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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRAS (PPGL) DOUTORADO EM LETRAS KÉLVYA FREITAS ABREU RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO EM COMUNIDADES DE PRÁTICA DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO PAU DOS FERROS 2021

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS

PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM LETRAS (PPGL)

DOUTORADO EM LETRAS

KÉLVYA FREITAS ABREU

RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE

ESTÁGIO EM COMUNIDADES DE PRÁTICA DO ENSINO

MÉDIO INTEGRADO

PAU DOS FERROS

2021

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KÉLVYA FREITAS ABREU

RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO

EM COMUNIDADES DE PRÁTICA DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO

Tese apresentada ao curso de Doutorado do

Programa de Pós-graduação em Letras da

Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte, como requisito para obtenção do título de

Doutora em Letras.

Área de concentração: Estudos do Discurso e do

Texto.

Linha de pesquisa: Texto e construção de

sentidos.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria do

Socorro Maia Fernandes Barbosa

Pau dos Ferros

2021

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A tese “Relações dialógicas no gênero relatório de estágio em

comunidades de prática do Ensino Médio Integrado”, de autoria de

Kélvya Freitas Abreu, foi submetida à Banca Examinadora,

constituída pelo PPGL/UERN, como requisito necessário à obtenção do

grau de Doutora em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do

Rio Grande do Norte (UERN).

Tese defendida e aprovada em 01 de julho de 2021.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa (Presidente)

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Prof.ª Dra. Regina Celi Mendes Pereira da Silva (Examinadora Externa)

Universidade Federal da Paraíba

Prof. Dr. José Ribamar Lopes Batista Júnior (Examinador Externo)

Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Prof. Dr. José Cezinaldo Rocha Bessa (Examinador Interno)

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Prof. Dr. Francisco Vieira da Silva (Examinador Interno)

Universidade Federal Rural do Semi-Árido / Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Prof. Dr. Raimundo Nonato Moura Furtado (Suplente Externo)

Universidade Federal do Ceará

Profa. Dra. Rosângela Alves dos Santos Bernardino (Suplente Interna)

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

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Aos meus Franciscos,

Kelsen e Davi.

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AGRADECIMENTOS

“Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é

pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade,

de um grau vário de aperceptabilidade e de relevância. Essas palavras dos outros

trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos

e reacentuamos” (BAKHTIN, 2016, p. 54).

Logo, esta tese não é um produto só meu! Seguindo a verdadeira essência bakhtiniana, reflito e

agradeço por ela ser o resultado das minhas vivências que ressoam inúmeras relações

dialógicas. Meu profundo gesto de gratidão a todos que em mim refletem e refratam suas

infinitas vozes...

A voz da fortaleza! Deus, obrigada por ter sido meu lugar de energia e de refúgio, por ter me

amparado e dado forças na caminhada para conquistar mais um sonho em minha vida.

A voz do amor, do aconchego, da prioridade e da confiança! Meus Franciscos, Kelsen (meu

esposo) e Davi (meu filho), obrigada por terem compreendido e me ensinado o que significa ter

resiliência, por entenderem minhas ausências, bem como me instruído a saber “frear” e viver

momentos com e para vocês, além de perseverarem com os incentivos de ter uma esposa e uma

mamãe doutora.

A voz do estímulo e da paciência! Antônio (pai), Melka (irmã), Maria Eduarda (sobrinha),

Raimunda (vó), minha família, obrigada! Em especial, Neirce, minha mãe, que esteve comigo

mais que presencialmente dando apoio para a execução da tese, meu agradecimento eterno em

cuidar do Davi, em escutar meus textos, em me acalmar quando tudo parecia um cenário turvo.

A voz da sabedoria, da confiança e da tranquilidade! Profª Drª Maria do Socorro Maia

Fernandes Barbosa, minha orientadora, obrigada por ter me acolhido como uma excelente mãe

acadêmica! Por sempre cuidar, incentivar e nortear os passos. Ganhei uma amiga para vida!

A voz da contribuição, do guiar, do instruir! Professores das bancas de qualificação e defesa;

Regina, Cezinaldo, Ribamar, Vieira, Nonato, Rosângela e Luciane, obrigada pelas valiosas

contribuições nas diversas etapas da construção desta tese, auxiliando a revisão dos caminhos

e de ampliação de horizontes.

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A voz da inquietação! Professor Dr. Ivanaldo de Oliveira dos Santos Filho (in memoriam),

obrigada por ter me instigado o pensamento e me impulsionar a acreditar que de fato já tinha

uma tese! Suas palavras ecoaram em mim e ainda se fazem presentes.

A voz da formação/capacitação humana e profissional! UERN-CAPF, em especial, o PPGL

(as pessoas que o constituem), obrigada por ser a instituição que me formou e me capacitou

nesse período, que me possibilitou ter acesso ao estudo sem ter que percorrer lugares mais

longínquos, que me ensinou e me levou a refletir e aprofundar o meu lado mais humano ao

fortalecer o significado de parcerias, amizades e solidariedade. Além dos professores e dos

técnicos, ressalto a figura de Zailton em nome dos demais, levo comigo outros amigos para a

vida que embarcaram nessa viagem de desenvolvimento acadêmico.

A voz da amizade e de se fazer lar! Obrigada, Edson e Will pelo real significado de ser e fazer

partilha, moradia! Obrigada, Lendl, Socorro, Jucy (Cícera), Marcos, Gleiber, pelas trocas, pelas

caronas, pelas risadas, pelos desesperos, pelas leituras, pelas parcerias, por tudo o que significa

se construir academicamente: grata!

A voz do amadurecimento, da partilha, da aprendizagem do outro para com o Outro! Obrigada,

Evandro, Dalvinha, Letícia, Cícero, Ana Maria, Ivoneide, Fátima, Paulo Henrique e Cecília por

fazerem a caminhada acadêmica ser mais leve e rica de conhecimento! Nós que compomos uma

parte do Grupo de Estudos do Discurso (GRED/UERN) tivemos a sorte de nos encontrarmos

de maneira tão especial! Meu eterno reconhecimento sobre o quanto aprendi com vocês! Além

de vocês, agradeço ao grupo de leituras e estudos Bakhtinianos (Ilcilene, Anny, Nara, Gessica,

Joseilda, Jilsemar, Jailson, Natanael, Orlando, Cezinaldo e demais integrantes) que tão bem me

recepcionou após a qualificação e guiou o olhar para cotejar os textos, evoluindo como

pesquisadora e ser humano.

A voz da parceria, da torcida e do carinho! Obrigada, amigos que extrapolam os muros de uma

academia e que entendem o distanciamento, mas se fazem sempre presentes: Ramon, Gabriela,

Mário, Rodrigo, Dani, Ana Alice, Rodrigo, Amanda, Luiz, Rita, Tiago (in memoriam),

Alissana, Patrícia, Nivaneide, Lucineudo, Sara e Nonato! Bem como aqueles que estavam mais

próximos, agradeço por ouvir, por acolher, por apoiar e incentivar: Adriana Figueiredo,

Eriverton, Adriana Bispo, Alice, Orlando, Leila, Junio, Dally, Handherson e André. E aquela

que ressignifica a atenção, o cuidado e a amizade, Luciana Silva, gratidão!

A voz da ajuda, da colaboração, do #SouIFSalgueiro! Obrigada, Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano que me possibilitou cursar boa parte do

doutorado integralmente afastada. Principalmente, agradeço ao Campus Salgueiro e as pessoas

que o fazem. Elas foram essenciais no incentivo e no guiar por caminhos para encontrar os

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dados de forma mais tranquila: Greiciane, Débora, Jackson, Fernanda, Michele, Josenildo,

Rônero, Robert, Ernando, Naira, minha gratidão!

A voz da união, do ser pesquisador! Obrigada, Grupo de Estudos e Pesquisas em Práticas

Educacionais Tecnológicas (GEPET)! Por cada pessoa que ali passou ou está, as contribuições

foram e são valiosas para o crescimento de ser rede de pesquisa na busca em dar retorno à

sociedade!

A voz do pertencimento, do companheirismo, da admiração! Obrigada, Coordenação Geral dos

Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio, vulga “Pepeu”! Vocês me impulsionaram a

sonhar e viver esse sonho, além disso vibraram por cada conquista minha. Patrícia, Leonardo,

Cíntia, Adeisa, Gláucia, Juciel, Jardiene, Márcia, Marli, Pedro, Tarcísio, Frido e Scorpion,

espero que se vejam nessa tese, pois muito das relações dialógicas vislumbradas nos dados

trazem, ecoam as vozes da educação que vocês deram aos nossos menin@s!

A voz da transformação, do desassossego, da sede por saber, do educar-se! Obrigada,

inúmeros/as estudantes que tive e que terei a oportunidade de (com)partilhar o conhecimento,

o medo, o espírito investigativo, as etapas de crescimento e conquistas, por muitas vezes, a

amizade! Na figura de Everaldo, Helga e Rafaela, a vocês que já passaram pelo meu caminhar

docente e que auxiliaram nas reflexões contidas neste estudo, que eu possa continuar me

congratulando cada vez mais em cada sucesso alcançado nosso.

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Há muito tempo que eu saí de casa

Há muito tempo que eu caí na estrada

Há muito tempo que eu estou na vida

Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz

[...]

E aprendi que se depende sempre

De tanta, muita, diferente gente

Toda pessoa sempre é as marcas

Das lições diárias de outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende

Que a gente é tanta gente onde quer que a gente

E é tão bonito quando a gente sente

Que nunca está sozinho por mais que pense estar

(Gonzaguinha)

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RESUMO

ABREU, Kélvya Freitas. Relações dialógicas no gênero relatório de estágio em comunidades

de prática do Ensino Médio Integrado. 2021. 421 p. Tese (Pós-Graduação em Letras).

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN, 2021.

O lugar de qualificação e formação profissional de discentes de Ensino Médio Integrado (EMI)

revela particularidades sobre um espaço de construção de saberes múltiplos, onde, ademais de

uma formação propedêutica, vivencia-se o elo da academia com a dinâmica do mundo do

trabalho. Deste modo, buscamos, nesta pesquisa, analisar as relações dialógicas na sua

dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio dos cursos de EMI de Agropecuária e de

Edificações do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano

– Campus Salgueiro, que se revela como um dos elos que constituem as suas respectivas

comunidades de prática na construção do letramento acadêmico-profissional, em um recorte

temporal entre 2016 e 2018. Para isso, nossa investigação descritiva de base interpretativista

teve como aporte teórico a Análise Dialógica do Discurso (ADD – BRAIT, 2005, 2014a, 2014b,

2015; SOBRAL, 2009; SOBRAL; GIACOMELLI, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES;

ACOSTA PEREIRA, 2019; PAULA; STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019) pautada nas

concepções do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a, 2019a, 2019b; BAKHTIN;

VOLOCHÍNOV, 2019; MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019);

associando-se ainda aos Novos Estudos do Letramento em sua vertente crítica e sociocultural

dos estudos dos letramentos acadêmicos (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005;

CASSANY, 2006; ROJO, 2009; STREET, 1984, 2010, 2014; MAYBIN, 2005; LEA; STREET,

1998, 2014; LILLIS; CURRY, 2006), coadunando com os conceitos de comunidades de prática

(LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER; WENGER, 2010). Assim, em

nosso percurso investigativo adotamos três grandes etapas: 1. A análise do entorno, das

condições de produção do gênero e as forças centrípetas presentes nos direcionamentos da

escrita do relatório de estágio; 2. As relações dialógicas na dimensão interdiscursiva (o já-dito)

existentes nesse gênero e que caracterizam o enunciado de uma dada comunidade de prática

(CP); e, 3. A constituição da CP por meio do domínio, do empreendimento e do repertório

indiciados no discurso dos sujeitos estudantes-estagiários e que demarcam seus respectivos

letramentos acadêmicos-profissionais neste contexto singular. Como resultado, foi-nos possível

delinear algumas particularidades, como por exemplo: os documentos institucionais, como um

dos interlocutores mediadores dos letramentos, buscam por meio de uma voz de autoridade

(força verboideológica) criar efeitos sobre a prática dos discentes, visando construir um perfil

profissional, assim como, tentam uniformizar a escrita desse público, partindo da compreensão

que essa se dá de forma homogênea diante de grupos distintos (modelo de habilidades de estudo

e de socialização acadêmica); os grupos investigados respondem a esses interlocutores

mediadores dos letramentos, sobretudo na adequação à estrutura composicional do gênero

solicitado (ecos das vozes institucionais), porém, outros diálogos são travados e configuram as

singularidades dos grupos, quer seja nas formas marcadas do projeto de dizer, nas formas de

inserção do discurso “alheio” como palavra “minha” ou ainda pela relação interdiscursiva

(diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional; concordância com discursos alheios;

relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente; relação com outros saberes

e competências; e reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação); e,

concluímos que, por meio dos enunciados concretos e seu uso social, as CP se (re)conhecem e

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legitimam suas práticas cotidianas através dos seus respectivos campos de atuação, terrenos de

assuntos compartilhados, propósitos e envolvimentos dos sujeitos que as integram. Isso nos

confirma que a materialidade textual e discursiva no gênero relatório nos possibilitou conceber

como as relações dialógicas acabam por refletir e refratar as respectivas comunidades de

práticas diante de letramentos específicos como os dos cursos de Agropecuária e de Edificações.

Palavras-chave: Relações dialógicas; comunidades de prática; letramentos acadêmicos-

profissionais; relatório de estágio; ensino médio integrado.

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RESUMEN

ABREU, Kélvya Freitas. Relaciones dialógicas en el género de reporte de pasantías en

comunidades de práctica de Bachillerato Integrado. 2021. 421 p. Tesis (Posgrado en Letras).

Universidad Estatal de Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros / RN, 2021.

El lugar de calificación y formación profesional de los estudiantes de Enseñanza Mediana

Integrada (EMI) revela particularidades sobre un espacio para la construcción de saberes

múltiples, donde, además de una formación propedéutica, se experimenta el vínculo entre la

academia y la dinámica del mundo laboral. De esta manera, buscamos, en esta investigación,

analizar las relaciones dialógicas en su dimensión interdiscursiva en los relatórios de estudiantes

aprendizes de los cursos EMI de Agropecuária y Edificación del Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Salgueiro, que se revela como uno

de los vínculos que constituyen sus respectivas comunidades de práctica en la construcción de

la literacidad académico-profesional, bajo un análisis en un período de tiempo de 2016 a 2018.

Así, nuestra investigación decriptiva e interpretativa, tuvo como sustento teórico el Análisis del

Discurso Dialógico (ADD BRAIT, 2005, 2014a, 2014b, 2015; SOBRAL, 2009; SOBRAL;

GIACOMELLI, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES; ACOSTA PEREIRA, 2019; PAULA;

STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019) basado en los conceptos del Círculo de Bajtín

(BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a , 2019a, 2019b; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019;

MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019); asociándose con los

Nuevos Estudios de Literacidad en su aspecto crítico y sociocultural de los estudios de

literacidad académica (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; CASSANY, 2006; ROJO,

2009; STREET, 1984, 2010, 2014; MAYBIN, 2005; LEA; STREET, 1998, 2014; LILLIS;

CURRY, 2006), en línea con los conceptos de comunidades de práctica (LAVE; WENGER,

2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER; WENGER, 2010). Por tanto, en nuestra trayectoria

investigativa, adoptamos tres grandes etapas: 1. El análisis del entorno, las condiciones de

producción del género y las fuerzas centrípetas presentes en las direcciones de redacción del

informe de prácticas; 2. Las relaciones dialógicas en la dimensión interdiscursiva (como ya se

dijo) existentes en este género y que caracterizan el enunciado de una determinada comunidad

de práctica (CP); y, 3. La constitución del CP a través del dominio, el emprendimiento y el

repertorio señalados en el discurso de los estudiantes-pasantes y que demarcan sus respectivas

literacidades académico-profesionales en este contexto singular. Como resultado, fue posible

delinear algunas particularidades, tales como: los documentos institucionales como uno de los

interlocutores mediadores de las literacidades buscan generar efectos sobre qué y cómo hacer

en la práctica de los estudiantes a través de una voz de autoridad, con el objetivo de construir

un perfil profesional, así como, intentan estandarizar la redacción de esta audiencia, partiendo

de la comprensión de que esto ocurre de manera homogénea ante diferentes grupos (modelo de

habilidades de estudio y socialización académica); los grupos investigados responden a estos

interlocutores que median las literacidades, especialmente en adaptarse a la estructura

compositiva del género solicitado (ecos de voces institucionales), sin embargo, se realizan otros

diálogos y configuran las particularidades de los grupos, ya sea en el marcado formas del

proyecto. decir, en las formas de inserción del discurso “ajeno” como palabra “mía” o por la

relación interdiscursiva (diálogo con saberes académicos y profesionales; acuerdo con otros

discursos; relación de cuestionamiento entre la acción profesional y la teoría existente; relación

con otros conocimientos y habilidades, y reconocimiento de las marcas académicas y

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profesionales en formación); y, concluimos que, a través de enunciados concretos y sus usos

sociales, las CP (re)conocen y legitiman sus prácticas cotidianas a través de sus respectivos

campos de acción, terrenos de sujetos compartidos, propósitos e implicación de los sujetos que

las integran. Esto confirma que la materialidad textual y discursiva del género de relatório nos

ha permitido concebir cómo las relaciones dialógicas terminan reflejando y refractando las

respectivas comunidades de prácticas frente a literacidades específicas como las de los cursos

de Agropecuária y Edificación.

Palabras-clave: Relaciones dialógicas; comunidades de práticas; literacidad académica-

profesionales; relatório de pasantía; enseñanza mediana integrada.

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ABSTRACT

ABREU, Kélvya Freitas. Dialogical relationships in the internship report genre in Communities

of Practice of Integrated High School. 2021. 421 p. Thesis (Post-Graduation in Modern

Languages). State University of Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros / RN, 2021.

The place of qualification and professional training of Integrated High School students reveals

particularities about a space for the construction of multiple knowledges, where, in addition to

propaedeutic training, students experience the link between academia and the dynamics of the

world of work. Thus, this research aims to analyze the dialogical relationships in their

interdiscursive dimension in the internship reports of the Integrated High School courses of

Agriculture and Buildings of the Salgueiro Campus of the Federal Institute of Education,

Science and Technology of the Sertão Pernambucano which reveals itself as one of the links

that constitute their respective communities of practice in the construction of academic-

professional literacy, in a time frame between 2016 and 2018. Therefore, this thesis represents

a descriptive study with an interpretive basis, whose orientation follows the Dialogical Analysis

of Discourses ( DAD BRAIT, 2005, 2014a, 2014b, 2015; SOBRAL, 2009; SOBRAL;

GIACOMELLI, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES; ACOSTA PEREIRA, 2019; PAULA;

STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019) based on the concepts of the Bakhtin Circle,

(BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a, 2019a, 2019b; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019;

MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019); associating itself with the

New Literacy Studies in its critical and sociocultural aspect of academic literacy studies in line

with the concepts of communities of practice. (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005;

CASSANY, 2006; ROJO, 2009; STREET, 1984, 2010, 2014; MAYBIN, 2005; LEA; STREET,

1998, 2014; LILLIS; CURRY, 2006), coadunando com os conceitos de comunidades de prática

(LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER; WENGER, 2010). Therefore,

this investigative path covers three major stages: 1. The analysis of the environment, the

conditions about the production of the genre and the centripetal forces existing in the directions

of writing the internship report; 2. The dialogical relationships in the interdiscursive dimension

(as already said) that exists in this genre and which characterizes the statement of certain

community of practice; and, 3. The constitution of the Community of Practice through the

domain, the enterprise and the repertoire indicated in the discourse of the student-trainee

subjects which demarcates their respective academic-professional literacies in this singular

context. As a result, it is possible to outline some particularities, such as: for example,

institutional documents, as one of the mediating interlocutors of literacies, in order to create

effects on the practice of students through a voice of authority (ideological-verbal power), in

order to build a professional profile, as well as, the Institute aims to standardize the writing of

its students. It starts from the understanding that it happens in a homogeneous way ahead

different groups (model of study skills and academic socialization); the analyzed groups

answers to these interlocutors mediating the literacies, especially in adapting to the

compositional structure of the requested genre (echoes of institutional voices). However, other

dialogues are held and configure the singularities of the groups, whether in the marked forms

of the project of saying, in the forms of insertion of the "alien" discourse as a word "mine" or

by the interdiscursive relationship (dialogue with academic and professional knowledge;

agreement with other discourses; questioning relationships between professional action and

existing theory; relationships with other knowledges and skills, and (re) knowledge of academic

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and professional brands in training); and, we conclude that, through concrete statements and

their social use, PCs (re)know and legitimize their daily practices through their respective fields

of action, terrains of shared subjects, purposes and involvement of the subjects that integrate

them. This confirms that the textual and discursive materiality in the report genre allowed us to

conceive how the dialogical relationships end up reflecting and refracting the respective

communities of practices in the face of specific literacies such as those in the Agriculture and

Buildings courses.

Keywords: Dialogical relationships; communities of practice; academic-professional

literacies; internship report; integrated high school.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – “Dizer ao outro no já-dito”, segundo Authier-Revuz (2011). ............................................ 73

Quadro 2 – Estrutura do relatório por Marconi e Lakatos (2017). ...................................................... 103

Quadro 3 – Levantamento dos documentos oficiais norteadores da escrita do gênero relatório no IF

Sertão/PE – Campus Salgueiro presentes no ano de 2016 a 2018. ..................................................... 151

Quadro 4 – Exemplificação quadro de Documento Norteador – “interlocutor mediador dos

letramentos”. ....................................................................................................................................... 151

Quadro 5 – Distribuição dos cursos nos Campi. ................................................................................. 153

Quadro 6 – Análise dialógica dos relatórios de estágio na escrita acadêmica-profissional. ............... 160

Quadro 7 – Exemplos de respaldos jurídicos na NCELE. .................................................................. 176

Quadro 8 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque sobre as implicações pedagógicas da Lei. .............. 178

Quadro 9 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque para o teor normativo centralizador do documento. 180

Quadro 10 – Trechos retirados do texto-fonte de forma igual ou parcial. .......................................... 184

Quadro 11 – Exemplos de respaldo legais dos PCC de Agropecuária e de Edificações correlacionados

ao texto-fonte. ..................................................................................................................................... 192

Quadro 12 – Exemplos de respaldos jurídicos nos PPC de Agropecuária e de Edificações. .............. 194

Quadro 13 – Matriz curricular dos cursos EMI de Agropecuária e de Edificações. ........................... 204

Quadro 14 – Perfil profissional esperado dos cursos de Agropecuária e de Edificações. ................... 208

Quadro 15 – Exemplos de respaldos jurídicos no RE. ........................................................................ 213

Quadro 16 – RE: destaque para o caráter normativo-prescritivo do documento. ................................ 214

Quadro 17 – RE: A normatização e as implicações de ordem pedagógica. ........................................ 218

Quadro 18 – Direcionamentos sobre a produção escrita no estágio – RE. .......................................... 220

Quadro 19 – Exemplo de forças centrípetas no ME. ........................................................................... 227

Quadro 20 – Direcionamentos sobre as ações dos estudantes-estagiários. ......................................... 230

Quadro 21 – Estrutura do trabalho acadêmico proposto pelo GETA (trabalhos acadêmicos e relatório

de estágio). .......................................................................................................................................... 235

Quadro 22 – Exemplo de forças centrípetas no GETA. ...................................................................... 239

Quadro 23 – Exemplo de forças centrípetas no MRCT. ..................................................................... 245

Quadro 24 – Títulos presentes nas capas dos relatórios de estágio de discentes do EMI de

Agropecuária. ...................................................................................................................................... 260

Quadro 25 – Títulos presentes nas folhas de rosto dos relatórios de estágio de discentes do EMI de

Agropecuária. ...................................................................................................................................... 260

Quadro 26 – Folha de rosto: objetivos do relatório. ............................................................................ 262

Quadro 27 – Agradecimentos – foco na estrutura. .............................................................................. 268

Quadro 28 – Apresentação dos setores: locus do estágio. ................................................................... 275

Quadro 29 – Empresas concedentes do estágio e atividades desenvolvidas pelos discentes-estagiários

das CP de Agropecuária e de Edificações. .......................................................................................... 276

Quadro 30 – Introduções da CP de Edificações: a obrigatoriedade do relatório. ................................ 280

Quadro 31 – Necessidade de profissionais qualificados segundo a CP de Edificações. ..................... 281

Quadro 32 – Temáticas presentes nos relatórios da CP de Agropecuária e de Edificações. ............... 283

Quadro 33 – Seção de conclusão nas CP de Agropecuária e de Edificações. ..................................... 291

Page 17: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

16

Quadro 34 – Variação de números de páginas nos relatórios de estágio. ........................................... 302

Quadro 35 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado –

CP de Agropecuária. ........................................................................................................................... 307

Quadro 37 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado –

CP de Edificações. .............................................................................................................................. 309

Quadro 37 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do

dizer. .................................................................................................................................................... 314

Quadro 38 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do

dizer sem presença de marcação topográfica. ..................................................................................... 318

Quadro 39 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do

dizer. .................................................................................................................................................... 322

Quadro 40 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer

entre relatórios de estágio – CP de Agropecuária. .............................................................................. 326

Quadro 41 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer

entre relatórios de estágio – CP de Edificações. ................................................................................. 332

Quadro 42 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: a evocação/alusão do

dizer. .................................................................................................................................................... 337

Quadro 43 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reformulação do

dizer. .................................................................................................................................................... 342

Quadro 44 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Agropecuária. ........... 348

Quadro 45 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Edificações. .............. 351

Quadro 46 – Concordância e discordância com discursos alheios. ..................................................... 355

Quadro 47 – Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente. .......................... 359

Quadro 48 – Relação com outros saberes e competências. ................................................................. 363

Quadro 49 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de

Agropecuária. ...................................................................................................................................... 369

Quadro 50 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de

Edificações. ......................................................................................................................................... 372

Quadro 51 – Caracterização de uma Comunidade de Prática. ............................................................ 378

Quadro 52 – CP de Agropecuária: REDO2 – AGRO 01, 2016. ......................................................... 379

Quadro 53 – CP de Agropecuária: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios.

............................................................................................................................................................. 383

Quadro 54 – CP de Edificações: REDO5 – EDIF 01, 2016. ............................................................... 386

Quadro 55 – CP de Edificações: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios. 388

Page 18: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

17

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – ADD: principais características. .......................................................................................... 53

Figura 2 – Relações entre os elementos da situação de comunicação, as práticas de linguagem e

gêneros do discurso – Rojo (2013). ....................................................................................................... 89

Figura 3 – Estrutura do relatório. ........................................................................................................ 102

Figura 4 – Níveis de análise de práticas de letramentos por Maybin (2005). ..................................... 119

Figura 5 – Componentes de uma teoria social da aprendizagem: ideias iniciais de Wenger (1998). . 137

Figura 6 – Características das Comunidades de Prática. ..................................................................... 142

Figura 7 – Página principal do sítio eletrônico do Repositório Institucional do IF Sertão/PE: RELEIA.

............................................................................................................................................................. 152

Figura 8 – Síntese do percurso metodológico utilizado. ..................................................................... 165

Figura 9 – Parte do sumário da Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio. ....................... 175

Figura 10 – Seção de perguntas e respostas da NCELE. ..................................................................... 183

Figura 11 – Sumário do PPC dos cursos de EMI em Agropecuária (A) e em Edificações (B) do

Campus Salgueiro. .............................................................................................................................. 190

Figura 12 – PPC de Agropecuária: ementas das disciplinas Introdução à Agricultura e Matemática. 197

Figura 13 – PPC de Edificações: ementas das disciplinas de Língua Portuguesa e Desenho Técnico e

Arquitetura. ......................................................................................................................................... 198

Figura 14 – Indício do repertório partilhado – gêneros de cada campo de atuação: PPC de

Agropecuária e de Edificações. ........................................................................................................... 210

Figura 15 – Texto introdutório do ME. ............................................................................................... 224

Figura 16 – Exemplo do projeto gráfico utilizado no ME................................................................... 225

Figura 17 – Exemplo do projeto gráfico do GETA. ........................................................................... 233

Figura 18 – Modelo de relatório para os cursos técnicos do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro (Capa e

contracapa). ......................................................................................................................................... 242

Figura 19 – Folha de aprovação e agradecimentos no MRCT. ........................................................... 244

Figura 20 – Exemplos de folha de aprovação do curso de Edificações. ............................................. 252

Figura 21 – Folha de aprovação/agradecimento REDO4 – AGRO 02, 2018. .................................... 254

Figura 22 – Exemplos de capas do curso de Agropecuária. ................................................................ 256

Figura 23 – Exemplos de capas do curso de Edificações. ................................................................... 258

Figura 24 – Exemplos dos modelos de sumários propostos A – GETA e B – MRCT........................ 264

Figura 25 – Exemplos de sumários CP de Agropecuária. ................................................................... 265

Figura 26 – Exemplos de sumários CP de Edificações. ...................................................................... 266

Figura 27 – Lista de figuras CP de Edificações. ................................................................................. 267

Figura 28 – Exemplos da seção identificação do estágio. ................................................................... 274

Figura 29 – Exemplos da seção de atividades desenvolvidas CP de Agropecuária: ecos de vozes

institucionais. ...................................................................................................................................... 286

Figura 30 – Exemplos de recursos verbo-visuais utilizados nas CP de Agropecuária e de Edificações.

............................................................................................................................................................. 289

Figura 31 – Exemplos da seção de referências da CP de Agropecuária e de Edificações. ................. 295

Figura 32 – Exemplos da seção de anexos da CP de Agropecuária e de Edificações. ........................ 298

Figura 33 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Agropecuária. ................................................ 385

Page 19: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

18

Figura 34 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Edificações. ................................................... 390

Page 20: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

19

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição da quantidade de relatórios por ano/curso. ................................................... 154

Tabela 2 – Distribuição da quantidade de diplomados, quantidade de relatórios analisados por

ano/curso. ............................................................................................................................................ 155

Tabela 3 – Distribuição da quantidade de bolsas ofertadas entre 2016 a 2018. .................................. 169

Tabela 4 – Distribuição da quantidade de discentes bolsistas de iniciação científica (PIBIC-Jr.) ou de

iniciação de projetos e bolsas de extensão (PIBEX-Técnico) em porcentagem. ................................ 170

Tabela 5 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pré-textuais. .......................... 251

Tabela 6 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos textuais. ................................ 271

Tabela 7 – Ocorrência de recursos verbo-visuais na seção de atividades desenvolvidas. ................... 287

Tabela 8 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pós-textuais. ......................... 293

Page 21: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

20

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ADD Análise dialógica do discurso

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CDIF Concepções e Diretrizes dos IF

CEB Câmara de Educação Básica

CEFET – Petrolina Centro Federal de Educação Tecnológica de Petrolina

CNE Conselho Nacional de Educação

CONIF Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica

CP Comunidades de prática

DCENEM Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio

DD Discurso direto

DI Discurso indireto

DIL Discurso indireto livre

EBTT Ensino Básico Técnico Tecnológico

EMI Ensino Médio Integrado

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

ETFPE Escola Técnica Federal de Pernambuco

GEPET Grupo de estudos e pesquisas em práticas educacionais tecnológicas

GETA Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos

técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Sertão Pernambucano

GRED Grupo de estudos do discurso

IF Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

IF SERTÃO/PE Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano

ISD Interacionismo sócio-discursivo

JID Jornada de Iniciação à Docência

Page 22: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

21

JINCE Jornada de Iniciação Científica e Extensão

LE Língua estrangeira

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

ME Manual do estagiário

MEC Ministério da Educação

MFL Marxismo e filosofia da linguagem

MRCT Modelo de relatório dos cursos técnicos

NBR Norma brasileira

NCELE Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio

NLS New Literacy Studies / Novos estudos do letramento

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PCN em debate Parâmetros Curriculares Nacionais em Debate

PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

PIBIC-Jr. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Júnior

PIBEX-Técnico Programa Institucional de Projetos e Bolsas de Extensão – Técnico

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PPC Projeto Pedagógico do Curso

PPD Problemas da poética em Dostoiévski

OCNEM Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio

RE Regulamento de estágio

RD Relações dialógicas

RDO Representação do discurso outro

RELEIA Repositório de leituras abertas

SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

TCC Trabalho de conclusão de curso

Page 23: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

22

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO: UM SER(TÃO) DE VOZES ..................................................................... 24

2. AS FORMAS DO RELEVO: FUNDAMENTOS CONSTITUTIVOS DA LINGUAGEM

NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA .............................................................................................. 38

2.1 O ESTUDO DO SOLO: O CÍRCULO DE BAKHTIN E O NASCITURO DE UMA

PROPOSIÇÃO TEÓRICA ....................................................................................................... 38

2.1.1 As propriedades e a delimitação do campo: a Análise Dialógica do Discurso ......... 48

2.2 ENTRE AS VEGETAÇÕES EXISTENTES E A NATUREZA CONSTITUTIVA: A

DIALOGICIDADE DO ENUNCIADO ................................................................................... 57

2.2.1 A diversidade da composição: Relações dialógicas e as dimensões interdiscursivas

.......... ........................................................................................................................................ 63

2.3 AERANDO A TERRA: GÊNEROS DO DISCURSO ...................................................... 77

2.3.1 O conjunto de plantas nativas: reflexões sobre a esfera de circulação e o gênero

relatório de estágio.................................................................................................................. 90

2.3.1.1 A Semente: O Relatório de Estágio .............................................................................. 96

2.3.1.1.1 Em busca de um olhar microscópico: a estrutura ................................................... 101

3. A FERTILIDADE DO TERRENO: LETRAMENTO(S) E SEUS CONCEITOS .......... 107

3.1 UM NOVO RAMO: OS NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO .............................. 107

3.1.1 Nós e entrenós: aproximações entre a ADD e os NLS .............................................. 116

3.2 NA FLORAÇÃO: LETRAMENTOS ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS ................. 122

3.3 DANDO FRUTOS: COMUNIDADES DE PRÁTICAS ................................................. 133

4. A ARQUITETURA DA PAISAGEM: A CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO .................. 144

4.1 COMPREENDENDO O CONTEXTO DA PESQUISA ................................................. 146

4.1.1 Contextualização e descrição do Corpus ................................................................... 149

4.1.2 No trilhar das relações dialógicas: categorias e procedimentos de análise ............ 158

5. ERGUENDO A OBRA: AS RELAÇÕES DIALÓGICAS EM DETERMINADAS

COMUNIDADES DE PRÁTICA E A CONSTITUIÇÃO DE UM LETRAMENTO

ACADÊMICO-PROFISSIONAL SINGULAR .............................................................................. 166

5.1 LEVANTAMENTO LOCAL – O CONTEXTO DE PRODUÇÃO: AS DIMENSÕES

INTERDISCURSIVAS DE MEDIAÇÃO DOS LETRAMENTOS COMO PRÁTICAS

INSTITUCIONALIZADAS NA CONFECÇÃO DOS RELATÓRIOS ................................ 167

5.1.1 As Vozes Institucionais: dois cursos distintos e um único direcionamento? .......... 172

5.1.1.1 Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (NCELE).................................. 173

5.1.1.2 Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC): Agropecuária e Edificações ...................... 188

5.1.1.3 Regulamento de estágio (RE) ..................................................................................... 212

5.1.1.4 Manual do estagiário (ME) ......................................................................................... 222

5.1.1.5 Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e

superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano

(GETA) ................................................................................................................................... 232

Page 24: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

23

5.1.1.6 Modelo de relatório dos cursos técnicos (MRCT)...................................................... 241

5.2 O PROJETO EXECUTIVO – AS RELAÇÕES DIALÓGICAS NA DIMENSÃO

INTERDISCURSIVA EM COMUNIDADES DE PRÁTICAS DE AGROPECUÁRIA E DE

EDIFICAÇÕES NO RELATÓRIO DE ESTÁGIO ............................................................... 248

5.2.1 A materialidade macrotextual-discursiva nos relatórios: ecos das vozes

institucionais? ....................................................................................................................... 249

5.2.1.1 Elementos pré-textuais ............................................................................................... 251

5.2.1.2 Elementos textuais ...................................................................................................... 271

5.2.1.3 Elementos pós-textuais ............................................................................................... 293

5.2.2 A dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de comunidades de prática

específicas: o fio discursivo .................................................................................................. 303

5.2.2.1 As formas marcadas do projeto de dizer .................................................................... 304

5.2.2.2 As formas de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha" .......................... 312

5.2.2.2.1 Reprodução literal do dizer ..................................................................................... 314

5.2.2.2.2 Incorporação do dizer ............................................................................................. 320

5.2.2.2.3 Evocação/alusão do dizer ........................................................................................ 335

5.2.2.2.4 Reformulação do dizer ............................................................................................ 341

5.2.2.3 A dimensão interdiscursiva por meio das RD ............................................................ 346

5.2.2.3.1 Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional ......................................... 347

5.2.2.3.2 Concordância com discursos alheios ...................................................................... 354

5.2.2.3.3 Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente ................... 358

5.2.2.3.4 Relação com outros saberes e competências .......................................................... 362

5.2.2.3.5 Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação .................. 367

5.3 PROJETOS COMPLEMENTARES – AS COMUNIDADES DE PRÁTICA DOS

CURSOS DE AGROPECUÁRIA E DE EDIFICAÇÕES: O DOMÍNIO, O

EMPREENDIMENTO E O REPERTÓRIO PARTILHADO ............................................... 376

6. (IN)ACABAMENTOS: REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO PROPOSTA ................. 392

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 402

APÊNDICE ........................................................................................................................................ 415

Page 25: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

24

1. INTRODUÇÃO: UM SER(TÃO) DE VOZES

Um dos primados do círculo de Bakhtin é saber se colocar na escuta, compreender e

captar as vozes que nos rodeiam, alcançar e refinar nossos sentidos ao nosso contexto, deixando

aflorar o reconhecimento de um processo alteritário, cuja reflexão nos lembra que só nos

constituímos enquanto sujeitos devido a relação do outro para comigo. Tal primado reformula

o nosso centro de valor que tanto valoriza o eu para pensarmos em um mundo essencialmente

dialógico e completado para e pelo outro.

Assim, nosso dizer, nosso projeto enunciativo é sempre voltado, direcionado a alguém,

e, de igual modo, solicita uma resposta, sendo uma “[...] influência profunda do discurso

responsivo antecipável.” (BAKHTIN, 2015, p. 52 – grifos do autor). Não diferentemente, diante

dessa provocação inicial, ressaltamos a nossa responsabilidade ética e enfatizamos que o nosso

projeto de dizer que por ora se inicia não se finda nesta tese, mas se constitui como mais um

elo na cadeia do diálogo inconcluso, não acabado, sobre a temática explorada, a saber: relações

dialógicas, letramentos, comunidades de práticas e Ensino Médio Integrado em uma instituição

pública federal.

Na realidade, provocamos esta reflexão sobre o processo de amadurecimento em nossa

autoconsciência sobre os aspectos ideológicos que permeiam a vida, nossas relações, nossa

linguagem, mais especificamente, aproximamo-nos desse processo de escutar, de (re)conhecer

o nosso contexto de atuação, de compreender as singularidades dentro da Rede Federal de

Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, em um recorte peculiar, dadas as dimensões das

instituições que a compõem, pois assim como salienta Bakhtin (2018, p. 87), “[...] o discurso

sobre o mundo se funde com o discurso confessional sobre si mesmo [...]”.

Portanto, a presente investigação se funde ao olhar da mulher nordestina, da esposa, da

mãe, da pesquisadora de linguagens, da docente de língua espanhola, da educadora, da colega

de trabalho, da integrante do grupo de pesquisa da rede, da servidora de carreira do ensino

básico técnico tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência, e Tecnologia do Sertão

Pernambucano1. Em todas as faces que nos constituem em nossa singularidade na relação do

eu para mim, o eu para o outro e o outro para mim, há forte presença da compreensão e vivência

da importância da rede profissionalizante federal em sua estrutura e escopo como um marco

educacional para que diversos sujeitos possam ter “[...] efetivo acesso às conquistas científicas

1 Ao longo da tese vamos apresentado esta instituição e nos aproximando das peculiaridades que as caracteriza.

Page 26: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

25

e tecnológicas [...]” (SOUZA, 2013, p. 61), indo mais além do que centrar forças somente em

uma formação específica e direcionada à dimensão técnica ou profissional de sujeitos.

Deste modo, reforçamos que essa Rede já nos é centenária (o ano de 2019 marca os 110

anos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil), mas nos parece

urgente, como sugerem alguns autores, Almeida Filho (2008), Príncipe (2017) e Leite (2020),

por exemplo, estudarmos esse contexto de formação múltipla e assim buscarmos compreender

e colaborar com estudos sobre as particularidades e identidades que emergem no

reconhecimento das características da experiência em um Instituto Federal (IF). Além de

entedermos a importância dessa Rede no contexto educacional no país, especialmente pós 2016,

quando vivemos um cenário no qual questionam o valor da ciência, da pesquisa, da educação

para o desenvolvimento da nação.

Não devemos esquecer, a princípio, que segundo o perfil exposto no site do Conselho

Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica

(CONIF, BRASIL, 2019)2, todo esse trilhar que se iniciou em 1909, teve como marco as

primeiras “Escolas de Aprendizes Artífices, uma em cada unidade da federação constituída à

época” (BRASIL, s/n). Desse período de um pouco mais de um século, de acordo com o portal

do Ministério da Educação (MEC), passaram-se de 19 escolas de aprendizes artífices para “661

escolas espalhadas por 578 municípios do país”3 (BRASIL, 2019, s/n). Porém, cabe

salientarmos que somente em 29 de dezembro de 2008 surgiu a rede dos Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia (IF), como a conhecemos na contemporaneidade, através da

Lei 11.892.

É nesta linha de raciocínio, que com a reformulação da rede, em 2008, e por meio de

uma política de expansão e interiorização do ensino e de qualificação, o perfil de transformação,

atribuído a esse modelo de instituição, visa a ofertar uma educação pública e de qualidade nos

quatro cantos do nosso Brasil. Um exemplo dessa visão, cuja finalidade fora atender à

necessidade regional por meio de formação profissional, científica e tecnológica, nasceu a Rede

Federal de Educação no Sertão Pernambucano4, surgindo com o propósito de fortalecer setores

que precisavam de apoio, como a Agroindústria e Agropecuária. Isto é, as relações com traços

2 Disponível em: http://110anos.redefederal.org.br/#historico Acessado em: 15 de junho de 2019. 3 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article/209-noticias/564834057/78121-rede-federal-

completa-110-anos-com-661-escolas-no-pais?Itemid=164 Acessado em: 22 de novembro de 2019. 4 O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano atualmente é formado por sete

Campi: Petrolina, Petrolina Zona Rural, Floresta, Salgueiro, Ouricuri, Serra Talhada e Santa Maria da Boa Vista.

Os cursos disponíveis em cada Instituição podem ser consultados no site: www.ifsertao-pe.edu.br

Page 27: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

26

econômicos, políticos e sociais da região nortearam as escolhas dos cursos a serem efetivados

nas proximidades do Rio São Francisco e, mais precisamente, no Sertão de Pernambuco.

Desta maneira, é na conjunção desses dois eixos mais amplos - educação e formação

profissional - que a presente tese demarca seu lugar. Uma vez que ao propiciar aos educandos

uma formação técnica, mas também a formação básica a nível do ensino médio, o papel da

escola como agência de letramentos obtém destaque (ABREU; IRINEU, 2015a; ABREU;

IRINEU, 2015b; ROJO, 2009): “[...] pois a instituição deve possibilitar meios para que o ato

de apreender e usar seus conhecimentos no âmbito social ganhem sentido” (ABREU; IRINEU,

2015a, p. 73).

Logo, é o Sertão Pernambucano, mais precisamente os discursos presentes nos relatórios

de estágio de discentes do Ensino Médio Integrado (EMI) do IF Sertão/PE nosso “locus” de

pesquisa, repleto e ressignificado pela oportunidade de se ter acesso à educação profissional

pública e de qualidade. Repleto, pois no meio do Sertão há sete campi espalhados ensejando

este acesso e ressignificado porque para a comunidade há a chance de mudar a história de vida

de tantos sujeitos por meio da educação.

A instituição proporciona, então a possibilidade de um agricultor/a, de um/a

costureiro/a, de um/a professor/a, de um/a policial, de um/a engenheiro/a, de tantos outros

pais/profissionais que colaboram/atuam nessa engrenagem da nossa sociedade de ter seus filhos

próximos dos seus lares, capacitando-se, formando-se, especializando-se em algo. Para tanto,

antes era necessário migrar para grandes centros e sendo destinado somente a uma parcela da

população com um dado poder aquisitivo ter essa formação.

Diante do exposto, refletindo sobre a nossa responsividade, somos impelidos, como

diria Bakhtin, à existência do não-álibi, do inescapável chamado a pesquisar esse contexto que,

de certo modo, toca o nosso campo de atuação5. Ao longo dos anos de sala de aula, como

docente de língua espanhola dos cursos de EMI do Campus Salgueiro e como orientadora de

projetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Júnior (PIBIC-Jr) e do

Programa Institucional de Projetos e Bolsas de Extensão – Técnico (PIBEX-Téc.), algumas

percepções (ou provocações) surgiram sobre as práticas de leitura e de escrita, quer seja em

língua materna quer seja em língua estrangeira, tais como: é preciso refletirmos sobre a

5 Reforçamos que o início de nossa atuação na rede profissionalizante fora posterior o nosso trabalho acadêmico

de mestrado. Naquela ocasião, pesquisamos as “Concepções de leitura e de texto subjacentes às provas de

vestibular: constatações e implicações para o ensino da língua espanhola”, temática esse que toca

tangencialmente o assunto dos letramentos e que fomos fortalecendo e desenvolvendo estudos ao longo dos

últimos anos. De todo modo, em nossa prática docente sempre tivemos a curiosidade para o viés discursivo e seus

efeitos de sentidos, associados a práticas de letramentos no universo escolar, acadêmico e atualmente, profissional.

Page 28: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

27

linguagem e seus efeitos, as relações de poder implicadas nos contextos de uso, especialmente,

nas etapas formativas dos sujeitos já no EMI; é necessário problematizarmos a crença que

discentes não consomem e produzem textos e, consequentemente, revermos as posturas dos

mediadores dos letramentos (em todas as disciplinas e não somente ao responsabilizar as áreas

de linguagens) ao direcionarem como um “problema” sem solução as dificuldades na escrita

dos discentes; faz-nos imprescindível um olhar mais acurado para os letramentos que emergem

nesse cenário, em especial, correlacionando as arenas travadas na cultura do escrito (BUNZEN,

2014; STREET, 2003, 2014) entre sujeitos cuja experiência formativa pode validar ou não o

dizer dos discentes/aprendizes.

Aliados a essas inquietações que surgiram com o passar dos anos na nossa atuação em

um campus de IF, observamos ainda lacunas na literatura da área, pois ao investigarmos a

temática, encontramos pesquisas feitas com temas tangenciais ao que ora é apresentado como

tripé deste estudo, mas não na confluência desses três eixos: letramentos, educação profissional

e análise dialógica do discurso (ADD).

Neste viés, enfatizamos nossa busca inicial no site do Banco de Teses e Dissertações da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (BTD – CAPES)6, delimitando

nossas revisões com as seguintes expressões: “letramentos” AND “educação profissional”;

“letramentos” AND “análise dialógica do discurso”; “educação profissional” AND “análise

dialógica do discurso”. Informamos que a escolha da busca em duplas de termos-chave se deu

desta forma, pois o site possui um sistema de busca simples (SILVA, 2020), não havendo a

opção para rastrearmos por meio da opção da ferramenta da pesquisa avançada.

Deste modo, os operadores booleanos de busca acabavam por admitir poucas inserções,

destinando somente ao uso de aspas (para refinar palavras semelhantes), do operador “AND”

(restringindo a amostra e os resultados da junção das expressões), e do operador “*” (cuja

finalidade seja substituir letras). Assim, sublinhamos que ao inserirmos as três expressões de

forma intercalada com o operador AND não encontramos qualquer resultado; ao passo que na

pesquisa em dupla das expressões, encontramos7, respectivamente, nove (oito dissertações e

uma tese), nove (oito dissertações e uma tese) e uma tese – sendo o trabalho mais antigo datado

do ano de 2011 e a metade do conjunto dos achados das pesquisas de 2016 até o recorte do ano

de 2020.

Tais resultados iniciais demonstram a atualidade e a necessidade de compreensão deste

campo, especialmente sob a confluência e a direção proposta por esta tese, uma vez que a única

6 A consulta no Banco de Teses e Dissertações (BTD) da CAPES foi realizada em 25/09/2020. 7 Ver apêndice A os títulos dos trabalhos com seus respetivos autores.

Page 29: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

28

investigação que toca a ADD e a educação profissional tinha como escopo investigar as

representações dadas por quatro docentes de língua inglesa a transformações vivenciadas no

âmbito da rede federal (FERREIRA, 2016).

Diante deste cenário, conseguimos depreender a necessidade de nosso estudo, pois os

trabalhos não direcionam sua força acadêmica para o que tentamos aprofundar ainda nessa

relação, o gênero relatório de estágio como uma etapa acadêmica8, o contexto do EMI nos IF,

as comunidades de práticas que deste cenário emergem, entre outros pontos, por exemplo.

Assim sendo, ao ampliarmos nossa pesquisa sobre o tema em outros espaços além do

BTD da Capes, entendemos que investigações que tomam o gênero relatório de estágio como

pano de fundo é rico e vasto especialmente no campo de formação de professores. Entre estes

trabalhos, a produção do professor e pesquisador Wagner Rodrigues Silva traz uma relevante

contribuição ao perceber o espaço de formação do sujeito, destes alunos-mestre (SILVA,

2013)9, em contextos vários de capacitação docente (licenciaturas de geografia, de história, de

matemática, de letras-inglês, dentre outros).

Nessas investigações de Silva e seus coautores (SILVA; FAJARDO-TURBIN, 2011;

SILVA, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2011; SILVA; MELO, 2008), em especial, temos a

linguística aplicada associada a outras perspectivas teóricas, tais como: o interacionismo

discursivo (ISD), a pragmática, a linguística sistêmico-funcional, e a própria confluência dos

fundamentos pedagógicos e educacionais que essa etapa e contexto solicitam, revelando

possibilidades inter, pluri, transdisciplinares para conceber o objeto, o fenômeno a ser estudado.

Outras pesquisas abordam o contexto do estágio ou o relatório de estágio em si, mas

novamente na perspectiva de formação docente (ARAÚJO, 2013; REICHMANN, 2012, 2016;

BESSA; BERNADINO, 2011; GUEDES-PINTO, 2016; VALEZI et. al, 2018, entre outros).

Contudo, encontramos pontos salutares para nossa reflexão sobre o gênero e o nosso contexto

peculiar do EMI, tais como: o relatório como um instrumento avaliativo; o relatório como

gênero híbrido; o relatório e suas marcas enunciativas; o relatório em sua estrutura e sua forma

composicional; o relatório e suas marcas linguísticas que demarcam cursos distintos, por

exemplo10.

8 Aprofundaremos as discussões em seções posteriores sobre a inserção do termo acadêmico relacionado à esfera

de circulação do gênero relatório mesmo que seja no EMI. 9 Silva (2013) alcunha esse termo aos professores em formação inicial das licenciaturas, pois ainda não são

docentes em exercício, mas também não são somente os alunos nessa etapa formativa. Para Reichmann (2016), o

estudante-estagiário se encontra justamente em um “entrelugar”, transitando por esferas distintas em uma zona de

fronteira entre os lugares profissionais e acadêmicos. 10 Na seção 2.3 desta tese, faremos uma maior reflexão sobre essas características.

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29

Nesta perspectiva, compreendemos que os estudos que permeiam a educação

profissional possuem uma lacuna por não explorar o contexto de produção do relatório de

estágio, sobretudo, no EMI, pois as investigações vislumbradas direcionam o viés da análise

deste gênero com seu contexto de produção e de recepção somente a um dado público, tal como

os docentes em formação. Na realidade, defendemos que há a necessidade de uma análise maior

sobre o contexto de produção escrita nos IF, conforme direcionam as pesquisas de Príncipe

(2017), Giorgi e Almeida (2018) e Leite (2020).

Príncipe (2017), por exemplo, em sua tese, propôs investigar o cenário da etapa final de

formação dos sujeitos do EMI, porém destinou o escopo ao gênero monografia, objetivando:

“[...] discutir, a partir de uma perspectiva dialógica de linguagem, a escrita acadêmica [...]”

(PRÍNCIPE, 2017, p. 07). Deste modo, apesar da aproximação de uma abordagem dialógica de

viés bakhtiniano na análise dos dados, a autora direcionou a construção das pontes teóricas e

metodológicas aos Novos Estudos do Letramento (New Literacies Study – NLS), mais

precisamente, à base etnográfica dos estudos dos Letramentos Acadêmicos. Como resultados,

foi possível encontrar “[...] conflitos de vozes gerados em meio a relações de poder e aspectos

ocultos do letramento (STREET, 2009), os quais subsidiam discussões e reflexões sobre a

escrita da monografia e seu ensino, no curso técnico integrado ao médio” (PRÍNCIPE, 2017, p.

07).

Sob este viés, Príncipe nos desperta a refletir diretamente sobre os eventos de

letramentos que atravessam as práticas na cultura do escrito dos sujeitos de EMI e suas relações

com vozes de “autoridade” dada aos docentes e/ou orientadores nesses contextos ou mesmo

amparados quiçá por normativas institucionais. Reforçamos que a pesquisadora enfatiza ainda

os modelos de letramentos, visando a compreensão dos contextos e as vivências na experiência

de ser e se tornar agente produtor e consumidor daquela linguagem, daquele dado gênero,

compreendendo as relações de poder envoltas e que são constitutivas das instituições e seus

atores (documentos institucionais, orientadores, docentes, entre outros).

Tais achados em um contexto próximo do que nos propomos na tese, de igual modo,

traz-nos elucubrações para pensar o que pode ou não deve ser dito, como deve ser dito na

produção escrita e etapa final formativa, em relações de forças, relações de descentralização e

separação enunciativas, conforme já sinalizava Bakhtin (2015) ao conceber as forças centrípetas

e centrífugas na centralização verboideológica dos enunciados.

Outro estudo pertinente ao que nos propomos na tese é o de Giorgi e Almeida (2018),

cuja finalidade da pesquisa fora investigar as práticas de letramento na iniciação científica e

tecnológica de discentes de EMI. Os autores se detiveram na análise do gênero resumo

Page 31: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

30

acadêmico, sendo possível ainda conceber os grupos sociais que emergiram nesta conjuntura.

Giorgi e Almeida (2018, p. 105): “[...] apontam a relevância da iniciação científica e, mais

especificamente da produção de textos como o resumo acadêmico, para o letramento dos

discentes e sua inserção em uma comunidade de pesquisadores.”. Assim, ancorados na proposta

de gênero discursivo proposto pelo Círculo de Bakhtin, os estudiosos construíram pontes com

os estudos dos letramentos para entender os movimentos discursivos dos sujeitos em seu projeto

de dizer no resumo e como isso “comprova” a inserção, a participação, em grupos acadêmicos

e científicos.

Com Leite (2020, p. 11), cujo objetivo fora “[...] analisar os significados e as

implicações formativas das práticas de letramento acadêmico vivenciadas por alunos de ensino

médio participantes de projetos de iniciação científica [...]” de um IF, a pesquisa teve um fôlego

maior, pois o autor buscou recuperar as experiências destes discentes em diversas práticas, a

saber: a participação de grupos de estudos e pesquisas, as atividades cotidianas relacionadas

aos estudos, os artefatos utilizados, os ambientes das realizações das atividades, dentre outras.

Além disto, Leite (2020) propôs investigar duas áreas distintas do conhecimento

(Ciências Agrárias e Linguística, Letras e Artes), pautando-se, especialmente, nos conceitos de

comunidade de prática (LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998), letramentos acadêmicos

(LEA; STREET, 1988, 2014), “[...] conjuntos e sistemas de gêneros (BAZERMAN, 1994,

2006, 2015; DEVITT, 1991, 2006) e capacidades e operações de linguagem mobilizadas

na produção de textos como os artigos (BRONCKART, 1999, 2006; SCHNEUWLY; DOLZ,

2004) [...]” (LEITE, 2020, p. 11). Como resultado, o autor entendeu que os discentes que

integram os projetos de iniciação científica “[...] participam de práticas de letramento

acadêmico de determinada comunidade, nas quais atuam perifericamente e adquirem

conhecimentos sobre o fazer científico, convenções, gêneros, valores, conceitos e

epistemologia” (LEITE, 2020, p. 12).

Portanto, ressaltamos que tais trabalhos demarcam a necessidade de explorarmos este

contexto da cultura do escrito, trazendo a ADD como empreendimento teórico-metodológico

associado aos Novos Estudos dos Letramentos. As pesquisas de Príncipe (2017), Giorgi e

Almeida (2018) e Leite (2020) colaboram em nossa reflexão para investigarmos os letramentos

que caracterizam ou indiciam as comunidades de práticas em cenários como de um IF, inclusive

para pensarmos como estes letramentos, por meio das vozes que ecoam entre os discursos

existentes, demarcam e constituem os sujeitos desse lugar.

Por outro lado, investigações como as de Fuza, possuem como pano de fundo outro

contexto (o universo acadêmico-universitário) sobre o qual o propósito fora “[...] compreender

Page 32: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

31

como se constituem os discursos escritos nas práticas de letramento-acadêmico científicas [...]”

(FUZA, 2015, p. 08). De fato, a escrita acadêmica não é homogênea, mas possui relações com

outras vozes; e de Sanches (2009) que teve como intuito “[...] observar como se dá a

constituição dialógica no gênero discursivo artigo científico em sua relação com enunciadores

anteriores, pautando-se na teoria dialógica do discurso [...]” (SANCHES, 2009, p. 05),

tangenciam nossa proposta, mas tocam em um ponto que nos é salutar: as relações dialógicas

(RD) como traço constitutivo do discurso.

Desta maneira, as pesquisadoras definiram algumas RD características dos seus objetos

de estudo, no caso de Sanches (2009), que encontrou seis tipos de relações, a saber: 1) marca

de novidade; 2) confirmação e concordância; 3) diálogo com o conhecimento científico

consensual; 4) referenciação bibliográfica com apagamento dos limites discursivos; 5)

enunciados “colcha de retalhos”; 6) discordância em relação a enunciados alheios.

Por sua vez, Fuza (2017, p. 210) sistematizou “sete tipos de relações dialógicas, a saber:

diálogo com o conhecimento científico consensual; relação de pergunta e resposta;

concordância com discursos alheios; discordância dos discursos alheios; marca de novidade;

inserção na comunidade científica; relação de questionamento da teoria existente”.

Tais categorias em torno das RD nos são peculiares, principalmente, ao pensarmos em

nosso objetivo maior: analisar as relações dialógicas na sua dimensão interdiscursiva nos

relatórios de estágio dos cursos de EMI de Agropecuária e de Edificações que constituem as

suas respectivas comunidades de prática na construção do letramento acadêmico-profissional.

Contudo, observamos que o espaço de formação acadêmica e profissional, somados a

letramentos, e, em especial, a análise discursiva do gênero relatório de estágio em IF,

apresentam-se tímidos com relação a nossa proposta de pesquisa de tese.

Nesta lacuna de compreensão das particularidades destas RD presentes no gênero

relatório de estágio e as singularidades das comunidades de práticas é que entendemos a

necessidade de nosso estudo. Não temos a pretensão de construir uma análise linguística ou

psicológica dos sujeitos, mas sim de conferir uma reflexão sobre os discursos presentes no

relatório de estágio que trazem e recuperam vozes de esferas sociais distintas e “assumem

papéis específicos na interação” (MELO, 2010, p. 260), na dimensão interdiscursiva. No caso

em específico, o contexto do EMI, fomos impelidos a pensar e a colaborar com pesquisas e

estudos que tomam como escopo este cenário.

Como consequência, associamos que no estágio curricular obrigatório, mais

especificamente no “produto final” – o relatório de estágio, destes discentes, encontramos

vozes, conexões com enunciados anteriores que evidenciam os letramentos vivenciados em sua

Page 33: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

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formação, sendo um território para investigar como o sujeito estagiário, futuro profissional,

reflete e refrata as RD que o constituem discursivamente. Isto significa que os discursos

escolares, acadêmicos e profissionais presentes no gênero relatório estão permeados por outras

vozes que constituem o próprio sujeito, constituem o seu próprio dizer.

Neste diálogo infinito de constituição do sujeito, bem como ao investigarmos as RD,

criamos pontes com o conceito de comunidades de prática (CP), conforme a proposta de

Wenger (1998). A autora nos lembra acerca desta noção como, a princípio, um fenômeno

particular, sendo posteriormente ampliado para a noção de grupos, uma vez que se compreende

que a participação dos sujeitos traz impactos no entendimento sobre o próprio processo de

aprendizado.

Nesse contexto se destacam: 1. Os indivíduos (“[...] a aprendizagem é uma questão de

engajamento e contribuição para as práticas de suas comunidades [...]” – tradução nossa)11; 2.

A comunidade (“[...] isso significa que o aprendizado é uma questão de refinar sua prática e

garantir novas gerações de membros [...]” – tradução nossa)12; 3. As organizações (“[...]

significa que a aprendizagem é uma questão de sustentar as comunidades interconectadas da

prática através da qual uma organização sabe o que sabe e, portanto, torna-se eficaz e valiosa

como uma organização [...]” – tradução nossa)13.

Desta maneira, a noção de comunidade de prática se torna relevante para nosso estudo,

uma vez que o estágio, locus da experiência, se transforma em um espaço/em um momento

desta constituição do aprendizado na perspectiva de reformular o próprio aprendizado;

redirecionando o olhar não mais para o conteúdo em sala de aula, mas para a vivência, para o

futuro espaço laboral. Segundo Wenger (1998), devemos lembrar que o sentido dado à prática

é sempre social, uma vez que a atuação em um dado cenário, não se dá apenas por fazê-la, mas

sim para vivenciá-la, dando significado e sustentando estruturas existentes em uma prática

igualmente social.

Em outras palavras, esta tese busca a compreensão deste contexto social de inserção de

sujeitos por meio do seu discurso, bem como investiga como se revelam as RD postas por

indivíduos históricos e sociais associados a suas práticas de letramentos vivenciados por

comunidades de prática de cursos específicos. Consequentemente, nosso questionamento

11 No original: “[...] it means that learning is an issue of engaging in and contributing to the practices of their

communities [...]”. 12 No original: “[...] it means that learning is an issue of refining their practice and ensuring new generations of

members [...]”. 13 No original: “[...] it means that learning is an issue of sustaining the interconnected communities of practice

through which an organization knows what it knows and thus becomes effective and valuable as an

organization [...]”.

Page 34: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

33

central é: Como as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio

de EMI dos cursos de agropecuária e de edificações se revelam como um dos elos que

constituem as respectivas comunidades de prática na construção do letramento acadêmico-

profissional?

Ademais, outros questionamentos encaminham a presente pesquisa, tais como:

1. Como se dá o contexto de produção do gênero em seu viés normativo/orientador nos

direcionamentos dos discursos em documentos oficiais/institucionais que orientam/prescrevem

por meio das forças centrípetas a escrita do relatório de estágio para os cursos de Agropecuária

e de Edificações?

2. Quais relações dialógicas com o já-dito podemos estabelecer nos discursos de sujeitos

estudantes-estagiários no gênero relatório de estágio que sinalizam as especificidades das

comunidades de prática dos cursos de Agropecuária e de Edificações?

3. Como os enunciados em sua dimensão interdiscursiva de sujeitos estudantes-

estagiários indiciam suas comunidades de práticas na constituição do letramento acadêmico-

profissional de seu respectivo grupo por meio do domínio, do empreendimento e do repertório

partilhado?

Isto posto, costuramos a teia discursiva ou mesmo a arquitetura desta tese apoiada na

“ligação entre língua e o curso da comunicação verbal concreta, social e historicamente situada,

fora da qual não se pode compreendê-la” (BRAIT; PISTORI, 2012, p. 389): não se pode

compreender o gênero, não se pode compreender as RD, não se pode compreender as vozes que

reverberam no discurso destes discentes. Em síntese, nos sustentamos nos âmbitos teórico e

metodológico, por um lado, na Análise Dialógica do Discurso (ADD), e, por outro, nos Novos

Estudos do Letramento, aprofundando o contexto de comunidades de prática e letramentos

acadêmicos e profissionais.

Em relação à ADD, tomamos como ponto de partida o que enfatiza Volóchinov14

(2018), pois o olhar metodológico surge do entendimento de que a língua e seus enunciados –

neste caso, o gênero - devem: 1. Compreender as “[...] formas e tipos de interação discursiva

em sua relação com as condições concretas [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 220) do(s)

enunciado(s); 2. Investigar como o(s) enunciado(s) em sua diversidade “[...] em relação estreita

com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais [...]”

(VOLÓCHINOV, 2018, p. 220), os próprios elementos da linguagem, como isto adquire

14 Ao longo desta investigação o nome de Volóchinov pode aparecer grafado de distintas maneira, pois decidimos

adotar a grafia de como se encontra no texto fonte e não alterá-lo numa tentativa de padronização para este estudo.

Page 35: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

34

dimensões ideológicas na interação verbal; e por fim, 3. Analisar como as formas da língua se

moldam nos enunciados.

Portanto, a atenção dada ao nosso objeto de análise parte da ideia de concebermos

inicialmente as condições concretas de realização do discurso. Mais precisamente, como

documentos oficiais, normativas, templates, vozes dos interlocutores do letramento ou vozes

dos mediadores dos letramentos (CURRY; LILIS, 2016; FUZA, 2016) guiam, ecoam e se fazem

presentes no fio discursivo do dizer do estudante-estagiário15 (forças centrípetas), para,

posteriormente, compreendermos o gênero relatório e as RD que caracterizaram uma dada

comunidade de prática. Finalmente, é possível definir estas comunidades por meio das

proximidades e distanciamentos que as configuram no campo da materialidade linguística.

Dito isto, chegamos a tal recorte e a estes pontos que se encontram subjacentes e

“entrecosturam” a teia discursiva proposta por esta tese, que nasce das leituras e vivências da

professora e pesquisadora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico da rede profissionalizante

federal. Decerto, este trabalho surge da tentativa de compreender como se constroem as práticas

específicas de tal lugar no espaço acadêmico e profissional, bem como se constrói o relatório

de estágio, etapa final da formação técnica no nível do EMI, buscando compreender o

relacionamento entre as RD na escrita de estudantes-estagiários.

Portanto, o objetivo principal deste trabalho é analisar as relações dialógicas na sua

dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio dos cursos de EMI de Agropecuária e de

Edificações que se revelam como um dos elos que constituem as suas respectivas comunidades

de prática na construção do letramento acadêmico-profissional. Além disso, delineamos como

objetivos específicos:

• Descrever e analisar o contexto de produção do gênero relatório de estágio de EMI dos

cursos de Agropecuária e de Edificações, correlacionando a forças centrípetas no discurso de

documentos institucionais que norteiam a escrita desse gênero como uma das vozes que

integram a mediação do letramento;

• Identificar relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio

dos cursos de Agropecuária e de Edificações EMI como enunciados de comunidades de prática

singulares;

• Caracterizar o letramento acadêmico-profissional por meio da dimensão do já-dito no

discurso de discentes-estagiários que indicia a respectiva comunidade de prática (domínio,

empreendimento e repertório partilhado) dos grupos investigados.

15 Ao longo do trabalho denominamos estudante-estagiário, discente-estagiário e aluno-estagiário como maneira

similar de tratar o mesmo sujeito discursivo.

Page 36: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

35

Assim, buscamos a compreensão e o preenchimento de possíveis lacunas existentes nas

pesquisas que envolvam a relação deste tripé, a saber: o gênero relatório como projeto de dizer

do futuro profissional (sujeito estudante-estagiário) de EMI; os estudos dos letramentos e as

pontes com a ADD; e, o ensino técnico profissionalizante de nível médio na educação básica

por meio das comunidades de práticas dos cursos escolhidos como recorte da pesquisa.

Diante disto, apresentamos como se construiu nosso percurso investigativo sobre o que

nos propomos a pesquisar, em especial, este cenário dos cursos de EMI do IF Sertão/PE, à luz

teórica da abordagem do Novos Estudos sobre o Letramento, principalmente em sua vertente

crítica e sociocultural (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; CASSANY, 2006; ROJO,

2009, STREET 1984, 2010, 2014), somada à vertente teórica dos Letramentos Acadêmicos

(LEA; STREET, 1998; LILLIS, 1999; 2008) e das comunidades de prática (LAVE; WENGER,

1998; WENGER; WENGER, 2015; WENGER, et al., 2002); associados ainda aos estudos

bakhtinianos sobre RD, vozes, interlocutores e gênero, em especial (BAKHTIN, 2011, 2015,

2016a, 2018, 2019a, 2019b; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019; MEDVIÉDEV, 2016;

VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019; BRAIT, 2012, 2014a, 2014b; SOBRAL, 2009;

PAULA, 2013).

Nas seções relacionadas “As formas do relevo: fundamentos constitutivos da linguagem

na perspectiva bakhtiniana” e “A fertilidade do terreno: letramento(s) e seus conceitos”,

expomos a conjunção desses fundamentos teóricos que respaldam o propósito dessa tese e dão

norte para o viés metodológico e a configuração de nossas análises. Assim, na seção 2,

construímos e (re)apresentamos a ADD16 criando pontes com o que fora vinculado pelo Círculo

de Bakhtin e seus pesquisadores/debatedores/comentadores. O propósito maior reside na

compreensão do dialogismo como elemento constituinte do discurso, bem como surgem as

vozes sociais segundo o Círculo e como podemos captar a essência dos gêneros do discurso,

especialmente, tomando o gênero relatório de estágio.

Na seção posterior, o escopo está em moldarmos a compreensão em torno do que seria

Letramento(s) e como os Novos Estudos do Letramento (New Literacy Studies) possibilitam

elos na compreensão específica dos letramentos acadêmicos e profissionais, objeto desta tese,

bem como a sua associação com a ADD. Como consequência, discorremos sobre comunidades

de prática construídas por sujeitos, uma vez que os enunciados se realizam por meio dos

inúmeros gêneros discursivos que cada campo da atividade humana é capaz de desenvolver e

16 Reapresentamos, pois, consideramos que há um público/leitor que já conhece os propósitos da Análise Dialógica

do Discurso (ADD); enquanto outros têm apenas o contato introdutório.

Page 37: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

36

vivenciar. Assim, esses enunciados concretos se relacionam a culturas particulares que um dado

grupo acaba por conhecer, legitimar e as põem em uso nas suas práticas cotidianas por

intermédio destes mesmos gêneros.

Na quarta seção, “A arquitetura da paisagem: a construção de um percurso”,

retomamos a contextualização do IF Sertão/PE para, então, descrever nosso corpus. Neste

sentido, após descrevermos a natureza de nosso estudo e salientarmos os critérios que foram

adotados para a seleção do objeto, expomos os procedimentos necessários para a confecção da

categorização e da sistematização dos dados levantados na pesquisa.

Na seção seguinte, apresentamos a análise e os resultados do corpus coletado. Optamos

na compreensão do todo que seriam as “Relações dialógicas no gênero relatório de estágio em

comunidades de prática do Ensino Médio Integrado dos cursos de Agropecuária e de

Edificações”. Seguindo esta proposta, no Levantamento local – O contexto de produção: As

dimensões interdiscursivas de mediação dos letramentos como práticas institucionalizadas na

confecção dos relatórios: contemplamos o relatório de estágio em uma situação concreta de

publicação e de circulação - neste caso, tomando a esfera de circulação e de recepção desse

gênero. Por sua vez, O projeto executivo – As relações dialógicas na dimensão interdiscursiva

em comunidades de práticas de Agropecuária e de Edificações no relatório de estágio:

analisamos o gênero relatório compreendendo suas especificidades e as relações dialógicas

(dimensão do já-dito) presentes que configuram suas respectivas comunidades de prática; e, por

último, Projetos complementares – As comunidades de prática dos cursos de agropecuária e

de edificações: em foco o domínio, o empreendimento e o repertório partilhado. Buscamos, na

confluência dos resultados encontrados, vislumbrar como se constituíram os enunciados das

comunidades de prática investigadas em suas atividades de escrita acadêmico-profissional e

assim caracterizar a prática de letramentos em torno do domínio, empreendimento e repertório

partilhado.

Por fim, lançamos os “(In)Acabamentos: reflexões sobre a construção proposta” de

nossa investigação, refletindo como as RD caracterizam cada comunidade de prática.

Entendemos ainda que, ao estudar esses grupos, o dialogismo presente no gênero relatório de

estágio dos cursos de Agropecuária e de Edificações, nunca podem e devem ser vistos como

encerrados ou fechados em si mesmos, uma vez que as RD são construídas e delimitadas por

um processo de escuta, do recorte do ponto de vista, de modo responsável e ético por parte da

pesquisadora. De fato, cada época, cada circunstância e cada realização enunciativa são únicas,

conforme nos lembra o Círculo de Bakhtin.

Page 38: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

37

Assim, esperamos ao entrelaçar teorias para compreender um dado objeto, colaborarmos

para que mais estudos se solidifiquem e passem a preencher lacunas encontradas como as

expostas nesta tese, remontando o diálogo sem fim, infinito, perpassando as vozes do passado

que “se cruzam com vozes do presente e fazem seus ecos se propagarem no sentido do futuro”

(BEZERRA, 2018, p. 12).

Page 39: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

38

1. AS FORMAS DO RELEVO: FUNDAMENTOS CONSTITUTIVOS DA

LINGUAGEM NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA

Em nossas reflexões, postas na introdução desta investigação, revelamos caminhos que

demarcam a episteme de nossa tese ao defendermos a nossa singularidade, o nosso processo

alteritário, a constituição de si diante do outro, a nossa responsividade e o processo de escuta

ao depreender a linguagem, no seu caráter discursivo, como essencialmente social, histórica e

marcada pela não neutralidade. Nesse horizonte, nosso processo de compreensão das vozes que

nos permeiam indicia nossa filiação teórica na perspectiva bakhtiniana e do Círculo, cuja

compreensão parte de que todo discurso é dialógico por natureza.

Sob este ponto de vista, nossa seção teórica inaugural apresenta “As formas do relevo”,

o conhecimento do terreno no qual ancoramos nosso projeto enunciativo de pesquisa, pois

refletimos sobre os fundamentos constitutivos da linguagem, remontando a Bakhtin e ao

Círculo. À vista disso, apresentamos, o conceito de dialogismo associando a relações dialógicas

(RD), a vozes, a interlocutores, à dimensão interdiscursiva e à própria compreensão de gêneros

do discurso – conceitos valiosos para a essência de nossa investigação.

Além de pontuarmos a compreensão de como esses conceitos basilares norteiam a

Análise Dialógica do Discurso (ADD) como proposta teórica e metodológica. Neste percurso,

destacamos, de igual modo, a dimensão transdisciplinar da tese ao criamos pontes com os

Novos Estudos do Letramento ou New Literacy Studies (NLS), em especial, na proposta das

comunidades de prática.

2.1 O ESTUDO DO SOLO: O CÍRCULO DE BAKHTIN E O NASCITURO DE UMA

PROPOSIÇÃO TEÓRICA

As reflexões apresentadas e debatidas pelo Círculo de Bakhtin, especialmente nas

décadas de 1920 e 1930, demonstram a sua atualidade ao despertar nos pesquisadores das áreas

das Ciências Humanas, em pleno século XIX, uma forte influência em como compreender a

linguagem como um fenômeno social, concreto e ideológico; como um ato vivo e dialógico,

circunscrito no tempo e no espaço, reverberando toda sua carga histórica; como uma atividade

discursiva entre sujeitos singulares que ocupam posições valorativas em processos de

alteridade; como arquitetônica que estrutura os discursos por meio dos mais variados gêneros

nos campos da atividade humana; entre outros pontos que compreendem a linguagem como

enunciado discursivo.

Page 40: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

39

Isto posto, defendemos que os pilares bakhtinianos revelam aos estudiosos da linguagem

como o enunciado pode ser complexo e multifacetado por meio dos discursos que circulam em

distintas esferas do campo da comunicação humana. Assim, inerente à própria compreensão do

enunciado se relacionam temas, tais como: a noção de signo ideológico, de gêneros discursivos,

de dialogismo, de alteridade, de autoria, de cronotopia, de cultura, de exotopia, de forças

centrípetas e forças centrífugas, de horizonte social, de responsividade, por exemplo.

Tais provocações, ao pensarmos a linguagem na proposição bakhtiniana ou do Círculo,

surgem ou foram incentivadas por intermédio de um agrupamento de estudiosos (intelectuais,

artistas, filósofos, cientistas, jornalistas, dentre outros pensadores) que se reunia na Rússia e

refletia os fenômenos da linguagem buscando romper com paradigmas racionalistas e

positivistas que deixavam à margem o contexto, a historicidade e as relações de poder envoltos

em situações de uso da língua (MEDVIÉDEV, 2016).

Sob esta óptica, avultamos que o Círculo não formalizou uma teoria dialógica do

discurso no sentido acadêmico como outras teorias que possuem seu status consolidado dentro

do mundo científico ou como entendemos na contemporaneidade e a utilizamos no Brasil por

intermédio da Análise Dialógica do Discurso (ADD), mas o grupo abriu caminhos para uma

compreensão ou uma proposição “metalinguística” ao se acercar das questões de linguagem no

que “[...] diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e produção de sentidos

necessariamente apoiadas nas relações discursivas empreendidas por sujeitos historicamente

situados.” (BRAIT, 2014b, p. 10), sobretudo ao pensarmos em um caminho metodológico de

análise enunciativa de discursos (BRAIT; CAMPOS, 2009; GRILLO, 2018; GRILLO;

AMÉRICO, 2019; FARACO, 2009).

Bakhtin, Volóchinov, Medviédev, Kanaev, Kagan, Pumpianskii, Yudina, Vaguinov,

Sollertinsk e Zubakin são os principais nomes dessa coletividade de estudiosos reconhecidos

como membros do Círculo de Bakhtin. Assim, a alcunha para filosofias ou abordagens ditas

bakhtinianas ou do Círculo, como conhecemos na literatura da área, surge por ter Mikhail

Mikhailovitch Bakhtin como principal expoente do grupo, uma vez que o pesquisador teve uma

produção em torno de questões sobre a filosofia da linguagem até meados de 1970. Desta forma,

a obra de Bakhtin teve uma maior amplitude e divulgação se comparada aos demais pensadores

que, em sua maioria, faleceram ainda jovens, vítimas de enfermidades ou de perseguições

políticas na Rússia czarista17. Contudo, o espírito do grupo construído no início do século XX

17 Destacamos ainda que os três primeiros nomes (Bakhtin, Volóchinov e Medviédev) tiveram maior notoriedade

dentro do chamado “Círculo de Bakhtin” e compreendemos a polêmica existente em torno da autoria dos textos

dos integrantes do grupo. Porém, informamos que não é nosso objetivo contestar ou ainda defender a disputa da

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permeia todos os escritos de seus integrantes e seguem a confluência ao se conceber a língua18

“[...] em sua integridade concreta e viva [...]” (BAKHTIN, 2018, p. 207).

Diante disso, pontuamos que o Círculo critica, em especial, duas tendências postas e

vivenciadas à época: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato (BAKHTIN, 2015). Na

primeira delas, segundo Volóchinov (2018, p. 148), o “[...] psiquismo individual representa a

fonte da língua [...]”, pois por esse viés, a língua é tomada como “[...] ato discursivo individual

e criativo [...]” que a sustenta. Portanto, a finalidade da língua é tão somente a expressão do

pensamento. Wilhelm Humboldt, um dos principais defensores desta corrente, entendia que o

psiquismo era constituinte da língua e que o seu desenvolvimento se dava por meio de leis

psicológicas e de forma individual, através de atos de fala (VOLÓCHINOV, 2018). Assim, “A

linguagem é compreendida como representação (espelho) do mundo e do pensamento, sendo

que os seus conteúdos ideológicos podem ser deduzidos das condições do psiquismo

individual” (RUIZ, 2017, p. 42). A crítica a esta perspectiva surge porque no subjetivismo

idealista a língua é tida como um produto acabado, no qual somente expressa o interior do

sujeito e como fenômeno linguístico: caberia ao pesquisador somente constatar, descrever e

classificar uma língua pronta, hermética (VOLÓCHINOV, 2018; BAKHTIN, 2015, 2018,

2019a), dada como verdade absoluta e individual.

Em relação ao objetivismo abstrato, a lente do psiquismo individual sai e o foco recai

na língua como algo sistemático, abstrato e organizado por suas formas linguísticas, pautando-

se em uma abordagem estruturalista, tal como a saussuriana. Estamos diante, nesse segundo

momento, da imanência da língua, do escopo no sistema linguístico por meio de suas formas

fonéticas, gramaticais e até mesmo lexicais (MEDVIÉDEV, 2016; BAKHTIN, 2019a;

VOLÓCHINOV, 2018). À vista disso, o objetivismo abstrato recorre ao entendimento que no

uso da língua existem elementos idênticos, reiteráveis, por meio das unidades linguísticas,

tornando a compreensão mútua dos sujeitos ao vislumbrar esses elementos dentro de um

autoria de cada texto, mas sim compreendermos que independentemente disso as ideias e conceitos gravitavam

entre seus integrantes e foram socializadas para o grande público. Desse modo, informamos que identificamos os

autores nas citações conforme exposto a autoria na obra que fora retirada o trecho. Lembramos ainda que Faraco

(2009), Brait (2016), Fiorin (2017), Grillo (2016), Grillo e Américo (2019), como tantos outros pesquisadores,

trazem reflexões sobre a disputa das assinaturas dos integrantes do Círculo, objeto esse que não é foco de nossa

tese. 18 Sublinhamos que para o Círculo de Bakhtin existem diferenças no entendimento entre língua e linguagem. Essas

não aparecem de maneira tão transparente nas obras de forma a especificar as distinções, mas no conjunto dos

materiais do círculo é possível depreender que a língua deve ser compreendida como à materialidade verbal da

própria linguagem humana, o objeto no qual o sistema linguístico-ideológico se constitui para referenciar,

representar o mundo e refratar esse mesmo mundo. Ao passo que a linguagem leva consigo valores, expressividade,

correlacionando-se ao enunciado concreto, aos contextos sociais, aos horizontes sociais partilhados entre os

sujeitos (GEGe, 2009).

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sistema. Neste ínterim, a língua é defendida como uma combinação de elementos apartados de

sua realidade social, é tida como langue, e inclusive mesmo que considere a parole (contexto

de uso do falante em sociedade como faculdade), as noções são insuficientes para as

implicações direcionadas pelos estudos bakhtinianos ao refletirem sobre o sujeito de linguagem,

de discurso (SOBRAL; GIACOMELLI, 2019). Surge então a crítica do Círculo ao objetivismo

abstrato em torno da língua, principalmente aos estudos estruturalistas que compreendiam a

língua como “um objeto abstrato ideal, que se consagra a ela como sistema sincrônico

homogêneo e rejeita” (STELLA, 2014, p. 14) as demais formas de manifestações de uso, de

interação da língua.

De acordo com Volóchinov, em Marxismo e Filosofia da Linguagem (MFL – 2018), a

reflexão sobre a língua deve se dar por meio de sua enunciação, de sua realização real, que se

encontra permanentemente associada a condições de produção, de recepção e de circulação

dentro de estruturas sociais vigentes. Por isso, o Círculo de Bakhtin não objetivava negar as

proposições das duas correntes: inclusive em seus escritos, os autores exploraram os avanços e

as limitações dessas abordagens, mas sempre partiam do entendimento que priorizar um

direcionamento em detrimento do outro seria apartar, de igual modo, a um elemento

essencialmente importante e esquecido por ambas propostas: o componente social

(MEDVIÉDEV, 2016; BAKHTIN, 2015). Este é o fundamento que dá vida aos textos, revela

a concretude discursiva das ações e das intenções dos sujeitos/dos interlocutores, de seus

enunciados. Como sinaliza Volóchinov (2019, p.117): “[...] a palavra é completada diretamente

pela própria vida e não pode ser separada dela sem que o seu sentido seja perdido.” Assim, a

palavra não pode ser concebida como autossuficiente, os sentidos são construídos sócio-

historicamente em um dado tempo e espaço por sujeitos discursivos, passando a ser entendida

como produto da criação ideológica, pois a palavra, o signo, como objeto material é parte de

uma realidade que rodeia o próprio homem (VOLÓCHINOV, 2018; MEDVIÉDEV, 2016;

BAKHTIN, 2015).

Segundo Medviédev:

As concepções de mundo, as crenças e mesmo os instáveis estados de espírito

ideológicos também não existem no interior, nas cabeças, nas ‘almas’ das pessoas.

Eles tornam-se realidade ideológica somente quando realizados nas palavras, nas

ações, na roupa, nas maneiras, nas organizações das pessoas e dos objetos, em uma

palavra, em algum material em forma de um signo determinado. Por meio desse

material, eles tornam-se parte da realidade que circunda o homem. (MEDVIÉDEV,

2016, p. 48 – 49).

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Para o autor, o componente social e ativo por meio da materialidade histórica implicada

do objeto denota o sentido e o valor deste em cada contexto utilizado por sujeitos/locutores

reais, em situações também reais. Medviédev ressalta que esta realidade ideológica por meio

de um objeto materializado como a palavra é o momento da realização do horizonte ideológico

de um sujeito discursivo e complementa que independente da significação da palavra, essa,

“[...] antes de mais nada, está materialmente presente como palavra falada, escrita, impressa,

sussurrada no ouvido, pensada no discurso interior, isto é, ela é sempre parte objetiva e presente

do meio social do homem.” (MEDVIÉDEV, 2016, p. 50).

Em outros termos, nosso enunciado é prenhe de outras vozes com os quais dialogamos

e, de igual modo, encontramos relação com nosso universo discursivo, com nossa esfera de

atividade, por isso partilhamos e construímos os sentidos em cada contexto, sendo único o

momento da realização dessa realidade ideológica. Conforme pontua Bakhtin (2015, p. 69):

“[...] cada palavra exala um contexto e os contextos em que leva sua vida socialmente tensa;

todas as palavras são povoadas de intenções.”

Diante dessa perspectiva, o signo não deve ser concebido como apenas uma parte de

uma dada realidade social, mas carrega consigo o reflexo e a refração de uma outra que

possibilita modificá-la, alterá-la, ser idêntica, captá-la por meio de um ponto de vista próprio

(VOLÓCHINOV, 2018, p. 93), estando submetido a parâmetros de uma avaliação ideológica,

de um campo valorativo de inserção do sujeito/do locutor, do seu lugar social.

Assim como Volóchinov (2018, p. 106), entendemos que não nos deve interessar tão

somente a pureza semiótica da palavra, mas sim a ubiquidade social dessa, pois os fios

ideológicos estão presentes nas mais diversas áreas da comunicação social e se realizam por

intermédio de seu objeto, a saber: a própria palavra. Dessa maneira, a avaliação social presente

na realização da palavra nada mais é que um produto da criação ideológica sendo partes

constituintes da realidade que permeia o contexto situacional do homem, como pontuava

Medviédev (2016, p. 48).

Salientamos ainda que, para Volóchinov (2013a, 2013b), os contextos de inserção da

palavra como enunciado, como entidade discursiva e viva, como “[...] unidades reais do fluxo

da linguagem. [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 221), espelham por meio da ideologia do

cotidiano um “oceano instável e mutável”, já que temos por um lado a mutabilidade e por outro

a estabilidade como forças que tentam centralizar a língua por meio de uma unidade

verboideológica (BAKHTIN, 2015). Logo, integrados a ideologias cotidianas e oficiais

encontramos uma retroalimentação de sistemas ideológicos contínuos sobre o que na língua se

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normatiza, se regulariza e o que é aberto ao novo, se descentraliza, aproximando-se a um

heterodiscurso, a uma diversidade de vozes existentes socialmente (grupos sociais).

Assim, na ideologia do cotidiano está “[...] o universo do discurso interior e exterior,

não ordenado nem fixado, que concebe todo nosso ato, ação e estado ‘consciente’. [...]”

(VOLÓCHINOV, 2018, p. 213), relacionado a uma ligação mais orgânica, mais viva do uso da

língua, dos enunciados. Na ideologia oficial, certos enunciados se cristalizam partindo da

ideologia do cotidiano. Neste sentido, esbarramos em sistemas mais consolidados que tratam

de guiar a moral, as Leis e os costumes, tais como: a ciência, a arte, a filosofia, as teorias

políticas, entre outros, de modo a reforçar a influência e o tom desses sistemas ideológicos.

Tais provocações sobre pensar a língua por meio do enunciado, das implicações

ideológicas do signo em uma dada situação em uma abordagem enunciativa-discursiva,

convidam-nos a refletirmos, de igual modo, sobre o caráter dialógico do enunciado, pois o

acabamento discursivo passa a ser compreendido quando a comunicação discursiva, em seu

viés dialógico, está associada ao manejo da linguagem dentro de grupos sociais e as relações de

poder ali implicadas. Reforçamos, a princípio, que o agir comunicativo ou comunicação

discursiva, para nossa reflexão, não se relaciona à transmissão ou troca de mensagens entre

sujeitos em uma abordagem estrutural idealizada (como exposto na proposta por Roman

Jakobson entre emissor e receptor da linguagem) ou quiçá relacionada a troca de turnos de fala

de maneira empírica; mas, compreendemos, fundamentados na proposta do Círculo, como

trocas enunciativas potencializadas pela palavra em contextos situados social e historicamente

entre interlocutores discursivos, reverberando o emaranhado da cadeia enunciativa de diálogos

com já-ditos ou com o devir, caráter esse próprio do enunciado.

Portanto, destacamos que não se trata mais de compreender a palavra como signo

isolado, mas como enunciado que ganha sentido nas suas relações sociais e históricas, como

vimos salientando desde o início desta seção. Não se trata de compreender um enunciado

buscando um rigor científico em esquartejar uma oração, uma frase, mas sim de entendê-lo

como dotado de sentidos, de significados, que busca sempre uma compreensão responsiva ativa

do sujeito (BAKHTIN, 2016c), vivenciando a linguagem em seu viés discursivo.

Assim, a originalidade e a atualidade das proposições do Círculo de Bakhtin se encontra

na defesa que a comunicação verbal não pode e nem deve ser explorada abstraindo a língua de

seu contexto, de sua carga histórica e das relações existentes entre os sujeitos do discurso, os

interlocutores que ali estão inseridos, pois “A língua vive e se forma no plano histórico

justamente aqui, na comunicação discursiva concreta, e não no sistema abstrato das formas

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da língua nem no psiquismo individual dos falantes.” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 220 – grifos

do autor).

É nesta reflexão sobre o enfrentamento dos fenômenos da linguagem que o Círculo de

Bakhtin propõe o seu estudo por meio de uma disciplina denominada metalinguística ou

translinguística19. Segundo Bakhtin (2018, p. 207):

[...] a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico

da linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária

de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos,

abstraídos pela linguística, os que têm importância primordial para os nossos fins. Por

este motivo as nossas análises subsequentes não são linguísticas no sentido rigoroso

do termo. Podem ser situadas na metalinguística, subentendendo-a como um estudo –

ainda não-constituído em disciplinas particulares definidas – daqueles aspectos da

vida do discurso que ultrapassam – de modo absolutamente legítimo – os limites da

linguística. As pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a

linguística e devem aplicar os seus resultados. A linguística e a metalinguística

estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso,

mas estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão. Devem completar-

se mutuamente e não fundir-se. Na prática, os limites entre elas são violados com

muita frequência.

Para o filósofo, o objetivo da metalinguística seria transpassar o que até então era

estudado pela linguística da época e trazer outras reflexões, uma vez que ambas direcionam o

esforço acadêmico para um mesmo “fenômeno concreto”, porém sob distintas percepções e sob

distintos projetos de escuta do objeto. Bakhtin acentua que a ideia é que ambas as áreas se

somem, possam colaborar no olhar do próprio objeto, não se unir de todo, mas se constituir com

uma face de uma mesma moeda.

Dito de outro modo, é preciso nos apoiarmos no material linguístico para

compreendermos também o enunciado, as camadas do extralinguístico, em especial, dando

sentido as relações dialógicas (RD) constitutivas do discurso no enunciado. Destacamos

também que essas RD são consideradas um fenômeno “quase universal”, pois atravessa,

permeia, toda a linguagem humana e suas relações, suas realizações da vida humana

(BAKHTIN, 2018, p. 47).

19 Compreendemos que o termo pode ganhar conotações ambíguas, por isso em alguns estudos adotam o termo

translinguística (BRAIT, 2015, FIORIN, 2014). Fiorin (2014) diz que: “[...] Esse problema de denominação é uma

prova da correção das teses bakhtinianas sobre o problema da distinção entre as unidades potenciais do sistema

(objeto da Linguística) e as unidades reais de comunicação (objeto da translinguística). Do ponto de vista do

sistema, meta (prefixo grego) e trans (prefixo latino) são equivalentes; no entanto, eles são completamente distintos

no funcionamento discursivo. De qualquer forma, o que Bakhtin pretendia era constituir uma ciência que fosse

além da Linguística, pois trataria de analisar o funcionamento real da linguagem e não apenas o sistema virtual

que possibilita esse funcionamento.” (p. 192). No entanto, Bezerra (2018) enfatiza que o uso do termo

“translinguística” se trata de uma tradução inadequada de Kristeva, sobretudo ao tentar reduzir/minimizar o

pensamento de Bakhtin a uma corrente linguística.

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Bakhtin nos lembra que as RD dos enunciados são extralinguísticas e ao mesmo tempo

são materializadas no discurso e não podem ser desvinculadas da língua como “fenômeno

integral concreto” (BAKHTIN, 2018, p. 209). Assim, as RD são definidas como “irredutíveis

às relações lógicas ou às concreto-semânticas, que por si mesmas carecem de momento

dialógico. Devem personificar-se na linguagem, tornar-se enunciados, converter-se em

posições de diferentes sujeitos” (BAKHTIN, 2018, p. 209) por meio da linguagem, tornar-se

discurso e que, por fim, possam surgir no emaranhado da cadeia enunciativa de autores

distintos.

Corroboramos ainda que na definição da metalinguística e seu objeto de estudo, o

enunciado, Bakhtin aprofunda este objeto ao afirmar que a dimensão extralinguística é essencial

para essa ciência como projeto de análise da linguagem (BRAIT, 2014b). Segundo Volóchinov

(2018, p. 221), para estudar o enunciado não se pode retirá-lo do “fluxo histórico”, pois ele “[...]

em sua totalidade se realiza apenas no fluxo da comunicação discursiva. A totalidade é

determinada pelas fronteiras que se encontram na linha de contato desse enunciado com meio

extraverbal e verbal (isto é, com outros enunciados)”. Neste sentido, evidenciamos que o

enunciado não é a frase, o objeto linguístico do sistema, pois frases não entram em RD

(SOBRAL; GIACOMELLI, 2016): antes de tudo, o enunciado é um elo de tridimensionalidade,

segundo Bezerra (2016), que integra passado, presente e futuro no “[...] processo de

comunicação como um fenômeno da cultura perene em sua substancialidade e aberto como

forma de existência e comunicação entre os homens no devir histórico e na unidade aberta de

cultura e história” (BEZERRA, 2016, p.153).

Em síntese, para o Círculo de Bakhtin, tais enunciados se constituem sempre a partir de

outros enunciados, por isso esta rede, esta cadeia enunciativa, esta relação dialógica existente,

uma vez que o discurso “[...] num clima do já dito, [...] é ao mesmo tempo determinado pelo

ainda não dito, mas que pode ser forçado e antecipado pelo discurso responsivo. Assim acontece

em qualquer diálogo vivo.” (BAKHTIN, 2015, p. 52 – 53). Logo, o discurso é dialógico por

natureza, pois “O discurso surge no diálogo como sua réplica viva, forma-se na interação

dinâmica com o discurso do outro no objeto [...]” (BAKHTIN, 2015, p. 52).

Neste processo, ao enunciar, o “falante”, o locutor, o sujeito discursivo, espera uma

compreensão responsiva do “ouvinte”, do “interlocutor”, em um movimento contínuo de

interação (VOLOCHÍNOV, 2013a, BAKHTIN, 2015). O sujeito de linguagem visa sempre um

outro:

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[...] O falante procura orientar sua palavra – e o horizonte que a determina – no

horizonte do outro que a interpreta, e entra em relações dialógicas com elementos

deste horizonte. O falante abre caminho para o horizonte alheio do ouvinte, constrói

sua enunciação em território alheio, no campo aperceptivo do ouvinte. (BAKHTIN,

2015, p. 56).

Conforme vislumbramos nas palavras de Bakhtin, no enunciado sempre escutamos ao

menos duas vozes, aquele que enuncia, por um lado, e, por outro, o seu interlocutor, seu

auditório social. Diante disso, o sujeito “falante” (traduzimos por aquele que enuncia

independentemente se verbaliza oralmente ou não o discurso, mas que demarca sua relação, sua

posição no todo discursivo), que tece seu projeto de dizer, orienta o seu projeto enunciativo por

meio da palavra, do objeto, considerando o outro, o seu possível interlocutor, “O elemento

lógico-objetal da palavra torna-se o palco do encontro de interlocutores, a arena da formação

dos seus pontos de vista e apreciações. [...]” (BAKHTIN, 2016b, p. 123).

Não diferentemente, o enunciado carrega valores, traz e expressa um posicionamento

axiológico do sujeito e da sua relação para com o outro, para com seu interlocutor. Por isso, o

enunciado ser um campo, uma arena onde horizontes sociais e valores são colocados. Nesta

construção o eu e o outro são considerados universos de valores, pois conforme Bakhtin “[...]

Ser significar ser para o outro e, através dele, para si. O homem não tem um território interior

soberano, está todo e sempre na fronteira, olhando para dentro de si ele olha o outro nos olhos

ou com os olhos do outro.” (BAKHTIN, 2018, p. 323 – grifos do autor).

Diante do exposto, a revolução bakhtiana reside, segundo Ponzio (2016), e coadunamos

com o autor, em mudar o escopo de uma identidade una e cartesiana do sujeito vislumbrada

pelo discurso para o processo alteritário de constituição do sujeito nesse mesmo discurso, uma

vez que para Bakhtin eu não existo sem o outro, eu não me torno quem eu sou sem o outro, eu

preciso do outro para me encontrar, para ver o outro em mim, em uma percepção recíproca, em

um processo alteritário e responsivo do ser, do existir (BAKHTIN, 2018).

Segundo Bakhtin, ao compreendermos o significado de determinada palavra em uma

dada situação, não entendemos tão somente o significado ali expresso, mas de igual modo

“ocupamos” em relação a essa palavra uma posição responsiva. Nesta posição, podemos

demonstrar acordo ou desarcordo, divergência ou convergência, simpatia ou antipatia,

aproximação ou afastamento, aliança ou embate, revelando que há uma entonação expressiva

que pertence ao enunciado e não à palavra (BAKHTIN, 2016a, p. 50). Por este motivo, é preciso

considerarmos a posição social que o locutor/o sujeito ocupa, bem como o ouvinte/o

interlocutor e o campo aperceptivo desse, pois é nesse horizonte social partilhado que se

colocam as relações dialógicas dos sujeitos: o “falante” constrói seu processo de enunciação

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em “território alheio”, no campo aperceptivo do “ouvinte” para que haja a interlocução

(BAKHTIN, 2015, p. 56). Bakhtin complementa:

Todo enunciado (minimamente responsivo) tem conhecimento sobre o objeto como o

têm outros enunciados sobre o mesmo objeto (acordo e desacordo), orienta-se de certo

modo entre esses enunciados alheios. Essa orientação pode manifestar-se de forma

direta no enunciado (exposição de opiniões alheias, citações e referências, polêmica

etc.). Mas também pode não haver esse reflexo: neste caso, sempre existem

harmônicos dialógicos, ainda que seja difícil de captá-los. [...] (BAKHTIN, 2016d, p.

148 – 149).

E diante desta atitude responsiva nos deparamos com mais um postulado bakhtiniano: a

noção de que todo enunciado parte de um já dito: “[...] Cada enunciado é um elo na corrente

complexamente organizada de outros enunciados [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 26). Neste viés,

desmitifica-se a ideia do Adão mítico ao proferir um enunciado, pois “[...] todo falante é por si

mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele não é o primeiro falante, o

primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 26), mas usa

de enunciados antecedentes já postos dentro dessa cadeia discursiva. Contudo, a circunstância

da realização é que torna nova a enunciação, pois essa é rica em intencionalidades e relações

de poder, algo que só é concebido em um dado espaço/tempo.

Nesse contexto, o Círculo de Bakhtin reforça que a orientação dialógica do discurso é

um fenômeno próprio, inerente, ao próprio discurso. Não há escapatória: as construções de

sentidos presentes no discurso, no enunciado, sempre se encontram com a palavra do outro e

vive com ela uma interação tensa (BAKHTIN, 2015). Desse modo, valendo-nos de que todo

enunciado responde a outro e é endereçado a um interlocutor, as RD possíveis devem ser

estudadas até para (re)conhecermos os espaços de poder, de como as ideologias se manifestam,

desde as esferas primárias a secundários, por exemplo.

Assim, eis um dos pontos que sustentam nosso olhar investigativo nesta tese: buscar

estudar as RD em contextos outros que também se estabeleçam essas relações de poder (como

aportam os NLS) por meio da linguagem, do discurso; ou ainda, estabelecer pontes de como as

RD indiciam os grupos sociais presentes em um dado cenário. Isto pontuamos, não no sentido

de criarmos generalizações ou tentarmos recuperar as identidades que emergem dos grupos,

mas diante do nosso contexto específico, o EMI por meio da materialidade discursiva presente

no gênero relatório de estágio, compreendermos o manejo com esses outros enunciados e

entendermos o grupo em sua singularidade no tempo e no espaço.

Em síntese, nesta seção observamos que a partir da compreensão de que todo enunciado

é dialógico por excelência, o Círculo de Bakhtin tece e entrecostura uma arquitetura entre vários

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conceitos em torno da linguagem ao captar o interno e o externo, o eu e o outro, minha história

e o contexto social, o texto como unidade de sentido (gênero do discurso) e suas relações para

com as posições dialógicas e valorativas entre os interlocutores. Nesta relação, os enunciados

são as unidades reais da comunicação que se tornam únicas no momento da enunciação, são

irrepetíveis, possuem acento, entonação (BAKHTIN, 2005, 2016a, 2019a; 2019b; BEZERRA,

2016; BRAIT; PISTORI, 2012; BRAIT, 2015; FIORIN, 2017), e se constituem por meio de

outros enunciados.

Nas próximas seções e subseções, aprofundaremos o que é salutar para nosso projeto de

dizer, reafirmando que não esgotamos e nem temos a pretensão de sistematizar ou compilar as

possibilidades das construções dos conceitos do Círculo de Bakhtin, pois temos a noção da

complexidade, sobretudo filosófica, das finalidades implicadas em tais conceitos. Mas é na

exposição dos conceitos fundantes da compreensão da linguagem e de pontos cruciais para a

proposição teórica-metodológica que nosso olhar é direcionado. Nesta linha, antes de

adentrarmos a reflexão teórica de alguns conceitos, propomos demarcar nossa filiação à Análise

Dialógica do Discurso como uma proposta metalinguística ancorada nos preceitos bakhtinianos.

2.1.1 As propriedades e a delimitação do campo: a Análise Dialógica do Discurso

Os conceitos elaborados pelo Círculo de Bakhtin impulsionaram depois de 1970/80

(período em que esses materiais foram mais amplamente difundidos não somente no ocidente,

mas no mundo) uma atenção para o “matiz dialógico” da linguagem (RODRIGUES; ACOSTA

PEREIRA, 2019; PAULA, 2020), obtendo um prestígio especial junto das áreas das Ciências

Humanas. Sob esta lógica, reforçamos que o Círculo não era uma escola e nem tinha uma

intenção dogmática cujo objetivo fosse impor suas concepções por meio de uma padronização

acadêmica sobre os fenômenos da linguagem (PONZIO, 2019), muito menos propor

formalmente uma teoria ou uma análise do discurso como ciência do saber (BRAIT, 2014b).

Assim, concepção dialógica, abordagem dialógica, perspectiva dialógica, arquitetônica

dialógica, dentre outros termos e expressões, designam uma aproximação e filiação teórica e

metodológica seguindo os constructos bakhtinianos. Nestes termos, a Análise Dialógica do

Discurso (ADD) não foi proposta por Bakhtin e nem pelos demais integrantes do Círculo, mas

trata-se de uma particularidade de nossa cultura acadêmica, de uma formalização científica

brasileira, por meio de uma proposição feita pela pesquisadora, crítica, ensaísta, professora Beth

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Brait.20 A ADD foi ainda abraçada por muitos outros estudiosos da linguagem (SOBRAL, 2009;

SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES; ACOSTA PEREIRA,

2019; PAULA; STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019; ALVES, 2019; dentre outros), que

encontraram nos escritos bakhtinianos possibilidades e caminhos sobre refletir acerca do caráter

dialógico da linguagem, de modo a ampliar a “Metalinguística” como consequência deste

estudo.

Neste direcionamento, destacamos que a ADD não deve ser encarada como uma

proposta teórica-metodológica fechada, acabada, mas que lança luz bem mais em construção

de pontes, no confronto, no contraste e na busca de similaridades entre outras

abordagens/teorias que somam a um delineamento do pensamento bakhtiniano sobre um estudo

enunciativo-discursivo da linguagem. Diante disto, sublinhamos a necessidade de pensar a

Análise do Discurso no Brasil de forma plural e como traço identitário do nosso fazer científico

(pesquisadores brasileiros), assim como expõe Paula (2013, 2020). Em nossos estudos, temos

como características colocarmos em embates e/ou em aproximações variadas perspectivas de

investigações discursivas por meio de uma “[...] diversidade de influências e amplitude de

abordagens [...]” (PAULA, 2013, p. 241).

Brait (2014b) nos relembra e sustenta que mesmo criando pontes para refletirmos sobre

a linguagem com outras disciplinas, a ADD se ampara sobretudo no conjunto das obras de

Bakhtin e do Círculo, motivando a sua gênese. Neste sentido, a pesquisadora (BRAIT, 2014b,

p. 21) propõe que para a demarcação do nascituro de uma teoria dialógica ou uma análise

dialógica, só foi (e continua sendo) possível após a revisitação dos aspectos nucleares das obras

de Bakhtin e do Círculo, por isso a proposta ser atual, uma vez que muitos desses materiais

(textos, artigos, ensaios, capítulos de livros, obras compiladas, por exemplo) só está sendo

possível o acesso de forma bem mais recente21.

Assim, após o avanço nos estudos sobre o grupo e as concepções bakhtinianas, muito

tem se (re)descoberto sobre as autorias dos escritos, bem como as publicações de traduções dos

originais russos com seus textos emolduradores, os quais guiam nossas leituras e interpretações

sobre os escritos nem sempre transparentes ou de fácil compreensão (BRAIT; GRILLO, 2020;

PAULA, 2020)22.

20 Para maiores informações acessar o lattes da estudiosa: http://lattes.cnpq.br/7028238588180059 21 Sinalizamos que as primeiras obras que chegaram ao Brasil por volta de 1980 eram, por muitas vezes, traduções

não do texto original (russo), mas de publicações das versões em espanhol, em inglês, em italiano e em francês. 22 Destacamos que as obras do Círculo chegaram ao grande público não de uma forma cronológica e nem de

maneira coesa em seus escritos. Os tradutores podem ter tencionado os conceitos a direcionamentos outros do que

originalmente se pensava, justamente por não possuírem, em sua maioria, uma leitura do conjunto, do todo, das

proposições bakhtinianas, sobretudo nos primeiros contatos com os materiais, isso ainda entre as décadas de 1970

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50

De igual modo, para Brait, propor a existência de uma teoria ou uma análise dialógica

nos escritos do Círculo também foi preciso refazer o percurso de pensamento, iluminando os

conceitos basilares que norteiam a proposta, associando a vozes, aos interlocutores presentes

nesses materiais. Ou seja, revisitar os autores e o arcabouço que Bakhtin e o Círculo buscaram

para construir a própria proposta do grupo. Como consequência, reviver essas sendas trouxe

ecos nos estudos da linguagem, nos estudos da enunciação, nos estudos do discurso, que até

então estavam especialmente centralizadas na Linguística e na Teoria Literária, entrelaçando

assim a proposição macro do pensamento bakhtiniano numa perspectiva transdisciplinar ao

conceber o fenômeno, o objeto e o contexto da linguagem para as Ciências Humanas e Sociais

como um todo.

Portanto, a ADD, como uma “teoria dialógica do discurso”, trata de compreender “[...]

a indissolúvel relação existente entre língua, linguagens, história e sujeitos. [...]” (BRAIT, 2015,

p. 84) convidando seus pesquisadores a entenderem os estudos da linguagem como espaços de

produção de conhecimento de forma engajada, responsável e ética, conforme os

direcionamentos próprios dos postulados bakhtinianos ao propor uma reponsabilidade ativa

sobre o projeto de dizer (PAULA, 2013, p. 250). Brait (2015, p. 84) complementa que é:

[...] Essa condição substantiva, presente nos estudos denominados bakhtinianos, que

contam com a reflexão dos demais pensadores que compõem o Círculo, exige que os

estudos da linguagem se ofereçam como lugares de produção de conhecimento

comprometido e responsável. A concepção de linguagem, de construção e produção

de sentidos está necessariamente apoiada nas relações discursivas empreendidas por

sujeitos historicamente situados, o que significa dizer que os estudos da linguagem

são concebidos como formulações em que o conhecimento é produzido e recebido em

contextos históricos e culturais específicos, os quais exigem do pesquisador,

necessariamente, uma ética que tem na linguagem, e em suas implicações nas

atividades humanas, seu objetivo primeiro. (grifos da autora e negritos nossos).

Em outras palavras, a autora sinaliza o nosso compromisso em fazer pesquisa ao

observamos, escutarmos e captarmos as relações dialógicas presentes nos enunciados. Desta

maneira, podemos cotejá-los com outros textos, outras abordagens, outros discursos e partir

para uma compreensão do todo, do objeto concreto em situações contextuais específicas, nos

quais posicionamentos axiológicos e valorativos se encontram implicados.

a 1990, por exemplo. Segundo Paula (2020), trata-se de um contato conta-a-gota dos originais, levando a

interpretações reducionistas sobre o pensamento do Círculo, para isso a autora sugere a divisão de três grandes

momentos do contato com esses materiais: o primeiro entre os anos de 1970 a 1990, como traduções de traduções

e acesso a pequenos fragmentos; o segundo entre os anos 2000 a 2010, cujo acesso é definido pela abertura dos

arquivos, começo das traduções diretas e a constituição da ADD; e, o terceiro e atual momento, após o ano de

2010, o acesso a traduções diretas e com comentários críticos, uma consolidação de uma voz brasileira bakhitniana

e associação com estudos contemporâneos.

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51

Reforçamos, assim, a proposição de “relações dialógicas” ou “relações discursivas”,

conforme destacado no trecho anteriormente, como objeto da metalinguística proposta por

Bakhtin e que ampara a ADD ao defender “[...] caminhos teóricos, metodológicos e analíticos

para desvendar a articulação constitutiva do que há de interno/externo na linguagem. [...]”

(BRAIT, 2012, p. 23). Sob esta ótica, a ADD parte do pressuposto, segundo Bakhtin (2018, p.

209), que “[...] Essas relações se situam no campo do discurso, pois este é por natureza dialógico

e, por isto, tais relações devem ser estudadas pela metalinguística, que ultrapassa os limites da

linguística e possui objeto autônomo e metas próprias”.

Logo, assim como exposto na seção anterior, os moldes do estudo da linguagem não

devem valer somente do aparato linguístico ou gramatical do sistema da língua, mas precisamos

compreender o enunciado em sua completude: contexto/exterioridade aliado ao interno, ao

objeto da enunciação. Lembramos que o extralinguístico ou situação extraverbal não incide

sobre o enunciado com uma força automática, “mecânica”, mas a “[...] situação integra o

enunciado como uma parte necessária da sua composição semântica. [...]” (VOLÓCHINOV,

2019, p. 120), sendo possível compreendê-la sob duas óticas: uma sob o viés do

verbalizado/realizado e a outra sobre o subentendido, mas de um horizonte social partilhado

entre os interlocutores.

Sucintamente, esse embrião do pensamento bakhtiniano enfatiza como devemos

conceber a linguagem ao não tomar um ponto de vista interno ou externo como um em

detrimento do outro, mas na construção do dialógico, na integração dos dois polos. A título de

maior entendimento, é importante enfatizarmos que ao propor como base que todo enunciado

é dialógico, o Círculo de Bakhtin cria relações inúmeras com outros pontos valiosos para o

projeto de estudos da linguagem. Dessa forma, pautados em Brait (2014b), é importante

refletirmos que:

a) Há conceitos que são próximos, mas não sinônimos, não são “intercambiáveis”, tais

como: alteridade, dialogismo, polifonia ao se associar à heterogeneidade, interdiscursividade e

intertextualidade, respectivamente. E que, a depender da filiação teórica, podem ganhar outras

conotações. Um exemplo é o termo heterogeneidade, que possui outra leitura segundo a

abordagem de Authier-Revuz.

b) Há formas e graus da dimensão dialógica da linguagem, que, a depender da filiação

teórica, houve outros desdobramentos em trabalhos da área da argumentação, persuasão, por

exemplo, ao interligar o pensamento bakhtiniano sobre perspectiva enunciativa, explicitação e

posicionamento das vozes.

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c) E há a reflexão da interação como relacionada à enunciação, “[...] às formas de produção

e de circulação dos textos e discursos [...] ” (BRAIT, 2014b, p. 29).

Evidenciamos que conceitos formulados como interdiscurso, intertextos,

interdiscursivo, interdiscursividade e, até mesmo intertextualidade, não são encontrados nas

obras do Círculo. Citando caso análogo, Júlia Kristeva, na década de 1970, após ler e construir

apresentação da obra Problemas da poética de Dostoiévski (PPD), iniciou um percurso intenso

sobre o que denominou intertextualidade, partindo das ideias de Bakhtin.

Para a autora, a princípio, um texto se configura como um mosaico de outros textos:

assim o discurso, sinônimo de texto para a estudiosa, revela um entrecruzamento de outros

discursos, de outros textos (FIORIN, 2014). Contudo, frisamos que o conceito de

intertextualidade não é proposto pelo pensamento bakhtiniano e ainda, que para o Círculo de

Bakhtin, texto e discurso são proposições distintas.

Segundo Fiorin (2014), problemas de tradução colaboraram para a ocorrência de

equívocos sobre a real finalidade do pensamento bakhtiniano ao refletir, por exemplo, sobre as

RD e sobre seu caráter extralinguístico somado a uma base lógica e concreta como a

materialidade linguística textual. Bezerra (2018) realça ainda que a adaptação feita por

estudiosos ao contexto acadêmico e científico de seu país pode também direcionar a

interpretações errôneas, como no caso de Kristeva que afirmou usar Bakhtin sob a égide de uma

perspectiva estruturalista e psicanalista. Ratificamos que não temos a pretensão de debater o

que há de “erro” ou não nas abordagens, nas epistemes, mas precisamos sinalizar que

independentemente dos caminhos, a obra do círculo “influenciou” outras propostas e que essas

possuíram desdobramentos na área da análise do discurso diferente da então proposta

direcionada pela ADD.

Outro caso de forte influência a seguir os postulados Bakhtinianos especialmente sobre

as formas do discurso citado, enfatizando a heterogeneidade dos enunciados como constitutiva

dos discursos, marcados, sobretudo, pelo princípio da alteridade é a proposta de Authier-Revuz

(1999, 2011). A pesquisadora alia Bakhtin a Lacan a fim de aprofundar essa perspectiva e assim

trazer a distinção entre heterogeneidade mostrada (marcada ou não marcada) e heterogeneidade

constitutiva, por exemplo. Reforçamos, como nos recorda Brait, que se tratam de propostas, de

(re)leituras da proposição inicial dos textos de Bakhtin e do Círculo, nos quais podem se

aproximar aos conceitos expostos pela ADD, mas que não são iguais e que ganham outras

conotações e sentidos ao se aproximarem de uma análise do discurso de linha francesa, por

exemplo.

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Diante desta realidade, fortalecemos que para o entendimento de uma análise do

discurso ancorada especialmente na ADD faz-nos necessário partir de algumas definições

norteadoras, tais como: o enunciado não é o mesmo que frase, mas é a unidade de análise da

ADD; os enunciados são usados por sujeitos/locutores no processo da interação, sendo o

alicerce das relações dialógicas. Ao utilizarem os enunciados, os locutores o fazem recorrendo

a signos, que, por sua vez, são sempre ideológicos; e, por fim, nessa interação ao usarem de

signos nos enunciados, utilizam segundo os gêneros do discurso (SOBRAL; GIACOMELLI,

2016). Além desses pontos, destacamos que o contexto e a carga histórica existente perpassando

a situação da produção do enunciado, de igual modo, deve ser considerada. Já Brait (2015) diz

que, e coadunamos com seu parecer, é preciso sinalizarmos alguns aspectos que delimitam a

episteme da ADD segundo essa perspectiva, pois é na base do Círculo que se sustenta o aporte

metodológico (ver figura 1).

Figura 1 – ADD: principais características.

Fonte: Adaptado de Brait (2015, p. 85).

Ao propor um estudo metalinguístico da linguagem que rompe com o foco

sensivelmente no linguístico, apesar de se apoiar nele em uma de suas faces, a dimensão

extralinguística, contextual, social e histórica dos sujeitos de linguagem é potencializada pela

possibilidade dialógica entre teoria e método. E, na ADD entendemos que é necessário “[...]

reconhecer que hoje se está diante de um conhecimento mais aprofundado deste pensamento

1. Um enunciado ou um conjunto de enunciados se define pela multiplicidade

de discursos que o constituem. Por sua vez, esses se alteram ou até mesmo subvertem suas

relações devido à esfera de circulação;

2. As RD são o escopo da metalinguística. Ou seja, são tidos como objeto de

uma disciplina interdisciplinar e se trata do

gérmen da ADD;

3. O pressuposto teórico-metodológico da ADD entende que as RD são

configuradas por meio de um ponto de vista;

4. As RD nunca estão prontas ou acabadas em um

determinado objeto de pesquisa, mas são

construídas sempre por um ponto de vista;

5. É preciso conceber sempre o papel das

linguagens e dos sujeitos na produção, na construção e na recepção dos sentidos;

6. O gênero é entendido como assinatura de um

sujeito, quer seja individual ou coletivo, mas que estimula discursos históricos, sociais e

culturais para constitui-lo e constituir-se.

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[bakhtiniano] que, nascido no âmbito da filosofia da linguagem, funda-se numa ética e numa

estética que não podem ser reduzidas a categorias fechadas, prontas para serem aplicadas [...] ”

(BRAIT, 2006, p. 48).

Em tal caso, a Figura 1, adaptada de Brait (2015), sinaliza ainda outras características

essenciais nos quais os trabalhos, as investigações que pretendem se apoiar na ADD como

aporte teórico-metodológico devem considerar, tais como:

1. Não existe um único discurso presente em um gênero discursivo, mas sim um

compilado, um emaranhado de vozes, de relações dialógicas, no qual o contexto de

circulação e de produção em sua esfera de atividade humana possui uma força

verboideológica que guia, influencia ou altera o objeto final que é a própria

materialidade textual, o próprio texto ou o conjunto dele;

2. As RD são o gérmen, o norte de estudo da ADD, pois ao reconhecer uma reflexão

integrada sobre o enunciado e seu âmago dialógico, é possível recuperar pontos

como: referencialidade, expressividade e endereçabilidade, bem como a

exauribilidade do objeto e do sentido construído sócio-historicamente, o projeto de

discurso e o acabamento do gênero (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016);

3. O enfoque dado pelo pesquisador tem a presença implicada de sua responsabilidade

no vir a ser no mundo e todos os efeitos ali possíveis;

4. As RD não são categorias a priori e nunca podem ser vistas como fechadas em si

mesmas, cada contexto, cada novo olhar de um dado pesquisador, outras pontes e

outras leituras são possíveis;

5. O contexto e os sujeitos com sua carga histórica devem ser considerados para uma

abordagem holística que busque recuperar os sentidos construídos; e,

6. A noção de texto é tensionada como a assinatura de uma singularidade de um “eu”

no mundo, mesmo que se trate de um texto coletivo, pois são evocados discursos

que constituem os próprios sujeitos nessa singularidade em um dado tempo e espaço.

Portanto, sendo o sujeito histórico e social, aliado à noção da linguagem como

constitutiva desse sujeito, do seu projeto de dizer e de agir, é que a ADD demarca

seu espaço como aparato teórico e metodológico.

Em outras palavras, compreendemos que o viés teórico da ADD se ancora nas acepções

do Círculo de Bakhtin, no pensamento bakhtiniano, e para isso, recorre dos vestígios

apresentados pelo grupo ao se pensar no aspecto metodológico de igual maneira.

Consequentemente, Brait (2006, 2012, 2014b, 2015) nos convida a rever obras como MFL e

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PPD, pois, mesmo aparentemente, estas se distanciando para áreas distintas (a primeira

relacionada à filosofia da linguagem e a segunda destinada a um público da literatura, de início),

sabemos que é no todo que as obras se complementam. No caso, “[...] esses trabalhos sinalizam

uma possibilidade dialógica de teoria e método, dimensão que, sem estar formalizada num

único texto ou numa única obra, pode ser apreendida e reorganizada, hoje, em diferentes

campos de construção do conhecimento.” (BRAIT, 2006, p. 49).

Assim, o direcionamento existente, tanto em MFL como em PPD, faz-se presente em

uma ordenação metodológica para estudo da língua, seguindo a perspectiva da metalinguística.

A proposição seria repensarmos as aproximações e os distanciamentos dados entre a linguística

e o constructo apresentado para a metalinguística, sobretudo, ao pensarmos o fenômeno como

complexo, multifacetado e ao manejarmos o discurso é desviado o foco dado até então ao objeto

estritamente linguístico para contemplarmos as relações dialógicas no enunciado. Diante dessa

reflexão, retomamos Volóchinov que enfatiza as RD, lembrando que:

[...] A língua vive e se forma no plano histórico justamente aqui, na comunicação

discursiva concreta, e não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem

no psiquismo individual dos falantes.

Disso decorre que a ordem metodologicamente fundamentada para o estudo da língua

deve ser o seguinte: 1) formas e os tipos de interação discursiva em sua relação com

as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em

relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos

verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3)

partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual.

(VOLOCHÍNOV, 2018, p. 220 – grifos do autor).

Seguindo esta linha de pensamento, a construção metodológica em torno da linguagem

sustenta nessas três etapas em um olhar mais amplo sobre o objeto de estudo, o discurso, as

relações ali postas, bem como para o fator extralinguístico presente no discurso. Uma vez que

segundo um viés metodológico é preciso recuperarmos as condições concretas de realizações

de textos reais, situações reais, verificando como “[...] o discurso verbal impresso participa de

uma espécie de discussão ideológica em grande escala: responde, refuta ou confirma algo,

antecipa respostas e críticas possíveis, busca apoio e assim por diante.”23 (VOLÓCHINOV,

2018, p. 219), e, por fim, analisarmos como as formas da língua se moldam nos enunciados.

Em relação ao trabalho metodológico da ADD, Brait (2014b) salienta que ao trabalhar

com textos, com discursos, associando a outras disciplinas do saber (em especial, das Ciências

Humanas) e criando esse espaço para a metalinguística, há:

23 Acrescentaríamos outras formas variadas de comunicação, como textos multimodais, textos orais, textos verbo-

visuais, por exemplo.

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[...] a possibilidade de esmiuçar campos semânticos, descrever e analisar micro e

macro-organizações sintáticas, reconhecer, recuperar e interpretar marcas e

articulações enunciativas que caracterizam o(s) discurso(s) e indicam sua

heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados. E mais ainda:

ultrapassando a necessária análise dessa ‘materialidade linguística’, reconhecer o

gênero a que pertencem os textos e os gêneros que nele se articulam, descobrir a

tradição das atividades em que esses discursos se inserem e, a partir desse diálogo

com o objeto de análise, chegar ao inusitado de sua forma de ser discursivamente, à

sua maneira de participar ativamente de esferas de produção, circulação e recepção,

encontrando sua identidade nas relações dialógicas estabelecidas com outros

discursos, com outros sujeitos. (BRAIT, 2014b, p. 13 – 14).

Diante deste cenário, a ADD enaltece os postulados bakhtinianos ao aclará-los como

uma proposta viável em unificar teoria e método. Para o pesquisador, a compreensão deve ser

que, além das materialidades expostas pelo já-dito, é possível captar a historicidade dos

processos enunciativos, as relações ali implicadas, o inacabamento do sujeito que se constitui

na interação com o seu interlocutor, bem como vislumbrar os elos com o devir. Para Brait

(2014b), a ADD não é aplicação de conceitos já pré-estabelecidos, mas uma forma de

compreender e “[...] deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido, a partir de

vista dialógico, num embate.” (BRAIT, 2014b, p. 24).

Assim sendo, outras publicações, por intermédio dos debatedores/dos comentadores das

obras, e investigações científicas que usam a ADD como pano de fundo (artigos, dissertações,

teses) começam a fortalecer a produtividade no cenário brasileiro (BRAIT, 2012, 2014a, 2014b;

SANCHES, 2009; SOBRAL, 2009; FUZA, 2015; BESSA, 2016, entre outros). Nossa tese se

ancora nos pressupostos teóricos-metodológicos da ADD e visa a colaborar com as

investigações da área, pois ao pensarmos em nosso corpus, nossa proposta de pesquisa, e, ao

associarmos o enunciado a práticas de letramentos vivenciadas por sujeitos de um dado campo

de atividade, de uma dada esfera discursiva, por meio de uma determinada comunidade de

prática, elos nos são indiciados sobre as relações existentes nos já-ditos, as vozes que

entrecortam o projeto enunciativo dos sujeitos estudantes-estagiários e que os constituem

enquanto grupo.

Dito isto, propomos no próximo tópico aprofundar os conceitos exatamente seguindo a

trilha dos conceitos avultados pelo círculo segundo os moldes da ADD. Buscamos explorar

como alguns deles se emaranham na teia de constituição do enunciado, do ser dialógico, das

relações dialógicas na cadeia enunciativa de sujeitos históricos e sociais, por exemplo.

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2.2 ENTRE AS VEGETAÇÕES EXISTENTES E A NATUREZA CONSTITUTIVA:

A DIALOGICIDADE DO ENUNCIADO

Convém destacarmos, a princípio, que o constructo proposto pelo Círculo de Bakhtin se

norteia sobretudo pela natureza dialógica da linguagem, do enunciado como materialidade

concreta, histórica e social: o homem, sujeito do discurso, participa ativamente do diálogo da

vida, uma vez que este sujeito questiona, escuta, contesta, refuta e, inevitavelmente, implica-se

na palavra. Essa palavra, esse signo ideológico, por sua vez, segundo Bakhtin (2018, p. 329),

“[...] entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal”, pois é na comunicação,

na interação posta entre sujeitos, que o homem se revela para si e para os outros.

Neste ínterim, retomamos que não se trata de pensarmos o diálogo como o contato entre

duas ou mais pessoas por meio de uma conversa, em uma espécie de troca de turnos de falas ou

ainda de pensar um diálogo remoto por meio de uma narrativa textual, conforme expusemos

em seção anterior desta tese. Porém, a essência reside em refletirmos que a linguagem não está

solta em um vazio, ela é preenchida pelo contexto social, histórico, cultural e, especialmente,

ideológico de uma dada situação concreta, no momento da enunciação (BAKHTIN, 2018;

VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2019; MEDVIÉDEV, 2016). Neste momento, encontramos,

de igual modo, implicado o posicionamento axiológico dos sujeitos da enunciação, o horizonte

social partilhado entre os interlocutores, o conhecimento e a compreensão daquela situação por

seus integrantes (reais ou presumidos). Assim como nos diz Medviédev (2016, p. 185):

No enunciado, cada elemento da língua tomado como material obedece às exigências

da avaliação social. Apenas aquele elemento da língua que é capaz de satisfazer suas

exigências pode entrar no enunciado. A palavra torna-se um material do enunciado

apenas como expressão da avaliação social. Por isso, a palavra entra no enunciado não

a partir do dicionário, mas a partir da vida, passando de um enunciado a outros. A

palavra passa de uma totalidade para outra sem esquecer o seu caminho. Ela entra no

enunciado como uma palavra da comunicação, saturada de tarefas concretas dessa

comunicação: históricas e imediatas.

Diante desta afirmação, compreendemos que os enunciados valoram sempre algo: não

se materializam somente pelos seus aspectos linguísticos, mas por envolver muitos aspectos

nos subtendidos dessa materialidade é, singularmente, no contexto que esses se apoiam para

que seja efetivado o seu real sentido24. Além disso, Medviédev sinaliza que nenhuma palavra

seria essencialmente nova ou neutra, apesar da palavra recuperar os diversos significados que

24 Para Medviédev (2016, p. 191): “[...] A avaliação social organiza tanto a própria visão e compreensão do

acontecimento transmitido – pois só vemos e compreendemos aquilo que, de uma maneira ou outra, toca-nos,

interessa-nos – quanto as formas de sua transmissão: a disposição do material, as digressões, os retornos ao

passado, as repetições etc., tudo isso é atravessado pela mesma lógica da avaliação social.”.

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lhe foi possível acumular ao longo do tempo na sua existência básica: esta palavra somente

adquire sentido, como ato enunciativo, quando passa a ser produto do contexto histórico e social

que revela um sentido específico em um dado momento.

Em relação à avaliação social, Volóchinov (2019, p. 117) defende que, em conjunto com

a palavra, esta intersecciona e reflete a própria situação extraverbal do enunciado, pois as

opiniões e o tom valorativo presentes acabam por se fundir e tornarem a palavra como uma

unidade indivisível do próprio enunciado. Sob esse prisma, pontos como referencialidade,

expressividade e endereçabilidade devem ser compreendidas como constituintes do enunciado.

Tais características demarcam como o enunciado nos ancora ao objeto, a concretude de algo, a

referência do ser no mundo (referencialidade); como valoramos, avaliamos socialmente esse

objeto, essa referência (expressividade); e, como nos dirigimos sempre a alguém

(endereçabilidade), quer seja de fato um interlocutor real, presente no momento da enunciação,

quer seja um interlocutor pensado, direcionado como um público ou um auditório não presente

no ato enunciativo, ou ainda, quer seja o interlocutor, cujo endereçamento seja a si mesmo –

(BAKHTIN, 2015; VOLÓCHINOV, 2019; SOBRAL; GIACOMELLI, 2016; ALVES, 2019).

Por isso, se pensarmos ainda no todo orgânico do enunciado, partindo da noção de que

todo o enunciado possui uma natureza dialógica que direciona sempre para uma atitude

responsiva por parte do interlocutor e assim temos a sua potência de resposta, devemos

considerar que existem três elementos primordiais, tais como: a exauribilidade semântico-

objetal; o projeto de discurso ou vontade de discurso por parte do sujeito discursivo; e, as formas

típicas composicionais e de acabamento do gênero (BAKHTIN, 2016a).

