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ARTIGO ARTCILE 2881 1 Departamento de Administração e Planejamento em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. R. Leopoldo Bulhões 1480/ Prédio da ENSP/715, Manguinhos. 21041-210 Rio de Janeiro RJ. [email protected] 2 Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. 3 Departamento de Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Mato Grosso. 4 Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais Regionalization and access to healthcare in Brazilian states: historical and political-institutional conditioning factors Resumo O artigo aborda o processo de regionali- zação da saúde nos estados brasileiros no período de 2007 a 2010, com o objetivo de identificar as condições que favorecem ou dificultam esse pro- cesso. Utilizou-se o referencial de análise de políti- cas públicas e, particularmente, do instituciona- lismo histórico. Três dimensões sintetizam os con- dicionantes da regionalização: contexto (históri- co-estrutural, político-institucional e conjuntu- ral), direcionalidade (ideologia, objeto, atores, es- tratégias e instrumentos) e características da regi- onalização (institucionalidade e governança). A pesquisa empírica privilegiou a análise de docu- mentos oficiais e entrevistas com atores-chave em 24 estados. Observaram-se combinações de fatores e padrões de influência distintos nos estados, sendo a regionalização marcada por importantes ganhos de institucionalidade e governança no período. En- tretanto, dificuldades inerentes aos contextos com- prometem maiores avanços. Há necessidade de ampliar o enfoque territorial no planejamento go- vernamental e integrar políticas setoriais ao de- senvolvimento regional de médio e longo prazo para fortalecer a regionalização e superar entraves ao acesso aos serviços de saúde no Brasil. Palavras-chave Regionalização, Política de saú- de, Sistema Único de Saúde, Planejamento em saú- de, Acesso a serviços de saúde Abstract This article examines the healthcare regionalization process in the Brazilian states in the period from 2007 to 2010, seeking to identify the conditions that favor or impede this process. Referential analysis of public policies and espe- cially of historical institutionalism was used. Three dimensions sum up the conditioning fac- tors of regionalization: context (historical-struc- tural, political-institutional and conjunctural), directionality (ideology, object, actors, strategies and instruments) and regionalization features (institutionality and governance). The empiri- cal research relied mainly on the analysis of offi- cial documents and interviews with key actors in 24 states. Distinct patterns of influence in the states were observed, with regionalization being marked by important gains in institutionality and gover- nance in the period. Nevertheless, inherent diffi- culties of the contexts prejudice greater advances. There is a pressing need to broaden the territorial focus in government planning and to integrate sectorial policies for medium and long-term re- gional development in order to empower region- alization and to overcome obstacles to the access to healthcare services in Brazil. Key w y w y w y w y words ds ds ds ds Regionalization, Health policy, Unified Health System, Healthcare planning, Access to healthcare services Luciana Dias de Lima 1 Ana Luiza d‘Ávila Viana 2 Cristiani Vieira Machado 1 Mariana Vercesi de Albuquerque 2 Roberta Gondim de Oliveira 1 Fabíola Lana Iozzi 2 João Henrique Gurtler Scatena 3 Guilherme Arantes Mello 4 Adelyne Maria Mendes Pereira 1 Ana Paula Santana Coelho 1

Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros

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Page 1: Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros

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1 Departamento deAdministração ePlanejamento em Saúde,Escola Nacional de SaúdePública Sergio Arouca,Fundação Oswaldo Cruz. R.Leopoldo Bulhões 1480/Prédio da ENSP/715,Manguinhos. 21041-210Rio de Janeiro [email protected] Departamento de MedicinaPreventiva, Faculdade deMedicina, Universidade deSão Paulo.3 Departamento de SaúdeColetiva, Instituto de SaúdeColetiva, UniversidadeFederal do Mato Grosso.4 Departamento de MedicinaPreventiva, UniversidadeFederal de São Paulo.

Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros:condicionantes históricos e político-institucionais

Regionalization and access to healthcare in Brazilian states:historical and political-institutional conditioning factors

Resumo O artigo aborda o processo de regionali-zação da saúde nos estados brasileiros no períodode 2007 a 2010, com o objetivo de identificar ascondições que favorecem ou dificultam esse pro-cesso. Utilizou-se o referencial de análise de políti-cas públicas e, particularmente, do instituciona-lismo histórico. Três dimensões sintetizam os con-dicionantes da regionalização: contexto (históri-co-estrutural, político-institucional e conjuntu-ral), direcionalidade (ideologia, objeto, atores, es-tratégias e instrumentos) e características da regi-onalização (institucionalidade e governança). Apesquisa empírica privilegiou a análise de docu-mentos oficiais e entrevistas com atores-chave em24 estados. Observaram-se combinações de fatorese padrões de influência distintos nos estados, sendoa regionalização marcada por importantes ganhosde institucionalidade e governança no período. En-tretanto, dificuldades inerentes aos contextos com-prometem maiores avanços. Há necessidade deampliar o enfoque territorial no planejamento go-vernamental e integrar políticas setoriais ao de-senvolvimento regional de médio e longo prazo parafortalecer a regionalização e superar entraves aoacesso aos serviços de saúde no Brasil.Palavras-chave Regionalização, Política de saú-de, Sistema Único de Saúde, Planejamento em saú-de, Acesso a serviços de saúde

