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A Cartilha da Semana de Alimentação Escolar de 2014 tem por objetivo auxiliar os profissionais de saúde e de educação a trabalharem o tema da semana. O material consta de alguns subsídios teóricos além de propostas de atividades a serem trabalhadas com os alunos, pais, professores, manipuladores de alimentos acerca da temática desse ano, a regulação da publicidade de alimentos. Em breve será postada uma versão da cartilha diagramada.
Citation preview
Regulação da publicidade de alimentos para
crianças
Uma questão de direitos e cidadania
Semana de Alimentação Escolar
2014
Introdução
A escola é um espaço privilegiado para promoção da saúde e desempenha papel
fundamental na formação de visões de mundo, valores e atitudes, entre elas, as práticas
alimentares. É justamente nesse espaço que a Semana de Alimentação Escolar (SAE) se
destaca como uma estratégia importante para promoção da alimentação saudável.
Na cidade do Rio de Janeiro, a SAE é comemorada na terceira semana do mês
de maio, de acordo com o Decreto Municipal nº 22.854 de 28/04/2003 e, na mesma data
comemora-se em todo o estado a Semana de Educação Alimentar (Lei Estadual nº 4.856
de 28/09/2006).
Mais uma vez, esperamos mobilizar a comunidade escolar para desenvolver
atividades, com diferentes grupos, que favoreçam a reflexão sobre o tema escolhido:
“Regulação da publicidade de alimentos para crianças: uma questão de direitos e
cidadania”. Independente da data de comemoração da Semana, a discussão proposta
pode acontecer durante todo o ano letivo, em reunião de pais e responsáveis, reuniões
pedagógicas e nas atividades do Programa Saúde na Escola.
Para subsidiar o desenvolvimento das atividades, foi produzido este material,
fruto de uma parceria entre instituições que buscam a promoção da alimentação
saudável no ambiente escolar. O material apresenta uma sistematização dos principais
pontos em discussão sobre o tema, além de um material digital com vídeos, entrevistas,
charges que podem estimular o debate sobre a qualidade da publicidade de alimentos
voltado para o público infantil.
O papel do Estado na proteção à saúde – a alimentação saudável como Direito
Humano
“O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas as
pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por
meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade
e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do
seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões
física e mental, individual e coletiva” (ONU, 2002).
[Digite aqui o resumo do documento. Em geral o resumo é uma breve descrição do conteúdo do documento. Digite aqui o resumo do documento. Em geral o resumo é uma breve descrição do conteúdo do documento.]
O conceito de alimentação, no contexto do Direito Humano à Alimentação
Adequada, deve incluir questões associadas às diferentes formas de produção, preparo e
consumo dos alimentos, além do valor nutricional em si. Alimentação adequada e
saudável envolve diferentes dimensões como: dimensão de acesso à alimentação
saudável e adequada, que exprime a garantia de alimentos em quantidade e qualidade
adequadas a grupos ou indivíduos, considerando que a alimentação é um direito humano
reconhecido em Constituição; a dimensão econômica, que explicita as políticas
agrícola, agrária e econômica do país; a dimensão cultural, que aborda os diferentes
significados e valores que as pessoas, grupos sociais e sociedade atribuem aos
alimentos, os quais são construídos de acordo com suas histórias de vida e que
influenciam suas práticas alimentares de diferentes maneiras; a dimensão ecológica, que
discute as formas de produção de alimentos e os consequentes impactos para o ambiente
e para a saúde da população.
É por meio da política de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), articulada a
outros programas e políticas públicas correlatas, que o Estado deve respeitar, proteger,
promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada.
“A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) consiste na realização do direito
de todos ao acesso regular e permanente à alimentos de qualidade, em
quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades
essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que
respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e
socialmente sustentáveis” (LOSAN, 2006).
Este direito, que se constitui obrigação do poder público e responsabilidade da
sociedade, combina os deveres do Estado com os princípios dos Direitos Humanos tais
como dignidade, igualdade, participação, não discriminação, entre outros.
A proteção à saúde é dever do Estado e direito do cidadão, cabendo ao governo
promover serviços públicos adequados, regulamentar e fiscalizar as ações da iniciativa
privada de maneira que estas não inflijam danos à saúde da população.
Quando falamos de segurança alimentar e nutricional não estamos falando
apenas de acesso a alimentos em quantidade adequada, mas também de consumo de
alimentos em termos de variedade e de valor nutricional. A alimentação inadequada
pode ocorrer por falta de acesso financeiro ou físico a uma alimentação saudável ou
mesmo pela falta de informações adequadas, como por meio da propaganda enganosa e
abusiva.
Parte considerável dos alimentos disponíveis atualmente no mercado pode
representar riscos para a saúde e a nutrição, tais como: alimentos com características
sanitárias inadequadas, produtos industrializados com quantidades elevadas de sal, de
açúcar e de gorduras, alimentos geneticamente modificados, alimentos cultivados com o
uso descontrolado de agrotóxicos, entre outros.
Nesse contexto, é importante notar que a proteção da saúde pressupõe o dever do
Estado de intervir sobre o consumo excessivo de alimentos nocivos à saúde.
Especificamente, no consumo de alimentos ultraprocessados que são produtos
alimentícios altamente calóricos, ricos em açúcar, gorduras não saudáveis e sódio e
pobres em fibras, vitaminas e minerais, presentes na maioria da publicidade de
alimentos veiculada no país, incluindo aquela dirigida ao público infantil.
BOX 1 - O QUE SÃO ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS?
