudo
2.2. Coleta de Dados
2.2.1. Entrevistas
2.2.2. Mapeamento de reas de alimentao e fontes de gua doce
2.3. Anlise dos Dados
2.4. Anlise Estatstica
3. RESULTADOS
3.1. Perfil dos Entrevistados
3.1.1. Perfil dos entrevistados quanto profisso
3.1.2. Perfil dos entrevistados quanto idade
3.2. Conhecimento Tradicional sobre o Peixe-boi Marinho
3.2.1. Conhecimento sobre a espcie
3.2.2. Histrico de ocorrncia do peixe-boi marinho na regio
3.2.3. Tipo de alimentao do peixe-boi
3.2.4. Suprimento de gua doce para o peixe-boi
3.2.5. Utilizao do peixe-boi como recurso
3.2.6. Conhecimento sobre legislao de proteo espcie
3.2.7. Importncia do peixe-boi para o entrevistado
3.3. Distribuio Espacial do Peixe-boi Marinho na rea de Estudo
3.3.1. rea de ocorrncia
3.3.2. Locais onde a espcie costuma ser avistada
3.3.3. Profundidade onde a espcie costuma ser observada
3.3.4. Distncia da costa onde a espcie costuma ser observada
3.4. Distribuio Temporal do Peixe-boi Marinho na rea de Estudo
3.4.1. Ocorrncia de peixe-boi marinho ao longo do ano
3.4.2. Influncia da fase lunar e perodo da mar na observao dos animais
16
3.5. Tamanho e Composio de Grupo
3.5.1. Nmero mais freqente de indivduos observados
3.5.2. Presena de filhotes na rea de estudo
3.5.3. Distribuio sazonal de filhotes na rea de estudo
3.6. reas de Alimentao do Peixe-boi Marinho
3.7. Presena de Fontes de gua Doce
3.8. reas de Cuidado Parental
3.9. Ameaas ao Peixe-boi Marinho
3.9.1. Interao com artes de pesca
3.9.2. Kite surf
3.9.3. Ocupao desordenada da linha de praia e esturios
3.9.4. Fazendas de Cultivo de Camaro
4. CONCLUSES E RECOMENDAES
4.1. Concluses
4.2. Recomendaes
Fiscalizao e Aplicao da Legislao Vigente
Recuperao de Ambientes
Pesquisas Futuras
reas de excluso de pesca
4.3. reas Prioritrias para Conservao do Peixe-boi Marinho
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
Anexo I Roteiro Estruturado para as entrevistas
Anexo II Guia de Identificao Visual
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APRESENTAO
Este relatrio apresenta os resultados finais do Diagnstico do Peixe-boi marinho realizado na regio do complexo estuarino dos rios Timonha e Ubatuba e Cardoso e Camurupim, entre os meses de fevereiro e julho de 2008, com o intuito de compilar dados de
conhecimento das populaes tradicionais sobre a ocorrncia, sazonalidade, habitats crticos para determinar reas prioritrias para a conservao da espcie. Dessa forma, como resultado final, este relatrio apresenta uma proposta de delimitao da rea marinha da Unidade de
Conservao proposta para a regio.
Esta proposta de criao de Unidade de Conservao tem como objetivo a conservao da biodiversidade e manuteno dos servios ecolgicos prestados pelos esturios e
ecossistemas associados. Uma das demandas para dar continuidade ao processo de criao da UC o diagnstico das reas utilizadas pelo peixe-boi marinho, com nfase nos ambientes de alimentao, reproduo e berrio.
A importncia na criao da UC baseia-se no fato do peixe-boi marinho ser considerado
o mamfero marinho mais ameaado de extino no Brasil, sendo considerado Criticamente Em Perigo de extino CR. A estimativa populacional para o Brasil de menos de 500 indivduos. Alm das ameaas sofridas em sua rea de ocorrncia, a espcie sofre tambm com baixa
variabilidade gentica (Garcia-Rodriguez et al., 1998; Vianna et al., 2006), indicando a necessidade de um manejo cuidadoso da espcie no pas.
A rea de estudo compreende um dos nicos habitats bem conservados da espcie no
Brasil. H registros de ocorrncia de peixes-boi oito quilmetros rio acima, no municpio de Chaval (CE), denotando a importncia deste rico ecossistema para a manuteno da populao local destes animais. A ocupao deste esturio por fazendas de camaro constitui a principal
ameaa a curto e mdio prazo para a populao de peixes-boi desta regio. A criao da UC ir promover a preservao desse santurio de peixes-boi e regulamentar o uso da rea.
Desta forma, o objetivo geral deste estudo foi identificar reas prioritrias para a criao de uma Unidade de Conservao nos esturios dos rios Timonha/Ubatuba e
Cardoso/Camurupim incluindo a zona costeira adjacente com base na distribuio do peixe-boi marinho na regio, e seus habitats de alimentao e berrio. Para isso, foram realizadas entrevistas com as populaes tradicionais da regio e investigaes em campo para:
determinar a distribuio espacial e sazonal do peixe-boi marinho na rea de estudo; mapear as principais reas de alimentao e suprimentos de gua doce; resgatar conhecimentos tradicionais sobre a espcie; fornecer subsdios para a gesto da APA Delta do Parnaba; e
subsidiar a delimitao de uma Unidade de Conservao, do ponto de vista da conservao do peixe-boi marinho.
18
1. INTRODUO
1.1. Ordem Sirenia
Os sirnios so animais completamente adaptados vida aqutica e estritamente herbvoros. Vivem em guas tropicais e subtropicais, sendo encontrados em regies costeiras,
rios e lagos (Husar, 1978; Odell 1982; Bossart, 1999).
A ordem Sirenia constituda por duas famlias, Trichechidae e Dugongidae. A famlia Dugongidae representada atualmente apenas pela espcie Dugong dugong, o dugongo, que habita regies costeiras e tropicais dos oceanos ndico e Pacfico. A famlia Trichechidae compreende os peixes-boi do gnero Trichechus. representada por trs espcies: Trichechus senegalensis, o peixe-boi africano que habita o litoral e rios da costa oeste da frica (Lefebvre et al 2001); Trichechus inunguis, o peixe-boi amaznico, que habita o Rio Amazonas e seus afluentes; e o peixe-boi marinho, Trichechus manatus, que se distribui na costa atlntica da Amrica do Norte, Golfo do Mxico e Amrica do Sul.
1.2. O Peixe-boi Marinho, Trichechus manatus
O peixe-boi marinho, Trichechus manatus, um animal herbvoro com dentio especializada, corpo hidrodinmico e fusiforme, ausncia de apndices externos como membros
traseiros e pavimentos auriculares, larga cauda propulsora, nadadeiras peitorais pequenas, ossos grandes e pesados, plos corporais escassos e rgos internos adaptados ao herbivorismo e existncia marinha (Reynolds & Odell, 1991). Sua colorao varia do cinza ao
marrom, s vezes se tornando esverdeada devido aderncia de algas verdes. Possui de trs a quatro unhas nas extremidades das nadadeiras (Husar, 1978) (Figura 1).
Figura 1. Peixe-boi marinho, Trichechus manatus, vista lateral (ilustrao em Jefferson et al.,
1993).
19
O tamanho mdio de um peixe-boi marinho varia entre 3-4m de comprimento, podendo
chegar a 4-5m (Husar, 1978).
A espcie possue uma baixa taxa reprodutiva. Normalmente nasce um nico filhote aps um perodo de gestao de 12 a 13 meses (Hartman, 1971; Husar, 1978; Bossart, 1999), sendo
que 1,4% dos nascimentos so de gmeos (Rathbun, et al., 1995).
O peixe-boi marinho dividido em duas subespcies, o peixe-boi das Antilhas, T. manatus manatus, e o peixe-boi das ndias Ocidentais, T. manatus latirostris (Hatt, 1934). A existncia dessas duas subespcies pode ser conseqncia de um isolamento reprodutivo, causado pelas guas frias ao norte do Golfo do Mxico, associada s fortes correntes encontradas na regio entre o estreito da Flrida, Cuba e Bahamas (Domning & Hayek, 1986).
1.3. O Peixe-boi Marinho no Brasil e seu Status de Conservao
A subespcie que ocorre no Brasil o peixe-boi das Antilhas, T. manatus manatus, o mamfero marinho mais ameaado de extino do pas. A estimativa populacional para a
espcie de menos de 500 indivduos distribudos ao longo da costa brasileira (Lima, 1997; Luna, 2001). No entanto, essa estimativa foi realizada principalmente atravs de entrevistas, e precisa ser refinada e atualizada com base em outras ferramentas de estimativa populacional.
Em sua mais recente edio atualizada em outubro de 2008 a Lista Vermelha da World Conservation Union (IUCN) (www.redlist.org) apresenta uma estimativa minma populacional para o peixe-boi marinho no Brasil de cerca de 200 indivduos (Tabela 1).
Alm de apresentar uma densidade populacional extremamente baixa para a dimenso da costa brasileira, o peixe-boi marinho distribui-se atualmente de forma fragmentada e descontnua, com populaes que provavelmente j se encontram geneticamente isoladas, o
que torna o seu status de conservao mais crtico ainda.
