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Anais Eletrônicos do IV EHECO, Campo Grande, MS, 2017, ISSN 22374310
REGISTROS HISTÓRICOS DE GRAMÁTICA E HISTÓRIA: cadernos de anotações e formação de professores/Dourados 1970
Clóvis Irala1 Jackson James Debona2
Resumo O presente trabalho busca compreender aspectos da formação de professores leigos rurais no município de Dourados, Sul de Mato Grosso, a partir da análise de materiais didáticos e registros utilizados por professores que estiveram em exercício efetivo da profissão durante a década de 1970. A metodologia assenta-se em examinar a documentação obtida com professores leigos, em especial cadernos de anotações utilizados em cursos de formação de professores, oferecidos pelo Estado de Mato Grosso, para habilitar pessoas interessadas no exercício do magistério. A leitura de impressos relacionados a assuntos pedagógicos, apoiados na concepção de dispositivos de ensino, circulação de ideias e apropriação cultural, assentados no aporte da Nova História, na vertente da Historia Cultural e a discussão das teorias de currículo como artefato histórico, que congregam marcas do seu tempo e o interesse dos grupos em disputa, propostas por Ivor Goodson (2001), Pierre Bourdieu (2001) dentre outros, o que nos possibilita abrir novas perspectivas de pesquisa, contribuindo para a construção dos fatos históricos. A partir do exame preliminar dos documentos, pode-se confirmar a existência de cursos de formação de professores para o magistério rural na década de 1970, tendo feito parte da turma do curso magistério rural de férias, ofertado pelo Colégio Osvaldo Cruz de Dourados no mês de janeiro de 1970, a professora Jair Martins Ferreira, que ministrava aula na Escola Rural Mista Coronel Ramiro Fernando de Noronha – Distrito da Picadinha, conforme consta no caderno de anotações de História e de Gramática. Palavras-chave: Cadernos de Anotações. Formação de Professores. Mato Grosso.
Introdução
Este trabalho tem como objetivo, compreender aspectos da formação de
professores leigos rurais no município de Dourados, Sul de Mato Grosso, a partir da
análise de materiais didáticos e registros utilizados por professores que estiveram em
exercício efetivo da profissão durante a década de 1970, privilegiando os cadernos de
1 Mestre em Educação - Faculdade de Educação da UFGD-Universidade Federal da Grande Dourados. Graduado (em Pedagogia- Centro Universitário da Grande Dourados UNIGRAN). Professor no curso de Pedagogia presencial do Centro Universitário da Grande Dourados-UNIGRAN. Professor na Educação Infantil, da rede Municipal de Educação de Dourados-MS. E-mail: [email protected] 2 Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Especialista em Metodologia do ensino de História e Geografia. Graduado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS e Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Palmas. Professor no Ensino Fundamental – Anos Finais, da rede Municipal de Educação de Dourados-MS.
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história e gramática da professora Jair Martins Ferreira, da Escola Rural Mista Coronel
Ramiro Fernando de Noronha (atual escola Geraldino Neves Correa), localizada no
Distrito da Picadinha. Esses cadernos fizeram parte do material de formação da referida
professora, no curso de magistério rural de férias, ofertado pelo Colégio Osvaldo Cruz
de Dourados, no mês de janeiro de 1970.
A escolha pela escrita deste trabalho sobre os cadernos de registros de uma
professora do ensino primário rural no município de Dourados está relacionada ao fato
de que eles fazem parte do acervo de fontes documentais que foram levantadas para a
escrita da história da escola Geraldino Neves Correa3, as quais, no entanto, ainda não
foram exploradas em estudos anteriores.
Entendendo a potencialidade da fonte para discutir uma problemática paralela
aos estudos sobre a formação de professores em Mato Grosso, e contando com o esforço
colaborativo das ferramentas de análise, próprias do ofício do historiador, aliadas à
experiência no trato com as lides teóricas do campo da educação, esse trabalho propõe
evidenciar as potencialidades de uma fonte histórica, como os cadernos escolares, mas
na perspectiva dos professores, no papel de alunos à época, visto que o contexto em que
a documentação se inscreve é o curso de formação de professores. Como aponta Irala
(2014, p. 41).