O primeiro destes elementos se relaciona a uma possível conclusibilidade do enunciado,

pois o objeto é inexaurível em si, porém ao ganhar sentido, ao se tornar tema, ele possui um

certo grau de conclusibilidade por parte do autor, do locutor, do sujeito de discurso.

Inevitavelmente, a exauribilidade relacionada ao objeto e ao sentido se encontra interligada ao

projeto discursivo do locutor, a sua intenção discursiva. Bakhtin enfatiza que com esta intenção

é que podemos comensurar a própria conclusibilidade do objeto, uma vez que: “[...] Essa

intenção determina tanto a própria escolha do objeto (em certas condições de comunicação

discursiva, a relação necessária com os enunciados antecedentes), quanto os seus limites e a sua

exauribilidade semântico-objetal. [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 37). Por outro lado, relacionada

aos dois elementos anteriores, a vontade discursiva só se efetiva nos próprios enunciados ou

mais precisamente nos gêneros do discurso. Desse modo, esse projeto de dizer se adequa a

forma, a estrutura composicional, demarcando o tema e o estilo a ser utilizado em um

determinado gênero.

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Neste delineamento de proposta, a natureza constitutiva dialógica do enunciado

possibilita estabelecer e incorporar as relações existentes entre o “eu” e o “outro” nos processos

discursivos, vislumbrando também como essas relações são capazes de fundar a constituição

do próprio sujeito sócio-historicamente situado (BRAIT, 2005, p. 95). Segundo Brait (2012c),

uma das possibilidades de investigação que o pensamento do círculo propõe é aprofundar essa

alteridade constitutiva presente nas RD.

Assim, Bakhtin reforça que não há como refletir em um ângulo dialógico sob o prisma

da linguística pura, justamente porque as RD são do campo do discurso. A linguística

compreende as formas composicionais do discurso com suas: “[...] particularidades sintáticas

léxico-semânticas. Mas ela as estuda enquanto fenômeno puramente linguístico, ou seja, no

plano da língua, e não pode abordar, em hipótese alguma, a especificidade das relações

dialógicas entre as réplicas [...]” (BAKHTIN, 2018, p. 209).

Em outras palavras, observar o enunciado como diálogo, é observá-lo por meio das RD,

no qual o contexto extraverbal do enunciado reforça sua característica (VOLÓCHINOV, 2019).

Porém, ratificamos que não são esquecidos os elementos linguísticos – apenas na proposta do

Círculo de Bakhtin, o foco não deve centrar-se unicamente nesse eixo.

Em suma, os enunciados devem ser entendidos como unidades reais da comunicação.

Isto é, não devemos confundi-los com elementos repetíveis, reiteráveis da comunicação. Para

exemplificar, Bakhtin em PPD traz as seguintes passagens: “A vida é boa” e “A vida não é

boa”. O autor nos lembra que pela forma lógica um juízo nega o outro, mas pela relação

concreto-semântica esses dois juízos não discutem entre si. Logo, para que se tornem discurso

e, consequentemente, RD: “[...] Esses dois juízos devem materializar-se para que possa surgir

relação dialógica entre eles ou tratamento dialógico deles [...]” (BAKHTIN, 2018, p. 210).

Não diferentemente, Bakhtin traz outro modelo para reflexão com: “A vida é boa” e “A

vida é boa”. Conforme observamos, são dois juízos iguais em seu interior, por meio de

elementos reiteráveis da comunicação, referindo-se a um único juízo que está materializado por

duas vezes teoricamente iguais. Ou seja, as expressões não se tornam enunciados e não

expressam o dialogismo, caso não haja realização concreta, materialidade, pois se encontram

no mundo das abstrações. Somente se fossem proferidas por sujeitos do discurso, em um dado

tempo e espaço, aí sim teríamos as RD, o dialogismo constituído.

A título de exemplificação, vejamos a expressão “Me deixe!” enunciada por um dado

sujeito. Analisada de forma isolada, a sentença é considerada como vazia de qualquer sentido,

mesmo que recuperemos a entoação expressiva utilizada, poderíamos resgatar em parte o “vazio

semântico” da expressão, mas ainda assim não conseguiríamos recobrar o sentido e o

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60

significado posto em uma dada situação (VOLÓCHINOV, 2019; BAKHTIN, 2016a). A

depender da situação extraverbal, a expressão pode ser interpretada com uma resposta a uma

situação de raiva, na qual o sujeito solicita o afastamento da outra pessoa; pode ainda ser uma

ordem, quer seja para uma separação entre parceiros/amantes visando ao distanciamento, quer

seja para entrega de algum produto; e pode ainda ter uma tonalidade de tom jocoso, para que se

pare de brincar sobre algum assunto, dentre inúmeros outros sentidos possíveis.

Diante disto, entendemos que o enunciado necessita da parte verbalizada, mas se apoia

também no material extralinguístico para recuperar os subtendidos. Assim, as RD nos

enunciados só se mostram em dadas situações e numa cadeia de textos de um dado campo. Para

Bakhtin (2016a, p. 62), “[...] o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não

pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro,

gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas.”

Portanto, é justamente nas relações de sentidos criadas entre no mínimo dois enunciados

que se constitui o pilar dialógico. Na entrecostura dos conceitos, o ponto de partida é que todo

enunciado é dialógico por natureza e que sempre se ouvem nele pelo menos duas vozes, uma

delas expõe o autor e sua posição responsiva, sempre dirigida ao outro, a um interlocutor, a um

terceiro (ALVES, SOUZA, 2013; FUZA, 2015) e outra que recorre a um já-dito. Deste modo,

o Círculo de Bakhtin nos embasa a criarmos pontes com o nosso objetivo, uma vez que

esperamos visualizar as RD na sua dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio de

discentes de EMI que constituem o seu próprio discurso enquanto grupo, enquanto

comunidades de prática, de áreas de formações distintas.

Logo, Bakhtin (2016d) traz ainda as seguintes reflexões que são pertinentes para nosso

ponto de vista ao pensarmos sobre o manejo das vozes, dessas RD:

[...] Que formas de relação com o ouvinte-leitor-interlocutor e com o discurso do outro

existem no enunciado? Como classificá-las?

Cabe, antes de tudo, enfocar <...> o seguinte fenômeno. O interlocutor-ouvinte-leitor

é a segunda pessoa a quem o enunciado está dirigido, endereçado, a quem eu respondo

ou cuja resposta antecipo. Mas uma terceira pessoa, cujo enunciado menciono, pessoa

essa que eu cito, com quem polemizo e concordo, também se torna segunda pessoa

uma vez que entro em relações dialógicas com ela, ou seja, torna-se sujeito de uma

relação dialógica. O falante e seu discurso não podem ser simplesmente um objeto de

discurso, visto que me refiro a eles e para mim eles se tornam um parceiro dialógico.

Ademais, o ouvinte e o discurso do outro podem ter uma forma coletiva,

generalizadora [...] (BAKHTIN, 2016d, p. 136 – 137).

Se lançarmos nosso olhar para o texto, ou melhor, a um gênero, como o relatório de

estágio, enquanto objeto de estudo, compreendemos de igual forma que a natureza da escrita, a

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vida do texto, segundo Bakhtin (2016b, p. 76): “[...] sempre se desenvolve na fronteira de duas

consciências, de dois sujeitos”. Revelando, assim, a potência que o interlocutor possui ao

influenciar nas escolhas linguísticas, composicionais e estilísticas do sujeito, na construção do

projeto de dizer (BESSA, 2018).

Bezerra (2016, p. 165) nos lembra que essas proposições em torno do texto, segundo os

pilares Bakhtinianos, “[...] ao considerar o texto um enunciado voltado para o tripé pergunta-

resposta-pergunta do outro, ele criou de fato uma textologia na qual o texto é enfocado como

um organismo vivo e um diálogo entre os sujeitos que o articulam. [...]”. Em síntese, o próprio

autor/sujeito do discurso no seu processo de construção, de interação com a linguagem, tem a

relação com o texto/produto (objeto de reflexão), inicialmente idealizado, bem como com o

autor que direciona questionamentos pensando no seu interlocutor presumido/receptor e que

afeta diretamente naquele texto/produto em sua real confecção. Assim, “[...] É um encontro de

dois textos – do texto pronto e do texto a ser criado, que reage; consequentemente, é o encontro

de dois sujeitos, de dois autores.” (BAKHTIN, 2016b, p. 76), cujo olhar direciona a um terceiro,

ao interlocutor, ao outro.

Seguindo esta linha de pensamento, as formas do discurso tomadas como palavras

minhas, as formas como manejo a palavra outra em meu discurso também ganham vulto em

nossa tese. Como debatemos, o enunciado como um projeto discursivo sempre objetiva uma

reação-resposta ativa (responsividade) por parte do interlocutor, quer seja por meio de uma

reação instantânea ou não, quer seja por meio de uma resposta verbal ou não, exteriorizando ou

internalizando esse efeito; quiçá ainda tendo um efeito mais tardio.

Segundo Volóchinov (2019), o ouvinte ou o interlocutor nunca pode ser reduzido ao

próprio autor nesse processo, mas demarca um lugar insubstituível no acabamento do todo

enunciativo, uma vez que sua posição orienta o próprio estilo do enunciado. Por isso, Bakhtin

destaca que os interlocutores são considerados os parceiros do diálogo (2016a, p. 29), pois se

refletirmos “Há influência do ouvinte-interlocutor no discurso. No diálogo atua um ouvinte real,

cujas réplicas são dadas e determinam as réplicas-respostas.” (BAKHTIN, 2016d, p. 133). O

filósofo ainda destaca que:

[...] Todo enunciado tem sempre um destinatário (de índole variada, graus variados de

proximidade, de concretude, de compreensibilidade etc.), cuja compreensão

responsiva o autor da obra discursiva procura e antecipa. Ele é o segundo (mais uma

vez não em sentido aritmético). Contudo, além desse destinatário (segundo), o autor

do enunciado propõe, com maior ou menor consciência, um supradestinatário superior

(o terceiro), cuja compreensão responsiva, absolutamente justa ele pressupõe que na

distância metafísica, quer no distante tempo histórico. ‘Um destinatário como

escapatória’. Em diferentes épocas e sob diferentes concepções de mundo, esse

Page 63: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

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supradestinatário e sua compreensão responsiva idealmente verdadeira ganha

diferente expressões ideológicas concretas (Deus, a verdade absoluta, o julgamento

da consciência humana imparcial, o povo, o julgamento da história etc.) [...]

(BAKHTIN, 2016b, p. 104).

Nesta relação do endereçamento do dizer implicado, direcionado a um interlocutor, o

papel do outro na materialidade discursiva demarca o enunciado do sujeito locutor de tal forma

que aquele se reflete de forma obrigatória no próprio enunciado deste. Logo, o campo

aperceptivo considera sempre o papel do outro no discurso: Bakhtin evidencia que a pessoa

com quem o sujeito do discurso responde e antecipa a resposta pode ser considerado o

“interlocutor-ouvinte-leitor” real, do momento da enunciação; pode ser a pessoa de quem se

menciona, cita, polemiza, concorda, e, mesmo sendo terceira pessoa, essa se torna uma segunda

pois o sujeito/locutor entra em RD com ela; ademais, este outro no fio dialógico pode ser um

grupo, uma entidade, uma coletividade, por exemplo.

Nestes dois últimos casos, estamos diante do auditório social que é socialmente

determinado pelo contexto, por uma atmosfera, onde se interligam julgamentos, críticas,

apreços, considerações no projeto de dizer para um dado interlocutor presumido. Ao passo que

o conceito de supradestinatário traz o outro como um conjunto de valores impregnados

socialmente, demarcando “expressões ideológicas concretas”. Frisamos que, segundo Bakhtin,

todo diálogo parte de uma compreensão responsiva do outro presente ou ausente, mas como

parte integrante e constitutiva do enunciado, a palavra precisa ser escutada.

Em nosso caso, temos a hipótese de que o sujeito discente de EMI orienta seu discurso,

sua produção escrita, exposta por meio do gênero relatório de estágio, tendo como prováveis

interlocutores: o supervisor, o orientador de estágio, o avaliador do relatório, os colegas de

turma, por exemplo. Pontuamos que este outro sujeito presente no fio discursivo, no projeto

enunciativo pode ser a própria instituição, visto que a mesma se faz presente também diante

daqueles interlocutores por intermédio de seus documentos norteadores, atravessando, por meio

de suas forças centrípetas o dizer ou a estrutura da forma composicional desse dizer, refletindo

assim em outras questões, tais como o próprio estilo, por exemplo.

Conforme defendemos, os enunciados são tomados como dialógicos em nosso ponto de

partida, sendo possível vislumbrar essa alteridade constitutiva (BRAIT, 2012c), de acordo com

a evocação de Bakhtin (2018, p. 225): “[...] A maneira individual pela qual o homem constrói

seu discurso é determinada consideravelmente pela sua capacidade inata de sentir a palavra do

outro e os meios de reagir diante dela.”. Na próxima subseção, buscamos compreender estas

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63

RD ao criarmos pontes com outras abordagens, de modo a aprofundarmos o olhar teórico sobre

as dimensões interdiscursivas relacionadas ao já-dito.

2.2.1 A diversidade da composição: Relações dialógicas e as dimensões

interdiscursivas

Em nossa reflexão respaldada pelas proposições do Círculo de Bakhtin, intentamos

costurar as linhas que demostram a complexidade dos conceitos, enfatizando que é no conjunto

destes que, como pesquisadores, entendemos a própria linguagem. Observamos, desta maneira,

a maestria posta por tais pensadores na busca pela compreensão dos fenômenos da linguagem

segundo um viés essencialmente dialógico, cujas RD revelam “o outro discursivo, ideológico e

interacional” presentes nos enunciados (BRAIT, 2012c, 2014b). Assim, destacamos que nas

RD, a perspectiva que se ampara é uma teoria da enunciação, nos quais pontos como sentido,

sua construção e as possibilidades de efeitos desse sentido são vislumbrados por meio das

formas de presença do interlocutor por meio do fio discursivo (BRAIT, 2014b, p. 23).

Mas como recuperar essas relações dialógicas existentes por meio da materialidade

discursiva? Como resgatar a voz do outro no fio discursivo? Como retomar a dimensão com o

já-dito presente no enunciado? Defendemos ser necessário para nossa tese compreendermos as

formas de inserção da palavra do outro ou do discurso “alheio” como discurso próprio, como

palavra minha25, pois, em algum momento essas palavras se libertam e passam ter “minha voz”

(BAKHTIN, 2015). Além disso, precisamos examinar como esse elemento do contexto

extralinguístico, do horizonte social e ideológico partilhado, entre os interlocutores demarca o

seu lugar no discurso.

Sob esta ótica, Volóchinov (2018, p. 246) entende a necessidade de estudarmos e

ampliarmos as investigações sobre a inserção da palavra do outro na palavra minha/palavra

própria, visto que a “excepcional importância” dada ao viés metodológico foi pouco trabalhada

com relação a esses fenômenos. A questão seria entendê-los segundo uma abordagem

sociológica ou metalinguística, conforme expusemos anteriormente.

Diante disto, somos impelidos a construir um diálogo, uma reflexão, um debate mais

aprofundado sobre essas marcas de presença, sobre as formas de transmissão do discurso alheio.

Para tal, recorremos, além das proposições fornecidas pelo próprio Círculo ao investigar o

fenômeno do discurso citado/discurso reportado/discurso alheio/da palavra outra como palavra

25 Enfatizamos, assim como Bessa (2016, p. 192) ao falarmos de palavra “própria”, “minha”, estamos nos

centrando na perspectiva da experiência discursiva do falante/do locutor/do sujeito.

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minha em abordagens enunciativo-discursivas26, o elo capaz de reforçar nosso propósito de

tese, no intuito de construirmos pontes que possam acrescentar nas reflexões sobre as formas

de descrição da presença do outro no fio discursivo e compreender as RD existentes (BRAIT,

2014b; BESSA, 2016).

Brait (2012c, p. 88) exalta que [...] o objetivo é sugerir que um dos eixos do pensamento

bakhtiniano está na busca das formas e dos graus de representação da heterogeneidade

constitutiva do sujeito e da linguagem [...]”. Estamos, portanto, diante de uma perspectiva da

alteridade constitutiva presente no enunciado, no qual o sujeito sempre endereça o seu dizer ao

outro, recuperando os dizeres desse interlocutor, partindo do pressuposto que não há discurso

essencialmente novo. Rodrigues nos lembra que:

Os enunciados já-ditos e os enunciados pré-figurados (reação-resposta antecipada do

outro) ‘determinam’ a construção do enunciado, tornando-o como já-dito, uma

unidade multiplanar, sulcado por esses enunciados. Assim, se os enunciados, pelo seu

papel e lugar, representam unidades concretas e únicas da comunicação discursiva,

por outro, pela sua natureza dialógica (o dialogismo é constitutivo), não podem deixar

de se tocar nessa cadeia, estando vinculado uns aos outros por relações dialógicas, que

são relações de sentido. (RODRIGUES, 2005, p. 160).

Seguindo esta linha de pensamento, reforçamos a necessidade de aprofundarmos os

conceitos em torno dessa alteridade constitutiva e/ou heterogeneidade enunciativa que, por um

lado, parte da noção que o discurso é constituído sempre pelo discurso do outro, do discurso

“alheio”, e que, por outro, sempre recupera o meio do já-dito como produto da língua

(AUTHIER-REVUZ, 2011). Conforme pontua Bessa (2018), a definição destes diálogos e a

construção destas pontes se justificam porque certas dimensões presentes nas RD, tal como as

dimensões interlocutiva e interdiscursiva, são pouco exploradas em estudos que se ancoram em

perspectivas bakhtinianas, especialmente, em contextos específicos, tais como os estudos dos

gêneros que circulam no discurso da esfera científica. Em nosso caso, acrescentaríamos ainda

essa lacuna em estudos que investigam as esferas escolares, acadêmicas e profissionais, por

exemplo.

Em relação às obras do Círculo, observamos que o debate sobre as marcas enunciativas

da presença do outro no discurso se dão especialmente por meio do discurso direto ou indireto,

sendo o discurso indireto livre o mais instigante, visto que “[...] neste caso, há um contexto

26 Para esse estudo utilizaremos como sinônimos os termos discurso reportado, palavra alheia, discurso alheio,

discurso do outro, discurso citado, por exemplo. Sabemos que cada perspectiva teórica ancora seu projeto de dizer

sob a escolha de um desses termos, não temos pretensão de explorar ou remontar qual termos é utilizado por cada

corrente para este projeto de tese, quiçá faremos em estudos posteriores.

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verbal, uma inter-relação entre palavras imediatamente intencionais e entre suas unidades de

base de sentido, as enunciações [...]” (PONZIO, 2019, p. 12). Segundo, Ponzio (2019), não que

nas outras formas de discurso não exista a tonalidade valorativa presente, mas esta tonalidade

se apresenta de forma mais acentuada e nítida sob o aspecto do discurso indireto livre. Por isso

devemos ampliar os estudos, as investigações, as pesquisas sobre esse fenômeno, tomando

como ponto de partida alguns questionamentos, tais como:

[...] Como é percebido o discurso alheio? Como vive o enunciado alheio na

consciência concreta intradiscursiva daquele que percebe? Como o enunciado alheio

é transformado ativamente na consciência do ouvinte? E como o discurso posterior do

próprio ouvinte é orientado em relação ao discurso alheio? (VOLÓCHINOV, 2018,

p. 252).

E ainda, cabe-nos refletir que:

- Podemos encontrar um documento objetivo dessa percepção nas formas de

transmissão do discurso alheio. Esse documento, se soubermos lê-lo, nos fala não

sobre o caráter ocasional e instável dos processos subjetivo-psicológicos que ocorrem

na ‘alma’ daquele que percebe, mas sobre as tendências sociais estáveis da percepção

ativa do discurso alheio que se estratificam nas formas da língua. O mecanismo desse

processo não está na alma individual, mas na sociedade que seleciona e gramaticaliza

(ou seja, insere na estrutura gramatical da língua) apenas os aspectos da percepção

ativa e avaliativa do enunciado alheio que são socialmente pertinentes e constantes e,

por conseguinte, baseiam-se na própria existência econômica de uma sociedade

falante. (VOLÓCHINOV, 2018, p. 52).

Diante destes apontamentos, ao tentarmos provocar os questionamentos apresentados e

as prováveis reflexões posteriores, tomamos o entendimento de Volóchinov (2018) que abre

caminhos para compreendermos que o discurso alheio, discurso reportado ou ainda os discursos

dos outros que tomamos como nossos enunciados, na realidade, tratam do discurso sobre o

discurso, a enunciação sobre outra enunciação. Assim, o discurso reportado que recupera o

dizer do outro de algum modo, também o faz de modo a valorar a palavra do interlocutor

(FARACO, 2009), resgatando, no caso, a estratificação socioaxiológica ou a percepção ativa

intradiscursiva no próprio enunciado, como evidencia Volóchinov (2018).

Mais especificamente, no contexto dos escritos do Círculo, ao buscarmos um aparato

teórico-metodológico para nossas análises sobre a inserção da palavra alheia e suas formas,

encontramos indícios na parte III de MFL, na qual aborda a “Exposição do problema do

‘discurso alheio’”, as formas direta, indireta e indiretamente livre presentes no fio dialógico,

sob um viés de análise da língua russa. Em PPD, também encontramos elos das RD em um

olhar mais detalhado do “discurso do ponto de vista de suas relações com o discurso do outro”

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66

(BRAIT, 2012c, p. 90), especialmente sobre a orientação de um discurso bivocal (estilização,

narração, paródia, polêmica interna velada, confissão, réplica, diálogo velado, entre outros –

BAKHTIN, 2018). Por sua vez, a obra Teoria do Romance I27, traz no capítulo intitulado

“Heterodiscurso no romance” a inserção e a organização das formas composicionais de

múltiplas vozes sociais no romance (discurso do outro em forma dissimulada, discurso difuso

do outro, construção híbrida, construção pseudo-objetiva, discurso bivocal, por exemplo –

BAKHTIN, 2015).

Dentre tais divisões, a proposta presente em MFL é a que apresenta maior reflexão nos

estudos de partida bakhtinianos. Neste caso, Volóchinov e Bakhtin ressaltam que os discursos

direto, indireto e indireto livre são apenas formas/padrões de transmissão do discurso

reportado/alheio presentes na língua, na materialidade do sistema, mas não a percepção, o tom

valorativo, que só é possível recuperar por elementos extralinguísticos. Em outras palavras, as

formas sofrem influência direta desses elementos: “A língua não reflete oscilações subjetivo-

psicológicas, mas inter-relações sociais estáveis dos falantes. [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p.

253).

Logo, a inter-relação entre os dois discursos deveria ser o objeto de estudo, pois estão

imbricadas a relação das formas de transmissão do discurso como uma tendência sempre uma

resposta ao outro, demarcando por meio da língua os limites precisos de inserção da palavra

outra e ainda preservando o que o círculo ressalta: as questões de alteridade e autoria. Isto posto,

segundo o Círculo, temos que considerar duas formas de transmissão em especial: a do discurso

transmitido (discurso alheio) por um lado, e por outro, a forma do discurso transmissor (discurso

autoral). Neste último, os contornos são mais imprecisos de recuperar a palavra alheia, uma vez

que se incorpora no discurso do sujeito e se impregna de suas intencionalidades e seu

posicionamento verboideológico.

Nestas condições, Volóchinov nos convida ainda à reflexão de que, mesmo diante de

um discurso alheio, é possível ocorrer o que o autor denomina de “grau de percepção autoritária

da palavra”, acoplada a questões de ideologia e dogmatismo. Assim, ao ser proferida como

dogma, a percepção valorativa do campo social passa a aceitar certos matizes entre dicotomias

existentes, tais como: o bem e o mal, o certo e o errado, a verdade e a mentira,

27 O título original do material é conhecido como Questões de Literatura e de Estética – a teoria do Romance.

Contudo, a editora 34, em publicações mais atualizadas e com traduções diretas dos originais russos, recompilou

muitas das obras do Círculo e as fez fragmentando, unificando escritos, textos, artigos, entre outros, sob uma nova

titulação em alguns casos.

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descaracterizando, despersonificando o viés da palavra alheia e tornando mais difícil a

recuperação no fio discursivo essas marcas da palavra outra.

Destacamos que para o Círculo, de igual modo, entende-se que dentro da modalidade

do discurso transmitido se encontra o “estilo linear” e o “estilo pictórico” que colaboram nessas

formas de transmissão. No primeiro deles, é preciso delimitar bem os contornos da palavra outra

no processo autoral. Ao passo que a relação mútua de orientação de um discurso autoral em

confluência com o discurso alheio/reportado pode no estilo pictórico levar “[...] à decomposição

da integridade e do fechamento do discurso alheio, à sua dissolução e ao apagamento das suas

fronteiras. [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 258) ao incorporar o discurso do outro.

Neste último caso, a recuperação destas marcas no fio discursivo representa tarefa

complexa. Volóchinov destaca, justamente, que no estilo pictórico podemos encontrar tipos

variados dessa encarnação do dizer do outro sobre a palavra própria, tais como: por meio das

entonações, da ironia, do destaque dado ou ao relativo desdém/desprezo sobre o discurso alheio,

destacando a perda da força entre as fronteiras discursivas; ou ainda, por meio da “dominante

discursiva” que é repassada ao discurso alheio (contextos narrativos, no qual o narrador

substitui o autor em dados momentos, transformando a produção autoral e sua consciência como

um processo subjetivo de uma tomada de consciência de si, de autoconhecimento).

Em síntese, no discurso transmissor (discurso autoral) temos modelos mistos de

transmissão do discurso do outro: o discurso quase indireto, discurso indireto livre, discurso

direto e indireto (discurso direto difuso; formas analítico-verbais do discurso indireto, ...); e

ainda, dentro do discurso direto é possível encontrarmos: discurso direto preparado, discurso

direto reificado, discurso direto retórico (associado ao tipo linear), discurso direto substituído,

por exemplo.

Destacamos o discurso direto retórico, uma vez que, segundo Volóchinov (2018), as

fronteiras do discurso alheio são nítidas devido à sua própria episteme, ao não explorar as

liberdades autorais sob o discurso relatado. No que tange a reflexão sobre o discurso indireto,

em especial, em MFL é debatido como essa interferência discursiva é capaz de escutar

diferentemente o enunciado reportado, percebendo-o de forma ativa, e, por fim, atualizando-o

em sua forma de enunciação ao incorporar sua própria tonalidade se comparado aos demais

modelos (VOLÓCHINOV, 2018, p. 270).

Enfatizamos, portanto, que o escopo de tais divisões chamava atenção para a palavra

literária, sobretudo, nas relações presentes entre autor e herói; autor-criador, autor-pessoa e seus

personagens. Porém, isto não minimiza ou inviabiliza o tratamento do discurso em torno da

palavra alheia para outros contextos. Como diria Bessa (2016, p. 188), o primado bakhtiniano:

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“[...] sobre discurso citado ilumina a compreensão de todo e qualquer tipo de enunciado, da

prosa artística à prosa extra-artística, posto que, em qualquer que seja a situação, este sempre

está orientado para as palavras do outro, reage a essas palavras, [...]” em uma relação dialogal

viva e tensa.

Desta forma, esboçamos as principais categorias das formas de transmissão da palavra

alheia segundo o Círculo de Bakhtin. Ressaltamos que não tivemos o objetivo de revisitar tais

categorias de forma extenuante, por meio de exemplos, uma vez que as próprias obras

encarregam-se desta tarefa, mas queremos trazer luz e pontes para as principais formas, visando

nosso objeto de estudo em um gênero específico, como o relatório de estágio.

Quanto à criação de pontes com outros estudos, pautamos esta entrecostura em

perspectivas que bebessem do Círculo nas suas proposições, mesmo que tal atividade não fosse

o núcleo de sua episteme, mas que fosse possível estabelecer esses elos. Diante disto,

entendemos ser salutar trazermos outra proposta para olharmos o mesmo fenômeno em

específico. No caso, defendemos que a proposta teórico-metodológica de Authier-Revuz

demonstra como a alteridade cruza a própria constituição discursiva do enunciado, por meio

dos índices da presença do outro no dizer – heterogeneidade interlocutiva (AUTHIER-REVUZ,

1998, 2008, 2011; BARBOSA, 2008; BRAIT, 2012c; BESSA, 2016), bem como a existência

da “anterioridade em todo dizer” – heterogeneidade interdiscursiva.

Nosso objetivo se ancora em abordamos um olhar sobre a alteridade discursiva no fio

dialógico, enaltecendo tal ponto e costurando as propostas, mas de forma que se compreenda o

nascituro de cada eixo. Deste modo, informamos que não temos pretensão de correlacionar o

aparato teórico de Authier-Revuz em sua totalidade, segundo fizemos com os pilares

bakhtinianos, e, de igual modo, não temos a pretensão de segui-la como norte e fundamento

teórico para o projeto que construímos com a presente tese. Nosso diálogo visa primordialmente

o estabelecimento de contatos com seu quadro analítico sobre as formas de trazer o outro no

discurso, ou seja, as possibilidades de vislumbrarmos o discurso sob o prisma do já-dito.

Na realidade, destacamos que a autora desenvolveu seus estudos em distintas

materialidades textuais nas mais diversas esferas, diferentemente do proposto inicialmente por

Bakhtin e o Círculo (cujos exemplos se situaram sobretudo em trechos de obras literárias),

buscando no fio discursivo as formas além do discurso citado das formas direta, indireta ou

indireta-livre. Neste sentido, Authier-Revuz apresenta um quadro com maior amplitude das

formas do discurso reportado ou ainda das variadas formas da presença do dizer do outro neste

fio discursivo que, constantemente, não se apresentam claramente nítidas ou demarcadas como

nas três divisões iniciais propostas pelo Círculo (BESSA, 2016; ORLANDI, 1998).

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69

Assim, Authier-Revuz lança os desdobramentos de seus estudos segundo uma

linguística da enunciação, abordando as formas de heterogeneidade enunciativa. A

pesquisadora articula outras áreas do saber para a compreensão destas formas, além de amparar-

se, ademais dos postulados bakhtinianos, na psicanálise, em seu viés lacaniano de Freud e na

própria linguística, nos constructos da análise do discurso de linha francesa (BRAIT, 2012c;

ORLANDI, 1998). De acordo com Orlandi (1998), Authier-Revuz esmiúça em seu labor o

tratamento do funcionamento do simbólico, da representação, pressupondo o discurso na

construção dos sentidos presentes em dados contextos/cenários.

É sob esse viés que, segundo Authier-Revuz, o duplo dialogismo (o já-dito presente nos

discursos e o endereçamento a um interlocutor) existente no enunciado comprova o que

denomina de heterogeneidade constitutiva de todo discurso, posto que este: “[...] escapa larga

e inevitavelmente ao enunciador e não se manifesta no fio discursivo por marcas linguísticas.

[...]” (AUTHIER-REVUZ, 1999, p. 10), restando somente a uma abordagem discursiva e

enunciativa do contexto imbricado para aclarar ou recuperar o discurso alheio no discurso

próprio.

Logo, Authier-Revuz entende que a heterogeneidade pode ser constitutiva ou mostrada.

Na heterogeneidade constitutiva se entrelaça a inevitável condição da presença do outro no ato

discursivo, trata-se de uma exterioridade relacionada ao interno, ao sujeito, onde há o embate

do interdiscurso com o inconsciente, sendo mais difícil recuperar tais elementos nas camadas

linguísticas do enunciado. Já a heterogeneidade mostrada/revelada, o processo alteritário, o

encontro com as vozes do outro no processo discursivo, apresenta-se de forma mais visível por

meio da inscrição do outro como fala minha (AUTHIER-REVUZ, 1999, 2008, 2011;

BARBOSA, 2008). Em sua proposta, a relação com o discurso alheio é também apresentada

nos termos do dialogismo, conforme o primado bakhtiniano. Por este motivo, a pesquisadora

apresenta dois heterogêneos enunciativos: o interdiscursivo e o interlocutivo, os quais não

devem se dissociar na análise.

Deste modo, no dialogismo interdiscursivo “constitutivo”, para Authier-Revuz, não

devemos reduzi-lo ao plano do representado, ou ainda, de um discurso monológico, uma vez

que o dialogismo ali observado pressupõe as outras vozes presentes no fio discursivo algo

inerente ao próprio discurso. Da mesma maneira, o dialogismo interlocutivo sempre direciona

o seu projeto enunciativo endereçado a alguém, a um terceiro. Conforme expõe a pesquisadora:

Reconheceu-se, pois, para o dizer, uma dupla heterogeneidade enunciativa, produzida

pela alteridade discursiva: colocada como condição de existência do dizer no plano

constitutivo – não há dizer que não seja atravessado, e constituído, pelo discurso outro

Page 71: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

70

do já-dito, de um lado, daquele a quem nos dirigimos, por outro lado – e, no plano

representado, como objeto possível de uma representação reflexiva em pontos do

dizer – os dizeres podem (se) dar a reconhecer os encontros que eles fazem com os

dizeres outros, no caminho, próprio deles, de sua progressão. (AUTHIER-REVUZ,

2011, p. 10).

Isto posto, encontramos em Authier-Revuz a questão da alteridade se estabelecendo em

dois planos distintos, mas que se complementam: por um lado a alteridade representada e, por

outro, a alteridade constitutiva. Nos heterogêneos representados, há uma forte relação com a

observação linguística, ao passo que, nos heterogêneos constitutivos, o apoio vem do sentido,

do sujeito, de elementos outros, muito além da materialidade linguística. Em outras palavras,

na alteridade representada, há a possibilidade pelas formas observáveis da língua recuperar as

emergências do discurso vislumbrado especialmente pelo interdiscurso e a interlocução

(AUTHIER-REVUZ, 2011).

Por sua vez, na alteridade constitutiva, a relação da construção dos sentidos se

constituem por intermédio dos fatos compartilhados pelo e com o interlocutor em uma dada

situação. A pesquisadora esclarece que o fato discursivo é especialmente perpassado por essas

heterogeneidades, a “questão da articulação no coração do dizer do um, do outro-a-quem-ele-

se-dirige com outro do já-dito” (AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 7), em um processo de

complementação das dimensões: por um lado, da dimensão interdiscursiva e, por outro, da

dimensão interlocutiva.

Neste ínterim, interessa-nos recuperar aquelas emergências no discurso em relação ao

discurso alheio que carrega em si o outro no já-dito. Authier-Revuz (1998) nos lembra,

inicialmente, que um discurso relatado ou, como na atualidade a autora denomina, uma

Representação do Discurso Outro (RDO) não pode ser sintetizada em apenas uma frase ou

enunciado, mas a compreensão deve ser que esta representa, especialmente, um ato de

enunciação. Assim, um ato de enunciação é abarcado por um par de interlocutores, uma

situação, com tempo e com espaço específicos, além de dados informacionais cujo contexto

passa a fornecer ao ato.

Diante disto, a pesquisadora pontua a limitação dada pela gramática ao associar os

modos de RDO a tão somente os discursos direto (DD), indireto (DI) indireto livre (DIL). Uma

vez que tais modelos não podem ser vistos:

Como se seguissem planos sintáticos e semânticos de forma idênticas ou

padronizadas;

Como se usando determinados recursos morfossintáticos fosse possível ser fiel

ou recuperar o discurso do outro de forma simplista;

Page 72: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

71

Ou, ainda, como se houvesse apenas estas únicas formas de RDO.

Sob este viés, Authier-Revuz sinaliza três posições fundamentais e iniciais ao

pensarmos o fenômeno da RDO: discurso relatado versus modalização em discurso segundo;

signo-padrão versus signo autônimo; explícito versus interpretativo.

Na posição discurso relatado versus modalização em discurso segundo, encontramos o

objeto da enunciação nas linhas, em um primeiro momento, nos moldes do DD e DI, pois o

enunciador toma o seu projeto de dizer como um objeto no ato de enunciação. E na modalização

em discurso segundo, o enunciador modaliza o seu próprio dizer direcionado a outro discurso.

Este último fenômeno ainda pode recair sobre a) o conteúdo da afirmação ou b) o emprego de

uma palavra, por exemplo:

a) João fez um longo passeio, de acordo com x28.

b) João espaireceu longamente, como diria x.

Relativamente à distinção entre signo-padrão versus signo autônimo, Authier-Revuz

(1998) distingue que, naquele, sua estrutura semiótica é regular e designa, nomeia, referindo-

se a um elemento do mundo. Já o signo autônimo, trata-se da “[...] possibilidade de usar os

signos para remeter a eles próprios [...]” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 137), reforçando o seu

caráter metalinguístico. A autora sinaliza ainda que na RDO de viés autonímico, o signo não

possui sinônimos e também ocupa na frase a função de substantivo, pois pode ter o status de

sujeito, objeto direto, sintagma nominal, dentre outros.

No par explícito versus interpretativo, Authier-Revuz empreende nossa atenção a RDO

ao acentuar a oposição de um discurso que deixa marcas de maneira mais visível e outro em

que há a necessidade de um trabalho interpretação, de compreensão, de entendimento da

incorporação do discurso do outro. Para tal, a autora salienta:

Formas marcadas, unívocas

o Discurso Direto

João disse: “Eu estou desesperado!”

Discurso Indireto

o João disse que estava de acordo.

Modalização em discurso segundo, sobre o conteúdo

o João fez, segundo Maria, um longo passeio.

28 Os exemplos foram extraídos dos textos da própria autora: Authier-Revuz (1998).

Page 73: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

72

Modalização em discurso segundo, sobre as palavras

o A villa de João, como ele chama seu quartinho, está em mau estado.

Formas marcadas que exigem trabalho interpretativo

o Representada por marcas topográficas (aspas, itálicos, negritos, entonação) que

revelam uma modalização autonímica, mas “[...] que deve ser interpretada como

referência a um outro discurso.” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 143 – grifos da

autora).

A “villa” de João está em mau estado.

Formas puramente interpretativas

o Discurso direto livre

Eu vi Maria há pouco. Estou farto, vou pedir demissão!29

o Discurso indireto livre

Eu vi Maria há pouco. Ela está farta, vai pedir demissão!

o As citações escondidas, alusões e reminiscências

Neste último caso, das formas puramente interpretativas, Authier-Revuz destaca a

possibilidade de que os elementos não sejam vislumbrados de forma tão transparente na

materialidade discursiva, mas que é possível recuperar “ecos” de um outro dizer, como uma

“[...] presença constitutiva de um outro lugar discursivo no discurso [...]” (AUTHIER-REVUZ,

1998, p. 145), ou seja, o já-dito. Este não se traduz nem como uma alusão em si e nem uma

forma de citação escondida, mas recupera traços, reminiscências do discurso já posto.

Ainda sobre o DD e o DI, Authier-Revuz (1998) demarca a reflexão em torno de uma

dualidade existente como “[...] dois modos radicalmente distintos de representação de um outro

de enunciação [...]” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 150): de um lado, a heterogeneidade

presente do DD e, do outro, a unidade/homogeneidade do DI. A autora compreende que no DD

há uma estrutura heterogênea de apresentação na língua do discurso do outro, enquanto no DI,

tal estrutura se apresenta como resultado de uma estrutura homogênea que segue uma sintaxe

regular da língua ao trazer o outro para o discurso.

Assim, estes modos podem ser recuperados em diversos planos, tais como: no estatuto

semiótico; na estrutura sintática; na modalidade de enunciação; no quadro de indicações

dêiticas; na designação por descrições definidas; nos elementos expressivos, exclamativos; e

29 Sublinhado nosso, para destacar o trecho onde há a ambiguidade, sendo possível recuperar pelo esforço

interpretativo a marca do dizer do outro no discurso.

Page 74: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

73

avaliativos e “modos de dizer”. Nessa infinitude de classificações em torno da RDO, Authier-

Revuz destaca que:

Se foi no plano de seu valor em língua, isto é, da maneira mais abstrata e geral, que

tentei o inventário, sumário, das formas e operações de base que estruturam o domínio

da RDO, não foi por indiferença à riqueza inesgotável dos funcionamentos e dos

efeitos de sentidos tais que se pode, concretamente, reencontrá-los em discurso, mas,

ao contrário, porque penso que é, partindo das formas de língua, em sua rigidez e sua

pobreza abstrata, que se pode tratar disso, pela atualização de trajetos interpretativos.

(AUTHIER-REVUZ, 2008, p. 114).

A produtividade de Authier-Revuz no campo enunciativo a respeito da RDO presente

no fio discursivo representa algo inegável. Conforme pontuamos, não é nosso objetivo

recuperarmos todas as formas de citação ou de incorporação do discurso do outro, do discurso

alheio, como discurso próprio. Na realidade, o objetivo é criarmos essas pontes e

compreendermos a abrangência dos estudos para muito além da simples representação de DD,

DI, e DIL. Para nossos objetivos, avultamos ainda a dimensão interlocutiva em torno de uma

dupla articulação em torno da objetividade da linguagem, que para Authier-Revuz parte do

pressuposto imbricado quer seja do aspecto interlocutivo presente no enunciado, quer seja pela

compreensão do carácter interdiscursivo desse mesmo enunciado.

Assim sendo, no que concerne ao eixo no qual nos propomos uma aproximação por

meio de um diálogo maior, separamos e salientamos as dimensões: interlocutiva e

interdiscursiva, que seguem a perspectiva do já-dito implicado no processo, sempre dando

maior relevo a essa última dimensão (interdiscursiva). Para a pesquisadora devemos analisá-lo

sob a seguinte perspectiva:

Quadro 1 – “Dizer ao outro no já-dito”, segundo Authier-Revuz (2011).

EIXO 1

Por trás da

interlocução,

representada, o

interdiscurso,

conforme se

apresentam

No interior da troca dialogal com teor de temporalidade imediata ou

distante e ainda por meio de uma memória co-construída nessa interação

(intradiscursiva): “como você acaba de dizer”, “como você disse há

pouco”, “como você disse na sua última carta”

No interior da troca dialogal recupera uma memória co-construída de base

interdiscursiva: “como (eu sei) que você diz em outro lugar que não em

nossa troca”

Tomo emprestadas

palavras que eu penso

(sei, creio, presumo,

...) serem as suas

Exemplo: Como você tem o hábito (o costume)

de dizer; como você gosta de dizer; o que você

chamaria; entre outros

Eu digo palavras que

não são as suas

Exemplo: Como (sei que) você não diz; como o

senhor não diria; sei bem que o senhor não usa

essa palavra; entre outros

Page 75: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

74

Através de dois

heterogêneos:

o um

representado,

convocando o

outro

Por trás do

interdiscurso

representado, o

endereço

interlocutivo

Como diz Ext (em que

Ext inclui R)30

Exemplo: “[...] ou ela morreu em estado de graça

como vocês dizem [...]” (Trecho de Madame

Bovary sob análise de Authier-Revuz, 2011, p.

13). Recupera assim uma dupla ocorrência:

de um lado a um exterior relacionado a instância

religiosa (igreja, esclesiástica), e por outro lado,

o efeito estilístico da personagem para dizer o

que queria dizer utilizando de uma outra voz,

uma voz de “autoridade

Como diz Ext (em que

Ext exlui R)

Possui o mesmo viés no exemplo anterior, porém

incluindo uma perspectiva de negativa

EIXO 2

Através do

risco

interlocutivo

do

interdiscurso

não marcado

O

interdiscursivo

não marcado:

um risco

interlocutivo

escolhido pelo

locutor

Acidentes

interlocutivos de um

interdiscurso não

compartilhado

A troca interrompida por falta de memória

compartilhada (grifos da autora)

A troca desviada em mal-entendido

Desequilíbrios

interlocutivos de um

interdiscurso não

compartilhado

A troca crispada

por falta de

memória

compartilhada

Presença de marcação

topográfica, tais como:

negrito, itálico, aspas, por

exemplo, mas que causa

um vazio interpretativo

apesar de inserir o dizer do

outro, a compreensão se

torna falha, pela falta de

ancoragem na memória

partilhada entre os sujeitos

discursivos

Embora não traga a

marcação topográfica ou

outra marcação de

presença, causa na

compreensão discursiva

estranheza ao recuperar

certos discursos

A troca truncada

por falta de

memória

compartilhada

Não há a sensação de

estranheza como no item

anterior, o já-dito está

presente, mas passa

desapercebido. É como se

o trio: locutor, interlocutor

e já-dito se transformasse

em um duo, cuja

interpretação não estivesse

tão clara a presença do

interdiscurso

Da alusão intencional à alusividade do dizer

O interdiscurso

não marcado:

um risco

O interlocutor recupera no dizer do locutor um já-dito particular que se

relaciona a um terceiro, a uma outra voz

O interlocutor acolhe o dizer do locutor, mas o deslegitima acusando-o de

plágio ou questionando sua fonte do dizer

30 Na codificação apresentada pela autora, Ext designa a qualquer fonte discursiva, quer seja individual quer seja

coletiva. R seria o interlocutor ou o co-enunciador presente no fio discursivo (AUTHIER-REVUZ, 2011).

Page 76: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

75

interlocutivo

sofrido pelo

locutor

A visão de uma “recitação-ensaio” mecânico, forma papagaiesca de

recuperar o dizer do outro

A visão de um conformismo, no qual se absorve o dizer do outro,

minimizando a uma representação e não confrotando os valores ali

presentes

Fonte: Adaptado de Authier-Revuz (2011).

Segundo esta linha de pensamento, o primeiro eixo (Quadro 1) acopla a interlocução

representada no interdiscurso e o interdiscurso representado no qual há a presença do

endereçamento interlocutivo. Neste quadro sintético, encontramos exemplos de uma

interlocução mais imediata, no qual o sujeito enuncia em função daquele a quem se dirige; bem

como, recuperando por meio do já-dito uma função interdiscursiva, no qual se articulam pontos

da memória discursiva dos sujeitos: o “[...] outro do já-dito emprestado hic et nunc ao

interlocutor [...]” (AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 10).

Assim, na dimensão interlocutiva que se relaciona com o exterior interdiscursivo é

possível encontrar certas imagens que o locutor/o enunciador faz do outro discursivo, do seu

interlocutor. O sujeito enunciador pode se aproximar do dizer do outro, recuperá-lo de forma

mais polida, mais afetuosa, enaltecendo o outro ao retomar com suas palavras recorrentes ou

modalizar uma introdução polêmica. Este sujeito pode ainda, ao trazer a figura inversa, a

negativa, a produção de um distanciamento do discurso que o outro não evocaria ou jamais

diria. Authier-Revuz ressalta também esta possibilidade com o uso das aspas ao introduzir o

discurso alheio, especialmente, em textos da esfera científica. Outro exemplo desse efeito de

sentido se relaciona quando se utiliza o “nós” sob o olhar exclusivo, por exemplo a expressão:

“como se diz entre nós”.

Diante deste cenário, Authier-Revuz evidencia o caráter mais estreito entre as duas

dimensões de alteridade interdiscursiva e de endereçamento interlocutivo, pois não há discurso

que não seja endereçado, assim como o dizer é, por um viés constitutivo, atravessado e

determinado pelo outro, pelo pensamento do dizer do outro, do destinatário (AUTHIER-

REVUZ, 2011, p. 9).

No segundo eixo (Quadro 1), temos as subdivisões entre o interdiscurso não marcado -

de um lado por um risco interlocutivo escolhido pelo enunciador, e, de outro lado, por um risco

sofrido por esse enunciador:

À falta de representação reflexiva pelo enunciador de um ou de outro dos

heterogêneos, é um espaço de risco que se abre para o dizer em pontos em

que se unem – sem apoio de uma marcação metaenunciativa – os dois

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76

heterogêneos nos quais ele se produz: risco que – escolhido pelo enunciador

para seu dizer (1) ou sofrido pelo enunciador no seu dizer (2) – se deve à

conjunção interlocutiva, em um ponto, de duas memórias interdiscursivas distintas.

(AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 13).

Portanto, no eixo do risco interlocutivo do interdiscurso não marcado, compreendemos

a importância da memória partilhada no entendimento do fio discursivo da presença do outro

no já-dito. Em resumo, a construção estabelecida entre as memórias interdiscursivas distintas

dos sujeitos discursivos é posta à prova para a criação do sentido, uma vez que é preciso

articular o endereçamento interlocutivo do ato enunciativo com sua exterioridade

interdiscursiva, no qual reside o sentido. Tal sumarização posta por Authier-Revuz nos fornece

caminhos para pensarmos como se constrói o discurso do estudante-estagiário ao recuperar o

outro no já-dito ou os discursos produzidos nesse já-dito, por meio de formas marcadas ou não-

marcadas no fio discursivo. Além de vermos como isso é manejado por intermédio de um

gênero relatório de estágio, no qual o grupo de estagiários deve produzir ao final de sua etapa

formativa.

Realçamos, assim como a autora sinalizou, mesmo que haja este inventário das

possibilidades, cada experiência de análise da linguagem pode levar a trajetos interpretativos

outros, mas que existem certas nuances que se assemelham por muitas das vezes neste

emaranhado dialógico. Dito isto, as divisões apresentadas por Authier-Revuz não se tratam de

categorias estanques sobre a RDO ou formas do discurso citado/reportado no qual recuperam o

outro e seus discursos no já-dito, mas são caminhos que nos levam a refletir sobre as formas de

presença do outro no fio discursivo. Conforme pontua Brait (2012c, p. 92), a reflexão sobre

esse fenômeno deve ser encarada como “[...] um ato de comunicação que toma por objeto um

outro ato de comunicação entre interlocutores, fazendo aparecer fenômenos enunciativos-

discursivos que permitem estudá-lo sob uma nova perspectiva e, ainda, estender essa

perspectiva a outros fenômenos semelhantes. [...]”.

Nesta correlação e reflexão sobre o enunciado como essência dialógica, reforçamos que

a língua só realiza por meio dos enunciados: quando é analisada ou estudada como tendência

de normatização ou prescrição da língua, tomando como pontos somente extratos linguísticos,

é que se adquire assim um viés monológico. Mas a língua é viva! (BAKHTIN, 2016a, 2016b,

2016d). Assim, seus enunciados se realizam na língua, quer seja por meios orais e/ou escritos,

e “refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu

conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem [...], mas, acima de tudo, por sua construção

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77

composicional” (BAKHTIN, 2016a, p. 11 – 12). Ou seja, se realizam por meio dos gêneros dos

discursos.

Na próxima seção, refletimos sobre o constructo em torno da definição de gêneros,

seguindo as concepções do Círculo de Bakhtin, além de aproximarmos a reflexão sobre o

contexto específico de circulação do gênero relatório de estágio.

2.3 AERANDO A TERRA: GÊNEROS DO DISCURSO

Evidenciamos que, para nossa filiação segundo a ADD, em uma compreensão dita

bakhtiniana, é inevitável o entendimento da implicação do uso da linguagem em determinadas

esferas da atividade humana, pois a língua se materializa por meio de gêneros discursivos nas

formas de enunciados concretos e únicos em dados contextos e situações, considerando

aspectos de estabilidade e mudança dos enunciados relacionados ao tempo e ao espaço

discursivo (cronotopo).

Neste caso, nossa percepção se ampara no dialogismo presente na ação comunicativa,

assim as relações postas entre os mais diversos grupos sociais organizados deixam ressoar suas

inúmeras vozes por intermédio dos enunciados, impregnados de valores e posicionamentos

axiológicos em uma cultura responsiva por parte dos sujeitos (PAJEÚ, 2014). Logo, os gêneros

como “formas relativamente estáveis do enunciado” recuperam em sua materialidade as RD,

inscrevendo-se em contextos históricos e sociais específicos que demarcam as ideologias

existentes. Diante deste cenário, os gêneros do discurso:

[...] refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só

por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos

recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua

construção composicional. (BAKHTIN, 2016a, p. 11 – 12).

Em outras palavras, os enunciados se realizam nos gêneros do discurso ou nos inúmeros

gêneros discursivos que cada campo da atividade humana é capaz de desenvolver e vivenciar.

Por sua vez, enunciados concretos se relacionam a culturas particulares que um dado grupo

chega a conhecer, legitimar e as põem em uso nas suas práticas cotidianas por intermédio desses

mesmos gêneros. Comprovando, assim, que os gêneros discursivos como possibilidade de

transparecer as visões de mundo – como artefatos culturais, como produtos históricos e sociais

– são extremamente complexos, dinâmicos e multifacetados, justamente pelos projetos

discursivos que os entrecortam.

Page 79: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

78

Na obra: Os gêneros do discurso, Bakhtin (2016a) apresenta, em duas seções definidas

por “1. O problema e sua definição” e “2. O enunciado como unidade da comunicação

discursiva. Diferença entre essa unidade e as unidades da língua (palavras e orações)”, uma

abordagem sócio-discursiva na compreensão do gênero, essencialmente, discursivo. O autor

propõe e enfatiza concebermos os discursos como materialidades que não são neutras, nos quais

os sujeitos estão postos sempre em relações dialógicas para com o outro (interlocutor), por meio

de uma atitude responsiva e de alteridade: do outro constitutivo do discurso próprio, conforme

expusemos ao longo destas últimas seções.

Outro ponto chave sobre o conceito de gênero que Bakhtin (2019b) destaca diz respeito

à relativa estabilidade dos enunciados. Neste quesito, reforçamos que não estamos diante de

marcas estritamente linguísticas ou composicionais do gênero que não sofrem mudanças da

linguagem e da exterioridade. Pelo contrário: por se relacionar justamente com a vida, o gênero

possui dimensões constituintes onde o movimento dialógico se implica nos enunciados,

fornecendo elementos que demonstram o vínculo com o interno e o externo (materialidade

linguística versus elementos sociais e culturais do entorno). Desta forma, as particularidades de

tais elementos remontam a uma dada tradição na qual o gênero está inserido, pois:

Percebe-se que, no percurso que vai do dialogismo ao gênero, há uma mesma

concepção: a diferença e a semelhança, a mudança e a estabilidade, se acham em

tensão permanente, no aqui e agora e ao longo do tempo, já que, para o Círculo no

mundo humano o ‘absolutamente novo’ é tão inconcebível quanto o ‘absolutamente

mesmo’. O ‘absolutamente novo’ pressuporia sujeitos que conhecessem tudo o que

existe para então criá-lo ou identificá-lo; o ‘absolutamente mesmo’ pressuporia a total

imutabilidade do mundo humano, a própria indistinção. Logo, a articulação entre o

repetível e o irrepetível, a atividade em geral e os atos específicos dessa atividade,

presentes na concepção do ato, percorrem toda a obra do Círculo – do dialogismo ao

gênero (SOBRAL, 2009, p. 118).

Se associarmos à dinâmica atual das novas formas de comunicação, percebemos que o

gênero possui elementos de manutenção, de conservação, além de se abrir para o novo, em uma

espécie de círculo contínuo de retroalimentação. Podemos exemplificar o que ocorre com o

gênero carta, que, a princípio, fornece-nos indícios de ser o gênero no qual o correio eletrônico

se ancora ou que possui certas similaridades, quer seja em sua forma composicional, quer seja

em seu estilo ou mesmo por seu conteúdo temático. Porém se trata de um novo contexto, um

novo suporte, um novo espaço de interação e correlação discursiva, sendo, portanto, carta e e-

mail, gêneros distintos na sua finalidade e endereçamento.

Neste sentido, Bakhtin nos lembra que o gênero é sempre e paradoxalmente novo e

velho ao mesmo tempo, uma vez que este “renasce” e se “renova” a cada movimento dialógico

Page 80: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

79

com a vida. Por isso, “[...] O gênero vive do presente, mas sempre recorda o seu passado, o seu

começo. É o representante da memória criativa no processo de desenvolvimento [...]. É

precisamente por isso que tem a capacidade de assegurar a unidade e a continuidade desse

desenvolvimento.” (BAKHTIN, 2018, p. 121 – grifos do autor).

Conforme Bakhtin (2016a), a atividade humana, tão complexa e multifacetada, nos leva

a criar determinados repertórios de gêneros do discurso em cada campo, demonstrando uma

heterogeneidade nas inúmeras possibilidades de realizações desses gêneros, orais ou escritos.

Deste modo, salientamos que não se trata de compreendermos os gêneros tão somente como na

“Antiguidade” sob um viés artístico-literário ou retórico ou até mesmo sob o ponto de vista de

uma linguística geral por meio de um objetivismo abstrato ao fragmentar o gênero em unidades

linguísticas de significação. Entretanto, devemos captar a diferença e a essência observadas

entre gêneros primários e secundários em sua forma/em seu contexto de realização (produção

e recepção), estrutura composicional e tema, pois:

A diferença entre os gêneros (ideológicos) primário e secundário é imensa e essencial,

e é por isso mesmo que a natureza do enunciado deve ser descoberta e definida por

meio da análise de ambas as modalidades; apenas sob essa condição a definição pode

vir a ser adequada à natureza complexa e profunda do enunciado (e abranger as suas

facetas mais importantes) [...] A própria relação mútua dos gêneros primários e

secundários, bem como o processo de formação histórica dos últimos, lançam luz

sobre a natureza do enunciado (e antes de tudo sobre o complexo problema da relação

de reciprocidade entre linguagem e ideologia, linguagem e visão de mundo)

(BAKHTIN, 2016a, p. 15 – 16).

De acordo com o filósofo, investigar a natureza do enunciado e a diversidade de

realizações de gêneros discursivos nos mais variados campos da atividade humana nos faz

essencial, pois ao tomá-lo como indiferente a suas singularidades, temos o enunciado concreto

em um formalismo a um nível de abstração demasiada, deformando “[...] a historicidade da

investigação [...]”, debilitando “[...] as relações da língua com a vida [...]” (BAKHTIN, 2016a,

p. 16).

Portanto, o enunciado ganha relevo na proposta bakhtiniana, pois a língua é estudada

sob o viés como enunciado vivo, enunciado concreto, que se realiza em diversas e distintas

esferas: desde uma conversa particular/privada no seio do acolhimento familiar (gêneros

primários) até uma defesa no tribunal de justiça no qual existem certos “padrões”, forças

coercitivas de como, do que, para quem falar ou defender (gêneros secundários), por exemplo.

Assim, o gênero não focaliza somente a estrutura: para além de sua composição formal

(apesar de compreendermos que essas particularidades são essenciais), estão envoltas as

relações dos papéis dos sujeitos discursivos no contexto de produção, de circulação e de

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80

recepção do gênero. Papéis implicados na compreensão do gênero, do enunciado, como a

referenciabilidade, a expressividade e o endereçamento do próprio enunciado (consoante

expusemos em seções anteriores) são essenciais. Deste modo, na organização textual, a forma

como se estabilizam e caracterizam um dado gênero, encontra indissociável elementos externos,

elevando o micro textual a uma relação com os aspectos macro textuais nos quais se

correlacionam ao discurso (BAWARSHI; JO REIFF, 2013).

Dito isto, o conceito de gênero discursivo, segundo Bakhtin e o Círculo, fazem-nos ter

outro elemento para sustentar nosso olhar sobre como as comunidades – neste caso, os grupos

observados (discentes do curso de Agropecuária e Edificações), desenvolvem um dado gênero

discursivo e revelam o repertório empreendido por meio do relatório de estágio e sua forma

composicional, estilo e conteúdo em uma dada esfera de atuação (pontos que merecem destaque

na compreensão da arquitetônica do gênero).

Neste sentido, convém destacarmos como o Círculo de Bakhtin concebe cada uma das

dimensões que caracterizam o gênero. No que diz respeito à noção de esfera discursiva,

partimos do entendimento de que sua definição compreende um nível particular das coerções

sociais, econômicas, políticas e culturais, de acordo com a lógica particular de cada contexto.

Tal caráter situado da linguagem e de suas práticas reforçam como situações específicas da

comunicação, da interação humana, por meio dos enunciados se definem pela atividade dos

campos de circulação dos discursos, tais como vislumbramos em esferas particulares, a saber:

a religiosa, a literária, a profissional, a acadêmica, a familiar, a escolar, a científica, a artística,

entre outras (VOLÓCHINOV, 2018, 2019; BAKHTIN, 2015; ROJO, 2013). Conforme nos diz

Volóchinov (2018, p. 94 – grifos do autor):

No interior do próprio campo dos signos, isto é, no interior da esfera ideológica, há

profundas diferenças, pois fazem dela a imagem artística, o símbolo religioso, a

fórmula científica, a norma jurídica e assim por diante. Cada campo da criação

ideológica possui seu próprio modo de se orientar na realidade, e a refrata a seu modo.

Cada campo possui sua função específica na unidade da vida social. Entretanto, o

caráter sígnico é um traço comum a todos os fenômenos ideológicos.

Segundo este objetivo de uma abordagem metalinguística das questões da linguagem, a

esfera da comunicação discursiva permeia toda a obra do Círculo, apresentando-se como mais

um aspecto fundamental na definição e constituição dos gêneros. Desta maneira, a noção de

esfera se interliga à comunicação discursiva sendo compreendida também como esfera da

criatividade ideológica, esfera da atividade humana, esfera da comunicação social, esfera da

utilização da língua, ou ainda, esfera ideológica (GRILLO, 2014, p. 133).

Page 82: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

81

Neste universo, a esfera remete à construção dos modos de circulação de um gênero

discursivo ou um conjunto destes, correlacionado ao contexto de produção e de recepção. Deste

modo, ao alterarmos a esfera comunicativa, modificamos, alteramos ou subvertemos toda a

relação discursiva ali presente e implicada que fazem constituir o próprio texto, o próprio

gênero (BRAIT, 2009; VOLÓCHINOV, 2018).

Tal reflexão sobre a esfera também é pertinente ao nosso contexto, uma vez que o gênero

relatório de estágio circula em um dado campo de atuação humana, cujo contexto de produção

e de recepção são do mesmo modo específicos. Não se trata de uma simples atividade da esfera

escolar, nem um relatório de uma vivência da esfera profissional/laboral de atuação, muito

menos um gênero que circunda na esfera estritamente acadêmica, pois o cenário posto é do

contexto do EMI, o qual possui certas particularidades (como veremos ao longo desta

investigação). Logo, além da esfera, enfatizamos que outras dimensões são essenciais ao

gênero, tais como: conteúdo temático, forma composicional e estilo.

Em relação ao conteúdo temático, unidade temática ou tema, reconhecemos ser uma das

dimensões que caracterizam o gênero como parte dos elementos semânticos da língua. Assim

como Medviédev (2016) ressalta, nossa compreensão deve tomar como base o entendimento

que tema não pode ser reduzido a sinônimo de assunto. Na realidade, estamos diante da

dimensão do que é comunicável através do próprio gênero, dos enunciados, correlacionado

sobre o que objeto discorre. Ou seja, é na busca pela compreensão dos efeitos de sentidos, da

acentuação valorativa expressa, do local social e histórico do projeto de dizer e do

compartilhamento dos sujeitos discursivos de um horizonte verboideológico nos quais ressoam

as RD, que encontramos, de fato, o conteúdo temático do gênero.

Neste trilhar, sinalizamos o caráter basilar do tema na constituição dos gêneros, pois

interior e exterior presentes são convergentes no enunciado. Trata-se de uma dupla orientação,

na qual a primeira se destina à exterioridade subjacente aos gêneros, aos

receptores/interlocutores e a condições de produção e recepção – ao horizonte verboideológico,

ao enunciado como totalidade para as condições de sua realização; a segunda, destinada à

interioridade, encontra-se tematicamente direcionada à vida e seus acontecimentos

(MEDVIÉDEV, 2016).

Neste sentido, o tema encontra relação com a esfera de circulação do gênero, pois o

conteúdo temático nos indica um caminho para a aderência presente na materialidade linguística

do enunciado. Conforme explicita Medviédev (2016, p. 196), o tema está direcionado para “[...]

o todo do enunciado como apresentação discursiva. O que domina o tema é justamente esse

Page 83: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

82

todo e suas formas, irredutíveis a quaisquer formas linguísticas [...]”. Além disso, a unidade

temática é orientada por uma realidade partilhada que circunda os sujeitos do discurso.

Brait e Pistori (2012, p. 384) refletem a respeito desta questão e destacam algumas

características do conteúdo temático como um dos sustentáculos constituintes do gênero

discursivo:

(i) o conjunto dos significados dos elementos verbais da obra é um dos recursos para

dominar o tema, mas não o tema em si mesmo; (ii) constitui-se com a ajuda dos

elementos semânticos da língua; (iii) não é uma palavra isolada que está orientada

para o tema, mas o enunciado inteiro como atuação discursiva; (iv) advém do

enunciado completo/obra completa enquanto ato sócio-histórico determinado, sendo,

portanto, inseparável tanto da situação da enunciação como dos elementos

linguísticos; (v) não pode ser introduzido no enunciado e encerrado.

Nesta linha de percepção, o gênero em seu contexto de uso (produção, circulação e

recepção) não pode se distanciar de seu aspecto temático, no qual elementos como auditório ou

endereçabilidade, posições valorativas, atitudes responsivas estão implicadas no conjunto do

todo e associado a uma dada esfera ideológica. Como observamos, ao buscarmos explicar os

conceitos, estes sempre remontam à interligação com outro constructo proposto pelo Círculo

de Bakhtin, sendo impossível analisá-lo sob um único viés. Assim, nossa “divisão” se torna

meramente de cunho didático, pois os conceitos estão correlacionados em seu âmago e em sua

essência dialógica na compreensão da linguagem.

Por sua vez, a dimensão da forma composicional se vincula à forma arquitetônica e está

intimamente relacionada ao projeto enunciativo do sujeito discursivo, bem como ao conjunto

de certas regularidades enunciativas que um grupo social vivencia. Isto posto, podemos afirmar

que a forma composicional integra a estruturação dos elementos comunicativos e discursivos

associados à dimensão semântica dos enunciados na qual apresenta uma organização

relativamente estável. Inclusive, sinalizamos que não estamos diante de um artefato, no sentido

de sua rigidez, pois os gêneros como “enunciados relativamente estáveis” podem se abrir para

alterações inclusive formais, de acabamentos em sua estrutura, a depender dos projetos

enunciativos e do estilo empreendidos por sujeitos discursivos (BAKHTIN, 2015, 2016a;

SOBRAL, 2009).

Sob este viés, é necessário evidenciarmos e explorarmos as diferenças entre forma

composicional e forma arquitetônica, pois a segunda engloba a primeira, embora representem

apontamentos distintos em sua significação. Neste sentido, o enfrentamento do gênero não deve

se limitar à forma em seus aspectos externos e que transparecem certa autonomia, um padrão,

um modelo no qual sempre funciona o encaixe dos enunciados, mas é essencialmente salutar

Page 84: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

83

compreendermos este aspecto segundo seu próprio plano. A questão é partir do entendimento

que o interno e o externo não são planos distintos, mas complementares, e como as demais

dimensões que caracterizam o gênero (as posições valorativas, as condições de uso da

linguagem e as interdependências) devem ser consideradas no processo (BRAIT; PISTORI,

2012).

Assim sendo, a forma composicional se interliga em especial à construção linguística

em sua materialidade, ao passo que a forma arquitetônica, que abarca a forma composicional,

por si, possui imbricada relação existente entre o eu para o outro – o outro para mim: “[...] o

acabamento só pode vir do exterior, através do olhar do outro [...]” (TODOROV, 2011, p. 26).

Ou seja, a forma arquitetônica se relaciona ao processo alteritário de inserção do interlocutor.

Conforme remonta o Círculo de Bakhtin a pluralidade de vozes faz ecoar no projeto

enunciativo do locutor, do sujeito discursivo, a recordação do já-dito ou o que há por vir na

cadeia enunciativa, por meio de entrecruzamentos de valores ideológicos, considerando o todo

arquitetônico do gênero, em uma construção situada da linguagem (BAKHTIN, 2016a, 2015;

FARACO, 2009; SOBRAL, 2009).

Bakhtin (2016a, 2015, 2018) reitera por diversas vezes em suas obras e crítica à

idealização posta sobre a função comunicativa, viés dialógico discursivo da linguagem, ao não

trazê-la para vivência real, considerando por muitas vezes no estudo da língua o lugar do

“outro” como um “[...] papel de ouvinte que apenas compreende passivamente o falante [...]”

(BAKHTIN, 2016a, p. 23). Para Bakhtin (2016a, p. 25):

[...] Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente

responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é

prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se

torna falante. A compreensão passiva do significado do discurso ouvido é apenas um

momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza

na subsequente resposta real e em voz alta.

Logo, o filósofo desaprova e condena a visão deturpada de um processo complexo e

ativo do viés dialógico da linguagem, enaltecendo, consequentemente, um dos principais

postulados de sua proposta sócio-discursiva da linguagem, a saber: a atitude responsiva.

Devemos compreender a forma arquitetônica como o todo influenciado pelo olhar do outro,

pelo excedente de visão, pelo outro que constitui o próprio sujeito discursivo, que deixa indícios

inclusive na estrutura composicional do gênero, não sendo somente a força linguística e sua

estrutura, mas, especialmente, o processo alteritário e a atitude responsiva caminhando como

Page 85: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

84

um traço essencial para a realização do gênero discursivo, em uma confluência do interno e o

externo da língua.

No tocante à dimensão do estilo, o Círculo de Bakhtin remonta à estilística, neste ponto,

no intuito principalmente de avultar que “[...] todo estilo está indissoluvelmente ligado ao

enunciado e às formas típicas de enunciados, ou seja, aos gêneros do discurso [...]” (BAKHTIN,

2016a, p. 17). Muito embora enfatizamos que, segundo Bakhtin, a estilística como ciência no

início do século XX tratava dos fenômenos relacionados ao estilo segundo uma classificação

abstrata, não considerando a natureza do gênero e nem a realidade de produção, de circulação

e de recepção desses gêneros discursivos por campos de atividades, além de não se aterem a

alterações ao longo da história nos distintos estilos de linguagem, bem como desconsiderava o

papel do sujeito discursivo e sua autoria.

Sendo assim, o estilo era por muitos considerado uma etapa individual de criação, de

autoria, uma marca tão somente do sujeito enunciativo (BAKHTIN, 2015; MEDVIÉDEV,

2016; FARACO, 2009). Contudo, segundo a ADD, todo gênero, quer seja primário ou

secundário, traz a individualidade de quem o produz, mas somado a isso, o estilo contém traços

que evidenciam a pluralidade de vozes e as escolhas enunciativas do sujeito do discurso.

Portanto, encontramos uma mudança na episteme estilística e, diríamos, enunciativa, pois se

altera o pensar sobre o estilo como algo da ordem do uno, do sujeito individual, para o estilo

perpassado pela voz do outro, aliando a vontade enunciativa do sujeito discursivo.

Bakhtin (2015) chama atenção justamente para o fato de que é na natureza

heterodiscursiva que há a constituição do estilo, e, não na centralidade da língua como força

impositiva e normativa. Destacamos que é por meio das RD, na relação o outro para mim, o eu

para o outro e o eu para mim, nesse emaranhado, que o estilo se faz presente. Como expõe

Volóchinov (2019), são as forças vivas presentes nesta relação que direcionam e determinam a

forma e o estilo do poeta (do escritor, do autor ou do sujeito discursivo), pois o que influencia

e orienta o estilo presente no gênero é o “grau de proximidades entre eles”, entre o autor, a

personagem e seu auditório/seu interlocutor.

[...] O estilo do poeta não nasce do estilo do seu discurso interior incontrolável, este

último é o produto de toda a sua vida social. ‘O estilo é o homem’, mas podemos falar

que o estilo é, pelo menos, dois homens, mais precisamente, o homem e seu grupo

social na pessoa do seu representante autorizado, ou seja, o ouvinte que é um

participante constante do discurso interior e exterior do homem.” (VOLÓCHINOV,

2019, p. 142 – 143 – grifos do autor).

Page 86: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

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Neste sentido, reforçamos que a inserção do horizonte espacial e social partilhado entre

os sujeitos do discurso delineia o estilo do enunciado, para que o interlocutor possa recuperar

os ditos e os não-ditos da cadeia enunciativa por intermédio do gênero. Como diz Volóchinov

(2019, p. 142): “o estilo é o homem”. Assim, é nesta heterogeneidade constitutiva, com elos de

uma heterogeneidade marcada ou não, que o sujeito discursivo instaura sua intencionalidade

discursiva na produção de sentidos envolta sempre pelo seu campo aperceptivo, na expectativa

da receptividade de seu provável interlocutor31.

Em síntese, na escolha, na intencionalidade, na vontade discursiva, no estilo do sujeito,

há, de igual forma, a opção do objeto do discurso, a forma que é dada, como é dito socialmente,

até mesmo orientando qual gênero será utilizado ou proferido em um dado discurso. Segundo

Bakhtin, neste consentimento, o estilo se interliga além da própria esfera a elementos como a

considerações semântico-objetais (ordem do conteúdo temático), a situações concretas dessa

comunicação discursiva, ao grupo social (auditório, interlocutores), para: “[...] Em seguida, a

intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é aplicada e

adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em determinada forma de gênero.”

(BAKHTIN, 2016a, p. 38).

Neste sentido, frisamos que, apesar da série de elementos que incidem no estilo, isto não

significa dizer que este não possua abertura para a criatividade, para a inventividade. Pelo

contrário: é na confluência dos fatores como estabilidade e mudança essenciais ao gênero,

conforme defende o Círculo de Bakhtin, que o estilo possui sua flexibilidade. Diante disto,

Bakhtin ressalta que os gêneros são realizados inicialmente centrando-se nas “peculiaridades

estilístico-composicionais” do sujeito, posteriormente o que determina essa composição e estilo

será o teor valorativo dado ao conteúdo e ao sentido do enunciado naquela certa circunstância.

Em suma, “[...] só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o

contato da língua com a realidade, contato que se dá no enunciado, gera a centelha da expressão;

esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva existente fora de nós [...]”

(BAKHTIN, 2016a, p. 51). Conforme o autor, a emoção, os sentimentos, o juízo de valor, por

exemplo, somente surgem no uso, no momento de realização concreta da comunicação

discursiva e aí incidem pontos como estilo, forma composicional e conteúdo temático,

configurando o gênero discursivo.

31 Enfatizamos que esses nuances do estilo podem ser captados de igual modo pelas marcas linguístico-

enunciativas (segundo apresentamos na seção anterior), através de recursos lexicais, sintáticos, gramaticais

deixados pelo sujeito discursivo, mas não só por essas marcas como propõe a abordagem bakhtiniana.

Page 87: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

86

Contudo, cumpre-nos destacar outro ponto sobre a temática e a produtividade de estudos

e de pesquisas em torno do conceito de gêneros, especialmente promovidos em nosso contexto

brasileiro, a princípio pelas reflexões de Bakhtin e do Círculo e que certamente foram a de

maior alcance, mas não foram as únicas. Nesta linha de raciocínio, o domínio de uma definição

que parte de uma abordagem sociológica da linguagem ganhou desdobramentos e ancoragens

em outras perspectivas teóricas distintas do propósito fundante do Círculo, especialmente,

associando-se, segundo Meurer et al. (2005), a abordagens sócio-discursivas.

Merecem destaques ainda, a linguística textual em uma perspectiva pragmático-textual

com Jean-Michel Adam; as abordagens sociorretóricas (John Swales com o modelo CARS –

Create a Research Space – e a base sociorretórica; Miller e Bazerman com a noção de gênero

como ação social), ou ainda, a abordagens sócio-semióticas (Ruqayia Hasan com estrutura

potencial do gênero); a abordagem teleológica de gêneros textuais com Martin; Roger Fowler,

gênero segundo uma perspectiva crítica; Gunther Kress com o viés discursivo-semiótico do

gênero como recurso representacional; e Fairclough, seguindo gêneros textuais conforme a

análise crítica do discurso).

Por isso, Bawarshi e Jo Reiff (2013) discorrem que a fecundidade no nosso cenário

brasileiro sobre o conceito muito se interliga às “[...] implicações analíticas e pedagógicas dos

gêneros de maneira a revelá-los como variáveis significativas na aquisição do letramento. [...]”

(p. 15). O gênero, nessa ótica, teria um viés pedagógico, de “didatização”, sobretudo na sua

produção e recepção, cuja escola seria a principal agência desses letramentos (ROJO, 2009;

ABREU et.al. 2010)32. Destacamos que esta aproximação com o universo da esfera escolar é

apenas um dos desdobramentos do “modismo” em torno do conceito de gênero33.

Para Abreu (2011), o conceito ganhou vulto diante da inserção e da ampla circulação do

termo em documentos oficiais, tais como: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, BRASIL,

1998); Parâmetros Curriculares Nacionais em Debate (PCN em debate, BRASIL, 2004);

Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (OCNEM, BRASIL, 2006); Base

Nacional Comum Curricular (BNCC, BRASIL, 2017), e até mesmo nos direcionamentos do

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) dos últimos anos.

32 Letramentos por ora compreendidos como as relações em torno de práticas sociais de leitura e de escrita, que

estão envoltas por relações ideológicas e de poder, em determinados contextos sociais, históricos e culturais

(STREET, 2014; BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; ABREU; IRINEU, 2015; ABREU et.al. 2014).

Ampliaremos o debate na próxima seção. 33 Marcuschi (2008) em sua obra: Produção textual, análise de gêneros e compreensão, lembra-nos que o conceito

de gênero não é novo, mas virou “moda”. O autor faz essa afirmação devido aos inúmeros desdobramentos

(quantidade de produções científicas, eventos e congressos que vem tratando sobre a temática) na academia, na

escola, nos direcionamentos educacionais que colocaram o “gênero” como destaque nas práticas educacionais

brasileiras.

Page 88: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

87

Nestes documentos, encontram-se presentes, e bem demarcados, diversos conceitos de

base bakhtiniana, como por exemplo, alteridade, relações dialógicas, ideologia/signo

ideológico, contexto sócio-histórico-cultural. Entretanto, a sugestão do trabalho com o texto

por meio dos gêneros aparece sem maior profundidade de sua episteme, quiçá pelo teor e

objetividade presentes e característicos da produção destes documentos.

Abreu (2011) problematiza que as bases teóricas e metodológicas explicitadas sobre o

conceito de gênero em alguns desses documentos, especialmente os anteriores a 2006, incorrem

em erros de compreensão e interpretação, associando até mesmo a sequências tipológicas

textuais como sinônimo de gêneros, por simplesmente usarem textos reais para trabalhar tais

conceitos. Em relação às OCNEM e à BNCC, o manejo com o texto é defendido

prioritariamente por meio de abordagens sócio-discursivas, tais como: o interacionismo sócio-

discursivo e acepções bakhtinianas sobre gênero do discurso (ABREU; BARBOSA, 2019).

De acordo com Brait e Pistori (2012, p. 372 – grifos das autoras), para os docentes que

estão no chão da escola: “Esse enfrentamento [...] não é simples, [...] exige o reconhecimento

de que, em suas múltiplas filiações, a concepção de gênero implica dimensões teóricas e

metodológicas, cujas consequências para a compreensão de textos e discursos não podem ser

ignoradas.”. Por sua vez, terminologias que não se apresentam de forma transparente ou em

dados momentos tomam um termo como sinônimo de outro possuem em sua base teorias de

origens distintas, sendo exemplificadas em palavras como: gênero, gênero textual, tipologia

textual, gênero do discurso, gêneros escolares, dentre outras.

Desta maneira, revelam-nos um sem-fim de caminhos e aparatos teóricos-

metodológicos que cada trilhar direciona e aproxima a uma perspectiva epistemológica em sua

raiz. Neste ínterim, Rojo (2005) e Bezerra (2017), retomando as reflexões de Bhatia (2009, p.

160), sugerem que essa busca de definição ocorre porque “[...] quanto mais popular um conceito

se torna, mais variações de interpretação, orientação e estruturação são encontradas na literatura

existente’.” (BEZERRA, 2017, p. 13). Na realidade, são nuances contemporâneas que surgem

em torno da definição do conceito de gênero.

Apesar desta realidade, há uma verdadeira enxurrada dos termos implicados nos

documentos governamentais, mesmo não se apresentando de forma transparente ao público ao

qual se destina (diretores, coordenadores, docentes, sobretudo). Assim, embora o conceito de

gênero incorrer em uma mistura nem sempre clara sobre suas delimitações entre campos

teóricos e áreas (ROJO, 2005; ABREU, 2012), o que encontramos em todos esses documentos

é o desejo de educar para uma formação cidadã por meio da cultura do escrito, em uma

perspectiva do letramento (BAWARSHI; JO REIFF, 2013).

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88

Segundo Rojo (2013), essa correlação entre gêneros e letramentos é algo quase

inevitável. Visto que o pressuposto de um sujeito letrado, que compreende e produz uma relação

peculiar com a cultura do escrito, considera o fato de este indivíduo ser letrado justamente em

um determinado gênero. Desta maneira, o sujeito letrado é capaz de dominar e fazer uso social

de um determinado gênero, compreendendo suas finalidades, sua estrutura usual e seu contexto

social implicado.

Neste ponto, sinalizamos um dos problemas de compreensão da obra do Círculo, e,

quiçá, nossa maior crítica ao projeto de minimização do trabalho com gênero nas escolas ao

associar a uma “didatização” para o letramento: o esquecimento dos outros elementos que

constituem o próprio gênero (ver Figura 2). Conforme nos lembra Medviédev (2016, p. 196):

“Cada gênero é capaz de dominar somente determinados aspectos da realidade, ele possui

certos princípios de seleção, determinadas formas de visão e de compreensão dessa realidade,

certos graus na extensão de sua apreensão e na profundidade de penetração nela”. Assim, é

interessante ressaltarmos que a quantidade de gêneros vivenciados no contexto escolar não é

garantia da qualidade e do efetivo letramento dos sujeitos.

Acerca desta compreensão errônea das potencialidades do gênero, nossa crítica parte da

projeção dada em abordar o gênero sobretudo na sua forma composicional e mais

especificamente na conjunção de aliar o estudo da língua/da gramática por meio de situações

forçadas em um suposto letramento do gênero. Reduzindo, assim, o tratamento desse como já

sinalizava Bakhtin (2016, p. 92): “Quando o enunciado é tomado para fins de análise linguística,

sua natureza dialógica é repensada, é tomada no sistema da língua (como sua realização) e não

no grande diálogo da comunicação discursiva.”.

Rojo (1998, 2004, 2005, 2013) propõe (re)pensarmos o primado bakhtiniano (Figura 2),

em torno do conceito de gênero, atualizando alguns pontos. Tal atualização se faz necessária

para não incorremos na “enxurrada” de termos para os profissionais da educação, caso estes

indivíduos pensem estar efetivamente abordando uma perspectiva enunciativa dialógica tão

somente por adotarem os estudos dos gêneros e não repliquem essas confusões terminológicas.

Nesta linha de raciocínio, Rojo (2013) nos traz uma percepção das práticas de

linguagem, das práticas comunicativas vislumbradas nos enunciados, compreendendo, por um

lado, como tais práticas se correlacionam aos gêneros e, por outro, como se interligam à situação

comunicativa. Na realidade, práticas de linguagem, gêneros e a própria situação comunicativa

não podem se apartar em um estudo adequado dos gêneros.

Isto posto, questões sobre a esfera de circulação desses discursos, o cronotopo, as

relações sociais entre os participantes e o conteúdo temático perpassado pela apreciação

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valorativa do sujeito discursivo, ganha outro elemento essencial no século XXI quando se

utiliza as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC’s), tais como: as mídias

cibernéticas e suas tecnologias.

Figura 2 – Relações entre os elementos da situação de comunicação, as práticas de linguagem e gêneros do

discurso – Rojo (2013).

Fonte: Adaptado de Rojo (2013, p. 30).

Nesta proposta de reflexão sobre as relações entre os elementos da situação de

comunicação, as práticas de linguagem e os próprios gêneros do discurso, Rojo (2013) revela

como a proposta bakhtiniana pode ser atualizada frente a novos desafios sobre letrar no século

XXI. A autora afirma estarmos diante do “[...] texto contemporâneo, multissemiótico ou

multimodal, envolvendo diversas linguagens, mídias e tecnologias [...]” (ROJO, 2013, p. 19) e

esta realidade nos mostra ser possível quando da compreensão situada da linguagem e das

relações implicadas no funcionamento das esferas ou campos de circulação dos discursos.

Portanto, a escola, enquanto principal agência de letramentos, deve primar em suas

práticas de linguagem por uma educação linguística e crítica dos sujeitos por intermédio dos

gêneros. Ainda neste sentido, o ambiente escolar deveria primar pela produção, circulação e

recepção dos enunciados concretos e vivos da atividade humana. Deste modo, no contato com

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os gêneros da esfera escolar, os discentes também teriam a possibilidade de refletir sobre a

própria linguagem e seus efeitos de sentidos.

Acerca disto, Bakhtin (2019a, p. 43) afirma que: “[...] O destino posterior das

capacidades criativas de um jovem depende em muito da linguagem com a qual ele se forma

no ensino médio [...]”. Consequentemente, ao compreendermos que um enunciado, cuja

realização se dá por intermédio de gêneros e que possui como elemento fundante um projeto de

discurso, de dizer, que se deixa revelar as intencionalidades do sujeito discursivo ao esperar

uma ação igualmente responsiva do seu “ouvinte” / “leitor” / “interlocutor”, revela a dinâmica

de vozes postas na cadeia enunciativa discursiva desse contexto.

Para isto, nossa proposta de análise é pautada em uma abordagem dialógica da

linguagem somada à compreensão das comunidades de prática – consequentemente, do estudo

do gênero relatório de estágio, pois defendemos a síntese feita por Medviédev (2016, p. 193):

“[...] O significado construtivo de cada elemento só pode ser compreendido na relação com o

gênero. [...]”. Prosseguimos, então, para o tópico seguinte, para nossa reflexão sobre gêneros,

lançando um olhar para o todo, para o gênero relatório de estágio, para sua esfera de circulação

e produção de um contexto singular entre a esfera escolar, a acadêmica e a profissional.

2.3.1 O conjunto de plantas nativas: reflexões sobre a esfera de circulação e o

gênero relatório de estágio

Nossa discussão, ao recuperarmos as nuances da receptividade do conceito de gênero,

assim como alguns desdobramentos no âmbito escolar, no final da seção anterior, se refere ao

tomarmos como base que toda atividade humana se encontra permeada, envolta por discursos

nos mais distintos cenários. E, essas atividades, organizadas por intermédio da nossa relação,

homem-mundo, dão-se de forma implicada por meio da produção, recepção e movimento dos

gêneros na sociedade como um todo.

Diante disso, Bakhtin entende que a esfera de circulação do gênero exerce influência

direta na escolha do mesmo gênero e da expressividade ali presentes. Conforme sinalizamos, a

esfera, por sua vez, é um campo de atividade no qual a refração se apresenta entre três eixos:

na relação semântica com o objeto enunciado, na relação com o conteúdo temático expresso, e

na particular relação com a alteridade e a responsividade entre os co-enunciadores (BAKHTIN,

2015, 2016a; SANCHES, 2009).

Neste sentido, inúmeras adjetivações destinadas a esferas da atividade humana se

somam e surgem após o aprofundamento de seus campos, na busca de (re)conhecer as

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particularidades dos quais os sujeitos discursivos compartilham naquele espaço de (re)produção

de distintos gêneros, tais como: cotidiana, jornalística, publicitária, jurídica, política, sindical,

laboral, artística, literária, científica, acadêmica, escolar, dentre outros meios (ROJO, s/d)34. No

caso, tomamos a reflexão sobre as esferas escolar, acadêmica e profissional a fim de

apreendermos as peculiaridades do gênero relatório de estágio.

Sob esta ótica, pautados em diversos autores que investigam práticas de letramento ou

mesmo gêneros que circulam nestes espaços (BESSA, 2016; CASSANY, 2004; CASSANY;

LÓPEZ-FERRERO, 2010; DALMAGRO, 2007; FUZA, 2015; MARINHO, 2010a, 2010b;

MOTTA-ROTH, HENDGES, 2010; ROJO, 2001, 2005, 2008, 2009; SEVERINO, 2005;

SILVA; FAJARDO-TURBIN, 2011; SILVA, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2011; SILVA;

MELO, 2008; SWALES, 1990), compreendemos que existem singularidades em cada campo

de atuação da atividade humana e que um mesmo gênero pode “flutuar” entre esferas distintas.

Assim sendo, no que diz respeito à esfera escolar, Rojo (2001, 2008), inicialmente,

chama atenção e problematiza para o fato de que as práticas de letramentos foram e continuam

sendo ressignificadas especialmente após a década de 1990 e isso influenciaria na construção

ou nas características do campo de atuação sobre as práticas de linguagens a nível da educação

básica, por exemplo.

Tais ressignificações, nas práticas escolares, justificam-se por conta de fatores sociais e

políticos, sobretudo, destacando-se: a confecção de documentos governamentais, cuja proposta

possui viés emancipatório, cidadão e de engajamento discursivo (ABREU, 2011); as alterações

nas políticas de ampliação da oferta e de incentivo à permanência na escola, na tentativa de

aumentar o grau de escolaridade em nosso país, tendo como efeito a entrada de um público

plural; e, ainda neste sentido, podemos citar o advento das tecnologias da informação, por meio

das múltiplas semioses e as respectivas formas de consumo e produção das linguagens dos

sujeitos inseridos neste contexto, bem como o avanço dos estudos linguísticos, sociais e

culturais em ambiente acadêmico.

Deste modo, o universo educacional, diante desse cenário de mudanças, é redesenhado

em uma tentativa de rompimento com uma estrutura tradicional do ensino e da produção dos

gêneros (neste caso, de uma abordagem mais centrada nos aspectos linguísticos-textuais), cujo

foco recaía, no contexto das aulas de língua, no estudo de sequências tipológicas textuais sem

34 O texto de Rojo onde há a classificação das esferas das atividades humana se encontra no glossário do CEALE

(Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita). Disponível em:

http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/esferas-ou-campos-de-atividade-humana

Acessado em: 05 abr. 2020

Page 93: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

92

uma finalidade real e significativa nas salas de aula, como é possível por meio da proposta

bakhtiniana sobre os gêneros do discurso. Logo, na atualidade, há o incentivo em pensarmos o

ensino de línguas no contexto escolar direcionando a “[...] possibilitar que seus alunos possam

participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida

da cidade, de maneira ética, crítica e democrática. [...]” (ROJO, 2008, p. 587).

Portanto, a esfera escolar, por intermédio de sua instituição, destaca-se como a principal

agência dos letramentos, justamente por promover práticas planejadas em torno da aquisição

da cultura do escrito, além de selecionar e demarcar quais dessas práticas associadas à dimensão

desse escrito serão privilegiadas no contato dos discentes com a linguagem (ROJO, 2001,

2008). Gêneros como aulas, anotações, resumos, seminários, resenhas, ensaios, relatos,

exercícios, questionários, dentre outros, caracterizam tal esfera. Porém, assim como evidencia

Rojo (2008), existem também outros gêneros que circulam usualmente em outras esferas e que

estão sendo “escolarizados”, como os das esferas literária, jornalística, publicitária, e,

especialmente, científica35. Porém, destacamos que, no contexto escolar, encontra-se

fortemente presente o caráter do tratamento didático na aprendizagem do gênero diante do

contexto educacional.

Assim, a própria esfera escolar demarca o caráter híbrido de seus gêneros, pelo fato de

sua prioridade primeira, a saber: a própria transmissão dos saberes escolares (BAKHTIN, 2015;

ROJO, 2008). Neste campo são vivenciados gêneros como contos, crônicas, poemas da usual

esfera literária; notícias, reportagens, entrevistas, normalmente da esfera jornalística; artigos,

relatos, experimentos, frequentemente associados à esfera científica. Assim, destacam-se

pontos como esfera de produção e esfera de circulação, pois um determinado gênero não seria

destinado a um único campo da atividade humana, mas pode ser adaptado, replicado, reutilizado

em distintos contextos.

Neste sentido, a esfera escolar revela mais acentuadamente a peculiaridade híbrida de

circulação e recepção dos gêneros de forma a não minimizá-los e caracterizá-los como algo

estanque e sob um único domínio, mas encara os gêneros como algo complexo e multifacetado

- como é a própria linguagem (ROJO, 2008). Logo, diante deste cenário, o objetivo é criar

possibilidades de refletir o próprio conhecimento pelo uso dos gêneros discursivos reforçando

o caráter da aprendizagem significativa dos sujeitos.

35 Nesse último caso, realçamos que a dimensão do científico é experimentado na educação básica no intuito dos

discentes apreenderem conhecimentos e conseguirem dar prosseguimento aos seus estudos, conforme postula a

própria LDB (BRASIL, 1996).

Page 94: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

93

Portanto, a reflexão sobre a esfera escolar nos é valiosa, pois estamos traçando um elo

para compreendermos e olharmos nosso objeto de análise de forma mais holística: o discurso

presente no gênero relatório de estágio. Nosso objetivo não é reduzir o relatório a uma simples

análise, sob um viés estritamente linguístico, mas visamos entender que esse gênero extrapola

os elementos formais de sua produção. Implicam-se, então, a este gênero: a esfera de circulação,

o contexto de produção, os sujeitos discursivos e seus interlocutores, bem como as dimensões

que recorrem o já-ditos e que demarcam uma determinada comunidade de prática. Em outras

palavras, no gênero relatório de estágio, há um sujeito discursivo que direciona seu projeto de

dizer e esse discurso circula em um dado campo do saber. No caso específico, o contexto é do

EMI que possui algumas particularidades que extrapolam o viés da esfera escolar

tradicionalmente configurada.

Leite e Barbosa (2020) defendem que ainda no EMI os discentes possuem, para além

do que é considerado na esfera escolar, o contato com práticas formativas de outras esferas, tais

como a acadêmica e a científica. Para os autores, tais práticas ocorrem, quer seja por atividades

de ensino, quer seja por atividades de iniciação científica, ou ainda, quer seja por atividades

extensionistas.

Estas reconfiguram a dinâmica da associação das práticas de leitura e de escrita dos

alunos, como da esfera escolar; uma vez que “[...] Nessas situações, portanto, os alunos teriam

a oportunidade de interagir com conhecimentos científicos, métodos de pesquisa e gêneros

textuais da esfera acadêmica, os quais poderiam configurar práticas de letramento acadêmico.”

(LEITE; BARBOSA, 2020, p. 235). Salientamos que, ademais da reflexão exposta por Leite e

Barbosa (2020), acrescentamos as práticas formativas de atividades “profissionais” ampliando

o leque sobre qual esfera de atuação e como “classificar” o campo dos gêneros que circulam

neste espaço.

Entretanto, compreendemos que, em nossa ânsia de enquadramentos em suas

respectivas classificações, podemos incorrer em erros no intuito de minimizar, defender

bandeiras ou ainda rechaçar os espaços de produção e de consumo da linguagem. Sinalizamos,

portanto, a necessidade de conhecermos o cenário e aprofundarmos os estudos, pois sabemos

que existem questionamentos, tais como: Podemos considerar a produção desse público como

acadêmica/científica? Podemos afirmar que a produção escrita dos discentes nesse contexto

seria profissional? Ou estamos diante de processos de didatização dessas outras esferas pela

esfera escolar?

Neste ponto, Fischer (2007) ressalta que existe na academia um certo “discurso da crise”

ou “do déficit do letramento” (GEE, 1999). A autora, pautada em Gee (1999) e Soares (2002),

Page 95: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

94

aborda a rotulação existente a alunos ingressantes na universidade: “[...] como incompetentes e

incapazes de participar de práticas letradas nessa esfera social [...]” (FISCHER, 2007, p. 11),

pois se parte do pressuposto ou de uma crença que os alunos já saiam da educação básica

“letrados” para atuarem a qualquer dinâmica do escrito dentro da universidade. Além de termos

ainda uma outra prática usual na academia e pelos órgãos que administram a produção científica

do país em não reconhecer as práticas de letramentos acadêmicos da educação básica em dados

momentos (ABREU, 2020; BATISTA JÚNIOR, 2020)36.

Entendemos que certamente, haverá entre pesquisadores, investigadores e estudiosos

um olhar diferenciado a esse público, tomando como ponto de partida que esses não participam

de práticas acadêmicas, científicas e/ou profissionais em sua formação. Mas, assim como

Fischer (2007, p. 11), defendemos que os alunos devem ser “[...] compreendidos como sujeitos

reais, que têm experiências prévias de letramento [...]”, uma vez que partimos do pressuposto

que, de fato, as práticas de linguagens na educação básica profissional pertencem a outra ordem

se comparadas aos demais contextos da esfera escolar “regular”.

Sob esta ótica, podemos considerar a produção acadêmica e profissional desses sujeitos,

mesmo que embrionária37, pois os alunos do EMI possuem uma formação técnica, acadêmica

e profissional diferenciada. Segundo Abreu (2020), Príncipe (2017, 2020), Leite (2020), Giorgi

e Almeida (2018), esses discentes participam dessas práticas no contexto da educação pública

profissionalizante federal, contando com apoio de especialistas, mestres e doutores que

incentivam a participação dos estudantes em projetos por meio de bolsas ou voluntariado, tais

como: de pesquisa, de extensão e de inovação. Ademais, este público participa de constantes

práticas correlacionadas a eventos acadêmicos-científicos destinados a essa modalidade de

ensino, como: semanas temáticas, feiras, mostras técnicas, encontros, congressos, simpósios,

dentre outros38.

Para Príncipe (2017) e Leite (2020), o que discutimos além das práticas de linguagem

do público da educação básica é a sua própria identidade. Ou seja, a identidade do ensino médio,

em particular a do integrado, que se distancia de sua função primordial aliada à dimensão

36 Até a data de defesa desta tese, as produções de docentes-doutores não eram contabilizadas no coleta Capes,

caso essas tivessem como parceria discentes da educação básica. Em 2020, um grupo de docentes da educação

profissional enviou uma carta aberta solicitando alterações nos critérios de análise, já que as produções e

publicações em parceria são de relevância no agir científico a âmbito nacional (publicações em revistas com qualis

A, participações em eventos/congressos/simpósios, publicações em livros, entre outros), porém não houve retorno. 37 Nossa tese pode contribuir com as investigações sobre o assunto de forma tangencial, uma vez que nos foi

possível analisar as comunidades de prática dos cursos de EMI de Agropecuária e de Edificações, e, assim,

vislumbrar como ocorrem as experiências prévias de letramento por meio de uma participação periférica dos

sujeitos e suas narrativas através do gênero relatório de estágio. 38 Todos os anos a rede participa de diversos eventos, como: a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, O

Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação dos Institutos Federais, a Rede Tec, entre outros.

Page 96: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

95

propedêutica e que por muitos anos era oposta à formação profissional. Por ora, esta identidade

ganha outros contornos, deixando o trabalho e a pesquisa estruturar o próprio ensino médio:

“[...] esta é a novidade no Brasil, porque temos uma tradição academicista, bacharelesca e

escravocrata, que separa trabalho intelectual e manual. O trabalho, a ciência e a cultura devem

ser os eixos constituintes de todo e qualquer ensino médio ‘ofertado’. [...]” (LEITE, 2020, p.

30).

Neste ponto, outros indícios demarcam a singularidade do EMI ao se distanciar da esfera

escolar “regular” ou “tipicamente” caracterizada, como nos é possível afirmar por meio do

incentivo presente na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CEB). A resolução define

as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica Profissional de Nível Médio, nº

06/2012, ao informar que o EMI deve em seus princípios norteadores:

Visar a formação integral dos discentes;

Ter no trabalho seu princípio educativo, aliando “sua integração com a ciência,

a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento

curricular” (BRASIL, 2012);

Assumir e primar a pesquisa como um princípio pedagógico;

Compreender a indissociabilidade entre educação e prática social;

Tratar de forma contextualizada, flexível e interdisciplinar as estratégias

educacionais que sejam incentivadora da compreensão de significados que unam e integram

teoria e prática profissional, somado ao uso das tecnologias de cada curso; e,

Potencializar a “identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso, que

contemplem conhecimentos, competências e saberes profissionais requeridos pela natureza do

trabalho, pelo desenvolvimento tecnológico e pelas demandas sociais, econômicas e

ambientais” (BRASIL, 2012).

Para além destes trechos que destacamos do referido documento normativo e que

guiam a confecção de outros documentos institucionais dos Institutos Federais, percebemos os

indícios de um locus de aprendizagem e, consequentemente, de práticas de linguagens

diferenciadas que partem de um princípio cuja base é fazer da pesquisa, do ensino e do mundo

do trabalho a confluência da identidade desses sujeitos. Como expõe Caetano e Manganeli

(2020, p. 175): “[...] Como princípio educativo, a pesquisa é uma ação do pensamento inserida

na totalidade social cuja construção do sentido é emancipatória. [...]”. E o contexto do EMI

Page 97: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

96

segue o pressuposto em aliar a educação propedêutica à profissional, perpassando o viés da

pesquisa por meio do caráter acadêmico-científico.

Assim, coadunamos com a problematização de Cassany e López-Ferrero, pois em todos

os campos ou esferas de atuação da atividade humana existem “ [...] instituições e organismos

que orientam a maneira de usar essas práticas, com tradições, hábitos, normas e modelos que

fixam em variados graus a estrutura dos textos, sua função, as regras que devem adotar seus

interlocutores, o poder que esses adquirem, etc” (CASSANY; LÓPEZ-FERRERO, 2010, p. 2

– 3 – tradução nossa)39.

Nesta linha de pensamento, defendemos que os gêneros produzidos por discentes de

EMI se encontram, portanto, no limbo da esfera profissional e acadêmica, pois em sua formação

(espaço institucionalizado de transmissão de conhecimento, conhecimento sistemático, não se

limitando somente ao espaço universitário) os estudantes têm contato com gêneros, vivências e

práticas profissionais e acadêmicas (MONTYN; MAZZUCHINO, 2017). No caso específico

do gênero relatório de estágio no EMI, entendemos, de igual modo, que se encontra submerso

em um processo de produção e de circulação do conhecimento, além da exposição de suas

experiências, pois ao recuperar a vivência profissional e relatá-las, o discente deve respaldar

suas ações ancorado em outra vivência, de igual relevância, a acadêmica, para justificar seus

atos.

Em suma, o relatório de estágio por meio de sua estrutura composicional e propósitos

comunicativos revela os elos dialógicos vivenciados pelas práticas (FUZA, 2016). Neste viés,

entendemos e denominamos essa zona fronteiriça do campo de ação social de um grupo

específico como uma esfera acadêmico-profissional.

2.3.1.1 A Semente: O Relatório de Estágio

O gênero relatório de estágio nos resultados de nossas investigações sempre esteve

muito fortemente associado à formação de professores (GALVÃO, RODRIGUES, 2008;

BESSA, BERNARDINO, 2011; REICHMANN, 2012; ALVES, SOUZA, 2013; GUEDES-

PINTO, 2016; SILVA; FAJARDO-TURBIN, 2011; SILVA, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2011;

SILVA; MELO, 2008; entre outros), não sendo, por muitas vezes, o foco de análise o gênero

em sua completude, mas o teor textual por meio das narrativas expressas em seu conteúdo.

39 No original: “[...] instituciones y organismos que ordenan la manera de usar esas prácticas, con tradiciones,

hábitos, normas y modelos que fijan en grados variados la estructura de los textos, su función, los roles que adoptan

sus interlocutores, el poder que adquieren, etc.”

Page 98: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

97

Deste modo, após nossa reflexão em torno das peculiaridades do gênero discursivo

(item 2.3 desta tese), nossa percepção é que o gênero relatório de estágio merece mais atenção,

sobretudo, se pensamos em práticas em contextos distintos (o EMI, por exemplo) do que é

usualmente investigado (a universidade). Diante desta constatação, a análise deve se centrar e

revelar as relações dialógicas entre os interlocutores e o enunciador, bem como descortinar

como se articula a forma arquitetônica do gênero relatório de estágio sob tais condições.

Em nosso entendimento, o gênero relatório, assim como outros gêneros, deve ser

concebido como um excedente de visão por parte do enunciador, uma vez que, ao vivenciar sua

experiência laboral por meio do estágio, no “produto final”, através do relatório, o sujeito tende

a se distanciar e a narrar suas experiências sob a égide das forças centrípetas.

Dito isto, destacamos que, para Bakhtin (2015), as forças centrípetas e centrífugas

imperam na orientação da nossa linguagem, estabelecendo as zonas de conflitos, revelando, de

igual modo, as relações dialógicas por meio da autoria e/ou estilo exposto pelo sujeito

discursivo. Tais forças, por um lado orientam o discurso para a formalidade, para a

normatividade, evitando espaços de digressões, inventividade e inovações, reforçando o gênero

como uma certa “camisa de força” (forças centrípetas); por outro, orientam o discurso para o

externo, para as possibilidades discursivas e enunciativas (forças centrífugas).

Como vemos, estamos diante da unidade e da heterogeneidade da língua, “[...]

evidenciando o constitutivo movimento entre unificação, centralização das ideologias verbais,

orientação a unidade e plurilinguismo real [...]” (BRAIT; PISTORI, 2012, p. 380). Diante desta

realidade, reforçamos o papel do destinatário/do interlocutor, visto que este ocupa uma

determinada posição, exercendo sobre o sujeito discursivo – neste caso, o estagiário – suas

coerções, “[...] construindo seu ponto de vista, suas crenças, por meio do contato com tantos

outros enunciados [...]” (SANCHES, 2009, p. 59).

Rememoremos que: “Um traço essencial (constitutivo) do enunciado é a possibilidade

de seu direcionamento a alguém, de seu endereçamento [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 62 – grifos

do autor). Assim, o enunciado tem um autor e sempre se destina a alguém, estabelecendo por

intermédio do enunciado uma espécie de tríade discursiva: o objeto de discurso – aquilo do que

se fala; o objeto representando – como se fala, marcas de autoria; e, o objeto endereçado – para

quem se fala. Para o Círculo de Bakhtin, o papel do destinatário é elemento fundante do projeto

Page 99: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

98

de dizer, uma vez que este pode ser um “participante-interlocutor direto” ou pode ser “um outro

totalmente indefinido”40.

Ademais, destacamos que no endereçamento da produção discursiva por meio do gênero

relatório sempre ecoam vozes de coerção se pensarmos em uma possível liberdade textual.

Neste sentido, Bakhtin reforça que em alguns gêneros - por intermédio das forças centrípetas

no horizonte verboideológico partilhado entre locutor e interlocutor - há uma tendência a se

construir certas amarras que minimizariam “a entonação” e o “gesto” no projeto de dizer do

sujeito discursivo (BAKHTIN, 2019a). Sob este aspecto, podem ser citados: textos de ordem

científica, de ordem jurídica, de ordem eclesiástica, por exemplo. Assim, seguindo o primado

bakhtiniano e defendido pelo próprio Círculo, mesmo diante dessas forças, as marcas

enunciativas dos sujeitos estão presentes, seja em maior ou em menor grau de exposição.

Em síntese, Bakhtin expõe que cada gênero em seu campo de comunicação discursiva

orienta o ideal ou a concepção típica de destinatário que o gênero exige. No caso do gênero

relatório, os destinatários/interlocutores podem ser os demais colegas de sala de aula, o

orientador, o supervisor, o coordenador do estágio, um público distante (mas que tenha interesse

na temática, pois podem ter acesso ao texto pelas plataformas digitais), dentre outros. Faz

interessante pontuarmos que cada um destes é capaz de influenciar na produção escrita do

sujeito discursivo.

Deste modo, cumpre-nos evidenciar que, em relação às características composicionais

do gênero relatório, encontramos especialmente o caráter prescritivo e normativo sobre o que

se deve escrever e como escrever. Basta centrarmos nossa lupa para a série de manuais ou

tutoriais na internet sobre como dominar a escrita deste gênero ou outros de esferas distintas.

[...] Diferentemente da proposta de Bakhtin, a norma e os manuais entendem

normatização como uniformização de padrões a serem seguidos, sendo que, quanto

menos houver possibilidade de adequações ou mudanças, melhor. Basta atentar-se

para as seguintes afirmações: ‘A consolidação de um padrão aceito por todos deverá

evitar orientações conflitantes a orientandos inseguros, possibilitando maior

qualidade no registro de observações científicas, técnicas e culturais’ (Sá et al., 1994,

p. 15). Percebe-se o conflito de perspectivas: para Bakhtin, os gêneros apresentam

enunciados típicos, mas não rígidos, sujeitos a adequações. Para a norma e os manuais,

a normatização é um padrão rígido a ser seguido. (SANCHES, 2009, p. 43 – 44).

Pontuamos que as discrepâncias ocorrem justamente quando pensamos na

flexibilidade inerente aos gêneros do discurso e a normatividade/padronização exigida nesses

40 Segundo Bakhtin: “A condição de parceiro do diálogo é ocupada pelo público, pelos críticos, pelos cientistas

especialistas, os descendentes, o povo, etc. As várias concepções de ouvintes aos quais se destina o enunciado.”

(2016d, p. 138).

Page 100: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

99

manuais que tendem a guiar a produção escrita, especialmente, de alguns gêneros da esfera

acadêmico-científica. Determinados “modelos” para um jovem aprendiz ou um jovem produtor

de textos podem, a princípio, apresentarem-se como guias que, aparentemente, resolverão por

meio de uma receita o seu propósito comunicativo - que seria produzir um determinado gênero.

Como salienta Sanches (2009), no espaço para a flexibilidade, a mutabilidade, inerente ao

próprio gênero, para além da superfície de sua estrutura textual, estão imbricadas questões

como: projeto enunciativo, campo aperceptivo, interlocutores que medeiam as práticas de

letramentos em contextos específicos, posicionamentos axiológicos, entre outros fatores como

já discorremos ao longo dessa seção.

Ainda sobre as forças que incidem no gênero relatório de estágio, podemos visualizar

que os embates de uma arena dialógica (relações de poder entre locutor e interlocutor) e as RD

presentes como um todo revelam também na ordem de nível macro efeitos associados a

orientações composicionais do gênero. Em outras palavras, as orientações, por intermédio de

documentos institucionais ou normativas a nível de notações técnicas sobre a estrutura de um

dado gênero, inegavelmente, acarretarão adequações com relação ao estilo e ao própria tema,

visando sempre estar de acordo com aqueles que dentro de uma dada comunidade atestam como

válido o discurso proferido naquele gênero.

Ou seja, revelam-se relações de poder (NLS) em uma via de mão dupla, no sentido da

produção escrita discursiva a nível micro (na dinâmica de grupos intradiscursivos) e ao acessar

ao nível macro na adequação do gênero e suas “formalidades”. Conforme evidenciam Valezi et

al. (2018, p. 244), os relatórios possuem como propósito comunicativo participar justamente de

uma “[...] exigência acadêmica. Sua função sociocomunicativa é semiotizar, por meio de

estruturas linguísticas descritivas e narrativas, os resultados ou as ações desenvolvidas após

uma atividade de trabalho relacionada às práticas linguageiras acadêmicas [...]”41.

Como uma ação de linguagem vivenciada a nível de formação, de capacitação dos

sujeitos, o relatório possui ainda uma função avaliativa por parte de um dos interlocutores,

demonstrando como este aspecto também pode moldar o projeto enunciativo dos estagiários.

Neste ponto, cabe-nos reforçar que o gênero relatório deve ser também compreendido como um

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), uma vez que é solicitado geralmente ao final dessa

etapa de ensino42, incidindo mais forças no projeto enunciativo do locutor pelo olhar avaliativo

41 Neste sentido, acrescentaríamos um destaque para as sequências injutivas presentes na descrição do agir em

atividades em torno das práticas linguageiras profissionais. 42 Segundo o Regulamento de estágio do IF Sertão/PE: “O estágio faz parte do Projeto de cada curso e visa ao

desenvolvimento de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando

a formação do educando para a vida cidadã e para o trabalho” (BRASIL, 2015, p. 02) e informa no art.46: “Cada

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100

de seu interlocutor imediato e mediador do letramento, nas figuras como as do orientador e do

supervisor do estágio (PRÍNCIPE, 2017; VALEZI et al., 2018).

Porém, reforçamos que, segundo Bakhtin (2018, p. 220), “[...] onde não há uma forma

adequada à expressão imediata das ideias do autor tem-se de recorrer à refração dessas ideias

no discurso de um outro [...]”. Ou seja, na busca de se revelar, de dizer, de narrar, de descrever

suas vivências e/ou experiências há espaço para rupturas e marcas das relações dialógicas entre

já-ditos presentes no gênero em tela.

Volóchinov (2018) enfatiza que o sujeito discursivo, no papel de autor do seu projeto

enunciativo, integra em sua composição outra forma de enunciar, (re)elaborando outras formas

sintáticas, estilísticas e composicionais para integrar ao campo de atividade de linguagem e, ao

mesmo tempo, deixar sua marca, sua singularidade. Neste processo narrativo, o autor/sujeito

discursivo recupera no discurso do outro, através de um processo alteritário, a representação

necessária para refletir e refratar os discursos daquela determinada esfera de atuação discursiva.

Em síntese, o gênero relatório de estágio apresenta a preponderância das sequências

descritiva e narrativa, porém o aprendiz analisa ainda as suas próprias ações por meio das

experiências apresentardas. Este sujeito discursivo se transforma em outro para que, desta

maneira, se represente sua relação homem-mundo, com vistas a aprovação de um terceiro, em

especial, o orientador, o supervisor, o docente do estágio, por exemplo.

Exprimir a si mesmo significa fazer de si mesmo objeto para o outro e para si mesmo

(a ‘realidade da consciência’). Este é o primeiro grau de objetivação. Mas também é

possível exprimir minha relação comigo enquanto objeto (o segundo estágio da

objetivação). Neste caso, minha própria palavra se torna provida de objeto e recebe

uma segunda voz – a minha própria. Mas essa segunda voz já não lança sombra (de si

mesma), porquanto exprime uma relação pura e toda a carne objetivadora,

materializadora da palavra, foi cedida à primeira voz. (BAKHTIN, 2016b, p. 82)43.

Bakhtin expõe como é possível por meio da relação com o enunciado a revelação do

próprio objeto, a relação com o campo aperceptivo e os co-enunciadores, além de demonstrar

as marcas enunciativas desse sujeito que cria sua identidade na relação eu-outro. Em nosso

caso, o relatório de estágio possui várias forças que incidem no projeto de dizer, no entanto,

conforme salienta o primado bakhtiniano, em qualquer discurso encontramos RD, pois o

discurso concreto é vivo. Considerando estas coerções existentes na adequação discursiva do

Projeto de curso estabelecerá sistemática para avaliação e para aprovação do aluno em estágio, considerando nota

atribuída pela concedente, avaliação do relatório de estágio e autoavaliação do aluno.” (BRASIL, 2015, p. 21). 43 Estaríamos diante de máscaras que o discente estagiário traz para adequar sua escrita, seu projeto de dizer? São

algumas reflexões que podem ser melhor aprofundadas em estudos posteriores.

Page 102: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

101

enunciador, passamos a uma reflexão sobre como alguns materiais validados nacionalmente

compreendem a estrutura formal do gênero relatório de estágio.

2.3.1.1.1 Em busca de um olhar microscópico: a estrutura

No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) norteia as formas como

determinados textos sejam produzidos, na tentativa de padronizá-los. Assim, trazemos, nesta

subseção, em destaque a Norma Brasileira – NBR 10719 (ABNT, BRASIL, 2011)44 e as

definições sobre o gênero relatório por Marconi e Lakatos (2017), quiçá a bibliografia mais

utilizada em nosso país como referência para aparatos metodológicos45. Outros documentos que

norteiam a escrita do gênero para nosso contexto serão abordados quando da análise de nosso

corpus (ver seção 5).

Inicialmente, revelamos que cada instituição adequa as normas sugeridas pela ABNT

para a confecção do gênero relatório de estágio. No caso da NBR 10719/2011, há as

recomendações sobre a confecção do relatório técnico e/ou científico, mas não para o relatório

de estágio46. Em Marconi e Lakatos (2017) de igual forma, a orientação é destinada ao relatório

técnico. Porém, enfatizamos que a diferença essencial entre aquele para esse se encontra: “[...]

enquanto o relatório de estágio descreve e analisa o agir do próprio autor do relatório [...]”

(VALEZI et.al., 2018), o relatório técnico e/ou científico apresenta o resultado de outras

atividades que advenham de uma expertise profissional especialmente acadêmicas-científicas.

Assim, realçamos que a própria NBR 10719/2011 abre margem para que ocorram as

adequações a outros tipos de relatórios, mesmo não sendo o escopo de direcionamento para

esses outros relatórios (administrativos, de atividades, entre outros): “[...] Nesse caso, os

documentos devem sujeitar-se, tanto quanto possível, ao disposto nesta Norma.” (ABNT,

BRASIL, 2011, p. 1). Ainda segundo a NBR 10719/2011, o gênero relatório é entendido como

um “[...] documento que descreve formalmente o progresso ou resultado de pesquisa científica

44 Segundo o site da Associação: “A ABNT é o Foro Nacional de Normalização por reconhecimento da sociedade

brasileira desde a sua fundação, em 28 de setembro de 1940, e confirmado pelo governo federal por meio de

diversos instrumentos legais. [...] A ABNT é responsável pela elaboração das Normas Brasileiras (ABNT NBR),

elaboradas por seus Comitês Brasileiros (ABNT/CB), Organismos de Normalização Setorial (ABNT/ONS) e

Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE).” Disponível em: http://www.abnt.org.br/abnt/conheca-a-abnt

Acesso em: 01 abr. 2020. 45 Partilhamos do conhecimento de inúmeros outros manuais de metodologia científica no país e com igual rigor

técnico, a título de exemplificação trouxemos um recorte direcionado à produção de Marconi e Lakatos (2017). 46 Podemos ainda exemplificar que reconhecemos outros exemplares de relatórios que não são contemplados

nessas normativas ou manuais, tais como: relatório de observação, relatório de estágio de regência, relatório

escolar, relatório administrativo, relatório científico, relatório crítico, relatório de viagem, relatório de prestação

de contas, entre outros.

Page 103: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

102

e/ou técnica [...]” (BRASIL, 2011, p. 3). Por sua vez, a obra de Marconi e Lakatos apenas

apresenta os direcionamentos para a estrutura do relatório, não havendo uma definição mais

clara sobre sua compreensão e finalidades em contextos distintos.

Nesta linha de raciocínio, a estrutura usual do relatório (Figura 3) por meio do viés mais

técnico em torno de sua forma composicional, segundo a NBR 10719/2011, possui uma parte

externa e interna. Esta primeira, sendo opcional, e a segunda, constando elementos de teor

obrigatório na produção escrita, tais como: elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais (na

divisão desses elementos pode ocorrer de existir elementos optativos e obrigatórios, por

exemplo). Relembramos que não é pretensão do documento fornecer orientações sobre o

conteúdo temático, o estilo, e sua forma composicional aliada à forma arquitetônica, como

esboçamos e refletimos em seções anteriores ao longo dessa tese; os objetivos presentes nesse

documento se centram em mostrar as características da estrutura e enfatizar a necessidade do

uso da língua vernacular, tomando como registro a norma-padrão da língua portuguesa.

Figura 3 – Estrutura do relatório.

Fonte: Retirado da NBR 10719/2011 (ABNT, 2011, p. 04).

Acerca deste último ponto, reforçamos que, além da estrutura esquemática da forma

composicional textual, na ABNT, por exemplo, apesar de não ser seu objetivo, encontramos o

Page 104: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

103

registro NBR 10520/200247. Este registo põe, mesmo que de forma embrionária, o pensar a

palavra alheia e como referenciá-la. Neste sentido, é suficiente perceber as orientações sobre as

formas de citar esta palavra alheia e dar créditos à voz do outro por meio das seguintes formas:

citação de citação, citação direta, citação indireta, notas de referências, notas de rodapé, notas

explicativas.

No entanto, convém avultarmos que tais formas apenas orientam a inserção de aspas,

recuos, dados dos autores somado ao ano e página da origem da citação. Assim, não há reflexão

sobre os aspectos semânticos-enunciativos do manejo com a palavra do outro. Inclusive,

conforme destacamos, este não é o objetivo de tais normas, cujo teor é puramente técnico sobre

a estrutura do relatório de estágio.

Por outro lado, a obra de Marconi e Lakatos (2017) apresenta outra divisão (Quadro 2),

não decompondo o texto em elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais. As autoras trazem

outros direcionamentos, por vez, mais relacionados ao próprio relatório técnico e/ou de

pesquisa. Assim, exploram cada parte que compõe esse texto, mas novamente sem maiores

aprofundamentos. Do mesmo modo que os propósitos da ABNT, sinalizamos que Marconi e

Lakatos não analisam o “relatório” sob viés de práticas discursivas, tal como propomos analisar

segundo a noção de gênero do discursivo numa perpectiva da ADD. Na realidade, as autoras

trazem o texto como um trabalho técnico de análise de sua estrutura.

Este encaminhamento nos revela a urgência de investigarmos o gênero relatório,

especialmente numa perspectiva como propomos em nossa tese, pensando em uma vertente de

linguagem que extrapole a técnica e que comungue a respeito da reflexão sobre as condições

concretas de realização, compreendendo os efeitos de sentidos e as relações de poder implicadas

no gênero relatório.

Quadro 2 – Estrutura do relatório por Marconi e Lakatos (2017).

ELEMENTOS QUE COMPÕEM O RELATÓRIO OBSERVAÇÕES

Apresentação Capa Entidade

Título (e subtítulo,

se houver)

Coordenador(es)

Local e data

Para Marconi e Lakatos, o relatório se assimila a um

projeto, precisando fazer pequenas alterações nas

seções que compõe o relatório, uma vez que no

relatório ocorrerá o relato dos resultados alcançados

pelo projeto inicial.

Página

de rosto Entidade

47 NBR 10520/2002 possui como título: Informação e documentação – citações em documentos – Apresentação.

Disponível em: http://www2.uesb.br/biblioteca/wp-content/uploads/2016/05/NBR-10520-

CITA%C3%87%C3%95ES.pdf Acesso em: 18 nov. 2020.

Page 105: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

104

Título (e subtítulo,

se houver)

Coordenador(es)

Equipe técnica

Local e data

Sinopse (abstract) Marconi e Lakatos informam que esta seção deve ser

produzida em no máximo uma página. Sugerem

ainda que quando da composição textual, essa deva

ser escrita por último.

Sumário As auroras dizem que se trata de elencar as partes

que compõe o relatório.

Introdução Objetivo Tema

Delimitação do

tema

Objetivo geral

Objetivos

específicos

As estudiosas pouco esclarecem sobre a composição

da seção introdução, já que aludem que essa abrange

objetivo, justificativa e objeto; devendo conter as

suas respetivas subseções.

Justificativa

Objeto Problema

Hipótese básica

Hipóteses

secundárias

Variáveis

Revisão da bibliografia Marconi e Lakatos comparam novamente essa seção

com o que fora estabelecido na confecção do

“projeto” inicial. As autoras esclarecem que no

relatório, a seção de “revisão da bibliografia” deve

constar as novas obras e trabalhos que tenham sido

objeto de estudo e auxiliaram em algum momento a

atividade executada.

Metodologia Método de abordagem As autoras remontam a explicação dada para a

confecção do projeto, recuperando e salientando

descrever somente os passos que foram adotados e

tentando responder a perguntas, tais como: como?

Com quê? Onde? Quando?

Método de procedimento

Técnicas

Delimitação do universo

Tipo de amostragem

Embasamento

teórico

Teoria de base As escritoras abordam assim como estabelecido na

confecção do “projeto”, nessa seção, deve-se traçar

um apanhado da literatura da área. Definição dos termos

Apresentação dos dados e sua análise Nessa etapa, Marconi e Lakatos informam que será

preciso para melhor demonstrar os resultados inserir

outros elementos, tais como tabelas, quadros,

gráficos, entre outros. Para assim, trazer as

evidências finais.

Interpretação dos resultados As autoras ressaltam que essa é a parte mais

importante do relatório, pois haverá a reflexão dos

Page 106: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

105

resultados e as evidências que confiram ou refutam

as hipóteses iniciais apresentadas no “projeto”.

Conclusões Segundo as autoras, ao redigir essa seção é

necessário ser preciso e categórico, enfatizando as

ações pertinentes ao trabalho.

Recomendações e Sugestões Para Marconi e Lakatos, é nesta seção que se

exploram as possibilidades de ampliação de estudos

e trabalhos outros, pois acaba revelando as lacunas

do que fora vivenciado.

Apêndices Tabelas Segundo as autoras, este ponto é composto pelo

material produzido pelo próprio pesquisador ou

sujeito do relatório. Quadros

Gráficos

Outras ilustrações

Instrumento(s) de pesquisa

Anexos Para Markoni e Lakatos, são os elementos

produzidos pelo o autor do relatório e que

possibilitam esclarecer algumas dúvidas que

ocorrem ao longo do texto.

Bibliografia Nesta seção, segundo as autoras, todas as obras

apresentadas são retomadas e listadas.

Fonte: Adaptado de Marconi e Lakatos (2017, p. 249 a 254).

Conforme observamos, se fizéssemos um estudo mais amplo entre os manuais e

apresentássemos, encontraríamos a pressuposição de que o leitor já possui algum contato prévio

com aquele texto ou ainda que domina outros textos que ali circulam e estão correlacionados,

buscando-o apenas para tomá-lo como um receituário e assim chegar a “fórmula mágica” e

“correta” da escrita (que sabemos inexistente, conforme expusemos ao longo desta tese). Em

síntese, realçamos que, para o nosso estudo, tomamos o gênero relatório de estágio,

compreendendo os objetivos comunicacionais e contextos sociais específicos que delineiam a

forma em sua estrutura e a própria linguagem presentes nesse gênero, não atendo somente aos

aspectos como expostos nesses manuais ou pela ABNT.

Em nossa percepção, para além do reconhecimento do gênero em si (estrutura

composicional, estilo e conteúdo temático), é pertinente e salutar compreendermos, de igual

modo, como o gênero relatório em sua arquitetônica revela sua peculiaridade em captar por

meio de outros gêneros aspectos essenciais para uma organização heterodiscursiva do todo e

que singulariza a ele próprio. Isto significa que os gêneros intercalados48 presentes e

48 Bakhtin aborda a questão dos gêneros intercalados como uma das formas basilares e substanciais de recuperar

a organização e a orquestração de vozes e outros gêneros por meio de um único gênero, no caso o romance. Bakhtin

diz sobre isso que nessa organização do heterodiscurso presente do gênero: “[...] existe um grupo especial de

gêneros que desempenham no romance o mais importante papel construtivo e às vezes determinam por si sós e de

Page 107: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

106

introduzidos no gênero relatório captam em cada de seus contextos formas “[...] verbo-

semânticas de assimilação de diversos aspectos da realidade [...]” (BAKHTIN, 2015, p. 109) e

colaboram na entrecostura das RD entre os já-ditos, seja na forma constitutiva ou na forma

interlocutiva.

Na nossa conjuntura, associando o dizer do discente-estagiário sobre sua relação entre

a teoria e a prática, ao discorrer sobre suas experiências, leituras e práticas de manejo com o

conhecimento, entedemos que temos um levantamento de quais gêneros circundam suas

“experiências prévias de letramento” (FISCHER, 2007, p. 11). Em outras palavras, tais gêneros

emergem e (com)provam, de igual forma, os vestígios/indícios de letramentos exigidos na sua

formação. Neste ponto adentramos em nosso aporte teórico na seção que segue: aprofundar o

nosso olhar teórico (re) conhecendo a abordagem dos estudos dos letramentos.

forma direta a construção do todo romanesco, criando variedades peculiares de gênero de romance. São eles: a

confissão, o diário, a descrição de viagens, a biografia, a carta e alguns outros gêneros. Todos esses gêneros podem

não só integrar o romance como sua construção essencial, mas também definir a forma do romance como um todo

(romance-confissão, romance-diário, romance-cartas, etc.). Cada um desses gêneros tem suas formas verbo-

semânticas de assimilação de diversos aspectos da realidade. O romance usa esses gêneros exatamente como

formas elaboradas de assimilação verbal da realidade.” (BAKHTIN, 2015, p. 108 – 109).

Page 108: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

107

2. A FERTILIDADE DO TERRENO: LETRAMENTO(S) E SEUS

CONCEITOS

Nossa reflexão nesta seção teórica é preparar o terreno, buscando colher os elementos

que criam elos com a proposta da ADD e os letramentos, em uma dimensão transdisciplinar ao

investigarmos nosso objeto de estudo: as relações dialógicas presentes no gênero relatório de

estágio que constituem as comunidades de prática de grupos singulares do EMI dos cursos de

Agropecuária e de Edificações.

Neste sentido, nosso escopo parte em (re)visitarmos o conceito em torno da proposta do

letramento, e refletirmos sobre seus desdobramentos diante das concepções de letramento(s) –

em sua pluralidade: letramentos múltiplos versus multiletramentos; prática(s) e evento(s) de

letramentos; agências e modelo(s) de letramentos; letramentos críticos; e, como nos propomos

a pensar, a zona fronteiriça que demarca o campo de atuação da linguagem nos EMI:

letramentos acadêmico-profissionais.

Aliado a esses pontos, propomos um olhar ao constructo sobre comunidades de prática

em contextos específicos de aprendizagem tal qual se apresenta neste estudo. Deste modo,

buscamos na construção desse grande diálogo somar: a perspectiva dialógica bakhtiniana, os

Novos Estudos do Letramento (STREET, 1984, 2010, 2014; BARTON; HAMILTON;

IVANIC, 2005; BARTON; HAMILTON, 2012; MAYBIN, 2005), especialmente em sua

vertente crítica e sociocultural (CASSANY, 2006; SOARES, 2005; MARINHO, 2010a, 2010b;

ROJO, 1998, 2009, 2012), alicerçando ainda esse trilhar com a abordagem dos Letramentos

Acadêmicos (LEA; STREET, 1998, 2014; LEA, 2004; LILLIS; CURRY, 2006; FIAD 2016a,

2016b) com a noção de comunidade de prática (LAVE; WENGER, 1998; WENGER;

WENGER, 2015; WENGER; McDEMOTT; SNYDER, 2002), para nortear as definições

propostas especialmente para esta tese.

3.1 UM NOVO RAMO: OS NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO

Lembramos, de início, que a produtividade e os desdobramentos sobre a temática dos

letramentos, em especial, no contexto brasileiro, demarca a característica de pensarmos as

relações com a cultura do escrito, levando em consideração alguns aspectos que se associam

desde o processo de alfabetização (leitura e interpretação do código linguístico) até processos

interpretativos e cognitivos que demandam capacidades mais acuradas do que simplesmente a

codificação e a decifração dessa materialidade linguística.

Page 109: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

108

Acerca deste ponto, o manejo com a linguagem associada a particularidades da escrita

ganha relevo ao tomarmos como marco a publicação de Mary Kato em nosso país, No mundo

da escrita, na década de 1980. Este marco introduz o termo letramento mais próximo daquela

segunda abordagem ao compreendermos os fenômenos da linguagem de forma complexa e

multifacetada, considerando que as práticas de leitura e de escrita não são homogêneas ou

lineares, mas que os sentidos são co-construídos nas relações presentes entre os sujeitos e

envoltas em situações de poder.

Tal mudança de perspectiva, ao ecoar novas formas de compreender a leitura e a escrita

para além da materialidade linguística, tem na escola sua principal ancoragem. Porém, a

profusão terminológica e os conceitos imbricados que aproximam e distanciam uma abordagem

centrada mais no viés da alfabetização da outra voltada ao letramento como sinônimo de

práticas sociais discursivas situadas não chegaram de forma tão transparente nesse espaço

institucional. Logo, o conceito sobre o termo acabou se tornando “[...] uma palavra

semanticamente saturada, uma palavra que significa diferentes coisas para diferentes pessoas

de diferentes contextos culturais e acadêmicos, para diferentes pesquisadores para diferentes

professores.” (SOARES, 2010, p. 56).

