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RELAÇÕES ENTRE CIDADANIAS CULTURAIS E IDENTIDADES RELIGIOSAS: PRÁTICAS DOCENTES NO ENSINO DE HISTÓRIA E ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS DA CIDADE DE PONTA GROSSA, PARANÁ Lucas Santiago Martins (Acadêmico do Curso de Licenciatura em História na Universidade Estadual de Ponta Grossa, [email protected]) Andrea Paula dos Santos (Profa. Dra. do Dep. de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, [email protected]) Introdução Este artigo partiu de uma pesquisa acerca das representações e das práticas docentes no ensino sobre a Reforma Protestante e o movimento neopentecostal nas escolas da cidade Ponta Grossa. Buscamos aqui refletir sobre como os conhecimentos sobre religião e religiosidade são tratados nas escolas em disciplinas que têm conteúdo diretamente relacionado a eles e que, evidentemente, dizem respeito às construções identitárias dos professores e dos alunos, como uma das formas de expressão de cidadania cultural. Cidadania cultural compreendida como direito de acesso aos bens culturais, no âmbito dos direitos humanos (BASTOS, 2009), sendo que também assinalamos, nesta pesquisa, as práticas religiosas como práticas multiculturais (CANCLINI, 2003, 2005) que todos os sujeitos têm o direito de exercer, especialmente, nos espaços religiosos, e de ser respeitado em suas crenças e escolhas religiosas nos espaços públicos, como é o caso do espaço escolar. Para tanto, foi desenvolvida uma análise a partir desses estudos através de uma nova história religiosa reconhecida por uma dupla filiação: a sociologia religiosa e a história das mentalidades (LANGLOIS, 1993), bem como, posteriormente, a nova história cultural (BURKE, 2005, SANTOS, 2005). A partir disso, consideramos que o conhecimento da história religiosa é um ponto relevante para a garantia dessa dimensão da cidadania cultural, em que há a possibilidade da prática religiosa ocupar um posicionamento central na vida de um sujeito histórico (GEERTZ, 1989; DELUMEAU, 2003; MESQUITA, 2007). Para tanto, torna-se necessário mencionar que a multiplicidade de doutrinas religiosas no interior de

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Este artigo partiu de uma pesquisa acerca das representações e das práticas docentes no ensino sobre a Reforma Protestante e o movimento neopentecostal nas escolas da cidade Ponta Grossa.

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RELAÇÕES ENTRE CIDADANIAS CULTURAIS E IDENTIDADES

RELIGIOSAS: PRÁTICAS DOCENTES NO ENSINO DE HISTÓRIA E ENSINO

RELIGIOSO EM ESCOLAS DA CIDADE DE PONTA GROSSA, PARANÁ

Lucas Santiago Martins

(Acadêmico do Curso de Licenciatura em História na Universidade Estadual de Ponta

Grossa, [email protected])

Andrea Paula dos Santos

(Profa. Dra. do Dep. de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa,

[email protected])

Introdução

Este artigo partiu de uma pesquisa acerca das representações e das práticas

docentes no ensino sobre a Reforma Protestante e o movimento neopentecostal nas

escolas da cidade Ponta Grossa. Buscamos aqui refletir sobre como os conhecimentos

sobre religião e religiosidade são tratados nas escolas em disciplinas que têm conteúdo

diretamente relacionado a eles e que, evidentemente, dizem respeito às construções

identitárias dos professores e dos alunos, como uma das formas de expressão de

cidadania cultural. Cidadania cultural compreendida como direito de acesso aos bens

culturais, no âmbito dos direitos humanos (BASTOS, 2009), sendo que também

assinalamos, nesta pesquisa, as práticas religiosas como práticas multiculturais

(CANCLINI, 2003, 2005) que todos os sujeitos têm o direito de exercer, especialmente,

nos espaços religiosos, e de ser respeitado em suas crenças e escolhas religiosas nos

espaços públicos, como é o caso do espaço escolar. Para tanto, foi desenvolvida uma

análise a partir desses estudos através de uma nova história religiosa reconhecida por

uma dupla filiação: a sociologia religiosa e a história das mentalidades (LANGLOIS,

1993), bem como, posteriormente, a nova história cultural (BURKE, 2005, SANTOS,

2005).