Devido aos fatores acima citados, atualmente a espcie consta da Lista Oficial de Espcies da Fauna Brasileira Ameaada de Extino (Brasil, 2003), sendo considerada Em Perigo Crtico - CR pelo Plano de Ao para Mamferos Aquticos do Brasil (IBAMA, 2001), ou
seja, tem um risco extremamente alto de extino na natureza, em futuro imediato.
Na avaliao global da Lista Vermelha da IUCN, o peixe-boi marinho das Antilhas (T. manatus manatus) considerado Endangered EN, principalmente devido falta de dados mais concretos sobre a sua estimativa populacional nas Amricas do Sul e Central; a situao gentica e taxonmica da espcie e a validade das subespcies; e a avaliao dos efeitos da fragmentao ao longo de sua distribuio sobre as populaes e seu consequente isolamento
reprodutivo.
20
Tabela 1. Resumo dos dados reportados por pas para as populaces de peixe-boi marinho das Antilhas (Trichechus manatus manatus).
Pas Tendncia* Populao Mnima
Estimada
Bahamas A 5
Belize E/D 700**
Brasil E/D 200
Colmbia N/D 100
Costa Rica D 30
Cuba N/D 50
Repblica Dominicana D 30
Guiana Francesa E 10
Guatemala N 50
Guiana D 25
Haiti N 5
Honduras E 50
Jamaica N/D 25
Mxico N 1,000**
Nicargua D 71
Panam N 10
Porto Rico E 128
Suriname D 10
Trinidad & Tobago D 25
Venezuela D 25
Total (n=20 pases) ~2,549
* Tendncia: A=Possvel aumento; E=Estvel; D=Provvel Declnio; N=no conhecido (ou devido dados deficientes).
** As estimativas de Mxico e Belize, podem estar superestimadas, pois a Baa de Chetumal, um dos mais importantes habitats para o peixe-boi marinho, fica na fronteira entre os dois pases, podendo levar a contagens duplicadas.
Fonte: traduzido de 2008 IUCN Red List of Threatened Species. , acessado em 21 de Outubro de 2008.
Historicamente o peixe-boi ocorria desde o estado do Esprito Santo at o Amap. Devido intensa caa no passado, a espcie desapareceu nos estados de Esprito Santo,
Sergipe e Bahia (Albuquerque & Marcovaldi, 1982; Lima et al., 1992).
21
A atual distribuio de T. manatus manatus no Brasil abrange o estado de Alagoas at o Amap, porm, com reas de descontinuidade: a primeira localizada entre Barra de Camaragibe (AL) e Recife (PE); a segunda entre Beberibe e Barroquinha (CE), devido a condies ecolgicas desfavorveis neste trecho, como a ausncia de grandes esturios; a terceira entre o Delta do
Rio Parnaba e os Lenis Maranhenses, onde h condies favorveis para a ocorrncia da espcie e com indcios de caa no passado (Aquasis, 2006;Lima, 1999; Luna, 2001) (Figura 2).
Figura 2. Mapa com distribuio histrica e atual do peixe-boi no
Nordeste do Brasil (Fonte: Costa, 2006).
Diversos fatores foram identificados como responsveis pela atual situao de risco da
espcie no pas: caa indiscriminada no passado (Domning, 1982), captura acidental em aparelhos de pesca (Oliveira et al. 1990; Meirelles, 2008) e o encalhe de filhotes so as principais causas reportadas (Meirelles, 2008; Parente et al., 2004; Lima et al. 1992). Lima (1997) sugere que o encalhe de filhotes no litoral nordeste seja ocasionado devido
degradao dos esturios, que barra o acesso das fmeas, que teriam que dar luz no mar, ficando o filhote sujeito s correntes e batimentos de ondas, podendo facilmente se desgarrar da me. Meirelles (2008) avaliou os dados de encalhes de filhotes no Cear, observando que no
litoral leste, onde no h mais esturios disponveis para a espcie, ocorre a maioria dos encalhes; enquanto que no litoral extremo oeste, onde h uma grande e saudvel esturio disponvel,formados pelos rios Timonha e Ubatuba, h apenas eventos de encalhes registrados.
22
1.4. Pesquisa e Conservao do Peixe-boi Marinho no Brasil
Devido s fortes presses e riscos de extino sofridos pela espcie no pas, foi criado em 1980 pelo Governo Federal, o Projeto Peixe-Boi marinho. Em 1990, visando ampliao de pesquisas e com base na necessidade de uma estrutura fsica para reabilitao de filhotes-
rfos, surgiu em Itamarac, Pernambuco, o Centro Nacional de Conservao e Manejo de Sirnios, Centro Peixe-Boi (Luna, 2001). Em 1998, a partir do Centro Peixe-boi, foi implantado o Centro Mamferos Aquticos - CMA/ICMBio.
O Projeto Peixe-Boi vem realizando estudos para determinar a freqncia de ocorrncia da espcie, reas de uso preferencial, caractersticas de seu habitat e caracterizar atividades humanas que causam impacto sobre as populaes e seu habitat.
A Associao de Pesquisa e Preservao de Ecossistemas Aquticos Aquasis vm desenvolvendo pesquisa e conservao do peixe-boi marinho nos estados do Cear, Rio Grande do Norte e Piau, desde 1994. A rea compreendida entre Cear e Rio Grande do Norte recordista nacional em encalhes de filhotes rfos da espcie, sendo considerada prioritria
para a conservao do peixe-boi no pas.
A Aquasis mantm, desde 2001, um Centro de Reabilitao de Mamferos Marinhos CRMM em Iparana, Caucaia, Cear. O CRMM foi criado com o objetivo de fornecer instalaes
adequadas para o tratamento, em curto prazo, de filhotes recm-nascidos encalhados com vida no litoral do Cear e noroeste potiguar. Os filhotes recebem tratamento intensivo e alimentao adequada at que estejam aptos a serem transferidos para estruturas de reabilitao em longo
prazo mantidas pelo CMA/ICMBio, em Itamarac. Como membro do Comit Gestor da Rede de Encalhes de Mamferos Aquticos do Nordeste - REMANE, a Aquasis a instituio responsvel pelo resgate e primeiros-socorros destes filhotes na costa do Cear e Rio Grande do Norte.
A instituio tambm vem desenvolvendo trabalhos para determinar reas prioritrias para a conservao do peixe-boi marinho no Brasil, e est envolvida na criao de Unidades de Conservao no Nordeste, visando evitar a extino da espcie no pas.
2. METODOLOGIA
2.1. rea de Estudo
A rea de abrangncia do estudo foi fundamentada no conhecimento prvio obtido pelo Projeto Peixe-boi/ICMBio existente sobre a distribuio do peixe-boi marinho na regio dos
esturios dos rios Timonha/Ubatuba e Cardoso/Camurupim.
A rea de estudo encontra-se inserida entre a regio da Praia do Coqueiro (UTM 24M 0213120/9678367), municpio de Luiz Correa PI e Praia Nova (UTM 24M 0262909/9679947), municpio de Barroquinha CE, num total de aproximadamente 55 Km de costa (Figura 3).
23
Figura 3. rea de estudo, abrangendo os municpios de Barroquinha e Chaval, no Cear, e Luiz Correia e Cajueiro da Praia, no Piau, desde a
comunidade de Coqueiro (PI) at Praia Nova (CE).
24
Esta rea inclui dois grandes complexos estuarinos: esturio dos rios Cardoso e
Camurupim (UTM 24M 0228697/9678038) (Figura 4) e esturio dos rios Timonha e Ubatuba (UTM 24M 0241903/9674952) e, uma poro costeiro-marinha adjacente at a isbata de 5 m.
Figura 4. (A) Complexo estuarino dos rios Camurupim e Cardoso; (B) regio da foz; e (C)
Rio Camurupim.
O complexo estuarino dos rios Timonha/Ubatuba (Figura 5), na divisa dos estados do Cear e Piau, apresenta a maior e a mais bem conservada rea de manguezal remanescente
do Cear, e uma das maiores ilhas estuarinas do Nordeste: a Ilha Grande (Figura 5A). O esturio dos rios Camurupim/Cardoso, situado a menos de 10 km a oeste, no Piau, apresenta uma rara mescla de campos de dunas, manguezais e reas midas costeiras abrigadas,
prximas a sua barra.
Complexo Estuarino dos rios Camurupim e Cardoso
25
Figura 5. (A) Complexo estuarino dos rios Timonha e Ubatuba; (B) esturio com ilhas de mangue; e (C) foto area da foz do Timonha/Ubatuba: Pontal das Almas, limite oeste da costa cearense (em primeiro plano), Ilha Grande (ao fundo, esq.) e litoral do Piau (ao
fundo, dir.).
Esto presentes plancies flvio-marinhas com manguezais, grandes ilhas estuarinas, lagoas costeiras, restingas, macios e corredores de caatinga, e campos de dunas mveis e fixas em toda rea de abrangncia do estudo.
26
2.2. Coleta de Dados
2.2.1. Entrevistas O estudo foi conduzido a partir de entrevistas semi-estruturadas (anexo 01) com
moradores de residncia fixa e pescadores das comunidades costeiras dentro da rea de estudo
(Figura 6). Um tcnico realizava a entrevistas, enquanto outro registrava a mesma fotograficamente. A posio geogrfica e localidade de cada entrevista foram anotadas em planilha (Figura 7).