Esta ampla significação do termo diante desse contexto acaba confundindo, de acordo

com Abreu et al. (2010), sobretudo, os atores educacionais (docentes, técnicos em educação,

diretores, coordenadores, entre outros), bem como até pesquisadores iniciantes e/ou em

formação devido a “enxurrada” das definições sobre o que seria letramento, visto que essa era

até mesmo uma das orientações presentes em documentos governamentais que a prescreviam

na vivência escolar. E, assim como o conceito de gênero, as definições chegam ao “chão da

escola” de forma, por vezes, em um viés simplista e não elaborado de toda a complexidade que

há ao vivenciar a proposta de letramento como algo significativo em seus eventos singulares

que demarcam as práticas e as relações sociais dentro da escola, por exemplo.

Ainda assim, compreendemos que, atualmente (passados quarenta anos da introdução

do termo em nosso contexto), muito se tem avançado sobre o estudo da temática (ABREU,

2018; SOARES, 2010; MARINHO, 2010a, 2010b, 2010c; FIAD, 2016a, 2016b; ROJO, 2009,

2012, 2013; entre outros) e apesar das conotações polissêmicas surgidas anteriormente com a

tradução do termo “literacy”49 sobre a definição de letramentos ainda persistirem em alguns

49 Segundo Soares (2005, p. 17): “Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo

– cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser [...] a condição de ser literate, e literate é definido como

‘educated; especially able to read and write’, educado, especialmente, capaz de ler e escrever. Ou seja: literacy é

o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. Reforçamos, portanto, assim como Soares

(2005), que se apropriar da escrita é diferente de aplicar o código. Nesse caso o sujeito adquire a tecnologia do

Page 110: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

109

casos, o entendimento macro, que essas são essencialmente práticas sociais ideológicas que

perpassam as formas de comunicação humana através da relação com a escrita, vem se

solidificando e se tornando um consenso na academia e na escola.

Reforçamos que, assim como salienta Marinho (2010b), leva-se tempo,

amadurecimento acadêmico, empreendimento por meio de políticas educacionais para que

certas práticas ganhem novos rumos. Em outras palavras, a busca em torno de uma definição

sobre as práticas sociais da escrita em sociedade nasce e cresce com as demandas da própria

sociedade e do amadurecimento das investigações na academia ao estudarmos dados fenômenos

que tenham a linguagem, a comunicação, a interação humana como base.

Defendemos, portanto, a definição de letramento sob as lentes da abordagem dos Novos

Estudos do Letramento ou New Literacy Studies (NLS)50. Para isso, destacamos que, segundo

Oliveira (2010), Kleiman e Assis (2016) e Leite (2020), a denominação deveria ser traduzida

para somente “estudos de letramento” no contexto brasileiro, uma vez que os estudos ancorados

nessa perspectiva já partem do pressuposto de que os letramentos:

[...] como práticas sociais, necessitam ser melhor entendidos nos seus contextos

sociais e históricos; são fruto de relações de poder; servem a propósitos sociais na

construção e troca de significados; formatam e são formatados pela cultura; sofrem

interferência de posições ideológicas, podendo estas serem explícitas e implícitas; são

dinâmicos à medida que são determinados por injunções de natureza econômica

(globalização), tecnológica (recursos da mídia e da internet), política (políticas

públicas de educação) e histórica (certas práticas valorizadas numa determinada época

que perdem o seu valor noutro tempo). (OLIVEIRA, 2010, p. 329).

Neste ponto, conforme salientou Oliveira (2010), os NLS englobam fatores que

extrapolam os elementos linguísticos, dialogando com o externo, com o contexto, com o social.

Brian Street, um dos principais pesquisadores da temática, defende e alcunha essa perspectiva

segundo o viés do letramento como prática social. Assim sendo, destacamos que os NLS

surgiram no Reino Unido com intuito de romper com estudos, investigações, modelos e

programas de letramentos, vigentes na década de 1980 – 1990 (quiçá modelos presentes na

atualidade ainda), nos quais apartavam o contexto social tão importante para a relação com a

cultura do escrito (STREET, 2014; BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005).

Na realidade, a proposta que se revela é de um grande movimento no âmbito das ciências

sociais, no início da década de 1980, que tenta se apartar dos modelos excessivamente

escrito ao codificar e decodificar a língua, diferentemente na apropriação, pois se faz uso dessa como propriedade

e consciência, revelando os efeitos de sentidos existentes na língua e seus códigos. 50 Para esse estudo vamos adotar NLS para se referir aos três termos similares: New Literacy Studies, Novos

Estudos do Letramento ou Estudos do Letramento.

Page 111: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

110

psicológicos e cognitivos individuais, passando a centrar-se nos aspectos sociais e culturais do

uso da linguagem, além de sinalizar o papel constitutivo da própria linguagem dentro de nosso

seio/vida social (GEE, 2005; MAYBIN, 2005, p. 195).

Diante disto, cabe-nos sinalizar que, em sua episteme, a proposta nasce da necessidade

em romper com ideias estruturalistas e cognitivistas a fim de direcionar para uma construção

discursiva do conhecimento e da subjetividade – por um lado, seguindo Foucault, e por outro,

a noção de intertextualidade de Bakhtin, segundo Maybin (2005)51.

Bunzen (2014) atesta ainda outras correlações, mas especificamente, dos

desdobramentos dos NLS em solo brasileiro. Para o autor, os trabalhos buscam, de igual modo,

elos com a sociologia da educação por meio de Pierre Bourdieu e Bernard Lahire; com a “nova

história” através das obras de Roger Chartier, Anne Marie-Chartier, Jean Hébrard e Philippe

Ariès; na linguística com “[...] questionamentos sobre a concepção de aprendizagem da escrita

como algo essencialmente escolar, universal e neutro (Freire, 1975; Soares, 1998; Kleiman,

1995) [...]” (BUNZEN, 2014, p. 08), além de autores com Tfouni, Kleiman e Signorini

(linguística aplicada).

Em síntese, os NLS, após a virada pós-estruturalista, trazem em seus estudos o reflexo

de ideias construtivistas e sociais sobre como as atividades individuais são moldadas e dadas

na criação de sentidos pelos contextos sociais e culturais nas quais ocorrem. Revelando ainda

como essas atividades, por sua vez, são constitutivas de estruturas sociais e processos culturais

maiores.

Neste berço, a proposta dos NLS reflete como as barreiras teóricas podem beber de

diversas fontes e assim caracterizar uma abordagem multi, pluri, inter e, finalmente,

transdisciplinar52, uma vez que, além das áreas da antropologia, da etnografia, da educação, no

universo da linguística, os NLS atraem leituras para sua episteme de diversas correntes da

análise do discurso: Foucault sobre a construção discursiva do conhecimento e da subjetividade;

Bakhtin sobre intertextualidade; Bordieu com a noção de habitus; Análise Crítica dos Discursos

com as relações de poder nos discursos; por exemplo (MAYBIN, 2005).

51 Como expusemos ao longo dessa tese, Bakhtin não trouxe o termo intertextualidade em suas obras, apesar de

encontrarmos indícios sobre o primado da alteridade constitutiva dos discursos. 52 Defendemos, assim como Celani (1998), que a compreensão singular em uma postura multi, pluri e

interdisciplinar apenas observa um objeto em uma situação de integração. Quando pensamos em uma abordagem

transdisciplinar estamos indo além do que somente “[...] a justaposição de ramos do saber [...]” (CELANI, 1998,

p. 132), “[...] Novos espaços de conhecimentos são gerados, passando-se, assim, da interação das disciplinas à

interação dos conceitos, e, daí, à interação das metodologias. A transdisciplinaridade se realiza em uma

problemática transversal, através e além e se dissolve em seu objeto (Faure, 1992) [...]” (CELANI, 1998, p. 133

– grifos da autora).

Page 112: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

111

Neste sentido, coadunamos com as palavras de Bunzen: “[...] Criou-se, assim, um

grande desafio para os pesquisadores brasileiros: compreender a escrita não apenas do ponto de

vista (psico)linguístico, mas também histórico, antropológico e cultural, levando em

consideração as relações de poder.” (BUNZEN, 2014, p. 08). Estas pontes com o contexto

sociocultural é o elo que unifica sobretudo as abordagens enunciativas e pragmáticas, por um

lado, especialmente centrada nas acepções do Círculo de Bakhtin, e, por outro lado, pelo viés

da análise do discurso de linha francesa (MARINHO, 2010c).

Em nosso contexto, nosso diálogo para esta tese, norteamo-nos pela construção e

aproximações com a ADD, mais especificamente. Deste modo, enfatizamos que os NLS trazem

uma nova tradição ao pensar a essência do letramento e sua natureza, pois antes essa se centrava

na aquisição de habilidades para o uso na relação com a escrita, pautando-se ainda por

abordagens dominantes sobre o manejo com o texto e esquecendo-se do letramento como

prática essencialmente social (STREET, 2003, p. 77). Isto implica, atualmente, reconhecermos

a existência de múltiplos letramentos que variam em tempo e espaço, estando imbricadas as

relações de poder. A questão seria, portanto, sinalizarmos quais letramentos são dominantes e

quais são marginalizados nas mais variadas esferas (STREET, 2003).

Diante deste cenário, Barton, Hamilton e Ivanic (2005, p. 01 – tradução nossa) definem

que os NLS partem do pressuposto que: “Os letramentos são situados. Todos os usos da

linguagem escrita podem ser vistos como localizados em sua relação tempo e espaço.

Igualmente, toda a atividade de letramento é indicativa de se inserir mais amplamente em

práticas sociais [...]”53. Para tal, essas práticas estão correlacionadas às instituições sociais e as

implicações das relações de poder que as sustentam.

Dito isto, os NLS nos possibilitam sinalizar para a heterogeneidade das práticas sociais

de leitura e de escrita por meio do uso da língua/linguagem em geral em sociedades letradas

sob a ótica que essas práticas são sociais, histórica e culturalmente situadas, envoltas por

relações ideológicas e de poder, demonstrando que os discursos não são neutros.

Assim, compreendemos ainda que o uso do termo letramento com “s”, deve ser grafada

no plural, pois vivemos em uma sociedade plural e linguisticamente multifacetada, assim, não

devemos pensar em letramento como algo único e pontual, mas vivenciamos essas práticas por

meio dos multiletramentos (ROJO, 2009). Outra reflexão é que, segundo Street (2014), trazer

o termo Letramento com L maiúsculo e no singular é justamente apartar o caráter múltiplo das

práticas letradas, seria designá-lo como algo único e neutro.

53 No original: “Literacies are situated. All uses of written language can be seen as located in particular times and

places. Equally, all literate activity is indicative of broadersocial practices [...]”.

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112

Seguindo esta linha de pensamento, reforçamos que ao tomarmos a concepção de

multiletramentos, devemos sinalizar que esta concepção se distingue da de letramentos

múltiplos. Esta última se refere à multiplicidade e à diversidade das práticas de letramentos que

ocorrem em nossa sociedade, ao passo que os multiletramentos retrata “[...] a multiplicidade

cultural e a semiótica, especificamente, os distintos modos de representação presentes na

constituição dos textos [...]” (BAPTISTA, 2016, p. 67).

Para Leite (2020, p. 61), o conceito de multiletramentos está relacionado: “[...] por um

lado, a diferentes canais, códigos ou sistemas semióticos de comunicação e de mídia e, por

outro, à crescente diversidade cultural e linguística em termos de globalização, migração,

mudanças no mercado e multiculturalismo.” Logo, é a partir da constatação de que existem

letramentos múltiplos (profusão de inúmeras formas e exemplos de práticas de letramentos em

variados espaços) e multiletramentos, este último possibilita a formação crítica de sujeitos, no

qual o escopo se direciona para a natureza social da leitura e da escrita, valendo-se de sua

multiplicidade de ocorrências, mas sob o viés de perspectivas transculturais de interpretação –

STREET, 2014) que apontamos o papel da escola enquanto facilitadora de bens culturais a seus

aprendizes, ou ainda, como agência de letramentos (ABREU, 2018). Neste tocante, Rojo (2009,

p.101) afirma que:

[...] um dos objetivos principais da escola é justamente possibilitar que seus alunos

possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita

(letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática. Para fazê-lo,

é preciso que a educação linguística leve em conta, de maneira ética e democrática,

os multiletramentos ou letramentos múltiplos, os letramentos semióticos e os

letramentos críticos e protagonistas.

Cabe à escola, como agência de letramentos, possibilitar essa educação linguística ao

fortalecer a formação do aprendiz em pleno século XXI, ao partir do pressuposto que

capacitamos, nesse contexto, um alunado multicultural. Por sua vez, o público discente

consome e produz linguagens de forma rápida e de alcance global com o borbulhar de inserções

tecnológicas em nosso cotidiano e tem na escola a possibilidade de vivenciar projetos de futuro,

segundo uma “pedagogia dos letramentos”, sob os caminhos: de uma diversidade produtiva, de

um pluralismo cívico e de (re)conhecimento de identidades multifacetadas por meio da relação

com a cultura do escrito (ROJO, 2013).

Avultamos que, no cenário brasileiro, sobretudo após a publicação e divulgação desta

abordagem em documentos governamentais (ABREU, 2012), há a sugestão em reformular

paradigmas educacionais que centrassem o sentido na imanência do texto e que acabassem

Page 114: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

113

dissociando o sujeito de práticas reais comunicativas da linguagem, incentivando a perspectiva

dos letramentos na escola. A proposta seria conceber educar os aprendizes por meio de uma

educação linguística (OCNEM, BRASIL, 2006), em busca de uma formação cidadã54. Assim,

a própria BNCC (BRASIL, 2017) enaltece tais pontos e espera mudanças no cenário

educacional.

Acerca deste estímulo, para uma educação linguística, temos a possibilidade de

incentivarmos no contexto educacional o engajamento discursivo dos discentes em processos

de produção e de interpretação para além das linhas textuais (CASSANY, 2006; ABREU,

2011). Rojo (2005, p. 207) aponta esta possibilidade ao unificarmos o trabalho dos gêneros

discursivos em uma proposta do letramento ao explorarmos “[...] as características das situações

de enunciação [...]”. Contudo, Street (2003, 2014), ao trazer e defender o propósito dos NLS

para a natureza social dessas práticas de letramentos em eventos específicos, lembra-nos e

critica intensamente a perspectiva autônoma do letramento muito vivenciada entre os muros

escolares, pois, de acordo com o autor, a mesma favorece “[...] uma forma particular de

letramento sobre as muitas variedades que a pesquisa agora mostra existirem mundo afora. [...]”

(STREET, 2014, p. 13).

Neste ponto, destacamos a associação com o modelo autônomo do letramento, pois para

Street, a palavra modelo designa a forma deliberada para se “[...] referir a perspectivas

conceituais que padronizam noções sobre como é o mundo [...]” (STREET, 2010, p. 36). De

acordo com o autor, há dois modelos contrapostos neste contexto: o modelo autônomo versus

o modelo ideológico do letramento. No primeiro deles, o entendimento parte de uma concepção

“[...] centrada no sujeito e nas capacidades de usar apenas o texto escrito [...] As instituições, o

texto, os sujeitos são tratados de forma homogênea, independentemente do contexto social [...]”

(BUNZEN, 2014, p. 9). Sob esta perspectiva, os alunos são tábulas rasas, não trazem

conhecimento para ser partilhado, estão e “participam” da escola somente para absorver,

escutar, mas não para interagir. Assim, como Paulo Freire, Street se refere a essa visão bancária

da educação como aquela: “[...] que pensa os alunos como vasos vazios e que vamos

derramando nosso conhecimento em seus espaços vazios. [...]” (STREET, 2010, p. 47). Deste

modo, Street defende, assim como nosso patrono, a escuta, a compreensão que “[...] Esses

54 Tomamos a compreensão de formação cidadã assim como formulado por Abreu (2011, p. 23 – 24): “[...]

conjunto de ações possibilitadas no ambiente educacional: o acesso ao conhecimento, a constituição do sujeito

(valores e atitudes); o agir e o posicionar-se no mundo de forma consciente e crítica; o contato com outras formas

de interação através da linguagem; a oportunidade de debater e de compreender as desigualdades, relações de

poder, na sociedade como um todo; entre outros.”.

Page 115: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

114

alunos estão engajados em uma sociedade, em uma cultura em que a escrita pode ocupar grande

espaço. [...]” (STREET, 2010, p. 49). Para Bunzen (2014, p. 09 – destaques do autor):

[...] O maior esforço, então, consiste em avaliar o que os sujeitos sabem sobre alguns

textos escritos com raras preocupações sobre como as pessoas os usam e o que

fazem com eles em diferentes contextos históricos e culturais. No entanto, as

discussões propostas por Street (1984, 38-39) mostraram que os sujeitos estão imersos

em um ‘armazém de conceitos, convenções e práticas’, ou seja, vivemos práticas

sociais concretas em que diversas ideologias e relações de poder atuam em

determinadas condições, especialmente se levarmos em consideração culturas locais,

questões de identidade e as relações entre os grupos sociais. Assim, em oposição ao

modelo autônomo do letramento, Street defende um ‘modelo ideológico’ para

compreender o letramento em termos de práticas concretas e sociais. Ou seja, as

práticas letradas são produtos da cultura, da história e dos discursos.

Portanto, a escola como principal agência do letramento (ROJO, 2009, 2012) deveria se

abrir para outras possibilidades de formação e assim acompanhar o progresso, sobretudo

tecnológico, que influencia as novas formas de comunicação, de interação social, inclusive

remodelando a cultura escrita. Para Street, pautar-se segundo uma Pedagogia dos letramentos,

é preciso ir muito mais além do operacionalizar técnicas sobre a função da linguagem, é

necessário auxiliar os discentes “[...] a adquirir consciência da natureza social e

ideologicamente construída das formas específicas que habitamos e que usamos em

determinados momentos.” (STREET, 2014, p. 23).

Deste modo, a questão se torna bem mais complexa: educar para a cidadania, educar

sob o viés de um engajamento discursivo, engajamento crítico, significando problematizar esses

espaços de domínio de poder. O desafio em uma educação que rompa com o paradigma

bancário é necessário para transformar o sujeito em seu locus de formação, no caso a própria

escola (ABREU, 2018).

Outras noções basilares para os NLS são as concepções sobre eventos e práticas de

letramentos que se associam ao contexto de consumo, de produção e de recepção sobre a cultura

do escrito e são noções distintas, mas que se complementam. Assim sendo, nos eventos de

letramento55 temos a singularidade como característica, descrevendo uma situação particular de

interação mediada por meio do texto escrito (MARINHO, 2010c, p. 78); ao passo que nas

práticas de letramentos encontramos aspectos que nos revelam padrões nesses eventos,

associando ao conjunto dessas regularidades (STREET, 2010). Enfatizamos que nas práticas há

um elo com a concepção cultural sobre a dinâmica com o escrito. De acordo com Barton e

55 Heath (1986) foi o pesquisador quem alcunhou o conceito de eventos de letramento pautado na área da

sociolinguística (com Hymes), mais precisamente, na teoria que investiga os eventos de fala.

Page 116: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

115

Hamilton (2005, p. 08), integrantes do grupo sobre os NLS conjuntamente com Street, a

distinção entre eventos e práticas de letramento deve ser tomada da seguinte forma:

O letramento é melhor compreendido como um conjunto de práticas sociais;

estas podem ser inferidas de eventos que são mediados por textos escritos.

Existem diferentes letramentos associados a diferentes domínios da vida.

As práticas de letramento são moldadas por instituições sociais e relações de

poder, e alguns letramentos são mais dominantes, visíveis e influentes do que outros.

As práticas de letramento são intencionais e inseridas em objetivos sociais e

práticas culturais mais amplas.

O letramento é historicamente situado.

As práticas de letramento mudam, e as novas são frequentemente adquiridas

através de processos de aprendizagem informal e de atribuição de sentido – (grifos

dos autores, tradução nossa)56.

Neste sentido, as regras que se encontram subjacentes a um determinado evento se

dilatam às práticas de letramento, ao contexto social, histórico e cultural dos grupos nos quais

ocorrem esses próprios eventos (MARINHO, 2010c, p. 79). Além disso, Street (2010, 2014)

salienta que para além de compreendermos as práticas como regularidades dos eventos de

letramentos, estas trazem implicações para políticas educacionais, sinalizam caminhos,

possibilidades de investimentos, e, mais ainda, status nas relações de poder sobre o que

devemos produzir e o que devemos consumir dentro da escola, da academia, dos mais variados

espaços de formação ou espaços institucionalizados (FISCHER, 2007). Porém, ressaltamos a

reflexão posta por Street (2010), sobretudo ao associarmos a nossa proposta de compreensão

da esfera acadêmico-profissional e que denominamos letramentos acadêmico-profissionais de

discentes-estagiários de EMI:

[...] Quando se têm práticas de letramento social, há subcategorias dessas práticas:

práticas de letramentos acadêmicas, práticas de letramentos comerciais, práticas de

letramento religiosas e talvez práticas de letramento digitais. Minha preocupação é

que se proliferem tipos demais de práticas de letramento. Em alguns casos, elas estão

vinculadas à tecnologia em lugar das práticas sociais. Letramento de computação,

letramento tecnológico são exemplos de terminologias usadas para descrever

determinadas máquinas: televisão, computadores, celulares. O perigo é ir longe

demais nessa direção tecnológica e começar a esquecer o componente social, como se

a tecnologia isoladamente fosse o fator a determinar a natureza do letramento:

letramento de internet, letramento de computação. Nessa nomenclatura, parece que é

56 No original: “• Literacy is best understood as a set of social practices; these can be inferred from events which

are mediated by written texts.

• There are different literacies associated with different domains of life.

• Literacy practices are patterned by social institutions and power relationship, and some literacies are more

dominant, visible and influential than others.

• Literacy practices are purposeful and embedded in broader social goals and cultural practices.

• Literacy is historically situated.

• Literacy practices change and new ones are frequently acquired through processes of informal learning

and sense making.”

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116

o computador como máquina que determinou o letramento em vez das práticas sociais

que determinaram como usamos o computador. [...] É sempre o contrário: as práticas

sociais determinam como usamos a tecnologia. (STREET, 2010, p. 44 – 45).

Neste sentido, o nosso escopo deve recair sobre os usos sociais da linguagem, da

interação que se faz naquele contexto com os usos sociais da escrita. Esta é a nossa bússola

quando nomeamos letramentos acadêmico-profissionais para os discursos que deixam revelar

esses letramentos em contextos específicos que o uso social do escrito esteja presente, tal como

nos relatórios de estágio. Posto isto, na subseção a seguir, refletimos sobre as proximidades

entre as duas correntes que sustentam nosso aparato teórico: a ADD e os NLS.

3.1.1 Nós e entrenós: aproximações entre a ADD e os NLS

Os NLS partem do pressuposto da vivência com a cultura do escrito em uma intrínseca

relação com o domínio dos gêneros discursivos em contextos específicos, haja vista que a

definição de sujeito letrado se orienta na acepção daquele sujeito que compreende, consome e

produz um determinado gênero diante de determinadas circunstâncias sociais, históricas e

culturais. Isso potencializa no contexto de aprendizagem (desde a escolar, perpassando a

universitária, laboral ou demais cenários onde a aprendizagem possa ocorrer) os aprendizes

“[...] a apreenderem conceitos, apresentarem e construírem informações novas, compararem

pontos de vista, argumentarem, levando-o, de igual modo, a autonomia de construir seu

processo de aprendizagem [...] ” (ABREU, 2012, p. 44), tudo isso por meio da relação com o

texto.

Tais características, em adotar a abordagem dos letramentos com uma visão para as

práticas sociais ideológicas presentes nessas vivências com o texto escrito ou com distintos

gêneros discursivos, fornecem-nos pistas como podemos dialogar com os estudos da ADD, cujo

objetivo seja educar para uma formação cidadã. Ademais, nos NLS a relação com a linguagem

não deve ser tida, em seus efeitos de sentidos e intencionalidades discursivas, como algo neutro,

mas sempre consideradas envoltas em relações de poder.

Este é um fato próximo do que defende a ADD, visto que, segundo essa perspectiva

teórica, todo discurso é ideológico, sendo o material social criado pelo homem nas suas relações

que dão existência ao próprio “material sígnico” específico, rico em valorações, posições

ideológicas (VOLÓCHINOV, 2018, p. 96). Realçamos ainda que, para além destes elos, o

próprio nascituro dos NLS remonta a Bakhtin, associando a noção de intertextualidade, e que

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117

tomamos para essa nossa tese como sinônimo de dialogismo ao nos ancorarmos em uma

proposta bakhtiniana e do Círculo.

Neste ponto, em relação à noção de intertextualidade relacionada a Bakhtin de acordo

com os “fundadores” dos NLS, optamos por refletirmos e abrimos um parêntese nessa

associação, pois, defendemos que essa ponte foi erroneamente destinada às ideias do Círculo,

quer seja por questões de traduções, quer seja por confusões teóricas nos desdobramentos feitos

por Kristeva (FIORIN, 2014; BEZERRA, 2018), por exemplo. Assim, coadunamos com

estudiosos e comentadores da obra do Círculo (BRAIT, 2012, 2014a, 2014b; SOBRAL, 2009;

PAULA, 2013; entre tantos outros), que o que há de definidor nos escritos do Círculo de

Bakhtin é a noção de dialogismo, passo esse constitutivo da própria linguagem e definidor dos

discursos, das formas como se manejam os enunciados nas mais variadas atividades humanas,

em contextos sociais e temporais específicos.

O dialogismo, em outras palavras, entende que a realidade se apresenta para o homem

semioticamente, pois os discursos não se relacionam diretamente com o objeto/as coisas, mas

a outros discursos que se relacionam diretamente a esses de forma semiotizada

(VOLÓCHINOV, 2018; FIORIN, 2014). Esta é a distinção que tomamos como norte ao

pensarmos nos NLS, a compreensão para intertextualidade é por nós reconfigurada segundo as

ideias do Círculo de Bakhtin, visto que não houve essa definição, mas nos orientamos a pensar

no dialogismo como elo fundante das práticas comunicativas, consequentemente, de

letramentos, segundo a essência bakhtiniana.

Sinalizamos, ainda, que os NLS acabam revelando caminhos e possibilidades de se

estudar a escrita ou as relações ali postas que envolvem a cultura do escrito como base para

ampliarmos as reflexões teóricas e metodológicas no campo das ciências humanas, sob um viés

transdisciplinar (BUNZEN, 2014). De acordo com este viés, a noção de letramento como

prática social e a associação com os contextos ali imersos direcionam os trabalhos e sua

compreensão na construção de pontes com outras abordagens. Conforme sinaliza Street (2003),

os NLS têm, sobretudo, um compromisso crítico com uma teoria social, já que “[...] o quadro

no qual a pesquisa sobre letramento é conduzida ainda está sendo reconfigurado para incorporar

questões complexas como poder, identidade e agência” (STREET, 2014, p. 14).

Destacamos, portanto, que a ADD demarca seu compromisso ético, de igual modo, com

a responsabilidade e a responsividade em um processo alteritário de se (re)conhecer como

sujeito diante da relação com o outro, com o seu interlocutor, valendo-se do contexto para

compreender as RD que implicam valores e ideologias presentes nos enunciados discursivos,

por exemplo. E, diferentemente do que propõe os NLS, ao associar questões de identidade,

Page 119: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

118

representações e ideologias ao indivíduo por meio dos letramentos, a ADD parte do pressuposto

que a identidade do sujeito surge da alteridade, pois o sujeito único e singular é permeado por

inúmeras RD com outros: “[...] o lugar da alteridade é onde a identidade pode se constituir.”

(MIOTELLO, 2018a, p. 23).

Diante deste contexto, temos uma mudança de eixo de valor na constituição do sujeito,

mudamos de uma visão egocêntrica, pautada no “eu”, na identidade “una”, para uma noção de

relações de alteridade, perpassando que é no processo interativo, interacionais, constitutivos da

relação do eu com o outro que se constrói a identidade do sujeito (MIOTELLO, 2018b).

Entretanto, sinalizamos que os NLS são abertos ao diálogo e vivem um período de um pouco

mais de trinta anos (no Brasil, se tomarmos como marco a obra de Kleiman em 1995; e quarenta

se remontarmos ao surgimento dessa abordagem no Reino Unido) de intenso debate que busca

somar estudos, teorias e a experiência vivenciada por vários investigadores no rastro ainda de

estabelecer caminhos mais robustos e cada vez mais menos insular ou isolados (STREET, 2003,

2014).

Seguindo este raciocínio, pesquisarmos os eventos e as práticas de letramentos significa

revelarmos como os usuários se dinamizam através dessa cultura do escrito, e, como esses

manuseiam, produzem e consomem as linguagens ali postas em dados contextos. O próprio

Street (2003, 2014) salienta que os NLS não têm a pretensão de ser uma teoria com uma

metodologia fechada, hermética, pois bem sabe que os currículos (se tomarmos a esfera escolar

como caso análogo), as bases pedagógicas de dados projetos escolares priorizam o conteúdo a

ser ministrado e que nem sempre possibilita associar aos NLS.

Este cenário faz com que os sujeitos educacionais tomem medidas e atitudes que

busquem adequações ao seu local de trabalho, a pressões que, por muitas vezes, não se abrem

para pensar contextos culturais híbridos de aprendizagem, relacionando assim a escolas apenas

como depósito do saber e não como espaço produtor, consumidor e divulgador do conhecimento

(STREET, 2003, p. 84).

Street enfatiza, portanto, que o contexto é o fator que orienta os NLS e suas aplicações,

pois cada situação tem sua particularidade e não podemos pensar que uma mesma proposta de

trabalho, de letramento, teria sucesso em qualquer espaço de forma unânime. Isto posto,

resgatamos o que Maybin nos diz sobre a importância de investigarmos os letramentos numa

perspectiva discursiva, pois:

Sugiro que a tomada de ideias seja mais complexa sobre discurso e intertextualidade

nesses estudos de letramento, permitindo aos pesquisadores conceituar mais

claramente o papel fundamental do letramento e das práticas na articulação dos

Page 120: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

119

vínculos entre a experiência cotidiana das pessoas, instituições e estruturas sociais

mais amplas. É também possível permitir que eles explorem questões de poder,

através do exame da relação de contextos entre micro e macronível. (MAYBIN, 2005,

p. 195 – tradução nossa) 57.

Maybin complementa que os eventos de letramentos trazem uma riqueza tanto com

relação aos significados individuais, bem como sociais. Daí, a noção de práticas, em um

contexto macro, fornece um arcabouço conceitual e metodológico para compreendermos essas

inter-relações partindo de três níveis de análise, conforme exposto na Figura 4. Neste ponto, as

singularidades expressas nos eventos de letramentos demarcam vínculos com a proposta

bakhtiniana ao entendermos o sujeito, pois é no mundo vivido enquanto singularidade, como

experiência única, que cada sujeito se encontra e participa do mundo social.

Figura 4 – Níveis de análise de práticas de letramentos por Maybin (2005)58.

Fonte: Maybin (2005, p. 196).

Conforme nos diz Ponzio (2010, p. 21), nessa vivência única, “[...] a vida é transformada

em objeto e situa a identidade sexual, étnica, nacional, profissional, de status social, em um

setor determinado do trabalho, da cultura, da geografia política, etc.”. Por isso, Maybin (2005)

traz a título de exemplificação a reflexão de Hamilton sobre como podem ocorrer essas análises,

pois os componentes que caracterizam os eventos de letramentos postulam distintos aspectos

57 No original: I shall suggest that the taking on of more complex ideas about discourse and intertextuality in these

studies of literacy enables the researchers to more clearly conceptualise the pivotal role of literacy practices in

articulating the links between individual people’s everyday experience, and wider social institutions and structures.

It also enables them to explore issues of power, through examining the relationship between micro—and macro-

level contexts. 58 Tradução nossa e no original: “(a) individual activities, understandings and identities; (b) social events and the

interactions they envolve; (c) broader social and institutional structures”.

Atividades individuais, compreensões e

identidades

Eventos sociais e interações que envolvem

Estruturas sociais e institucionais mais amplas

Page 121: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

120

da prática social que a correlaciona (MAYBIN, 2005, p. 198), corroborando a reflexão posta

por Ponzio.

Deste modo, quando as pessoas, por exemplo, interagem com uma fotografia exposta

em um jornal, há por trás toda a relação de participantes “invisíveis” que “[...] estiveram

envolvidos na produção, circulação e regulação do texto. Esses participantes invisíveis estão

associados a coleções particulares de sistemas de crenças, julgamentos de valor e relações de

produção, e todos estes também têm uma influência sobre como os textos [...]” (MAYBIN,

2005, p. 198 – 199 – tradução nossa)59 são manejados e como passam ganhar significados

outros.

Neste quesito, Maybin nos diz ainda que: “[...] Em um sentido bakhtiniano, a

reprodução e o enquadramento das imagens configura relações intertextual e significados

potenciais de forma semelhante às conotações de gêneros e registros que são invocados pela

reprodução de uma voz particular [...]” (MAYBIN, 2005, p. 199 – tradução nossa)60. No

entanto, compreendemos que mais que isso, amparados em reflexões bakhtinianas e do Círculo,

visualizamos como essas relações refletem e refratam posições axiológicas, relações dialógicas

com outras vozes, demonstrando a essência do dialogismo.

Maybin enfatiza também que recuperar os discursos produzidos em um nível local

proporciona ao pesquisador correlações com estruturas sociais mais amplas: “[...] como os

discursos carregam potenciais particulares para o posicionamento dos indivíduos e sua

subjetividade, sua articulação nas atividades locais também está atrelada a negociações e lutas

em torno do sentido das pessoas de sua própria identidade. [...] (MAYBIN, 2005, p. 200 –

tradução nossa)61.

Logo, Maybin pontua a necessidade de pensarmos em um termo que melhor designe

essa relação do micro com o macro e vice e versa. Para a autora, devemos pensar mais além da

intertextualidade, da intercontextualidade ou ainda da interdiscursividade, apesar de

compreender a importância teórica desses vocábulos. Diante disso, coadunamos com a

pesquisadora, pois a dinâmica que se entrelaça nas atividades cotidianas de letramentos dos

59 No original: “[...] who are interacting with the text in a newspaper photograph, there are also the invisible

participants who were involved in the text’s production, circulation and regulation. These invisible participants

are associated with particular collections of belief systems, value judgements and relations of production, and all

these also have a bearing on how the texts are used [...]”. 60 No original: “[...]Bakhtinian sense, the reproduction and framing of images sets up intertextual relationships and

potential meanings in a similar way to the connotations of genres and registers that are invoked by the reproduction

of a particular voice [...]”. 61 No original: “[...]The articulation of these discourses at a local level therefore provides a key linkage with

broader social structures. In addition, because discourses carry particular potentials for the positioning of

individuals and their subjectivity, their articulation in local activities is also tied up with negotiations and struggles

around people’s sense of their own identity. [...]”.

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121

sujeitos representam algo maior, mais além, pois estamos pensando em instâncias

ideológicas/esferas ideológicas nos quais são negociados sentidos, construção da identidade por

meio de processos alteritários, relações sociais e a própria consolidação de estruturas

institucionais (nos lembrando assim a relação dos gêneros primários e secundários que se

retroalimentam diante do mundo ideológico, conforme expusemos na seção anterior).

Tais vínculos podem ser direcionados e reforçados como o que é proposto por Maybin

(2005), na Figura 4, a título de exemplificação: 1. Os dimensionamentos relacionados a

circulação e produção de gêneros primários e secundários; 2. As práticas discursivas que

refletem e refratam relações dialógicas; e, 3. As materialidades textuais discursivas. Não

diferente, esses espaços se deixam revelar pelas marcas do discurso as esferas ideológicas que

se materializam por sua vez nos mais diversos gêneros, por isso podemos vislumbrar as

características que demarcam os grupos investigados através da materialidade discursiva

presente em um dado gênero, se tomarmos como ponte o nosso contexto: o gênero relatório de

estágio.

Portanto, costuramos mais esse ponto em nosso projeto, pois essa noção de relações nos

discursos, nos gêneros discursos, que essa “sociedade letrada” tem contato, nos dá o arremate

para somarmos a ADD e os NLS. Volochínov (2013a, p. 141 – grifos do autor) sinalizava que

a linguagem presente nos gêneros “[...] É o produto da atividade humana coletiva e reflete em

todos os seus elementos tanto a organização econômica como a sociopolítica que a gerou”. Em

síntese, a própria linguagem coopera de forma a criar os grupos, as divisões de classes e os

patrimônios da sociedade. Para Bakhtin (2016a, p. 41):

Muitas pessoas que dominam magnificamente uma língua sentem amiúde total

impotência em alguns campos da comunicação, justo porque não dominam na prática

as formas do gênero desses campos. Com frequência, uma pessoa que tem pleno

domínio do discurso em diferentes campos da comunicação cultural – sabe ler um

relatório, desenvolver uma discussão científica, fala muito bem sobre questões sociais

– em uma conversa mundana cala ou intervém de forma muito desajeitada. Aqui não

se trata de pobreza vocabular nem de estilo tomado de maneira abstrata; tudo se

resume a uma inabilidade para dominar o repertório dos gêneros da conversa

mundana, à falta de um suficiente acervo de noções sobre um enunciado inteiro que

ajudem a moldar de forma rápida e descontraída o seu discurso nas formas estilístico-

composicionais definidas, a uma inabilidade para tomar a palavra a tempo, começar

corretamente e terminar corretamente (nesses gêneros, a composição é muito

simples).

Logo, o domínio de um repertório de gêneros correlacionamos aos letramentos do

sujeito e que imbricados a eles, mais além do que a apropriação do código linguístico, estão

outros fatores: como a competência partilhada entre seus membros (definição proposta pelos

NLS) ou horizonte social partilhado (definição proposta pelo viés bakhtiniano); o

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122

pertencimento a um determinado grupo social (comunidade) e o reconhecimento das tradições

do gênero partilhado; e, a própria prática, o uso, as relações do gênero na vida dos sujeitos.

Diante disto, na subseção posterior aprofundamos nosso estudo, buscando

contribuirmos com determinadas lacunas anteriormente sinalizadas ao longo desta

investigação. No caso, adentramos no debate sobre os letramentos acadêmicos e profissionais,

para em seguida, vislumbrarmos a reflexão sobre comunidades de práticas e comunidades

discursivas.

3.2 NA FLORAÇÃO: LETRAMENTOS ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS

Em nosso percurso investigativo, além da ADD, tomamos como norte os NLS como

uma visão que parte do pressuposto de que o letramento deve ser estudado como uma prática

social em uma perspectiva transcultural (STREET, 2014). Neste cenário, compreendemos o

distanciamento necessário em pensarmos a visão dominante do letramento, cujo tratamento o

faz como uma habilidade “neutra” ou até mesmo por meio de uma simples “técnica”, mas que,

por outro lado, partíssemos da compreensão dos letramentos como práticas ideológicas envoltas

em relações de poder, nos quais reverberam significados e práticas culturais singulares.

Assim, o contexto real de uso social da leitura e da escrita é o grande pilar dos estudos

sobre letramentos. Ao abordamos esses estudos, trouxemos à baila a noção de multiletramentos,

visto que em suas práticas, por meio de letramentos múltiplos, os tons valorativos, os papéis

sociais elencados pelos participantes e os textos que esses sujeitos produzem e consomem

partem, de igual forma, do pertencimento a um grupo, a um domínio, a uma esfera de produção

e de circulação. Como exemplo, podemos citar o letramento escolar, o letramento profissional,

o letramento matemático, o letramento religioso, o letramento acadêmico, entre tantos, que

conferem aos seus usuários em seus contextos particulares a forma de como se ocorre a cultura

escrita naquele espaço (OLIVEIRA E PAIVA, 2019; SOARES, 2010; VIANNA et al., 2016).

Sob esta ótica, centramo-nos, nesta seção, em ampliarmos o debate sobre o domínio dos

letramentos acadêmicos e profissionais, pois compreendemos, como discutimos na seção

anterior, a esfera escolar no contexto do EMI possui particularidades outras que são distintas

da usualmente “configurada”. A princípio, partimos da constatação de que discentes de EMI

produzem, consomem e vivenciam experiências relacionadas a uma determinada cultura

acadêmica já no Ensino Médio (LEITE, 2020; BATISTA JÚNIOR, 2020). Em nosso caso,

entendemos ainda que esse público participa ainda de uma outra cultura, a saber: a profissional.

E, em ambas, mesmo que de forma embrionária, encontramos presentes além da formação

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123

técnica e acadêmica, a prática profissional gestada quando do estágio vivenciado pelos

discentes.

Portanto, nossa proposição, inicialmente, trata de refletirmos estas culturas e domínios,

introduzindo e problematizando os letramentos acadêmicos para posteriormente adentrarmos

na discussão dos letramentos profissionais. Justificamos tal ordenação na apresentação da

reflexão, pois entendemos que os letramentos profissionais foram vivenciados sobretudo pela

ótica do letramento acadêmico, estando inserido em um dinâmica no qual a avaliação escolar

permeia seus eventos e consequentemente suas práticas.

Neste percurso, evidenciamos, o que Leite (2020, p. 71) pontua, pois na literatura e

diríamos em um senso comum, “[...] o adjetivo ‘acadêmico’ restringiria seu alcance ao contexto

da academia, logo, do ensino superior, de tal sorte que para a educação básica caberia outro

termo: alfabetização científica ou letramento científico.”. Isto posto, o letramento científico se

associaria ao contexto educacional, pois o entende como prerrogativa do acesso, no sentido de

formação do discente como cidadão, uma vez que que o alunado vivencia constructos teóricos

por meio de textos, tais como o de divulgação científica, segundo essa linha do letramento

científico. Para Fuza (2015), como as práticas são dinâmicas no contexto educacional e as

fronteiras um tanto fluidas, o melhor termo seria letramento acadêmico-científico para práticas

que consideram o contato com gêneros, a saber: resumos, resenhas, experimentos, artigos, entre

outros.

Em nosso contexto, sinalizamo-los somente como letramentos acadêmicos, pois

ancorados em Lea e Street (2014), entendemos que “Embora o termo ‘letramentos acadêmicos’

tenha sido originalmente desenvolvido visando ao estudo de letramentos em nível superior, o

conceito também se aplica ao período da pré-escola ao ensino médio [...]” (LEA; STREET,

2014, p. 477). Diante disso, reforçamos, pautados em Barton e Hamilton (2012), que é preciso

preparar a universidade para se abrir para as produções existentes com seus inúmeros

letramentos fora de seus muros. Inclusive, a própria universidade reclama um letramento

acadêmico quando o aluno adentra ao ensino superior, como se na escola “regular” o discente

tivesse tido contato com os diversos gêneros característicos desse campo de atividade humana

(BATISTA JÚNIOR, 2020). Na realidade, a escrita acadêmica, em especial, possui um

tratamento diferenciado, quer seja do processo educacional, quer seja a nível acadêmico-

científico (LEA; STREET, 1998, 2014; LEITE, 2020; PRÍNCIPE, 2017, PASQUOTTE-

VIEIRA, 2016; FIAD, 2016b).

Assim, é preciso desmistificarmos os letramentos acadêmicos que tomam por base o

modelo dominante do “déficit” (se discentes escrevem bem ou mal, se sabem ou não escrever)

Page 125: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

124

ou modelo dominante de uma crença nos quais os discentes deveriam já vir “prontos” da

educação básica ao adentrarem na Universidade. Para Fiad (2016), o discurso do déficit carrega

em si essa crença e ainda a expectativa de professores e outros atores, mediadores dos

letramentos, de que quanto maior a escolaridade por parte dos alunos (anos em sala de aula) há

a crença de que esses estariam “[...] aptos a escreverem o que quer que lhes seja solicitado ou

cobrado [...]” (FIAD, 2016, p. 210). Deste modo, quando as expectativas não são alcançadas,

se cria e fortalece a crença de que os discentes são incapacitados e, consequentemente, não

sabem ler e escrever em contextos acadêmicos, por exemplo.

Em nossa reflexão, partimos da compreensão que a abordagem dos estudos dos

letramentos entende o papel da leitura e da escrita em uma sociedade contemporânea, captando-

as como práticas sociais que se moldam de acordo com o contexto, com a cultura e com o

próprio gênero. Assim, “[...] As práticas de letramento de disciplinas acadêmicas podem ser

entendidas como práticas sociais variadas associadas a diferentes comunidades [...]” (LEA;

STREET, 2014, p. 477). Neste trajeto, defendemos que os letramentos acadêmicos também

possibilitam identificar traços de correlação com outros pontos muito além de temas,

disciplinas, e, gêneros. Do mesmo modo, conforme sinalizam Lea e Street (1998; 2014), é

possível visualizarmos como os discursos institucionais ou interlocutores dos letramentos

demarcam seus lugares nessas práticas e nessas relações.

Para Lea (2004), as investigações que tomam os letramentos acadêmicos como norte se

pautam na compreensão de que as práticas são culturais e sociais, dependem especialmente do

contexto particular nos quais ocorrem, mas que na esfera acadêmica tendem “[...] a construir

esses quadros através de pesquisas sobre o contexto particular do ensino superior e as lacunas

aparentes entre o entendimento dos tutores e dos alunos sobre a escrita para avaliação” (LEA,

2004, p. 740) – (tradução nossa)62.

Para isso, dentro de uma abordagem que se pauta na cultura do escrito, Lea e Street

(2014) defendem a existência de três perspectivas ou modelos: (a) modelo de habilidades de

estudo, (b) modelo de socialização acadêmica e (c) modelo de letramentos acadêmicos.

Evidenciamos que no primeiro modelo se fomenta a crença de que aprender as habilidades

linguísticas faz do sujeito aprendiz um excelente produtor de texto em qualquer situação,

esquecendo assim as particularidades de contexto, de circulação, de produção e de compreensão

de um dado gênero. A escrita toma o texto como enformado para um significado imanente,

próprio e único, desconsiderando “[...] completamente as especificidades das disciplinas quanto

62 No original: “[...] has been concerned to build on these frameworks through research into the particular contexts

of higher education and the apparent gaps between tutors’ and students’understanding of writing for assessment.”.

Page 126: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

125

a suas formas de produzir e divulgar conhecimento [...] (LEITE, 2020, p. 74). Neste modelo de

habilidade, deparamo-nos com uma relação direta ao modelo autônomo do letramento, uma vez

que concebe a existência de letramento, mas destoa e nega a existência de particularidades que

moldam essa produção escrita.

No segundo modelo, da socialização acadêmica, realçamos que os docentes buscam

inserir os discentes em uma dada cultura acadêmica ao dominar as práticas comunicativas

daquele dado contexto. Contudo, fazem-no compreendendo a cultura escrita de uma maneira

homogênea e como se o processo fosse tomado de forma transparente. Deste modo, partem da

noção de que distintas áreas do saber utilizam gêneros e discursos que lhe são particulares, e

visam incentivar a aculturação dos discentes. Ou seja, nega o sujeito e suas histórias, e,

consequentemente o seu grupo, em busca de adaptá-lo(s) a uma cultura dominante que dita

quem pode dizer e fazer, além de validar os discursos ali presentes.

Conforme Lea e Street (2014, p. 479), os: “[...] Estudantes adquirem modos de falar,

escrever, pensar e interagir em práticas de letramento que caracterizavam membros de

comunidade disciplinar ou temática. [...]”. Princípe (2017) complementa que, nesse segundo

modelo de socialização acadêmica, o tratamento dispensado ao gênero e consequentemente aos

discursos reproduzidos por grupos/culturas distintas são tomadas: “[...] como relativamente

estáveis de forma que se possa pensar que o domínio de um montante de regras e normas de um

discurso acadêmico específico torne os alunos aptos a se inserirem em todas as práticas de

letramento da academia [...]” (PRÍNCIPE, 2017, p. 73).

Assim, no terceiro modelo, o qual defendemos: os letramentos acadêmicos, há o

entendimento que centrar “forças” somente em aspectos formais (caráter imanente do texto) ou

mesmo em modelos textuais que circulam em uma dada comunidade não representa a garantia

da participação ativa dos discentes nesses espaços institucionais. A relação presente para este

terceiro modelo seria a conexão com a produção de sentido, a identidade, o poder e a autoridade,

estando em “[...] primeiro plano a natureza institucional daquilo que conta como conhecimento

em qualquer contexto acadêmico específico [...] (LEA; STREET, 2014, p. 479).

A diferença entre esta estrutura e o modelo de socialização acadêmica reside em

considerarmos os contextos de forma mais complexos e multifacetados, objetivando

observarmos como o processo de aquisição ou da cultura escrita nesses cenários são dinâmicos,

situados e que envolvem relações de poder entre sujeitos, instituições e identidades sociais, que

em nosso caso, nascem das relações de alteridade com os demais interlocutores: “[...] tanto em

nível universitário quanto em nível fundamental e médio, os modelos de habilidades e de

socialização acadêmica têm guiado o desenvolvimento de currículos, de práticas didáticas bem

Page 127: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

126

como de pesquisas” (LEA; STREET, 2014, p. 479), mas é preciso instigarmos nestes mesmos

espaços a percepção que o terceiro modelo nos traz.

Logo, o modelo dos letramentos acadêmicos63 se filia ainda ao modelo ideológico do

letramento, conforme proposto por Street (2010, 2014). Depreendemos assim que há uma

variedade de letramentos acadêmicos destinados para cada disciplina do saber, na qual, segundo

a necessidade dos discentes, transita por esse emaranhado e, assim, este público constrói suas

concepções e identidades (processos alteritários) ao se engajarem discursivamente em um dado

campo. Desse modo, no modelo dos letramentos acadêmicos, temos como pressuposto que as

disciplinas possuem nuances próprias e que cada contexto de aprendizagem nas relações postas

entre professor/a e discentes também elaboram novos cenários, como sinaliza Lea e Street

(1998, s/p – tradução nossa):

[...] Uma abordagem dos letramentos acadêmicos vê as instituições nas quais as

práticas acadêmicas ocorrem como constituídas em (e como locais de) discurso e

poder. Ela vê as exigências de letramento do currículo como envolvendo uma

variedade de práticas comunicativas, incluindo gêneros, campos e disciplinas. Do

ponto de vista do aluno, uma característica dominante das práticas acadêmicas de

letramento é o requisito de mudar as práticas entre um cenário e outro, implantar um

repertório de práticas linguísticas apropriadas para cada cenário e lidar com os

significados e identidades sociais que cada um evoca. Essa ênfase nas identidades e

nos significados sociais chama a atenção para conflitos afetivos e ideológicos

profundos na mudança e no uso do repertório linguístico. […]64.

Em outras palavras, estudantes de EMI de Agropecuária e de Edificações terão em

comum disciplinas de Língua Portuguesa e de Desenho e Topografia; terão ainda disciplinas

distintas a cada curso, mas quiçá poderiam ocorrer aproximações em seus eventos de

letramento, tais como: associação e cooperativismo em Agropecuária e orientação de estágio

em Edificações. Tais disciplinas apresentam particularidades com a dinâmica da cultura escrita

63 Segundo Lea e Street (2014, p. 480): “[...] O modelo de socialização acadêmica é associado ao crescimento do

construtivismo e da aprendizagem situada na qualidade de quadros organizadores tanto quanto ao trabalho de

campo da Sociolinguística, Análise do Discurso e Teoria dos Gêneros [...]”, e complementam: “[...] O modelo de

letramentos acadêmicos é infuenciado pela linguística crítica e social (Candlin, Hyland, 1999; Fairclough, 1992)

e por críticas recentes oriundas da teoria sociocultural (Bloome et al., 2005; Lewis et al., 2007), que dão ênfase a

uma teoria da aprendizagem que coloque, em primeiro plano, poder, identidade e agenciamento como papel da

linguagem no processo de aprendizagem” (LEA; STREET, 2014, p. 481). Essas aproximações teóricas nos

mostram como os NLS buscam beber de variadas fontes para compreender as relações postas de poder nas variadas

práticas de letramento. Não obstante, podemos de forma similar romper essas barreiras e criarmos pontes

transdisciplinares ao aproximarmos nossa proposta em unificarmos a ADD e NLS para estudar nosso corpus. 64 No original: “[...]An academic literacies approach views the institutions in which academic practices take place

as constituted in, and as sites of, discourse and power. It sees the literacy demands of the curriculum as involving

a variety of communicative practices, including genres, fields and disciplines. From the student point of view a

dominant feature of academic literacy practices is the requirement to switch practices between one setting and

another, to deploy a repertoire of linguistic practices appropriate to each setting, and to handle the social meanings

and identities that each evokes. This emphasis on identities and social meanings draws attention to deep affective

and ideological conflicts in such switching and use of the linguistic repertoire. […]”

Page 128: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

127

destinada a cada uma delas, exigindo que cada grupo (Agropecuária e Edificações) lide com

diferentes formas de formação/orientação distintas para sua inserção na mesma comunidade a

qual pertença.

Assim, reforçamos que estes modelos (modelo de habilidades de estudo, modelo de

socialização acadêmica e modelo de letramentos acadêmicos) não se excluem, mas se

complementam: são sobrepostos em dados momentos, quer seja em sua aplicação, quer seja a

nível teórico (LEA; STREET, 2014). Ratificamos que na construção e na execução dessas

práticas de letramento por meio desses modelos, não tratamos em pensá-los especificamente no

viés pedagógico, uma vez que cada contexto de pesquisa e de vivência se tornam plurais, mas

fortalecemos a essência em compreendermos as particularidades existentes e como essas sofrem

determinadas “coerções de normas institucionais” ou ainda das relações que subjazem

“subjetividades e institucionalidades” complexas entre os sujeitos educacionais (LEITE, 2020,

p. 77).

Segundo Lea e Street (1998, 2014), a defesa está no processo de apropriação da escrita

por parte do discente de forma consciente e crítica, fazendo-o interagir com o seu agir e fazer

acadêmico, ao validar o saber diante de uma comunidade de prática ou um contexto disciplinar

singular, compreendendo as relações de poder envoltas nesse processo. Desse modo, assim

como Fiad (2016), entendemos que uma abordagem dialógica segundo o quadro do modelo dos

letramentos acadêmicos seria uma das propostas no âmbito desta busca de construção de

alternativas tanto a nível teórico quanto prático para os modelos.

Assim sendo, a diversidade de experiências cotidianas faz com que docentes e

pesquisadores se atentem que há uma diversidade presente nas práticas de escrita e que, por sua

vez, “[...] exigem competências múltiplas para além da simples obediência ao registro forma.

[...]”, com o passar do tempo e do amadurecimento acadêmico há uma sensibilização para o

fato de que se inserir no grupo social validado, só se torna possível quando nos apropriamos

dos gêneros que ali circulam, bem como de nossa compreensão da dinâmica ali posta, estando

sujeito inevitavelmente a “[...] regras de interação e juízo de valor [...]” (VIEIRA; FARACO,

2019, p. 95) daquele cenário particular.

Nisto, Curry e Lillis (2016), convidam-nos a refletir que, por exemplo, cogitarmos no

processo de escrita acadêmica o ato de publicar, socializar as informações postas em uma dada

produção, trata-se inevitavelmente de uma prática social que modifica as relações postas nessa

escrita, uma vez que outros agentes nortearão certamente essa escrita. Salientamos que esses

agentes têm o nome, segundo Lillis e Curry (2006), de mediadores do letramento ou literacy

brokers. Nesta empreitada, o foco das autoras era a compreensão da influência desses

Page 129: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

128

mediadores em suas pesquisas sobre a produção escrita em inglês para publicações de alto

impacto, seja por produtores de inglês como língua materna, seja por produtores de inglês como

segunda língua.

Neste sentido, as pesquisadoras entendem que estes mediadores seriam editores de

revistas, revisores, pares acadêmicos, amigos e colegas que dominassem a linguagem proferida

em um dado gênero, que de algum modo “[...] ajudam no acesso a fontes, no conhecimento de

‘conversas’ atuais das disciplinas e periódicos acadêmicos [...]” (CURRY; LILLIS, 2016, p.

38), auxiliam ainda na conscientização da publicação ao oferecer assistência.

Bessa (2016), Motta-Roth e Hendges (2010), outros tantos pesquisadores, que estudam

a escrita acadêmica, lembram-nos que no caso específico de uma publicação, por exemplo, além

do orientador, seremos interpelados por questões como normas editoriais (quantidade de

páginas, formatação, exigência de publicação em língua materna e/ou estrangeira, dentre

outros), os avaliadores (avaliação a cegas, por pares), o público etc. Ou seja, estamos diante de

interlocutores, de terceiros, na perspectiva bakhtiniana, e/ou mediadores dos letramentos,

segundo os NLS.

No caso de Curry e Lillis, que investigam a escrita acadêmica sobre pesquisadores que

utilizam a língua inglesa como meio de difusão do conhecimento, elas tratam ainda os

mediadores dos letramentos sob duas perspectivas, de um lado os mediadores acadêmicos do

letramento (conforme expusemos) e os mediadores linguísticos do letramento. A este último, é

compreendido o papel dos tradutores ou que possuem uma força relacionada a correções da e

para a língua-alvo. Em nosso estudo, deteremos-nos na primeira categoria para a reflexão

proposta por esta tese - ou seja, aprofundamos o debate sobre os mediadores dos letramentos.

Ainda de acordo com Curry e Lillis (2016), a partir do momento em que há práticas

sociais da escrita cuja orientação seja para publicar algo, inevitavelmente, instauram-se relações

de poder, sobretudo, se pensarmos em contextos educacionais onde há dinâmicas de poder

institucionalizadas. As autoras ainda sinalizam que tais relações de poder institucionais são

visíveis especialmente quando se consegue recuperar das instituições seus objetivos e como

conseguem atingi-los. Deste modo, números como quantidades de formandos, quantidade de

publicações, quantitativo de pesquisas, número de atividades extensionistas, significam

estratégias frente a um mundo competitivo que atendem a esta demanda de produtividade.

Em nosso contexto, a escrita do relatório de estágio, por exemplo, se trata de uma prática

de escrita acadêmica que remonta a sua prática profissional: de um lado teremos a vivência e a

expertise posta no estágio e, de outro, o produto que narra essa experiência. Logo, o discente

deverá respaldar sua escrita em estudos da área, fazer anotações, esboços, revisões, dentre

Page 130: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

129

outros inúmeros passos que demonstram as relações postas nesse contexto social específico. E

que, por fim, será publicizado, avaliado e dada uma notação que o aprova ou não naquela

disciplina do saber65.

Mais especificamente, no cenário da escrita de relatório de estágio, defendemos se tratar,

portanto, de espaços sociais e de relações específicas de poder, visto que outros sujeitos se

inserem além do aluno-estagiário para validar e aprovar esse “dizer”, tais como: o supervisor

do estágio, o orientador do estágio, o coordenador do setor de estágio, as normativas que

regulam a sua escrita, entre outras vozes que validarão se o objetivo fora alcançado.

O sujeito discursivo em meio às práticas letradas acadêmicas é construído, por um

lado, por suas escolhas e, ao mesmo tempo, por essas relações que determinam

o que pode e como pode ser dito para os múltiplos interlocutores com os quais

o diálogo é estabelecido, mas, principalmente, aqueles que, na hierarquia das

relações acadêmico-institucionais, estabelecem a regra do jogo, sejam eles os

professores de disciplinas, os orientadores e avaliadores de projetos escritos de

pesquisas nos mais diferentes graus, os pareceristas e editores de publicações, entre

outros (PASQUOTTE-VIEIRA, 2014, p. 71 – 72).

Para Lillis e Curry (2006) e Curry e Lillis (2016), essa tendência de mediar pode forçar

a transformação do resultado da produção escrita em um discurso monológico ou monolíngue,

pois, em seus estudos, as pesquisadoras observaram um número significativo destes mediadores

como “corretores do letramento”. Tais mediadores, por sua vez, se envolvem de forma direta

“[...] na produção de tais textos, influenciam os textos de formas diferentes e importantes. [...]”

(LILLIS, CURRY, 2006, p. 03 – tradução nossa)66. Segundo Pasquotte-Vieira, este tipo de

perspectiva monológica ocorre quando a linguagem passa a ser vista “[...] como comunicação

a ser recepcionada: o endereçamento não seria para a responsividade, mas para a recepção

do enunciado da autoridade.” (PASQUOTTE-VIEIRA, 2016, p. 186) – (destaques da autora).

Conforme expõem Lillis e Curry (2006), a compreensão da perspectiva monológica

deve ser mais aprofundada, instigando-nos a ampliar estudos e investigações para verificar se

o fenômeno realmente se consolidaria para esse apagamento de vozes e a existência da

prevalência de uma única voz. Reforçamos que, a nosso ver, há implícito nessa interlocução

com os mediadores dos letramentos uma “negociação dialógica” (PASQUOTTE-VIEIRA,

2014, 2016). Assim, o texto não seria um produto monológico, pois essa negociação deve

65 Lillis (2008), segundo Fiad (2016b) e Pasquotte-Vieira (2016), convida-nos a refletir sobre a “história do texto”

pautada na metodologia de Ivanic sobre “conversas em torno do texto”. Isso nos potencializa a pensarmos que o

produto final que é o texto teve um transcurso de outras fontes e de diálogos outros até que se chegasse naquela

versão. Assim, e-mails, anotações, diários, pareceres, orientações, interações entre alunos e colegas, tudo isso

sinalizam os vários diálogos presentes em um texto acadêmico. 66 No original: “[...]in the production of such texts, influence the texts in diferent and important ways. [...]”.

Page 131: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

130

ocorrer voltando o escopo para “[...] a construção de sentidos como fundamentais à integração

dos sujeitos aos contextos situados de produção escrita, interlocuções e relações de poder [...]”

(PASQUOTTE-VIEIRA, 2016, p. 166). Por meio de práticas de letramento acadêmico que

visem uma negociação dialógica e não “autoritária”, como pontua Bakhtin (2015), é possível

vislumbrarmos “[...] um processo dinâmico, permanentemente aberto e constantemente

redefinido e renegociado em meio aos interlocutores, às relações de poder e ao contexto em que

se inserem [...]” (PASQUOTTE-VIEIRA, 2014, p. 05).

Neste ponto, as noções de forças centrípetas e centrífugas, debatidas nesta tese, integram

as relações dialógicas com os interlocutores/mediadores dos letramentos, inclusive de como

perceber os indícios dos discursos autoritários e internamente persuasivos que o sujeito recupera

no fio discursivo (LILLIS, 2003). Portanto, a noção de dialógico deve ser compreendida como

algo transparente na proposta que segue também os NLS, pois o discurso acadêmico e

profissional, em sua relação com a produção e compreensão intermediada pela cultura do

escrito, sempre responde e recupera outros discursos (LILLIS, 2003; FUZA, 2016).

Segundo Fuza (2016), responder a essas vozes de interlocutores mais próximos ou a

outras vozes distantes, tais como o de discursos oficiais, estamos diante de um interlocutor

“superior” dentro desse processo comunicativo e interacional dos discursos. Para a autora, que

sustenta sua proposta sob uma ótica baktiniana, a expressão “interlocutor superior” diz respeito

a “[...] uma instância superior que rege a produção dos discursos, como um modelo de

comunidade a que o enunciador pertença ou os próprios discursos dos documentos oficiais que

determinam, por exemplo, condutas dos sujeitos.” (FUZA, 2016, p. 66).

Entretanto, a título de construção de pontes entre os conceitos, propomos nesta tese a

denominação de interlocutores mediadores dos letramentos, quando pensarmos no outro

presente no fio discursivo que mantém correlação direta com o horizonte social partilhado com

o sujeito discursivo. Enfatizamos que não adotamos o termo “superior”, pois seguindo a

essência bakhtiniana, os efeitos de sentidos dados ao termo poderiam explorar certas relações

de poder e de hierarquia que criticamos ao longo desta seção.

Se adentrarmos nas discussões sobre os letramentos profissionais, teremos a mesma

postura desses interlocutores ou mediadores, mas em associação a outros contextos. Em síntese,

as relações de poder e o endereçamento da produção discursiva sempre é mediada e pensada no

outro, no interlocutor. No caso do estudante estagiário, este possui o contato com o gênero

profissional, o qual se constitui como uma espécie de “corpo intermediário” entre os sujeitos

daquele contexto. Nesta relação, por um lado, está a situação social e, por outro, o próprio objeto

de trabalho que acolhe o sujeito e seu interlocutor (REICHMANN, 2012, 2016).

Page 132: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

131

Nos letramentos direcionados ao contexto profissional, a dinâmica de apreensão e

“domínio” dos gêneros que circundam esta esfera específica mostra-se distinta nos ambientes

formais e institucionalizados de aprendizagem como a escola ou a universidade. O contato com

a cultura do escrito se dá especialmente pela imersão ou pela participação ativa na comunidade

profissional (BAWARSHI; JO REIFF, 2013). Ou seja, estamos diante de duas situações em

relação aos letramentos profissionais presentes no gênero como o relatório de estágio: uma que

remete à esfera real de atuação desse campo correlacionado à formação profissional e outra ao

campo do contexto formativo, tal qual a formação acadêmica/escolar67.

De todo modo, inserir-se no domínio do trabalho em um mundo competitivo significa

buscar “[...] estratégias efetivas para interagir, ganhar acesso à informação e dela fazer uso para

solucionar problemas ligados ao funcionamento e produtividade [...]” (OLIVEIRA, 2010, p.

331) de uma dada organização, instituição e/ou empresa. Surge, assim, a necessidade de “novos

letramentos”, capacitação e formação continuada para jovens profissionais ou para quem já atua

no mercado. Os letramentos vivenciados no universo profissional da atualidade apontam para

a necessidade de agir e interagir especialmente na “era do conhecimento”: “[...] cujo tom recai

nas ideias dos indivíduos ou na sua capacidade para pensar e criar, o que exige o

desenvolvimento de várias competências do ponto de vista profissional. [...]” (OLIVEIRA,

2010, p. 331). Salientamos que tais práticas são mediadas pelo escrito, o contexto de atuação,

as demandas ali exigidas, recuperam ainda um letramento escolar mínimo para que o sujeito

consiga atuar de forma efetiva nas ações de linguagens e as práticas vivenciadas.

Desta forma, em uma espécie de ciclo contínuo, para responder a tais necessidades,

voltamos à agência de letramentos que é a escola ou a universidade, por exemplo, no sentido

de formar para, conforme sinalizava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN, BRASIL, 1996): consolidação e aperfeiçoamento dos conhecimentos adquiridos que

possibilitem os prosseguimentos nos estudos, bem como para se filiar ao mundo do trabalho e

à sua prática social.

Logo, em relação ao segundo ponto que nos diz respeito, alguns autores sinalizam que

o estágio curricular compete estar dentro de uma “suposta classificação” segundo os

letramentos acadêmicos, pois é na academia que há o locus desse aprendizado, e, que por mais

que estejam formando, capacitando os sujeitos, esses vivenciam eventos e práticas que a

academia comanda, gerencia e agencia. Principalmente, interligando essa formação ao universo

67 Para Reichmann, o estágio é considerado um entrelugar devido a essa dupla particularidade do contexto

estudantil (academia e atuação profissional). Para nossa percepção, sustentada pelo viés bakhtiniano, estamos

diante de uma etapa singular de vivência desses sujeitos.

Page 133: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

132

da academia que visa a avaliar, a observar etapas formativas e de aprendizado, habilitando ou

não uma dada pessoa a prosseguir nos estudos.

Kleiman e Reichmann (2012) refletem que gêneros como relatórios de estágio, projeto

ou um plano de aula (no que se refere à formação docente), poderiam adquirir ressignificação

no processo de interlocução entre sujeitos, como por exemplo, docentes, orientadores e alunos.

As autoras pontuam que, ao longo do tempo, os gêneros vêm adquirindo formas ritualizadas e

que se destinam a aspectos meramente avaliativos, não direcionando a pontencialidades que

esses gêneros e seus eventos e práticas poderiam se tornar como instrumentos mediadores entre

práticas de letramentos acadêmicos e profissionais.

Ainda para Kleiman e Reichmann (2012, p. 161): “[...] o estágio não se configura como

um espaço de participação social em eventos de letramento acadêmico-profissional, que

articulem novas relações teórico-práticas, um espaço diferente, portanto, das disciplinas em que

a nota é o elemento motivador do fazer do aluno (cf. BUENO, 2007).”. Nesse sentido,

observamos as relações de poder impostas nesse modelo de pensar a escrita somente para a

aprovação em algo e não como espaço de potencialidades formativas.

Sob este ponto de vista, segundo a abordagem dos NLS, “[...] o estágio é uma prática

letrada acadêmica que, como toda prática social, reflete, reforça e transforma os valores

culturais e ideológicos da esfera em que essa prática se desenvolve [...]” (KLEIMAN;

REICHMANN, 2012, p. 160), estando o estudante-estagiário se encontrando justamente nessa

fronteira, em uma espécie de entrelugar:

[...] transita pela primeira vez por esferas diversas que se entrelaçam no estágio, a

saber, a esfera acadêmica, a escolar e a profissional; nessa linha de raciocínio, o

estágio pode ser entendido como uma zona de fronteira, ou ainda, um entrelugar

socioprofissional que permite letramentos híbridos, pois o estagiário ‘pode participar

de situações de trabalho significativas – que se configuram por meio de eventos de

letramento profissional – ainda orientados pela instância formadora a que pertence o

estagiário, o que, portanto, também as configura como eventos de letramentos

acadêmico’ (Kleiman e Reichmann, 2012, p. 157-8).” (REICHMANN, 2016, p.

369)68.

Deste modo, enfatizamos que nossa compreensão é que estamos diante de letramentos

acadêmicos-profissionais, nos quais emergem letramentos híbridos, uma vez que nosso

entendimento é que no estágio o estudante participa de “situações significativas” sobre o

trabalho, ao passo que a instituição orienta, norteia, guia esse processo de formação

profissional. Reforçamos que tais letramentos híbridos são característicos da essência da

68 Reichmann pesquisa sobre o professor estagiário, ou seja, o professor em formação. Porém os apontamentos

feitos pela autora nos fazem criar elos com o próprio estudante-estagiário de nosso contexto.

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133

disciplina de estágio e que, consequentemente, se materializa no discurso escrito: o relatório de

estágio. Assim, a vivência na disciplina de estágio auxilia na criação, e, acrescentaríamos

consumo, dos mais variados gêneros “[...] que funcionam na interface das esferas acadêmica e

profissional (escolar), os textos produzidos aportam significados e conteúdos específicos

relacionando essas esferas, e funcionam, nesse respeito, como os gêneros já estabilizados, de

temas mais estáveis ou previsíveis.” (KLEIMAN; REICHMANN, 2012, p. 167).

Em síntese, o fio discursivo presente nos relatórios de estágios nos possibilita enxergar

a RD ali presentes, quer seja nas relações que se referem à palavra própria e à palavra outra,

quer seja na conjunção de inúmeros gêneros (gêneros intercalados, segundo Bakhtin) que

revelam as características das comunidades de práticas de cada grupo investigado; quer seja a

própria compreensão do objeto narrado o letramento acadêmico-profissional vivenciado diante

da área de atuação.

3.3 DANDO FRUTOS: COMUNIDADES DE PRÁTICAS

Conforme nosso percurso reflexivo, Street (2014, p. 37) diz que os letramentos são

intrinsicamente sociais e neles os participantes conseguem recuperar, compreender e produzir

mensagens codificadas por meio da língua de distintas formas por meio de uma

“autoconsciência linguística e política” que compartilham estes mesmos sujeitos nos grupos

sociais nos quais se inserem. Sob o viés bakhtiniano, recuperamos os já-ditos e os locais sociais

implicados no discurso desses sujeitos é possível por, justamente, se tratarem de discursos

sociais produzidos em uma cadeia enunciativa no qual visualizamos inúmeras vozes (já

produzidas em contextos outros), cujo horizonte espacial e semântico compartilhado pelos

sujeitos abarcam os subtendidos do enunciado no momento da enunciação. Assim sendo, nossa

compreensão, quer seja a um nível micro, quer seja a nível macro das ideologias presentes nos

variados campos perpassa em (re)conhecermos as características dos grupos que as consomem,

as produzem e partilham esses sentidos em contextos de eventos e de práticas letradas.

Em relação à nossa conjuntura de pesquisa, reforçamos o pensamento de Fuza (2016),

pois a abordagem dos NLS, mais especificamente dos Letramentos Acadêmicos em união com

uma abordagem dialógica de linguagem (ADD), possibilita-nos vislumbrar o enunciado como

resultado de um processo de interlocução, no qual estão imbricados tensões e conflitos das RD

dos e entre os próprios sujeitos discursivos. Nesta ótica, se pensamos a proposição adotada

pelos NLS ao contexto de ensino e de aprendizagem é deslocado o foco das atividades de leitura

e de escrita como sinônimo de habilidades prioritariamente cognitivas, autônomas e individuais

Page 135: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

134

(LEITE, 2020), para um viés social e histórico implicado nessas atividades, enfatizando o

caráter situado das práticas sociais que as envolvem por meio da inclusão do interlocutor de

forma interacional, discursiva e ideológica (BRAIT, 2012c).

Neste ponto, avultamos que a noção de redes de trabalho/networks nos revela caminhos

de como ocorrem as interações entre os sujeitos correlacionados nessas práticas de contextos

específicos de aprendizagem (BARTON; HAMILTON, 2012). Tomamos, portanto, a noção de

comunidades de prática (LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER;

WENGER, 2010) para a compreensão da participação social em redes de estudos, de trabalhos,

de grupos como “condição fundamental para a aprendizagem” (LEITE, 2020, p. 65).

Deste modo, cumpre-nos destacar que o conceito sobre “comunidades” fora debatido

em diversas áreas, em especial, na antropologia. Para nosso estudo, apoiamo-nos na definição

dada por Lave e Wenger (2008) sobre comunidades de prática (CP), uma vez que estes

estudiosos construíram todo um aparato teórico partindo inicialmente de estudos sobre a

aprendizagem de artes e ofícios como um modelo possível de aprendizagem. Ao final, estes

antropólogos verificaram que a expressão comunidade de prática se relacionava a atuação de

um currículo especialmente integrado ao estudante e que isso poderia ser pensando em outras

áreas e contextos. Logo, defendemos que,

[...] o conceito de comunidade apresenta inúmeras formas de compreensão, mas todas

concordam que, para que essas existam, há um sentimento de pertencimento à

comunidade, por parte dos membros que a compõem, como base psicológica, que

inclui a identidade do membro e da comunidade, sentindo o compromisso de fazer

parte dela e compartilhando um espaço comum (Pons, et ál. 1996).” (GARZÓN, 2020,

p. 03 – tradução nossa)69.

Isto nos implica afirmar que tal perspectiva encontra pontos de intercessão com nosso

cenário investigativo: os letramentos acadêmicos e profissionais de estudantes de EMI que

revelam as RD com outras vozes por meio do relatório de estágio. Uma vez que nas CP o

pertencimento, o horizonte partilhado e a importância do outro no processo de aquisição do

conhecimento, da ação, do compromisso dado a uma determinada atividade revela como o ato

de aprender perpassa a constituição alteritária do sujeito e, consequentemente, a constituição da

sua identidade. Elementos como história, identidade, pluralidade, autonomia, participação,

69 No original: “[...]el concepto de comunidad presenta muchas formas de comprensión, pero que todas confluyen

en que, para que éstas existan se requiere que haya un sentimiento de pertenencia a la comunidad, por parte de los

miembros que la conforman, como fundamento psicológico, que incluye la identidad del miembro y de la

comunidad, sintiendo el compromiso de formar parte de ella y compartiendo un espacio común (Pons, et ál. 1996).

Page 136: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

135

mutualidade, integração, futuro, tecnologia e aprendizagem são constituintes da própria CP

(SCHWIER, 2002; COSTA, 2007).

Conforme observado, estes componentes que permeiam e caracterizam uma ou várias

CP possuem como condição própria do ser humano: a aprendizagem, a qual deve ser

compreendida como algo puramente social e situada, necessitando sempre da interação e

interlocução com o outro nesse processo (WENGER, 1998). Logo, o conceito sobre CP pode

ser definido como: “[...] grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou paixão por

algo a qual se dedicam e aprendem como fazê-lo à medida que interagem regularmente.”

(WENGER; WENGER, 2015, p. 01 – tradução nossa)70.

Para os autores, o aprendizado do grupo é o que justifica a criação da comunidade ou

ainda por meio da prática e a necessidade de interação para o resultado de uma dada atividade

é que pode surgir a própria comunidade. Assim, no contexto educacional ou acadêmico, Wenger

(1998) propõe repensarmos o lugar do aprendizado na escola71 como algo essencialmente

social, coletivo e colaborativo. O autor problematiza que muito do que vem sendo discutido

sobre a aprendizagem escolar foca na individualidade do processo da aquisição do saber e

tomam uma proposta filiada a um viés bancário, como já pontuamos em outros momentos da

tese.

Por este motivo, Lave e Wenger, no início dos anos de 1990, defenderam e tentaram

romper com essa abordagem tradicional da aprendizagem (abstração excessiva cuja figura do

docente é o único a ter e partilhar conhecimento) e constatam a possibilidade da prática ganhar

um espaço importante no ambiente formativo, mais precisamente em espaços formativos que

têm a formação profissional como foco (BROFMAN, 2011). Neste sentido, os autores propõem

que a prática seja tomada como espinha dorsal para entender o cotidiano laboral, oferecendo

orientações e ajuda adequada ao trabalhador no seu próprio locus de atuação (BRONFMAN,

2011, p. 57). Este direcionamento em compreender a CP no ambiente profissional toma como

ponto de partida os interesses que partilham esses sujeitos, além de visualizar como tais

membros descrevem ou reportam suas atividades, além de como esperam um ambiente

colaborativo que beneficie seu aprendizado e seu próprio desempenho profissional (COSTA,

2007).

70 No original: “[...]grupos de personas que comparten una preocupación o una pasión por algo a lo que se dedican

y aprenden cómo hacerlo mejor en tanto que interactúan regularmente.”. 71 Incluiríamos de igual forma espaços institucionalizados de formação e capacitação, tais como: Institutos,

Universidades, Cursos livres, entre outros.

Page 137: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

136

Ao ouvir os sujeitos ou aprendizes das CP, damos vozes a estes que, por muitas vezes,

são invisíveis na constituição dos currículos formativos, quer seja de instrução profissional

(diríamos também acadêmica), quer seja de capacitação continuada. Diante disto, Wenger

assinala que por meio de uma teoria social da aprendizagem pautada nos seguintes pontos,

podemos guiar nosso olhar para os sujeitos das CP lembrando que:

1. Somos seres sociais;

2. O conhecimento é uma questão de competência associado a ideias de valores;

3. Saber significa se relacionar, engajar-se ativamente no mundo; e,

4. Construir o significado, experimentar o mundo e manejar o aprendizado é o que se

espera nessa perspectiva.

Segundo o pesquisador, em uma teoria social da aprendizagem é preciso integrar estes

componentes necessários à própria participação social, o caráter situado destas práticas, no

processo de aprendizagem e de construção do conhecimento (WENGER, 1998). Somente com

tais considerações seria possível entendermos as relações ali implicadas no processo de

aprendizagem, pois este percurso envolve pontos de pertencimento, de saber fazer, de

negociações, de experienciar, ou seja, de relações entre sujeitos que envolvem, de igual modo,

relações de poder subjacentes.

Em relação à aprendizagem, seguindo o viés de uma teoria social da aprendizagem, para

que essa ocorra em uma CP, alguns elementos devem ser considerados ainda em uma relação

contextual (Figura 5). Nessa linha, Wenger (1998) sintetiza que os componentes para esse

aprendizado seriam: a prática que retoma os recursos sociais e históricos partilhados pelo grupo

e sustentam o engajamento mútuo em uma dada ação; o significado que diz respeito a nossa

capacidade quer seja individual ou coletiva de construir o mundo por meio dos sentidos; a

comunidade que trata as configurações sociais em que nossos empreendimentos são definidos

como dignos de pertencimento; e, a identidade que é relacionada à compreensão de nossa

história, nosso percurso pessoal e como nos tornamos sujeitos pertencentes, filiados a

comunidades particulares.

Neste contexto, estas noções de como devemos nos aproximar da compreensão da

aprendizagem e como esses quesitos caracterizam a constituição de um dado grupo respaldam

nossa compreensão ao entendermos que no gênero relatório de estágio encontramos no projeto

discursivo do sujeito a possibilidade de recuperarmos a complexidade do resultado das

vivências acadêmicas e profissionais dos aprendizes.

Page 138: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

137

De fato, esse processo se dá por meio da prática, do significado, da identidade e da

inserção na própria comunidade. Assim, as CP partem de que aprendizagem é um fenômeno

social e que ocorre sempre de forma situada (WENGER; McDEMOTT; SNYDER, 2002).

Figura 5 – Componentes de uma teoria social da aprendizagem: ideias iniciais de Wenger (1998).

Fonte: Wenger (1998, p. 05) – (tradução nossa)72.

Segundo ensinamento de Bronfman (2011), ninguém aprende nada sozinho, só é

possível aprender uma nova prática vivenciando-a, estando e sendo orientado por alguém com

mais experiência. O autor complementa que:

[...] Em particular, quando se quer aprender práticas profissionais, ninguém aprende

fora de comunidades profissionais ou de pessoas especializadas. Ninguém aprende a

ser advogado, médico, pesquisador científico, ou bancário. Então é preciso criar

espaços de aprendizagem onde se possa ter acesso a profissionais mais especializados

em um dado domínio, no lugar de separar a prática cotidiana das pessoas e transferir

somente abstrações dessa prática. (BRONFMAN, 2011, p. 57 – tradução nossa).73

72 No original: Practice – learning as doing; Community – learning as belonging; Identity – learning as becoming;

Meaning – learning as experience. 73 No original: “[...] En particular, cuando se quieren aprender prácticas profesionales, nadie aprende fuera de una

comunidad de profesionales, de gente del oficio. Nadie aprende a ser abogado, médico, investigador científico, o

profesional de la banca, fuera de una comunidad de abogados, médicos, investigadores científicos, o profesionales

de la banca. Por lo tanto hay que crear entornos de aprendizaje donde se pueda tener acceso a profesionales más

experimentados en un dominio determinado, en vez de separar de la práctica cotidiana a las personas que se forman

y transferirles sólo abstracciones de dicha práctica.

Page 139: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

138

Esta percepção acontece no entendimento de que a aprendizagem ocorre de forma

situada, o que nos ampara ao pensarmos na situação da vivência dos estagiários em suas CP. O

processo de aprendizagem de forma situada se aparta de uma aprendizagem no qual somente se

contempla o que o discente poderá vivenciar, mas posto em situações problemas nos quais

ocorrem de fato no universo profissional. Assim, o estudante-estagiário se vê diante de

situações que terá que recuperar seus conhecimentos, interagir com outros sujeitos, planejar

ações e assim executar, remontando e experimentando assim as RD por meio do discurso e de

seus letramentos. Para Bronfman (2011, p. 57 – tradução nossa): “[...] em uma situação concreta

é que se encontra os recursos necessários: atua, manipula a máquina ou o programa, ou seja,

trabalha com a situação em si, e que recebe um feedback. E assim que ele progride, raciocinando

e interagindo com a situação [...]”74. De fato, é no envolvimento com a prática que a

aprendizagem se torna significativa.

Nesta linha de pensamento, Wenger e Lave (2008) propõem a noção de participação

periférica legitimada no processo de aprendizagem e consequentemente de pertencimento a

uma dada comunidade de prática, já que um currículo que vise o real aprendizado deve se pautar

em oportunidades reais de engajamento na própria prática. Sinalizamos que esse conceito de

participação periférica legitimada possui como base o aporte teórico de Vygostky sobre a zona

de desenvolvimento proximal e o caráter mediador do “n+1”. Em outras palavras, isso diz

respeito à forma como um mediador da aprendizagem pode auxiliar aprendizes iniciantes a

apreender algo ou algum saber.

Por sua vez, Wenger e Lave (2008) debatem sobre a importância da figura do mediador

da aprendizagem (interlocutor mediador dos letramentos) e dizem que o saber é partilhado

seguindo a compreensão de que a CP é uma condição indispensável para a construção do

conhecimento, pois “[...] fornece o suporte interpretativo necessário para fazer sentido de sua

herança. Assim, a participação na prática cultural em que qualquer conhecimento existe [...]”

se torna um “[...] princípio epistemológico da aprendizagem. A estrutura social dessa prática,

suas relações de poder e suas condições de legitimidade definem possibilidades para

aprendizagem (ou seja, para participação periférica legítima)” (WENGER; LAVE, 2008, p. 98

– tradução nossa).75

74 No original: “[...] en la situación concreta que encuentra los recursos necesarios: actúa, manipula la máquina o

el programa, o sea, trabaja con la situación misma, la que a su vez le da un feedback. Y se progresa así, razonando

en interacción con la situación [...]”. 75 No original: “[...]A community of practice is an intrinsic condition for the existence of knowledge, not least

because it provides the interpretive support necessary for making sense of its heritage. Thus, participation in the

cultural practice in which any knowledge exists is an epistemological principle of learning. The social structure of

Page 140: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

139

Esta participação periférica legitimada indicia a filiação inicial e parcial dos discentes

ou jovens aprendizes naquela dada prática, garantindo a oportunidade de se engajarem na

cultura de uma comunidade específica (LEITE, 2020). Para Leite (2020), no processo de

participação em uma dada prática, o aprendiz pode se envolver de uma forma crescente ou não.

Além disso, os integrantes que se encontram nesse limbo da participação periférica legitimada

podem ter uma menor atuação ou participação, tais como: menor responsabilidades diante das

atividades, menor possibilidade de errar, menor possibilidade de se sentirem pressionados por

produção, devido ao grau de autonomia e de “liberdade” autorizada pela supervisão próxima

ou assistencial do interlocutor mediador dos letramentos. Para Wenger, McDemott e Snyder

(2002), e Wenger e Lave (2008), o ponto importante é legitimar a participação mesmo que

periférica desses sujeitos, demonstrando assim as questões de poder implicadas nesse processo

das CP.

Isto posto, reforçamos que justamente as CP se caracterizam em três dimensões:

relacionadas à sua definição, ao seu funcionamento e às capacidades que são capazes de

desenvolver. Wenger (1998) entende que na definição de uma CP encontramos uma ação

conjunta, contínua e acordada entre os seus membros de forma a ser dialogado e renegociado

os sentidos e a aprendizagem. Com relação ao funcionamento, o engajamento dos membros

fortalece os elos e a própria identidade, sendo na construção alteritária a essência da construção

dos sentidos postos nas atividades76. E na relação das capacidades desenvolvidas, na CP, é

possível visualizarmos o repertório partilhado entre os sujeitos, “[...] os quais se destacam

hábitos, sensibilidades, artefactos, linguagem própria, estilos, etc.” (COSTA, 2007, p. 89).

Neste sentido, conforme assinala Wenger (1998), não podemos afirmar que

participamos de uma única CP. Na realidade, estamos diante de várias, simultaneamente ou ao

longo da vida, uma vez que o pertencimento é dinâmico e pode fazer que estas se alterem com

o passar do tempo. Sob este aspecto, chamamos a atenção para a observação feita por Wenger,

McDemott e Snyder (2002): a formação das CP não necessariamente precisa ser de grupos

institucionalizados, mas podem representar um agrupamento de pessoas que partilham

preocupações, problemas ou entusiasmo sobre um dado tema e na interação aprofundam os

conhecimentos na área e para o próprio grupo.

this practice, its powerrelations, and its conditions for legitimacy define possibilities for learning (i.e. ,for

legitimate peripheral participation). 76 A compreensão da categoria identidade como vínculo com a construção alteritária do sujeito, trata-se de uma

proposta nossa de reflexão em torno de nosso contexto de pesquisa. Destacamos que não foi algo tratado por

Wenger ou outros estudiosos das CP recuperados nesta tese.

Page 141: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

140

Assim sendo, os autores exemplificam sobre um grupo de pesquisa que visa debater a

cura de alguma doença; engenheiros cujo objetivo seja comparar projetos sobre loops; pais e

mães da escolinha de futebol que criam estratégias para aprimorar os resultados dos filhos;

membros de gangues que partilham as suas artimanhas; entre outros e distintos grupos. Assim,

esses revelam em seus encontros o valor das interações, a forma como compartilham

informações, insights e conselhos, além de vivenciarem o pertencimento e o crescimento de

aprenderem em conjunto.

[...] Esse valor não é meramente instrumental para o seu trabalho. Também se

acumula na satisfação pessoal de conhecer colegas que entendem as perspectivas uns

dos outros e de pertencer a um grupo interessante de pessoas. Com o tempo, eles

desenvolvem uma perspectiva única sobre seu tema, bem como um corpo de

conhecimentos, práticas e abordagens comuns. Eles também desenvolvem relações

pessoais e formas estabelecidas de interagir. Eles podem até desenvolver um senso

comum de identidade. Eles se tornam uma comunidade de prática (WENGER,

McDEMOTT, SNYDER, 2002, p. 04 – 05 – tradução e destaques nossos)77.

Portanto, as CP deixam-nos marcas, vestígios de pertencimento e traços de valores. Tais

grupos partilham interesses e aprofundam as temáticas em suas trocas comunicativas em

contextos históricos e sociais específicos revelando por um lado que não precisam ser uma

coletividade institucionalizada para ser uma CP. Assim, valores perpassam a essência do sujeito

e sob essa ótica, a compreensão que tomamos como aporte de nosso estudo sobre as CP se

alinham ao pensamento bakhtiniano, pois “[...] viver significa ocupar uma posição axiológica

em cada momento da vida, significa firmar-se axiologicamente. [...]” (BAKHTIN, 2011, p.

174).

Nesta construção do enunciado como palavra viva, essencialmente carregada de

significados e valores de um sujeito demarcado social e historicamente em tempo e espaço,

compreendemos que o horizonte no qual se ancora a enunciação demarca de igual forma os

grupos sociais de base e como esses partilham conhecimentos, valores e ideologias. Conforme

expõe Volóchinov (2019, p. 121 – grifos do autor): “[...] Na medida em que se ampliam esse

horizonte geral e o grupo social correspondente, os aspectos subtendidos do enunciado se

tornam cada vez mais constantes.”

77 No original: “[...] This value is not merely instrumental for their work. It also accrues in the personal satisfaction

of knowing colleagues who understand each other’s perspectives and of belonging to an interesting group of

people. Over time, they develop a unique perspective on their topic as well as a body of common knowledge,

practices, and approaches. They also develop personal relationships and established ways of interacting. They may

even develop a common sense of identity. They become a community of practice.”.

Page 142: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

141

Se pensamos em uma “comunidade de prática” ou características que um dado grupo

tem ao usar a linguagem, é diante de situações típicas da comunicação discursiva que se

concentram também os temas típicos, os significados típicos e consequentemente circunstâncias

típicas nos quais partilham os sujeitos do discurso. Enfatizando, assim, o que já assinalamos

sobre a força do contexto extraverbal da enunciação que seriam: um horizonte espacial

compartilhado, o conhecimento e a compreensão comum de uma situação e a valoração

compartilhada (VOLÓCHINOV, 2019).

Retomando a nossa discussão sobre CP, Bronfman (2011, p. 54) propõe a reflexão que

estas se desenvolvem principalmente em torno daquilo do que seja importante para seus

integrantes: “[...] Como consequência, os temas que discutem nas CP, e sua prática em comum,

refletem o entendimento dos membros da CP sobre o que é realmente importante para eles (o

que pode ser diferente do que os seus chefes pensam que seria importante) [...]” (tradução

nossa)78. E, ao investigarmos CP, temos que considerar se vamos defini-las como uma auto-

organização (no sentido macro) ou se construímos um recorte diante de estruturas de relações

dentro de uma CP distintas (no sentido micro).

Sobre este aspecto e a título de exemplificação, é como se tivéssemos, de um lado macro,

o curso de Agropecuária e os membros que fazem parte desse grupo em uma dimensão mais

global, tais como: professores, alunos, técnicos administrativos, a instituição, entre outros. E de

outro, em um direcionamento mais particular, um recorte mais específico, estudando o grupo

de discentes, por exemplo. Definirmos esses direcionamentos ao nos aproximarmos das CP

também reconfiguram os objetivos e as relações postas em cada nível social.

Outro ponto salutar ao refletirmos sobre CP está relacionado às suas dimensões básicas,

como evidenciam autores como Snyder e Wenger (2010) e Wenger e Wenger (2015), a saber:

o domínio, a comunidade e a prática (Figura 6). Reforçamos que a efetividade da CP como um

sistema ou uma ação de aprendizagem social está intimamente correlacionada essas três

dimensões que são consideradas estruturais (SNYDER; WENDER, 2010).

Portanto, chegamos à compreensão que em uma ou em várias CP é possível

recuperarmos o domínio de conhecimento – terreno comum de assuntos, tópicos e propósitos,

pois cada comunidade se define pelo “domínio” que ocupa, que se especializa. Desta maneira,

estas ainda são definidas pelo empreendimento do conjunto de pessoas naquela comunidade –

relações interpessoais, senso de pertencimento e formas de aprendizado, na qualidade dos

78 No original: “[...] Como consecuencia, los temas que se discuten en las CP, y su práctica común, reflejan el

entendimiento de los miembros de la CP sobre lo que realmente es importante para ellos (lo cual suele ser diferente

de lo que sus jefes piensan que es importante) [...]”.

Page 143: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

142

elementos que os unem enquanto grupo; e, a prática por meio do repertório compartilhado,

conhecimento comum partilhado por meio dos gêneros discursivos, por exemplo, ou ainda por

meio de “[...] ferramentas, estruturas, métodos e histórias – bem como atividades relacionadas

à aprendizagem e inovação.” (SNYDER; WENGER, 2010, p. 110 – tradução nossa)79.

Figura 6 – Características das Comunidades de Prática.

Fonte: Adaptado de Wenger e Wenger (2015).

Cumpre-nos destacar ainda alguns mitos sobre as CP, pois, segundo Wenger e Wenger

(2015, p. 07 – 08) após a ampliação e o estudo sobre o conceito proposto inicialmente por Lave

e Wenger (2008) muito se tem debatido e ganhado outros contornos à proposta inicial de

compreensão das CP. Logo, é falso dizer que:

1. As CP sempre se auto organizam de forma harmoniosa e efetiva.

Na verdade, muitas destas precisam de auxílio para que entre seus membros sejam

cultivados os valores, o pertencimento e o compromisso;

2. Não há líderes em uma verdadeira comunidade de prática.

79 No original: “Elements of a practice include its repertoire of tools, frameworks, methods, and stories – as well

as activities related to learning and innovation”.

Comunidades de Prática

Domínio

Uma CP possui uma identidade definida por um âmbito ou domínio em comum. Sendo a adesão

um compromisso diante desse domínio e a competência partilhada distingue seus membros.

Ou seja, o valor é posto em uma competência coletiva.

Comunidade ou empreendimento

Ao objetivar um interesse, os membros de uma comunidade se comprometem e se envolvem em

atividades, discussões, buscam auxiliar esses mesmos membros. Eles compartilham

informações, conhecimentos, constroem relacionamentos e interagem entre si.

Prática ou repertório partilhado

Em uma CP não é apenas compartilhado interesses em comum, mas os seus membros são profissionais ou pessoas que se dedicam a uma prática específica, desenvolvendo um repertório

compartilhado de recursos: experiências, histórias, ferramentas, formas de lidar com

problemas recorrentes, entre outros.

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143

Na realidade, em muitas CP é preciso tomar decisões, calcular estratégias e nem todos

os membros podem estar à frente deste processo. Deste modo, surgem figuras líderes, tais como:

coordenadores, administradores, monitores etc.

3. As CP verdadeiras são informais.

As CP são muito mais formais em espaços organizacionais e institucionais.

4. É difícil medir o impacto das CP.

Portanto, o nosso próprio estudo demarca a possibilidade de vislumbrarmos como essas

CP trazem impactos na vida dos estudantes-estagiários. Em outros contextos, isso indica

verificarmos os impactos e os valores dados entre os membros da própria CP. Em síntese, nas

CP é possível vislumbrarmos a satisfação do sujeito em se apropriar dos conhecimentos e

partilhá-los, em aprimorar o saber sobre um dado assunto, em desenvolver múltiplas formas de

interação e consequentemente de desenvolvimento interpessoal entre os membros,

(re)configurando sua própria identidade como um integrante ativo ou periférico de um dado

grupo (WENGER; MCDEMOTT; SNYDER, 2002), além de deixarem captar os valores sociais

dos sujeitos implicados nessas relações.

Diante disto, adentramos em nosso aporte metodológico que visa congregar tais pontes

teóricas, costurá-las em um viés de sistematização procedimental da análise do nosso contexto

na seção a seguir.

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144

4. A ARQUITETURA DA PAISAGEM: A CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO

Finalizada a etapa de construção e fundamentação de nosso arcabouço teórico, tratamos,

na presente seção, da constituição metodológica que nos auxiliou a delinear, a (re)conhecer e a

refletir sobre as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva existentes nos relatórios

de sujeitos estudantes-estagiários de duas distintas comunidades de práticas, tais como os cursos

do EMI de Agropecuária e de Edificações, que sinalizam os respectivos letramentos

acadêmicos-profissionais por meio do fio discursivo.

Nosso escopo recai, portanto, em um projeto de escuta dos corpus, especialmente do

que estes revelam em suas respectivas singularidades e “recorrências” enquanto grupos sociais

situados historicamente em um dado período e em um dado contexto. Assim sendo, reforçamos

que não é nosso propósito simplesmente “aplicar” uma teoria como a ADD, buscando pensar

na dimensão interdiscursiva como um dos indícios da constituição de uma determinada

comunidade de prática em um contexto específico de circulação, de produção e de consumo de

um gênero, tal como o relatório de estágio; até mesmo porque esse seria um objeto de estudo

impensado inicialmente pela proposta do Círculo.

Na realidade, compreendemos, assim como Brait (2014b), que a finalidade em estudos

que se amparam em um viés dialógico sobre o discurso, tal como esta nossa tese, reside em não

aplicar os conceitos com o intuito de alcançar um determinado dizer/discurso, mas abraçar estes

discursos na interpretação, na escuta, revelando como estes próprios direcionam a produção do

sentido, sobretudo, ao se partir de uma ancoragem dialógica, de embate, de concordância, de

processo interlocutivo nas relações eu-outro.

Neste viés, nosso propósito reside em criarmos pontes transdisciplinares sobre essa

questão, interligando a ADD e os NLS, mais precisamente, no constructo das CP. Desse modo,

sinalizamos que nossa tese nos guia por uma pesquisa de cunho descritivo-interpretativista

somado a uma análise dialógica dos discursos para o estudo do nosso corpus, uma vez que

buscamos, a priori, cotejar, escutar, diagnosticar, sempre procurando observar, descrever,

analisar e interpretar o que os sentidos revelavam. Como pontua Cervo (2007), a pesquisa que

se traduz como uma pesquisa descritiva:

[...] procura descobrir, com a maior precisão possível, a frequência com que o

fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e suas

características. Busca conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida

social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano, tanto do

indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidade mais complexas

(CERVO, 2007, p. 61).

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145

Assim, cotejamos, a princípio, outros textos (documentos) além do que simplesmente

o processo de escuta em torno do gênero relatório de estágio. Em nosso recorte, postulamos que

alguns documentos se interligam, de certa maneira, diretamente com o entorno e com o contexto

de produção do gênero relatório, a saber: a Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio,

o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) – Agropecuária e Edificações, o Regulamento do estágio,

o Guia de elaboração dos trabalhos acadêmicos, o Manual do estagiário e o Modelo de Relatório

dos Cursos Técnicos. Conforme exposto nas seções teóricas, esses documentos normatizam e

orientam as ações do estudante-estagiário em seu projeto enunciativo, sendo considerados

exemplos de uma linha das vozes dos “interlocutores mediadores dos letramentos”, nos quais

os sujeitos possuem “contato” e tentam “dialogar”.

Deste modo, construímos tal análise por meio do cotejo dos documentos institucionais

e do aprofundamento desse estudo por intermédio dos relatórios de estágio, buscando

compreender como se constroem ou reverberam os elos com vozes de autoridade no projeto de

dizer dos discentes diante da produção desse gênero (documentos institucionais e/ou sujeitos

que demandam alguma hierarquia no processo de aprendizagem – orientadores, supervisores,

docentes, entre outros). Além disto, também refletimos sobre como as distintas vozes se

materializam na dimensão interdiscursiva nesse processo enunciativo (vozes que ecoam os

letramentos acadêmicos e profissionais das próprias e distintas comunidades de prática –

Cassany, 2006; Rojo, 2012; Curry, Lillis, 2016; Fuza, 2015, 2016, 2017).

Enfatizamos que nosso processo de escuta e de interpretação dos dados remonta o que

Medviédev (2016) sinalizava, pois é possível pensarmos em uma pesquisa por meio de uma

análise qualitativa de viés sociológico, demarcando e reconhecendo os contextos e suas

singularidades, não apenas quantificando e compreendendo que esses “números” seriam uma

realidade fiel, fechada e estagnada. Relembramos ainda o que provoca Lemke (2010, p. 464),

pois temos a tendência para, em nossas pesquisas construirmos “[...] significados

fundamentalmente de duas formas complementares: (1) classificando as coisas em categorias

mutuamente exclusivas e (2) distinguindo variações de graus (ao invés de variação de tipo) ao

longo de vários contínuos de diferença [...]”. Assim, sabemos que em recortes metodológicos

corremos o risco de reduzirmos o olhar do fenômeno na tentativa de classificá-lo.

Neste sentido, Rojo (2013) também reflete o cuidado que devemos ter enquanto

pesquisadores ao não criarmos isomorfismo diante de situações de semioses e, diríamos, de

singularidades diversas. Por isso, enfatizamos que os resultados, apresentados posteriormente,

são na realidade um recorte no processo de manejo com os sentidos por parte da presente autora,

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146

não significando que as categorias expostas possam ser “aplicadas” a qualquer contexto de

análise. Defendemos que é sempre preciso partir do contexto, do histórico, do fato temporal e

sobretudo do componente social para consolidar o estudo segundo os “moldes” da ADD.

Isto posto, destacamos que, nas seções posteriores, contextualizamos e descrevemos

primeiramente o nosso cenário de pesquisa que toma como pano de fundo a rede técnica federal.

Em seguida, apresentamos como trabalhamos com o nosso corpus: contexto de produção e o

discurso presente no relatório de estágio de estudantes-estagiários do EMI, dentro do recorte

longitudinal proposto. Posteriormente, explicitamos os procedimentos de geração de dados. E,

por fim, na seção seguinte, expomos os resultados de nossas análises e discussões.

4.1 COMPREENDENDO O CONTEXTO DA PESQUISA

Segundo expusemos em nossa seção de Introdução, a rede federal de educação

tecnológica nos é valiosa devido à proximidade de nossa atuação, bem como pelos propósitos

das instituições ao levarem educação pública e de qualidade aos mais diversos cantos do Brasil.

Assim, após algumas vivências e inquietações que surgiram no agir educacional naquele campo

de atuação, aprofundamos-nos em estudos e investigações sobre o tema e esta tese se torna mais

um fruto desta proximidade.

Em nosso caso, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano – IF Sertão/PE, conforme seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI

2019 – 2023), se configura como uma “autarquia Federal, detentora de autonomia

administrativa, patrimonial, financeira, didático pedagógica e disciplinar” (BRASIL, 2019, p.

14), vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e sob a supervisão da Secretaria de Educação

Profissional e Tecnológica (SETEC), possui ainda Estatuto próprio e regimentos que balizam

suas ações. Desse modo, o IF Sertão/PE se caracteriza como uma “[...] instituição de educação

superior, básica e profissional, pluricurricular e multiCampi [...]” (BRASIL, 2019, p. 14).

Exatamente na oferta de educação profissional e tecnológica por meio de diferentes

modalidades de ensino (educação básica, educação de jovens e adultos, educação técnica,

educação superior e pós-graduação) que a instituição visa a “[...] melhorar a ação sistêmica da

educação, interiorizar e socializar o conhecimento, popularizar a ciência e a tecnologia,

desenvolvendo os arranjos produtivos sociais e culturais locais, com foco na redução das

desigualdades sociais interregional e intrarregional.” (BRASIL, 2019, p. 14).

Assim, a propósito da oferta e das modalidades de ensino nos IF, enfatizamos que na

rede técnica e profissional há a possibilidade da oferta com relação ao nível médio da educação

Page 148: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

147

básica seguindo as seguintes modalidades: integrada, concomitante e subsequente. A primeira

se destaca por aliar de modo articulado a base da formação propedêutica proposta para o ensino

médio à formação técnica, formação especializada de uma dada área profissional, sendo de

responsabilidade do próprio Instituto a sua oferta. a oferta concomitante, o aluno cursa a

formação de base direcionada ao ensino médio “regular” em outros espaços (outras

instituições/escolas), mas possui sua matrícula na rede para a formação técnica/capacitação

profissional de modo simultâneo. Ao passo que na modalidade subsequente, o discente que

tenha concluído o ensino médio busca a formação técnica profissional em uma das instituições

da rede (BRASIL, 2012, 2019; LEITE e BARBOSA, 2020).

Neste sentido, sinalizamos que, mais especificamente o IF Sertão/PE, em relação à

educação básica, divide a oferta de seus cursos nas modalidades integrada e subsequente

(BRASIL, 2019). Logo, a oferta de cursos profissionalizantes no interior de Pernambuco para

o público jovem se adequa ao escopo institucional, pois a instituição traz a possibilidade de

transformação, tornando viável uma formação acadêmica e profissional para discentes dos mais

variados grupos sociais, independente de raça/cor ou de poder aquisitivo.

Conforme destaca Lima (2019), e coadunamos com a pesquisadora, o processo de

interiorização e de expansão da rede é um dos grandes ganhos na política de oferta educacional

do nosso país. Porém, como aponta a autora, a interiorização e expansão por meio dessa nova

entidade, organização, que são os Institutos Federais, acabaram por demarcar questões de

ordem de identidade, de compreensão por parte dos atores que estão envoltos nesse cenário

sobre os objetivos, as finalidades e o escopo do ensino, por exemplo80.

Destacamos, portanto, que são novas posturas, sobretudo, em fortificar elos aptos a

trazer a essência do ensino médio aos arranjos socioeconômicos locais, criando pontes na

formação do sujeito através de propostas pluri, multi, inter e transdisciplinares. Ou seja, ao

educador e aos aprendizes é oportunizado repensar a aquisição mecânica dos conhecimentos

para somente servir de mão de obra local, direcionando suas finalidades educativas para

vivenciar o que propõe a LDBEN (BRASIL, 1996) em seu artigo 35:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino

fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar

aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições

de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

80 Lima problematiza e diz que além do aumento das unidades “[...] aumento considerável de professores, contribui

para a ausência de condições para acompanhar, discutir e formar esses profissionais sobre as práticas educativas

ideais para uma instituição de ensino com propostas específicas como o Instituto.” (LIMA, 2019, p. 08 – 09).

Page 149: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

148

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética

e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos

produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. –

(grifos nossos).

Estes traços (re)configuram a perspectiva de formação dos discentes do ensino médio,

pois além de capacitá-los na aquisição dos conhecimentos para que possam prosseguir nos

estudos, o viés humanístico se encontra presente no desenvolvimento alinhado à prática laboral,

assim como no incentivo de práticas acadêmicas, científicas e tecnológicas.

No que diz respeito à educação profissional, ademais das características apontadas pela

LDBEN, mais precisamente no EMI, o elo se fortifica ao pensarmos na dinâmica correlacionada

ao mercado de trabalho, avultando currículos contextualizados que adotem princípios

pedagógicos em um viés de construção de identidade, da formação cidadã, de respeito à

diversidade, de incentivo à autonomia em uma essência interdisciplinar das matérias

(TAVARES et al., 2016).

Diante deste cenário, nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM)

há um destaque para o público do Ensino Médio e a necessidade de (re)pensarmos esse sujeito

e as vozes que ecoam no seu universo, pois, “[...] a juventude como condição sóciohistórico-

cultural de uma categoria de sujeitos [...]” (TAVARES et al., 2016, p. 174) é vista em uma

dimensão plural e não estando correlacionado somente a questões biológicas ou de faixa etária

desse público. Na realidade, esses jovens são atravessados social e culturalmente e é dever da

escola, da instituição receptora, compreendê-los como sujeitos com valores, identidades,

ideologias, interesses e necessidades particulares.

Em nosso cenário, o IF Sertão/PE, este espaço que acolhe os jovens e prepara-os para o

mundo do trabalho, conjugando a formação cidadã, nasceu associado à sua criação, em 1983,

por intermédio do Campus Avançado da Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE), em

Petrolina – PE. Posteriormente, o ETFPE se transformou em Escola Agrotécnica Federal Dom

Avelar Brandão Vilela, já com objetivos de atender ao público juvenil da época (2º grau e com

os seguintes cursos: Edificações, Saneamento, Eletrotécnica e Refrigeração). Somente em

1999, surgiu o Centro Federal de Educação Tecnológica de Petrolina (CEFET – Petrolina).

Evidenciamos, desse modo, que até então o projeto de expansão e interiorização da

educação profissional dentro do Sertão de Pernambuco ainda era tímido. Sendo somente em

2001 que essas primeiras sendas desbravaram para o interior: o denominado CEFET – Petrolina

ganhou um outro Campus, o Campus Floresta.

Page 150: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

149

Por conseguinte, por meio da Lei de criação dos Institutos Federais (Lei 11.892/2008)

a transformação para IF Sertão/PE ganhou fôlego, traçando caminhos para levar educação a

lugares mais longínquos. Assim, de 2008 até o presente momento (2021), surgiram e se

consolidaram os seguintes campi: Petrolina Industrial, Petrolina Zona Rural, Floresta, Ouricuri,

Salgueiro, Santa Maria da Boa Vista e Serra Talhada. Conforme expusemos, essa instituição

possui como missão: “Promover a educação profissional, científica e tecnológica, por meio do

ensino, pesquisa, inovação e extensão, para a formação cidadã e o desenvolvimento

sustentável” (BRASIL, 2019, p. 25).

Sob esta ótica, Abreu (2018) aborda a necessidade de investigarmos e estudarmos as

práticas de letramentos (dominantes e vernaculares) em distintos espaços de aprendizagem, em

nosso caso, a formação em uma rede profissionalizante. A autora ainda pontua que este se trata

de um passo para a escuta, a escuta da voz do estudante ao compreendermos, em especial, seu

locus bem como as múltiplas culturas que perpassam a constituição desse aprendiz. Lembramos

que na história educacional, por muitos anos, o aluno fora historicamente silenciado, porém

com o avanço de abordagens sociais no campo educacional, as lentes, e sobretudo o processo

de escuta para esse público, ganharam novos significados. Na atualidade, ao aproximarmos dos

discentes, tratamos de percebê-los essencialmente como sujeitos produtores e consumidores de

linguagem, reconstruindo nosso processo de escuta e de acolhimento para com estes sujeitos.

Nesse sentido, a palavra/o discurso investigado presente nos relatórios tomados para

análise, não pode e nem deve ser compreendida/o como neutra/o, mas como uma “[...] arena

onde se confrontam aos valores sociais contraditórios [...]” (YAGUELLO, 2010, p. 14). Os

indícios dessas relações, dessas construções histórico-sociais marcam e constituem os

indivíduos e a suas histórias enquanto discentes e futuros profissionais de um grupo social

instaurado em um dado tempo e espaço, revelando o seu repertório próprio na comunicação

socioideológica (VOLÓCHINOV, 2018).

4.1.1 Contextualização e descrição do Corpus

Após a reflexão sobre a importância do IF Sertão/PE, retomando, em especial, seu

percurso histórico, exploramos nesta subseção a apresentação de como articulamos a coleta dos

dados metodologicamente, visando a atendermos os objetivos iniciais desta tese. Reforçamos,

a princípio, que, em nosso projeto de escuta, nosso entendimento parte de uma abordagem mais

abrangente do entorno, uma vez que posteriormente seguimos para as singularidades reveladas

no fio discursivo. Relembramos ainda, que seguimos nosso arcabouço teórico-metodológico

Page 151: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

150

ancorados na ADD, visando uma análise metalinguística dos enunciados, entrelaçando aos NLS

na vertente dos Letramentos Acadêmicos sob a perspectiva sociocultural, além de

aprofundarmos nessa relação o conhecimento sobre comunidades de prática específicas. Desta

forma, a pesquisa possui três grandes etapas:

1. A descrição e a análise do contexto de produção do gênero relatório de estágio

do EMI dos cursos de Agropecuária e de Edificações, buscando, em especial, cotejar os

documentos institucionais que norteiam a produção escrita desse gênero. Reconhecendo o

endereçamento, as forças centrípetas e os modelos de escrita81 solicitados/existentes e

direcionados a duas distintas comunidades de prática como uma das vozes dos interlocutores

mediadores dos letramentos que formam parte da dimensão interdiscursiva;

2. A identificação das relações dialógicas presentes no fio discursivo do gênero

relatório de estágio dos cursos investigados com relação a dimensão do já-dito; e,

3. A caracterização por meio do discurso dos grupos em tela sobre a constituição

de suas respectivas comunidades de prática (domínio, empreendimento e repertório partilhado).

Nesta linha de pensamento, buscamos inicialmente construir um levantamento dos

documentos oficiais norteadores da escrita do gênero relatório no IF Sertão/PE após consulta

ao site da instituição82. Como resultado, encontramos documentos ou legislações de ordem de

uma macro esfera, tais como: Lei de diretrizes e Bases – ênfase na educação profissional de

nível médio; Base Nacional Comum Curricular; Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Profissional Técnica de Nível Médio; Resolução CNE/CEB nº. 06/2012 – Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio; e, Lei

11.788/2008 – Lei do estagiário. Porém, optamos por um recorte de proximidade desses

materiais correlacionando aos documentos segundo uma “micro” esfera, pois esses possuíam

uma relação mais direta com a escrita final dos estudantes-estagiários, servindo como um “guia”

para esse público, principalmente dois documentos que se atentam para estrutura composicional

do gênero relatório de estágio (Quadro 3):

81 Modelos, assim como proposto por Lea e Street (1998), divididos em: modelo das habilidades, modelo da

socialização acadêmica e modelo do letramento acadêmico. 82 www.ifsertao-pe.edu.br

Page 152: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

151

Quadro 3 – Levantamento dos documentos oficiais norteadores da escrita do gênero relatório no IF Sertão/PE –

Campus Salgueiro presentes no ano de 2016 a 2018.

DOCUMENTOS SITE CÓDIGO/SIGLA83

Nova Cartilha Esclarecedora da Lei do

Estágio

https://www.confef.org.br/arquivos/cartilha-

mte-estagio.pdf

NCELE

Projeto Pedagógico do Curso https://www.ifsertao-

pe.edu.br/index.php/medio-integrado

PPC

Regulamento de estágio https://www.ifsertao-pe.edu.br/images/Pro-

Reitorias/Proext/Estagio/_REGULAMENT

O.pdf

RE

Manual do Estagiário https://www.ifsertao-pe.edu.br/images/Pro-

Reitorias/Proext/Estagio/Manual%20do%20

Estagirio.pdf

ME

Guia de elaboração dos trabalhos de

conclusão de curso para os cursos

técnicos e superior do Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do

Sertão Pernambucano

https://www.ifsertao-

pe.edu.br/novosite/images/Campus_Salgueir

o/3-Outros/2016/Biblioteca/Guia-de-

elaborao-dos-trabalhos-acadmicos-

IFSPE.pdf

GETA

Modelo de relatório dos cursos

técnicos

https://www.ifsertao-

pe.edu.br/novosite/index.php/sal-biblioteca

MRCT

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Assim, em nosso processo de escuta, seguindo uma análise interpretativa/qualitativa, ao

nos aproximarmos dos seis documentos, demonstramos, por meio de quadros, os excertos

referentes aos direcionamentos que norteiam ou estabelecem diretrizes: por um lado sobre o

perfil dos discentes e sobre quais letramentos devem ter contato; e por outro, para a forma

composicional do gênero, revelando-nos indícios dos efeitos de seu endereçamento, das forças

centrípetas e dos modelos de escrita diante do relatório.

Seguindo esta lógica, os quadros esboçavam os recortes que fizemos dos fragmentos

que guiavam os discentes com relação à estrutura composicional do gênero, bem como sobre o

que esperavam do conteúdo e dos propósitos existentes no texto solicitado como etapa final da

formação discente – futuro profissional (Quadro 4).

Quadro 4 – Exemplificação quadro de Documento Norteador – “interlocutor mediador dos letramentos”.

Documento Norteador Trecho

MRCT

Devem ser indicadas, além das vivências, as referências bibliográficas,

webgráficas, etc, utilizadas no decorrer de cada uma das atividades

desenvolvidas. Não insira nada gratuitamente, porém não deixe de inserir

referências que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades

(leis, códigos, manuais, artigos, livros, sites, etc) – (BRASIL, 2016b [?], p. 8).

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

83 Ressaltamos que com intuito de dinamizar a escrita e análise dos dados documentos usaremos a codificação/sigla

exposta no quadro 3.

Page 153: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

152

Outro ponto de destaque para nossa coleta diz respeito ao acesso e à catalogação do

nosso corpus principal (locus das relações dialógicas), a saber: os relatórios de estágio de

estudantes-estagiários do EMI. Relembramos que os relatórios são de livre acesso para toda

comunidade por se tratarem de documentos, a exemplo de trabalhos de conclusão de cursos

(PRÍNCIPE, 2017), que são necessários à comprovação para a diplomação. Por isso, esses

documentos (relatórios de estágios) estão em página pública, em site84 específico da instituição

(Figura 7), por meio do Repositório de Leituras Abertas (RELEIA).

Figura 7 – Página principal do sítio eletrônico do Repositório Institucional do IF Sertão/PE: RELEIA.

Fonte: Brasil (2020a).

Salientamos que, antes de 2019, esses documentos de domínio público seguiam uma

normativa interna que direcionava os estudantes para a necessidade da entrega de uma cópia

em CD do relatório de estágio na biblioteca do Campus. Porém, os alunos do EMI, por muitas

vezes, entregavam o texto de forma impressa na coordenação de extensão do Campus, mais

especificamente, direcionando ao setor de estágio. Somente a partir do ano de 2019, todos os

discentes foram orientados a entregarem ao setor da biblioteca o material para que houvesse

este direcionamento ao repositório virtual da instituição.

Deste modo, com o intuito especial de “Registrar, organizar e preservar a memória

acadêmico-científica da instituição” (BRASIL, 2020a), uma vez que alguns materiais acabavam

desaparecendo, sendo extraviados, por não existir um espaço para arquivo de todos os

84 http://releia.ifsertao-pe.edu.br/jspui/

Page 154: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

153

documentos produzidos ao longo dos anos, surgiu, em 2019, o RELEIA do IF Sertão/PE.

Tratando-se de “[...] um ambiente digital utilizado para o registro e a disseminação da produção

acadêmico-científica realizada por sua comunidade” (BRASIL, 2020a, s/n). Assim, por meio

do RELEIA, a instituição consolidou um espaço digital mais seguro para a preservação desses

materiais, iniciando um processo de recuperação/catalogação das publicações anteriores.

Diante da possibilidade de coletarmos os relatórios de estágio da instituição por meio

do repositório, partimos para as escolhas do refinamento do corpus a ser analisado. Por isso,

optamos por selecionar os três cursos que fossem representativos na comunidade do IF

Sertão/PE, ou seja, que tivessem maior recorrência de oferta dentro dessa instituição. Conforme

visualizamos no Quadro 5, os cursos de maior representatividade são: os cursos de

Agropecuária (cinco campi), Edificações (quatro campi) e Informática (quatro campi).

Quadro 5 – Distribuição dos cursos nos Campi.

CAMPUS/

CURSOS

Agropecuária Edificações Eletrônica Informática Química Logística Refrigeração

e

climatização

Floresta X X

Petrolina

Industrial

X X X X

Petrolina Zona

Rural

X

Ouricuri X X X

Salgueiro X X X

Santa Maria

Da Boa Vista

X X

Serra Talhada X X

Total de

ofertas

5 4 1 4 1 1 1

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Diante dos resultados obtidos, aproximamo-nos dos cursos presentes no Campus

Salgueiro e no Campus Ouricuri como os campi que possuíam a oferta dos três cursos com

maior “recorrência” na instituição. Porém, sinalizamos que efetuamos outro recorte diante da

informação que, em 2016, o Campus Salgueiro construiu normativa interna para a confecção

de trabalhos de conclusão/técnicos, inclusive sendo o Campus a direcionar essas orientações

por meio de uma normativa antes mesmo que a própria instituição, o IF Sertão/PE. Este dado

nos é importante, pois consideramos mais um documento norteador/ mediador de interlocução

no letramento dos discentes estudantes-estagiários, por isso, optamos por investigarmos os

relatórios daquele Campus.

Page 155: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

154

Uma vez justificado o recorte dentre quais campi e quais cursos, traçamos mais um

refinamento direcionando a um recorte temporal para a seleção e delimitação do corpus,

tomando por base os anos de 2016, 2017 e 2018. Esclarecemos nossa escolha por três marcos:

o primeiro deles ser, respectivamente, a terceira, a quarta e a quinta turma que cursaram o

estágio, não se tratando das primeiras produções que os interlocutores mediadores dos

letramentos teriam contato e orientariam. Ou seja, esses interlocutores mediadores dos

letramentos (interlocutores reais/sujeitos orientadores) já haviam consolidado certa prática,

certa tradição, em relação à forma de orientar, direcionar caminhos.

O segundo marco se trata da publicação interna no Campus Salgueiro: o Guia de

elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (GETA), no ano de 2016.

Sob este viés, estamos diante de mais um vetor presente no “produto final” que é o relatório,

pois o GETA, produzido pelo Campus Salgueiro, apresentava uma normativa interna com

relação a confecção de relatórios, tendo seção específica destinada a orientações para discentes

que cumpririam o estágio.

O terceiro marco foi a criação da plataforma de acesso aos relatórios de estágio por meio

do RELEIA, em 2019: desta forma, os dados puderam ser acessados e coletados. Para esta tese,

coletamos dados dos anos que já se encontravam disponíveis até novembro de 2019,

consequentemente, estariam na base os relatórios de estudantes-estagiários que o fizeram até

2018 (uma vez que o ano letivo de 2019 não havia sido concluído ainda).

Em síntese, o recorte temporal estabelecido para a pesquisa de três anos, visa de igual

forma, dar maior credibilidade aos dados revelados, bem como delinear as respectivas

comunidades de prática no que tange ao domínio, empreendimento e repertório indiciados nos

quais emergem do relatório. Logo, apresentamos, na Tabela 1, o quantitativo de relatórios por

ano e por curso, após esse refinamento do corpus.

Tabela 1 – Distribuição da quantidade de relatórios por ano/curso.

ANO/QUANTIDADE AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES INFORMÁTICA

2016 04 04 0

2017 10 15 07

2018 06 13 05

Total 19 32 12

Soma total de relatórios 64

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 156: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

155

Dito isso, apresentamos mais outro recorte para a tese, já que caso tomássemos os três

cursos: Agropecuária, Edificações e Informática (Tabela 1), teríamos um total de 64 relatórios

a serem analisados, por isso estabelecemos alguns critérios para que esse quantitativo

diminuísse:

1. No curso de Informática não foi possível localizarmos os relatórios relativos ao

ano de 2016 no RELEIA, então optamos por excluir esse curso de nossas análises. Essa

exclusão não afetou nossos objetivos iniciais em correlacionarmos as relações dialógicas que

demarcariam as características de comunidades de práticas distintas. Assim, os cursos de

Agropecuária e Edificações atenderam a essa proposta por serem cursos de eixos diferentes,

uma de Ciências Agrárias e outra correlacionadas a Engenharias;

2. Outro exemplar que conseguimos relativo ao ano de 2017, na área de

Edificações, não foi considerado, em virtude de o aluno em questão ainda se encontrar com

matrícula efetiva em 2019. Lembramos ainda, que tomamos para análise somente os relatórios

de discentes que foram diplomados dentro de nosso recorte temporal;

3. Outro ponto de delimitação é que analisaríamos um total de 71 relatórios, mas

devido ao recorte de diplomados dentro do período longitudinal proposto, chegamos a um

número de 51 relatórios (Tabela 2)85.

Tabela 2 – Distribuição da quantidade de diplomados, quantidade de relatórios analisados por ano/curso.

ANO/QUANTIDADE AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

Diplomados Estágios realizados

de forma regular

Diplomados Estágios realizados

de forma regular

2016 12 04 15 04

2017 10 10 15 15

2018 06 05 13 13

Total 28 19 43 32

Soma total de relatórios

Analisados 51

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Cumpre-nos sinalizar que normalmente os discentes cursam estágio em um ano, porém

continuam matriculados no sistema em anos subsequentes, pois alguns alunos apresentam

pendências em outras disciplinas. Deste modo, conforme a situação relatada no item 2, temos

85 Enfatizamos ainda que até o ano de 2019, muitos destes relatórios permaneciam arquivados de forma impressa

prioritariamente no setor de estágio ou mesmo nas coordenações dos cursos, quando deveriam estar alocados e de

fácil acesso na biblioteca do Campus. Deste modo, alguns dos materiais não foram disponibilizados no RELEIA,

pois houve a possibilidade da ação do tempo ou outras variáveis terem extraviado essa parte do acervo (no caso

oito relatórios).

Page 157: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

156

12 alunos que vieram a se diplomar no período de nossas análises, mas que efetivamente

cursaram seus estágios em anos anteriores. Reforçamos que um de nossos requisitos para

inserção e análise é o estágio e a diplomação ocorrerem de forma regular, sem atrasos

acadêmicos.

Devemos ainda considerar que, estamos dando um destaque ao entorno e em especial

ao seu contexto de produção, justamente porque optamos por não construirmos uma pesquisa

etnográfica ou simplesmente “aplicar” uma teoria. Na realidade, estamos ancorados em uma

abordagem dialógica da linguagem que compreende a relação eu-outro, a constituição alteritária

nas práticas interlocutivas/interdiscursivas e como isso é possível recuperar as vozes, as RD,

no processo de escuta do fio discursivo (ver seção 2). Neste sentido é que exploramos mais

outro recorte no quantitativo dos dados, buscando nos aproximarmos das singularidades dos

sujeitos nas relações interdiscursivas.

Isto posto, optamos por analisar os relatórios dos orientadores (docentes) que estavam

“presentes”, tendo orientação de forma consecutiva ao longo dos três anos de nosso recorte

temporal e que também tivessem maior titulação acadêmica. Lembramos que, segundo a

Plataforma Nilo Peçanha (Plataforma que sistematiza os dados de mais 650 unidades da Rede

Federal de Educação Profissional e Tecnológica)86, no ano de 2018 (recorte final do nosso

objeto de estudo), o Campus Salgueiro possuía 74 docentes. Destes, 12 eram professores

temporários, 62 efetivos com vínculo de dedicação exclusiva ao IF Sertão/PE. Do quadro de 62

docentes efetivos, na época, três (03) eram somente graduados, sete (07) eram especialistas, 43

eram mestres e 9 eram doutores, perfazendo um total de docentes com capacitação em pós-

graduação de mais de 95,16% no Campus.

Portanto, avultamos que estes dados demonstram a formação acadêmica de um grupo o

qual se consolida como mais uma voz entre os “interlocutores mediadores dos letramentos” dos

discentes. Esclarecemos e entendemos que não conseguimos recuperar todas as vozes

envolvidas neste processo: dos demais docentes que colaboraram para a formação e a

capacitação dos estudantes-estagiários, sinalizando as influências diretas da titularidade na

produção do gênero. Neste contexto, sinalizamos de forma mais próxima os próprios

orientadores do estágio, mas compreendemos a importância deste grupo de profissionais nas

etapas formativas do público investigado.

Assim, ao aprofundarmos o nosso recorte, pontuamos a titularidade dos próprios

orientadores como mais um marco que traz implicações para o processo de produção escrita.

86 https://www.plataformanilopecanha.mec.gov.br/

Page 158: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

157

Neste caso, as informações com relação a essa formação nos foi possível recuperar por meio

dos nomes constantes no próprio relatório (professor/a orientador/a) e, consequentemente,

pesquisa na plataforma Lattes. Recordamos que estas informações são de caráter público e nos

auxiliaram na compreensão das relações além das vozes institucionais, mas também de como

esses interlocutores mediadores dos letramentos que conservam uma certa “expertise” na escrita

acadêmica poderiam direcionar e/ou nortear a produção escrita de seus orientandos, apesar de

estarmos analisando uma etapa final como o relatório de estágio. Ainda assim, enfatizamos

como nos lembra Bakhtin (2016c, p. 122): “[...] A relação com o interlocutor determina o

discurso tanto quanto a relação com o objeto (com a realidade). A relação com o interlocutor e

com o seu discurso é um elemento determinante do discurso, do diálogo, fora do qual é

impossível compreender uma réplica. [...]”.

Por isso, em nosso estudo, com o intuito de preservarmos a face dos docentes

orientadores do estágio, codificamos os nomes seguindo a distribuição para o curso de

Agropecuária DO – AGRO 01, DO – AGRO 02, em ordem numérica sucessiva, bem como para

o curso de Edificações DO – EDIF 01, DO – EDIF 02, etc. No qual DO – AGRO significa:

docente orientador Agropecuária, 01 – primeiro docente retirado em ordem alfabética; e DO –

EDIF significa: docente orientador Edificações, 01 – primeiro docente codificado retirado em

ordem alfabética. Desse modo, o apêndice B indica a presença do orientador por ano, sua

respectiva titulação e a quantidade de discentes estagiários sob sua orientação, de igual modo,

por ano.

Seguindo nosso delineamento, observamos que em Agropecuária somente DO – AGRO

02 e DO – AGRO 04 estavam presentes nos três anos e esses possuíam como maior titulação o

fato de serem mestres, como não há uma regularidade nas orientações dos docentes doutores,

optamos por seguir o que propomos inicialmente: ter orientações em todos os anos do recorte

longitudinal do estudo e maior titularidade. Em relação ao curso de Edificações constatamos

que os DO – EDIF 01, DO – EDIF 02, DO – EDIF 03 E DO – EDIF 05 possuíam presença nos

três anos de recorte do estudo, porém nos centramos nos relatórios orientados por DO – EDIF

02 e DO – EDIF 05, pois esses possuíam uma maior titulação ou formação dentro do período.

Em síntese, com esse recorte tomado, chegamos ao total de 26 relatórios analisados, 13 de cada

curso, estando distribuídos por ano e curso conforme exposto no apêndice C.

Enfatizamos ainda que, mesmo que os documentos, no caso os relatórios de estágio

fossem de domínio público, adotamos também uma postura ética em codificar os relatórios para

assegurarmos a não exposição dos sujeitos. Diante disso, os relatórios de estágio foram

enumerados sequencialmente de acordo com a disposição cronológica e alfabética, além de

Page 159: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

158

serem marcados com a sigla do curso no qual fora extraído aquele gênero correlacionando ao

docente-orientador, por exemplo: REDO2 – AGRO 01, 2016 (RE: relatório; DO2 – docente

orientador 02; AGRO: relatório do curso de Agropecuária; 01 – primeiro relatório retirado em

ordem alfabética; 2016 – ano de publicação).