O ensino primário em Mato Grosso foi marcado por alguns aspectos, como a criação dos grupos escolares, escolas, escolas reunidas, além da criação do Liceu de Cuiabá e da Escola Normal de Cuiabá, todas criadas visando o atendimento às crianças moradoras na zona urbana e também pela reorganização da instrução pública por meio da Lei 533, de 04 de julho de 1910, no governo de Pedro Celestino. Este documento conduziria a reorganização e cuidado com o ensino, consolidando propostas para investir na instrução pública primária e impulsionando o ideário da educação. Este mesmo documento autorizava a contratação de nove normalistas formadas pelas escolas normais de São Paulo. Assim processou-se a formação e contratação de professores normalistas em décadas subsequentes no Estado de Mato Grosso.
Diante das informações, buscamos elementos para compreender aspectos do
curso de formação de professores, como no caso da professora Jair Martins Ferreira,
buscando compreender que materiais eram utilizados na formação desses professores
3 IRALA, Clóvis. Educação rural em Dourados: a escola Geraldino Neves Correa 1942-1982. (Dissertação em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal da Grande Dourados, 2014.
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leigos e em que período do ano se ofertava essa formação na área rural da região de
Dourados.
Nesse sentido, a metodologia deste trabalho assenta-se em examinar a
documentação obtida com professores leigos, especialmente cadernos de anotações
utilizados em cursos de formação de professores oferecidos pelo Estado de Mato
Grosso, para habilitar pessoas interessadas no exercício do magistério.
Para subsidiar as análises dos estudos, dialogamos com o referencial
bibliográfico em duas vertentes: as leituras de impressos relacionados a assuntos
pedagógicos, apoiados na concepção de dispositivos de ensino, circulação de ideias e
apropriação cultural e s nos aportes teóricos da Nova História, na vertente da História
Cultural e a discussão das teorias de currículo como artefato histórico, que congregam
marcas do seu tempo e interesses dos grupos em disputa, propostas por Ivor Goodson
(2001), Pierre Bourdieu (2001) dentre outros.
A Nova História Cultural ampliou o campo de abordagens dos historiadores a
novos horizontes, pois os acontecimentos presentes na vida cotidiana e as
personalidades históricas começaram a ser analisadas e estudadas. Assim, as
contribuições da Nova História Cultural surgiram da “[...] emergência de novos objetos
no seio das questões históricas, como as formas de sociabilidade, as modalidades de
funcionamento escolar, entre outros” (CHARTIER, 1990, p.14). É nesta perspectiva que
analisar a documentação pessoal da professora Jair Martins Ferreira (cadernos de
história e gramática), nos permite ampliar os horizontes para o campo das abordagens
históricas sobre temas e acontecimentos presentes na vida cotidiana das personalidades
que foram silenciadas pelos recortes de períodos, objetos e abordagens, resgatadas pela
análise documental dos historiadores da educação.
Assim, podemos afirmar que a historiografia tem buscado ultrapassar os limites
de uma tradição dos discursos e de documentos oficiais para a escrita da história.
Atualmente, as produções tomam como ponto de partida os seus sujeitos, a política,
geografia e aspectos socioeconômicos de uma determinada região, ampliando as
discussões e contribuindo para a produção histórica por meio dos escritos e pesquisas,
para assim pensar a formação de professores em Dourados, na perspectiva de
possibilidades historiográficas.
Em consulta ao banco de dados de dissertações defendidas na Faculdade de
Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourado (UFGD), não foi
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possível encontrar trabalhos (Dissertações e Teses) que versem sobre a temática, em
específico, “cadernos de anotações de formação de professores”. Desse modo, para além
das análises, justificamos que pesquisas sobre cadernos de formação de professores seja
um campo profícuo para novas investigações e novos olhares, contribuindo com a
historiografia regional e local sobre os sujeitos professores.