Abstract This article examines the healthcareregionalization process in the Brazilian states inthe period from 2007 to 2010, seeking to identifythe conditions that favor or impede this process.Referential analysis of public policies and espe-cially of historical institutionalism was used.Three dimensions sum up the conditioning fac-tors of regionalization: context (historical-struc-tural, political-institutional and conjunctural),directionality (ideology, object, actors, strategiesand instruments) and regionalization features(institutionality and governance). The empiri-cal research relied mainly on the analysis of offi-cial documents and interviews with key actors in24 states. Distinct patterns of influence in the stateswere observed, with regionalization being markedby important gains in institutionality and gover-nance in the period. Nevertheless, inherent diffi-culties of the contexts prejudice greater advances.There is a pressing need to broaden the territorialfocus in government planning and to integratesectorial policies for medium and long-term re-gional development in order to empower region-alization and to overcome obstacles to the accessto healthcare services in Brazil.KKKKKeeeeey wy wy wy wy wooooorrrrrds ds ds ds ds Regionalization, Health policy,Unified Health System, Healthcare planning,Access to healthcare services

Luciana Dias de Lima 1

Ana Luiza d‘Ávila Viana 2

Cristiani Vieira Machado 1

Mariana Vercesi de Albuquerque 2

Roberta Gondim de Oliveira 1

Fabíola Lana Iozzi 2

João Henrique Gurtler Scatena 3

Guilherme Arantes Mello 4

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Ana Paula Santana Coelho 1

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Introdução

A descentralização é um fenômeno marcante dasreformas dos Estados Nacionais desde o finaldos anos 19701. Essa agenda de reformas foi cons-truída em um contexto de crise econômica mun-dial e redemocratização, e se expressa de maneiradiversa nos sistemas de saúde, como forma paramelhorar a eficiência, a efetividade e os instru-mentos de accountability.

A experiência internacional sugere que, empaíses como Inglaterra, Alemanha, Itália, Espa-nha e Canadá, a descentralização articulou-se aprocessos de regionalização que possibilitaram aorganização de redes de serviços, associadas àcriação e fortalecimento de autoridades sanitári-as regionais2. De modo geral, foram conferidasatribuições limitadas aos governos locais, en-quanto os níveis regionais, vinculados aos entesestaduais ou provinciais nas federações, expan-diram suas funções de planejamento e gestãosobre as políticas de saúde.

Já na América Latina, a descentralização e aregionalização foram conduzidas com graus va-riados de articulação, sempre com maior desta-que para a descentralização, o que contribuiu paraa fragmentação dos sistemas de saúde, com com-prometimento do acesso e da continuidade daatenção3.

O descompasso entre esses processos tambémse verifica no Brasil. A descentralização do SistemaÚnico de Saúde (SUS) nos anos 1990 refletiu proje-tos econômicos e sociais de ideologias e finalidadesdistintas4, acoplando-se ao desenho federativo pro-posto na Constituição Federal de 19885. As rela-ções verticais foram priorizadas, tendo como focoa transferência de poder decisório, responsabilida-des gestoras e recursos financeiros da União paraos estados e, principalmente, os municípios. Mes-mo considerando os movimentos de centralizaçãolegislativa e fiscal da função Estatal6-8, o período étestemunha da implantação de um modelo em quemilhares de governos municipais adquiriram umaatuação abrangente no campo da saúde.

Porém, a fragilidade do planejamento regio-nal das estratégias de descentralização do SUScomprometeu sua adequação às múltiplas reali-dades brasileiras. Com isso, não houve uma di-versificação de políticas e investimentos que me-lhor relacionassem as necessidades de saúde àsdinâmicas territoriais específicas visando à redu-ção da iniquidade no acesso, na utilização e nogasto público em saúde9.

Por sua vez, a regionalização ganha relevo nocenário nacional somente na virada dos anos 2000,

quando da edição da Norma Operacional de As-sistência à Saúde em 2001 (NOAS, reformuladaem nova versão em 2002)10,11, e, mais recentemente,após a publicação do Pacto pela Saúde, em200612,13. Esse processo teve início tardio na maioriados estados se conformando após sucessivos ci-clos de descentralização14, induzidos e coordena-dos pela esfera federal15,16, sem uma revisão ade-quada do papel dos governos estaduais17.

Como consequência, os resultados da descen-tralização da saúde no Brasil são contraditórios ealtamente dependentes das condições prévias lo-cais. As características dos sistemas descentraliza-dos de saúde refletem diferentes capacidades fi-nanceiras e organizacionais para a prestação daatenção à saúde e distintas disposições políticas degovernadores e prefeitos18. Verificam-se problemasrelativos à desintegração territorial de instituições,serviços e práticas, e dificuldades para a confor-mação de arranjos cooperativos entre os governosque garantam o acesso integral à saúde19.