A partir disso, consideramos que o conhecimento da história religiosa é um

ponto relevante para a garantia dessa dimensão da cidadania cultural, em que há a

possibilidade da prática religiosa ocupar um posicionamento central na vida de um

sujeito histórico (GEERTZ, 1989; DELUMEAU, 2003; MESQUITA, 2007). Para tanto,

torna-se necessário mencionar que a multiplicidade de doutrinas religiosas no interior de

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uma sala de aula é tão relevante como relativa, bem como a relação de alteridade entre

docentes e alunos, e as práticas metodológicas aplicadas, sendo elemento fundamental

de conquista e garantia de cidadania cultural o reconhecimento dessas características.

Nesta pesquisa, considerou-se que, para ampliação de análises nessa direção, é

importante o conhecimento e o estudo de concepções de cidadania que privilegiam

novas noções de sujeito, identidade, memória e subjetividade, estreitamente

relacionadas à temática, por revelar também como as dimensões do sagrado e do

profano se mesclam no cotidiano das pessoas e dos grupos aos quais pertencem

(FORQUIN, 1993; BAUMAN, 2005; SANTOS, 2007).

Essa pesquisa, no âmbito teórico, voltou-se para estudos específicos dos

conceitos de religião e religiosidade, protestantismo, neopentecostalismo, ensino de

história e ensino religioso na cidade de Ponta Grossa (ALMEIDA, 1999; MESQUITA,

2007; NATIVIDADE, 2006; MACHADO, 2005). também a partir de um debate sobre

as noções de representações e apropriações da história cultural (BURKE, 2005;

SANTOS, 2005; CHARTIER, 2006), consideramos os documentos levantados nesse

estudo, bibliográficos ou não, como discursos construídos por grupos sociais que

precisam ser contextualizados e caracterizados para que sejam analisados as

contradições, os conflitos e as ambigüidades no tratamento da religião protestante em

plena sala de aula. A idéia é problematizar discursos que, ao serem construídos por

esses grupos sociais, tendem a encaminhar-se numa vontade de verdade entrelaçada em

meio à história como um sistema de exclusão, que se torna presente no interior das

escolas com os alunos, e também com os próprios docentes nas disciplinas de história e

ensino religioso (FOUCAULT, 2004; SANTOS et. al., 2009). Desta forma, as reflexões

teóricas e metodológicas desse trabalho foram interpretadas não como verdades

absolutas e inquestionáveis, mas como representações que nos revelam relações de

poder entre os sujeitos envolvidos e as possibilidades de se desenvolver cidadanias

culturais a partir das representações religiosas, sobretudo em torno das noções de

multiculturalidade, interculturalidade e subjetividade, através de fontes coletadas nas

observações realizadas em sala de aula. Com a pluralidade de meios de informação e

comunicação, este estudo também tentou considerar os impactos das novas tecnologias

e mídias na área de trabalho do professor e de formação dos alunos, bem como em suas

construções identitárias na esfera religiosa. A pesquisa baseia-se, em parte, na análise de

materiais didáticos e na oralidade que, no caso, está presente nos relatos contados por

alunos sobre suas concepções de religião e experiências religiosas vivenciadas. Foi

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observado que a maior parte dos docentes pouco trabalha com as fontes acessíveis e

disponíveis nos meios de comunicação como televisão, jornais, internet, muito menos

por meio das noções de que os processos de ensino e aprendizagem precisam se orientar

por perspectivas multiculturais em sala de aula, partindo do pressuposto de que fazer o

exercício constante de que conhecer e respeitar as diferenças culturais são fundamentais

para garantia da cidadania cultural (BAUMAN, 2001; CUCHE, 2002; CANCLINI,

2005). Principalmente quando são levantadas na escola a ampla variedade das práticas

religiosas vivenciadas por esses sujeitos históricos, e como estas são desconsideradas.