Figura 6. Entrevistas semi-estruturadas com moradores e pescadores das comunidades
costeiras.
Figura 7. Tcnico registrando a posio geogrfica de cada entrevista.
27
As perguntas do roteiro serviam como um guia para entrevista, permitindo a coleta de informaes bsicas e gerais sobre o peixe-boi marinho, reas de alimentao e de cuidado parental, de forma relativamente rpida e pouco dispendiosa.
O intuito da entrevista era explicado para o entrevistado para que esta pudesse ser iniciada somente aps a aceitao do mesmo. O roteiro, que continha 24 perguntas, foi o mesmo para todos os entrevistados e consistia de duas partes distintas: a primeira constava de informaes bsicas sobre o entrevistado (nome, idade, profisso, residncia, local de pesca e tipo/aparelho de pesca). A segunda parte consistia de 23 perguntas objetivas e uma pergunta subjetiva, visando levantar informaes sobre o conhecimento do entrevistado acerca da espcie, distribuio espacial e sazonal da espcie, freqncia de ocorrncia, composio de grupos, distribuio temporal de juvenis, suprimento alimentar, presena de fontes de gua doce (olhos dgua), consumo de carne e utilizao de subprodutos do peixe-boi, captura acidental em artes de pesca, histrico de ocorrncia da espcie na regio e conhecimento acerca da legislao. A ltima pergunta: Voc sabe de outra pessoa que v o peixe-boi? ajudou a equipe a direcionar os esforos em campo para outros entrevistados com conhecimento acerca da espcie.
As sadas a campo foram realizadas entre os meses de fevereiro e julho de 2008, e foram visitadas comunidades no Piau, pertencentes aos municpios de Luiz Correa e Cajueiro da Praia, e no Cear, pertencentes aos municpios de Barroquinha e Chaval.
Inicialmente, os tcnicos conduziram conversas informais com o entrevistado em potencial, averiguando o seu conhecimento acerca do peixe-boi. A primeira pergunta efetuada: Voc conhece o peixe-boi?, pedindo ao entrevistado que o descrevesse ou apontasse quem seria o peixe-boi no guia de identificao visual com fotos de animais marinhos (tartarugas, golfinhos, baleias e peixes-boi) (Anexo 02), tendo como objetivo analisar o perfil do entrevistado e o nvel de confiabilidade na entrevista. Respostas dbias ou descries erradas descartavam a entrevista. Respostas e descries corretas eram seguidas da entrevista formal. No caso de o entrevistado no conhecer o peixe-boi, a entrevista seguia apenas para averiguar reas de alimentao e presena de fontes de gua doce.
Nos dois esturios inseridos na rea de estudo, foram realizadas sadas com uma voadeira de alumnio com motor de popa cedida pelo Projeto Peixe-boi/CMA/PI, para entrevistas informais com pescadores que foram encontrados dentro dos rios (Figura 8).
Figura 8. Entrevistas informais com pescadores dentro dos rios.
28
2.2.2. Mapeamento de reas de alimentao e fontes de gua doce
Durante as entrevistas, foram obtidos dados secundrios sobre reas de alimentao do peixe-boi, e fontes de gua doce. Essas informaes foram averiguadas em campo, durante
duas viagens do estudo.
Para o mapeamento de reas de alimentao do peixe-boi (i.e., bancos de fanergamas marinhas), foram realizadas sadas embarcadas com o auxlio de moradores locais e do Projeto
Peixe-boi/CMA/PI. Os pontos internos e externos dos dois extremos do banco foram localizados atravs de mergulhos livres e determinados com GPS, para que o mesmo pudesse ser plotado em mapa posteriormente.
Foram realizados mergulhos para se determinar as fontes de gua doce (i.e., olhos
dgua), a fim de alcanar o ponto de sada da gua no sedimento. Tanto a temperatura quanto a movimentao da gua diferenciada nesses locais. A localizao das fontes de gua doce tambm foi determinada em GPS para plotagem em mapa.
2.3. Anlise dos Dados
Todas as entrevistas foram digitalizadas e as respostas de todos os entrevistados foram inseridas em um banco de dados em uma planilha Excel, para a contagem e anlise dos dados de cada questo separadamente. As respostas foram numeradas de modo a facilitar a
capitalizao dos dados, gerando uma legenda. As perguntas de nmero 1, 2, 4, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 18, 20, 21, 22, 23 e 24 possuem apenas uma resposta possvel. As perguntas 3, 5, 6, 7, 8, 10 e 17 possuem mais de uma resposta possvel, podendo o entrevistado ter duas ou mais respostas para a mesma pergunta.
Os dados obtidos atravs das entrevistas (e.g., rea de ocorrncia, distribuio temporal, composio de grupo) foram tratados descritivamente e apresentados na forma de tabelas e figuras.
29
2.4. Anlise Estatstica
O teste qui-quadrado (2) foi utilizado, com grau de significncia = 0,05, para testar o grau de significncia dos dados obtidos nas entrevistas. Foi utilizado tambm para avaliar possveis diferenas no padro de distribuio espacial e temporal do peixe-boi na rea de
estudo e as influncias das variaes de mar e as fases da lua na ocorrncia da espcie.
3. RESULTADOS
Foram realizadas 113 entrevistas em 15 comunidades, abrangendo os municpios de Luiz
Correa e Cajueiro da Praia, no estado do Piau, e municpios de Barroquinha e Chaval, no Cear (Tabela 2).
Tabela 2. Nmero de entrevistas por comunidades.
Comunidades Municpio Estado N Entrevistas
Coqueiro Luiz Correa Piau 12
Arrombado Luiz Correa Piau 04
Carnaubinha Luiz Correa Piau 04
Maramar Luiz Correa Piau 03
Macap Luiz Correa Piau 03
Barra Grande Cajueiro da Praia Piau 15
Barrinha Cajueiro da Praia Piau 05
Sardim Cajueiro da Praia Piau 08
Morro Branco Cajueiro da Praia Piau 08
Cajueiro da Praia Cajueiro da Praia Piau 13
Porto do Mosquito Chaval Cear 11
Chapada Barroquinha Cear 07
Bitupit Barroquinha Cear 09
Curim Barroquinha Cear 05
Praia Nova Barroquinha Cear 06
15 4 2 113
30
3.1. Perfil dos Entrevistados
3.1.1. Perfil do entrevistado quanto profisso
As profisses dos entrevistados foram agrupadas em trs categorias: (1) diretamente ligada a atividades de pesca (i.e., pescador aposentado, pescador, pesca por esporte e
proprietrio de curral de pesca1; (2) diretamente ligada a atividades a beira da praia (e.g., comerciantes, balconista, garons ou cozinheiros de barracas de praia) e; (3) moradores muito prximos s praias (e.g., desempregado, empregado domstico, guarda municipal, militar
reformado, recepcionista, vigia), totalizando 14 profisses. Das trs categorias, 91,6% dos entrevistados exerciam atividades ligadas pesca (Tabela 3, Figura 9).
Tabela 3. Profisses dos entrevistados e freqncia absoluta e relativa
(%) de cada categoria.
Categoria Profisso N %
1
Pescador aposentado 3
91,6 Pescador 98 Pesca por esporte 1 Proprietrio de Curral 1
2
Comerciante 1
3,54 Balconista 1 Cozinheira 1 Garon 1
3
Desempregado 1
4,86
Empregado domstico 1 Guarda municipal 1 Militar reformado 1 Recepcionista 1 Vigia 1
Total 14 profisses 113 100
1 Curral de pesca: armadilha fixa, construda em geral por estaqueamento com o objetivo de reter o peixe em seu interior.
31
3,54%4,86%
91,6%
(1) diretamente ligados a atividades de pesca
(2) diretamente ligados a atividades a beira da praia
(3) moradores muito prximos as praias
Figura 9. Freqncia relativa das trs categorias de profisses dos entrevistados.
Em relao categoria 1, o tempo que o entrevistado exerce a profisso foi analisado, e
inserido em intervalos de 10 anos. As seguintes categorias foram obtidas: at 10 anos de profisso; de 11 a 20 anos; de 21 a 30 anos; de 31 a 40 anos; de 41 a 50 anos; h mais de 50 anos. O perfil dos entrevistados em relao ao tempo de ocupao encontra-se na Figura 10.
0
5
10
15
20
25
30
De 0 a 10 De 11 a 20 De 21 a 30 De 31 a 40 De 41 a 50 Mais de 50
Anos de pesca
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
Figura 10. Freqncia relativa das classes de anos de pesca.
Como podemos observar na Figura 10, a maioria dos entrevistados estava nessa profisso a mais de 21 anos e menos de 40.
32
3.1.2. Perfil do entrevistado quanto idade
A idade mdia geral dos entrevistados foi de 49 anos, sendo a mnima de 21 e mxima
de 86 anos. As idades foram distribudas em intervalos de 10 anos formando classes de idades conforme a Figura 11. Destaca-se a freqncia maior de entrevistados entre 51 e 60 anos.
0
5
10
15
20
25
21 - 30 31 - 40 41 - 50 51 - 60 61 - 70 71 - 80 81 - 90
Classes de Idade (anos)
Fre
qn
cia
Rel
ativ
a (%
)
Figura 11. Freqncia relativa das classes de idade dos entrevistados.
