REJEIÇÃO CRÍTICA: O Anticristo de Lars Von Trier

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Artigo que trata sobre a rejeição belicosa realizada por uma fatia considerável da critica cinematográfica contra o filme Anticristo, do diretor Lars von Trier.

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  • REJEIO CRTICA:O ANTICRISTO DE LARS VON TRIER

    Gabriel Lima Ferreira (UFBA/IHAC)

    Professor Orientador Francisco Antnio Zorzo (UFBA/IHAC)

    Resumo:

    Este artigo empenha-se em realizar uma leitura minuciosa do filme Anticristo (Antichrist, 2009) buscando,

    a partir da compreenso do contedo da obra, uma resposta para polmica gerada pela mesma. Como

    material para a elaborao deste documento utilizei a prpria filmografia de Lars von Trier, diretor do

    filme, e entrevistas sobre o tema, tanto do cineasta quanto de membros da equipe. Anticristo revelou-se

    uma obra complexa e corajosa. Construdo sobre um rico acervo simblico, preparado de maneira

    didtica pelo diretor, que pretendia compartilhar pensamentos derivativos da sua prpria depresso com

    o pblico, o filme elaborado para desafiar setores conservadores e liberais da sociedade

    contempornea. Devido o alto grau de violncia, tanto em seu discurso quanto em seu fator grfico,

    Anticristo acabou sendo rechaado pela crtica contempornea, que nem se quer chegou a submet-lo a

    anlise simblica que seu formato demanda. Esta negligncia denuncia uma sujeio sistemtica do

    mrito artstico aos valores contemporneos.

    Palavras-chave: Anticristo, Lars von Trier, Misoginia, Cinema.

    Abstract:

    This article is engaged on make a thorough reading about the movie Antichrist (2009) searching, from thecomprehension of the content of the art, an answer for the polemic made on this movie. I used asmaterial for prepare this document the Lars von Trier filmography itself, the director of the movie, and alsosome interviews about the theme, of the film-maker and his team members. Antichrist showed a complexand brave art. The movie is made with a large symbolic repertoire, and its shown in a really didactic wayby the director who intended to share his on depressive thoughts to the public, the movie is made tochallenge the traditionalist and progressive contemporary society. Because of the high level of violence,the speech and the graphic factor made Antichrist a highlight target for the contemporary criticizes whichdidnt even analyze in a symbolic way the movie, which require this kind of analyze. This attitudedenounces the systematic artistic subjection merit on the contemporary values.

    Keywords: Antichrist, Lars von Trier, Misogyny, Cinema.

  • 1. Introduo

    Em 2009, durante a premire do filme Anticristo (Antichrist), no Festival

    Cinematogrfico Internacional de Cannes, o cineasta dinamarqus Lars von Trier

    apresentava ao publico a sua obra nos seguintes termos: Eu gostaria de convid-los

    para uma pequena espiada por detrs da cortina, um vislumbre do mundo sombrio da

    minha imaginao: sobre a natureza dos meus medos, sobre a natureza do anticristo

    (WALSH, 2009). Uma hora e trinta e oito minutos mais tarde, a plateia, constituda em

    sua grande maioria por crticos e jornalistas especializados, estava escandalizada com

    as cenas que acabara de assistir. Alguns batiam palmas e riam, perdidos em suas

    prprias impresses, outros, furiosos, vaiavam o filme e rompiam-se em acusaes,

    sobretudo de misoginia, contra o diretor.

    Aps entrar em cartaz no mundo todo, e at mesmo hoje, com acesso restrito

    somente as telinhas, o filme replica reaes similares aquelas manifestas em sua

    estreia no Festival de Cannes. Desta forma Anticristo, exibio aps exibio, tornou-se

    um dos filmes mais controversos da histria do cinema.

    Foi justamente este carter inquietante que convenceu-me da pertinncia de

    uma anlise mais profunda a respeito do tema. Afinal de contas, do que trata Lars von

    Trier em Anticristo? De que forma o faz? E por que este filme, apesar de contar com

    uma boa produo, uma direo competente e interpretaes memorveis, consegue

    provocar a rejeio da maioria dos seus espectadores? So estas perguntas que

    pretendo responder atravs deste artigo.

    2. Metodologia

    impossvel dar continuidade a este artigo sem deixar claro os mtodos que

    utilizei para responder as questes levantadas no tpico anterior. Na verdade, neste

    caso, a postura diante do mtodo torna-se necessria at mesmo para esclarecer a

    natureza das perguntas que originaram esta pesquisa. Digo isso porque, segundo a

    escola ps-estruturalista de hermenutica, esta que vem fortalecendo-se dentro das

    universidades atravs do ensaio de Barthes (1967), tentar estabelecer a leitura de uma

    obra atravs da inteno de seu autor, como sugeri com as questes fundantes deste

    estudo, so, na realidade, um esforo vo. Sendo assim, estabelecer uma posio

    diante dos escritos de Barthes, especificamente sobre o mais popular dentre eles: A

    Morte do Autor (BARTHES, 1967), ocupa posio central dentro deste tpico.

  • importante deixar claro que o problema levantado por Barthes e tambm por

    outros pensadores da metade do sculo XX, como Foucault e Derrida, a respeito da

    intencionalidade autoral como foco da anlise hermenutica (BURKE, 2010), est longe

    de ser um delrio. Pelo contrrio, esta inquietao percorre todo meio acadmico,

    ganhando uma importncia especial dentro do estudo das humanidades. No direito por

    exemplo, as questes hermenuticas so fundamentais, afinal, sem a compreenso

    que a hermenutica uma cincia, ou seja, tem como centro do seu estudo algo

    objetivo e no subjetivo como prope Barthes (1967), os sistemas legislativos

    baseados em documentos textuais, como a Constituio Brasileira, seriam

    completamente inviveis. Justamente por isso a leitura hermenutica atravs da

    intencionalidade autoral, sendo ela a nica capaz de fornecer a hermenutica um

    objeto de estudo externo ao indivduo, uma veia muito forte dentro do direito. Juristas

    como Emilio Betti, na Itlia, e Pontes de Miranda, no Brasil, so exemplos de figuras

    que dedicaram-se a defender a inteno do autor como fator determinante para a

    leitura de um objeto (GOMES, ARANTES; 2006).

