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REGISTROS E REFLEXÕES DO II SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

REGISTROS E REFLEXÕES DO II SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE … · 2019-02-07 · sumÁrio 06 apresentaÇÃo ii seminÁrio nacional de urbanizaÇÃo de favelas 08 conferÊncia de abertura

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II SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

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apoio:Cities Without Slums

CitiesAlliance

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II SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

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Coordenação editorialAlex MagalhãesAnaclaudia RossbachLuis Carlos Soares Madeira Domingues Pablo Benetti

Suporte técnico Gabriela Mercurio

As opiniões emitidas nesta publicação não correspondem necessariamente à posição institucional da Cities Alliance e dos demais apoiadores, mas sim dos palestrantes que compuseram as mesas do evento.

U72 UrbFavelas:registrosereflexõesdoIISeminárioNacional sobre Urbanização de Favelas. – São Paulo : Publisher Brasil, 2017.

56 p. : il. ; 28 cm.

ISBN978-85-85938-88-8

1. Favelas - Urbanização - Brasil. 2. Assentamentos.3. Política urbana. I. Seminário Nacional sobreUrbanização de Favelas..

CDU711.13(81)

CDD 711.13

Índices para catálogo sistemático:

1.Favelas:Urbanização:Brasil711.13(81)

(Bibliotecáriaresponsável:SabrinaLealAraujo–CRB10/1507)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Copyright © Cities Alliance 2017

Produção editorialPublisher Brasil Editora

EdiçãoAdriana Delorenzo

RedaçãoIvan Longo, Julinho Bittencourt e Matheus Moreira

RevisãoMaurício Ayer

ProjetográficoMarcos Guinoza

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SUMÁRIO

06 APRESENTAÇÃO IISEMINÁRIONACIONALDEURBANIZAÇÃODEFAVELAS

08 CONFERÊNCIA DE ABERTURA - RAQUEL ROLNIK ASFAVELASCOMOESPAÇOSDERESISTÊNCIA

12 MESA 1 URBANIZAÇÃODEFAVELASEASCIDADESQUEQUEREMOS

16 MESA 2 OBRAS,IMPACTOSECONTRADIÇÕES

20 MESA 3 OBRASILSEMENDEREÇOPOSTAL

24 MESA 4 DIMENSÕESEMERGENTESNAURBANIZAÇÃODEFAVELASESEUSDESDOBRAMENTOS

28 MESA 5COMOSERÁOAMANHÃ

32 SÍNTESEDOSPARTICIPANTES36 OSEMINÁRIOEMIMAGENS38 VISITAS DE CAMPO

PORDENTRODOSTERRITÓRIOS

42 CARTAMANIFESTO

44 III URBFAVELAS - 2018RUMOASALVADOR

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A P R E S E N T A Ç Ã O

Alex Ferreira Magalhães, Luis Carlos Soares Madeira Domingues e Pablo Cesar Benetti Pela Comissão Organizadora do II UrbFavelas

IISEMINÁRIONACIONALSOBREURBANIZAÇÃODEFAVELAS

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O IISeminárioNacionalsobreUrbanizaçãodeFavelas (ou II UrbFavelas) teve por objetivodebater as características, alcances e limi-taçõesdas intervenções recentesemurba-nização de assentamentos precários e, emespecial,renovarareflexãoacercadosavan-

çosedesafiosdaurbanizaçãodefavelasedoconjuntodemedidas a ela associadas.

O I UrbFavelas aconteceu de 13 a 15/11/2014,emSãoBernardodoCampo,nocampusdaUFABC.Tevecomoobjetivo específico refletir sobreos resultadosdoPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC), em seucomponente Urbanização de Assentamentos Precários.Especial atenção recaiu sobre os aspectos de recupera-ção ambiental e urbana dos assentamentos e do trata-mentoeeliminaçãodesituaçõesderisco.Buscou-secon-tribuircomaelevaçãodaqualidadedasintervençõesemfavelas e ampliar sua escala, num cenário de ampliaçãodosinvestimentosnaáreahabitacional.

NoIIUrbFavelas,realizadoentre23e26denovem-brode2016,mantém-seapreocupaçãocomopermanen-teaprimoramentodasintervenções,buscando-sepensaranovaconjunturaemquepassamaestarcolocadas,oqueserefletenoconjuntodequestõespropostasafigurar comoeixosdereflexão,quevãodesdeaconcepçãodosplanoseprojetosdeurbanização,atéaspreocupaçõesrelacionadasao momento pós-urbanização, passando pelos aspectosrelacionadosà regularização fundiáriados assentamentos.Num contexto de apresentação iminente de proposta do go-vernofederalmodificadoradomarcolegaldaregularizaçãofundiária, com rebatimentos no processo de urbanização,aumentam os desafios emergentes à gestão das políticasvoltadas aos assentamentos de baixa renda, tais como aque-les relacionadosaochamado “trabalho social”, aquestõescomo paisagem e cultura, juventude, empreendedorismo,segurança pública, assistência técnica e à relação da saú-de com os determinantes sociais nesse contexto. Nessa segunda edição do Seminário, portanto, buscou-se avan-çar na direção de uma concepção “integral” ou “plena” de

urbanização, considerando todo o ciclo de desenvolvimento territorial e social dos assentamentos abrangidos por inter-vençõesdessanatureza.

Deoutrolado,umapelofortedoIIUrbFavelasresidena intenção de reunir pesquisadores, técnicos e dirigentes do setor público e privado, movimentos sociais e outros agentes que trabalhem comos temas de planejamento egestãodepolíticas,programas,projetoseaçõesdeurbani-zaçãoe regularizaçãode favelas, a fimdecolocaremdiá-logo a multiplicidade de agentes e perspectivas envolvidas nessaproblemática.Buscou-segarantiressamultiplicidadenascincomesasdeconferênciasnasquaisoSeminárioseestruturou,alémdadiversidaderegionaleoequilíbriodegê-nero.UmadasconquistasqueforamlogradasnesseIIUrb-Favelasfoiadedarvisibilidadeevozadiversosmovimentos,organizaçõeseliderançasoriundasdiretamentedasfavelas,na condição de autores dos trabalhos apresentados, o que ocorreu em várias das atividades que compuseram a pro-gramaçãodoevento(mesas,sessõestemáticas,sessõeses-peciais,programaçãodevídeos),enacondiçãodeprotago-nistasnaorganizaçãodasvisitasdecampo.Tambémforamrealizadasmostradefilmes,exposiçãodefotografias,rodasdeconversasobrelivros,sessõesespeciaiseatividadescul-turaisdiversas,enriquecendoodebateeaconfraternizaçãoentre os participantes, bem como procurando inovar em relação aos eventos acadêmicos tradicionais, no sentido de trazer para o evento uma multiplicidade de linguagens, de saberesedeolharesarespeitodasfavelasedoscaminhospara o seu desenvolvimento integral.

Emsuma,o IIUrbFavelasreafirmaa importânciademanteraurbanizaçãodefavelasnapautadapolíticaurbanaemtodososníveis,do localao internacional,dandoconti-nuidadeàsendaabertapeloIUrbFavelas,mantendoaqua-lidade dos debates e expressividade de público que o mar-caram,deixandoumlegadodegrandeimportânciaparaaspolíticasdeurbanizaçãodefavelasnopróximobiênio,assimcomoumconjuntodereferênciasquepodemorientarare-alizaçãodoIIIUrbFavelas,quealmejamosvenhaefetivamen-te a ocorrer em 2018.

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C O N F E R Ê N C I A D E A B E R T U R A

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik explica a hegemonia da propriedadeindividualdaterracomoumadascaracterísticasdaorganizaçãosocialepolíticadasociedademoderna,edefendeaexistênciaepermanênciadasfavelascomoresistênciaàsubmissãodatotalidade do território urbano unicamente à lógica de seu uso como extraçãoderenda,afirmandoqueoutraslógicasdeorganizaroterritóriosãopossíveis.RaquelfoiconferencistanaaberturadoIIUrbFavelas.Confiraaseguirosprincipaistrechosdesuafala

ASFAVELASCOMOESPAÇOSDERESISTÊNCIA

FOTO

MARTIN

HUNTER

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Terra: propriedade individualAcrisequevivemoshoje,equetemdimensõeseconômicas,políticas,moraiseculturais,nãoéapenasdonossopaís.Éa crise de um modelo, de um paradigma, que nos levou a podervivenciarsituaçõesdesupressãodedireitosbásicos,comoocorrenosterritóriosdenossasfavelas.

Nos últimos 250 anos, talvez até um pouco mais do que isso, na história da relação entre a humanidade e o territórioocupadoporela,uma formaespecíficadevíncu-lo ganhou total hegemonia sobre todos os demais tipos de vínculosexistentesentrepessoas,oterritórioeoespaçonomundourbanoenomundorural.Essaformaéapropriedadeindividual registrada.

Isso começou como processo de cercamento dasterrascomunaisnaEuropa,asenclosures,quesignificaramnãoapenasaintroduçãodeumanovaformadevínculo,massobretudo a separação entre a terra e o trabalho, ou seja,entreolugarqueéocupadoeaformaderelaçãodetraba-lhocomoespaço.Issoevoluiuatéaconsagraçãojurídicadapropriedadeindividual.Éumaformadeorganizaçãosocialepolíticadasociedade,apartirdautopiadolivremercado,dalivrecirculação.Abasedessaeconomiaacabousendofun-damental para que se estruturasse exatamente a noção de propriedade individual, da liberdade entendida então como liberdade de comprar e vender a terra, assim como a liberda-dedecomprarevenderaforçadetrabalho.Mastrouxecomela, como elemento essencial, a terra como possibilidade de extração de renda nesse processo de circulação e de com-petição entre as mercadorias e os mercados. Essa liberdade de comprar e vender a terra e o trabalho se mimetizou como um elemento único com as chamadas liberdades individu-ais. Nas próprias ideias de direitos humanos, baseadas na li-berdade individual, a propriedade individual também se con-substanciacomanoçãodecidadania.Éumautopiadeumasociedadeepolíticaorganizadasapartirdecidadãosquesãotambémproprietáriosoudeproprietáriosquesãocidadãos.

Empelomenos140anos, apráticaurbanística, nosentido de regulação, de intervenção desse estado liberal sobreo território urbanopara organizá-lo, esteve comple-tamente atada, submetida e enquadrada nessa utopia e baseada nessa lógica da proteção da propriedade individual comomodeloefundamento.

Aspráticasdeplanejamentourbanobaseiam-senanoçãodeespaçopúblico,quesedefineapartirdacontrapo-sição ou da complementaridade em relação ao espaço pri-vado. Esse é um elemento constituinte do urbanismo. Não époracasoque,namaiorpartedasregulaçõesurbanísticasdo planeta, a gênese da existência do espaço urbano é o par-celamentodosolo,quedefineoqueéloteprivadoeoqueé ruapública. Issomarca,paraourbanismo,onascimentodoterritório.Nãoestoufalandodoprocessorealdagênesedo território, porque esse é muito mais amplo e muito mais complexo do que estemodelo que, na verdade, se impõecomoúnicoehegemônicopeloconjuntodeorganizaçãodoterritório do planeta.

Cidade industrialPrincipalmenteapartirdoséculo19,umautopianascenospaísesdoNorte,comoprática,ideiaemodelodeorganiza-ção de sociedade. A constituição da dimensão pública de cidade,cuja ideiaéoEstadocompensaramãodeobra in-dustrialdestituídadequalquerpropriedade,anãoserdeseuprópriocorpo.OEstadopassaaproveressesnãoproprietá-rios de bens e serviços públicos, constituindo o que viemos achamardeproletários.Essautopiaseespalhaeseimpõeparaoutrosterritóriosnamedidaemqueháaocupaçãoco-lonial por esses poderes centrais, mas também a partir da hegemonia cultural estabelecida pelo Estado liberal. Nesse contexto,oEstadotambémtemcomofunçãoaconstituiçãode um espaço, de uma intervenção no território daqueles proletários. Temos o nascimento de espaços disciplinares,da ideia de classes perigosas a serem organizadas, a serem

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ordenadas,eas regulações:deum lado,osequipamentosescolares, institucionais, reformatórios, asilos, prisões; dooutro, a habitação social ordenada, o espaço organizado paraasclassespopulares.Tem-seosespaçosde interven-çãosobreosproletáriosgarantindooespaçoprodutivodaindústria.Essareflexãotratadomodelofordista,umacidadeindustrial.Deumlado,háapaisagemdaproduçãoe,doou-tro lado, a paisagem da reprodução – dos equipamentos so-ciais,dahabitaçãosocial,dosdistritossociais.Sefossepossí-velimaginarumEstadodebem-estarsocialperfeito,nasuaversão capitalista ou comunista, ele estaria organizado por meio desses espaços, de produção e de reprodução.

Na realidade do Brasil, da América Latina, das cidades do Sul, não é bem assim, entretanto, o espaço de vida desses trabalhadoresnuncaentroutotalmentenaesferapúblicadoEstadodebem-estarsocial,comprovisãohabitacionalparatodos,compolíticaspúblicasdesaúde,educaçãoetc.Amo-radiafoihistoricamentesendoautoproduzidapelasprópriaspessoas,comos recursosque tinhamdisponíveis:ouseja,nada. Salários baixíssimos, sem assistência técnica, semacessoasolourbanizadoouinfraestrutura.Opovosevirouocupandooqueestavadisponíveledaformacomoconse-guiuocupar,comseusrecursosfinanceiros,técnicoseseusaber-fazerexercidode forma individual, familiare,muitasvezes,comunitária.

A literatura latino-americana sobre urbanismo foimuitoimportanteparamostrarnosanos1980essaformadeproduçãodascidades,asfavelas,osassentamentosin-formais,osloteamentosirregulares,ascasasautoconstru-ídas,quesãochamadasgenericamentedeassentamentosinformais–ouaglomeradosubnormal.Éprecisoretirares-ses termos de uma vez por todas dos territórios populares donossopaís.Sãoterritórioscujaorigemémuitodistintaeháumadiversidadedasformasdevínculodaspessoascomoterritório.Foramfundamentaisparaquepudesseocorrerumprocessode industrializaçãonaperiferiadocapitalis-mo, com salários deprimidos, semnunca a habitação terentradonocustodereproduçãodaforçadetrabalho,nemnosaláriodireto,nemindiretamente,pormeiodepolíticasdebem-estarsocial.

A terra como ativo financeiroAgora estamos num outro momento de organização do ca-pitalismoenoprocessodedesenvolvimentodessautopia.Éaégidedacolonizaçãodasfinanças,oudoimpério,ahege-moniadocapitalfinanceirosobreocapitalemgeral.Aterra(oespaço,olugar)setornaumtítulocapitalizadoparaocapi-talfinanceiro,nadamaiséqueumtítulocapitalizado,quevaigarantirumfluxoderendanotempo,umaremuneraçãoparaocapitalfinanceiro investido,pormeiodos juros.Umadasfrentesmaisimportantesdeatuaçãodocapitalfinanceiroé

sobreoespaçoconstruído,porqueoespaçonasuamate-rialidade tem essa capacidade de gerar rentabilidade para o capitalfinanceiro,alémdetersetransformadonaprincipalgarantiaparaseobternovosinvestimentos.Seforaobancopedirumempréstimo,aperguntaserá:“temalgumaproprie-dade?”.Setivervocêimediatamenteserá“sujeitodecrédi-to”.Noportfóliodasgrandesempresas,existirativossobaformadeespaçoconstruídoalavancaaprópriaempresaesua capacidade de fazer girar capital independentementede qualquer tipo de uso que esses ativos possam ter. Assim vamos ter uma passagem na própria cidade de locus dessas paisagens de produção e reprodução, do modelo da cidade docapitalismofordista,paraaspaisagensdapolíticaurbanacomo possibilidade para extração de renda.