3.2. Conhecimento Tradicional sobre o Peixe-boi Marinho
Comunidades tradicionais so populaes que vivem em estreita relao com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reproduo scio-cultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental: so as comunidades indgenas, as
comunidades extrativistas de pequena escala, de pescadores, remanescentes de quilombos, etc.
A etnobiologia tem como objetivo analisar a classificao das comunidades tradicionais sobre a natureza e em particular seus organismos (Begossi, 1993). Ela trata, essencialmente,
do estudo do conhecimento e das conceituaes desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo natural, do papel da natureza no sistema de crenas e de adaptao do homem a determinados ambientes, enfatizando as categorias e conceitos cognitivos utilizados
pelos povos em estudo (Posey, 1987; Marques, 1995; Diegues, 1999). Begossi et al. (2002) afirmam que a etnobiologia traz informaes sobre o conhecimento ambiental das populaes tradicionais, contribuindo com tcnicas de conservao, bem como, auxiliando no conhecimento
biolgico sobre organismos e suas interaes.
De acordo com Oliveira et al. (2008), o conhecimento pertencente s comunidades caiaras de fundamental importncia na realizao de estudos cientficos envolvendo ecossistemas litorneos e organismos marinhos especificamente.
33
O mtodo de entrevistas o mais utilizado para estudar o conhecimento de populaes
tradicionais. De acordo com Viertler (2002), durante as entrevistas ocorre uma relao de comunicao mais equilibrada entre a viso mica (do pesquisado) e a viso tica (do pesquisador). A modalidade da entrevista mais usada a parcialmente estruturada, ou seja,
aquela na qual alguns tpicos so fixos e outros so definidos conforme o andamento da entrevista, visando a canalizar o dilogo as questes a serem investigadas (Mello, 1996; Chizzotti, 2000).
Vrios estudos etnobiolgicos vm sendo desenvolvidos por pesquisadores que trabalham com peixe-boi marinho, principalmente com o intuito de identificar distribuio e principais reas de ocorrncia. No Brasil, Lima (1997) e Luna (2001) realizaram o levantamento
da distribuio do peixe-boi marinho no Brasil atravs de entrevistas semi-estruturadas. O mesmo mtodo foi utilizado por Alves (2007) no leste do Cear e extremo oeste do Rio Grande do Norte, identificando tambm reas de alimentao e de olhos dgua.
3.2.1. Conhecimento sobre a espcie A primeira pergunta Voc conhece o peixe-boi? obteve 98,2% de respostas positivas
(Figura 12). Apenas 1,8% das respostas foram negativas, e essas foram obtidas na Praia de
Curim, no Cear, onde, segundo as entrevistas, no h ocorrncia da espcie. Para confirmao dos dados, fotos de peixe-boi foram mostradas e os entrevistados confirmaram nunca ter visto o animal das fotos na praia deles.
1,8%
98,2%
Conhece No conhece
Figura 12. Freqncia relativa das respostas positivas e negativas, quanto ao conhecimento dos entrevistados acerca do peixe-boi.
Para verificar se o entrevistado realmente conhece a espcie ou se apenas viu um animal morto, foi realizada a pergunta: Quando viu o peixe-boi, ele estava vivo ou morto?. Dos 111 entrevistados que viram o peixe-boi, 90,1% deles viram o animal vivo (Figura 13). O restante no possui resposta, pois so entrevistados que conhecem o peixe-boi somente
atravs de meios de comunicao. Nesta mesma questo foi questionado se o entrevistado j havia visto alguma vez o peixe-boi morto. Para este questionamento, 76,2% nunca viram o peixe-boi morto, 8,8% viram um animal morto, recentemente, 2,6% j vira encalhado morto a
mais de 50 anos e 0,9% viram um peixe-boi que foi morto em curral de pesca (Figura 14).
34
9,9%
90,1%
Vivo Conhecem, mas nunca viram
Figura 13. Freqncia relativa de relatos de observao de peixe-boi vivo.
76,2%
11,5%
8,8%
2,6% 0,9%
Nunca viu
Encalhado (+ 50 anos)
Morto recentemente
Curral de pesca
Sem resposta
Figura 14. Freqncia relativa de relatos de observao de peixe-boi morto.
Observa-se na Figura 14, que a grande maioria dos entrevistados nunca avistou um peixe-boi morto na rea de estudo. Este dado bastante relevante, pois indica a regio como
uma rea onde a populao de peixes-boi se encontra em boas condies. Como o peixe-boi encontra-se Criticamente Em Perigo de extino no Brasil, uma rea com esse histrico prioritria para a conservao da espcie.
importante ressaltar que os entrevistados que avistaram um animal morto recentemente referem-se a uma fmea de peixe-boi encontrada morta, boiando no rio, no dia seis de abril de 2008. A carcaa foi recuperada e necropsiada pelas equipes do Projeto Peixe-boi e Aquasis.
35
3.2.2. Histrico de ocorrncia do peixe-boi marinho na regio
Para avaliar o histrico de ocorrncia do peixe-boi na rea de estudo, foi perguntado se
o entrevistado observa a mesma quantidade de animais que antigamente. A maioria dos entrevistados respondeu que atualmente h mais peixes-boi na regio do que antes (Figura 15).
58,8%
15,5%11,3%
14,4%
Mais
Menos
Igual
No sabe
Figura 15. Freqncia relativa quanto ao histrico de ocorrncia de peixe-boi na rea de
estudo.
A anlise estatstica demonstrou que h uma diferena significativa (2 = 46,94, gl = 2, p < 0,05) entre as respostas obtidas sobre o histrico de ocorrncia de peixes-boi, indicando a probabilidade de haver mais indivduos na rea atualmente.
Historicamente a espcie sofria com intensa caa, o que provocou uma drstica diminuio no nmero de indivduos da populao no Brasil (Domning, 1982). No entanto, o pequeno ndice de mortalidade de peixe-boi no local pode estar contribuindo para a recuperao e manuteno da populao. Acredita-se que a baixa mortalidade da espcie
esteja relacionada ao bom estado de conservao em que a rea se encontra.
Para saber se o peixe-boi desapareceu de alguma praia que historicamente ele ocorria, foi efetuada a pergunta Voc via esses animais em algum lugar que no v hoje?. A maioria
dos entrevistados no constatou o desaparecimento da espcie em nenhum local (Figura 16).
36
14,9%9,6%
75,5%
Constatou o desaparecimento de peixe-boi
No constatou o desaparecimento da espcie em nenhum local
No sabe
Figura 16. Freqncia relativa dos relatos de histrico de ocorrncia em determinada rea.
Todos os locais onde alguns entrevistados afirmam ter desaparecido peixe-boi (Figura 17), so locais que outros afirmaram haver ocorrncia de peixe-boi. Desse modo, esses dados
no foram considerados para determinar a rea de ocorrncia da espcie na rea de estudo Na metodologia utilizada, as respostas afirmativas para a presena da espcie no local so mais relevantes que as negativas, pois diversos fatores podem influenciar a no observao
de peixe-boi: (a) peixe-boi um animal discreto, que emerge apenas o focinho para respirar, o dorso quando em deslocamento, ou a cauda, em mergulhos mais profundos; (b) a presena do observador pode no coincidir com os horrios de utilizao da rea pela espcie, e; (c) a
noo de tempo dos entrevistados muitas vezes difere do propsito da pesquisa (i.e., muitas vezes, quando o entrevistado afirma Faz tempo que no vejo peixe-boi por aqui, ao ser perguntado h quanto tempo, ele se refere h um ms, ou at menos).
8,3% 8,3%
16,7%
41,7%
25,0%
Rio Camurupim
Porto do Mosquito
Rio do Remanso
Rio da Chapada
Macap
Figura 17. Locais onde foi relatado o desaparecimento da espcie, com freqncia relativa dos
relatos de cada local.
37
3.2.3. Tipo de alimentao do peixe-boi
Com o intuito de saber qual o conhecimento da comunidade a respeito da alimentao
do peixe-boi, foi realizada a pergunta Voc sabe o que o peixe-boi come? O que?. Dos entrevistados que responderam essa pergunta, 85,8% responderam que sabiam o que o peixe-boi comia e 14,2% no sabiam (Figura 18).
85,8%
14,2%
Sabe o que o peixe-boi comeNo sabe o que o peixe-boi come
Figura 18. Freqncia relativa dos relatos sobre conhecimento dos entrevistados a respeito da alimentao do peixe-boi.
Das respostas afirmativas, 77,3% dos entrevistados disseram que o peixe-boi come capim (Figura 19), 12,3% lodo, 6,6% folhas, caneta ou boto de mangue, 1,9% algas e 1,9%
peixes (Figura 20).
Figura 19. Capim-agulha, considerado o principal item alimentar do peixe-boi pelos entrevistados.
38
1,9%6,6%12,3%
1,9%
77,3%Capim
Lodo
Mangue
Algas
Peixe
Figura 20. Freqncia relativa dos itens considerados alimentos de peixe-boi pelos
entrevistados.