    Dentro do estudo da literatura a tenso sobre a objetividade hermenutica viveu

    sua maior crise durante a metade do sculo passado. Ao contrrio do que pode se

    imaginar diante a atual hegemonia ps-estruturalista, a defesa do leitor como a fonte de

    significado para um texto nunca foi consenso entre literrios. Em 1967, mesmo ano em

    que Barthes publicou seu ensaio, E.D. Hirsch, linguista americano, escreveu um livro

    intitulado Validity in Interpretation (HIRSCH, 1967), onde empenha-se em defender a

    intencionalidade autoral como aquela que traz sentido objetivo para um texto. Em data

    mais recente, Sen Burke retomou a discusso com sua resposta a Barthes (1967),

    intitulada The Death and Return of the Author: Criticism and Subjectivity in Barthes,

    Foucault and Derrida (BURKE, 2010), onde aborda o tema dentro de uma perspectiva

    histrica, sociolgica e lingustica.

    Esta discusso a respeito da pertinncia do estudo da relao entre obra e autor

    ganha uma importncia especial dentro deste artigo, uma vez que o prprio Lars von

    Trier foi um dos responsveis por trazer a questo para o ambiente cinematogrfico.

    No ano de 1995, em companhia de seu amigo conterrneo, Thomas Vinterberg, Trier

    participou da formulao de um manifesto chamado Dogma 95, que visava combater o

    modelo hollywoodiano de fazer cinema. O manifesto constitua-se na afirmao de dez

    regras, apelidadas pelos seus autores como votos de castidade, que limitavam o uso

    de certos mtodos de filmagem e edio, sendo a ltima delas a exigncia que o nome

  • do diretor no figurasse entre os creditados no filme (< http://www.dogme95.dk/the-

    vow-of-chastity/ > 29/04/2015). Esta postura harmoniza-se com a constatao ps-

    estruturalista que o conhecimento a respeito do autor irrelevante para leitura de uma

    obra. Contudo, Lars von Trier produziu apenas um filme dentro dos moldes propostos

    pelo Dogma, a saber, Os Idiotas (Idioterne, 1998), o segundo filme da Trilogia Corao

    de Ouro. Dois anos depois, Trier lanava o terceiro filme da trilogia, Danando no

    Escuro (Dancer in the Dark, 2000), obra que rompia com todas as regras do Dogma,

    inclusive com a que censurava a creditao do diretor.

    No caso do Anticristo, Lars von Trier corre em direo diametralmente oposta a

    sugerida pelo seu manifesto. Em vez de, em nome da castidade, abster-se da

    creditao autoral, Trier assina o primeiro quadro de seu filme com seu prprio nome.

    Em um verdadeiro ato de insurreio a proposta do Dogma, o diretor faz questo de

    estabelecer uma relao ainda mais profunda entre a obra e si mesmo, do que o

    rotineiro dentro da linguagem cinematogrfica. No contente em apenas utilizar uma

    fonte que sobrepe a pelcula, Trier faz sua assinatura aderir ao modelo estilstico que

    posteriormente usa para intitular a prpria obra e os seus quatro captulos. Com isso,

    Lars von Trier deixa de ser apenas o nome do diretor e passa a ser parte integrante do

    filme, sendo inclusive o primeiro dos seus gritos. Diante desta imerso, o estudo da

    relao entre autor e obra torna-se vlido at mesmo perante os questionamentos ps-

    estruturalistas.

    FIGURA 1 Captura de Tela do filme Anticristo (2009), Creditao Autoral

    Uma vez esclarecida a legitimidade das perguntas que orientaram esta pesquisa,

  • estabelece-se o elo entre Lars von Trier e Anticristo como ponto central para o

    desenvolvimento deste estudo. H tambm que se destacar o uso de elementos de

    carter menos ldico, como declaraes do diretor a respeito do filme, dilogos dos

    personagens e decises de edio, como fontes primarias para a leitura de elementos

    dramticos de significado mais nebuloso.

    3. Influncias

    Logo aps o lanamento de O Grande Chefe (Direktren for Det Hele, 2006),

    Lars Von Trier mergulhou em uma grande crise depressiva. Sua situao era agravada

    pelos vcios adquiridos durante a filmagem do Ondas do Destino (Breaking the Waves,

    1996), onde comeou a desenvolver alcoolismo e a utilizar drogas. No auge da sua

    angustia, Trier chegou a duvidar da possibilidade de voltar a escrever um filme.

    Desesperado, iniciou o processo de escrita de um roteiro que posteriormente ganhou o

    ttulo de Anticristo (THORSEN, 2014).

    Anticristo o primeiro filme da Trilogia da Depresso, nomeada assim por conta

    da condio vivida pelo diretor durante a sua elaborao. Os outros dois filmes que

    compe a trilogia so: Melancolia (Melancholia, 2011), e Ninfomanaca

    (Nymphomaniac, 2013). Existem quatro grandes pontos de convergncia entre os trs

    longas: a presena da atriz Charlotte Gainsbourg dentro do ncleo dramtico; a diviso

    do filme em captulos sinalizados e nomeados atravs de quadros estticos inseridos

    pela edio; a nfase nos personagens femininos, sendo todos eles detentores de

    algum mal psiquitrico e de um agressivo apetite sexual; e o fato de ambos os filmes

    no apenas terem nascido em um momento de depresso de Trier, como j citado, mas

    terem a pretenso de expor didaticamente as aflies provocadas pela doena na

    mente do cineasta.

    Em 2009, no entanto, todos esses ingredientes soaram como uma novidade ao

    pblico em Cannes, que tinham a Trilogia do Corao de Ouro e Dogville (2003),

    ambos melodramas dedicados a retratar o sofrimento feminino, como principais

    referncias do trabalho de von Trier. No atoa, o jornalista Baz Bamigboye exigiu

    satisfaes do diretor durante a entrevista coletiva concedida um dia aps a estreia do

    Anticristo. Revoltado, Bamigboye chegou a declarar que, por conta do filme, teria de

    lavar o prprio crebro. Lars von Trier, mantendo o bom humor, afirmou que no sentia

    a necessidade de se justificar e, como resposta as ofensas do jornalista, autodeclarou-

    se o melhor diretor do mundo (BAMIGBOYE, 2009; HERNANDEZ, 2009).