A Educação no Município de Dourados e Região
O município de Dourados foi criado durante o período da segunda República
(1930-1945). Inicialmente, o seu crescimento foi lento, em virtude das dificuldades de
acesso, comunicação e transporte. Mesmo com todas as dificuldades apresentadas e a
precariedade de recurso básico para habitação, a região chamou a atenção de muitas
pessoas em busca de riqueza e de novas terras, principalmente pela qualidade do solo,
cuja fertilidade fez com que Dourados se tornasse um município em ascensão. Esse
momento de grande crescimento populacional em Dourados foi marcado, durante o
governo de Getúlio Vargas, mais precisamente entre os anos de 1937 a 1945, período
denominado Estado Novo, pelo lançamento da Campanha “Marcha para Oeste”, que
consistia na política de incentivo ao povoamento da parte oeste brasileira.
O projeto de colonização idealizado pelo governo de Getúlio Vargas estabelecia-
se, e dentre suas políticas estava a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados
(CAND), criada em 1943 pelo decreto-lei 5.941, de 28 de outubro, na parte Sul do
estado de Mato Grosso. Muitas famílias deslocaram-se para a Colônia, atraídas pelas
propagandas emitidas por Vargas nos veículos de comunicação oficial ou por
informações de familiares e amigos que, ao tomarem conhecimento da doação dessas
terras, apressavam-se em avisar suas famílias. Para ocupar as terras da Colônia Agrícola
Nacional de Dourados – CAND vieram migrantes de quase todas as regiões,
principalmente do Nordeste. À época, também vieram imigrantes de países da América
Latina, Europa, Ásia e Japão. A implantação da Colônia Nacional Agrícola, no entanto,
não proporcionou para o município de Dourados apenas a expansão demográfica, com o
povoamento dos “espaços vazios” da localidade, mas trouxe, também, transformações
econômicas, políticas, culturais e sociais. Essas mudanças aceleraram o desenvolvimento
urbano, com a instalação, a partir de 1950, de hospitais, bancos, cinema, clubes,
telefone; ampliação do comércio, loteamentos imobiliários; a criação de associações de
classe e, também, de mais escolas.
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As transformações ocorridas no espaço urbano de Dourados, devido ao
progresso motivado pela colonização, também tiveram um papel significativo na área da
educação, que pode muito bem ser analisada dentro dessa perspectiva, uma vez que a
criação da CAND acabou por incentivar a oferta de instrução e a atuação federal na
região de Dourados, na construção de escolas. A esse respeito, Gressler e Swensson
(1988, p. 100) registram que em 1946, o Decreto Municipal nº 70 estabelecia o
regulamento da Colônia Agrícola Municipal de Dourados e, no seu art. 22, determinava
a oferta de “instrução primária” gratuita para os filhos de colonos, com frequência
obrigatória. Além disso, o artigo 38 estabelecia multa de Cr$ 100,00 para pais de
menores não frequentes e o “comparecimento intermédio da autoridade policial”.
Antes da colonização desencadeada pela Marcha para o Oeste, a educação
crescia lentamente em Dourados. No início, ela acontecia nas fazendas da região e/ou
nas próprias casas dos professores e alunos. Somente na década de 1930 é que se
registra, na cidade, a criação de escolas na área urbana, com a criação de instituições de
ensino, como a Escola Reunida das Professoras Ernani Rios e Antônia Cândido de
Melo; a Escola Moderna (escola ativa com método visual-auditivo); a escola do
professor Laucídio Paes de Barros; a escola do Professor Gonçalo e a da Professora
Antônia da Silveira Capilé (FERNANDES; FREITAS, 2003).
Em 1939 foi instalada a primeira escola confessional, com turmas de 1ª a 4ª
série, em 6 de abril, a “Escola Erasmo Braga”, em Dourados. Essa instituição era de
caráter privado e confessional, ligada à Igreja Presbiteriana do Brasil. As suas primeiras
experiências escolares aconteceram na Casa de Culto. A influência da Igreja Católica na
educação em Dourados ocorreu a partir do início dos anos de 1940, mais precisamente
em 1941, com a criação da Escola Paroquial Imaculada Conceição.