Chegamos a uma síntese que consegue, por um lado, referendar as características de

uma comunidade de prática, pois estamos diante de números expressivos se comparado ao

grupo no todo (Tabela 01); e, também apresentamos uma linearidade temporal com o mesmo

interlocutor (sujeito-orientador), com um mesmo mediador da “aprendizagem” (mesmo

sabendo que os contextos situacionais mudam ao longo do tempo). Por outro lado, estamos

diante de um grupo singular no qual nos é possível recuperar, escutar os dados de uma forma

particular, com maior atenção ao projeto discursivo, evidenciando as RD na dimensão

interdiscursiva presente no relatório de estágio. Reforçamos que temos ainda como escopo

construirmos um diálogo somado a outros critérios para análise como serão expostos no tópico

a seguir. Nele demonstramos como elencamos os procedimentos para categorização dos dados

segundo as categorias de análise propostas, explicitando o objetivo de cada uma delas.

4.1.2 No trilhar das relações dialógicas: categorias e procedimentos de análise

Em continuidade com nosso projeto responsivo de escuta dos sentidos presentes no

corpus, compreendemos e defendemos que o diálogo dos NLS, sob o viés dos Letramentos

Acadêmicos, com a perspectiva dialógica da linguagem, possibilitou-nos tratar o enunciado sob

o viés interdiscursivo ao revelar as relações dialógicas existentes e que sinalizavam os

letramentos acadêmicos e profissionais de comunidades de prática ímpares.

Assim sendo, propomos observar, descrever e interpretar nosso corpus, especialmente,

utilizando-nos do método dialógico de análise da linguagem sinalizado pelo Círculo de Bakhtin.

Lembramos que esta proposição teórico-analítica parte inicialmente da compreensão sobre as

condições concretas de realização dos enunciados; para em seguida, investigar o gênero,

compreendendo suas especificidades e as relações dialógicas presentes; e, por último, buscar

no sistema linguístico como os recursos são utilizados para caracterizar e constituírem os

próprios enunciados.

Em nosso contexto, tomamos os efeitos de sentidos por meio do fio discursivo e sua

materialidade nos relatórios de estágio de discentes do EMI dos cursos de Agropecuária e de

Edificações que auxiliam, como um dos elos, na constituição de suas respectivas comunidades

Page 160: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

159

de prática. Assim, através deste respaldo teórico, criamos categorias que nos auxiliaram no

processo de interpretação dos corpus nas seguintes etapas:

1ª etapa: O contexto de produção: as dimensões interdiscursivas de mediação dos

letramentos como práticas institucionalizadas na confecção dos relatórios;

2ª etapa: as relações dialógicas na dimensão com o já-dito em comunidades de práticas

de Agropecuária e de Edificações no relatório de estágio;

3ª etapa: as comunidades de prática dos cursos de Agropecuária e de Edificações: em

foco o domínio, o empreendimento e o repertório partilhado.

Isto posto, reforçamos que, na etapa 1, analisamos os seis (06) documentos que

conseguimos correlacionar como elo de teor prescritivo (forças centrípetas) na produção do

gênero relatório de estágio (Quadro 3). Deste modo, em nosso processo de cotejar outros

elementos sobre o entorno e que influenciaram no projeto enunciativo dos estudantes-

estagiários, denominamos estas vozes institucionais como um dos exemplos de interlocutores

mediadores dos letramentos que mesmo distante fisicamente se fez/faz presente no fio

discursivo do grupo investigado. Neste sentido, na etapa 1, elencamos como categorias

correlacionadas a essas vozes institucionais mediadoras dos letramentos, os seguintes eixos: o

endereçamento; as forças centrípetas; e, o modelo de letramento.

Rememoremos Street (2014), ao afirmar que uma visão homogênea da escrita acaba por

revelar as relações de poder impostas, pois por se tratar de um gênero acadêmico, parte-se, do

pressuposto que há uma única forma de escrever, que há um modo correto de fazer, tornando

algo mecânico e padronizado. Assim sendo, destacamos que essas vozes presentes por meio das

relações dialógicas, que tenham sido conteúdo de análise, foram identificadas, sistematizadas e

agrupadas para uma maior organização em quadros e tabelas de acordo com as categorias de

análises propostas para esse estudo. Inclusive, em alguns momentos, quantificamos as

ocorrências na tentativa de explicar certos “fenômenos” que particularizavam os grupos.

Ressaltamos que este cenário não minimiza nossa responsabilidade em

compreendermos o sujeito único e singular, mas nossa proposição por ora assumiu uma

compilação das recorrências desses mesmos sujeitos e que sinalizam o domínio, o

empreendimento e o repertório das comunidades de prática investigadas. Nesta linha,

sublinhamos que para ampliarmos a análise proposta especialmente da segunda etapa de nossa

investigação, revisitamos as reflexões de Bakhtin (2016b) sobre como o próprio enunciado é

enformado por elementos extralinguísticos (essencialmente) dialógicos, correlacionados

Page 161: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

160

sempre a outros enunciados (cadeia discursiva), e, que, por sua vez, esses elementos adentram

o enunciado também por dentro, na materialidade linguística.

Por este motivo, “Do ponto de vista dos objetivos extralinguísticos do enunciado, o

conjunto linguístico é apenas um meio [...]” (BAKHTIN, 2016b, p. 80). Logo, nossa

compreensão é que na análise linguística conseguimos, a princípio, recuperar os indícios das

relações dialógicas, em especial, na dimensão interdiscursiva. Ou seja, é na identificação e

consequente descrição das formas linguísticas (a materialidade), que conseguimos indiciar a

voz do outro como palavra própria (BESSA, 2016).

Neste caso, a palavra é do sujeito estudante-estagiário, que revisita outros discursos,

outros dizeres e constrói sua própria singularidade. Assim, vislumbramos ainda as relações que

nos permitem identificar como este sujeito discursivo antecipa respostas de seus possíveis

interlocutores e consolida seu projeto enunciativo em diálogo, em relações dialógicas com e

para com o outro87.

Dito isto, apoiamo-nos, além dos NLS (em sua vertente dos Letramentos Acadêmicos)

e da ADD, em estudos tais como de Authier-Revuz (1998, 1999, 2008, 2011), Sanches (2009),

Fuza (2015, 2016, 2017) e Bessa (2016) para alargamos os direcionamentos em nosso contexto

de investigação sobre as categorias, pois partimos do pressuposto que estamos diante de uma

esfera acadêmico-profissional de circulação dos discursos, ao passo que estes estudiosos

centraram seus trabalhos na esfera acadêmico-científica.

Sob este ponto de vista, para contemplarmos a segunda etapa de nossa pesquisa,

utilizamos a classificação exposta no Quadro 6 para a organização dos dados coletados.

Sucintamente, essas estão divididas em dois grandes blocos: 1. A materialidade macrotextual-

discursiva nos relatórios: ecos das vozes institucionais?, e, 2. A dimensão interdiscursiva nas

relações dialógicas de comunidades de prática específicas: o fio discursivo.

Quadro 6 – Análise dialógica dos relatórios de estágio na escrita acadêmica-profissional.

A MATERIALIDADE MACROTEXTUAL-DISCURSIVA NOS RELATÓRIOS: ECOS DAS VOZES

INSTITUCIONAIS?

Elementos pré-textuais Elementos textuais Elementos pós-textuais

A DIMENSÃO INTERDISCURSIVA NAS RELAÇÕES DIALÓGICAS DE COMUNIDADES DE

PRÁTICA ESPECÍFICAS: O FIO DISCURSIVO

As formas marcadas do

projeto de dizer

Marcas de primeira ou terceira pessoa reveladas nos usos de pronomes pessoais,

desinências verbais e pronomes possessivos

Reprodução literal do dizer

Incorporação do dizer

87 Sinalizamos que esses dois movimentos foram investigados de certa forma separadamente, mas compreendemos

que são duas dimensões que se correlacionam e são imbricadas.

Page 162: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

161

As formas de inserção

do discurso "alheio"

como palavra "minha"

Evocação/alusão do dizer

Reformulação do dizer

A dimensão

interdiscursiva por

meio das RD

Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional

Concordância e a discordância com discursos alheios

Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente

Relação com outros saberes e competências

(Re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação

Fonte: Adaptado de Sanches (2009), Fuza (2015), Bessa (2016).

Diante desta realidade, reforçamos que, no item “A materialidade macrotextual-

discursiva nos relatórios: ecos das vozes institucionais?”, correlacionamos a estrutura

composicional e o tema presente do gênero relatório de estágio aos direcionamentos propostos

por um dos interlocutores mediadores dos letramentos, a saber: as vozes institucionais

(documentais). Investigamos se os relatórios apresentaram os elementos pré-textuais, textuais

e pós-textuais solicitados por esses documentos e que, de certa forma, demarcavam o lugar de

adequação à comunidade de prática daquele espaço institucionalizado de formação e de

aprendizagem que é o estágio no IF Sertão/PE.

Na verdade, observamos se esse público seguia os mesmos direcionamentos postulados

pelos documentos ou se iniciavam um processo de constituição e (re)configuração própria de

cada campo de atuação da atividade humana desses cursos. Ou seja, reconhecendo como se

reverbera a resposta ao endereçamento, às forças e aos modelos propostos por aqueles

documentos institucionais.

Em relação ao item “A dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de comunidades

de prática específicas: o fio discursivo”, recuperamos na forma, na materialidade linguística,

inicialmente, as “formas marcadas do projeto de dizer”, pois evidenciamos o engajamento do

sujeito estudante-estagiário por meio das formas marcadas de sua inserção no texto quer seja

de aproximação ou distanciamento. Correlacionamos, de igual modo, a vozes institucionais dos

documentos que buscam “homogeneizar” o dizer do discente, buscando por um momento impor

um certo distanciamento na escrita, característicos de gêneros da esfera acadêmico-científica

por meio da não implicação ou demonstração explícita do sujeito, e, por outros, solicitando o

protagonismo desses alunos ao narrarem suas experiências.

No item “As formas de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha", buscamos

a presença marcada do outro como palavra própria, revelando como o interlocutor constitui o

próprio dizer do discente estudante-estagiário. Conforme salientava Bakhtin (2016c, p. 121):

"[...] Todo discurso do outro citado (ainda que seja uma simples citação) pressupõe uma relação

Page 163: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

162

dialógica com ele (mesmo que seja de concordância, de confirmação).” Nesta óptica, a inserção

da palavra outra foi analisada sob estas perspectivas: a reprodução literal do dizer, a

incorporação do dizer, a evocação/alusão do dizer e a reformulação do dizer.

Respaldamo-nos nestas categorias tomando de empréstimo alguns conceitos de Bessa

(2016) e Authier-Revuz (1998, 2011), pois as adaptamos para nosso contexto investigativo ao

aliarmos em nossa compreensão responsiva e de escuta dos dados as reflexões do Círculo de

Bakhtin. Assim, destacamos que na “reprodução literal” retomamos as citações cujos

movimentos se inserem segundo o discurso direto e a modalização em discurso, seja do

conteúdo ou da palavra (AUTHIER-REVUZ, 1998; BESSA, 2016).

Na “incorporação do dizer”, visualizamos o apagamento autoral (sem menção ao dizer

fonte) e este é tomado como discurso próprio.88 Na evocação/alusão do dizer (AUTHIER-

REVUZ, 1998; BESSA, 2016), o sujeito ao citar a palavra do outro resume o conteúdo ou faz

uma alusão a esse dizer por meio da evocação (uma palavra, uma expressão, por exemplo) e na

“reformulação do dizer”, as citações que exigem um maior esforço na reelaboração do conteúdo

sendo visível por meio do discurso indireto ou da modalização em discurso segundo sobre o

conteúdo (AUTHIER-REVUZ, 1998; BESSA, 2016).

No tocante “A dimensão interdiscursiva por meio das RD”, partimos da compreensão e

da interpretação de como a linguagem deixa transparecer a ação humana, como revela as

relações dialógicas, como recuperamos os inúmeros outros e seus discursos para nos

constituirmos enquanto sujeitos (identidade construída pela alteridade). Deste modo, as RD nos

revelam proximidades e afastamentos, bem como já nos indiciam pertencimentos ao domínio,

ao empreendimento e ao repertório das comunidades de prática. Segundo enfatiza Bakhtin

(2016a, p.53): “[...] Todavia, as palavras podem entrar no nosso discurso a partir de enunciados

individuais alheios, mantendo em menor ou maior grau os tons e ecos desses enunciados

individuais.”. E complementa:

[...] Por isso pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos:

como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos

outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra,

porque, uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma

intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada da minha expressão.

(BAKHTIN, 2016a, p. 53).

Isto posto, as categorias elencadas para esta etapa revelam como o sujeito discursivo

opera o seu projeto enunciativo vislumbrando o encontro com o outro no próprio

88 Não classificamos essa categoria como plágio, pois ao longo das análises refletimos como essa incorporação é

construída nos relatórios, demarcando a singularidade das respectivas CP.

Page 164: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

163

enunciado/objeto que é o relatório de estágio e assim estabelece um já-dito nos discursos

vivenciados pelas particularidades daquela dada CP. Logo, sistematizamos as RD segundo

nosso projeto de escuta e que consideramos como categorias89:

Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – tratamos da relação

com o diálogo, com os interlocutores mediadores dos letramentos (documentos, orientadores,

supervisores, por exemplo), bem como o conhecimento científico e/ou profissional que é tido

como uma verdade absoluta. Ao desmembrarmos em acadêmico e profissional, visualizamos

as relações postas entre os conhecimentos tácitos e consensuais presentes nesse e naquele

universo;

Concordância com discursos alheios – recuperamos os posicionamentos, os

enunciados que acatam o que é socialmente aceito pelos pares, pela academia, pelo universo

científico ou até mesmo pelo campo profissional;

Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente – tratamos

da relação de questionamento ou indagação do agir laboral ou da teoria que embasa algumas

informações, assim o sujeito tenta refutá-la por meio de novos dados ou ainda critica o que está

posto, demarcando um juízo de valor;

Relação com outros saberes e competências – o sujeito dá voz a outros saberes

que não são institucionalizados ou que surjam de alguma expertise, valorando os sujeitos locais,

os saberes populares ou práticas singulares do agir profissional, por exemplo;

(Re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação –

recuperamos as vozes, as RD de gratidão, de agradecimento ou não, do que fora vivenciado na

formação dos sujeitos estudantes-estagiários.

Portanto, defendemos, assim como Bakhtin (2016a), a relação valorativa do sujeito do

dizer com o objeto do seu próprio discurso. Este demarca e designa suas escolhas com relação

aos recursos que são utilizados, quer sejam eles lexicais, gramaticais ou ainda composicionais

do enunciado. Desse modo, estamos diante da ideia da cadeia de comunicação discursiva

compreendendo como o enunciado é “pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados”

(BAKHTIN, 2016a, p. 57). Por isso, enfatizamos a necessidade de ampliarmos os estudos sobre

as formas de atitudes responsivas que acabam por preencher o enunciado, pois para Bakhtin

(2016a, p. 59):

89 Sinalizamos que a princípio tomamos como base os estudos de Sanches (2009) e Fuza (2015, 2016, 2017), mas

com o aprofundamento da escuta de nossos dados, emergiram as presentes categorias elencadas para esta tese.

Page 165: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

164

[...] O enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem levá-las em conta é

impossível entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a nossa própria ideia

– seja filosófica, científica, artística – nasce e se forma no processo de interação e luta

com os pensamentos dos outros, e isso não pode deixar de encontrar seu reflexo

também nas formas de expressão verbalizada do nosso pensamento.

Em suma, pontuamos o que Bakhtin enfoca, pois é possível percebermos a relação

dialógica no discurso, quer seja pela inserção da voz do outro direta ou indiretamente ou pelas

vozes que ressoam das vivências adquiridas pelo sujeito por meio do emaranhado discursivo

destas experiências, pontos cotejados nesta fase da pesquisa.

Já em nossa terceira e última etapa, chegamos à “conclusão” de como se inserem os

sujeitos dentro dos letramentos acadêmico-profissionais de cada CP compreendidos pelas RD

investigadas. Reforçamos que a CP se configura mediante três características e que foram

exploradas do seguinte modo: 1. Domínio do conhecimento (refletindo sobre o campo de

atuação, os terrenos de assuntos em comum, os propósitos partilhados); 2. Empreendimento

(vislumbrando a inserção na comunidade, por meio do envolvimento e sendo de pertencimento,

a troca de conhecimentos, visando construir saberes); 3. Repertório (reconhecendo a prática

específica de um grupo, pela prática compartilhada: experiências, histórias, ferramentas,

gêneros discursivos).

Com isso, delimitamos as particularidades dos grupos de Agropecuária e Edificações,

refletindo como pontuava Volóchinov (2019, p. 119) sobre as práticas de linguagens entre os

grupos presentes nos enunciados: “[...] seja qual for, ele sempre conecta os participantes da

situação, como coparticipantes que conhecem, compreendem e avaliam a situação do mesmo

modo [...]”. Dito isto, evidenciamos o horizonte social, espacial e semântico que estes grupos

partilham pelo próprio discurso, destacando como locus do estágio possibilita a inserção e

legitimação de futuros profissionais tais como os estudantes-estagiários de cursos de EMI

segundo uma CP.

Portanto, segundo a visão holística deste fenômeno, somamos diversos fatores para

investigarmos: as forças centrípetas, sobretudo, de uma das vozes dos interlocutores mediadores

dos letramentos, os documentos institucionais; as relações dialógicas presentes no fio

discursivo da materialidade genérica, bem como a constituição das respectivas comunidades de

práticas indiciadas pelo discurso presente no relatório de estágio com suas aproximação e

distanciamentos. Tudo isso para atingirmos nosso objetivo, conforme expomos na Figura 8.

Page 166: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

165

Figura 8 – Síntese do percurso metodológico utilizado.

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

De todo modo, informamos e enfatizamos que os enunciados foram analisados

qualitativamente e exemplificados na seção posterior por meio de quadros e/ou tabelas.

Esperamos, através de nossa escuta/interpretação de um contexto específico da educação

profissional, contribuir com discussões teórico-metodológicas que considerem as práticas

acadêmicas e profissionais dos sujeitos alunos de EMI, bem como as alianças possíveis entre

os NLS, em seu viés do Letramento Acadêmico, e a perspectiva dialógica, a ADD.

Analisar as RD na sua dimensão

interdiscursiva

nos relatórios de estágio

dos cursos de EMI de

Agropecuária e de

Edificações que se

revelam como um dos

elos que constituem as

suas respectivas

CP na construção do

letramento acadêmico-profissional

Levantamento dos documentos

oficiais norteadores da

escrita do gênero relatório no IF

Sertão-PE / Campus

Salgueiro

Seis documentos

(interlocutores mediadores dos

letramentos)

Análise dialógica dos relatórios de estágio na

escrita acadêmica e profissional

26 relatórios

(interlocutores mediadores dos letramentos e

ADD)

A materialidade macrotextual-

discursiva

A dimensão interdiscursiva

nas relações dialógicas de

comunidades de prática

específicas: o fio discursivo

As formas marcadas do projeto de dizer

As formas de inserção do discurso

"alheio" como palavra "minha"

A dimensão interdiscursiva por

meio das RDA inserção na comunidade acadêmico-profissional

Domínio de conhecimento

Empreendimento

Repertório

Page 167: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

166

5. ERGUENDO A OBRA: AS RELAÇÕES DIALÓGICAS EM

DETERMINADAS COMUNIDADES DE PRÁTICA E A CONSTITUIÇÃO DE UM

LETRAMENTO ACADÊMICO-PROFISSIONAL SINGULAR

Os diálogos engendrados no interior das mais variadas esferas de circulação guardam

dinâmicas peculiares entre seus pares (sujeitos discursivos), podendo ainda sofrer grande

influência de forças verboideológicas dos grupos sociais ali presentes com maior poder dentro

desses espaços, conforme expusemos e refletimos nas seções teóricas de nossa tese (FUZA,

2016; BAKHTIN, 2018; VOLÓCHINOV, 2018).

Nosso objetivo, nesta seção, é compreendermos, como nos lembra Bakhtin (2016b, p.

101), que em cada palavra, cada signo ideológico, é possível recuperarmos em nosso processo

de escuta, “[...] vozes às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais (as vozes

dos matizes lexicais, dos estilos, etc.), quase imperceptíveis, e vozes próximas, que soam

concomitantemente.”.

Nesta linha, tomando o nosso contexto de pesquisa, esse diálogo, por meio das vozes

presentes no enunciado, transparece as relações com enunciados anteriores e seus respectivos

letramentos, reforçando a constituição de grupos sociais específicos, tais como as comunidades

de práticas investigadas do EMI de Agropecuária e de Edificações. Buscamos, nas seções que

seguem, compreender, a princípio, como os discursos oficiais em suas orientações acadêmicas,

científicas, tecnológicas e laborais exercem forças verboideológicas sobre os discursos dos

sujeitos dos grupos sociais investigados, cumprindo por um lado o papel de interlocutor, de

mediador dos letramentos, nesse campo de atuação das CP investigadas. Em seguida,

apresentamos as reflexões sobre as RD na sua dimensão interdiscursiva e como essas nos

forneceram indícios para compreender um dos elos que constituem as CP em tela. Por fim,

refletiremos sobre as similaridades e distanciamentos dos grupos.

Em suma, nosso propósito é sistematizado ao traçarmos essas linhas construindo um

levantamento local: ao analizarmos o contexto prévio da confecção do relatório, o seu entorno

de produção; revelando o projeto executivo: ao identificarmos nos relatórios, o discurso

presente na materialidade textual com seus efeitos de sentidos; e, caracterizando os projetos

complementares: ao caracterizarmos as CP de cada grupo investigado.

Page 168: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

167

5.1 LEVANTAMENTO LOCAL – O CONTEXTO DE PRODUÇÃO: AS

DIMENSÕES INTERDISCURSIVAS DE MEDIAÇÃO DOS LETRAMENTOS COMO

PRÁTICAS INSTITUCIONALIZADAS NA CONFECÇÃO DOS RELATÓRIOS

Em nosso objetivo de tese, buscamos analisar especialmente as RD presentes nos

relatórios de estágio de discentes-estagiários do EMI de uma instituição pública federal da rede

profissionalizante. Porém, cumpre tecermos algumas considerações sobre o contexto de

produção desse gênero e evocarmos alguns pontos que consideramos importante para

somarmos ao cotejamento dos documentos institucionais como um dos interlocutores

mediadores dos letramentos.

Ou seja, devemos compreender que os sujeitos implicados na produção do gênero

relatório possuem uma carga social, cultural, acadêmica, ideológica, que os inscrevem em um

dado tempo e espaço, pois a materialidade textual-discursiva vem impregnada e carregada de

valores sócio-históricos sobretudo ao revisitar o horizonte social partilhado, bem como ao tomar

a história social de quem são e de onde “vem” esses sujeitos discursivos (ALVES, 2019). Como

consequência, tais fatores também orientam o projeto de dizer destes sujeitos.

Diante desta realidade, inicialmente reforçamos que buscamos alguns dados de

divulgação pública por meio da própria instituição para (re)conhecermos estes sujeitos e sua

carga histórica e social, não no sentido de discorrermos as particularidades de cada sujeito, pois

não construímos uma pesquisa etnográfica com compilações de entrevistas, de questionários ou

aproximações na relação pesquisador e sujeitos investigados.

Na realidade, nossa aproximação é com essa relação macro que evidencia e

“caracteriza” esses próprios sujeitos. Por isso, destacamos essencialmente o contexto

socioeconômico dos discentes que pertenciam ao EMI do Campus Salgueiro, em especial, nos

anos de 2017 e 2018, visto que não conseguimos recuperar os dados de 2016, pois houve

atualização nas páginas de domínio público, constando somente os dados de 2017 em diante90.

Assim, apesar de não termos os dados referentes ao ano de 2016, salientamos que

conseguimos evidenciar que o Campus Salgueiro possui a característica de ter como discentes

um público de uma faixa de renda familiar considerada carente. Dentre os alunos matriculados

no EMI, a maioria tinha a renda concentrada em até um salário-mínimo, respectivamente nos

90 O acesso a essas informações data de junho de 2020, momentos pós-qualificação desta pesquisa. Após esse

período, não conseguimos localizar dados públicos referentes ao ano de 2016 nem no site da Plataforma Nilo

Peçanha e nem por intermédio do site institucional do IF Sertão/PE. Lembramos que optamos por ter acesso aos

dados por meio de divulgações de ordem pública, evitando assim o contato direto com os sujeitos da pesquisa

(quer seja os discentes, orientadores, coordenadores e/ou a própria instituição na figura de seus servidores).

Page 169: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

168

cursos de Agropecuária e de Edificações, em 2017, somando um total de: 91,67% e 98, 62%;

e, em 2018: 89,15% e 90% (ver apêndice D). Estes números nos revelam a importância da

inclusão educacional para esse público de uma faixa etária desprovida de renda, cuja família

certamente não teria condições de arcar financeiramente com os estudos, caso fosse preciso se

deslocar para outras cidades.

Neste sentido, reforçamos que um dos princípios presentes na própria constituição

brasileira é de dar igualdade de condições tanto para o acesso quanto para a permanência na

escola (artigo 206 – BRASIL, 1988). Assim, o Programa Nacional de Assistência Estudantil

(PNAES), presente na rede profissional e tecnológica, visa a assistir e institucionalizar dotação

orçamentária para tal finalidade, voltando suas ações para grupos sociais estudantis específicos.

Lembramos que são considerados discentes pertencentes a esse grupo aqueles que “[...] sejam:

oriundos de escola pública, famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, pessoas

com necessidades educacionais específicas de aprendizagem, pessoas com deficiência.”

(BRASIL, 2015a, p. 04 – grifos nossos).

Deste modo, aos discentes que encontram dificuldades, em especial, em relação à sua

permanência nos estudos no IF Sertão/PE por questões econômicas91, determinados editais92

são oportunizados por meio de um auxílio financeiro. Tais ações:

[...] contribuem para concretizar o direito à educação, a Política de Assistência

Estudantil do IF SERTÃO-PE busca proporcionar a todo o corpo discente uma

formação voltada para o desenvolvimento integral do ser humano. Nesse sentido,

todos os estudantes regularmente matriculados nos cursos ofertados pelo IF

SERTÃO-PE serão público-alvo dos Programas Universais contidos na Política de

Assistência Estudantil deste Instituto (exceto alimentação, material escolar básico e

ajuda de custo). Os Programas Específicos serão destinados apenas aos estudantes dos

cursos presenciais. As ações de assistência ao estudante serão conduzidas por equipes

multiprofissionais, objetivando um melhor entendimento das demandas apresentadas

e a elaboração de respostas mais eficazes. (BRASIL, 2015a, p. 04 – 05).

Frisamos também que este público, de maioria masculina (2017: 66,6% e 69,7%; 2018:

61,9% e 64,5%)93, é constituído por grupos de classificação racial diversa (negros, pardos,

indígenas, brancos, entre outros). Assim sendo, estes sujeitos sociais vivenciam a

democratização do acesso ao ensino ao encontrarem a viabilidade de se formar, de se capacitar

91 O campus Salgueiro é localizado na Zona Rural da cidade e depende do transporte público gratuito ofertado

pelas prefeituras circunvizinhas para que discentes possam chegar ao seu ambiente formativo. Observamos a

necessidade dessa rede de apoio com relação ao público estudantil, de maioria carente, para de fato oportunizar o

acesso à sua formação. 92 https://www.ifsertao-pe.edu.br/index.php/sal-editais 93 Chamamos atenção ao fato que esses dados revelam questões sobre o acesso à educação por parte do público

feminino em cursos técnicos, podendo ser objeto de estudos posteriores a baixa procura ou a própria oportunidade

de acesso, por exemplo.

Page 170: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

169

e de se ter acesso à educação de uma maneira diferenciada, pois como afirmam Leite e Barbosa

(2020, p. 235), os IF: “[...] adotam como basilar a formação dos alunos mediante ações de

ensino, de pesquisa e de extensão, assim como fazem as universidades.”.

Nesse sentido, os IF possibilitam aos estudantes este contato para além do ensino, por

meio de práticas de pesquisa, de inovação e de extensão, como também a probabilidade de

colaborar com o viés socioeconômico desses discentes. Para além do aparato técnico,

conteudístico, científico e humanístico, os discentes participam destes espaços de capacitação

com a oportunidade de serem bolsistas, quer seja de iniciação científica, quer seja de nível

técnico por meio da extensão.

Por esse motivo, avultamos que as bolsas de iniciação científica de nível médio

(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Júnior – PIBIC-Jr.) e as bolsas de

extensão nível técnico (Programa Institucional de Projetos e Bolsas de Extensão – PIBEX

Técnico) colaboram para as políticas de acesso e de permanência dos discentes, bem como na

introdução de suas respectivas práticas de letramentos na esfera acadêmica e científica.

Tabela 3 – Distribuição da quantidade de bolsas ofertadas entre 2016 a 2018.

ANO MODALIDADE EDITAL94 QUANTIDADE DE BOLSAS

AMPLA CONCORRÊNCIA

NO IF SERTÃO/PE

QUANTIDADE DE

BOLSAS CAMPUS

SALGUEIRO

2016 PIBIC – JR. Edital nº33/2015 -- 15

Edital nº16/2016 -- 15

Edital nº33/2016 04 --

PIBEX - Técnico Edital nº25/2015 -- 12

2017 PIBIC – JR. Edital nº19/2017 -- 17

Edital nº 44/2017 21 --

PIBEX - Técnico Edital nº12/2016 -- 12

2018 PIBIC – JR. Edital nº 16/2018 -- 11

PIBEX - Técnico Edital nº 15/2018 -- 06

Edital nº 32/2018 15 --

TOTAL95 40 88

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Conforme sintetizamos na Tabela 3, observamos que 88 (oitenta e oito) discentes de

EMI no Campus Salgueiro tiveram bolsas asseguradas em editais específicos da pesquisa e da

extensão, além de terem a oportunidade de concorrer a outras 40 (quarenta) bolsas de ampla

concorrência ao longo do recorte proposto para essa tese. Ao participarem desses editais, os

94 Alguns editais iniciavam sua execução em um ano e finalizavam em outro. Isso ocorria em virtude dos atrasos

dos calendários letivos. Somente sendo regularizado a partir do ano de 2019 (o edital e projeto ser vivenciado

dentro de um mesmo ano). 95 O quantitativo de bolsas teve um declínio na oferta já como resultado do impacto das restrições orçamentárias

vivenciadas ao longo dos anos desta pesquisa.

Page 171: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

170

discentes são iniciados em certos eventos e práticas de letramentos, tais como: confecção de

projetos para submissão; construção de relatórios sobre o andamento e resultados dos projetos

(parciais e finais); confecção, submissão e publicação de resumos para eventos, trabalhos

completos e inclusive artigos científicos para revistas; participação em congressos, seminários,

colóquios, entre outras atividades.

Estes pontos nos indiciam, antes mesmo de uma análise dos documentos institucionais

que orientam a escrita do gênero relatório de estágio, o contato dos discentes com gêneros do

“universo acadêmico” ao participarem de eventos que se consolidaram em práticas de

letramentos ao longo da vivência em um IF. A título de exemplificação, dentre os relatórios

investigados e seus respectivos autores, temos o percentual de 46,15% para o curso de

Agropecuária e 84,6% para o de Edificações de discentes que foram bolsistas de pesquisa ou

de extensão ao longo do seu processo formativo no Campus Salgueiro, conforme Tabela 4.

Essa quantificação demonstra que estes sujeitos tiveram formas de contato com

gêneros da esfera acadêmico-científica ainda na educação básica, ao participarem de atividades

de orientação, de entrega de fichamentos, de resumos, de relatórios, além da confecção e

execução de projetos, dentre outras ações.

Tabela 4 – Distribuição da quantidade de discentes bolsistas de iniciação científica (PIBIC-Jr.) ou de iniciação de

projetos e bolsas de extensão (PIBEX-Técnico)96 em porcentagem.

ANO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

2016 50% 66,6%

2017 50% 87,5%

2018 33,4% 50%

Grupo total 46,15% 84,6%

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Estes dados coletados corroboram com as defesas postas por Leite (2020), Leite e

Barbosa (2020), Batista Júnior (2020), Abreu (2020) e tantos outros autores que comungam

com a ideia de que os discentes da educação básica da rede pública federal possuem um

“diferencial” em sua formação, pois em suas experiências prévias formativas há o contato com

variados eventos de letramentos, dialogando com novas formas com a cultura do escrito, antes

associado somente à esfera da universidade.

Outros exemplos bem pontuais, dentre os inúmeros eventos e práticas de letramentos,

que usualmente estariam direcionados ao universo acadêmico do ensino superior e que

96 Informações coletadas por meio dos resultados dos editais ou informações no lattes, bem como de lista disponível

pelos setores de pesquisa e de extensão do Campus Salgueiro no site institucional.

Page 172: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

171

discentes da educação básica possuem contato já no EMI no IFSertão/PE são a JINCE e a

Revista Semiárido De Visu. A primeira se trata de jornada acadêmica itinerante promovida pelo

IFSertão/PE nos campi. Reforçamos que tal Jornada de Iniciação Científica e Extensão (JINCE)

e a Jornada de Iniciação à Docência (JID) atualmente se realizam de forma unificada e em 2020

completou sua décima quinta realização.

Portanto, atividades correlacionadas ao ensino, pesquisa e extensão são difundidas e

apresentadas nesta jornada por meio de comunicações orais, simpósios, mesas-redondas,

apresentações culturais, além de cumprirem todo um ritual acadêmico de submissão de resumos

para aprovação dos trabalhos. Posteriormente, há a arguição dos avaliadores quando das

apresentações durante o evento, para, finalmente, os trabalhos serem submetidos aos anais da

Jornada. Desta maneira, os discentes participam ativamente de cenários de iniciação a uma

cultura acadêmica institucionalizada.

Por sua vez, outra forma de letramento peculiar que os discentes possuem contato diz

respeito à publicação em revistas e no caso do IF Sertão/PE, há o incentivo à participação e à

difusão científica por meio de artigos de discentes da educação básica com pares acadêmicos

de maior titularidade no periódico institucional: Revista Semiárido De Visu97. Tal periódico

tem como escopo lançar e disseminar em seus trabalhos “[...] artigos científicos, artigos de

revisão, comunicações científicas e notas técnicas”, podendo ser submetidos trabalhos nas

seguintes áreas do conhecimento “[...] Ciências Exatas e da Terra, Engenharias, Ciências

Agrárias, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências

Humanas e Linguística, Letras e Arte.” (BRASIL, 2020b)98.

Todas estas iniciativas correlacionadas à cultura do escrito são reconhecidas

institucionalmente ainda nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC): por terem a oportunidade

de vivenciar atividades de monitoria, de pesquisa, de extensão ou de voluntariado nessas

frentes, os discentes possuem uma chancela para diminuir em até 50% a carga horária total do

estágio curricular supervisionado. Para a instituição, quando os estudantes já possuem essa

experiência prévia, eles aprendem as competências próprias da atividade profissional somadas

à contextualização curricular (BRASIL, 2008b).

Em nossa compreensão, além de correlacionar ao viés laboral em conjunto com o

aprendizado propedêutico, essas atividades (monitoria, voluntariado, pesquisa e extensão, por

97 A Revista Semiárido De Visu possui indexação nas seguintes bases: Google acadêmico; Portal de Periódicos da

Capes; Diadorim; IBICT/SEER; Sumários.org; Livre (Periódicos de Acesso Livre); LatinRev; Latindex, por

exemplo. Além de possuir a seguinte classificação qualis, segundo o quadriênio 2013-2016, Medicina veterinária:

B4, Ciências Agrárias I, Educação, Farmácia e Zootecnia/Recursos Pesqueiros: B5; e, Biotecnologia: C. 98 https://periodicos.ifsertao-pe.edu.br/ojs2/index.php/semiaridodevisu/index

Page 173: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

172

exemplo) oportunizam a estes grupos sociais a vivência do agir acadêmico-científico. Assim,

podem pensar de igual modo em suas comunidades para além do desenvolvimento local ou

regional, mas em projeto de ressignificação a nível nacional, navegando em direções contrárias

que põem em “cheque”, em pleno século XXI, a credibilidade de ser e de se fazer pesquisa em

nosso país.

Em síntese, temos um determinado contexto que devemos considerar em nossa análise,

em nosso processo de escuta das RD no fio discursivo. Neste cenário de recorte de um espaço

social, geográfico e histórico dos cursos do EMI do campus apresentado, tomamos o locus de

nossa pesquisa em uma de suas etapas e essas informações já nos indiciam alguns pontos,

sobretudo, com relação aos eventos e as práticas de letramentos que os discentes possuem

contato em sua formação prévia e continuada. Por um lado, discentes de uma faixa social

carente, cujo histórico remete de igual modo a vivência em escolas públicas na sua formação e

que possuem na escola a sua principal agência de letramentos; por outro lado, a formação em

uma instituição pública que possibilita a estes discentes contatos com outros eventos e práticas

de letramentos que, pelo “senso comum”, só teriam na universidade, além de oportunizar os

primeiros passos na formação de uma carreira profissional.

5.1.1 As Vozes Institucionais: dois cursos distintos e um único direcionamento?

Em nosso processo de escuta, partimos da compreensão que o dialogismo presente nos

enunciados sempre envolve tensão, como diriam Sobral e Giacomelli (2019), especialmente,

por encontrar ali implicado valores sociais, históricos e ideológicos. Neste ponto de partida,

outro entendimento nosso é que as relações postas não são e nem podem ser neutras, uma vez

que existem sujeitos sociais ou entidades sociais que por seu local de fala possuem maior força

sobre o dizer dos demais, travando pontos de embates, de concordâncias e discordâncias nas

relações entre o eu e o outro.

Neste desenvolvimento, defendemos, em nossa seção teórica da tese, pontos como as

características do enunciado, o endereçamento implicado, o papel locutivo e interlocutivo por

meio dos discursos, além das forças verboideológicas de centralização e descentralização

presentes nos projetos enunciativos dos sujeitos. Mais especificamente em nosso cenário,

destacamos e apresentamos neste tópico como os documentos, normas, regulamentos ou

modelos institucionais podem se apresentar como um dos exemplos de mediadores dos

letramentos.

Page 174: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

173

Na realidade, ao tomarmos um conjunto de documentos como um dos interlocutores

mediadores dos letramentos, destacamos as forças centrípetas que atuam sobre o discurso do

estudante-estagiário. Além disto, ao observarmos e ao escutarmos nosso objeto de forma mais

particular, levantamos tangencialmente pontos com relação ao endereçamento e aos modelos

de letramentos solicitados por esses interlocutores.

Logo, enfatizamos que o cotejamento visualizado é direcionado aos documentos que de

algum modo “influenciam” de forma mais próxima os discursos presentes no relatório de

estágio. Estes ainda “respondem” a outras normativas em que se interligam ao projeto

enunciativo proposto para orientar, guiar, traçar direcionamentos, normatizar, regulamentar

certas ações e procedimentos correlacionados ao estágio e/ou a produção escrita do relatório de

estágio. Ao longo de nossas análises, traremos estes “discursos outros” institucionalizados

quando possível recuperar os ecos, os já-ditos de outros documentos.

Nesta linha, reforçamos que optamos em nosso recorte pelos seguintes documentos: a

Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (NCELE); os Projetos Pedagógicos do

Curso (PPC) de Agropecuária e de Edificações; o Regulamento de estágio (RE); o Manual do

estagiário (ME); o Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos

técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano (GETA) e o Modelo de relatório dos cursos técnicos (MRCT).

Sabemos que, além deste recorte, existem inúmeros interlocutores mediadores dos

letramentos no processo da composição textual (influenciando o “produto final” que é o

relatório de estágio em si) e que esses possuem status distintos, com forças igualmente distintas.

No entanto, como informamos, fizemos um recorte, um cotejamento com relação a um dos

interlocutores. Assim, nosso foco é desvelar um dos elos da cadeia dialógica como foco de

tensão do processo de produção do enunciado ao trazer o escopo para esses documentos (FUZA,

2016; SOBRAL; GIACOMELLI, 2019).

5.1.1.1 Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (NCELE)

Conforme expusemos ao longo desta tese, tomamos como um dos interlocutores

mediadores dos letramentos os documentos institucionais e seus efeitos, sobretudo,

correlacionado a forças regularizadoras e normatizadoras frente ao discurso presente no

relatório de estágio. Assim, defendemos que no gênero relatório em seu fio discursivo

recuperamos respostas a estes interlocutores interventores no projeto enunciativo dos

Page 175: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

174

estudantes-estagiários de EMI de cursos distintos, tais como o de Agropecuária e de

Edificações.

Deste modo, em nosso processo reflexivo sobre a análise do corpus, tomamos como

recorte inicial uma publicação do ano de 2010 referente à cartilha da Lei do estágio, intitulada:

“Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio”. Nossa escolha referente a esta edição se

ancora por ser uma publicação promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, tendo sua

distribuição sob a responsabilidade de diversos grupos. Estes responsáveis são: a Secretaria de

Políticas Públicas de Emprego, o Departamento de Políticas de Trabalho e Emprego para a

Juventude, e, a Coordenação-Geral de Preparação e Intermediação de Mão-de-Obra-Infantil.

Todos estes setores possuem forte presença nos direcionamentos sobre o fato de o estágio não

se configurar vínculo empregatício, mas sim uma etapa formativa do educando.

Somado a isto, outro ponto que justifica nossa escolha se deve por ser uma publicação

mais atual e próxima das datas do recorte longitudinal desta tese. Apesar de não constar no site

institucional do IFSertão/PE o link para essa Cartilha, os documentos normativos propostos por

essa instituição investigada fazem menção às legislações expressas de igual modo como exposto

no texto da NCELE. Ademais, encontramos vínculos de estratégia similar utilizada para o

esclarecimento das incertezas sobre o estágio se compararmos ao documento: “Manual do

Estagiário do IFSertão/PE”. Em outras palavras, encontramos ecos dialógicos no emaranhado

de documentos que incidem sobre o projeto de dizer dos grupos investigados.

Isto posto, adentramos nossas análises por intermédio da Cartilha, avultando a própria

escolha lexical do título desse documento: “Nova Cartilha Esclarecedora”. Lembramos que,

conforme Bakhtin (2018), a palavra isolada em si nada tem a dizer, mas compreendida como

um elemento da enunciação, por meio de sua carga axiológica implicada, os efeitos semânticos

são e serão outros. Assim, a própria palavra “cartilha” nos remonta a algo a ser ensinado,

designando um processo de didatização do conteúdo ali transposto, revelando-nos ainda que a

própria matéria presente no texto é uma reformulação de um dizer anterior. Nessa compilação

de ideias, a cartilha não objetiva aprofundar assuntos, mas trazer conceitos iniciais sobre o tema

proposto e transparecer para o seu público que o material será elucidativo para tirar dúvidas,

por exemplo.

Além disso, as palavras “Nova” e “Esclarecedora” direcionam nossa compreensão para

o fato de apresentar uma edição atualizada e que ao mesmo tempo tenha o objetivo de tornar

muito mais compreensível/inteligível o teor do documento para o seu público, para o leitor da

cartilha. Enfatizamos ainda, que com relação ao termo “Esclarecedora” as possibilidades

semânticas se ampliam em virtude de sinalizar que o presente texto possui a característica de

Page 176: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

175

elucidar as dificuldades interpretativas do documento fonte (a Lei 11.788/08). Faz-nos

necessário também elucidar a função de provocar no seu interlocutor a sensação de

credibilidade diante de outras publicações, uma vez que a presente edição possui o “segredo de

desvendar” os caminhos turvos da compreensão textual da Lei. A própria impressão da Cartilha

propunha justamente tornar mais instrutivo o que se objetivava por intermédio da Lei

nº11.788/08, inclusive é a Lei que abre a Cartilha (Figura 9).

Figura 9 – Parte do sumário da Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio.

Fonte: BRASIL (2010a).

Neste sentido, vislumbramos uma estratégia discursiva em aproximar o provável

interlocutor (discentes, orientadores, supervisores, setores administrativos de instituições que

possuem a responsabilidade de atuarem com as demandas do estágio, dentre outros) com o

possível papel de tira-dúvidas do documento, atraindo-o, convocando-o à leitura para que tenha

segurança em suas ações quando da necessidade do estágio.

A título de exemplificação, temos, no sumário do documento, indícios de como a “Nova

Cartilha” busca promover o esclarecimento da Lei: inicialmente, seria apresentar em um único

documento a própria Lei e, em seguida, dialogar sobre supostos questionamentos que possam

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176

existir por parte do seu público, consolidando e demarcando sua proposição inicial do título:

“Nova” e “Esclarecedora”.

Neste ponto, lançamos uma atenção maior, pois como salienta Medviédev (2016),

apesar de nos apoiarmos em elementos linguísticos, no caso nas escolhas lexicais neste

momento, por exemplo, nossa análise não é tão somente linguística. Destacamos justamente a

estratégia utilizada e presente na NCELE, as intencionalidades ali expostas que nos convocam

a escutar como esse documento retoma a própria Lei e busca dialogar por meio de perguntas e

respostas com esse outro enunciado, criando situações de indagações que seriam recorrentes

quiçá por seu público-alvo.

Portanto, há na Cartilha estratégias discursivas sobre o endereçamento ao inserir em seu

horizonte aperceptivo um interlocutor presumido que escuta, que busca o documento como um

guia, como uma introdução ao tema e a vê como algo capaz de sanar suas dúvidas, pois a própria

cartilha antevê a insegurança sobre o assunto e dialoga sobre. Além disso, observamos que o

documento analisado comunga com um diálogo maior de vozes, por um lado recuperando a voz

do público a quem responde e, por outro, recuperando as vozes de amparo, de sustentação do

dizer. Para alcançar seu objetivo e responder de algum modo ao seu público, há na cartilha a

voz como no formato da Lei, de caráter “inquestionável”, de teor hierárquico e jurídico de

respaldo. Então, a NCELE cita e se apoia em legislações para explicar e explorar o que

caracteriza, o que define, o que pode ou não pode ser feito no estágio, por exemplo.

Nesta linha, a abertura do documento traz, na íntegra, a própria legislação e nos faz

revisitar alguns pontos, pois esses serão retomados em outros documentos até se chegar na

síntese “exigida” como o modelo do relatório de estágio.

Sinalizamos que a principal destas forças é a centrípeta, fundamentada por meio de um

projeto jurídico, pautando-se em Leis, decretos e/ou normativas que cumpririam, segundo

Bakhtin (2015), a execução de um sistema normativo-centralizador. Logo, o respaldo jurídico

presente na parte introdutória da NCELE, materializada por meio da retomada da Lei 11.788/08

na íntegra, também busca dialogar com outras legislações especialmente sobre determinações

trabalhistas somadas ao contexto educacional para formalizar a compreensão do estágio, tal

como observamos no Quadro 7:

Quadro 7 – Exemplos de respaldos jurídicos na NCELE.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

NCELE

“Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho –

CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

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revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do

art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de

agosto de 2001; e dá outras providências.” (BRASIL, 2010a, p. 07 – grifos nossos).

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte

Lei:” (BRASIL, 2010a, p. 07 – grifos nossos).

“Art. 19. O art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º

de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:” (BRASIL, 2010a, p. 15 – grifos nossos).

“Art. 20. O art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:”

(BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).

“Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).

“Art. 22. Revogam-se as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo

único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória no 2.164-41, de

24 de agosto de 2001.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).

Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a).

Nossos destaques nos trechos dizem respeito como o poder de uma Lei que “Dispõe

sobre o estágio de estudantes” formaliza direcionamentos, traz implicações nas ações, nos

contratos, na formalidade do estágio, até mesmo em pensar em sua associação com a cultura do

escrito, já que a Lei sinaliza para a necessidade da escrita de relatórios (ver Quadro 8). Na parte

introdutória, ao recuperarmos a Lei 11.788/08, encontramos indícios nas escolhas das palavras

presentes sobre a relação do “faça-se cumprir o que segue”, como vemos no léxico ou

expressões como em “Dispõe”, “Faço saber”, “decreta”, “sanciono” e “entra em vigor”,

tornando-nos clara a relação de poder do chefe de estado, como a figura do Presidente da

República designado à época, para que se cumpra o que ali está disposto.

Ademais, na Lei há o resgate do que fora atualizado ao informar que “altera a redação

do art. 428 da Constituição das Leis do Trabalho – CLT” e a Lei 9.394/96, e, “revoga” ainda

as Leis 6.494, 8.859, o parágrafo da Lei 9.394/96 e o artigo 6º da Medida Provisória 2.141-

41/01; para que assim ocorram “outras providências”, a saber a publicação da própria Lei

11.788/0899. Assim, a Lei do estágio recupera vozes advindos de Leis trabalhistas, tal como

CLT, e de Leis educacionais, como a LDBEN, para caracterizar o “entrelugar” desses sujeitos-

estagiários, tal como pontuava Reichmann (2012, 2016).

Diante disto, na NCELE a Lei é apresentada na íntegra com sua distribuição em seis

capítulos que tratam de definir, classificar e demonstrar as relações de estágio possíveis;

distribuindo ainda os deveres que são de responsabilidade da instituição de ensino, da parte

concedente (empresa ou instituição que acolhe o estágio) e do estagiário; para, por fim, discorrer

como ocorrerá a fiscalização dessa atividade e as disposições gerais sobre a Lei em tela.

99 A parte introdutória da Lei ao associar outras legislações também nos indicia como esses documentos de igual

modo recuperam outras vozes que quiçá possam indicar avanços ou retrocessos no campo de atuação a depender

da política educacional ou trabalhista adotada à época, por exemplo. Não temos como objetivo adentrar nesse

debate, mas expomos a possibilidade de investigação para futuros trabalhos.

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178

Nos quadros 8 e 9, recuperamos excertos sobre como são abordados os direcionamentos

ao público-leitor (interlocutor presumido) sobre a Lei na NCELE, especialmente, na busca de

descrever e de classificar as peculiaridades do estágio, assim como de normatizar certas ações

e obrigações por parte dos sujeitos e instituições que de fato colocarão o estágio para ser

vivenciado. Estes trechos ora sinalizam aspectos educacionais com implicações formativas e

pedagógicas; ora visam destacar a formação profissional; ou, ora reforçam o teor

prescritivo/normativo da Lei, conforme observamos a seguir.

Quadro 8 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque sobre as implicações pedagógicas da Lei.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

NCELE

“§ 1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando”

(BRASIL, 2010a, p. 07 – grifos nossos).

“§ 1º O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor

orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios

referidos no inciso IV do caput do art. 7º desta Lei e por menção de aprovação final.” (BRASIL, 2010a, p. 07

– grifos nossos).

“III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo

acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;” (BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).

“IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das

atividades;” (BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).

“VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;”

(BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).

“Parágrafo único. O plano de atividades do estagiário, elaborado em acordo das 3 (três) partes a que se refere o

inciso II do caput do art. 3º desta Lei, será incorporado ao termo de compromisso por meio de aditivos à medida

que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante” (BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).

“III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de

conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários

simultaneamente;” (BRASIL, 2010a, p. 11 – grifos nossos).

“Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua jurisdição, observada

a lei federal sobre a matéria.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).

Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a).

No § 1º do artigo 1º, a Lei aprofunda a característica primeira do estágio, a saber: ser

um ato educativo escolar supervisionado. Assim, como um ato formativo de base educacional,

o estágio é parte integrante dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) nos quais possam

ofertá-lo. Relembramos que somente instituições de ensino superior, de educação profissional,

de ensino médio ou ainda da educação especial e de anos finais da educação básica na

modalidade da educação de jovens e adultos podem oferecer estágio como um de seus

componentes curriculares (BRASIL, 2008b).

No tocante à exigência de fazer parte do PPC de um dado curso, o estágio deve ter

destaque ao compor as disciplinas que fazem o discente integralizar sua formação. Diante disso,

é preciso estar expresso que somente com o estágio obrigatório é possível a aprovação e a

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179

obtenção do diploma (BRASIL, 2008b), uma vez que o estágio não-obrigatório se caracteriza

como uma atividade opcional, podendo ter o acréscimo a carga horária regular e obrigatória,

mas não substituí-lo (BRASIL, 2010a, p. 08).

Reforçamos ainda que, ao mesmo tempo, como um componente curricular obrigatório,

o estágio conserva algumas peculiaridades, conforme exposto pela Lei 11.788/08, a saber:

O acompanhamento das atividades dos estagiários por parte de um docente

orientador da instituição educacional, além de um supervisor correlacionado à empresa ou

instituição onde ocorrerá o estágio – “acompanhamento efetivo pelo professor orientador da

instituição de ensino e por supervisor da parte concedente”, “indicar professor orientador”,

“indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na

área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até

10 (dez) estagiários simultaneamente”;

A exigência da confecção de relatórios das atividades exercidas de forma

constante – “comprovado por vistos nos relatórios”, “– exigir do educando a apresentação

periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades;”;

A forte presença de que atividade do estágio se trata de um percurso avaliativo

– “menção de aprovação final.”, “acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário”,

“exigir do educando a apresentação periódica [...] de relatório das atividades”; “elaborar

normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos”, “à

medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante”; e,

A adequação às normas da Lei e das institucionalizadas pela esfera educacional.

– “elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus

educandos”, “Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua

jurisdição, observada a lei federal sobre a matéria”.

Nesta linha, destacamos dois eixos que defendemos ter implicações pedagógicas, ter

associação a forças centrípetas com efeito no projeto discursivo do discente e ter o início de

uma caracterização do empreendimento das comunidades que surgem em dados contextos.

Esses dois eixos são: por um lado, a figura dos interlocutores mediadores do letramento (Leis,

documentos, normativas e orientadores, supervisores, coordenadores) e, por outro, a força do

processo avaliativo sobretudo pela entrega de relatórios periódicos, associando à cultura do

escrito como uma etapa de formação e de comprovação do saber adquirido.

Page 181: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

180

Com essa reflexão, entendemos que o discurso ali presente demarca como as ações e a

própria escrita por meio do gênero relatório de estágio buscam se adequar a normativas e/ou

legislações postas como “padrão” a ser seguido. Além disto, a mesma transparece a experiência

do discente-estagiário em seu locus de trabalho ao demonstrar na sua narrativa como interage

com os demais interlocutores mediadores dos letramentos. Esses sujeitos que, de igual modo,

são responsáveis pela partilha de informações, de conhecimentos, de construção de saberes.

Logo, em nosso processo de cotejamento, sentimos a necessidade de lançar o processo

de escuta entrelaçado nesses documentos, pois a relação com o “poder normativo”, o do “faça-

se cumprir”, sobretudo, associado à nota, à aprovação e, consequentemente, à aquisição do

diploma, pairam como vozes por “detrás das linhas”100.

Este processo faz ainda com que reverberem as relações de poder entre os sujeitos, em

nosso contexto, dos orientadores e supervisores diante dos discentes, por exemplo. Os indícios

sobre o teor normativo e centralizador sobre o que dizer e o que fazer ancoram as próprias

práticas e, por consequência, o discurso (re)produzido por orientadores e estudantes. Esta força

é amparada pela própria Lei “maior”, conforme observamos no Quadro 09.

Quadro 9 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque para o teor normativo centralizador do documento.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

NCELE

“§ 1º O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor

orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios

referidos no inciso IV do caput do art. 7º desta Lei e por menção de aprovação final.” (BRASIL, 2010a, p. 07

– grifos e destaques nossos).

“§ 2º O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de

compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins

da legislação trabalhista e previdenciária.” (BRASIL, 2010a, p. 08 – grifos e destaques nossos).

“Art. 7º São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:

I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele

for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do

estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário

e calendário escolar;

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional

do educando;

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo

acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;

IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das

atividades;

V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de

descumprimento de suas normas;

VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;

100 Metáfora utilizada por Cassany (2006) ao pensarmos no processo interpretativo textual. O movimento de

compreensão por “detrás das linhas” indica a necessidade de compreendermos as intencionalidades do autor, os

efeitos de sentidos, além de partirmos do entendimento do contexto de produção e de recepção do texto analisado.

Essa compreensão tem um viés sociocultural aflorado e somado à proposta de que nenhum discurso é neutro,

sempre estamos envoltos em relações de poder.

Page 182: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

181

VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações

escolares ou acadêmicas.” (BRASIL, 2010a, p. 10 – 11 – grifos e destaques nossos).

“Art. 9º As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e

fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como

profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização

profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:

I – celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento;

II – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social,

profissional e cultural;

III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de

conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários

simultaneamente;

IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com

valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;

V – por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida

das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho;

VI – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio;

VII – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com

vista obrigatória ao estagiário.[...].” (BRASIL, 2010a, p. 11 – 12 – grifos e destaques nossos).

“Art. 10. A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte

concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser

compatível com as atividades escolares e não ultrapassar” (BRASIL, 2010a, p. 12 – grifos e destaques nossos).

“Art. 11. A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando

se tratar de estagiário portador de deficiência.” (BRASIL, 2010a, p.13 – grifos e destaques nossos).

“Art. 12. O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo

compulsória a sua concessão, bem como a do auxíliotransporte, na hipótese de estágio não obrigatório.

[...].

§ 2º Poderá o educando inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência

Social.” (BRASIL, 2010a, p. 13 – grifos e destaques nossos).

“Art. 13. É assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano,

período de recesso de 30 (trinta) dias, a ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares.” (BRASIL,

2010a, p. 13 – grifos e destaques nossos).

“Art. 14. Aplica-se ao estagiário a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua

implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio.” (BRASIL, 2010a, p. 13 – grifos e

destaques nossos).

“Art. 16. O termo de compromisso deverá ser firmado pelo estagiário ou com seu representante ou assistente

legal e pelos representantes legais da parte concedente e da instituição de ensino, vedada a atuação dos agentes

de integração a que se refere o art. 5º desta Lei como representante de qualquer das partes. (BRASIL, 2010a, p.

14 – grifos e destaques nossos).

“§ 5º Fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas

oferecidas pela parte concedente do estágio. (BRASIL, 2010a, p. 15 – grifos e destaques nossos).

“Art. 19. O art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º

de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 428. ......................................................................

§ 1º A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social,

matrícula e freqüência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em

programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação

técnicoprofissional metódica.

......................................................................

§ 3º O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, exceto quando se tratar

de aprendiz portador de deficiência.” (BRASIL, 2010a, p. 15 – grifos e destaques nossos)101.

“Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua jurisdição, observada

a lei federal sobre a matéria.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos e destaques nossos).

Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a).

101 Optamos por deixar a escrita fiel com a do original, por isso permanecem erros de grafia e de digitação.

Page 183: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

182

Diante dos nossos destaques nos excertos, percebemos a reiteração de algumas

responsabilidades e deveres entre os sujeitos implicados no estágio: a instituição de ensino, a

concedente do estágio (empresa ou instituição) e o discente. Nesta relação, as forças no intuito

de cumprir o que é solicitado são demarcadas por meio de termos ou expressões, tais como:

“deverá ter”, “são obrigações das instituições de ensino”, “devendo constar”, “deverá ser

firmado”, “Os sistemas de ensino estabelecerão as normas”, “observada a lei federal”, entre

outros.

Por esta ótica, destacamos, a princípio, a designação motivada pelo termo “deverá”

aliado a uma ação, indicando-nos o caráter da exigência da adequação do estágio e,

consequentemente, suas práticas, somadas a obrigações que compete a cada parte – sujeitos

implicados no estágio. Assim, sinalizamos ainda que mesmo que a instituição educacional

estabeleça normas particulares à sua realidade, estas devem “observar” à Lei. Em outras

palavras, o papel da ordem, da imposição, da exigência, deve perpassar os demais documentos

governamentais ou institucionais que porventura se desdobrem da Lei 11.788/08.

Outro ponto que salientamos é como são direcionados os deveres e os direitos dos

alunos. No primeiro caso, não há um artigo, inciso ou parágrafo que designe de forma explícita

que caberá aos discentes a entrega de relatórios ou quais “punições” ocorrerão em caso de

descumprimento da Lei, a título de exemplificação. Na realidade, esta compreensão surge

tangencialmente nas descrições das funções e dos acompanhamentos dos orientadores e dos

supervisores, pois consta a informação de que estes interlocutores mediadores dos letramentos

apoiarão e auxiliarão os discentes e tomarão como parte desse suporte os relatórios apresentados

sobre as atividades desenvolvidas.

Concomitantemente a isto, as sanções estabelecidas na Lei direcionam que o

“descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no

termo de compromisso” (BRASIL, 2010a, p. 08). Assim, somente se transforma a relação

estabelecida entre discente e empresa, pois o regime de trabalho passaria após a quebra do

“contrato” para uma configuração de vínculo empregatício segundo às Leis da CLT,

comprovando a linha tênue das relações nesse espaço singular: em um momento é uma etapa

educacional e em outra já pode se tornar o próprio trabalho.

Rememoramos que expressões como “não poderá exceder”, “O estagiário poderá

receber”, “contratar em favor do estagiário”, “Poderá o educando inscrever-se”, “é

assegurado”, “Aplica-se ao estagiário” ou “fica assegurado” dão o respaldo jurídico aos

discentes sobre os seus direitos nessa etapa formativa. As obrigações ou a parte que compete

aos discentes de forma mais pormenorizada serão detalhadas nos PPC de cada curso. Diante

Page 184: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

183

deste cenário, concluímos que na NCELE, ao revisitar a Lei 11.788/08, não direciona para

singularidades desses cursos, mas sim para a busca do que seria regular para a totalidade deles.

Reforçamos que chegamos a esta conclusão, pois na seção do NCELE sobre “perguntas

e respostas”, a Cartilha rememora a legislação tentando “elucidar” alguma possível dúvida

diante da recuperação da Lei, conforme exposto na parte introdutória do documento, mas não

direciona os questionamentos a prováveis particularidades de cursos. Temos, novamente,

dentro do próprio documento a generalização para as CP, transparecendo como procedimentos

e ações direcionados ao estágio, a princípio, sejam similares entre todos os cursos.

Figura 10 – Seção de perguntas e respostas da NCELE.

Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a, p. 17).

Em relação a esta estratégia utilizada em criar questionamentos, especificamente, a

NCELE se aproxima do provável interlocutor, segundo nossa compreensão em torno do

dialogismo interlocutivo102, sob duas óticas: ao antecipar as prováveis perguntas de seu público,

102 Ou, na acepção de Authier-Revuz (1999), o duplo dialogismo. Para a autora encontramos nos enunciados o já-

dito presente nos discursos e ao mesmo tempo o endereçamento a um dado interlocutor, comprovando a sua

proposição da heterogeneidade constitutiva dos discursos.

Page 185: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

184

demarcando a existência de um outro no qual o discurso estabelece um diálogo; e, ao recuperar

os já-ditos de outros discursos quer de forma integral ou parcial. Como nosso objetivo nesse

cotejo dos documentos é vislumbrar o endereçamento, as forças centrípetas existentes e quais

modelos de letramentos são exaltados, reforçamos essa relação com o outro no discurso.

Nessa linha, Bakhtin (2015) já nos sinalizava que todo falante busca orientar sua palavra

sob a condição do horizonte social que o determina, bem como diante do horizonte de um outro

que o interpreta: “[...] Todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com

os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. [...]” (BAKHTIN,

2016a, p. 57). Diante disso, observamos como o campo aperceptivo do “ouvinte” é capaz de

implicar-se no dizer do falante, e, assim, supor quais perguntas poderiam surgir após a leitura

da Lei.

Neste sentido, na NCELE, encontram-se sistematizados 70 (setenta) perguntas, 30

(trinta) dessas possuem uma resposta literal, tal qual retirada da Lei 11.788/08 (Lei do estágio)

ou da Lei 9.394/96 (Lei de diretrizes e bases da educação nacional). A título de exemplificação,

na Figura 10, a pergunta 01 para trazer a definição do estágio acoplou em sua resposta o artigo

1º e seu parágrafo 1º da Lei do estágio, enquanto nas respostas das perguntas 02 a 05, a Cartilha

recupera excertos pontuais, mas integrais dessa mesma Lei. Essa prática é algo frequente ao

longo da seção de “perguntas e respostas”, já que em outras 24 (vinte e quatro) perguntas,

encontramos respostas parcialmente iguais ou com alguma reformulação do dizer, tal como

expomos no Quadro 10.

Dentre a quantidade de recorrências (24), fizemos um recorte de seis exemplos

esboçando como a recuperação do texto original é construído ao longo da NCELE. Reforçamos

que não temos a pretensão de construir uma análise mais aprofundada sobre como a

incorporação dos dizeres presentes em legislações, normativas, decretos, manuais, entre outros,

interagem entre si; mas destacamos esse fenômeno, pois se tomamos em nosso delineamento

que esses documentos de algum modo se configuram como um dos interlocutores mediadores

dos letramentos sobre o que e como dizer, entendemos que estes também podem ser

“referências” para os discentes no processo de escrita, sobretudo, ao tê-los como modelos e/ou

diretrizes de como reportar a palavra do outro na produção textual.

Quadro 10 – Trechos retirados do texto-fonte de forma igual ou parcial.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO

LETRAMENTO

NCELE

TEXTO-FONTE

Pergunta: 9. O que é educação superior? “Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

Page 186: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

185

“É aquela, que dentre outras, tem por finalidade

formar diplomados nas diferentes áreas de

conhecimento, aptos para a inserção em setores

profissionais e para a participação no

desenvolvimento da sociedade brasileira, e

colaborar na sua formação contínua (inciso II, do

art. 43 da Lei 9.394/96).” (BRASIL, 2010a, p. 18 –

grifos nossos).

[...]

II - formar diplomados nas diferentes áreas de

conhecimento, aptos para a inserção em setores

profissionais e para a participação no

desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar

na sua formação contínua;” (BRASIL, 1996 – grifos

nossos).

Pergunta: 11. O que é educação profissional e

tecnológica?

“Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no

cumprimento dos objetivos da educação nacional,

integra-se aos diferentes níveis e modalidades de

educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da

tecnologia.

[...]

Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em

articulação com o ensino regular ou por diferentes

estratégias de educação continuada, em instituições

especializadas ou no ambiente de trabalho.”

(BRASIL, 1996 – grifos e destaques nossos).

“É aquela que, no cumprimento dos objetivos da

educação nacional, intera-se aos diferentes níveis e

modalidades de educação e às dimensões do

trabalho, da ciência e da tecnologia e desenvolvida

em articulação com o ensino regular ou por

diferentes estratégias de educação continuada, em

instituições especializadas ou no ambiente de

trabalho (art. 39 e 40 da Lei 9.394/96).” (BRASIL,

2010a, p. 19 – grifos e destaques nossos).

21. Pode ser concedido estágio a estudantes

estrangeiros?

“Art. 4º A realização de estágios, nos termos desta Lei,

aplica-se aos estudantes estrangeiros regularmente

matriculados em cursos superiores no País,

autorizados ou reconhecidos, observado o prazo do

visto temporário de estudante, na forma da legislação

aplicável.” (BRASIL, 2008b – grifos e destaques

nossos).

“Sim. Segundo a legislação vigente, os estudantes

estrangeiros regularmente matriculados em cursos

superiores no Brasil, autorizados ou reconhecidos,

podem se candidatar ao estágio, desde que o prazo

do visto temporário de estudante seja compatível

com o período previsto para o desenvolvimento das

atividades (art. 4º da Lei nº 11.788/2008).”

(BRASIL, 2010a, p. 21 - – grifos e destaques

nossos).

23. O estágio é uma relação de emprego? “Art. 3º O estágio, tanto na hipótese do § 1º do art. 2º

desta Lei quanto na prevista no § 2º do mesmo

dispositivo, não cria vínculo empregatício de

qualquer natureza, observados os seguintes requisitos

[...]

Art. 15. A manutenção de estagiários em

desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de

emprego do educando com a parte concedente do

estágio para todos os fins da legislação trabalhista e

previdenciária.” (BRASIL, 2008b – grifos nossos).

“Não. O estágio não caracteriza vínculo de emprego

de qualquer natureza, desde que observados os

requisitos legais, não sendo devidos encargos

sociais, trabalhistas e previdenciários (art. 3º e 15

da Lei nº 11.788/2008).” (BRASIL, 2010a, p. 21 –

grifos e destaques nossos).

25. O estágio deve ter acompanhamento efetivo pelo

professor orientador da instituição de ensino e pelo

supervisor da parte concedente?

“§ 1º O estágio, como ato educativo escolar

supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo

pelo professor orientador da instituição de ensino e

por supervisor da parte concedente, comprovado por

vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do

art. 7º desta Lei e por menção de aprovação final.”

(BRASIL, 2008b – grifos nossos).

“Sim. O estágio como ato educativo escolar

supervisionado deve ter acompanhamento efetivo

pelo professor orientador da instituição de ensino e

pelo supervisor da parte concedente, comprovado

por vistos nos relatórios de atividades (em prazo não

superior a seis meses) e por menção de aprovação

final (§ 1º do art. 3º da Lei 11.788/2008).” (BRASIL,

2010a, p. 21 – grifos e destaques nossos).

38. A celebração de convênio de concessão de

estágio entre a instituição de ensino e a parte

concedente dispensa a celebração do Termo de

Compromisso de Estágio?

“Parágrafo único. A celebração de convênio de

concessão de estágio entre a instituição de ensino e a

parte concedente não dispensa a celebração do termo

de compromisso de que trata o inciso II do caput do

art. 3º desta Lei.” (BRASIL, 2008b – grifos nossos). “Não. A celebração de convênio de concessão de

estágio entre a instituição de ensino e a parte

concedente não dispensa a celebração do Termo de

Compromisso de Estágio (parágrafo único do art. 8º

Page 187: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

186

da Lei 11.788/2008).” (BRASIL, 2010a, p. 25 –

grifos nossos).

Fonte: Adaptado para este trabalho (2021).

Realçamos que, ao retomarmos o discurso do outro na forma de uma citação, lembramos

que o discurso citante deveria “[...] conservar o conteúdo e ao menos rudimentos da integridade

linguística e da autonomia estrutural do discurso do outrem [...]” (BESSA, 2016, p. 195), para

que seja ao menos possível recuperar a compreensão do dizer-fonte103. Por isso, quando se dá

a recuperação do dizer do outro, há a necessidade de (re)construirmos o enunciado por ordem

de questões sintáticas, estilísticas e inclusive composicionais, objetivando aclarar as fronteiras

da incorporação da palavra do outro como palavra própria. Assim, não se trata somente da

inserção da autoria ao final do trecho, com datação e paginação, pois ao acrescentarmos uma

vírgula, uma palavra, uma expressão, já alteramos o texto de origem, deixando nossas marcas

enunciativas. Porém, no caso da NCELE, as respostas presentes possuem pouco ou nenhum dos

movimentos sintáticos, estilísticos ou quiçá composicionais em uma maior elaboração: o que

de fato identificamos é um discurso de incorporação quase similar ao discurso-fonte.

Nos seis exemplos, a reformulação diante de uma reprodução literal é feita por pequenos

movimentos, às vezes, somente com a inserção de um “sim” ou de um “não” ao princípio da

resposta como nas perguntas 25 e 38. Nestas amostras, observamos que após a inclusão de uma

negativa ou afirmação há a recuperação integral dos trechos das Leis que tomam como base.

Em outros exemplos, vemos a incorporação de termos sinônimos, tal como exposto nas

perguntas 11, 21, 23, 25. Desse modo, “intera-se” equipara-se à “integra-se”, “no país” é

substituído por “no Brasil”, a expressão “caracteriza vínculo de emprego de” equivaleria ao

original “não cria vínculo empregatício”, e “deveria” é apresentado como “deve ter”.

Ainda seguindo esta análise, em outras respostas, há inserção de pequenas expressões

ou trechos na tentativa de criar meios para que o texto se torne compreensível, mas que ainda

assim são pequenas as inserções para logo em seguida vir a retomada transcrita tal qual o

discurso-fonte. Estas pequenas modificações estão nas contestações apresentadas nas perguntas

9, 11, 21 e 23, como apresentamos: “É aquela, que dentre outras”, “É aquela que”, “Segundo

a legislação vigente [...] podem se candidatar ao estágio, desde que [...] seja compatível com

o período previsto para o desenvolvimento das atividades”, “desde que observados [...] não

sendo devidos encargos sociais”.

103 Enfatizamos que “fonte” aqui não significa discurso ou dizer primeiro, tal qual a metáfora do “Adão mítico”,

mas trata-se de enunciado proferido em dadas circunstâncias, sendo reconhecidas e disseminadas pela sociedade.

Page 188: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

187

Nesse sentido, na questão 25, destacamos a expressão “de atividades”, no qual não há o

registro no original dessa maneira, mas a expressão sintetiza o que está evidente no todo

conforme exposto no artigo da Lei 11.788/08, assim há uma recuperação implícita do que já

fora colocado em outros espaços pela própria legislação. Neste quesito, relembramos o

pensamento de Bakhtin (2018, p. 236): “[...] A repetição das palavras se deve ao empenho de

reforçar-lhes a aceitabilidade ou dar-lhes um novo matiz tendo em vista a possível reação do

interlocutor”.

Logo, o reforço utilizado ou a recuperação quase que na íntegra da Lei como estratégia,

nesse contexto, não visa a criar matizes de sentido outros pelos autores do documento, mas nos

deixa transparecer que não há escapatória do cumprimento de algo posto em Lei, indiciando a

“aceitabilidade” do rigor da Lei no qual o sujeito está submetido.

Por outro lado, em 16 (dezesseis) dos questionamentos presentes na NCELE, há o

direcionamento para algum tipo de resposta que não fosse cópia integral ou parcial da própria

Lei, uma vez que o encaminhamento é para soluções de possíveis dúvidas sobre termos: tal

como a explicação do que seria uma instituição de ensino; o que são atividades de extensão ou

de iniciação científica; o que seria direito ao descanso e como gozá-lo, por exemplo (respostas

a perguntas 9, 18, 20 e 41). Assim, há a introdução para esse público, talvez leigo, sobre o

universo no qual se deparará quando da execução do estágio.

Em síntese, observamos o teor normativo e prescritivo da Lei, recuperada pela NCELE,

somada ainda a orientações sobre os trâmites burocráticos que estão envoltos na etapa

educacional supervisionada. Com isso, conseguimos recuperar os prováveis interlocutores da

cartilha, as vozes impositivas existentes e os direcionamentos aos sujeitos do estágio (discente-

estagiário, a instituição de ensino e a parte concedente); porém, não destacamos qual modelo

de letramento o documento como um todo defende.

Diante deste último ponto, sinalizamos que precisaríamos de mais elementos que

abordassem a confecção da sinalização da cultura do escrito, mas apenas encontramos os

primeiros passos em associar o gênero relatório como um instrumento de avaliação. Neste

processo de cotejamento, compreendemos que “[...] o próprio texto enquanto enunciado aponta

para fora de seus limites [...]” (RUFO; SIANI, 2017, p. 90), e, que sua compreensão só é

possível com o contato com outros enunciados. Deste modo, passamos à análise dos projetos

de pedagógicos de cursos (PPC) como mais um elemento dessa cadeia discursiva que tem efeito

no gênero relatório de estágio de estudantes-estagiários de EMI.

Page 189: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

188

5.1.1.2 Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC): Agropecuária e Edificações

Segundo reflete Alves (2019, p. 167), um dado enunciado sempre “[...] responde a um

enunciado anterior ou a uma realidade concreta, como também projeta novos enunciados que

serão responsivos a ele, numa cadeia discursiva em que ele será um elo.”. Não diferentemente,

os documentos governamentais ou institucionais que tomamos como recorte também

respondem e incentivam a resposta de discursos, comprovando o movimento essencialmente

dialógico das interações da linguagem humana, conforme defende o Círculo de Bakhtin.

Um exemplo destas reminiscências dialógicas, encontramos no próprio projeto

pedagógico de curso (PPC), uma vez que na NCELE, influenciada pela exigência prevista na

Lei 11.788/08, já havia menção das responsabilidades e dos desdobramentos que cabem àquele

documento na tentativa de aprofundar as peculiaridades de cada área do saber. Temos, portanto,

um primeiro passo para sairmos das generalizações (como visualizamos na NCELE) para

adentrarmos nas particularidades que compõem os cursos, e, consequentemente, os grupos

sociais que os integram.

Ainda sob este viés, nos PPC encontramos os perfis almejados dos formandos, a

caracterização das ementas com seus respectivos conteúdos formativos, os objetivos e as

finalidades esperados de cada curso. Então se estabelece, de maneira simples, o início da

caracterização do domínio da comunidade de prática no qual o sujeito se integra para criar sua

identidade institucional diante da formação almejada.

Neste cenário, as competências mínimas direcionadas aos membros são postas no PPC

para que, de fato, ocorra a integração e a definição das especialidades que as compõem enquanto

grupos sociais. Diante disso, reforçamos que nosso escopo recai sobre os PPC dos cursos de

EMI de Agropecuária (BRASIL, 2010b) e de Edificações (BRASIL, 2011) do Campus

Salgueiro104, considerando essas relações e visando a entender como as forças centrípetas, o

endereçamento e os modelos de letramentos são exigidos para integrar a CP de cada respectivo

curso, associados, especialmente, ao gênero relatório de estágio.

Com este objetivo, nossa reflexão partiu da construção de uma análise conjunta dos dois

PPC, indicando as similaridades e os distanciamentos, tendo como norte sempre as possíveis

particularidades dos efeitos desses interlocutores mediadores dos letramentos na escrita final

do estágio. Por isso, destacamos, a princípio, que os dois PPC apresentam desenvolvimentos

104 Em 2019 houve a atualização de todos os PPC do Campus Salgueiro, entrando em vigência somente no ano

posterior. Portanto, destacamos que nosso foco recai nos PPC de 2010 e 2011 por se tratarem dos planos vigentes

quando do período de nosso recorte temporal dos relatórios analisados, bem como pontuamos que esses colaboram

para a nossa escuta diante dos relatórios que compõem o nosso corpus.

Page 190: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

189

distintos sobre a exposição do que lhes compete como essencial para o andamento de cada

curso, conforme observamos já nos sumários presentes na Figura 11.

Porém, em ambos PPC há a ênfase sobre a visão estratégica do IF Sertão/PE ao recuperar

trechos que estão no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), como a missão, a visão e

os valores da instituição. Neste ponto, destacamos que o IF Sertão/PE, de maneira geral, visa

integrar a promoção do desenvolvimento sustentável, cujo escopo recaia na confluência da

ciência e da tecnologia (BRASIL, 2010b), tendo nos PPC a reiteração dessa característica para

além da formação para o mundo do trabalho.

Assim, a instituição afirma formar e capacitar os sujeitos por meio do ensino, da

pesquisa e da extensão, conforme se expressam nos trechos do PPC de Agropecuária: “Ser uma

instituição de excelência em todos os níveis e modalidades de ensino, articulados com a

pesquisa e extensão, comprometida com a transformação social, fundamentada na ética e na

cidadania." (BRASIL, 2010b, p. 03 – grifos nossos); e, nos de Edificações, ao enfatizar que

visa a:

[...] Promover o desenvolvimento regional sustentável, com foco na ciência e na

tecnologia, por meio do ensino, pesquisa e extensão, formando pessoas capazes de

transformar a sociedade.’ Para tanto, prima pela excelência acadêmica através de

cursos e programas que proporcionam múltiplas formas da produção do

conhecimento científico e tecnológico com vistas ao desenvolvimento do cidadão e

sua inserção no mercado de trabalho. (BRASIL, 2011, p. 07 – 08 – grifos nossos).

Isto posto, nossos destaques dizem respeito aos primeiros indícios sobre a cultura do

escrito enfatizado por ambos PPC ao recuperarem a missão institucional, uma vez que há

implicitamente na articulação dada ao EMI para seus cursos a ampliação de suas práticas

educativas para além da visão conteudística. Estes movimentos de articulação e ampliação

ganham destaque quando se prima por agregar valores ao estabelecer o direcionamento para a

comunidade, além de construir e vivenciar espaços de contato com o agir científico,

perpassando a formação cidadã, aliada à formação ética e ainda compreendendo o seu objetivo

final de capacitar para o mercado de trabalho. Consequentemente, os eventos de letramentos

vivenciados por esses sujeitos na sua formação acadêmica de maneira singular, de igual modo,

configurarão sua relação enquanto CP, em uma espécie de retroalimentação e reconfiguração

daquela dada esfera de atividade humana.

Ainda informamos que há em ambos os documentos citados a ênfase da construção da

identidade dos sujeitos discentes, futuros profissionais, por meio da orientação do parecer

vigente da época e sua respectiva resolução (Parecer CNE/CEB nº 16/99 e Resolução CNE/CEB

Page 191: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

190

nº 04/99), somados a outros direcionamentos legais (LDBEN, Lei do estágio, Lei de formação

dos IF, entre outros). Assim, é enfatizado a etapa formativa de um Curso Técnico Integrado ao

Ensino Médio pautados por determinados valores105, a saber: a ética da identidade, a política da

igualdade e a estética da sensibilidade106. À vista disso, e congregando as quatro premissas

sinalizadas pela Unesco como componentes estruturais da educação em uma sociedade

contemporânea (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver, e aprender a ser),

encontramos nos PPC a defesa do princípio formativo estabelecido para o estudante do EMI

(BRASIL, 2010b, 2011).

Figura 11 – Sumário do PPC dos cursos de EMI em Agropecuária (A) e em Edificações (B) do Campus

Salgueiro.

A B

Fonte: Brasil (2010b, p. 06; 2011, p. 05).

105 Segundo o que há exposto nos PPC investigados esses valores também se associam à prática administrativa

tanto como à pedagógica da instituição. 106 Os direcionamentos sobre esses três eixos indicam que segundo a ética da identidade o escopo é (re) construir

identidades sensíveis em torno de valores igualitários; na política da igualdade há a reflexão sobre os princípios

de constituição cidadã, tal como o respeito aos direitos humanos, por exemplo; e para a estética da sensibilidade o

objetivo é promover espaços de incentivo à criatividade, à curiosidade e ao mesmo tempo a empatia.

Page 192: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

191

Na realidade, ao refletirmos sobre o endereçamento e o estabelecimento de forças sobre

o que é esperado dos sujeitos que integram o ambiente formativo do EMI, o PPC, assim como

vislumbramos na NCELE, tal movimento remonta a um emaranhado de vozes sociais, nos quais

citamos ao menos por um lado, a voz jurídica, a voz do cumprimento legal, com sua força

centrípeta se fazendo presente. Por outro lado, há a voz do respaldo das ações, demarcando esta

mesma força de modo contínuo sobre os sujeitos que integram esse espaço educacional e que

buscam este material como um norte a ser seguido e executado. Logo, encontramos, ainda nos

sumários, certas pistas sobre o teor normativo presente em ambos PPC ao informar ao seu

interlocutor sobre a organização do documento (Figura 11).

Enfatizamos que a própria confecção do PPC nasce como uma “exigência” normativa

para que os cursos funcionem107, comprovando e respondendo à sociedade quais as finalidades

educativas daquele dado curso; a constituição de seus respectivos programas, com os

componentes curriculares; os critérios de avaliação e de aproveitamento organizados pelos

estabelecimentos educativos; a composição do corpo docente; as instalações da instituição,

dentre outros pontos. Diante disto, os PPC apresentam as características essenciais para o seu

pleno funcionamento e respondem a demandas legais e institucionais.

Portanto, reforçamos que no caso do sumário do PPC do curso de Agropecuária temos

indícios da forte necessidade de adequação às exigências regulamentadoras, especialmente ao

trazer, em destaque, a seção de “fundamentos legais” e o anexo da organização didática108 da

instituição vigente quando da publicação daquele PPC em 2010. Ao passo que o sumário

apresentado pelo PPC de Edificações, mesmo adequado às condições legais, demonstra caráter

mais sintético e mais cuidadoso em relação à escrita acadêmica ou documental, especialmente,

ao unificar temas em seções específicas. Esta característica pode ser observada também quando

o documento informa as referências, bem como traz em seus anexos documentos que os

discentes não encontrariam em outros espaços ou documentos institucionais da época, tal como

o “plano de estágio”, por exemplo.

Nesta caracterização de requisitos legais, em ambos os PPC, logo após a capa e antes

do sumário, há a referência aos seus respectivos dados cadastrais. Nesta seção são encontrados

dados, tais como: a razão social da instituição, o nome fantasia, o CNPJ (Cadastro Nacional da

107 Como preconiza a LDBEN (BRASIL, 1996), as instituições de ensino elaborarão seus projetos pedagógicos

(art. 14) e a educação técnica de nível médio deverão se guiar por seus respectivos projetos pedagógicos (art. 36B). 108 Esta organização didática poderia apenas ser mencionada, uma vez que passa por atualizações constantes e que

inclusive no PPC não consta qual versão é adotada, pois somente aparece o tracejado com relação a numeração da

resolução e da data que aprova tal organização.

Page 193: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

192

Pessoa Jurídica). O documento explica ainda sobre a esfera administrativa à qual pertence o

curso, o endereço e o telefone do Campus, o endereço do site, o nome efetivo do curso, a área

profissional de atuação do egresso, a carga horária estabelecida para o curso e o órgão que

aprovou sua execução. Por isso, há a informação no PPC de EMI Agropecuária sobre sua carga

horária total ser de 4.180 horas, dessas 3.780 se relacionam aos componentes que integram a

grade curricular e 400 horas destinadas ao estágio.

Diferentemente, no PPC de Edificações, há nessa seção a informação da carga horária

total do curso de 3.780 horas, não contemplando o somatório com a carga horária destinada ao

estágio, estando somente esse dado presente na seção referente ao estágio ao informar o

indicativo das 400 horas destinada a essa atividade e somada à carga horária total do curso.

Ainda no âmbito desta adequação do gênero projeto pedagógico de curso à

regulamentação em torno de legislações, encontramos inúmeras passagens que ancoram as

ações do programa proposto na tentativa de demonstrar a voz da credibilidade, a voz da

autoridade, a voz jurídica, interferindo na construção pedagógica de um planejamento

formativo. Assim, destacamos inicialmente no Quadro 11 excertos que são similares em ambos

os PPC e que resgatam de forma implícita ou explícita a voz da adequação ao requisito legal

para a constituição do curso. Porém, este mesmo sistema esquece das particularidades que

envolvem estes mesmos cursos ao tomarem como iguais os direcionamentos109.

Quadro 11 – Exemplos de respaldo legais dos PCC de Agropecuária e de Edificações correlacionados ao texto-

fonte.

INTERLOCUTOR

MEDIADOR DO

LETRAMENTO

TRECHO NO PPC TEXTO – FONTE

“No que se refere à oferta de um Curso

Técnico Integrado, entendemos que o

Ensino Médio, como etapa final da

Educação Básica concorre para a

construção da entidade do aluno. Tem a

característica da terminalidade, o que

significa assegurar a todos os cidadãos,

a oportunidade de consolidar e

aprofundar “os conhecimentos

“A Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional explicita que o Ensino Médio é

a ‘etapa final da educação básica’

(Art.36), o que concorre para a

construção de sua identidade. O Ensino

Médio passa a ter a característica da

terminalidade, o que significa assegurar

a todos os cidadãos a oportunidade de

consolidar e aprofundar os

109 No recorte estabelecido, encontramos a recuperação da voz do outro, mas sem a devida referência ao discurso

fonte. Lembramos que não temos a pretensão de fazer uma análise extenuante de todos os exemplos presentes em

torno deste fenômeno sobre a incorporação do dizer presentes em normativas, legislações ou documentos

institucionais, tal como o próprio PPC. Entretanto, sinalizamos, assim como presente na NCELE, que encontramos

a seguinte recorrência: por alguns momentos há a sinalização do dizer fonte, quer seja com uso de aspas ou com o

uso entre parênteses da autoria; já em outros trechos do documento, não há a indicação da origem do dizer,

remontando a um completo apagamento das fronteiras desse discurso-fonte. Isto nos aponta que nos trechos

exemplificados temos dois pontos que merecem destaque: um é a recorrência do dizer com a repetição de trechos

similares para ambos os PPC e o outro é a recorrência desse mesmo dizer em ambos PPC que apagam a origem

do dizer-fonte.

Page 194: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

193

PPC DE

AGROPECUÁRIA

E

EDIFICAÇÕES

adquiridos no Ensino Fundamental”; a

formação da pessoa de forma a

desenvolver os seus valores e as

competências necessárias à integração

de seu projeto individual ao projeto da

sociedade em que se situa; o

aprimoramento do educando como

pessoa humana, incluindo a formação

ética e o desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico; a

preparação e orientação básica para a

sua integração ao mundo do trabalho,

com as competências que garantam seu

aprimoramento profissional e permitam

acompanhar as mudanças que

caracterizam a produção no nosso

tempo; o desenvolvimento das

competências para continuar

aprendendo, de forma autônoma e

crítica, em níveis mais complexos de

estudos.” (BRASIL, 2010b, p. 08;

BRASIL, 2011, p. 06 – 07 – grifos

nossos).

conhecimentos adquiridos no Ensino

Fundamental; aprimorar o educando

como pessoa humana; possibilitar o

prosseguimento de estudos; garantir a

preparação básica para o trabalho e a

cidadania; dotar o educando dos

instrumentos que o permitam ‘continuar

aprendendo’, tendo em vista o

desenvolvimento da compreensão dos

‘fundamentos científicos e tecnológicos

dos processos produtivos’ (Art.35, incisos

I a IV).

[...]

• a formação da pessoa, de maneira a

desenvolver valores e competências

necessárias à integração de seu projeto

individual ao projeto da sociedade em

que se situa;

• o aprimoramento do educando como

pessoa humana, incluindo a formação

ética e o desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico;

• a preparação e orientação básica para

a sua integração ao mundo do trabalho,

com as competências que garantam seu

aprimoramento profissional e permitam

acompanhar as mudanças que

caracterizam a produção no nosso tempo;

• o desenvolvimento das competências

para continuar aprendendo, de forma

autônoma e crítica, em níveis mais

complexos de estudos.” (BRASIL, 2000,

p. 09 – 10 – grifos nossos).

“Estágio é ato educativo escolar

supervisionado, desenvolvido no

ambiente de trabalho, que visa à

preparação para o mercado de trabalho e

a contextualização curricular,

objetivando o desenvolvimento do

educando para a vida cidadã e para o

trabalho. O estágio poderá ser

obrigatório ou não obrigatório

atendendo ao estabelecido na Lei

11.7788 de 25 de setembro de 2008”

(BRASIL, 2010b, p. 101; BRASIL, 2011,

p. 53 – grifos nossos).

“Art. 1º Estágio é ato educativo escolar

supervisionado, desenvolvido no

ambiente de trabalho, que visa à

preparação para o trabalho produtivo de

educandos [...]

§ 2º O estágio visa ao aprendizado de

competências próprias da atividade

profissional e à contextualização

curricular, objetivando o

desenvolvimento do educando para a vida

cidadã e para o trabalho.

Art. 2º O estágio poderá ser obrigatório

ou não-obrigatório, conforme

determinação das diretrizes curriculares

da etapa, modalidade e área de ensino e do

projeto pedagógico do curso.” (BRASIL,

2008 – grifos nossos).

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Deste modo, no primeiro exemplo, encontramos o mesmo erro de digitação presente,

em uma espécie de “copia e cola” entre os dois PPC, quando o termo deveria ser “identidade”,

ela se apresenta por: “a construção da entidade do aluno”. Além disto, todo o parágrafo relativo

Page 195: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

194

ao primeiro exemplo em destaque remonta ao trecho dos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio (BRASIL, 2000), mas que no PPC não trouxe menção do dizer original.

Em relação ao segundo recorte, vemos o mesmo “erro” de digitação para ambos PPC ao

trazer o número da Lei com um “sete” a mais: “11.7788”, quando deveria ser: 11.788. Nessa

mesma amostra, visualizamos a (re)construção dos trechos originais da Lei do estágio por meio

de uma montagem das passagens que a compõe, tal como a recuperação do art.1º, o segundo

parágrafo desse artigo e o art. 2º da Lei do estágio.

Este tipo de construção, sobretudo, correlacionado a trechos similares em ambos PPC é

algo recorrente, principalmente em seções que sinalizam as justificativas dos referidos cursos,

a relação do enfrentamento pedagógico frente aos valores propostos que tangenciam o próprio

currículo e, em especial, a seção que designa o estágio destes cursos. Porém, selecionamos

apenas dois exemplos que contemplasse esse diálogo com o aparato legislativo, seguindo esta

ótica de escrita: a que compreende como uniforme os direcionamentos e as ações entre os

cursos; e, que não demonstra o cuidado para referenciar o dizer do outro, a incorporação da

palavra outra.

Reiteramos que defendemos a tese de que estes documentos são considerados um

importante interlocutor mediador dos letramentos dos sujeitos-estagiários e que além de guiar

e normatizar, representa um exemplo para a produção escrita deste e de outros públicos que

interagem com esse PPC. Reforçamos ainda, que além deste tipo de exemplo, a inserção do

respaldo ou da ancoragem da adequação legal se encontra presente em outros momentos com

movimentos de sinalização do dizer fonte, tal como apresentamos no Quadro 12.

Quadro 12 – Exemplos de respaldos jurídicos nos PPC de Agropecuária e de Edificações.

INTERLOCUTOR

MEDIADOR DO

LETRAMENTO

EXCERTO

PPC

AGROPECUÁRIA

“Orientando-se na legislação básica sobre educação e educação

profissional, o IF SERTÃO-PE Campus Salgueiro elabora este projeto para

oferecer a Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado em

Agropecuária, destinado aos jovens da região circunvizinha dos estados do

Ceará e Pernambuco. [...]

LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999, que estabelece as Diretrizes

e bases da educação nacional.

LEI Nº 11.892, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2008. Institui a Rede Federal de

Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais

de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.

LEI Nº 11.788, DE 25 DE SETEMBRO DE 2008 - Dispõe sobre o estágio de

estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do

Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de

1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revogam as Leis nos

6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o

parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o

Page 196: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

195

art. 6º da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá

outras providências.

LEI Nº 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a

obrigatoriedade da temática "História e Cultura AfroBrasileira", e dá outras

providências. [...]” (BRASIL, 2010b, p. 10 – grifos nossos).

“Por ser um curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio

Integrado em Agropecuária, organizado por áreas do conhecimento da base

nacional comum, conforme PCNEM e fundamentado pela Resolução

CNE/CEB nº 04/99, o perfil de conclusão fica especificado da seguinte

forma: [...]” (BRASIL, 2010b, p. 13 – grifos nossos).

“Foram observadas, também, na organização pedagógica e curricular deste

plano de curso as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio –

DCNEM, instituídas pela Resolução n º 03 de 26 de junho de 1998, que se

constituem num conjunto de definições doutrinárias sobre princípios,

fundamentos e procedimentos necessários a sua execução.” (BRASIL,

2010b, p. 14 – 15 – grifos nossos).

“Conforme determina a Lei 9.394/96, Seção I, Artigo 26, o Ensino Médio

oferecido pelo IF SERTÃO-PE, é composto por uma Base Nacional Comum,

complementada por uma Parte Diversificada, exigida pelas características

regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

O currículo atende a Lei nº 10. 639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a

LDB incluindo a obrigatoriedade de inserção no currículo da temática “

“História e Cultura AfroBrasileira”, devendo ser ministrada, em especial, nas

áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Além dos conhecimentos técnicos e tecnológicos voltados para o curso de

Agropecuária, o currículo do Ensino Médio obedece, ainda, às seguintes

finalidades instituídas no Art. 35 da atual LDB:

[...]

Este plano de curso está de acordo, também, com a Resolução n º 04 de

dezembro de 1999 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de

Educação, que apresenta os outros princípios norteadores da Educação

Profissional de Nível Técnico, além dos já enunciados no artigo 3.º da LDB,

sendo eles: [...]” (BRASIL, 2010b, p. 15 – grifos nossos).

EDIFICAÇÕES

“Base Legal:

• Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Federal nº 9394/96

• Decreto Federal n.o 2208/97

• Parecer CNE-CEB 16/99

• Resolução CNE-CEB n.o 04/99.

• Referenciais curriculares da Educação Profissional de Nível Técnico na

Área Profissional de Edificações.” (BRASIL, 2011, p. 04 – grifos nossos).

“Em primeiro lugar destaca-se que o perfil de saída do aluno do Ensino

Médio está diretamente relacionado às finalidades desse ensino, conforme

determina as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394),

no seu Art. 35:

[...]

Já o parágrafo primeiro do artigo 36 da referida Lei afirma: [...]” (BRASIL,

2011, p. 10 – grifos nossos).

“A organização curricular, consubstanciada no plano de curso, é prerrogativa

e responsabilidade de cada escola (Art. 8o da Resolução CNE/CEB nº. 4/99).

Respaldado na referida Lei, o IF Sertão - PE entende e aponta para uma

estrutura curricular da Educação Profissional Técnica de Nível Médio

elaborada de modo a integrar a formação profissional ao ensino médio.

O currículo do Ensino Médio será estruturado com base nas diretrizes da

LDB (Lei nº 9.394/96): [...]” (BRASIL, 2011, p. 13 – 14 – grifos nossos).

“Considerando, portanto, essa concepção de educação profissional

consagrada pela LDB e em sintonia com as Diretrizes Curriculares

Page 197: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

196

Nacionais já definidas por este Colegiado (Parecer CNE/CEB nº 16/99), o

IF Sertão - PE define: [...]” (BRASIL, 2011, p. 14 – grifos nossos).

Fonte: Brasil (2010b, 2011).

Diante disto, nossos grifos sinalizam como os PPC respondem e reforçam as forças da

superestrutura em torno de um modelo educacional hegemônico que tende a regulamentar as

ações dos sujeitos que vivenciam aquela esfera da atividade humana (PAULA, 2021a). Por isso,

destacam-se expressões como: “estabelecido na Lei 11.7788”, “Orientando-se na legislação

básica sobre educação e educação profissional, o IF SERTÃO-PE Campus Salgueiro elabora

este projeto”, “fundamentado pela Resolução CNE/CEB nº 04/99”, “Foram observadas,

também, na organização pedagógica e curricular deste plano de curso as Diretrizes

Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM, instituídas pela Resolução n º 03 de 26

de junho de 1998.”

Ainda neste sentido, merecem destaque outros excertos deste documento, tais como:

“Conforme determina a Lei 9.394/96, Seção I, Artigo 26, o Ensino Médio oferecido pelo IF

SERTÃO-PE, é composto por uma Base Nacional Comum, complementada por uma Parte

Diversificada”, “Respaldado na referida Lei”, “consagrada pela LDB e em sintonia com as

Diretrizes Curriculares Nacionais já definidas por este Colegiado (Parecer CNE/CEB nº

16/99), o IF Sertão - PE define”, trazem a relação clara da imposição de um dado valor, de um

dado norte a ser seguido e respaldado nas práticas educacionais.

Encontramos nestas normativas, decretos e resoluções que são mencionados ao longo

dos dois PPC, propostas educacionais que possuíam como sugestão o trabalho tal como

apresentado sobretudo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, BRASIL) de 1998 e 2000.

Deste modo, guiou-se a confecção do currículo segundo os eixos de "Representação e

Comunicação", "Investigação e Compreensão", e "Contextualização Sociocultural” em torno

dos conteúdos, somados ainda aos temas transversais propostos pelos próprios PCN (Ética,

Orientação Sexual, Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo).

Entretanto, destacamos que depois da publicação PCN em debate (BRASIL, 2004) houve uma

sugestão de reformulação, sobretudo associada a questões de competências e habilidades, uma

vez que a maneira que tais quesitos foram interpostos nos documentos anteriores (uso das

expressões do PCN de 1998 e 2000) comprometia o aparato teórico-metodológico dos estudos

nos quais os próprios documentos se ancoravam (ABREU; BARBOSA, 2019). Portanto,

quando da análise das ementas, encontramos os resquícios do modelo proposto dos primeiros

PCN aliados a solicitações atuais, como vemos nas Figura 12 e 13.

Page 198: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

197

Figura 12 – PPC de Agropecuária: ementas das disciplinas Introdução à Agricultura e Matemática.

Fonte: Brasil (2010b).

Page 199: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

198

Figura 13 – PPC de Edificações: ementas das disciplinas de Língua Portuguesa e Desenho Técnico e Arquitetura.

Page 200: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

199

Fonte: Brasil (2011).

Page 201: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

200

Nos exemplos presentes na Figura 12, recortamos na sequência proposta pelo PPC do

EMI de Agropecuária uma disciplina do eixo profissional e outra do núcleo comum de modo

aleatório. Assim, nessa linha de efeitos e de ecos dessas normativas e exigências legais, a

disciplina de “Introdução à Agricultura”, assim como as demais que compõe esse eixo (ver

grade em Quadro 13 disciplinas que integram a modalidade profissional do currículo), não

trazem as orientações prévias correlacionadas a uma fundamentação sobre o viés da

“Representação e Comunicação”, “Investigação e Compreensão”, e, “Contextualização

Sociocultural”, tal como ocorre em todas as disciplinas que compõem o seguimento de

disciplinas correlacionadas ao “núcleo comum”.

Por este motivo, a disciplina de Matemática, além da proposição dividida em

competências, habilidades e bases tecnológicas (partes presentes em todas as disciplinas do

curso) apresenta uma seção à parte para designar o que se espera daqueles eixos estabelecidos

conforme os PCN dos anos 2000.

No entanto, ao trazer nas ementas o viés das competências e habilidades, notamos a

discrepância entre estas adequações e atualizações, necessitando um melhor amadurecimento

das propostas teóricas e metodológicas presentes em determinados documentos

governamentais. Tal característica evidencia ao seu público leitor de maior expertise acadêmica

(professores, supervisores, orientadores, pesquisadores, entre outros) o eco “papagaiesco” que

pode existir em somente transcrever e alinhavar várias propostas normativas ou orientadoras na

tentativa de apenas se adequar à Lei110.

Em relação ao exemplo da Figura 13, a confusão nos revela ser um pouco maior, pois

além de remontar a adequações aos PCN dos anos 2000 e posterior conformidade a ideias

propostas de eixos como competências e habilidades, há na parte direcionada ao núcleo comum

uma forte presença das proposições dadas ao Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, por

meio da matriz de referência desse exame111. Inclusive, no próprio PPC de Edificações, há a

seguinte informação: “[...] aprender do referencial teórico do Enem – Exame Nacional do

Ensino Médio, os objetivos desta proposta curricular [...]” (BRASIL, 2011, p. 09).

Neste caso, pontuamos que o ENEM não pode ser considerado um respaldo teórico, pois

a finalidade do exame e de sua matriz não integram um arcabouço de maior estudo e pesquisas:

110 Recordamos que esses PPC passaram por atualizações ao longo do ano de 2019. Não temos como escopo

construir um comparativo entre os PPC do período do recorte de nossa pesquisa com os atuais, muito menos não

temos a pretensão de verificarmos se ainda permanecem esses problemas de compilação e recorte de legislações,

propostas teóricas e metodológicas, quiçá possam ser aprofundados em trabalhos futuros. 111 https://download.inep.gov.br/download/enem/matriz_referencia.pdf . Nesse guia há a descrição das habilidades

e competências exigidas e correlacionadas a cada eixo tecnológico do ENEM.

Page 202: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

201

apenas se assumem como um certame, cujo escopo recai em avaliar os conteúdos apreendidos

pelos estudantes no ensino médio. Porém, é inegável o efeito retroativo desses exames de larga

escala na dinâmica de sala de aula e inclusive na confecção dos currículos (ABREU, 2011), tal

como exposto no próprio PPC do EMI de Edificações.

A este respeito, Abreu (2011) nos lembra que por detrás das linhas expostas nas questões

dessas provas (ENEM, vestibulares, entre outros), há toda uma relação teórica, metodológica e

avaliativa implicada e respaldada em outras proposições teórica-metodológicas sobre o que

avaliar, quem avaliar, e, como avaliar, carregando naquelas perguntas direcionamentos sobre o

que o órgão responsável pelo exame espera da formação dos discentes. Deste modo, o ENEM

não é produtor de teorias e metodologias, mas sim, uma espécie de replicador de embasamentos

teóricos já existentes.

Posto isto, ratificamos que o foco formativo do curso de Edificações não é minimizado

a esse viés: apenas encontramos referências um pouco contraditórias em momentos pontuais do

PPC ao se (re)pensar a constituição das disciplinas do núcleo comum. Nos demais momentos,

encontramos o reforço sobre as finalidades do curso em preparar e capacitar os profissionais de

Edificações, tal como se apresenta a seguir:

[...] desempenhar funções técnicas ou gerenciais, de autonomia e responsabilidade de

acordo com a legislação vigente, ou seja, preparando o profissional para auxiliar

engenheiros, arquitetos ou tecnólogos em atividades de projeto, planejamento e

execução de obras de acordo com os procedimentos legais, propondo alternativas do

uso de técnicas e materiais de construção, elaborando o planejamento e orçamento

necessário à escolha da melhor solução a ser adotada na ocupação do solo, tendo por

premissa o respeito e a preservação ambiental. (BRASIL, 2011, p. 09 – 10).

Tal proposição em torno do perfil profissional acaba por caracterizar e definir o que se

espera dos discentes quando de sua entrada bem como de seu perfil de egresso. Por isso, os PPC

reforçam a marca de sua finalidade institucional em formar indivíduos para o mercado de

trabalho, mas que para além disso possam ter uma formação mais holística e integrada ao

ensino, à pesquisa e à extensão conforme citamos anteriormente. No caso, para os discentes de

Agropecuária é esperado, ademais desses pontos, que eles sejam “[...] profissionais qualificados

com aptidão para atuarem nos setores animal, vegetal e agroindustrial.” (BRASIL, 2010b, p.

09).

Portanto, enfatizamos certas exigências em torno do futuro profissional, do futuro

tecnólogo, em construir seu perfil e se adequar de fato às características que as compõem.

Assim, estes pontos confirmam a proposta de Wenger (1998) sobre as CP, bem como sinalizam

no fio discursivo as relações dialógicas existentes entre contexto, entre sujeitos e papéis, entre

Page 203: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

202

valores pedagógicos e sociais implicados, por exemplo. Em outras palavras, em nosso cotejo

por meio dos dois PPC, encontramos a premissa ou os requisitos que fazem com que os sujeitos

integrem aquele dado grupo, sobretudo, ao tentarem cumprir papéis sociais bem definidos, com

critérios estabelecidos, e, com contratos de práticas que explicitam a sua função naquele espaço.

Aliás, a formação da identidade desses sujeitos é conclamada nos dois PPC de forma recorrente:

Ao retomar os objetivos e finalidades do próprio ensino médio (a construção da

identidade do aluno);

Ao revisitar o fundamento pedagógico educacional proposto ao primar pela

“política da igualdade” e a “ética da identidade”, compreendendo que o discente está em um

momento de reflexão sobre os processos de desigualdade que o perpassa como sujeito

implicado no mundo e como isso faz que ele construa suas identidades ao estabelecer valores

nas suas relações;

Ao tratar a identidade como perfil associado especialmente ao teor de mercado,

ou seja, buscando alcançar o perfil do profissional egresso daquele dado curso;

Ou ainda, ao expor nas ementas de diferentes disciplinas dos cursos o que se

espera dessa identidade:

“Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que

constituem a identidade própria e a dos outros” (BRASIL, 2010b, p. 61 – grifos

nossos),

“Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da

cidadania plena, no contexto do estado de direito, atuando para que haja,

efetivamente, uma reciprocidade de direitos e deveres entre o poder público e

o cidadão e também entre os diferentes grupos.” (BRASIL, 2010b, p. 66 –

grifos nossos),

“Construir a identidade pessoal e social na dimensão histórica, a partir do

reconhecimento do papel do indivíduo nos processos históricos

simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos” (BRASIL, 2010b,

p. 33 – grifos nossos),

“Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de

significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade”

(BRASIL, 2011, p. 23 – grifos nossos).

Page 204: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

203

Em síntese, podemos inicialmente refletir que a identidade apresentada nos PPC nos

remonta a (re)construção de um sujeito uno, cartesiano, que pensa na sua própria edificação,

em uma consolidação de uma “identidade” pessoal. Porém, em ambos os documentos

encontramos direcionamentos para que o sujeito em formação seja (re)conhecido por meio de

sua “dimensão histórica”, que seja contemplado na relação eu/outro, que compreenda os valores

existentes nas relações sociais, por exemplo. Diante disto, reconhecemos que encontramos nos

PPC indícios de processos alteritários, apesar dos termos não apresentarem a palavra nestes

moldes.

Ou seja, visualizamos uma miscelânea sobre a episteme nestes PPC e que,

consequentemente, possuem ecos nas suas respectivas finalidades educacionais/formativas

(PAULA, 2021b), quiçá reflexo inclusive da confusão posta nos PCN publicados à época,

quando o trabalho com o gênero, com a formação cidadã, com a educação linguística que

parecia ainda turvos em dados momentos. Ainda assim, sinalizamos que o convite exposto

nesses documentos evidencia uma construção identitária próxima das definições propostas pelo

Círculo de Bakhtin, pois a identidade sob o viés da alteridade é construída a partir do outro e

da relação estabelecida com este outro, em adição ao mundo que o cerca.

Lembramos que, nesta percepção de construção identitária, o discurso é parte

constituinte, pois “[...] as pessoas precisam assumir, acionar, ou até mesmo aprender, para

interagir nas instituições, comunidades discursivas ou grupos sociais dos quais fazem ou

pretendem fazer parte [...] (OLIVEIRA, 2020, p. 166) interagindo por meio da linguagem. Tais

relações mediadas ainda pelas práticas de letramentos se entrelaçam o campo valorativo, o

posicionamento axiológico e as ideologias frente e para o outro, revelando assim a própria

identidade do sujeito.

Desta forma, encontramos no ambiente educacional os termos estabelecidos para os

indivíduos que o integram (estabelecendo as formas de engajamento sobretudo pelo viés

avaliativo para os discentes, por exemplo), para a própria comunidade que a engloba (definindo

as formas de aprendizagem ao reaplicar tais práticas a um dado grupo e garantindo a inserção

de novos membros que se adequem a essas formas de aprendizagem), e, para a organização,

visto que a aprendizagem vivenciada nesse espaço ampara e interconecta este grupo no âmbito

da mesma instituição (WENGER, 1998).

Neste sentido, outro ponto de destaque é a própria configuração da grade curricular

articulada com suas respectivas ementas, uma vez que ao serem impulsionados sobre o que

estudar e quais conteúdos vislumbrarem, os estudantes vivenciam no seu ambiente de

capacitação a construção de sentidos relacionados às suas respectivas práticas de letramentos,

Page 205: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

204

reforçando ainda mais a noção das CP. A seguir, o Quadro 13 expõe os eixos destinados ao

núcleo comum e a diversidade: conforme observamos, estes aspectos são similares para ambos

os cursos de EMI (mesmas disciplinas e de igual carga horária), direcionando somente ao eixo

profissional as particularidades dos respectivos cursos (disciplinas distintas).

Quadro 13 – Matriz curricular dos cursos EMI de Agropecuária e de Edificações.

MATRIZ

CURRICULAR

AGROPECUÁRIA

CARGA

HORÁRIA

EDIFICAÇÕES

CARGA

HORÁRIA

NÚCLEO

COMUM

Língua Portuguesa 330 Língua Portuguesa 330

Matemática 330 Matemática 330

Língua Inglesa 180 Língua Inglesa 180

Educação Física 180 Educação Física 180

Física 270 Física 270

Química 240 Química 240

Biologia 180 Biologia 180

Geografia 180 Geografia 180

História 180 História 180

Artes 60 Artes 60

Sociologia 120 Sociologia 120

Filosofia 120 Filosofia 120

DIVERSIDADE

Informática 60 Informática 60

Língua Espanhola 120 Língua Espanhola 120

Segurança do Trabalho 30 Segurança do Trabalho 30

FORMAÇÃO

PROFISSIONAL

Introdução à Agricultura 30 Desenho Técnico e de

Arquitetura

120

Introdução à Zootecnia 30 Desenho Urbanístico 60

Gestão Ambiental 30 Materiais de Construção 90

Produção de Não Ruminantes 120 Mecânica dos Solos 90

Apicultura 30 Tecnologia da Construção 120

Higiene e Sanidade Animal 30 Topografia 120

Desenho e Topografia 60 Instalações Hidrossanitárias 60

Solos e Fertilidade 60 Instalações Elétricas 60

Conservação do Solo 30 Organização, Normas e

Legislação

30

Administração de Negócios

Agropecuários I

30 Sociedade, Meio Ambiente e

Desenvolvimento

60

Administração de Negócios

Agropecuários II

30 Planejamento e Controle de

Obras

90

Alimentos e Alimentação 60 Computação Gráfica 90

Forragicultura 30 Desenho de Estrutura 60

Mecanização Agrícola 60 Orientação para Estágio 30

Construções e Instalações

Rurais

60 Resistência dos Materiais 120

Grandes Culturas 60

Horticultura I e II 90

Desenvolvimento Vegetal 30

Produção de Ruminantes 90

Associação e Cooperativismo 30

Tecnologia de Produtos de

Origem Agropecuário

90

Irrigação e Drenagem 60

Fitossanidade 60

Page 206: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

205

TOTAL 3.780 hs 3.780 hs

Fonte: Brasil (2010b, 2011).

Diante deste levantamento, ressaltamos que as disciplinas do entorno propedêutico nas

ementas quando não são iguais em sua totalidade, possuem similaridades entre os conteúdos,

revelando-nos que, mesmo sendo cursos de áreas de saberes diferentes, o tratamento formativo

da educação deveria ser priorizado, tal como a proposta para o ensino médio regular112. Muito

embora, destacamos que nestes mesmos PPC há a defesa em desenvolver um projeto de curso

“[...] integrado, articulado, interativo, contextualizado e interdisciplinar.” (PPC de

Agropecuária, BRASIL, 2010b, p. 14), ou seja, caracterizando a estrutura curricular segundo a

“[...] Educação Profissional Técnica de Nível Médio elaborada de modo a integrar a formação

profissional ao ensino médio.” (PPC de Edificações, BRASIL, 2011, p. 13).

Esta integração em se pensar as particularidades formativas dos cursos, na realidade é

expressa especialmente quando da caracterização do eixo de formação profissional. Porém,

encontramos somente na ementa direcionada à disciplina de língua portuguesa um cuidado

guiado à escrita profissional ou à articulação com a proposta do curso ao sistematizar gêneros

que os discentes teriam contato no estágio ou no ambiente profissional.

De fato, no PPC de Agropecuária na base tecnológica do 3º ano há a menção do

trabalho com “Normas de Elaboração do Relatório Técnico em Agropecuária” (BRASIL,

2010b, p. 81), e, no PPC de Edificações, há na base tecnológica do 4º ano uma sinalização sobre

a produção textual segundo: “Descrição técnica; relatório técnico; currículo; ofício [...]”

(BRASIL, 2011, p. 24), por exemplo.

Como nosso foco recai sobre o estágio, sinalizamos que, da forma como são

apresentadas as grades curriculares dos dois cursos não há a informação destinada ao estágio.

Inclusive, a carga horária total exposta nas respectivas grades contempla somente as 3.780hs

de cada curso, quando deveria ser somado ainda as 400hs relativas ao estágio. Reforçamos que

somente a grade do curso de EMI de Edificações apresenta uma disciplina direcionada para

112 Não temos como objetivo analisar as ementas de cada disciplina, mas alguns pontos devem ser destacados, pois

encontramos em ambos os PPC: ementas sem a descrição das competências e habilidades exigidas, apenas as bases

tecnológicas (o mesmo que conteúdo programático); ementas com a mesma caracterização para as seções de

competências e habilidades; ementas com a descrição das competências e características trabalhadas de igual modo

em séries distintas, quando deveria haver uma espécie de progressão da aprendizagem e suas respectivas

competências e habilidades; ênfase em conteúdos gramaticais especialmente nas disciplinas de línguas

estrangeiras; por exemplo. Além de ementas de disciplinas que não constam na grade (PPC de Edificações com

Materiais de construção II e Tecnologia da Construção II); e, nomes das disciplinas nas ementas distintas ao que

é exposto na grade curricular (PPC de Edificações com Organização e Normas e Informática Aplicada). Como

documento norteador das práticas formativas institucionalizadas o cuidado e atenção deveriam ser maiores com

relação à escrita. Lembramos que os documentos analisados perduraram à frente desses cursos por quase dez anos

e com certeza tiveram efeitos didáticos distintos diante dessas incompletudes.

Page 207: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

206

essa etapa formativa como um momento prévio do estágio através da matéria: “Orientação para

estágio”. Contudo, não há no PPC a descrição da ementa desse curso. Essas incompletudes na

condução das ementas, da exposição da grade curricular ou até mesmo no processo

argumentativo e de apresentação dos PPC como um todo, revela-nos uma condução sobre a

cultura do escrito pautada em dados momentos por um modelo de habilidades de estudo e por

outros de acordo com o modelo de socialização acadêmica.

Chegamos a esta conclusão, pois ao trazerem disciplinas que compõem o eixo formativo

dos discentes, estes documentos não explicitam qual seria o seu conteúdo, como seria a

abordagem metodológica e os critérios avaliativos daquela matéria. Assim, estamos nivelando

ou informando ao nosso interlocutor que os processos seriam similares entre todas as disciplinas

(seções sobre metodologia e avaliação dos PPC). Associando, então, a um modelo de habilidade

de estudo que enaltece a inexistência de particularidades que permeiam a vivência da cultura

do escrito, no qual a formação dos discentes para qualquer disciplina teriam um mesmo norte e

padrão.

Em outros excertos dos dois PPC, há o reforço de um modelo de socialização acadêmica,

visto que encontramos a ênfase posta sobre o perfil conjecturado do discente como membro de

uma dada cultura disciplinar. Logo, “[...] Assume-se, de certa forma, que a academia é uma

cultura homogênea na qual as normas e práticas devem ser aprendidas, possibilitando o acesso

aos setores da instituição.” (FUZA, 2016, p. 76). Em nosso caso, refletimos que esta cultura

não se limita somente ao universo da instituição, mas visa ensinar aos discentes certos padrões

que são socialmente aceitáveis inclusive em outros espaços institucionalizados como o próprio

trabalho.

Por isso, o estágio, como uma atividade escolar supervisionada a se desenvolver em

ambientes laborais (BRASIL, 2008b), possui como escopo preparar e capacitar os discentes do

ensino regular para o trabalho produtivo. Tal atividade, de igual modo, recupera toda a

formação construída ao longo do processo de capacitação e como componente curricular

integrado ao projeto pedagógico do curso (PPC), incorpora o seu próprio “[...] itinerário

formativo” (BRASIL, 2008b).

Assim, defendemos que este espaço de vivência (e posterior narrativa por intermédio do

relatório de estágio) incrementa movimento das forças centrípetas, bem como contraria esses

movimentos impositivos cujos interlocutores mediadores dos letramentos tentam imprimir no

discurso dos sujeitos estudantes-estagiários. Ratificamos que esta etapa de capacitação é

direcionada sobretudo aos discentes de EMI do IF Sertão/PE que estão na finalização do curso,

Page 208: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

207

conforme observamos em ambos os PPC: “[...] Será realizado após conclusão do 3º. ano113 com

carga horária de 400 horas.” (BRASIL, 2010b, p. 101; BRASIL, 2011, p. 53).

Isto posto, ressaltamos que, em relação ao endereçamento e às relações de forças para

com os discentes, em ambos os PPC, o estágio possui uma seção em particular a fim de explorar

suas características. No caso do curso de Agropecuária, temos informações pautadas na Lei do

estágio, tais como: a definição do estágio, a classificação do estágio em obrigatório e não

obrigatório, a caracterização das concedentes do estágio, a informação da necessidade de

orientadores, por exemplo.

Diferentemente da seção apresentada no PPC de Agropecuária que contempla em cinco

parágrafos essas informações sobre o estágio, no PPC de Edificações, além do conteúdo exposto

como em Agropecuária, encontramos um maior aprofundamento sobre o tema ao enfatizar que

o estágio “deverá ter” o acompanhamento de professor orientador somado a um supervisor da

instituição concedente. Neste sentido, há também a indicação de, por se tratar de um

componente curricular, este deve ser igualmente “orientado e supervisionado por um professor

especialmente designado pela instituição” (BRASIL, 2011, p. 53).

Este documento visa a contribuir com a experiência e formação profissional do aluno

ao especificar os objetivos e informar sobre a escolha do local do estágio, ao direcionar os

deveres do estagiário e inteirá-lo sobre como será o processo avaliativo sobre seu desempenho

(fichas de acompanhamento, participação em reuniões mensais com o supervisor, relatórios);

ao instruir que há a possibilidade de cursar estágios em outras modalidades além do estágio

profissional obrigatório. Nesta categoria, podem ser classificados: estágio profissional não

obrigatório, estágio sociocultural ou de iniciação científica, estágio profissional, sociocultural

ou de iniciação científica, estágio civil. Inclui-se neste rol a participação do estudante em

empreendimentos ou projetos de interesse social ou cultural da comunidade, projetos de

prestação de serviço civil, em sistemas estaduais ou municipais de defesa civil, prestação de

serviços voluntários de relevante caráter social etc. (BRASIL 2011, p. 54).

Neste sentido, as descrições dos papéis em ambos os PPC são sempre permeadas por

expressões como “poderá ser”, “poderão conceder”, “poderão ter”, “deverá ter”, “deverá

elaborar”, “será orientado”, “O IF Sertão-PE cuidará.” Termos como estes correlacionam as

responsabilidades dos sujeitos (IF Sertão/PE, instituição concedente e estagiário) a um objetivo

final: a obtenção do diploma por parte dos alunos.

113 O Ensino Médio Integrado no Campus Salgueiro até o ano de 2019 era dividido em quatro anos e em um

único turno (manhã ou tarde), somente após a atualização dos PPC que houve a alteração para três anos,

destinando alguns dias da semana para o formato de ensino integral (manhã e tarde).

Page 209: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

208

Assim, encontramos nesta seção dos dois PPC uma atenuação do dizer frente a valores

impositivos direcionados, especialmente, aos discentes. Porém, visualizamos no Quadro 14

sobre a exigência do perfil do egresso, um tom mais forte sobre as características que devem

ser minimamente próprias a este sujeito, pois há a indicação que esse seja “capaz de” executar

algumas tarefas, ações inerentes ao perfil profissional almejado pela instituição educacional.

Quadro 14 – Perfil profissional esperado dos cursos de Agropecuária e de Edificações.

INTERLOCUTOR

MEDIADOR DO

LETRAMENTO

TRECHO

PPC DE

AGROPECUÁRIA

• Analisar as características econômicas, sociais e ambientais, identificando as

atividades peculiares das áreas a serem implementadas.

• Planejar, organizar e monitorar: (a) a exploração e manejo do solo de acordo com

suas características; (b) as alternativas de otimização dos fatores climáticos e seus

efeitos no crescimento e desenvolvimento das plantas e dos animais; (c) a propagação

em cultivos abertos ou protegidos, em viveiros e em casas de vegetação; (d) a obtenção

e o preparo da produção animal; (e) o processo de aquisição, preparo, conservação e

armazenamento da matéria prima e dos produtos agroindustriais; (f) os programas de

nutrição e manejo alimentar em projetos zootécnicos; e (g) a produção de mudas

(viveiros) e sementes.

• Identificar os processos simbióticos, de absorção, de translocação e os efeitos

alelopáticos entre solo e planta, planejando ações referentes aos tratos das culturas.

• Selecionar e aplicar métodos de erradicação e controle de pragas, doenças e plantas

daninhas, responsabilizando-se pela emissão de receitas de produtos agrotóxicos.

• Planejar e acompanhar a colheita e a pós-colheita.

• Identificar famílias de organismos e microorganismos, diferenciando os benéficos ou

maléficos.

• Aplicar métodos e programas de reprodução animal e de melhoramento genético.

• Elaborar, aplicar e monitorar programas profiláticos, higiênicos e sanitários na

produção animal e agroindustrial.

• Implantar e gerenciar sistemas de controle de qualidade na produção agropecuária.

• Identificar e aplicar técnicas mercadológicas para distribuição e comercialização de

produtos.

• Projetar e aplicar inovações nos processos de montagem, monitoramento e gestão de

empreendimentos.

• Elaborar relatórios e projetos topográficos e de impacto ambiental.

• Elaborar laudos, perícias, pareceres, relatórios e projetos, inclusive de incorporação

de novas tecnologias. (BRASIL, 2010b, p. 13 – 14 – grifos nossos).

PPC DE

EDIFICAÇÕES114

• Aplicar normas, métodos, técnicas e procedimentos estabelecidos visando à qualidade

e produtividade dos processos construtivos e de segurança dos trabalhadores;

• Analisar interfaces das plantas e especificações de um projeto, integrando-as de forma

sistêmica, detectando inconsistências, superposições e incompatibilidades de execução;

• Propor alternativas de uso de materiais, de técnicas e de fluxos de circulação de

materiais, pessoas e equipamentos, tanto em escritórios quanto em canteiros de obras,

visando à melhoria contínua dos processos de construção;

• Elaborar projetos arquitetônicos, estruturais e de instalações hidráulicas e elétricas,

com respectivos detalhamentos, cálculos e desenho para edificações, nos termos e

limites regulamentares;

• Supervisionar a execução de projetos, coordenando equipes de trabalho;

114 Avultamos que somente o PPC de Edificações amplia a descrição desse perfil profissional de conclusão,

acrescentando o que se espera do aprendiz também em relação a áreas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;

Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e, Ciências Humanas e Tecnologias. Porém, os

direcionamentos são similares ao que era proposto para cada área segundo a matriz de referência do ENEM.

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209

• Elaborar cronogramas e orçamentos, orientando, acompanhando e controlando as

etapas da Construção;

• Controlar a qualidade dos materiais, de acordo com as normas técnicas;

• Coordenar o manuseio, o preparo e o armazenamento dos materiais e equipamentos;

• Preparar processos para aprovação de projetos de edificações em órgãos públicos;

• Executar e auxiliar trabalhos de levantamentos topográficos, locações e demarcações

de terrenos;

• Acompanhar a execução de sondagens e realizar suas medições;

• Realizar ensaios tecnológicos de laboratório e de campo;

• Elaborar representação gráfica de projetos (BRASIL, 2011, p. 12 – 13 – grifos

nossos).

Fonte: Brasil (2010b, 2011).

Além disso, destacamos que em ambos os PPC encontramos o direcionamento da

cultura do escrito em associação à vivência do estágio, pois essa “[...] deverá ter

acompanhamento efetivo pelo professor orientador e por supervisor da parte concedente,

comprovado por vistos nos relatórios das atividades desenvolvidas, com apresentação

periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses” (BRASIL, 2010b, p. 102; BRASIL, 2011, p.

53 – grifos nossos). Além de, como se expõe no PPC de Edificações: “O estagiário deverá

elaborar relatório das atividades realizadas, obedecendo às normas estabelecidas para a

produção desse tipo de texto, sendo acompanhado, nessa tarefa, pelo professor supervisor”

(BRASIL, 2011, p. 53 – 54 – grifos nossos).

Logo, o relatório será o instrumento, este gênero que transparece a “prestação de

contas”, a narrativa das atividades desenvolvidas, a comprovação do ser “capaz de” formalizado

por outra forma de linguagem. Este também marca a conclusão do aprendizado vivenciado pelas

primeiras experiências de trabalho, perpassado, sobretudo, pela constante pressão em

demonstrar algo objetivo, coeso e coerente segundo a etapa avaliativa que determina a

conclusão e a diplomação desse nível educacional desses discentes.

Observamos, no Quadro 14, o direcionamento proposto por um dos interlocutores

mediadores dos letramentos, por intermédio do PPC, ao remontar as características nos quais o

discente, futuro profissional, deve “ser capaz de ...” para finalizar o seu referido curso. Diante

desta imposição, destacamos a sequência das ações esperadas, em especial, as que, de certo

modo, definem o repertório partilhado dentro de uma dada CP e que singularizam os discentes

do EMI segundo a configuração do perfil profissional. Por isso, este perfil almejado nos indicia

por um lado os eventos e as práticas de letramentos cujos estudantes-estagiários tiveram ou

terão contato em sua etapa formativa e na experiência vivida que é o estágio; e, por outro, define

as relações verboideológicas daquele campo de atuação de grupos sociais.

Na sequência, verbos que solicitam planejamento, levantamento e criação são evocados

por meio dos seguintes termos no PPC de Agropecuária: “planejar”, “selecionar”, “elaborar”,

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210

“projetar”; e em Edificações temos: “propor”, “elaborar”, “preparar”. Outros termos que

devem ser característicos aos egressos dos cursos e que indicam análise, monitoramento, teor

de observação ou até mesmo investigação, respectivamente nos PPC de Agropecuária e de

Edificações, são manifestados em: “analisar”, “monitorar”, “acompanhar”, “gerenciar”;

“analisar”, “supervisionar”, “auxiliar”, “acompanhar”. Por sua vez, em relação à ideia de

protagonismo, de gestão das ações, de orientação das atividades, temos no PPC de

Agropecuária, verbos como: “organizar”, “identificar”, “aplicar”, “implantar”; no PPC de

Edificações: “aplicar”, “supervisionar”, “controlar”, “coordenar”, “executar” e “realizar”.

Portanto, encontramos nesses verbos, nessas palavras, nesses signos, os vestígios sobre

o teor normativo e centralizador presente inclusive na confecção da matriz curricular, nas

atividades a serem executadas no ambiente formativo e quiçá nas linhas dos campos de atuação

do estágio dos discentes, formalizado, em especial, pela força do “deverá ser capaz de”

apresentado ao aluno e aos sujeitos que integram o processo educacional dos discentes

(professores, técnicos educacionais, orientadores, coordenadores, família, entre outros). Assim,

os direcionamentos propostos à seção dedicada ao “perfil profissional de conclusão” em ambos

os PPC nos revelam ainda o repertório a ser partilhado entre os grupos sociais de cada curso, a

saber:

Figura 14 – Indício do repertório partilhado – gêneros de cada campo de atuação: PPC de Agropecuária e de

Edificações.

Fonte: Brasil (2010b, 2011).

PPC de Agropecuária

•Receitas

•Métodos

•Programas (profiláticos, higiênicos e sanitários)

•Sistemas de controle

•Relatórios

•Projetos topográficos

•Laudos

•Perícias

PPC de Edificações

•Plantas

•Projeto (arquitetônicos, estruturais, instalações

hidráulicas e elétricas)

•Cronogramas

•Orçamentos

•Normas Técnicas

•Levantamentos topográficos

•Ensaios tecnológicos (laboratório e de campo)

•Representação gráfica de projetos

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211

Como a seção destinada ao perfil dos futuros profissionais é apresentada antes mesmo

da estrutura curricular com suas respectivas ementas (ver o sumário dos PPC na Figura 11),

esta acaba por sinalizar pistas ao interlocutor, ao leitor do PPC, sobre o universo dos gêneros

discursivos com os quais terão contato no itinerário formativo e até mesmo quais serão

priorizados quando do estágio. Isto ocorre porque se espera que os discentes “sejam capazes

de” propor, confeccionar, manejar e executar estes gêneros, (re)afirmando o repertório a ser

partilhado dentro de cada referida CP.

Desta forma, enfatizamos que, mesmo que alguns gêneros se aproximem, seja por sua

nomenclatura, seja por sua estrutura composicional, como estamos diante de contextos

distintos, tal como sinalizamos ao longo dessa seção (proximidades e distanciamentos nos PPC

de Agropecuária e de Edificações), devemos primar sempre pelas finalidades e a situação para

o uso de um dado gênero. Segundo Bakhtin (2018, p. 121): “O gênero vive do presente” e para

Medviédev (2016, p. 197), o gênero materializa a realidade efetiva da palavra e seu sentido. Ou

seja, é por meio do sentido, do traço semântico em um dado contexto social que a palavra se

transforma em enunciado, em discurso, e ganha outras conotações pelos grupos sociais que as

utilizam. Por este motivo, não podemos pensar que o gênero projeto, por meio de sua criação

e/ou execução, possa ser tomado como igual para os dois cursos, visto que o mesmo responde

a contextos específicos de interação do agir comunicativo, com propósitos, de igual modo,

particulares.