  • Ainda durante esta entrevista, Trier referiu-se ao romancista e dramaturgo

    sueco, August Strindberg, como uma das suas principais influncias, relacionando

    inclusive, a sua prpria crise depressiva que precedeu o lanamento do Anticristo com

    o perodo de loucura vivido por Strindberg em Paris antes do lanamento do seu

    romance autobiogrfico, Inferno (1896) (HERNANDEZ, 2009). De fato, so muitos os

    paralelos entre aquilo que Strindberg chamou de Inferno Crisis e os dois anos de crise

    depressiva vividos por Trier. Os dois artistas mergulharam no alcoolismo, mesmo

    cticos, intitularam as obras produzidas durante a crise com expresses religiosas, e,

    aps a publicao de seus trabalhos, ambos passaram a ser acusados de misoginia.

    verdade que von Trier conhecia e admirava tanto o homem quanto o artista

    Strindberg. Sua admirao era tanta que chegou a cit-lo em um dilogo do O Grande

    Chefe (Direktren for Det Hele, 2006), onde, na mesma cena, comentava um boato a

    respeito de uma tentativa de assassinato cometida pelo escritor contra sua mulher e,

    logo em seguida, elogiava a sua genialidade. Sendo O Grande Chefe (Direktren for

    Det Hele, 2006) a sua ltima obra antes do incio da crise depressiva e Strindberg

    aquele citado como sua grande influncia para criao do Anticristo, possvel afirmar

    que os pensamentos do cineasta estavam especialmente voltados para o escritor

    durante a sua crise, e no s para o aspecto artstico, mas tambm para sua face

    misgina. Pode-se questionar portanto, se os paralelos estabelecidos entre a Inferno

    crisis de Strindberg, e o perodo depressivo de Lars von Trier, chamado por ele mesmo

    durante a coletiva de sua prpria Inferno crisis, encontram similaridades por obra do

    acaso, ou por um comportamento mimetizante do cineasta.

    Considerando a segunda hiptese, as acusaes de misoginia proferidas contra

    o diretor deixam de ser produto de uma obra mal compreendida, e passam a ser

    resultado de um esforo mimetizante de Lars von Trier.

    Outra influncia confessa de von Trier foi Andrei Tarkovsky. O impacto das obras

    do cineasta russo pode ser percebido desde a escolha do cenrio principal, uma

    pequena casa no campo, muito similar a casa utilizada nas filmagens de O Espelho

    (, 1975), at ao uso de figuras fantsticas para ilustrao da trama realista.

    Trier chegou a recomendar a Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, atores

    protagonistas de Anticristo, uma das obras de Andrei Tarkovsky como parte do seu

    estudo de personagem (BO, 2009). A influncia de Tarkovsky tornou-se to ampla

    sobre Anticristo, que Trier acabou por dedic-lo as memrias do cineasta russo,

    falecido em 1986.

  • 4. Um Filme Sobre a Natureza

    Apesar de valer-se de uma narrativa quase didtica, a utilizao de smbolos

    religiosos e psicanalticos acaba muitas vezes distraindo os expectadores do Anticristo

    daquele que, o prprio Lars von Trier em entrevista, declarou ser o tema central da sua

    obra: a natureza (HERNANDEZ, 2009). Ao assistirmos longa, no entanto, no nos

    deparamos com imagens exuberantes de rios, campos, montanhas, geleiras ou

    vulces, pelo contrrio, o cineasta nos apresenta uma mata homognea, cortada por

    um crrego mesquinho e habitada por animais mutilados. Perante tal abordagem,

    torna-se claro o desinteresse de Lars von Trier em apresentar a tradicional face

    exuberante da natureza, e por conseguinte, o desejo de propor um novo olhar sobre o

    tema.

    Uma esclarecedora dica de como o tema foi trabalhado pelo autor ao decorrer

    de sua obra, est na j citada frase de apresentao do filme feita por Trier em Cannes.

    O diretor convida os expectadores a adentrarem no mundo sombrio da sua imaginao,

    sobre a natureza do seu medo, sobre a natureza do anticristo (WALSH, 2009). A

    associao da natureza com medo e anticristo uma generosa sugesto de Trier dos

    melhores ngulos para apreciao de sua obra.

    O motor dramtico do filme justamente a investigao do personagem

    masculino, Willem Dafoe, a respeito da natureza do medo que aflige sua esposa,

    Charlotte Gainsbourg. O marido, um experiente psicoterapeuta, lana mo da terapia

    de exposio como tratamento para sua mulher, que aps a morte do nico filho do

    casal em um acidente domstico, mergulhou em um quadro de depresso e ansiedade

    profunda. A eficcia do mtodo no entanto, depende de uma exposio sistemtica do

    paciente ao objeto provocador da sua angustia, fato que demanda um grande empenho

    do terapeuta em conhecer a fonte da ansiedade de seu paciente.

    Esta busca levou o casal a pequena casa de campo, sugestivamente chamada

    den, onde a personagem de Gainsbourg passou o ltimo vero em companhia de seu

    filho. Sozinhos, cercados apenas por um bosque, terapeuta e paciente aproximam-se

    cada vez mais da real origem do medo pesquisado.

    Inicialmente o medo aparece como uma figura dispersa, sendo representado

    pelo diretor atravs de imagens de plantas e galhos entrelaados, porm, ao decorrer

    do tratamento, a angustia passa por um processo de gradual objetivao, atingindo seu

    ponto mximo em uma definio da prpria paciente. Aps um perodo de abatimento

  • provocado pelo contato com o bosque, objeto listado como um dos possveis

    provocadores da sua aflio, a mulher conclui a descoberta de um outro aspecto do

    den: por trs de toda a beleza que salta a vista haveria uma face cruel da floresta, a

    morte que lhe garante a vida, morte esta que a personagem agora julga-se capaz de

    escutar. Diante desta anlise a paciente conclui: a natureza a igreja de Sat.

    Apesar da insatisfao do terapeuta com a definio fornecida pela sua esposa,

    a mulher, que antes mal conseguia caminhar sobre a grama sofrendo at mesmo

    queimaduras psquicas durante uma tentativa , parece curada. O homem inicia ento

    um processo de descoberta do real significado da natureza. Trier marca esta mudana

    com a apresentao de uma raposa que, utilizando-se de uma metfora, faz com que

    anuncie: O caos reina. Desta forma Trier faz com que a prpria natureza revele sua real

    essncia.

    A discusso a respeito do terror da natureza, antes tratada como algo restrito a

    floresta, torna-se pouco a pouco uma discusso a respeito da natureza humana. O

    diretor acompanha as atualizaes da trama atravs de uma cena que chegou a

    estampar um dos posters do filme: o casal faz sexo recostado sobre um emaranhado

    de razes, a cena complementada por mais uma ilustrao metafrica de Trier, braos

    humanos unem-se aos galhos, uma releitura humanizada da antiga representao do

    medo adotada pelo diretor.