Ocapitalfinanceironãotemnenhumvínculocomolugarondeeleestá,épordefiniçãodesenraizado,descom-prometido com o lugar. E a condição essencial para que isso possaaconteceréqueesseestejaorganizadosobaformada propriedade individual. Porque é a única que permite queo capital circule amplamente. Todas as outras formasde vínculo se transformam imediatamenteem formas frá-geis,vulneráveiseambíguas.Issoéomaisimportanteparaentendermososprocessosqueenvolvemasremoções.Asfavelassetransformamnumaespéciedereservadeterrasparaaexpansãodessecapitalfinanceiroglobalqueprocurapermanentementenovosespaços.Osgrandesprojetosur-banosbuscametransformamexatamenteessesnovoses-paços. São poucos os lugares onde o capital não submeteu eorganizouoterritório,ondeoterritórioaindaestáorgani-zadosobreoutras formas, sobreoutrosvínculos.Ocapitalfinanceiroglobalatuanaexpansãointernadentrodacidade,transformandoecapturandoespaçosjáexistentesnacida-de, organizados e estruturados sob uma outra lógica. A ci-dadesetransformadelocusdoexércitoindustrialdosanos1970,emreservadeterraparaexpansãodocapitalfinancei-rizado global. Aqui no Rio de Janeiro é só olhar para o Porto Maravilha e se percebe claramente como esse complexo imobiliário-financeirocapturao territórioepassaaorgani-zá-losobasualógica.

A propriedade privada é essencial para esse modelo, para que o espaço possa se descolar de sua base material e circularamplamente,sertransferidoetrocadonumaesferacontratual entre anônimos. Nada de espaços coletivos oucomunitários,queéocaso,porexemplo,dasterrasindíge-nas, onde é preciso negociar com a aldeia inteira para ver se pode ou não vender ou passar aquele lugar adiante. Nada de espaçosqueconstituemas favelas,que sãomarcados,nomínimo,porumaenormeambiguidade,sobreposiçãodeju-ridicidades,complexidadedopontodevistadasrelaçõesdepropriedadeeposseentre indivíduos, gruposetc.Por issoque no mundo inteiro se promoveu programas massivos de

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titulação desses espaços e, ao mesmo tempo, programas de reformafundiáriaquefragilizamtodoequalquertipodevín-culo com a terra que não a propriedade, e promovem a pro-priedade como único modelo, único paradigma. Por outro lado,espaçosqueeramocupados(territóriospopulares)porformasnãonecessariamenteorganizadaspelapropriedadeindividualregistrada,sãoolocuspreferencialderemoções,de reassentamentos, de limpeza e sobre ele avança o com-plexoimobiliário-financeiro.

Assentamentos informais?E o que são os territórios que contradizem essa lógica, que na faltadetermosmelhoressãochamadosde“assentamentosinformais”–comosenão tivessemformas?Evidentemen-tequetêmformaselógicasdeorganizaçãoespacial.Estãopresenteslógicasestruturadoras,inclusiveformais,masnãoapenasdaprópriaformadefuncionamentodosmercados,comotambémdosvínculos jurídicos,dosdireitos, tudoaliestápresente,mascomovãodefinir?Pelaprecariedadeha-bitacional, pela ambiguidade que esses territórios têm em relaçãoàordemurbanísticaemqueestãoinseridos.Aquisetrata de mais da metade dos territórios das cidades do Sul global, que são organizados e ocupados dessa forma. NoNortetambémestãopresentes.Nãoéumfenômenoape-nasdaAméricaLatina,daÁfrica,dospaísesasiáticos.

OsciganosnaEuropavivemexatamenteessasitua-ção.AssimcomoosbeduínosemIsrael.Éexatamenteessetipode tensãoedeconflitoentreuma formadeocupareviveroterritórioapartirdeumaoutramatrizversusessafor-mahegemônicadominante.

Eoquedefineessa forma?Elaédefinidaporumaespécie de zona de indeterminação entre o ilegal e o legal, constituídaporcamadasdelegalidade,poraquiloquevá-riosjámostraram,porumpluralismojurídico,pelaexistên-cia e sobreposiçãode váriasnormas, inclusivedapróprianorma urbanística formal e escrita nos códigos urbanosdas nossas cidades.

AConstituição afirma que os assentamentos infor-maispodemterdireitodepermanecer.OEstatutodaCidadetem dispositivos para regulamentar esse reconhecimento de permanecer, mas pode haver uma colisão direta sobre o mesmo território, com uma legislação ambiental igualmen-te inscrita na ordem jurídica, e isso pode estar colidindo,ainda, comoCódigoCivil. São váriasordensdentrodaor-demestataleissoéfrutodaslutasedasorganizaçõesdospróprios moradores dos assentamentos para continuar a manter aquele lugar como lugar de vida, de sobrevivência, de existência, como lugar para permanecer ali.

Essasituaçãodeambiguidade,denãodefinição,temsidoumatática fundamentaldemanutençãodepoderex-cludentenacidade,umpoderquejamaisabreoacessopara

integraçãodefinitivadaquelesterritóriosnacidade,masaomesmotempocolheláostrunfoseleitoraisacadaeleição.Porqueosprogramasdeurbanizaçãonãovãoatéofim?Oestadodetransitoriedadepermanenteaqueestãosujeitosesses territórios permite que a ordem excludente continue plenamente em vigor, hegemônica, e consiga estabelecercomaspopulaçõesdesseslugaresumarelaçãopolíticaelei-toral,dereproduçãodosmandatos.Éumpactopolíticoqueinclui sem incluir. Não estamos falando apenas de colisãoentreformasdiferentesdeocuparoterritório,masdeumaformaquefuncionacomoummodelo.Comolugardadesor-dem,comolugardaanomia,quenãoidentificaapenasoes-paçocomoilegal,masidentificaossujeitosqueconstituemesses espaços como ilegais.

Não é só o lixo que não se coleta ou o sistema de drenagemsemmanutenção,mesmodepoisdetersidofeitaa urbanização, é muito mais. Esse estado de suspensão da ordem urbana, sobretudo no comportamento policial, trans-formaessessujeitosqueestãonessesespaçosemvida“ma-tável”,nãorespeitável.Éopoderdanegação.Éopoderdetraçarumacartografiaque,deumlado,solidificacomleisóamorfologiadosprodutosimobiliáriosdomercadochamadoformaledohojecomplexoimobiliáriofinanceiro,edooutrolado,discriminacomumapoderosamáquinaétnico-culturaltodasasoutras formasdeser,demorar,deexistir.Depois,evidentemente,nomomentonecessário,nãoem todo lu-gar,nãosempre,asfavelassãonecessáriasparaaexpansãodocomplexoimobiliárioefinanceiro,justificandoaremoçãoforçada,adestruiçãodesselugar,abrindoespaçoparaasuaretomada, para que ali se estabeleça a ordem baseada na ló-gica da extração de renda.

Daíaimportânciadaexistênciaedapermanênciadasfavelascomoresistênciaàsubmissãodatotalidadedoterri-tório urbano unicamente à lógica do uso do território como extração de renda. E ao existir, simplesmente permanecer no lugar, lutar pelo seu reconhecimento, pela sua inserção, significaafirmarqueoutraslógicaspossíveisdeorganizaroterritório podem acontecer. E que essas outras lógicas estão baseadasfundamentalmentenadefesadavida,dasobrevi-vência e do existir na cidade.

R A Q U E L R O L N I K

Raquel Rolnik é arquiteta, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. É hoje uma das mais importantes autoridades mundiais em matéria urbana. Foi relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada por dois mandatos (2008-2011e 2011-2014). Foi diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo (1989-1992), coordenadora de Urbanismo do Instituto Pólis (1997-2002) e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-2007), entre outras atividades profissionais e didáticas relacionadas à política urbana e habitacional. É autora dos livros A Cidade e a Lei, O que é Cidade e Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças.

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M E S A 1

Odesenhodosprogramas,projetoseaçõesdeurbanizaçãoesuasváriasdimensões

PrimeiramesadoseminárioUrbFavelasdebateuaspolíticas,programaseprojetos,umtripéqueprecisaandarjuntoparagarantirquemudançasreaisaconteçamnessesterritórios.Paraospalestrantes,éfundamentalquehajatransparência,participaçãopopularequalidadedosprojetos,entreoutrosfatores.Infelizmente,oquadroparaofuturonãoévistocom otimismo

l P A L E S T R A N T E S

AndréSilva,ÂngelaMariaGordilhoSouza,AntônioAugustoVeríssimo,HéctorViglieccaePabloBenetti

URBANIZAÇÃODEFAVELASEASCIDADESQUEQUEREMOS

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A primeira mesa do Seminário UrbFavelasabordou as políticas, programas e projetosdeurbanizaçãodefavelas.DeacordocomoprofessordaFaculdadedeArquiteturaeUr-banismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ),PabloBenetti,essasquestões

podemserdivididasemduasdimensões:deumlado,aspo-líticaseprogramas;deoutro,osprojetos.“Éevidentequeserámuitodifícilterprojetosdeurbanizaçãosempolíticase programas permanentes e consistentes, com recursos alocados–semfavorespolíticos–atendendoaodireitoàcidadeconsagradonaConstituiçãode1988enoEstatutodasCidades”,afirmou.“Aexistênciadosprogramaséfun-damental, mas não garante per se aqualidadedosprojetos.Semprogramasnãoháprojetos,mastambémprojetosmi-diáticos,feitossemconsultaàpopulação,podemdesvalo-rizar ou acabar mudando o sentido dos programas que lhes deram origem”, acrescentou.

Segundooprofessor,umdosaspectosfundamentaisparaaqualidadedosprogramaséqueestejamvinculadosaoPlano Diretor Municipal. Além disso, precisam articular urba-nizaçãode favelascomaofertademoradiasnovasecomassistência técnica e, principalmente, com fundos perma-nenteseacessíveisàpopulaçãoorganizada.

Oprofessorlembrouqueprojetosdebaixaqualida-de não apenas comprometem os programas, como desvir-tuam totalmente a finalidade para o qual foramconcebi-dos.Paraele,“nãobastaterprogramaseprojetos.Temqueter qualidade”.

“Muitos destes programas pecam pela falta decontinuidade, pelo fraco envolvimento das secretariasmunicipais e estaduais, pela não relação com o Plano Di-retoreosinstrumentosdoEstatutodaCidade,pelafaltadepolíticaintegradaedearticulaçãoentreestesprogra-maseoutroscomplementaresàurbanizaçãodefavelas,bemcomopeladificuldadedeacessoaestesrecursospor

setorespopulares (associações, cooperativas,movimen-tosorganizados)”,ressaltou.

Outrofatorquedeveserlevadoemcontaparaavaliaraqualidadedosprojetoséoprotagonismodosmovimentosorganizadosedapopulaçãolocalnasuaformulação,acom-panhamentoedecisãoparaalémdameraeburocráticacon-sultanasfasesdediagnóstico.“Acontrataçãodosprojetosexecutivos pelas empreiteiras com o beneplácito dos go-vernos,muitasvezesdeixadeladoosprojetosincialmenteconcebidos por equipes técnicas e pela população, e passa a priorizarasobrasdemaiorfaturamentosemrelaçãocomasreais necessidades locais.”

Para os próximos anos o quadro “é o pior possível”Comvasta experiência na área, o ex-integrante do Institu-toPereira Passos e servidor aposentado, AntônioAugustoVeríssimo, lembrouqueos “assentamentos informais” sãoa moradia de grande parte da população de baixa renda e representam a sua única inserção no meio urbano. De acor-docomele,noprimeirocensodefavelasrealizadonoBrasil,em1948,maisde6%dapopulaçãodacidadedoRiodeJa-neiroviviaemfavelasehojechegaa22%.“OcrescimentodapopulaçãodasfavelasdoRiosemprefoimaiordoqueocrescimento da população em geral, o que demonstra que a tendênciaàfavelizaçãoémuitogrande”,lembrou.

VeríssimoressaltouquenoRio,atéofinaldosanos1970,aspolíticaspúblicasparaessesassentamentosforammuitodiferenciadas.Variaramdatotalinérciafrenteaotemahabitacionalatéarealizaçãodeviolentasaçõesderemoção,passando por experiências isoladas de assentamentos con-sentidos ou de urbanização.

“No início dos anos 1980, experiências institucionaispioneiras e bem-sucedidas foram realizadas em prefeiturascomoBeloHorizonte,comoProFavela;emRecife,comoPlanodeRegularizaçãodasZonasEspeciaisdeInteresseSocial(Pre-zeis)e,noRiodeJaneiro,comoProjetoMutirão”,destacou.

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Ele ainda apontou que o Rio de Janeiro é, provavel-mente,omunicípiobrasileirocomomaiornúmerodepro-gramasdeurbanizaçãodefavelas.“Issosedáporqueessesassentamentos ocupam uma posição privilegiada na paisa-gem.Eafavelanãoaparecesóaí,mastambémnaidentida-decultural,namúsica,nadança,nafesta,nocarnaval.”

Ao lembrar os vários programas de urbanizaçãosurgidosapartirdadécadade1990,destacouoprogramaFavelaBairro,queprofissionalizouocertoamadorismoevo-luntarismoquehavianoMutirão.“Oprojetofoiresponsávelpelaurbanizaçãode143favelaseatendeualgoentre500e700 mil pessoas. Este programa se estendeu até 2007, com recursosdoProgramadeAceleraçãodoCrescimento(PAC)dasfavelas.Em2010,foilançadopelaprefeituraoprogramaMorarCarioca,masfoimuitoaquémdoplanejadoepareceter sido abandonado”, comentou.

AntônioAugustoVeríssimoacreditaquea situaçãoeconômicaatualéresponsávelpelocrescimentodapreca-rização da habitação e o quadro para os próximos anos “é opiorpossível”.“Atualmente,osprogramasdeurbanizaçãosofremcomasituaçãocaóticadogovernodoEstadodoRioe tambémcomoscortesdrásticosdogoverno federaleaimplantaçãodasuapolíticaneoliberal”,finalizou.

Que tipo de cidade queremos construir?HéctorViglieccanasceunoUruguai, vivenoBrasil desde1975eénaturalizadobrasileiro.Éarquitetoeurbanistaetrabalhacomreurbanizaçãodefavelas.Nasuafala,desta-couaimportânciadoprojeto.“Euvoufalardeprojeto.Es-tamosatrásdeobrasdearquiteturaexemplaresedesabe-doria.Nossomodelodetrabalhonegaainterferêncialiteraldeumprogramaeafirmaainterpretaçãodomesmo.Estaéanossaprática.”

Para ele, uma cidadania não se constrói apenas pela interpretação das leis, das normativas ou por um status de propriedade. “A cidadania se constrói por um projeto queatende ao enraizamento ontológico e não a literalidade de uma lei ou uma normativa.”

SegundoVigliecca,poucoadiantaosarquitetoseurba-nistassedebruçarememdiagnósticossenãohouverdeformasubjacenteumahipótesedecidade.“Odiagnósticotemquevirdepois que nós decidirmos que tipo de cidade se quer construir. Ourbanistaéquemdásentidoaumaaçãodeprojeto.”

OprofessorlembrouqueafaveladeParaisópolis,emSãoPaulo,foiocupadasobreumaestruturaviáriaquetinhasidoconstruídaanteriormenteparaserumloteamento.

Retomando a teoria da visibilidade ressaltada por AntônioAugustoVeríssimonafalaanterior,Viglieccacha-mou a atenção para as casas que estão sobre as ruas de Paraisópolis. “Elassãoreconhecíveis,nãoparecemserdeumafavela.Elastêmcalçadas,garagens,têmcomércio,vá-rios andares, acabamento. As pessoas colocam a ‘roupa de

domingo’nascasas,poisestãoemumaestruturavisível.Eissoéresultadodaautotransformação,queaconteceine-vitavelmente”,finalizou.