Estudos confirmam as informaes obtidas nas entrevistas, e relatam que fanergamas marinhas (principalmente o capim agulha, Halodule sp.), algas, folhas de mangue e outras plantas aquticas fazem parte dos itens alimentares do peixe-boi (Borges et al., 2008; Husar,
1978; Hartman, 1979; Best & Teixeira, 1982, Hurst & Beck, 1988).
Lima (1997) relata que o capim agulha (Halodule sp.) o principal item alimentar dos peixes-boi marinhos. No entanto, de acordo Borges et al. (2008), alm desta fanergama,
outras espcies so relevantes na dieta destes animais, com predominncia de algas vermelhas, como Cryptonemia crenulata, Gracilaria sp., Hypnea musciformis. Paludo (1997) tambm reportou algas vermelhas (Gracilaria cornea, Soliera sp. e Hypnea musciforme) como item alimentar de peixe-boi.
Lima (1997) relata que o capim agulha (Halodule sp.) o principal item alimentar dos peixes-boi marinhos. No entanto, de acordo com Borges et al. (2008), alm desta fanergama, outras espcies so relevantes na dieta destes animais, com predominncia de algas vermelhas,
como Cryptonemia crenulata, Gracilaria sp., Hypnea musciformis. Paludo (1997) tambm reportou algas vermelhas (Gracilaria cornea, Soliera sp. e Hypnea musciforme) como item alimentar de peixe-boi.
Hartman (1979), estudando peixes-boi na Flrida, afirmou que os animais se alimentam de algas para suplementar sua dieta. Ao contrrio de Borges et al. (2008), o autor observou que os animais tm preferncia por algas verdes, listando espcies do gnero Caulerpa sp., Ulva sp. (Chlorophyceae), Acantophora sp., Condria sp., Dasya sp.
Best & Teixeira (1982), afirmaram que os animais se alimentam de folhas de mangue (Avicennia nitida, Rhizophora mangle e Laguncularia racemosa) e outras plantas aquticas, como aninga (Montrichardia arborescens), patur (Spartina brasiliensis), aguap (Eichornia crassipes) e junco (Eleocharis interstincta).
39
Os peixes-boi so considerados animais estritamente herbvoros, mas alguns autores os
consideram herbvoros oportunistas, por j terem sido observados se alimentando de espcies animais (Powell, 1978; Hartman, 1979). Alguns moradores na rea de estudo relatam o consumo de peixe pelo peixe-boi em funo da pesca. Eles afirmam que o peixe-boi suga o
sangue das cabeas de tainhas (Mugil sp.) que ficam presas em suas redes, no havendo ingesto, nem sinais de mordidas. Esse fato j foi registrado por Powell (1978) e Smith (1993), que observaram peixes-boi se alimentando de peixes capturados em redes de espera,
provavelmente como suplemento para sua dieta pobre em protena.
Apesar desses relatos de consumo oportunista de espcies animais, o peixe-boi possui adaptaes ao herbivorismo, como reposio de dentes, presena de placas crneas na boca, o
tamanho, proporo e estrutura do trato digestrio e a fermentao no intestino (Marmontel, et al., 1992).
Alm de todos os itens alimentares citados acima, alguns entrevistados relataram que o peixe-boi se alimenta da gramnea Spartina sp. (conhecido como capim-duro na regio) (Figura 21). Apesar de existirem informaes publicadas para o peixe-boi da Flrida (Trichechus manatus latirostris), sobre o consumo de Spartina brasiliensis, (Best & Teixeira, 1982), esta informao no pode ser considerada conclusiva, uma vez que muitos outros
entrevistados afirmaram que a espcie no se alimenta dessa planta.
Figura 21. Capim-duro fotografado no esturio dos rios Cardoso e Camurupim,
considerado item alimentar de peixe-boi por alguns entrevistados.
40
3.2.4. Suprimento de gua doce para o peixe-boi
Com o intuito de avaliar o conhecimento do entrevistado sobre a biologia da espcie, foi
perguntado Voc sabe se o peixe-boi bebe gua doce?. A maioria dos entrevistados (88,6%) respondeu que no (Figura 22). Dos 11,4% que responderam que sabe, a maioria demonstrou certa insegurana ou teve conhecimento atravs de informao secundria, e no por
observao direta.
11,4%
88,6%
Sabe que o peixe-boi bebe gua doce
No sabe se o peixe-boi bebe gua doce
Figura 22. Freqncia relativa dos relatos sobre conhecimento dos
entrevistados acerca da necessidade de gua doce do peixe-boi.
Evidncias comportamentais sugerem que os peixes-bois necessitam de gua doce para beber. Vrios exemplos de consumo deste recurso em diferentes lugares j foram observados (Hartman, 1979). Outros estudos sobre fluxo de gua demonstraram o mesmo (Ortiz et al.,
1998; 1999). Porm, estudos com o sangue e urina sugeriram que a gua doce pode no ser fisiologicamente necessria (Brownell et al., 1978). A capacidade dos peixes-bois de concentrar urina sugeriu que eles poderiam consumir gua do mar para manter a concentrao dos fluidos
corpreos (Irvine et al., 1980), e estudos mais recentes sobre a estrutura dos rins do peixe-boi marinho sugerem que estes podem sobreviver por longos perodos sem gua doce (Oritz 1994).
3.2.5. Utilizao do peixe-boi como recurso
Como forma de averiguar se, tradicionalmente, o peixe-boi foi muito utilizado para
consumo humano nas comunidades amostradas, foi perguntado aos entrevistados se os mesmos j haviam consumido a carne do animal. Das 15 comunidades amostradas, em apenas cinco (Coqueiro e Carnaubinha do municpio de Luiz Correa, e Barra Grande, Barrinha e
Cajueiro da Praia do municpio de Cajueiro da Praia) os entrevistados relataram j ter consumido a carne do peixe-boi (13,7% dos entrevistados) (Figura 23).
41
86,3%
13,7%
J consumiu carne de peixe-boi
Nunca consumiu carne de peixe-boi
Figura 23 - Freqncia relativa do consumo de carne de peixe-boi.
Quanto utilizao de subprodutos e com qual finalidade, foi perguntado ao entrevistado se ele j havia utilizado a gordura ou pele do peixe-boi para algum propsito.
Apenas 5,4% dos entrevistados responderam que j utilizaram outros subprodutos do peixe-boi que no a carne (Figura 24).
94,6%
5,4%
J utilizou algum subproduto do peixe-boi
Nunca utilizou nenhum subproduto do peixe-boi
Figura 24 - Freqncia relativa da utilizao de subprodutos do peixe-boi.
Quanto finalidade da utilizao desses subprodutos, trs entrevistados j utilizaram
gordura de peixe-boi como remdio para asma, reumatismo e cicatrizao de ferimentos; dois entrevistados utilizaram pele para confeco de sapato e; um entrevistado utilizou gordura para alimentao.
No Brasil, os ndios caavam peixe-boi para obter carne e gordura para fabricao de remdios caseiros (Souza, 1587 apud Lima, 1999). Segundo Lima & Borobia (1991), um verdadeiro massacre da espcie teve incio com a colonizao do pas pelos europeus. Os holandeses desde o sculo XVII aproveitavam a carne e a gordura do animal para serem
utilizadas como alimento, remdio e combustvel para iluminao (Verssimo, 1970). Domning (1982) relata que entre as dcadas de 30 e 60 houve a comercializao de duas toneladas de carne de peixe-boi marinho em Alagoas e, em 1964, uma tonelada foi comercializada na Bahia.
42
Atualmente a espcie protegida por lei (Lei de Proteo Fauna Lei no 5.197, de 03
de janeiro de 1967; Lei de Crimes Ambientais Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) e sua caa proibida desde 1967.
3.2.6. Conhecimento sobre legislao de proteo espcie
O conhecimento por parte dos entrevistados de que a espcie protegida por leis foi
significativo, tendo 89,2% de respostas positivas (Figura 25).
10,8%
89,2%
Sabe que o peixe-boi protegido por lei
No sabe que o peixe-boi protegido por lei
Figura 25 - Freqncia relativa das respostas quanto ao conhecimento de alguma lei que
proteja o peixe-boi.
Acredita-se que este conhecimento foi adquirido, em grande parte, devido presena do Projeto Peixe-Boi - CMA/ICMBio no local. Isso pode ainda ser comprovado devido maioria
dos entrevistados que conhece a legislao pertencer s comunidades prximas base do Projeto, no Cajueiro da Praia.
3.2.7. Importncia do peixe-boi para o entrevistado
Para saber como os entrevistados enxergam o peixe-boi e se o consideram importante, a seguinte pergunta foi realizada nas entrevistas Voc considera o peixe-boi importante para voc? Por qu?. Apenas 8,2% dos entrevistados responderam que no acham que o peixe-boi
seja importante (Figura 26).
43
91,8%
8,2%
Consideram o peixe-boi importante
No consideram o peixe-boi importante
Figura 26 Freqncia relativa das respostas pergunta Voc considera o peixe-boi
importante para voc?.
Analisando as justificativas dadas pelos entrevistados sobre a importncia do peixe-boi, dois relatos podem ser considerados como referncia:
Porque ns quer bem a ele, ele no bole com ningum, a gente tem eles aqui como famlia;
Porque todo mundo que chega aqui, s procura a gente por causa dele.
A partir desses relatos, foi possvel estabelecer dois perfis: (1) o indivduo entrevistado aparentemente sensibiliza-se como o animal e; (2) o indivduo considera o animal como intruso.