São chamados de ultraprocessados os alimentos altamente processados pela
indústria e disponibilizados prontos (ou quase prontos) para consumo. São produtos
produzidos majoritariamente por empresas transnacionais, como panificados, biscoitos,
bolos, sorvetes, gelatinas, "barras de cereal", doces em geral, embutidos, molhos,
"macarrão instantâneo", sopas desidratadas, batata chips e similares, refrigerantes e
bebidas adoçadas em geral, entre tantos outros. A matéria-prima típica desses alimentos
são ingredientes já processados e de baixo valor nutricional - como óleos, gorduras,
farinhas, amido, açúcar e sal - acrescidos de conservantes, estabilizantes, flavorizantes e
corantes. Com isso, tendem a apresentar concentrações de gordura, açúcar e sal
excessivas e prejudiciais à saúde, assim como, alta densidade energética (grande
quantidade de calorias por volume de alimento) e escassez de fibras, características que,
comprovadamente, aumentam o risco de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares
e mesmo de certos tipos de câncer. Tais produtos se utilizam de fortes estratégias de
marketing que estimulam o superconsumo, muitas delas voltadas ao público infantil.
São anunciados como produtos de conveniência, por serem prontos para o consumo, no
entanto tal “conveniência” acaba por favorecer padrões de alimentação não saudáveis,
como substituir refeições principais por lanches, comer fazendo outras atividades,
comer sem fome, o que pode comprometer a capacidade de o organismo humano
"reconhecer" a ingestão de calorias e regular o balanço energético.
Práticas alimentares na vida contemporânea
O acesso aos alimentos, na sociedade moderna, predominantemente urbana, é
determinado pela estrutura socioeconômica, que por sua vez sofre influência das
políticas econômicas, sociais, agrícolas e agrárias. A globalização influencia a produção
de alimentos, o setor agropecuário, a concentração da distribuição de alimentos em
grandes redes e commodities, além da disseminação de grandes cadeias de fast food e
restaurantes. Influencia também, a indústria de alimentos que faz uso da tecnologia para
o desenvolvimento de uma gama de produtos, além do uso de estratégias de marketing
para aumentar o consumo dos alimentos produzidos, que em sua grande maioria sofrem
grande processamento e são de baixa qualidade nutricional.
A conjuntura mundial, de economia e culturas globalizadas, acaba por gerar uma
padronização de práticas e de comportamento alimentar, colocando em risco a
diversidade e a tradição alimentar de cada cultura e difundindo um determinado estilo
de vida, pautado no consumismo.
As práticas alimentares são um fenômeno complexo no qual estão englobados
aspectos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais que se inter-relacionam e se
potencializam mutuamente. As formas de comprar e preparar os alimentos estão
relacionadas a determinantes do meio ambiente, da história de vida e a valores pessoais.
A construção das estruturas culturais da alimentação se dá desde a infância, não sendo
exclusivamente realizada pelo ensinamento direto dos pais para os filhos, mas contando
também com as experiências da vida como, por exemplo, as do ambiente escolar.
As recentes Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF 2002/2003 e 2008/2009),
que investigam, dentre outros dados, os de aquisição de alimentos nos domicílios
brasileiros, têm evidenciado mudanças na alimentação do brasileiro. Elas demonstram
que a compra de alimentos básicos e tradicionais como arroz, feijão e farinha de
mandioca tornam-se menores nas despesas das famílias, enquanto aumenta a
participação relativa de alimentos processados e produtos prontos para consumo, como
pães, embutidos, biscoitos, refrigerantes e refeições prontas, acompanhando a tendência
mundial de consumo alimentar (IBGE, 2010). Os resultados das pesquisas são
definitivos e confirmam o crescimento explosivo da obesidade no Brasil nas três últimas
décadas, revelando que apresentavam peso excessivo metade dos indivíduos adultos,
um em cada cinco adolescentes e uma em cada três crianças de 5 a 9 anos.
A obesidade é uma doença e um fator de risco para doenças crônicas não
transmissíveis como, por exemplo, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, entre
outras. Constitui um problema de saúde pública com múltiplos determinantes e seu
enfrentamento deve ser pautado em diferentes tipos de ações e intervenções focados nos
indivíduos e, principalmente, nos determinantes sociais relacionados ao modo de vida
contemporâneo como, por exemplo, a regulação do marketing de alimentos dirigido ao
público infantil.
BOX 2 - O QUE É REGULAÇÃO?
De forma ampla, a regulação governamental significa a imposição de regras à ação de
atores privados que atuam em determinados mercados. Uma regulação social condizente
com os preceitos constitucionais tem como finalidade principal a promoção do interesse
público e a garantia de direitos fundamentais, como a proteção prioritária e absoluta da
infância, dos consumidores, a alimentação adequada e saudável e a saúde. Neste
sentido, a reivindicação por políticas públicas para regulação da publicidade de
alimentos torna-se uma questão de cidadania. As famílias sozinhas são impossibilitadas
de fazer frente ao assédio da indústria de alimentos que por meio de diferentes tipos de
comunicação mercadológica, isto é, toda e qualquer mensagem veiculada com o
objetivo de vender um produto, invadem os espaços públicos e privados da vida.
O QUE É COMUNICAÇÃO MERCADOLÓGICA?
Comunicação mercadológica é toda comunicação comercial para a divulgação de
produtos e serviços independentemente do suporte, da mídia ou do meio utilizado.
Trata-se da publicidade, anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio,
banners, sites na internet, embalagens, promoções, merchandising e disposição dos
produtos nos pontos de venda.
Propaganda e consumo de alimentos: como se relacionam?
Fortes indícios apontam que a publicidade de alimentos direcionada às crianças
influencia os padrões de consumo de alimentar. A exposição a esta tem sido associada à
maior preferência por alimentos e bebidas com elevado teor de açúcar, sal e gordura,
além do aumento do pedido de compra desses alimentos. O efeito dessa exposição
ocorre independente de outros fatores de influência no comportamento alimentar, tais
como idade e opinião dos pais.
Algumas pesquisas têm revelado que apenas trinta segundos de exposição a
comerciais é o bastante para influenciar as escolhas alimentares na infância e na
adolescência. Em torno de 25 minutos a mais na exposição semanal provoca o aumento
de 1,4% na ingestão de calorias. Um monitoramento efetuado pelo Instituto Alana, de
São Paulo, explicitado no documento “Por que a publicidade faz mal para as
crianças”, ressalta que, em 2010, durante o dia das crianças e nos programas infantis,
foram exibidas 1.077 propagandas entre 08 e 18 horas, nos canais abertos de televisão e
em mais cinco canais infantis na TV fechada.