Oprojetourbanoemfavelassuperpõeumaestrutu-ra nova sobre a existente criando um terceiro território que ressignificaarelaçãoanteriorcomacidade.Oimportanteéencontrarumaviadetransformarafavelasemdestruí-la.

Opalestranteressaltoutambémqueaautotransfor-maçãosefaráinevitavelmente,aexemplodaspraçasquenãotêmumusodefinidoesãoabertasàocupaçãopelaco-munidade, dando valor aos processos de autoconstrução.

A “financeirização” da moradia popularÂngela Maria Gordilho Souza, arquiteta e urbanista, doutora e professora da Faculdade deArquitetura eUrbanismodaUniversidade Federal da Bahia, apontou que vivemos hoje

um momento de grande incerteza e perplexidade, no Brasil enomundo.Umaredefiniçãodeummodelodecapitalquevaiinfluenciarváriasações.

“Asgrandescorporações,osgrandescapitais inter-nacionaisnãotêmraízes,masqueremosbensderaízes.Oque importa é uma arquitetura e urbanismo de marketing, degrife.Apartirdisto,háumdesmontedaspolíticaspúbli-cas.Ecomoficaaoutrametadedacidade,queprecisatantodoarquiteto,dourbanismo,juntocomoutrasáreascorrela-tas?Énessemomentodecrisequetemosquepensar,so-bretudo, no protagonismo da universidade.”

Apartirdacrisedosanos1980,égestadooqueEr-míniaMaricatochamadeciclovirtuoso.Apartirdaí,omovi-mentodereformaurbanacresceueseesboçou,nãosónaConstituiçãocidadã,comonarenovaçãodaspolíticasurba-nas e participativas, novas estruturas institucionais, como o MinistériodasCidades,ConferênciadasCidades,oConselhodasCidades,PolíticaNacionaldeHabitação.Éummomento

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“Nós temos que acreditar na construçãocoletiva.Osmovimentossociaisestãocadavezmaisfortesenóstemosquesomaressasforças.Osmovimentosdaprimaverade2013forampelodireitoàcidade.Temosque entender como dar retorno a isso.Enãoseránosescritóriosdearquitetura.Arespostaestánasinstituiçõeseducacionais”Ângela Maria Gordilho Souza

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em que os movimentos sociais passam a ser protagonistas daspolíticaspúblicas.

Aprofessoralembraque,entre2008e2010,opro-gramaMinhaCasaMinhaVidatomatodososespaçosere-defineapolíticaurbanacomo fenômenoda“financeiriza-ção”, que ocorre em todo o mundo, com um modelo próprio brasileiro. A produção em grande escala, de construção de baixaqualidade,inserçãourbanaperiférica,produtopronto,sem participação, mas um grande investimento.

“Foram investidosR$278bilhõesemcincoanoseproduzidaumaquantidadehabitacionaligualàdoBNHem22 anos. Essa aceleração produz uma cidade ‘não cidade’. E o que é pior, vai produzir onde os terrenos são mais baratos, nascidadesmédiasepequenas.Ondegrandepartedessaproduçãodequatromilhõesdeunidadesvaiaconteceremcidadesondeodéficitémenordoqueonúmerodoquefoiproduzido”, destacou.

ParaÂngelaSouza,háumaagendaurbananoBrasilemcursoqueéadocapitalhegemônico,ondeoprincipaléa gestão empresarial da cidade, a seletividade e essa ques-tãodasfavelasnasuailegalidadeacabasendoumcampodeexpansãoparaessesinvestimentos.Eháoutraagendaqueprecisaserretomada,queéadofimdasegregação,daex-clusão,demaismobilidade,daretomadadasquestõesam-bientais, do direito à cidade.

“Nóstemosqueacreditarnaconstruçãocoletiva.Osmovimentossociaisestãocadavezmaisfortesenóstemosque somar essas forças. Osmovimentos da primavera de2013forampelodireitoàcidade.Temosqueentendercomodarretornoaisso.Enãoseránosescritóriosdearquitetura.Arespostaestánasinstituiçõeseducacionais”,finalizou.

Fazedores da HistóriaAndré Silva, doMovimento deDefesa do Favelado de SãoPaulo,morador da favela de Vila Prudente, apresentou aoeventoosentimentodosmoradoresdafavela.Faloucomoestemorador refletee reagedentrodesseprocessohistó-ricododireitoàcidadeaosprojetosqueforamimplemen-tados.“Éimportantelembrarqueoespaçodesteseminárioéumespaçoqueagentesempredefende,queéodatrocadesaberes.Ossaberesdaacademiaacumuladoscomossa-beresdalutacotidianadaspessoasedasorganizaçõesqueestão na base, que são alvos dessas metodologias, dessas experiênciasedessaspolíticas.”

Noiníciodasuafala,Silvaleuumanotíciade1955,quediziaqueafaveladaVilaPrudenteseria“extinta”.Aofi-naldaleitura,ressaltouqueafaveladaVilaPrudente“conti-nualá,graçasaDeus”,mesmocomtodasasameaças.“Eufizquestãode ler issoporque,nodecorrerde todosessesanos, o nosso papel é de resistência a esse processo que é ideológico,culturaleeconômico.Épor issoqueagenteéMovimento de Defesa do Favelado, porque se reconhecer

nessa condição não é sintoma de vergonha ou de ilusão so-bre a realidade, mas de clareza da realidade como processo transformadordessarealidadequepodeacontecer.”

André Silva recordou o processo de aprendizado com Paulo Freire que, no início domovimento, trabalhoucom círculos culturais na Vila Prudente. “A primeira ques-tão que a gente sempre trabalha no movimento é aprender a história. Como nos ensinou Paulo Freire, a gente aprende comanossahistória, pois agenteé fazedordahistória.Agenteconstróionossofuturofazendoanossahistóriahoje.”

OMDFnasceunofinaldadécadade1970.ÉtambémumaentidadefundadoradaUniãodosMovimentosdeMora-dia e durante esses anos passou por experiências de interven-çõesoutentativasdeintervençõesdeurbanizaçãonasfave-lasondeatua,quesãocercade35naregiãodaZonaLestedeSão Paulo.

Sobreessasmudançaseprojetos,AndréSilvadesta-coua importânciadosdiferentessaberesedas identidadesnaelaboraçãoeexecuçãodosprojetoseque“osprojetosne-cessitamde longasdiscussõeseadaptações”.Segundoele,“sãomodificadosouinterrompidospormudançasdegestão.Aomesmotempo,asfavelassemodificamcommuitomaisrapidezdoqueacapacidadederealizaçãodessesprojetos.”

Opalestrantedestacouquecadafavelaéummundo,comrealidadesedisputasdiferentessobreapercepçãodafavelaecomodevesedaraintervenção,afirmandoquede-vemoslutarparagarantirqueacidadeconstruídaaoredordafavelanãosejafatordeexpulsãodelamesma.

Sobre as expectativas do movimento diante do qua-droatual,Silvanãopoupoucríticas:“Oquenosparecequeacontece agora em São Paulo, com mais essa mudança de gestão,comaeleiçãodeJoãoDoria,équeodesafioparaasfavelasvaisermaiormaisumavez.Agentevai reviverumperíodoMaluf/Pitta,mais um período de falta de diálogo,dediscussãosobreaconcepção”, lamentou. “Oqueocor-renessesperíodoséqueoprocessochegapronto, semadiscussão e nem a participação dos moradores. E isto não garante a realização nem tampouco a preservação desses projetos”,concluiu.

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Mil e um rumores. É o fim da mais imunda favela de São Paulo

Vai ser extinta a favela de Vila Prudente. Da miséria à delin-quência apenas um passo. Tristemente famosa. A mais pe-rigosa, a mais sórdida, a mais imunda e a mais criminosa das favelas de São Paulo. A antiga propriedade da superinten-dência dos antigos serviços do café, transferida agora para uma grande firma industrial, não poderá mais ser ocupada por aqueles que ali se plantaram. Simplesmente porque nin-guém impediu que o fizessem.

Folha da Manhã, 14 de maio de 1955.

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Desafioscolocadosparaagestãodosassentamentosapósaurbanização

Para palestrantes da mesa, que debateu o desenvolvimento das intervençõesemfavelaseopós-obra,aindahámuitoaserfeitoparaqueessesterritóriosestejamintegradosàcidade.Emboratenhamocorridoavançosnosúltimosanos,paraelesháumaenormedemandaedesafiosaseremenfrentados

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RosanaDenaldi,HeloísaMouraCosta,PauloCésarOliveiraeAlanBrumPinheiro

OBRAS,IMPACTOSECONTRADIÇÕES

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A segundamesa do Seminário UrbFavelas tra-toudasobras e dopós-obradeurbanizaçãode favelas.Para falar sobreo tema,odebatecontou com duas representantes de universi-dadesfederaisqueapresentaramasexperiên-cias da região do ABC, na Grande São Paulo,

edeBeloHorizonte,alémdeliderançasdasociedadecivil.RosanaDenaldi,professoradaUniversidadeFederal

do ABC, abordou as especificidades da região, onde cincocidades são banhadas pela Represa Billings, um importante reservatóriodeágua.

“OABCnãoédiferentedamaior partedas regiõesmetropolitanas.Sãoáreasdealtíssimadensidade,comaltadeclividade e com a presença de risco de gravame ambien-tal.Nocasoemquestão,32%sãoáreasdemanancial,are-presaBillings,ondeseproduzáguaparaametrópole.Cercade70%têmpresençadecórregos,rios,cursod’água.Gran-de parte desses assentamentos recebeu alguma interven-çãopontual.Umaurbanizaçãodojeitoqueerapossível,queacaboumelhorandoascondiçõesurbanas,masconsolidousituaçõesquenãoeramadequadas”,destacouRosana.

Deacordocomela,“trata-sedeumaregiãocomaltopercentualderemoção”.ParaRosana,“nãoseconseguefa-zerumprogramaderequalificaçãosemfazerjuntoumpro-grama grande de produção de moradias”, mas garantindo as moradiasemáreaspróximasaolocaldaintervenção.

Rosanalembrouque,nadécadade1980,“haviaumaquestão emergencial, com esgoto a céu aberto, entre ou-trosproblemas.Ofocoestavanagarantiaàterraenacon-solidação da moradia, na não remoção dos moradores e na execuçãodosaneamento”.Agora,conformeexplicou, issomudou.“Hoje,oprogramadereurbanizaçãodefavelastemdiversoscomponentes:qualificaçãohabitacional,recupera-ção ambiental, mobilidade, produção de moradias, equipa-mento social, entre outros.”

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),

criado em 2007, segundo Rosana, permitiu que o governo federalalocasserecursosvolumososnasobrasdeurbaniza-ção.NocasodoABC,foifeitoumconsórciointermunicipalque permitiu ampliar a escala da realização das obras. “Mas, o que a gente percebe, olhando todas elas, é que elas são incompletas”, lamentou.

“Hámorosidadenaexecuçãoeaqualidadedasobrasaindaémuitobaixa.Nóstemosmenosdoque5%dosassen-tamentosregularizados.Ocontroleurbanonãoexiste.Temproblemas de moradia. As pessoas continuam morando em 10m² e as favelas não estão necessariamente integradasnacidade.Melhorouograudeintegração,masnãodáparadizer que estão integradas. E não se conseguiu promover a recuperação ambiental em todos os casos.”

Entreosdesafiosquepermanecem,segundoRosa-na,estáodedimensionarconcretamenteoqueprecisaserfeitonumavisãodecidadeeregião,inserindoessaaçãonoplanejamento,quearticulaapolíticaurbanaeahabitacio-nal,comoobjetivodeintegrarassentamentosecidade,di-minuindo a vulnerabilidade existente nos reassentamentos, considerando a agenda ambiental e urbana, com foco nasuperaçãodadesigualdadedosmunicípios.Paraela, com-preenderoquesequereoquesignificamaintegraçãoeosoutrosdesafioscitadosédeterminanteparasediscutirobraepós-obra.

BH, pioneira na reurbanização de favelasProfessoradaUniversidadeFederaldeMinasGerais,Heloí-saMouraCosta apresentouaoSeminário aexperiênciadacapital mineira. De acordo com ela, a cidade “é reconhecida comopioneiranareurbanizaçãodefavelas”.“BeloHorizon-tefoiplanejadanaviradadoséculoXIXparaoXXe,naquelaépoca, já tinhamais oumenos amesmaporcentagemdemoradoresinformaisquetemhoje,emtornode20%.Éumaproporção muito grande, entre as maiores do Brasil”, disse.

Heloísaexplicouque,atéoiníciodosanos1980,“a

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políticadefavelasemBeloHorizonteerapolíticaderemo-ção”.Ahistória, segundoela,começouamudarem1986,coma leidoProfavela (ProgramaMunicipaldeRegulariza-çãodeFavelas,criadopelaLeinº3.995/85).Nessaépoca,iniciou-seadelimitaçãodeumalegislaçãoparaaurbaniza-çãoeregularizaçãofundiária.

“Apartirde1993,comoprimeirogovernomunicipalprogressista [mandatodePatrusAnanias], cria-seumapo-líticamunicipaldehabitaçãoque incorporaaproduçãodenovasmoradiaseaurbanizaçãodefavelascomoumpontomuito importante.ÉcriadoumConselhoMunicipaldeHa-bitação,queadministraumfundoeasfontessãodoOrça-mento Participativo da Habitação (OPH). Neste momentotambémécriadooProgramaEstruturaldeÁreasdeRisco,que diminuiu muito, principalmente, o risco geológico de desabamentos,inundaçõesetc.”

A partir de 2003, com a criação do Ministério dasCidades,Heloísa ressaltouqueosprogramashabitacionaispassaramaapoiararegularizaçãofundiária.Apartirde2005,eprincipalmenteapartirde2009,segundoela,comoPAC,houveumarepaginaçãocompletadoProfavela,quefoire-batizadodeVila Viva, focandoem intervençõesmaiores emais estruturais.

Em2009,nofinaldoprojeto,foifeitoummanifestopor22organizaçõessociaisquestionandooVilaVivaecha-mando-ode“VilaMorta”.AsáreasqueforamescolhidasparareceberosrecursosdoPACsãoáreasvalorizadasdacidadeeasobrasviáriasseccionaramaregião,romperamlaçosafeti-vosedesociabilidadepré-existentes.

“NoprojetoVilaVivacrescemuitoaquantidadederemoções,commaioratençãoaosistemaviário,prédiosco-loridos.As remoções são feitasdemaneira traumáticae averticalização, em muitos casos, inviabiliza os negócios e a vida que as pessoas tinham antes.”

Osprojetosforammuitomaisvoltadosparaama-terialidade da urbanização do que para o modo de vida da população.

Impactos das obras e suas contradiçõesRepresentandoaConfederaçãoNacionaldeAssociaçõesdeMoradores(Conam),entidadequeexistedesde1982,PauloCésarOliveiraalertousobreosimpactosdasobrasdeurba-nizaçãodefavelas.AConfederaçãoexistee lutadesdesuafundaçãocontraosimpactosdasgrandesobrasnascidadese pelos espaços de moradia.

Paraele,a formacomoaquestãohabitacionalvemsendotratadanopaíshádécadas,desdeantesdaditaduramilitar,levouà“situaçãocaóticanoBrasildehoje”.Poressarazão, contrapor o conceito patrimonialista de cidade com um conceito de uma cidade integradora é uma das princi-pais lutas dos movimentos sociais urbanos atuais.

Noentanto,Oliveiraacreditaquenosúltimosgovernos

foram feitos investimentos nos processos de regularizaçãofundiária:“Mesmotímidos,masforamfeitos.Masestesinves-timentos não conseguiram reparar essa demanda de muitos anosseminvestimentosnaáreaderegularização”.