O atraso na implantação de estratégias deregionalização no âmbito do SUS requer explica-ção. Contribuir para essa discussão é o principalpropósito deste artigo, que tem como objeto osprocessos de regionalização da saúde em cursonos estados brasileiros no período de 2007 a 2010.Esse período corresponde ao momento de im-plantação do Pacto pela Saúde, cujas diretrizesvisavam, entre outros, fortalecer a regionaliza-ção por meio da negociação e a pactuação inter-governamental20, com valorização das esferasestaduais e municipais, e a criação de novas ins-tâncias de cogestão regional (os Colegiados deGestão Regional)21.

Nesse estudo, compreende-se a regionaliza-ção como um processo técnico-político condici-onado pela capacidade de oferta e financiamentoda atenção à saúde, mas também pela distribui-ção de poder e pelas relações estabelecidas entregovernos, organizações públicas e privadas e ci-dadãos, em diferentes espaços geográficos22.

Além disso, a regionalização envolve: o de-senvolvimento de estratégias e instrumentos deplanejamento, a coordenação, a regulação e o fi-nanciamento de uma rede de ações e de serviçosde saúde no território23-25; a incorporação de ele-mentos de diferenciação e diversidade socioes-pacial na formulação e implementação de políti-cas de saúde14; a integração de diversos camposda atenção à saúde e a articulação de políticaseconômicas e sociais voltadas para o desenvolvi-mento e a redução das desigualdades regionais26.

Cabe destacar os significados associados àsregiões para a organização político-territorial do

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SUS. As regiões, lócus principal dos processos deregionalização, constituem-se como base terri-torial para o planejamento de redes de atençãoque possuem distintas densidades tecnológicas ecapacidades de oferta de ações e serviços de saú-de. São também espaços privilegiados de articu-lação intergovernamental para a condução dosistema de saúde.

A própria noção de rede regionalizada de aten-ção à saúde pressupõe a região como atributofundamental para sua organização e funciona-mento. Esta se constitui por um conjunto deunidades (ou pontos de atenção), de diferentesfunções, complexidades e perfis de atendimento,que operam de forma ordenada e articulada noterritório, de modo a atender as necessidades edemandas da população25.

Por seus significados e pelas relações existen-tes entre regiões e redes de atenção, considera-seque o avanço do processo de regionalização ten-de a interferir positivamente no acesso à saúde,pois permite: observar os determinantes sociaisde saúde no modo como estes se expressam noterritório; projetar necessidades de organizaçãodos serviços de forma ampla incorporando dife-rentes campos da atenção e visão de futuro; aten-der uma população que não necessariamente serestringe aos territórios municipais; estabelecerportas de entrada e hierarquia tecnológica combase em parâmetros de necessidade e utilizaçãodos recursos disponíveis; utilizar melhor os re-cursos humanos e tecnológicos presentes na re-gião de forma a desbloquear fluxos e garantirresolutividade na atenção; disponibilizar recur-sos sociais e políticos que incentivem o compar-tilhamento de responsabilidades entre os gover-nos nos sistemas de saúde.

Faz-se necessário identificar as condições quefavorecem ou dificultam esse processo para acompreensão de possíveis entraves à ampliaçãodo acesso à saúde no Brasil.

A importância readquirida pelos governosestaduais a partir dos anos 200017, associada àdiversidade territorial do país e à retomada dopapel do Estado no desenvolvimento22, sugeremalgumas questões para a investigação da regio-nalização: que fatores condicionantes desses pro-cessos explicam a diversidade de situações en-contradas? Considerando a variedade de contex-tos, é possível a identificação de estágios simila-res da regionalização da saúde nos estados? Exis-tem processos e mecanismos distintos que expli-cam estágios avançados de regionalização? Querazões limitam ou potencializam a regionaliza-ção da saúde nos estados?

Essas questões orientaram a pesquisa apre-sentada neste artigo, cujo principal objetivo foianalisar os condicionantes da regionalização dasaúde tendo em vista a identificação das influên-cias e dos padrões preponderantes nos estadosbrasileiros.

Metodologia

O trabalho ancorou-se no referencial de análisede políticas públicas27 e, particularmente, naabordagem do institucionalismo histórico28-30,tendo como pressuposto a influência das insti-tuições nas estratégias e percepção dos atores,nos rumos, trajetórias e conteúdo das políticas.

Buscou-se identificar aspectos históricos,políticos, sociais e econômicos relacionados aoscontextos dos diferentes estados brasileiros. Des-tacaram-se, ainda, as regras formais e informaisque regem a atuação dos governos e que influen-ciam as escolhas políticas e os atores mobiliza-dos na regionalização.

Três dimensões desdobradas em categoriassintetizam o referencial analítico dos condicionan-tes da regionalização nos estados (Quadro 1):contexto (histórico-estrutural, político-instituci-onal e conjuntural), direcionalidade (ideologia,objeto, atores, estratégias e instrumentos), carac-terísticas da regionalização (institucionalidade,governança). Foram também verificados os im-pactos institucionais resultantes desse processo.

Essa abordagem assume que a regionaliza-ção é influenciada pelas características específicasda sua implementação na esfera estadual e, ain-da, pelos rumos ou direção que se deseja impri-mir ao processo. Os fatores que condicionam aregionalização nos estados também permitemexplicar seus resultados, bem como seu avança-do ou incipiente estágio de consecução.