As crianças podem influenciar os seus pais a comprarem o que elas desejam por
meio de duas formas. A primeira maneira é a influência direta, ou seja, os pedidos,
demandas e dicas das crianças, como: “eu quero um biscoito de carinha”. A influência
direta também referencia as decisões feitas conjuntamente, quando a criança participa
ativamente com outro membro da família no processo de compra. No caso da influência
indireta, pais sabem que produtos e marcas seus filhos preferem e compram-nos sem
seus filhos terem pedido.
No ano de 2011, A Viacom International Media Networks, distribuidora do canal
Nickelodeon no Brasil, divulgou os resultados da pesquisa “O Poder da Influência da
Criança nas Decisões de Compra da Família”. Nesta pesquisa foram ouvidas crianças
entre 9 a 14 anos e pais e mães de filhos com idade entre 6 a 14 anos. A pesquisa
mostra alguns resultados interessantes. Na maioria das vezes, os pais pedem a opinião
dos filhos sobre produtos a serem comprados: 74% dos pais costumam pedir opinião aos
filhos mais velhos, enquanto 53% consultam os filhos menores sobre os produtos
destinados a eles. A opinião das crianças é seriamente considerada pelos pais mesmo
quando o produto não é para seus filhos. É o caso da compra de automóveis, em que
60% das crianças declararam que a sua opinião é levada em consideração por seus
pais. Os pais afirmam que há uma grande influência dos filhos nas decisões dos lugares
onde a família costuma ir, como por exemplo, cinemas e restaurantes, sendo este último
decidido por 49% das crianças. Elas também influenciam na compra de produtos para a
família: 56% dos pais afirmam que escolhem junto alimentação e calçados e 54%,
vestuário. Outro dado alarmante da pesquisa foi a confiança na Internet e na TV como
meios para buscar informações sobre produtos e marcas, em que 82% das crianças
declararam ser a internet a principal fonte de pesquisa, seguida dos comercias de TV,
com 70%.
Um estudo realizado por Elliott e colaboradores (2013) analisou a preferência de
crianças entre três e cinco anos quanto a certos alimentos como
hambúrguer, nuggets, batatas fritas, “cenouritas” e cupcakes, apresentando-os em
embalagens diferentes – eles utilizaram embalagens das marcas McDonald’s e
Starbucks, bem como embalagens sem marca, sendo uma branca e outra colorida. As
crianças preferiram os alimentos presentes nas embalagens com a marca McDonald’s ao
invés daqueles que estavam na embalagem branca. Entretanto, quando elas deveriam
escolher entre as embalagens com a marca do McDonald’s e as embalagens coloridas ou
da Starbucks, as crianças não demonstraram uma preferência pelo McDonald’s. Desta
forma, o estudo sugeriu que não é apenas a marca que influencia na escolha alimentar
das crianças, mas também a presença de embalagens decoradas, coloridas e chamativas.
Principalmente se tratando de crianças pequenas, entre 3 a 5 anos, que leem por
símbolos, pois ainda não alfabetizadas.
Vale a pena destacar que a indústria alimentícia foca as ações de marketing de
alimentos para as crianças não somente pelo poder de influência que eles têm em
relação aos pais, mas também porque esses indivíduos vão constituir o mercado
consumidor futuro. Estudos tem comprovado que a fidelização a uma marca acontece de
forma maior quando o individuo é exposto a essa marca mais precocemente, em
especial quando crianças.
Publicidade enganosa e abusiva segundo o Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.072/1990) trata do tema da
publicidade partindo de alguns princípios que devem necessariamente ser respeitados.
Um desses princípios é o da Identificação, ou seja, a publicidade deve ser veiculada de
tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente a identifique como tal. É
imprescindível que o consumidor perceba que por trás da mensagem publicitária há um
interesse de venda, lucro e convencimento. Esse é um dos problemas da publicidade
dirigida ao publico infantil. Diversos estudos apontam que as crianças, até certa idade,
não distinguem publicidade em relação aos demais conteúdos televisivos, e quando o
fazem, não conseguem discernir o caráter persuasivo e parcial das mensagens
publicitárias. Por esse motivo, os defensores dos direitos dos consumidores entendem
que toda prática de marketing direcionada aos pequenos é ilegal, por desrespeitar o
princípio da identificação.
Além desse princípio, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é enfático ao
prever como uma publicidade abusiva aquela “que se aproveita da deficiência de
julgamento das crianças” (art. 37, §2º). Outro exemplo de publicidade abusiva listado
pelo CDC é aquela “que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma
prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. Nesse sentido, quando vemos
anúncios que estimulam o super-consumo de alimentos não saudáveis, como muitos dos
produtos ultraprocessados, podemos estar diante de uma publicidade abusiva e,
portanto, proibida por lei.
O CDC também proíbe a enganosidade nas publicidades (art. 37, §1º), ou seja,
quando a comunicação de caráter publicitário é inteira ou parcialmente falsa, capaz de
induzir o consumidor a erro. Essa enganosidade pode ocorrer também por omissão, isto
é, quando a mensagem publicitária omite uma informação essencial sobre a natureza do
produto, induzindo o consumidor a erro. Isso ocorre, por exemplo, quando em um
anúncio de produto alimentício somente são destacados e informados os aspectos
“positivos” do produto, tais quais, “rico em cálcio”, “rico e vitaminas”, mas não se
informa com o mesmo destaque os aspectos negativos, como alto teor de gordura,
densidade energética, açúcar e sódio.
Essas regras estampadas no Código de Defesa do Consumidor não podem ser
afastadas por vontade do particular, pois fazem parte de uma norma de ordem pública e
de aplicação em todo o território nacional. Tratam-se de princípios que devem balizar as
práticas de mercado e toda a regulação que venha a detalhar esse tema.