Ainda neste sentido, a confecção de projetos topográficos, a título de exemplificação,

também não pode ser tomado como igual para os dois cursos, pois as finalidades nos cursos

direcionam a caminhos um pouco distintas: em Agropecuária, o escopo recai sobre o estudo

dos impactos ambientais do solo para plantação ou pastagem; em Edificações, o objetivo é

analisar o solo e seus impactos ambientais, mas com o intuito da construção, verificando como

o aspecto dessa análise impacta nos procedimentos de obras de engenharia (BRASIL, 2011, p.

43).

Em síntese, os PPC como um dos interlocutores mediadores dos letramentos de

estudantes-estagiários sinalizam para um eco das vozes presentes no relatório de estágio,

sobretudo por seu endereçamento a esse mesmo público, sobre as forças que integram sobre a

capacitação da aprendizagem desses discentes, bem como sobre o alicerce dos modelos de

letramentos nos quais a instituição acredita ser viável nessa etapa formativa. Diante disto, o

discurso de discentes dos dois cursos investigados nos possibilita encontrar por meio do

emaranhado do fio discursivo as pistas que incidem sobre os embates, as vivências dos sujeitos,

as práticas letradas existentes em sua formação.

Page 213: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

212

Neste sentido, “[...] o processo vivido por aquele que escreve a respeito de sua própria

experiência, que neste caso se refere à reflexão dos estudantes sobre o estágio, inscreve-se e

deixa marcas nessa produção escrita.” (GUEDES-PINTO, 2016, p. 353). Por este motivo, em

nossa busca da história do texto, de nosso cotejamento, adentramos na análise de mais um

interlocutor mediador dos letramentos no próximo subtópico.

5.1.1.3 Regulamento de estágio (RE)

Rufo e Siani (2017, p. 89) afirmam que “[...] a compreensão profunda de um dado texto

se dá no seu contato com outros textos, sendo o cotejamento um encontro dialógico do

enunciado primeiro com outros enunciados, buscando a reconstituição da cadeia discursiva.”.

Em nosso percurso, apresentamos mais um interlocutor mediador dos letramentos que integra

os ecos dialógicos nos relatórios de estágios de discentes do EMI dos cursos de Agropecuária

e de Edificações, a saber: o Regulamento de estágio do IF Sertão/PE.

Inicialmente, destacamos que o significado do termo “Regulamento” conforme se

expressa em dicionários, já nos revela caminhos sobre as forças centrípetas diante dos projetos

discursivos e consequentemente as ações de grupos sociais nos quais são direcionados essa

palavra. Assim, a título de exemplificação, o dicionário Michaelis on-line informa que podemos

compreendê-la como:

1 Ato ou efeito de estabelecer regras; 2 Estatuto ou instrução que estabelece o que

deve ser feito ou cumprido; 3 Conjunto de normas que regem o procedimento de

militares; 4 Regimento que determina o que deve ser executado; 5 JUR Disposição

governamental que apresenta normas para pôr em execução uma lei ou decreto.

(MICHAELIS, 2021, s/p)115.

Em todos estes processos de sinonímia, encontramos a posição impositiva de norma,

de regra, de rigor no ato de cumprir algo, de agir de tal forma segundo um aparato legal, tal

qual uma Lei, um decreto, um regimento, um regulamento. Deste modo, o RE do IFSertão/PE,

um documento cuja publicação data do ano de 2015, visa estabelecer as finalidades; as regras

básicas desse componente curricular; os papéis dos sujeitos que o integram (estagiário,

instituição de ensino, a concedente de estágio); a formalização institucionalizada por meio do

Termo de Compromisso; as formas de acompanhamento dessa etapa formativa (o IF, o

orientador e o supervisor); as orientações sobre a confecção de relatórios e sobre o processo

115 Fonte: https://michaelis.uol.com.br/ Acesso em: 09 mar. 21.

Page 214: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

213

avaliativo; além de guiar sobre possíveis irregularidades e punições quando da realização do

estágio.

Neste ínterim, nossa reflexão sobre este documento assume duas vertentes, pois por

um lado o RE se ancora por intermédio do respaldo legal para justificar a forma de administrar

o próprio estágio e assim se resguardar diante das ações envolvidas nesse processo. Por outro

lado, o RE detém o “poder” para referendar certas particularidades que são direcionadas

somente aos cursos do IFSertão/PE, tal como visualizamos por intermédio do Art. 52 do RE:

“Este Regulamento passa a ser utilizado pelo IF SERTÃO-PE, enquanto Instituição de Ensino,

como instrumento legal que estabelece regras para a efetivação do estágio de seus estudantes.”

(BRASIL, 2015b, p. 23). Diante desta realidade, selecionamos outros trechos que esboçam essa

voz da legalidade institucional e/ou governamental.

Quadro 15 – Exemplos de respaldos jurídicos no RE.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

RE

“Art. 1º Este documento regulamenta, em todos os níveis e modalidades de ensino, o estágio no IF SERTÃO-

PE, enquanto Instituição de Ensino, com base na Lei Nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, e suas alterações,

na Resolução CNE/CEB Nº 1, de 21 de janeiro de 2004, na Resolução CNE/CNE Nº 2, de 04 abril de 2005, e

suas alterações, e na Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002.” (BRASIL, 2015b, p. 01 – grifos nossos).

“Art. 4º O estágio poderá ser obrigatório ou não obrigatório, conforme fique estabelecido no Projeto de cada

curso, desde que seja respeitada a legislação vigente, inclusive a Resolução Nº 26/2013, do Conselho Superior

do IF SERTÃO-PE.” (BRASIL, 2015b, p. 02 – grifos nossos).

“Art. 21 Estudantes amparados pela Lei 6202/75 e pelo Decreto 1044/69 deverão, após ter auferido seus direitos,

cumprir a carga horária obrigatória do estágio, submetendo-se às respectivas avaliações, em período letivo

normal.” (BRASIL, 2015b, p. 08 – grifos nossos)116.

“Art. 29 O IF SERTÃO-PE poderá ser considerado concedente de estágio quando tiver condições de

proporcionar ao educando atividades que possibilitem aprendizagens social, profissional, científica e cultural,

considerando o que dispõem a Lei 11.788/2008, este Regulamento e a Orientação Normativa Nº 4/2014, da

Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.” (BRASIL, 2015b, p. 13 –

grifos nossos).

“Art. 37 O acompanhamento do estágio se dará através da Instituição de Ensino e da concedente, nos termos do

Art. 3º da Lei 11.788/2008 e do Art. 11 deste Regulamento.” (BRASIL, 2015b, p. 17 – grifos nossos).

“Art. 51 A manutenção de estagiários em desconformidade com a Lei 11.788/2008 caracteriza vínculo

empregatício do educando com a parte concedente do estágio, para todos os fins da legislação trabalhista e

previdenciária.” (BRASIL, 2015b, p. 22 – grifos nossos).

Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).

116 A referência à Lei trata sobre o direito de mulheres grávidas da licença maternidade correlacionada aos estudos,

e, ao decreto é correlacionado à questão de direitos quando de possíveis enfermidades por parte dos sujeitos

estagiários. Cumpre-nos destacar que há no regulamento a sensibilidade para práticas inclusivas, como podemos

exemplificar por intermédio do Art.12 que direciona aos alunos com necessidades específicas: “[...] terão direito,

conforme legislação vigente, a serviços de apoio de profissionais da educação inclusiva, como também de

profissionais da área objeto do estágio.[...] Parágrafo Único – O IF SERTÃO-PE deverá ofertar, considerando a

necessidade de cada estudante, serviços de profissionais da educação inclusiva, tais como, tradutor-intérprete da

Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de leitura labial, ledor, transcritor e/ou guia-intérprete, para o

acompanhamento do estagiário, inclusive quando da realização de atividades na concedente, caso seja necessário.”

(BRASIL, 2015b, p. 05).

Page 215: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

214

Portanto, a égide da voz da autoridade (respaldo jurídico) se faz presente quando temos

trechos como os que abrem o RE: “Este documento regulamenta, em todos os níveis e

modalidades de ensino, o estágio no IF SERTÃO-PE”; uma vez que essa voz direciona e

formaliza implicações sobre a agência vivenciada pelos sujeitos (interlocutores desse discurso

– endereçamento) que formam parte do estágio.

Somados a isto, expressões como: “fique estabelecido”, “respeitada a legislação

vigente”, “considerando o que dispõem”, “nos termos” e “em desconformidade” indicam a

relação clara do poder dado de um lado ao chefe do executivo, o Presidente da República, e de

outro lado, não somente a figura do Reitor, mas do grupo que formaliza e institucionaliza a voz

do IFSertão/PE, a saber: o Conselho Superior.

Logo, esta “voz de autoridade” se ancora ainda por meio de outros documentos legais,

tais como: Leis, resoluções, decretos, PPC, orientações normativas, segundo destacamos no

Quadro 15, por exemplo. Em outras palavras, o teor normativo centralizador, tal qual expressa

Bakhtin por meio das forças verboideológicas, presente no RE é concretizado ainda pela própria

característica desse gênero, por meio de seu estilo, conteúdo temático e forma composicional.

Deste modo, as divisões de assuntos por capítulos, subdivididos em artigos, parágrafos e incisos

designando o que compete como dever de cada uma das partes, de seus interlocutores reais,

sujeitos que integram o estágio, é algo característico desse gênero discursivo. Por isso,

recuperamos trechos sobre como são direcionadas as ações, as definições dos deveres e dos

direitos desses sujeitos, visando a prescrever e a normatizar as atividades inerentes ao estágio.

Reforçamos que, assim como encontramos na NCELE e nos PPC, os trechos, ora

demarcam as implicações sobre um viés educacional, ora sobre um viés profissional, mas em

ambos está permeado “cumpra-se” segundo o aparato legal. Neste sentido, recuperamos no

Quadro 16, especialmente, trechos que são ampliados se comparados àqueles documentos, pois

há o desenvolvimento de particularidades e singularidades aos desdobramentos para com o

público do IF Sertão/PE; muito embora, por muitas vezes, haja a reprodução ou a recuperação

literal ou parcial da Lei 11.788/08 (Lei do estágio)117.

Quadro 16 – RE: destaque para o caráter normativo-prescritivo do documento.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

RE

117 Como parece ser uma prática recorrente da incorporação do dizer do outro, no caso, do teor proposto em uma

Lei e replicado ou desdobrado em outros documentos, optamos a partir dessa subseção por apenas indicar por meio

de nota de rodapé a que texto/trecho o discurso presente faz menção ou se correlaciona. Sendo, quiçá, objeto de

futuras análises essa “reprodução do dizer” incorporado como voz própria por parte dos detentores de uma voz da

autoridade.

Page 216: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

215

“Art. 5º O estágio obrigatório e/ou não obrigatório deverá constar no Projeto de cada Curso para o qual ele

seja elencado como atividade escolar a ser desenvolvida pelo estudante.

§ 1º Cada Projeto de Curso estabelecerá, respeitada a legislação vigente, as regras para realização de estágio

de seus estudantes.

§ 2º Deverão constar no Projeto de Curso, no mínimo, as seguintes informações:

I – finalidades e objetivos do estágio para o curso em questão;

II – carga horária mínima do estágio, atentando, inclusive, para a Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de

2002, que trata dos cursos de Licenciatura;

III – espaço curricular em que o estudante poderá iniciar o estágio obrigatório e/ou o estágio não obrigatório;

IV – atividades que poderão ser executadas pelo estudante durante o estágio;

V – casos em que pode ocorrer aproveitamento de horas como estágio;

VI – carga horária de aproveitamento de horas como estágio, por cada caso em que houver essa possibilidade,

conforme Art. 40 deste Regulamento;

VII – regras para aproveitamento total ou parcial de atividades como estágio, conforme disposto no Art. 40

deste Regulamento;

VIII – espaço de tempo em que foram realizadas atividades passíveis de aproveitamento como estágio, se for o

caso;

IX – sistemática de orientação e de avaliação do estágio;

IX – nota mínima para aprovação no estágio;

X – valor de nota atribuído para cada instrumento de avaliação;

XI – procedimentos para recuperação de nota de estágio;

XII – prazo máximo para conclusão do estágio;

XIII – sanções ao aluno que não cumprir o prazo máximo para conclusão de estágio.

§ 3º Recomenda-se que os cursos de uma mesma modalidade adotem, em seus Projetos, procedimentos

uniformes no que se refere a estágio.” (BRASIL, 2015b, p. 02 – 03 – grifos e destaques nossos).

“Art. 7º O aluno só poderá iniciar estágio após atender aos requisitos mínimos estabelecidos no Projeto do

Curso ao qual está vinculado.” (BRASIL, 2015b, p. 03 – grifos nossos).

“Art. 9º Todos os estágios devem ser obrigatoriamente protocolizados e documentados na Coordenação de

Estágios e Egressos de cada Campus do IF SERTÃO-PE, ou setor equivalente, em conformidade com o que

estabelece a legislação vigente e cada Projeto de Curso.” (BRASIL, 2015b, p. 03 – grifos nossos).

“Art. 25 Caberá ao IF SERTÃO-PE, através de cada Campus:

I – manter à disposição dos estudantes setor responsável pela execução dos trâmites formais inerentes ao

estágio;

II – contratar, em favor do estagiário, seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com

valores de mercado, nos casos de estágio obrigatório em que a concedente não arcar com essa responsabilidade;

III – celebrar Termo de Compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando

ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do

estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e à modalidade da formação escolar do estudante, ao horário

e ao calendário escolar118;

IV – zelar pelo cumprimento do Termo de Compromisso;

V – assegurar a legalidade do processo de estágio;

VI – assegurar a estudantes com necessidades educacionais específicas condições para realização de estágio.”

(BRASIL, 2015b, p. 09 – grifos e destaques nossos).

“Art. 26 Caberá à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, de cada Campus:

I – prospectar vagas de estágio para os estudantes do IF SERTÃO-PE;

II – cadastrar oportunidades de estágio e alunos aptos à realização dessa atividade escolar;

III – obter, das entidades concedentes, informações acerca do perfil do estagiário pretendido e das atividades

que serão a ele atribuídas;

IV – divulgar oportunidades de estágio;

V – colaborar com o processo de seleção de estagiários;

VI – averiguar, antes do início do estágio, se o estudante está assegurado contra acidentes pessoais e registrar

o número da apólice e o nome da seguradora no Termo de Compromisso;

VII – redigir e preencher documentos relativos a estágio que sejam de sua competência;

VIII – ajustar as condições do estágio às necessidades educacionais do estudante;

IX – informar ao estagiário e à concedente que só pode haver início de estágio quando todos os documentos

forem assinados pelas partes;

X – fornecer os seguintes documentos ao estagiário:

a) manual do estagiário;

118 Trecho similar ao Art.7º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio.

Page 217: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

216

b) documento de encaminhamento de estagiário;

c) Termo de Compromisso, assinado pelas partes;

d) Plano de Desenvolvimento de Estágio, assinado pelas partes;

e) ficha de frequência e de atividades executadas;

f) ficha de Autoavaliação do estagiário.

XI – entregar à entidade concedente, os documentos abaixo:

a) Termo de Compromisso, assinado pelas partes;

b) comprovante da regularidade da situação escolar do estagiário;

c) calendário escolar;

d) Plano de Desenvolvimento de Estágio, assinado pelas partes;

e) ficha de Avaliação do Estagiário, a ser preenchida pelo supervisor ao término do estágio.

XII – viabilizar o deslocamento dos professores orientadores à concedente para acompanhamento das atividades

desenvolvidas pelo estagiário;

XIII – encaminhar o estagiário para outra concedente, quando se fizer necessário;

XIV – exigir do estagiário a entrega de documentos;

XV – receber, protocolizar e repassar relatórios aos professores avaliadores;

XVI – informar aos professores que o prazo para devolução de relatório de estágio, devidamente corrigido, é

de 20 dias corridos, contados a partir da data de recebimento;

XVII – informar ao estagiário seu rendimento, ao término do estágio;

XVIII – encaminhar estudante para execução de novas atividades quando o mesmo não for aprovado no estágio,

em conformidade com o que estiver estabelecido no Projeto do Curso a que o estagiário é vinculado;

XIX – encaminhar Boletim de Estágio à Secretaria de Controle Acadêmico, quando o estagiário finalizar suas

atividades;

XX – manter atualizadas todas as informações e documentações referentes a estágio, enquanto Instituição de

Ensino. (BRASIL, 2015b, p. 10 – 11 – grifos nossos).

“I – celebrar Convênio de Estágio com a instituição de ensino119;

II – celebrar Termo de Compromisso com o educando, com interveniência do IF SERTÃO-PE;

III – zelar pelo cumprimento do Termo de Compromisso;

IV – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social,

profissional e cultural;

V – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área do curso

do estagiário, para acompanhar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente;

VI – contratar, em favor do estagiário, seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com

valores de mercado, conforme fique estabelecido no Termo de Compromisso;

VII – entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos

períodos e da avaliação de desempenho do estudante, por ocasião do término ou suspensão do estágio;

VIII – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio;

IX – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com

vistas obrigatória ao estagiário.” (BRASIL, 2015b, p. 12 – 13 – grifos nossos).

“Art. 35 O estudante só poderá iniciar estágio após a formalização do ato junto à Coordenação de Estágios e

Egressos de cada Campus, ou setor equivalente, em consonância com o que dispõe cada Projeto de Curso.

[...]

Art. 36 A formalização do estágio ocorre mediante assinatura do Termo de Compromisso pela parte concedente

e pelo estagiário, com interveniência obrigatória do IF SERTÃO- PE.

§1º O estagiário e a parte concedente deverão ser informados de que o estágio só poderá se iniciar quando os

documentos elaborados pela Coordenação de Estágios e Egressos de cada Campus, ou setor equivalente, forem

assinados por todas as partes envolvidas.

§2º A celebração do Termo de Compromisso depende, obrigatoriamente, da prévia existência de Convênio de

Estágio assinado pela entidade concedente e pelo IF SERTÃO-PE.” (BRASIL, 2015b, p. 15 – grifos nossos).

Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).

Assim sendo, destacamos o caráter normativo-prescritivo do RE como uma das forças

centrípetas e definidoras de papéis dentro de uma CP. Conforme visualizamos nos requisitos

“mínimos” para a execução dessa etapa formativa, é sinalizado ao discente e enfatizado em

119 Trechos similares e com ampliações se comparado ao Art.9º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio.

Page 218: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

217

mais de um artigo ou parágrafo que ele “só poderá iniciar” este componente curricular se

“obrigatoriamente” (força de execução de uma ação) atender a todas questões burocráticas,

diante do que é previsto tanto pela legislação vigente, quanto pelos PPC de cada curso.

Relativamente a esse último ponto, avultamos que o próprio RE insere maior quantidade de

conteúdo e definições sobre o que se espera dos sujeitos que integram o estágio frente aos PPC

(ver Art. 5 presente no Quadro 16).

Deste modo, uma de nossas reflexões é que as indicações presentes no RE só estarão de

forma mais clara nos PPC quando da reformulação desses documentos, pois esses datavam de

2010 (Agropecuária) e 2011 (Edificações), respectivamente, enquanto o RE é referente a 2015.

Logo, este é um documento mais atual e voltado para a progressão de avanço de bases legais

que regulamentam o sistema educacional, conforme observamos, inclusive, nas comparações

das Leis e resoluções evocadas nos Quadros 12 e 15, por exemplo.

Desta maneira, em todos os cenários vemos a forte presença da legislação, da força

impositiva de amparo sobre a cobrança das competências de cada sujeito. Por isso, a atribuição

de ações, tanto para com a instituição, como para a empresa concedente do estágio, é ampliada

segundo as singularidades vivenciadas no contexto do IF Sertão/PE, conforme vislumbramos

nos Artigos 25, 26 e 28 presentes no Quadro 16. Em tais pontos, há o direcionamento sobre as

responsabilidades, as atribuições do que “deve ser feito” ou “deve ser cumprido” por meio de

uma característica do estilo do próprio gênero: o teor normativo centralizador da linguagem.

Neste caso, este teor surge como uma constante: basta observarmos o uso de verbos no infinitivo

na busca de exprimir um tom de ordem ou de solicitação: “manter”, “contratar”, “celebrar”,

“zelar”, “assegurar”, “averiguar”, “prospectar”, “divulgar”, “informar”, “fornecer”,

“entregar”, “encaminhar” e “exigir”, entre outros.

E, assim, conforme exposto na NCELE, o uso do léxico referente aos papéis da

instituição (nível macro) ou de um setor específico, tal como o setor de estágio (nível micro),

definem o “poder” dado a estes outros interlocutores mediadores dos letramentos para a própria

execução e fiscalização do estágio. Ao passo que, para a concedente, termos como “celebrar”,

“zelar”, “ofertar”, “indicar”, “contratar”, “entregar”, “manter” e “enviar” seriam atividades

inerentes quando da iniciativa de ser uma empresa que acolhe o estudante estagiário para

“proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural”

(BRASIL, 2015b, p. 12).

Reforçamos que, nestes deveres mínimos sobre a empresa concedente, não recai o peso

da exigência legal, tal como na escolha discursiva ao direcionar as responsabilidades sobre a

instituição, cuja ancoragem se encontra no respaldo de estar em conformidade como

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218

“estabelecido no Projeto do Curso” ou “à proposta pedagógica do curso”; demonstrando e

situando o papel educacional e formativo dado a esse setor.

Destacamos que encontramos apenas na descrição das competências dadas ao

supervisor do estágio (membro da empresa concedente) sendas que direcionam para uma

responsabilidade documental associada como uma obrigatoriedade frente à instituição

educacional (ver Quadro 17). Ainda assim, não há para a empresa concedente no projeto

enunciativo do RE o reforço em relação ao cumprimento ou adequação legal – este referente

estaria em outras seções do documento, como um todo. Conforme sinalizamos, na análise da

NCELE, entendemos que esta atenuação do dizer ou o apagamento da repetição da base legal

torna-se atrativa para a empresa concedente quando da realização de um contrato entre IF e

discente, por exemplo, pois essa não possui a obrigação da oferta, mas oferece a disponibilidade

do serviço.

Quadro 17 – RE: A normatização e as implicações de ordem pedagógica.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

RE

“Parágrafo Único – O estágio faz parte do Projeto de cada curso e visa ao desenvolvimento de competências

próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando a formação do educando para

a vida cidadã e para o trabalho.” (BRASIL, 2015b, p. 02 – grifos nossos)120.

“Art. 3º O estágio em cursos ofertados pelo IF SERTÃO-PE tem como objetivos:

I – relacionar os conteúdos e contextos para ressignificar as aprendizagens;

II – integrar vivência e prática profissional ao longo do curso;

III – possibilitar a prática de atividades que contemplem aspectos sociais, profissionais, científicos e culturais;

IV – favorecer a vivência de situações reais de vida e de trabalho;

V – estimular a interação com o mundo do trabalho;

VI – favorecer a transição da vida estudantil para o mundo do trabalho;

VII – contextualizar conhecimentos advindos dos ambientes de trabalho para retroalimentação dos cursos.”

(BRASIL, 2015b, p. 02 – grifos nossos).

“Art. 11 O estágio, como ato educativo, deverá ser devidamente acompanhado por orientador e por

supervisor121.

§ 1º Entende-se por orientador professor vinculado ao IF SERTÃO-PE que atue na área em que se realizará o

estágio.

§ 2º Entende-se por supervisor funcionário da concedente que tenha formação ou experiência profissional na

área de conhecimento em que se realizará o estágio.” (BRASIL, 2015b, p. 05 – grifos nossos).

“Art. 23 O IF SERTÃO-PE, enquanto Instituição de Ensino, disponibilizará serviços para formalização,

acompanhamento e avaliação de estágio de seus estudantes.” (BRASIL, 2015b, p. 09 – grifos nossos).

“Art. 38 Compete ao professor orientador de estágio:

I – identificar oportunidades de estágio e informar à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente,

para que a mesma providencie os documentos necessários à efetivação do estágio;

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do

educando;

III – aprovar o Plano de Desenvolvimento do Estágio;

IV – assegurar a compatibilidade das atividades desenvolvidas no estágio com as previstas no Projeto de curso;

V – acompanhar e avaliar as atividades desenvolvidas pelo estagiário;

VI – exigir do educando apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das

atividades desenvolvidas no estágio;

120 Trecho similar aos parágrafos 1º e 2º do Art.1º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio. 121 Trecho similar ao parágrafo 1º do Art.3º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio.

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219

VII – corrigir o Relatório de Estágio e atribuir-lhe nota;

VIII – devolver, no prazo estipulado, Relatório de Estágio corrigido;

IX – colaborar na elaboração de normas complementares e de instrumentos de avaliação dos estágios de seus

educandos.” (BRASIL, 2015b, p. 17 – grifos nossos).

“Art. 39 Caberá ao supervisor de estágio:

I – elaborar o Plano de Desenvolvimento de Estágio, a partir do modelo proposto pela Instituição, e de comum

acordo com o estagiário;

II – acompanhar e auxiliar o estagiário durante a execução das atividades do estágio, assegurando-lhe

recursos físicos e materiais;

III – manter-se em contato com o orientador de estágio;

IV – orientar e estimular o desenvolvimento de aspectos profissionais e comportamentais nos estagiários, no

que se refere à qualidade do trabalho e das relações humanas;

V – avaliar o desempenho do estagiário, através de Ficha de Avaliação do Estagiário, fornecida pela Instituição

de Ensino.” (BRASIL, 2015b, p. 18 – grifos nossos).

“Art. 46 Cada Projeto de curso estabelecerá sistemática para avaliação e para aprovação do aluno em estágio,

considerando nota atribuída pela concedente, avaliação do relatório de estágio e autoavaliação do aluno.

Art. 47 O Relatório de Estágio deverá ser avaliado por professor da área em que se desenvolveu o estágio,

preferencialmente pelo professor orientador.” (BRASIL, 2015b, p. 21 – grifos nossos).

Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).

Outro ponto de destaque está relacionado aos direcionamentos que possuem uma

implicação pedagógica dessa regulamentação, pois nos deparamos com as comunidades de

aprendizagem sendo tecidas, descritas, conforme o pensamento institucional. Este processo

abrange ações como: compreender as finalidades do estágio, definir quem são os sujeitos

inseridos, os papéis e as atribuições dadas a estes, além de estipular como será o processo

avaliativo, que, consequentemente, traz implicações nas atividades desenvolvidas nesta etapa

formativa.

Neste espaço, o estágio integra as “competências próprias da atividade profissional [...]

à contextualização curricular”. Desta forma, como itinerário curricular obrigatório, o estágio

incorpora na etapa final do curso os conteúdos apreendidos em um processo de ressignificação,

além de incluir o letramento escolar, o letramento acadêmico e o letramento profissional no

exercício da prática, da vivência da atividade em situações reais, correlacionando ao mundo do

trabalho e aprimorando o desejo macro que é presente na LDBEN (BRASIL, 1996). Neste

contexto, insere-se também a formação cidadã, a possibilidade de prosseguimento nos estudos

e a inserção para o mundo do trabalho.

Destacamos que este processo não é executado de forma solitária pelo discente, uma

vez que este precisa de um outro sujeito de maior expertise para que possa com ele apreender,

executar e partilhar o conhecimento neste contexto: o da formação no âmbito de trabalho122,

transformando a sua atividade em uma prática periférica legitimada pelos seus respectivos pares

122 Essa etapa formativa só pode ser realizada após os discentes terem cumprido 16 anos de idade (BRASIL, 2015b,

p. 06).

Page 221: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

220

(WENGER; LAVE, 2008; LEITE, 2020). Logo, as figuras do orientador e do supervisor, com

suas atribuições presentes no RE, indicam-nos como pode ocorrer esse processo de

aprendizagem entre os membros de uma dada comunidade, pois o objetivo comum é o

aprendizado em situações reais em um ambiente laboral.

Neste sentido, determinados termos como “acompanhar”, “avaliar”, “exigir”,

“corrigir”, “colaborar”, “auxiliar”, “orientar”, “estimular” explicitam a relação entre os

sujeitos do estágio, agora representado em sujeitos reais (orientador, supervisor e estagiário) e

não mais institucionais (figuras por muitas vezes abstratas – o IF Sertão, a empresa concedente,

o setor de estágio, por exemplo). Tais atribuições dadas ao orientador e ao supervisor nos indicia

que o discente durante o período do estágio participa como membro de uma comunidade de

prática, cujas ações são legitimadas pelos pares com maior know-how, além de revelar as

relações de poder implicadas neste processo.

Estes atores, também interlocutores mediadores dos letramentos destes discentes,

possuem o poder da supervisão, da exigência, da cobrança e da avaliação. Sobre este último

ponto, por diversas vezes no RE encontramos a ênfase sobre a condição obrigatória que envolve

o discente, a saber: o ato avaliativo. Assim, o discente somente pode se diplomar quando de sua

aprovação neste componente curricular: estágio curricular obrigatório. Por isso, há no RE um

direcionamento sobre a cultura do escrito atrelado à confecção do gênero relatório sempre

enfatizando que este se torna um instrumento importante para a observação e para um dado

parecer final de aprovado ou reprovado no estágio.

Portanto, ademais da supervisão dos dois atores que legitimam a participação periférica

destes sujeitos em um dado espaço de formação profissional, o instrumento avaliativo mais

solicitado para análise e diagnóstico da aprendizagem é a entrega de relatórios. Assim,

encontramos ecos da cultura do escrito sendo demarcada, pois lembramos que, ao participar de

uma CP, o sujeito discente-estagiário, de igual modo, insere-se em uma espécie de cultura que

perpassa a linguagem por meio de reflexões de ordem metalinguística sobre a narrativa de suas

ações, observando ainda as escolhas do que ressaltar para “convencer” ou “persuadir” o

interlocutor mediador dos letramentos que detém o poder da aprovação nessa disciplina.

Quadro 18 – Direcionamentos sobre a produção escrita no estágio – RE.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

RE

“§2º Os documentos de estágio deverão ser redigidos em Língua Portuguesa e na língua oficial do país em que

se realizará essa atividade curricular.” (BRASIL, 2015b, p. 14 – grifos nossos).

“Art. 22 O aluno que venha a estagiar em mais de uma empresa deverá apresentar, de cada uma delas, todos os

documentos de estágio necessários à conclusão desse processo educativo.

Page 222: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

221

Parágrafo Único – O Relatório de Estágio deverá ser um só e contemplar as atividades realizadas em todos os

entes concedentes.” (BRASIL, 2015b, p. 08 – grifos nossos).

“Art. 44 Após conclusão das horas de estágio, o estudante deverá apresentar ao IF SERTÃO-PE relatório

consubstanciado de suas atividades, o qual terá as seguintes finalidades:

a) informar que conteúdos vivenciados teoricamente foram praticados pelo aluno por ocasião do estágio;

b) dar ciência sobre habilidades e competências desenvolvidas e dificuldades encontradas pelo estagiário;

c) informar sobre inovações do mundo produtivo, para retroalimentação das estruturas curriculares de cursos

da Instituição;

d) possibilitar a atualização, por parte da Coordenação de Estágio e Egressos, ou setor equivalente, de modelos

de documentos referentes a estágio;

e) possibilitar que o estudante conclua o processo de estágio.” (BRASIL, 2015b, p. 20 – 21 – grifos e destaques

nossos).

“Art. 48 O estudante que não entregar o Relatório de Estágio Obrigatório, no prazo estabelecido no Art. 45

deste Regulamento, deverá apresentar, à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente,

requerimento para que o relatório seja corrigido.

§1º O requerimento deverá conter identificação do aluno e justificativa plausível para a não entrega do relatório

no prazo estabelecido.

§2º O requerimento apresentado pelo aluno será encaminhado para análise e parecer da Coordenação do Curso

a que o estudante estiver vinculado.

Art. 49 O não cumprimento das normas estabelecidas neste Regulamento, pelo professor orientador, será

relatado e documentado pela Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, e encaminhado à

Diretoria de Ensino, para providências.” (BRASIL, 2015b, p. 22 – grifos nossos).

Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).

Além disto, entendemos que o gênero relatório de estágio nos remonta enfaticamente a

esta responsabilidade e compromisso enunciativo, no qual os discentes trazem na sua

materialidade textual o fio discursivo: incorporando vozes de inúmeras relações dialógicas,

manejando assim o já-dito e tecendo seu projeto de dizer ao revelar suas experiências, vivências

acadêmicas e profissionais.

Relativamente à confecção deste gênero, encontramos no RE os primeiros passos sobre

a exigência desta produção: 1. Ao indicar que a escrita deve primar pela Língua Portuguesa, e,

em caso de estágio feito em outros países, o documento também deverá ser apresentado na

versão do idioma do local; e, 2. Ao requerer em seu conteúdo informações que deverão ser

obrigatórias, tais como: o relatório será único, mesmo com a atuação em distintas empresas

concedentes para o locus do estágio; o assunto deve indicar como os “conteúdos vivenciados

teoricamente” em sala de aula foram postos na prática da atividade laboral; explicitar quais

habilidades e competências foram adquiridas, além de relatar as dificuldades encontradas; e,

por fim, “informar sobre inovações do mundo produtivo, para retroalimentação das estruturas

curriculares de cursos da Instituição”.

Tais exigências sobre a confecção do relatório são tratadas no RE como requisito

mínimo para qualquer curso, sem informação de particularidades sobre a escrita de determinada

CP, cujos grupos sociais são distintos, segundo vemos em nosso recorte a respeito dos cursos

de Agropecuária e de Edificações, por exemplo. Neste cenário, o modelo de letramento

Page 223: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

222

indiciado no RE direciona para um modelo prioritariamente de socialização acadêmica, pois,

diferentemente do modelo de habilidades de estudo, não há no RE orientações prescritivas e

normativas sob o viés sobretudo linguístico ou de “habilidades individuais e cognitivistas”

(PRÍNCIPE, 2017, p. 72).

Essas habilidades deveriam visar o sucesso da produção escrita dos discentes, mas há

rastros de uma abordagem tida como transparente ao repassar os conteúdos solicitados de forma

a supor um discurso disciplinar, cujo domínio dessas regras básicas traria o sucesso na

reprodução do gênero (LEA; STREET, 2014), sem pensar nas adequações existentes quando

do uso do gênero por grupos sociais distintos. Como um dos interlocutores mediadores dos

letramentos dos estudantes-estagiários, o RE sinaliza para um processo de aculturação dos

discentes. Na realidade, este documento não expõe tais singularidades: aliás, depreendemos que

o PPC de cada curso é o documento que deveria cumprir esse papel sobre o que é proposto em

torno de letramentos singulares de cada CP. Conforme observamos, os próprios PPC deverão

se adequar ao que é solicitado no RE, pois as informações contidas nestes ampliam notadamente

o conteúdo presente naquele documento.

Em síntese, o RE como mais um interlocutor mediador dos letramentos integra por meio

de sua força centrípeta o projeto enunciativo dos discentes, pois inúmeras forças são projetadas

e endereçadas a este público sobre o que fazer, como fazer e, especialmente, sobre o que dizer.

Como consequência, os discentes-estagiários, jovens produtores de discursos acadêmicos e

profissionais, tomam como norte estes documentos que os guiam como voz de respaldo, como

voz de autoridade, como voz que ancora o poder direcionado aos atores sobre o processo

avaliativo, permeando, assim, o projeto de dizer no relatório de estágio, estando as tensões e os

embates entre vozes presentes, já que os discentes não são seres essencialmente passivos e

dialogam com esses e outros discursos, construindo seu próprio estilo, sua autoria, frente a esses

direcionamentos como veremos mais adiante em outras análises.

5.1.1.4 Manual do estagiário (ME)

O Manual do estagiário (ME) proposto pelo IF Sertão/PE é um material contemporâneo

ao RE, sendo sua publicação também datada do ano de 2015. Neste sentido, a produção daquele

documento transparece uma estratégia da instituição ao somar na divulgação das finalidades do

estágio e ainda sanar possíveis dúvidas na execução dessa etapa formativa. Assim, este

documento se apresenta como um compilador de informações importantes que os discentes

Page 224: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

223

precisariam saber, trazendo uma linguagem mais prática e concisa se comparada a densidade

expressa nos outros documentos que são mais complexos e extensos.

Por este motivo, compreendemos que o ME se trata de um documento de transição

dentre o recorte proposto por esta tese para cotejamento, uma vez que diferentemente dos

documentos anteriores, o manual segue um propósito discursivo – não pelo viés dogmático de

apresentar dicas ou orientações prescritivas, mas ao propor um diálogo de tira-dúvidas sobre o

processo de vivência educacional do estágio, sobretudo, buscando uma aproximação de um

interlocutor específico.

Nesta linha de pensamento, reforçamos que, se comparado à proposta presente na

NCELE, há no ME um endereçamento explícito, conforme observamos no texto introdutório

do documento (Figura 15), aos alunos da instituição. Não obstante, assim como aquele e outros

documentos anteriormente apresentados neste cotejamento sobre a história do texto (contexto

de produção prévia do gênero relatório de estágio) e as forças e modelos de letramentos que

incidem no discurso de discentes-estagiários, destacamos que o ME, de igual modo, não propõe

tratar as particularidades das prováveis dúvidas que possam existir frente a cursos distintos, por

exemplo.

Na realidade, esta publicação, com vigência ainda atual na instituição neste ano de 2021,

objetiva nortear o aluno-estagiário supondo responder dúvidas que seriam recorrentes na

vivência dessa atividade independente do curso. Diante desse ponto, entendemos, mais uma

vez, que os documentos sinalizam a uma uniformidade comum aos cursos e, consequentemente,

aos sujeitos, ao não explorarem por meio de guias ou manuais um diálogo mais próximo com

cada curso e com suas peculiaridades. Logo, nossa compreensão é que os documentos são

construídos para uniformizar essa etapa formativa, partindo da pressuposição que todos os

cursos possuem direcionamentos semelhantes.

Em relação ao ME, esse apresenta a sua finalidade e justifica a sua confecção para o

público estudantil no intuito de mantê-los informados sobre a atividade escolar que é o estágio,

esclarecendo ainda que esta etapa representa um marco no processo de aprendizagem dos

discentes, pois é um “momento privilegiado na vida” dos mesmos, pois estes sairão dos muros

escolares e dos laboratórios para uma real prática ao contribuir com o “Mundo Produtivo”.

Page 225: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

224

Figura 15 – Texto introdutório do ME.

Fonte: Manual do estagiário (BRASIL, 2015c).

Entretanto, em oposição ao trato impositivo apresentado nos documentos anteriores, há

no endereçamento proposto no ME um chamado ao diálogo, uma vez que a autora, presidente

da comissão e responsável pelo material apresentado pelo IF Sertão/PE, informa que

“elaboramos” o manual pensando em “você” (estudantes). Conforme observamos, o texto

introdutório do ME possui forte convocação de resposta, de implicação do outro no fio

discursivo ao inserir o aluno. Ou seja, encontramos o convite pela aderência ao projeto

discursivo presente no manual, cujo escopo seja trazer de maneira “simples e direta” perguntas

sobre o estágio, pressupondo que tais questionamentos seriam de igual modo as dúvidas que

esse público teria.

Page 226: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

225

Figura 16 – Exemplo do projeto gráfico utilizado no ME.

Fonte: Manual do estagiário (BRASIL, 2015c).

Page 227: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

226

Logo, conseguimos recuperar na parte inicial do manual indícios que visassem nesse

grande diálogo a interação com seu público, que demonstrassem a responsabilidade da própria

instituição ou que estabelecessem os espaços nos quais os discentes pudessem recorrer no

sentido de ampará-los em outras possíveis dúvidas, como podemos observar nos seguintes

trechos: “deixá-lo informado”, “você terá acesso”, “elaboramos o presente Manual”, “Para

auxiliar os discentes [...] o IF Sertão-PE coloca à disposição”, “Coordenação de Estágios [...]

Coordenações de Curso”, por exemplo.

Desta forma, a característica do ME já vislumbrada no início do material e, como

essência do todo, é a quebra da rigidez e do distanciamento para com seu público leitor. Se

comparado aos documentos anteriores, pois mesmo apresentando, em 32 perguntas, as

respostas que, de certo modo, são encontradas na leitura mais atenta da Lei 11.788/08, dos PPC

ou do RE, há, no manual, a tentativa de proximidade com o público discente, traço

especialmente observado no projeto gráfico adotado pelo ME.

Esta estratégia visa a aproximação do público estudantil (Figura 16), sobretudo, ao

apresentar um jogo visual: 1. Por meio de imagens de alunos da própria instituição em situações

de atividades laborais práticas123 ou por desenhos que representam esse cenário; 2. Por meio do

uso de cores cujo objetivo seja traduzir um design mais clean, inovador e atual; e, 3. Ainda por

meio da utilização de muitos ícones que se associam à temática apresentada124.

Destacamos que estas estratégias utilizadas na busca de proximidade com o interlocutor

se dá, especialmente, sob duas vertentes: uma, ao inseri-lo de forma explícita no projeto

enunciativo, demarcando o diálogo estabelecido para com este público mediante fatores

anteriormente elencados; e, outra, ao resgatar os já-ditos por meio da incorporação parcial ou

integral do dizer de fontes que respaldam as ações nessa etapa formativa e que são postas na

construção do ME ao repassar informações de destaque na compilação proposta aos discentes.

Em síntese, o ME, como um dos documentos institucionais, estabelece em seus

propósitos e objetivos enunciativos também ao recuperar, por meio da força centrípeta presente,

as vozes (como a do respaldo jurídico, a do teor normativo centralizador, o das implicações

pedagógicas, por exemplo) de forma mais atenuada, enfatizando por meio de uma linguagem

123 Mesmo sendo um documento público, optamos por não apresentar as imagens dos sujeitos presentes no ME. 124 O documento segue uma tendência da corrente intitulada de “flat design”, cujo estilo minimalista tem um

objetivo de propor multifuncionalidades em diversas plataformas ou na confecção de materiais, ao tentar transmitir

a mensagem justamente pelo visual, contribuindo quer seja no percurso de navegação, quer seja na leitura de um

texto, tornando ainda a linguagem mais acessível e menos rebuscada. Para maiores informações, sugerimos visitar

a página: https://heygeek.club/flat-design/

Page 228: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

227

mais clara e sintética o que é esperado para esse público. Em consequência deste projeto de

atenuação e de síntese nas informações, no ME não há formas reiteradas do que seria normativo

ou prescritivo segundo um aparato legal, se compararmos aos documentos já analisados nesta

tese. A construção argumentativa presente no manual sempre reforça e dá maior peso às ações

que estão vinculadas ao PPC de cada curso, para somente, em outros momentos, aliar ao que

preconiza a Lei 11.788/08 (Quadro 19).

Quadro 19 – Exemplo de forças centrípetas no ME.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

ME

“Estágio é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação

para o trabalho produtivo de estudantes. O estágio integra o itinerário formativo do estudante e faz parte do

Projeto pedagógico do curso (art. 1º e seu § 1º da Lei 11.788/2008), por isso pode ou não ser remunerado pela

empresa concedente, sendo compulsória a concessão de bolsa ou de outra forma de contraprestação, inclusive

de auxílio transporte, no caso de estágio não obrigatório.” (BRASIL, 2015c, p. 07 – grifos nossos)125.

“O estágio é regulamentado pela Lei 11.788, de 25 de Setembro de 2008. Além dessa Lei, temos os seguintes

documentos que regulamentam essa prática educativa e são referências para a elaboração desse Manual:

I – Orientação Normativa Nº 7, de 30 de Outubro de 2008, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério

do Planejamento, Orçamento e Gestão – que estabelece orientação sobre a aceitação de estagiários no âmbito

da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional;

II – Resolução CNE/CEB Nº 1, de 21 de Janeiro de 2004 – que estabelece Diretrizes Nacionais para a

organização e realização de Estágio de alunos da Educação Profissional e do Ensino Médio, inclusive nas

modalidades de Educação Especial e de Educação de Jovens e Adultos;

III – Resolução CNE/CEB Nº 2, de 04 de Abril de 2005 – que modifica a redação do § 3º do artigo 5º da

Resolução CNE/CEB Nº 01/2004, até nova manifestação sobro estágio supervisionado pelo Conselho Nacional

de Educação;

IV – Resolução CNE/CP Nº 2, de 19 de Fevereiro de 2002 – que institui a duração e a carga horária dos cursos

de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior;

V – Resolução Nº 12/2015, de 14 de Maio de 2015, do IF SERTÃO-PE – que trata das Normas de Estágio para

os Cursos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano.” (BRASIL, 2015c,

p. 09 – grifos nossos).

“DE QUEM É A OBRIGAÇÃO DE CONSEGUIR VAGAS DE ESTÁGIO?

As oportunidades de estágio devem ser identificadas pelos professores, pelas Coordenações de Curso, pela

Coordenação de Estágios e Egressos de cada Campus, ou setor equivalente, e por alunos. (Regulamento de

Estágio do IF SERTÃO-PE)” .” (BRASIL, 2015c, p. 11 – grifos nossos).

“Assim como o período de realização de estágio, a carga horária mínima dele também é definida no Projeto de

cada curso. Verifique, no anexo II, o que está definido para seu curso. Fique atento para a carga horária

apresentada na tabela, pois ela é a mínima e deverá ser cumprida integralmente.” (BRASIL, 2015c, p. 12 –

grifos nossos)126.

“QUEM É RESPONSÁVEL PELO ACOMPANHAMENTO DO ESTÁGIO?

O estágio como ato educativo deverá ser efetivamente acompanhado pela Instituição de Ensino, através de

professor orientador, e pela Concedente, através de supervisor. Dessa forma, cabe a cada um dos envolvidos

nesse processo, as seguintes atividades:

1. PROFESSOR ORIENTADOR

[...]

2. SUPERVISOR DE ESTÁGIO

[...]”(BRASIL, 2015c, p. 17 – grifos nossos).

“É POSSÍVEL APROVEITAR HORAS COMO ESTÁGIO? EM QUE CASOS?

125 Trecho parcialmente igual ao Art.1º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio. 126 Informamos que os anexos citados ao longo do ME não estão presentes no documento e nem nas páginas

institucionais vinculando como anexo desse texto.

Page 229: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

228

Sim, mas somente quando no Projeto do Curso for prevista a equiparação de atividades profissionais, de

monitoria, de iniciação científica e/ou de extensão com o estágio.

Dessa forma, os alunos que já exercem atividades profissionais compatíveis com as que serão vivenciadas por

ocasião do estágio e aqueles que tenham realizado atividades práticas de extensão, de iniciação científica e de

monitoria vinculadas ao curso em que é matriculado, poderão solicitar o aproveitamento de parte dessas

atividades como estágio, respeitando-se sempre o que consta no Projeto de cada curso.

É importante ressaltar que só são passíveis de aproveitamento como horas de estágio obrigatório atividades que

o estudante tenha realizado a partir de seu ingresso no curso ofertado pelo IF Sertão-PE.” (BRASIL, 2015c, p.

18 – grifos nossos).

“É PERMITIDO ESTAGIAR EM EMPRESAS DE PARENTES?

O estagiário poderá desenvolver suas atividades de estágio em empresas e/ou instituições dirigidas por parentes,

inclusive de 1º grau. Recomenda-se, no entanto, que não exista nenhum grau de parentesco com o responsável

(supervisor) pelo acompanhamento do estagiário na empresa.” (BRASIL, 2015c, p. 19 – grifos nossos).

“É POSSÍVEL OBTER O DIPLOMA DE CONCLUSÃO DE CURSO SEM TER FEITO O ESTÁGIO

OBRIGATÓRIO?

Não. A carga horária do estágio obrigatório é requisito para aprovação e obtenção de diploma.” (BRASIL,

2015c, p. 21 – grifos nossos).

Fonte: Manual de estagiário (BRASIL, 2015c).

Assim, os trechos que se associam a um aparato legal são inseridos no projeto

enunciativo por meio de parênteses, notas ou referências explícitas, tais como visualizamos em:

“(art. 1º e seu § 1º da Lei 11.788/2008)”, “definida no Projeto de cada curso” ou “quando no

Projeto do Curso”, por exemplo. Muito embora saibamos que implicitamente o manual se

ancora nessa base legal, pois quando da pergunta: “Quais são os fundamentos legais do

estágio?” (BRASIL, 2015c, p. 09), há na resposta que a legislação compilada respalda e

“regulamenta” a prática educativa do estágio, bem como é tomada como referência para a

confecção do manual, demarcando a voz da legalidade, do respaldo jurídico presente no

documento.

Outro ponto importante diz respeito a esta linha de forças e de endereçamento presentes

no ME, pois, assim como encontramos no Quadro 19, há a descrição das atividades e

competências, tal como previstas no RE da instituição e de igual modo na Lei do estágio, dada

aos orientadores e aos supervisores ao definir os seus respectivos papéis. Neste quesito,

enfatizamos que se traz para o público discente as incumbências destes, que também são, de

certa forma, avaliadores do estágio. Nessa etapa, não se recuperam as atribuições e as formas

de dizer sobre esses sujeitos, pois já o fizeram em outros documentos.

Neste sentido, ratificamos apenas que o ME recupera a íntegra exposta no RE. Portanto,

não vemos a necessidade de problematizar o peso dado à instituição, uma vez que, para o

supervisor, agente da empresa concedente, as competências são mais convidativas e menos

impositivas, conforme refletimos anteriormente. Porém, avultamos como tal atribuição de

características, do dever de cada sujeito, é reiterada em vários documentos, isto demonstra e

indica algo sobre as configurações em torno da CP sustentadas nos discursos presentes em

Page 230: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

229

documentos institucionais, legislação e normas, por exemplo. Tais materiais atestam a

validação da incorporação dos membros em um dado grupo caso “cumpram” as condições

mínimas de atuação em determinado campo de atividade.

Nesta perspectiva, destacamos ainda uma pergunta que não está contemplada nos

documentos anteriores analisados, mas trata-se de um realce a questões éticas no estágio, mais

especificamente, sobre a possibilidade de estagiar em empresas de parentes. Essa indagação se

configura como um dado novo aos discentes que possuirão uma orientação sobre como agir em

tal situação, evitando ter certos “privilégios” quando das etapas avaliativas.

Assim sendo, o supervisor do estágio não pode ter vínculos de parentesco com o

estagiário, uma vez que ele é quem, de forma mais próxima, atua nas orientações das vivências

profissionais, tendo papel importante quando da narrativa ao professor orientador, bem como

quando da confecção da “Ficha de Avaliação do Estagiário”, influenciando, ainda, na nota final

do discente quando somada ao relatório de atividades apresentado.

Diante deste cenário, cumpre-nos sinalizar que tal validação muito se associa ao viés

avaliativo e ao poder dado ao interlocutor mediador dos letramentos (quer seja por meio de

documentos, quer seja por meio dos membros que compõem o grupo). Logo, o estágio é

relembrado no manual como uma etapa “obrigatória”, cujas ações estarão sob a submissão e o

peso de uma nota, refletindo ainda na aprovação final do curso, uma vez que os discentes só

podem ser diplomados após conclusão do estágio, e, consequentemente, entrega do relatório

acerca desta experiência de estágio.

Recordamos também que para o discente há a possibilidade de diminuição na carga

horária destinada ao estágio, caso seja comprovada a participação em atividades tais como a

pesquisa, a extensão e/ou a monitoria, validando assim certas práticas em torno da cultura do

escrito e de letramentos acadêmicos que auxiliariam na “expertise” profissional conforme

expusemos ao longo desta tese.

Ainda assim, salientamos o poder da instituição no “reconhecimento” de tais práticas,

pois, no caso do IF Sertão/PE, somente é considerada e validada a possibilidade de

aproveitamento destas atividades caso tenham sido vivenciadas dentro da própria instituição.

Reconhecemos, portanto, que há questões de poder envolvidas nesta validação em torno das

práticas de letramentos nos quais os estudantes possam ter passado em sua vida acadêmica e

inclusive profissional: quem atesta o quê? Quem anula a formação? Quais os impactos em

possíveis casos de não reconhecimento?

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230

Lembramos que o IF Sertão/PE apresenta para a comunidade um regulamento em um

viés normativo único, não manifestando as particularidades entre cursos e modalidades127.

Assim, um discente que tenha participado de projetos em outros espaços formativos não teriam

o mesmo “direito” quando do “abatimento” de horas. Compreendemos que temos um dizer

“superior”, de uma força com implicações na construção e na formação acadêmica dos

discentes, no qual atesta suas experiências e reconfigura sua posição dentro de uma própria CP.

Outro ponto que frisamos no ME é a “recomendação” sobre como agir no ambiente

laboral (Quadro 20), pois nos deixa transparecer que ao seguir as orientações ali presentes a

integração como membro dentro daquela dada CP seria aceita de uma forma mais “fácil” pelos

demais pares. Verbos como “Cuide”, “Seja”, “Cumprimente”, “Colabore”, “Chame”, “Preste”,

“Apresente”, “Zele”, “Procure”, “Aceite”, “Obedeça” e “Evite” são acompanhados das ações

esperadas diante desse “guia” sugestivo presente no documento. Consequentemente, neste

recorte, vemos como os verbos no imperativo sinalizam essa voz institucional da expertise

indicando um conselho ou uma sugestão direcionada aos discentes-estagiários ao buscar tornar

o caminho de “aceitação” e êxito na esfera profissional.

Quadro 20 – Direcionamentos sobre as ações dos estudantes-estagiários.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

ME

“O Estágio não é apenas um meio de formar bons profissionais, ele permite ao estudante as seguintes vantagens:

I – Entrar em contato com o ambiente de trabalho em que irá exercer, depois de formado, sua profissão;

II – Vivenciar conhecimentos adquiridos;

III – Participar, antes de terminar o curso, de tarefas que auxiliarão na sua formação profissional.” (BRASIL,

2015c, p. 07 – grifos nossos).

“COMO SE COMPORTAR NO AMBIENTE DE ESTÁGIO?

Ao apresentar-se para o estágio e durante o mesmo é recomendado que:

I – Cuide sempre de sua aparência pessoal, sendo discreto na forma de vestir-se;

II – Seja cordial;

III – Cumprimente diariamente seus superiores e colegas;

IV – Colabore com as pessoas com as quais se relaciona na empresa;

V – Chame as pessoas pelo nome, converse com elas olhando nos olhos;

VI – Preste atenção no que estão falando e, em caso de dúvidas, pergunte;

VII – Apresente sugestões, quando solicitado, no que diz respeito à execução das atividades;

VIII – Zele pelos equipamentos da empresa;

IX – Procure aperfeiçoar sua forma de comunicação e postura corporal;

X – Procure cumprir as atividades que lhe foram delegadas e avise, em tempo hábil, caso haja impossibilidade

de realização delas;

XI – Aceite críticas, pense a respeito e tire proveito dos ensinamentos;

XII – Obedeça aos horários e às normas da empresa;

XIII – Evite gírias no ambiente de trabalho.” (BRASIL, 2015c, p. 16 – grifos nossos).

“O QUE FAZER APÓS REALIZAR O ESTÁGIO NA CONCEDENTE?

127 Como delineamos e vamos defendendo ao longo da tese, entendemos a necessidade de existir documentos que

se aproximem mais da realidade de cada curso e, assim, compreendam as particularidades inerentes de cada cultura

do escrito de grupos sociais distintos.

Page 232: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

231

Ao concluir as atividades práticas na concedente, o aluno deverá dirigir-se à Coordenação de Estágios e

Egressos, ou setor equivalente, para entregar Ficha de frequência, sem rasuras e assinada pelo supervisor, e

Ficha de Autoavaliação, devidamente preenchida.

Feito isso, o aluno terá três meses para, sob acompanhamento do professor que orientou o estágio, elaborar o

relatório e entregá-lo à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, que o encaminhará para

correção.

Após a correção do relatório, a Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, o devolve ao

estagiário para os ajustes finais. Para isso, o aluno terá o prazo máximo de três meses.

Confirmada a realização dos ajustes, a Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, dará o estágio

como concluído, emitirá Boletim de Estágio e o encaminhará à Secretaria de Controle Acadêmico.” (BRASIL,

2015c, p. 21 – 22 – grifos nossos).

“PRAZOS MÁXIMOS PARA ENTREGA DO RELATÓRIO

1ª versão – Três meses após a conclusão das atividades na concedente - ____ / ____ / ______

Versão Final – Três meses após o recebimento da 1ª versão corrigida - ____ / ____ / _______” (BRASIL, 2015c,

p. 22 – grifos nossos).

Fonte: Manual de estagiário (BRASIL, 2015c).

Reforçamos ainda, que, segundo o ME, o estágio deve ser considerado uma etapa

formativa rica em vantagens para os alunos, cabendo ao discente demonstrar, na prática, no

ambiente laboral a confluência do saber apreendido em sala de aula. Em outras palavras, há no

ME certa atenuação dos enfrentamentos acerca dos papéis implicados e direcionados no estágio

aos estudantes se integrarem em uma CP, quando, na realidade, há uma verdadeira relação de

poder existente e associada especialmente ao viés avaliativo desse momento. Assim, o próprio

contexto possibilita a aprendizagem, mas apresenta pano de fundo com um peso enorme por

conta da nota, da aprovação, do fazer e do agir “correto”.

Dito isto, encontramos também a cobrança para além da ação e da experiência no

ambiente de trabalho, mas que essa seja feita por meio de comprovações escritas,

especialmente, por intermédio do relatório. Este lembrete da produção textual é revisitado ao

longo do ME (no quadro destacamos somente as perguntas finais presentes no documento). De

fato, este orienta ao alunado sobre o passo-a-passo do que deve ser feito com relação à entrega

e a prazos, mas não há a orientação sobre como deve ser feito o texto, sobre a produção do que

deve conter e ser priorizado no documento.

Em suma, encontramos nos quatro primeiros documentos de nosso cotejo (NCELE,

PPC, RE e ME) a indicação da necessidade do relatório de estágio, deste “produto final” das

experiências vivenciadas sob a égide das responsabilidades que competem aos papéis

assumidos pelos membros que compõem o estágio, identificando o que deve ser feito, o que

deve ser demonstrado para ser considerado apto a ser aprovado pelos pares de maior expertise.

Logo, encontramos de maneira pontual, nos PPC e no RE, traços de orientações sobre o

que seria “obrigatório” constar na produção textual, porém os direcionamentos estarão mais

fortemente presentes nos documentos que refletimos a seguir: o Guia de elaboração dos

Page 233: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

232

trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (GETA) e o Modelo de relatório dos

cursos técnicos (MRCT).

5.1.1.5 Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos

e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano

(GETA)

Segundo Bakhtin (2019a), a linguagem adotada por manuais tende à uniformidade e à

impessoalidade, influenciando na liberdade estilística da produção textual de muitos autores ao

seguirem os manuais como “padrões” aceitos amplamente pela comunidade nos quais se

integram. Nesta linha, além da voz do padrão, das forças de teor normativo centralizador,

evidenciamos nos documentos analisados a voz avaliativa, a voz do poder institucionalizado

dos interlocutores mediadores dos letramentos dentro de um dado contexto de aprendizagem,

tal qual é a especificidade do estágio.

Nosso destaque se volta, então, para o Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão

de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Sertão Pernambucano (GETA). Este material, produzido no ano de 2016 por

intermédio de uma comissão local do Campus Salgueiro, tinha como objetivo apresentar à

comunidade diretrizes em torno da produção dos trabalhos acadêmicos executados naquela

unidade do IF Sertão/PE, tais como: “teses, dissertações, monografias e relatórios de estágio”

(BRASIL, 2016a, p. 02)128.

Deste modo, mesmo apresentando instruções sobre “procedimentos de normalização”

dos trabalhos, o documento demonstra na seção de apresentação uma inicial abertura para

adequações segundo as necessidades e particularidades dos cursos, bem como das adaptações

quando das orientações postas pelos docentes-orientadores daquelas produções. Isto nos revela

que, embora se apresente um viés instrucional sobre o teor técnico da estrutura a ser utilizada

por esses gêneros, a parte introdutória do GETA nos deixa transparecer que não se trata de algo

128 Destacamos que embora o título do Guia pareça abrangente a todo o IF Sertão/PE, na realidade o documento é

direcionado somente ao Campus Salgueiro. Além disso, no ano de sua publicação não havia ainda produção

acadêmica a nível de dissertações e teses, ponto esse também contraditório com relação à referência dada no título,

já que não há menção à “pós-graduação”, estando somente na parte introdutória a indicação da produção acadêmica

desse nível educacional. Reforçamos que essas produções, a nível de pós-graduação no Campus, só tiveram início

a partir de 2018 com a implantação do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica –

ProfEPT, e, em 2019, com o Doutorado Interinstitucional do Programa de Pós-Graduação em Letras (DINTER)

com parceria da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Porém, lembramos que esses programas

possuem diretrizes específicas sobre a escrita de dissertação e teses, estando o GETA apenas como um material de

apoio para esse público.

Page 234: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

233

impositivo e fechado, devido à necessidade de se compreender as singularidades existentes nos

contextos que fazem com que esta mesma estrutura seja repensada, reformulada e adaptada

segundo o uso de um dado grupo social, de uma determinada CP (Figura 17).

Figura 17 – Exemplo do projeto gráfico do GETA.

Fonte: Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (BRASIL, 2016a).

Reforçamos que tal orientação é fortemente presente na seção introdutória do GETA,

mas quando do desenvolvimento do guia, reconhecemos excertos que reiteram as forças

normativas e impositivas que atestam o que fazer e como fazer para que o trabalho esteja

adequado sobretudo à estrutura composicional dos gêneros elencados pelo documento. Além

disso, destacamos que o GETA, assim como no ME, apresenta como estratégia discursiva de

proximidade um projeto gráfico atrativo para com seu provável público, a saber: “os alunos do

curso técnico médio integrado, dos cursos subsequentes, dos cursos superior de tecnologia e

de licenciatura, além de outros cursos que queiram fazer uso deste documento” (BRASIL,

2016a, p. 02).

Page 235: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

234

Nesta proximidade por meio do visual, o design adotado segue a paleta de cores

instituída pelo Manual de Aplicação da Marca institucional129, cujo propósito é criar uma

identidade da própria rede. Assim, as cores verde e vermelha são evocadas em distintas

totalidades, usando linhas e formas geométricas na criação das imagens, apresentando uma

fonte de maior tamanho na qual as compilações das informações se tornam mais atrativas e

menos cansativas ao leitor. Sinalizamos que, mesmo buscando essa aproximação por meio da

adesão dos estudantes para que tomem o guia como um documento de base, sobretudo, na

produção textual, na parte introdutória do GETA, a convocação do interlocutor é feita de

maneira distinta do ME.

Neste último documento, encontramos palavras direcionadas explicitamente aos

discentes (você, vocês) e de inserção em um trabalho em conjunto (busquemos), ao passo que

no GETA, mesmo presente no fio discursivo, há um distanciamento tal como característica do

estilo acadêmico (uso da terceira pessoa do singular ou índice de indeterminação do sujeito).

Desta maneira, há uma tonalidade de inserção do público estudantil, mas não de forma tão

acolhedora como na proposta do ME, que deixa transparecer tal proximidade de forma mais

latente. No caso do GETA, o alunado é incluído como parte interessada do documento por meio

de sinônimos da representação de sua categoria, por exemplo: “o estudante”, “os alunos”,

“pelos discentes”.

Dito isto, lembramos que o GETA possui como proposta guiar, instruir e regulamentar

certos procedimentos sobre a escrita do seu público-alvo, buscando gerar “um trabalho com

qualidade reconhecido em diversas esferas da pesquisa científica nacional” (BRASIL, 2016a,

p. 02). Logo, o documento retoma, como voz de respaldo para a credibilidade do teor do guia,

a norma da ABNT 14724/2011. De forma distinta dos documentos cotejados nesta tese, no

GETA não é recuperado outras Leis, normativas ou regulamentos, mas é sinalizado uma norma

socialmente validada e aceita por variados grupos sociais de cunho acadêmico e científico,

como as proposições formalizadas e atestadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT).

Assim, realçamos que, no GETA, a indicação tomada para a confecção estrutural dos

trabalhos é a NBR 14724/2011, destinado a tratar dos trabalhos de conclusão de curso. Ao

mesmo tempo, o guia recorre ao longo do documento a trechos de outras normas amparadas na

129 Para maiores informações acessar o site: https://www.ifsertao-pe.edu.br/images/IF_Sertao-PE/Identidade-

visual/manual_2015_3v.pdf

Page 236: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

235

ABNT, tais como: NBR 6029 (orientação para o uso de tabelas)130, NBR 6023 (direcionamentos

sobre a inclusão de referências)131 e a NBR 6027 (sobre a elaboração de sumários).

Diferentemente do que expusemos, em nossa seção teórica, ao recordarmos a NBR 10719/2011

(confecção de relatórios), no GETA há o direcionamento para que “monografias, relatórios de

estágio, dissertações, teses” (BRASIL, 2016a, p. 03) sejam considerados trabalhos acadêmicos,

não apresentando maiores reflexões ou desdobramentos deste enquadramento e nem

recuperando aquela NBR para explorar o gênero relatório.

Na realidade, encontramos, no GETA, a ênfase na proposta de modelos que visassem a

nortear a escrita dos trabalhos acadêmicos e científicos da instituição, estando divididos essas

orientações nas seguintes seções: 1. Estrutura do trabalho acadêmico; 2. Regras gerais de

apresentação dos trabalhos acadêmicos; 3. Ilustrações, tabelas, notas de rodapé, siglas e

abreviaturas, equações e fórmulas; 4. Citações; 5. Referências; 6. Descrição da estrutura dos

trabalhos científicos; 7. Estrutura da monografia (cursos de licenciatura); 8. Relatórios (cursos

tecnológicos); 9. Relatórios de estágio (cursos técnico médio integrado e subsequente); 10.

Entrega final dos trabalhos de conclusão de curso.

Neste sentido, destacamos, a princípio, a “estrutura do trabalho acadêmico”, sugerida

no GETA, ao indicar quais elementos são obrigatórios e quais são opcionais na disposição dos

conteúdos a serem abordados. Enfatizamos que o próprio GETA apresenta duas estruturas

distintas – uma mais geral e outra mais específica, destinada à composição do relatório de

estágio, tal como observamos no Quadro 21.

Quadro 21 – Estrutura do trabalho acadêmico proposto pelo GETA (trabalhos acadêmicos e relatório de estágio).

ESTRUTURA DO TRABALHO ACADÊMICO ESTRUTURA DOS RELATÓRIOS DE ESTÁGIO

(CURSOS TÉCNICO MÉDIO INTEGRADO E

SUBSEQUENTE)

PARTE

EXTERNA

Capa (obrigatório) Elementos

pré-textuais

Capa (obrigatório)

Lombada (opcional) Folha de rosto (obrigatório)

PARTE

INTERNA

Elementos

pré-

textuais

Folha de rosto

(obrigatório)

Agradecimentos (opcional)

Errata (opcional) Lista de ilustrações (opcional)

Folha de aprovação

(obrigatório)

Lista de tabelas (opcional)

Dedicatória (opcional) Lista de gráficos (opcional)

Agradecimentos

(opcional)

Lista de abreviaturas e siglas

(opcional)

Epígrafe (opcional) Lista de símbolos (opcional)

130 O objetivo maior dessa NBR é caracterizar os princípios gerais sobre a forma de incluir elementos em livros ou

folhetos. 131 De forma geral a NBR 6023 estabelece ainda a ordenação das referências, as formas de transcrição e

apresentação de informações retiradas do original, assim como busca orientar a compilação de referências a serem

utilizadas quando produção de bibliografias, resumos, resenhas, entre outros.

Page 237: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

236

Resumo na língua

vernácula (obrigatório)

Sumário (obrigatório)

Resumo em língua

estrangeira

(obrigatório)

Lista de ilustrações

(opcional)

Lista de tabelas

(opcional)

Lista de abreviaturas e

siglas (opcional)

Lista de símbolos

(opcional)

Sumário (obrigatório)

Elementos

textuais

Introdução Elementos

textuais

(todos

obrigatórios)

Introdução

Desenvolvimento Identificação do campo de estágio

Conclusão Apresentação da instituição

Atividades desenvolvidas

Conclusão

Elementos

pós-

textuais

Referências

(obrigatório) Elementos

pós-textuais

Referências (obrigatório)

Glossário (opcional) Apêndice (opcional)

Apêndice (opcional) Anexos (opcional)

Anexo (opcional)

Índice (opcional)

Fonte: Adaptado do Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior

do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (BRASIL, 2016a).

Nesta abordagem, observamos elementos distintos com relação à composição estrutural

do relatório em comparação à forma geral destinada aos trabalhos acadêmicos propostos pelo

próprio guia. Segundo este documento, o diferencial se encontra na inserção das seguintes

seções para o relatório de estágio: lista de gráficos, identificação do campo do estágio,

apresentação da instituição e atividades desenvolvidas. Assim, as seções de identificação do

estágio e a apresentação da instituição são sinalizados como elementos obrigatórios, cujos

títulos devem permanecer como solicitado. Por sua vez, o direcionamento em torno das

atividades desenvolvidas muito se assemelha à seção de desenvolvimento, segundo o modelo

geral proposto inicialmente, tanto que na explicação do que deve conter nessa etapa do trabalho

o direcionamento é único: “Parte principal do texto, que contém a exposição ordenada e

pormenorizada do assunto. Divide-se em seções e subseções, que variam em função da

abordagem do tema e do método [...]” (BRASIL, 2016a, p. 19).

Consequentemente, é informado que o título dado para o desenvolvimento é apenas

ilustrativo (exemplificação), pois a designação dessa descrição deve representar o que

realmente é refletido na seção. Diante disto, compreendemos que a presença de tais elementos

nos indiciam o repertório, o empreendimento e o domínio vivenciado pelos estudantes-

estagiários por meio do discurso no relatório de estágio. Uma vez que pressupomos que, ao

Page 238: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

237

narrar a experiência de trabalho, o discente discorrerá sobre o locus, identificando-o,

apresentando-o e relatando a bagagem apreendida, visto que são elementos “obrigatórios” nesta

produção textual.

Outro ponto de diferencial entre os modelos propostos e que singulariza o relatório de

estágio neste cenário é a inserção da seção lista de gráficos como elemento opcional.

Lembramos que esta seção se imbrica a particularidades sobre o campo de atuação do discente,

pois o ele poderia retratar sua experiência recuperando alguns gráficos que fossem utilizados

quando da experiência laboral.

Reforçamos ainda que o GETA apresenta por meio de imagens (teor didático) a

disposição desses elementos (pré-textuais, textuais e pós-textuais) na sequência esperada

quando da composição dos trabalhos acadêmicos. Além de destacar outras “regras gerais” sobre

o tamanho, o tipo do papel e da fonte que são aceitos na produção acadêmica, bem como a

descrição da configuração das margens, do espaçamento entre linhas, da forma de paginação,

da organização das seções e de como devem ser formatados os títulos sem indicativos

numéricos. Em outras palavras, visualizamos, no guia, a sistematização de uma produção

fortemente correlacionada à estrutura textual.

Contudo, assim como Fuza (2016, p. 69), entendemos que a escrita acadêmica nestes

espaços sob regras de manuais e/ou cursos de escrita não deveria entendê-la: “[...] como fruto

de habilidades pessoais do sujeito ou resultante de um processo de socialização acadêmica

(LEA; STREET, 1998; 2006), no qual o sujeito aprende um modelo e isso o capacita a

reproduzi-lo em qualquer outra situação em que o texto seja solicitado.”, mas necessitamos

pensar a própria escrita, com seu contexto de produção, de circulação e de recepção de

discursos, entendendo as relações postas pelos grupos sociais que usam, partilham e atestam o

dizer que ali circula.

Assim, sinalizamos que a sugestão prevista nestes guias deveria retirar o escopo da

rigidez textual para a compreensão de um contexto implicado, de um endereçamento existente,

com finalidades específicas e com autoria presente, no qual forma e conteúdo se “[...] fundem

intimamente [...]” (BAKHTIN, 2017, p. 65) em um projeto de dizer, em um todo arquitetônico.

Nesse sentido, compreendemos que, na parte introdutória do GETA, houve uma

pequena abertura para as possibilidades de adequação da estrutura ao contexto. No entanto, ao

longo do guia isto não foi mais reforçado, deixando incidir no leitor do documento que os

modelos elencados ali seriam os únicos e os “corretos” dentro da comunidade do IF Sertão/PE.

Assim sendo, não há um aprofundamento, no GETA, por exemplo, quando da reflexão sobre

um possível projeto enunciativo no qual recorre a outras vozes para construir o processo

Page 239: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

238

argumentativo, narrativo ou mesmo descritivo no trabalho acadêmico e/ou científico132. Para o

guia, a recuperação do dizer, o manejo com outras vozes, reduz-se as formas de citar (direta e

indireta), partindo da compreensão que esse movimento nada mais é que a “[...] menção de uma

informação extraída de outra fonte [...]” (BRASIL, 2016a, p. 10).

Estas indicações sobre as formas de citar, a princípio, são reveladas no GETA quando

do tratamento do tamanho da fonte (aspecto estrutural): “[...] as citações com mais de três

linhas, as notas de rodapé, as legendas de ilustrações e tabelas que deverão obrigatoriamente

ser digitadas em fonte tamanho 10.” (BRASIL, 2016a, p. 05). Então, somente em seção

específica posterior relatar sobre as formas de recuperar o dizer do outro: seção 04 – citações.

Ressalte-se que, nesta última parte, são apresentadas somente as seguintes formas:

citações diretas e indiretas. Na primeira delas é enfatizada que a citação deve estar entre aspas

duplas, sobretudo, quando há menções no próprio texto se até três linhas. E, quando há uma

citação longa, é preciso efetuar o recuo de 4cm da margem esquerda, colocar a fonte em

tamanho 10, sem aspas e apresentar o corpo do texto justificado (BRASIL, 2016a, p. 11).

Em relação à citação indireta, o guia se revela reducionista: apenas orienta e define esta

forma de recuperar o dizer do outro como: “[...] a construção de um texto baseado na ideia de

um autor consultado. [...]” (BRASIL, 2016a, p. 11)133. Compreendemos que, enquanto guia,

não houve ou há espaço para maiores desdobramentos sobre os efeitos e as formas de incorporar

outras vozes, refletindo assim sobre as formas de citar.

Conforme expusemos em nosso aparato teórico, existem inúmeras formas de inserção

da palavra alheia, não minimizando somente a polarização presente no guia entre citação direta

e indireta. Neste quesito, coadunamos com o pensamento de Valezi et al. (2018, p. 253 – 254),

pois:

Essa orientação dada pela norma apenas indica um plano organizacional dos

conteúdos que devem ser apresentados no relatório. No entanto, não são apresentadas,

por esse instrumento prescritivo, orientações relacionadas às características

linguísticas para que o agente produtor desse gênero desenvolva os conteúdos de

forma a apresentá-los coerentemente ao que se espera desse gênero. Mesmo que sejam

dadas algumas prescrições quanto à linguagem do gênero na literatura que orienta a

produção científica, como objetividade, precisão, clareza e coerência, elas não são

suficientes, pois quais escolhas linguísticas devem ser levadas em consideração para

que um texto apresente tais características?

132 Não encontramos, no GETA, indícios e direcionamentos para o viés profissional como nos demais documentos.

Reiteramos que apontar apenas os elementos obrigatórios de informação sobre a identificação do estágio e da

empresa nos relatórios seria reduzir as reflexões sobre contexto, sujeitos e historicidade implicados nesse processo

de caracterização do campo de atividade. 133 Além disso, é enfatizado que para ambas as formas (direta e indireta) é preciso informar o sobrenome do autor,

ano e quando necessário a indicação da página.

Page 240: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

239

Vemos então que [...], assim como a própria ABNT, salientam a estrutura

organizacional do texto, ou a função a que ele se destina, no entanto não há um

trabalho, nos manuais científicos, de escrita efetiva do gênero em questão [...].

Logo, a produção do gênero relatório não se limita apenas aos aspectos da forma e muito

menos a pequenos movimentos “linguísticos”. Nesta produção, existe uma série de elementos

que colaboram com a narrativa sobre as experiências vividas, as relações presentes entre os

sujeitos e as aprendizagens construídas nesses espaços. Deste modo, recuperar a voz por meio

da citação é apenas uma delas, pois como nos lembra Bakhtin (2017, p. 68 – 69): “[...] essas

‘palavras alheias’ são reelaboradas dialogicamente em ‘palavras minhas-alheias’ com o auxílio

de outras palavras alheias (não ouvidas anteriormente) e em seguida nas minhas palavras (por

assim dizer, com a perda das aspas), já de índole criadora [...]”.

Ou seja, a incorporação e/ou evocação do dizer do outro são ecos presentes na cadeia

discursiva ideológica, uma vez que todo discurso é dialógico, todo discurso encontra o outro

em seu fio por meio de um já-dito e um devir. Reforçamos ainda que, como estamos esboçando

um dos elementos que incidem no projeto enunciativo deste discente (os interlocutores

mediadores dos letramentos), como o GETA, tal como um modelo sugerido pela instituição,

esse documento traz sua voz de autoridade diante do alunado por meio das forças centrípetas.

Estas, presentes nas orientações postas, sempre são acompanhados de termos ou sequências

injustivas, tais como: “deverão obrigatoriamente”, “obrigatório”, “deve vir”, “deve ser”, “não

insira”, “não deixe”, “Finalize”, entre outros.

Quadro 22 – Exemplo de forças centrípetas no GETA.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

GETA

“Ilustrações: O título da ilustração deve vir na parte superior da figura, em tamanho 12 e precedido por numeral

arábico conforme sua sequencia no texto. Deve ser formatada em espaço simples e a fonte deve vir na parte

inferior da ilustração, tamanho 10, espaço simples. Em caso de autoria própria, usa-se conforme o exemplo:

Elaborado pelo autor. Lembre-se que todas as fontes, da autoria de outrem, devem constar na lista de

referências.” (BRASIL, 2016a, p. 08 – grifos nossos e negrito da obra)134.

“Tabelas: De acordo com o IBGE e a NBR 6029, as tabelas apresentam dados estatísticos; já os quadros contem

informações de texto agrupadas em colunas. O título da tabela deve vir na parte superior em tamanho 12 e

precedido por numeral arábico conforme sua sequencia no texto. Deve ser formatada em espaço simples e a

fonte deve vir na parte inferior, tamanho 10, espaço simples.” (BRASIL, 2016a, p. 08 – grifos nossos e negrito

da obra).

“Devem ser apresentadas no final do trabalho. Sua disposição deve ser em ordem alfabética considerando-se o

último sobrenome do autor, encabeçadas pelo título “referências” (BRASIL, 2016a, p. 12 – grifos nossos).

“CAPA: Elemento obrigatório para proteção externa e sobre o qual se imprimem informações que ajudam na

identificação do trabalho. As informações devem ser apresentadas na seguinte ordem: 1) Nome da Instituição

(obrigatório) 2) Nome do autor, 3) Título, 4) Subtítulo (se houver, deve ser evidenciada sua subordinação ao

134 As transcrições feitas estão tal qual o original, por isso não efetuamos correções de teor linguístico e/ou

ortográfico.

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240

título principal, precedido de dois pontos), 5) Local (cidade) da instituição onde deve ser apresentado, 6) Ano

do depósito (entrega).” (BRASIL, 2016a, p. 16 – grifos nossos e negrito da obra).

“ATIVIDADES DESENVOLVIDAS: Elemento obrigatório para os relatórios (TÉCNICO MÉDIO

INTEGRADO, TÉCNICO SUBSEQUENTE, CURSOS TECNOLÓGICOS) em que deve contar todas as

atividades que foram desenvolvidas pelo aluno. Devem ser indicadas, além das vivências, as referências

bibliográficas, utilizadas no decorrer de cada uma das atividades desenvolvidas. Não insira nada gratuitamente,

porém, não deixe de inserir referências que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades (leis,

códigos, manuais, artigos, livros, sites, etc)” (BRASIL, 2016a, p. 19 – grifos nossos e negrito da obra).

“CONCLUSÃO: Elemento obrigatório para todos os trabalhos acadêmicos. A conclusão consiste em uma

análise crítica do assunto tratado no trabalho acadêmico.

Nos relatórios de estágio devem-se destacar a contribuição para a formação profissional do estagiário. Devem

aparecer, na conclusão, as críticas, positivas ou negativas, devendo ser sempre construtivas. Finalize com o

que foi feito, por que foi feito, como foi feito e a aprendizagem obtida no estágio como um todo. Aqui a reflexão

é sobre o estágio no todo, e não em cada uma das atividades. É a oportunidade que o estagiário tem de dar sua

opinião sobre a validade do estágio orientado ou supervisionado, a importância do estágio para sua vida

profissional, se a teoria aprendida no decorrer do curso contribuiu na realização do estágio” (BRASIL, 2016a,

p. 20 – grifos nossos e negrito da obra).

Fonte: Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (BRASIL, 2016a).

Para o recorte presente no Quadro 22, pontuamos excertos das ilustrações, tabelas, notas

de rodapé, siglas e abreviaturas, equações e fórmulas (seção 03 – GETA), bem como da

estrutura dos trabalhos científicos (seção 06 – GETA). Tais elementos são relevantes por sua

recorrência nos relatórios da nossa análise (ver seção 5.2.1 desta tese). Portanto, o ato de dever

“cumprir”, de dever “fazer”, permeado pela obrigatoriedade da atividade é perpassado em todas

as seções ou descrições do que se espera no modelo indicado ao aluno. Desta forma, além destes

aspectos das forças centrípetas entre o que deve ser produzido em conformidade para se adequar

a estrutura solicitada, há presente o tom impositivo da ordenação por meio de expressões que

incorporam verbos no imperativo, tais como: “Lembre-se”, “Não insira”, “não deixe”,

“Finalize”.

Nesta linha, o GETA tenta se aproximar do seu interlocutor, o discente, ao endereçar

explicitamente a diretriz que ele deve tomar para que obtenha bons resultados. Recordamos que

no guia há seção sobre a condução da entrega final desses trabalhos, no qual cabe ao discente

entregar “[...] 1 (um) CD contendo o arquivo do trabalho de conclusão do curso em PDF”

(BRASIL, 2016a, p. 25). Ressaltamos que essa entrega valida e comprova a finalização de todas

as etapas avaliativas no qual o discente passou após terminar o estágio e só assim ele poderá

estar “[...] apto a receber o diploma de conclusão do curso.” (BRASIL, 2016a, p. 25).

Neste ponto, evidenciamos, mais uma vez, mesmo que tangencialmente, a voz avaliativa

e de poder por aqueles que atestaram e validaram a conformidade da produção escrita segundo

o norte dado pelo GETA e/ou demais documentos institucionais. Pontuamos que “[...] um dos

elos da cadeia dialógica é constituído pelos discursos oficiais que dialogam entre si [...]”

(FUZA, 2016, p. 95). Como efeito, estes também constituem os próprios relatórios de estágio

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241

que, de algum modo, tomaram como espelho esta série de sugestões, de orientações, de

recomendações, de modelos sobre o que fazer, como fazer, quando fazer. Por isso, entendemos

que o GETA possui uma finalidade direcionada, sobretudo, à formatação da estrutura textual,

não diferentemente do nosso último recorte para contextualização e cotejo do texto que

tomamos como escopo para analisar os relatórios, o template sugerido pela instituição.

5.1.1.6 Modelo de relatório dos cursos técnicos (MRCT)

De acordo com Bakhtin (2017, p. 67), “Um texto só tem vida contatando com outro

texto (contexto).” Nesta nosso processo de escuta, buscamos as condições de produção em torno

do cenário proposto nesta tese que norteiam por meio de forças discursivas a cultura do escrito

sobre o gênero relatório de estágio. Assim, adentramos em um material que se torna, a princípio,

mais “prático” segundo os encaminhamentos dados aos discentes, a saber: o Modelo de relatório

dos cursos técnicos (MRCT). Trouxemos o adjetivo “prático”, pois entendemos que o MRCT,

como um “template”, visa a se apresentar como um exemplar no qual os elementos sinalizados

espelham o que é desejado conter naquele dado gênero.

Neste ponto, é enfatizado, sobretudo, a formatação que seria mais aceita pelos pares

acadêmicos. Assim, este modelo ainda vigente na instituição, mas com data de publicação

incerta135, traz aos discentes uma espécie de “molde”, cujo preenchimento com o “conteúdo”

faria ter em “mãos” o relatório finalizado (ver Figura 18)136.

Na realidade, como um modelo de gênero, o MRCT não transmite por meio de uma

seção específica (tal qual uma apresentação e/ou introdução, por exemplo) o escopo pretendido

e nem cria um diálogo mais explícito com seu provável interlocutor na exposição do que é

esperado sobre esse exemplar. Aliás, parte-se, de início, de um pressuposto em torno de um

interlocutor presumido que recorre a este material para colaborar no processo da produção

escrita, segundo o exemplo fornecido pela instituição. Assim sendo, pontuamos que o MRCT

traz a sugestão de modelo a ser seguido respaldado por uma voz de autoridade, de rigor

normativo, ao recuperar normas técnicas da ABNT (NBR 6023 – inclusão de referências; NBR

15287 – elaboração de projetos de pesquisa137) e o GETA do Campus Salgueiro. Este último é

135 Compreendemos se tratar de documento posterior a publicação do GETA – 2016, já que há a forte presença de

entrelaçamento com esse documento institucional (ver Quadro 22). 136 Neste viés, destacamos que o MRCT, como um documento geral, destinado a toda comunidade dos cursos

técnicos (médio integrado e subsequente) do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro, não apresenta as particularidades

em torno dos cursos que usariam esse template. 137 O documento retoma a sugestão dada nessa norma sobre a formatação dos apêndices somente.

Page 243: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

242

citado diversas vezes, especialmente, nos finais de cada seção, para informar que caso haja

dúvida, o discente deverá recorrer àquele material.

Diante disto, evidenciamos como o modelo prioriza, de início, a estrutura e a formatação

dos elementos obrigatórios e opcionais seguindo a proposição já fornecida pelo próprio GETA.

Neste direcionamento, o MRCT traz destaques visuais na cor vermelha como indicativo dos

possíveis espaços para adequações e/ou inserções por parte do estudante-estagiário de acordo

com seu respectivo contexto de atuação. Por sua vez, a permanência dos demais elementos na

cor preta, sinaliza ao interlocutor a obrigatoriedade, a não possibilidade de alterações, a não

abertura para questões de estilo e de autoria singular pelos discentes138, devendo os discentes

seguiram um estilo guiado por esse “molde”, seguindo essas prescrições.

Figura 18 – Modelo de relatório para os cursos técnicos do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro (Capa e

contracapa).

Fonte: Modelo de relatório dos cursos técnicos (BRASIL, 2016b [?]).

138 Reiteramos que entendemos e defendemos que toda e qualquer produção traz marcas de autoria e de estilo dos

sujeitos, mesmo diante de projetos enunciativos que tentam se adequar e responder a “padrões” estabelecidos.

Page 244: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

243

Enfatizamos, segundo nossa observação, que, neste exemplar, divulgado no site

institucional (abas do setor de estágio e da biblioteca) do Campus Salgueiro, nos é indiciado o

modelo de letramento adotado pela instituição, sendo muito distante da proposta feita por Lea

e Street em torno de uma compreensão segundo o modelo dos letramentos acadêmicos, pois ao

priorizar templates a instituição pode deixar transparecer a compreensão que bastaria completar

estes espaços para o sucesso na produção escrita. Deste modo, não são observadas implicações

com relação ao conteúdo expresso, ao contexto, ao horizonte social, aos posicionamentos, à

inserção na CP, dentre outros pontos tão importantes quanto a estrutura.

Entendemos ainda, que o MRCT foi criado com escopo de auxiliar o discente sobre a

confecção e a adoção da estrutura de um gênero no qual a exposição e o contato em seu percurso

formativo tenham se dado por meio de poucas experiências em torno desta produção. Nossa

reflexão se ancora nas indicações presentes especialmente nos PPC de ambos os cursos, visto

que se visualiza a sugestão educacional com relação à reflexão sobre este gênero somente em

momento pontual, por intermédio de uma disciplina tal como a de língua portuguesa ou

somente, no caso do curso de Edificações, com uma disciplina dedicada ao estágio, no qual se

supõe a vivência desta prática em torno da produção escrita. Contudo, não podemos afirmar

categoricamente que os discentes tenham tido pouco contato com o referido gênero, uma vez

que não fizemos uma pesquisa diretamente com os docentes (pesquisa de campo) das

disciplinas em tela.

Ainda em nossas reflexões sobre o MRCT, conseguimos visualizar a presença de um

elemento novo, se compararmos com as seções indicadas a compor o relatório de estágio

segundo o GETA: a folha de aprovação (Figura 19). Este elemento não está presente na sugestão

de formatação proposta pelo guia, mas é algo importante para nossa reflexão, sobre as forças

que incidem no projeto de dizer dos discentes. De fato, a existência dessa página nos indicia a

presença da voz avaliativa, da sombra que permeia o aluno quando da construção do seu projeto

de dizer, na confecção do relatório. Inclusive, na sugestão fornecida pelo MRCT no exemplo

de agradecimentos, as figuras desses interlocutores mediadores dos letramentos são evocadas,

tais como: o professor orientador e os professores participantes da banca (o próprio orientador

e o avaliador externo, no caso o supervisor do estágio na empresa concedente).

Assim, a voz avaliativa de ênfase sobre o lugar do estágio curricular como uma etapa

formativa educacional e que possui poder para “obtenção do título de”, torna-se um elemento

importante sobre o horizonte social partilhado entre os sujeitos que integram o estágio. A

mesma possui força também sobre as escolhas discursivas do que abordar no relatório, sobre o

Page 245: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

244

endereçamento que indiciará o projeto discursivo do estudante-estagiário, pois este constrói o

relatório guiado para uma “banca examinadora” e, consequentemente, visando ser “Aprovado

em”. Neste quesito, lembramos que a etapa avaliativa não deve ser tomada como algo ruim,

mas como algo inerente ao percurso formativo do estudante, defendemos, justamente,

compreender esse momento como etapa salutar para o aprendizado, no qual é oportunizado

possibilidades de criações de aprimoramento e desenvolvimento de competências do alunado

(ABREU, 2011)139.

Figura 19 – Folha de aprovação e agradecimentos no MRCT.

Fonte: Modelo de relatório dos cursos técnicos (BRASIL, 2016b [?]).

De todo modo, reiteramos que o MRCT apresenta um enrijecimento na sua proposição

ao confirmar a presença do teor normativo, prescritivo e avaliativo influenciando o projeto

139 Assim como, pontuamos que, de igual modo, as forças centrípetas não podem ser vistas como vilãs no processo

discursivo da linguagem. Na realidade, ela é constituinte dessa mesma linguagem, onde ocorre tensionamentos e

lutas.

Page 246: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

245

enunciativo dos estudantes. Em diversos momentos, além dos elementos apresentados,

encontramos o guiar desse processo narrativo para o poder de síntese, por exemplo: “Aborda o

assunto de maneira generalizada e breve, entre uma e duas páginas” (BRASIL, 2016b [?], p.

04 – grifos do autor), “redigidos de forma resumida até a metade da próxima página” (BRASIL,

2016b [?], p. 05), “O desenvolvimento tem por objetivo expor, de maneira clara, objetiva [...]

Não insira nada gratuitamente” (BRASIL, 2016b [?], p. 06). Ou seja, neste recorte já

observamos uma indicação de limitação sobre a introdução, sobre a apresentação da instituição

e sobre o próprio desenvolvimento.

Conforme refletem Abreu e Barbosa (2020), a prática de delimitar por meio da exigência

da objetividade ou mesmo da quantificação de páginas para cada seção é prejudicial ao projeto

de dizer ou ao todo arquitetônico (PAULA, 2021b), uma vez que ao produtor do texto serão

demandadas outras estratégias discursivas para compilar pensamentos e reflexões que

mereceriam aprofundamento, mas por conta da delimitação não são revelados em maiores

desdobramentos. Em nosso caso, compreendemos que este fator prejudica o projeto de dizer

dos estudantes, bem como a reflexão que une a narrativa das ações e a construção argumentativa

do uso da aprendizagem em favor das práticas laborais, pois se tratam de jovens produtores

neste contexto específico.

Nesta linha de fatores ou elementos que incidem na produção e no discurso dos

discentes, destacamos outros pontos no MRCT que dizem respeito a estas forças e à maneira

como a produção escrita é direcionada. De fato, encontramos neste modelo, mesmo que de

forma breve, orientações sobre o conteúdo a ser exposto acerca do que “foi feito”, “por que foi

feito”, “como foi feito” e na indicação da explanação sobre “qual aprendizagem com a

atividade” foi desenvolvida.

Quadro 23 – Exemplo de forças centrípetas no MRCT.

INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO

MRCT

“A introdução é importante para orientar aquele que vai ler o relatório. Deve conter informações de quem

fez o relatório, o que contém, como e por que foi feito o estágio. Aborda o assunto de maneira generalizada

e breve, entre uma e duas páginas. É a primeira página que apresenta numeração impressa e seu número

deve ser o total de páginas anteriores, com exceção da capa.

Por tratar-se de relatório (relato pessoal), em todo o relatório é usada a 1ª pessoa do singular explicitando,

claramente, o que você fez e o que você aprendeu. Lembre-se que esse relato será a base da avaliação de seu

desempenho no estágio curricular obrigatório supervisionado.” (BRASIL, 2016b [?], p. 04 – negrito do autor

e grifos nossos).

“Deve conter um texto que apresente a empresa/instituição em que o estágio foi realizado, abordando

informações sobre um breve histórico da organização, caracterização do segmento de mercado,

infraestrutura do local de trabalho e principais atividades realizadas no setor, redigidos de forma resumida

até a metade da próxima página.

Page 247: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

246

O texto deve ser digitado obedecendo às regras do Guia de Elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso

do IF Sertão PE.” (BRASIL, 2016b [?], p. 05 – grifos nossos).

“O desenvolvimento tem por objetivo expor, de maneira clara, objetiva e com detalhes fundamentais, as idéias

principais das tarefas realizadas no estágio, analisando-as e ressaltando os pormenores mais importantes.

Cada atividade desenvolvida no estágio se constituirá de um subtítulo (ver Sumário) no qual o estagiário

relatará:

O que foi feito;

Por que foi feito;

Como foi feito;

A aprendizagem com essa atividade.

Devem ser indicadas, além das vivências, as referências bibliográficas, webgráficas, etc, utilizadas no

decorrer de cada uma das atividades desenvolvidas. Não insira nada gratuitamente, porem não deixe de

inserir referências que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais,

artigos, livros, sites, etc).140

Para elaborar as referências corretamente confiram o Guia de Elaboração dos Trabalhos de Conclusão de

Curso do IF Sertão PE” (BRASIL, 2016b [?], p. 06 – grifos nossos).

“A conclusão consiste em uma análise crítica do estágio em termos de contribuição para a formação

profissional do estagiário. Devem aparecer, na conclusão, as críticas, positivas ou negativas, devendo ser

sempre construtivas.

Finalize com o que foi feito, por que foi feito, como foi feito e a aprendizagem obtida no estágio como um

todo. Aqui a reflexão é sobre o estágio no todo, e não em cada uma das atividades, como no desenvolvimento.

É a oportunidade que o estagiário tem de dar sua opinião sobre a validade do estágio orientado ou

supervisionado, a importância do mesmo para sua vida profissional, se a teoria aprendida no decorrer do

curso contribuiu, pesou na realização do estágio141.” (BRASIL, 2016b [?], p. 07 – grifos nossos).

“A referência é elemento obrigatório em qualquer trabalho acadêmico, pois nela consta a relação dos autores

e obras consultadas por ocasião no decorrer das atividades desenvolvidas, e na redação do relatório,

seguindo as normas da ABNT NBR 6023.

Para elaborar as referências corretamente confiram o Guia de Elaboração dos Trabalhos de Conclusão de

Curso do IF Sertão PE.” (BRASIL, 2016b [?], p. 08 – grifos nossos).

“Conjunto de material ilustrativo ou complementar ao texto, produzido pelo aluno, tais como gráficos,

tabelas, diagramas, fluxogramas, fotografias, tabelas de cálculos, símbolos, descrição de equipamentos,

modelos de formulários e questionários, plantas ou qualquer outro material produzido. É um elemento

opcional.

O material ilustrativo deve aparecer somente quando necessário à compreensão e esclarecimento do texto,

sem qualquer finalidade decorativa ou de propaganda. Se for em número reduzido e indispensável ao

entendimento do texto, pode ser usado junto à parte a que se refere. Quando em maior quantidade, para não

sobrecarregar o texto, é colocado como apêndice.

Os elementos que formarão o apêndice não podem deixar de ser referenciados no texto do relatório. Exemplo:

Ver apêndice I, Fig. 1.

O(s) apêndice(s) é (são) identificado(s) por letras maiúsculas consecutivas, travessão e pelos respectivos

títulos. Excepcionalmente, utilizam-se letras maiúsculas dobradas na identificação dos apêndices, quando

esgotadas as letras do alfabeto142 (Ver ABNT NBR15287).” (BRASIL, 2016b [?], p. 09 – grifos nossos).

Fonte: Modelo de relatório dos cursos técnicos (BRASIL, 2016b [?]).

Neste sentido, o modelo proposto revisita a voz da autoridade, a voz avaliativa, a voz

do “cumpra-se” ao informar ao aluno que este deve convencer/persuadir seu interlocutor: neste

caso, muitas vezes, o próprio orientador que é um dos membros da banca examinadora. De fato,

tal convencimento deve ser ancorado em uma habilidade de poder de síntese e de adequação ao

que é proposto no MRCT. Isto visualizamos nos direcionamentos da introdução do trabalho,

140 Parágrafo similar ao que há proposto no GETA sobre a descrição das “atividades desenvolvidas”. 141 Parágrafo similar ao que há proposto no GETA sobre a “conclusão” dos relatórios de estágio. 142 Trecho similar ao que é encontrado na ABNT NBR 15287.

Page 248: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

247

pois essa escrita: “é importante para orientar aquele que vai ler o relatório”, e, “Lembre-se

que esse relato será a base da avaliação de seu desempenho no estágio curricular obrigatório

supervisionado”.

Assim sendo, para que o discente efetue sua escrita segundo os padrões solicitados, este

é guiado para um “dever fazer”, cuja inserção das informações postas pelo MRCT são

elementos obrigatórios no êxito da aprovação, conforme vemos nas expressões/sequências

injuntivas: “Deve conter”, “Devem ser”, “Não insira”, “não deixe de inserir”, “Devem

aparecer”, “devendo ser”, “Finalize”, “deve aparecer”, “não podem deixar”, por exemplo.

Além disso, outro quesito é posto em destaque pelo MRCT, a saber: a forma de inserção

da voz do aluno no texto, na relação do estilo adotado, uma vez que ao aluno é orientado que

“Por tratar-se de relatório (relato pessoal), em todo o relatório é usada a 1ª pessoa do

singular”. Refletimos que, nesta prescrição de como utilizar a linguagem, o MRCT valida mais

uma vez a voz de autoridade, demarcando a escolha das marcas enunciativas destes sujeitos no

processo narrativo, descritivo e/ou argumentativo sobre a experiência do estágio. Diante desta

questão, frisamos o que dizia Bakhtin (2019a, p. 41) sobre a tendência de manuais, guias,

roteiros a apresentarem uma linguagem “uniformizada”. Com efeito, esta característica faz com

que discentes tentem repetir ou se adequar a estes padrões, esquecendo de sua “personalidade”,

“cor” e “expressividade”. De fato, os alunos, muitas vezes, produzem textos cujos sentidos e

efeitos não ganham outros desdobramentos, sendo a produção feita e direcionada, em nosso

contexto, para a nota e arquivamento nos setores do IF, por muitas vezes.

Deste modo, o relato da “contribuição para a formação profissional”, para a

constituição da própria participação periférica legitimada em meio aos pares com maior

expertise, só encontra espaço, segundo o MRCT, na seção de conclusão. Nesta parte do

trabalho, de acordo com o modelo apresentado, é onde o sujeito pode se inserir de fato, por

meio de julgamentos, críticas e sugestões acerca da experiência no universo do trabalho143.

Em suma, visualizamos as forças/os modelos sobre o que dizer e como dizer,

demonstrando que existem certas posturas a serem seguidas na produção deste gênero diante

deste contexto, no qual os interlocutores mediadores dos letramentos validam este dizer. Na

realidade, compreendemos que, assim como aponta Bakhtin, fenômenos tais como ordens,

exigências, proibições, mandamentos, entre outros, são elementos constitutivos de uma

“realidade extracontextual” (BAKHTIN, 2017, p. 70). Neste universo, o tom dos enunciados se

143 Esta é a “oportunidade” de dar a real voz ao estagiário, para que o mesmo se sinta à vontade em expor o que de

fato contribuiu em sua experiência e na sua formação. Porém, precisamos destacar que tal exposição, segundo o

MRCT, deve ser sempre amparada pelo viés “construtivo” do comentário.

Page 249: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

248

faz fortemente presente sustentando a própria superestrutura do viés ideológico da linguagem.

Entretanto, conforme destacamos em nosso cotejo, estas marcas participam e se integram em

realidades próximas de acordo com as relações, os embates discursivos e ideológicos, as

configurações do que esperam em dadas comunidades de práticas segundo este cenário.

Diante disso, nossa proposta, neste ponto da tese, é descrevermos e analisarmos como

as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva se encontram nos relatórios de estágio

de EMI dos cursos de Agropecuária e de Edificações, engendrando as comunidades de práticas

de cursos distintos, uma vez que inúmeras forças incidem e medeiam a cultura do escrito diante

destes contextos.

5.2 O PROJETO EXECUTIVO – AS RELAÇÕES DIALÓGICAS NA DIMENSÃO

INTERDISCURSIVA EM COMUNIDADES DE PRÁTICAS DE AGROPECUÁRIA E DE

EDIFICAÇÕES NO RELATÓRIO DE ESTÁGIO

Ao recuperarmos as relações que nos indiciam os documentos institucionais como um

dos interlocutores mediadores dos letramentos dos estudantes de EMI, partimos da

compreensão que, no cotejo, revelamos a “voz de autoridade” existente para com e sobre os

sujeitos que integram os processos da vivência dessa etapa formativa que é o estágio. Como um

“supradestinatário”, a instituição orienta os papéis destes sujeitos, bem como formaliza a cultura

do escrito, pois “[...] vigia as produções a partir de seus próprios membros, daqueles que

aprenderam os modos de dizer [...]” (FRANÇA, 2020, p. 475).

Neste quesito, deparamos com “relações autoritárias,” que tendem a nos colocar

“assimetricamente” diante de nosso interlocutor no processo de interlocução (MIOTELLO,

2018c, p. 66) sobre o nosso projeto de dizer. Estas relações ainda tendem a uniformizar certos

enunciados, tal como o direcionamento em torno da forma composicional e temática do gênero

relatório. Assim, entendemos que os discentes são capazes de dialogar com todas estas

imposições, bem como construir seu percurso discursivo por meio de marcas enunciativas que

os singularizam e os fazem integrar sua respectiva CP.

Logo, partimos da compreensão que, embora tomando um mesmo objeto de forma única

e estável, tal como o modelo proposto sobre o relatório de estágio segundo o IF Sertão/PE, este

mesmo objeto é ressignificado, pois é perpassado pela singularidade, pelos valores atribuídos,

pelo estilo adotado, pelos sentidos construídos por parte de seus produtores. Assim sendo,

entendemos que a escrita do relatório tende a ser constantemente direcionada ao “outro.”, pois

estão entrelaçados: a relação o eu-para-o-outro, como o outro me vê e me avalia (já que estamos

Page 250: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

249

em um processo educacional, formativo e avaliativo como bem enfatizado pelos documentos

institucionais de nosso recorte); porém, esse mesmo sujeito, não pode "ser forçado ou tolhido"

na sua autorrevelação (BAKHTIN, 2017, p. 59).

Desta maneira, o discente como um jovem produtor de textos, do que, por ora,

denominamos de uma esfera como a acadêmico-profissional, busca se integrar à etapa de

capacitação e produz o seu relatório deixando rastros em torno da dimensão interdiscursiva, dos

letramentos vividos, por exemplo. Assim, o estudante-estagiário recupera outras vozes para

amparar a descrição das suas ações e/ou atividades, criando estratégias discursivas para

apresentar melhor o seu aprendizado neste cenário. Por isso, estes sujeitos retroalimentam por

meio de suas singularidades o seu próprio mundo social diante da sua CP, eles criam projeções

de novos diálogos a partir da cultura e da identidade instaurada como veremos a seguir, ao

descrevermos e analisarmos os relatórios de estágio dos cursos de Agropecuária e de

Edificações do EMI – Campus Salgueiro.

Ratificamos que nosso escopo recai, inicialmente, na análise da estrutura do gênero

relatório, revisitando e traçando paralelos com as forças centrípetas postas pelos documentos

institucionais. Nestes ecos dialógicos, podemos transitar de uma análise da forma

composicional para uma forma arquitetônica, as quais compreendem o endereçamento, o estilo

e a cadeia das relações evocadas pelos sujeitos nesse dado contexto.

Desta forma, temos ainda, um segundo momento de análise por meio da reflexão em

torno da dimensão interdiscursiva que colabora na própria constituição da CP. Neste ponto,

revisitamos o fio discursivo identificando: as formas de inserção do discurso "alheio" como

palavra "minha"; as formas marcadas do projeto de dizer; e, a relação interdiscursiva reveladas

pelas RD.

5.2.1 A materialidade macrotextual-discursiva nos relatórios: ecos das vozes

institucionais?

Segundo Sobral (2009), quando pensamos em “forma” vinculada ao gênero, devemos

compreendê-la, por um lado, sob o viés da materialidade do texto por meio da sua forma

composicional e, por outro, pelo viés da superfície discursiva. Esta última se atrela à própria

organização do conteúdo vislumbrado pela materialidade verbal, imbricada pelas relações entre

autoria, conteúdo temático e endereçamento. Assim, quando seguimos essa linha, não nos

deparamos somente com a forma estrutural do gênero, mas com a forma arquitetônica deste

gênero.

Page 251: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

250

Para o autor, e coadunamos com ele, “[...] a forma composicional cria um dado texto e

a forma arquitetônica uma dada forma de interlocução, de relação entre autor e ouvinte, locutor

e interlocutor. [...]” (SOBRAL, 2009, p. 68 – 69). A título de exemplificação, se tomarmos o

nosso contexto de pesquisa, defendemos que o gênero relatório cumpre um papel de

responsividade ativa por meio do alto grau de resposta por parte dos sujeitos estudantes-

estagiários, uma vez que estes são convocados a, inevitavelmente, “produzir” um relato sobre

“[...] o que você fez e o que você aprendeu [...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 04 – grifos do autor),

perpassado por um tensionamento que é a pressão da aprovação (forças avaliativas).

Aos discentes são feitas exigências em torno de uma “adequação” discursiva, de uma

escrita como “amarras”, de um apagamento enunciativo que tende a resumir a escrita a um

modelo de letramento pautado na estrutura, enquanto seres respondentes, essencialmente

dialógicos144. Assim, é na forma arquitetônica do gênero que conseguimos encontrar as

particularidades dessa escrita, quer seja de ordem linguística, quer seja de ordem discursiva ao

implicar o outro neste dizer, ao construir relações dialógicas com já-ditos e com o porvir.

Neste sentido, propusemos inicialmente refletirmos sobre a forma estrutural do gênero

e os efeitos das forças centrípetas no projeto de dizer destes discentes estagiários. A fim de não

esquecermos do projeto arquitetônico em sua integralidade, vamos aprofundando as análises

quando das relações dialógicas no fio discursivo por meio da presença do outro no enunciado e

compreendendo a constituição das CP dos grupos investigados: Agropecuária e Edificações.

Portanto, pautados no viés dialógico para nossa reflexão, partimos da compreensão que na

forma arquitetônica encontramos o espaço para a dispersão, para a construção da resistência

por meio de forças centrífugas frente à imposição verboideológica de confecção deste gênero

em específico.

Lembramos que, segundo o GETA e o MRCT, as partes que integram a estrutura formal

do gênero relatório de estágio, no contexto do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro, são: os

elementos pré-textuais (Capa, folha de rosto, folha de aprovação, agradecimentos, lista de

ilustrações, lista de tabelas, lista de gráficos), os textuais (Introdução, identificação do campo

de estágio, apresentação da instituição, atividades desenvolvidas, conclusão) e os pós-textuais

(Referências, apêndice, anexos). Nesta configuração, tais itens são considerados elementos

obrigatórios e/ou opcionais145 quando da produção escrita por parte do discente. Assim,

enfatizamos que a nossa análise que por ora apresentamos por meio de uma divisão por seções

144 Essas amarras não conseguem tolher toda criação, liberdade, forma de dizer dos sujeitos discursivos. 145 Ao longo de nossas análises informaremos quais são esses para não incorrer em repetições, já que nas análises

do GETA e do MRCT já abordamos tal tema também.

Page 252: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

251

do gênero relatório, é apenas um tratamento didático, pois entendemos que estas seções

compõem e caracterizam o todo, conforme expusemos na reflexão sobre este gênero na parte

teórica da tese.

5.2.1.1 Elementos pré-textuais

Em relação ao primeiro eixo da materialidade textual discursiva dos relatórios,

destacamos inicialmente os elementos pré-textuais. De acordo com os resultados expostos na

Tabela 5, estes demonstram forte adequação por parte dos discentes, especialmente, quando da

obrigatoriedade da presença de tais elementos que compõem a estrutura do gênero relatório de

estágio. Isto se deu segundo as prescrições dadas pelos interlocutores mediadores dos

letramentos que expusemos em nossa contextualização sobre a história do texto.

Compreendemos, assim, que o “ajustamento” diante de uma forma e/ou modelo segundo as

proposições dadas por estes interlocutores nos dão indícios das respostas por parte dos

discentes, comprovando um diálogo com os encaminhamentos fornecidos por tais documentos,

manuais ou guias.

Tabela 5 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pré-textuais.

CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018

1.1 Elementos

pré-textuais

(obrigatórios)

Capa 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Folha de rosto 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Folha de aprovação 0% 25% 33,3% 100% 100% 100%

Sumário 100% 100% 100% 100% 100% 100%

1.2 Elementos

pré-textuais (não

obrigatórios)

Agradecimentos 50% 25% 66,6% 0% 37,5% 100%

Lista de ilustrações 0% 0% 0% 100% 62,5% 0%

Lista de tabelas 0% 0% 0% 0% 0% 0%

Lista de gráficos 0% 0% 0% 0% 0% 0%

Lista de abreviaturas e

siglas

0% 0% 0% 0% 0% 0%

Lista de símbolos 0% 0% 0% 0% 0% 0%

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Deste modo, dentre os elementos “obrigatórios”, sinalizamos que capa, folha de rosto e

sumário estão presentes em todos os vinte e seis relatórios analisados (treze de Agropecuária e

treze de Edificações). Porém, a “folha de aprovação” não possui a mesma aderência entre os

Page 253: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

252

cursos. Na CP146 do curso de Edificações, por exemplo, os treze discentes a inseriram,

“obedecendo” às solicitações de obrigatoriedade desse item.

Ressaltamos que a estrutura de formatação deste elemento, em dados momentos, segue

modelos distintos: um associado a um padrão criado e utilizado pelo grupo, e outro, associado

ao MRCT. Neste quesito, os orientandos dos dois docentes usam ambos os modelos. Entretanto,

observamos que há uma alteração com o passar do tempo de uma formatação peculiar presente

nos anos do recorte inicial dos nossos dados (relatórios dos anos de 2016 e princípio de 2017)

para um modelo conforme proposto pelo MRCT (relatórios de 2017 e 2018). Nosso

entendimento é que este último documento, o MRCT, possui o poder institucional sobre a

cultura do escrito neste contexto ao alterar certas práticas de uso comum entre os membros

daquela CP, pois já existia uma prática validada entre orientadores e orientandos que

caracterizavam a dinâmica da confecção dessa seção “folha de aprovação” para o grupo de

Edificações.

Figura 20 – Exemplos de folha de aprovação do curso de Edificações147.

Fonte: REDO2 – EDIF 04, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2017.

146 A partir dessa seção de análise já afirmaremos que ambos os cursos são CP, pois os próprios documentos

institucionais cotejados já nos deram subsídios para respaldarmos essa afirmação, bem como ao decorrer de nossa

reflexão investigativa vemos que isso se consolida. 147 Inserimos tarjas pretas nas identificações dos alunos, dos orientadores e/ou dos supervisores presentes ao longo

do relatório, pois já efetuamos uma codificação visando a preservação da face desses sujeitos.

Page 254: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

253

Na Figura 20, recuperamos duas folhas de aprovação de um mesmo ano, 2017.

Entretanto, visualizamos a “transição” de um modelo a outro. Conforme observamos, o teor do

conteúdo é bastante similar: a alteração entre um e outro é a formatação e a localização de dados

elementos. No exemplar utilizado pela CP de Edificações antes da implementação posta pelo

MRCT, a folha de aprovação trazia a identificação da instituição, o título da seção, o nome da

aluna, o propósito do relatório (centralizado), assinatura e nome do orientador, e, por fim a

informação da aprovação pela coordenação com data especificada.

Por sua vez, o modelo indicado pelo interlocutor mediador dos letramentos traz um

“enxugamento” das informações: nome do aluno centralizado, título do relatório, o propósito

do texto (alinhado à direita), informação da aprovação (alinhado à esquerda), informações da

banca examinadora com as assinaturas, local e data. Assim, entendemos que tais alterações

ainda que de “ordem” mínima, indiciam-nos os outros movimentos do caráter impositivo e dos

efeitos na escrita dos discentes148.

Em relação à folha de aprovação, no caso do curso de Agropecuária, essa não apresenta

recorrência no uso pelos seus membros. Pelo recorte longitudinal proposto para esta tese,

observamos que a presença de tal elemento vem aumentando com o passar do tempo, mas ainda

assim precisaríamos observar se essa prática se consolidou tal como no curso de Edificações,

cuja presença já é comum entre esses membros antes mesmo de certas publicações

institucionais. Uma de nossas reflexões para com a CP de Agropecuária é que, com relação ao

ano de 2016, os discentes poderiam ter tido contato apenas com o GETA e não com MRCT, no

qual a data de publicação é indefinida, mas certamente posterior ao guia devido a referências

daquele neste documento.

Relembramos que nos encaminhamentos fornecidos pelo GETA não há a menção à

folha de aprovação como parte obrigatória e constituinte do gênero relatório. Assim, nos demais

anos e pós-publicação do MRCT, vemos a presença tímida de tal componente característico do

gênero com a CP do curso de Agropecuária. Logo, não podemos correlacionar também a

ausência desta folha de aprovação à figura do orientador como um dos interlocutores

mediadores dos letramentos. Os dois exemplos de inserção deste elemento no ano de 2017, na

148 Conforme temos refletido ao longo de nossa análise, os documentos institucionais buscam “padronizar” a

escrita de discentes de independente do curso, talvez o façam pensando em uma identidade institucional macro,

mas acaba esquecendo as singularidades existentes entre grupos ou ainda não deixam claro o posicionamento para

outras formas peculiares do uso deste gênero. A título de exemplificação, no âmbito da CP de Edificações, o grupo

já possuía uma certa prática de letramento em torno da estrutura do gênero relatório de estágio, mas ao longo dos

anos precisou se “adequar” e fazer parte da dinâmica institucional solicitada, tal qual o modelo do MRCT ou do

GETA.

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254

CP de Agropecuária, eram de orientadores diferentes (REDO2 e RED04). Por sua vez, a

amostra de 2018 é inserida pela orientanda do DO4 – assim, os demais relatórios que não trazem

a folha de aprovação possuem as orientações divididas entre estes dois docentes-orientadores,

cujo impacto não nos dá indícios de uma suposta influência destes sujeitos neste quesito.

De igual modo, outro ponto de destaque é que os exemplares dos estudantes-estagiários

do curso de Agropecuária que inseriram a folha de aprovação no relatório, foram todos bolsistas

(PIBIC-Jr. ou PIBEX-Técnico). Entretanto, não podemos afirmar que a condição da vivência e

do contato com outras práticas de letramentos sobre a cultura do escrito fariam os discentes

atentarem para a obrigatoriedade deste elemento, uma vez que outros três discentes que também

haviam sido bolsistas não inseriram a folha de aprovação em seus respectivos relatórios, por

exemplo.

Figura 21 – Folha de aprovação/agradecimento REDO4 – AGRO 02, 2018.

Fonte: REDO4 – AGRO 02, 2018.

Page 256: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

255

Neste ponto, evidenciamos que entre os relatórios da CP de Agropecuária que trazem

este elemento, dois seguem o que é proposto pelo MRCT e um apresenta uma formatação tanto

quanto peculiar: na mesma página, traz as assinaturas da banca examinadora somada aos

agradecimentos. Contabilizamos tal materialidade como exemplo de inserção da folha de

aprovação, pois REDO4 – AGRO 02, 2018 evoca a figura da banca avaliativa do trabalho,

mesmo não utilizando os elementos formais e estruturais solicitados para esta seção. Conforme

salientam Paula e Paglione (2020, p. 39) “[...] os gêneros não são uma fórmula composta apenas

por traços estruturais, mas sim por um projeto discursivo de dizer [...]”, desse modo “[...] não é

por ter um traço modificado que o enunciado deixa de pertencer a um determinado gênero”.

Pontuamos que estes discentes estão vivenciando uma esfera de produção acadêmica e

profissional, cuja base é o aprendizado/a etapa formativa. No momento de construção do

conhecimento, de inicialização nestes espaços, caberia à figura do orientador e/ou supervisor

atentar para o fato da “adequação” à estrutura composicional do gênero, à cultura instaurada

pelos pares que validam este dizer. No caso da discente em tela, mesmo com sua vivência como

bolsista, transparece-nos que não houve o “cuidado” com as distinções das seções que compõem

a tradição deste gênero. Assim, ainda nos cabe refletir sobre alguns pontos: será que esta

estudante sabia “manejar” as finalidades destas seções? Bem como sabia das formatações destes

itens? Ou este foi um erro de impressão que modificou e alterou o texto para o leitor?

Estes são questionamentos que nos surgem ao pensarmos como em um relatório

avaliado, a união de certas seções passou despercebida. Porém, conforme expusemos ao

revisitar Paula e Paglione (2020), entendemos que o elemento folha de aprovação está presente

neste caso.

Podemos perceber também que as indicações postas pelos documentos institucionais

guiam minimamente a produção escrita destes discentes e se consolidam como um dos

interlocutores mediadores dos letramentos, mesmo que, em dados momentos, a força centrípeta

influencie na uniformidade dessa escrita, tal como observamos nos exemplares propostos pelo

GETA e pelo MRCT. Em uma análise mais acurada das demais partes que compõem os

elementos pré-textuais, temos mais indícios destas forças.

Desta forma, encontramos particularidades na produção escrita de cada um, pois os

discentes-estagiários seguem uma formatação distinta, sobretudo, quando da inserção do

cabeçalho nestes relatórios. Ressaltamos que, segundo o GETA, a capa é um elemento pré-

textual obrigatório, a qual deve exibir informações que auxiliam o “leitor” na identificação do

seu trabalho. Na capa devem constar: nome da instituição, nome do autor, título, subtítulo

Page 257: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

256

(quando houver), local (cidade) e ano de depósito. Porém, este guia não apresenta um modelo

de capa, tal exemplo só é visto no MRCT (Figura 18). O template proposto por esse documento,

certamente chegou às mãos dos discentes e dos orientadores somente em momentos posteriores

da produção dos relatórios.

Figura 22 – Exemplos de capas do curso de Agropecuária.

Page 258: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

257

Fonte: REDO2 – AGRO 01, 2016, REDO4 – AGRO 04, 2017 e REDO4 – AGRO 06, 2017149.

Depreendemos que a ausência de um “exemplar”, especialmente, diante dos anos

iniciais do nosso recorte longitudinal, fez com que a CP de Agropecuária não tivesse um

“padrão” com relação à capa de acordo com os exemplos expostos na Figura 22.

Nestes três exemplos, o cabeçalho seguiu caminhos distintos: em REDO2 – AGRO 01,

2016, temos o recorte do ícone de apresentação da instituição somada ao nome do Campus de

origem, tal como a logo oficial do IF Sertão/PE até meados de 2016.

Por sua vez, em REDO4 – AGRO 04, 2017, não há a inserção de um ícone, mas o

preenchimento das informações segundo os elementos indicados pelo GETA e embora distinto

149 Reforçamos que em nosso momento prévio de contextualização do estágio no IF Sertão/PE – Campus Salgueiro,

pontuamos que os discentes poderiam cursar o estágio quando finalizado o 3º ano do ensino médio e esses

possuíam prazos para a entrega final desse relatório. Desse modo, destacamos que mesmo o discente tenha

finalizado o estágio ainda em um ano “X”, ele pode ter sido diplomado somente no ano seguinte (quer seja por

pendências em outras disciplinas – retenção escolar, quer seja pelo calendário com ajustes, quer seja somente pelo

atraso na entrega final do relatório), por isso, às vezes encontramos a codificação de 2017 e a na capa há a

informação da data de 2016 (ano quando cursou o estágio).

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258

da formatação do template exposto pelo MRCT, há o conteúdo expresso como na indicação

desse documento – dados como a vinculação à coordenação e ao curso. Já em REDO4 – AGRO

06, 2017, há a mescla destes últimos modelos, a inserção da logo oficial atual do IF Sertão/PE

com as informações referentes a qual coordenação e curso o discente está vinculado150.

Assim como nestes três exemplos, somente outro relatório traz essa particularidade com

relação à capa, o relatório REDO4 – AGRO 01, 2016, que adota o mesmo estilo de REDO2 –

AGRO 01, 2016. Os demais relatórios da CP do curso de Agropecuária seguem o modelo

proposto pelo MRCT.

Figura 23 – Exemplos de capas do curso de Edificações.

150 Como tivemos acesso aos relatórios por meio do repositório institucional (Releia), não conseguimos afirmar se

os alunos entregaram uma versão colorida dos relatórios, já que nesse espaço fora disponibilizado somente uma

versão digital em preto e branco, enquanto alguns exemplares foram apresentados em versões coloridas de

visualização.

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259

Fonte: REDO2 – EDIF 01, 2016, REDO2 – EDIF 01, 2017 e REDO2 – EDIF 04, 2017.

Em relação à CP de Edificações, observarmos uma regularidade que nos evidencia o

repertório partilhado naquele grupo social: apesar de não seguir o modelo adotado como oficial

pela instituição, os relatórios referentes ao ano de 2016 (100%) e 2017 (62,5%) apresentaram

um outro formato para a capa, dando destaque ao design presente no cabeçalho. Neste,

visualizamos do lado esquerdo a logo da instituição vigente à época e, em sua continuidade,

direcionado ao lado direito há um quadro verde esfumaçando para uma coloração mais forte.

Tal recuperação de elementos se soma à própria identidade macro das cores dos IF (verde e

vermelho).

Neste sentido, entendemos que a CP do curso EMI de Edificações, antes dos efeitos de

uma padronização hierarquicamente institucionalizada, tal como o MRCT (os demais

relatórios, especialmente dos anos mais atuais, seguem esse documento), havia criado uma

identidade visual em seus relatórios, diferentemente da CP de Agropecuária na qual não havia

essa “regularidade”. Assim, a adesão a um projeto gráfico pelos membros de uma CP, tal como

encontramos na CP de Edificações, demarcava a atuação e filiação de seus membros como um

repertório a ser partilhado diante de uma determinada prática em torno do letramento proposto

para a escrita do relatório.

Page 261: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

260

Nesta linha em torno das singularidades dos sujeitos e dos grupos que estes integram,

vislumbramos, ainda na capa, outro ponto de especial importância: o título. Segundo Abreu

(2011, p. 101), tal elemento traz ao leitor, ao interlocutor, “[...] vínculos com informações

textuais e extratextuais [...]”, pois é pelo título que se dá o primeiro contato com o texto,

ativando relações prévias de um dado conteúdo temático, bem como a nível textual remonta a

“[...] síntese da ideia a ser exposta [...]”. Logo, quanto maior informação o leitor/interlocutor

tiver, melhor será a sua construção de sentidos sobre o que é esperado daquele texto.

Em nosso contexto, diagnosticamos uma característica peculiar sobre os títulos nas

produções da CP do curso de Agropecuária, pois diferentemente da CP de Edificações, que

torna padrão o título ao identificar o trabalho sobre quatro frentes, a saber: “Relatório de estágio

curricular de habilitação profissional em técnico em edificações”, “Relatório de estágio

curricular obrigatório de habilitação profissional em técnico de edificações” (grifos nossos),

“Relatório de estágio” e “Relatório”, pouco ou nada fornece ao leitor/interlocutor informações

sobre a qual área de atuação o discente realizou o estágio. Deste modo, faz-nos necessário

iniciar a leitura da seção de desenvolvimento das atividades para recorrer a tal tema.

Por sua vez, em Agropecuária, dos treze relatórios analisados, temos oito exemplares

que recuperam a funcionalidade do título, conforme reportado por Abreu (2011), além da

recorrência mais usual, tais como: “Relatório de estágio curricular de habilitação profissional

em técnico em agropecuária” ou “Relatório curricular de habilitação profissional em técnico

em agropecuária”.

Na realidade, do total dos oito relatórios da CP de Agropecuária, quatro trazem o título

na capa, enquanto outros quatro trazem este item na folha de rosto. De todo modo, observamos

a marca do jovem produtor de texto nesta esfera de atuação ao evocar o título e apresentar ao

seu interlocutor o teor de seu relatório, como expresso no Quadro 24 e Quadro 25.

Quadro 24 – Títulos presentes nas capas dos relatórios de estágio de discentes do EMI de Agropecuária.

DISCENTE TÍTULO

REDO2 – AGRO 01, 2017 Auxiliar técnico na defesa e fiscalização animal

REDO2 – AGRO 02, 2017 Sanidade animal

REDO4 – AGRO 02, 2017 Controle de doenças e trânsito animal

REDO2 – AGRO 01, 2018 Fiscalização sanitária e controle de entrada e saída de animais na feira de

animais de Parnamirim

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Quadro 25 – Títulos presentes nas folhas de rosto dos relatórios de estágio de discentes do EMI de Agropecuária.

DISCENTE TÍTULO

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261

REDO2 – AGRO 01, 2016 Manejo Produtivo da Bovinocultura leiteira, Caprinovinocultura e Suinocultura

no IF Sertão/PE campus Petrolina Zona Rural

REDO4 – AGRO 01, 2016 Defesa e Fiscalização Agropecuária no sertão de pernambuco151

REDO4 – AGRO 06, 2017 Comercialização de produtos fármacos no sertão central de pernambucano

REDO4 – AGRO 02, 2018 Manejo da Caprinovinocultura, Suinocultura, Avicultura, Bovinocultura Leiteira

e Agricultura Convencional do IF Sertão-PE campus Petrolina Zona Rural

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Diante destes títulos, ressaltamos que os discentes deixam transparecer o locus de

atuação e da “adequação” ao perfil pretendido de egressos do curso, conforme exposto e

esperado pelo PPC de Agropecuária, sobretudo, ao almejar a formação de sujeitos para o

mercado de trabalho “[...] para atuarem nos setores animais, vegetal e agroindustrial” (BRASIL,

2010b, p. 09). Assim, todos os oito títulos nos trazem caminhos para uma atuação segundo o

perfil esperado pelo curso, estando de acordo com áreas próximas da Zootecnia, da Nutrição e

Produção de Ruminantes, da Produção Animal, por exemplo.

Se pensarmos nos aspectos formais do texto, o teor do título não é expresso nas

explicações nem do GETA e nem do MRCT, estando a cargo dos discentes e seus respectivos

orientadores a construção deste elemento. Conforme observamos, a CP de Agropecuária vem

criando ao longo dos anos uma cultura de inserção do título como uma antecipação do conteúdo

a ser exposto ao seu interlocutor, estabelecendo um diálogo para com o outro nestas entrelinhas.

Reforçamos, de igual modo, que os demais títulos apresentados pela CP de Agropecuária e pela

CP de Edificações reiteram o próprio gênero em si ao designá-los como título. De acordo com

o exposto, estes jovens produtores da escrita acadêmico-profissional criam, entre forças

impositivas sobre a mesma escrita, meios que indiciam a uma singularidade, a um estilo e a

uma autoria, tal como vemos na presença destes títulos por meio de sua originalidade ou da

reiteração do gênero.

Em nossa análise, cumpre-nos estabelecer outro ponto, dentre os elementos pré-textuais

obrigatórios, que nos indicia ser uma faceta em torno do diálogo com o interlocutor real no qual

o discente direciona o seu dizer: o professor orientador, a coordenação do curso, a coordenação

de extensão e/ou a instituição. Tal observação é possível ainda no endereçamento previsto na

folha de rosto do relatório, pois a presença desta voz avaliativa e da condição de que o relatório

representa uma etapa de aprovação para obtenção do diploma está presente. Esta característica

pode ser recuperada na exposição dos objetivos do relatório por parte dos próprios alunos, como

vemos no Quadro 26.

151 Buscamos respeitar a escrita integral dos sujeitos, por isso em dados momentos podem ocorrer erros de ordem

linguístico-textual nos exemplos.

Page 263: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

262

Conforme exposto, para o GETA as partes que devem integrar esta seção são: nome do

autor, título, subtítulo (quando houver), natureza do trabalho, objetivo, nome da instituição o

qual o trabalho é submetido, área de concentração, nome do orientador e do coorientador

(quando houver), cidade e ano de depósito (BRASIL, 2016a). Por sua vez, no MRCT, a

orientação da composição é similar, estando a ênfase somente quando do objetivo do relatório

para que o discente informe a quem ele apresenta o documento: à coordenação do seu respectivo

curso técnico médio integrado.

Quadro 26 – Folha de rosto: objetivos do relatório.

DISCENTE OBJETIVO

REDO2 – AGRO 01, 2016 Relatório de estágio curricular obrigatório apresentado à Coordenação de

Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano, Campus Salgueiro, como parte das exigências para conclusão

do curso Técnico em Agropecuária. (destaques nossos)

REDO4 – AGRO 01, 2016 Relatório de estágio curricular obrigatório apresentado à coordenação de

extensão do instituto federal de educação, ciência e tecnologia do sertão

pernambucano, campus salgueiro, como parte das exigências para conclusão do

curso técnico em agropecuária. (destaques nossos)

REDO2 – AGRO 01, 2018 Relatório de Estágio Supervisionado apresentado ao curso Técnico Médio

Integrado em Agropecuária do IF Sertão PE – Campus Salgueiro, como

requisito parcial para obtenção do título de Técnico em Agropecuária.

(destaques nossos)

REDO5 – EDIF 01, 2016 Relatório com as atividades desenvolvidas no estágio curricular de habilitação

profissional apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Sertão Pernambucano no Campus Salgueiro, como requisito

para a conclusão e obtenção do diploma do curso Técnico em Edificações.

(destaques nossos)

REDO5 – EDIF 02, 2017 Relatório com as atividades desenvolvidas no estágio curricular de habilitação

profissional apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Sertão Pernambucano no Campus Salgueiro, como requisito

para a conclusão e obtenção do diploma do curso Técnico em Edificações.