A regionalização pode ser favorecida ou difi-cultada por um contexto histórico-estrutural(história da conformação do estado e de suasregiões, dinâmicas socioeconômicas e caracterís-ticas geopolíticas dos estados), político-institu-cional (trajetória da política de saúde e da regio-nalização, modo de funcionamento das institui-ções e papel desempenhado pelas organizaçõesenvolvidas) e conjuntural (prioridade da regio-nalização na agenda dos governos, situação polí-tico-econômica do estado e perfil dos dirigentesda saúde) que varia entre os estados.

A direcionalidade expressa uma dada ideolo-gia e a capacidade dos governos formularem umaorientação para o processo31, definindo os ato-

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Quadro 1. Referencial analítico da pesquisa.

Dimensões

Contexto

Direcionalidade

Categorias

Histórico-estrutural

Político-institucional

Conjuntural

Ideologia

Objeto

Atores

Estratégias

Instrumentos

Elementos principais

- Histórico de conformação do estado e de suas regiões- Dinâmica socioeconômica e características geopolíticasdo estado

- Trajetória da política de saúde e da regionalização no estado- Modo de funcionamento das instituições políticas e regras dasaúde- Peso do privado na rede de serviços- Papel desempenhado pelas organizações no sistema de saúde(secretaria estadual e municipais, COSEMS, CIB)

- Prioridade da regionalização na agenda dos governos e daSecretaria de Estado de Saúde- Situação político-econômica do estado- Perfil dos dirigentes da saúde

- Gerencial: foco nas mudanças organizacionais do Estado paraatuação na saúde- Econômico-mercantil: mercantilização da provisão dos serviçose estímulo à corresponsabilização privada no financiamento dasações e serviços- Democrática-participativa: ampliação da participação dos atoresenvolvidos- Equidade: melhoria das condições de saúde, ampliação do acessoe integralidade- Determinantes sociais: articulação de políticas voltadas para apromoção da saúde- Desenvolvimentismo: articulação de políticas sociais eeconômicas voltadas para o desenvolvimento e bem-estar

- Definição de região: delimitação territorial para organização dosistema de saúde- Organização de redes e fluxos: definição de polos, integração earticulação de ações e serviços, sistema de referência econtrarreferência e dos fluxos de encaminhamento- Ampliação da capacidade instalada: investimentos/credenciamento de serviços

- Institucionais: das três esferas de governo e instâncias colegiadasdo SUS (CIB, Conselho Estadual de Saúde, COSEMS, Conselhode Gestão Regional)- Prestadores privados- Associações e organizações da sociedade civil

- - - - - Criação ou fortalecimento de instâncias de pactuação ecoordenação regional- Criação e revisão de instrumentos- Reformas administrativas das Secretarias de Saúde- Ampliação de recursos financeiros- Ampliação de atores (públicos e privados, governamentais ounão governamentais)

- Legislação, normas, incentivos, investimentos, planos,mudanças de estruturas administrativas, contratualização,processos participativos, capacitação, regulação da assistência,consórcios

Influência e padrõespredominantes

- Favorável- Desfavorável- Indefinido

- Favorável- Desfavorável- Indefinido

- Favorável - Desfavorável- Indefinido

- Não se aplica

- Não se aplica

- Não se aplica

- Não se aplica

- Não se aplica

continua

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res a serem mobilizados, o objeto da regionaliza-ção e, finalmente, as estratégias e os instrumen-tos para auxiliar sua implementação.

Uma determinada institucionalidade da regi-onalização no plano estadual é conformada pelaexistência de recursos, incentivos, normas e cons-truções cognitivas que integram o processo re-gulatório dessa política32. A noção de institucio-nalidade também está relacionada à trajetória daregionalização e aos elementos (conteúdo) leva-dos em consideração no desenho das regiões desaúde no estado.

A governança da regionalização é determina-da pela estabilidade do quadro institucional, pelaabrangência dos atores, pelo tipo de relações es-tabelecidas entre governos e entre as organiza-ções responsáveis pela condução do processo33,sendo possível (ou não) estabelecer uma direçãovoltada para a consecução de objetivos e metasacordadas entre eles.

A pesquisa empírica, de natureza eminente-mente qualitativa, privilegiou o período de 2007a 2010. Esse período agrega a gestão estadual ini-ciada em 2007, incorporando o contexto de duasgestões municipais (2007 a 2008 e aquelas inicia-das em 2009) e de implantação do Pacto pelaSaúde (vigente no período de 2007 a 2010).

Analisaram-se documentos, entre outros, atase resoluções das Comissões Intergestores Bipar-tites estaduais, relatórios, planos estaduais (Pla-

no Plurianual, Plano Estadual de Saúde, PlanoDiretor de Regionalização, Plano Diretor de In-vestimentos, Programação Pactuada e Integra-da), Leis e normativas propostas Secretarias deEstado de Saúde, atas dos Colegiados de GestãoRegional em funcionamento nos estados.