Oresultado,segundoele,éque,comoasobras fo-ramsemprevistascomo“produçõesdemercado”enãofru-toda“lutapelareformaurbana”,“nãofoigarantidaafunçãosocial da cidade”.

“Estasdistorçõesgeraramdois impactos.Oprimei-roéofinanceiro,poisastaxasdascidadesficaraminviáveisparaopobre”,explicou. “Ooutro impactoéaquestãodasremoções.UmexemploéaVilaAutódromo,naBarradaTi-

juca,pertodoRecreio”.ElafoidesapropriadaeregularizadapeloBrizola.Quando foinecessário fazeruma intervençãourbana,opovofoicolocadoforadaqueleespaço.“Otipodepessoaquevaimoraraliéoutro.Oqueaconteceéagentri-ficação”,sustentou.

DeacordocomOliveira,porcontadasdesapropria-ções,“opovoacabasendoremanejadoparalocaisondenãoháestruturaurbana”.Elealertouparaanecessidadedelutarpara que o trabalhador possa viver próximo ao seu local de trabalho. “Essa é uma agonia vivida pelos trabalhadores das grandescidades.”Eleacrescentaqueamãodeobraofereci-danosgrandesprojetoshojeestádesempregada.

Outroaspectoobservadopelopalestranteéemrela-ção à participação social, que, em sua opinião, “vem sendo

“Apartirde1993,comoprimeirogoverno municipal progressista [mandatodePatrusAnanias],cria-seumapolíticamunicipaldehabitaçãoque incorpora a produção de novas moradiaseaurbanizaçãodefavelascomo um ponto muito importante. ÉcriadoumConselhoMunicipaldeHabitação,queadministraumfundoeasfontessãodoOrçamentoParticipativodaHabitação(OPH).Neste momento também é criado oProgramaEstruturaldeÁreasde Risco, que diminuiu muito, principalmente, o risco geológico de desabamentos,inundaçõesetc.”HeloísaMouraCosta

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coagida, colocada de lado”. “As administrações dialogamcomomercadoimobiliárioenãocomapopulação.”

Porfim,aquestãoambiental,conformeOliveira,tam-bémvemsendoesquecida.“TodasasintervençõesurbanasqueforamfeitasnoRiodeJaneironosúltimosanosnãotra-taramdessaquestão.Osaneamentobásiconãofoitratadocomo problema central, por exemplo, os esgotos industriais, oscórregos,aBaíadeGuanabara”,apontou.

Genocídio do faveladoCoordenador do Instituto Raízes em Movimento e Juntospelo Complexo do Alemão, Alan Brum Pinheiro denunciou

quehá“umprocessodegenocídiodofavelado”.“AcidadedoRiodeJaneirosemprefoiconstituídaapartireparadeter-minada parcela da população. Desde 1808, com a chegada dafamíliareal,agentetemoslugaresqueeramvalorizadose o que sobrava para o pobre e preto”, apontou.

PinheirofalousobrearealidadedoComplexodoAle-mão, na zona norte do Rio de Janeiro, considerada por anos uma das mais violentas da capital carioca. “Para pensar a ci-dade tem que se pensar a partir deste outro lugar, que é a favela”,disse.

Porém,segundoopalestrante,háumagrandepre-cariedade dos dados a respeito das favelas, em especialquando se analisa o resultado do PAC das Favelas, lança-doem2008.“Osrelatóriossãoabsurdos.Chegaaocúmu-lo de você ir à Caixa Econômica Federal, que é a gestoradosrecursos,eelesdizeremqueosaneamentobásiconoComplexodoAlemãoestáquasetodorealizadocomprova-damentepelosgovernosdoestadoedomunicípio.Oqueacontece é que, ao invés do esgoto passar sobre a terra ele agora corre sobre canaletas a céu aberto, e eles con-sideramisto,paraefeitodeestatística,comosaneamentobásico.Nahoradefazeranálises,dequestionarquaissãoosdesafios,nósvamosusaressesdados.Nós temosque

coibiressetipodeanálise,queeucostumochamardeaná-lise do caos.”

Pinheirocriticaaideiadequalificaraformadofavela-dodelidarcomosnovosconjuntoshabitacionais,comoumadestramento, ensinar como se vive, se convive. Para ele, a principalquestãoque impedeodesenvolvimentodaspolí-ticasurbanasnasfavelaséacorrupção.“Osprojetosdeur-banizaçãodasfavelassãofeitosemtotalsubmissãoàsem-preiteiras contratadas, e a gente sabe quais são os interesses espúrios.Ninguémouveapopulação,apenasfingequeouveefazdeacordocomessesinteresses.Hoje,agentetemumadeterioração total das obras do Complexo do Alemão”.

Pinheiro conclui que precisamos avançar na interse-torialidadedaspolíticaspúblicas,equeapolíticaprecisavirprincipalmentena reformaurbana, no projetourbanístico,para além das obras, para as pessoas. Para ele, devemos ga-rantirqueosfaveladosparticipemdessesprocessos.“Fave-ladonãofalasósobrefavela,faladomundo.”

“Osprojetosdeurbanizaçãodasfavelassãofeitosemtotalsubmissãoàs empreiteiras contratadas, e a gente sabe quais são os interesses espúrios. Ninguém ouve a população, apenas fingequeouveefazdeacordocomessesinteresses.Hoje,agentetemuma deterioração total das obras do Complexo do Alemão” Alan Brum Pinheiro

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Regularizaçãofundiáriadefavelaseoutrosassentamentosdebaixarenda

TerceiramesadoSeminárioUrbFavelasdebateuaregularizaçãofundiáriadefavelaseoutrastipologiasdeassentamentos.Palestrantesapontaramosavançostrazidospelaleifederalde2009,quecriouinstrumentosimportantes,easdificuldadesenfrentadaspormoradores,desdeafaltadesaneamentoatéaameaçadasremoções,além dos riscos recentes de retrocesso desse marco legal

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BetâniadeMoraesAlfonsin,GustavoAzevedo,PatryckAraújodeCarvalho,ValérioSilvaeReginaBienenstein

OBRASILSEMENDEREÇOPOSTAL

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ApolíticaderegularizaçãofundiárianoBrasiléolegado da nossa geração, algo que nós cons-truímos. Foi uma diretriz da política urbanaqueestámuitobemcolocadananossaCons-tituição.”EstaéaavaliaçãodeBetâniadeMo-raesAlfonsin,daONGAcesso.Elafoiumadas

palestrantesnaterceiramesadoSeminárioUrbFavelas.Se-gundoBetânia,“oBrasilépioneironaáreaderegularizaçãofundiárianaAméricaLatina.Esseprocessoenvolveumuitotrabalhojurídico,físico,socialeurbanístico”.

“Osinstrumentospararefletirsobreessetemanopaísforamamadurecidosaolongodotempo.Superamosentravesimportantes. Fizemos o usucapião coletivo, com muita resis-tênciadoPoderJudiciário,efinalmente,em2009,colocamosos instrumentosdademarcaçãourbanística,da legitimaçãodeposse,convertidaemusucapião”,destacouBetânia.

De acordo com ela, o marco legal sobre regularização fundiáriadopaíscostumaserelogiadoporestrangeiros.Noentanto, a questão foi “secundarizada” comoMinhaCasaMinha Vida. “Em 2016, tivemos um descompasso grandeentreessemarcolegaleaspolíticaspúblicasquedesenvol-vemos”,comentou. “Oprogramaapostounummodelodeconstruçãonaperiferia,ondeeramaisbarato,commodeloshomogêneosequerepõemantigaspolíticashabitacionais,comooBNH”,explicou.

“No Peru, por exemplo, temos um programa que é baseado na titulação, na tentativa de incorporar esses imó-veis ao mercado formal. Foram distribuídos lá mais de 2milhõesdepropriedadesparaapopulaçãodebaixa renda.Masnãotiveramnenhumapreocupaçãocomaquestãofí-sica.Issonãotransformouemnadaaqualidadedevidadaspessoas.Aspessoassãoproprietárias,masmoramnumlocalinóspito,ondesóhásaneamentoquandoéfeitoemsistemademutirão. Temos, portanto, que resgatar a regularizaçãofundiáriaplenaeelatemquepromoverodireitoàcidade.”

Betâniachamouaatençãodequeessemarcolegal

estáemrisco.Segundoela,oMinistériodasCidadescriouem 2016 um grupo de trabalho para discutir a regularização fundiária,nãoconstituídoporatoresqueelaboraramacons-trução desse debate ao longo de anos, nem tendo a partici-paçãodeinstituiçõesdasociedadecivil.Aênfasedogrupoéna participação de setores do empresariado. A preocupação équesefaçaumaguinadareducionista,nosmoldesperua-nos,enfatizandoapenasatitulaçãosemurbanização.

Representando o Movimento Nacional de Luta pela Moradia(MNLM),GustavoAzevedocriticou“aganânciadocapital”,quemercantilizaáreas,passandoporcimadeins-trumentosjurídicos.“Éfundamentalousodosinstrumen-tos jurídicosparagarantiramoradiaea lutapelareformaurbana, porém, eles não podem ser encarados como um fimemsi. Énecessárioquea luta semantenhavivaparaavançarmosmaisjuridicamente,comnovosinstrumentoscontraaespeculaçãoimobiliáriaealógicamercantildeci-dade”, argumentou.

Emsuaopinião,hojeoRiodeJaneironãopossuiumapolíticaderegularizaçãofundiária.“Temosatéumacontrar-reforma urbana. Observamos justamente o inverso, umacidade segregada, com territórios criminalizados, militariza-dospelasUPPs,eoextermíniodapopulaçãojovemenegra,como no caso da Cidade de Deus.”

AzevedocriticouasremoçõesqueocorreramnoRiode Janeiro,comonaVilaAutódromoenaFaveladoMetrô--Mangueira. “Colocaram as famílias paramorar embairrosperiféricos,seminfraestrutura”,disse.“Issofoipossívelpor-queamobilizaçãoepressãonãoforamfeitasdamesmafor-maqueocapitalfez.ArespostaaesseenfrentamentoqueocapitalcolocounacidadedoRiodeJaneironãofoinames-ma proporção, tivemos uma grande baixa contra o direito à moradia,odireitoàcidade.Assim,aportou-segrandepartedodinheironosistemarodoviário,nosBRTs,naconstruçãocivil, nasempreiteiras,nosbairrosperiféricospara atenderosremovidosdocentro,ZonaSuleZonaNorte.”

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Avanços importantesApesar das críticas, o secretário-adjunto da Secretaria doPatrimônio da União, Patryck Araújo de Carvalho, fez umbalançodaregularizaçãofundiárianopaísnosúltimosanos.Segundoele,desde2003,noprimeirogovernoLula,“houvea chance de regulamentar instrumentos que estavam sendo semeados no Estatuto da Cidade”.

“Tivemos uma série de normativas, de legislações,que contribuírampara chegarmos ao ponto emque esta-moshoje”,afirmou.AindadeacordocomCarvalho,háques-tõesquepermanecem “desafiadoras”, comoa estrutura eo saneamento. “Somente 40% de esgoto, por exemplo, écoletadonopaís. Estamos falandodegrandesparcelas dacidade que não garantem qualidade de vida e qualidade de cidade nos moldes que deveriam ser”, comentou. “Somen-te41,65%dolixo,porexemplo,temdestinoadequado.Sãodados importantes para colocarmos a regularização numa dimensão mais ampla, para além daquilo que é a regulariza-çãomaisvisível.”

Carvalho lembrou que quando o Ministério das Cida-desfoicriado,em2003,estruturou-secomumapolíticaderegularizaçãofundiária.“FoicriadoentãooprogramaPapelPassado.Essapolíticanacionalalcançoumuitosresultadosnaquiloquesepropôsinicialmente.Conseguimosenfrentarum cenário em que a regularização era uma atividade depessoasheroicas,quetrabalhavamnasinterpretaçõescria-tivas de uma legislação que estava estabelecida para pensar nacidadeformal,nacidadeidealenalógicadaaprovação,enão na lógica do acolhimento e da intervenção.”

Aatuaçãodo judiciário, na época, conforme sus-tentou, era “desvinculada da realidade, interpretando a legislaçãourbanísticaapenasparagarantirapropriedadeprivada”. “Com todos esses problemas, o Ministério das Cidades conseguiu colocar a regularização fundiária empautaparatodososmunicípios.Aconteceuumamobiliza-çãobastantegrandedosmunicípiosnopaís inteiro,atu-ando com a regularização, para garantir que aquela super-posiçãodeidentificaçãooumesmoaquelesvácuoslegaisfossemsanados,fossemequacionados,comoasleisqueforamaprovadas”,afirmou.

ParaPatryckCarvalho,aLeiFederalnº11.977/2009estabeleceu alguns mecanismos “bastante importantes na destinação de terras da União para uso social pela primeira veznahistóriadopaís”.Eleaindaressaltouquea“leitrouxetambém uma importante alteração no regime geral da des-tinação de imóveis públicos”.

Outroaspectodalegislaçãoapontadopelopalestran-tefoiapartequeserefereàregularizaçãodaregiãoamazôni-ca.“HaviamunicípiosinteirosemterrasdaUnião,ondenemoprédiodaprefeituraestavaregularizado.Essaleitrouxeapos-sibilidadederegularizaçãoviadoaçãoaosmunicípios.”

Segundo Carvalho, a lei também passou para as ci-

dadesaresponsabilidadepelaregularização.“Éomunicípioqueditaasregrasespecíficas,queéoresponsávelpelaapro-vação do licenciamento. Se nãohouver regras específicasnomunicípio,aplica-sealegislaçãofederal.Nãoénecessá-rioqueomunicípiotenhaumalegislaçãoprópriaparaquepossagerararegularizaçãofundiária.Dopontodevistadosaspectosregistrais,querodestacaroaspectodadesjudiciali-zação.Hoje,oregistrodaregularizaçãofundiáriaéfeitodire-to no cartório de imóveis. Antes disso, em muitos estados se processavanaviajudicial,oquedemandavatempo.”

Outroaspectoimportanteéquearegularizaçãohojepode ser por etapas. Mesmo numa gleba única, numa única

matrícula,oprojetoderegularizaçãodefineseaglebatemcondiçõesdeserregularizadainteiraoufatiada.

Com a lei, o contrato passou a ser em nome da mu-lher. “Quem trabalha com regularização fundiária sabe oquantoissoéimportante”,apontou.Antestodaafamíliaeratitulada, menos a mulher, muitas vezes se gerava um impas-se. Mulheres que eram casadas, por exemplo, não conse-guiamregularizarotítulosemaparticipaçãodomarido,emmuitos casos, desaparecido.

“Hoje, temos um novo marco legal de regulariza-ção fundiária. Tivemos investimentos significativos nessesúltimos anos. Ainda que com uma mudança de paradigma, aregularizaçãofundiáriaestáhojeemváriosplanosdeha-bitaçãomunicipais.Otemaentrounapauta.”Valelembrar

“QuandooMinistériodasCidadesfoicriado,em2003,estruturou-secomumapolíticaderegularizaçãofundiária.FoicriadoentãooprogramaPapelPassado.Essapolíticanacional alcançou muitos resultados naquiloquesepropôsinicialmente.Conseguimosenfrentarumcenárioem que a regularização era uma atividade de pessoas heroicas, que trabalhavamnasinterpretaçõescriativas de uma legislação que estava estabelecida para pensar na cidade formal,nacidadeidealenalógicada aprovação, e não na lógica do acolhimento e da intervenção” PatryckAraújodeCarvalho

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queapenasoplanoemsinãogaranteodireitoaotítulodoimóvel a um enorme número de famílias tituladas. Nessesentido,Carvalhoconcluiuquevivemosaindadesafiosmui-toantigos,comquestõesenfrentadasapenasparcialmente,sendonecessárioconferiraescaladalegislaçãoedainter-venção,everificarasuaefetividade.