No primeiro caso, observamos que o entrevistado demonstra uma ligao afetiva,
inclusive preocupando-se com o animal. Mas se fomos avaliar todas as entrevistas que se enquadram dentro desse perfil, percebemos que a relao dos entrevistados com o peixe-boi generalizada e no individual, i.e., o peixe-boi um membro da bela natureza e deve ser
preservado como todo animal. Parte dessa viso vem de uma conveno social, que diz que se deve proteger a natureza, mesmo quando no se conhece suas caractersticas. Ento, proteger transforma-se em uma ordem moral e no emotiva (proteger porque aprendemos
que o certo a fazer) e sem necessidade de reflexo a respeito dos verdadeiros motivos e necessidades da conservao da natureza. Os entrevistados pertencentes ao perfil 1 so pessoas que conhecem o animal, mas no o vem em uma posio de destaque e
desconhecem o estado crtico em que ele se encontra. Elas tm boa vontade, se propem a ajudar e possuem um conhecimento emprico, passado de pai para filho, mas limitado.
No segundo perfil observamos certa antipatia pelo animal, pela aparente maior importncia dada ao peixe-boi que ao pescador, ou pelos danos que o animal causa nas redes
de pesca.
44
Percebemos a partir dos relatos que os entrevistados demonstram certa inibio e/ou receio de expor o verdadeiro sentimento a respeito do animal, causada na maioria das vezes pelos rgos fiscalizadores. Nos momentos de confiana, escutamos suas carncias, necessidades, verdades, como em um dos relatos onde o pescador desabafa: S no como peixe-boi por que proibido, se no fosse eu comia!.
Apenas um entrevistado afirmou que a importncia do peixe-boi Porque fornece a carne, mas o mesmo afirma que no consome carne de peixe-boi h mais de 30 anos.
Dentre os que no consideram o peixe-boi importante, apenas 25% justificaram. A resposta Porque no, ns sempre se criemos sem ele demonstra a falta de compreenso das relaes naturais. O entrevistado acredita que sua evoluo e a conquista dos seus ideais acontecero independentes do meio ambiente. Com relao ao peixe-boi, ele o v como mais um bicho do mundo. A existncia deste animal e sua situao no o comovem, pois tais fatos, na sua cabea, no tm relao com sua vida e principalmente com o xito dos seus objetivos.
3.3. Distribuio Espacial do Peixe-boi Marinho na rea de Estudo
3.3.1. rea de ocorrncia
Das 15 comunidades abrangidas no estudo, quatro delas (Arrombado, municpio de Luiz Correa, no Piau; e Bitupit, Curim e Praia Nova, municpio de Barroquinha, no Cear), de acordo com as entrevistas, no so reas de ocorrncia do peixe-boi marinho. Todos os
entrevistados (100%) dessas comunidades afirmam nunca ter visto o peixe-boi na praia em que vivem (Figura 27).
Figura 27. Comunidades onde ocorreram as entrevistas, com relatos de ocorrncia do peixe-
boi (pontos amarelos) e sem relatos da presena da espcie (pontos vermelhos).
45
Nas sadas de lancha no esturio dos rios Carumupim e Cardoso, foi possvel apenas o
contato com cinco pescadores, onde, destes, apenas 2 relatam a ocorrncia do peixe-boi no rio
(Figura 28). Alm disso, um relato de ocorrncia dentro do rio foi repassado do Sr. Heleno, do
Projeto Peixe-boi de Cajueiro da Praia. J no esturio dos rios Timonha e Ubatuba, 100% dos
relatos so de que o peixe-boi ocorre nos locais percorridos pela equipe (Figura 29).
Quanto s entrevistas formais, utilizando os roteiros estruturados nas comunidades prximas aos esturios, temos: no esturio dos rios Timonha/Ubatuba, 96,7% costumam ver o peixe-boi na foz do esturio ou nos rios secundrios e; no esturio dos rios
Camurupim/Cardoso, 50% costumam ver o peixe-boi na foz do esturio.
Figura 28. Esturio dos rios Camurupim e Cardoso, evidenciando pontos das entrevistas
informais com relatos de que no ocorre peixe-boi no local (pontos vermelhos) e relatos com
ocorrncia da espcie (pontos amarelos).
46
Figura 29. Esturio dos rios Timonha e Ubatuba, evidenciando pontos das entrevistas
informais com relatos de ocorrncia de peixe-boi (pontos amarelos).
A ocorrncia de peixe-boi relatada no Porto do Mosquito, em Chaval, foi obtida apenas em 18,2% das entrevistas no local. O restante dos entrevistados afirma que no avista os
animais na regio. Mas, como explicado na metodologia, as respostas afirmativas sobre ocorrncia da espcie so sempre consideradas no estudo.
A rea de ocorrncia do peixe-boi na regio de estudo est de acordo com os hbitos da espcie. Husar (1978) afirma que o peixe-boi marinho distribui-se por rios, esturios e zonas
costeiras das regies tropicais e subtropicais do Oceano Atlntico. A espcie ocorre principalmente em cursos dgua situados em plancies costeiras e costas pouco profundas, com abundncia de vegetao submersa ou florestas de mangue (Jimnez, 2000). As guas calmas
dos canais dos rios e do interior de baas proporcionam importantes refgios para descanso e cuidados parentais (FWC, 2005).
47
No esturio dos rios Cardoso e Camurupim, a provvel causa do baixo nmero de
relatos da presena do animal devido degradao das margens do esturio, que ocasiona o assoreamento do rio. Isso diminui a profundidade ao longo de seu curso, o que pode explicar os relatos de que os peixes-boi ocorrem mais nas bocas dos rios do que dentro dos mesmos.
Este problema tambm vem sendo enfrentado no litoral leste do estado do Cear, onde o desmatamento do manguezal para construo de fazendas de camaro e salinas causou o assoreamento do rio Jaguaribe, tornando sua boca muito rasa, no permitindo a entrada das
fmeas para se reproduzir, alm do trfego intenso de embarcaes no local que expulsam os animais. Essas fmeas acabam dando a luz em reas desabrigadas, com fortes ondas e correntes, ocasionando os encalhes de filhotes (Meirelles, 2008).
Devido aos fatores apresentados, torna-se prioritria a criao de Unidade de Conservao nas reas ainda preservadas, de modo a garantir a proteo das reas de Preservao Permanente determinadas pelo Cdigo Florestal (Lei 4.771/65), especialmente no tocante aos manguezais, bordas de tabuleiros (falsias), e entorno de recursos hdricos, visando
reduzir os processos de perda de reas de berrio do peixe-boi (nos manguezais), de eroso de falsias (associada perda de fontes de gua doce) e de assoreamento nos esturios (pelo desmatamento da vegetao ciliar ao longo dos cursos dos rios).
3.3.2. Locais onde a espcie costuma ser avistada
Quando perguntados sobre quais eram os locais onde costumavam observar peixes-boi,
verificamos que a maioria dos entrevistados (41,6% e 27,7%) afirmou ser mais comum observar o animal no rio e no mar, prximo a praia (Tabela 4, Figura 30).
Tabela 4 Ambientes onde o animal costuma ser observado, com nmero de entrevistas
afirmativas e freqncia relativa.
Locais de Avistagem N %
Praia (encalhado) 0 0
Esturio 19 13,9
Mar (avista da praia) 57 41,6
Rio 38 27,7
Mar (longe da praia) 6 4,4
No v nesta praia 17 12,4
TOTAL 137 100
48
4,4% 12,4% 13,9%
27,7% 41,6%
Esturio
Mar (avista da praia)
Rio
Mar (longe da praia)
No v aqui
Figura 30. Freqncia relativa de cada tipo de ambiente em que o peixe-boi costuma ser
avistado.
Segundo os dados obtidos na anlise estatstica (2 = 92,08, gl = 4, p < 0,05), h diferenas significativas entre a ocorrncia de peixes-boi nesses ambientes, com maior freqncia de avistagens do peixe-boi marinho prximo s praias e dentro dos rios. Esse resultado refora que o peixe-boi marinho uma espcie que prefere guas rasas e calmas, como sugerido por Paludo (1998) e Hartman (1979), uma vez que as praias da rea de estudo
so abrigadas e com pouca formao de ondas (Figura 31).
Figura 31. Praia com pouca formao de ondas e rebentao, caracterstica da rea de estudo. Cajueiro da Praia (PI).
49
importante ressaltarmos o fato de que nenhum dos entrevistados avistou um peixe-boi
encalhado na rea de estudo, com exceo do mencionado anteriormente, em menos de cinqenta anos (Tabela 5), demonstrando a qualidade ambiental do local e sua importncia para a conservao da espcie.
No Brasil, a maioria dos encalhes de peixe-boi marinho est relacionada a filhotes recm-nascidos (Parente et al., 2004; Meirelles, no prelo). Esses encalhes ocorrem indiretamente pela destruio de reas de reproduo e cuidado parental da espcie, i.e.,
manguezais. As fmeas, sem acesso a essas reas, acabam dando a luz em mar aberto. Os filhotes recm-nascidos no conseguem vencer as correntes, acabam se desgarrando da me e encalhando nas praias.