Também foram realizadas visitas por dupla depesquisadores em 24 estados. Somente dois esta-dos (Tocantins e Maranhão) não foram investiga-dos, pois as equipes de gestão das Secretarias deEstado de Saúde tinham sido destituídas e nãopuderam ser contatadas no momento do trabalhode campo. No total, efetuaram-se 91 entrevistassemiestruturadas com 103 dirigentes e técnicos dasSecretarias de Estado de Saúde e Conselhos de Se-cretários Municipais de Saúde em âmbito estadual(COSEMS): Secretários de Estado de Saúde, Presi-dentes dos COSEMS, responsáveis pela regionali-zação nos estados, Secretários Executivos das Co-missões Intergestores Bipartites (CIB).

O cotejamento dessas diferentes fontes (do-cumentos e entrevistas) à luz do referencial teóri-co, numa perspectiva crítico-reflexiva34, permi-tiu a identificação da influência e dos padrõespreponderantes nas diversas dimensões analisa-das (Quadro 1) e dos impactos gerados pela re-gionalização, em cada um dos estados estuda-dos e seus agregados macrorregionais.

No que se refere à institucionalidade da regio-nalização, três estágios foram identificados: inci-

Quadro 1. continuação

Dimensões

Característicasda

regionalização

Categorias

Institucionalidadeda regionalização

Governança daregionalização

Elementos principais

- Histórico da regionalização e conteúdo das regiões(territorialidade)- Definição/implantação de estratégias de planejamento eregulação voltadas para coordenação de ações, serviços eintervenções sanitárias em âmbito regional- Definição/implantação de mecanismos de financiamento/investimentos voltados para a regionalização- Papel da Secretaria de Estado de Saúde na condução daregionalização: estruturas de coordenação definidas,existência de estratégias políticas

- Diversidade de atores e instâncias com peso naregionalização- Existência de mecanismos de coordenação das açõesconduzidas pelos atores com peso na regionalização- Natureza das relações intergovernamentais e entre governose organizações- Importância da CIB na regionalização

Influência e padrõespredominantes

- Avançada- Intermediária- Incipiente

- Coordenada/cooperativa- Cooperativa- Coordenada/conflitiva- Conflitiva- Indefinida

Fonte: Elaboração dos autores.

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piente, parcial e avançada. Já na categoria gover-nança, um padrão coordenado/cooperativo seestabeleceu a partir de uma direção, com defini-ção de metas e objetivos acordados e relações decooperação entre os governos e as organizaçõesresponsáveis pela condução da regionalização.No mesmo sentido, a governança cooperativafoi estabelecida nos casos sem coordenação ex-plícita entre as organizações, embora houvessecooperação intergovernamental. Na governançacoordenada/conflitiva, mesmo existindo um co-mando claro para o processo, muitos conflitospuderam ser observados sendo fracos os meca-nismos de concertação. Por fim, o tipo conflitivopressupôs um universo técnico-político confli-tuoso e com baixa coordenação entre os atores.

Os impactos institucionais gerados pela regi-onalização foram apreendidos pelas mudançasnas formas de funcionamento dos sistemas esta-duais, na coordenação intergovernamental ouainda nas estruturas e no papel da esfera estadu-al. Esses impactos foram classificados como ra-dicais, incrementais, embrionários ou ausentes,levando-se em conta o ponto de partida, a inten-sidade e as velocidades das mudanças.

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Éticada organização acadêmica que coordenou o estu-do. Todos os entrevistados assinaram um Termode Consentimento Livre e Esclarecido, cujo con-teúdo assegurava-lhes o direito de recusa de par-ticipação e de sigilo das informações fornecidas.

Resultados

Na maior parte dos estados brasileiros do Nortee Nordeste, os contextos apresentavam-se desfa-voráveis para o processo de regionalização, sen-do que situação inversa foi observada nas demaismacrorregiões do país (Quadro 2). Por outrolado, em nenhum dos estados investigados a con-juntura política foi avaliada como desfavorável,embora a situação se apresentasse com contor-nos mais indefinidos para a Região Norte.

Em dezenove estados o processo da regiona-lização orientou-se pela busca da equidade (Fi-gura 1), sendo as desigualdades de financiamen-to e acesso aos serviços de saúde os principaisobstáculos para a efetivação da universalizaçãoda saúde sugeridos pelos gestores entrevistadosna pesquisa.

A busca de equidade associou-se à ideologiademocrática-participativa em dezessete estados, eà ideologia gerencial em outros dezesseis, o queexplica, respectivamente, a diversidade de atores e

de interesses envolvidos nos processos decisóriose a ênfase em inovações na gestão do sistema.

Cinco estados orientaram-se pelo desenvol-vimento integrado de políticas econômicas e soci-ais no âmbito estadual. O desenvolvimentismo,orientação que marca a gestão federal desde 2007,influenciou os estados governados pelo PT e peloPMDB – partidos da base aliada do governo. Es-ses estados situavam-se nas regiões Norte (Ama-zonas e Pará) e Nordeste (Bahia, Ceará e Piauí).

Em quase a totalidade dos estados brasilei-ros observou-se que a organização de redes e flu-xos, introduzida desde as primeiras normativasfederais que versam sobre a regionalização doSUS, foi o objeto principal do processo de regio-nalização (Figura 1). Contudo, na maior partedos estados (17 deles), a regionalização tambémteve como foco a ampliação da capacidade insta-lada, o que se explica pelo contexto de aumentoda arrecadação e maior poder de investimentoem saúde dos governos estaduais.