Concepções e práticas docentes em torno de religião e religiosidade: sem direito ao

pleno exercício de cidadanias culturais no espaço escolar

A partir desses estudos teórico-metodológicos e da análise dessas fontes,

coletadas e construídas, observou-se que houve uma discussão relevante sobre os

conceitos e noções teórico-metodológicas acerca da história da religião e religiosidade,

como uma construção interdisciplinar de conhecimentos, e que deu uma visibilidade do

panorama contemporâneo do ensino de história e religioso. A partir disso, tornou-se

importante a investigação das possibilidades de como estão sendo trabalhadas, na

relação professor-aluno, noções de cultura, religião, religiosidade, identidade e

subjetividade. Identidades compreendidas como formas de expressão de subjetividades

e de memórias em torno dos sentidos de pertencimentos e de continuidades no tempo e

no espaço que os sujeitos constroem cotidianamente, e simultaneamente em vários

grupos, ao longo de sua existência. (BAUMAN, 2005; SANTOS, 2007) A coexistência

entre identidades religiosas não é isenta de conflitos, sendo papel da educação escolar

promover a mediação desses conflitos para que haja respeito à pluralidade religiosa para

garantia de exercício de cidadanias culturais. Diante dessas questões, o estudo mostrou

que as aulas analisadas não contavam com recursos didáticos adequados e nem com

objetivos relacionados a uma perspectiva multicultural sobre os conceitos de religião e

religiosidade. Partindo de uma perspectiva de que a multiculturalidade envolve o

reconhecimento da existência de uma multiplicidade de culturas, relacionadas

intimamente com a construção de identidades de sujeitos em variados grupos humanos

na sociedade, observamos que, no contexto escolar aqui analisado, não há o

reconhecimento da pluralidade religiosa e da necessidade de coexistência com a

diversidade de identidades e de práticas religiosas dos estudantes e dos professores.

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Portanto, não se pode afirmar que haja pleno exercício das cidadanias culturais em torno

das identidades religiosas. Não há maiores conflitos em razão do amplo

desconhecimento e falta de consciência do que representam noções básicas de direitos

humanos. Nas escolas estaduais Frei Doroteu e Presidente Kennedy foram feitas

observações revelando que, desde a primeira aula, as atividades escolares de ensino

religioso são iniciadas com uma oração cristã realizada pelo professor, finalizando-a

com a sinalização da cruz, impondo a todos ficarem levantados como uma forma de

reverência. O docente teve como preferência a imposição naturalizada da religião cristã

em seus atos religiosos, não possibilitando um espaço para outras religiões.

Nesse sentido, a avaliação do termo multiculturalismo e do significado da

garantia de exercício plural de cidadanias culturais nas escolas, especialmente em torno

das práticas docentes que o defendem ou o combatem, deveria transitar no plano do

desafio em direção ao plano da necessidade. Um ponto relevante a ser discutido e

sempre problematizado – nunca naturalizado e considerado como impossível de ser

transformado – é a formação educacional que o professor obteve e as relações desta com

sua formação mais ampla como cidadão. Isto significa considerar que o docente é um

ser humano que emergiu e convive em determinados universos culturais, que podem ser

divergentes dos de outras pessoas. E que, às vezes, é preciso que alguns dos seus hábitos

culturais sejam problematizados, criticados, contextualizados e, de preferência, a partir

do próprio trabalho de autoreflexividade do professor, para que ele possa ter uma

atuação mais democrática e cidadã, promovendo o respeito às diferenças, sem

transformá-las em desigualdades. Segundo Candau, o multiculturalismo é uma

expressão a ser entendida e analisada em diferentes perspectivas para serem aplicadas

na educação (CANDAU, 2002). Segundo o antropólogo Clifford Geertz, cultura é uma

teia de significados com múltiplas possibilidades interpretativas que tornam o ser

humano preso a essas teias. Desde então, os estudos em torno desse termo passam a

serem vistos como uma ciência à procura de significados (GEERTZ, 1989). Baseada

nessa definição de cultura como conjunto de significações variáveis de acordo com a

interpretação dos próprios sujeitos que estão inseridos nela e, posteriormente,

considerando, de acordo com as contribuições de Nestor Garcia Canclini, que as

culturas são híbridas, se mesclam e se reinventam permanentemente em processos

interculturais (CANCLINI, 2003, 2005), é que construímos uma possibilidade de

análise das aulas observadas. Observamos que o docente não se preocupa com a visão

que seus alunos têm sobre sua cultura e suas práticas religiosas. Em outras palavras, não