Indústria de alimentos e as estratégias de comunicação mercadológica
A indústria de alimentos baseia-se em uma variedade de estratégias de marketing
para promover seus produtos. As estratégias mais utilizadas podem ser agrupadas em:
publicidade de alimentos, a venda associada de produtos alimentícios com brinquedos e
a exposição do produto, que abrange desde a concepção da embalagem até a disposição
na prateleira. Somada às ações de regulação, os cidadãos desempenham papel
fundamental em monitorar e identificar a abusividade ou enganosidade que muitas
vezes permeiam essas estratégias. Vejamos alguns exemplos:
Publicidade de alimentos
A publicidade tem como função tornar os produtos conhecidos no mercado, divulgar
a imagem da marca ou da empresa, diferenciando-os da concorrência, a fim de que o
consumidor os reconheça e os valorize. Mais do que vender, o objetivo da publicidade,
como meio de comunicação, é modificar ou reforçar atitudes e hábitos. A publicidade
tem como uma das suas principais funções persuadir. Desta forma o discurso
empregado no comercial é de grande importância para sua eficácia.
A indústria de alimentos chega a gastar US$ 33 bilhões por ano em publicidade.
Segundo Sousa (2012), o McDonalds’s, por exemplo, investe, nos Estados Unidos, US$
500 milhões em anúncios, sendo 40% destes voltados ao público infantil.
Um estudo de 1998, realizada pela empresa de comunicação e marketing Campbell
Merton Esty, apontou os comerciais de alimentos como os preferidos pelas crianças nos
Estados Unidos. Mais do que isso, dos dez anúncios mais populares, cinco são de
marcas alimentícias que comercializam produtos ultraprocessados: Pepsi, Coca Cola,
Snickers, McDonald’s e Hostess.
Alguns psicólogos, como Linn (2006), afirmam que por não possuírem um nível de
discernimento adequado para refletir sobre a publicidade, as crianças tornam-se
vulneráveis à forte persuasão presente nos anúncios, principalmente quando essa
publicidade é voltada para esse público e utiliza recursos do universo infantil.
No quadro abaixo apresentamos de forma sistematizada as características de
algumas estratégias utilizadas pela indústria para convencer o consumidor a adquirir o
produto.
Estratégia Características da estratégia Possível enganosidade ou
abusividade
Apelo à saúde
Propagandas destacam uma
característica “positiva” do produto
alimentício, como o uso das frases
“fonte de vitaminas”, “rico em
fibras”, “baixa caloria”. Outras
Pode ser enganosa por omissão
quando não destaca informações
essenciais do produto não tão
positivas, como alta quantidade de
açúcar, gordura, sódio, calorias, etc.
vezes, não se usa a frase, mas se
passa a ideia de que ao consumir o
produto a pessoa terá mais energia,
vitalidade, leveza, bom humor, etc.
Nesse caso, também pode ser
abusiva por estimular um consumo
inadequado e prejudicial à saúde.
Apelo emocional
Propagandas que pouco falam do
produto anunciado, mas focam em
transmitir uma emoção ao
interlocutor de forma que ele o
associe ao consumo do produto.
Propagandas com famílias felizes,
risadas, que falam do carinho e
cuidado de pais com filhos, que
transmitem a ideia de liberdade etc.
Pode haver uma enganosidade ao
induzir o consumidor a erro por não
tratar das reais características do
produto; ou abusividade se o apelo
emocional é direcionado à criança
ou quando induz o adulto a se
comportar de forma prejudicial à
saúde.
Estímulos aos
sentidos
Anúncios que estimulam
exageradamente os sentidos,
enfatizando nos produtos as cores,
brilho, a fumegância, a crocância,
etc. São aquelas propagandas que
só de ver, já causam “água na
boca”.
Na grande maioria desse tipo de
estratégia, a imagem não condiz
com a realidade. Nesses casos,
estamos diante de uma publicidade
enganosa.
Oferta de brindes
Publicidades que oferecem brindes
para os consumidores de
determinados produtos. Em geral,
trata-se de brinquedos, muitas vezes
colecionáveis.
A associação de brinquedos ao
consumo de produtos é uma
estratégia claramente voltada ao
público infantil, e pode ser
considerada abusiva por se
aproveitar da deficiência de
julgamento da criança. Quando se
tratam de brindes colecionáveis isso
pode estimular o superconsumo: a
criança consome mais a fim de
obter todos os itens da coleção.
Participação de
celebridades e
personagens
Anúncios cujo interlocutor é uma
celebridade que transmite a ideia de
confiança aos consumidores.
Quando o foco é a criança,
utilizam-se celebridades que
tenham empatia com os pequenos,
como um personagem de novela ou
de algum programa infantil. O
mesmo ocorre quando se utilizam
personagens de desenhos animados
na comunicação mercadológica,
seja televisiva, por meio da
embalagem dos alimentos ou outros
meios.
O uso de celebridades e
personagens em um discurso
voltado ao público infantil é um
recurso que pode prejudicar ainda
mais o princípio da identificação da
propaganda, pois a celebridade e o
personagem são familiares ao
conteúdo televisivo, e a criança não
percebe o interesse mercadológico
por detrás da mensagem. Pode
haver, portanto, uma abusividade
nesse conteúdo.
Preços
promocionais
Anúncios do tipo “leve 3, pague 2”,
que estimulam o consumo em
grandes quantidades. Ou no caso de
práticas comerciais em lanchonetes,
a oferta do “refil” ou dos “combos”
O estímulo ao superconsumo de
alimentos não saudáveis pode ser
considerado uma forma de
publicidade abusiva por estimular o
consumidor a se comportar de
com preços convidativos. forma prejudicial à sua saúde.
Utilização de
jingles
O jingle é uma mensagem
publicitária em formato de música,
elaborado de forma a ser lembrado
e repetido pelos interlocutores.
Quando o jingle é direcionado ao
público infantil, a criança recebe
aquela mensagem como uma
brincadeira e não como uma
publicidade. Isso fere o princípio da
identificação, tornando a peça
abusiva.