Ressalta-se a diversidade de atores envolvi-dos, com predomínio dos gestores e técnicos esta-duais e municipais, participação de agentes priva-dos (11 estados), universidades (3 estados), con-sórcios (3 estados) e representantes do Poder Le-gislativo (2 estados). Observou-se a importân-cia da indução federal e da atuação do Ministérioda Saúde, sobretudo, nos estados do Norte eNordeste do país. A regionalização não apenasdiversificou os atores, como contribuiu para ofortalecimento das instâncias de negociação in-tergovernamental (Comissões Intergestores Bi-partites) e de representação dos secretários desaúde (Conselhos de Secretários Municipais deSaúde).

Destacaram-se como estratégias de induçãoda regionalização em saúde nos estados: a im-plantação e o fortalecimento de estruturas de co-ordenação federativa em âmbito regional (Cole-giados de Gestão Regional e estruturas regionaisdas Secretarias de Estado de Saúde); a criação e arevisão de instrumentos de planejamento regio-nal e regulação; e a ampliação dos investimentosna capacidade instalada e qualificação dos técni-cos estaduais e municipais.

Foi possível observar a ênfase na programa-ção de ações e recursos financeiros no processode planejamento governamental. Contudo, a fra-gilidade da regulação da assistência à saúde apre-sentou-se como um problema em praticamentetodos os estados.

Treze estados apresentaram institucionalida-de intermediária do processo de regionalização.Já a governança apresentou-se como cooperati-

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va ou coordenada-cooperativa para a maioriados estados (14 estados). Identificou-se, ainda, apredominância de impactos incrementais asso-ciados à regionalização (Quadro 3).

A análise conjunta das categorias institucio-nalidade e governança sugeriu uma tipologia daregionalização em saúde nos estados brasileirostendo como referencia dois tipos polares.

O primeiro evidencia uma maior maturida-de do processo de regionalização (institucionali-dade avançada) associado a um quadro institu-

cional estável de integração entre os atores (go-vernança coordenada/cooperativa). No outroextremo vê-se justamente o oposto, uma grandeindefinição do papel dos atores e dos arranjosque possibilitam a articulação entre eles (gover-nança conflitiva ou indefinida). Nesse caso, asestratégias desenvolvidas pela política de saúdemostraram-se frágeis e não conseguiram mobi-lizar atores estratégicos de forma a incrementaras capacidades técnicas, institucionais e políticasem prol da regionalização (institucionalidade in-

Quadro 2Quadro 2Quadro 2Quadro 2Quadro 2. Contexto da regionalização em saúde nos estados segundo macrorregiões – Brasil, 2007 a 2010.

Dimensões

Estados

AcreAmapáAmazonasParáRondôniaRoraimaTocantins

AlagoasBahiaCearáMaranhãoParaíbaPernambucoPiauíRio Grande do NorteSergipe

Espírito SantoMinas GeraisRio de JaneiroSão Paulo

ParanáRio Grande do SulSanta Catarina

GoiásMato GrossoMato Grosso do Sul

Histórico-

estrutural

DDDDDDNI

DDDNIDDDDF

FFDF

FFF

FFF

Político-

institucional

DDDDDDNI

DDF

NIDDFDF

FFDF

FFD

DFF

Conjuntural

FIIIII

NI

IFF

NIIFFIF

FFIF

FFF

IFF

Fonte: Entrevistas e documentos oficiais. Elaboração dos autores. Nota: F: favorável; D: desfavorável; I: indefinido; NI: Nãoinvestigado.

Região Norte

Região Nordeste

Região Sudeste

Região Sul

Região Centro-Oeste

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cipiente). Entre esses dois extremos coexisteminúmeras combinações intermediárias (Figura 2).

Discussão

A análise da regionalização em saúde nos esta-dos brasileiros no contexto do Pacto pela Saúdeevidencia mudanças importantes no exercício depoder no interior da política de saúde, que setraduz por: introdução de novos atores (gover-namentais e não governamentais), objetos, re-gras e processos, orientados por diferentes con-cepções e ideologias; relevância das Secretarias deEstado de Saúde (SES) na condução da regiona-lização com fortalecimento das suas instânciasde representação regional; criação de novas ins-tâncias de coordenação federativa (Colegiadosde Gestão Regional); revisão das formas de or-ganização e representatividade dos Conselhos de

Representação das Secretarias Municipais de Saú-de e das Comissões Intergestores Bipartites; re-visão dos acordos intergovernamentais estabe-lecidos na descentralização.

Nesse processo, enormes desafios se impõempara a governança e a atuação do Estado orien-tada pela lógica dos interesses coletivos e do SUSno espaço regional.

A análise também sugere a multiplicidade dasexperiências desenvolvidas no país. Isso porque,dado o importante papel adquirido pelas ins-tâncias subnacionais (estados e municípios) nacondução da regionalização, várias são as estra-tégias adotadas para lidar com a diversidade decontextos e lugares existentes. Além disso, diver-sas são as variáveis e a natureza dos fenômenosque condicionam e particularizam as experiênci-as estaduais.