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se preocupa se esses alunos têm pleno direito ao exercício de práticas religiosas

diferentes da sua como garantia básica de cidadania cultural e acesso aos direitos

humanos. Ao contrário, os professores observados colocaram suas visões de cultura e

suas práticas culturais religiosas como parâmetros hierárquicos para analisar e intervir

nas práticas culturais e religiosas dos alunos. Essa visão autoritária fez com que as

práticas docentes observadas subestimassem o conhecimento dos alunos sobre suas

próprias culturas, principalmente, nas dimensões da religião e da religiosidade.

Além disso, a imposição por parte dos docentes criou uma apatia nos alunos em

discutir em sala de aula esses termos. Os professores das disciplinas de história e ensino

religioso, cujas práticas foram observadas, têm tratado seus alunos como se não fossem

cidadãos, como se não tivessem um conhecimento não-formal religioso, muito menos

de temas específicos como a Reforma Protestante e os movimentos neopentecostais. As

doutrinas religiosas originadas na Reforma Protestante, os movimentos neopentecostais

e seus impactos na sociedade atual, muito conhecidos por causa dos meios de

comunicação, foram pouco discutidos. Segundo a socióloga Wania Amélia Belchior

Mesquita, o neopentecostalismo é uma forma religiosa que envolve doutrinas

exclusivamente protestantes que tem como intenção a pregação da felicidade na terra,

valorizando a riqueza material e deixando de lado restrições sobre a forma de vestir, ao

contrário das doutrinas ditas apenas pentecostais. Para Mesquita, a Igreja Universal do

Reino de Deus adotou totalmente a pregação de uma teologia de origem norte-

americana, formulada no período posterior à grande depressão dos anos 1930, que

enfatiza segundo palavras do bispo Edir Macedo (MESQUITA, 1993, p. 11), que “ser

cristão é ser filho de Deus e co-herdeiro de Jesus; dono, por herança, de todas as coisas

que existem na face da terra”. Portanto, o cristão peca contra Deus quando se entrega à

passividade da desgraça e da pobreza. Para tanto, essa teologia pode ser denominada de

“teologia da prosperidade”, que apresenta uma visão de mundo sistematizada e atraente

para os estratos que se costuma denominar de classe baixa e classe média baixa. Foi

observado nesta pesquisa que não há esse tipo de discussão nas aulas de história e de

ensino religioso, que poderiam ajudar os estudantes a contextualizarem suas próprias

práticas religiosas e, conseqüentemente, o papel que estas desempenham na

contemporaneidade. Se constituem-se como fator de cidadania cultural e de respeito às

diferenças e à pluralidade religiosa ou, inversamente, como elementos que acirram

conflitos, deflagram preconceitos e desenvolvem a intolerância religiosa. Observou-se

que nas aulas de História da Reforma Protestante essa discussão torna-se mais

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abrangente, fazendo com que os alunos expressem suas próprias concepções de religião,

em termos doutrinários mais do que em termos históricos. Essa discussão se torna mais

intensa quando se confrontam os aspectos doutrinários, principalmente dos protestantes

e dos católicos em sala de aula. Esses docentes encaminharam esses debates em sala de

aula por uma visão única, de forma autoritária, sem considerar as crenças e as

identidades religiosas dos outros, sejam elas cristãs ou não. Dessa forma, agem na

contramão da garantia dos direitos humanos e das cidadanias culturais numa sociedade

democrática. Essa visão única é ainda trabalhada no ensino religioso em algumas

escolas com uma permanência do estudo da religião cristã nas mesmas. Numa escola

estadual analisada, a disciplina de ensino religioso tinha como matéria e material

didático a Bíblia Sagrada, e não se utilizavam outros recursos didáticos, além de

desconsiderar os pressupostos teórico-metodológicos adequados ao ensino religioso,

não havendo uma oportunidade de estudo de outras religiões. Conforme proposto nas