Experiência da RocinhaValérioSilva,daFundaçãoBentoRubião,apresentouaose-mináriootrabalhorealizadonaRocinha,favelalocalizadanobairro rico de São Conrado, que reúne mais de 100 mil ha-bitantes, segundo estimativa de censo realizado em 2010, emboraparaaassociaçãodemoradoresessenúmerosejadecercade200mil.“Iniciamosnossatrajetóriainstitucional,quetemmuitoavercomaresistência, fazendoassessoriaaosameaçadosdedespejonadécadade1980paraapoiarapermanênciadasfamíliasnoslocaisdemoradias”,disse.

AFundaçãoBentoRubiãoatuahá30anosnaregião.“De láparacá,atendemoscercade100áreasdiferentesetivemossucessoemcercade90%doscasos.Maisde90%das pessoas permaneceram em suas moradias.”

Osucessodapermanência, segundoele, sedeveaum conjunto de ações, como assistência jurídica e apoiotécnico. “A partir de muita luta, conseguimos com que o Estado tenha hoje uma defensoria que cuida da posse daterra”,destacou.“Foramfeitosmuitosdiálogoscomváriosatores que estavam aqui no Rio na época. Esses diálogosconsolidaramo sistemanosmunicípios e tiveramum res-paldomuitograndenoiníciodosanos2000,potencializadopelo governo Lula.”

Ele lembrouque,“em2004,apolíticadehabitaçãose abriu para o papel passado e então nós apresentamos ao governo federalapossibilidadede regularizaraRocinha.Aregularização fundiária deve acontecer sempre onde há ademanda, onde as famílias estão assentadas. Esta políticatendeasermaisefetivaondeháaparticipaçãodaspessoas,dosmoradores,ondeháavontadedequemmoralá”.

Silva apontou que a mobilização é sempre maior na medidaemqueoriscodaremoçãoestápresente.“Agenteentracomoinstrumentodaregularizaçãofundiáriaparadarefetivaçãoesegurançaaosmoradores.”

Ele lembrou que em todos esses anos de trabalho na Rocinha,houvecasosemque foinecessário “trocar todosos atores, porque o processo durou tanto tempo que muitos delesjáhaviammorrido.Tivemosqueexplicartudoparaosfilhoseosnetos,eissofoiquasecomocomeçardozero”.

“ARocinhaéumadas favelasmaiscomplexasparafazerregularização.Lávocêtemtodososriscosqueamea-çamedificultamaregularizaçãofundiária.Tempavimentoscom mais de 10 andares, corredores enormes, vielas com quartosalugados,casasalugadas,háumasériedequestões.Temváriosmoradoresaliquefizerammuitosinvestimentos,

queéprecisoavaliarsesãoválidosounão.Sãopessoasqueestãoláhámuitosanos.ARocinhaéoriundadeloteamento,nãoéumafavelaemquehouveumaocupação.Cadaumlácomprouseuloteeconstruiudamaneiraquepôde,sóquecomumagrandeinformalidade”,explicou.

SegundoSilva,aregularizaçãofundiária“éumaspec-toquepodeajudarnalutapelapermanênciademoradoresemfavelas”.Esseéumtemafundamentalparamoradoresdeáreasquevivemaameaçade remoções. “OprogramaMinha Casa Minha Vida, articulado ao PAC, ajudou muitopara que as remoções voltassem a acontecer em grandeescala no Rio de Janeiro e no Brasil”, lamentou. “Espero que

tenhamos capacidade de aglutinação para preservar o que conquistamos no passado, tendo em vista que tudo o que construímoscorreumgranderisco.”

Mediadora da mesa, Regina Bienenstein ressaltou que,seessemarcolegalnãofoicapazdegarantirodireitoàcidade,frenteàvisãomercantilistaquepassouadominara política urbana emmuitosmunicípios, existe uma claraameaça de retrocesso e desmonte desse marco legal. Para ela,issosomentepoderáserevitadoapartirdaorganizaçãoe mobilização dos movimentos sociais, de sua permanente vigilânciaefirmeresistência.

“A partir de muita luta, conseguimos comqueoEstadotenhahojeumadefensoriaquecuidadapossedaterra.ForamfeitosmuitosdiálogoscomváriosatoresqueestavamaquinoRionaépoca.Essesdiálogosconsolidaramosistemanosmunicípiosetiveramumrespaldomuitograndenoiníciodos anos 2000, potencializado pelo governo Lula”ValérioSilva

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Dimensõesemergentesnasintervençõesemfavelaseseusrebatimentossobreaurbanizaçãoeregularização

Direitoàcidade,remoçãodefavelas,JogosOlímpicos,sustentabilidadee, sobretudo, distanciamento. A tendência que a cidade tem de considerarafavelauma“não-cidade”,umestigmaasersuperado.EstaseoutrasquestõesforamtratadasnaquartamesadoSeminário,queteveoseuprópriotema“urbanizaçãodefavelas”questionado,poisafavelanãofazpartedourbano?

l P A L E S T R A N T E S

LauraMachadodeMelloBueno,PadreLuísAntônio,JorgeBarbozaeJoãoPereiraOliveiraJúnior

DIMENSÕESEMERGENTESNAURBANIZAÇÃODEFAVELASESEUSDESDOBRAMENTOS

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Afavela, num primeiro momento, aparececomo um problema de política pública. É odesabrigo em chuvas, saúde infantil, gatosnasredeselétricas,entreoutros,quefazemopoderpúblicoaparecerpor lá”,definiuapro-fessora Laura Machado de Mello Bueno, da

PUCdeCampinas,palestrantenaquartamesadoSeminárioUrbFavelas.“Chegamaprefeitura,apolícia,ajustiçaeentãocomeçamosdiagnósticos,decisõesdefazeralgumacoisa,projetos,licenciamentos,recursos,contrapartidas,negocia-çõesentresecretariaseaísedáaformalizaçãodacidadania,saberseosujeitoéadimplente,aformalizaçãodapapelada,atéafamosaregularização”,comentou.

Segundo ela, durante esse processo, são implanta-dos programas socioambientais com as crianças, projetoscomadolescentes,contraaviolência,decultura. “Quandoumpedaçodafavelacheganumpontomaisadiantadodoprocesso,ooutrodegrada, surgeumconflitoe temosumprocesso que não acaba.”

Laurareiterouqueadiscussãosobrefavelasenvolvepessoas que são moradoras de um determinado lugar com característicassociais,culturaiseeconômicasespecíficas.Eumlugarquetambémtemasuaespecificidade,geralmen-teéofundodeumvale,umaencosta,umaáreadeconflitofundiário.“Nesselocal,muitasvezes,nadiscussão,secon-fundemaspessoas, suas regras,propostaseprojetos,quecausammuitaconfusão,especialmentecomopoderpúbli-coecomajustiça.Chegaopromotoretiraapessoaporqueelaestáemáreaderiscoeacolocanumaáreademaiorriscoainda, que é a rua”, lamentou.

Aprofessoradestacouque,há30anos,quandosepensavanodireitodaspessoasdeficaremnolugarondeelasestavam,nãosetinhatãoforteapresençadoalugueledavendana favelaedopapelpositivoenegativoqueisso pode ter.

“Temosumacidadepartida.Issonãoestáresolvido,

apesar de estar no Estatuto da Cidade. Como deixaram para oPlanoDiretordefinirqualéoconceitodevazio,deterraociosa na cidade, no Brasil temos 5 mil conceitos, pois te-mosmais de 5milmunicípios. E cadaumpodedefinir oseu”, alertou.

ElalembrouaindaqueasCâmarasMunicipaisnãore-gulamentamisso.Orecursoparaaregularizaçãodefavelasficanoâmbito local.Pormaisque,duranteogovernoLulaespecialmenteeatéoiníciodogovernoDilma,existisseumfluxoderecursosparaosmunicípios,paraoPACUrbaniza-ção de Favelas, essa questão era barrada e questionada nos municípios,segundoLaura.

“Oqueaconteceunas favelasdesdeo inícioda re-formaurbanafoiumadensamentopopulacionalenorme,aofertadehabitação continuoumuitobaixa e sómelhorouum pouco no governo Lula. Este adensamento construtivo enormepiorouascondiçõesdesalubridade,saúdeeconví-vio pessoal dentro desses núcleos.”

Para ela, um programa de regularização de favelasprecisaterrecursoscontínuosdesustentabilidade.Eafave-la proporciona muitas alternativas de renda para as pessoas. “Seafavelaforlongedetudo,comofizerammuitasdelasnoprogramaMinhaCasa,MinhaVida,ficamsemalternativasdesustentabilidade.Asaçõesdopoderpúblico,comoasgran-desvias,metrô,adutoras, redesdeesgoto,sãomomentosdeconflito,mastambémdenegociação,dereconhecimen-todafavela”,disse.

Aprofessoraressaltouaindaque“apopulaçãobrasi-leiraédesinformada,combaixaescolaridade,tembaixafor-mação para a cidadania, não acredita e não tem acesso aos órgãospúblicos.Os lugares sãoheterogêneos,os serviçospúblicossãodesiguaiseasfavelas,porpiorquesejam,es-tãopertodeoportunidades.Temosquecriarumprogramadepropostas,intervenções,ondeestãoesseslugares.Háanecessidade de trabalhar toda a extensão, para que a inte-graçãodetodaacidadesejaresolvida”,alertou.

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Na sua conclusão, Laura Machado chamou a atenção para a existência de uma herança desse processo, que são as liderançaspopulareseosgruposcomunitários.“Temostam-bémumagrandequantidadede técnicosquesequalifica-ramemdiversasáreasparaatenderaestanecessidadenasáreasdodireito,dageologia,engenharia,arquiteturaetc.Te-mosquearticularessesprofissionaiscomasentidadesparapressionar o Estado e não através do Estado, como muitos denósachávamos”,sustentou.

“Transtorno enorme na vida das pessoas”OPadreLuísAntônio,daPastoraldasFavelasdoRiode Ja-neiro,apresentounoSeminárioasituaçãodaspessoasquesofreramdespejosnacidadeemfunçãodasOlimpíadas.Se-gundoele,foramváriosdespejoseremoçõesemMadureira,Campinho, todasparaoconjuntoMinhaCasa,MinhaVida,queficavaa40quilômetrosdedistância.

PadreLuíschamouaatençãoparaofatodequealificavaosegundomaiorcentrocomercialdoRiodeJaneiro,sóperdendoparaocentrodacidade.“Essaspessoasforamremovidas e perderam o emprego, seu comércio, a escola dascrianças,poisnãohaviatempoparatransferência. Issocriouum transtorno enormena vida delas. Várias pessoasmorreram. Meu pai morreu do coração, pois morava naquele localhá30anos.ErampessoasquetrabalhavamalinaTiju-ca,noRecreiodosBandeirantes,eramzeladores,jardineirosdoscondomíniosdeluxo,porteiroseforammandadosparalonge”, lamentou.

PadreLuíslembrouqueaperiferiadetodososbairrosdoRiodeJaneirotemumafavela.“Enquantonóspensarmosmoradiacomotetoapenas,nósvamosficarmarcandoopas-so. Moradia é trabalho, convivência, endereço, abrigo, coisas quenãoseconsideramnaindenizaçãodasremoções.”

Ele chamou a atenção ainda para um despejo queacontecianomomentodoSeminárionoVidigal.“Estãoven-dendo para os estrangeiros as moradias que os pais brigaram paramanter. Estão fazendoflats, hotéis, pequenas pousa-das, locais de turismo.”

Paraencerrar,PadreLuísdissequeopoderpúblicosóchegaàsperiferiasdosbairrosdoRiode Janeirocomapolíciarepressoraeparasecorrompercomotráficodedro-gas. “As pequenas conquistas que tivemos esses anos todos foramcomaparticipaçãoeamobilizaçãodaspessoas,dosmoradoresedealgumasinstituiçõescomoadefensoriapú-blica, a PUC, a UERJ, entre outras”, concluiu.

“Tiroteio no Vidigal, Leblon não consegue dormir”Jorge Barboza, do Observatório de Favelas, falou sobre ainformalidadeurbana.Umtermo,deacordocomele,mui-tocomplexoecontraditório. “Agentenãoestá falandodedualidade, de formal/informal, legal/ilegal. Esses espaçossãomuitomaisdúbios.Oqueé informalde ricoé fácilde

legalizar e o de pobre não passa. Eu queria entrar também nas práticas da informalidade, nas experiências de cidade,nasfavelasecompreenderissomuitomaisnafunçãosocialqueelarepresenta.Eunãoquerodizeraquiqueafavela,deumaformaromântica,éasoluçãodacidade,masmuitopelocontrário,repetirqueelaéumproblema.”

DeacordocomBarboza,ainformalidadenãoé,abso-lutamente,aausênciade formalidades,masentenderqueessaspráticasestãocentradasnumaperspectivafuncional.Dialogammuitomaiscomavida, comaspráticasdavida,muitomaisfuncionaldoqueinstitucional.

Nesta perspectiva, é importante tentar entender essa irregularidade não como um problema, mas que ela é,

justamente,achaveanalíticadecompreensãodessasáreas.Para ele, é preciso perceber que não estamos diante de um problema,massimdesoluçõesquenosforamoferecidasecabe a nós dialogar com isso.

“Agentetemohábito,comrelaçãoàfavela,decerto‘presentismo’.Queoqueaconteceagoranuncaaconteceuantes.Deuns10,15anosparacánoRiodeJaneiro,agentefalamuitodealuguelemfavelas.IssoexistedesdeoséculoXIX.Umacertareflexãohistóricapodenoslevaraentenderquestõesquenãosãotãonovasassim.”

Na construção da favela como um problema, elelevantou três aspectos para o debate. Primeiro, o impacto quetiveramsobreasfavelas,apartirdosanos1940,1950e1960,asteoriassobreamarginalidade.Associaresseses-paçosaespaçosmarginais.Essediscursomarcafortementeessesespaçoscomooreceptáculodetodososproblemas.“Essafoitodaapautaideológicaqueconduziutodaalevaderemoçãodefavelasnasdécadasde1960e1970noRiodeJaneiro.Ouseja,nãocaberiaintegraressesespaçosporquedali nada de bom poderia vir.”

Ele recordou que essa discussão na academia jáé amplamente questionada hámais de 40 anos.Mas, aomesmo tempo, ressaltou a importância de lembrar que,comoumafênix,issosereproduzsistematicamente:“Bas-taagentepegarosjornais.Seagentetamparasdatas,nãotem ideiaseestá lendosobreasdécadasde1920,1940,

“Enquanto nós pensarmos moradia como teto apenas, nós vamos ficarmarcandoopasso.Moradiaétrabalho, convivência, endereço, abrigo, coisas que não se consideram naindenizaçãodasremoções”PadreLuísAntônio

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1960,1980ouseéoGlobo de ontem. Por conta disso, a gentelêmanchetescomo:‘TiroteionoVidigal,Leblonnãoconseguedormir’,‘TiroteionaRocinhadámedonosalunosda PUC’”.

O segundo aspecto abordado por Jorge Barboza éque todas as teorias urbanas do século XX vão definir ummodelo de cidade. Neste modelo, segundo ele, vai se cons-truiraperspectivadequeafavelaéaausência,éoquefaltapara se tornar cidade. E alguns termos ele considera absolu-tamenteinfelizescomo,porexemplo,“aglomeradosubnor-mal”.“Poderia,inclusive,fazerumacríticaaotermo‘urbani-zaçãodefavelas’,queéotermodoSeminário.Agenteestárepetindoaideiadeque,quandoagenteurbaniza,afavelavai se tornar urbana”, comentou.

Oterceiropontoseriamtodasas lógicasdedesen-volvimento periférico. Muitos dos movimentos que vãoconstruir essa regularização e urbanização podem cair no mesmo risco de homogeneizar esses espaços e de pensar uma intervençãodesuperaçãoda favela,ouseja, a favela,mesmo em modelos progressistas, é uma realidade que tem quesersuperada.“Àsvezesnóstemosatendênciadefalarnós e eles.”