Assim, fatores de natureza histórico-estru-tural, ligados à história de conformação dos es-tados, às dinâmicas socioeconômicas e às carac-terísticas dos sistemas de saúde são determinan-tes para o entendimento dos avanços e dificulda-des enfrentadas. Também aspectos de ordempolítico-institucional, entre os quais se destacamo legado de implantação de políticas prévias (par-ticularmente, de descentralização e regionaliza-ção), o aprendizado institucional acumuladopelas instâncias colegiadas e pelos governos esta-duais e municipais (principalmente no que se re-fere às funções de planejamento e regulação), aexistência de uma cultura de negociação intergo-vernamental, a qualificação técnica e política daburocracia governamental e os modos de opera-ção e condução das políticas de saúde nos esta-dos. Do mesmo modo, fatores conjunturais, par-ticularmente aqueles relacionados à ação políti-ca, como o perfil e a trajetória dos atores políti-cos, a dinâmica das relações intergovernamen-tais e a prioridade da regionalização na agendagovernamental, repercutem no processo decisó-rio e nas escolhas realizadas.

Alguns estados brasileiros, por exemplo, fo-ram conformados ainda no período colonial eapresentam processos muito antigos de regio-nalização na saúde, iniciados na primeira metadedo século passado, incluindo a conformação deestruturas de representação regional das Secre-tarias de Saúde (tais como Minas Gerais, RioGrande do Sul, São Paulo, Bahia e Pernambuco).Outros foram formados mais recentemente, sen-do sua identidade estadual ou regional aindamuito incipiente. Neste caso, ressaltam-se: o Riode Janeiro, que se constituiu em 1975 por meioda fusão entre o estado da Guanabara (antigo

Governança da regionalização coordenada/cooperativa com institucionalidade avançada

Governança da regionalização coordenada/cooperativa com institucionalidade intermediária

Governanda da regionalização cooperativa com institucionalidade intermediária

Governança da regionalização coordenada/conflitiva com institucionalidade intermediária

Governança da regionalização indefinida com institucionalidade intermediária

Governança da regionalização cooperativa com institucionalidade incipiente

Governança da regionalização conflitiva com institucionalidade incipiente

Governança da regionalização indefinida com institucionalidade incipiente

Não investigado

Figura 1. Ideologias e objetos predominantes no processo deregionalização da saúde nos estados – Brasil, 2007 a 2010.

Fonte: Entrevistas e documentos oficiais. Elaboração dos autores

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Distrito Federal) e o estado do Rio de Janeiro; oTocantins; e os antigos territórios brasileirostransformados em estados (Amapá, Roraima eRondônia).

Além disso, também podem atuar como ele-mentos decisivos na regionalização, a experiên-cia acumulada no planejamento governamental,as formas de organização e cultura de negocia-ção intergovernamental adquiridas pelas secre-tarias estaduais e municipais de saúde e instânci-

as colegiadas no estado, a experiência com estra-tégias de formalização de parcerias (por exem-plo, consórcios de saúde e contratos de gestão).Nessa situação, encontram-se os estados do Ce-ará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, MinasGerais, Paraná e São Paulo. Cabe destacar que,em alguns estados, a regionalização foi potencia-lizada pela articulação de políticas governamen-tais que ampliaram o alcance das proposiçõesdo setor saúde.

Quadro 3. Padrões predominantes do processo de regionalização em saúde nos estados segundo macrorregiões- Brasil, 2007 a 2010.

Dimensões

Estados

AcreAmapá

AmazonasPará

RondôniaRoraima

Tocantins

AlagoasBahiaCeará

MaranhãoParaíba

PernambucoPiauí

Rio Grande do NorteSergipe

Espírito SantoMinas GeraisRio de Janeiro

São Paulo

ParanáRio Grande do Sul

Santa Catarina

GoiásMato Grosso

Mato Grosso do Sul

Institucionalidade

IntermediáriaIncipienteIncipiente

IntermediáriaIntermediária

IncipienteNI

IncipienteIntermediária

AvançadaNI

IncipienteIntermediáriaIntermediáriaIntermediária

Avançada

IntermediáriaAvançada

IntermediáriaAvançada

AvançadaIntermediáriaIntermediária

IntermediáriaAvançada

Intermediária

Governança

CooperativaCooperativaIndefinidaIndefinida

Coordenada-conflitivaIndefinida

NI

ConflitivaIndefinida

Coordenada-cooperativaNI

IndefinidaCoordenada-conflitiva

CooperativaCooperativa

Coordenada-cooperativa

Coordenada-cooperativaCoordenada-cooperativa

IndefinidaCoordenada-cooperativa

Coordenada-cooperativaCoordenada-cooperativa

Cooperativa

IndefinidaCoordenada-cooperativaCoordenada-cooperativa

Impactos

institucionais

IncrementaisEmbrionários

AusentesEmbrionáriosEmbrionários

AusentesNI

EmbrionáriosIncrementaisIncrementais

NIEmbrionáriosIncrementais

RadicaisIncrementais

Radicais

IncrementaisIncrementaisEmbrionáriosIncrementais

IncrementaisIncrementaisIncrementais

IncrementaisIncrementaisIncrementais

Fonte: Entrevistas e documentos oficiais. Elaboração dos autores. Nota: NI: Não investigado.