De acordo com Parente et al. (2004), apenas no estado do Piau no h registro de encalhe de filhote ou peixe-boi adulto. A ausncia desses encalhes na regio sugere que o habitat da espcie permanece ainda bem conservado na rea de estudo, demonstrando sua extrema importncia para a conservao do peixe-boi.
3.3.3. Profundidade onde a espcie costuma ser observada
Com relao profundidade onde a espcie costuma ser observada, os dados foram
agrupados em trs categorias: at cinco metros; de seis dez metros e; acima de dez metros. Conforme a Figura 32, podemos observar que 76,4% dos entrevistados afirmam que costumam avistar o peixe-boi em locais onde a profundidade no ultrapassa cinco metros, o que j era
esperado para uma espcie considerada costeira e de guas rasas, e; apenas 7,4% relatam que a profundidade do local onde o peixe-boi aparece est acima de dez metros. Neste ltimo caso, os dados esto todos diretamente relacionados aos locais de avistagem: foz do esturio e rio,
onde existem canais bastante profundos.
76,4%
16,2%
7,4%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
At 5m De 6 a 10m Acima de 10m
Profundidade (em metros)
Fre
qn
cia
rela
tiva
Figura 32. Freqncia relativa das profundidades nos locais de avistagens do peixe-boi.
50
A anlise estatstica refora os resultados de que a espcie ocorre preferencialmente em
profundidades de at cinco metros, apresentando diferena bastante significativa entre a
ocorrncia de peixe-boi nas diferentes profundidades analisadas (2 = 78,45, gl = 3, p < 0,05). Segundo Bossart (1999), os animais permanecem a maior parte do tempo em profundidades
entre 0,9 e 2,1m, onde existe maior abundncia de fanergamas submersas e reas para descanso. Hartman (1979), no entanto, afirma que os animais vivem preferencialmente em guas de um a trs metros de profundidade.
H registros de ocorrncia de peixe-boi em profundidade mnima de 0,4m (Paludo, 1998) e mxima de 10m (Nowak, 1999). Em um estudo realizado pela Aquasis (Aquasis, 2006) no litoral leste do Cear, observou-se que os animais no ultrapassavam a isbata de seis
metros.
3.3.4. Distncia da costa onde a espcie costuma ser observada
Com relao distncia da costa onde o peixe-boi costuma ser observado, os dados foram agrupados em quatro categorias: at 50 metros; de 51 a 100 metros; de 101 a 500 metros e; acima de 500 metros. Na Figura 33, observa-se que 50% costumam avistar a espcie
muito prxima a praia (at 50 m de distncia da costa), e 16,6% a uma distncia acima de 500
m. O tratamento estatstico demonstrou diferenas significativas entre essas distncias (2 = 22,13, gl = 3, p < 0,05), apoiando os resultados de que o peixe-boi visto mais prximo
costa. A maior distncia relatada foi de seis quilmetros e a menor de cinco metros.
50%
10%
23,40%
16,60%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
At 50m De 51 100m De 101 500m Acima de 500m
Distncia da costa
Fre
qn
cia
rela
tiva
Figura 33. Freqncia relativa das distncias da costa onde o peixe-boi costuma ser avistado.
Na rea de estudo, a plataforma continental extensa, com uma declividade baixa, e a
profundidade de cinco metros ocorre at dois quilmetros da costa. Isso explica o fato de a espcie ser observada a grandes distncias da costa, como relatado por alguns entrevistados (at seis quilmetros).
51
3.4. Distribuio Temporal do Peixe-boi Marinho na rea de Estudo
3.4.1. Ocorrncia de peixe-boi marinho ao longo do ano
Durante as entrevistadas, foi perguntado em que meses do ano mais peixes-boi poderiam ser observados. A Figura 34 evidencia uma maior freqncia de observaes, em
geral, entre os meses de dezembro a abril. Os dados obtidos na anlise estatstica (2 = 23,5, gl = 11, p < 0,05) mostram diferena significativa entre observaes de peixe-boi ao longo do ano, reforando as diferenas temporais de distribuio da espcie.
12,211,2
9,9 9,9
8,4
6,95,8 6,3
6,6 6,37,1
9,4
0
2
4
6
8
10
12
14
J F M A M J J A S O N D
Meses
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
Figura 34. Freqncia relativa da distribuio temporal de peixe-boi segundo os entrevistados.
Ainda analisando a Figura 34, podemos observar que o ms de julho o ms com o menor nmero de avistagens (5,8%) de peixe-boi e o ms de janeiro o ms com maior freqncia de observao (12,2%) da espcie. Podemos observar ainda que no meio do ano
temos uma reduo nas avistagens, aumentando no final e incio do ano.
Ao agruparmos estes dados em inverno e vero, observa-se que no h grande diferena na freqncia relativa de avistagens (Figura 35). No entanto, estatistiamente
observa-se diferena significativa na ocorrncia de peixe-boi nas duas pocas do ano (2 = 11,05, gl = 1, p < 0,05). De acordo com as entrevistas, a poca de chuva, tambm conhecida como inverno na regio, ocorre de janeiro a junho (1 semestre do ano), enquanto o resto do ano corresponde ao vero.
52
58,40%41,60%
Inverno Vero
Figura 35. Distribuio sazonal (vero e inverno) do peixe-boi na rea de estudo.
Silva et al. (1992), em seu estudo da Barra de Mamanguape, na Paraba, concluram que o maior nmero de avistagens de peixes-bois ocorre entre outubro e maio, quando os animais so vistos com maior regularidade e freqentemente em grupos. Em Icapu, no Cear, a
distribuio das mdias de avistagens e a freqncia de ocorrncia mensal de peixes-boi evidenciaram o perodo de maior probabilidade de avistagens entre outubro e dezembro (Alves, 2007). Paludo (1998) constatou que dezembro o ms de maior freqncia de grupos no Rio
Grande do Norte e Paraba.
Deutsch et al. (2003) sugeriram que o padro de sazonalidade de ocorrncia de peixe-boi ocorre, em parte, devido abundncia e qualidade de alimento disponvel.
Ao analisar os dados de distribuio temporal separadamente por regies (Luiz Correa, Cajueiro da Praia e Esturio dos rios Timonha e Ubatuba), h uma diferena na sazonalidade de observao de peixe-boi em cada local.
Em Luiz Correa, verifica-se que a freqncia de observao maior entre os meses de
novembro a fevereiro, e os dados estatsticos mostram uma pequena diferena significativa na
ocorrncia de peixe-boi ao longo do ano (2 = 19,85, gl = 11, p = 0,05). No Cajueiro da Praia, o maior nmero de observaes ocorre entre os meses de dezembro a maio, mas a espcie se
distribui uniformemente ao longo do ano (2 = 6,46, gl = 11, p > 0,05). No esturio o maior nmero de avistagens ocorre no incio do ano, entre janeiro e abril, havendo diferenas
significativas (2 = 30,2, gl = 11, p < 0,05) na distribuio temporal do peixe-boi no local (Figura 36).
53
13,4 13,4
9,8
7,3
4,9 4,93,7
4,9 4,9 4,9
13,414,6
0
2
4
6
8
10
12
14
16
J F M A M J J A S O N D
Meses
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
11,510,3
99,6
9
7,16,4
7,7 7,7
6,45,8
9,6
0
2
4
6
8
10
12
14
J F M A M J J A S O N D
Meses
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
14,3
12,7 12,713,5
11,1
8,7
5,6
4 4 4 4
5,6
0
2
4
6
8
10
12
14
16
J F M A M J J A S O N D
Meses
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
Figura 36. Freqncia relativa da distribuio temporal de peixe-boi em Luiz Correa,
Cajueiro da Praia e esturio dos rios Timonha e Ubatuba.
Cajueiro da Praia
Esturio dos rios Timonha/Ubatuba
54
O maior nmero de peixes-boi no esturio dos rios Timonha/Ubatuba no inverno pode
estar relacionado ao cobrimento dos bancos de fanergamas marinhas localizados nas praias da regio. Nessa poca, o aumento da vazo dos rios faz com que maior quantidade de sedimento seja carregada para fora do esturio, e a lama formada pelo material em suspenso acaba
sedimentando nas reas dos bancos. Este fenmeno pde ser observado pela equipe de campo em todas as praias do Piau, na regio estudada.
A anlise estatstica refora esse resultado, demonstrando uma alta diferena na
ocorrncia de peixe-boi nas duas pocas do ano no esturio (2 = 26,7, gl = 1, p = 0,05) (Figura 37).
27%
73%
Inverno
Vero
Figura 37. Distribuio sazonal (vero e inverno) do peixe-boi no esturio dos rios
Timonha e Ubatuba.
3.4.2. Influncia da fase lunar e perodo da mar na observao dos animais
Com o objetivo de determinar se a ocorrncia de peixe-boi sofre alguma influncia de variveis ambientais, foi perguntado ao entrevistado em que fases lunares e perodo de mar
eles costumam observar os animais.
Em relao s fases da lua, 63% das respostas foram No sabe, tornando esta questo uma varivel com baixa confiabilidade para anlise (Figura38).
55
18,1%
4,7%
3,8%
10,4%
63%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Cheia
Minguante
Crescente
Nova
No Sabe
Fas
es d
a L
ua
Freqncia relativa
Figura 38. Freqncia relativa de observao de peixe-boi em cada fase da lua.