Não há moradia sem saúde, educação, saneamento, mobilidade urbana, emprego e rendaJoãoPereiraOliveiraJúniorlembrouqueaConfederaçãoNa-cional da Associação de Moradores (Conam), de Salvador,atua no movimento de moradia com um conceito um pouco maisamplo,queéodemovimentocomunitário.“Alutapormoradiaséfundamental,massemaampliaçãoparaaslutaspela saúde, educação, saneamento, mobilidade urbana, em-pregoerenda,elaperdeasuaforçaesubstância.Odireitoàmoradia se completa com o direito à cidade”, disse.

Ele contou que a sua experiência é de Salvador, e ressaltouaimportânciadadiscussãocomaprofessoraÂn-gelaGordilhoàfrente,comosecretáriadeHabitação(2005a2008).Ummomentoemqueseconseguiureunirdiversossegmentos da sociedade, como a igreja, movimentos so-ciais, organismos públicos.

“Tivemosnesseperíodoa interferênciadediversossetores.TrouxemosaatençãodasociedadenosentidodeconstituirumPlanoMunicipal,queestabelecepolíticasde2008 a 2022. Lamentavelmente tivemos uma interrupção, mas essa é uma experiência que gostaria de ressaltar.”

Recentemente, dentro da perspectiva da articulação dasociedade,foiconstituído,em2013,oFórumdePós-O-cupaçãodeHabitaçãodeInteresseSocialdaRegiãoMetro-politanadeSalvador,tendoaCaixaEconômicaFederalcomoespaço de aglutinação, junto comosmovimentos sociais,equipes técnicas de Salvador e da região metropolitana, go-verno do estado e Assembleia Legislativa.

Esse Fórum visa discutir os problemas advindos com

oMinhaCasa,MinhaVida. Se por um lado este programacontribuiu, por outro lado trouxe problemas, com a sua ló-gica de construir unidades distantes da malha urbana. Odesafiofoibuscaralternativasparaminimizarosconjuntos

jáimplantadoseindicaraopoderpúblicoquetenhaapreo-cupaçãodeentendersenesseprojetoestáinseridaaideiadodireitoàcidade.Senoslocaisondesãoimplantadosháescolas,saúdeeagarantiadarendadasfamílias.

“Constatamosquemuitasdas famíliasqueacessa-ram essas unidades não conseguiram se manter ao se esta-belecerem.Mesmocomastaxasdeluz,água,condomínio,mesmo que simbólicas, elas não conseguiram se manter e acabaram abandonando os espaços”, lamentou.

“Alutapormoradiaséfundamental,mas sem a ampliação para as lutas pela saúde, educação, saneamento, mobilidade urbana, emprego e renda, elaperdeasuaforçaesubstância.Odireito à moradia se completa com o direito à cidade”JoãoPereiraOliveiraJúnior

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Urbanizaçãodefavelas:dasliçõesdasexperiênciasàsperspectivasdefuturo

Agarantiadeumamelhorqualidadedevidanasfavelas,comespaçospúblicoseacessoadireitos,comoasaúde,sãoalgumaspreocupaçõesapontadasparaofuturo.Poroutrolado,aprevalênciadocapitalfinanceironascidades,paraoprofessorLuizAntonioMachadodaSilva,deverápromovermaisdesigualdades

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ItamarSilva,LuizAntonioMachadodaSilva,ClaudioAciolyJr.,ValclerRangeleAlexMagalhães(moderador)

“COMOSERÁOAMANHÃ?”

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Na cidade que a gente quer cabem favelas?Quetipodefavelasestamosadmitindo?”Es-tasquestõesforamlançadasporItamarSilva,diretordoIbase,naúltimamesadoseminárioUrbFavelas, que debateu as perspectivas de futuro à luz dos temas tratados no evento.

ParaSilva,háumaideiade“provisoriedadedafavela”.“Lánofundo,todosnósachamosqueafavelaumdiavaidesapare-cer”,comentou.Noentanto,eleponderou:“Ondeéquesecompletou o processo de urbanização? Falo dessa urbaniza-çãoque incorporaearticulaa favelacomoumaexpressãomorfológicaesocialdacidadesemumadistinçãonegativa,mas sim como um elemento da cidade”.

Silvaafirmouque,emgeral,nosprojetosepropostasquevênoRiode Janeiro,há“umaapostadecongelamen-to,dequea favelavai ser sempreaquilo”. “Apossibilidadedecrescimentonãoestádadanosprojetos,masdefatoeleacontece.Issoéumaapostanocaos,porquenãosepensanoamanhã.Vocêestáapostandoqueoadensamentonãocoordenado vai provocar o caos”, disse.

No entanto, o palestrante lembrou como a lógica de mercadoéevidentee fortenas favelas. “Anecessidadedemorareacriseeconômica fazemcomquecadaumtentecriarmaisumpuxadinho,vendermaisumalaje,parapodersobreviver.Amesmadinâmicaqueassolaoutraspartesdacidade pela disputa da terra urbana também acontece na favela”,explicou.

Essadinâmicanessesterritóriosfazcomqueemal-gunslocaisnãosejapossívelcircularenãohajaespaçospú-blicos. “Em alguns becos no Santa Marta [favela localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro] você não sai com uma geladeira. Ocaminhofoifechado,ficouapertado.Issovemserepetin-do. No Alemão, começa a acontecer o mesmo. Um não pen-sar nesse bem coletivo que é a circulação. Espaço público emfavelaéfundamentalnosprojetosdeurbanização,mas,como dizem, é para ser ocupado. Se você coloca uma praça,

ela vai ser ocupada, ali vão construir alguma coisa”, ressal-tou.Paraele,esseéumproblemaquedeveserenfrentadojuntocomosmoradores,nãoadiantaumdecreto.“Temosque discutir com eles quais são os espaços públicos de circu-lação,delazeretc.,eporqueelessãonecessários.”

Silva relatou um caso ocorrido em Santa Marta que revelaaproblemáticadecomogarantiressesespaços.“Noprojetodeurbanização,construímosumprédioqueeraparaseracrechedascriançaseestavaligadoaumaáreadelazer,comumavistalindade360º.QuandoaUPPchegoulá,foioprimeiro espaço a ser ocupado e a população perdeu o pré-dio”, lamentou.

O palestrante dividiu no evento uma visão pessi-mistaparaofuturo.Ele,queatuanomovimentodefavelasdesde1976,dissequehojeháumaausênciadepolíticaspúblicaspara favelas,especialmente,noRiode Janeiro.Edestacouadificuldadedosativistasemlidarcomseguran-çapúblicanessesterritórioseentenderopapeldapolícia.“Enquantoagentepensarafavelacomogueto,particulari-zada,nãoépossívelterumapolíciaespecíficaparaafavela,apolíciaqueentraemata,mostraoreciboparaoentorno.Esse é um processo de violência que se retroalimenta. E é comoumnavioondenósestamos.Seeleafundar,morre-mos todos”, alertou.

A hegemonia do capital financeiroOprofessorLuizAntonioMachadodaSilva,daUniversidadedo Estado do Rio de Janeiro, chamou atenção para o proces-soglobaldefinanceirizaçãoehegemoniadocapitalfinan-ceiro.Paraoprofessor,“aomesmotempoemquesereco-nheceatendênciadeestabilizaçãodessesistema,deve-senotar a refração representada pelas expressões nacionais,regionaiselocaiseaprevalênciadocapitalfinanceiro”.

Segundo ele, isso produz, pelo mundo ocidental, um padrãofragmentadodeintegraçãosocial.“Essasituaçãoglo-cal (misturadeglobalcomlocal)daspolíticaseconômicas,

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dificultaaconvergênciadeinteressesedemovimentosam-plosederesistênciaàfinanceirização.”

Oprofessoralertouparaoquechamoude“fragmen-tação dos atores coletivos na evolução histórica da domina-çãofinanceira,que levamosmovimentospopularesaten-derem a se restringir às demandas e resistências utópicas e emmuitoscasosincompatíveis”.Paraele,em2013,noBra-sil e no Rio, em particular, houve um exemplo disso.

Machado mencionou a crise econômica, que, dopontodevistainterno,temsidovividapelosdiferentesato-resnoBrasilcomobasicamenteumacrisefiscaldoEstado,abrindo espaço para propostas ultraliberais. Algumas, la-mentouoprofessor,defatoimplementadas,aprofundandonãoapenasadesigualdadesocioeconômica,mastambémadesigualdadepolítica.

“Surgeentãoatãomencionadadesconfiançaquan-toàprópriaexistênciadasinstituições,oqueapenasexpres-saapercepçãocorretadaenormediferençadarelaçãodeforçasentreosaparelhosinstitucionais,ocapitalfinanceiroe a capacidade de vocalização e resistência das demandas populares”, alertou.

Oprofessorfalouaindasobreoprocessoseculardeurbanização que nunca universalizou a moradia como par-te do trabalho necessário, como elemento do salário dostrabalhadores, como foi o caso dos países de capitalismooriginário,naEuropa,sobretudo.“Éclaroqueexpulsandoahabitaçãodocustodo trabalhoaumenta-seocapital,mastambéméimportantenotarqueessefatointerfereprofun-damentesobreacapacidadepolíticadascamadaspopularesenãoapenasdaspopulaçõesfaveladas,umavezqueaha-bitação,ouseja,acasaemseusentidomaisamplodoqueacasanosentidofísicodapalavra,éagarantiamaterialmaisfundamentaldeacessoàcidade.”

O professor chamou atenção ainda para a expan-sãodocrimeviolento,dasdrogasilícitasedamilitarização.Lembrou também que a presença de um grande poder ar-madonas periferias,milicianos, traficantes ou ambos, in-terferemfortementenasmobilizaçõeslocais.“Deumlado,desautorizam as representações políticas, que não têmcondiçõesdeatuarsemoconsentimentodosbandos lo-caisedeoutro,muitasvezesacabamporassumir,explícitaouimplicitamente,asprópriasinstituiçõeslocaisdemedia-çãocomaesferapública,asassociaçõesdemoradores,asigrejasevangélicasetc.”

Habitação e condições de vidaParaClaudioAcioly Jr., daAgênciaHabitat–ProgramadasNaçõesUnidasparaosAssentamentosHumanos,“éprecisodaralternativaàpressãodemográfica.Emalgumascidadesháumcrescimentoaceleradoeéprecisodarrespostasemtermosdepolíticashabitacionaisquevãomelhoraraquali-dade de vida dos assentamentos”, observou.

OobjetivodaAgênciaHabitat,segundoAcioly Jr.,équeaspessoasvivamnasfavelascomdignidadeetenhamacesso a uma série de direitos consagrados internacional-mente,comooacessoàáguaesaneamento,assimcomoahabitação adequada.

DeacordocomAciolyJr.,aagênciafazumasériedepesquisas,em2005foiproduzidooprimeiro relatórioquemostrouqueaÁfricaSubsaarianatinha70%daspessoasvi-

vendoemfavelas.AlgunspaísesdaAméricaLatinatinham40%dapopulaçãovivendonessascondições.“Algunspaísesestãopiorandoeoutrosestãomelhorando.OChile foiumdos que melhor resolveu isso”, disse.

“Em2013,lançamosaestatísticaurbana,comcercade24%dapopulaçãomundialvivendoemfavelaseassenta-mentos.Estamosfalandodeumapopulaçãode862milhõesdepessoas.NaAméricaLatinaeram23%deumapopulaçãode 113milhões. Temos hoje, na América Latina, uma emcadaquatropessoasquevivememáreasurbanasemcon-diçõesquechamamosdefavelas.Estamosfalandodeumadimensão muito grave, não é coisa pouca”, ressaltou.

AciolyJr.defendeuacriaçãodeumaregulaçãoden-tro do próprio território. “Uma vez eu visitei uma comuni-dadeeumvizinhofezumpuxadoeooutronãoconseguiamaisabrirajanela.Temquesecriarumaregulação,umpac-tosocialdentrodafavelacomoqueéenãoépossível,umaregraparatodos.EstamosfalandodeEstadodeDireito,quesemanifestaemcoisasquenestemomentoestãodesapa-recendo.Oqueacontece?Nãotemosaleiounãotemosacapacidadedeimplementaralei?Háaapologiaàautoges-tãodoterritório,sobomantodailegalidade.Temquehaverregras de convivência”, concluiu.

Questão de saúde públicaValcler Rangel, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), porsua vez, focou sua fala no campo da saúde. “Soumédico

“Enquantoagentepensarafavelacomo gueto, particularizada, não é possívelterumapolíciaespecíficaparaafavela,apolíciaqueentraemata, mostra o recibo para o entorno. Esse é um processo de violência que se retroalimenta. E é como um navio ondenósestamos.Seeleafundar,morremos todos”ItamarSilva

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sanitaristaetenholidadocomasaúdepúblicajáháumtem-po.Hojevivemosummomentodifícil,comgranderiscoderetrocessoequandofalamosdefavelasotemaéabsoluta-mente presente.”

Rangel lembrouque, em1986, 8ª ConferênciaNa-cional de Saúde, coordenada por Sérgio Arouca, um dos líderesdoMovimentodaReformaSanitária,colocouaques-tão da saúde como um direito, a necessidade de termos um

sistema de saúde, que já vinha sendo construído, comosconvênioscomosmunicípios,eapontouaquestãodaparti-cipação popular de uma maneira muito intensa. “A ideia que reina para nós é que a saúde é direito de todos, é dever do Estadogarantidomediantepolíticaspúblicas,sociaiseeco-nômicasquereduzamorisco”,recuperou.

No entanto, Rangel ressaltou que ter saúdehoje éter um plano de saúde. Essa discussão, para ele, é absolu-tamentepolítica.Éumadiscussãodeenfrentamentoentreessecampodafinanceirizaçãocomocampoque lutaporumasociedademaissolidária,queconsigatrabalharoespa-çopúblicoeasegurançapúblicadeformamaisjusta.“Umasociedadeemqueasexperiênciascomsubstânciaspsico-ativasnãosetransformememumproblemadesegurançapública.Que fumarumbaseadonãogereumprocessodeconstruçãodeumapolíticadesegurançapúblicaquematajovensnegros.Essaéavisãodasaúdepúblicaqueagentequer construir e que se pretende integradora”, reiterou.

Elelembroutambémqueasaúdeéumfatoressen-cial para o desenvolvimento. Segundo Rangel, para cada R$ 1,00 aplicado na saúde, são três pontos de percentual doPIB acumulados. “Essa visãode saúdeé acompanhadapor uma mudança da existência humana no século passa-do.Dadécadade1930paracá,háumagrandequedanasdoençasinfecciosas,umaumentodasneoplasias,docâncer

–quandoeufalodeagrotóxico,tabaco,álcool,exposiçãoaprodutosquímicos,poluiçãoetc.,falodecâncer”.

Rangelalertouque,até2050,haveráumatransiçãonos padrões de adoecimento: envelhecimento, queda danatalidadee,aomesmotempo,doençascardíacas,dosido-sosqueestãonasfavelasenãoconseguemandar,pessoascomdeficiência.“Asaúdepúblicaquerolharparaessahistó-ria toda, só que a maior parte dos problemas que a gente lida nãoestánoâmbitodasaúdepública.Dengue,porexemplo,estárelacionadaaosaneamento,àcoletadelixo”,lembrou.

Osdesafios,ressaltouRangel,sãoaindamaioresemterritórios vulneráveis, de exceção, de sacrifício. Ou seja,nas favelas, onde as pessoas morrem mais cedo, ficamdoentesmaiscedo,poistêmmaisdificuldadederesolverseus problemas.