Advergames
O avanço tecnológico e o maior tempo de crianças, adolescentes e jovens adultos
na frente do computador fizeram com que a indústrias de alimentos e do marketing
lançassem mão de novas estratégias que pudesse alcançar as novas mídias. Essa nova
estratégia, denominada advergaming ou advergames, consiste em jogos online
associados à marca e à publicidade, no qual o produto em questão aparece em tempo
integral durante o jogo e a criança é envolvida através de entretenimento e competição,
o que cumpre o objetivo da estratégia publicitária: promoção dos produtos,
reconhecimento da marca, associação entre marca e emoções positivas relacionadas ao
consumo, auxiliando na fidelização do consumidor.
Os advergames não só criam um ambiente atraente para a marca, mas também
aparecem nos sites das empresas de alimentos, os quais também são equipados com
identificadores da marca, os quais incluem logos, personagens licenciados e outros
materiais de marca que são disponibilizados através de downloads gratuitos. Há ainda
os casos que vinculam a possibilidade de “brincar” com o cadastramento de códigos de
barras do produto, caracterizando assim a necessidade do consumo para possibilitar a
diversão.
A internet oferece à indústria um método de baixo custo e bastante eficaz na
fidelização dos consumidores e, por isso, tem sido largamente utilizada como uma
grande ferramenta de marketing. Ainda mais se pensarmos que grande parte das
crianças utiliza essa ferramenta para se divertir - para 90% da população das crianças de
6 a 9 anos de idade, o motivo mais frequente para o uso da internet são os jogos.
Outra estratégia muito utilizada é o branding, cujo objetivo é criar o
reconhecimento do produto (por meio da marca) e criar clientes fiéis durante toda a
vida. Tal iniciativa normalmente é direcionada ao público adulto, porém utiliza-se
muitas vezes de uma linguagem infantilizada. Ao colocar crianças e qualquer apelo
típico do universo infantil (animações, áudios, ídolos, personagens etc.) em comerciais
de produtos que em tese são voltados para adultos, tais abordagens se tornam atraentes
também para menores, afinal, tem-se o chamado “apelo imperativo de consumo”.
Associar a marca com emoções positivas e significados é fundamental para o sucesso
dessa estratégia.
Venda casada com brinquedos
A venda casada é uma prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Ela
ocorre quando a venda de um produto ou serviço é condicionada à compra de outro
produto ou serviço. Nesse sentido, o consumidor deve ter a liberdade de escolha do
produto que quer comprar, devendo ter assegurado seu direito de compra de um produto
independente do outro. No entanto, observa-se com frequência a prática de oferta de um
brinquedo associado à compra de um lanche de fast food ou outros produtos
alimentícios industrializados como chocolates, cereais matinais e outros. Nesses casos,
deveria ser possibilitada a compra em separado desses itens.
A prática de associar a venda de alimentos à brinquedos ocorre, por exemplo, na
oferta de kits ou combos, ou pelo estímulo ao consumo constante de um determinado
alimento com intuito de “juntar” embalagens, para em seguida troca-las por um
brinquedo, tendo ainda a necessidade de uma complementação financeira. Não raro,
esses brinquedos compõem uma coleção, estimulando o consumo em repetidas vezes.
Ambas as estratégias são formas de comunicação voltadas ao público infantil, que por
meio do brinquedo ou do espaço para brincadeira, em um universo familiar, visa a
fidelização dessa criança como futuro consumidor. Outro problema seria a venda casada
“velada”. Ela ocorre quando o fornecedor do produto até possibilita a compra em
separados dos produtos, mas não informa isso de forma clara e ostensiva, ou coloca
preços que tornariam inconvenientes a compra em separado dos produtos.
Independentemente de haver ou não preços diferenciados para a aquisição isolada dos
produtos é importante frisar que a prática de associar brinquedos à venda do alimento é
por si uma estratégia de marketing direcionado à criança, e por isso, pode ser
considerada abusiva.
Formas de comercialização dos produtos
O marketing dos produtos alimentícios não está somente atrelado às ações de
publicidade vinculadas aos meios de comunicação ou à venda casada destes produtos
com brinquedos. A indústria tem investido cada vez mais, em diferentes estratégias para
convencer os indivíduos a consumir os seus produtos e fidelizar o consumidor as suas
marcas. Algumas dessas estratégias estão expostas abaixo:
a. Produtos populares (Popularly Positioned Products): consiste no
desenvolvimento de produtos alimentícios ultraprocessados especialmente
destinados à consumidores de baixa renda. Essa estratégia inclui a fortificação
com vitaminas e minerais de produtos como biscoitos, macarrão instantâneo,
sopas desidratadas e bebidas lácteas, que são comercializados em “embalagens
econômicas” (por exemplo, pacotes de biscoitos com três ou quatro unidades),
com baixo custo visando à adesão ao produto.
b. Novos canais de comercialização dos produtos: a indústria tem investido em
novos meios de comercialização de seus produtos, buscando diminuir a distância
entre a empresa e o consumidor como, por exemplo, a venda porta a porta ou
ainda a utilização de vendedores recrutados na própria comunidade. Essa nova
estratégia não fica restrita apenas a comercialização dentro de espaços privados
ou domésticos. Cada vez mais a indústria tem invadido os espaços públicos para
comercializar seus produtos, como no caso da venda de produtos
ultraprocessados em trens, metrô, barcas e ônibus. Essa estratégia provoca o
desejo de compra trazendo o produto para espaços que não são de
comercialização, provocando muitas vezes um consumo desnecessário.
c. Embalagem e rótulo: A embalagem e o rótulo dos alimentos têm sido um
importante veículo de propaganda das indústrias de alimentos. Os apelos ao
consumo aparecem na forma de imagens e mensagens focadas na composição
nutricional dos produtos, explorando a falta de conhecimento do cidadão sobre o
assunto. Um exemplo é o uso de frases de efeito como “livre de colesterol” que
apareciam em óleos de soja, induzindo o consumidor a compra por acreditar que
o produto era melhor, no entanto, nenhum produto de origem vegetal possui
colesterol. Destacamos também o caso do refrigerante “zero” que realmente
apresenta baixo nível calórico, mas é um produto com altas concentrações de
sódio e adoçantes artificiais, elementos esses que por muitas vezes estão
associadas com hipertensão e alguns tipos de câncer.