(destaques nossos)

REDO2 – EDIF 01, 2018 Relatório de Estágio Supervisionado apresentado ao curso Técnico Médio

Integrado em Edificações do IF Sertão PE – Campus Salgueiro, como requisito

parcial para obtenção do título de Técnico em Edificações. (destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Pontuamos que, em ambos os cursos, a folha de rosto está presente em 100% das

ocorrências. Neste quesito, observamos, nos relatórios, especialmente dos anos iniciais de nosso

recorte, um direcionamento um tanto quanto distinto da solicitação exposta pelo MRCT, no

qual o endereçamento deveria ser à sua coordenação de origem. Logo, dois discentes da CP de

Agropecuária apresentaram, em 2016, o relatório à Coordenação de Extensão do Campus.

Somente nos anos seguintes houve o endereçamento exclusivamente à coordenação de

Agropecuária. Ao passo que, na CP de Edificações, além dos dois exemplos presentes no

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263

quadro anterior que endereçam seu relatório ao IF Sertão/PE, temos a mesma recorrência em

outros seis relatórios152, restando somente cinco que seguiram a proposição dada pelo MRCT.

Por ora pontuamos que, independentemente deste direcionamento à coordenação de

extensão, à instituição ou à coordenação tal qual como exposto pelo template, o discente inicia

sua escrita entendendo estar em uma situação de avaliação, de julgamento por parte dos seus

interlocutores, pois o relatório é construído: “como parte das exigências para conclusão”, “como

requisito parcial para obtenção do título” ou “como requisito para a conclusão e obtenção do

diploma”.

Consequentemente, a inserção deste sujeito perante este horizonte semântico,

ideológico, social, determina o seu estilo diante do seu projeto de dizer, revelando embates que

podem passar despercebidos entre as relações de poder institucionalizadas, uma vez que

compartilham com seus interlocutores ditos e não-ditos segundo a sua própria CP.

Neste sentido, outro elemento dentre os pré-textuais obrigatórios é o sumário. Tal

elemento visa sistematizar e enumerar as divisões do trabalho em seções principais,

secundárias, terciárias, entre outras, seguidas por sua respectiva paginação. Assim sendo, esta

seção que compõe o relatório possui amparo em outras normativas além dos documentos

institucionais, tal como a ABNT. Talvez, por este motivo, seria um dos elementos que poderia

ter a “forma” mais engessada entre os relatórios investigados: porém, foi o elemento que

apresentou maior variedade na formatação em ambos os cursos. Frisamos, inclusive, que os

próprios documentos institucionais não apresentaram uma estruturação homogênea e isso pode

ser um dos fatores que desencadeou distintas formas de apresentação dos sumários nos

relatórios investigados (ver Figura 24).

No GETA, por exemplo, encontramos uma descrição das seções que compõem o

sumário compreendendo que em uma seção primária, os elementos deveriam seguir uma

formatação de caixa alta e com negrito. Neste sentido, na seção secundária, a formatação

seguiria em caixa alta, mas sem o negrito; quando houvesse uma seção terciária, a letra deveria

ser minúscula e em negrito; e, em uma seção quaternária deveria ser minúscula e sem negrito.

Estas indicações se mantêm no MRCT, entretanto, a seção terciária é apresentada

somente em minúscula e sem o negrito da fonte. Assim, a inexperiência por parte do alunado

sobre esta prática de letramento específica em torno de uma cultura do escrito se soma a essas

exemplificações distintas. Temos como resultado, de igual modo, sumários diferentes,

152 Sinalizamos ainda que desses relatórios que não seguiram a orientação do MRCT ao endereçar ao referido

curso, esses mesmos relatórios também não inseriram na folha de rosto informações sobre o supervisor e nem o

período de estágio, conforme solicitado por aquele documento.

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264

independentemente da vivência em outras práticas da cultura acadêmica, tal como os discentes

que foram bolsistas e que, certamente, tiveram contato com “regras” segundo ABNT.

Figura 24 – Exemplos dos modelos de sumários propostos A – GETA e B – MRCT.

A B

Fonte: GETA (BRASIL, 2016a) e MRCT (BRASIL, 2016b [?]).

Portanto, questões correlacionadas à formatação e a inadequação das proposições dadas

pelo GETA ou pelo MRCT são recorrentes entre os dois cursos. Dentre as principais

ocorrências encontramos sumários que não trazem a indicação do título da seção (não

apresentam o nome sumário), não fazem o alinhamento do título das seções (não estão os

tópicos alinhados à esquerda), ou, ainda, não há o alinhamento com relação à numeração da

página; na digitação das seções que compõe o sumário, fontes se encontram majoritariamente

em caixa alta com negrito ou a fonte em caixa alta, mas sem o negrito; erros na digitação da

páginas; entre outros pontos (ver Figura 25 e Figura 26).

Por outro lado, encontramos movimentos que buscam a adequação da proposta seguindo

as proposições dadas por aqueles documentos institucionais, por exemplo: os discentes dão o

realce entre as seções (uso de negrito, uso de caixa alta e minúscula para distinguir seções

principais das secundárias) e/ou apresentam um “adentramento” com relação ao uso das

margens, objetivando avultar a diferença entre as seções e subseções.

Além disso, encontramos exemplos de relatórios que seguiram o sumário, tal como

exposto pelo MRCT, recuperando a escrita proposta por esse template por meio dos seguintes

itens: o que foi feito, por que foi feito, como foi feito e qual a aprendizagem da atividade. Nesta

ótica, os ecos das vozes institucionais se fazem presentes na escrita e direcionam, não somente

a forma, mas também o conteúdo a ser desenvolvido por estes alunos.

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Figura 25 – Exemplos de sumários CP de Agropecuária.

REDO4 – AGRO 01, 2016 REDO2 – AGRO 01, 2017

REDO4 – AGRO 03, 2017

REDO4 – AGRO 02, 2018

Fonte: REDO4 – AGRO 01, 2016, REDO2 – AGRO 01, 2017, REDO4 – AGRO 03, 2017 e REDO4 – AGRO

02, 2018.

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266

Figura 26 – Exemplos de sumários CP de Edificações.

REDO5 – EDIF 01, 2016 REDO2 – EDIF 03, 2017

REDO5 – EDIF 01, 2018

Fonte: REDO5 – EDIF 01, 2016, REDO2 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2018.

Conforme constatamos, no breve recorte apresentado por estes sete relatórios (quatro da

CP de Agropecuária e três de Edificações)153, não houve uma homogeneidade, um “padrão”, na

confecção do sumário quanto à formatação. Porém, cada discente, à sua maneira, cumpriu com

a finalidade deste elemento ao apresentar ao seu interlocutor as partes que compõem o seu

relatório, revelando como está estruturado o seu projeto de dizer, sobre a narrativa de suas ações

deste momento peculiar da sua formação acadêmica e profissional. Neste viés, visualizamos

como o diálogo vai sendo travado até mesmo pela adequação de uma superficialidade e/ou

153 Não apresentaremos todos os sumários como recorte de imagem/figura, pois esses podem ser visualizados pelo

link exposto em nossa seção de metodologia.

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267

materialidade linguística por parte do aluno para com o seu interlocutor, e, de igual maneira,

esse interlocutor observa as respostas ao chamado dessa “obrigatoriedade”.

Figura 27 – Lista de figuras CP de Edificações.

Fonte: REDO2 – EDIF 01, 2016 e REDO2 – EDIF 04, 2017

Dito isto, enfatizamos que encontramos movimentos similares quando da análise dos

elementos opcionais pré-textuais. Por exemplo, a lista de ilustrações, como uma espécie de

sumário, também não seguiu o “padrão” adotado pela instituição, conforme conseguimos

observar nos relatórios investigados. Lembramos que segundo o GETA, “[...] a lista deve ser

elaborada de acordo com a ordem em que os elementos surgem no texto, com cada item

acompanhado do respectivo número da página [...]” (BRASIL, 2016a, p.17) e deve se

apresentar da seguinte maneira: FIGURA 1 – título da ilustração somada ao número da página.

Porém, a CP de Edificações, como único curso que elencou um certo tipo de

sumarização das imagens, diferentemente da proposta do GETA, trouxe a lista de ilustrações

sempre após o sumário e, não anteriormente, conforme sugestão daquele documento. Além

disso, em todos os títulos das imagens, o nome figura e sua descrição vinham grafados em letra

minúscula (com ou sem negrito) acompanhada de sua respectiva paginação, enquanto o GETA

sinalizava que o nome “FIGURA” deveria vir em caixa alta.

Tivemos apenas uma amostra, REDO2 – EDIF 04, 2017, dentre os oito relatórios dos

discentes-estagiários que apresentaram essa seção na CP de Edificações: este inseriu apenas a

informação com o título “figura” com sua sucessiva numeração, mas sem trazer um título que

designaria a imagem no processo de sumarização. Enfatizamos que a CP de Agropecuária

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268

apresenta em seus relatórios imagens, gravuras, figuras, tabelas. Entretanto, os discentes não

incluíram tais elementos como uma sumarização prévia ao seu interlocutor, tal como o objetivo

da lista de ilustrações.

Segundo nossa reflexão e processo de escuta desses dados, as práticas de letramentos,

sobretudo na CP de Edificações, apresentam uma organização diante do repertório partilhado

de seus membros, revelando o domínio e o empreendimento entre seus pares, uma vez que não

se tratam de formulações isoladas, mas práticas recorrentes e com um certo grau de

sistematicidade em torno da estrutura do gênero relatório de estágio. Quiçá, isso seja espelho

de se ter uma disciplina específica para a vivência do estágio, pois talvez neste espaço formativo

no manejo com o gênero fossem abordados e adotados certos critérios que os singularizam

enquanto grupo, uma vez que em outros cursos do EMI não há essa disciplina na grade

curricular. Contudo, lembramos que não é porque não se tem uma disciplina formalizada que

os grupos não possam traçar suas particularidades, tal qual estamos observando também diante

da CP de Agropecuária, por exemplo.

Ainda neste sentido, observamos que com relação à estrutura formal do gênero, a CP de

Edificações traça uma identidade visual e remonta à organização dos elementos por meio de

uma hierarquia sem descaracterizar o próprio gênero.

Isto posto, ainda nos elementos pré-textuais, e que são opcionais, evidenciamos a seção

de agradecimento, pois esta se encontra presente entre os relatórios de ambos os cursos. Assim,

o tópico de agradecimento possui como escopo dirigir palavras de gratidão a pessoas que

contribuíram de alguma forma para a etapa formativa dos discentes, apresentando-nos a

possibilidade de visualizarmos a voz do alunado para com o outro, do reconhecimento de como

ele vê o outro para si, sendo o “agradecimento” uma espécie de reflexo e refração do outro pela

parte de quem enuncia, por quem se sente contemplado de alguma maneira pelo diálogo travado

na vida.

Desta forma, entendemos que esta seção traz a “liberdade” em formular o dizer do

“muito obrigado” por parte dos estudantes-estagiários. Porém, destacamos que dois relatórios

da CP de Agropecuária e dois da CP de Edificações tomaram como norte a proposição dada

pelo MRCT, tal qual visualizamos no Quadro 27.

Quadro 27 – Agradecimentos – foco na estrutura.

MRCT Ao Prof. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, pela excelente orientação.

Aos professores participantes da banca examinadora Xxxxx Xxxxx Xxxxx e

Xxxxx Xxxxx Xxxxx pelo tempo, pelas valiosas colaborações e sugestões.

Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas.

Page 270: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

269

REDO2 – AGRO 02, 2017 Ao Prof. XXX, pela excelente orientação. Aos Médicos Veterinários e

proprietários da Farma Vet, XXX e XXX por terem cedido o espaço para

realização do meu estágio e pelos conhecimentos acrescentados na minha

formação. Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões

recebidas. (grifos nossos)

REDO2 – AGRO 01, 2018 Agradeço primeiramente a Deus pela conquista e a minha mãe por me dar

força e apoio durante toda essa jornada vivida.

Ao Prof. XXX, pela excelente orientação e aos demais professores pela troca

de aprendizado durante todo período do curso e pelas valiosas colaborações e

sugestões.

Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas. (grifos

nossos)

REDO2 – EDIF 01, 2018 Ao Prof. XXX, pela excelente orientação.

Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas, a minha

família e a Deus por sempre me manter firme em meus objetivos. (grifos nossos)

REDO5 – EDIF 01, 2018 Ao Prof.XXX, pela excelente orientação.

Aos professores participantes da banca examinadora pelo tempo, pelos

colegas de estágio pelas valiosas colaborações e sugestões.

Aos familiares em geral pela força, motivação e a insistência. Aos colegas da

turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas. (grifos nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Frisamos que a CP de Agropecuária sempre teve ao longo do nosso recorte longitudinal

proposto a evocação desta seção, enquanto a CP de Edificações veio apresentando e ampliando

ao longo desse tempo esse “reconhecimento” por parte de seus membros, de seus alunos. Deste

modo, dez relatórios, dentre os vinte e seis investigados, apresentam a seção de

“agradecimentos.” Deste quantitativo de dez relatórios, temos quatro no total que quando da

exposição da gratidão recuperam de forma integral e/ou parcial alguns trechos, tal e qual

proposto pelo MRCT.

Conforme observamos no quadro anterior, estes jovens produtores fazem pequenos

movimentos em torno de uma reprodução literal do dizer154, tomando o exemplo dado pelo

template institucional. De maneira distinta das reflexões postas em Bessa (2016) e Authier-

Revuz (1998), tal reprodução não se dá no nível da paráfrase e nem da reprodução integral ao

tomar a palavra do outro para si, pois, na realidade, entendemos estarmos diante de um outro

cenário de reprodução do dizer fonte: o template proposto pelo MRCT é criado justamente para

que o outro incorpore o texto já “pronto” e/ou “finalizado”.

Logo, ao ser incorporado pelo enunciador, o discente-estagiário toma este modelo para

apenas preenchê-lo ou tê-lo como parâmetro na construção do projeto de dizer, mesmo diante

de casos como a seção de agradecimento, que, a nosso ver, não causaria grande impacto sobre

o viés avaliativo, sobre o resultado deste dizer. Na realidade, entendemos que o aluno busca

154 Informamos que a análise sobre essa dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas será abordada na próxima

seção da tese.

Page 271: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

270

este modelo, não por uma manifestação de preguiça (ECO, 2007, p. 171) ou de plágio (cópia

integral de um texto de origem sem menção de sua autoria), mas por entender as relações de

poder presentes, no qual o julgo de uma provável “reprovação” paira neste contexto. Por isso,

defendemos como evidencia Bakhtin (2016b, p. 76):

A singularidade natural (por exemplo, as impressões digitais) e a unicidade

significante (semiótica) do texto. Só é possível a reprodução mecânica das impressões

digitais (em qualquer número de exemplares); é possível, evidentemente, a mesma

reprodução mecânica do texto (por exemplo, a cópia), mas a reprodução do texto pelo

sujeito (a retomada dele, a repetição da leitura, uma nova execução, uma citação) é

um acontecimento novo e singular na vida do texto [...].

Tratamos, portanto, de um novo enunciado na vida, de uma nova relação social e

histórica entre os sujeitos ao ressignificar o mesmo texto e criar relações novas. Deste modo,

destacamos que REDO2 – AGRO 02, 2017, por exemplo, utiliza as frases inicial e final do

modelo e insere as informações que julga ser pertinentes a fim de pontuar a gratidão nesta etapa,

em especial, para com aqueles que contribuíram com o aspecto formativo profissional. Em

REDO2 – AGRO 01, 2018, encontramos estratégia similar ao reforçar a figura de

agradecimento do docente e da turma, mas este discente nos indicia outros pontos de sua

singularidade, apesar da adaptação de um texto “já pronto”, ele recorre a marcas de sua

espiritualidade ao render graças a Deus, bem como ao seu pilar afetivo diante da figura materna

e adapta o “texto pronto” do MRCT para sua realidade.

Em relação aos exemplos de Edificações, REDO2 – EDIF 01, 2018, de igual modo,

recorre à frase inicial e final do modelo proposto e insere assim como o discente do curso de

Agropecuária, a figura da família e de Deus, demarcando suas crenças e reconhecimento para

quem, de fato, o ajudou nesta etapa. Por sua vez, REDO5 – EDIF 01, 2018 traz o texto quase

em sua integralidade, mas antes de agradecer à turma, ele retribui o reconhecimento aos seus

familiares.

Em síntese, observamos que, ainda que se apresente um modelo sobre o dizer, estes

discentes que seguiram o documento como norte, conseguiram criar outros elos sobre sua

intenção enunciativa, revelando valores que lhes são essenciais, como a família e a religião.

Ainda assim, pontuamos que, quando da recuperação da figura dos colegas de classe, os quatro

exemplos buscaram a frase de forma integral como o exposto pelo MRCT. Entendemos que,

como jovens produtores de textos, falar com o público mais próximo e em um grau de

formalidade, como solicitado nesta esfera de atuação, faz com que eles busquem o texto já

institucionalizado, preservando também sua face diante dos colegas de sala, pois a emoção que

Page 272: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

271

revelaria a amizade e o companheirismo construído não teria “espaço” na estrutura

composicional do gênero relatório.

De todo modo, já nessa primeira etapa dos elementos pré-textuais, vimos que em dados

momentos caberia ao sujeito produtor do relatório cumprir com certas normas ou regras. Porém,

conforme sinaliza Bakhtin (2015, p. 42), é na “[...] comunhão ativa de cada enunciado no

heterodiscurso vivo [...]” que o sujeito enunciador busca escapar das amarras, apesar de existir

certas determinações de “feição linguística” ou da forte presença de um “sistema normativo-

centralizador”, o sujeito no seu projeto enunciativo encontra seu estilo e abre espaços para a

criação do novo, revelando o embate entre as forças centrípetas e centrífugas em torno de um

projeto enunciativo.

No caso dos elementos pré-textuais que, a princípio, teriam uma construção clara e sem

muitos subterfúgios para uma confecção distinta em torno de uma cultura do escrito instaurada

pelos interlocutores mediadores dos letramentos, evidenciamos indícios de singularidades

destes grupos sobre as práticas letradas que os caracterizam enquanto CP distintas, além de

visualizar o próprio diálogo com o interlocutor também é travado. Desta forma,

inevitavelmente, nos demais elementos que compõem a estrutura do gênero em tela,

encontramos e reafirmamos tais singularidades.

5.2.1.2 Elementos textuais

No que concerne à dinâmica proposta pelos documentos institucionais, as seções,

segundo os elementos textuais que caracterizam o gênero relatório de estágio nessa etapa,

seriam apresentadas seguindo esta ordem: introdução, identificação do campo de estágio,

apresentação da instituição, atividades desenvolvidas e conclusões. A título de exemplificação,

a Tabela 6 revela como a presença desses elementos foi “seguida” pelos discentes em sua

totalidade.

Tabela 6 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos textuais.

CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018

Introdução 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Identificação do campo de estágio 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Apresentação da instituição 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Atividades desenvolvidas 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Conclusão 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 273: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

272

Desse modo, encontramo-nos diante de elementos obrigatórios que compõem essa etapa

textual. Avultamos que, segundo os interlocutores mediadores dos letramentos tais elementos

seguem uma certa progressão textual para as seções. Assim, a primeira etapa indicaria uma

contextualização inicial do trabalho. Em seguida, deveria ser destacado o campo de atuação e a

empresa na qual ocorreu o estágio. Posteriormente, o relatório deveria descrever o

desenvolvimento das ações vivenciadas pelos sujeitos discentes. Por fim, o material deveria

listar os efeitos positivos do aprendizado nessa etapa formativa do estudante.

Nesse contexto, podemos observar que a estruturação apresentada nos relatórios teve

uma dinâmica diferenciada, especialmente na CP de Edificações (anos de 2016 e 2017) e em

três exemplares da CP de Agropecuária. Nesses casos, tivemos a presença, na CP de

Edificações, da introdução somente após a inserção do campo de atuação e da descrição da

empresa locus do estágio. Por sua vez, os três relatórios do curso de Agropecuária trouxeram

uma seção, cujo título denominava-se “apresentação.”. Essa seção continha informações do

campo de atuação, contextualização do estágio e sobre a empresa concedente, para, finalmente,

introduzir o leitor no desenvolvimento do relatório.

Neste ponto, destacamos, portanto, que em nosso processo de escuta em torno dessas

singularidades, optamos por reunir a análise desses elementos textuais em três grandes blocos.

O primeiro encontra-se correlacionado a essa parte introdutória, contexto em que se somaria o

campo de atuação e a identificação da empresa. Posteriormente, abrimos espaço para uma

reflexão que envolve o desenvolvimento do relatório. E, finalmente, expomos uma última etapa

atrelada à conclusão apresentada pelos discentes-estagiários. Entendemos que os discentes

cumprem com uma certa organização retórica do relatório, porém, esses sujeitos criam

dinâmicas na construção da escrita que não descaracterizam o gênero, mas o fazem com certo

grau de liberdade. Assim, a variação observada pode se dar diante das disposições desses

elementos, como na criação de títulos para essas seções de forma a não seguir a prescrição dada

pelos documentos institucionais, por exemplo. Essas rupturas nos trazem mais indícios de como

esses jovens produtores desses campos específicos de atuação deixam suas marcas de autoria,

de estilo e de dispersão frente a uma forte cultura do escrito instaurada.

Isto posto, lembramos que os documentos institucionais como interlocutores

mediadores dos letramentos não apenas orientam quais elementos textuais devem estar

presentes no gênero relatório, mas, de igual modo, evidenciam o conteúdo a ser exposto em

Page 274: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

273

cada uma das seções. Nesse sentido, o GETA155 orienta que a introdução, enquanto seção de

exposição inicial do trabalho, deve apresentar a temática e a construção de como está

organizado o texto. Por outro lado, no MRCT, a exigência parte da constatação de que esse

elemento é “importante” na compreensão de quem lê o relatório, pois é necessário constar “[...]

informações de quem fez o relatório, o que contém, como e por que foi feito o estágio [...]”

(BRASIL, 2016b [?], p. 04). Nessa linha de raciocínio, as orientações ganham contornos

distintos: em um documento há um entendimento mais formal e acadêmico sobre a elaboração

do relatório; no outro, há a particularidade da etapa da descrição de atividades laborais sob o

viés avaliativo dessa escrita.

Assim, no MRCT há a solicitação dessa aproximação ao universo do agir profissional

antes mesmo do desenvolvimento da narrativa sobre as atividades156, pois o documento solicita

a identificação do campo de atuação e a apresentação da empresa. Neste sentido, inicialmente

é necessário informar nome, endereço, telefone, página virtual e endereço eletrônico da empresa

concedente. Há ainda a exigência da exposição de outras informações e referências, como: datas

de início e de término do estágio, setor escolhido e cargas horárias semanal e total, além da

identificação do supervisor do estágio (Figura 28). Desse modo, os discentes atendem à

“convocação” da obrigatoriedade dessas informações e inserem os dados solicitados no

relatório.

Destacamos a importância dessa etapa, uma vez que, diante do elemento correlacionado

à carga horária total do estágio, ainda nos é possível inferir sobre a participação dos discentes

em atividades de iniciação científica, monitoria ou mesmo em atividades extensionistas.

Ressaltamos isso, pois a carga horária total do estágio deveria ser de 400 horas. Assim, quando

há oportunidades de aproveitamento de horas, o discente deve comprovar a participação nessas

atividades, visto que: “[...] Os alunos que exercem atividades de extensão, de monitorias e de

iniciação científica poderão ter redução da carga horária do estágio obrigatório, até 50% da

carga horária total do estágio (400 horas).” (BRASIL, 2010b, p. 101; BRASIL, 2011, p. 53).

Por isso, nos exemplos da Figura 28, temos REDO5 – EDIF 03, 2017 que vivenciou as 200

155 Mesmo não apresentando um direcionamento explícito sobre o gênero relatório, o GETA o trata como uma

escrita homogênea dentro da produção da esfera acadêmica. Assim, para esse interlocutor mediador dos

letramentos, a introdução seguiria a mesma forma composicional para um artigo, para uma monografia, para um

relatório, por exemplo. 156 Por sua vez, no GETA, há apenas menção a identificação da instituição sem a necessidade de um

aprofundamento textual: “[...] Elemento obrigatório para os relatórios (TÉCNICO MÉDIO INTEGRADO,

TÉCNICO SUBSEQUENTE, CURSOS TECNOLÓGICOS) em que deve constar o nome completo da instituição

ou empresa. Deve-se incluir a data de início, a data de término, a carga horária semanal, carga horária total, e o

supervisor do estágio.” (BRASIL, 2016a, p. 19).

Page 275: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

274

horas de estágio. A este aluno possivelmente foi permitido o aproveitamento das demais horas

restantes devido à sua condição de bolsista PIBIC – Jr.

Figura 28 – Exemplos da seção identificação do estágio.

Fonte: REDO4 – AGRO 05, 2017 e REDO5 – EDIF 03, 2017.

No que diz respeito à apresentação da instituição, a orientação do MRCT pontua a

necessidade de que tal identificação ocorra de forma resumida: “[...] um breve histórico da

organização, caracterização do segmento de mercado, infraestrutura do local de trabalho e

principais atividades realizadas no setor. [...] (BRASIL, 2016b, [?], p. 05). Neste quesito,

observamos que ambas CP discorrem sobre a empresa concedente, quer seja por meio de um

texto breve e sintético, de no máximo uma lauda, quer seja intercalando informações na

narrativa sobre o tema do estágio por meio de uma contextualização a nível global para o local,

mas sempre apresentando a instituição locus do estágio, de forma a se manter um diálogo sobre

o campo de atuação desenvolvido na empresa (Quadro 28).

Desse modo, encontramos, na seção de apresentação da instituição, desde finalidades,

descrição da estrutura física, composição empregatícia, designação dos responsáveis e endereço

completo das empresas. Todos esses elementos nos reafirmam os indícios sobre o domínio de

conhecimento vivenciado pelas respectivas CP.

Page 276: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

275

Assim, além do campo de atuação, visualizamos que foram expostas informações sobre

a possibilidade de unificação da pesquisa e da extensão no espaço de trabalho (REDO2 – AGRO

01, 2016), de participação ativa na execução de programas de proteção de saúde animal e

vegetal (REDO4 – AGRO 01, 2016), de criação de vínculos entre outros membros que auxiliam

na administração de produtos fármacos e agropecuários (veterinários proprietários e orientador

– REDO2 – AGRO 02, 2017) ou quando da fiscalização de obras públicas (engenheiros,

técnicos e arquitetos – REDO2 – EDIF 02, 2016 e REDO5 – EDIF 01, 2018), por exemplo.

Quadro 28 – Apresentação dos setores: locus do estágio.

REDO2 – AGRO 01, 2016 [...] O campus também se destaca na produção de projetos de iniciação

científica e extensão, estes projetos são importantes para a região, pois são

responsáveis por inovar os mecanismos de produção agrária na região do vale

do São Francisco. (p. 05)

A estrutura física da fazenda do Campus é composta por seis unidades

zootécnicas (Bovinocultura, Caprinovinocultura, Apicultura, Suinocultura,

Piscicultura e Avicultura); Fábrica de Ração; Setor Agrícola (Hortaliças,

Mangueiras, Goiabeiras, Videiras, Eucaliptos, capineiras, canavial).

[...]

O estágio aconteceu nos setores de zootecnia do campus Zona Rural (Setor de

caprinovinocultura, bovinocultura e suinocultura) e contou com a cooperação

de estagiários, funcionários efetivos e terceirizados do campus. (p. 06)

REDO4 – AGRO 01, 2016 As principais atividades realizadas pela Adagro são planejar elaborar,

coordenar e executar programa de promoção e proteção da saúde animal e

vegetal e a educação zoofitossanitária, constituindo-se na autoridade estadual

de sanidade agropecuária; [...] (p. 05)

REDO2 – AGRO 02, 2017 O estágio supervisionado de Técnico em Agropecuária foi realizado na

empresa de produtos fármacos e agropecuários, Farma Vet, situada na cidade

de Salgueiro-PE, na Av. Otaviano Leitinho, 255, centro, supervisionado pelos

veterinários proprietários XXX e XXX. O estágio ocorreu no turno da tarde

entre o período de dois de janeiro de dois mil e dezessete à 15 de março de dois

mil e dezessete totalizando 200 horas. O estágio teve como orientador o

professor de Zootecnia M.Sc. XXX. (p. 08)

REDO2 – EDIF 02, 2016 A secretaria de desenvolvimento urbano e obras, conta com a participação de

três engenheiros (a) civis, um engenheiro elétrico, quatro técnicos em

edificações, e dois arquitetos (a) para o melhor desenvolvimento das atividades

a serem executadas e o cumprimento das normas estabelecidas.

Este setor é responsável por executar atividades de construção e reforma de

obras públicas municipais, bem como na elaboração de projetos do mesmo,

promover a construção, pavimentação, reforma de estradas e vias urbanas,

também é de competência dessa secretaria planejar o desenvolvimento

urbanístico do município, pela fiscalização do cumprimento das normas a

respeito do uso e ocupação do solo urbano, promover a construção de jardins

públicos e praças, tendo em vista a estética urbana e a preservação do meio

ambiente. (p. 07)

REDO5 – EDIF 01, 2018 A finalidade da Secretaria de Obra é fiscalizar construções que estão em

andamento ou em reformas, tanto obras publicas quanto privadas na cidade e

em seu município, assim como, analisar projetos residenciais e comerciais em

torno do próprio.

O órgão fiscalizador fica sob responsabilidade de fiscalizar as obras em

construção das duas creches, localizadas nos bairros do Planalto e Cohab,

postos de saúde, hospitais, escolas, quadras, pavimentação e calçamento de

ruas, construção de praças publicas e outras.

Page 277: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

276

A instituição é composta por três engenheiros, seis técnicos em edificações,

dois arquitetos, três estagiários e o secretário de obras e supervisor,

engenheiro XXX. (p. 06 – 07)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

De igual modo, tal gama de informações nos apresentam o ambiente de trabalho por

meio dos objetivos, valores e missão dessas instituições, além de nos transparecer a composição

dos membros que as constituem – que, na realidade, são o que consideramos ser outros

interlocutores mediadores dos letramentos nesse contexto de aprendizagem. Diante desses

exemplos, vislumbramos, na CP do curso de Agropecuária, a possibilidade de inovação nos

mecanismos de produção agrária na região do vale do São Francisco ou ainda a possibilidade

de atuação em uma instituição designada como “autoridade de sanidade agropecuária”, a

ADAGRO. Por outro lado, na CP de Edificações, é possibilitado ao estudante acompanhar o

planejamento do desenvolvimento urbanístico de uma cidade, além de atividades como a

fiscalização do uso da ocupação do solo e os efeitos socioambientais dessa utilização.

Logo, as exigências feitas em torno da adequação ao gênero relatório com seus

respectivos elementos introdutórios nos possibilitam (re)conhecer a temática do estágio, além

de identificar, por exemplo, se o aluno cumpriu essa etapa em um única empresa e/ou

instituição157. Ademais, é possível sinalizar se esse discente desempenhou uma única ou

múltiplas funções diante do perfil profissional almejado pelo curso (vide PPC de ambas CP).

Neste contexto, foi elaborado o Quadro 29.

Quadro 29 – Empresas concedentes do estágio e atividades desenvolvidas pelos discentes-estagiários das CP de

Agropecuária e de Edificações.

CP DE AGROPECUÁRIA

EMPRESA CONCEDENTE

CAMPO DE

ATUAÇÃO/DESENVOLVIMENTO

DAS ATIVIDADES

REDO2 – AGRO 01, 2016 Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano – Campus Zona

Rural

Manejo produtivo (Bovinocultura

Leiteira, Caprinovinocultura,

Suinocultura)

REDO4 – AGRO 01, 2016 Agência de Defesa e Fiscalização

Agropecuária de Pernambuco –

Adagro

Fiscalização agropecuária

(acompanhamento de campanhas de

vacinação e atualização de rebanhos)

REDO2 – AGRO 01, 2017 Agência de Defesa e Fiscalização

Agropecuária de Pernambuco –

Adagro

Fiscalização agropecuária

(acompanhamento de campanhas de

vacinação e atualização de rebanhos)

REDO2 – AGRO 02, 2017 Farma Vet Comercialização de produtos fármacos

(vacinação, orientação e

acompanhamento em procedimentos

cirúrgicos)

157 Lembramos que segundo o RE, em seu art.22: “Parágrafo Único – O Relatório de Estágio deverá ser um só e

contemplar as atividades realizadas em todos os entes concedentes.” (BRASIL, 2015b, p. 08).

Page 278: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

277

REDO4 – AGRO 01, 2017 Farma Vet Comercialização de produtos fármacos

(vacinação, orientação e

acompanhamento em procedimentos

cirúrgicos)

REDO4 – AGRO 02, 2017 Agência de Defesa e Fiscalização

Agropecuária de Pernambuco –

Adagro

Fiscalização agropecuária

(acompanhamento de campanhas de

vacinação e atualização de rebanhos)

REDO4 – AGRO 03, 2017 Secretária de Agricultura e Meio

Ambiente da Prefeitura Municipal

de Penaforte

Extensão Rural e fiscalização

agropecuária (acompanhamento de

campanhas de vacinação, de políticas

assistenciais ao pequeno produtor e

visitas a plantações de frutas e hortaliças)

REDO4 – AGRO 04, 2017 Secretária de Agricultura e Meio

Ambiente da Prefeitura Municipal

de Penaforte

Extensão Rural e fiscalização

agropecuária (acompanhamento de

campanhas de vacinação, de políticas

assistenciais ao pequeno produtor e

visitas a plantações de frutas e hortaliças)

REDO4 – AGRO 05, 2017 Secretária de Agricultura e Meio

Ambiente da Prefeitura Municipal

de Penaforte

Extensão Rural e fiscalização

agropecuária (acompanhamento de

campanhas de vacinação, de políticas

assistenciais ao pequeno produtor e

visitas a plantações de frutas e hortaliças)

REDO4 – AGRO 06, 2017 Farma Vet Comercialização de produtos fármacos e

Sanidade animal (vacinação, orientação e

acompanhamento em procedimentos

cirúrgicos)

REDO2 – AGRO 01, 2018 Agência de Defesa e Fiscalização

Agropecuária de Pernambuco –

Adagro

Fiscalização sanitária e inspeção de

animais

REDO4 – AGRO 01, 2018 Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano – Campus

Salgueiro

Técnicas de manejo sustentáveis

(produtividade de rebanhos, impacto

ambiental e custos de produção) e

divulgação do curso de Técnico em

Agropecuária

REDO4 – AGRO 02, 2018 Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano – Campus Zona

Rural

Manejo produtivo (Avicultura,

Bovinocultura Leiteira,

Caprinovinocultura, Suinocultura e Horta

Convencional)

CP DE EDIFICAÇÕES

EMPRESA CONCEDENTE

CAMPO DE

ATUAÇÃO/DESENVOLVIMENTO

DAS ATIVIDADES

REDO2 – EDIF 01, 2016 Empresa privada – Construtora

Pitombeira LTDA.

Concepção de projetos arquitetônicos;

fiscalização, controle e execução de obras

públicas

REDO2 – EDIF 02, 2016 Secretaria de Obras da Prefeitura

Municipal de Salgueiro

Fiscalização, controle, execução e

reformas em obras públicas; análise e

correção de projetos; elaboração de

planilhas orçamentárias

REDO5 – EDIF 01, 2016 Empresa privada – Pavcon:

Construções e Serviços

Fiscalização de obras; elaboração de

planilhas orçamentárias e cotação de

preços

REDO2 – EDIF 01, 2017 Secretaria de Desenvolvimento

Urbano e Obras da Prefeitura

Municipal de Salgueiro

Fiscalização, controle, execução e

reformas em obras públicas; análise e

correção de projetos; elaboração de

planilhas orçamentárias; projetos

arquitetônicos

REDO2 – EDIF 02, 2017 Secretaria de Infraestrutura e

Obras da Prefeitura Municipal de

Serrita

Fiscalização, controle, execução e

reformas em obras públicas

Page 279: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

278

REDO2 – EDIF 03, 2017 Secretaria de Obras da Prefeitura

Municipal de Penaforte

Fiscalização, controle, execução e

reformas em obras públicas

REDO2 – EDIF 04, 2017 Secretaria de Infraestrutura da

Prefeitura Municipal de Cabrobó

Fiscalização de obras; análise e correção

de projetos; análise de planilhas

orçamentárias

REDO5 – EDIF 01, 2017 Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano – Campus

Salgueiro

Levantamento topográfico

planialtimétrico; análise laboratoriais;

fichamento de Normas Técnicas

REDO5 – EDIF 02, 2017 Secretaria de Desenvolvimento

Urbano e Obras da Prefeitura

Municipal de Salgueiro

Fiscalização de obras públicas

REDO5 – EDIF 03, 2017 Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano – Campus

Salgueiro

Levantamento topográfico

planialtimétrico; análise laboratoriais;

fiscalização e controle (organização) do

laboratório

REDO5 – EDIF 04, 2017 Pessoa física privada – Marcos

Tarcísio Sá de Vasconcelos

(Arquitetura)

Levantamento em obra; desenvolvimento

de projetos (plantas arquitetônicas);

acompanhamento em obras privadas

REDO2 – EDIF 01, 2018 Empresa privada – Pavcon:

Construções e Serviços

Fiscalização de obras (Medições de

sapatas, espessura do acabamento,

diâmetro dos pilares, concretagem de

peças, entrada e saída de materiais do

canteiro)

REDO5 – EDIF 01, 2018 Secretaria de Desenvolvimento

Urbano e Obras da Prefeitura

Municipal de Salgueiro

Supervisão e fiscalização de obras

públicas; análise e correção de projetos

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Em nosso recorte, destacamos que os discentes efetuaram seus respectivos estágios em

um único locus de atuação, mas em todos os casos, os alunos-estagiários desempenharam

múltiplas funções nas empresas concedentes. Assim, na CP de Agropecuária, temos as

seguintes instituições receptoras: Adagro, Farma Vet e Secretaria de Agricultura e Meio

Ambiente da Prefeitura de Penaforte158.

Em relação à CP de Edificações, destacaram-se os convênios firmados com as empresas

privadas Pitombeira e Pavcon, além de Marcos Tarcísio Sá de Vasconcelos, profissional

autônomo do segmento de arquitetura. Ademais, merecem destaque as parcerias consolidadas

com as secretarias de obras e urbanismo de Salgueiro e municípios circunvizinhos, a exemplo

de Cabrobó, Serrita e Penaforte. Além dessas empresas concedentes, o próprio IF Sertão/PE

(Campus Zona Rural e Salgueiro) se destacou na condição de instituição receptora de ambas

CP159.

158 Penaforte é um município cearense, logo, não se encontra sob a jurisdição do estado de Pernambuco. Entretanto,

a cidade é acolhida pelo IF Sertão/PE, visto que se limita geograficamente com o município de Salgueiro. Como

consequência, o Campus possui um número expressivo de alunos oriundos daquela cidade. 159 Reforçamos que, de acordo com o RE, em seu art. 29, o IF pode ser concedente de estágio desde que tenha “[...]

condições de proporcionar ao educando atividades que possibilitem aprendizagens social, profissional, científica

e cultural, considerando o que dispõem a Lei 11.788/2008, [...]” (BRASIL, 2015b, p. 13).

Page 280: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

279

Isto posto, enfatizamos ainda outro ponto importante diante dessas características

indiciadas nesses elementos textuais, a saber: a figura do orientador do estágio. Sinalizamos

esse ponto, pois ao tomarmos como recorte a titularidade desses interlocutores mediadores dos

letramentos para a síntese dos relatórios analisados, acabamos, inevitavelmente, reconhecendo

a possível área de atuação desse estágio por parte dos estudantes. Assim, o discente recorre ao

orientador segundo sua “expertise”, sua área de atuação e formação, no sentido de orientá-lo

sobre aquela área do saber; além de ser obrigação da instituição designar professor-orientador

da área de atuação do estágio dos discentes, conforme expresso na NCELE e no RE (BRASIL,

2010a, p. 10; BRASIL, 2015b, p. 05).

Logo, ao observamos a descrição das atividades desenvolvidas pelos estudantes-

estagiários, identificamos em nosso recorte, na CP de Agropecuária, o foco em um dado campo

de atuação. Esse fator pode consolidar um perfil profissional um pouco mais distante das outras

áreas de atuação que o próprio PPC do curso sinalizava como possibilidades. Dentre essas

possibilidades encontram-se o manejo com irrigação, drenagem, solo e fertilidade, apicultura,

gestão ambiental voltada à agricultura e horticulturas, por exemplo. Dessa forma, os discentes

do recorte acompanham a área de concentração de seus orientadores e seguem o eixo de

sanidade animal, manejo produtivo, projetos zootécnicos, monitoramento de programas

profiláticos e de higiene sanitária160.

Por sua vez, na CP de Edificações, segundo o recorte obtido e a formação dos docentes-

orientadores, podemos observar um campo de atuação correlacionado à elaboração de projetos

arquitetônicos, bem como o gerenciamento de projetos e infraestrutura urbana. Neste cenário,

torna-se possível abarcar os eixos do plano de estágio presente no PPC desse curso, quais sejam:

1. Área de Pesquisa e Desenvolvimento – atuação em laboratórios de pesquisa e

desenvolvimento das empresas de construção civil; 2. Área de Planejamento, Projeto e

organização; 3. Área de Execução e Assistência; e, 4. Controle – inspeção de materiais

(BRASIL, 2011, p. 59).

Em síntese, refletimos sobre a maneira como esses pontos se interligam e definem

também a inserção dos membros em uma dada CP pelos assuntos que partilham. Na realidade,

compreendemos que, por estarmos inseridos em um contexto específico de aprendizagem e

diante de uma etapa avaliativa desse processo, o projeto de dizer dos discentes é permeado pelo

diálogo constante com o seu interlocutor principal: o orientador. É interessante ressaltarmos o

160 Provocamos a seguinte reflexão: caso tivéssemos outro docente com formação acadêmica de maior titularidade

no outro eixo de formação apresentada, certamente teríamos exemplos de perfis profissionais mais plurais,

conforme a proposta de capacitação apresentada pelo curso de EMI de Agropecuária.

Page 281: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

280

interesse dos alunos em demonstrarem a vivência e o reconhecimento da aptidão adquirida nas

atividades que o caracterizam com um determinado perfil profissional.

Nessa ótica, encontramos outra particularidade na seção introdutória desses relatórios,

sobretudo na CP de Edificações, pois esse grupo tende enfatizar a obrigatoriedade e a finalidade

da escrita dos relatórios. Por outro lado, na CP de Agropecuária, a referência da exigência da

produção textual surge tímida na seção do desenvolvimento (um único relatório) ou quando da

seção de conclusão (dois relatórios).

Quadro 30 – Introduções da CP de Edificações: a obrigatoriedade do relatório.

REDO2 – EDIF 01, 2016 O trabalho em questão tem por função informar os trabalhos executados pelo

aluno de forma prática em um determinado período de tempo, fazendo utilizar

conhecimentos adquiridos na sala de aula no meio profissional e relatando a

troca de experiência adquiridas durante o período de estágio. (p. 08 –

destaques nossos)

REDO5 – EDIF 01, 2016 Este relatório tem por finalidade, apresentar e ilustrar as atividades

desenvolvidas no estágio curricular, de modo a utilizar o conhecimento

adquirido em sala de aula e, consequentemente, praticada no dia a dia no

ramo da Construção Civil. [...] (p. 08 – destaques nosssos)

REDO2 – EDIF 02, 2017 Este relatório tem como objetivo apresentar as atividades desenvolvidas

durante o Estágio Curricular Obrigatório necessário para a conclusão do

Curso Técnico em Edificações, na qual as atividades foram realizadas, na

Secretária de Infraestrutura e obras da Prefeitura Municipal de Serrita. (p. 08

– destaques nossos)

REDO5 – EDIF 03, 2017 Portanto, o trabalho apresentado tem como objetivo descrever e relatar, bem

como mostrar sua importância, as atividades desenvolvidas ao longo do

período de estágio curricular obrigatório do curso de Técnico em Edificações,

no laboratório de construção do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Salgueiro. (p. 04 – destaques

nossos)

REDO5 – EDIF 04, 2017 O presente relatório tem como finalidade de descrever as principais atividades

executadas no período de estágio, como requisito para concluir o curso

técnico em edificações integrado ao médio, pelo IF Sertão-PE – Campus

Salgueiro. Durante esse período foram desenvolvidas atividades no escritório

de arquitetura, supervisionado e concedido pelo Engº Civil XXX. (p. 04 –

destaques nossos)

REDO5 – EDIF 01, 2018 Este relatório tem por finalidade prioritária, apresentar e descrever as

atividades desenvolvidas no estágio curricular, de modo a utilizar o

conhecimento adquirido em sala de aula e, conseqüentemente, praticada no

dia a dia no ramo da construção civil. Todas as informações contidas nele

foram vivenciadas no canteiro de obras e nos locais visitados a fim de serem

desenvolvidos os conhecimentos obtidos no curso de nível Técnico em

Edificações. (p. 05 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Reforçamos que essa característica na CP de Edificações ressalta o entendimento do

gênero relatório na condição de etapa avaliativa da narrativa ali presente, pois a necessidade da

escrita é permeada para além da comprovação das atividades por uma avaliação cujos efeitos

perduram até a consequente diplomação do estudante. Nesse embate de forças e relações de

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281

poder do contexto instauradas nessa produção, os discentes buscam reforçar que “o trabalho

apresentado tem como objetivo descrever e relatar, bem como mostrar sua importância, as

atividades desenvolvidas ao longo do período de estágio curricular obrigatório” (REDO5 –

EDIF 03, 2017). Outro relatório observado destacou sua condição de “requisito para concluir o

curso técnico em Edificações integrado ao médio, pelo IF Sertão-PE – Campus Salgueiro”

(REDO5 – EDIF 04, 2017).

Elaborados dessa maneira, os relatórios discentes são aptos a responder tanto aos seus

interlocutores imediatos (docentes orientadores e supervisores), quanto aos demais

interlocutores mediadores dos letramentos que orientam a cultura desse escrito. Aos primeiros,

os estudantes demonstram seu conhecimento científico, bem como os efeitos da escrita do

relatório (comprovação das atividades desenvolvidas, viés avaliativo, prestação de contas). Aos

demais, os discentes apresentam a parte introdutória do gênero, que deve conter dados sobre o

motivo e a maneira como foi feito o estágio (MRCT).

Nessa construção, os próprios discentes costumam sinalizar o objetivo de aliar o

conhecimento adquirido ao longo do tempo para essa etapa formativa, assim como tendem “[...]

relacionar os conteúdos e contextos para ressignificar as aprendizagens [...]”, tal como exposto

pelo RE (BRASIL, 2015b, p. 02). Ou seja, encontramos ecos dialógicos não somente na relação

da estrutura composicional desse gênero, mas diante de uma arquitetônica, de um projeto de

dizer, que visa a responder a vários discursos, em especial, os que são institucionalizados.

Portanto, avultamos que os alunos recuperam e constroem sua escrita revisitando já ditos e

reconhecendo novos sentidos para essas experiências, práticas e conhecimentos, conforme a

particularidade de uma CP (SNYDER; WENGER, 2010; WENGER; WENGER, 2015).

Neste ponto, visualizamos mais um aspecto presente na CP de Edificações,

especialmente nos últimos anos do recorte observado. Tal característica diz respeito à ênfase

dada ao reconhecimento da necessidade de profissionais qualificados para a região. Este fator

justificaria a oportunidade de formação e capacitação ofertada pelo IF Sertão/PE (Quadro 31).

Quadro 31 – Necessidade de profissionais qualificados segundo a CP de Edificações.

REDO2 – EDIF 04, 2017 Entrelaçando, assim, os conhecimentos obtidos em obras com os obtidos em

sala de aula e pela instituição de ensino, Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Sertão de Pernambuco – Campus Salgueiro,

localizado na BR 232, Km 508, que disponibiliza o curso técnico em

edificações, para assim trazer mão de obra especializada para a região que

cresce cada vez mais nessa área da construção Civil. (p. 07 – destaques nossos)

REDO5 – EDIF 01, 2017 Nesse contexto, é perceptível a necessidade de profissionais qualificados para

ensaios laboratoriais, tendo em vista a aprendizagem dos diferentes ensaios de

laboratório que testemunham a observância de parâmetros excepcionais,

estabelecendo registros para garantia da qualidade, atendando-se que, para

Page 283: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

282

cada material existem ensaios laboratoriais, sendo esses definidos por normas

brasileiras e internacionais. (p. 04 – destaques nossos)

REDO5 – EDIF 03, 2017 A cidade de Salgueiro, localizada no sertão central de Pernambuco, é uma das

principais cidades em desenvolvimento do estado, com isso é perceptível o

aumento de sua população, e consequentemente a necessidade de profissionais

qualificados na área da construção civil. (p. 04 – destaques nossos)

REDO2 – EDIF 01, 2018 A construção civil é uma indústria em constante desenvolvimento e que cada

vez mais traz técnicas e produtos novos ao mundo. Para suprir essa

necessidade faz-se necessário mais profissionais habilitados e prontos para

qualquer tipo de serviço. Sabendo disso, é notório a importância que o IF tem

a contribuir com esse mercado que traz tecnologia e desenvolvimento a todos.

(p. 06 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Em termos comparativos, a CP de Agropecuária retoma essa importância de forma mais

direta somente na conclusão de seus trabalhos; por outro lado, no contexto da CP de

Edificações, é possível observarmos o destaque para esse papel de relevância ainda na

construção inicial do relatório sobre o significado social, econômico e político de transformação

na sociedade acerca da instalação de um centro formativo de acesso democrático e gratuito no

interior do país.

Assim, o realce institucional conferido por essa última CP cria vínculos inclusive com

a própria missão institucional do IF Sertão/PE, a saber: “Promover a educação profissional,

científica e tecnológica, por meio do ensino, pesquisa, inovação e extensão, para a formação

cidadã e o desenvolvimento sustentável” (BRASIL, 2019, p. 23). Nesse ínterim, ressalta-se

também a visão da instituição, que consiste em “Consolidar-se como uma instituição pública

de qualidade, buscando a excelência e o reconhecimento pela sociedade como agente de

transformação.” (BRASIL, 2019, p. 23). Indiciando-nos afirmar, assim, que o corpo discente

da unidade costuma reconhecer o mérito e os efeitos sociais promovidos pela instituição de

ensino.

De maneira semelhante, ao explorarmos a seção sobre a narrativa do desenvolvimento

das atividades diante dos relatórios investigados, sobressai a importância da necessidade de

profissionais qualificados na referida unidade. Esse apontamento se consolida, sobretudo, a

partir das críticas estudantis direcionadas a certas práticas laborais em desconformidade com o

aparato técnico-científico apreendido em sala de aula, isso tanto no âmbito da CP de

Agropecuária como no cenário da CP de Edificações161.

Além disso, podemos observar temas tangenciais na etapa da elaboração dos relatórios

acerca da descrição das atividades, mas que também demonstram a peculiaridade da vivência

161 Aprofundamos o debate na seção em que analisamos a dimensão interdiscursiva por meio das RD.

Page 284: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

283

laboral. Isto ainda nos evidencia como o conhecimento adquirido no contexto de formação

escolar e acadêmica pode colaborar com o crescimento da comunidade e, consequentemente,

de toda a sociedade.

Dessa maneira, encontramos o debate acerca de tópicos como questões sobre

desigualdades sociais (construção ilegal, acessibilidade), responsabilidade ética na fiscalização

e execução de obras públicas, além de marcas das políticas educacionais e aspectos culturais na

sociedade em que estão inseridos. Neste rol ainda se destacam assuntos como violência contra

animais e impactos econômicos diante da atual crise política que o país enfrenta. Logo,

ressaltamos que estas são apenas algumas temáticas elencadas pelos discentes em suas reflexões

sobre o agir profissional.

Quadro 32 – Temáticas presentes nos relatórios da CP de Agropecuária e de Edificações.

RELATÓRIO EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Atualmente, o campus oferece cursos nas modalidades Médio Integrado (Agropecuária),

Subsequente (Agricultura, Agroindústria e Zootecnia), Subsequente EaD (Logística,

Manutenção e Suporte em Informática e Segurança do Trabalho), Proeja (Agroindústria),

Superior (Bacharelado em Agronomia e Tecnologia em Viticultura e Enologia) e Pós-

Graduação (Fruticultura no Semiárido e Processamento de Alimentos de Origem Animal),

além dos cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC). Também atende ao Programa

de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Programa Nacional de Acesso ao Ensino

Técnico e Emprego (Pronatec), Mulheres Mil e Programa de Hortas Comunitárias. [...] (p.

05 – destaques nosssos)

No período em que estagiamos, o setor não estava em seu auge de produção. Tínhamos

apenas seis vacas produzindo, sob más condições de alimentação, devido à crise financeira

que o campus passava por isso a compra de insumos era dificultada [...] (p. 09 – destaques

nossos)

Entre os animais confinados existia controle de cobertura, pois os cabritos machos só

ficavam naquela instalação até atingir a puberdade, que é o início da atividade reprodutiva

nos machos e nas fêmeas. Caso o animal ainda fosse de interesse de algum experimento ele

seria castrado e deixado no aprisco, caso não fosse, ele seria castrado e solto na área de

caatinga, mas se o animal fosse de interesse reprodutivo, seria transferido para o bodário.

(p. 19 – 20 – destaques nossos)

“[...] O outro procedimento é feito utilizando um alicate conhecido como Burdizzo. Este

procedimento consiste no esmagamento do cordão espermático e do conjunto de veias e

artérias que nutrem o testículo, com o passar do tempo o testículo do animal definha e o torna

estéril; ilustração 8. A prática de castração por liga era bastante utilizada, mas foi proibida

e aos poucos está sendo extinta, pois é um procedimento bastante cruento e faz com que o

animal sinta dores e desconforto por vários dias seguidos.” (p. 20 – destaques s nossos)

REDO4 –

AGRO 03,

2017

Devido á extrema pobreza no Brasil o governo federal concedeu o programa (PBSM) ao

município de Penaforte-ce. Durante o período de estagio foram realizadas atividades no

escritório, verificando uma lista com cada nome dos participantes vendo se os produtores

estão participando de forma consecutiva nos últimos anos. Se estiverem regular conforme os

critérios faz a seleção das pessoas são colocadas numa planilha e lança no sistema assim os

produtores continuam encaixado no programa que também pode ser hora de plantar que é

distribuição das sementes podendo escolher qual cultura quer plantar sendo duas escolhas

feijão ou milho. (p. 08 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 02,

2018

[...] No estágio pude notar o quanto que a atividade merece de conhecimento técnico, merece

mas atenção das pessoas que trabalha nessas área no campus, vendo as situações das baias

que são precárias, onde os reprodutores consegue atravessar o cercado das baias pulando,

os comedouros baixo demais e os animais acaba defecando e urinando dentro misturando

assim com a sua própria alimentação, de modo em geral a instalação precisa ser mudada.

Page 285: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

284

Falta abatedouros especializados em caprinos e ovinos, com isso os abates clandestinos

surgem e isso não favorece que a qualidade do produto seja beneficiada. A Suinocultura é

uma atividade que se desenvolve bem nas condições da região semiárida. Porém é uma

atividade que merece profissionais capacitados para conduzir todos os processos

produtivos, o que acarreta numa maior qualidade do produto e por consequência um bom

resultado financeiro. No estágio pude perceber que as instalações principalmente na

maternidade não é uma das melhores (p. 14 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 04,

2017

Por fim, houve ainda o acompanhamento da realização do aterro da obra, ocorrido com

material de empréstimo e as negociações feitas para desocupar o terreno, pois esse

apresentava um total de 21 casas construídas ilegalmente e não apresentando condições de

moradia digna aos residentes. Por tanto, presenciou-se o acordo entre a prefeitura e a

comunidade do local. (p. 11 – destaques nossos)

Para a limpeza do terreno foram realizados: capina, limpeza, roçado, destocamento, queima

e remoção, respectivamente. Usando-se de mão-de-obra e maquinário necessário para a

realização do serviço. Devido a questões de legislações ambientais, foram preservadas duas

árvores presente no terreno.” (p. 16 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 02,

2017

Os banheiros da creche têm uma estrutura totalmente voltada para atender as necessidades

de todos os tipos de crianças desde as pequenas ate as maiores, os chuveiros e pias tem a

altura reduzida, pode ser observado na figura 9, que os registros fechamento estão em

alturas diferentes da usual, e o piso é de um material não escorregadio para evitar

acidentes. (p. 13 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2018

Outro problema bem nítido nesta construção foi o salto de etapas importantes, como o reboco

ser antes da coberta, como mostra a (Figura 03) e (Figura 3.1).

Essas atividades são feitas em prol da melhoria da obra, e, é uma obrigação da prefeitura

fiscalizar estas obras publicas, dando responsabilidade para os técnicos que fizeram esse

acompanhamento fiscalizador.” (p. 09 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Destacamos neste ponto uma característica pertinente a essa produção textual

discursiva, uma vez que os relatórios investigados revelaram salvaguardar a memória do

desenvolvimento social, histórico, em torno do patrimônio arquitetônico e natural da cidade ou

de cidades circunvizinhas, bem como há uma inclinação ao resgate de uma cultura sobre um

saber-fazer das raízes da produtividade animal, por exemplo.

É evidente que os discentes não fazem uma ponderação aprofundada sobre os temas

expostos no Quadro 32. Isto nos indicia porque, para que se discorra sobre as atividades

desenvolvidas, segundo o GETA e o MRCT, é preciso informar “[...] de maneira clara, objetiva

e com detalhes fundamentais, as ideias principais das tarefas realizadas no estágio, analisando-

as e ressaltando os pormenores mais importantes. [...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 06). Assim

sendo, enfatizamos que os estudantes-estagiários trazem essas informações em uma discussão

não vertical. Entretanto, a abordagem de tais assuntos torna evidente que a experiência do

estágio é extremamente pertinente para a formação de sujeitos mais críticos e eticamente

compromissados com os problemas locais que surgem quando cidadãos que integram a

engrenagem do funcionamento social de uma comunidade.

Além disso, o engessamento proposto pelos modelos de escrita como no relatório de

estágio nos faz ter como refletir que os discentes se preocupam muito mais com a narrativa da

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285

descrição do ato do que em explorar certos temas, pois quiçá não se sintam com “expertise”

para debater ou que temem fugir, não se adequar, da proposta do gênero. Salientamos que a

produção escrita neste contexto de estágio amplifica a voz da avaliação: assim, o aluno busca

meios para se “afastar” de uma possível reprovação.

Nesse sentido, há uma busca em se adequar ao que é proposto, especialmente pelo

GETA e pelo MRCT, ao seguir o que indicam para a seção das atividades desenvolvidas. A

título de exemplo: é preciso criar um subtítulo e, assim, explicitar sobre o que foi feito, por que

foi feito, como foi feito e a aprendizagem que houve com essa atividade. Além disso, é

necessário que haja um poder de síntese da descrição das vivências associada a referências “[...]

que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais,

artigos, livros, sites, etc.).” (BRASIL, 2016a, p. 19; BRASIL, 2016b [?], p. 06).

Enquanto breve exemplificação, temos, na CP de Agropecuária, esses ecos no

desenvolvimento de dois relatórios que optaram por seguir a sugestão fornecida pelo template

do MRCT (Figura 29). Ainda assim, isso não significa dizer que esse cerceamento na liberdade

textual e na produção não ocorra de outras formas. De fato, o nosso próprio percurso de escuta

do corpus revelou como esses ecos se fazem presentes e como são construídas essas RD diante

de CP específicas. Este contexto, salientamos que perpassa movimentos de adesão do que é

imposto, mas ao mesmo tempo (re)constrói novos sentidos e novas formas no projeto de dizer

que revelam essa dispersão, o movimento centrífugo.

Conforme enfatizam Sobral e Giacomelli (2016, p. 1088), essa também é uma

singularidade dos gêneros discursivos. Nesse sentido, os autores afirmam que “[...] na qualidade

de dispositivos relativamente estáveis, os gêneros conservam certos aspectos, mas sempre se

alteram a cada uso, porque os locutores, coenunciadores e contextos se alteram.”.

Desse modo, em REDO2 – AGRO 01, 2017, observamos que, mesmo respondendo às

perguntas: o que foi feito, por que foi feito, como foi feito e qual aprendizagem teve com as

atividades vivenciadas, as respostas fornecidas apresentaram caráter sintético e sem maiores

aprofundamentos sobre o progresso profissional e acadêmico. Porém, em REDO4 – AGRO 02,

2018, mesmo observando a sugestão do MRCT, a discente demonstrou tendência a refletir um

pouco mais sobre sua prática e explorar os conhecimentos apreendidos ao longo de sua

formação acadêmica e profissional. Logo, sua narrativa e ponderação sobre as práticas

vivenciadas no locus de atuação demonstram a maneira como os conhecimentos dialogam entre

si. Assim sendo, observamos como cada sujeito interage na sua produção textual discursiva ao

considerar o projeto de dizer, os interlocutores e o contexto, por exemplo.

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286

Figura 29 – Exemplos da seção de atividades desenvolvidas CP de Agropecuária: ecos de vozes institucionais.

Fonte: REDO4 – AGRO 02, 2018 e REDO2 – AGRO 01, 2017.

Não diferentemente, reforçamos que os demais relatórios, tanto da CP de Agropecuária

como na CP de Edificações, respondem, de algum modo, ao proposto pelo GETA e pelo MRCT.

O fato se dá porque esses sujeitos-estagiários produzem suas respectivas narrativas recuperando

as atividades desenvolvidas, justificando-as e apresentando o aprendizado ocorrido, embora não

o façam tal e qual a sugestão fornecida pelo template. Isso nos traz como indício que, mesmo

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287

tendo uma espécie de manual, os discentes-estagiários optam por criar seu próprio estilo em

descrever suas vivências.

Dessa maneira, nesse projeto de dizer, os sujeitos estagiários criam suas estratégias

discursivas em apresentar ao seu interlocutor essas vivências. Para tanto, outro elemento salutar,

que também colabora em caracterizar as ferramentas utilizadas pelas respectivas CP na seção

de desenvolvimento, diz respeito à utilização de recursos verbo-visuais (Tabela 7).

Tabela 7 – Ocorrência de recursos verbo-visuais na seção de atividades desenvolvidas.

CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018

Recursos verbo-visuais (gráficos, tabelas e/ou imagens) 100% 25% 0% 100% 100% 100%

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Assim, destacamos o fenômeno de que os sujeitos estagiários costumam utilizar tais

elementos verbo-visuais na composição de seus respectivos projetos enunciativos. Isto acontece

mesmo diante de direcionamentos não tão claros nos documentos institucionais sobre como

recuperá-los ao longo do desenvolvimento do trabalho. Segundo o GETA, as informações sobre

esses recursos são direcionadas em seção específica intitulada: “Ilustrações, tabelas, notas de

rodapé, siglas e abreviaturas, equações e fórmulas”. Entretanto, a indicação reflete uma

preocupação institucional sobre a formatação segundo normas técnicas e não sobre como usar

esse elemento textual na construção discursiva.

De fato, as orientações se resumem a definir como os títulos desses elementos devem

vir dispostos (parte superior da figura), com descrição do tamanho da fonte (tamanho 12),

sempre precedido por numeral arábico, seguindo uma sequência conforme se apresenta no texto

(BRASIL, 2016a, p. 08). Neste ponto, o documento não orienta ao seu interlocutor se tal

elemento deve ser exposto ao longo da produção escrita, ou ainda acerca da compilação dos

elementos pós-textuais (apêndice e anexos), por exemplo.

Ainda assim, ao utilizar esses recursos verbo-visuais, os discentes da CP de

Agropecuária costumam fazê-lo, especialmente, por meio de gráficos, tabelas e imagens

(fotografias, mapas). Deste modo, seguem os direcionamentos dos interlocutores mediadores

dos letramentos institucionais no que tange à formatação e disposição desses elementos.

Somente no relatório do discente REDO4 – AGRO 01, 2017 é que encontramos uma

apresentação destoante da recomendação institucional de apresentar a origem das imagens

utilizadas em seu relatório.

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288

Por sua vez, na CP de Edificações, a recuperação desses recursos é utilizada por todos

os estudantes mediante a utilização de figuras (fotos, plantas baixas e de cortes, planilhas) e/ou

tabelas que respaldam as ações e os dados recolhidos durante a experiência laboral. Assim, é

interessante ressaltarmos que, de forma distinta da CP de Agropecuária, quase 46,15% do total

dos relatórios investigados da CP de Edificações, sobretudo os produzidos entre os anos de

2016 e 2017, não indicaram a origem de seus dados diante desses elementos.

Ressaltamos que por se tratarem de jovens produtores nessa esfera de produção, caberia

o suporte dos demais interlocutores mediadores do letramento. Nesse caso, a figura do

orientador deveria introduzi-los nesse contexto sobre a cultura do escrito. Esse papel poderia

ter sido desempenhado ainda pelo docente da disciplina de estágio (o curso de Edificações

possui essa matéria na grade curricular), que quiçá poderia fornecer em seus momentos de aula

como se configura a dinâmica e as particularidades dessa escrita.

Sinalizamos ainda que, dentre esses relatórios que não remontaram às fontes do recurso

verbo-visual apresentado, somente um não se relaciona ao orientador identificado como DO2

(CP de Edificações). Portanto, os demais discentes foram orientandos desse interlocutor de

maior titularidade e de vivência acadêmica, demonstrando que a expertise nesse contexto pode

deixar passar despercebidas questões de ordem da estrutura, mas que afeta o projeto de dizer.

Pontuamos isso, pois ao não dar os devidos créditos à autoria, pode-se incorrer em indícios de

plágio. Logo, como o discente se encontra ainda em um contexto de aprendizagem, esse seria

o momento para o reconhecimento que certas práticas são consideradas más condutas e que

ferem a uma conduta ética no contexto acadêmico. (KROKOSCZ, 2011; BESSA, 2014).

Assim, a figura do orientador como um dos interlocutores mediadores do letramento

poderia colaborar nesse processo educacional ajudando a implementar o que Bessa (2014)

denomina de “integridade e ética na pesquisa na formação do pesquisador.”. Entretanto, neste

momento, apenas provocaremos a reflexão sobre a integridade e ética na formação do jovem

produtor de textos acadêmicos-profissionais. Ademais, enfatizamos que muitos desses recursos

que não referenciam a origem do dizer são produzidos pelos próprios discentes. Isto nos indica,

dessa forma, muito mais a necessidade de um norte em relação à cultura instaurada sobre a

configuração desse escrito, do que propriamente a atribuição do dizer do outro como próprio.

Page 290: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

289

Figura 30 – Exemplos de recursos verbo-visuais utilizados nas CP de Agropecuária e de Edificações.

REDO2 – AGRO 01, 2016

Page 291: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

290

REDO5 – EDIF 02, 2017 REDO5 – EDIF 02, 2017

Fonte: REDO2 – AGRO 01, 2016, REDO5 – EDIF 02, 2017 e REDO5 – EDIF 02, 2017.

.

De todo modo, destacamos que os discentes costumam utilizar recursos verbo-visuais

como marcas de hibridismos constitutivos do contexto contemporâneo diante da produção

escrita (MELO; ROJO, 2019)162, colaborando com a inserção desses elementos na arquitetônica

do gênero por meio dos efeitos de sentidos criados por eles ao pensarem nos interlocutores

(imediato ou presumido). Logo, essas imagens, gráficos, tabelas, planilhas e mapas, por

exemplo, integram o projeto enunciativo em torno das atividades desenvolvidas como parte

essencial da produção escrita, remontando a uma estética peculiar dessas respectivas CP:

enquanto todos os discentes da CP de Edificações recorrem dos recursos verbo-visuais,

especialmente, na seção de desenvolvimento das atividades; na CP de Agropecuária,

encontramos exemplos de forma mais moderada tanto no desenvolvimento como nos anexos.

Para Street (2014), esses elementos verbo-visuais são, na realidade, elementos

paralinguísticos presentes na escrita que servem em alguma medida para somar aos efeitos de

162 Revelando ainda o que Bakhtin (2018) diz sobre a possibilidade de RD entre matérias sígnicas de outras ordens.

Page 292: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

291

sentidos produzidos pelo autor. Logo, elementos como gestos, expressões faciais, a entonação

da fala, o recurso tipográfico utilizado na letra, na cor da tinta, os signos editoriais, “tudo isso

veicula significado para além dos recursos lexicais e sintáticos” (STREET, 2014, p. 21).

Isto posto, adentramos no último elemento obrigatório dos elementos textuais: a

conclusão, que possui como peculiaridade a emissão de uma opinião por meio de uma “[...]

análise crítica do estágio em termos de contribuição para a formação profissional do estagiário

[...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 07). Nesse tópico, o estudante possui a liberdade de tecer críticas

positivas ou negativas, segundo esses interlocutores mediadores dos letramentos institucionais,

mas deve obedecer a um teor sempre construtivo.

Dessa forma, em ambas CP, a conclusão é recuperada de forma breve e remonta ao

indicado pelos documentos institucionais. Dentre as recomendações, estão: ser sintético,

esboçar uma análise do todo, correlacionar o que aprendeu em sala com os conhecimentos

adquiridos na experiência de trabalho. Ainda assim, encontramos certas peculiaridades nessa

escrita, conforme exposto no recorte do Quadro 33. Isso se sobressai quando os alunos reforçam

a necessidade de profissional qualificado para suprirem as demandas da região (REDO2 –

AGRO 01, 2016; REDO5 – EDIF 01, 2018), ponto enfatizado na CP de Edificações ainda nas

introduções dos relatórios; quando informam sobre as dificuldades encontradas e elencam como

essas foram superadas (REDO4 – AGRO 01, 2018; REDO2 – EDIF 01, 2018; REDO5 – EDIF

01, 2018); ou quando reconhecem de que maneira essa etapa formativa conseguiu contemplar

os conhecimentos apreendidos em sala de aula (REDO5 – EDIF 01, 2018), por exemplo.

Quadro 33 – Seção de conclusão nas CP de Agropecuária e de Edificações.

REDO2 – AGRO 01, 2016 Para uma atividade atingir índices satisfatórios, é de grande importância que

haja uma pessoa bem treinada e qualificada trabalhando nos processos de

produção seja de qualidade e que acarrete em uma margem de lucro positiva e

que agrade ao bolso do produtor. [...] (p. 39 – destaques nossos)

REDO4 – AGRO 01, 2018 Nas falhas que envolvem manejo reprodutivo, encontramos animais machos

não cadastrados misturados com fêmeas, o que favorece um não manejo

reprodutivo levando o rebanho até vários casos de consanguinidade, Porém

essa era nossa dificuldade porque em meio a um único rebanho tinha vários

donos e esses eram soltos em um pasto. Para tentar corrigir essa falha de

manejo orientamos aos produtores fazerem a castração dos machos que não

interessam a eles e selecionarem um único reprodutor. Para castração

utilizamos o método por alicate tipo Burdizzo e castração cirúrgica, explicamos

todos os benefícios da castração aos produtores. Nas falhas nutricional

encontramos animais com escore corporal muito baixo entre 1 e 2, orientamos

sempre que possível fazer uma suplementação mineral e vitamínica em todo o

rebanho e complementar a alimentação do rebanho com concetrados. Foi

indicado também fazer estoque de feno e silo para as épocas de seca, de

preferência com pastagem nativa já que não possuem plantação de forragem.

(p. 10 – destaques nossos)

REDO2 – EDIF 01, 2018 [...] Entretanto, ocorreram algumas experiências inesperadas em obra, por se

tratar de um local relativamente violento o bairro da Cohab vez ou outra

Page 293: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

292

ouvíamos barulho de tiros, levando assim a um ambiente em obra cada vez

mais apreensivo e cauteloso.

Ocorreu também o atraso constante na entrega de materiais que algumas vezes

deixaram os trabalhadores sem equipamento para trabalhar, ainda assim as

experiências positivas foram maiores e apesar de tudo Deus me deu forças

para continuar e passar por todas as dificuldades. (p. 17 – destaques nossos).

REDO5 – EDIF 01, 2018 Este estágio foi proporcionado por um imenso aprendizado durante o tempo

que se realizou o acompanhamento das obras, apresentadas pela adversidade

de problemas e situações imprevisíveis durante as obras, como: uma chuva

inesperada, ausência de trabalhadores por conta de pagamento, atraso de

materiais, serviços não realizados como deveriam, incompatibilidade com

projetos, erros nas edificação e etc. Com esses problemas e situações

enfrentados e com a teoria vista durante o curso objetive a preparação para

realizar a tarefa de um Técnico em edificações e enfrentar o mercado de

trabalho. Alem de tudo, obtive a oportunidade de trocar experiências didáticas

e praticas com os componentes daquele órgão, acrescentando assim o meu

conhecimento e aumentando minha experiência na área. (p. 15 – destaques

nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Dentre os excertos recuperados, avultamos a síntese de REDO4 – AGRO 01, 2018. No

tópico de conclusão, a discente continuou a narrar as atividades desenvolvidas, rompendo com

os direcionamentos dos documentos institucionais que regulamentam sobre o que deve ser dito

acerca do conteúdo a ser exposto nesta seção. Neste ponto, destacamos novamente a figura do

orientador, que poderia ter auxiliado a essa jovem produtora de textos acadêmicos-profissionais

sobre a peculiaridade da seção de conclusão. Assim, mesmo retomando as falhas encontradas

durante o estágio sobre algumas técnicas, a aluna poderia ter conduzido a escrita de outra forma.

A estudante poderia, por exemplo, seguir a própria proposição presente no MRCT: “[...] Aqui

a reflexão é sobre o estágio no todo, e não em cada uma das atividades, como no

desenvolvimento. [...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 07 – destaques nossos).

Outro exemplo peculiar é o do REDO2 – EDIF 01, 2018, pois o discente sintetizou a

sua experiência e deixou transparecer a questão da violência social de forma tangencial em seu

relato. O aluno pontuou que o bairro do seu locus de trabalho era considerado “violento” e ao

ouvir “barulhos de tiros” o ambiente se tornava “apreensivo e cauteloso”. Ademais, em sua

seção de agradecimentos, o estudante remontou a marcas de espiritualidade ao fazer menção a

“Deus” (Quadro 27). No tópico de conclusão, esse mesmo sujeito reiterou o agradecimento,

quiçá por todo esse tensionamento vivido pelo medo de ser mais um alvo dessa violência

contemporânea.

De toda forma, a narrativa das falhas e ou dificuldades encontradas em determinadas

situações (REDO4 – AGRO 01, 2018; REDO2 – EDIF 01, 2018; REDO5 – EDIF 01, 2018) é

algo recorrente para além dos relatórios citados e revela a dinâmica do estágio ao inserir os

Page 294: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

293

futuros profissionais nesse espaço de tomada de decisão. Dessa maneira, suas respectivas

participações (periféricas) são legitimadas por pares de maior técnica ou saber. Assim, por

estarem inseridos em um ambiente formativo, as incertezas e as inseguranças são constantes e

permeadas pelo receio de errar, mas o desejo de aprendizado demonstrado por esses discentes-

estagiários tende a superar esses desafios.

Diante disso, recuperemos ainda que uma das finalidades da seção de conclusão é que

o aluno possa construir críticas (sejam positivas ou negativas), visto que os estudantes podem

correlacionar a aprendizagem de sua etapa formativa na construção do referido tópico. Assim,

enfatizamos que todos os discentes recobrem essas marcas, mas aprofundaremos a análise

quando de nossa escuta e reflexão sobre o “(Re)conhecimento das marcas acadêmicas e

profissionais na formação” (ver item 5.2.2.3.5 desta tese). De fato, tais características aparecem

de sobremaneira destacadas na seção de conclusão dos relatórios de ambas CP. Para tanto,

abordamos no subtópico a seguir a análise dos elementos pós-textuais: referências, apêndices e

anexos na condição de possíveis ecos dos direcionamentos institucionais.

5.2.1.3 Elementos pós-textuais

Em referência aos elementos pós-textuais, temos somente as referências enquanto

elemento essencial: assim, os apêndices e anexos são seções opcionais no relatório de estágio.

Cumpre-nos salientar que, segundo o GETA, as referências seriam consideradas elementos

opcionais a princípio, mas quando da confecção de relatórios que possuam citações, essa seção

deve passar a ser obrigatória, seguindo especialmente a ABNT – NBR 6023:2002. Por outro

lado, o MRCT não abre margens para dúvida da obrigatoriedade desse elemento e já insere a

informação ao lado do título, designando-o como presença indispensável. Com isso, expomos,

por meio da Tabela 8, a síntese de como as CP de Agropecuária e Edificações se adequam ao

solicitado por esses interlocutores mediadores dos letramentos.

Tabela 8 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pós-textuais.

CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018

1.1 Elementos pós-textuais

(obrigatórios)

Referências 100% 100% 100% 0% 50% 25%

1.2 Elementos pós-textuais (não

obrigatórios)

Apêndice 0% 0% 0% 0% 0% 0%

Anexos 100% 12,5% 33,3% 0% 25% 50%

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

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294

Nesse sentido, visualizamos que a CP de Agropecuária demonstrou tendência a se

adequar às solicitações institucionais, bem como a uma cultura acadêmica em referenciar o que

foi citado ou evocado ao longo do texto. Sobre esse aspecto, observamos que os 13 (treze)

discentes utilizaram as referências como elemento constituinte do relatório. Por outro lado, na

CP de Edificações foi possível observarmos essas referências ao longo dos anos de forma

pontual. Entretanto, na análise dos resultados dessa CP, é difícil afirmar que se trata de uma

tendência desse grupo a ausência de referência às fontes utilizadas. Ainda assim, dentre os

relatórios investigados que trouxeram esse elemento, encontramos as seguintes

particularidades:

Os trabalhos citados ao longo dos relatórios não se encontram de forma unânime

nas referências;

Há menção a obras, a leis e/ou a autores compilados nas referências, mas esses

não são citados ao longo do relatório. Talvez sejam considerados leituras complementares que

colaboraram na construção do raciocínio da narrativa;

Alguns títulos das obras não possuem o destaque segundo as normas da ABNT

(negrito ou itálico nos títulos);

Os trabalhos não estão dispostos em ordem alfabética nas referências, assim

como proposto pela ABNT;

Referências utilizadas em gráficos, imagens, tabelas e/ou outros recursos não são

recuperados nesta etapa dos elementos pós-textuais.

Assim, reforçamos que, por estarmos diante de grupos de CP distintas, mas que possuem

como membros jovens iniciantes na cultura do escrito, contexto no qual se soma o viés

acadêmico e profissional, compreendemos que há uma tentativa em se adequar a essas

solicitações. Neste sentido, há um esforço para recuperar essas vozes de autoridade que

ancoram o projeto enunciativo, tal como solicitado por alguns dos interlocutores mediadores

dos letramentos e, provavelmente, por seus interlocutores imediatos, tais como os orientadores.

Além disso, frisamos que a CP de Agropecuária demonstrou trazer mais referências em seus

relatórios: com isso, as particularidades elencadas anteriormente se fizeram mais presentes. Por

sua vez, na CP de Edificações, as referências foram sintéticas e somente as utilizadas ao longo

do relatório foram especialmente evocadas.

Diante disso, recuperamos o pensamento de Fuza (2015) ao debater sobre esta seção em

artigos científicos. Neste aspecto, a pesquisadora compreende que, ao trazer as referências dos

Page 296: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

295

trabalhos utilizados, de um lado, estamos diante de um grande diálogo entre as normas como

um meio de padronização; de outro, estamos ampliando o entendimento sobre um dado

fenômeno ou teoria dentro de uma dada comunidade acadêmica. Isto acontece porque “ao

receber o artigo e analisá-lo, pode[mos] buscar respostas e novos estudos sobre o tema nas

referências elencadas pelo autor do texto, permitindo o diálogo constante da ciência dentro da

comunidade acadêmica” (FUZA, 2015, p. 253). Em nossa compreensão, a seção de referências

do gênero relatório, de igual modo, procura criar esse grande diálogo, de modo a responder à

cultura do escrito provocada. Tal resposta se dá, por um lado, pelos interlocutores mediadores

dos letramentos de caráter institucional, e, por outro, constituindo um movimento próprio com

os discursos acadêmicos e científicos experienciados em sua formação. Esta oportunidade,

consequentemente, também é capaz de auxiliar o estudante na pesquisa de futuros relatórios

e/ou trabalhos acadêmicos.

Figura 31 – Exemplos da seção de referências da CP de Agropecuária e de Edificações.

REDO4 – AGRO 01, 2016

Page 297: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

296

REDO4 – AGRO 02, 2018

REDO2 – EDIF 02, 2017

REDO2 – EDIF 01, 2018

Fonte: REDO4 – AGRO 01, 2016; REDO4 – AGRO 02, 2018; REDO2 – EDIF 02, 2017 e REDO2 – EDIF 01,

2018.

Page 298: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

297

Portanto, na procura desta síntese em elencar as referências “[...] que serviram para o

desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais, artigos, livros, sites, etc)”

(BRASIL, 2016a, p. 19), encontramos outras formas de refletirmos sobre as RD existentes nessa

seção. Tal fato se dá porque essas não se resumem a diálogos explícitos, de acordo com o

exposto em nossa reflexão de ordem teórica (formas do discurso: DD, DI e DIL). Na realidade,

em nosso contexto, os discentes recuperam outras vozes para construir um diálogo com sua

prática, seja por meio do acordo, do respaldo, da alusão, ou mesmo da crítica, conforme

veremos em seção posterior. De fato, percebemos que os estudantes buscam estabelecer

fundamentos sobre como a “teoria” pode ser incorporada em uma prática profissional. Ademais,

esses sujeitos deixam transparecer na compilação das referências esse mesmo diálogo de ordem

macro em uma dada comunidade, quer seja acadêmica quer seja profissional, por exemplo.

Isto posto, destacamos um outro elemento que esteve presente segundo a constituição

dos elementos pós-textuais, a saber: o anexo. Ressaltamos que segundo o GETA, essa seção é

destinada ao: “Texto ou documento não elaborado pelo autor, que serve de fundamentação,

comprovação e ilustração. [...]” (BRASIL, 2016a, p. 21 – destaques nossos) e de teor opcional,

enquanto no MRCT as indicações sobre esse elemento são de ordem da formatação. Este último

impõe aspectos de composição do documento, como por exemplo, que as letras devem ser

maiúsculas, sendo consecutivas de acordo com a apresentação das imagens, dos documentos

ou o que seja incorporado por essa seção).

Entretanto, apesar do esclarecimento, encontramos características típicas do elemento

“apêndice” em nosso corpus, apesar de o título da seção ser denominado como “anexo”. De

acordo com o próprio MRCT, o apêndice é dedicado ao “Conjunto de material ilustrativo ou

completar ao texto, produzido pelo aluno, tais como gráficos, tabelas, diagramas, fluxogramas,

fotografias, tabelas de cálculos, símbolos, descrição de equipamentos, modelos de formulários

e questionários, plantas ou qualquer outro material produzido.” (BRASIL, 2016b [?], p. 09 –

destaques nossos).

Desse modo, sublinhamos que a ocorrência de materiais (produzidos ou não pelos

próprios alunos-estagiários) foi intitulada por ambas CP com o título de anexo. Mais uma vez,

nossa compreensão parte de que estamos diante de jovens produtores desse contexto específico

da cultura do escrito que é instaurada. Portanto, cabe aos demais interlocutores mediadores dos

letramentos explorar as diferenças e funcionalidades dessa estrutura já estabelecida no seio

daquela CP. Pontuamos isso, pois a NBR, proposta pela ABNT, tende a padronizar essas seções

a fim de facilitar o conhecimento e a partilha entre os coenunciadores para se alcançar a

Page 299: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

298

finalidade dessa etapa, caracterizando, assim, a dinâmica desse letramento acadêmico

específico.

Figura 32 – Exemplos da seção de anexos da CP de Agropecuária e de Edificações.

REDO2 – AGRO 01, 2016

Page 300: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

299

REDO4 – AGRO 06, 2017

REDO5 – EDIF 01, 2018

Page 301: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

300

REDO5 – EDIF 04, 2017

REDO5 – EDIF 03, 2017

Fonte: REDO2 – AGRO 01, 2016; REDO4 – AGRO 06, 2017; REDO5 – EDIF 03, 2017; REDO5 – EDIF 01,

2018 e REDO5 – EDIF 04, 2017.

Page 302: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

301

Ainda assim, salientamos que apenas a CP de Agropecuária apresentou ocorrência dessa

seção ao longo dos anos, destacando-se com o uso de fotografias nos “anexos”. Esses itens

foram utilizados para comprovar as atividades exercidas (inclusive com fotos dos discentes em

atuação), para mostrar o locus do estágio (as condições de trabalho) ou para apresentar quais

remédios foram indicados ou “administrados” quando da comercialização dos produtos

fármacos. Por outro lado, a CP de Edificações consolidou tal particularidade somente a partir

dos últimos dois anos dentro do recorte proposto por esta tese. Dessa forma, fotografias, tabelas

e memorial descritivo foram alguns materiais disponibilizados nessa seção. De maneira

semelhante à CP de Agropecuária, na CP de Edificações, o “anexo” serviu para comprovar as

experiências e a atuação dos discentes: ao anexar fotos deles próprios, os estudantes-estagiários

buscaram mostrar os lugares onde atuaram no estágio, bem como os problemas encontrados,

com suas respetivas soluções, por exemplo.

Assim sendo, destacamos que os discentes de ambas as CP tenderam a trazer o título

para a ilustração, mas não informaram ao seu interlocutor a origem daquela imagem, daquele

dado. Da mesma maneira, o fizeram ao longo da seção de desenvolvimento ao não retomarem

as referências dos recursos verbo-visuais utilizados. Compreendemos que os estudantes-

estagiários costumam fazer menção a fotos, especialmente, retiradas ou produzidas por eles

mesmos em seu campo de atuação, porém deixam subtentido essa informação, conforme

podemos notar nos recortes da Figura 32 da CP de Agropecuária. Nesse caso, as imagens

recuperam os locais de atuação, procedimentos vivenciados e remédios manejados pelos

alunos-estagiários.

Por outro lado, em REDO5 – EDIF 01, 2018, por exemplo, houve a inserção de um

título o qual remontava à atividade executada e ainda atribuição à fonte, no caso, a autoria

própria. Entretanto, diferentemente dos demais relatórios que sinalizaram na seção de

desenvolvimento das atividades a necessidade de visitar os anexos para complementar o dito

naquele espaço, o aluno-estagiário não utilizou essa estratégia de coesão interna do texto.

Assim, o anexo veio como elemento “solto”, mas retomou todo o dito naquela outra seção de

maneira implícita.

A título de exemplificação, o respectivo memorial descritivo, presente na Figura 32,

foi mencionado na seção de desenvolvimento informando ao interlocutor sobre sua presença

em outra seção específica. Conforme o anexo: “[...] assim foi elaborado o levantado em um

memorial descritivo para apreciação do proprietário, como estudo preliminar do mínimo que

seria necessário na reforma da casa, mantendo o padrão de dependências já construídas. No

Page 303: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

302

Anexo A encontra-se o memorial elaborado.” (REDO5 – EDIF 04, 2017, p. 25). Logo, essa

construção interna de coesão e coerência textual é recuperada nos outros relatórios quando da

indicação da leitura da seção de anexos.

Outro ponto que merece nosso destaque diz respeito à quantidade total de páginas para

a confecção do relatório, pois esse quantitativo não é estipulado por qualquer documento

institucional. Apenas no MRCT encontramos informações sobre a brevidade do conteúdo a ser

expresso, sinalizando mais especificamente que seções como a introdução e a apresentação da

empresa não deveriam passar de uma página e meia. Porém, não há um indicativo tal como

artigos científicos possuem quando das diretrizes da publicação, indicando de 15 a 20 páginas,

por exemplo.

Quadro 34 – Variação de números de páginas nos relatórios de estágio.

CP DE AGROPECUÁRIA TOTAL DE

PÁGINAS

CP DE EDIFICAÇÕES TOTAL DE

PÁGINAS

REDO2 – AGRO 01, 2016 50 REDO2 – EDIF 01, 2016 17

REDO4 – AGRO 01, 2016 13 REDO2 – EDIF 02, 2016 16

REDO2 – AGRO 01, 2017 09 REDO5 – EDIF 01, 2016 20

REDO2 – AGRO 02, 2017 16 REDO2 – EDIF 01, 2017 15

REDO4 – AGRO 01, 2017 20 REDO2 – EDIF 02, 2017 19

REDO4 – AGRO 02, 2017 12 REDO2 – EDIF 03, 2017 16

REDO4 – AGRO 03, 2017 12 REDO2 – EDIF 04, 2017 20

REDO4 – AGRO 04, 2017 12 REDO5 – EDIF 01, 2017 21

REDO4 – AGRO 05, 2017 13 REDO5 – EDIF 02, 2017 18

REDO4 – AGRO 06, 2017 13 REDO5 – EDIF 03, 2017 19

REDO2 – AGRO 01, 2018 10 REDO5 – EDIF 04, 2017 31

REDO4 – AGRO 01, 2018 11 REDO2 – EDIF 01, 2018 18

REDO4 – AGRO 02, 2018 19 REDO5 – EDIF 01, 2018 17

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Desse modo, independentemente de orientações sobre a forma suscinta da escrita,

deparamo-nos com projetos de dizer singulares. De fato, a própria irregularidade no número de

páginas atesta isso por um lado (Quadro 34) e, por outro, como foi trabalhado cada seção dentro

do gênero relatório. Em suma, os relatórios de ambas as CP apresentam suas especificidades

diante dos modelos propostos pelos interlocutores mediadores dos letramentos. Isso demonstra

o embate de forças verboideológicas desde a estrutura composicional, perpassando, inclusive,

a produção do projeto de dizer de grupos de áreas de saberes distintos, cujo tensionamento tende

a tratar os letramentos segundo a vertente de habilidades de estudo e/ou de socialização

acadêmica.

Muito embora, como nos lembram Bessa e Bernardino (2011, p. 2070), “[...] a

enunciação encontra na palavra a expressão de um movimento dialógico que assenta locutor e

Page 304: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

303

interlocutor num território comum, e encontra nas situações imediatas e nos contextos sociais

mais amplos a determinação de sua estrutura, de seus estilos e formas”. E foi isso que

encontramos ao analisarmos esse aspecto correlacionado à estrutura composicional do gênero,

pois os discentes não descaracterizam esse enunciado, mas demonstraram criar respostas e

singularidades na sua composição.

Neste sentido, Bakhtin (2019b) ressalta que estamos diante de contextos inacabados

que se perdem em uma imutabilidade semântica do próprio objeto. Nesse cenário, o discurso

com seu sentido e seus efeitos se renovam diante de cada novo contexto e de seu auditório.

Portanto, conseguimos visualizar como os discentes travaram os embates com vozes

institucionais sobre a configuração do próprio gênero relatório. Além disso, é possível

concebermos como esses ecos se fazem/se fizeram presentes, não somente à nível da estrutura

composicional, mas em uma arquitetônica do gênero.

Adiante, buscamos aprofundar as análises das RD sobre a perspectiva do fio

discursivo. Assim, reforçamos que a divisão que apresentamos é puramente de ordem didática

e visa a uma melhor organização de nossas análises. Entretanto, tais análises são e devem ser

concebidas e entendidas no todo, no grande simpósio dialógico da vida.

5.2.2 A dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de comunidades de prática

específicas: o fio discursivo

Em continuidade ao nosso processo de escuta, passamos à compreensão da proposição

bakhtiniana do estudo do texto sob o viés dialógico. Tal entendimento ainda é permeado

segundo as reflexões sobre os letramentos em sua vertente sociocultural. De fato, além dos

elementos linguísticos presentes textualmente, há um todo que o integra, a saber: o próprio

enunciado à sua essência discursiva e dialógica.

Nesse cenário, diante de projetos enunciativos de sujeitos particulares, encontramos o

ângulo dialógico. Na realidade, este não é firmado tão somente pela estrutura linguística

(forma), segundo um objetivismo abstrato (ver subseção 2.1), mas pela existência de relações

dialógicas ancoradas no campo do discurso (BAKHTIN, 2018). Nessa “estilística sociológica”,

forma e conteúdo são “[...] indivisos no discurso concebido como fenômeno social – social em

todos os campos de sua vida e em todos os seus elementos, da imagem sonora às camadas

semânticas abstratas.” (BAKHTIN, 2015, p. 21). Portanto, é no contexto das relações concretas,

nas relações sociais e históricas que se desenvolvem entre sujeitos singulares que rompemos

Page 305: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

304

com paradigmas que tendem, por meio de suas abstrações, a trazer verdades inquestionáveis,

as quais incentivam a elaboração de modelos únicos de produção de sentido.

Em nosso caso, revisitamos essas reflexões, visto que estamos diante de contextos

peculiares de formação de sujeitos, cuja exigência parte da produção escrita por meio do gênero

relatório de estágio para sua consequente diplomação. Assim, esse contexto social e histórico

surge atrelado a outras particularidades: endereçamento, posicionamentos axiológicos,

identidade, alteridade, entonação, relações de poder, entre outros. Todos esses são elementos

essenciais para o projeto de escuta e compreensão das RD ali presentes. Assim como nos lembra

Brait (2012, p. 10), o enunciado concreto abarca: “[...] a discursos que o constituem, a autoria

individual ou coletiva, a destinatários próximos reais ou imaginados, a esferas de produção,

circulação e recepção, interação.”

Buscamos, portanto, na presente subseção, analisar/escutar como esse projeto de dizer

nos relatórios de estágio das CP de Agropecuária e de Edificações se deixam revelar no fio

discursivo: as marcas do projeto enunciativo pelos sujeitos dos grupos investigados seguindo

uma adequação ao modelo “proposto” pela cultura acadêmica na escrita do gênero relatório ou

adotando um determinado estilo singular em resposta ao que é “imposto”; as formas de inserção

do discurso "alheio" como palavra "minha" (reprodução literal do dizer, incorporação do dizer,

evocação/alusão do dizer, reformulação do dizer), colaborando no entendimento sobre como

esse grupo de jovens produtores interage com a sua própria área do saber e campo de atuação;

e, a dimensão interdiscursiva por meio das RD.

5.2.2.1 As formas marcadas do projeto de dizer

De acordo com os interlocutores mediadores dos letramentos-institucionais, o gênero

relatório deve vir escrito especialmente em primeira pessoa, visto que se trata de um relato

pessoal sobre as experiências desenvolvidas e apreendidas no estágio curricular obrigatório

(BRASIL, 2016b [?]). Contudo, segundo alguns modelos de letramentos, a cultura do escrito

tem uma forte presença em padronizar a produção do gênero relatório tal como proposto aos

gêneros que compõem a esfera acadêmico-científica (este universo visa a uniformizar os

discursos presentes ao buscar uma suposta neutralidade e objetividade).

Relembremos as indicações da NBR 10719/2011 (citada na seção 2.3.1.1.1 desta tese)

ao tratar sobre o relatório técnico e/ou científico. Neste, há um encaminhamento para seguir a

uniformidade exposta segundo a NBR 6028/2003 (sobre confecção de resumos), ditando que a

linguagem “Deve-se usar o verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular”. Essa produção,

Page 306: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

305

segundo Cortes (2009, p. 03), reafirma a ancoragem em pressupostos de uma racionalidade

universal pautada em uma concepção logocêntrica da linguagem. Assim, o discurso científico

“[...] apresenta as coisas como que adquirindo vida e falando por si só, assumindo, assim, um

caráter de neutralidade e de inquestionabilidade [...].”

Em outras palavras, esse discurso não deve abrir margens para interpretações ou

subjetividades, pois carrega consigo a verdade da própria realidade, revelando-se como

elemento imparcial. Acerca do tema, Bakhtin (2010) compreende que esse distanciamento

imposto na linguagem e de bases racionalistas tende a polarizar o racional frente ao singular,

ao individual, pois, segundo o autor:

[...] A posição do terceiro é plenamente justificada onde um indivíduo pode colocar-

se no lugar do outro, onde o homem é perfeitamente substituível, e isso só é possível

e justificável em situações e na solução de questões em que não se faz necessária a

personalidade integral e ímpar do homem, isto é, onde o homem, por assim dizer, se

especializa, exprimindo apenas uma parte de sua personalidade separada do todo,

onde ele não atua como eu mesmo mas “como engenheiro”, “como físico”, etc. [...]

(BAKHTIN, 2017, p. 38 – 39).

Entretanto, conforme defendemos ao longo de nossa pesquisa, e pautados no viés

bakhtiniano sobre a essência dialógica da linguagem, partimos do entendimento de que não há

discurso neutro. Isto se dá pelo fato de sempre nos encontrarmos diante de discursos implicados

e repletos de vozes sociais. Portanto, os discursos são ricos em respostas e incentivam a cadeia

do diálogo, tanto com o já-dito como o porvir.

Para Fuza (2015), com quem coadunamos, na realidade, é possível a existência de

estratégias formais no texto que busquem criar efeitos de sentidos nos quais o enunciador

transpareça como “um mero observador”, pois esse coloca o objeto do discurso como sujeito

da ação. Ainda assim, esses efeitos de sentidos criados pelo sujeito do discurso são também

uma marca de estilo e de autoria, pois a “[...] partir do momento em que se aborda um dado

objeto, fala-se dele, já significa que o sujeito assumiu uma certa atitude sobre ele.” (FUZA,

2015, p. 275), assumiu, portanto, uma atitude valorativa frente a esse objeto: como

consequência, esses valores seguem imbricados de ideologia, de relações dialógicas entre os

mais variados discursos. Por sua vez, Bakhtin (2010, p. 85) defende que a palavra e/ou o

enunciado: “[...] não tem a ver com o objeto inteiramente dado: pelo simples fato de que eu

comecei a falar dele, já entrei em uma relação que não é indiferente, mas interessado-afetiva, e

por isso a palavra não somente denota o objeto como de algum modo presente, mas expressa

também sua entonação [...]”.

Page 307: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

306

Em nossa percepção, estamos diante de uma forte cultura do escrito instaurada. Assim,

ainda que em outras situações (distintas do agir científico), onde se confundem as esferas de

atuação da atividade humana, teremos a presença de tais fenômenos que buscam tratar a escrita

acadêmica como apartada da subjetividade, do estilo, de marcas de autoria singulares. Porém,

como estamos observando em nossas análises, a enunciação concreta dos sujeitos discursivos

investigados revela como ocorrem essas tensões entre forças centrípetas e centrífugas no uso

da linguagem. Esses movimentos, por sua vez, são responsáveis por criar efeitos distintos de

sentidos por meio do projeto de dizer.

Seguindo essa linha de raciocínio, o sujeito expressa no enunciado concreto o seu dizer

mediante o ponto de vista do outro ou “[...] da perspectiva da minha coletividade. [pois] A

palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma das extremidades em mim e a outra

no interlocutor. [...]”. (VOLÓCHINOV, 2018, p. 205). Deste modo, o narrador, o sujeito

discursivo, em nosso contexto, o discente-estagiário, nunca será “puramente objetificado”,

porque para esse sujeito-autor importa a maneira “de ver e representar” sua própria história

(BAKHTIN, 2018), entendendo que em seu horizonte social há um outro com que ele interage,

responde, dialoga e conduz o seu próprio dizer.

Dito isso, apresentamos nos quadros 35 e 36, um dos fios discursivos em torno das

formas marcadas do projeto de dizer (marcas de primeira ou terceira pessoa reveladas nos usos

de pronomes pessoais, desinências verbais e pronomes possessivos) que singularizam os grupos

sociais das CP investigadas. Pontuamos que buscamos demonstrar a recorrência de

determinados fenômenos ao longo dos anos segundo o recorte longitudinal proposto para nossa

tese.

Assim sendo, dentre os exemplos elencados da CP de Agropecuária, enfatizamos que

os discentes-estagiários costumam utilizar a primeira pessoa do singular, especialmente, nas

seções de agradecimentos, introdução e conclusão. Por outro lado, nas demais seções é

recorrente o uso da primeira pessoa do plural ou da terceira pessoa do singular. Essas

particularidades observadas no discurso desses sujeitos revelam a alteridade constituinte do seu

dizer. É pertinente pontuarmos que, nessas seções que possuem uma certa abertura para se

mostrarem como sujeitos autorais, conforme indicações dos próprios interlocutores mediadores

dos letramentos institucionais (GETA e MRCT), os alunos-estagiários costumam recuperara

sua voz de maneira mais evidente. Entretanto, quando do desenvolvimento das tarefas

executadas, a referida voz de viés acadêmico-científico é incorporada por meio da

demonstração de certo distanciamento e “seriedade” para com a análise. Reafirmamos que,

mesmo diante de uma possível busca de neutralidade na forma enunciativa, essa voz sempre

Page 308: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

307

tem um “autor” e é por meio do fio discursivo que encontramos o seu “criador”, de modo a

fundir forma e conteúdo, conforme lição de Bakhtin (2017; 2018).

Quadro 35 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado – CP de

Agropecuária.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO163 / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por ter me proporcionado experiências

maravilhosas nesses quatro anos de curso, por ter me concedido muita saúde e paciência

esses anos todos e a minha família, que é o pilar principal de minha existência. [...] (p. 03 –

destaques nossos)

Desenvolvimento

O leite é um alimento essencial na dieta de qualquer mamífero, e a partir dele podemos fazer

vários derivados, como queijos, iogurtes, nata, entre outros alimentos que compõem a dieta

dos seres humanos. No local em que o estágio se concretizou não é diferente. O setor de

bovinocultura é responsável por abastecer todo dia o laboratório de processamento de leite,

após processado, o alimento é servido no refeitório para os alunos internos da instituição.

No período em que estagiamos, o setor não estava em seu auge de produção. Tínhamos

apenas seis vacas produzindo [...] (p. 09 – destaques nossos)

No setor de bovinocultura, na tentativa de induzir o cio das vacas, fizemos um procedimento

utilizando o hormônio Prostaglandina, este hormônio que em seus mecanismos de ação

consistem em induzir a regressão prematura do corpo lúteo, interrompendo a fase

progesterônica do ciclo estral e permitindo o início de um novo ciclo (GONZÁLEZ et al.,

2008) [...] (p. 12 – destaques nossos)

REDO2 –

AGRO 02,

2017

Agradecimentos

Ao Prof.XXX, pela excelente orientação. Aos Médicos Veterinários e proprietários da Farma

Vet, XXX e XXX por terem cedido o espaço para realização do meu estágio e pelos

conhecimentos acrescentados na minha formação. [...] (p. 04 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

No estágio, tive um maior contato com atendimento ao público na parte de produtos

fármacos, onde observava a fala do cliente quanto aos sintomas que o animal apresentava e

as orientações que os médicos veterinários faziam, para assim, no caso de uma

recomendação simples conseguir orientar o produtor. (p. 09 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 01,

2017

Introdução

Durante o período do estágio, pude observar que os produtores rurais têm certa dificuldade

por morar no semiárido. [...]

Olhando por outro lado, fica explícito o déficit de cuidados com os rebanhos, em que

podemos levantar as seguintes hipóteses: [...]

Durante o estágio curricular, percebeu-se em contato com os produtores rurais, a

importância de acompanhar os rebanhos [...] (p. 01 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 03,

2017

Atividades desenvolvidas

Durante o estagio realizamos visitas na madalla podendo ver que é um projeto que trabalha

com pecuária, agricultura tento assistência técnica para que possa ter um manejo adequado

e tendo uma boa produtividade. [...] (p. 11 – destaques nossos)

Conclusão

O estágio mostrou-me a importância para o enriquecimento de conhecimentos,

possibilitando uma visão mais ampla da importância da profissão de Técnico em

Agropecuária. Dando oportunidade de conhecermos a vida dos pequenos agricultores

rurais, e seus meios de produção e técnicas utilizadas. Podendo mostrar técnicas eficazes de

criação de animais e plantações que podem elevar a produção, sem causar tantas percas e

gerando renda. Com isso pode-se mudar a realidade do Nordeste brasileiro, aplicando

técnicas de convivência com a seca, e melhorando a produção agrícola e pecuária. (p. 11 –

destaques nossos)

Conclusão

163 Os títulos das seções foram recuperados tal qual foram mencionados nos relatórios de origem

Page 309: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

308

REDO2 –

AGRO 01,

2018

Durante meu período de estágio na ADAGRO, pude observar algumas dificuldades no que

diz respeito à necessidade do aumento do quadro de funcionários, que contribuiria para um

serviço mais abrangente. Porém, o mesmo foi de total importância para o meu

amadurecimento profissional/pessoal,[...] (p. 11 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Desse modo, o estudante-estagiário, identificado como REDO4 – AGRO 01, 2017,

trouxe na seção de atividades desenvolvidas uma mescla do uso da forma de se revelar no dizer.

Isto ocasionou, portanto, uma “hibridização164” do papel estabelecido como jovem produtor

dessa esfera de atuação. Em sua escrita, o aluno fez uso da primeira pessoa do singular “eu”:

“pude”, da primeira pessoal do plural “nós”: “podemos” e um “ele” associado a não pessoa:

“percebeu-se” (índice de indeterminação do sujeito). Assim, todos esses elementos recuperados

também pelas desinências dos verbos conjugados estavam presentes em uma mesma seção do

relatório. Por sua vez, em REDO4 – AGRO 03, 2017, de igual modo, visualizamos o uso da

primeira pessoa do plural ao longo do desenvolvimento do seu trabalho. Contudo, na seção de

conclusão, o discente-estagiário utilizou a primeira pessoa do singular, como em “mostrou-me”,

e do plural, como em “conhecermos” e ainda a terceira pessoa do singular, a exemplo de “pode-

se”. Em ambos os casos, entendemos que a modalização utilizada tenta esconder o enunciador,

mas pelo próprio contexto narrativo, compreendemos se tratar do estagiário, o autor da ação.

De todo modo, destacamos que essa hibridização do papel estabelecido é recorrente nos

trabalhos investigados da CP de Agropecuária, embora tenha sido mais usual os discentes o

fazerem em seções distintas. Neste sentido, REDO2 – AGRO 01, 2016, por exemplo, utilizou,

na seção de agradecimentos, de verbo e pronomes possessivos referentes à primeira pessoa do

singular: “Gostaria”, “me”, “minha”. Por outro lado, no desenvolvimento, o discente

incorporou uma voz de grupo ou quiçá de apagamento (que atenua o foco sobre a pessoa –

FUZA, 2015) ao utilizar marcas da primeira pessoa do plural: “podemos”, “estagiamos”,

“Tínhamos”, “fizemos”. Fenômeno similar ocorreu no relatório REDO2 – AGRO 01, 2018: o

discente-estagiário produziu, na sua introdução, um certo “afastamento” sobre o objeto a ser

narrado. Entretanto, na seção de conclusão, ele se revelou e se mostrou enquanto sujeito autor

daquela experiência ao usar da primeira pessoa do singular.

Por seu turno, o relatório da aluna REDO2 – AGRO 02, 2017 demonstrou a seguinte

particularidade: o uso de um único papel, ou seja, a discente narrou sua experiência conforme

164 Termo utilizado por Fuza (2015) quando ocorre a mescla de papéis, ora evocando a inserção de si nos

enunciados, ora propondo um distanciamento. Porém, reforçamos que em ambos os casos o sujeito-autor está

presente, apenas em dados momentos ele se apresenta por meio do “eu” – sujeito da ação/foco, do “nós” inclusivo

e/ou com uma voz acadêmica, tal qual a sugestão de uso da 3ª pessoa do singular.

Page 310: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

309

solicitação dos interlocutores mediadores dos letramentos institucionais, a saber: produzir em

primeira pessoa do singular. Desse modo, em sua escolha sobre a forma de como dizer e como

se instaurar no discurso presente no relatório, a discente privilegiou o seu próprio dizer,

transformando-se em a principal figura enunciadora do relatório.

Não diferentemente, a CP de Edificações possui movimentos similares à CP de

Agropecuária: ao mesmo tempo que se revela no fio discursivo enquanto personagem do dizer,

também é possível observamos o distanciamento evocado ao tentar objetificar essa narrativa.

Assim, REDO5 – EDIF 01, 2016 e REDO2 – EDIF 01, 2018 se denominam como o

“estagiário” e REDO2 – EDIF 04, 2017 como a “aluna”, buscando criar esse certo

distanciamento conforme as orientações de uma cultura do escrito que privilegia o racional, a

não presença da subjetividade nas produções escritas.

Quadro 36 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado – CP de

Edificações.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO5 –

EDIF 01,

2016

Introdução

O estágio supervisionado tem por objetivo proporcionar ao estagiário treinamento prático,

aperfeiçoamento técnico, cultural, científico e de relacionamento humano, como

complementação da minha formação profissional no ambiente de trabalho. (p. 08 –

destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

[...] Outro fato, foi a única obra residencial que o estagiário acompanhou pela empresa. (p.

17 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 04,

2017

Atividades desenvolvidas

Iniciou-se as atividades pelo estudo do projeto arquitetônico da referida obra, obtendo a

compreensão da construção e suas locações. (p. 09 – destaques nossos)

Conclusão

As experiências adquiridas e vividas durante o período de estagio foi de grande importância

para o crescimento profissional e pessoal da aluna. [...] (p. 20 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2017

Atividades desenvolvidas

O ensaio para a determinação de índice de forma pelo método de paquímetro foi um dos

ensaios executados durante o período de estágio. [...] (p. 07 – destaques nossos)

Durante o período vigente do estágio, foram realizados métodos de levantamento topográfico

altimétrico, a fim de se obter as alturas relativas de uma superfície para geração de curvas

de nível e construção de perfis topográficos, objetivando a mensuração de áreas e

conhecimento geral do terreno por meios de instrumentos adequados. (p. 11 – destaques

nossos)

Das condições exigidas para a execução do levantamento topográfico, compatibilizamos

medidas angulares, medidas lineares, medidas de desníveis e as respectivas tolerâncias em

função dos erros, selecionando métodos, processos e instrumentos para a obtenção dos

resultados compatíveis com a destinação do levantamento. (p.12 – destaques nossos)

Com o intuito de informatizar e profissionalizar ainda mais, durante o período de estágio

teve-se a realização de diferentes fichamentos técnicos acerca de algumas NBRs, tendo em

foco, as normas que mais são utilizadas devido os ensaios para grupos de pesquisas e aulas

práticas.[...] (p. 15 – destaques nossos)

Os fichamentos foram de grande importância pois foi preciso dedicação para realizar a

leitura e compreensão de cada metodologia e procedimento dos diferentes ensaios, tentando

manter o mais padrão possível, fazendo também com que me aprimorasse cientificamente, já

que aprendi o modo correto e padronizado de realizar diferentes ensaios, o que hoje em dia

Page 311: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

310

é de grande auxílio para um laboratório da área de construção civil. (p. 17 – destaques

nossos)

REDO2 –

EDIF 01,

2018

Introdução

O estágio é parte fundamental do curso de Edificações, pois o mesmo possibilita uma

oportunidade de vivenciarmos algo essencial para o curso, a parte prática daquilo que

estudamos. (p. 06 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Seguir o que foi descrito no projeto é uma das atividades mais rigorosas dentro do ramo da

construção civil já que esta é quem garante que o produto será igual ao exigido pelo cliente,

tive a oportunidade de garantir que a obra fosse executada tal qual descrito no projeto e

sempre dentre os critérios das normas e mantendo o controle de qualidade da construção

apreendido durante o curso de Edificações. (p. 09 – destaques nossos)

Também foi atribuído ao estagiário a responsabilidade de anotar o horário de chegada dos

funcionários, até o período matutino que encerravam suas atividades, de 07h00 às 11h00 [...]

(p. 10 – destaques nossos)

[...] Por meio de uma prancheta, anotei o horário do recebimento do material e após o seu

descarrego contei se a quantidade que chegou foi a mesma que foi comprada [...] (p. 15 –

destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Sinalizamos que os discentes se revelam e nos indiciam certa dificuldade na manutenção

da coesão e coerência interna do texto, especialmente de como se apresentam dentro do

relatório. Esses conhecimentos, salientamos que dizem respeito, em especial, aos letramentos,

à aquisição e ao domínio da própria língua, pois esses são elementos basilares para enfim

trabalhar os efeitos de sentidos por meio da linguagem. Para Volóchinov (2019), é árduo esse

processo de produção escrita, pois ao refletir sobre o próprio discurso, o autor se encontra diante

de duas possibilidades distintas: o produtor da escrita pode utilizar uma norma-padrão

(entendida como a linguagem adotada por seu grupo social) ou se revestir de uma máscara para

compor um perfil de narrador escolarizado, culto, com uma linguagem rebuscada. Em ambos

os casos, os caminhos para o jovem escritor se apresentam como laboriosos, pois além de

escolher as palavras, é necessário que este possua conhecimento sobre o manejo e a disposição

dessas, segundo a forma de narrar.

Assim, REDO5 – EDIF 01, 2016 inseriu, na introdução de sua narrativa, o pronome

“minha”. Entretanto, no decorrer de sua exposição demonstrou optar por certo “afastamento”,

pois nomeou a si próprio em todas as ocasiões como o “estagiário”, bem como descreveu suas

próprias ações em voz ativa na terceira pessoa do singular, como grafou em “acompanhou”. O

mesmo ocorreu em relação aos exemplos expostos nos relatórios de REDO5 – EDIF 01, 2017

e REDO2 – EDIF 01, 2018. No primeiro caso, ao expor as atividades desenvolvidas, ora o

discente-estagiário fez uso da primeira pessoa do singular (me aprimorasse), ora do plural

(compatibilizamos). Depois, seu foco recaiu sobre o objeto da ação e o estudante passou a

utilizar a terceira pessoa do singular (foi) ou utilizou a voz passiva (foram realizados, teve-se).

Page 312: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

311

No segundo exemplo, o aluno fez uso da primeira pessoa do plural na introdução do trabalho e

incorporou no seu dizer um senso de coletividade por remontar às vivências de seu grupo

(vivenciarmos, estudarmos). No entanto, ao narrar as atividades desenvolvidas, o discente-

estagiário não manteve a concordância inicial com relação às formas de marcação de sua

inserção do texto. Esta evidência se deu devido à utilização da primeira pessoa do singular (tive,

anotei, contei). Por outro lado, em outros momentos, o estudante personificou a figura do

estagiário ao utilizar também a voz passiva (foi atribuído).

No recorte apresentado, REDO2 – EDIF 04, 2017 manteve esse “distanciamento” em

todo o seu relatório, demonstrando uma certa coerência interna quando da sua implicação do

dizer: ou seja, se revestiu de uma máscara, tal como exposto por Volóchinov (2019). De todo

modo, ressaltamos que se tratam de jovens produtores de um contexto peculiar sobre a dinâmica

do escrito, como estamos denominando acadêmico-profissional.

Portanto, refletimos que manejar essas vozes e papéis de como se revelar no discurso e,

consequentemente, manter uma concordância textual interna significa tarefa difícil até mesmo

para pesquisadores e estudiosos de longa expertise, imagine para esses jovens produtores nesse

contexto formativo que vê a língua torna-se: “[...] uma massa pesada e árdua de manejar, a

partir da qual é tão difícil construir uma frase leve, bonita e, o mais importante, que transmita

com precisão as intenções do autor. [...]” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 236).

Logo, essa etapa de capacitação e de iniciação a um modelo de escrita permeia também

ecos de outras vozes formativas de letramentos anteriores, pois talvez o uso recorrente da

terceira pessoa do singular ou da voz passiva que, a princípio, designaria a ausência ou a um

apagamento/afastamento do sujeito discursivo, podem ser reflexo de uma cultura acadêmica-

científico (FUZA, 2015) vivenciada por esses estudantes e/ou solicitada por seus interlocutores

mediadores dos letramentos imediatos: os orientadores165. Relembramos ainda que muitos

desses alunos possuem contato com essa experiência acadêmica no seu contexto formativo

(foram bolsistas, monitores, participaram já de congressos, simpósios, jornadas, entre outros).

Este fator pode ser traduzido para essa etapa com uma certa confusão de finalidades e propósitos

enunciativos do gênero em tela. Assim, a relação social existente entre os sujeitos, as

personagens de uma narrativa e os interlocutores do discurso acaba por determinar também o

estilo adotado pelos autores, produtores do discurso (BRAIT, 2017; BAKHTIN, 2017; 2018).

Em suma, compreendemos como esses indícios em nível linguístico prontamente nos

revelam os efeitos de sentidos provocados por esses sujeitos discursivos singulares. Isto

165 Tais orientadores estavam experimentando ou haviam vivenciado há pouco uma cultura acadêmica-científica

segundo sua respectiva formação: mestrado e/ou doutorado.

Page 313: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

312

acontece porque a instância reveladora que é a língua, é por nós “[...] entendida como um lugar

de exposição e constituição de identidades e de sujeitos [...]” (BRAIT, 2012c, p. 92). Segundo

Bakhtin (2018, p. 208): “[...] quanto mais coisificada a personagem, tanto mais acentuadamente

se manifesta a fisionomia da sua linguagem. [...]”. Por este motivo, refletimos que não é pelo

fator estritamente linguístico dado à forma de auto enunciar-se no texto que deve ser enfatizado

em uma análise metalinguística sobre um dado fenômeno de linguagem, mas pelo ângulo

dialógico, pelas relações que são formadas e estabelecidas em promover essas “características

do discurso”.

Desse modo, reforçamos que estamos somando uma abordagem dialógica com a

perspectiva dos NLS, sob a configuração dos letramentos acadêmicos associados a determinada

CP. Além dessa forma de implicar-se no texto, ampliamos o debate na seção 5.3 sobre como

essas marcas designam ainda pertencimento a grupos, a associações ou outras instituições

reveladas na nomeação. De fato, tal associação pode se dar na sinalização ou na demarcação de

engajamento, correlacionado ao empreendimento dos grupos investigados: Agropecuária e

Edificações, por exemplo.

5.2.2.2 As formas de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha"

Compreendermos o fenômeno das formas de inserção da presença do outro no discurso

significa refletirmos sobre “[...] o discurso sobre o discurso, o enunciado sobre o enunciado.”

(VOLÓCHINOV, 2018, p. 249). Esse fenômeno acontece porque vivemos em um mundo

repleto e povoado por palavras dos outros (BAKHTIN, 2017). Assim, a todo momento somos

impelidos a nossa existência do não-álibi, a sermos sujeitos responsivos e respondentes,

constituindo-nos alteritariamente por intermédio dessas mesmas palavras.

Desse modo, nossa orientação discursiva, intenções e projeto de dizer perpassam o

contato com outras vozes que nos constituem e nos laçam a travar um diálogo. Este movimento

dialógico pode ser dar no sentido de responder, repudiar, concordar, lutar, tensionar, incorporar

e revisitar palavras de um já-dito. Ou seja, nessa confluência dialógica, “fundimos inteiramente

a nossa voz” (BAKHTIN, 2018, p. 223) com as palavras dos outros. Neste sentido, por vezes

acentuamos nossas próprias palavras buscando a ancoragem segundo esses dizeres; em outros

momentos, revestimos essas palavras de nossas intenções – inclusive, podemos visualizar

movimentos cujas fronteiras da autoria se apagam, por exemplo.

Em relação ao nosso contexto de pesquisa ao buscarmos as RD no gênero relatório de

estágio, inevitavelmente, as formas de presença do outro no fio discursivo constituem e

Page 314: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

313

caracterizam o próprio gênero, pois o contexto avaliativo e de adequação do sujeito a um

discurso institucionalizado sobre a produção desse gênero exercem uma força reguladora que

impele os estudantes a buscarem respaldos em vozes de autoridade, conforme exposto no GETA

e no MRCT:

Devem ser indicadas, além das vivências, as referências bibliográficas, webgráficas,

etc, utilizadas no decorrer de cada uma das atividades desenvolvidas. Não insira nada

gratuitamente, porém não deixe de inserir referências que serviram para o

desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais, artigos,

livros, sites, etc) – (BRASIL, 2016a, p. 06; BRASIL, 2016b [?], p. 8 – destaques

nossos).

Como consequência, o contexto transmissor do discurso alheio possui uma orientação

social diante do grupo de cada CP (Agropecuária e Edificações), estabelecendo uma forma

mútua sobre a comunicação verboideológica desses sujeitos. Assim, o discurso construído no

relatório de estágio considera esse grupo/auditório social, esses interlocutores mediadores dos

letramentos como um horizonte social partilhado. Essa perspectiva orienta a escrita dos

discentes sobre como transmitir, recuperar ou ainda incorporar o dizer das palavras alheias

(BAKHTIN, 2018; VOLÓCHINOV, 2018).

Logo, os discentes o fazem, pois se trata de “[...] um caso de inter-relação dialógica

entre palavras diretamente significativas dentro de um contexto. [...]” (BAKHTIN, 2018, p.

215), já que esse cenário implicado no dizer estabelece o manejo com o discurso dos outros

buscando refutar, confirmar e/ou complementar algo, sobretudo, na narrativa das atividades

desenvolvidas. Segundo Brait (2012c, p. 94) é justamente por meio de uma narrativa de

orientação dialógica que encontramos as “minúcias estilístico-discursivas, no enunciado

concreto”. Portanto, as formas de presença ou ausência que são diluídas, incorporadas ou

marcadas vão estabelecendo a própria voz autoral dos discentes-estagiários nas CP

investigadas; e ao investigarmos esses modos de dizer podemos promover uma reflexão sobre

as formas de compreensão do processo formativo desses sujeitos, indicando ações futuras sobre

como abordar o manejo com o discurso do outro em suas práticas (GUEDES-PINTO, 2016).

Isso posto, ressaltamos que, em nossa análise sobre esses processos das formas de

presença do outro no fio discursivo, optamos partir da proposta construída por Bessa (2016) em

sua investigação sobre a construção autoral na escrita de jovens pesquisadores na esfera

acadêmico-científico. Segundo o autor, o movimento interpretativo de um grupo investigado

tende a manejar o dizer do outro por meio de formas distintas de citar esse discurso por meio

de um contínuo. Este movimento acontece ao se seguir um eixo da reprodução literal do dizer,

Page 315: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

314

perpassando pela condensação do dizer até se chegar a reformulação do dizer de forma mais

recorrente.

Contudo, sinalizamos que nosso contexto perpassa outra realidade e outra esfera de

atuação da atividade humana, especialmente, com sujeitos distintos daqueles (jovens

pesquisadores mestres, como na pesquisa de Bessa – 2016). Por este motivo, adaptamos essas

categorias para nossa compreensão e assim construímos uma nova interpretação, segundo os

nossos dados, ao entrelaçarmos ainda alguns pontos sobre a representação do discurso outro

(RDO), tal como proposto por Authier-Revuz (2011), como apresentamos a seguir.

5.2.2.2.1 Reprodução literal do dizer

Destacamos, a princípio, as formas de inserção do discurso “alheio” como palavra

“minha” no eixo reprodução literal do dizer. Nessa modalidade encontramos as formas de citar

segundo o conteúdo do dizer recuperado por meio de uma maior precisão e/ou fidelidade do

dizer-fonte. Nessa perspectiva, o sujeito tende a não se comprometer diante de um esforço de

reelaboração do dizer frente ao discurso do outro, pois se utiliza do discurso citado direto, do

discurso citado com que, ou de “[...] alguns dos casos de modalização em discurso segundo

sobre o conteúdo e de modalização em discurso segundo sobre as palavras.” (BESSA, 2016, p.

231).

À vista disso, pontuamos que, em nosso contexto de análise, os estudantes-estagiários

de ambas as CP quase não recorreram a esse uso da reprodução literal do dizer, quiçá pela

característica do gênero em sua forma composicional e estilo, já que estamos diante,

especialmente, de uma narrativa das atividades; ou ainda, talvez, pela “maturidade”, segundo a

cultura do escrito estabelecida no viés formativo desses estudantes, para com as possibilidades

do gênero relatório e suas respectivas formas de citar.

Assim, do total de 26 relatórios, sendo 13 de cada CP, somente 02 de Agropecuária e

04 de Edificações utilizaram a reprodução literal do dizer para recuperar e sinalizar no fio

discursivo o dizer do outro. Destamos que isto se deu, de modo especial, em partes específicas

do relatório, como as seções da introdução e do desenvolvimento das atividades.

Quadro 37 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do dizer.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO4 –

AGRO 01,

2016

Introdução

[...] Para que a certificação permaneça valendo, é necessário que, pelo menos, 90% dos

rebanhos sejam vacinados. “O certificado permite comercializar em todo o país e inclusive

Page 316: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

315

no exterior. Caso perca a certificação, volta a barreira sanitária e os criadores poderão

vender apenas dentro do estado”. (G1, 2015) (p. 05)

REDO4 –

AGRO 01,

2017

Atividades desenvolvidas

É por certa ausência que houve a iniciativa de expor isso no relatório. Houve caso de um

produtor rural comparecer à farmácia, desesperado com uma criação “Ela está com um

caroço enorme e pode até ser um tumor doutor” disse o proprietário ao médico veterinário

e ao passar todos os sintomas, logo foi identificado que a situação, não era tão “grave” como

imaginava. [...] (p. 09)

REDO5 –

EDIF 01,

2017

Atividades desenvolvidas

Segundo a ABNT – NBR 13133 diz que “o levantamento topográfico é um conjunto de

métodos e processos que, através de medições de ângulos horizontais e verticais, de

distâncias horizontais, verticais e inclinadas, com instrumental adequado à exatidão

pretendida, primordialmente, implanta e materializa pontos de apoio no terreno determinado

suas coordenadas topográficas. A estes pontos se relacionam os pontos de detalhes visando

à sua exata representação planimétrica numa escala predeterminada e à sua representação

altimétrica por intermédio de curvas de nível, com equidistância também predeterminada

e/ou pontos cotados” (p. 11)

REDO5 –

EDIF 04,

2017

Atividades desenvolvidas

3.3.5 Cortes

A NBR 6492 (1992) define ser o “plano secante vertical que divide a edificação em duas

partes, seja no sentido longitudinal, seja no transversal”, indica-se a direção que será feito

o detalhamento do corte e deve ser cotado as alturas. (p. 13)

Atividades desenvolvidas

3.3.6 Fachadas

Eles permitem que o leitor veja o resultado final da construção vistas de fora. A NBR 6492

(1992) conceitua sendo a “representação gráfica de planos externos da edificação”, e “os

cortes transversais e longitudinais podem ser marcados nas fachadas”. (p. 14)

REDO5 –

EDIF 03,

2017

Introdução

“§ 1º Os técnicos de 2º grau das áreas de Arquitetura e de Engenharia Civil, na modalidade

de Edificações, poderão projetar e dirigir edificações de até 80m2 de área construída, que

não constituam conjuntos residenciais, bem como realizar reformas, desde que não

impliquem em estruturas de concreto armado ou metálica, e exercer a atividade de desenhista

de sua especialidade.” (DECRETO Nº 90.922, 1985). (p. 04)

REDO5 –

EDIF 01,

2018

Atividades desenvolvidas

Depois de analisarmos alguns projetos, constatamos certos erros visíveis nas plantas citadas

acima, e, demos o seguinte parecer.

“A localização do prédio em seu lote deve estar presente na planta de locação e coberta. Os

recuos laterais, frontais, e posteriores devem estar representados. Consta no projeto em

questão apenas a planta de coberta. Retificar”;

“Na planta de coberta deve-se indicar o tipo de telha e as devidas inclinações das águas de

coberta. Deve-se incluir a representação de norte.”

“Os três lavabos estão com larguras inferiores ao mínimo permitido de 1,20m.” [...] (p. 13)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Dentre as particularidades visualizadas, encontramos na CP de Agropecuária, no

relatório produzido pela estudante sob o código REDO4 – AGRO 01, 2016, por exemplo, a

característica de recuperar esse outro em seu dizer. Entretanto, a estudante não fez uso de

elementos coesivos ou que reportassem a um elemento modalizador “segundo outra fonte”

(BESSA, 2016, p. 232). Isso demonstra, como pontua Authier-Revuz (1998), que a utilização

do discurso direto não é simples, nem objetivo e nem fiel, pois existem inúmeras formas de

recuperá-lo e criar sentidos nas maneiras de inseri-lo no discurso. Na realidade, vemos, neste

Page 317: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

316

excerto, uma forma marcada que exige um trabalho puramente interpretativo do discurso direto

evocado (ver reflexão sobre o par: explícito versus interpretativo na seção 2.2.1 desta tese).

Assim, na análise do relatório em questão, a discente-estagiária buscou somar esse dizer

ao seu percurso de apresentação sobre a certificação dada aos rebanhos vacinados. Logo, a

estudante estabeleceu uma concordância com uma voz de autoridade que forneceu respaldo na

argumentação sobre a importância da certificação na comercialização dos produtos. Nesse caso,

a aluna-estagiária pesquisou em um jornal de ampla circulação (G1) os efeitos da não vacinação

e a consequente não certificação para o produtor, estabelecendo para seu interlocutor que ela

(re)conhece os efeitos que podem ser ocasionados no campo de atuação do seu labor.

Movimento similar na introdução do relatório foi feito por REDO5 – EDIF 03, 2017,

pois o discente não promoveu qualquer estratégia discursiva capaz de modalizar a entrada do

discurso de respaldo recuperado. De fato, o Decreto nº 90.922, 1985 foi citado pelo estudante

em um parágrafo específico no corpo textual. Assim, por meio de um trabalho puramente

interpretativo da forma de citação evocada (AUTHIER-REVUZ, 1998), compreendemos que o

estudante-estagiário buscou essa voz para estabelecer com ela um diálogo sobre a importância

da qualificação profissional de técnicos de Edificações e sobre o campo de atuação desse sujeito

especialista, no qual, em pouco tempo, ele mesmo estaria apto a atuar como membro desse

grupo de expertise, segundo o próprio Decreto exposto. Porém, sublinhamos que essa

compreensão só nos é possível pela inferência construída a respeito do conteúdo exposto, uma

vez que os desdobramentos e/ou comentários possíveis sobre a recuperação desse dizer não foi

feito pelo discente. Em nosso entendimento, essa seria uma característica presente em ambas

as CP, em relação ao desenvolvimento dos argumentos, pois os sujeitos-estagiários não

costuram e nem ampliam a reflexão sobre os discursos evocados.

Por outro lado, conforme sinaliza Authier-Revuz (2011, p. 07), estamos diante de “fatos

enunciativos”, apresentados essencialmente pelas “heterogeneidades”, que mesclam as

dimensões interlocutivas e interdiscursivas no coração do dizer. Dessa forma, os discentes nos

indiciam que esses heterogêneos estão presentes, por um lado, recuperando uma alteridade

representada (o jornal e o decreto) e, por outro, pela alteridade constitutiva. Essa relação se dá

pelo “fato” perante ao interlocutor a quem dirijo o meu dizer (os orientadores do estágio, a título

de exemplificação). Logo, a compreensão instaurada entre os sujeitos se dá por intermédio

dessa relação: “Por trás da interlocução, representada, o interdiscurso”, pois estamos diante de

uma dada esfera e campo de atuação, cujos discursos circulam entre seus membros e possuem

ecos dialógicos para aqueles que as integram.

Page 318: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

317

Assim, no relatório de REDO4 – AGRO 01, 2017, temos uma amostra da reprodução

literal que retomou formas marcadas explícitas do dizer em modalização do discurso segundo

sobre o conteúdo exposto pelo proprietário e retomado pelo discente-estagiário. Enfatizamos

que, mesmo diante da falta de pontuação ou de elementos que sinalizariam uma coesão textual

mais adequada a um processo de textualização, conseguimos visualizar como o aluno recuperou

o dizer, uma vez que demonstrou preocupação com uma dada situação no seu local de trabalho.