Ao prosseguir na análise do papel desencadeado pela colonização na educação
em Dourados, é oportuno registrar que, entre o final dos anos de 1940 e a década de
1950, foram criadas escolas importantes na cidade: o primeiro Grupo Escolar, “Joaquim
Murtinho”, a Escola Paroquial “Patronato de Menores”, as primeiras escolas de ensino
secundário, o Colégio “Osvaldo Cruz”, a Escola “Imaculada Conceição”, das Irmãs
Franciscanas e o Colégio Estadual “Presidente Vargas”.
O Grupo Escolar “Joaquim Murtinho” foi criado pelo decreto nº 386, de 22 de
novembro de 1947, pelo governador de Mato Grosso. Esse Grupo Escolar constituiu-se
o primeiro na modalidade de escola primária em Dourados, uma vez que até esse
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período, o ensino primário era apenas oferecido na Escola Erasmo Braga, nas escolas
reunidas e nas escolas rurais isoladas.
O Colégio Osvaldo Cruz, instalado em Dourados no ano de 1954, foi a primeira
instituição a oferecer o ensino ginasial na cidade. Esse Colégio iniciou suas atividades
com o curso primário e o curso ginasial, oferecidos em dois turnos, no diurno e no
noturno. Em 1960, passou a oferecer o curso Técnico em Contabilidade e, em 1965,
instalou o Curso Normal, tornando-se a segunda instituição de ensino de Dourados a
oferecer formação de professores primários.
Em 1955, foi criada pelas Irmãs Franciscanas, vindas do Rio Grande do Sul, a
Escola Imaculada Conceição. No início, as irmãs ofereceram, na Escola, apenas o Curso
primário. Somente em 1958 passaram a oferecer também o Curso Ginasial e o Curso
Normal. Este último constituiu-se o primeiro de formação de professores primários
oferecido na cidade de Dourados. O curso contava com o Normal Regional (Primeiro
Grau) e o Normal Colegial (segundo grau), conforme prescrevia a Lei Orgânica do
Ensino Normal de 1946.
Apesar de o Colégio “Osvaldo Cruz” e a Escola “Imaculada Conceição” terem
conferido certo ar de progresso e valorização cultural no ensino secundário em
Dourados, foi a Escola Estadual Presidente Vargas, criada em 1951, pelo governo de
Mato Grosso, e instalada no ano de 1958 que trouxe prestígio para a cidade, no contexto
do ensino secundário em Mato Grosso.
A documentação e a investigação histórica
Os cadernos escolares vêm sendo, pouco a pouco, elevados ao status de fonte
significativa na compreensão de aspectos não evidenciados em documentos de outra
natureza sobre a história da educação, sobretudo aquela de matriz escolar. Jean Hébrard
(2001) destaca a importância dessa fonte, qualificando-a como testemunho de parte do
trabalho realizado na escola. Embora, às vezes, constituam apenas uma parte da
representação do que ocorre na sala de aula, apresentam modos pelos quais se objetiva,
no contexto intraescolar, o ato da escrita. Em consonância com o que é apontado por
Hébrard (2001), como o objetivo da pesquisa, os cadernos escolares são entendidos
como instrumento privilegiado na identificação de variáveis que indiciam dimensões da
prática docente. Este é, pois, um trabalho que concebe os cadernos escolares como
documentos significativos, que apesar de não abrangerem toda a escrita organizada na
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sala de aula, traduzida a partir da interação com outros suportes que vão desde a folha
solta até a tela do computador, informam sobre uma parcela do que nela ocorre.
Dadas as indubitáveis vantagens que os cadernos escolares oferecem – em comparação com as prescrições oficiais, os livros de texto e os programas ─ para conhecermos e nos aproximarmos do currículo real, pode-se cair na tentação de que essa fonte reflita quase toda a realidade escolar. [...] o que podemos fazer é nos aproximarmos do passado e reconstruí-lo de modo parcial e com um enfoque determinado. [...] Nem tudo está nos cadernos. (VIÑAO FRAGO, 2008, p. 25).