BOX 3 - Aprendendo a ler o rótulo
A rotulagem nutricional refere-se a composição nutricional do alimento, isto é,
informa a quantidade de calorias e de nutrientes que compõem uma porção daquele
alimento. Listamos abaixo alguns elementos dos rótulos para os quais devemos ficar
atentos, além da data de validade e do produtor.
Porção: é a quantidade média daquele alimento que seria usualmente consumida
por pessoas sadias. Entretanto, é necessário perceber que muitas vezes o tamanho da
porção sugerida é muito menor do que a maioria das pessoas normalmente come. Isso
gera duas questões: as pessoas comem mais por achar que o produto tem poucas
calorias e pensam que o produto pode ser saudável, pois o percentual de nutrientes a
serem consumidos com moderação (como sódio, gordura saturada e carboidratos
simples) parece baixo. Por exemplo, uma porção de biscoito recheado seriam dois
biscoitos e meio de um pacote grande.
%VD (percentual de valores diários): é um número em percentual que indica
o quanto a porção daquele produto em questão apresenta de energia e nutrientes. Grande
parte dos produtos ultraprocessados apresenta elevados %VD, o que acaba sendo
disfarçado pelo pequeno tamanho da porção. Em algumas porções de produtos já é
consumida a recomendação diária de determinado nutriente. Por exemplo, um pacote de
macarrão instantâneo apresenta um VD de sódio de 65% de toda quantidade de sódio
que devemos comer em um dia. Outro aspecto importante refere-se ao apelo “livre de”.
Esta mensagem é autorizada quando na porção do produto, o percentual de algum
nutriente corresponde a menos do que 1%. No entanto, no produto como um todo, o
nutriente está presente. Um exemplo muito conhecido é o da gordura trans, que pode
aparecer na lista de ingredientes como gordura vegetal hidrogenada, óleo de palma etc.
Lista de ingredientes: esta lista deve ser apresentada em ordem decrescente,
isto é, o primeiro ingrediente é aquele que está em maior quantidade no produto e o
último, em menor quantidade. Porém, em alguns produtos podemos identificar que o
ingrediente em maior concentração não corresponde às características do produto
original. Citamos como exemplo os sucos de frutas industrializados que apresentam
maior quantidade de açúcar do que de suco da própria fruta. Também é necessário ficar
atento aos diferentes nomes dos ingredientes. Por muitas vezes o açúcar, por exemplo, é
“camuflado” no rótulo a partir de termos como sacarose, glicose, xarope de milho,
dextrose... Esta tem sido outra estratégia muito utilizada pela indústria para confundir o
consumidor.
Aditivos alimentares: a lista de ingredientes deve conter também todos os
aditivos que são acrescidos ao produto alimentício. Aditivo alimentar é toda e qualquer
substância química adicionada intencionalmente aos produtos, sem o propósito de
nutrir, com o objetivo de modificar as características físicas, químicas, biológicas ou
sensoriais.
d. Distribuição dos alimentos em pontos de venda: os supermercados são hoje a
principal ponte entre a indústria e o consumidor. Não à toa, essa fatia do sistema
alimentar está concentrada em um número reduzido de corporações, que pensam
milimetricamente neste ambiente, de forma a estimular o consumo de seus
produtos.
Os produtos mais básicos da alimentação como pão, arroz, feijão, geralmente ficam
bem longe da entrada. Os corredores geralmente são longos e sem acesso no meio,
obrigando o consumidor a transitar todo ele e se expor a diferentes produtos.
O posicionamento e a altura das prateleiras também fazem diferença. Os itens que
ficam nas mais baixas são normalmente aqueles destinados ao público infantil,
permitindo o alcance direto pelas crianças. Os que ficam na altura dos olhos de um
adulto são normalmente os de marca líder do mercado, em função de uma negociação
do espaço entre a indústria de alimentos e o revendedor. Outro espaço cada vez mais
disputado pelas indústrias alimentícias são as prateleiras dispostas perto dos caixas.
Estudos têm demonstrado que nestes espaços os indivíduos compram por impulso,
principalmente quando o produto disponível é para consumo imediato, ou quando o
consumidor passa um longo tempo nas filas dos caixas.
BOX 4 - Atividades de entretenimento e palestras “educativas” em escolas
Uma estratégia que vem sendo adotada por empresas é levar palestras ou atividades
de entretenimento para dentro das escolas. Muitas vezes sob o pretexto de tratar de
temas ligados à sustentabilidade ambiental ou outras propostas diferentes da propaganda
direta dos produtos, certas empresas acabam dialogando diretamente com crianças e
sedimentando a ideia de confiabilidade na marca no público infantil. A propaganda de
alimentos no espaço escolar acontece por meio de distribuição de brindes,
disponibilização de máquinas para consumo, anúncios e vendas nas cantinas, parcerias
entre a indústria e as escolas para compra de materiais e reformas. Isso se faz mais
grave quando personagens ícones são os porta-vozes da atividade.
Um exemplo recente foi uma campanha publicitária lançada na internet por uma
marca de refresco em pó industrializado, disfarçada de gincana, que estimulava a
inscrição de escolas em uma campanha de reciclagem de embalagens plásticas. A
campanha estimulava a competição entre as escolas e aquela que arrecadasse a maior
quantidade de embalagens de sucos ganhava uma reforma na sua quadra poliesportiva,
além de livros para a biblioteca.
Em outra situação, no primeiro dia letivo do ano de 2014, mais de 15 mil alunos dos
ensinos Fundamental II e Médio de 220 escolas paulistas encontraram kits compostos
por guloseimas, vales-compras e vouchers com descontos fornecidos pelas empresas
participantes, dentro dos seus armários, como parte de uma campanha publicitária
denominada “kits de volta às aulas”.
Dependendo do caso, algumas dessas práticas podem ser qualificadas como
propaganda clandestina, aquela que não é identificada pelo interlocutor enquanto tal, e
proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.