    A denncia do ser humano como uma criatura aterrorizante, ganha fora aps a

    descoberta do marido a respeito dos maus tratos praticados pela sua mulher contra seu

    filho. Analisando fotografias, o personagem masculino descobre que sua esposa

    costumava inverter os sapatos do garoto, a inverso era to constante que chegou a

    gerar deformaes nos ps do menino. O diretor confirma o desprendimento da me

    em relao a criana alguns minutos mais tarde, onde revela que ela, a personagem

    feminina, assistiu o acidente que veio a causar a morte de seu filho, mas, por estar

    entretida transando com o seu marido, decidiu no intervir. O fato parece ser tratado

    pelo roteiro e pelo personagem no como uma ao maligna consciente, mas uma

    ao inconsciente, sendo a personagem apenas uma vtima do seu prprio instinto.

    Durante o tratamento o terapeuta utilizou o desenho de uma pirmide como um

    auxlio visual para sua pesquisa, l eram listados, respeitando a ordem hierrquica de

    baixo para cima, os objetos causadores de aflio a sua paciente, sendo o topo

    reservado para real natureza do medo pesquisado. A concluso da pesquisa

    inquietante, aps constatar a tortura sofrida por seu filho, o terapeuta conclui que a

  • prpria paciente o objeto provocador do seu medo e confere a ela mesma o topo na

    pirmide do horror.

    A deduo do terapeuta a respeito da natureza do medo de sua paciente,

    conferem sentido a elementos da obra que, a primeira vista, aparentam ser agresses

    desconexas a figura feminina. Por exemplo, ao entendermos que a mulher a sede

    principal daquilo que ela mesma definiu como A igreja de Sat, conseguimos entender

    o porque da tipografia utilizada para intitular o filme, onde o Smbolo de Vnus

    tradicionalmente utilizado para representar o sexo feminino compe a palavra

    Anticristo:

    FIGURA 2 Captura de Tela do Filme Anticristo (2009), Ttulo do Filme

    Outro fragmento que torna-se mais claro angustiante cena de mutilao genital

    praticada pela personagem feminina. Diante desta definio podemos entender o ato

    como uma tentativa de redeno da personagem, que atravs do corte de seu prprio

    clitris, buscava atentar contra a natureza maligna que dominava a sua face

    inconsciente. Esclarece-se tambm a frase de apresentao da obra, pois em um

    primeiro instante o diretor parece tratar em sua declarao de duas naturezas, uma

    natureza do medo e outra natureza do anticristo, porm, diante da concluso do

    terapeuta, notamos que a frase do diretor trata-se de um pleonasmo.

    Define-se portanto que a viso da natureza apresentada no Anticristo trata-se de

    uma tentativa do diretor de mostrar-nos uma perspectiva decadente da mesma. Para

    isso, Trier lana mo de um discurso impositivo, onde gradualmente antigos atributos

    da natureza so corrompidos. A fertilidade, beleza, generosidade e a cosmicidade,

  • atributos geralmente conferidos a natureza dentro de uma leitura romntica, so

    contrapostos pelo homicdio, mesquinhez, hedonismo e caos. O paralelismo ganha

    fora mxima quando o diretor define a natureza, geralmente entendida como uma

    demonstrao dos atributos divinos, como a igreja de Sat, e a humanidade, que

    segundo a f crist a imagem e semelhana do Pai, como o anticristo.

    5. Misoginia

    A agressividade presente na personagem feminina e nas situaes vividas por

    ela, so a maior fonte de indignao do publico com o Anticristo. No atoa a cena de

    mutilao genital e a acusao de incentivo a misoginia so temas recorrentes em

    anlises e discusses sobre o filme.

    A relao do diretor com o sexo oposto, tanto a nvel pessoal quanto em

    ambiente profissional, trata-se de um tema delicado. Sua me, Inger Trier, que chegou

    a ser lder do movimento feminista da Dinamarca por um certo perodo, confessou em

    seu leito de morte que Ulf Trier, homem que criou Lars como filho, no era seu pai

    biolgico, mas sim Fritz Michael Hartmann, seu antigo patro. Este evento teve

    profundo impacto sobre o cineasta. A influncia deste evento sobre a arte de von Trier

    confessa, em entrevista ao New York Times, ele admitiu que muitos filmes seus tratam-

    se de uma espcie de provocao pstuma dirigida a Inger (KEHR, 2009; MACNAB,

    2011; O'HAGAN, 2009).

    Diante destas declaraes os constantes conflitos do diretor com as atrizes

    durante a filmagem de seus longas torna-se passvel de uma associao com seus

    problemas familiares. A primeira atriz que tornou pblica a dificuldade do diretor com o

    gnero feminino foi a cantora pop Bjrk Gumundsdttir, que na ocasio protagonizava

    o longa ganhador da Palma de Ouro, Danando no Escuro (Dancer in the Dark, 2000).

    Aps uma discusso com o diretor, Bjrk chegou a abandonar o set de filmagem

    durante algum tempo, os problemas foram amenizados pela cantora durante o

    lanamento do filme, porm, em 2009 em uma entrevista concedida ao The Sunday

    Times, a cantora definiu Trier do seguinte modo:

    Ele precisa de uma mulher para fornecer alma ao seu trabalho, e ele tem

    inveja delas e odeia-as por isso. Ento ele tem que destru-las durante as

    filmagens e depois esconder as provas. (APPLEYARD, 2009)

    Nicole Kidman, protagonista do Dogville (2003), tambm esteve no centro de

  • uma possvel desavena com o diretor. Segundo o jornal britnico Telegraph, a atriz,

    apesar de no declarar abertamente, insinuou que no mantinha boas relaes com

    Trier. A suspeita foi confirmada pelo prprio Trier, que, respondendo aos rumores a

    respeito da tortura psicolgica sofrida por Kidman durante a gravao de Dogville,

    afirmou estar ciente que a atriz considerava seu temperamento difcil (GRITTEN, 2009).

    A prpria Gainsbourg, que mantm tima relao com o diretor, chegou a mencionar o

    hbito do cineasta de torturar suas personagens femininas: Ele coloca as mulheres em

    um pedestal e depois empurra-as ( KEHR, 2009).

    Perante estas evidncias as acusaes de misoginia dirigidas ao cineasta,

    apesar de no serem inquestionveis, ganham fundamento. Isto no deve, no entanto,

    ser entendido como uma justificativa para reduzir o sofrimento da personagem feminina

    a apenas um capricho de um diretor sdico. A escolha da personagem de Gainsbourg

    como a representante humana da igreja de Sat, ganha um significado dramtico muito

    profundo quando entendemos Anticristo como um filme sobre a natureza.