A professora Jair Ferreira Martins residia no município de Dourados, mais
especificamente no distrito da Picadinha, onde ministrava aulas na Escola Rural Mista
Coronel Ramiro Fernando de Noronha. Essa condição geográfica não a impedia de ter
acesso e fazer uso de jornais, revistas e livros diversos, “era uma pessoa bem informada,
sendo assinante do jornal O Progresso desde sua fundação”4. Face ao exposto, a
apropriação de informações pela professora Jair, através da literatura, possivelmente
complementava a sua formação enquanto professora.
Podemos ainda destacar que a referida professora foi esposa do senhor Abílio
Ferreira, que mantinha um Cartório de Ofício no referido distrito, e que ainda
participava da vida política, à época, filiado ao PSD (Partido Social Democrático). A
professora, também participava das discussões políticas, haja vista, que acompanhava
seu esposo Abílio Ferreira nas reuniões do partido PSD, que tinha como companheiros
políticos o ex-deputado Federal Weimar Gonçalves Torres, Onofre Pereira de Matos,
Albino Torraca, José Augusto de Matos Pereira, além do petebista contador, ex-
vereador, deputado Vivaldi de Oliveira. (JORNAL ELETRÔNICO DOURADOS
NEWS 2009).
Desse modo, justificamos aqui, que nas tentativas de reconstruir o passado,
mesmo analisando o conteúdo das fontes, lacunas irão persistir.
A escola, como espaço de atuação da professora Jair Martins Ferreira,
caracterizava-se por ser frequentada por crianças moradoras no distrito da picadinha e
por uma grande parte crianças de sítios e fazendas no entorno do Distrito. As salas eram
multiseriadas, e a professora ministrava aulas da 1ª a 4ª série dos anos iniciais.
4 Fala do Senhor José Tibiriçá Martins Ferreira, filho da professora Jair Martins Ferreira, em entrevista
concedida a Clóvis Irala.
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A forma pela qual o ensino era estruturado à época, não permitia a formação
continuada concomitantemente com os dias letivos. Os cursos de “aperfeiçoamento”
eram feitos durante as férias escolares dos alunos. Os professores montavam
acampamentos nas localidades onde eram oferecidos os Cursos de Magistério para os
professores Leigos. No caso da professora Jair Martins Ferreira, a produção dessas
anotações foi feita na localidade da Vila São Pedro, onde o curso estava sendo
oferecido.
Como podemos observar no caderno de anotações de história e de gramática da
professora Jair Martins, que segue abaixo, a produção de anotações, que à época lhe
ofereciam subsídio para sua formação, torna-se, à mão do pesquisador, uma fonte e um
documento de elevado grau de importância simbólica de um tempo. Nas anotações da
professora Jair, foi possível observar a carga semântica indicada nos contornos de um
pensamento teórico pedagógico, desenhado como prática á época.
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Imagem 1 - Caderno de anotações de História
Fonte: Acervo particular de Clóvis Irala.
Nas páginas iniciais do caderno de história da professora Jair Martins Ferreira5,
com data em 1º de janeiro de 1970, um caderno de capa fina, a palavra colegial, com
imagens de crianças uniformizadas adentrando ao interior de uma instituição escolar,
com 48 folhas, e, na contra capa, a letra do Hino Nacional, com o carimbo das
Indústrias Reunidas Irmãos S.A, acrescentado a palavra DE LUXE. Neste caderno,
destacam-se os seguintes conteúdos ministrados para a disciplina de história:
“Finalidade da história não é apenas expor os fatos e acontecimento na ordem em que
se desenvolveram na vida dos povos, mas estudar os motivos que originaram tais
acontecimentos. Dividem-se em: Nacional, geral e universal”. (anotação da professora
no interior do caderno).