diretrizes curriculares para o ensino religioso, não é função dos docentes proporem aos

alunos a adesão e vivência desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta

religiosa e confessional, já que esses são sempre propriedade de uma determinada

religião, mas sim buscar um respeito mútuo entre as religiões, pretendendo mostrar que

cada grupo não é um proprietário exclusivo de uma verdade absoluta sobre o que deve

ser a experiência e a identidade religiosa. Por outro lado, o papel dos docentes é

contribuir para a formação de cidadãos que possam coexistir num ambiente

democrático, em processos de sociabilidade que promovam o respeito e o combate aos

preconceitos e injustiças de todo o tipo. Esse respeito mútuo nos remete às diretrizes

curriculares do ensino religioso, que nos mostra que o erro persistente do pensamento

humano é querer ter algumas de suas ideias como extremamente exclusivas. A partir

disso, os grupos detentores de maior poder que pretendem estabelecer essas ideias como

verdades absolutas, tornam a permanência do respeito mútuo mais dificil de ser

almejada. Objetivo este, que é preciso ser analisado e visto de forma importante,

estritamente ligada aos direitos humanos, pelos profissionais da área de educação, não

apenas no ensino religioso e na história, mas nas disciplinas e atividades realizadas no

âmbito escolar em geral. Diante dessas reflexões, as fontes analisadas permitem

observar que os conceitos de religião e de religiosidade não são trabalhados pelos

docentes nas aulas, muito menos como dimensões das culturas, dos processos de

construção de sociabilidades e de identidades, do exercício de cidadanias culturais. A

religiosidade era muito usada como exemplo, mas nunca conceituada, problematizada,

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contextualizada. A diversidade de religiões apresentada pelos alunos era grande

(cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo, etc.), mas o debate geralmente estava em

torno do cristianismo e das várias doutrinas que o compõem. Segundo Anthony

Giddens, a definição de religião é tão ampla que os estudiosos dessa área tem

dificuldades para chegar a uma definição única para ser amplamente aceita (GIDDENS,

2005). Entretanto, a variedade de religiões no mundo também abarca aspectos comuns

entre elas.

As religiões envolvem um conjunto de símbolos, que invocam sentimentos de

reverência ou de temor, e estão ligadas a rituais ou cerimoniais (como os

serviços religiosos) dos quais participa uma comunidade de fiéis. (...) Em

algumas religiões, por exemplo, as pessoas acreditam em uma “força divina”

– e não em deuses personalizados – e a reverenciam. Em outras religiões,

existem imagens que não são deuses, mas que são veneradas – como Buda ou

Confúcio. (...) A existência de um cerimonial coletivo é geralmente vista

pelos sociólogos como um dos principais fatores que distinguem a religião da

magia, embora os limites entre uma e outra não sejam nem um pouco claros.

(GIDDENS, 2005, p. 427)

Para Giddens, a religião existe em todas as sociedades de que sem tem notícias,

mas a diversidade das crenças e das práticas religiosas varia conforme a cultura presente

nessa sociedade (GIDDENS, 2005). Charles Langlois defende, por exemplo, que a

história das religiões é inseparável da própria religião cristã, seja através de uma

pesquisa intelectual ou pela dissociação da religião cristã e dos poderes políticos

(LANGLOIS, 1993). Apesar de estarmos em uma sociedade cristã-judaico ocidental, no

contexto contemporâneo não cabe mais ao docente ter a própria religião, seja cristã ou

não, como tema exclusivo de suas aulas, como nos apontam os estudos teóricos sobre

religião e religiosidade e nos informam as diretrizes curriculares nacionais. As aulas

analisadas tiveram ótimos exemplos por parte dos próprios alunos de práticas religiosas

oriundas de doutrinas religiosas protestantes. Todavia, o conceito de religiosidade não

foi colocado de forma relevante em nenhuma aula, embora a religiosidade fique

implícita nos diálogos e nas práticas docentes entre alunos e professores, como no caso

da oração realizada no início da aula. Para compreendermos o alcance dessas práticas

religiosas transformadas em práticas docentes, é importante conhecer uma conceituação