    A associao da mulher com a natureza realizada em quase todas as culturas,

    pantees da antiguidade revelam diversas deusas mulheres que assumem esta

    proposta, existem at arqulogos que compreendem as Estatuas de Vnus, cones pr-

    histricos, como possveis menes a este arqutipo (BERGAMO; 2007). A correlao

    estabelecida por estas comunidades primitivas estava geralmente centrada em

    analogia da gestao e amamentao, atributos exclusivamente femininos, com a

    fertilidade da natureza. A prpria etimologia da palavra natureza revela isso, o termo

    deriva do latim nature que significa literalmente dar a luz (HARPER, 2001).

    Uma vez traado o arqutipo, muitos povos continuaram a revisitar o conceito

    acrescentando novas analogias, como por exemplo a relao entre a beleza feminina e

    a beleza da natureza; a mudana de humor feminino, consequncia do ciclo menstrual,

    com as intemperes e estaes; ou a inferncia da fragilidade feminina sobre a

    natureza. Isto ajudou a um estreitamento de relao conceitual da mulher com a

    natureza. O relato bblico pode ser entendido como um exemplo desta aproximao.

    Enquanto Eva chegou a trocar palavras com a Serpente, mas no encontramos a

    relatos de uma relao especial de Ado com natureza.

    Trier evoca esta relao de forma muito clara em Anticristo quando inclui em seu

    longa diversas cenas de sobreposio da personagem feminina sobre imagens da

    floresta.

  • FIGURA 3 Captura de Tela do Filme Anticristo (2009), Cena Onde a Mulher Funde-se a Relva

    A pretenso do diretor de apropriar-se deste arqutipo torna-se ainda mais clara

    quando a prpria personagem cita as bruxas medievais e seus poderes sobre a

    natureza: as irms Ratisbonn eram capazes de provocar chuva de granizo, ela afirma

    enquanto transa com seu marido em meio as razes de uma grande rvore. O fato da

    personagem feminina no ter nome prprio passa, enfrente a constatao da inteno

    do autor de apropriar-se da mulher como um smbolo, a tambm a ter um significado

    dramtico de reforo desta inteno.

    Como foi constatado no captulo anterior, Trier pretende desconstruir o ideal

    romntico da natureza. Por isso revisita durante o filme toda genealogia simblica que

    serve de pilar para o olhar humano sobre o tema. Atravs deste processo de

    revisitao a mulher elencada como principal lente utilizada pela humanidade para

    leitura da natureza, tornando-se por consequncia, o alvo principal do diretor dentro da

    sua desconstruo. Trier realiza seu trabalho de perverso do smbolo utilizando-se

    justamente dos caminhos traados para construo do mesmo. A maternidade, atributo

    que serviu como ponte primaz para relao da mulher com a natureza, reutilizado

    pelo diretor como ponto central do seu projeto de perverso. Ao apresentar ao

    espectador uma me negligente, capaz de abandonar seu filho em nome de um prazer

    fugaz, como o prazer sexual, ou ainda pior, uma me cruel, que submete seu prprio

    filho a torturas fsicas, o diretor coloca em xeque o arqutipo da me natureza como

    generosa e altrusta, apresentando a proposta de uma me assassina e hedonista.

    Alm do elo principal Trier tambm desvirtua as ligaes secundrias realizadas

    muitas vezes nos retratos simblicos da relao da mulher com a natureza, o vnculo

    da beleza por exemplo, questionado em um discurso da personagem:

  • As sementes de carvalho ficam caindo no telhado caindo e caindo Morrendo e

    morrendo. Ento entendi que tudo que costumava ser bonito no den, talvez

    fosse horrvel.

    A relao da mulher com as intemperes citada pelo diretor, no s no j

    referido dilogo sobre as bruxas medievais, mas tambm em uma concretizao

    dramtica do mito, onde a personagem feminina parece dispor da habilidade de, como

    as bruxas, provocar chuvas de granizo.

    claro que mesmo que a escolha da mulher como personagem central de uma

    trama to violenta encontre justificativas artsticas, certas decises do diretor, como por

    exemplo a de exibir integralmente a extirpao do clitris da personagem, continuam

    sendo mais fceis de serem compreendidas atravs do seu problema com o gnero.

    6. Os Trs Mendigos

    Em todo longa Trier nos apresenta somente trs personagens humanos, o casal

    e seu filho Nick, mas alm destes, outras trs figuras acabam chamando a ateno dos

    espectadores, Os Trs Mendigos, animais carregados com um forte contedo simblico

    que aparecem ao personagem masculino. Os animais escolhidos pelo diretor para

    integrarem Os Trs Mendigos foram: o cervo, a raposa e o corvo. Durante o filme Trier

    associa cada animal com um atributo diferente do sofrimento: o cervo com o luto, a

    raposa com a dor e o corvo com o desespero. Luto, dor e desespero, servem tambm

    como ttulo de trs dos quatro captulos do filme, cada um destes captulos so

    encerrados pela apario do seu respectivo mendigo. O quarto e ltimo captulo

    chama-se justamente Os Trs Mendigos e s encerrado com o aparecimento das

    trs criaturas.

    Tentar traduzir o significado de cada um dos trs mendigos dentro de apenas um

    conceito uma tentativa to equivocada como a de trat-los como algo indecifrvel.

    Trier elabora estes personagens com o intuito de conceber algo realmente polissmico,

    porm jamais como um rompimento da natureza didtica que guiou sua pulso criativa.

    Cada elemento, como o nmero, a espcie, a situao vivida por cada criatura e o seu

    relacionamento com os personagens humanos, foram definidos e controlados de perto

    pelo diretor. Para compreendermos a funo dramtica destes personagens

    importante lembrarmos da forma como Trier trabalhou outros elementos do seu longa

    como a mulher e a natureza. No atravs de uma leitura guiada especificamente por

    caminhos simblicos pr-definidos, como a religio ou a psicanlise, mas como algum

  • que admite a contribuio destes diversos meios para construo de um smbolo.