A varivel mar provou ser mais confivel que a fase lunar, j que os entrevistados respondiam com maior preciso e o nmero de respostas No Sabe tenha tido um percentual bem menor, apenas 10,4%. Provavelmente devido periodicidade diria e s mudanas mais
visveis na paisagem costeira que a variao da mar proporciona.
Segundo os entrevistados, os animais so mais observados durante os horrios de mar cheia, com quase metade das respostas (47,4%) (Figura 39), sendo este resultado
significativo (2 = 45,7, gl = 3, p < 0,05).
47,4%
19,8%
11,2%
11,2%
10,4%
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Cheia
Enchendo
Seca
Vazando
No Sabe
Mar
Freqncia relativa
Figura 39. Freqncia relativa de observao dos animais em cada fase de mar.
56
Nos trabalhos de Paludo (1998) e Alves (2007), tambm houve predomnio de
observaes de peixe-boi durante a mar cheia. Esse fato pode ter relao com o aumento da profundidade prximo praia durante a mar cheia, permitindo que os animais se aproximem mais da costa, e conseqentemente sejam mais avistados.
Segundo os entrevistados, nos esturios os animais podem ser observados de acordo com a mar, indicando que a mar influencia o padro de deslocamento da espcie. Ou seja, quando a mar est enchendo, o peixe-boi adentra o rio e permanece nele durante a mar
cheia, retornando ao mar quando a mar comea a secar.
3.5. Tamanho e Composio de Grupo
3.5.1. Nmero mais freqente de indivduos observados
Para analisar se h um padro no tamanho de grupo de peixe-boi, foi perguntado ao entrevistado quantos animais costuma observar juntos. Quase metade dos entrevistados (47,5%) respondeu que costumam observar dois animais, no necessariamente me-filhote
(Figura 40). Animal solitrio foi a segunda resposta mais freqente, com 38,6%. Cinco, seis e oito animais foram observados apenas uma nica vez (1%). Os dados mostraram que h uma
diferena altamente significativa (2 = 183,24, gl = 7, p = 0,05), confirmando a predominncia de avistagens de animais solitrios e em dupla. No entanto, a anlise estatstica no mostrou
diferenas entre avistagens dessas duas categorias de tamanho de grupo (2 = 0,93, gl = 1, p > 0,05).
38,6%
47,5%
6,9%4%
1% 1% 1%0%
10%
20%
30%
40%
50%
Um Dois Trs Quatro Cinco Seis Oito
Quantidade de animais
Fre
qn
cia
rela
tiva
Figura 40. Freqncia relativa do nmero de animais observados juntos.
57
Lima et al. (1992) determinaram atravs de entrevistas, que no litoral nordeste do Brasil, animais solitrios ou em duplas so mais freqentemente observados. Atravs de observaes de campo, Paludo (1998) chegou mesma concluso. Alves (2007) realizou monitoramentos em duas praias de Icapu, litoral leste do Cear, e chegou ao mesmo
resultado, onde predominaram animais solitrios seguidos de duplas (me com filhote e dois adultos). O registro de grupos (a partir de trs animais) foi raro em seu estudo.
Segundo Hartmam (1979), o peixe-boi um mamfero essencialmente solitrio, e a
nica associao duradoura ocorre entre me e filhote, que formam a unidade familiar. O filhote dependente da me no s para nutrio, mas tambm para obter informaes sobre a localizao de reas de descanso e alimentao, e rotas de deslocamento. Todas as outras
associaes, com exceo da unidade familiar, so temporrias e casuais. Os grupos consistem, na sua maioria, de adultos e juvenis de ambos os sexos, que se juntam para migrar, acasalar, descansar ou alimentar-se. Durante os perodos de acasalamento, os peixes-boi formam grupos temporrios, geralmente compostos por uma fmea no estro e diversos machos jovens e
adultos. Esses grupos podem permanecer unidos pelo perodo de uma semana a um ms (Hartman, 1971).
3.5.2. Presena de filhotes na rea de estudo
Para anlise de composio de grupo, somente a ocorrncia de filhotes foi verificada, pois no h dimorfismo sexual aparente entre machos e fmeas de peixe-boi. Com o objetivo de determinar a presena de filhotes na rea de estudo, foi perguntado aos entrevistados se
estes avistavam filhotes em sua comunidade e, caso a resposta fosse afirmativa, em quais meses do ano eram mais comum essas avistagens. Embora com uma pequena diferena, houve um maior nmero de respostas negativas (52,7%); as respostas afirmativas foram em 47,3% dos casos (Figura 41).
52,7%
47,3%
Costuma avistar filhotesNo costuma avistar filhotes
Figura 41. Freqncia relativa dos relatos de avistagem de filhotes na rea de estudo.
58
De acordo com Aquasis (2006), a avistagem de filhotes pode ser influenciada por alguns fatores que alteram ou diminuem a percepo do observador, sendo eles:
Filhotes recm-nascidos de peixe-boi costumam medir entre 1,20 a 1,40 metros
(Odell, 1982), tem a pele escura, quase preta, quando comparados com suas mes;
Filhotes tambm tendem a ser mais discretos, expondo menos o corpo e,
principalmente, a cauda ao executar movimentos para mergulhar;
O regime de ventos sofre um incremento considervel a partir de julho, aumentando
sobremaneira a amplitude das ondas e a turbidez da gua e desse modo, podendo
diminuir a percepo dos observadores.
A espcie apresenta um longo perodo de cuidados parentais, e os filhotes podem permanecer com a me por at dois anos (Caldwell & Caldwell, 1985). A presena de filhotes
na rea de estudo demonstra que uma importante rea de reproduo e cuidado parental do peixe-boi, tornando-a prioritria para a conservao da espcie no pas.
3.5.3. Distribuio sazonal de filhotes na rea de estudo
As entrevistas mostram que os maiores ndices de observao de filhotes na rea de estudo ocorrem entre janeiro e abril (Figura 42).
14,3 14,3
9,5
13,1
8,3
7,1
4,8
6
2,4
7,1
6
7,1
0
2
4
6
8
10
12
14
16
J F M A M J J A S O N D
Meses
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
Figura 42. Distribuio sazonal de filhotes ao longo do ano.
59
O tratamento estatstico dos dados mostrou que no h diferena na ocorrncia de
filhotes ao longo do ano (2 = 16, gl = 11, p = 0,05). No entanto, ao analisar as pocas do ano
(inverno e vero), a diferena foi significativa (2 = 9,3, gl = 1, p = 0,05), com
predominncia de avistagem de filhotes no inverno (67%) (Figura 43).
67%
33%
Vero
Inverno
Figura 43. Distribuio sazonal (vero e inverno) de filhotes na rea de estudo.
Os resultados obtidos esto de acordo com a poca de maior freqncia de filhotes ao longo da costa brasileira. No leste do Cear, Alves (2007) observou maiores ndices de avistagem nos meses de fevereiro, maro, outubro e dezembro, evidenciando um provvel
perodo de nascimento de filhotes entre outubro e maro. Meirelles (2008) registrou para o mesmo local uma distribuio sazonal de encalhes de filhotes entre os meses de janeiro e maro, o que pode representar o perodo de maior ndice de nascimentos. Lima et al. (1992), que estudaram os encalhes de filhotes rfos no litoral nordeste, observaram as maiores
freqncias entre os meses de outubro a abril. Paludo (1998), em estudo na regio costeira de Sagi, Rio Grande do Norte, sugere os meses de dezembro a fevereiro correspondentes poca de maior nmero de nascimentos. E Silva et al. (1992) tambm afirmaram ser nos meses de
outubro a maro o perodo de reproduo da espcie na Barra de Mamanguape no estado da Paraba.
Sabe-se que esturios so locais de reproduo dos peixes-boi, onde estes do luz e
cuidam de seus filhotes (Hartman, 1979). Devido a isso, a anlise dessa varivel foi realizada tambm para as categorias esturio e praias.
Em Luiz Correa, de acordo com os entrevistados, filhotes so mais freqentemente observados de janeiro a maro, e no h ocorrncia de julho a setembro. No Cajueiro da Praia,
no h um padro de ocorrncia de filhotes, e estes so observados principalmente nos meses de julho, agosto e dezembro (Tabela 8, Figura 45). Nessas duas regies, no entanto, os dados demonstram no haver diferena significativa nas avistagens de filhote ao longo do ano (Luiz
Correa: 2 = 15,1, gl = 11, p > 0,05; Cajueiro da Praia: 2 = 12, gl = 11, p > 0,05).
60
No esturio dos rios Timonha/Ubatuba, os meses de fevereiro e abril apresentam um
expressivo maior nmero de avistagens de filhotes (20,5%), e apresentando diferena
significativa nas avistagens de filhote no local ao longo do ano (2 = 27,77, gl = 11, p < 0,05) (Figura 44).
21,7
17,4
13
8,7 8,7
4,3
8,7
13
4,3
0
5
10
15
20
25
J F M A M J J A S O N D
Meses
Fre
qn
cia
rela
tiva
(%)
10,3 10,3
3,4 3,4 3,4
13,8
17,2
6,9 6,9 6,9
17,2
0
5
10
15
20
J F M A M J J A S O N D