5 Sobre os cadernos, importante salientar que eles foram doados a Clóvis Irala, no ano de 2016, pelo então
senhor José Tibiriçá Martins Ferreira, filho da professora Jair Martins Ferreira.
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É possível observar que as orientações transmitidas aos professores no curso,
conforme a análise dos conteúdos nos cadernos, as impressões e em que contextos
deveriam ser ministrados as aulas, numa perspectiva de pesquisar os fatos e elucidar
seus acontecimentos. Podemos compreender estas etapas como regras do currículo,
utilizadas como ferramentas pedagógicas do saber, do poder, e dos conteúdos na
formação dos professores, que seriam posteriormente transmitidos aos alunos.
Ao tratar o caderno como objeto de memória, pertencente a uma professora da
escola rural no município de Dourados, é possível, relacionar este material à ideia da
indústria bem como, as questões ideológicas daquele período. Outra fonte a ser
analisada, que nos possibilita interagir com as informações e com a memória desta
professora, são as anotações contidas na imagem 2.
Imagem 2 - Cadernos de anotações de gramática
Fonte: Acervo partículas Clóvis Irala
Este caderno apresenta nas suas páginas iniciais registros e as considerações
sobre o conteúdo de gramática. Sua datação é a mesma do caderno de história, que é a
de 7 de janeiro de 1970.
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O primeiro conteúdo ministrado, no dia 07 de janeiro de 1970, dizia respeito aos
encontros consonantais de uma ou mais consoantes na mesma sílaba. Outro assunto
abordado foi a acentuação gráfica. Esses conteúdos foram trabalhados
metodologicamente através de exercícios. Destacamos os encontros consonantais
trabalhados: cravo, flôr e branco.
Os conteúdos de acentuação gráfica foram trabalhados metodologicamente
através de exercícios de acentuação gráfica: “Acentuação gráfica exercício. Acentuar as
seguintes palavras quando necessário: cajá, cipó, tambem, parabens, possivel, hifen,
açucar, torax, album entre outras”.6
Sobre o processo dos cursos da professora Jair, é importante destacar três
aspectos importantes: era comum que professores que ministravam aulas nas escolas
rurais não possuíssem habilitação específica. A partir dos anos de 1970, os docentes das
escolas da região de Dourados – MT começaram a procurar cursos de formação de
professores para se habilitarem em Cursos de Magistério e por fim, os professores de
deslocavam, à época, até a Vila São Pedro, e lá ficavam acampados nas escolas para
estudarem. Os professores ministradores vinham de São Paulo (IRALA, 2014 p. 96).
De modo geral, pode-se dizer que a professora Jair iniciou a docência na Escola
Geraldino Neves Correa, ainda como professora leiga e a formação dessa professora foi
adquirida ao longo do exercício da atividade docente, sobretudo em Cursos de
Magistério.
Considerações finais
Pode-se inferir que esses cursos de formação denunciam a falta de professores
habilitados para atuarem nas escolas rurais. Os cursos ofertados não disponibilizavam
outros tipos de material pedagógico, a não ser os escritos e anotações feitas pela
professora durante o período de sua formação caso aqui dos escritos no caderno de
história e gramática da professora Jair Ferreira.
Além do fomento de pesquisas históricas, este trabalho possibilitará à
organização e geração de um instrumento de pesquisa, na forma de um inventário, com
vistas a promover a produção historiográfica sobre as instituições educativas do Sul de
Mato Grosso, o que favorecerá novos estudos e contribuirá para a História da Educação
6 As palavras estão escritas conforme consta no caderno da professora Jair Martins Ferreira.
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dessa região. Além disso, as fontes documentais coletadas e pesquisadas podem
contribuir para outras investigações de mesma natureza.
Referências
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FERREIRA, José Tibiriçá Martins. Picadinha e sua história. Douradosnews. Dourados MS. 22 Dezembro 2009. Disponível em: <http://www.douradosnews.com.br/noticias/picadinha-e-sua-historia- 481b6456328d2d9232b21147d20e110/376547>. Acesso em: 07 out. 2017.