    Os trs animais flutuam sobre o mundo concreto de Anticristo, horas eles

    participam ativamente interagindo com o meio e com todos os personagens, como no

    caso em que o corvo denuncia o esconderijo do personagem masculino, horas eles

    rompem com o mundo comum, como na cena em que a raposa fala com o personagem

    masculino. A carncia de repercusso destes fenmenos extraordinrios, tanto na

    relao dos personagens quanto na abordagem do diretor atravs da montagem e

    edio, coloca esta segunda contribuio dos animais em um patamar similar ao da

    cena onde braos humanos entrelaam-se a raiz de uma rvore, ou seja, como uma

    insero metafrica do diretor.

    Uma vez ciente da complexidade destas figuras, cabe aqui a citao de algumas

    das suas possveis leituras:

    Os Trs Mendigos Como Um Retrato da Condio da Personagem Feminina:

    como j posto, os animais so apresentados de forma mais clara ao pblico nas cenas

    que precedem o encerramento dos trs primeiros captulos. Trier faz com que cada

    uma destas criaturas sejam vistas pelo personagem masculino em situaes muito

    especficas que, sem muito esforo, podemos relacionar com a percepo do

    personagem masculino sobre a condio da sua esposa. O cervo, animal que aparece

    ao trmino do captulo Luto, por exemplo, avistado pelo personagem masculino

    entre as rvores do den e carrega preso ao seu corpo um feto abortado. A raposa o

    segundo mendigo apresentado ao pblico e ao personagem de Dafoe, ela est atrelada

    ao segundo captulo Dor, que carrega como subtitulo justamente a frase dita pelo

    animal ao personagem humano, Caos Reina. Ela flagrada em meio a arbustos

    enquanto canibaliza-se, estabelecendo relao com o diagnostico de autopunio dado

    pelo psicoterapeuta a sua mulher. O terceiro animal, o corvo, aparece no fundo de um

    buraco enquanto o personagem masculino foge de sua companheira neste momento

    j surtada , esta cena precede o fim do terceiro captulo Desespero, subintitulado

    Feminicdio. O corvo est dentro de um buraco e ao deparar-se com o personagem

    masculino desespera-se. Da mesma forma a mulher, quando tem seus maus-tratos

    descobertos pelo seu marido, acaba surtando e tornando-se agressiva.

    Alm da apario principal, Lars von Trier volta a relacionar a figura do cervo

    com a personagem feminina durante a cena onde revela que a me havia assistido o

    acidente que provocou a morte do filho do casal:

  • FIGURA 4 Captura de tela do filme Anticristo (2009), o cervo observa a queda de Nick

    Esta apario mais um indcio da inteno do diretor em gerar esta leitura.

    Os Trs Mendigos Como uma Releitura da Santssima Trindade: apesar da

    cultura crist nunca fazer esta relao de forma condensada, de conhecimento geral

    a associao de cada membro da Trindade com uma figura animal, o Pai com o leo, o

    Filho com o cordeiro e o Espirito Santo com a pomba. Ao apresentar-nos um cervo com

    sua cria abortada ainda presa ao seu corpo, uma raposa que comete que come suas

    prprias vsceras, e um corvo que emerge do fundo da terra para denunciar o homem,

    muito provvel que o diretor visasse parafrasear o atributo de cada membro da

    Trindade; o Pai, protetor guerreiro do povo de Israel; o Filho, que entrega sua prpria

    vida para salvar a humanidade e deixa sua carne e seu sangue a Santa Eucaristia

    como alimento para seu povo; e o Espirito Santo, que desce do alto para consolar os

    membros da Igreja de Deus. Desta forma Trier dava a Igreja de Sat sua prpria verso

    do deus cristo.

    Os Trs Mendigos Como Releitura dos Trs Reis Magos: a relao entre estas

    criaturas e os reis do oriente que, segundo a tradio crist, haviam visitado o Messias

    aps o seu nascimento, torna-se explicita no momento em que, no ultimo capitulo do

    filme, o casal realiza o seguinte dilogo:

    Homem: Voc quis me matar?

    Mulher: Ainda no Os Trs Mendigos ainda no esto aqui.

    Homem: Os Trs Mendigos? O Que isso?

    Mulher: Quando os Trs Mendigos Chegarem algum tem que morrer.

    Homem: Entendo.

    Uma vez conhecido o intuito perversor de Trier, manifesto diversas vezes

  • durante o longa, a associao por lgica espelhada entre Os Trs Mendigos arautos da

    morte do anticristo e os Trs Reis Magos presenteadores do Cristo recm-nascido,

    trata-se de uma leitura que possivelmente foi considerada por Trier durante o processo

    de escrita e direo.

    Apesar da harmonia entre estes conceitos e as funes ocupadas pelos Trs

    Mendigos na trama de Anticristo, todas estas leituras no passam de hipteses, uma

    vez que no esto certificadamente fundamentadas na inteno do diretor, que, como o

    autor de qualquer objeto polissmico, nunca chegou a declarar o real significado das

    criaturas. Ainda assim, condenados a nunca possurem um significado objetivo, Os

    Trs Mendigos so parte fundamental do filme, servindo de apoio para construo do

    ambiente aterrorizante e mistico do den e tambm como figuras que reforam a

    inteno alegrica de Trier.

    7. O Pecado de Ado

    Apesar do foco da degradao estar voltado para mulher, Lars von Trier no

    deixa que o homem escape ileso de sua crtica. Enquanto sua esposa parece estar

    integrada e conhecer, algumas vezes de maneira consciente outras de forma

    inconsciente, a face real da natureza. O personagem de Dafoe acaba tropeando sobre

    sua prpria racionalidade, portando-se como um completo desconhecedor do mundo

    concreto.

    Recusando-se a ouvir o conselho de sua mulher para manter-se longe deste

    caso, o arrogante psicoterapeuta tenta impor suas certezas cientficas sobre a

    natureza, elemento tratado por Trier em Anticristo como algo mistico e indomvel. Esta

    postura cega o personagem, que por diversas vezes durante o longa tem contato com

    evidncias da perversidade de sua mulher, mas, devido a uma viso determinada a

    enxergar apenas o que quer, acaba negligenciando a realidade.

    Lars von Trier demonstra esta negligncia de forma muito incisiva durante o

    longa, valendo-se de um smbolo gerado pela prpria trama: as sementes de carvalho.

    A relao entre as sementes de carvalho e a morte, feita pela personagem feminina

    durante um dilogo que inclusive j foi citado parcialmente no captulo quatro deste

    artigo. L a esposa desata em uma reflexo sobre a as sementes que caem sobre o

    telhado da casa sendo impedidas de alcanar o solo e dar origem a vida, condenadas

    assim a morte.