Dessa forma, o aluno evocou esse discurso para respaldar a forma que conseguiu contornar

determinadas situações que poderiam transparecer sem solução, mas que, ao final, não

representariam algo tão “grave” (signo autonímico) e de difícil resolução. Nesse ponto, ainda

indicamos que as aspas utilizadas na palavra “grave” recordam a um “já-dito”. Tal marca, de

igual modo, alude à referência feita pelo estudante ao seu interlocutor como algo já reconhecido

e que poderia indicar um estado preocupante ou crítico do animal que estava sob tratamento,

por exemplo.

De maneira análoga, o excerto de REDO5 – EDIF 01, 2018, ao expor as situações

vivenciadas e ao descrever como agiu diante de determinados desafios, recuperou trechos

criados por ele próprio em outra situação discursiva, a saber: a confecção de parecer/laudo

técnico. O discente retomou o tema, por meio do discurso direto, suas ações, utilizando-se do

discurso relatado no sentido estrito e que o conteúdo ali expresso é que demonstrava a correção

dos erros visíveis constatados diante das falhas apresentadas nas plantas dos projetos. Contudo,

essas partes recuperadas não foram expostas com detalhes por meio de uma problematização.

Por sua vez, nos excertos de REDO5 – EDIF 01, 2017 e REDO5 – EDIF 04, 2017, os

discentes-estagiários utilizaram a modalização em discurso segundo sobre o conteúdo. Naquele

contexto, os estudantes buscaram apresentar definições de melhor respaldo sobre os termos

“levantamento topográfico”, “cortes” e “fachadas”. Reforçamos que essas atividades foram

apresentadas como vivenciadas em suas respectivas experiências de estágio. Logo, a

recuperação da voz de respaldo tende a somar a um conhecimento que dialoga com o saber

acadêmico aliado ao profissional, por exemplo. Em nosso entendimento, o ato de recuperação

dessas vozes de “autoridade” remonta ao que Bakhtin (2015) aborda sobre o discurso autoritário

frente ao discurso interiormente persuasivo, pois esses jovens produtores das CP investigadas

quando retomam o dizer do outro no fio discursivo por meio do discurso direto e suas outras

formas possíveis (modalização em discurso segundo sobre o conteúdo ou a palavra), eles o

fazem sem modificar a estrutura ou a moldura do discurso e as apresentam como uma verdade

e que não haveria sequer a necessidade para debatê-la.

Page 319: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

318

De modo semelhante, encontramos ainda em quatro relatórios (dois de cada CP) a

reprodução literal do dizer como cópia fiel do dizer fonte. Essa reprodução não continha a

presença de marcação tipográfica (negrito, itálico, aspas, por exemplo), mas possuía a

informação da autoria, do dizer da voz de autoridade, conforme expresso no Quadro 38.

Quadro 38 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do dizer sem

presença de marcação topográfica.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS TEXTO-FONTE

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Atividades desenvolvidas Nesse contexto, a caprino e a ovinocultura,

especialmente na zona semiárida,

constituem atividades que desempenham

importante função socioeconômica, como

eventual geradora de renda (venda de

animais, de carne e de peles) e como fonte

de proteína de alta qualidade (carne e

leite) para a alimentação de agricultores

de base familiar que predominantemente

as exploram. Estima-se que a atividade

esteja presente, em maior ou menor

escala, em mais de um milhão de

estabelecimentos rurais na região.

(MOREIRA; FILHO, 2011, p. 50 –

destaques nossos)

Segundo Moreira & filho (2011), a

Caprinovinocultura, especialmente na zona

semiárida, constituem atividades que

desempenham importante função

socioeconômica, como eventual geradora de

renda (venda de animais, de carne e de peles)

e como fonte de proteína de alta qualidade

(carne e leite) para a alimentação de

agricultores de base familiar que

predominantemente as exploram. Estima-se

que a atividade esteja presente em maior ou

menor escala, em mais de um milhão de

estabelecimentos rurais da região. (p. 18 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2017

Atividades desenvolvidas É o índice que permite avaliar a qualidade

de um agregado graúdo em relação à

forma dos grãos, considerando que os

agregados com grãos de forma cúbica tida

como forma ótima para agregados

britados, terão índice próximo de 1; os

grãos lamelares apresentarão valores bem

mais altos, sendo considerado aceitável o

limite de 3. O índice se baseia na medida

da relação entre o comprimento e a

espessura dos grãos do agregado.

(GUERRA, 2008, s/p. – destaques

nossos)166

É o índice que permite avaliar a qualidade de

um agregado graúdo em relação à forma dos

grãos, considerando que os agregados com

grãos de forma cúbica tida como forma ótima

para agregados britados, terão índice

próximo de 1; os grãos lamelares

apresentarão valores bem mais altos, sendo

considerado aceitável o limite de 3. O índice

se baseia na medida da relação entre o

comprimento e a espessura dos grãos de

agregado (GUERRA, 2008). (p. 07 – destaques

nossos)

REDO5 –

EDIF 03,

2017

Atividades desenvolvidas 1.12 Levantamento topográfico

Conjunto de métodos e processos que,

através de medições de ângulos

horizontais e verticais, de distâncias

horizontais, verticais e inclinadas, com

instrumental adequado à exatidão

pretendida, primordialmente, implanta e

materializa pontos de apoio no terreno

determinando suas coordenadas

topográficas. A estes pontos se relacionam

os pontos de detalhes visando à sua exata

representação planimétrica numa escala

predeterminada e à sua representação

altimétrica por intermédio de curvas de

nível, com equidistância também

De acordo com a NBR 13133, o levantamento

topográfico é um conjunto de métodos e

processos que, através de medições de

ângulos horizontais e verticais, de distâncias

horizontais, verticais e inclinadas, com

instrumental adequado à exatidão

pretendida, primordialmente, implanta e

materializa pontos de apoio no terreno

determinando suas coordenadas

topográficas. A estes pontos se relacionam os

pontos de detalhes visando à sua exata

representação planimétrica numa escala

predeterminada e à sua representação

altimétrica por intermédio de curvas de nível,

com equidistância também predeterminada

166 http://www.clubedoconcreto.com.br/2013/07/passo-passo-indice-de-forma-de-agregado.html

Page 320: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

319

e/ou pontos cotados. (p. 06 – destaques

nossos)

predeterminada e/ou pontos cotados. (NBR

13133, p. 03 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Realçamos que esse movimento foi observado especialmente na seção de

desenvolvimento das atividades, como vemos nos destaques dos excertos. Assim, os discentes

recuperaram esse dizer tal e qual o original. Essa recuperação se deu por meio da construção de

pequenos movimentos discursivos, conforme a modalização em discurso segundo (Segundo...,

De acordo com...) ou quando apenas mencionaram a autoria do dizer fonte ao final do trecho

recortado. Assim, como nos atesta Volóchinov (2018, p. 262): “[...] Quanto mais intensa for a

sensação de superioridade hierárquica da palavra alheia, tanto mais nítidas serão suas fronteiras

e menos penetrável ela será pelas tendências comentadoras e responsivas. [...]”. Este pode ser

o motivo de os discentes não refletirem sobre a retomada desses discursos, pois tomam esses

dizeres/esses discursos como palavra de autoridade e os reproduzem sem grandes

questionamentos.

Desse modo, a recuperação desses dizeres nos evidenciam as relações de poder

existentes na escrita desse gênero, já que os discentes respondem a uma solicitação de acordo

com as orientações do RE, do PPC, do GETA e do MRCT, buscando ancorar seu projeto

discursivo por meio de discursos proferidos em jornais, leis, normas técnicas (NBR), estudos

científicos, entre outros. Neste contexto, muitas vezes, não há espaço para problematização e

questionamentos por parte dos estudantes.

Ainda destacamos um ponto comum a todos os excertos que sinalizaram verbalmente

trechos que instauram a forma da presença alheia no fio discursivo: nenhum deles seguiu

totalmente as orientações expressas pela ABNT. Assim, foram omitidas informações essenciais

como autoria, ano e paginação em determinadas citações. Na realidade, encontramos, assim

como os poucos exemplos que evocaram a reprodução literal do dizer, pequenas sinalizações,

especialmente, em torno da autoria do dizer quando da reprodução literal do dizer.

Entretanto, nos demais movimentos elencados para esta tese, tais como: incorporação,

reformulação e alusão do dizer, essa autoria, paginação e ano foram esquecidas em muitos casos

por ambas as CP. De fato, essas referências omitidas seriam capazes de nortear o leitor sobre

as informações presentes, além de construir um perfil ético do produtor de textos desse campo

de atuação. Portanto, por se tratarem de jovens produtores nesse contexto, novamente,

sinalizamos a figura do orientador como um dos principais interlocutores mediadores dos

Page 321: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

320

letramentos poderia guiar melhor sobre essas informações salutares em propostas de cunho

acadêmico.

5.2.2.2.2 Incorporação do dizer

Denominamos o eixo “incorporação do dizer” como aquele movimento no qual o

discente-estagiário recupera “palavras alheias” como suas. Nesse contexto, é natural que ocorra

um processo paulatino de esquecimento sobre a autoria ao tornar a palavra “anônima”

(BAKHTIN, 2017). Diante disso, destacamos que em nossa projeção inicial da análise, o eixo

incorporação do dizer não estava em nossos planos, de modo que não pensávamos sobre a

necessidade de incluir nesta pesquisa tal categoria. Contudo, devido ao nosso processo de

escuta, aprofundamento e contato com os relatórios de estágio, visualizamos certa “recorrência”

desse fenômeno nas CP de Agropecuária e de Edificações (nove e quatro, respectivamente) com

esse tipo de movimento, que a princípio poderiam ser considerados “plágio”.

Recuperamos essa última afirmação, pois Eco (2007) entende que quando há

incorporação do dizer do outro, de uma voz alheia, podemos estar diante de movimentos de:

paráfrase honesta, de falsa paráfrase (plágio) e/ou de paráfrase quase textual. Segundo o autor,

na primeira delas, evocaríamos a forma de citação indireta, na qual há uma real reformulação

do dizer fonte, mas sempre indicando a origem da autoria. Por outro lado, na falsa paráfrase,

ocorreria a citação indireta, mas por meio de uma reprodução literal das palavras do dizer

original, sem uso de aspas ou indicação dessa origem. Neste caso, o sujeito toma como suas as

palavras alheias, caracterizando, assim, o plágio, conforme propõe Eco. Por fim, na paráfrase

quase-textual, que evita o plágio, o sujeito reelaboraria o enunciado por meio de uma paráfrase

e ainda recuperaria o dizer por meio de citações diretas, por exemplo.

Diante dessa classificação, a nossa proposta sobre a incorporação do dizer, de início,

estaria associada ao que Eco denominaria de falsa paráfrase ou plágio. Porém, problematizamos

alguns pontos antes de simplesmente classificarmos os exemplos dos excertos expostos nessa

subseção como “plágio”, uma vez que: se cada enunciado é novo, é algo individual, único e

singular e o sentido é co-construído no evento de sua execução (BAKHTIN, 2011); se estamos

diante de um contexto formativo e educacional em que os sujeitos-estagiários que apresentam

os seus dizeres por intermédio do gênero relatório de estágio são jovens produtores de texto

segundo uma esfera acadêmico-profissional; partimos do entendimento que, por um lado,

estamos diante de uma cultura instaurada e que revela também ecos das práticas de letramentos

vivenciadas inclusive na escola da educação básica; e, por outro lado, estamos diante de uma

Page 322: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

321

oportunidade de rever formas de incorporar os sujeitos na cultura do escrito, visando

problematizar nesse espaço formativo os efeitos dessa reprodução fiel sem menção ao dizer

fonte, principalmente, porque os movimentos visualizados (Quadros 39 e 40) se destinam a

trechos específicos em determinadas seções do relatório, mas não o todo textual.

Enfatizamos que, desse modo, entendemos que quando há a omissão sobre a origem da

fonte do dizer, o produtor de texto pode fazê-lo de forma deliberada (consciente) ou quiçá pelo

desconhecimento em torno das “[...] convenções que regem o funcionamento da escrita do texto

[...]” (BESSA, 2016, p. 260). De qualquer modo, em ambas as situações, os movimentos podem

se dar em partes pontuais ou em trechos mais longos, quer seja por meio da reprodução literal,

quer seja por intermédio de pequenas reformulações.

A respeito do tema, Krokoscz (2011) nos lembra que há toda uma legislação pertinente

aos efeitos sobre a incorporação do dizer de forma literal sem menção da autoria (Lei 9.610/98

– Lei dos direitos autorais). Isto se daria, sobretudo, porque na atualidade, “[...] Pesquisar

tornou-se muito fácil e instantâneo. Usando um computador e a internet como fonte de

informação, é possível copiar e colar qualquer conhecimento com apenas alguns cliques. [...]”

(KROKOSCZ, 2011, p. 747). Porém, coadunamos com Krokoscz (2011) e Bessa (2014), é

necessário desmistificarmos o plágio “como um problema isolado do aluno” (KROKOSCZ,

2011, p. 752), mas que esse fenômeno requer um conjunto de ações e medidas por parte das

instituições educacionais, especialmente, sobre o enfrentamento do plágio com ações

preventivas, diagnósticas e corretivas. Assim, as estratégias de informação e capacitação

representariam as principais frentes que deveriam ser tomadas por esse locus formativo ao

buscar promover uma cultura de integridade e ética acadêmica.

Em síntese, compreendemos a existência do plágio enquanto fenômeno recorrente,

sobretudo na atualidade. Obviamente, não estamos defendendo a sua admissão, seja de forma

deliberada ou não. Contudo, propomo-nos a observar a singularidade expressa na escrita de

alunos que cursam os anos finais da educação básica. Neste aspecto, sugerimos a instauração

de uma urgente reflexão sobre a incorporação do dizer por nossos pares, desenvolvendo uma

maior atenção sobre esse fenômeno, de modo a se firmar um compromisso ético

acadêmico/institucional em nossa prática educacional.

Esta espécie de chamamento à responsabilidade deve ocorrer pelo não direcionamento

das culpabilidades somente em dados momentos aos discentes ou, em outros, aos sujeitos que

integram o contexto educacional de diversas disciplinas que direcionam a construção do saber

em torno da produção escrita, como, por exemplo, professores de língua portuguesa, de

Page 323: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

322

metodologia científica, de relatório de estágio; mas que seja pensada e repensada por todos os

sujeitos que formam esse contexto de aprendizagem.

Nesse sentido, avultamos que se estamos em contexto peculiar de atuação que envolve

a esfera acadêmica-profissional ainda na educação básica, temos a oportunidade de iniciar um

trabalho sobre o manejo de vozes na produção escrita de gêneros que compõem esse espaço de

forma consciente e ética. Conforme nos lembra Marinho (2010c, p. 78), “[...] O letramento é

uma prática social, não simplesmente uma habilidade técnica e neutra. Trata-se de uma prática

sustentada por princípios epistemológicos socialmente construídos.”. De fato, essa prática se

alimenta de seus eventos – assim, poderíamos vivenciar esses eventos e torná-los práticas com

outros desdobramentos.

Dito isso, adentramos em nossas análises segundo o eixo de incorporação do dizer sob

duas frentes: na primeira delas, destacamos que os discentes buscaram recuperar vozes de

autoridade externas (artigos científicos, documentos institucionais, notas técnicas, entre outros)

e as tomaram como sua voz. Na outra, os discentes fazem uso do dizer de seus pares, pois se

utilizam de um mesmo trecho ou passagem usado anteriormente por outro colega do estágio,

segundo determinadas condições.

Selecionamos, assim, para a primeira ocorrência, cinco trechos que destacam as

particularidades desse fenômeno (Quadro 39), que ocorre principalmente nas seções da

apresentação da empresa concedente de estágio e das atividades desenvolvidas no relatório.

Quadro 39 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS TEXTO-FONTE

REDO4 –

AGRO 01,

2016

Atividades desenvolvidas A Febre Aftosa é responsável por

expressiva diminuição da produtividade

dos rebanhos de mamíferos bi-ungulados,

principalmente bovinos, com significativo

impacto na segurança alimentar pela

redução da oferta de proteínas de origem

animal (HATSCHBACH, 2010).

(TRECENTI, 2013, p. 03 – destaques

nossos)

A febre aftosa representa uma importante

ameaça para o bem estar da população,

devido ao seu impacto sobre a economia

nacional de diversos países, onde o

comércio com o exterior e estabilidade

depende diretamente da confiabilidade dos

alimentos de origem animal, que devem

ser oriundos de animais isentos desta

enfermidade, demonstrando a estreita

relação que existe entre saúde pública, o

ambiente e o bem estar socioeconômico

A Febre Aftosa é responsável por expressiva

diminuição da produtividade dos rebanhos de

mamíferos bi-ungulados, principalmente

bovinos, com significativo impacto na

segurança alimentar pela redução da oferta

de proteínas de origem animal

(HATSCHBACH, 2010).

A febre aftosa representa uma importante

ameaça para o bem estar da população,

devido ao seu impacto sobre a economia

nacional de diversos países, onde o comércio

com o exterior e estabilidade depende

diretamente da confiabilidade dos alimentos

de origem animal, que devem ser oriundos de

animais isentos desta enfermidade,

demonstrando a estreita relação que existe

entre saúde pública, o ambiente e o bem estar

socioeconômico (PITUCO,2012). (p. 06 –

destaques nosso)

Page 324: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

323

(PITUCO,2012). (TRECENTI, 2013, p. 04

– destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 02,

2017

Atividades desenvolvidas Produzida por um vírus da família

Picornavirus, gênero Aphtovirus, que

acomete animais biungulados domésticos e

selvagens, como bovinos, suínos,

bubalinos, ovinos e caprinos. É

caracterizada por vesículas, também

denominadas aftas, erosões e úlceras na

mucosa oral, epitélio lingual, nasal,

mamário, além de lesões características na

região coronária dos cascos e nos espaços

interdigitais. (BORTOT; ZAPPA, 2013, p.

04 – destaques nossos)

Caracterizadas por vesículas, também

denominadas aftas (ao que se deve a

denominação da enfermidade), erosões e

úlceras na mucosa oral, epitélio lingual,

nasal, mamário, além de lesões na região

coronária dos cascos e nos espaços

interdigitais. A mesma não tem cura, quando

identificado um caso é obrigatório o sacrifício

dos animais nos focos de ocorrência e em um

raio de segurança de aproximadamente 10 km.

(p.07 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 01,

2018

Apresentação da instituição O IF SERTÃO-PE é uma instituição de

educação superior, básica e profissional,

pluricurricular e multicampi,

especializada na oferta de educação

profissional nas diferentes modalidades de

ensino, com base na conjugação de

conhecimentos técnicos e tecnológicos

com as suas práticas pedagógicas, que visa

melhorar a ação sistêmica da educação,

interiorizar e socializar o conhecimento,

popularizar a ciência e a tecnologia,

desenvolvendo os arranjos produtivos

sociais e culturais locais, com foco na

redução das desigualdades sociais inter e

intrarregional. (PPC – Agropecuária,

BRASIL, 2010b, p. 07 – destaques nossos)

O IF SERTÃO-PE é uma instituição de

educação superior, básica e profissional,

pluricurricular e multicampi, especializada

na oferta de educação profissional nas

diferentes modalidades de ensino, com base

na conjugação de conhecimentos técnicos e

tecnológicos com as suas práticas

pedagógicas, que visa melhorar a ação

sistêmica da educação, interiorizar e

socializar o conhecimento, popularizar a

ciência e a tecnologia, desenvolvendo os

arranjos produtivos sociais e culturais locais,

com foco na redução das desigualdades

sociais inter e intrarregional. (p. 07 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2016

Atividades desenvolvidas O SEOBRA é um software desenvolvido

pela 682 Soluções, na plataforma WEB

para auxiliar os profissionais, órgãos

públicos e empresas da área de

Engenharia que elaboram, analisam e

gerenciam, orçamentos, montados com

base nos insumos e serviços de tabelas

oficiais de governo, tais como: SINAPI,

SICRO (DNIT), SEINFRA (CE), SIURB

(SP), FDE (SP), CPOS (SP), ORSE (SE),

DEOSP (RO), IOPES (ES), SCO (RJ),

EMOP (RJ), SEDOP (PA) e AGETOP

(GO), além disso pode criar seus próprios

insumos e composições [...]. (Página

inicial Software SEOBRA – destaques

nossos)

O SEOBRA é um software desenvolvido pela

682 Soluções, na plataforma WEB para

auxiliar os profissionais, órgãos públicos e

empresas da área de Engenharia que

elaboram, analisam e gerenciam,

orçamentos, montados com base nos insumos

e serviços de tabelas oficiais de governo, tais

como:SINAPI, SICRO (DNIT), SEINFRA

(CE), SIURB (SP), FDE (SP), CPOS (SP),

ORSE (SE), DEOSP (RO), IOPES (ES), SCO

(RJ), EMOP (RJ), SEDOP (PA) e AGETOP

(GO), além disso pode criar seus próprios

insumos e composições. Durante o estágio

utilizamos a tabela do SEINFRA (CE). (p. 09 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2017

Atividades desenvolvidas Índice de forma do agregado: Média da

relação entre o comprimento e a espessura

dos grãos do agregado, ponderada pela

quantidade de grãos de cada fração

granulométrica que o compõe.

Comprimento de um grão: Maior dimensão

possível de ser medida em qualquer

direção do grão.

Espessura de um grão: Menor distância

possível entre planos paralelos entre si em

qualquer direção do grão.

(NBR 7809:2006 – destaques nossos)

O índice de forma do agregado é a média entre

o comprimento e a espessura dos grãos do

agregado, ponderada pela quantidade de

grãos de cada fração granulométrica que o

compõe. Esse comprimento será a maior

dimensão possível de ser medida em qualquer

direção do grão, diferentemente da espessura,

sendo essa a menor distância possível entre

planos paralelos entre si em qualquer direção

do grão. (p. 07 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 325: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

324

Tomamos como exemplo o relatório de REDO4 – AGRO 01, 2016, em que a discente,

mesmo recuperando, inicialmente, a autoria do que estaria definindo por febre aftosa e sobre os

desdobramentos da não vacinação ao utilizar como voz de respaldo Hatschbach (2010) e Pituco

(2012). Entretanto, na realidade, a aluna buscou em em outro texto essas afirmações, a saber:

“Febre aftosa – revisão de literatura” de Trecenti (2013)167. Logo, a estagiária não fez

referência a esse último texto, de modo a construir uma breve “colagem” de trechos daquele

material.

Conforme destacamos nos excertos, o primeiro parágrafo utilizado pela discente foi

retirado integralmente de um parágrafo da página 03 do artigo de Trecenti. Por sua vez, o

segundo parágrafo exposto no trecho do relatório foi, de igual modo, retirado de outro parágrafo

da página 04 do referido artigo. Nesse sentido, entendemos que a aluna buscou nessa voz de

autoridade ou em um já-dito, aceito como voz de expertise, a contextualização do tema de sua

atividade desenvolvida. Portanto, podemos pontuar que a estudante demonstrou em sua

produção certa dependência desse dizer fonte e isto nos revela a necessidade de um maior

amadurecimento sobre as formas de citar ou ainda de um trabalho educacional sobre essa prática

de letramento. Tal ausência de maturidade e reflexão sobre esse processo de “aculturação” em

torno de práticas de “colagem” demonstra a dificuldade da discente em desenvolver o conteúdo

com suas palavras próprias (BESSA, 2016).

De modo semelhante, o estudante-estagiário identificado como REDO4 – AGRO 01,

2018, ao apresentar a instituição locus de seu estágio, recuperou o texto introdutório do PPC de

seu curso sobre a caracterização do IF Sertão/PE. Contudo, o discente não citou o material como

dizer de origem: apenas reproduziu o trecho de forma integral, de modo a incorporá-lo como

palavra própria ao trazer essa informação ao seu interlocutor.

Por outro lado, nos relatórios de REDO4 – AGRO 02, 2017, REDO5 – EDIF 01, 2016

e REDO5 – EDIF 01, 2017, encontramos pequenos movimentos que reformulam o dizer fonte,

mas sem qualquer indicação sobre a autoria original desse dizer. Assim, no primeiro relatório,

o discente buscou explicar as características da febre aftosa. Desse modo, ao reproduzir as

palavras de Bortot e Zappa (2013)168, o fez de maneira a inserir informações adicionais. Tais

dados ampliaram o entendimento para com seu interlocutor “ao que se deve a denominação da

enfermidade”, por exemplo. No restante de sua reflexão, o estudante-estagiário explanou sobre

167 http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/eAHOKgOKxibxZcy_2013-8-13-17-4-22.pdf 168 http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/cQyqLX2hvW9LHur_2013-6-21-15-44-53.pdf

Page 326: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

325

os efeitos da doença: contudo, ao não mencionar a origem daquele dizer, incorporou-o na

condição de elaboração própria.

No relatório de REDO5 – EDIF 01, 2016, o discente-estagiário reproduziu as

informações contidas na página inicial do software – SEOBRA e acrescentou somente a

informação de que “Durante o estágio utilizamos a tabela SEINFRA (CE)”, mas não mencionou

que o trecho foi copiado de uma imagem feita de recorte do software apresentado no próprio

relatório. Ou seja, a informação sintetizada e expressa pelo aluno estava contida na imagem

selecionada para compor seu relatório, duplicando, assim, o conteúdo expresso. Portanto,

encontramos, mais uma vez, uma incorporação do dizer sem maiores reflexões sobre a autoria

dessa inserção. Tal fato pode ser responsável pelo esquecimento total de fronteiras topográficas

para citar o dizer de origem, pois o mesmo ocorre em REDO5 – EDIF 01, 2017 que mesclou

em seu texto definições propostas pela NBR sobre “o índice de forma do agregado” como

construção própria, mas sem sinalizar a origem do dizer.

Tais formulações nos revelam como as fronteiras são “esquecidas” por esses jovens

produtores e que os singularizam pelo estilo e a forma como como costumam manejar sua

própria voz autoral diante da incorporação do dizer alheio, já que esses movimentos refletem e

refratam contextos sociais micro e macro de contexto históricos, especialmente, da vivência

escolar sobre a cultura do escrito.

Sinalizamos, ainda, que esses movimentos foram igualmente observados entre discentes

que haviam sido bolsistas (quatro da CP de Agropecuária e três de Edificações)169, revelando,

portanto, a importância de construirmos espaços de formação continuada sobre as formas de

inserção da palavra outra. Na realidade, acionamos a figura do orientador como aquele que

poderia também nortear sobre a cultura ética envolvida nas formas de citar e recuperar outras

fontes de forma imediata, uma vez que pensar em processos formativos demandaria também

uma reformulação do currículo (questões de implementação a longo prazo)170. Reforçamos que,

assim como Bakhtin (2017), entendemos que a palavra do outro deve ser compreendida como

qualquer palavra de outra pessoa. Isto significa que, seja escrita ou não no seu idioma ou mesmo

que não seja de autoria própria, deve ser nosso compromisso ético citá-las.

Diante disso, ainda sinalizamos outra particularidade do fenômeno de incorporação do

dizer no qual se fundem vozes entre os próprios membros de cada CP. Nesse cenário, como

169 Lembramos que estamos contabilizando no todo: incorporação do dizer que busca o respaldo em uma voz de

autoridade e outra que visa se apoiar nos dizeres construídos entre os colegas de sala. 170 Talvez trabalhos posteriores poderiam versar sobre este contexto mais imediato de um dos interlocutores

mediadores dos letramentos: verificar como os orientadores entendem e estimulam as formas de citar, de

incorporação do dizer do outro em produções escritas.

Page 327: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

326

estamos diante do discurso e não dos sujeitos desse discurso, alguns questionamentos nos

inquietam sobre a real autoria do relatório, perante a análise de determinados trechos, tais como:

Quem construiu o dizer fonte daquele excerto? Trata-se de um texto padrão fornecido pela

empresa concedente do estágio quando da apresentação da instituição? Ou trata-se de um texto

coletivo por terem estagiado no mesmo local e períodos próximos? Ou ainda se trata de uma

indicação do orientador fornecer texto-padrão sobre a apresentação da empresa? São

questionamentos que fizemos quando de nossa análise, pois encontramos textos similares entre

os estudantes-estagiários face, principalmente, a seções como a introdução e a apresentação da

instituição. Outros exemplos da incorporação do dizer nas seções de desenvolvimento das

atividades e conclusão representaram exemplos isolados.

Portanto, destacamos que, na análise de um total de 26 relatórios, encontramos na CP

de Agropecuária, sete exemplares de discentes-estagiários que apresentaram a incorporação do

dizer de algum outro colega. Por outro lado, na CP de Edificações, encontramos somente três

relatórios na mesma situação. A título de exemplificação, recuperamos nos Quadros 40 e 41,

três excertos referentes a cada CP, uma vez que no curso de Agropecuária os movimentos eram

similares entre os relatórios, conforme exposto na reflexão da análise a seguir.

Quadro 40 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer entre

relatórios de estágio – CP de Agropecuária.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS TEXTO-FONTE

REDO2 –

AGRO 01,

2017

Introdução Introdução

As principais atividades desenvolvidas pela

Adagro são planejar, elaborar, coordenar e

executar programa de promoção e proteção da

saúde animal e vegetal e a educação

zoofitossanitária, consistindo-se na

autoridade estadual de sanidade

agropecuária; Fiscalizar e inspecionar as

pessoas físicas e jurídicas de direito público e

privado, que manipulem, beneficie,

classifiquem, armazenem, transportem ou

comercializem produtos e derivados

agropecuários e insumos do setor primário;

Em 2014, Pernambuco foi um dos estados

brasileiros a receber o certificado

internacional de área livre de febre aftosa.

Para que a certificação permaneça valendo, é

necessário que, pelo menos, 90% dos rebanhos

sejam vacinados.

Durante o período de estagio atuei, na área

de fiscalização e acompanhamento cadastral

dos dados de registro da campanha referente

ao combate a febre aftosa que acomete aos

Bovinos e Bubalinos, no mesmo foi realizado

praticas de vacina, entrega de vacinas e

fiscalização assistida de produtores

As principais atividades desenvolvidas pela

Adagro são planejar, elaborar, coordenar

e executar programa de promoção e

proteção da saúde animal e vegetal e a

educação zoofitossanitária, constituindo-

se na autoridade estadual de sanidade

agropecuária; Fiscalizar e inspecionar as

pessoas físicas e jurídicas de direito

público e privado, que manipulem,

beneficiem, classifiquem, armazenem,

transportem ou comercializem produtos e

derivados agropecuários e insumos do

setor primário;

Em 2014, Pernambuco foi um dos estados

brasileiros a receber o certificado

internacional de área livre de febre aftosa.

Para que a certificação permaneça

valendo, é necessário que, pelo menos, 90%

dos rebanhos sejam vacinados. “O

certificado permite comercializar em todo

o país e inclusive no exterior. Caso perca

a certificação, volta a barreira sanitária e

os criadores poderão vender apenas dentro

do estado”. (G1, 2015)

Page 328: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

327

inadimplentes das campanhas anteriores.

Pude também aprender como funciona todo o

processo de atualização dos criadores da

cidade, onde toda e qualquer mudança no

rebanho deve ser registrada no seu cadastro.

Ao decorrer do estágio, tiveram também

algumas visitas a feiras e exposições de

animais na região, sendo elas com o objetivo

de auxiliar de alguma forma, ou apenas para

observar como funciona cada um desses

segmentos.

Uma das funções da Adagro é buscar

diminuir a todo custo à incidência de doenças

animais na região onde atua, tendo isso como

base, foi aplicada uma prática de vacinação

contra a brucelose, uma das principais

doenças bovinas, e também foi mostrado como

é feita a coleta de sangue em equinos, para

exames de Mormo e AIE (Anemia Infecciosa

Equina). Os objetivos do estágio aqui citado, foi à

execução de atividades realizadas com relação

à fiscalização agropecuária de acordo com as

leis instituídas pelo nosso país, colocando em

prática o que foi visto em sala de aula na

teoria. (p. 04 – destaques nossos)

Durante o período de estagio atuei, na área

de fiscalização e acompanhamento

cadastral dos dados de registro da

campanha referente ao combate a febte

aftosa que acomete aos Bovinos, no mesmo

foi realizado praticas de vacina, entrega de

vacinas e fiscalização assistida de

produtores inadimplentes das campanhas

anteriores. Pude também aprender como

funciona todo o processo de atualização

dos criadores da cidade, onde toda e

qualquer mudança no rebanho deve ser

registrada no seu cadastro.

Ao decorrer do estágio, tiveram também

algumas visitas a feiras e exposições de

animais na região, sendo elas com o

objetivo de auxiliar de alguma forma, ou

apenas para observar como funciona cada

um desses segmentos.

Uma das funções da Adagro é buscar

diminuir a todo custo à incidência de

doenças animais na região onde atua,

tendo isso como base, foi aplicada uma

prática de vacinação contra a brucelose,

uma das principais doenças bovinas, e

também foi mostrado como é feita a coleta

de sangue em equinos, para exames de

Mormo e AIE.

Os objetivos do estágio aqui citado, foi a

execução de atividades realizadas com

relação à fiscalização agropecuária de

acordo com as leis instituídas pelo nosso

país, colocando em prática o que foi visto

em sala de aula na teoria. (REDO4 –

AGRO 01, 2016, p. 05 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 06,

2017

Apresentação da instituição Apresentação da instituição

O estágio supervisionado de Técnico em

Agropecuária foi realizado na empresa de

produtos fármacos e agropecuário, Farmavet,

situada na cidade de Salgueiro-PE, na Av.

Otaviano Leitinho, 255, centro,

supervisionado pelos veterinários e

proprietários XXX e XXX. O estágio ocorreu

no turno da tarde entre o período de nove de

maio de dois mil e dezesseis à12 de setembro

de dois mil e dezesseis onde totalizei

quatrocentas horas. Tendo como orientador

de estagio o Professor de Zootecnia M.Sc.

XXX.

A sede da empresa está localizada no

município de Salgueiro, na porção central de

Pernambuco, tendo uma localização

estratégica do ponto de vista logístico,

Salgueiro é um município cortado pelas BR’s

232 e 116 que liga a cidade as grandes

metrópoles brasileiras.

A Farma Vet tem 4 anos que trabalha com

produtos fármacos e agropecuários, onde os

médicos veterinários XXX e XXX atendem

O estágio supervisionado de Técnico em

Agropecuária foi realizado na empresa de

produtos fármacos e agropecuários,

Farma Vet, situada na cidade de

Salgueiro-PE, na Av. Otaviano Leitinho,

255, centro, supervisionado pelos

veterinários proprietários XXX e XXX. O

estágio ocorreu no turno da tarde entre o

período de dois de janeiro de dois mil e

dezessete à 15 de março de dois mil e

dezessete totalizando 200 horas. O estágio

teve como orientador o professor de

Zootecnia M.Sc. XXX.

A sede da empresa está localizada no

município de Salgueiro, na porção central

de Pernambuco, tendo uma localização

estratégica do ponto de vista logístico,

Salgueiro é um município cortado pelas

BR’s 232 e 116 que liga a cidade as

grandes metrópoles brasileiras, como

Recife, Fortaleza e Teresina.

A Farma Vet atende a quatro anos na

região, atuando com produtos fármacos e

agropecuários, tendo a sua frente os

Page 329: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

328

toda a população de salgueiro e

circunvizinhança. (p. 02 – destaques nossos)

médicos veterinários XXX e XXX. (REDO2

– AGRO 02, 2017, p. 08 – destaques

nossos)

Apresentação da instituição

O estágio supervisionado de Técnico em

Agropecuária foi realizado na empresa de

produtos fármacos e agropecuário, Farma

Vet, situada na cidade de Salgueiro-PE, na

Av. Otávio Leitinho, 255, centro,

supervisionado pela veterinária XXX. O

estágio ocorreu no turno da tarde entre o

período de 03 de outubro a 14 de dezembro

de 2016, totalizando 200 horas. Tendo

como orientador de estágio o professor

zootécnico XXX.

A sede da empresa está localizada no

município de Salgueiro, na porção central

de Pernambuco, tendo uma localização

estratégica do ponto de vista logístico.

Salgueiro é um município cortado pelas a

BR’s 232 e 116 que liga ás grandes

metrópoles brasileiras.

A Farma Vet tem quatro anos que trabalha

com produtos fármacos e agropecuários,

em que os médicos veterinários XXX e XXX

atendem toda a população de Salgueiro e

circunvizinhança. (REDO4 – AGRO 01,

2017, p. 04 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 02,

2018

Introdução Introdução

[...]

A Caprinovinocultura é uma atividade de

produção que possui grande importância na

região nordestina. A região possui o maior

rebanho caprino do Brasil com

aproximadamente 91,4% do rebanho nacional

em seu território, deste o estado de

Pernambuco concentra cerca de 16,9% do

rebanho regional e é o segundo maior

produtor nacional. Falando em ovinos, o

Nordeste possui 57,18% do rebanho nacional.

Pernambuco é o quinto maior produtor de

ovinos do país, possuidor de 7,7% das cabeças

de ovinos do país (IBGE, 2008).

A carne suína é a mais consumida do mundo,

sendo um alimento de excelente qualidade. Em

critérios de importação, o Japão, Federação

Russa e México, lideram este quesito. Entre os

exportadores a União Europeia lidera este

segmento, sendo seguido pelos Estados

Unidos, Canadá e Brasil (FERREIRA, R.A,

2012).

O início da agricultura está ligado a uma

série de transformações no conceito de

produzir. A agricultura passou por várias

revoluções agrícolas, que visavam diminuir

as restrições do meio ambiente e necessidade

de trabalho (ASSIS & ROMEIRO, 2002). A

agricultura moderna, a partir dos anos 50,

priorizou um modelo tecnológico com base no

uso intensivo da mecanização, adubos

[...]

A Caprinovinocultura é uma atividade de

produção que possui grande importância

na região nordestina. A região possui o

maior rebanho caprino do Brasil com

aproximadamente 91,4% do rebanho

nacional em seu território, deste o estado

de Pernambuco concentra cerca de 16,9%

do rebanho regional e é o segundo maior

produtor nacional. Falando em ovinos, o

Nordeste possui 57,18% do rebanho

nacional. Pernambuco é o quinto maior

produtor de ovinos do país, possuidor de

7,7% das cabeças de ovinos do país (IBGE,

2008).

A carne suína é a mais consumida do

mundo, sendo um alimento de excelente

qualidade. Em critérios de importação, o

Japão, Federação Russa e México, lideram

este quesito. Entre os exportadores a União

Europeia lidera este segmento, sendo

seguido pelos Estados Unidos, Canadá e

Brasil (FERREIRA, 2012).

Essas três atividade de produção

zootécnicas são de grande importância

pata o agronegócio brasileiro, também são

muito importantes pata a manutenção da

produção do capital nas regiões

brasileiras. [...] (REDO2 – AGRO 01,

2016, p. 07)

Page 330: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

329

minerais de alta solubilidade e agrotóxicos,

denominado de revolução verde

(KAMIYAMA et al., 2011), período no qual, a

agricultura se desenvolveu expressivamente

causando, via de regra, impactos ao meio

ambiente (BARBOZA et al., 2012)

Essas três atividade de produção zootécnicas

são de grande importância pata o agronegócio

brasileiro, também são muito importantes pata

a manutenção da produção do capital nas

regiões brasileiras. [...] (p. 04 – 05 – destaques

nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

No relatório elaborado de REDO2 – AGRO 01, 2017, por exemplo, encontramos

algumas particularidades sobre o que de início poderia ser considerado “cópia” integral de

seções específicas de outro relatório, produzido pelo aluno-estagiário REDO4 – AGRO 01,

2016. Porém, sinalizamos que ambos estagiaram na mesma instituição, embora em cidades

distintas. Assim, enquanto REDO2 – AGRO 01, 2017 executou suas atividades no município

de Salgueiro, entre 01 de abril e 11 de dezembro de 2015, a estudante-estagiária, identificada

como REDO4 – AGRO 01, 2016, cumpriu seu estágio na cidade de Cabrobó, no período de 05

de maio a 20 de outubro de 2015. Além disso, pontuamos que o discente sob a identificação

REDO2 – AGRO 01, 2017 finalizou e submeteu seu relatório para avaliação apenas no ano de

2017 devido a pendências em outras disciplinas, mas a estagiária concluiu e “entregou” seu

material no ano de 2016. Diante disso, avultamos que, mesmo estagiando em períodos

próximos, numa mesma instituição (embora em localidades distintas), tais alunos foram

acompanhados por orientadores diferentes e apresentaram a introdução, bem como a conclusão

de seus relatórios de maneira similar.

Em nosso destaque, retomamos a introdução presente em ambos os relatórios: mesmo

ao visualizar a recuperação quase integral de um texto pelo outro, encontramos singularidades,

conforme exposto pelos destaques nos excertos. Nesse contexto, informamos que o relatório de

REDO2 – AGRO 01, 2017 apresentou recuo nos parágrafos da introdução, enquanto a discente

REDO4 – AGRO 01, 2016 não obedeceu a essa formatação. Ademais, o estagiário apresentou

no primeiro parágrafo pequenos erros de concordância (“consistindo-se” e “beneficie”) se

comparado com o texto da aluna citada. O primeiro relatório ainda acrescentou informações

sobre a infecção da febre aftosa (“Bubalinos”), além de destacar o significado da sigla (AIE –

Anemia Infecciosa Equina) e acrescentou um acento de crase no último parágrafo.

Conforme nos lembra Bakhtin (2016b), estamos diante de um novo acontecimento do

texto, de modo a estabelecer uma relação inédita com o que já foi dito. Assim, mesmo que de

Page 331: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

330

forma rudimentar, o fenômeno imprime particularidades do sujeito-estagiário frente aquele

discurso de “origem”, pois esses pequenos movimentos já nos indiciam isto.

Contudo, neste ponto, entendemos a impossibilidade de se afirmar que o dizer de origem

partiu de um ou de outro discente; ou, se foi um trabalho em conjunto de escrita e que ambos

decidiram tomar esse texto como padrão; ou se estudantes tenham utilizado como guia uma

espécie de template, assim como proposto pelo MRCT, já que, em outras seções, os discentes

revelavam a sua narrativa autoral sem essa incorporação do dizer, exceto na conclusão, no qual

a repetição mecânica costumou ocorrer novamente entre os relatórios; ou ainda se foi uma

simples cópia, segundo uma tradição “escolar”, de se reproduzir literalmente um conteúdo sem

reflexão sobre os efeitos disso.

Movimento similar é encontrado no trabalho de REDO4 – AGRO 02, 2018 e novamente

na seção de introdução dos relatórios171. Neste caso, temos discentes de orientadores distintos

e anos de estágio também diferentes: assim, REDO4 – AGRO 02, 2018 estagiou entre maio a

julho de 2017 e submeteu o relatório para avaliação em 2018. Por sua vez, REDO2 – AGRO

01, 2016 cumpriu a etapa do estágio entre julho e agosto de 2015 e a entrega do relatório data

de 2016. Entretanto, um ponto peculiar que nos sobressai é que tal incorporação do dizer entre

os pares/membros de uma mesma CP ocorre especialmente entre os discentes-estagiários que

cumpriram o seu estágio no mesmo local. Neste caso, os estudantes REDO4 – AGRO 02, 2018

e REDO2 – AGRO 01, 2016 realizaram seus respectivos estágios no Campus Petrolina Zona

Rural do IF Sertão/PE, embora em períodos diferentes.

Nesse sentido, REDO4 – AGRO 02, 2018 visou contextualizar a produção pecuária e

agrícola no país até se aproximar do seu contexto de atuação, estrutura narrativa análoga à

exposição desenvolvida no relatório de REDO2 – AGRO 01, 2016. Embora tenha inserido um

parágrafo a mais nesse processo de reflexão sobre o tema, encontramos a recuperação desse

dizer ao respaldar essa contextualização, porém a discente reproduziu o texto como se fosse

autoral. Mais uma vez, destacamos que não sabemos se este material pode ser encontrado como

um texto “pronto”, divulgado para e entre os discentes. Diante disso, provocamos a reflexão

que cabe uma atenção sobre como o alunado busca essa voz de respaldo e a incorpora como

própria. De igual forma, sinalizamos a importância de um trabalho conjunto também da

instituição para com os orientadores, buscando que esses dialoguem sobre esse processo de

171 Esse mesmo relatório também trouxe trechos sobre a apresentação da empresa de forma similar ao REDO2 –

AGRO 01, 2016. Mas por questões de recorte e não ficar muito extenso nossas análises, apenas sinalizamos essa

ocorrência neste rodapé.

Page 332: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

331

produção escrita, evitando esses ecos dialógicos capazes de entretecer ruídos sobre a real autoria

do texto.

Por outro lado, em REDO4 – AGRO 06, 2017 e em outros relatórios (REDO2 – AGRO

01, 2017, REDO4 – AGRO 01, 2017, REDO4 – AGRO 02, 2017, REDO4 – AGRO 03, 2017

e REDO4 – AGRO 04, 2017) encontramos uma incorporação do dizer com reformulações

pontuais ou a incorporação de forma integral, especialmente, na seção de apresentação das

empresas conveniadas à instituição de ensino. O fenômeno ocorreu, novamente, nos relatórios

nos quais os discentes estagiaram em um mesmo local, mesmo que em períodos diferentes

(FarmaVet, Adagro e/ou Secretária de Agricultura). Assim, como nos casos visualizados dizem

respeito, em sua maioria, ao orientador REDO4, entendemos que a apresentação da instituição

pode ser retirada de um exemplo de template, situação na qual caberia ao discente fazer

pequenos ajustes172. Assim, sublinhamos e colocamos em negrito os trechos que sinalizamos

no excerto de REDO4 – AGRO 06, 2017.

Conforme observamos, os discentes entre si alteram somente o ano/período do estágio,

a quantidade de horas dedicadas a essa experiência (fato esse que nos evidencia se os alunos

foram bolsistas ou não - portanto, se estes cumpriram 200 horas ou 400 horas de estágio); a

forma de apresentar o orientador (“Tendo como orientador de estagio o Professor de Zootecnia

M.Sc. XXX”, “O estágio teve como orientador o professor de Zootecnia M.Sc. XXX”, “Tendo

como orientador de estágio o professor zootécnico XXX”) e o grupo de profissionais que

integram a empresa concedente do estágio (“A Farma Vet tem 4 anos que trabalha com

produtos fármacos e agropecuários, onde os médicos veterinários XXX e XXX atendem toda a

população de salgueiro e circunvizinhança”, “A Farma Vet atende a quatro anos na região,

atuando com produtos fármacos e agropecuários, tendo a sua frente os médicos veterinários

XXX e XXX”) ou ainda acrescentam determinadas informações características sobre a região de

Salgueiro (“liga a cidade as grandes metrópoles brasileiras, como Recife, Fortaleza e

Teresina”).

De maneira similar, encontramos na CP de Edificações dois casos (REDO5 – EDIF 01,

2016 e REDO5 – EDIF 01, 2018) também na seção de introdução, com a tentativa de explicitar

os objetivos do estágio incorporando o dizer um do outro. Já em relação ao REDO2 – EDIF 01,

2017, essa reprodução literal do dizer de um enunciado presente em outro relatório, é

172 Conforme já pontuamos, para um processo de cotejamento mais respaldado, seria interessante escutarmos esses

interlocutores mediadores dos letramentos mais imediatos (os orientadores), visando a confirmar ou a refutar certos

achados. Diante disso, entendemos a potencialidade de ampliação da presente tese em trabalhos outros.

Page 333: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

332

vislumbrado por meio de trechos de porções maiores e/ou integrais de três seções do relatório:

apresentação da empresa, introdução e conclusão.

Quadro 41 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer entre

relatórios de estágio – CP de Edificações.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO5 –

EDIF 01,

2016

Introdução Introdução

O estágio teve como objetivo aplicar, na

construção civil, os conceitos teóricos

aprendidos, verificar até que ponto esses

conceitos são realizáveis na prática,

desenvolver a tomada de iniciativas para a

resolução de problemas do cotidiano de

uma obra e o relacionamento com

engenheiros e operários da construção. (p.

08 – destaques nossos)

O estágio teve como objetivo aplicar, na

construção civil, os conceitos teóricos

aprendidos, verificar até que ponto esses

conceitos são realizáveis na prática,

desenvolver a tomada de iniciativas para a

resolução de problemas do cotidiano de uma

obra e o relacionamento com engenheiros e

operários da construção. (REDO5 – EDIF

02, 2017, p. 08 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 01,

2017173

Apresentação da empresa Apresentação da empresa

. O estágio foi realizado na Prefeitura Municipal de Salgueiro (PMS) Na Secretaria de desenvolvimento urbano e obras. Localizada na Rua Maria Nogueiria Sampaio 233 Nossa Senhora das Graças- CEP 56000-000- Salgueiro PE. A secretaria de desenvolvimento urbano e

obras, conta com a participação de três

engenheiros (a) civis, um engenheiro

elétrico, quatro técnicos em edificações, e

dois arquitetos (a) para o melhor

desenvolvimento das atividades a serem

executadas e o cumprimento das normas

estabelecidas. [...] (p. 02 – destaques nossos)

O estágio foi realizado na Prefeitura

Municipal de Salgueiro (PMS) Na

Secretaria de desenvolvimento urbano e

obras. Localizada na Rua Maria Nogueira

Sampaio 233 Nossa Senhora das Graças-

CEP 56000-000- Salgueiro PE.

A secretaria de desenvolvimento urbano e

obras, conta com a participação de três

engenheiros (a) civis, um engenheiro

elétrico, quatro técnicos em edificações, e

dois arquitetos (a) para o melhor

desenvolvimento das atividades a serem

executadas e o cumprimento das normas

estabelecidas. [...] (REDO2 – EDIF 02,

2016, p. 07 – destaques nossos)

Introdução Introdução

As atividades desenvolvidas ocorreram

no período de 18/04/2016 à 29/06/2016

supervisionado pela diretora XXX.Durante

o período do estágio, foram realizadas

atividades de fiscalização, visitas em

construções e reformas de obras públicas,

reforma de escolas municipais, como nas

escolas Dom Malan, entre outras, além de

acompanhamento dasvias públicas que

passaram pelo processo de pavimentação na

cidade. (p. 03 – destaques nossos)

As atividades desenvolvidas ocorreram

no período de 28/09/2015 à 04/12/2015

supervisionado pela diretora XXX. Durante

o período do estágio, foram realizadas

atividades de fiscalização, visitas em

construções e reformas de obras públicas,

reforma de escolas municipais, como nas

escolas Dom Malan, Maria Neu, entre

outras, além de acompanhamento das vias

públicas que passaram pelo processo de

pavimentação na cidade. (REDO2 – EDIF

02, 2016, p. 08 – destaques nossos)

Conclusão Conclusão

O estágio é de suma importância para o

desenvolvimento do estudante, existindo

oportunidade de adquirir

conhecimentospráticos, vivenciar

experiências profissionais, echance para o

estagiário de praticarconhecimentos

O estágio é de suma importância para o

desenvolvimento do estudante, existindo

oportunidade de adquirir conhecimentos

práticos, vivenciar experiências

profissionais, e chance para o estagiário de

praticar conhecimentos adquiridos em sala

173 Neste caso específico, optamos por não transcrever toda a seção, mas partes que já nos indiciariam a

incorporação do dizer entre os relatórios. Encontramos reproduções pontuais nos demais excertos do Quadro 41,

conforme ocorre nos relatórios. Neste caso, somente REDO2 – EDIF 01, 2017 demonstrou reprodução integral de

seções: apresentação da empresa, introdução e conclusão.

Page 334: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

333

adquiridos em sala de aula. (p. 10 –

destaques nossos)

de aula. (REDO2 – EDIF 02, 2016, p. 16 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2018

Introdução Introdução

O estágio supervisionado tem por objetivo

proporcionar ao estagiário treinamento

prático, experiência na área,

aperfeiçoamento técnico, cultural,

científico e de relacionamento humano,

como complementação da minha formação

profissional no ambiente de trabalho. (p. 05

– destaque nossos)

O estágio supervisionado tem por objetivo

proporcionar ao estagiário treinamento

prático, aperfeiçoamento técnico, cultural,

científico e de relacionamento humano,

como complementação da minha formação

profissional no ambiente de trabalho.

Importante elencar que esse é o momento no

qual o estagiário tem a oportunidade de

conhecer a política da empresa, estabelecer

contatos e transitar entre setores, assim como

relacionamento entre o canteiro de obras e o

escritório. (REDO5 – EDIF 01, 2016, p. 08 –

destaques nossos)

Conclusão Conclusão

O estágio é de suma importância para o

desenvolvimento do estudante, existindo

oportunidade de adquirir

conhecimentospráticos, vivenciar

experiências profissionais, echance para o

estagiário de praticarconhecimentos

adquiridos em sala de aula. (p. 10 –

destaques nossos)

O estágio é de suma importância para o

desenvolvimento do estudante, existindo

oportunidade de adquirir conhecimentos

práticos, vivenciar experiências

profissionais, e chance para o estagiário de

praticar conhecimentos adquiridos em sala

de aula. (REDO2 – EDIF 02, 2016, p. 16 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2018

Introdução Introdução

O estágio supervisionado tem por objetivo

proporcionar ao estagiário treinamento

prático, experiência na área,

aperfeiçoamento técnico, cultural,

científico e de relacionamento humano,

como complementação da minha formação

profissional no ambiente de trabalho. (p. 05

– destaques nossos)

O estágio supervisionado tem por objetivo

proporcionar ao estagiário treinamento

prático, aperfeiçoamento técnico, cultural,

científico e de relacionamento humano,

como complementação da minha formação

profissional no ambiente de trabalho.

Importante elencar que esse é o momento no

qual o estagiário tem a oportunidade de

conhecer a política da empresa, estabelecer

contatos e transitar entre setores, assim como

relacionamento entre o canteiro de obras e o

escritório. (REDO5 – EDIF 01, 2016, p. 08 –

destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Dessa forma, realçamos que os excertos em evidência de REDO5 – EDIF 01, 2016 e

REDO5 – EDIF 01, 2018, elaboraram uma reprodução “fiel”, respectivamente, de REDO5 –

EDIF 02, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2016. Essas reproduções recuperavam trechos sobre o

objetivo e a importância do estágio para formação dos profissionais da “construção civil”.

Assim, em REDO5 – EDIF 01, 2016, destacamos que o período de estágio foi executado

entre março e abril de 2016. Por sua vez, no relatório em que encontramos o paralelo de uma

“cópia”, o discente o fez entre abril a setembro de 2015, tendo recebido seu diploma somente

Page 335: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

334

em 2017174, devido a pendências em outras matérias. Outro ponto em comum entre esses dois

relatórios, além dos trechos similares, é o fato de terem o mesmo orientador. Nesse contexto,

compreendemos que o texto pode ter origem em algum template ou manual compartilhado

quiçá por esse orientador, solicitando que, na seção de introdução do estágio, os discentes

enalteçam a necessidade de profissionais qualificados na região na qual estão inseridos.

Tomamos isso como um norte, pois o mesmo ocorreu no excerto de REDO5 – EDIF 01, 2018

ao recuperar trechos de REDO5 – EDIF 01, 2016, sob orientação do mesmo professor.

Em relação a esse último caso, REDO5 – EDIF 01, 2018, lembramos que o discente

buscou o trecho presente do outro relatório e construiu, por meio de um pequeno movimento

de reformulação, um acréscimo sobre o objetivo do estágio ao informar que visa a: “experiência

na área”. De todo modo, conforme sinalizado ao longo dos resultados dessa tese, a CP de

Edificações possui características peculiares sobre a estrutura do gênero relatório e de alguns

movimentos que se repetem entre seus pares. Por este motivo, supomos a existência de algum

documento que sirva como norte sobre essa escrita por parte dos membros que a integram.

Como não fizemos entrevistas, coletas de informações com os sujeitos, compreendemos a

lacuna de nossos dados, porém isso não inviabiliza a nossa análise discursiva sobre as RD em

CP distintas.

No que diz respeito aos excertos exemplificados de REDO2 – EDIF 01, 2017,

reforçamos que esse discente teve o mesmo locus de estágio de REDO2 – EDIF 02, 2016, e

ambos tiveram o mesmo orientador, mas em períodos distintos (o primeiro, de abril a junho de

2016 e a segunda, de setembro a dezembro de 2015). Neste caso, o discente-estagiário

incorporou o dizer da colega em três partes do seu relatório (Quadro 41): na introdução, na

apresentação da empresa e na conclusão. Apontamos que compreendemos que tais seções

possuem uma certa prototipicidade com relação ao conteúdo do gênero: talvez por esse motivo,

o orientador tenha aprovado o relatório do modo que se encontra. Entretanto, entendemos que

caberia o trabalho de maior atenção para que se evitasse a reprodução de porções muito extensas

de um outro texto, de uma outra autoria.

Apesar disso, da ocorrência desse fato enunciativo, deparamo-nos com um enunciado

novo e recontextualizado em sua realização, pois mesmo apresentando similaridades no aspecto

textual, encontramos singularidades em ambos os relatórios analisados. Assim, no que tange à

grafia/fonte utilizada, o trabalho de REDO2 – EDIF 01, 2017 apresentou no primeiro parágrafo

174 Informamos que ambos os relatórios foram entregues em 2016. REDO5 – EDIF 02, 2017 em abril de 2016 e

REDO5 – EDIF 01, 2016 em julho de 2016. Conseguimos esses dados por intermédio do conteúdo exposto nos

próprios relatórios.

Page 336: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

335

uma fonte distinta da utilizada no outro relatório. Há também um distanciamento quanto ao

esmero em relação à formatação e ao alinhamento dos parágrafos: REDO2 – EDIF 01, 2017

não fez recuo de margens dos parágrafos, mas em REDO2 – EDIF 02, 2016 é visível a

preocupação com a estética do documento, seguindo os padrões de formatação. Ainda

visualizamos nesse contexto, alguns erros de escrita e/ou digitação (“. O”, “XXX.Durante”,

“dasvias”, “conhecimentospráticos”, “echance”, “praticarconhecimentos”). Esses fatos nos

revelam como a nova forma de enunciar deixa escapar as dificuldades em torno do letramento

digital daquele discente. Cumpre-nos ainda destacar que esse mesmo estudante-estagiário, nas

demais seções de seu relatório, produziu sua narrativa fornecendo pistas de suas marcas

autorais. Não que a incorporação do dizer não represente um exemplo dessas marcas, mas esse

aluno realmente desenvolveu uma reflexão sobre sua ação de maneira a não recorrer a uma

provável cópia de algum outro colega de sala.

Diante desse cenário, revisitamos as palavras de Volóchinov (2018, p. 249), pois o

filósofo outrora alertava que: “[...] o enunciado alheio não é apenas o tema do discurso: ele

pode, por assim dizer, entrar em pessoa no discurso e na construção sintática como seu elemento

construtivo específico. [...]”. Isto nos evidencia determinadas nuances significativas de como o

dizer do outro pode ter formas de presença no fio discursivo de maneiras singulares e a

incorporação do dizer pode ser uma delas.

5.2.2.2.3 Evocação/alusão do dizer

Adentramos, então, em outra forma de presença do discurso alheio como palavra

própria no fio discursivo recorrente entre os membros das CP investigadas, a saber: a evocação

ou a alusão do dizer. Neste movimento, segundo Authier-Revuz (2007, p. 09), estamos diante

de um fato linguajeiro, no qual, na cena enunciativa, as heterogeneidades, as discursividades e

os sentidos construídos por seus sujeitos se dão através de palavras vindas e/ou recuperadas

pelo “exterior”. Nesta etapa, relembramos, que segundo a autora e como pontua a própria ADD,

todo dizer é voltado ou endereçado a uma exterioridade discursiva. Logo, o horizonte social

partilhado entre seus membros ajuda a distinguir se estamos diante de um “risco escolhido”

pelo autor ou um “risco de estar submisso à” essa exterioridade que nos indica a “alusividade”

do dizer. Esse último é algo constituinte desse próprio dizer, pois o sentido empregado seria

algo anteriormente estabelecido.

Desse modo, destacamos que buscamos essa ponte com a teoria enunciativa de

Authier-Revuz para compreendermos como a evocação ou a alusão do dizer, enquanto

Page 337: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

336

movimento discursivo, é capaz de despertar as palavras de um outro dizer e conservar um certo

sentido original que é recolocado no fio discursivo, visando, de sobremaneira, a

intencionalidade do sujeito, de seu projeto de dizer. Ou seja, por intermédio da alusão é possível

percebermos movimentos que o enunciador faz e deixa ressoar palavras de outros dizeres, sua

interpelação, sua intencionalidade discursiva, moldando de forma a se construir um diálogo

com esse já-dito. Assim, conforme a pesquisadora:

De modo mais preciso, a alusão, assim compreendida como empréstimo, retomada

não explícita de segmentos em sua linearidade, faz parte da modalidade autonímica:

essa configuração enunciativa complexa corresponde ao desdobramento —

metaenunciativo — de um dizer que, em um determinado ponto, faz, ao mesmo

tempo, uso das palavras para falar de “coisas”, e um retorno, em menção, sobre essas

palavras tomadas como objetos. Nesses pontos específicos, o dizer é representado

como não funcionando naturalmente: o signo, em lugar de preencher neste dizer sua

função mediadora de forma “transparente”, através do apagamento de si mesmo,

interpõe-se como real, presença, corpo encontrado no percurso do dizer e ali se impõe

como seu objeto; a enunciação, em lugar de se realizar “simplesmente” no

esquecimento que acompanha as evidências inquestionáveis, se redobra em uma auto-

representação opacificante dela mesma. (AUTHIER-REVUZ, 2007, p. 12 – grifos da

autora).

Por seu turno, Botcharov e Gogotichvílli (2019, p. 73) complementam informando que:

quando estamos diante de uma reflexão metodológica de base dialógica, devemos partir

justamente dessa “tridimensionalidade da língua” (p.73), pois ela não pode ser considerada

apenas meio de comunicação, uma vez que, além disso, significa um meio de representação,

bem como um objeto dessa mesma representação. Por conseguinte, a reflexão de Authier-Revuz

(1998, 2011, 2017) sobre uma “autorepresentação” da palavra enquanto signo é possível pela

forma como o sujeito maneja esse discurso e transforma esse já-dito em objeto da enunciação.

Em nosso contexto, na realidade, a evocação/alusão do dizer se confunde com a própria

característica da definição de uma CP, visto que um dos critérios de inclusão nessa comunidade

diz respeito ao empreendimento e ao repertório partilhado. Neste quesito, fatores tais como

conhecimento compartido, recursos utilizados no agir ou na linguagem, a forma de se envolver

entre seus pares, são aptos a nos sinalizar como os membros de uma comunidade se integram

em um determinado grupo. Sendo assim, certos dizeres, socialmente evocados pelos membros

de uma comunidade, demarcam sua respectiva singularidade diante de outros grupos, por

exemplo.

Dito isso, por uma questão de recorte, trouxemos alguns exemplos pontuais que nos

indiciam como essa categoria é amplamente utilizada pelos membros de ambas CP (Quadro

42). Pontuamos que, em nossa compreensão, tal fenômeno se faz presente de forma recorrente

Page 338: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

337

em decorrência da essência da linguagem por meio de elementos, tais como: a referencialidade,

a exauribilidade e a discursividade constitutiva.

De fato, isso nos indica como as lembranças nos são preenchidas por esses ecos

dialógicos e sobre as possibilidades antecipadas de interpretação de determinados contextos

que aparentemente nos são distantes, pois a linguagem sempre parte de algo anteriormente

enunciado. Nesse sentido, Bakhtin nos deixou a lição de que “[...] Nas lembranças levamos em

conta até os acontecimentos posteriores (no âmbito passado), ou seja, percebemos e

interpretamos o lembrado no contexto de um passado inacabado. [...]” (BAKHTIN, 2017, p.

64).

Como a evocação ou a alusão se trata de um fenômeno essencialmente relacional entre

sujeito-autor/enunciador e interlocutores em sua interpretação, por vezes, essa pode não ser

recuperada, de modo a ocasionar desequilíbrios interlocutivos de um interdiscurso não

compartilhado. Assim, Authier-Revuz (2011) propõe que este fato se dá, especialmente, por

falta de memória compartilhada entre os sujeitos discursivos. Além disso, quando da realização

do fato alusivo, entendemo-lo como parte integrante da modalidade autonímica, pois palavras,

expressões ou trechos maiores que remetem a esse outro dizer podem vir por meio de uma

marcação topográfica (aspas, negrito, itálico, dentre outros recursos) ou por meio de fugas

metaenunciativas (por assim dizer; é possível dizer; X nos dois sentidos da palavra; X, é o caso

de dizê-lo; entre outros exemplos).

Em nosso contexto, conseguimos recuperar, portanto, alusões por parte dos discentes-

estagiários em seus respectivos fios discursivos que nos remetem a já-ditos. Por sua vez, esses

sintetizam o campo de atuação, os termos técnicos e a experiências formativas, por exemplo.

Assim sendo, apresentamos, no Quadro 42, alguns excertos, nos quais os discentes-estagiários

remeteram a algum fato alusivo.

Quadro 42 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: a evocação/alusão do dizer.

RELATÓRIO EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Fonte: FAO, 2009. (p. 08 – destaques do autor e sublinhado nosso)

[...] Com o passar dos dias, o hormônio contido no material introduzido na vagina seria

absorvido pelo corpo do animal e em seguida o animal passaria a apresentar os sinais de

cio. Para notar os sinais de cio e o momento propício para inseminar é muito importante

que exista uma mão de obra treinada e que reconheça os sinais de cio. [...] (p. 12 –

destaques nossos)

No setor de Caprinovinocultura em que passamos uma parte do estágio, encontramos um

rebanho de cerca de 310 cabeças de caprinos e ovinos, sendo que tinham animais das raças

caprinas Anglo Nubiano, Boer, Repartida, Sannen, Toggerburg, Parda Alpina e alguns

exemplares de Moxotó, além dos SRD. Entre os ovinos encontramos Dorper, Santa Inês e

Morada Nova. [...] (p. 19 – destaques nossos)

Page 339: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

338

REDO4 –

AGRO 02,

2017

A aftosa é uma enfermidade infectocontagiosa aguda com potencial de transmissibilidade

extremamente alto entre os animais susceptíveis, seu agente etiológico é: RNA vírus –

Família Picomavirdae – Gênero Aphtovirus. [...] (p. 07 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 02,

2018

Manejo sanitário das baias, alimentação das cabras, bodes, e ovelhas a base de capim e

ração balanceada, e dos cabritos enjeitados a base de leite de vaca. Projeto de implantação

de plantas forrageiras (moringa e gliricidia). Coleta de Ovos por Grama (OPG), tatuagem

com números, e limpeza da orelha de uma cabra. (p. 09 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 01, 2016

O trabalho em questão tem por função informar os trabalhos executados pelo aluno de

forma prática em um determinado período de tempo, fazendo utilizar conhecimentos

adquiridos na sala de aula no meio profissional e relatando a troca de experiência

adquiridas durante o período de estágio. (p. 08 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 02, 2016

[...] Essa obra contou com a assistência e fiscalização de profissionais do setor de

planejamento de obras da prefeitura, um técnico em edificações e uma engenheira civil,

contribuindo para melhor execução e assistência junto com os colaboradores. É de

conhecimento que a manutenção de um canteiro organizado resulta em limpeza e em

redução de desperdícios de materiais, ações como manter o canteiro limpo, organizando

corretamente os materiais, transportarem-nos com cuidado, e utilizando corretamente os

equipamentos de segurança individual (EPI) tem um valor significativo, no custo e até

mesmo na segurança de todos. (p. 15 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2016

A obra do piso para posto de combustíveis foi realizada no Posto Itamaraty em Salgueiro-

PE, próximo a BR-116. A construção em questão, seria a de um piso padrão para postos de

combustíveis, com a aplicação de “ilhas” para a locação das bombas (Figura 7). (p. 14 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2017

Para a elevação da qualidade geral da construção civil é imprescindível a existência de

memoriais de especificações, ensaios laboratoriais, desempenho dos elementos construtivos

e engajamento com a parte burocrática e teórica dos serviços que antecedem a construção,

visando garantir compras mais acertadas e precisas, obtendo-se um resultado com

qualidade mais elevada [...] (p. 04 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 03, 2017

Essa foi uma das últimas atividades realizadas no período vigente do estágio. Como foi

mencionado o laboratório de construção é bastante utilizado para pesquisas científicas e

aulas práticas, e essas atividades causam uma certa “bagunça” e desorganização no local.

Na maioria das vezes, os alunos pesquisadores não tem tempo ou consciência para realizar

a limpeza e organização dos equipamentos e materiais utilizados por eles. (p. 13 – destaques

nossos)

REDO2 –

EDIF 01, 2018

A figura 05 apresenta a etapa anterior ao início da execução da alvenaria, ou seja, o com

esquadrejamento da mesma. A linha vista na figura 05 diz que a alvenaria deverá seguir

reta a ela e também demarca o limite da parede. Já na etapa da construção da alvenaria

era verificado se as juntas respeitavam os padrões normatizados de 1 cm para junta

horizontal e 2 cm para junta vertical, garantindo que a alvenaria estivesse dentro dos

padrões além de garantir o alinhamento correto da alvenaria respeitando a distribuição de

cargas nela exercidas. (p. 12 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Diante da temática, no escrito de REDO2 – AGRO 01, 2016, salientamos duas marcas

de evocação a um já-dito. Ambas estavam correlacionadas ao vocabulário/ao repertório de

signos utilizados pelo universo da CP de Agropecuária (“FAO” e “SRD”). Nessa linha,

avultamos que o discente não explorou o significado dessas siglas, mesmo diante de uma

situação acadêmica como a produção do relatório de estágio, em que as normas técnicas

solicitariam dele a explicação dessas. Logo, ao construir essa alusão, o estudante-estagiário

partiu do pressuposto de que essas siglas representam “palavras” incorporadas ao léxico dos

sujeitos de seu grupo social. Consequentemente, segundo o entendimento deste aluno, o

Page 340: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

339

significado das siglas citadas seria algo de fácil compreensão no horizonte perceptivo de seu

interlocutor.

Conforme Authier-Revuz (2011), nestes casos, estamos diante de alusões de hiper-

seletividade, algo que ocorre quando o autor privilegia um pequeno grupo ou uma comunidade

ao indicar esse fato alusivo mesclado com sua intencionalidade discursiva. Isto posto,

informamos que FAO é a sigla da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações

Unidas, termo esse traduzido do inglês: “Food and Agriculture Organization (FAO) of the

United Nations”. Por sua vez, SRD é a sigla utilizada para a definição de “sem raça definida”,

termo que pode se referir a animais de diversas espécies e portes. Nesse contexto, os

interlocutores não pertencentes a esse grupo social certamente encontram maiores dificuldades

em recuperar essa evocação. Portanto, a ausência do significado das siglas nesse caso pode

ocasionar uma forma truncada de interação, pois é possível que a memória acerca desse

interdiscurso não seja resgatada de forma tão transparente.

De maneira similar, REDO4 – AGRO 02, 2017 faz a evocação da sigla “RNA” que

remete a questões de origem genética das células. Assim, a molécula de RNA se refere ao ácido

ribonucleico, uma molécula de importância na síntese de proteínas. Entendemos que esses

movimentos de alusões intencionais visam comprovar para o interlocutor a forma de

administrar os conteúdos apreendidos. Tal evocação ainda nos pode indicar que o estudante

domina o cotidiano de uma tarefa laboral, sobretudo, quando da narrativa dessas ações.

Nesse sentido, a expressão “Ovos por Grama (OPG)”, utilizado por REDO4 – AGRO

02, 2018, remonta a um conhecimento partilhado entre os membros dessa CP, pois na descrição

das atividades o interlocutor que (re)conhece esse campo de atuação entende que essa

designação é uma técnica veterinária para contagem de ovos por grama nas fezes dos animais.

A técnica é utilizada para identificar causas para verminoses que afligem os animais de criação,

por exemplo. A síntese dessa técnica por meio da alusão por meio da expressão “Ovos por

grama”, só é inteiramente completa na sua interpretação, quando se supera o limite linguístico

e segue para os elementos externos e contextuais do grupo. Conforme lição de Authier-Revuz

(2017, p. 27 – grifos da autora):

A alusão que “abre” no texto a brecha da resposta necessária de um interlocutor

desprovido do saber apropriado é, de certa forma, uma estratégia de fechamento de

qualquer interação possível, destinada a ser compreendida apenas por uma

comunidade adequada, justamente ali onde o empréstimo marcado, confinando o dizer

num implante exterior especificado no interior do dito, vai corresponder à auto-

suficiência de um dizer sem pré-requisitos quanto ao destinatário.

Page 341: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

340

No âmbito da CP de Edificações, observamos evocações a um já-dito partilhado entre

interlocutores de forma mais ampla. Assim, mesmo que um sujeito não faça parte desse grupo

social, os sentidos podem ser facilmente reconhecidos. Isto se dá porque, nestes casos, estamos

envoltos em uma situação de alusão mais amplas e capazes de retomar os já-ditos mais afastados

que possuem ecos dialógicos em distintas esferas de atuação (AUTHIER-REVUZ, 2011). Por

isso, trechos como: “sala de aula”, “é de conhecimento”, “parte burocrática e teórica” de

REDO2 – EDIF 01, 2016, REDO2 – EDIF 02, 2016 e REDO5 – EDIF 01, 2017,

respectivamente; visam a sintetizar por meio dessas expressões um cenário muito além do que

a compreensão literal poderia fazer desses elementos.

Nesse sentido, o termo “sala de aula” recupera todo o conhecimento travado e

vivenciado em um locus real, cujo espaço dessa construção ganha um novo significado, bem

como diferentes implicações para o sujeito discursivo e, consequentemente, para com o seu

interlocutor, comprovando que esse lugar/espaço social tem uma importância ímpar na

construção/formação do sujeito para além de seus muros.

Por sua vez, no uso da declaração “é de conhecimento”, temos uma espécie de expressão

cristalizada que constrói sua “auto-representação” enquanto objeto enunciativo. Isto acontece

porque o fato elucidado em seguida representa algo comum, partilhado entre os pares que

compõem aquele universo. Ou seja, constrói-se uma espécie de percurso sistemático de

“retornos reflexivos” (AUTHIER-REVUZ, 2017, p. 12). Assim, dizer “é de conhecimento”,

pressupõe que os sujeitos que integram a CP de Edificações possuem uma compreensão sobre

as formas de manutenção de um canteiro, por exemplo. E, de igual modo, encapsular a

expressão “parte burocrática e teórica” recupera uma memória partilhada, um horizonte social

e de valores que nos indiciam a alusão sobre como é imprescindível quando da construção de

uma obra ter em mente que essas não caminham distante da prática, mas são partes integrantes

inclusive para a efetivação de um projeto ético e sem problemas de execução.

Diante disso, as alusões provocadas por REDO5 – EDIF 01, 2016 e REDO2 – EDIF 01,

2018 revisitam a esses padrões que norteiam a prática profissional, ao estabelecerem parâmetros

de segurança para a execução de uma obra. Desse modo, “piso padrão”, “padrões

normatizados” e “dentro dos padrões”, resgatam a voz do rigor da segurança e da

confiabilidade estabelecida na ação vivenciada pelo discente para com o seu interlocutor. Nesse

processo, vamos compreendendo como a alusão colabora na produção autoral dos sujeitos ao

vislumbrar seu auditório social e, assim, conseguir a aprovação do relatório.

Outras evocações que utilizam marcas topográficas, como “ilhas”, em REDO5 – EDIF

01, 2016 e “bagunça”, em REDO5 – EDIF 03, 2017, revelam-nos, no primeiro caso, o

Page 342: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

341

reconhecimento de um termo técnico para o cumprimento da obra de acordo com suas

particularidades. Já, no segundo caso, a referência remete-nos à forma que socialmente é

compreendida a “falta de organização” que seria possível causar efeitos até mesmo de ordem

grave no cenário descrito, a saber: o uso de um laboratório. Ademais, esta última alusão carrega

forte carga valorativa sobre as atividades desenvolvidas nesse espaço e como consequência

valora seus atores, pelo não compromisso em “cuidar” desse local.

Em síntese, os sujeitos de ambas as CP utilizaram marcas alusivas ou de evocação por

meio de formas de modalização autonímica. O fenômeno se deu, de certo modo, por uma

espécie de empréstimo, pois o sujeito enunciou, mas o fez por meio de um já-dito de uma

correlação entre seus pares. Isso nos demonstra a tríade exposta por Bakhtin (2019a): o

enunciador, o interlocutor e o enunciado em si como objeto da enunciação. Esse último nos

fornece pistas do projeto de dizer de um direcionado a outro e que evoca discursos preexistentes.

Portanto, parafraseando Fuza (2015, p. 274), o sujeito-estagiário autor “[...] realiza escolhas

linguísticas considerando os efeitos de sentido que deseja criar.[...]”.

5.2.2.2.4 Reformulação do dizer

No eixo reformulação do dizer, encontramos movimentos de acentos e cores por meio

do sujeito enunciador ao reorganizar a voz do outro segundo a sua própria perspectiva de seu

projeto enunciativo. Neste contexto, segundo nos evidencia Volóchinov (2018, p. 258): “[...] A

língua elabora um meio de introdução sutil e flexível da resposta e do comentário autoral ao

discurso alheio. [...]”. Logo, essa voz se inclina a uma “[...] decomposição da integridade e do

fechamento do discurso alheio, à sua dissolução e ao apagamento das suas fronteiras. [...]”.

Tal movimento dialógico torna as formas de presença do outro um pouco mais

elaboradas e tênues pelo sujeito autor, pois esse precisa empreender também um certo esforço

interpretativo sobre o conteúdo expresso pelo já-dito. Sintaticamente, o discurso segue uma

linearidade, uma organização homogênea: ou seja, o discurso citado indireto e casos de

modalização em discurso segundo sobre o conteúdo são característicos desta etapa.

Sobre este aspecto, Volóchinov (2018, p. 270) nos provoca a pensar que, nessa forma

de realização do discurso indireto, temos inevitavelmente uma escuta de maneira distinta do

enunciado alheio. Isso ocorre porque o sujeito o percebe de forma ativa e o atualiza ao transmitir

essa palavra impregnada por outros aspectos e tons próprios. Por outro lado, como fato

interpretativo do discurso alheio, partimos do pressuposto, assim como Bessa (2016, p. 242),

de que esse movimento do sujeito-autor teria uma maior liberdade ao reescrever “[...] as ideias

Page 343: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

342

do outro, sintetizá-las, avaliá-las e manipulá-las, apresentando as palavras expressas pelo outro

sob o filtro de sua compreensão. [...]”.

Entretanto, na condição de jovens produtores, neste contexto enunciativo de nosso

estudo, os alunos-estagiários nos deixam transparecer somente pequenos movimentos

interpretativos, sem maiores profundidades na reflexão desse dizer recuperado. Na realidade,

essa característica, presente em ambas as CP, parece-nos apenas responder àquela

obrigatoriedade exposta no GETA e no MRCT. Tal incumbência, refere-se à inserção de um

diálogo sobre o conhecimento acadêmico adquirido ao longo da sua formação e que se some às

vivências do estágio.

Em outras palavras, os discentes costumam se inclinar a responder a essa

“obrigatoriedade” ao informar ao seu interlocutor que fez tal reflexão pautada em uma voz de

respaldo. Entretanto, essa resposta nos transferece ser tão somente para “cumprir” um “ritual”

acadêmico, sobretudo, para definir termos ou técnicas. Nessa linha de pensamento, o discurso

indireto por meio da modalização em segundo sobre o conteúdo é algo recorrente entre os

relatórios investigados, conforme exposto em nosso breve recorte por meio do Quadro 43.

Quadro 43 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reformulação do dizer.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Apresentação

[...] Petrolina está inserida na Rede Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina/Juazeiro

(RIDE), o que beneficia o aumento da oferta de emprego, renda e diversificação da produção

local. Em relação aos demais municípios do estado, Petrolina é o maior produtor de manda, o

maior produtor de uva, o maior produtor de goiaba, o 3º maior produtor de banana e 7º maior

produtor de coco (Censo Demográfico, 2010). [...] (p. 05 – destaques nossos)

Introdução

A produção agrícola e pecuária Brasileira é responsável por 26% do PIB (Produto Interno

Bruto), além disso, responde por cerca de 36% das exportações Brasileiras, gerando cerca de

40 milhões de empregos. Na pecuária, os avanços tecnológicos, especialmente em genética,

nutrição, manejo e sanidade, foram o principal determinante para o aumento da produtividade

animal.

Os contínuos ganhos de produtividade na pecuária contribuíram significativamente para o

aumento da produção (11%) e exportação (18%) brasileira de carnes, no período de 2005 a

2010. Nesse mesmo período, registra-se o aumento da produção (20,8%) e da exportação (30%)

de carne de aves, além da exportação de carne de suínos (21%) (MAPA, 2012).

[...]

A carne suína é a mais consumida do mundo, sendo um alimento de excelente qualidade. Em

critérios de importação, o Japão, Federação Russa e México, lideram este quesito. Entre os

exportadores a União Europeia lidera este segmento, sendo seguido pelos Estados Unidos,

Canadá e Brasil (FERREIRA, 2012). (p. 07 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Segundo dados do IBGE (2009), a região que mais produziu leite no Brasil no ano de 2007 foi

à região sudeste que respondeu por 37,5% da produção nacional (9,8 bilhões de litros), seguida

pela Região Sul com 28,7% (7,5 bilhões), o centro oeste produziu 14,5% (3,8 bilhões), a região

Nordeste produziu 12,7% (3,3 bilhões) e o Norte produziu 6,6% (1,7 Bilhões de litros). (p. 09 –

destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Page 344: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

343

Segundo Silva (2006), o ciclo estral da vaca é composto por quatro fases distintas, são eles:

Proestro – Período no qual ocorre a maturação folicular, com duração de três dias, estro –

período do cio em que ocorre ruptura do folículo e a liberação do óvulo, ou seja, ovulação que

ocorre de 10 a 14 horas após o término do cio, cuja duração média é de 18 horas, podendo

variar de 12 a 36 horas; metaestro – período em que o folículo vazio se transforma em uma

estrutura conhecida como “corpo amarelo”, cuja duração é de 8 a 10 dias, e anestro ou diestro

– período de inatividade dos órgãos sexuais cuja duração é de 8 a 10 dias. (p. 12 – destaques

do autor e grifos nossos)

REDO4 –

AGRO 04,

2017

Atividades desenvolvidas

Segundo (Adolfo Brito, 2016) a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) é o passaporte para

que agricultores e agricultoras familiares tenham acesso às políticas públicas do Governo

Federal. Com o odocumento, é possível ter acesso a mais de 15 políticas públicas, dentre elas

o crédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a

Politica Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural entre outros[...] (p. 07 – destaques

nossos)

REDO4 –

AGRO 06,

2017

Atividades desenvolvidas

Segundo (Berckmans, 2004) a pecuária de precisão, no contexto dos ecossistemas pastoris, é

a forma moderna de gerenciar os sistemas de produção animal a pasto. Consiste na mediação

de diferentes parâmetros dos animais, a modelagem desses dados para selecionar a informação

que quer, e o uso desses modelos em tempo real visando o monitoramento e o controle de

animais e rebanhos. (p. 06 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 03,

2017

Atividades desenvolvidas

A fossa séptica foi feita de acordo com as determinações do projeto. Sua construção começa

com o procedimento de escavação, compactação e nivelamento do fundo com uma camada de

cinco centímetros de concreto magro, sobre o concreto magro é feito uma laje de concreto. A

figura 07 a seguir demonstrar a construção do tanque séptico (fossa).

Suas paredes são foras feitas com bloco cerâmico. Foram obedecidos todos os parâmetros para

a construção, estabelecidos de acordo com as normas NBR 7229 e 13969 que regem as regras.

As figuras 07 e 08 apresentam as alvenarias e a construção da laje de cobertura do tanque

séptico respectivamente. (p. 12 – 13 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 03,

2017

Atividades desenvolvidas

A NBR 9779 prescreve o método para determinação da absorção de água, através da ascensão

capilar, de argamassa e concreto endurecidos.

O ensaio consiste em colocar corpos de prova de concreto ou argamassa mergulhados em uma

camada de 5 mm de água acima da sua face inferior (ver figura 5), e a partir daí determinar a

massa observando a reação do corpo de prova em contato com a água, com 3h, 6h, 24h, 48h e

72h, mantendo a camada de água constante a (5 +/- 1) mm, em cada horário. O

acompanhamento do ensaio foi realizado a partir desta etapa de pesagens, onde realizei as

pesagens nos devidos horários com o auxílio da técnica de laboratório. (p. 11 – destaques

nossos)

REDO5 –

EDIF 04,

2017

Atividades desenvolvidas

3.3.3 Planta de Locação

“Planta que compreende o projeto como um todo, contendo, além do projeto de arquitetura, as

informações necessárias dos projetos complementares”, NBR 6493 (1992). Ou seja, locar a

construção dentro do terreno, no caso do presente trabalho a planta de locação é feita na planta

de situação, como ser visto na Figura 20 do projeto que será apresentado, localizado em

Serrita-PE. (p. 13 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Dito isso, REDO2 – AGRO 01, 2016, por exemplo, ao construir seu percurso discursivo

para apresentar a região onde desenvolveu seu estágio, expôs o entorno da cidade de Petrolina.

Para tanto, recuperou uma voz socialmente aceita que garantiu respaldo sobre as informações

sintetizadas e compartilhadas, a saber: o censo demográfico de 2010. Nisso, visualizamos de

que forma o produtor desse enunciado reelaborou os dados estatísticos para caracterizar a

Page 345: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

344

importância de Petrolina para região. Da mesma forma, avultamos que, em outras seções de seu

relatório, o referido discente-estagiário utilizou a mesma estratégia discursiva. Entretanto, para

o nosso recorte, destacamos somente esse movimento na seção de introdução e de atividades

desenvolvidas.

Assim, nessas seções, o estagiário buscou outra voz de respaldo: o MAPA – Ministério

da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, reelaborando os dados estatísticos propostos por tal

instituição e evidenciando a importância da “produção agrícola e pecuária” no Brasil. Neste

tópico, o aluno também referenciou o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística por

meio de uma listagem, em uma espécie de “ranking” composto pelos dados expostos.

Entendemos que, mesmo se tratando de uma reelaboração da linguagem, o discente manteve

uma concordância com esses dizeres. Da mesma maneira o estudante o fez ao citar “Ferreira,

2012” como o autor de uma de uma informação compartilhada sobre a importação da carne

suína ou quando traz por meio de uma clara modalização autonímica do discurso segundo a

partir do dizer: “Segundo Silva”, ao elencar as características do ciclo estral da vaca.

Entretanto, na citação em “Ferreira, 2012”, não há uma profundidade ou reflexão sobre

esse dizer. Por outro lado, ao reformular o dizer de “Silva (2006)”, o estagiário visou explicar

as características de cada fase do ciclo proposto pelo autor a que fez referência, mas utilizou

para isto suas próprias palavras. O uso do “ou seja” como uma marca metaenunciativa e, ainda,

a imagem utilizada como fonte de Silva (2006), logo após essa explicação por parte do discente,

revela-nos essa peculiaridade de reformular esse dizer, mesmo que sob a forma de

concordância.

Nesse contexto, REDO4 – AGRO 04, 2017 e REDO4 – AGRO 06, 2017, também por

meio da modalização em discurso segundo sobre o conteúdo, buscaram explicar,

respectivamente, os efeitos sobre a obtenção do DAF e a definição sobre o que seria pecuária

de precisão. Assim, o DAF, ou Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (Pronaf), segundo o estudante, “é o passaporte para que agricultores

e agricultoras familiares tenham acesso às políticas públicas do Governo Federal”. Por sua

vez, o outro aluno escreveu sobre a pecuária de precisão que essa “é a forma moderna de

gerenciar os sistemas de produção animal a pasto”. Assim, para além disso, os discentes

buscaram desenvolver, ainda que de forma rudimentar, os desdobramentos dessas definições

recuperadas pelo dizer do outro.

Por outro lado, nos excertos em destaque, os relatórios analisados da CP de Edificações

demonstraram tendência a explorar essa reformulação do dizer, explicando na prática como isso

pode ser executado. Ou seja, ao indicar a fonte do seu dizer, os discentes travaram um diálogo

Page 346: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

345

de concordância: entretanto, o fizeram pensando em como adaptar o que havia sido dito por

essa voz de autoridade de modo a garantir certo respaldo para o seu contexto de vivência

profissional.

O estudante identificado como REDO2 – EDIF 03, 2017, por exemplo, utilizou a

modalização autonímica em discurso segundo sobre o conteúdo, pois as regras que “regem”

aquela ação, asseguraram-lhe nas tomadas decisivas diante de sua execução. Nesse sentido, as

“NBR 7229 e 13969” tratam, respectivamente, de projeto, construção e operação de sistemas

de tanques sépticos, além de tanques sépticos como unidades de tratamento complementar e

disposição final dos efluentes líquidos, são recuperadas para demonstrar que a narrativa

coaduna com essas bases legais. Porém, é neste quesito que entra a reelaboração desse dizer.

Assim, neste aspecto, entra a relaboração desse dizer, pois o discente o faz segundo sua

perspectiva e sua experiência que não foge daquele dizer fonte.

De forma análoga, REDO5 – EDIF 03, 2017 explorou a NBR 9779 (argamassa e

concreto endurecido) para explicar o método de absorção da água em determinados contextos

laboratoriais. Com efeito, essa voz de respaldo foi recuperada e reformulada para explicar a

técnica utilizada. No caso, o discente explicitou valores diferenciados, mas possíveis de

execução segundo proposto por aquela NBR. Assim, o estudante prosseguiu com a narrativa,

dizendo ao interlocutor como foi possível construir o ensaio, seguindo o já-dito.

Por sua vez, a aluna identificada como REDO5 – EDIF 04, 2017 utilizou uma citação

direta da NBR 6493 (1992) e buscou exemplificar com suas palavras a explicação técnica sobre

o que seria uma planta de locação. De forma semelhante à utilizada por REDO2 – AGRO 01,

2016, a estagiária fez uso da marca metaenunciativa “ou seja” para sintetizar sua definição

sobre “locar a construção dentro do terreno.” Além disso, a fim de enriquecer sua explicação,

a discente-estagiária ainda anexou ao relatório uma imagem de seu acervo pessoal para

demonstrar a execução dessa técnica.

Isto posto, destacamos que nosso propósito em observar as características de

recuperação do outro no fio discursivo muito se alinha em compreendermos esse jovem

produtor de texto segundo um contexto peculiar. Dessa maneira, a esfera acadêmico-

profissional, guarda-nos uma singularidade tanto de reacentuação quanto de valoração do seu

dizer, pois esse contexto pode apontar, por exemplo, de que forma o autor demarca o seu estilo

e a sua voz autoral, além de como se comporta frente a imposições sobre como dizer e como

narrar a sua própria experiência. Mais ainda, essas RD vislumbradas nos mostram e nos

indiciam um dos elos que retoma a própria constituição dos grupos frente as suas CP. Neste

aspecto, Bakhtin (2018, p. 237) afirma que: “[...] o discurso do herói sobre si mesmo se constrói

Page 347: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

346

sob a influência direta do discurso do outro sobre ele”. Logo, a compreensão sobre as formas

de presença desse outro também se manifestam no fio discursivo de modo a singularizar os

próprios grupos investigados.

5.2.2.3 A dimensão interdiscursiva por meio das RD

Para Bakhtin (2018, p. 209), “[...] Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo

de emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística etc.), está impregnada de

relações dialógicas. [...]”. Nesse sentido, as RD são estudadas segundo o seu campo do discurso

e isso não significa negar os aspectos linguísticos que auxiliam a compreensão desse naquele

fenômeno, mas precisamos somar esses aspectos e saber que nessas relações se encontram

posições de sujeitos, valores implicados e ideologias, por exemplo, já que tratamos do discurso.

Assim, ao longo de nossa reflexão, percebemos que nem sempre é possível

recuperarmos a presença do outro no fio discursivo por meio de formas de inserção da voz

alheia, tal e qual o discurso direto, o indireto ou o indireto livre. Ademais, para além dessas

formas, existem outros fenômenos que se associam de um lado a esse viés mais explícito e,

outro, que tende a forma de diálogos mais profundos e complexos (SANCHES, 2009). Nesse

sentido, Brait (2012c, p. 94) aponta que nas minúcias estilísticos-discursivas do enunciado é

que nos é possível recuperar os “[...] aspectos que marcam a presença/ausência e a entonação

de cada uma das vozes, as consciências em conflito, a tensão, os planos de diluição/demarcação

de fronteiras.”.

Dito isso, ressaltamos que, como fenômenos quase universais, as RD “[...] penetram

toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana [...]” (BAKHTIN,

2018, p. 47). Dessa forma, não há um discurso como à ideia de um Adão mítico, uma vez que

estamos sempre ouvindo e respondendo a outras vozes (próximas ou distantes). Logo, nessa

inegável constituição do enunciado, que convoca, por um lado, o outro nesse fio discursivo,

alteridade constitutiva; por outro lado, estamos também reverberando uma interdiscursividade

instaurada por meio de uma presença de já-ditos que ecoam nesse âmago dialógico (AUTHIER-

REVUZ, 2008, 2011, 2017).

Ademais, reforçamos que em nossa constituição identitária, como ressalta o primado

bakhtiniano, somos seres responsivos e respondentes. Desse modo, diante do nosso contexto

específico de análise, os discentes são e foram chamados a produzir o gênero relatório de estágio

como uma grande resposta ao seu próprio contexto formativo. Assim sendo, destacamos que as

fronteiras das RD, nem sempre nítidas, e que as interpretações selecionadas para análise

Page 348: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

347

representam também um ponto de vista da pesquisadora sobre esse fenômeno ao conceber o

papel das linguagens e dos sujeitos na construção dos sentidos em um contexto específico.

Nesse papel sobre a dimensão interdiscursiva, o recorte oferecido segue um olhar mais atento

sobre as pontes possíveis entre os discentes das duas CP (Agropecuária e Edificações). Com

efeito, essas ligações revelam por meio do discurso os letramentos vivenciados pelos discentes,

em especial, compreendendo uma ponte com os letramentos acadêmicos-profissionais.

Isto posto, detalhamos as cinco RD que conseguimos recuperar em nosso processo de

escuta do corpus, segundo ainda o campo de produção e recepção do gênero relatório de estágio

por meio dos sujeitos ali implicados (discentes de EMI de cursos diferentes)175, a saber: o

diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional; a concordância com discursos alheios;

a relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente; a relação com outros

saberes e competências; e o (re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na

formação.

5.2.2.3.1 Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional

Neste ponto, tomamos como norte o entendimento de que nas RD com o conhecimento

acadêmico e profissional os discentes dialogam com seus interlocutores mediadores dos

letramentos ou acionam outros discursos acerca do saber científico e/ou do âmbito laboral de

modo a reconhecê-los como vozes de verdades absolutas, intactas ou inquestionáveis. Nessa

relação, o diálogo é travado e tomado como um conhecimento consensual pelos membros de

uma determinada CP. Assim, ocorre a tendência à generalização de assuntos, bem como à

utilização de certas referências abrangentes quando da contextualização da atividade a ser

executada ou ainda a possibilidade de “ausência de referências bibliográficas explícitas”

(FUZA, 2017, p. 211) sobre um dado assunto.

Diante dessas características, informamos que esse tipo de RD foi uma das mais

recorrentes, uma vez que esteve presente em todos os relatórios de estágios investigados. Tal

recorrência foi observada, especialmente, nas seções de introdução e das atividades

desenvolvidas. A título de exemplificação, os Quadros 44 e 45 reproduzem alguns excertos da

seção das atividades desenvolvidas, cujas ocorrências seguiram essas particularidades em torno

de generalizações e de um aparente acordo tácito entre seus membros.

175 De maneira distinta dos trabalhos de Sanches (2009) e Fuza (2015) – trabalhos que investigaram o gênero artigo

científico, efetuamos um outro trabalho de escuta diante do nosso corpus com adaptações nas RD que

evidenciamos em nosso contexto.

Page 349: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

348

Em REDO2 – AGRO 01, 2016, o discente partilhou a compreender a dinâmica de seu

grupo social e trouxe uma espécie de receita de “sucesso produtivo”, pois “para qualquer ramo

de produção” seria suficiente o domínio sobre as três formas de manejo (sanitário, reprodutivo

e nutricional) para que se atingisse “a expectativa criada pelos órgãos de controle”. Com isso,

o sujeito-estagiário remeteu a uma generalização correlacionada tanto ao conhecimento

acadêmico sobre essas formas de manejo pecuário, quanto à sua vivência no mundo do

trabalho/campo profissional.

Acerca do último ponto, o aluno buscou demonstrar ao seu interlocutor mediador dos

letramentos mais próximo, o orientador, sua compreensão sobre as exigências legais

enfrentadas pelos produtores na criação de animais. Nessa mesma linha de pensamento, as

generalizações que tenderam a afirmar os conhecimentos tácitos e consensuais desse grupo

também estiveram presentes no relatório em questão. Tal presença se deu quando o discente-

estagiário recuperou o contexto dos sinais de cio no animal e as formas de melhor adequação

para a inseminação desse, por exemplo.

Portanto, assim como no trecho demonstrado anteriormente, no qual o uso do verbo

“ser” somado a um adjetivo qualificativo de relevância (é essencial) foi utilizado, esse mesmo

movimento foi concebido ao dizer que “é muito importante” existir “uma mão de obra treinada

e que reconheça os sinais de cio”. Porém, não há um desenvolvimento sobre o que o aluno-

estagiário entenderia por “mão de obra treinada”. A observação não parecia propor uma maior

reflexão, mas apenas transmitir essa generalização como uma verdade anteriormente

estabelecida entre seus pares.

Quadro 44 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Agropecuária.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Atividades desenvolvidas

Para qualquer ramo de produção pecuária obter sucesso produtivo, é essencial que as três

formas de manejo sejam conciliadas e bem executadas dentro do plantel, são eles, manejo

sanitário, manejo reprodutivo e manejo nutricional, assim a produção cresce de forma que

gere um bom lucro ao produtor e o alimento produzido e o alimento produzido seja de boa

qualidade, atingindo a expectativa criada pelos órgãos de controle. (p. 10 – destaques

nossos)

Atividades desenvolvidas

[...] Com o passar dos dias, o hormônio contido no material introduzido na vagina seria

absorvido pelo corpo do animal e em seguida o animal passaria a apresentar os sinais de

cio. Para notar os sinais de cio e o momento propício para inseminar é muito importante

que exista uma mão de obra treinada e que reconheça os sinais de cio. Neste caso havia

uma falha no setor de bovinocultura, pois o trabalhador responsável pelo setor se dividia

entre o curral e a instalação de trituração de volumoso, isso impedia que o trabalhador

estivesse em contato co os animais em uma boa parte do tempo. Após isso, as vacas foram

direcionadas para o contentor de animais de grande porte, para serem submetidas ao

procedimento de inseminação artificial, ilustração 3. (p. 12 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Page 350: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

349

REDO2 –

AGRO 01,

2017

3.2.4 Qual o aprendizado desenvolvido com a atividade?

Temos que cumprir a legislação estadual de inspeção sanitária animal. Caso contrário

será aplicado às devidas punições. (p. 07 – destaques nossos)

REDO2 –

AGRO 02,

2017

Atividades desenvolvidas

A dosagem é feita da seguinte forma:

Para bovinos e ovinos: aplicar por meio de injeção subcutânea na dose de 1mL para cada

50 kg de peso vivo, o que proporciona a administração de 200 µg/Kg de peso vivo de

Ivermectina MERIAL.

Em ovinos, no tratamento da sarna psoróptica, recomenda-se administrar duas doses com

intervalo de 7 dias. [...] (p. 12 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 06,

2017

Atividades desenvolvidas

Os números apontam que (United NationsSteifeldet al. 2006) a pecuária sob pastejo ocupa

26% da superfície terrestre, e que a pecuária tem levado a degradação de 20% das

pastagens e terras de pastagens (73% dos pastos em áreas secas). Independentemente da

produção de gado produzir impactos maiores ou piores que outros setores, o fato é que a

pecuária gera enormes benefícios para os seres humanos, mas também tem

consequências negativas sobre a terra. Assim, é necessário melhorar os sistemas pecuários

para minimizar impactos ambientais, mantendo alta produtividade, qualidade e eficiência

energética. (p. 06 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

A dosagem de medicamentos tem que ser adequada nem mais e nem menos, se

desobedecer as instruções o seu animal terá alguns problemas como não conseguindo se

curar ou levando a morte, alguns produtores ainda são dos tempo antigo onde o remédio

para aquela doença não sao os de uma farmácia veterinária, mais os que te ensinaram a

fazer retirados da natureza. (p. 07 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 02,

2018

Atividades desenvolvidas

Antes da implantação foram feito pesquisa sobre as duas forrageiras, clima, cuidados com

as plantas, irrigação e principalmente o valor nutricional de cada uma para suprir a

necessidade dos animais, por quanto tempo levaria para começar a dar como alimento.

Fazendo toda preparação de uma área desativada do campus perto do setor de

caprinovinocultura. A OPG foi retirado no mínimo duas gramas de fezes de cada matriz,

colocado num recipiente plástico com a identificação do animal (característica física,

número e raça), depois levada ao laboratório para que o médico veterinário analisasse e

em seguida dos resultados aplicação da vermifugação. Para a tatuagem nos animais é bem

parecida com a tatuagem humana, foi feita na orelha esquerda de cada animal (matrizes

e reprodutores), colocando uma tinta permanente própria para tatuagem na região da

orelha e depois vindo com o número numa máquina própria para essa função e apertando

na região da tinta na orelha. Depois da orelha amputada precisava fazer a limpeza todos

os dias limpando com o algodão molhado com água, em seguida passando pomada para

infecção e mata bicheira. (p. 09 – 10 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

REDO2 – AGRO 01, 2017, de forma análoga, recuperou uma voz de autoridade,

especialmente, quando da atuação laboral: “a legislação estadual de inspeção sanitária

animal”. Entretanto, além de não explorar os efeitos dessa normativa, o discente-estagiário não

mencionou as referências utilizadas. Nesse sentido, o autor do relatório pressupôs que seu leitor

também partilhasse do conhecimento do documento legal citado. Neste caso, ele pressupõe que

o interlocutor conheceria também as “devidas punições” do descumprimento daquele aspecto

legal, indiciando-nos como certos conhecimentos foram/são pré-estabelecidos entres os sujeitos

que compõem determinada área do saber.

Page 351: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

350

Dito isto, ressaltamos uma singularidade digna de reflexão inserida no relatório de

REDO2 – AGRO 02, 2017: ao dizer que “A dosagem é feita da seguinte forma”, a aluna tratou,

por um lado, de um conhecimento acadêmico, e, por outro, o profissional. Porém, ratificamos

que essa discente-estagiária não tem o “poder” ou a formação específica para receitar os

remédios, visto que tal situação seria possível somente após sua graduação na área veterinária,

por exemplo. Dessa forma, ao recuperar o dizer de maneira genérica e sem trazer maiores

referências, a estudante-estagiária dedicou-se a explorar alguns dados da bula do remédio

selecionado para exemplificar a forma de administrá-lo (Ivermectina MERIAL). Para

chegarmos a essa compreensão foi preciso retomarmos o início da seção e entendermos que a

autora expôs características do medicamento e as formas de uso com que teve contato na

experiência do estágio.

Outro ponto que destacamos diz respeito à continuidade, pois a estagiária utilizou a voz

passiva para aconselhar sobre essa forma de administrar esse remédio, em “recomenda-se”.

Assim, como nos lembra Sanches (2009) e Fuza (2017), o uso da voz passiva ou índice de

indeterminação do sujeito é uma característica dessa relação, especialmente, consensual com a

academia.

Em outro exemplo, temos também essas generalizações, uma vez que REDO4 – AGRO

06, 2017, no primeiro trecho, não expôs uma referência explícita da origem da informação

fornecida. Neste caso, ocorreu uma personificação sobre o que dizem os dados, por meio da

expressão “Os números apontam que”. Em continuidade, o discente-estagiário não refletiu

sobre sua compreensão em torno dos benefícios que a pecuária oferece para o ser humano,

tampouco suas consequências negativas. De todo modo, o estudante partiu do pressuposto de

que seus interlocutores (reais ou presumidos) compreenderiam prontamente sua ideia.

Dessa mesma maneira, o discente demonstrou tendência a generalizar e demonstrar

indecisão sobre suas afirmações. Isto nos transpareceu quando o discente afirmou “nem mais e

nem menos”, quando poderia apenas dizer sobre seguir a dosagem indicada. Em seguida, o

estudante afirmou que se “desobedecer” a indicação da dosagem, o animal poderia não se curar

ou morrer. Contudo, sob o ponto de vista semântico, a afirmação carece de um maior

esclarecimento sobre essas diferenças. Assim sendo, o discente recuperou um diálogo com o

conhecimento acadêmico associado à prática profissional, pois supôs que muitos criadores são

avessos, por vezes, à utilização das substâncias prescritas por médicos veterinários (REDO4 –

AGRO 06, 2017).

No último exemplo de nosso recorte dessa CP, encontramos no relatório de REDO4 –

AGRO 02, 2018 uma generalização que busca a comparar a “tatuagem”, feita em humanos,

Page 352: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

351

com um procedimento realizado em animais. Desse modo, a discente-estagiária formulou sua

comparação visando contemplar não somente os interlocutores que conhecem essa técnica, mas

buscou se aproximar de outros leitores possíveis de seu estudo. Diante desse contexto, a

estudante teceu uma comparação um tanto grosseira a fim de facilitar a compreensão de seu

leitor.

Reforçamos que, diferentemente dos trabalhos de Sanches (2009) e Fuza (2015), nos

quais essas generalizações e a adequação do estudo partem das peculiaridades segundo a

característica do gênero artigo científico, as autoras informam que o ato de generalizar tende a

não considerar a marcação de pessoalidade, apagar a figura do sujeito, sobretudo, “[...] ao

utilizar voz passiva, verbos com partícula apassivadora “se”, verbos no infinitivo que não

permitem determinar a pessoa do discurso.” (FUZA, 2017, p. 212). Contudo, em nosso

contexto, nos relatórios investigados de ambas as CP, o que sobressai é a personificação de

objetos e/ou de ações, revelando, assim, uma certa marca estilística sobre enunciar-se ou ainda

sobre criar certas afirmações.

Nessa ótica, destacamos que, na CP de Edificações, por exemplo, temos outra

peculiaridade em torno dessas generalizações. Neste caso, os discentes costumam explicar

termos e técnicas com suas próprias palavras, transparecendo o diálogo como conhecimento

adquirido e de verdade absoluta entre seus membros. Por isso, nos relatórios de REDO5 – EDIF

01, 2016, REDO2 – EDIF 03, 2017, REDO5 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 04, 2017

encontramos as definições trazidas por esses sujeitos-estagiários sobre o que seria muro de

arrimo, pisos intertravados, poligonal topográfica e AutoCad, respectivamente. Diante disso, os

exemplos retirados desses relatórios, de forma distinta dos excertos expostos na CP de

Agropecuária, buscaram desenvolver a explicação sobre aquele termo recuperado,

demonstrando tanto um diálogo com o conhecimento acadêmico, como o profissional, mas sem

trazer as referências sobre a origem daquele assunto.

Quadro 45 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Edificações.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO5 –

EDIF 01, 2016

Atividades desenvolvidas

O terreno da obra tinha grande declive, por isso foi necessário aplicar a estrutura do muro

de arrimo, com função de conter o aterro até o nivelamento. O muro de arrimo é um tipo

específico de muro que serve para suportar as cargas provenientes do aterro, além de isolar

o terreno, nesta obra o muro foi feito em alvenaria, com a presença de vigas e pilares. (p.

12 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 02, 2017

Atividades desenvolvidas

Em obras públicas, a fiscalização assume papel fundamental e social, pois deve garantir

que os gastos dos recursos públicos destinados à obra seja baseado em princípios de

economicidade, eficiência e eficácia. [...] (p. 14 – destaques nossos)

Page 353: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

352

REDO2 –

EDIF 03, 2017

Atividades desenvolvidas

Os pisos intertravados são materiais que simplesmente substituem os paralelepípedos

graníticos em obras de pavimentação. Os blocos utilizados foram produzidos na obra

utilizando traços pré-estabelecidos. Esses tipos de pavimentos apresentam várias vantagens

em sua utilização como, por exemplo, a baixa complexidade de execução e menor custo,

além de promoverem maior aderência dos materiais convencionais, aumentando a

segurança, principalmente em dias chuvosos tendo uma melhor característica de infiltração

da agua nos setores urbano.

As desvantagens mais conhecidas da utilização desse tipo de revestimento é que eles

proporcionam desconforto aos usuários, devido ás trepidações promovidas pelas

irregularidades da superfície. A figura 03 apresenta o registro da aplicação do coxão de

areia para assentamento das pedras Inter travadas. (p. 10 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2017

Atividades desenvolvidas

Para a realização do devido ensaio, foram apenas necessários: o conjunto de peneiras das

séries normal e intermediária e o paquímetro com resolução de 0,1 mm aferido;

Então, para a separação do material para a realização do ensaio, atentou-se para as

exigências da Norma MERCOSUL 26 e 27, tendo em vista a empregabilidade da tabela,

que pré-determina o diâmetro de acordo com a massa da amostra separada anteriormente,

como pode ser observado na tabela 1. (p. 08 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 03, 2017

Atividades desenvolvidas

A poligonal topográfica é um procedimento de apoio ao levantamento topográfico, que

tem como objetivo o transporte de coordenadas de pontos de apoio conhecidos,

determinando assim as coordenadas dos pontos que compõem a figura geométrica da área.

Com base nos dados obtidos a partir da poligonal aberta, foi gerada a planta topográfica.

(p. 08 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 04, 2017

Atividades desenvolvidas

O AutoCAD produto licenciado da AutoDesk, um software de tecnologia de Desenho

Assistido por Computadores (CAD), é uma ferramenta disseminada no âmbito de

desenvolvimento de projetos, e é muito importante saber usá-lo para um técnico em

edificações. [...]

Para executar comandos no programa é algo simples, quando têm-se conhecimento prévio

de seus principais comandos, esses são Line (L), Rectangle (REC), Circle (C), Arc, Mirror

(MI), Copy (CP), Dimension, Dist (D), Move (M), Trim (T) Text e Option (OP), saber

configurar Layers e Plot (imprimir), esses podem ser utilizados também com o acesso a

barra de tarefas na parte superior, porém para se produzir alguma arte é crucial o

conhecimento preliminar em desenho técnico, voltando-se para a área em desenho

arquitetônico. (p. 06 – 07 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 01, 2018

Atividades desenvolvidas

Seguir o que foi descrito no projeto é uma das atividades mais rigorosas dentro do ramo

da construção civil já que esta é quem garante que o produto será igual ao exigido pelo

cliente, tive a oportunidade de garantir que a obra fosse executada tal qual descrito no

projeto e sempre dentre os critérios das normas e mantendo o controle de qualidade da

construção apreendido durante o curso de Edificações. (p. 09 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Prosseguindo a análise, observamos que, em REDO2 – EDIF 02, 2017, temos um

exemplo de como esse diálogo com o conhecimento acadêmico é tomado de forma reconhecida

entre os membros. Assim, ao abordar sobre “os gastos dos recursos públicos destinados à obra”

deve se pautar em “princípios de economicidade, eficiência e eficácia”, o discente-estagiário

não mencionou a origem do dizer sobre esse pilar. Na realidade, o estudante apenas recuperou

uma verdade que circula e é de conhecimento tácito entre seu grupo social.

Page 354: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

353

De maneira análoga, em REDO2 – EDIF 03, 2017, além de trazer sua compreensão

sobre o que seria o conceito de piso intertravado, no desenvolvimento de sua exposição, o

estagiário traz a seguinte afirmação: “As desvantagens mais conhecidas da utilização desse tipo

de revestimento é”. Ao remontar a expressão “mais conhecidas”, o aluno também inseriu a voz

de seu grupo social, visto que as desvantagens mais famosas certamente só serão conhecidas

por eles e não por qualquer outra pessoa de outro grupo.

Por sua vez, em REDO5 – EDIF 01, 2017, o discente “apagou” a figura do sujeito e

utilizou a voz passiva para informar que “atentou-se para as exigências da Norma MERCOSUL

26 e 27”. Contudo, o estudante não explicou o que essa norma explora, demonstrando

novamente uma generalização sobre um fato como dado para os seus membros. Sua intenção

era, provavelmente, evocar uma voz de autoridade com o auxílio de uma norma para respaldar

o seu dizer, mesmo que de maneira rudimentar na forma de citar essa referência.

Outro exemplo interessante foi notado no relatório da aluna sob o código REDO5 –

EDIF 04, 2017. Ao explicar o que é a ferramenta do AutoCad, a discente-estagiária informou

que o “programa é algo simples, quando têm-se conhecimento prévio de seus principais

comandos”. Neste quesito, além de trazer uma generalização, percebemos ainda uma emissão

de juízo de valor segundo o conhecimento acadêmico e profissional, pois seria “algo simples”.

Contudo, em seguida, houve uma modalização quando a autora atenuou aquela afirmação ao

acrescentar a seguinte explicação “quando têm-se conhecimento prévio”. Dessa forma, a aluna-

estagiária descreveu os principais comandos e partilhou com seus interlocutores o saber

acadêmico adquirido em sua formação que colaborou na sua atuação profissional.

Nessa mesma linha de raciocínio, REDO2 – EDIF 01, 2018 imputou uma afirmação

ampla sobre a relação de projetos arquitetônicos, execução e a construção civil: “Seguir o que

foi descrito no projeto é uma das atividades mais rigorosas dentro do ramo da construção

civil”. Porém, logo após essa afirmação, sem maiores referências, o estudante explorou o viés

de como seguiu os pontos planejados dentro de seu estágio. Entretanto, essa explanação não

ocorreu com o intuito de elucidar as demais “atividades mais rigorosas” de sua área de atuação,

indiciando-nos que os membros de seu grupo de CP compreendem e partilham esse

conhecimento acoplado em tal afirmação.

Em síntese, diante desses movimentos de conhecimentos “nucleares”, conseguimos

perceber como certas informações são expostas e como essas são (re)conhecidas entre seus

membros. Com efeito, os assuntos seriam passíveis de uma maior discussão e profundidade

pelos estagiários, mas geralmente esses autores o fazem sob o poder da síntese. Tal fenômeno

se dá, sobretudo, por outra sombra que paira neste contexto: o viés avaliativo. Esse último que

Page 355: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

354

provoca, quiçá, um cerceamento sobre e como dizer. Sob outro aspecto, essa mesma síntese

pode nos fornecer pistas sobre o conhecimento exposto como algo consensual e tácito entre

esses membros, sem necessidade de maiores esclarecimentos.

Sobre essa temática, Sanches (2009, p, 154) reflete que: “Essa generalização é o que

permite ao interlocutor responder ao enunciado, o que podemos chamar de ‘acabamento

inacabado’ do enunciado”. Para Bakhtin (2019b), essa ausência de acabamento abre margens

para as diversas formas de como o sentido e o significado podem ser renovados segundo o

contínuo desenrolar do contexto, ou, pela interação de seus membros. Isso nos evidencia como

o discurso já nos sinaliza como se peculiarizam as CP investigadas, além de nos revelar a

dinâmica da compreensão responsiva entre esses mesmos sujeitos.

5.2.2.3.2 Concordância com discursos alheios

O eixo de concordância com discursos alheios abarca as relações de aceitação dos

dizeres evocados e tomados como respaldo, quer seja do âmbito profissional, quer seja

acadêmico. Neste quesito, essa RD interdiscursiva muito se assemelha à categoria exposta neste

trabalho sobre as formas de presença do discurso do outro no fio discursivo. Contudo,

destacamos a maneira de elaboração dos efeitos de sentidos sobre essa recuperação do dizer.

Mais especificamente, retomamos o pensamento de Bakhtin (2011, p. 331) ao entendermos que

as RD não podem ser interpretadas a todo momento “[...] em termos simplificados e unilaterais,

reduzindo-as a uma contradição, luta, discussão, desacordo. [...]”. Na realidade, para o filósofo,

com quem coadunamos, o simples ato de concordar pode ser uma das formas mais importantes

de RD: isto se deve às variedades e matizes que o ato pode se apresentar.

Logo, entendemos que a relação de concordância com essas outras vozes é algo comum,

sobretudo, entre os jovens produtores dessa esfera de atuação que estamos investigando. Isso,

por outro lado, revela-nos também a dificuldade enfrentada por esses sujeitos no

desenvolvimento de um embate de maior profundidade em contradizer o já-dito, pois o desafio

aumenta, principalmente, quando se está diante de uma voz aceita pelos pares (academicamente

ou profissionalmente) no seu locus de atuação176. Além disso, ao retomar essa voz de

credibilidade por meio de marcas de referências bibliográficas ou outras formas de expor o

176 Nesta linha, destacamos que a existência de uma ocorrência do movimento de discordância, por parte desses

jovens produtores, tenderia a transparecer uma contestação sutil a um dado ou a uma ironia ao discurso ali

recuperado, além de não construir uma oposição mais drástica ou madura sobre o enunciado posto, segundo Fuza

(2017). Em nosso contexto, não encontramos nem mesmo essas características primárias de discordância, quiçá

por ser o primeiro contato desses sujeitos da educação básica com a cultura do escrito estabelecida.

Page 356: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

355

outro no fio discursivo, nesse contexto, é possível ao jovem produtor apagar certos limites do

discurso e incorporar o dizer do outro como seu (SANCHES, 2009)177.

Quadro 46 – Concordância e discordância com discursos alheios.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Atividades desenvolvidas

Para realização de manejo reprodutivo no setor, a inseminação artificial foi um dos

mecanismos que nós utilizados. A IA é um método de reprodução que consiste na deposição

do sêmen, através de instrumentos especiais, no local mais adequado do sistema genital

feminino (SILVA, 2006).

Segundo Hafez (2004) é a técnica singular mais importante desenvolvida para o

melhoramento genético dos animais, já que poucos reprodutores selecionados produzem

sêmen suficiente para inseminar milhares de fêmeas anualmente.

Dentre as vantagens da IA, Torres et al. destaca a padronização do rebanho, o controle de

doenças sexualmente transmissíveis, a organização do trabalho na fazenda, a diminuição

do curso de reposição de touros, etc. Outra vantagem são os programas de cruzamento

industrial com touros de raças altamente precoces e com alto ganho de peso, mas pouco

adaptadas às condições tropicais e, ainda, o uso de sêmen de touros mesmo após a sua

morte. Mas o principal benefício desta técnica é o melhoramento genético por meio do uso

de touros provados para obtenção de crias com maior potencial de produção e reprodução.

(p. 11 – destaques nossos)

REDO2 –

AGRO 02,

2017

Atividades desenvolvidas

Entende-se por manejo sanitário, um conjunto de medidas cuja finalidade é proporcionar

aos animais ótimas condições de saúde. Os componentes do manejo sanitário buscam

evitar, eliminar ou reduzir ao máximo a incidência de doenças no rebanho, para que

obtenha um maior aproveitamento do material genético e consequente aumento da

produção e produtividade (EMBRATER, 1981; DOMINGUES & LANGONI, 2001). Estes

autores citam ainda que os procedimentos relacionados à sanidade dos animais podem

ser divididos basicamente em dois tipos de procedimentos: [...] (p. 09 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 01,

2018

Introdução

[...] No manejo reprodutivo implantamos nas propriedades assistidas a utilização de rufiões

caprinos e ovinos, para os programas de cobertura natural, pois o rufião, além de indicar

o estado de receptividade sexual das cabras e ovelhas, estimula o aparecimento do estro,

suas manifestações externas e a ovulação (SHELTON, 1960). (p. 05 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 03, 2017

Atividades desenvolvidas

Suas paredes são foras feitas com bloco cerâmico. Foram obedecidos todos os parâmetros

para a construção, estabelecidos de acordo com as normas NBR 7229 e 13969 que regem

as regras. As figuras 07 e 08 apresentam as alvenarias e a construção da laje de cobertura

do tanque séptico respectivamente. (p. 13 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2017

Atividades desenvolvidas

Na elaboração do presente relatório, foram observadas as seguintes publicações: Norma

ABNT NBR 13.133 – “Execução de levantamento topográfico”, de 1994, tal norma foca

as condições necessárias para a execução de levantamento topográfico destinado a obter

[...]

Das condições exigidas para a execução do levantamento topográfico, compatibilizamos

medidas angulares, medidas lineares, medidas de desníveis e as respectivas tolerâncias em

função dos erros, selecionando métodos, processos e instrumentos para a obtenção dos

resultados compatíveis com a destinação do levantamento. (p. 11 – 12 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 03, 2017

Atividades desenvolvidas

O procedimento laboratorial foi realizado seguindo à risca a NBR 9779 – Argamassa e

concreto endurecidos – Determinação da absorção de água por capilaridade, com a

supervisão da técnica de laboratório, XXX. (p. 10 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

177 Visualizamos essas possibilidades quando analisamos a reprodução literal e a incorporação do dizer nas análises

de nosso estudo (ver seção 5.2.2.2).

Page 357: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

356

Após isto, foram realizados os rompimentos dos corpos-de-prova, por compressão

diametral (ver figura 6), conforme a NBR 7222, de modo a permitir a anotação da

distribuição de água no seu interior, por meio de medições da altura alcançada pela água

no corpo-de-prova (ver figura 7). (p. 11 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2018

Atividades desenvolvidas

“As instalações hidráulicas e hidrossanitárias devem seguir as normas da NBR 5626

atendendo a parte de simbologia ou indicação das peças sanitárias, etc.”. (p. 13 – destaques

nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Assim, destacamos que, para o recorte proposto no Quadro 46, trouxemos três excertos

da CP de Agropecuária e quatro da CP de Edificações. Como na RD da subseção anterior, esse

é um movimento recorrente entre todos os relatórios de estágio investigados e possui a

ocorrência em várias seções. Todavia, o fenômeno possui maior destaque em seções de

introdução e na apresentação da empresa e atividades desenvolvidas.

De início, tomamos o exemplo de REDO2 – AGRO 01, 2016, no qual o discente revisita

três autores para abordar sua reflexão em torno da técnica de manejo reprodutivo: “(SILVA,

2006)”, “Hafez (2004)” e “Torres et al.”. Desse modo, na recuperação do primeiro trabalho nos

foi possível observar os apagamentos das fronteiras desse dizer por intermédio de uma

reformulação. Nossa compreensão é que há a busca pela definição em torno da inseminação

artificial (IA), uma vez que o aluno direcionou a autoria para Silva ao final da exposição. De

igual maneira, ao dizer expressões como: “Segundo Hafez (2004)” e “Torres et al. destaca”, as

expressões “Segundo Fulano” ou “Cicrano afirma, diz, destaca”, essas recuperações de vozes

de respaldo e tendem a figurar sem maior profundidade no diálogo. Isso demonstra uma

concordância pacífica entre o sujeito-autor-estagiário e as vozes recuperadas para amparar o

seu dizer.

Em REDO2 – AGRO 02, 2017, mesmo apresentando problemas de ordem sintática e

coesiva no texto, a discente-estagiária, a princípio, empregou as definições apresentadas por

duas referências “EMBRATER, 1981; DOMINGUES & LANGONI, 2001” ao tratar sobre o

manejo sanitário. Em seguida, a aluna se utilizou de movimento semelhante a REDO2 – AGRO

01, 2016 ao reconstruir, com suas palavras, o dito por esses autores e referendar esse dizer

ancorados nele. Além disso, a estudante recuperou a referência (Estes autores) e ainda explanou

a credibilidade do dado citado, pois são esses indivíduos que afirmam algo e não a própria

estudante, transferindo a carga de responsabilidade do dizer para essa voz de apoio.

Encontramos, de forma análoga, em REDO4 – AGRO 01, 2018, tal movimento ao tentar

expor sobre as técnicas de manejo produtivo implantadas por seu grupo de trabalho. Assim, no

excerto, o discente sustentou essa ação, retomando uma literatura mais antiga sobre “o estado

Page 358: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

357

de receptividade sexual das cabras e ovelhas” por intermédio de “(SHELTON, 1960)”. Desse

modo, revisitar essas vozes da academia e que apresentam certo “know-how”, indicia-nos a

tentativa de adequação ao já-dito entre os estudiosos da área por parte desses jovens produtores.

Ademais, quando são expostas essas vozes de autoridade, há um movimento de apagamento

das fronteiras do dizer original, fato esse recorrente na CP de Agropecuária, sobretudo, nos

casos dos excertos destacados para essa categoria. Portanto, percebemos a inclusão da

reformulação do dizer com a indicação da autoria da fonte ou do pensamento.

Nesse quesito, ainda sinalizamos outra peculiaridade entre os grupos: enquanto a CP de

Agropecuária apresentou tendência a buscar as vozes de respaldo em uma diversidade de fontes

(como leis, artigos, anuários, dados estatísticos – IBGE, MAPA, livros acadêmicos), a CP de

Edificações centrou sua voz de autoridade especialmente em notas técnicas/normativas ou leis

da área da construção civil. Logo, nesse contexto, observamos a utilização de poucos exemplos

de outras vozes na correlação das atividades executadas no estágio para o respaldo técnico-

profissional que deve ser demostrado por esses estudantes.

Nesse sentido, quatro exemplos utilizados como recorte, REDO2 – EDIF 03, 2017,

REDO5 – EDIF 01, 2017, REDO5 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2018, demonstraram

concordar com as vozes das normas técnicas para amparar suas ações. Nessa linha, ao informar

ao seu interlocutor, real ou presumido, seguir tal NBR, os discentes aparentaram aquiescência

sobre as regras adotadas por sua comunidade profissional.

Desse modo, em REDO2 – EDIF 03, 2017, o discente-estagiário recorreu à “NBR 7229

e 13969” para informar que havia seguido os parâmetros da construção em alvenaria. Em

REDO5 – EDIF 01, 2017, a norma indicada foi a “ABNT NBR 13.133 – ‘Execução de

levantamento topográfico’, de 1994”, informando-nos que foi observada tal publicação para

seguir como norte para o estudo topográfico. Por sua vez, em REDO5 – EDIF 03, 2017, o aluno

utilizou duas NBR para demonstrar seguir em “conformidade” segundo essas normas na

execução dos procedimentos laboratoriais: “NBR 9779” e “NBR 7222”. Finalmente, em REDO5

– EDIF 01, 2018, o estudante-estagiário buscou amparo na “NBR 5626” para abordar sobre as

instalações hidráulicas e hidrossanitárias.

Em síntese, observamos que, no que tange a esses “aceites”, há a marca de concordância

imposta por essa cultura ou grupo social de maior expertise, haja vista o uso de verbos ou

locuções que nos indicam essa adequação, tais como: “estabelecidos”, “regem”, “foram

observadas”, “exigidas”, “seguindo”, “devem seguir”. Assim, essas marcas linguísticas nos

sinalizam como a concordância é dada por uma voz que respalda, tanto academicamente como

profissionalmente esse grupo de Edificações.

Page 359: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

358

Diante desse contexto, entendemos que os discentes-estagiários se encontram na busca

em atender as expectativas imediatas da instituição, do curso, dos interlocutores mediadores

dos letramentos e assim se deparam com o desafio, como pontua Oliveira (2020, p. 167 – 168),

de produzir e de consumir uma infinidade de gêneros que circulam neste contexto nos quais

estão inseridos, “[...] o que acarreta a necessidade de aprender novas linguagens sociais ou

práticas de letramento específicas e oficializadas pelo domínio acadêmico (FISCHER, 2008),

bem como recorrer às vozes dos membros legitimados desse domínio, para, então, produzir

seus enunciados”. Revelando-nos, portanto, aspectos dessa concordância excessiva diante dos

dizeres outros e que não pontua uma problematização mais profunda.

5.2.2.3.3 Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente

No movimento de questionamento do agir profissional e da teoria existente, entendemos

que os discentes-estagiários buscam interpelar o já-dito como forma de refutar o que já existe

por meio de novos dados ou ainda construir uma crítica sobre o que está posto, asseverando um

juízo valorativo. Nessa linha de raciocínio, são postos em destaque a ironia ou até mesmo a

descrição analítica de determinados “problemas” encontrados pelos discentes-estagiários no

âmbito da teoria recuperada ou de suas respectivas práticas profissionais.

Acerca do tema, Oliveira reflete sobre a inserção de discentes na escrita acadêmica e

nos diz que os alunos nesse novo contexto de produção costumam vivenciar conflitos na

tentativa de se engajar em uma atividade comunicativa. Para a autora, essa é uma atividade “[...]

na qual precisam assumir uma identidade e subjetividade constituída pelo discurso acadêmico,

ao mesmo tempo em que recorrem a outras identidades e valores adquiridos em outros discursos

[...]” (OLIVEIRA, 2020, p. 169). De igual maneira, compreendemos que esses desafios estão

presentes diante dos sujeitos-estagiários das CP investigadas. Assim, ao se revelarem e

demonstrarem os valores implicados no dizer, esses estudantes também nos demonstram suas

constituições identitárias perpassadas sempre pela constituição alteritária, no qual o que dizer e

como dizer estão nessa linha, nesse horizonte.

Contudo, de maneira distinta das duas últimas RD, esse foi um movimento pouco

comum entre os relatórios de ambas as CP, sendo o de menor ocorrência. Esse fato nos reafirma

como para esse público do EMI é difícil tecer o seu dizer e inserir determinadas cargas

valorativas, pois quiçá acreditam que ao construir esses juízos podem ser compreendidos de

maneira errônea e o plano de aprovação, intuito maior da escrita do gênero relatório, não ser

almejado. De todo modo, conseguimos recuperar alguns desses exemplos no Quadro 47.

Page 360: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

359

Isto posto, ressaltamos uma peculiaridade em torno dessa carga valorativa,

especialmente, quando de críticas a certas ações ou cenário na vivência do estágio: na CP de

Agropecuária, por exemplo, essas ocorrerem diante de instituições públicas. Assim, naqueles

relatórios cujos discentes efetuaram essa etapa formativa em uma empresa privada, não

encontramos indícios de uma carga valorativa ou de um questionamento das ações

desenvolvidas, muito menos de um olhar mais acurado sobre a teoria evocada.

Com efeito, encontramos em dois relatórios da CP de Agropecuária indícios de uma

leve crítica sobre as condições de trabalho enfrentadas pelos alunos, mostrando ainda como os

discentes conseguiram “burlar” tais dificuldades (REDO2 – AGRO 01, 2016 e REDO4 –

AGRO 02, 2018) quando da realização do estágio no IF-Sertão. Logo, REDO2 – AGRO 01,

2016 denunciou as “más condições de alimentação” dos animais, as formas de instalação das

ordenhas das vacas que “deixava a desejar” e as formas do “manejo sanitário praticado [que]

era muito falho”, ocasionando um alto índice mortalidade dos bichos. Ademais, acerca dos

índices de valores somados à descrição do problema, o discente refletiu em seu relatório sobre

enfrentamento da situação, além de criar uma maior reflexão sobre possíveis soluções para a

problemática apontada.