“Emjaneiro,porexemplo,acontecemváriosdesliza-mentosnosmorroscariocas,váriasenchenteseváriaspes-soas morrem. Como a gente trabalha com cidades resilien-tes?Umafavelacabenumacidaderesiliente?Essaideiadetrabalharcomdesequilíbriostemquefazerpartedasaúde.Consideramosasaúdearticuladacomtodosessesobjetivos.Nossaperguntaé:comofazeressaarticulação?Comofazerarelaçãocomesseconjuntodeproblemas?”,questionou.

“Uma sociedade onde as experiências comsubstânciaspsicoativasnãosetransformememumproblemadesegurançapública.Quefumarum baseado não gere um processo deconstruçãodeumapolíticadesegurançapúblicaquematajovensnegros. Essa é a visão da saúde pública que a gente quer construir e que se pretende integradora” ValclerRangel

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SÍNTESEDOSPARTICIPANTESAquintaeúltimamesadoSemináriofoiumexercíciodefuturo.Antesdoiníciodostrabalhos,noentanto,foidivulgadaumasínteseelaboradapeloscoordenadoresdeeixostemáticoscomasreflexõesqueforamapresentadasnoevento

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O IIUrbFavelasocorreunumcontextodeper-da de diálogo entre Estado, moradores defavelas e suas respectivas organizações, edeinfluênciacrescentedasdinâmicasinter-nacionais, das propostas hegemônicas deajustes, das “necessidades” decorrentes da

realizaçãodoschamados“megaeventos”,queacabamfavo-recendoumaretomadadasremoçõesedeoutrasespéciesdeprojetosqueoperamemdetrimentodas favelaseque,logo, não devem ser aceitos passivamente. Num contexto com tais notas, é clara a necessidade de que os moradores de favelas sejam vistos e reincorporados como protago-nistas, enãocomomerosparticipantes, doplanejamento,implementação e controle das políticas públicas voltadasàsfavelas.Nessesentido,umdosreconhecidosganhosdoSeminário foi o fato de incorporarmoradores, seusmovi-mentoseorganizaçõesnoplanejamentodoeventoenosdebates realizados.

Emcontrapontoaocrescimentodaimportânciademodelosdeplanejamentoestratégico,oSeminárioavaliouque o planejamento participativo, tal como se conheciatradicionalmente, teria entrado em crise, se reduzindo a cooptação dos moradores pelos agentes promotores da urbanização. A superação dessa crise tem se anunciado emnovosformatosdeparticipação,comoocasodospla-nos populares, das experiências de planejamento deno-minadas como insurgentes, transgressivas, dentre outras denominações.Taisexperiênciasapontamparaoestabele-cimentodenovosarranjoscolaborativosentremoradoresdefavelas,universidades,gestorespúblicos,técnicossoli-dáriosàslutassociaisetc.,osquaisbuscamautonomiaemrelação ao Estado e se constituem como movimentos de caráterclaramentepropositivo.

Oproblemadaescassezderecursosparaprogramase projetos de urbanização de favelas, em virtude dos cor-tes orçamentários, foi apresentado emmuitas discussões

duranteoSeminário.Háquese terclaro,noentanto,quemesmo em condições supostamente “ideais” não haveriarecursos suficientes, no curto prazo, para atender toda ademandadeurbanizaçãode favelas.Diantedessecenário,faz-senecessárioque,deumlado,ocorraa lutadosmovi-mentossociaispormaisrecursosparaaurbanizaçãodefa-velas, quebrando a lógica de inviabilização do investimento público,eque,deoutro,odesenhodaspolíticasdeurbani-zaçãoelenqueprioridadesadequadasedefinaobjetivosal-cançáveiscomosrecursosdisponíveis.

Aindasobreoproblemadofinanciamentodaurba-nizaçãode favelas, foram feitas duras críticas à lógica doseditais,suascondiçõesecritérios,apontandoparaplanilhaseprodutosqueimpõemumavisãoeumprocessofragmen-tários,sejadafavela,sejadacidadedemodogeral,quesepa-ramprojeto,obraegestão.Nessecontexto,muitasinterven-çõesde“pós-obra” foramobjetodecrítica,portraduziremumolharaindadistorcidosobreasfavelas,vendo-ascomoum espaço homogêneo, e desconhecendo uma série de as-pectosimportantesdasuavidainterna,seuscódigosespecí-ficos,sejameleslinguísticosounormativos,bemcomosuasreferências,desigualdadesesaberes.

Noquetangeaoimportanteaspectodosmarcosju-rídicosedasreferênciastécnicasenvolvidasnodebateso-breaurbanizaçãodefavelas,háquesereconhecerosavan-ços significativosqueocorreramnoBrasil nasúltimas trêsdécadas.Nocasodaregularizaçãofundiária,apesardosine-gáveisavançosemtermosdoconteúdonormativo,obser-va-segrandedescompassoentreessesmarcoseasaçõese políticas efetivas. Uma evidência do quanto essa ordemnormativa,naprática,nãotemsidosuficienteparagarantirodireitoàcidadeestarianarecorrênciadasremoçõesenorespaldoqueopoder judiciárioeoministériopúblico têmlhesdadoemdiversasocasiões.Deoutrolado,nomomentoemqueserealizavaoSemináriojáhaviaumafortepreocu-pação com a ameaça de retrocesso nessa ordem legal, o que

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demandaria movimentos de resistência que buscassem im-pedir que este retrocesso se consagre.

Nessesentido,faz-senecessáriaumaprofundare-flexãoarespeitodopapeldosváriosagentesdaurbaniza-çãoeda regularização fundiária, no tocante à efetivaçãodesses marcos normativos, à sua interpretação, à aborda-gem que fazem do arcabouço legal e aomodo como seapropriam destes, especialmente por parte dos diversos agentesdopoderpúblico.Háumafortepreocupaçãocomos modos conservadores e tradicionais de se apropriar de uma ordem normativa, muitas vezes inovadora, que acabam comprometendo e esvaziando o potencial dessa normatividade. Um dos exemplos mais invocados no Se-minário diz respeito aos longos prazos de aprovação deprojetos,comoumaspectoinviabilizadordaefetivaçãodalegislação e dos resultados esperados.

OutrofocodeatençãodoSemináriorecaiunodeba-temultidisciplinarsobrepolíticas,programaseprojetosdeurbanizaçãodefavelas,debatecujanecessidadedeaprofun-damentofoiamplamentereconhecida.Atítulodeexemplo,noque tange à dimensão jurídica, observa-seumaênfaseexagerada no aspecto ambiental, em detrimento do aspecto urbanístico.Outrapreocupaçãorefere-seaoefeitodevalori-zaçãoeconômicadosimóveis,quedecorrenecessariamen-tedasintervençõesurbanizadoras,oquetendeafavorecero adensamento, a verticalização, a extração de mais valias fundiárias, aprofundando as situações de vulnerabilidadeeconômica e jurídica de expressivos segmentosdentreos

moradoresdasfavelas,verificados,porexemplo,noaprofun-damentodasrelaçõesdeinquilinatocomomododeacessoàmoradia.Ressalta-se, aqui, a verificaçãodeprocessosdeempresariamentoemcursonasfavelas,principalmentenocontextodosgrandeseventosedaprojeção internacionalda cidade nos últimos anos.

Com relação às condições necessárias ao bomde-senho,desenvolvimentoeacompanhamentodosprojetosdeurbanização,foienfatizadaaimportânciaestratégicadaparceria entre universidades e movimentos de moradores defavelas,bastantefavorecidanoâmbitodasexperiênciasde assistência técnica. Estas têm se dado muito mais pela iniciativa de universidades públicas, e algumas privadas, do que pelo Estado. A assistência técnica muitas vezes ocorre semestarembasadaemprojetoseemumapolíticaclara,sendo raros os casos demunicípios que ofereçam condi-çõesfinanceiraseadministrativasdeimplementaçãodaLeiFederal nº 11.888, que rege a matéria. Um aspecto positivo éofatodeque,ondetêmocorrido,essasexperiênciastêmreforçadoaorganizaçãosocialeacapacidadedeenfrenta-mentocomunitáriodosproblemasenvolvidosnaprestaçãodessa assistência. O Seminário firmou a defesa de que aassistênciatécnicaincorporearegularizaçãofundiáriaeur-banísticacomodimensõesessenciaisdessetrabalhoequenãofiquerestritaàsobrasdemelhoriashabitacionaisoudeconstrução habitacional.

Umatemáticacorrelataaestaéaformaçãodospro-fissionais, de várias áreas, envolvidosnas intervençõesemfavelas, cujasdeficiências forambastante apontadaspelosparticipantesdoSeminário.Avaliou-sequeessa formação,via de regra, não tem acompanhado o desenvolvimento das experiências e as necessidades desses territórios, resultan-do, por exemplo, em diagnósticos genéricos, que não per-mitemconhecerereconhecerarealidadelocal,nemdefinirestratégiasadequadasparaoseudesenvolvimento.Atítulodeexemplo,noqueconcerneàcartografiadafavela–istoé,comoasfavelastêmsidorepresentadasnosmapas–ob-serva-se frequenteconflitoentreas técnicasaplicadaseoideáriodosmoradores.Foi,então,ressaltadaanecessidadedeum retornodauniversidadepara a sociedade, a fimderenovar seu repertório de informações, conhecimentos econceitossobreesseobjetoetemática.

Com relação aos problemas que envolvem mais di-retamenteaexecuçãodosprojetos,observou-se,noSemi-nário, anecessidadedequeogerenciamentodeobrasesuametodologiaseadaptemmelhoràscircunstânciasdasfavelas e demais assentamentos populares que recebem

Com relação aos problemas que envolvemaexecuçãodosprojetos,observou-seanecessidadedequeo gerenciamento de obras e sua metodologia se adaptem melhor às circunstânciasdasfavelasquerecebemasintervençõesdeurbanização.Nesseâmbito,emergiucomforçaareflexãoa respeito dos canteiros sociais, que muitas vezes são gerenciados por empresasouONGs,verificando-sequeosrespectivosprofissionais,emgeral, ainda não compreendem a fundoaproblemáticaenvolvidanaurbanizaçãodefavelas

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as intervenções de urbanização. Nesse âmbito, emergiucommuitaforçaareflexãoarespeitodoscanteiros sociais, quemuitasvezessãogerenciadosporempresasouONGs,verificando-se queos respectivos profissionais, emgeral,ainda não compreendem a fundo a problemática envol-vida na urbanização de favelas e, portanto, não realizamadequadamente o papel de articular assistência social às açõesdepolíticaurbanaehabitacionaldesenvolvidasnointeriordoprojeto.

Dimensãoinerenteaosprojetos,osváriosprocessosde formalizaçãoaindalevantamagudaspreocupações,ten-doemvistasuasprováveisimplicações,nãosomentenoquetange aos modelos de titulação dominial da terra a serem adotados,mastambémnotocanteàsregulaçõesedilíciasedeusodosolo,e,porfim,àspolíticastarifáriasimplantadaspelasconcessionáriasdeserviçospúblicos,duranteouapósa urbanização.

Outro aspecto a ser cuidadosamente examinadoconsiste nos processos de reassentamento, que também acompanham fatalmente as intervenções deurbanização.Manifestou-se,noSeminário,clarapreocupaçãoquantoàsfrequentesdissociaçõesdessasmedidascomrelaçãoa si-tuaçõesdeindiscutívelsuperaçãoderiscoàvida,tendendoa legitimarprocessosderemoçãocapazesdeenfraquecerosentidodaurbanização.Aoladodisso,existemaindafor-tespreocupaçõesquantoaonãoatendimentodopreceitoquedeterminaquereassentamentosejarealizadoemlocalpróximo do original, levando os moradores reassentados a locais distantes e, logo, desarticulando as relações sociaisporelesconstruídas.

Emquepesemascontradiçõese limitesdasexpe-riênciasdeurbanização, foipatente,noSeminário,oreco-nhecimentodaqualidadedealgumasintervençõeseaim-portância de recuperar os aspectos positivos trazidos porelas.Omonitoramentoeaavaliaçãodeprojetos,programasepolíticaspúblicasserevelam,então,indispensáveisparaaverificaçãodeefetividadedessasaçõeseseuaprimoramen-tocontínuo.

Um dos pontos fortes do Seminário, no sentidoda renovação do debate sobre a urbanização de favelas,disse respeito à incorporação de questões pouco tradi-cionais nessa agenda, tendo como base estudos de caso recentemente desenvolvidos. Dentre essas novas ques-tões, podem-se enumerar a paisagem, o patrimônio cul-tural, a saúde e seus determinantes sociais, o problema doturismo,alémdeumaperspectivaeconômicaarespei-to desses territórios. No debate dessas questões, foram

problematizados,aexcessivapatrimonializaçãodasfavelaseaimportânciadapreservaçãodamemóriaeosmuseusdefavelas;aimportânciadeestabelecerarelaçãoentreasintervençõesemfavelaseo impactonasaúdedaspopu-laçõesenasuperaçãodavulnerabilidadesocioambiental;a preocupação com a assim chamada gentrificação, além daoportunidadeeconômicaepolíticadechamaraaten-çãoparaasdemandasdessasfavelasatravésdoturismo;opotencial de incorporação de modelos de turismo de base comunitária, compossibilidade de associar a valorizaçãode aspectos ambientais e socioculturais.

Emsuma,numaavaliaçãogeraldoSeminário,des-taca-se, como aspecto positivo, o tom crítico, reflexivo einclusivo observado na organização do evento e nos de-bates e atividadesmultifacetadas desenvolvidas ao longode seus quatro dias de atividades. Ressalte-se ainda, comigualimportância,oreconhecimentodoselementosfunda-mentaisquejustificamapermanência,nafavela,daquelesmoradores que teriam alternativas de moradia, elementos estesquedefinemas favelas como locaisdepotência: oslaçossolidáriosquenelaexistem,asmemóriascoletivas,osaspectos identitários, as respostas ágeis para a superaçãodosconflitoseenfrentamentodesuasdemandasmaisur-gentesdequalidadedevida,dejustiçaedepaz.

Emquepesemascontradiçõese limites das experiências de urbanização,foipatente,noSeminário,o reconhecimento da qualidade de algumasintervençõeseaimportânciade recuperar os aspectos positivos trazidosporelas.Omonitoramentoeaavaliaçãodeprojetos,programasepolíticaspúblicasserevelam,então,indispensáveisparaaverificaçãodeefetividadedessasaçõeseseuaprimoramentocontínuo

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PORDENTRODOSTERRITÓRIOS

Oúltimo dia do II Seminário sobre Urbaniza-çãodeFavelas(UrbFavelas)foimarcadoporvisitas aos territórios que foram pauta dedebates nos três dias anteriores. Foram cin-co roteiros que contaram com lideranças e moradores como parte dos organizadores e

guias locaisdas visitas: ZonaOeste; Subúrbio; Baixada Flu-minense; Tijuca e Zona Sul; Centro/Região Portuária. “Co-nhecerasfavelasparaalémdoqueagrandemídiamostraéjustamenteaparteimportantedetodooevento.”Assimde-finiuFabianadaSilva,participantedoseminário,emrelaçãoà visita ao roteiro da Baixada Fluminense, às comunidades de ParquedasMissões,VilaBeiraMare JardimGramacho,emDuquedeCaxias. “Falarde favelasemconheceresseterri-tório, que é parte da cidade, é o que cria esse estereótipo de queafavelanãofazpartedacidadeefomentaanegaçãodedireitosbásicos.Ofatodeosmoradorespoderemserparteativadasações realizadas tambémmostracomo foi rica aexperiência do evento como um todo”, completou.

Segundo Fabiana, nas três comunidades visitadas o queficouclaroéafaltadeserviçosbásicoscomosaneamen-toesegurança.Outroaspectointeressante,foiconhecerosterritórios a partir do olhar dos moradores. “Foi com certeza umdospontosfortesdetodaaexperiência”,disse.