“A publicidade dentro de escolas representa especial preocupação, na medida em
que, além de abusar da inexperiência das crianças para vender bens mais facilmente,
ela invade um espaço que é fundamental na sua formação e deveria ser isenta de
mensagens comerciais” (INSTITUTO ALANA, 2014)
Sugestão de atividade: Analise algumas peças publicitárias e embalagens de
alimentos ultraprocessados. Há apelos para o público infantil? Quais? Faltam
informações essências ao consumidor? Destaque os pontos possivelmente abusivos.
A regulação da comunicação mercadológica nos dias de hoje
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.072/1990) é um importantíssimo
instrumento que define os princípios a serem seguidos pelas práticas de mercado. Como
vimos, apesar da abusividade e enganosidade serem proibidas pelo Código de Defesa do
Consumidor, muitas práticas de marketing continuam desrespeitando os direitos dos
consumidores e a proteção à criança e à saúde. Isso demonstra uma necessidade de que,
partindo dos princípios do Código, regras mais específicas sejam criadas em ordem de
efetivamente precaver a ocorrência de práticas abusivas.
A própria Constituição Federal (CF) assegura direitos fundamentais que devem
balizar a regulação (por meio de leis ou normas) da publicidade de alimentos. Por
exemplo, o art. 227 da CF determina que, devem ser assegurados pela família, pela
sociedade e pelo Estado, com absoluta prioridade, os direitos de crianças e adolescentes
à vida, à saúde, à alimentação, dentre outros direitos. O Estatuto da Criança e do
Adolescente concretiza a proteção integral prevista no art. 227 da Magna Carta,
reforçando que todos os atores sociais indicados – família, sociedade e Estado – devem
se articular para assegurar o pleno respeito a todos os direitos de proteção à infância e
adolescência. Nesse sentido, o Estado também é um ator responsável em prever
mecanismos de proteção à criança em face das práticas de mercado.
A Constituição Federal também define em seu artigo 5º, que “o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”; assim como assegura como
direitos sociais o direito à saúde, à alimentação e a proteção à infância (art. 6º).
Apesar de todos esses ditames constitucionais e legais a publicidade dirigida ao
público infantil e a publicidade de alimentos em geral ainda carece de regras mais
específicas no Brasil. Uma tentativa de regulação ocorreu com a publicação da
Resolução nº 24/2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA/RDC
24/2010), segundo a qual as publicidades de alimentos com altos teores de sódio,
gordura saturada, gordura trans e açúcar e bebidas de baixo valor nutricional deveriam
ser acompanhadas de mensagens de alerta sobre os riscos à saúde decorrentes de seu
consumo excessivo. No entanto, o setor regulado questionou tal normativa na Justiça,
contestando a validade da norma em razão de uma suposta ausência de competência da
ANVISA para regular o tema da publicidade.
Parte da indústria de alimentos e dos anunciantes, em defesa de seus interesses
comerciais, costuma afirmar que regular a publicidade seria um atentado à “liberdade de
expressão”, ou mesmo uma “censura”. No entanto, é importante esclarecer esse
argumento. Quer-se com a regulação, não restringir informações, mas sim garanti-las de
forma apropriada ao consumidor, alertando quanto aos riscos do consumo e protegendo
crianças de práticas abusivas. Trata-se justamente do contrário da censura, trata-se da
garantia de melhor informação e do respeito aos direitos fundamentais constitucionais.
Alguns países já adotam leis e normas nesse sentido. Por exemplo, o Peru, em lei
aprovada no ano de 2013 (Ley Nº 30021 – Ley de Promoción de la Alimentación
Saludable para Niños, Niñas y Adolescentes), proibiu a associação de brindes ou
brinquedos à oferta de alimentos e a utilização de personagens admirados pelas crianças
na publicidade de alimentos. Outra disposição dessa lei determina que haja mensagens
de alerta sobre os riscos à saúde na publicidade de alimentos com gordura trans e altos
teores de açúcar, sódio, e gorduras saturadas. Já a Suécia possui lei que proíbe qualquer
publicidade direcionada ao público infantil, sob o argumento de que tal comunicação
estabeleceria condições contratuais injustas. No caso da França, exige-se que todos os
anúncios de alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas incluam uma de quatro
mensagens de saúde, e também são proibidas máquinas de venda automática nas escolas
de ensino fundamental e ensino médio do país.
BOX 5 - EXEMPLOS DE REGULAÇÃO DA PUBLICIDADE DE ALIMENTOS
- Restrição de horários de veiculação da publicidade de alimentos não saudáveis, de
forma a não serem anunciados nos períodos em que o público infantil costuma assistir
televisão;
- Proibição de associação de brindes e brinquedos à venda de alimentos não saudáveis;
- Proibição de publicidade e comercialização de alimentos não saudáveis em escolas de
ensino fundamental e médio;
- Obrigação de veiculação de mensagens de alerta nas publicidades e embalagens de
alimentos não saudáveis sobre os riscos à saúde causados pelo seu consumo excessivo;
- Proibição de pessoas, celebridades e personagens com apelo ao público infantil nos
anúncios publicitários e nas embalagens de alimentos;
- Obrigação de que as embalagens de alimentos ultraprocessados destaquem as
informações “negativas”, como alto teor de sódio, gordura, densidade calórica ou
açúcar.
Sugestão de atividade: você teria outras ideias de regras interessantes que
protegessem a alimentação adequada na infância? Faça uma lista de ações
possíveis.
No Brasil opera o sistema de autorregulamentação publicitária, ou seja, o próprio
setor se auto impõe regras. Um exemplo disso é a existência do CONAR (Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que é uma organização não
governamental formada pelos principais anunciantes do país. Representantes da
sociedade civil apontam, porém, a ineficácia desse sistema quando se trata de proteção à
saúde do consumidor e à infância, como por exemplo, o fato do órgão não ter poder de
fiscalizar e multar. Dentre outras críticas, aponta-se que a autorregulação publicitária
não evita o descumprimento nem a reincidência, apenas recomenda alterações ou
suspensão da veiculação de peças publicitárias; não trata com igualdade as queixas dos
consumidores em relação às das empresas; só se aplica aos membros do CONAR; tem
um processo lento e incapaz de lidar com a agilidade dos anunciantes; falta isenção,
pois os tomadores de decisão atuam em prol de interesses privados e são contrários a
qualquer regulação da publicidade; não tem compromisso com a sociedade e os direitos
da criança, apenas com os mercados.