presente na teoria do psicólogo C. G. Jung, segundo Marlon Xavier, em seu estudo

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sobre o conceito de religiosidade. Para Jung, a religiosidade, quando um indivíduo toma

parte em ritos, celebrações, etc.; é uma atitude do espírito humano, ou seja, uma

observação das forças inconscientes em atuação e que merece devidas atenções porque

precisam tomar parte da vida de um indivíduo (XAVIER, 2006). No entanto, a religião

e as religiosidades, expostas e presentes nas aulas analisadas nesta pesquisa, têm sido

muito mais descritivas ou implícitas do que problematizadas e discutidas. Os conceitos

de religião e religiosidade não têm obtido os seus devidos espaços como um certo tipo

de conhecimento sobre as práticas culturais dos grupos sociais, que precisam ser

estudadas e respeitadas. Essa perspectiva de exclusão da discussão desses termos tem se

tornado preconceituosa, não dando oportunidade de se ter informações e conhecimentos

sobre outras religiões ou mesmo sobre a existência de grupos e sujeitos que não

compartilham de nenhuma crença religiosa.

Considerações finais

Este trabalho teve como objeto de estudo a importância da discussão das práticas

docentes sobre religião e religiosidade no âmbito escolar como forma de garantia de

exercício de cidadanias culturais, e considerou que essa temática envolve o estudo e o

conhecimento dos próprios conceitos de religião e religiosidade e suas construções ao

longo da história por parte dos docentes para que novas práticas educativas sejam

desenvolvidas. Sem esses conhecimentos, as práticas docentes no ensino de história e no

ensino religioso estão numa forma cristalizada e ultrapassadas nas escolas observadas

em Ponta Grossa, longe de promover a formação básica de cidadãos numa sociedade

democrática. Os docentes não possuem embasamento teórico-metodológico suficiente

para debater noções básicas de cultura, interculturalidade, de alteridade, de identidade,

de diversidade cultural, de multiculturalismo, de cidadania cultural, no que se referem

às questões religiosas, entre outras. Seria importante que o professor tivesse um

conhecimento básico das enormes diferenças entre perspectivas teórico-metodológicas

de ensino de história e ensino religioso nas escolas e doutrinamento religioso nas

igrejas, com reconhecimento mínimo da existência dessas doutrinas, da pluralidade

delas, de suas representações e práticas, de sua importância histórica e cultural, seja por

meio de expressões artísticas (música, pintura, dança, etc.), de rituais ou em termos de

documentos doutrinários ou de fatos históricos em que a religião teve papel destacado.

Esses saberes são fundamentais para a prática docente voltada aos interesses dos alunos,

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ao pleno exercício de suas cidadanias culturais, bem como de um encaminhamento dos

estudantes para que possam estudá-las e conhecê-las melhor nos espaços religiosos, se

assim o desejarem. A escola é um espaço público e precisa ter como objetivo exercer

um papel cidadão e extremamente multicultural, de defender o respeito às diferenças,

expressadas em múltiplas identidades religiosas e não religiosas, não concordando que

estas sejam transformadas em hierarquizações e desigualdades de nenhum tipo. Para

tanto, é fundamental o estudo e análise do universo cultural de seus docentes e de seus

alunos para que novas práticas educativas possam ser desenvolvidas no espaço escolar.

Os docentes e os estudantes necessitam aprender que o papel da escola não é defender

ou propagar as doutrinas, mas sim reconhecer a existência delas como um fenômeno

histórico, cultural, social, sendo a religiosidade uma das características mais importantes

da vida em sociedade, conforme já se afirma nas diretrizes curriculares para o ensino

religioso e que, infelizmente, a pesquisa numa das maiores cidades do Paraná revelou

que estão longe de fazerem parte do repertório dos educadores Esperamos que tal fato,

apontado neste trabalho de pesquise, contribua com subsídios para a urgência de se

realizarem políticas públicas educacionais de formação continuada dos educadores que

visem ressignificar e transformar suas práticas educativas, a exemplo do que já ocorre

com várias outras temáticas relacionadas ao tema da diversidade cultural no Estado do

Paraná e em todo o país.

Referências

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