  • Compreendendo as sementes de carvalho como um signo da morte em

    Anticristo, duas sequncias ganham um significado especial para o discurso da obra. A

    primeira delas trata-se de uma sequncia que acontece no incio do segundo captulo

    do filme, Dor, onde o personagem masculino observa uma coletnea de fotografias de

    seu filho Nick, que foram tiradas pela me durante o ltimo vero. A princpio o marido

    no nota que os sapatos de seu filho esto invertidos em todas as fotos. Vale lembrar

    que estas mesmas fotos sero utilizadas pelo personagem mais tarde, no captulo trs,

    como evidncia da tortura praticada pela me contra a criana. Em seguida o

    personagem dorme, o som das sementes de carvalho o incomodam durante a noite,

    mas sua mulher o tranquiliza informando-o que tratam-se de apenas sementes

    idiotas. Na manh seguinte, Dafoe tem suas mos cobertas por sementes.

    FIGURA 5 Captura de tela do filme Anticristo (2009), Mo do Homem Coberta Por Sementes

    A leitura desta sequncia a luz da abordagem das sementes como

    representantes da morte um tanto quanto obvia: as mos do homem esto sujas de

    morte. No atoa o personagem desespera-se quando enxerga sua mo coberta pelos

    gros, e limpa-os desesperadamente.

    Na segunda sequncia esta simbologia torna-se ainda mais clara, ela ocorre no

    final do segundo captulo: O personagem masculino l pela primeira vez a necrpsia de

    seu filho, olha para mulher que est dormindo e em seguida para cmera, a cmera

    afasta-se, e Trier, valendo-se mais uma vez de uma metfora, insere uma cena onde o

    personagem masculino est debaixo de uma chuva de sementes de carvalho. A

    referncia estende-se at o incio de outra sequncia, onde, no dia seguinte, o

  • personagem masculino alisa sua mo, que parece ter sido ferida pelas sementes da

    primeira cena.

    FIGURA 6 Captura de Tela do Filme Anticristo (2009), Chove Sementes Sobre o Homem

    Mais tarde descobrimos que a necrpsia denunciava deformidades nos ps da

    criana, ou seja, so mais uma evidncia dos maus-tratos praticados pela me.

    O fato do personagem masculino olhar diretamente para cmera, como uma

    espcie de rompimento da quarta parede, torna explcito algo que j vinha sendo

    elaborado atravs dos dilogos: a construo do marido como um representante do

    espectador. Por conta da instabilidade emocional, a mulher porta-se como um elemento

    misterioso para o pblico, que acaba mergulhando junto com o homem na pesquisa

    sobre sua condio. Alm disso o personagem de Dafoe est profundamente envolvido

    com os valores contemporneos, como a valorizao da racionalidade e a defesa da

    dignidade humana. Uma vez estabelecido este vnculo, Trier faz com o que as

    descobertas, pensamentos, sentimentos e, por consequncia, os erros, do personagem

    masculino sejam de certa forma compartilhados com o espectador. O olhar dirigido

    para cmera ganha valor dramtico quando entendemos isto. O personagem no

    estaria apenas mirando o horizonte, mas sim compartilhando sua negligncia com o

    prprio publico, que assim como ele recusa-se a condenar a personagem feminina.

    O penltimo captulo, Desespero, subintitulado Feminicdio, relata a relutante

    descoberta do marido a respeito da natureza cruel de sua esposa. Aps ter acesso ao

    contedo da tese de doutorado da mulher elaborada durante o ltimo vero, cujo o

    tema era justamente o feminicdio, e notar, atravs de uma perceptvel digresso

  • caligrfica presente em seus manuscritos, o desespero da sua conjugue ao tratar sobre

    o tema. O personagem masculino acaba entendendo que o medo de sua mulher

    poderia ser traduzido como o medo do feminicdio. Com isto em mente, o terapeuta

    props um exerccio, que por sua vez formulou-se atravs de um dilogo que traduz de

    forma muito direta e didtica o discurso produzido pelo filme, por conta disso vale ser

    citado integralmente:

    Homem: gostaria de fazer um exerccio. Vamos interpretar. Meu papel ser: todosos pensamentos que provocam seu medo. O seu papel ser o pensamentoracional. Eu sou a natureza, tudo que voc entende como natureza.

    Mulher: tudo bem, senhor natureza; o que voc quer?

    Homem: machuc-la quanto eu puder.

    Mulher: como?

    Homem: como voc acha?

    Mulher: me assustando.

    Homem: Matando-a.

    Mulher: a natureza no pode me machucar, voc s o verde l fora.

    Homem: no, eu sou mais do que isso.

    Mulher: no entendo

    Homem: estou l fora, mas tambm estou Estou dentro. Sou a natureza detodos os seres humanos.

    Mulher: ah, este tipo de natureza O tipo de natureza que faz as pessoascausarem mal s mulheres.

    Homem: exatamente.

    Mulher: esta natureza me interessou quando estive aqui, era o assunto da minhatese. Mas no deveria subestimar o den.

    Homem: o que o den fez?

    Mulher: descobri mais do que imaginava. Se a natureza humana m, istotambm valido para natureza

    Homem: das mulheres? Natureza feminina.

    Mulher: a natureza de todas as irms. As mulheres no controlam seu corpo, anatureza quem controla. Escrevi isso nos meus livros.

    Homem: o material que usou em sua pesquisa era sobre crueldades cometidascontra as mulheres, mas voc entendeu como prova da malignidade feminina? Erapara ser critica perante esses textos, era sua tese! Em vez disso, abraou a ideia.Sabe o que est dizendo?

    Mulher: esquea No sei por que falei isso

    Homem: tenho que descansar

    Esta relutncia do personagem masculino em admitir a existncia de uma

    natureza que domina o ser humano, sobretudo as mulheres, trata-se de uma traduo

    exata do pensamento contemporneo a respeito do tema. justamente isto que

    questionado por Lars von Trier em seu filme, afinal, o ser humano como parte

  • integrante da natureza, consegue no manifestar a crueldade animal? Nossa civilidade

    moderna no seria apenas uma maquiagem do nosso instinto?