Sugestão de Atividade: Pesquise no site de entidades civis de defesa da criança e do
consumidor, como Instituto Alana (alana.org.br) e Idec (idec.org.br), se existem
campanhas de mobilização para regulação da publicidade de alimentos.
Vamos nos mobilizar!
Diante do cenário brasileiro de carência de regras específicas sobre a
comunicação mercadológica de alimentos não saudáveis, faz-se necessária uma
verdadeira mobilização social para que tenhamos um adequado tratamento ao tema.
O Código de Defesa do Consumidor é um primeiro instrumento para atuação.
Com base nele é possível provocar as empresas às mudanças de práticas comerciais. É
possível também que denúncias de possíveis abusividades e enganosidade sejam
encaminhadas aos órgãos de proteção e defesa do consumidor, como o Procon estadual
e municipal, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da
Justiça e o Ministério Público. O cidadão pode também entrar em contato e apoiar as
entidades civis que atuam em defesa da regulação da publicidade de alimentos.
Como cidadão, o consumidor pode também exigir dos governos que tomem
providências para um melhor regramento do tema, isso pode ocorrer por meio de
abaixo-assinados em websites de mobilização ou encaminhamento de cartas aos
políticos e legisladores.
Também é possível atuar no nível individual, deixando de consumir de empresas
que não possuem práticas idôneas (boicotes). O importante é que se esteja “antenado”,
cultivando o espírito crítico quanto às práticas de mercado que venham de alguma
forma desrespeitar os direitos do cidadão.
Sugestões de atividades:
Criar um blog ou página nas redes sociais com alertas às práticas abusivas
na publicidade;
Mobilizar grupos para avaliar criticamente os anúncios de alimentos;
Encaminhar questionamento às empresas que cometem desrespeito aos
consumidores e crianças em suas comunicações mercadológicas;
Discutir e publicizar os conteúdos do blog da Frente pela Regulação da
Publicidade de Alimentos (regulacaoalimentos.blogspot.com.br).
Para finalizar deixamos aqui algumas mensagens que têm sido consideradas
importantes para a promoção da alimentação adequada e saudável e defendidas pelo
Ministério da Saúde.
Faça de alimentos a base de sua alimentação. Esta mensagem serve para
diferenciar alimentos e comida caseira de produtos alimentícios processados
pela indústria.
Alimentos básicos ou frescos em grande variedade e predominantemente de
origem vegetal formam uma base excelente para uma alimentação
nutricionalmente equilibrada e saborosa. Variedade significa alimentos de todos
os tipos, incluindo grãos, tubérculos, verduras, legumes, frutas, castanhas e
nozes, água, leite e ovos, carnes e peixes, e variedade dentro de cada tipo.
Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar com moderação ao temperar e cozinhar
alimentos para fazer suas receitas. Desde que utilizados com moderação em
preparações culinárias de alimentos básicos ou frescos, óleos, gorduras, sal e
açúcar contribuem para diversificar e tornar mais saborosa a alimentação sem
comprometer seu valor nutricional. Uma alternativa para realçar o sabor dos
alimentos é fazer uso de temperos naturais, como ervas e especiarias.
Limite a utilização de produtos alimentícios prontos para consumo, evitando-os
ou consumindo-os em pequenas quantidades, como parte de refeições com
alimentos básicos ou frescos. Embora convenientes e de sabor pronunciado,
produtos prontos para consumo tendem a ser nutricionalmente desequilibrados.
Muitos favorecem o consumo excessivo de calorias e afetam negativamente a
vida social, a cultura e o ambiente. “Evite produtos alimentícios que
contenham mais do que cinco ingredientes” (Michael Pollan).
Prefira adquirir seus alimentos em feiras, ou se possível diretamente com o
produtor.
Sugestão de atividade: Apresente as seguintes “regras da comida”, propostas por
Michael Pollan, e faça um debate com os participantes.
Não coma nada que sua avó não reconhecesse como comida
Evite alimentos que você vê anunciados na televisão
Coma todas as besteiras que quiser, desde que você mesmo as cozinhe
Não é comida se chegou pela janela do seu carro.
Coma quando tem fome, não quando está entediado.
Para saber mais, consulte nossas referências:
Algumas entidades que apoiam o tema fazem parte da Frente pela Regulação da
Publicidade de Alimentos. Veja a lista em:
http://regulacaoalimentos.blogspot.com.br/p/quem-somos.html
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Editora Fiocruz, 100p. (Coleção Temas em Saúde), 2006.
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Expediente
Secretaria Municipal de Saúde
Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância Sanitária
Superintendência de Promoção da Saúde
Instituto de Nutrição Annes Dias (INAD)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Instituto de Nutrição (INU)
Núcleo de Alimentação e Nutrição Escolar (NUCANE)
Secretaria Extraordinária de Proteção e Defesa do Consumidor (SEDECON)
Procon Carioca
Coordenação de Educação sobre o Consumo
Pesquisa, redação e revisão:
Ana Maria Ferreira Azevedo – INAD/ SMS-RJ
Érida Cardoso – INU/UERJ
Juliana Martins – INU/UERJ
Lara Vieira – bolsista NUCANE/ INU/ UERJ
Larissa Almenara – bolsista NUCANE/INU/UERJ
Luciana Cerqueira Castro – INU/UERJ
Luciana Maldonado – INAD/ SMS-RJ e INU/UERJ
Mariana de Araujo Ferraz – Procon Carioca/SEDECON
Paulo Cesar P. de Castro Junior – INAD/ SMS-RJ
Sheila Rothemberg – Faculdade de Nutrição/UFF
Anexos