Elacontouaindaqueficousequestionando“comoalgumaspessoaspodemviverdessa forma,comose fosse

uma escolha morar em meio a esgoto a céu aberto, lixão, di-vidindo vala com o brincar das crianças”. Para Fabiana, os es-paçosvisitados“nãosãofavelascom‘vista’paragringoverese compadecer pelas mazelas do abandono. Nesses lugares o que reina é a invisibilidade praticada contra os que nesses territóriosprecisamresistiresereinventarafimdelevarumdia de cada vez”.

Sobre a receptividade dosmoradores, Fabiana afir-mouqueamaioriaolhoucomestranhamento.“Essasfave-lassomentesãolembradasemépocadeeleiçõeseeventoscomoesseservemjustamenteparaquebraressepadrãoaomostrar para outras pessoas que esses territórios existem e persistem”,comentou.“MoronoParquedasMissõeshá20anos e nunca vi um evento como esse acontecendo aqui ou emoutrasfavelasdaBaixada.”

Dificuldades de manter equipamentos públicosTatianaTerry visitouas comunidadesdeBorel e Indiana,naTijuca,eaBabilônia,noLeme.Paraela,“avisitaacampoper-mitiuaosparticipantesdoSemináriopercebermelhorareali-dadedefavelasquenoRiodeJaneirosãobastantepeculiarespelatopografia,climaquenteegraudeconsolidação”.Tatianadestacouaimportânciadeinteragircommoradoresduranteavisita,oquedeusubsídiosparaavaliarasprioridadesquantoàurbanizaçãoeadificuldadedemanutençãodosequipamen-tos públicos após o término da obra. “No Borel, o contato com

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LOCAIS VISITADOS:VILAAUTÓDROMO,COLÔNIAJULIANOMOREIRA,TIJUCA,BOREL,INDIANA,CHAPÉU-MANGUEIRAEBABILÔNIA

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Mônicaquenosguioufoimuitorico.Elanosmostrouequipa-mentospúblicosfeitospeloPACFavelasquesãosubutilizadoseque,empoucotempo,porfaltademanutençãoecuidadodosmoradores,jáestãobastantedeteriorados.”

NaIndiana,segundoela,foipossívelouvirdepoimen-tos sobre o processo de remoção e resistência da população localnosúltimosanoseafaltadecontinuidadedasobrasdoMorar Carioca após a realização da Rio+20 e também sobre gentrificação,turismo,UPPs,entreoutrostemas.“Acreditoque houve um cuidadoso trabalho de informação sobre avisita na comunidade antes da chegada do grupo por parte de nossos guias locais para evitar qualquer contratempo de-sagradável,poisalgunsconfrontoscomapolíciaocorreramnoBoreleBabilônianasemanaantesdodiadasvisitas”,ob-servou. “A visita ao local permite perceber com maior niti-dezcomoarealidadedafavelaécomplexa,comoparaummesmoproblemaexistemdiferentessoluçõesequemesmoaparticipaçãocomunitária,quandoacontece,étambémre-vestidadeinteressesecontradições”,concluiu.

ApósconheceraVilaAutódromo,oparticipantedoseminárioLuizCláudiodaSilvadeclarouqueavisitaàs fa-velasédeextremaimportânciaparaentenderaquestãodaurbanização, inclusive para acabar com estereótipos. “Foi fundamentalparaumaaproximaçãoequebrade tabusdotipo:‘favelaélugardebandidos,lugarperigoso,localdepes-soas ignorantes’.Essatrocade informaçõeseexperiênciaselucidaquenemtodosquemoramemfavelassãopessoasdesinformadas,perigosasoualienadas.”

Para ele, é a partir dessa troca que será possívelconstruir uma sociedade não excludente. Ele ainda suge-riuqueoUrbFavelasaconteçacommaisfrequênciaesejaumaferramentaparaprotegerasfavelasderemoçõesfor-çadas.“Osparticipantespuderamsairdaparteteóricaparaarealidade”,finalizou.

Organização popular na autoconstruçãoEntre os roteiros organizados pelo UrbFavelas esteve a Co-lônia Juliano Moreira, em especial a experiência da Coope-rativa Esperança. De acordo com Andre Sobrinho, um dos coordenadores da atividade, a escolha do local permitiu aos participantes“compreenderasdiferentesdimensõesdeumprocesso de organização popular de autoconstrução de mo-radias,bemcomoseusignificadoemumterritórioconcreto,carregadodetensõesecontradições,equepossuicaracterís-ticas peculiares em seu histórico de ocupação e urbanização”.

Sobrinho ressaltou a riqueza da organização comu-nitáriaparaaautoconstruçãodascasasechamouaatençãoparaosdesafiosdo trabalho coletivoenvolvendo recursos

públicos“e,aomesmotempo,interessessubjetivosnoquediz respeito a algo tão especial e simbólico na vida de cada uma das pessoas envolvidas que é construir o seu lugar de moradia”. Entre os exemplos trazidos por ele estão os acor-dosedecisõesdeliberadasemassembleias,asnegociaçõespolíticasinternasàcooperativaeexternasaosparceirosins-titucionais, a definiçãodecomissõesde trabalhoque têm

comofocodesdeaalimentaçãoaosprocessosdecomprados materiais de construção, a transparência nos gastos e as tensõesenvolvendoosatorespolíticospresentesnoterritó-rio,comoasmilícias.

Outro aspecto apontado por ele foi a ida às casasconstruídas.“Teveumapeloemocionalforte,poishaviaumasatisfaçãodosmoradoresemabrirsuasportaseapresentarsuas casas. Nem todos os moradores estavam no debate no momento anterior e ainda assim não se opuseram em valori-zar o momento da visita, acolhendo pessoas desconhecidas em suas casas.”

JuremadaSilvaConstâncio,representantedaUniãopor Moradia Popular do Rio de Janeiro e colaboradora do projetoGrupoEsperançanaColôniaJulianoMoreira,foiumadasqueparticiparamdaatividade.“Essasnovasfamílias,quepor muito tempo aguardaram pelo direito à moradia digna, sejuntaramamoradoreshistóricosdaColôniaJulianoMorei-ranãosóparaaconstruçãodenovashabitações,maspelaurbanização,quejuntotrouxeoutrasmelhoriasparaonovobairro”, contou. “Quanto aos participantes do Seminárioachoquenemtodosacreditavamqueoqueviramerapossí-vel: construção com autogestão”, concluiu.

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“A visita ao local permite perceber com maior nitidez como a realidade dafavelaécomplexa,comoparaum mesmo problema existem diferentessoluçõesequemesmoaparticipaçãocomunitária,quandoacontece, é também revestida de interessesecontradições”TatianaTerry

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CARTA MANIFESTOA carta manifesto que ora apresentamos é um esforço de síntese das contribuições da comissão organizadora e do comitê científico do II Seminário de Urbanização de Favelas, aos quais agradecemos. O propósito maior é, além da convergência de ideias e proposições, no contexto de uma conjuntura adversa, apresentar posições e propostas de uma agenda efetiva de políticas públicas de urbanização de favelas. Leia a seguir

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CARTA MANIFESTO

Nós,osparticipantesdoIISeminárioNacionaldeUrbanizaçãodeFavelas,realizadonacidadedoRiodeJaneiroentreosdias23e26denovembrode2016,compreendemosqueosimperativoseconômicofinanceiroseaimposiçãodeajustesfiscaisameaçamprevalecersobreasagendasde

políticaspúblicasdopaís.Diantedestecenáriopolítico-institucional,manifestamosonossoquestionamentoemrelação

aosretrocessosnaspolíticasdesuperaçãodedesigualdadessocioespaciais,emespecialdeurbanizaçãodefavelas,deregularizaçãofundiáriaedoprovimentodamoradiadeinteressesocial.

E,comveemência,nosposicionamosnadefesadacontinuidadeedoaperfeiçoamentodosavan-çosconquistados,emsintoniacomosObjetivosdeDesenvolvimentoSustentáveledaNovaAgendaUrbana(HabitatIII),recentementeconsolidadosemâmbitointernacional.

Considerandoqueoacessoàterraeàmoradiadignadevesertematransversalàspolíticaspúbli-cas,aperspectivadeumaagendaefetivadepolíticadeurbanizaçãodefavelas,comoumcomponentefundamentalparatornarascidadeseosassentamentoshumanosjustos,democráticos,equânimesesaudáveis,deveafirmarasseguintespropostascomoprioritárias:

1.Devemserdefinitivamenteabandonados,comoaçãodeEstadoedosgovernosemtodososníveisdaFederação,apolíticaderemoçãodefavelaseodeslocamentoforçadodepopulações.

2.OSistemaNacionaldeHabitaçãodeInteresseSocial(SNHIS)eofluxoregularderecursosaoFundoNacionaldeHabitaçãodeInteresseSocial(FNHIS)devemserpreservadoseampliadoscomode-ver do Estado.

3.APolíticadeUrbanizaçãodeFavelasdeveestar integradacomaspolíticasde regularizaçãofundiária,provisãodemoradiaadequada,assistênciatécnicaemelhoriashabitacionais,recuperaçãodeimóveisdegradados,nocontextodasHabitaçõesdeInteresseSocial.

4.Aregularizaçãofundiáriadeveserconsideradacomocomponenteessencialdaurbanizaçãoeelementoimprescindívelparasematerializarodireitoàmoradia,pormeiodeprocessosadministrativosejurídicosqueatendamaespecificidadedosusosdosterritóriosfaveladoseviabilizemformasderegu-laçãourbanacomadesãosocialepolíticaporpartedosmoradoresdefavelas.

5.OsPlanosDiretoresMunicipaisparticipativosdeverãofixardiretrizesparaestabelecimentodapolíticadeurbanizaçãodefavelaseprovisãodamoradiapopular,commetasefinanciamentonaformadaLei,definindolocalizaçãoecondiçõesdehabitabilidadeadequadas,inclusiveocupandoosvaziosur-banoseáreasvizinhasàsmoradiaspopulares,paraocumprimentodafunçãosocialdapropriedade,emcontraposiçãoàperiferizaçãodapopulaçãodebaixarenda.

6.Apolíticadeurbanizaçãodefavelasdeveráestaracompanhadadeumaagendaintersetorialdepolíticaspúblicasdeeducação,saúde,cultura,ambienteelazer,contribuindoparaasuperaçãodasdesigualdades sociais e territoriais presentes nas cidades.

7.ApolíticapúblicadeEstadodeurbanizaçãodefavelasdeveráobrigatoriamentecontarcomaamplaeativaparticipaçãodosmoradoresdasfavelasnoseuprocessodeformulação,controleeavalia-çãodeplanos,programas,projetoseobras,garantindodireitoseevitandoobrasmidiáticasesupérfluas,contraditóriasaosinteressesdaspopulaçõesenvolvidas.

8.Apolíticapúblicadeurbanizaçãodefavelasdeverásuperarasdesigualdadessocioespaciaisesimbólicas,afirmandocomoseuobjetivofinalaeliminaçãodepráticasdiscriminatóriasediscricionáriasdesses territórios, com a garantia plena e integral de acesso aos direitos humanos para seus moradores, bemcomoofornecimentoemanutençãodeequipamentos,mobiliárioeserviçosurbanosemqualidadeanálogaaosdemaisbairrosdacidade.

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O III SEMINÁRIO NACIONAL DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS (URBFAVELAS) a ser realizado em Salvador/BA,em 2018, visa, em primeiro lugar, atualizar o debate acerca da urbanização de favelas, reforçando a importância dessatemática,particularmentenoqueserefereàdiscussãodapo-líticaeaofinanciamentodeintervenções,emumaconjunturaadversa,considerando-seomomentocríticodapolíticabra-sileira,tantonoqueserefereaoaportederecursospúblicos,quanto sob o aspecto da ética e do compromisso social. Em segundolugar,arealizaçãodoseminárionaregiãoNordeste,diferentementedasduasprimeirasedições,buscaampliarodebate a partir de olhares que nos permitam conhecer novos pontosdevistasobreotema.Dessemodo,estima-senestaedição, uma maior participação de trabalhos acadêmicos, de movimentosedeprofissionaisnordestinos,ondeorepertó-riosobreocampohabitacional,emaisespecificamenteode

urbanizaçãode favelas,precisasermaisdifundidonoBrasil.Paraalémdofortalecimentodeumaredenacionaldeprofis-sionaisdo ramodeurbanizaçãode favelas, espera-senestaterceiraediçãodoevento,queoSeminárioagregueesforçose amplie a discussão acadêmica na América Latina, abrangen-doacomunicaçãodeexperiênciaslatino-americanasdeurba-nizaçãodefavelas.

O Seminário será realizadonaUniversidadeCatólicadeSalvador(UCSAL),sobacoordenaçãodoProgramadePós--GraduaçãoemPlanejamentoTerritorialeDesenvolvimentoSocial e o Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo. AUCSALtemcomomissãocontribuirparaatransformaçãoda sociedade formando profissionais cidadãos, críticos ecomprometidos com solução dos problemas e desafios darealidadesocial,privilegiandoasdimensõesética,socialehu-mana,ainclusãoeaproduçãodeconhecimentoscientíficoe

Eventonacapitalbaianaem2018seguedifundindoadiscussãosobreurbanizaçãodefavelas;alémdepromover a troca de experiências e saberes, terceira ediçãofortaleceráredelatino-americana

RUMOASALVADOR

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tecnológico.OCursodeArquiteturaeUrbanismo,implantadoem2015,contemplapesquisas,estudoseprojetosemhabi-tação social através dos grupos de pesquisa, dispondo ainda deumadisciplinaespecíficaparatratardotema.Comisso,foireforçadoocompromissodepromoveracontínuaintegraçãodoCursocomtemasrelacionadosafavelas,cortiços,assenta-mentospopulareseocupaçõesemáreascentrais,mediantepráticasacadêmicas,quefavorecemainterdisciplinaridadeea indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Nessesentido,alémdaimportânciadatemática,destaca-seacompletaaderênciadamesmacomosprincípiosecompro-missos da UCSAL.

Recentemente tivemos a oportunidade de discutir os propósitoselinhasgeraisdoIIIUrbFavelas,emColóquioorga-nizadopeloLEPUR/UFABCeLABHAB/FAUUSP,emSãoPaulo,noqualforamdebatidososdesafiosdaagendapolíticaeda

pesquisaemurbanizaçãodefavelas.Oencontro,quereuniuprofissionaisdediversasregiõesdopaís,contemplouimpor-tantes discussões que iluminaram a questão, contribuindoparao entendimentodequeháumgrande caminho a sertrilhadonoquetangeàrecuperaçãodaformaçãohistóricaerecentedasfavelasnopaís.Ressalte-seaindaosdesafiospro-gramáticos,projetuaise,porquenãodizer,políticosnomo-mento em que temos assistido à uma perda de investimentos para este campo.

O IIIUrbFavelas será, alémde importantemomentode encontro para troca de saberes sobre o tema, oportunida-deparaarticulaçãodemilitantesnaárea,emumcontextopo-líticobrasileironoqualestaagendaprecisaráserreivindicada.

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FORMATO:21X27,5CM

TIPOLOGIA:INTERFACEEFISHFINGERS

PAPEL:COUCHEFOSCO,115G/M2(MIOLO)|CARTÃODUO

DESIGN300G/M2(CAPA)

NÚMERODEPÁGINAS:48

IMPRESSÃO:GRÁFICASMARTPRINTER

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Ascaracterísticas,alcanceselimitaçõesdasintervençõesrecentes em urbanização de assentamentosprecáriosforamdebatidosnoIISeminárioNacional sobre Urbanização de Favelas, realizado no Rio de Janeiro. Esta publicação reúne reflexõesdoeventoereafirmaaimportânciademanteraurbanizaçãodefavelasnapautadapolíticaurbanaemtodososníveis,dolocalaointernacional.

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