Região Norte

Região Nordeste

Região Sudeste

Região Sul

Região Centro-Oeste

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Algumas dificuldades para atuação regionalnos estados decorrem do fato de que, muitasvezes, a integração dos serviços de saúde obedecea lógicas territoriais da rede urbana que extrapo-lam suas fronteiras (municípios cujos territóriosse relacionam com outros estados). Há tambémforte ingerência do poder político eleitoral (oschamados bolsões eleitorais de determinadospolíticos) em certas regiões, e pesadas herançascentralizadoras em alguns estados da federação(como refletem as experiências dos estados doNordeste). As longas distâncias que separam assedes municipais e a precariedade das redes detransporte e comunicação, sobretudo na regiãoNorte, dificultam a assiduidade dos gestoresmunicipais nos fóruns de pactuação intergover-namentais, incluindo os Colegiados de GestãoRegional.

Outras razões vinculam-se às desigualdadesinter e intrarregionais, marcadas pela alta con-centração de recursos e tecnologias em algumasregiões (principalmente, áreas metropolitanas ousede de capitais em sua maioria situadas no lito-ral), em oposição à escassez de profissionais, tec-nologias e capacidade de investimento somada àdiversidade socioespacial de alguns territórios(caso dos estados da região Norte).

Além disso, a atuação de interlocutores comforte representatividade político-institucional, nanegociação e mediação de conflitos, tem se cons-tituído como fator distintivo entre os estados nosprocessos de regionalização. Essa atuação podeser identificada tanto entre os gestores munici-pais, quando agem de forma organizada e parti-cipativa, quanto no âmbito das secretarias esta-duais de saúde, pela sua capacidade de diálogo ecoordenação dos processos.

A presença de atores públicos com legitimida-de e poder político necessário para a superação deconflitos – comuns em momentos de renovaçãode práticas gestoras – quando associados, noâmbito institucional, à existência de equipes téc-nicas qualificadas, tem sido decisiva para a ado-ção de novas experiências de planejamento e ges-tão em saúde (como sugere a experiência de Ser-gipe).

Em síntese, a regionalização se associa, emcada estado, às dinâmicas territoriais, às caracte-rísticas do desenvolvimento econômico, às polí-ticas de saúde anteriores, ao grau de articulaçãoexistente entre os representantes do Conselho deRepresentação das Secretarias Municipais de Saú-de e da Secretaria Estadual de Saúde, no sentidode gerar consensos sobre a divisão de responsa-bilidades gestoras e os desenhos regionais adota-dos em cada estado.

Os resultados sugerem ganhos de institucio-nalidade em contextos histórico-estruturais epolíticos-institucionais desfavoráveis. Entretan-to, as dificuldades inerentes a esses contextoscomprometem maiores avanços e a sustentabili-dade da política de regionalização em muitas re-giões. Percebe-se, portanto, a necessidade de for-talecimento do enfoque territorial no planejamen-to governamental e da integração de políticas se-toriais a de desenvolvimento regional de médio elongo prazo. Essa é uma condição fundamentalpara ampliar e assegurar o acesso da populaçãoaos serviços de saúde de diversos tipos, confor-me as diretrizes do SUS de universalidade e inte-gralidade.

Gerencial

Gerencial, equidade

Gerencial, democrática

Gerencial, equidade, democrática

Gerencial, equidade, democrática, desenvolvimentista

Gerencial, equidade, democrática, desenvolvimentista, condições/determinantes sociais

Equidade

Equidade, desenvolvimentista

Equidade, democrática

Não investigado

Organização de redes e fluxos

Ampliação da capacidade instalada (oferta)

Definição de regiões de saúde

Figura 2. Tipologia do processo de regionalização da saúde nos estados– Brasil, 2007 a 2010.

Fonte: Entrevistas e documentos oficiais. Elaboração dos autores.

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Colaboradores

LD Lima, ALD Viana, CV Machado e MV de Al-buquerque foram responsáveis pela concepção,coleta e análise das informações e redação do ar-tigo. RG de Oliveira, FL Iozzi, JHG Scatena, GAMello, AMM Pereira e APS Coelho participaramda coleta e análise das informações, confecção dosquadros e figuras e revisão final do artigo.

Agradecimentos

LD Lima, ALD Viana e CV Machado são bolsis-tas de produtividade do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). A pesquisa contou com recursos doMinistério da Saúde, em parceria com a Organi-zação Panamericana de Saúde, do CNPq e daFundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisado Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Agrade-cemos às equipes do Departamento de Apoio aGestão Descentralizada do Ministério da Saúde,da Secretaria Técnica da Comissão IntergestoresTripartite, das Secretarias de Estado de Saúde,dos Conselhos de Secretarias Municipais de Saú-de no âmbito dos es tados e das Comissões In-tergestores Bipartites, pelo apoio recebido no de-senvolvimento dessa pesquisa.

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Artigo apresentado em 30/04/2012Aprovado em 17/07/1012Versão final apresentada em 30/08/2012

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