    Trier aborda o tema de maneira visceral no ltimo arco do longa. Aps ser

    descoberta a mulher surta e ataca o marido. Durante o ataque ocorre um evento

    ilustrativo, onde, em uma confuso de sentimentos, a mulher masturba o personagem

    masculino, e o homem, que teve seu pnis alvejado por uma srie de ataques brutais

    com uma tora de madeira, termina ejaculando sangue. Este evento estabelece relao

    com o fato do prazer sexual ter sido motivador da omisso da personagem em relao

    ao acidente de seu filho. Em seguida von Trier inicia um longo desenvolvimento da

    violncia atravs da personagem feminina, que faz as vezes de vil de filme de horror

    perseguindo e torturando o marido. O Homem s consegue livrar-se da sesso de

    tortura com a ajuda do corvo, que o auxilia a encontrar a chave de fenda ferramenta

    necessria para livrar-se do peso preso pela mulher em sua perna.

    Mesmo sofrendo ataques, o homem consegue libertar-se. A atitude do marido

    aps sua libertao no entanto, destoa com o comportamento comedido apresentado

    at ento. Tomado por um dio animal, o personagem de Dafoe enforca sua mulher,

    provocando sua morte por asfixia. Em seguida, replica os misginos do passado,

    repudiados pelo prprio personagem algumas cenas atrs, e queima sua mulher em

    uma fogueira. Trier pontua o surto do homem com uma srie de imagens em plano

    fechado, similares a uma outra miscelnea de imagens utilizadas no primeiro captulo

    pelo diretor para retratar um surto da personagem feminina. Esta vinculao esttica

    sugere tambm um elo experiencial dos dois personagens, tornando o homem parte do

    mesmo processo de descobrimento a respeito da sua natureza que a mulher.

    A descoberta da realidade sobre a natureza por parte do personagem masculino,

    serve como chave para a leitura da ltima sequncia do longa. O homem atravessa

    uma floresta decadente formada por corpos masculinos. Em seguida, o diretor repete a

    fotografia e a trilha utilizadas durante o prlogo. Em preto e branco e ao som de Lascia

    Ch'io Pianga, o homem chega a um local arborizado, onde encontra algumas frutas e

    senta para alimentar-se. Calmo, integrado com a natureza, o homem enxerga os Trs

    Mendigos, em seguida, volta seu olhar para a floresta e v um grupo imenso de

    mulheres caminhando em sua direo.

    Aps descobrir o poder da natureza sobre si, vendo-se capaz de atos cruis e

    assassinos, o homem, descarregado da sua soberba, consegue enxergar a verdadeira

    natureza, simbolizada pela irmandade feminina que caminha harmoniosamente sobre a

  • floresta.

    Sendo o personagem masculino o representante do pblico, ao fazer com que

    suas certezas a respeito da natureza fossem superadas, Trier traa neste instante um

    desafio aos seus espectadores, a natureza de fato o que a filosofia moderna e ps-

    moderna afirma ser? Desta forma Lars von Trier encerra seu longa, com um voraz

    convite a reviso de dogmas sustentadores da sociedade contempornea.

    8. Concluso

    Em Anticristo Lars von Trier nos apresenta uma corajosa releitura da natureza. O

    tema trabalhado em diversas perspectivas, a natureza como um sinnimo de flora e

    fauna, a natureza da humanidade, dos gneros, e por fim, a natureza do sujeito. Trier

    foge do senso comum e empenha-se em reconstruir o tema de maneira oposta a

    abordagem idealizada que geralmente cerca o assunto.

    As principais influncias estticas e dramticas de Lars von Trier foram o

    dramaturgo August Strindberg e o cineasta Andrei Tarkovsky. Outra importante fonte de

    inspirao para o diretor foi sua prpria depresso, doena que o afligia durante todo

    processo de escrita e gravao.

    Para construir seu discurso subversivo von Trier valeu-se de um rico repertrio

    simblico, do qual apropriou-se sem pudor. O maior smbolo, gerador de muita

    controversa, que o diretor decidiu revisitar, foi o smbolo da mulher como representante

    da natureza. A agressividade com a qual o cineasta lida com o feminino em sua obra

    muitas vezes se confunde com seus problemas pessoais com o gnero. justamente

    esta questo que acabou provocando o repdio de muitos crticos em relao ao filme.

    Apesar da possibilidade de certas cenas contarem com um sadismo desnecessrio, o

    diretor encontra pleno amparo em seu tema e em sua trama para tomar as decises

    criativas que tomou.

    Mesmo que a releitura do feminino seja o grande foco simblico do longa, a

    apario de trs animais misteriosos ao decorrer do filme, nomeados como os Trs

    Mendigos, tambm est no centro das discusses sobre a obra. Trier elabora os Trs

    Mendigos dentro de um emaranhado simblico complexo e polissmico, por conta

    disso, ao contrrio da maioria dos outros signos utilizados, uma leitura objetiva sobre

    estes elementos impossvel. A nica certeza possvel sobre estes personagens da

    sua rica contribuio dramtica, tanto a nvel esttico quanto de trama.

  • A aflio sentida pelos espectadores de Anticristo provocada intencionalmente

    pelo diretor, que alm de utilizar a violncia de forma explicita e descompensada,

    desenvolveu o tema de tal maneira onde pilares bsicos do mundo contemporneo,

    como a igualdade de gnero, a compreenso do mundo atravs da razo e a

    valorizao do ser humano, so completamente destroados. Desta forma os

    espectadores que no repudiam o filme por conta da violncia exacerbada, acaba

    rechaando o longa como material prejudicial a sociedade.

    Aps uma anlise minuciosa, podemos perceber que sim, de fato Anticristo um

    dos filmes mais violentos tanto plasticamente quanto em discurso do cinema do

    sculo XXI, mas tambm uma das obras mais complexas e corajosas de toda a

    histria do cinema. inevitvel que a mistura destes trs adjetivos provoquem

    polmica, no entanto, o que nunca deve ser feito a reduo do seu mrito artstico em

    nome de uma causa ideolgica. Lars von Trier, auxiliado pela sua dedicada equipe, faz

    atravs do Anticristo uma fervorosa e competente critica a tica moderna e ps-

    moderna, tarefa que pouqussimos artistas dispem-se em realizar. Este compromisso

    primordial com a arte uma assinatura de Trier, o que garante a sociedade uma

    oportunidade de rediscutir temas que muitas vezes j esto adormecidos no senso

    comum. Misgino ou no, Anticristo trata-se de uma obra que simboliza a resistncia

    da arte sobre os interesses gerais, algo muito importante e incomum nos dias de hoje.

    Sem artistas competentes e corajosos como Trier inevitvel que a sociedade

    mergulhe em sua prpria arrogncia contempornea, e termine esquecendo que as

    certezas que nos guiam hoje so produto de dilogos filosficos que a qualquer

    momento podem ser retomados.

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