Quadro 47 – Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Atividades desenvolvidas

No período em que estagiamos, o setor não estava em seu auge de produção. Tínhamos

apenas seis vacas produzindo, sob más condições de alimentação, devido à crise financeira

que o campus passava por isso a compra de insumos era dificultada [...] (p. 09 – destaques

nossos)

Atividades desenvolvidas

No setor de produção de bovinocultura leiteira percebemos que o manejo alimentar era

falho por causa da situação financeira do Instituto que estava sendo afetada pela atual

crise financeira que o país passa, com isso, não vinha verba para efetuar a compra de

insumos para serem processados na fábrica de ração e serem convertidos em concentrados.

No entanto, a alimentação do rebanho bovino era feita a base de Capim Elefante e Leucena.

O sistema de criação no setor é o semi-intensivo. Neste sistema os animais passam parte do

tempo em pastagens cultivadas, sendo que recolhíamos mais tarde para a instalação

zootécnica, em que recebem suplementação alimentar. Porém, neste caso, faziamos a

suplementação alimentar próprio pasto, pois após a ordenha todas as vacas lactantes eram

levadas para uma área de Leucena, em que pastavam por no máximo duas horas. A Leucena

era a única suplementação proteica para as vacas e bezerros. (p. 14 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Percebemos que a instalação de ordenha em muitos dos casos deixava a desejar, ilustração

7. A mesma tem capacidade para ocupar quatro vacas, duas de cada lado, porém só havia

uma única ordenhadeira funcionando para ordenhar as seis vacas lactantes, isso fazia com

que o tempo total de ordenha aumentasse. [...]. (p. 17 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

[...] No setor de Caprinovinocultura, vimos que o manejo sanitário praticado era muito

falho. O índice de mortalidade no rebanho era muito grande. Em sistemas de produção de

caprinos e ovinos o índice de mortalidade aceitável é de 5%. Em 10 dias que ficamos neste

Page 361: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

360

setor, notamos que por dia 1 animal falecia; de três filhotes nascidos no aprisco todos

morreram, as possíveis causas da morte desses filhotes foi a quantidade de colostro

administrada aos mesmos, as cabras não produziram uma quantidade suficiente de

colostro, mas os filhotes também corriam o risco de contaminação por bactérias presentes

no ambiente; esta suposição é valida pois outros animais adultos morreram nesta mesma

época por suspeita de Artrite Encefalite Caprina (CAE) e de Tétano; ilustração 16. (p. 25

– destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 02,

2018

Atividades desenvolvidas

[...] No estágio pude notar o quanto que a atividade merece de conhecimento técnico,

merece mas atenção das pessoas que trabalha nessas área no campus, vendo as situações

das baias que são precárias, onde os reprodutores consegue atravessar o cercado das baias

pulando, os comedouros baixo demais e os animais acaba defecando e urinando dentro

misturando assim com a sua própria alimentação, de modo em geral a instalação precisa

ser mudada. Falta abatedouros especializados em caprinos e ovinos, com isso os abates

clandestinos surgem e isso não favorece que a qualidade do produto seja beneficiada. A

Suinocultura é uma atividade que se desenvolve bem nas condições da região semiárida.

Porém é uma atividade que merece profissionais capacitados para conduzir todos os

processos produtivos, o que acarreta numa maior qualidade do produto e por consequência

um bom resultado financeiro. No estágio pude perceber que as instalações principalmente

na maternidade não é uma das melhores (p. 14 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2016

Introdução

O estágio teve como objetivo aplicar, na construção civil, os conceitos teóricos aprendidos,

verificar até que ponto esses conceitos são realizáveis na prática, desenvolver a tomada de

iniciativas para a resolução de problemas do cotidiano de uma obra e o relacionamento

com engenheiros e operários da construção. (p. 08 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01, 2017

Atividades desenvolvidas

Está processo de levantamento toográfico é extremamente positivo, pois dá subsídios para

por em discussão e comprovação da teoria da aula exposta em classe. Pois tem como

principais aspectos positivos, avaliar o aprendizado teórico em prática, além da

convivência em grupo que será de suma importância no mercado de trabalho, aprimorando

conhecimentos e difudindo experiências. (p. 14 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 02, 2017

Atividades desenvolvidas

Um fato importante observado não só nessa obra, mas em todas as outras foi o uso de

equipamentos de proteção individual – EPI’S (figuras 1 e 2) e o armazenamento de

materiais de construção (figuras 3 e 4). Foi possível avaliar por meio dos conhecimentos

teóricos a conformidade dessas duas partes, tão indispensáveis para a segurança e o total

aproveitamento de material e Mao de obra.

A ausência de EPI acarreta vários riscos para o trabalhador e se mostrou muito frequente

nas obras observadas. Se uns utilizavam outros não, e quando utilizavam, não era de

maneira correta e segura, a forma correta seria que esses trabalhadores estivessem

utilizando luvas, capacetes, botas e fardamento padrão. (p. 09 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

A creche (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro) é um edifício que irá receber os mais

diversos tipos de crianças não só do bairro, mas de toda a cidade por isso é muito

importante que todas as etapas da obra de reforma sejam executadas da melhor forma

possível, mas não foi o que foi observado sua reforma possibilitou a análise de varias

etapas como piso, forro, reestruturação dos banheiros para atender as necessidades de

todos os tipos de crianças

Mas o fato, mas presente era a não utilização dos EPI’S, como pode ser observado na figura

8, que estavam a disposição como luvas e capacetes, esse trabalhador esta totalmente

desprotegido pelo fato de não utilizar capacetes, luvas, óculos de proteção, protetor

auricular, botas e fardamento padrao. (p. 13 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

De maneira um pouco similar, REDO4 – AGRO 02, 2018 questionou/denunciou essa

condição vivenciada pela instituição de estágio. De fato, a discente, no relatório em questão,

Page 362: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

361

destacou que “merece mas atenção das pessoas que trabalha nessas área no campus, vendo as

situações das baias que são precárias”. A estudante ainda teceu uma breve crítica sobre “as

instalações principalmente na maternidade não é uma das melhores” e apontou a necessidade

de “abatedouros especializados” na região. Porém, não aprofundou essa observação ou propôs

soluções, tal como feito por REDO2 – AGRO 01, 2016.

Ainda assim, destacamos que tais considerações foram feitas justamente pelos dois

discentes que tiveram maior produção quanto ao volume de páginas dos relatórios, 50 e 19,

respectivamente. Com isso, supomos que também houve maior aprofundamento sobre a

reflexão de seu agir. Entretanto, este ato de não mensurar tanto a objetividade ou o poder de

síntese como proposto pelo GETA e MRCT, revela-nos como os discentes vão conseguindo

retratar melhor suas condições de trabalho aliados aos conhecimentos acadêmicos. Ou seja, os

alunos acabam deixando escapar mais sua voz autoral, no quesito de emissão de valores.

Pontuamos que não estamos dizendo que os demais relatórios não tenham uma voz autoral ou

estilo, mas estamos ponderando sobre a limitação do dizer que pode afetar o desenrolar do

pensamento quando há uma limitação de páginas, por exemplo.

De maneira distinta, na CP de Edificações, encontramos exemplos tanto em torno de

uma relação de questionamento do agir profissional como da teoria existente, mesmo que não

seja de forma mais explícita ou tão diretiva. Por isso, REDO5 – EDIF 01, 2016 se dispôs a

pensar o próprio estágio como um momento para questionar, debater, “verificar até que ponto

esses conceitos são realizáveis na prática”. Dessa forma, o aluno tornou implícita a indagação

sobre os conhecimentos adquiridos (teorias) para o agir profissional.

Nesse contexto, o estudante, identificado como REDO5 – EDIF 01, 2017, dedicou-se à

questão da teoria em torno do levantamento topográfico. O discente objetivou, portanto, “por

em discussão e comprovação da teoria da aula exposta em classe”, indagando sobre como esses

conhecimentos são associados à prática, colocando em embate duas linhas de conhecimento: o

saber teórico e a experiência prática.

Já em REDO5 – EDIF 02, 2017, a preocupação residiu em tecer uma observação sobre

o não uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Assim, o aluno-estagiário registrou

a crítica de que o não uso dos materiais “se mostrou muito frequente nas obras observadas”.

Além disso, o estudante esboçou uma pequena crítica pela não execução da obra de uma

reforma, pois essas deveriam ser “executadas da melhor forma possível, mas não foi o que foi

observado sua reforma possibilitou a análise de varias etapas”.

Em suma, mesmo que de forma tímida, vemos em alguns exemplos na CP de

Edificações a proposta de indagar o uso da teoria (forma geral) na prática profissional. Por outro

Page 363: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

362

lado, nas amostras da CP de Agropecuária, encontramos uma crítica um pouco mais

contundente, sobretudo, pelos usos de adjetivos ou por reflexões mais aprimoradas sobre os

problemas presentes no agir laboral.

Assim, Miotello (2018c, p. 42) nos lembra que ao atribuirmos juízo de valores ou

quando olhamos o mundo sob nosso jeito particular de observação, por meio da nossa

enunciação, “[...] aquela palavra que eu uso, eu não ponho para fora apenas uma palavra; eu

ponho para fora um signo carregado de ideologia, do meu jeito de ver o mundo, com as minhas

ideias, com os meus pontos de vista, com as minhas assinaturas; isso é a minha ética aparecendo

no meu discurso. [...]”. E em nosso contexto, vemos o início desses movimentos por jovens

produtores dessas respectivas CP.

5.2.2.3.4 Relação com outros saberes e competências

Nesta dimensão interdiscursiva, os alunos-estagiários costumam enaltecer certos

sujeitos ao travarem um diálogo com eles por meio dos saberes partilhados que, a princípio,

não são formalizados de acordo com um processo educacional institucionalizado. Logo, os

estudantes-estagiários recuperam, para além do que é vivenciado nas agências de letramentos

(escola, o instituto ou uma universidade, por exemplo), avultar o campo de atuação desse

contexto particular. Por isso, valoram esses parceiros de aprendizagem que fazem emergir

saberes populares ou práticas singulares sobre o agir laboral. Como consequência, os discentes

reconhecem a evidente contribuição em torno da troca de saberes e/ou competências com esses

sujeitos locais de maior expertise.

Nessa linha, em busca de travar esse diálogo de enaltecer e de assentir o que aprendeu

com esses outros membros, os estudantes-estagiários se utilizam no seu fio discursivo de certos

recursos estilístico-composicionais que colaboram no processo de descrever esse aprendizado

e essas relações com essa sapiência (FUZA, 2015), seja por meio de verbos e/ou expressões

avaliativas, valorando essa etapa que é o estágio.

Na realidade, destacamos que em algumas seções dos relatórios tal como os

agradecimentos, a introdução e a conclusão, especialmente, os sujeitos retomam um certo viés

biográfico de suas ações e assim enaltecem essas vivências e as trocas de relação com o outro

que integrou esse processo. Conforme nos lembra Bakhtin (2011, p. 139): “[...] O valor

biográfico pode organizar não só a narração sobre a vida do outro, mas também o vivenciamento

da própria vida e a narração sobre a minha própria vida, pode ser forma de conscientização,

visão e enunciação da minha própria vida.”. Em outras palavras, o discente tende a se aproximar

Page 364: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

363

do seu interlocutor, real ou presumido, e, para isso assume sua voz como própria para se

autoenunciar como um aprendiz desta etapa singular de formação que é o estágio, enfatizando,

especialmente, como ele aprende nesse processo com o outro por meio de uma alteridade

constitutiva.

Assim, salientamos o que pontuam Miotello e Moura (2014, p. 197), pois: “[...] Toda

relação é uma relação de poder, entre dois ou mais, que mexe, que tira do lugar, que desloca,

que constitui [...]”. Tal dinâmica provoca nossa relação eu-outro, que nos faz estabelecer RD e

nos revela discursivamente, mostrando nossa essência dialógica de incompletude e de

constituição alteritária.

Quadro 48 – Relação com outros saberes e competências.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Atividades desenvolvidas

Até o momento do estágio não presenciamos nenhum parto no setor de bovinocultura, mas

segundo informações colhidas o manejo sanitário da vaca gestante e da cria é feito

conforme a seguir no pré-parto:

- As vacas gestantes são submetidas à secagem e são separadas das outras em um piquete

maternidade com em média 60 dias antes do parto.

- Nesse período, as vacas são submetidas a uma alimentação bem balanceada, com volumoso

e concentrado. Isso será recompensado nas formas de bom desenvolvimento fetal, bom

desempenho produtivo e retorno mais rápido ao cio.

- Faltando em média 15 dias para o parto, a vaca é submetida a um rigoroso sistema de

higiene. Nesse sistema, as vacas todo dia são banhadas e a região da vagina é bem lavada

com sabão líquido neutro. [...] (p.16 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 01,

2016

Conclusão

O estágio curricular cumprido na empresa ADAGRO,me propôs momentos impares de

maior aproveitamento,onde vivenciei práticas,tirei duvidas,tive conhecimentos extras,troca

de experiências com criadores e profissionais da agropecuária,ou seja, tudo fez com que os

conhecimentos fossem expandidos mais além da sala de aula,ainda sim proporcionou

momentos de maior aproveitamento para vida profissional assim como uma melhor forma

de comunicação para com os produtores. [...] (p. 10 – destaques nossos)

REDO2 –

AGRO 02,

2017

Introdução

O objetivo do estágio foi colocar em prática os assuntos teóricos vistos em sala de aula. Foi

possível ampliar meu conhecimento em relação as doenças que acometem os animais, os

agentes causais, sintomas e medicamentos para o tratamento das mesmas. Além da

experiência adquirida com os medicamentos também tive a oportunidade de trabalhar no

atendimento aos clientes, onde aprendi a maneira certa de me portar no atendimento as

pessoas em relação ao tratamento adequado que os clientes merecem. Caso eu venha atuar

no mercado de trabalho no âmbito da comercialização, já terei uma facilidade maior quanto

ao atendimento aos clientes. (p. 06 – destaques nossos)

Conclusão

Além da prática com os medicamentos em saber identificar os mesmos oferecendo-os aos

clientes, tive a oportunidade de ganhar experiência na parte de atendimento, isso me ajudou

na comunicação com as pessoas, na forma de tratamento com os clientes, pois eles se

sentiam mais bem acolhidos e bem recebidos no estabelecimento, tendo mais conforto e

satisfação ao adquirir seu produto. (p. 16 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 01,

2017

Introdução

Os produtos farmacêuticos veterinários têm sua grande importância na vida do animal,

podendo impedir doenças e as suas transições. Foram estudados medicamentos específicos

para cada doença e sintoma, e assim adquirindo, mais conhecimentos na área na qual

pretende atuar.

Page 365: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

364

Logo no início, o estágio foi um pouco tenso devido a inexperiência profissional. Erros

aconteceram, mas imediatamente foram corrigidos pelos funcionários que

supervisionavam as atividades. Com o passar do tempo, a confiança foi se aproximando,

deixando tudo mais prático e fácil (p. 01 – 02 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

No decorrer da campanha efetuou-se o auxílio do médico veterinário, tendo a oportunidade

de vacinar os animais. O medo de dar algo errado era intenso. Pois não tinha experiência,

mas aquele era o objetivo no momento: superar o medo. (p. 06 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Sempre houve a curiosidade de aprofundar-me mais desse conteúdo o qual foi abordado.

Durante esse período de estágio curricular, houve essa oportunidade de conversar com os

produtores rurais, além das pesquisas que foram necessárias para responder dúvidas

vindas dos mesmos, as quais aos poucas foram sendo esclarecidas, e com isso verificou-se

o maior domínio do conteúdo. (p. 07 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 04,

2017

Conclusão

Durante o estágio aprende-se muito sobre a vida do homem no campo, suas principais

dificuldades, seu trabalho árduo na produção, no cultivo da terra ou na criação de animais.

Cria-se uma experiência maior sobre trabalho que estará por vim quando vai se trabalhar

como técnico ou qualquer atividade no campo. [...]. (p. 11 – destaques nossos)

REDO4 –

AGRO 05,

2017

Conclusão

O estagio teve como principal objetivo aplicando técnicas de convivência com a seca, e

melhorando a produção agrícola e Pecuária. Com isso, pode-se dizer que o estágio

curricular foi de grande importância, pois, a convivência com certas situações e pessoas

permitiu buscar mais informações e ampliar o aprendizado. (p. 12 – destaques nossos)

REDO2 –

EDIF 01,

2016

Conclusão

Existiram oportunidades de lidar com adversidades, próprias do cotidiano de obras, e

consequentemente procurar soluções práticas e rápidas para as mesmas. O estágio

supervisionado permitiu ter acesso a conhecimentos que não estão presentes na sala de

aula, resultando em constante incentivo a criatividade do estagiário. (p. 17 – destaques

nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2016

Atividades desenvolvidas

O software foi de extrema importância durante o estágio, pois facilitou na elaboração de

orçamentos (Figuras 2 e 3), agilizou os processos e a entrega dos mesmos, e permitiu que

o estagiário dominasse uma ferramenta nova e até então desconhecida. (p. 10 – destaques

nossos)

REDO2 –

EDIF 03,

2017

Conclusão

Foi possível também, conviver com várias pessoas que atuam na área, como mestre de

obras, e também o engenheiro responsável pela obra que estava sempre à disposição para

ajudar no que fosse necessário, para que aproveitarmos o máximo no estágio. (p. 15 –

destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 02,

2017

Conclusão

Praticar, trabalhar, pesquisar e ao mesmo tempo estudar e aprender foi de grande

relevância para que em meio às reviravoltas típicas desse complexo ambiente pudéssemos

agir conjuntamente de forma correta e proveitosa. (p. 18 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2018

Atividades desenvolvidas

A atividade exposta teve como responsáveis dois técnicos que ficaram sob a supervisão do

posto de saúde. Com o auxilio dos técnicos, foram realizadas as atividades com sucesso e

um bom desempenho. [...] (p. 07 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

As atividades descritas foram com a ajuda dos técnicos que deram suporte e tiraram

duvidas existente. (p. 09 – destaques nossos)

Conclusão

Cabe ressaltar que, a convivência com os funcionários da prefeitura foi bastante

enriquecedora tanto de forma técnica como social, e isso nos ajudou a desenvolver os

serviços de forma gentil e harmônica entre estagiários e servidores públicos, dando a

sensação de um dever cumprido. (p. 15 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 366: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

365

Em REDO2 – AGRO 01, 2016 temos o reconhecimento de que, mesmo não tendo

observado um parto no setor de bovinocultura da instituição concedente de estágio, o aluno-

estagiário conseguiu colher informações sobre o manejo sanitário da vaca gestante, deixando-

nos implícito que esses dados foram repassados ao estudante pelo grupo que compõe aquele

setor. Assim sendo, o discente propôs-se a discorrer sobre a prática no pré-parto, conforme

exposto no recorte do excerto no Quadro 48.

Reforçamos que REDO4 – AGRO 01, 2016 externalizou para os seus interlocutores que

o estágio lhe possibilitou “momentos ímpares”, no qual lhe foi possível vivenciar práticas, de

modo a ampliar seus conhecimentos. A estudante ressaltou que isso foi possível graças a outros

sujeitos responsáveis por essa ampliação do conhecimento, a saber: “criadores e profissionais

da agropecuária” e “produtores”. Como destacamos desde o início de nossa análise, uma

palavra, uma expressão, uma centelha capaz de gerar efeitos de sentidos, revela-nos essa carga

axiológica implicada no dizer desses discentes-estagiários. Por esse motivo, o emprego de

expressões como: “tudo fez com que”, “fossem expandidos”, “além da sala”, “maior

aproveitamento”, “melhor forma de comunicação”, indicia-nos sobre a importância dada pela

aluna ao processo de formação, de aprendizagem com o outro para, assim, se constituir como

uma futura profissional.

De forma análoga, REDO2 – AGRO 02, 2017 nos forneceu pistas dessa relação de

saberes e competências partilhadas entre os sujeitos, cenário capaz de modificá-la enquanto

pessoa (troca de experiência e inserção na cultura desse grupo). Deste modo, a discente destacou

que “Foi possível ampliar meu conhecimento em relação as doenças que acometem os animais,

os agentes causais, sintomas e medicamentos para o tratamento das mesma”. Além disso, a

aluna-estagiária enfatizou que aprendeu como se “portar” no cenário de vendas de produtos

farmacológicos. Compreendemos este ponto como uma espécie de resposta ao que sinalizava o

ME (2015c), que dedica uma seção de orientação sobre como “agir” ou como se “portar” no

locus do estágio.

Assim sendo, reforçamos que essa participação periférica legitimada e indiciada nos

discursos desses sujeitos-estagiários nos revelam a importância da parceria de uma determinada

filiação inicial e/ou parcial em uma dada empresa. Por meio dessa associação, os alunos

encontram oportunidade de vivenciar uma dada atividade que possibilita a garantia de acesso

ao “[...] engajamento nas práticas e na cultura de determinada comunidade [...]” (LEITE, 2020,

p. 67). Assim, o sujeito aprendiz constrói seu espaço legitimado pelos pares que compõem essa

comunidade de prática de maior saber. Portanto, a ampliação de responsabilidades, a confiança

depositada, e, consequentemente, o envolvimento desses alunos são reconhecidos nesses

Page 367: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

366

espaços formativos como motor propulsor para terem determinada característica/identidade

enquanto futuros profissionais.

Ainda sublinhamos que a figura desses interlocutores mediadores dos letramentos no

campo de atuação dos estagiários é de inegável importância é por isso que há o reconhecimento

pelos discentes. Assim, além de criadores, produtores, em REDO4 – AGRO 01, 2017, aparecem

também a imagem dos funcionários e do médico veterinário. Esse último esteve presente em

quase todos os relatórios de estágio da CP de Agropecuária, como sujeito que intermedia esse

processo da aprendizagem na supervisão dessa atividade curricular obrigatória, além de

impulsionar e encorajar os discentes-estagiários em tomadas de ação como uma característica

dessa participação periférica legitimada: “efetuou-se o auxílio do médico veterinário, tendo a

oportunidade de vacinar os animais. O medo de dar algo errado era intenso. Pois não tinha

experiência, mas aquele era o objetivo no momento: superar o medo” (REDO4 – AGRO 01,

2017).

Outro reconhecimento apontado nos relatórios, que avultamos nos excertos de REDO4

– AGRO 04, 2017 e REDO4 – AGRO 05, 2017, diz respeito ao fato de aprender com a escuta

do que o outro tem a dizer, pois “aprende-se muito sobre a vida do homem no campo” e “a

convivência com certas situações e pessoas permitiu buscar mais informações e ampliar o

aprendizado”. Esses relatos carregam importância, especialmente, para que se repensem as

técnicas de convivência com a seca, com o sertão, com a região na qual esses indivíduos estão

inseridos. Isso nos indica também o papel social dessa formação e o retorno de profissionais

que pensam mais no próximo, capazes de ouvir os problemas e trazer soluções para as situações

enfrentadas.

Logo, de maneira semelhante, a CP de Edificações remete a questões sobre a

necessidade de se repensar as práticas “impostas” e as “adversidades encontradas” no estágio

e nas relações do cotidiano das obras, por exemplo (REDO2 – EDIF 01, 2016). Outro relatório

da mesma área propõe que softwares distintos dos explorados em sala de aula podem ser úteis

na construção de orçamentos (REDO5 – EDIF 01, 2016). Ou ainda nesse cenário, um terceiro

estudante ponderou sobre a convivência com outras pessoas na esfera de atuação profissional

(mestre de obras, engenheiros, técnicos, funcionários), pois a experiência é capaz de

proporcionar trocas para que se aproveite ao “máximo” do estágio (REDO2 – EDIF 03, 2017 e

REDO5 – EDIF 01, 2018). Outro apontamento discente, que merece nosso destaque, referiu-se

à possibilidade de se aliar pesquisa, academia e prática no mundo do trabalho (REDO5 – EDIF

02, 2017).

Page 368: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

367

Assim, Miotello (2018, p. 35 – 36) apresenta que: “[...] Os processos de alteridade se

dão comigo apesar de mim, não é porque eu quero não. Eu vivo naquele processo interativo,

real, e aquilo bate em mim e me constitui de uma forma ou de outra (2018, p. 35 – 36). Neste

quesito, compreendemos o motivo pelo qual REDO2 – EDIF 01, 2016 ressaltou que “O estágio

supervisionado permitiu ter acesso a conhecimentos que não estão presentes na sala de aula,

resultando em constante incentivo a criatividade do estagiário”. Ou seja, o estudante indicou

que se reconstruiu a todo momento diante das dificuldades. Para tanto, não exitou buscar a ajuda

desse outro que colabora, que orienta, que possui um “olhar amoroso”, assim como o primado

bakhtiniano defende.

Nesse mesmo trilhar, REDO2 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2018 destacaram

a mesma matéria. O primeiro estudante ressaltou a importância de: “conviver com várias

pessoas que atuam na área, como mestre de obras, e também o engenheiro responsável pela

obra que estava sempre à disposição para ajudar no que fosse necessário, para que

aproveitarmos o máximo no estágio”. Por sua vez, o segundo aluno registrou que “Com o

auxilio dos técnicos, foram realizadas as atividades com sucesso e um bom desempenho”. De

fato, tais relatos demarcam essa particularidade da participação periférica legitimada pelos

pares de maior “know-how”.

Sucintamente, esse reconhecimento na relação de saberes e competências no estágio que

destacamos é algo em comum em ambas CP. Nesse contexto, os discentes empenham-se em

dar créditos sobre seus aprendizados por meio dessas singularidades expressas. Desse modo,

em todos os relatórios, recuperamos essa dimensão interdiscursiva quiçá por mais de um

exemplo nas seções que compõem o gênero relatório de estágio. Contudo, por questão de

recorte, apresentamos somente alguns excertos capazes de elucidar as particularidades desses

grupos.

Ainda assim, sinalizamos que este quesito poderia ter sido mais aprofundado pelos

discentes-estagiários, sobretudo, ao buscarem lançar luzes sobre os saberes locais, pois isso

também nos indicaria como o grupo participaria do domínio e do repertório da CP ali proposto.

Por conseguinte, tal movimento revelaria mais profundamente questões de identidade e da

narrativa sobre práticas específicas às quais se dedicam determinados profissionais.

5.2.2.3.5 Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação

A dimensão interdiscursiva sobre as marcas acadêmicas e profissionais na formação

pode, a princípio, se confundir com a RD sobre saberes e competências da subseção anterior.

Page 369: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

368

Porém, realçamos que, na presente relação, buscamos visualizar a voz da gratidão, a voz da

superação dos desafios encontrados na etapa formativa que por ora se encerra, além de

identificarmos como esse conhecimento vivenciado ao longo da formação acadêmica auxiliou

os discentes com relação à sua experiência profissional. Como consequência, evidenciamos que

são recuperados, nos excertos, nomes de disciplinas que marcaram as respectivas CP, bem como

a imagem dos interlocutores mediadores dos letramentos que contribuíram nesse contexto de

capacitação. Nesse rol figuram sujeitos como: os professores, os técnicos de determinados

setores, os supervisores, por exemplo. Ademais, destacaram-se as manifestações dos estudantes

sobre o que esperavam da diplomação, seja em Agropecuária ou em Edificações.

Nessa linha, retomamos e ressaltamos que o sujeito não se constitui identitariamente ou,

diríamos, ideologicamente somente pela ação discursiva. Nesse aspecto, Miotello (2014, p.

171) aponta que é por meio de “[...] todas as atividades humanas, mesmo as mediadas pelo

discurso [...]” que encontramos os espaços, os contextos, os cenários específicos para

constituição de uma subjetividade. Consequentemente, elaboramos nesse movimento a

constituição de sentidos que nos tocam e nos modificam. Assim, para nossa pesquisa,

compreendemos que a configuração de cada CP nos indica como o pertencimento a esses grupos

também colabora para a constituição dos sentidos vivenciados entre eles. Por conseguinte, por

meio do fio discursivo, os discentes-estagiários nos demonstram que aquela experiência da

troca, do aprendizado, de um contexto peculiar da atividade humana conferiu importância

significativa em sua trajetória.

Destacamos que depreendemos ainda que o gênero relatório de estágio tem essa

potência em deixar-se revelar e mostrar-se como sujeito singular, em uma espécie de

intercâmbios de papéis axiológicos. Nesse contexto, alguns aspectos estão imbricados nesses

papéis, tais como: a posição do aluno que cumpre/responde a uma “tarefa” puramente mecânica;

a posição de integrante de uma determinada cultura do escrito instaurada diante de uma etapa

formativa; a posição de narrador das experiências vividas; a posição autobiográfica e ressoante

de valores e sentimentos; a posição de um sujeito que se relaciona com seu próprio futuro,

demonstrando os efeitos dessa vivência que o marcou; entre outros fatores que sinalizamos ao

longo desta tese. Por isso, avultamos as palavras de Pajeú (2014, p. 277) que nos diz que o texto

não é como uma coisa qualquer acabada e concreta, fechada e limitada, mas é nesse escrito que

algo é carregado e valorado, demonstrando o “[...] momento particular e irrepetível dos sujeitos

que os contornam [...]”.

Portanto, como um ato responsável e ético que nos remete a essa alteridade constitutiva,

nos Quadros 49 e 50, exploramos alguns excertos sobre como os discentes da CP de

Page 370: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

369

Agropecuária e de Edificações, respectivamente, reconhecem as marcas deixadas pelo outro ou

por outros discursos na sua formação acadêmica e profissional por meio de menções ou citações

expressas. Frisamos que em todos os relatórios de ambas as CP encontramos essas marcas. Tais

vestígios estiveram presentes na parte introdutória dos relatórios, como na seção de

agradecimentos, no desenvolvimento do trabalho, ou ainda, na conclusão. Contudo, essa marca

discursiva obteve maior destaque nos agradecimentos e conclusões dos relatórios.

Assim sendo, tecemos um recorte a fim de escutarmos as singularidades e as cargas

valorativas de quatro sujeitos da CP de Agropecuária e cinco da CP de Edificações. Ressaltemos

que nesse último foram colhidas mais informações, visto que os discentes se voltam a

reconhecer com mais afinco as práticas acadêmicas-científicas, tal qual expomos como uma

marca peculiar do contexto formativo dos IF. Pontuamos que essas amostras possuem

orientadores diversos e advêm de períodos distintos dentro de nosso recorte temporal.

Quadro 49 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de Agropecuária.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por ter me proporcionado experiências

maravilhosas nesses quatro anos de curso, por ter me concedido muita saúde e paciência

esses anos todos e a minha família, que é o pilar principal de minha existência. O estágio foi

fundamental para minha experiência profissional e os agradecimentos aos coparticipes

dessa etapa de minha vida vão para a grande técnica em zootecnia do campus zona rural XXX, a estagiária de veterinária XXX que nos transmitiu seu conhecimento em algumas

práticas, o técnico em Agropecuária XXX, ao veterinário XXX, ao coordenador de extensão

do campus zona rural XXX e a todos os funcionários terceirizados do campus que nos

ajudaram muito. Alguns funcionários do campus Salgueiro também merecem meus

sinceros agradecimentos, o grande professor XXX pelo empenho em nos enviar a Petrolina

e pelos concelhos dados, a XXX por sempre me incentivar a seguir em frente e pelo

conhecimento aprendido com ele ao longo do tempo em que fui seu bolsista, ao ex-

coordenador de extensão do campus XXX e a XXX, por me orientar nesse estágio e em uma

grande parte da minha formação. Uma homenagem especial vai para o professor XXX que

me supervisionou nesse estágio e nos deixa de uma forma inesperada. Gostaria de agradecer

também a meus amigos XXX e XXX, pois durante essa jornada de trabalho estávamos sempre

juntos, um ajudando ao outro. A todos os meus colegas e amigos que convivi durante esses

quatro anos de curso e a todos os professores e técnicos administrativos que contribuíram

de forma direta ou indireta para minha formação acadêmica. Obrigado por tudo. (p. 03 –

destaques nossos)

Conclusão

Este estágio somando com os quatro anos que passei ao lado de colegas e professores, aliado

aos anos que passei desenvolvendo projetos de extensão, proporcionou muitos

conhecimentos e experiências nessas áreas de produção pecuária e isso me torna um

profissional preparado para atuar na área de agropecuária promovendo o desenvolvimento

agrário da região em que poderei atuar. [...] (p. 40 – destaques nossos)

REDO2 –

AGRO 02,

2017

Conclusão

Tive a oportunidade de aprender muitas coisas nesse estágio, aprofundando meus

conhecimentos em relação aos produtos fármacos. Com o conhecimento adquirido em sala

de aula sobre sanidade animal, ficou bem mais fácil associar o medicamento a doença.

Proporcionou também conhecimento sobre as principais doenças que acometem os animais

na região. (p. 16 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Page 371: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

370

REDO4 –

AGRO 01,

2017

Não houve dificuldade em compreender o que estava sendo falado no momento, devido está

cursando a disciplina de Produção de Ruminantes e estudando as principais enfermidades

de pequenos ruminantes, isso de acordo com o planejamento de aula. (p. 10 – destaques

nossos)

Atividades desenvolvidas

Nas aulas práticas no Instituto Federal campus Salgueiro, já havia presenciado

procedimentos relacionados à castração de caprinos e a retirada da linfadenite, essas

operações exigem cuidados precisos comparado com uma cesária, não tendo a intenção de

desfavorecer o trabalho realizado, pois cada um deles tem sua influência no rebanho. (p. 12

– destaques nossos)

REDO2 –

AGRO 01,

2018

Conclusão

Em virtude dos fatos mencionados, quando praticante ou somente observante das atividades

citadas, junto com o conhecimento adquirido no decorrer do curso, posso afirmar que me

foi proporcionado uma gama de conhecimentos, que com certeza contribuirão para minha

vida como Técnico em Agropecuária. (p. 11 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Essa voz de gratidão expressa por REDO2 – AGRO 01, 2016, com o qual dialogou,

ecoou não só as marcas da etapa formativa (acadêmica e profissional), mas o discente-estagiário

recuperou aspectos de sua espiritualidade ao reconhecer “Deus” como aquele que lhe

proporcionou “experiências maravilhosas nesses quatro anos de curso”. Ao iniciar com essa

imagem, o estudante nos revela o seu lugar de fala e a fé subtendida nesse processo de formação.

De fato, para esse aluno, é mais forte e necessário agradecer primeiramente a “Deus”, para em

seguida informar que “O estágio foi fundamental para minha experiência profissional e os

agradecimentos aos coparticipes dessa etapa de minha vida vão para”. O autor ainda destacou

a importância daqueles “que contribuíram de forma direta ou indireta para minha formação

acadêmica” na conclusão dessa etapa. Neste ponto, a carga valorativa é evidente por meio do

uso de adjetivos ou expressões que reforçam a importância de diferentes sujeitos, como: a

funcionária técnica em zootecnia, a estagiária, o técnico em Agropecuária, o veterinário e o

coordenador de extensão (todos do Campus que fora locus do estágio). Ademais, o relatório

ainda homenageou os funcionários do Campus Salgueiro (terceirizados, professor, ex-

coordenador de extensão, professor supervisor), amigos e colegas, por meio dos termos "a

grande técnica”, “o grande professor”, “homenagem especial”, por exemplo.

Desse modo, o discente reconheceu que seu conhecimento havia sido apreendido não

somente na etapa do estágio, essa que lhe “proporcionou muitos conhecimentos e experiências

nessas áreas de produção pecuária”. Para além disso, o discente-estagiário reforçou sua

vivência acadêmica/formativa, em especial, sua experiência enquanto pesquisador-

extensionista ao dizer que: “conhecimento aprendido com ele ao longo do tempo em que fui seu

bolsista” e “passei desenvolvendo projetos de extensão”.

Page 372: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

371

Nesse encontro consigo por meio do outro, o discente-estagiário reconheceu sua

incompletude e a necessidade de compreender que havia um futuro pela frente a ser seguido:

“isso me torna um profissional preparado para atuar na área de agropecuária promovendo o

desenvolvimento agrário da região em que poderei atuar” (grifos nossos). Ou seja, o sujeito

demonstra consciência sobre o que se tornou, bem como a respeito das mudanças que enfrentou.

Nesse sentido, o estudante ainda pontuou não ser mais a mesma pessoa se comparado ao

indivíduo que era à época de sua admissão no IF Sertão/PE. Além do mais, o aluno sinalizou

que poderia futuramente atuar na sua área de formação e promover os valores propostos pela

instituição de ensino, assim como proposto no PPC do curso: "Promover o desenvolvimento

regional sustentável, com foco na ciência e na tecnologia, por meio do ensino, pesquisa e

extensão, formando pessoas capazes de transformar a sociedade" (BRASIL, 2010b, p. 03) e

“Ser uma instituição de excelência em todos os níveis e modalidades de ensino, articulados com

a pesquisa e extensão, comprometida com a transformação social, fundamentada na ética e na

cidadania" (BRASIL, 2010b, p. 03).

Por sua vez, REDO2 – AGRO 02, 2017 elaborou uma síntese a fim de condensar o

reconhecimento do aprendizado no contexto do estágio, uma vez que a estudante-estagiária teve

“a oportunidade de aprender muitas coisas”. Essa generalização visa, possivelmente, imprimir

uma relação do todo, da vivência das 200 horas como um aprendizado contínuo. Assim, a aluna

pontuou que a disciplina de Sanidade Animal foi uma das responsáveis por ajudá-la no

diagnóstico de algumas enfermidades e na associação de alguns medicamentos. Neste contexto,

a discente não evidenciou o nome do/a docente, mas ressaltou a disciplina como um todo,

agregando o conjunto do aprendizado vivenciado naquele contexto. De forma similar, REDO4

– AGRO 01, 2017 exaltou a presença da voz formativa como fator que colaborou e implicou

diretamente na sua ação profissional. Assim, o estudante demonstrou que “Não houve

dificuldade em compreender o que estava sendo falado no momento, devido está cursando a

disciplina de Produção de Ruminantes” e que “Nas aulas práticas no Instituto Federal campus

Salgueiro, já havia presenciado procedimentos relacionados à castração de caprinos e a

retirada da linfadenite”. Em outras palavras, o discente-estagiário nomeou a disciplina que

colaborou com sua atividade (Produção de Ruminantes), além de sublinhar a importância das

“aulas práticas”. Neste caso, lembramos que as aulas práticas possibilitam vivenciar

determinados cenários os quais os alunos poderão se deparar quando formados. Nesse sentido,

a experiência cumpre o objetivo dessas aulas: a prática, conforme a própria nomenclatura

indica. Logo, diferentemente dos demais excertos, REDO4 – AGRO 01, 2017 resgatou essa

Page 373: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

372

voz de gratidão com o saber apreendido na seção das atividades desenvolvidas do relatório e

não nas seções onde prototipicamente estariam esses reconhecimentos.

Em REDO2 – AGRO 01, 2018, o estudante-estagiário resumiu esse reconhecimento do

“conhecimento adquirido no decorrer do curso” dizendo que “posso afirmar que me foi

proporcionado uma gama de conhecimentos, que com certeza contribuirão para minha vida

como Técnico em Agropecuária”. Nessa afirmativa, o aluno ratificou a importância desta etapa

formativa e como isso pode modificar o seu porvir, o seu futuro enquanto Técnico em

Agropecuária. Além disso, ele recuperou o status da participação periférica legitimada dessa

etapa educacional, quando afirmou que “quando praticante ou somente observante das

atividades citadas”, assim ele reitera o aprendizado com a experiência e como cresceu

profissionalmente.

Por outro lado, em relação à CP de Edificações, também encontramos esses movimentos

de gratidão, identificação com os pares, além de congratulação com a etapa concluída e

experimentada. Dessa forma, em REDO2 – EDIF 02, 2017, a discente destacou que o estágio

representa esse momento de “agregar conhecimento prático aos conceitos teóricos vistos

durante todo o período do curso”. Ou seja, assim como a discente de Agropecuária (REDO2 –

AGRO 02, 2017), a estagiária encapsulou toda a carga de vivência e conhecimentos adquiridos

no período do curso como algo que pode ser visto na prática profissional. Além disso, a

estudante indicou que seu grupo social, os alunos, possuem “valores estudantis” que foram

modificados. Segundo a autora do relatório, essa modificação ocorreu na relação do eu para o

outro, o outro para mim e, finalmente, do eu para mim, nessa reconstituição identitária que se

somou aos valores “profissionais”. Por se tratar de uma etapa, a discente demonstrou

consciência “desse ciclo” e do seu desenvolvimento por intermédio das “relações interpessoais”

desse contexto.

Quadro 50 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de Edificações.

RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS

REDO2 –

EDIF 02,

2017

Conclusão

No período de estágio foi possível agregar conhecimento prático aos conceitos teóricos

vistos durante todo o período do curso, tomando e agregando os valores estudantis e dos

profissionais que fizeram parte desse ciclo, para que o indivíduo possa desenvolver suas

relações interpessoais tendo o contato com profissionais da sua área de formação

acadêmica, no setor de trabalho na qual irá exercer, em que adquirir uma visão mais ampla

de contato em obras e trabalhos em equipes no escritório e obra. (p. 18 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 01,

2017

Agradecimentos

Com a finalização desta nova etapa, não posso deixar de agradecer a algumas pessoas que,

de forma direta ou indireta, auxiliaram-me nesse processo. Em primeiro lugar, agradeço a

orientação do Prof. XXX, que me disponibilizou-se para a tal tarefa, ofertando experiências

Page 374: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

373

próprias e conselhos enriquecedores, que claramente contribuiu para a elaboração do

presente relatório e continuará contribuindo futuramente.

Aqui presto também o meu agradecimento aos professores e ex-orientadores, XXX e XXX,

qeu acreditaram no meu potencial e me auxiliaram em diversas vezes, fazendo com que

assim, crescesse de forma profissional e pessoal, agregando conhecimentos científicos que

foram cruciais para o meu desenvolvimento.

Por fim, mas não menos importante, agradeço à minha supervisora XXX, por auxiliar-me

nas mais diversas vezes, me apoiando e ajudando na conclusão dessa etapa

importantíssima. (p. 02 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 03,

2017

Atividades desenvolvidas

A atividade descrita foi de extrema importância, pois como estagiário, pude relembrar e

discutir o conhecimento teórico e prático obtido em aulas de topografia do curso técnico, o

que me poderá me servir futuramente na atuação profissional. (p. 10 – destaques nossos)

Conclusão

Assim, como técnico em edificações chegarei no mercado de trabalho com uma boa

desenvoltura, e com ótimo alicerce prático, bem como teórico.

Em síntese, posso destacar um papel importantíssimo que o estágio teve para min, a

confirmação de um espírito pesquisador e curioso, que pude notar neste período dentro do

Instituto Federal – Campus Salgueiro, como estagiário. (p.15 – destaques nossos)

REDO5 –

EDIF 04,

2017

Agradecimentos

[...] A partir da escola os conhecimentos técnicos podem ser obtidos, com o auxílio de

professores, para nossa excelência profissional. Nessa jornada de períodos, destacam-se

pessoas, seja pela profissionalidade, seja pelos conselhos, ou pela amizade, e são em

momentos decisivos da nossa vida que os escolhemos para caminhar conosco. Sendo assim,

agradeço ao meu orientador Prof. Msc. XXX por ter desempenhado essa função, aceitado

meu convite e tirado minhas dúvidas quando requeri.

Há tamanho reconhecimento quando a toda a ajuda recebida de meus companheiros de

trabalho XXX e XXX, e meu colega de turma XXX, esses tiveram toda atenção e empenho

em auxiliar-me quando careci, obrigada pelo tempo disponibilizado, pelas valiosas

colaborações e sugestões.

Obter conhecimento de nada valeria se esses não pudessem ser aplicados e transformados

em benefícios pessoais e para a sociedade, a teoria com a prática são o conjunto ideal do

sucesso. Gratifico meu supervisor de estágio o Engº XXX e a Design de Interiores XXX que

me oportunizaram a estagiar no ramo arquitetônico e mostrar meu potencial.

Aos professores Msc. XXX, Msc. XXX por mostrar-me, principalmente, o valor da pesquisa

científica e de minha área, Msc. XXX, XXX e Msc. XXX, por todos eles serem também

responsáveis pela profissional que me tornei, por toda a dedicação e exemplo dado de

responsabilidade, ética, companheirismo, altruísmo e escutaram-me e aconselharem-me

quando precisei. Ao XXX e meus amigos XXX e XXX pela contribuição fundamental em

conhecimentos técnicos na área de informática e todo cuidado tido comigo.

Por fim, minha mais sincera gratidão a toda a família IF Sertão – PE – Campus Salgueiro

que é formada de servidores, alunos e terceirizados, pois, sem nenhum deles a realidade de

uma escola federal jamais seria possível. E a vivida lembrança de minha querida mãe,

motivando-me a nunca desistir. (p. 02 – destaques nossos)

Conclusão

O ambiente de trabalho traz ao alunado uma nova visão, de maturidade, compromisso, que

muitos não têm, está numa escola técnica federal é ter a oportunidade de crescer mais

rapidamente, de carregar uma experiência diferenciada de muitos, que ainda não se

inseriram nesse meio.

[...]

Para as visitas em obras foi essencial a teoria usufruída com as disciplinas Tecnologia das

Construções, Matérias de Construção, Segurança do Trabalho e Topografia. No

desenvolvimento de projetos as orientações por Instalações Hidrossanitárias, Instalações

Elétricas, Topografia, leitura de projetos em Desenho de Estruturas e Resistência dos

Matérias.

Por fim, primordialmente, para empenha-se nesse ramo, as matérias vistas no curso Técnico

em Edificações Desenho Técnico e Desenho Assistido por Computadores são

indispensáveis, as visitas técnicas feitas pela instituição e os projetos de pesquisas

desenvolvidos, foram de grande contribuição. (p. 27 – 28 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Page 375: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

374

REDO5 –

EDIF 01,

2018

[...] Com o conhecimento adquirido em sala de aula ficou bem mais claro, na prática, o

uso a importância e a finalidade dos impermeabilizantes. (p. 07 – destaques nossos)

Atividades desenvolvidas

Foi uma atividade bem enriquecedora e fixadora para a minha formação na área, pois os

levantamentos feitos após a medição condiz com assuntos de matérias que necessitaram do

mesmo calculo durante o curso, por exemplo a matéria técnica Planejamento e Controle de

Obras (PCO) vistas nos anos anteriores. (p. 11 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Assim, a valoração e o reconhecimento de que o resultado do relatório de estágio se

constitui por outras vozes foram enfatizados também no relatório de REDO5 – EDIF 01, 2017.

Nesse contexto, o discente ressaltou que não poderia deixar de agradecer o apoio que “de forma

direta ou indireta”, recebeu “nesse processo”. Neste ponto, o aluno ressaltou a figura do

professor orientador, de outros professores e ex-orientadores que passaram nesta etapa

formativa, além da supervisora do estágio. Segundo o estagiário, todos esses o apoiaram ou

ofertaram, sobretudo, nas dificuldades: “experiências próprias e conselhos enriquecedores”,

“acreditaram no meu potencial e me auxiliaram em diversas vezes, fazendo com que assim,

crescesse de forma profissional e pessoal, agregando conhecimentos científicos que foram

cruciais para o meu desenvolvimento”. Esse fio discursivo que visualizamos os efeitos de

sentidos nos indicia sobre os letramentos vivenciados não somente por REDO5 – EDIF 01,

2017, mas por outros discentes que tiveram a oportunidade de vivenciar o IF para além dos

“muros escolares” regulares, pois a esses estudantes é oportunizado o contato com práticas

acadêmicas ainda na educação básica. Deste modo, esses são inseridos em outras culturas do

escrito preconizadas como óbvias e adquiridas por outros sujeitos apenas quando ingressam no

ensino superior (BATISTA JÚNIOR, 2020).

Nesse sentido, o relatório de REDO5 – EDIF 03, 2017 enaltece a instituição de ensino

e a possibilidade de proporcionar tal contato com o mundo do trabalho e da academia. Para o

estudante, a oportunidade teve “um papel importantíssimo” (campo valorativo acentuado), pois

representou “a confirmação de um espírito pesquisador e curioso, que pude notar neste período

dentro do Instituto Federal – Campus Salgueiro, como estagiário”. Esse discente também

reconheceu que “discutir o conhecimento teórico e prático obtido em aulas de topografia do

curso técnico, [possibilitou] o que me poderá me servir futuramente na atuação profissional”.

Nessa cadeia enunciativa que estabelece elos com o passado, com o presente e com o futuro, o

estudante expôs como estabeleceu vínculos com o conhecimento apreendido. Assim, o aluno

citou com destaque a disciplina de Topografia e de que maneira o conteúdo estudado havia o

auxiliado e poderia ajudá-lo ainda mais no futuro.

Page 376: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

375

De maneira similar, REDO5 – EDIF 01, 2018 afirmou que “Com o conhecimento

adquirido em sala de aula ficou bem mais claro, na prática, o uso a importância e a finalidade

dos impermeabilizantes” ou “os levantamentos feitos após a medição condiz com assuntos de

matérias que necessitaram do mesmo calculo durante o curso, por exemplo a matéria técnica

Planejamento e Controle de Obras (PCO) vistas nos anos anteriores”. Nesse viés, o estudante

associou os conteúdos que cumprem seus objetivos educacionais e o propósito do curso

profissionalizante de Técnico de Edificações com o campo de trabalho, futuro espaço de

atuação desses sujeitos-estagiários.

Por fim, analisemos os excertos de REDO5 – EDIF 04, 2017, uma vez que entendemos

que a discente se mostrou capaz de sintetizar e expressar o escopo dessa RD de reconhecimento

das marcas acadêmicas e profissionais na formação. Reforçamos que a estudante-estagiária

anunciou com uma voz própria, singular e peculiar a sua relação de gratidão com a oportunidade

de se transformar em Técnica em Edificações. Para isso, ela revisitou momentos da sua

capacitação que precederam o próprio estágio, avultando que no ambiente escolar foi possível

obter os conhecimentos para o sucesso dessa etapa. Assim, a estudante evocou sujeitos que

estiveram ao longo desse processo e do estágio em si. Segundo a aluna-estagiária, esses sujeitos

auxiliaram-na no percurso (“professores”, “pessoas”, “orientador”, “companheiros de

trabalho”, “colega de turma”, “supervisor de estágio”, “Design de Interiores”, “amigos”,

“família IF Sertão-PE”), modificando-a de tal forma que o que transparece é o sentimento de

se sentir agraciada e contemplada pela essência da formação, já que frisou que: “Obter

conhecimento de nada valeria se esses não pudessem ser aplicados e transformados em

benefícios pessoais e para a sociedade, a teoria com a prática são o conjunto ideal do

sucesso.”.

Além disso, a estudante engrandeceu a particularidade de estudar na rede técnica

federal, enfatizando que a constituição dessa instituição se faz, principalmente, pelas pessoas

que a integram. Assim a discente expressou “minha mais sincera gratidão a toda a família IF

Sertão – PE – Campus Salgueiro que é formada de servidores, alunos e terceirizados, pois,

sem nenhum deles a realidade de uma escola federal jamais seria possível”. Ainda nesse

aspecto, a aluna pontuou que “está numa escola técnica federal é ter a oportunidade de crescer

mais rapidamente, de carregar uma experiência diferenciada de muitos, que ainda não se

inseriram nesse meio”. Não diferentemente, ao reconhecer a importância desse espaço

formativo, a estudante ainda especificou quais disciplinas da área técnica mais haviam

colaborado com sua atuação quando do estágio. A lista contemplou diversas áreas do

conhecimento, tais como: Tecnologia das Construções, Materiais de Construção, Segurança do

Page 377: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

376

Trabalho e Topografia, Instalações Hidrossanitárias, Instalações Elétricas, Topografia,

Desenho de Estruturas e Resistência dos Matérias, Desenho Técnico e Desenho Assistido por

Computadores. Isso nos mostra o diálogo responsivo daqueles documentos institucionais com

o processo de capacitação e formação que se instaura para o aprendizado dessa CP em

particular.

Em suma, como nos lembra Bakhtin (2017, 2018), as relações dialógicas não são

correlacionadas tão somente ao nível linguístico do enunciado, mas sim por serem produzidas

via discurso e estarem-no âmago desse, é que se revela o choque dialógico de no mínimo duas

vozes. Como consequência, essas nos indiciam muito mais do que possa existir na superfície

linguística. De fato, esse entendimento nos permite transparecer realidades históricas e sociais,

valores e posições ideológicas, luta e consenso, uma vez que os signos ocupam posições

semânticas, além de carregarem sentidos co-construídos em determinado tempo e espaço.

Portanto, essas mesmas relações demonstram como somos seres dialógicos e nos constituímos

dialogicamente, pois é pelo outro que nos inteiramos e nos formamos identitariamente; é pelo

olhar do outro que é possível travarmos o acordo e o desacordo, o reconhecimento ou o a ojeriza

com o já-dito; é por meio dessas relações que um indivíduo demonstra a capacidade de enxergar

a si próprio como integrante ou não de uma determinada CP. Como nos lembra Bakhtin (2018,

p. 323): “[...] Eu não posso passar sem o outro, não posso me tornar eu mesmo sem o outro; eu

devo encontrar a mim mesmo no outro, encontrar o outro em mim (no reflexo recíproco, na

percepção recíproca [...]”.

5.3 PROJETOS COMPLEMENTARES – AS COMUNIDADES DE PRÁTICA DOS

CURSOS DE AGROPECUÁRIA E DE EDIFICAÇÕES: O DOMÍNIO, O

EMPREENDIMENTO E O REPERTÓRIO PARTILHADO

Segundo Wenger e Wenger (2015), o conceito de comunidade de prática (CP), conforme

associamos ao viés dos NLS, foi denominado de forma mais recente, porém enquanto fenômeno

ou como ação/condição humana, esse deve ser considerado como algo mais antigo, uma vez

que as pessoas desde sempre tendem a se formarem e se “comprometem a participar de um

processo de aprendizagem coletivo de acordo com um domínio ou âmbito partilhado de esforço

humano” (tradução nossa)178. Como exemplo de formar parte, podemos citar: uma tribo, uma

178 No original: “se forman por personas que se comprometen a participar en un proceso de aprendizaje colectivo

dentro de un domínio o ámbito compartido de esfuerzo humano.”.

Page 378: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

377

banda, um grupo de empresários, uma comunidade religiosa, um time esportivo, entre tantas

outras maneiras de integração coletiva com finalidades e interesses em comum.

Ainda de acordo com Wenger e Wenger (2015), essa ideia de seres sociais é o

pressuposto inicial de uma CP. Logo, sinalozamos que como estamos compreendendo as CP

em contextos singulares de aprendizagem, avultamos que nessas a prática de um determinado

grupo social organizado tende a partilhar práticas que lhes são comuns e recorrentes. Ademais,

nessa participação, os membros costumam desenvolver determinados conhecimentos no

sentido tanto de executá-los como ampliá-los por intermédio de tarefas específicas, cumprindo

assim determinados papéis nessa engrenagem (WENGER; WENGER, 2015; NAVARRO,

2013).

Dessa forma, como analisamos nas dimensões interdiscursivas e no diálogo travado nos

documentos institucionais (como um dos interlocutores mediadores dos letramentos),

percebemos que o estágio, ou melhor, o relatório de estágio, revela-nos como essas CP foram

e são constituídas enquanto grupos sociais distintos. Esse contexto ainda nos possibilita a

observação das peculiaridades quanto o que compõe uma própria comunidade: o domínio, o

empreendimento e o repertório. Neste quesito, destacamos como cada um desses componentes

que, a princípio, seriam condições de constituição das CP podem ser entendidos e vislumbrados

pelas pontes visíveis na materialidade discursiva dos discentes-estagiários.

Em nossa concepção, estamos diante de traços de uma comunidade discursiva179 ao

pensarmos nas CP investigadas, especialmente, quando as observamos com as lentes da

abordagem dialógica do discurso ao compreendermos a linguagem posta, neste contexto,

perpassada por questões ideológicas e de poder. Sublinhamos que a nossa proposta é construir

pontes e elos entre a ADD e o NLS nos pilares de determinadas noções. Essas noções integram

sujeito, enunciado, dialogismo, gênero, componente histórico-social, perspectiva axiológica e

ideológica, entre tantos outros pontos que debatemos ao longo desta tese. Assim, nosso contexto

investigativo singular dos sujeitos de EMI que estão no princípio de suas jornadas acadêmicas

e profissionais é que compreendemos a necessidade de entendê-los como membros de uma CP

peculiar.

Nessa comunhão, destacamos que Wenger e Wenger (2015) entendem que o domínio,

o empreendimento e o repertório vivenciado por uma determinada CP podem ser

179 Swales (1990) propõe a noção de comunidade discursiva como conjunto de objetivos públicos comuns que

instaura ações retóricas compatíveis com o uso de um determinado gênero em uma dada situação comunicativa

pelos membros dessa comunidade. Em nossa acepção, estamos definindo essa expressão por outro ângulo

discursivo de base téorica-metodológica distinta de Swales.

Page 379: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

378

compreendidos, respectivamente, como: as marcas de interesse dos membros, somada as

destrezas e/ou habilidades que os caracterizam; as metas de aprendizagem estabelecidas entre

os pares, buscando “refletir de forma conjunta, se relacionar e gerar novas ideias” (GARZÓN,

2020, p. 09 – tradução nossa)180, ou seja, entorno de um comprometimento partilhado; e, a

atuação dos participantes ao agirem em comunhão: reconhecendo entre si como integrantes,

demonstrando competências, experiências e soluções para os problemas de forma a conviver

entre grupo por meio das práticas, recursos e ferramentas utilizadas.

Quadro 51 – Caracterização de uma Comunidade de Prática.

COMUNIDADE DE PRÁTICA

Domínio do

conhecimento

Campo de atuação

Terreno comum de assuntos

Propósitos partilhados

Empreendimento Inserção na comunidade

Envolvimento/Senso de pertencimento

Troca de conhecimentos com vistas a construção de relações

Relações interpessoais

Repertório Prática específica profissional

Prática compartilhada Experiências/Histórias

Ferramentas/Estruturas

Gêneros discursivos vivenciados

Fonte: Adaptado de Wenger e Wenger (2015).

Assim, propomos pensar a CP segundo a organização que montamos no Quadro 51.

Enfatizamos que esse material deve ser considerado algo de cunho meramente didático, pois

essas características possuem uma linha muito tênue entre elas. De fato, tais demarcações não

são estanques, mas se somam e se correlacionam na busca dessa constituição. Portanto, frisamos

pensar essa composição das CP de Agropecuária e de Edificações sob o prisma do enunciado,

do teor do discurso, como estamos costurando ao longo de nossa tese.

Para isso, de início, reforçamos que, desde a análise dos documentos institucionais,

vemos como são estabelecidas e demarcadas certas particularidades dos grupos em tela

(subseção 5.1.1 da tese), já que em dados momentos esses interlocutores os compreendem como

grupo social homogêneo, tratando-os de maneira uniforme, tanto nas diretrizes do processo

educacional quanto nas orientações sobre a forma composicional do gênero relatório de estágio.

Somente nos PPC de cada curso podemos notar um direcionamento mais explícito sobre o perfil

dos membros das respectivas CP, bem como sobre o domínio na dimensão, especialmente, do

terreno de assuntos partilhados (subseção 5.1.1.2).

180 No original: “[...] reflexionar conjuntamente, relacionarse y generar nuevas ideias.”

Page 380: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

379

Por outro lado, em resposta, a CP, já em funcionamento, é revelada por meio do discurso

dos discentes-estagiários a partir da criação de traços próprios na confecção do relatório. Tal

delineamento também se dá ao enunciarem de uma determinada forma as seções que compõem

esse gênero ou ao evocarem o outro no fio do discurso, ou ainda ao travarem um diálogo

singular com o já-dito, por exemplo. Elucidamos que esses pontos foram debatidos ao longo da

seção de análise desta nossa investigação: assim, nosso objetivo na presente etapa é apenas

reafirmar essas características que peculiarizam as CP analisadas em torno desse letramento

acadêmico-profissional. Para tal, apresentamos alguns excertos que não foram trabalhados nas

demais seções e que nos revelam como o domínio, o empreendimento e o repertório se fazem

presentes nesses grupos. A título de exemplificação, construímos uma análise mais aprofundada

de um relatório que compõe cada CP. Em seguida, dispomos em um quadro sintético quais

singularidades são expressas nos demais relatórios diante das amostras recortadas, visando

caracterizarmos em qual componente da CP os discentes fizeram uso e reafirmaram sua filiação

nesse e não em outro grupo.

Evidenciamos, de início, que, na CP de Agropecuária, as particularidades são

vislumbradas pelo próprio dizer, pela narrativa da experiência do estágio dos discentes-

estagiários. Logo, em REDO2 – AGRO 01, 2016 encontramos tais características por meio das

discussões travadas, pela descrição das formas de aprendizagem vivenciadas, pela forma de

dizer e demonstrar uma certa “expertise” sobre o conteúdo ou assunto abordado no estágio,

pelas formas de pertencimento ao grupo (as denominações aos membros que a compõe) ou

ainda pela forma que é repassada a história da dedicação sobre a prática experienciada na

situação do estágio.

Quadro 52 – CP de Agropecuária: REDO2 – AGRO 01, 2016.

RELATÓRIO EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 01,

2016

Assim como os outros manejos, a reprodução tem enorme importância na Bovicultura

leiteira. Um manejo reprodutivo eficiente, seguido por um manejo nutricional e sanitário

adequado, é responsável direto para obtenção de uma elevada produtividade e uma maior

qualidade na produção, conseguindo assim, mais rentabilidade no produto final.

[...]

A inseminação artificial exerce uma importância muito grande na reprodução animal, mas

um fator determinante que atrapalha a eficiência da mesma é a detecção do cio das vacas.

Durante o estágio, tivemos a oportunidade de fazermos alguns ensaios de inseminação

artificial em peças do sistema reprodutor da vaca conservada em formol e no próprio

animal; Ilustração 2. (p. 11 – destaques nossos)

Como fonte de suplementação proteica (banco de proteína) utilizávamos um piquete com

Leucena (Leucaena leucocephala). Durante a época de estiagem, os pastos perdem a

capacidade produtiva e os índices de nutrientes e proteínas caem progressivamente. Sabendo

que na utilização dos alimentos pelos ruminantes, para que o rúmen mantenha suas

atividades normais é necessária uma dieta com pelo menos 7% de proteína bruta e os pastos

nativos não tem a capacidade de suprir essa necessidade para a atividade metabólica do

Page 381: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

380

rúmen, a Leucena servirá exclusivamente para suprir essa carência. Porém, a leucina

apresenta uma limitação, pois contém uma substância denominada mimosina (aminoácido)

que causa a queda dos pelos, quando ministrada acima de 50% da dieta de forma contínua,

por períodos longos, especialmente a não ruminantes ou ruminantes ainda não adaptados.

[...] (p. 14 – 15 – destaques nossos)

- Caso a vaca não faça a limpeza do bezerro, é orientado que o trabalhador ou o técnico que

acompanha o parto façam a limpeza das narinas do bezerro com papel toalha, limpando todo

o resto de liquido plancentário, se o bezerro estiver dificuldade em respirar é orientado fazer

uma massagem cardíaca no mesmo. (p. 16 – destaques nossos)

Durante o período que passamos no setor fomos responsáveis por fazer ordenha e higienizar

a sala de ordenha. Antes de começarmos, sempre esquentávamos um balde de 10 litros com

água para desinfetar o maquinário de ordenha. Logo após, deslocávamos as vacas do curral

até o local da ordenha para fazermos o pré-dipping, que incluía a lavagem das tetas com

água corrente, secagem, teste da caneca de fundo preto, imersão do teto em iodo 5% e

secagem. Após concluirmos a ordenha o essencial seria fazermos o pós-dipping, porém por

orientação técnica que nos acompanhava não fazíamos, pois logo após a ordenha o bezerro

iria se amamentar com o que sobrasse de leite e o iodo poderia contaminar o leite que o

bezerro iria ingerir, ela também nos informou que a saliva do bezerro funciona como

desinfetante e chega a matar alguns microrganisamos que possam contaminar o teto.

Quando acabávamos a ordenha, levávamos as vacas e os bezerros para um piquete com

leucina, então não corria o risco das vacas deitarem-se, pois estavam ocupadas se

alimentando. (p. 17 – 18 – destaques nossos)

[...] O método cirúrgico consiste na retirada total dos testículos do animal, este procedimento

deve ser feito somente pelo médico veterinário. Este procedimento é o mais seguro, porém o

mais caro. O outro procedimento é feito utilizando um alicate conhecido como Burdizzo.

[...]

Nos animais que estavam no semi extensivo o manejo reprodutivo praticamente não existia,

pois não tinha controle de cobertura e nem controle de nascimento. Os animais não estavam

sob a observação do trabalhador e nem do técnico responsável [...] (p. 20 – destaques

nossos)

Este mesmo animal dias após a sua morte passou por um procedimento de necropsia. A

necropsia é indicada que faça em no máximo 24 horas após a morte, pois a atividade

bacteriana pode modificar a situação inicial do cadáver pós-morte, veja ilustração 20. Na

necropsia não achamos nada que expressasse muita responsabilidade para acarretar na

morte do animal, porém ainda encontramos alguns nódulos nos pulmões do animal, estes

nódulos são fortes indicativos de que o animal estava infectado por Corynebacterium

pseudotuberculosis, bactéria causadora da Linfadenite casesoa; ilustração 21. Também

encontramos alguns Helmintos no sistema delgado no animal, isso representa um forte

indício de verminose. (p. 26 – destaques nossos).

A fêmea doente deve ser imediatamente isolada do rebanho. O tratamento deve começar pela

higienização dos locais de ordenha, lavagem com água e sabão dos antebraços, mãos e

cortes das unhas do ordenhador, limpeza do úbere com solução desinfetante, secagem com

papel toalha, uma para cada teta e imersão das mesmas, após a ordenha, em solução

desinfetante. Silva et.al. (2011), considera que o produtor deve ter os seguintes cuidados com

os animais doentes: (p. 29 – destaques nossos)

[...] Além disso, o nível de conhecimento técnico dos agricultores na produção é muito baixo

e a tecnologia aplicada na produção dos pequenos produtores é escassa e ineficiente. (p. 32

– destaques nossos)

Aqueles animais machos que não tem interesse de reprodução na pocilga eram submetidos

ao procedimento de castração cirúrgica. Chegamos a acompanhar e auxiliar em uma dessas

cirurgias. O suíno castrado era acompanhado diariamente por nós, que fazíamos a lavagem

do local da cirurgia com água e sabão neutro e aplicação de antibiótico local (Terra Cortril)

e repelente para impedir a contaminação por bicheira. A cirurgia foi feita de uma foram em

que o médico veterinário fez dois cortes no saco escrotal, verficar ilustração 31, e a

cicatrização total demorou o dobro do tempo normal, pois aconteceu um processo

inflamatório, devido a isso uma atenção especial foi dada a este animal para impedir uma

piora no estado de saúde do animal. (p. 34 – 35 – destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 382: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

381

Dito isso, o domínio é recuperado quando o aluno busca demonstrar controle e

conhecimento para os seus pares, interagindo de forma a se inserir enquanto membro sabedor

de um dado fato, quer seja acadêmico, quer seja de ordem profissional. Nesse sentido, merecem

destaque os excertos: “Como fonte de suplementação proteica (banco de proteína) utilizávamos

um piquete com Leucena (Leucaena leucocephala)”, “Sabendo que na utilização dos alimentos

pelos ruminantes, para que o rúmen mantenha suas atividades normais é necessária uma dieta

com pelo menos 7% de proteína bruta”. Somem-se a estes, trechos como: “Durante o período

que passamos no setor fomos responsáveis por fazer ordenha e higienizar a sala de ordenha”,

“A necropsia é indicada que faça em no máximo 24 horas após a morte”, “Na necropsia não

achamos nada que expressasse muita responsabilidade para acarretar na morte do animal”.

Tais passagens nos sinalizam como o aluno-estagiário costuma buscar o diálogo com o

conhecimento que circula, em seu grupo social, sobre as formas do manejo nutricional e

sanitário do animal. Assim, mostrando-se capaz de demonstrar, por meio da apropriação dos

fatos o conhecimento daquela cultura, no qual há uma certa identidade e valor posto sobre a

especialização. Nesse sentido, o estudante demarca o domínio para o seu interlocutor (membro

real daquela situação imediata) e partilha as responsabilidades que o ofício ou a comunidade

exigem (GARZÓN, 2020), indiciando-nos como esses mesmos membros o autorizaram a

formar parte desse processo: “fomos responsáveis”, como uma voz autorizativa do que o aluno

poderia fazer.

Em relação ao empreendimento, que envolve uma construção com o relacionamento e

com as formas de aprendizagem em uma dada CP, vemos a partilha de informações, a discussão

técnica, o envolvimento crítico sobre determinados problemas e a busca de soluções. Assim

sendo, o discente-estagiário debateu sobre as formas do manejo reprodutivo serem mais

eficazes, além de ter enfatizado que teve a oportunidade de se inserir em uma determinada ação,

ajudando as tarefas que são designadas ao membro de sua CP: “Um manejo reprodutivo

eficiente, seguido por um manejo nutricional e sanitário adequado, é responsável direto para

obtenção de uma elevada produtividade e uma maior qualidade na produção, conseguindo

assim, mais rentabilidade no produto final” e “Chegamos a acompanhar e auxiliar em uma

dessas cirurgias. O suíno castrado era acompanhado diariamente por nós, que fazíamos a

lavagem do local da cirurgia com água e sabão neutro e aplicação de antibiótico local”. Além

disso, o estudante sinalizou as relações interpessoais que foram construídas com os diversos

membros que integram ou permeiam a sua CP, a saber: “trabalhador”, “técnico”, “médico

Page 383: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

382

veterinário”, “técnico responsável”, “ordenhador”, “produtor”, “agricultores”, “pequenos

produtores”.

Como relações que são orientadas, a inserção nessa comunidade normalmente se dá

porque o “[...] êxito na interação e diálogo consolidam a vida na comunidade, criando vínculos

que geram resultados para essa e seus membros.” (GARZÓN, 2020, p. 04 – tradução nossa181),

tal como observamos no seguinte excerto: “Durante o estágio, tivemos a oportunidade de

fazermos alguns ensaios de inseminação artificial em peças do sistema reprodutor da vaca

conservada em formol e no próprio animal”.

No repertório, aspectos como a dedicação a uma prática específica, delimitada sobretudo

por algum membro de maior expertise, as experiências debatidas, as ferramentas utilizadas, a

história/o vivido e as formas de lidar com as adversidades também nos indiciam a inserção do

sujeito nessa CP. Por isso, REDO2 – AGRO 01, 2016 inseriu essas marcas ao narrar seu

aprendizado, como: “Antes de começarmos, sempre esquentávamos”, “Logo após,

deslocávamos”, “Após concluirmos a ordenha o essencial seria fazermos”, “Quando

acabávamos a ordenha, levávamos”, “O tratamento deve começar pela higienização dos locais

de ordenha” e tantos outros exemplos.

De forma análoga, ao recuperar indicações dos instrumentos, dos gêneros do discurso,

dos termos técnicos socializados nessa CP, estamos diante do repertório utilizado pelos

discentes. Dito isso, nos excertos do Quadro 53, encontramos termos técnicos que, por exemplo,

indicam-nos a inserção naquela comunidade específica, como: “Piquete”, “resto de liquido

plancentário”, “maquinário de ordenha”, “curral”, “pré-dipping”, “pós-dipping”, “alicate

Burdizzo” e “pocilga”.

Conforme evidencia Volóchinov (2019), o léxico utilizado por grupos socialmente

organizados representa a própria forma de expressão social sob três lentes: o sujeito do discurso

(o autor), o interlocutor (o leitor, o ouvinte, os interlocutores mediadores dos letramentos), e o

objeto daquela realidade social. Neste nosso contexto, estamos diante ainda do que Bakhtin

(2018) denomina de jargões profissionais. Portanto, em nosso entendimento, esses aspectos

integram e singularizam o repertório da CP de Agropecuária.

No Quadro 53, retomamos outros exemplos dessas particularidades em torno do

domínio, do empreendimento e do repertório por intermédio de demais passagens de outros

relatórios que caracterizam essas práticas da CP de Agropecuária.

181 No original: “Se logra interacción y diálogo consolidan la vida de la comunidad, creando vínculos que generan

resultados para ésta y sus membros.”

Page 384: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

383

Quadro 53 – CP de Agropecuária: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios.

RELATÓRIO EXCERTOS

REDO2 –

AGRO 02,

2017

Vieira (2008), destaca que quando há animais doentes, existe queda da produção e

produtividade, gastos com medicamentos, consequentemente prejuízo econômico e

diminuição da lucratividade da fazenda. A principal causa é o manejo sanitário deficiente na

propriedade.

Daí a importância de saber fazer um manejo adequado, utilizando as medidas corretas para

desenvolver as atividades de produção, medicamentos corretos e eficazes no tratamento das

doenças, preocupando-se com a sanidade do animal para posteriormente haver um bom

retorno em lucros. (p. 10 – destaques nossos)

Uma vacina muito procurada principalmente pelas pessoas que criam suínos é a suiven,

esta é utilizada contra uma doença chamada salmonela ou paratifo dos leitões, que causa

pneumonia popularmente conhecida como batedeira. (p. 13 – destaques nossos)

Reflexão: No primeiro excerto, a discente busca demonstrar o conhecimento debatido na área

ao retomar uma voz de autoridade e promove, assim, uma breve explanação sobre a sanidade

animal, visando entrar no quesito competência coletiva pela forma de especialização

manifestada.

No segundo, ela continua asseverando esse domínio ao refletir sobre o uso de uma vacina

utilizada para acabar com algumas doenças comum em suínos. Além disso, a estudante-

estagiária demonstra um certo empreendimento ao compreender as formas populares de como

a doença é conhecida, construindo assim relacionamentos entre os saberes

técnicos/acadêmicos com a vivência profissional.

REDO4 –

AGRO 01,

2017

A aftosa é uma enfermidade causada pelo vírus, não há transmissores é vinculado pelo ar,

água e alimento, apesar de ser sensível ao ar e a luz, altamente contagiosa que ataca todos

os animais de casco fendido (bovinos, suínos, ovinos e caprinos) lembrando que a vacinação

para os caprinos e ovinos só é necessária quando surge caso na região, onde não é do nosso

interesse no momento.

A doença apresenta feridas na boca, testas e cascos, além de falta de apetite, ranger de

dentes. O animal baba, mastigando e engolindo vagarosamente devido ás feridas

encontradas na boca do mesmo.

Em relação ao tratamento dessa enfermidade, não tem cura. O que pode ser feito é tratar

as feridas com pomadas e evitar infecções secundárias, ou seja, inflamações que surgem

depois da aftosa, não sendo viável, pois quando identificado essa patologia em determinado

sítio, todos os animais, obrigatoriamente, serão sacrificados. (p. 05 – destaques nossos)

Para Técnicos em Agropecuária, Zootecnistas e Veterinários, é simples entender a

importância da cura do umbigo de um animal. Já quando se fala em proprietários rurais,

isso não se trata mais de um caso tão óbvio como aparenta ser, não tendo o intuito de

desvalorizar o conhecimento do homem do campo, pois devemos admirar todo seu

aprendizado. [...]

Apesar de ser uma coisa simples, ou não, às vezes, aqueles que deveriam ter um maior

desempenho acabam não tendo o conhecimento suficiente. Por esse e vários outros motivos,

deve-se dar a importância a formações de profissionais da área, onde cabe, não deixar

dúvidas, aqueles que por sua vez têm um contato superior com o campo. (p. 10 – 11 –

destaques nossos)

Reflexão: O estudante-estagiário visa a estabelecer um diálogo com o conhecimento sobre a

doença em tela (a aftosa), informando a seus interlocutores as características dessa

enfermidade (domínio dentro de uma CP), além de no seu empreendimento ajudar os pares,

atentando-os para certas soluções, demonstrando por outro lado o repertório adquirido para

solucionar esses problemas. Além disso, o aluno explora os termos-técnicos da área ou a

designação dos membros que pertencem a essa CP.

No segundo excerto, ele revela ainda uma certa áurea de superioridade na sua formação diante

de conhecimentos “natos” vindos de outros grupos sociais que tocam de certo modo a sua

própria CP, mas não tem tanta “credibilidade” entre os pares, justamente pelo valor posto no

domínio da expertise.

REDO4 –

AGRO 02,

2017

Caracterizadas por vesículas, também denominadas aftas (ao que se deve a denominação

da enfermidade), erosões e úlceras na mucosa oral, epitélio lingual, nasal, mamário, além

de lesões na região coronária dos cascos e nos espaços interdigitais. A mesma não tem cura,

quando identificado um caso é obrigatório o sacrifício dos animais nos focos de ocorrência

e em um raio de segurança de aproximadamente 10 km. (p. 07 – destaques nossos)

Page 385: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

384

[...] Os indivíduos mais expostos são os que lidam com animais, tais como veterinários,

criadores, tratadores e trabalhadores de frigorifico. [...] (p. 08 – destaques nossos)

Reflexão: O discente se utiliza dos termos técnicos da área para tanto demonstrar o

envolvimento e o empreendimento dentro desse contexto de aprendizagem, bem como

sinaliza os membros que integram seu campo de atuação.

REDO4 –

AGRO 06,

2017

No decorrer do estágio auxiliei o medico veterinário XXX em vários casos e adquiri um

conhecimento maior na parte de doenças e cirurgias. O mal triste que é causado por um

carrapato onde o animal fica sem apetite, triste, sem força e sem fazer necessidades.

Com o decorre do tempo e presenciando alguns casos de cirurgia como descorna cesariana,

amputação e castração. Na farmavet onde ganhei um melhor conhecimento na parte de

mercado de trabalho como em funções de medicamentos e experiência em alguns casos de

cirurgia: [...] (p. 03 – destaques nossos)

Reflexão: A ajuda entre os pares e o processo da participação periférica legitimada é vista na

narrativa do discente. Os sujeitos constroem relacionamentos e formas de aprendizagem

mútua ao partilharem informações e interagirem entre si. Além disso, o discente revela termos

técnicos utilizados na sua ação profissional nessa etapa formativa.

REDO4 –

AGRO 01,

2018

As atividades do estágio viraram orientar produtores quando à introdução de técnicas de

manejo sustentáveis que aumentem a produtividade dos rebanhos, diminuam o impacto

ambiental e os custos de produção da caprinovinocultura de corte ou leite. Também

apresentar aos produtores, alternativas viáveis para aumento da produção a níveis que

garantam o abastecimento do mercado consumidor local e regional, gerando renda ao

produtor e melhoria da qualidade da carne, ou leite, com consequente obtenção de melhor

preço final do produto. Outras atividades/objetivos do estágio foram:

*Proporcionar uma interação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sertão

Pernambucano, seus discentes e docentes com a comunidade rural da região. Cumprindo o

papel social que motivou a interiorização da educação no país e possibilitando a prática

agrícola aos alunos do Curso Técnico em Agropecuária *Apresentar a comunidade rural, as bases do ensino tecnológico, desta forma atraindo

produtores rurais, jovens e adultos, para comporem o quadro discente do Curso Técnico em

Agropecuária.

*Geração de dados que servirão como base para pesquisas e produções técnicas na área

zootécnica e veterinária (indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão).

*Participação em feiras e eventos agropecuários para divulgação das ações do projeto, bem

como, divulgar o Curso Técnico em Agropecuária.

*Deixar em cada rebanho um Rufião, para que haja uma melhora considerável no manejo

reprodutivo do plantel.

*Fazer diagnóstico precoce gestacional, e indicar o melhor forma de manejo das fêmeas

gestantes. (p. 07 – 08 – destaques nossos)

Reflexão: O discente-estagiário destaca, especialmente, o retorno social da etapa formativa

que vivencia, para isso ele demarca o repertório utilizado para se dedicar a essa prática

específica de colaborar com a produtividade dos rebanhos da região. Além disso, mesmo

usando de verbos no infinitivo como ações de um projeto, de um vir a ser executado, ele

discorre sobre as experiências ao utilizar de métodos e ferramentas que busquem consolidar

a reputação da CP no qual ele integra.

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

De acordo com lição de Bronfman (2011), existem em qualquer comunidade níveis

diferentes de participação e inserção. Essa peculiaridade está atrelada à necessidade de

aceitação do novo membro em acessar os distintos nivelamentos que a própria CP o convida:

nesse sentido, refletimos sobre a participação periférica legitimada. Logo, podemos entender

que alguns sujeitos costumam demonstrar maior ou menor forma de engajamento por meio de

seus discursos. Na realidade, enquanto grupo do curso de Agropecuária, vemos que não é

somente o fato de ser aluno daquele curso que torna o sujeito membro daquela CP. De acordo

Page 386: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

385

com estudo de Garzón (2020), é necessário que haja esse compromisso mútuo segundo um

contexto específico de aprendizagem; uma empresa que também possua senso de

responsabilidade, abertura para trocar experiências e, de fato, proporcionar aprendizagens

significativas; além de dispor de repertório de experiências compartilhado entre seus membros.

Figura 33 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Agropecuária.

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Neste contexto, a Figura 33 sintetiza os gêneros desse repertório vivenciado na CP de

Agropecuária. Deparamo-nos, assim, com um número maior e distinto de elementos se

comparados à Figura 14, quando refletíamos sobre os gêneros indiciado já no PPC desse curso.

Naquele documento institucional, havia uma leve indicação do que eles poderiam encontrar

quando da atuação profissional. De fato, esse resultado só nos confirmou o que defende Oliveira

(2010, p. 330), o letramento e suas práticas sempre são mediados por textos, “[...] naturalmente

ter consciência de que o uso de determinados textos depende do sistema de atividades no qual

as pessoas estão inseridas, noutros termos, depende dos papéis que as pessoas exercem e do que

elas necessitam fazer por meio desses textos [...]” em certas condições e contextos, semelhante

ao que acontece quando nos deparamos com as singularidades da CP de Agropecuária, que

atuam próximas das áreas de zootecnia, da nutrição e produção de ruminantes, da produção

animal.

Em relação à CP de Edificações, essas particularidades se distanciam do grupo da CP

de Agropecuária, tanto pela área do saber (enquanto essa última se “enquadra” no grande eixo

CP de Agropecuária

•Projeto

•Gráficos

•Tabelas

•Cadastro

•Relatórios (estrutural, abates, vacinação)

•Declaração - vacinação

•Receituário

•Bulas

•Nota Fiscal

•Via de infração

•Consulta

•Cartaz

•Guia (Trânsito animal)

•Extrato

•Formulário

•Entrevista

Page 387: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

386

das Ciências Agrárias, aquela pertence à área das Engenharias), quanto pelas singularidades

expressas no discurso que as caracterizam. Nessa ótica, destacamos o relatório de REDO5 –

EDIF 01, 2016 para debatermos os traços do domínio, do empreendimento e do repertório,

quando consideramos próprios da CP de Edificações.

Quadro 54 – CP de Edificações: REDO5 – EDIF 01, 2016.

RELATÓRIO EXCERTOS

REDO5 –

EDIF 01,

2016

Importante elencar que esse é o momento no qual o estagiário tem a oportunidade de

conhecer a política da empresa, estabelecer contatos e transitar entre setores, assim como

relacionamento entre o canteiro de obras e o escritório. (p. 08 – destaques nossos)

[...] A ferramenta é uma novidade, o que levou o estagiário a aprender mais sobre o

programa e se familiarizar com o mesmo, pois nunca havia tido contato com o software.

(p. 09 – destaques nossos)

Característica dessa obra foi a utilização de compactadores de solo (Figura 5), já que era

um terreno que ia receber grandes cargas era necessário que o aterro tivesse bem

compactado, utilizando a máquina a cada 35 cm de aterro recebido. Esta obra, viria a

receber treliças espaçadas a cada 50 cm, além de receber uma tela soldada nervurada, com

a intenção de provocar maior atrito e sustentação. O camada de 30 cm de concreto

(especificada no projeto) se uniria às telas e treliças. (p. 12 – destaques nossos)

O piso recebeu lona em toda sua extensão, Treliças espaçadas uniformente e Tela soldada

nervurada 4.2. A camada de concreto foi de 15 cm (especificada no projeto). O piso de

concreto Polido viria a receber também o perfil tipo “U” Galvanizado, ao seu redor, com a

função de após pronto, escoar água e outros materiais (Figuras 8 e 9). (p. 14 – destaques

nossos )

A missão do estagiário na obra foi garantir o bom funcionamento do ambiente de trabalho,

o cumprimento dos prazos diários, a solução de pequenos problemas, o auxilio técnico aos

profissionais, e o repasse de dados e fatos da obra ao engenheiro, arquiteto e gerente

administrativo. (p. 17 – destaques nossos)

Além do conhecimento técnico, o estágio propicia ao estagiário uma série de outras

experiências, como liderança de grupo, e a própria gestão e administração da obra. (p. 20

– destaques nossos)

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Deste modo, o que diz respeito ao domínio, o estudante buscou demonstrar a

competência coletiva e especializada para com seus interlocutores mediadores dos letramentos

(supervisor, orientador, avaliador do relatório do estágio). Assim, visualizamos que o discente

possui consciência sobre a identidade institucional da empresa concedente do estágio, pois por

intermédio disso ele também pode criar pontes e fazer com que os demais membros integrantes

da CP formalizada pudessem olhá-lo de maneira singular. De fato, acerca desse contexto, o

aluno afirmou que o “estagiário tem a oportunidade de conhecer a política da empresa,

estabelecer contatos e transitar entre setores, assim como relacionamento entre o canteiro de

obras e o escritório”.

Na realidade, a compreensão sobre os valores implicados na exigência do perfil, bem

como de uma identidade profissional, pode oportunizar ao discente-estagiário meios de uma

Page 388: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

387

maior inserção dentro do próprio local de trabalho. Assim, ao “ganhar” a confiança, ao

demonstrar esse domínio aos integrantes dessa CP, a participação periférica do discente é

legitimada pelos pares de maior “know-how” e assim lhe são atribuídas mais tarefas de

confiança, pois ele passa a ter uma “missão”: “garantir o bom funcionamento do ambiente de

trabalho, o cumprimento dos prazos diários, a solução de pequenos problemas, o auxilio

técnico aos profissionais, e o repasse de dados e fatos da obra ao engenheiro, arquiteto e

gerente administrativo”.

Neste último exemplo, destacamos, segundo Wenger e Wenger (2015), que em uma CP

sempre precisamos de um líder ou uma espécie de moderador capaz de integrar os demais

membros segundo a dedicação de uma prática específica e assim possa ocorrer o aprendizado.

Geralmente, esses indivíduos em posição de liderança impulsionam os demais, compartilham

conhecimentos adquiridos e dão novas ideias (GARZÓN, 2020), servindo como um guia. Como

consequência, esse papel é normalmente associado ao sujeito de maior saber ou poder dentro

da organização de uma dada CP. Neste caso, especificamente, mesmo sob a supervisão de

pessoas com um maior conhecimento e responsabilidades no local de trabalho, o discente teve

a oportunidade de sentir a função de líder e experimentar as incumbências do cargo.

De fato, o aluno-estagiário, encarou isso de maneira positiva e sintetizou a situação

como algo que agregou para além do conhecimento técnico: “o estágio propicia ao estagiário

uma série de outras experiências, como liderança de grupo, e a própria gestão e administração

da obra”. O discente ainda reconheceu também os membros que integram essa CP ao nomear

os sujeitos que pertencem a esse grupo social, como por exemplo: “estagiário”, “técnico”,

“engenheiro”, “arquiteto”, “gerente administrativo”. Desse modo, além desse léxico próprio

que nomeia os partícipes dessa comunidade, outros termos de teor técnico ancoram o repertório

vivenciado por esse estudante, tais como: “canteiro de obras”, “compactadores de solo”,

“aterro”, “treliças espaçadas”, “tela soldada nervurada”, “concreto”, “piso”, “concreto

Polido”, “U Galvanizado”, entre outros.

Reforçamos que isso nos revela a prática profissional específica de um dado campo de

atuação, proporcionando-nos o entendimento do envolvimento por parte do discente-estagiário

nessa CP, uma vez que foi oportunizado ao estudante o acesso a outros espaços de

aprendizagem distintos da sala de aula: “A ferramenta é uma novidade, o que levou o estagiário

a aprender mais sobre o programa e se familiarizar com o mesmo, pois nunca havia tido

contato com o software” (destaques nossos).

De maneira similar, encontramos movimentos em outros relatórios que fazem partilhar

o pertencimento, o domínio, a comunidade e o repertório dos discentes-estagiários, tanto em

Page 389: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

388

integrar uma CP formalizada (no sentido de já existir previamente) quanto em como contribuir

para as práticas existentes dentro dessa comunidade. Ou seja, os alunos vivenciam a CP e

contribuem com essa própria comunidade.

Quadro 55 – CP de Edificações: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios.

RELATÓRIO EXCERTOS

REDO2 –

EDIF 01,

2016

O seu quadro de funcionários é composto por dois engenheiros, um arquiteto, dois técnicos

em edificações, além de colaboradores do setor administrativos e de manutenção.

Parte de seus colaboradores estão na sede da empresa, sendo responsáveis por

desenvolvimentos de trabalhos relacionados a projetos, licitações e medições de obras. A

maioria dos colaboradores compõe a mão-de-obra operacional, sendo lotados em campo,

atuando no setor de construção civil com obras públicas. (p. 07 – destaques nossos)

Reflexão: A discente-estagiária destaca a comunidade por intermédio dos membros que as

compõe, além de sinalizar os papéis ou responsabilidades que lhes competiram quando da

atuação das atividades.

REDO2 –

EDIF 02,

2016

O procedimento para o recapeamento é divido em várias etapas, sendo elas a ordem de

limpeza da rua, a aplicação do óleo ligante, a aplicação do asfalto, e compactação de

acabamento. Na primeira etapa o operador faz a limpeza das ruas que serão asfaltadas

utilizando vassoura de aço mecânica para retirada dos pedregulhos e terra. Em seguida

ocorre à aplicação do óleo ligante sobre o chão, este é aplicado manualmente pelo operário,

conforme figura 07. Após a aplicação do ligante, o asfalto é aplicado, em camadas sobre o

chão, observar a figura 08. (p. 12 – 13 – destaques nossos)

Reflexão: A estudante destaca ao interlocutor o domínio do conhecimento sobre as etapas que

compõe o processo de recapeamento de ruas e estradas. Neste ponto, estabelece a narrativa

dos procedimentos demonstrando as ferramentas e métodos que são utilizados nesse

repertório sobre o procedimento da tarefa. Termos que designam os membros e termos

técnicos também são evocados nessa narrativa.

REDO5 –

EDIF 01,

2017

A função do fichamento é colocar à disposição do pesquisador e/ou aluno, de forma

organizada e seletiva, um conjunto de informações de normas já consultadas,

imprescindíveis para a elaboração de trabalhos acadêmicos e no caso, ensaios

laboratoriais.

Para a realização do fichamento foi necessário a leitura e consequentemente a

compreensão das normas, já que o fichamento deveria ser sucinto e de fácil compreensão

facilitando o manuseio de alguns equipamentos e ferramentas, bem como a elaboração de

determinados ensaios. (p. 16 – destaques nossos)

Reflexão: No excerto destacado, o aluno-estagiário busca demonstrar a dedicação a uma

prática recorrente segundo o repertório partilhado na CP de seu estágio. Por outro lado,

também sinaliza o empreendimento, pois o objetivo de fichar textos tinha o intuito de

colaborar com os demais membros da CP, em um processo de ajuda, de partilha de

informações e conhecimentos, especialmente, para práticas acadêmicas e laboratoriais que

eram executadas no laboratório da instituição concedente do estágio.

REDO5 –

EDIF 02,

2017

O processo de concretagem da laje acontece da seguinte forma:

Depois de realizadas a verificações pré-concretagem o primeiro passo é assegurar a montagem das instalações necessárias para os sistemas hidráulicos e elétricos

(tubulações e eletro dutos), como pode ser observado na figura 6;

O concreto então deve ser lançado sobre toda a estrutura de laje e logo após deve ser

adensado. Sua espessura deve ser de 4 a 5 cm e o concreto deve cobrir todas as tubulações

e eletro dutos da estrutura (Figura 7); [...] (p. 11 – 12 – destaques nossos)

Reflexão: Como em outros excertos, o discente busca demonstrar uma certa competência

sobre o saber-fazer do processo de concretagem de uma laje, revelando a especialização que

o sujeito deve compreender e assim perpassar para os demais pares o domínio desse saber.

Somado a isso, temos a narrativa desse como fazer e seu respectivo passo-a-passo,

informando como o repertório desse grupo utiliza de formas e métodos específicos na

aprendizagem de tal ação.

Page 390: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

389

REDO5 –

EDIF 03,

2017

O laboratório é composto por ferramentas, materiais e equipamentos, utilizados em aulas

práticas e em projetos de caráter científico. O mesmo é bastante utilizado para realização de

ensaios técnicos destinados a projetos de pesquisa, por meio dos dois grupos de pesquisa da

área da construção civil existentes na instituição, o Grupo de Inovações Tecnológicas na

Engenharia Civil (ITEC) e o Grupo de Materiais Não-Convencionais, estes compostos por

alunos bolsistas, voluntários e professores do curso de edificações, do IF Sertão – PE. O

laboratório de edificações, e a instituição como um todo tem papel importantíssimo na

região, por compartilhar de certo modo, informações sobre inovações tecnológicas e sociais

para a população. (p. 06 – destaques nossos)

Para a realização do levantamento foram utilizados equipamentos específicos para tal

procedimento, tais como: Teodolito, nível óptico, cardeneta de campo, piquetes, trena e mira

falante. (p. 07 – destaques nossos)

O ensaio realizado era parte do projeto, análise da absorção de concretos com resíduos de

construção e demolição em substituição ao agregado graúdo, que tinha como orientador

responsável o professor XXX, e como bolsista orientando, o aluno XXX, e voluntário XXX,

ambos alunos do curso de técnico em edificações da instituição. (p. 10 – destaques nossos)

Reflexão: O discente-estagiário enfatiza além da estrutura física organizacional da instituição

concedente do estágio, as ações de pesquisas desenvolvidas nesse espaço, as vivências em

torno da pesquisa e a promoção do agir científico e acadêmico. Revela, assim, a identidade

construída pelo domínio do saber do grupo e do retorno formativo possibilitadas por essas

ações já na educação básica. Os termos técnicos utilizados na área e a descrição de práticas

específicas que indiciam tanto o empreendimento como o repertório partilhado são

vislumbrados nos excertos.

REDO2–

EDIF 01,

2018

A primeira etapa a qual iniciei o estágio foi a de alvenaria de pedra argamassada (muro de

contenção) [...] (p. 09 – destaques nossos)

Também foi atribuído ao estagiário a responsabilidade de anotar o horário de chegada dos

funcionários, até o período matutino que encerravam suas atividades, de 07h00 às 11h00.

Além desta, também a tarefa de anotar o recebimento do aterro, registrando a quantidade

de carradas de caminhões deixadas por período de manhã na obra, para ver se condizem

com o estabelecido no acordo anteriormente feito. As informações eram repassadas para o

supervisor realizar o pagamento do serviço contratado. [...] (p. 10 – destaques nossos)

Além da alvenaria também foi fiscalizado a armação de ferragens, observando se o

empregado estava respeitando a distância entre os estribos estabelecida no projeto e também

observei se o mesmo fazia a amarração de ferragens de modo a evitar futuros deslocamento

de ferragens. [...](p. 13 – destaques nossos)

Durante o estágio foi possível atuar na parte de fiscalização de obras, parte essencial para

uma execução feita de maneira correta e que possa a vir poupar tempo e consequentemente

dinheiro do empregador mantendo a qualidade da obra. (p. 17 – destaques nossos)

Reflexão: O aluno demarca o empreendimento dado diante dos membros da CP pelo

envolvimento por intermédio das funções que lhe são atribuídas. Neste quesito, ele revela

como constrói os relacionamentos pelo “poder” de liderança que lhe é dado e assim demonstra

fiscalizar as atividades dos demais, mas correlacionado a uma participação periférica

legitimada, já que ele reporta sempre ao seu supervisor as ocorrências das ações. Além disso,

ele recupera uma série de termos técnicos que designam as ferramentas utilizadas quando da

dedicação da prática, no qual ele fiscalizava obras.

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Em suma, a CP de Edificações também nos evidencia possuir sua singularidade diante

do repertório que foi construído entre os membros, de forma conjunta e na prática, que integram

o estágio. Dessa forma, os relatórios analisados nos elucidam os ecos dos gêneros vivenciados

nessa etapa educacional e nos impulsionam a pensar quais gêneros são utilizados na prática

profissional desse campo do saber.

Page 391: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

390

Figura 34 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Edificações.

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Quanto ao processo educacional, estamos acostumados a estudar os gêneros no campo

escolar por meio de determinadas práticas, tradições, hábitos e inclusive como normas (se

pensamos na obediência do cumprimento dos planos de cursos) ou modelos. Contudo,

deveríamos refletir, assim como nos lembram Cassany e López Ferrero (2010), que os gêneros

cumprem papéis sociais. Assim sendo, os gêneros possuem um contexto de produção, adquirem

poder quando em seu uso, estão endereçados, entre outros pontos já debatidos nesta tese. Logo,

avultamos essa reflexão, pois os gêneros elencados pelos discentes da CP de Edificações muito

se assemelham à proposição do PPC de seu curso. Isso indica que o documento se encontra um

pouco mais alinhado com o que é esperado ao discente no seu campo de atuação.

Neste sentido, Valezi et al. (2018) destacam que a produção desenvolvida por cursos

técnicos e tecnológicos e cursos profissionalizantes de EMI dos IF, por exemplo, trazem uma

nova dinâmica correlacionada a práticas discursivas. Tal dinâmica, em especial, busca atender

à demanda do mercado, não destinando somente certas competências sobre ler e escrever a

grupos de intelectuais, mas: “[...] hoje, com as novas exigências de um mercado de trabalho que

não cessa de se renovar e demandar um processo de qualificação permanente, cada vez mais as

habilidades de leitura, interpretação e produção de textos são exigidas também dos técnicos.”

(VALEZI et al., 2018, p. 248).

CP de Edificações

•Projeto (arquitetônicos, estruturais, instalações hidráulicas e elétricas)

•Plantas residenciais

•Planilhas orçamentárias

•Processos licitatórios

•Memorial descritivo

•Tabelas

•Termo emergencial

•Carta-convite

•Lista

•Notas técnicas

•Ensaios laboratoriais

•Levantamento topográfico

•Notificação de obras

•Planta topográfica

•Fichamento

•Legenda

•Parecer

Page 392: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

391

Por isso, entendemos a importância de nosso estudo e o lugar que ele ocupa como uma

resposta responsiva nossa, enquanto professora e pesquisadora que trabalha na rede, e a

potencialidade que há em (re)pensarmos esses espaços formativos. Assim, analisar os relatórios

de estágio nos possibilitou, por intermédio da dimensão interdiscursiva, (re)conhecermos as CP

dos cursos de EMI de Agropecuária e de Edificações, além de compreendermos a singularidade

do letramento acadêmico-profissional do público investigado. Conforme lição de Wenger e

Wenger (2015), os sujeitos membros de uma CP sempre buscam o seu aprendizado para:

solucionar problemas, buscar informações, reutilizar recursos, coordenar e encontrar sinergias,

construir argumentos, potencializar a confiança, discutir formas de desenvolvimento,

documentar e propor a vivência de projetos, organizar encontros, mapear o conhecimento e

identificar lacunas. Em outras palavras, por meio da CP, nos constituímos e o discurso

representa a ponte, o elo entre o “[...] lugar do encontro ético entre eu e o outro. [...]”, nos quais

“[...] as interações são absolutamente obrigatórias, elas são necessárias, a voz do outro precisa

aparecer na minha própria voz. [...]” (MIOTELLO, 2018c, p. 45).

Page 393: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

392

6. (IN)ACABAMENTOS: REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO PROPOSTA

As formas da relação dialógica com o enunciado do

outro, as formas do reflexo do ouvinte e de seu discurso

são extremamente diversificadas, mas quase não foram

objeto de nenhum estudo (quase nada acrescentamos à

retórica antiga). O estudo dessas formas é uma

importante tarefa que se coloca perante nossa ciência.

(BAKHTIN, 2019e, p. 148).

O aprendizado a cada dia renova-se, cada busca pelo

aperfeiçoamento é uma gotícula dentre o mar científico

que integra-se ao profissional. [...] (REDO5 – EDIF 04,

2017, p. 27)

Na presente seção, refletimos sobre algumas considerações em torno de nosso objeto de

estudo, não como algo acabado, mas, seguindo o viés Bakhtiniano, por meio da sua

incompletude e da possibilidade de ampliação de movimentos dialógicos inter, pluri e

transdisciplinares sobre os achados. Neste sentido, destacamos, a princípio, o que nos lembra

Bakhtin (2011, 2018) sobre a necessidade de estudarmos e ocuparmos os espaços sobre as RD,

segundo o prisma de pesquisas discursivas dialógicas. Por isso, justificamos nossa tese ao nos

ancorarmos em uma vertente meta ou translinguística para o nosso projeto de escuta.

Como consequência, o nosso processo de análise acerca do discurso dos discentes-

estagiários partiu da dimensão interdiscursiva (já-dito) nos seus em uma situação singular. Isto

nos possibilitou compreender as RD existentes e como essas também colaboraram para revelar

um dos elos que constituíam duas comunidades de práticas distintas: a CP de Agropecuária e a

CP de Edificações.

Neste ponto, frisamos que entendemos como singular o contexto de produção desses

discentes devido à oportunidade de atuarem no mundo vivido, experimentando a “vivência

única, que cada um se encontra quando conhece, pensa, atua e decide” (PONZIO, 2010, p. 21).

Além disso, o próprio contexto peculiar da cultura do escrito instaurado ainda na educação

básica, por meio de uma inserção acadêmico-profissional nas práticas de letramentos, traz a

peculiaridade das RD desses sujeitos. Conforme nos lembra REDO5 – EDIF 04, 2017, esse

espaço de formação e constituição dos discentes, tal como o que ocorre nos IF, são sempre

interpelados pelas relações que nos constituem, que nos alteram, que nos modificam. Isto

demonstra o real contexto de aprendizagem, pois “eu” descubro, “sou” instigada, pela figura do

outro.

Assim sendo, destacamos que nossas reflexões em torno de nosso corpus foram

construídas sob um dado ponto de vista, sob a nossa responsabilidade, sob o nosso não-álibi,

Page 394: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

393

acerca do fenômeno que nos instigava. Nesse propósito, ao nos colocarmos nessa escuta dos

dizeres de sujeitos do EMI, cuja importância para nossa atuação reverbera de maneira

particular, compreendemos, de igual modo, o retorno desta tese para o IF Sertão/PE, nossa

instituição, sobre repensar o contexto formativo e a própria estrutura curricular do estágio. Além

disso, entendemos nossa contribuição para os estudos que possuem a teia que buscamos

costurar: a abordagem dialógica dos discursos, a educação profissional e os letramentos nessa

esfera de atuação da atividade humana.

Diante dessa compreensão, ancoramos-nos na Análise Dialógica dos Discursos (ADD),

segundo as ideias do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a, 2018, 2019a, 2019b;

BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019; MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b,

2018, 2019; e demais debatedores/comentadores das obras), construindo pontes com os Novos

Estudos sobre os Letramentos, principalmente em sua vertente crítica e sociocultural

(BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; CASSANY, 2006; ROJO, 2009, STREET 1984,

2010, 2014). Todos esses somados à vertente teórica dos Letramentos Acadêmicos (LEA;

STREET, 1998; LILLIS, 1999; 2008) e das comunidades de prática (LAVE; WENGER, 1998;

WENGER; WENGER, 2015; WENGER, et al., 2002) na análise dos relatórios de estágio das

CP em discussão.

Portanto, com base nesse aparato teórico-metodológico, foi-nos possível responder

nossa questão geral: Como as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva nos

relatórios de estágio de EMI dos cursos de agropecuária e de edificações se revelam como um

dos elos que constituem as respectivas comunidades de prática na construção do letramento

acadêmico-profissional?

Assim, nossa primeira reflexão buscou compreender o contexto de produção e

circulação do gênero relatório de estágio, associando a vozes de um dos interlocutores

mediadores dos letramentos, como por exemplo: os documentos institucionais. Esses que

exercem certo “poder” sobre a cultura do escrito dos discentes de EMI por meio das forças

centrípetas instauradas, conforme o resultado de nossa análise.

Logo, nesses documentos encontramos vozes de respaldos jurídicos com implicações

de ordem pedagógicas ao estabelecer o teor normativo-centralizador das ações dos sujeitos, do

perfil profissional destes, além de nos indiciar de antemão o repertório a ser partilhado (PPC)

pelos discentes quando da realização do estágio. Para mais, encontramos ainda um dos pontos

cruciais e que ecoam na própria produção escrita dos discentes, como por exemplo: o caráter

normativo-prescritivo sobre a estrutura do trabalho acadêmico em torno da estrutura

composicional do relatório do estágio.

Page 395: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

394

Assim, destacamos que ancoramos nosso estudo em um conjunto de textos normativos:

Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio, Projeto Pedagógico do Curso, Regulamento

de estágio, Manual do Estagiário, Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para

os cursos técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão

Pernambucano e Modelo de relatório dos cursos técnicos. Todos esses documentos foram

analisados pelo método do cotejo, como “uma chave de leitura” (RUFO; SIANI, 2017, p. 91),

tratando-se de um recorte dos textos em que conseguimos perceber ecos no agir do discente-

estagiário ou nos diálogos estabelecidos com os outros interlocutores mediadores dos

letramentos, a saber: orientadores e supervisores do estágio, por meio do discurso dos discentes

nos relatórios de estágio por exemplo.

Neste último ponto, lembramos que o estudante-estagiário, por participar desse ato

formativo de sua capacitação educacional e profissional tem como direito, segundo a Lei do

estágio, ao acompanhamento de um professor orientador (direcionado pelo IF) e um supervisor

associado à empresa concedente onde ocorre o estágio. Além disso, esse acompanhamento deve

ser assistido por meio de relatórios entregues pelos discentes a esses interlocutores mediadores

dos letramentos imediatos, tal qual a orientação presente na Lei do estagiário (BRASIL, 2008b).

Essa obrigatoriedade nos revela como a cultura do escrito ainda é forte e presente em atividades

de experiências como a do ambiente do trabalho, sobretudo no sentido de comprovar o que fora

vivenciado.

Portanto, é neste contexto de produção que o gênero relatório de estágio é solicitado,

como produto de comprovação e consequente aprovação para diplomação dos sujeitos-

estagiários, pesando assim, ainda, nessa voz avaliativa que orienta, que endereça a forma de

construir esse dizer nesse contexto educacional.

Dito isso, sublinhamos que, nesse processo de escuta e de cotejo dos documentos

institucionais, pontos correlacionados ao endereçamento e aos modelos de letramentos

propostos por esses interlocutores ganham relevo. Nesse contexto, os direcionamentos nem

sempre são/foram explícitos aos estudantes-estagiários (marcas discursivas a esse sujeito). Na

realidade, na maioria das vezes, o diálogo proposto se resumia a um “cumpra-se”, segundo uma

voz de respaldo jurídico para todos os atores do processo. Assim, o fator abrange tanto a

instituição educacional quanto o aluno - entretanto, para empresa concedente do estágio há uma

atenuação na forma do dizer sobre essas obrigatoriedades.

No que concerne aos modelos de letramentos propostos por esses interlocutores

mediadores dessa prática, por muitas vezes, tais documentos concebem a cultura do escrito

segundo o modelo de habilidade de estudo. Em poucos deles, conseguimos recuperar o modelo

Page 396: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

395

de socialização acadêmica e em nenhum deles o modelo de letramentos acadêmicos estava

presente, tal qual a proposição de Lea e Street (1998).

Acerca disto, refletimos que, ao priorizar aqueles dois primeiros modelos, a instituição

visa apartar os discentes da realidade social e reflexiva da linguagem em uso, permeadas por

campos valorativos, por relações de poder, ou seja, pelo viés ideológico. Neste quesito, os

documentos orientaram o seu público para um processo de aculturação da escrita, pois

transparecia que bastaria seguir o modelo proposto, independentemente de contexto de atuação

(cursos distintos), finalidades diferentes e sujeitos outros, que o “resultado” deveria ser o

mesmo. Neste ponto, de fato compreendemos que, para uma visão holística sobre o fenômeno,

seria pertinente, em outros estudos, o cotejo com os sujeitos que compõem essas CP,

especialmente, orientadores, supervisores e os próprios discentes, visando reafirmar se esses

modelos propostos institucionalmente são os que são validados no contexto educacional na

prática.

Dessa forma, reforçamos que construir documentos institucionais ou, ainda, segui-los

sem maiores reformulações significa destoar dos avanços acadêmicos-científicos, bem como

não seguir as atuais propostas sobre um engajamento discursivo. Ademais, nessas últimas

propostas sobressaem o papel identitário diante de contextos formativos, a reflexão em torno

de relações de poder, de ideologia, e a própria particularidade vivenciada nos cursos. Em suma,

entendemos que a escrita do relatório do estágio representa um ato educacional próprio e

característico dessa etapa de capacitação e que esse, além de responder ao que é proposto por

esses documentos, acaba travando um maior diálogo com um outro desses documentos

institucionais. Em nosso contexto investigativo, essa aproximação maior se deu com o PPC de

cada curso, do mesmo modo com o GETA e o MRCT, que forneceram “modelos” de escrita.

Isto posto, adentramos na segunda etapa de pesquisa. Na realidade, recuperamos a

materialidade macrotextual-discursiva nos relatórios visando observarmos esses ecos das vozes

dos interlocutores mediadores dos letramentos institucionais (forças centrípetas x forças

centrífugas). Além disso, debatemos a dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de

comunidades de práticas como a CP de Agropecuária e de Edificações por intermédio do fio

discursivo.

Logo, avultamos que o gênero relatório costuma sofrer coerções de várias ordens (forças

centrípetas através dos interlocutores mediadores dos letramentos institucionais) para que a

escrita seja construída de uma dada maneira. Apesar disso, os discentes-estagiários

conseguiram contornar tais coerções e imprimiram “seu momento dialógico” ao singularizarem

essa produção segundo a sua respectiva CP.

Page 397: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

396

Nesse sentido, mesmo apresentando os elementos obrigatórios solicitados para a

estrutura do gênero relatório, as CP investigadas apresentaram peculiaridades. Esses aspectos

normalmente sobressaíam quanto à capa (a CP de Edificações possuiu um template próprio),

ao título do relatório (CP de Agropecuária apresentou título para designar as atividades ou área

de atuação do estágio), e ao sumário (CP de Edificações determinou uma inversão dos

elementos – apresentação/introdução, apresentação da empresa, agradecimento. Por sua vez, a

CP de Agropecuária costumou seguir o modelo proposto pela instituição), se pensarmos na

estrutura.

Em relação ao desenvolvimento textual, ambas as CP enfatizaram a obrigatoriedade do

relatório, demonstrando que os estudantes possuíam a noção dessa etapa e os objetivos que

cumpre tal gênero nesse cenário específico: o viés avaliativo. Como consequência, acreditamos

que as coerções, as relações de poder ali presentes também cercearam o que esse público queria

e teria a dizer. Nesse ponto, lembramos que o processo avaliativo não deveria e nem deve ser

considerado como algo “ruim”, mas algo inerente ao processo educativo. Assim, para que não

ocorram “estereótipos” sobre essa etapa, entendemos que estabelecer parâmetros nos critérios

avaliativos, criar uma cultura dialógica sobre a escrita, sobre o que se espera, sobre a

característica do gênero, são pontos que ganham destaque em uma perspectiva que vise romper

com tal modelo (visão negativa). Nessa linha, entendemos ainda que ter um tratamento mais

didático, com disciplinas específicas, sobre esse cenário peculiar, seja também um meio de

repensarmos a escrita como somente elemento obrigatório e que o sentido seja a notação.

Outro ponto, em nossos achados, é que ambas as CP reforçaram a necessidade de

profissionais capacitados, por isso, a prática do estágio, o próprio curso ser salutar para suprir

essa lacuna. E como uma característica especialmente da CP de Edificações (grupo que

apresentou maior número de ocorrências), os discentes-estagiários buscaram uma sustentação

em recursos verbo-visuais (imagens, gráficos, tabelas) ao discorrerem sobre as suas respectivas

atividades desenvolvidas, de modo a complementar a narrativa, o fio discursivo, o projeto de

dizer.

No que tange à dimensão interdiscursiva presente nas CP investigadas, visualizamos as

formas marcadas do projeto de dizer (marcas pessoais ou impessoais – uso da primeira pessoa

do singular ou do plural ou terceira do singular/índice de indeterminação do sujeito), as formas

de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha" e a dimensão interdiscursiva por meio

das RD.

Assim, no primeiro eixo, conseguimos visualizar que os discentes-estagiários, enquanto

jovens produtores desse contexto de produção acadêmico-profissional, possuíam uma certa

Page 398: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

397

dificuldade em manter a coesão referencial interna para autoenunciar-se. Assim, foi-nos

possível encontrar em um mesmo relatório, independente da seção, o uso da primeira pessoa do

plural, da primeira do singular e do tratamento objetificado ao usar da passiva para falar de si.

Esses movimentos foram recorrentes nas duas CP e nos sinalizaram as vozes formativas

de letramentos escolares anteriores, além de nos demonstrar a necessidade da compreensão

desse contexto de produção, não somente como a entrega do relatório, produto acabado. Mas

que a oportunidade de rever esse mesmo documento pode representar um momento rico em

aprendizagem em torno da cultura do escrito que o contexto solicita. Conforme destacamos na

tese, essas marcas do nível linguístico também potencializa os efeitos de sentidos (BAKHTIN,

2018). Esta, inclusive, se torna uma instância reveladora da “constituição de identidades e de

sujeitos” (BRAIT, 2012c, p. 92).

Em nossa reflexão, entendemos ainda que os discentes-estagiários buscaram fazer uso

de uma linguagem impessoal, seguindo a característica de gêneros que circulam na esfera

acadêmica. Entretanto, foi possível observarmos que os estudantes não se apropriaram ainda

das potencialidades do gênero relatório de estágio, segundo o seu próprio contexto, o qual

permite o uso da primeira pessoa do singular. Dessa maneira, não encontramos qualquer

relatório que tivesse utilizado as marcas de uso pessoal uniformemente em todo o relatório (de

maneira regular em todas as seções). Mas conseguimos visualizar em ambas as CP o uso da

primeira pessoa do singular e do plural nas seções de agradecimento e conclusão.

Em continuidade, as formas de presença do outro no fio discursivo foram debatidas

sobre quatro frentes de ocorrências: a reprodução literal do dizer, a incorporação do dizer, a

evocação/alusão do dizer, a reformulação do dizer. Assim, em ambas as CP, quando da

reprodução literal do dizer, os discentes-estagiários construíram pequenos movimentos

discursivos. Isso ocorreu, sobretudo, diante da utilização da modalização em discurso segundo

ou perante a associação da autoria do dizer original. Contudo, as reflexões postas em torno

desse “dizer-fonte” foram minúsculas ou quase inexistentes: apenas recuperavam esse dizer

para demonstrar que houve um diálogo com uma voz de autoridade. Por conseguinte, as

fronteiras da marcação topográfica (as aspas) eram utilizadas. Entretanto, geralmente, essa

utilização não indicava o ano ou a página desse dizer de origem, demonstrando o não

reconhecimento da cultura sobre o escrito, segundo os critérios da ABNT, por exemplo, apesar

de esta norma técnica ser utilizada pelas duas CP.

Na incorporação do dizer, observamos movimentos de resquícios de letramentos

escolares sobre uma prática usual em torno de apropriar-se do dizer do outro, ocorrendo o

apagamento da indicação dessa autoria. Neste ponto, reforçamos que fizemos e tecemos uma

Page 399: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

398

ponderação na tese: os textos analisados partiram de jovens produtores. Quanto a esses

estudantes, cujo primeiro contato com a dinâmica da cultura do escrito certamente ocorreu nesta

etapa da educação básica, entendemos que caberia uma reflexão formativa e de capacitação.

Essa iniciativa de conscientização deveria se dar em torno dos efeitos do plágio, sobretudo, nos

momentos que antecedem a produção do relatório, revelando-nos outra vez a necessidade de

um trabalho didático-pedagógico sobre essa produção escrita.

Portanto, diante de nosso corpus, frisamos que não compreendemos o movimento de

incorporação do dizer como plágio, mesmo podendo ocorrer em outros contextos e situações.

Assim, em nosso cenário, visualizamos pequenos movimentos que tendiam a apagar essas

fronteiras do dizer de respaldo ou inclusive ao recuperarem trechos de outros relatórios, tal

como ocorre de forma mais recorrente na CP de Agropecuária.

Reforçamos que nas circunstâncias de nossa observação de trechos similares entre os

relatórios, isto ocorreu mais notadamente na descrição sobre a empresa concedente ou na

introdução que contextualiza esse locus de atuação. Assim, refletimos que esses seriam textos-

padrões fornecidos pela empresa de estágio ou que o docente-orientador construiu em conjunto

com os alunos esse texto, uma vez que esses alunos cumpriram estágio nos mesmos lugares em

períodos próximos. Porém, como ponderamos ao longo de nosso estudo, seria pertinente em

estudos posteriores um projeto de escuta macro, especialmente, sobre os sujeitos que compõem

uma dada CP, por exemplo.

No que diz respeito à evocação ou alusão do dizer, sinalizamos que os discentes das CP

investigadas tenderam a utilizar termos da área, além de partilharem informações que somente

poderiam ser recuperados pelos seus membros, algumas vezes. Desse modo, entendemos que

esse movimento se confundia com a própria característica da definição de uma CP, já que um

dos critérios de inclusão nessa comunidade apontava para o empreendimento e repertório

partilhado, pois a forma de partilhar recursos ou formas de linguagem preconizava o

envolvimento dos pares que integravam aquela CP.

No movimento de reformulação do dizer entendemos que o fato interpretativo estava no

foco, pois os discentes-estagiários buscavam, na sua respectiva CP, recuperar a voz de respaldo

e travar com suas palavras o que o dizer original tentaria explicar. Nesse contexto, o discurso

indireto por meio da modalização em segundo sobre o conteúdo era algo recorrente entre os

relatórios investigados. A CP de Agropecuária, por exemplo, dialogou sobremaneira com textos

acadêmicos, artigos e jornais; por outro lado, a CP de Edificações costumava recuperar de forma

frequente notas técnicas, a exemplo da NBR.

Page 400: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

399

Por sua vez, na dimensão interdiscursiva, que explora outras RD possíveis e presentes

no relatório de estágio, encontramos cinco movimentos. São estes: o diálogo com o

conhecimento acadêmico e profissional; a concordância com discursos alheios; a relação de

questionamento do agir profissional e da teoria existente; a relação com outros saberes e

competências, além do (re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação.

Essas RD sinalizaram, de igual modo, a forma como esses sujeitos de EMI de CP distintas

interagiram com o já-dito e reelaboraram/ ressignificaram esse contexto educacional que alia o

conhecimento acadêmico e a prática profissional.

Para tal, assim, como postula Bakhtin (2011), mesmo em gêneros cuja tendência seja a

uniformidade, o sujeito costuma se revelar ao mostrar seu posicionamento axiológico,

evidenciando, assim, as fugas por meio das forças centrífugas. Ou seja, mesmo na busca de uma

suposta monologização sugerida quiçá por aqueles documentos institucionais. Reforçamos que

é impossível pensar isso, mesmo diante de textos de cunho acadêmico, pois estamos sempre

diante de uma alteridade constitutiva e de uma dimensão interdiscursiva instaurada,

recuperando o já-enunciado por alguém. É por isso que as RD encontradas demonstraram como

as CP travavam o diálogo por meio da concordância ou não, da crítica, da aplicação da teoria

na prática, do desdém, da admiração, da gratidão, impregnando os relatórios pelos aspectos

valorativos e entonacionais dos sujeitos-estagiários.

De fato, esses jovens produtores, no contexto acadêmico-profissional, buscaram nas

suas narrativas explorar muito mais a questão do âmbito laboral, não dispensando uma maior

reflexão de embate com vozes de maior respaldo. Na realidade, o que nos transpareceu foi o

sentimento de reconhecimento e agradecimento pela oportunidade de aprender, participar e

compor espaços cuja participação periférica fosse legitimada. Reafirmando, assim, o que nos

lembra Brait (2017), pois a linguagem como material e como criação sempre revela a sua

natureza social justamente por estar orientada para o outro. Nesse sentido, o relatório de estágio

nasce como resposta ao chamado do outro (o orientador, o supervisor, a instituição educacional,

o sistema educacional) e vem impregnado de vozes outras.

Logo, no que concerne ao nosso último questionamento, salientamos que ao longo da

análise das demais categorias delineávamos o domínio, o empreendimento e o repertório de

ambas as CP. Nesse processo de caracterização, por um dos elos dialógicos, observamos que a

CP de Agropecuária, por exemplo, recuperou a sua especialidade demarcando as áreas de

Zootecnia, Nutrição e Produção de Ruminantes, além da Produção Animal. Para isso, os

discentes-estagiários organizaram a discussão em torno desses temas, de modo a possibilitar o

auxílio a outros membros dessa CP ao interagir e aprender com eles. De maneira distinta da CP

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400

de Edificações, a CP de Agropecuária demonstrou ainda a característica de narrar em detalhes

sobre a forma de se dedicar à prática de uma determinada tarefa e/ou atividade, utilizando

marcadores discursivos de progressão textual (em primeiro lugar, em seguida, para depois, ...).

Por sua vez, a CP de Edificações evidenciou total alinhamento aos pré-requisitos das

normas técnicas da área de atuação, tais como: Projetos Arquitetônicos, Gerenciamento de

Projetos e Infraestrutura Urbana. Cumpre-nos evidenciar que os sujeitos das duas CP

sinalizavam no seu discurso como eram agraciados pelos pares de maior expertise para que

pudessem ter uma participação mais efetiva em suas atividades. Tal atuação poderia se dar na

fiscalização de obras (CP de Edificações) ou em procedimentos cirúrgicos (CP de

Agropecuária), por exemplo. Sendo isso outro ponto que comprovou a peculiaridade de uma

CP: a forma como o aprendizado era tomado como escopo e potencializado pelos demais

membros.

Além disso, encontramos nas respectivas CP uma infinidade de gêneros que nos

comprovaram o repertório partilhado pelos integrantes dessas. A título de exemplo, citamos

alguns gêneros presentes na CP de Agropecuária, como projetos, gráficos, relatórios,

receituário, via de infração, formulário, entre outros. Por outro lado, na CP de Edificações,

tivemos: projetos (arquitetônicos, estruturais, instalações hidráulicas e elétricas), plantas

(residenciais e topográfica), planilhas orçamentárias, memorial descritivo, ensaios

laboratoriais, notas técnicas etc.

Do mesmo modo como debatem Wenger e Wenger (2015), refletimos que para além da

definição ou a caracterização de uma CP, foi possível reconhecermos como essas se

estruturavam, como se organizavam, delineando, de igual modo, quem eram seus membros e

como esses se relacionavam. Assim, diante desses dados, podemos potencializar uma melhor

reflexão sobre a prática nesses contextos e a própria aprendizagem ali contida.

Em síntese, para nosso estudo, entendemos que, para uma análise dialógica dos

relatórios de estágio de uma dada comunidade de prática, sempre devemos ter um olhar mais

amplo sobre o “produto”, por exemplo, ao:

Compreendermos o contexto de produção e de recepção do gênero;

Conhecermos os interlocutores mediadores dos letramentos;

Entendermos a materialidade textual-discursiva dos relatórios;

Percebermos o estilo por meio das marcas enunciativas no projeto de dizer na

escrita acadêmica-profissional;

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401

Verificarmos o acabamento discursivo presentes nas RD de distintas

comunidades de práticas; e assim,

Vislumbrarmos o domínio, o empreendimento e o repertório utilizado por aquele

grupo.

Na realidade, se pensarmos nestes resultados/nessas reflexões, entendemos que estamos

travando apenas um momento do diálogo que defendemos ser “inacabado”, pois por se tratar

de um trabalho acadêmico-científico, estamos sempre abertos para ampliarmos os horizontes,

revermos posturas e/ou afirmações, escutar pontos não respondidos.

Conforme o ensinamento de Medviédev, essa é a pura essência de um trabalho

científico: “[...] onde acaba um, continua outro. A ciência é uma unidade que nunca pode ser

finalizada. [...] em todos os campos da criação ideológica é possível somente um acabamento

composicional do enunciado, porém, não é possível um acabamento temático autêntico dele

[...]” (MEDVIÉDEV, 2016p. 194). Ou ainda como nos lembra Bakhtin (2018, p. 191 – grifos

do autor): “[...] no mundo ainda não ocorreu nada definitivo, a última palavra do mundo e

sobre o mundo ainda não foi pronunciada, o mundo é aberto e livre, tudo ainda está por vir e

sempre estará por vir”.

É isso que esperamos contribuir com nossa investigação, pois sabemos que nosso estudo

pode instigar demais pesquisas sobre sujeitos (interlocutores mediadores dos letramentos) nesse

contexto específico do EMI nos IF; potencializar investigações sobre a condição de sujeitos

aprendizes que tateiam na escrita de determinados gêneros (cultura do mistério) e recorrem a

busca de templates; repensar a escrita de documentos institucionais nos IF ou em outras redes

profissionalizantes, visando entender as peculiaridades dos cursos; estimular trabalhos sobre o

papel do estágio em outros contextos de capacitação (como o da Educação Básica) para além

da formação docente; entre outros pontos.

Em síntese, nosso projeto de escuta nos impele, neste momento, a promovermos o

debate (diálogos) em nosso locus de atuação e assim estimularmos rever posturas, ações e a

própria cultura do escrito em nossos IF, esperando contribuir ainda com a nossa identidade

como membros dessa CP que integra a Rede Federal.

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VALEZI, S. C. L.; ABREU-TARDELLI, L. S.; NASCIMENTO, E. L. O gênero relatório técnico-científico:

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VIANNA, C.A.D.; SITO, L.; VALSECHI, M. C.; PEREIRA, S. L. M. Do letramento aos letramentos: desafios

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VIEIRA, F. E.; FARACO, C. A. Escrever na universidade: fundamentos. São Paulo: Parábola, 2019.

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VOLOCHINOV, V. N. A palavra e suas funções sociais. In: VOLOCHINOV, V.N. A construção da

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ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 2. ed. São

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VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas.

Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 1. ed. São

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WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning, and identity. New York: Cambridge University

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YAGUELLO, M. Introdução. In: BAKHTIN, M. M / VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e Filosofia da

Linguagem. São Paulo: Hucitec, p. 11 – 19, 2010.

Page 416: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

415

APÊNDICE

Apêndice A – Títulos dos trabalhos encontrados na consulta ao Banco de Teses e Dissertações

da CAPES

RESULTADOS COM AS EXPRESSÕES “LETRAMENTOS” AND “EDUCAÇÃO PROFISSIONAL”

ANO DISSERTAÇÃO/TESE - TÍTULO AUTORIA

2011 DISSERTAÇÃO REFLEXÕES SOBRE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO

DE MATERIAIS DIDÁTICOS CONVENCIONAIS E

INTEGRATIVOS DAS TDIC PARA ENSINO DE

LÍNGUA INGLESA NO PROEJA

REPOLÊS, M. C. P.

2013 DISSERTAÇÃO RESSIGNIFICANDO O ENSINO DE INGLÊS

INSTRUMENTAL EM CONTEXTO

PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO: UMA

PROPOSTA BASEADA EM SEQUÊNCIA

DIDÁTICA

SOUZA, S. A.

2014 DISSERTAÇÃO LETRAMENTOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UM ESTUDO DE

CASO DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA AS

MÍDIAS PARA OS PROFESSORES DO SENAI/SC

CRAVO, A. C.

2015 DISSERTAÇÃO MULTILETRAMENTOS E USOS DAS TDIC: UM

ESTUDO DE CASO DO IFMG CAMPUS OURO

PRETO - MG

DIAS, D. R.

2015 DISSERTAÇÃO A PRODUÇÃO DE NARRATIVAS DIGITAIS NO

ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL

PACHECO, D. S. F.

2015 TESE OS LETRAMENTOS E AS IDENTIDADES NOS

DISCURSOS DOS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS (PROEJA)

CARVALHO, E. T. P.

2017 DISSERTAÇÃO LETRAMENTOS CRÍTICOS, ENSINO DE LÍNGUA

INGLESA E FORMAÇÃO INTEGRAL NO CURSO

TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO

ENSINO MÉDIO

FEITOZA, V. D. S.

2017 DISSERTAÇÃO LETRAMENTOS ACADÊMICOS NA EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: PRÁTICAS DE

DOCENTES COM TECNOLOGIAS DIGITAIS

MENDES, M. A.

2019 DISSERTAÇÃO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO PROEJA:

UMA PROPOSTA DE ENSINO DO RELATÓRIO

DE AULA PRÁTICA

PINTO, M. M. D. S.

RESULTADOS COM AS EXPRESSÕES “LETRAMENTOS” AND “ANÁLISE DIALÓGICA DO

DISCURSO”

ANO DISSERTAÇÃO/TESE - TÍTULO AUTORIA

2014 DISSERTAÇÃO REDAÇÕES DO ENEM/2012: RÉPLICAS ATIVAS

NAS MÚLTIPLAS VOZES

POLACHINI, N. R. S.

2015 DISSERTAÇÃO PRATICA DOCENTE E EMERSÃO DO SUJEITO-

AUTOR: INDÍCIOS DE AUTORIA EM TEXTOS DE

OPINIÃO PRODUZIDOS POR ALUNOS DO 9º

ANO

BARROS, A. C. A.

2015 DISSERTAÇÃO OFICINA DE (RE) ESCRITA E REVISÃO DE

TEXTOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

LIMA, M. J. M.

2016 DISSERTAÇÃO A CHARGE EM SALA DE AULA: REFLEXO E

REFRAÇÃO ÉTNICAS

SANTOS, L. P. S.

Page 417: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

416

2016 DISSERTAÇÃO O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL: O PROCESSO

DE AUTORIA DA ESCRITA DOS ALUNOS DO 9º

ANO DO ENSINO FUNDAMENTA

CARVALHO, L. L. G.

2017 TESE UMA ANÁLISE BAKHTINIANA SOBRE A

RESPONSIVIDADE EM PRÁTICAS DE

LETRAMENTO NA ASSOCIAÇÃO DE

CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

BOM JESUS SUL, DE LIMOEIRO DO NORTE,

CEARÁ

ALVES, B. F.

2017 DISSERTAÇÃO OS DISCURSOS SOBRE A IDENTIDADE DOS

SUJEITOS TRANS EM TEXTOS ONLINE:

NEUTRALIZAÇÃO, ENQUADRAMENTO E

RELAÇÕES DIALÓGICAS

GUILHERME, M. L.

F.

2017 DISSERTAÇÃO OS DISCURSOS SOBRE A IDENTIDADE

DOCENTE EM ESPAÇOS DE ESCRITAS ON-LINE:

VALORAÇÃO E REENUNCIAÇÃO DISCURSIVA

RUCINSKI, V. R. D.

2018 DISSERTAÇÃO COMO NÃO ADORMECER: A CONSTRUÇÃO DE

IDENTIDADE DE GÊNERO NA INFÂNCIA A

PARTIR DA ANÁLISE DISCURSIVA DO CONTO

A BELA ADORMECIDA E SUAS VERSÕES

PRADOS, J. M. F.

RESULTADOS COM AS EXPRESSÕES “EDUCAÇÃO PROFISSIONAL” AND “ANÁLISE

DIALÓGICA DO DISCURSO”

ANO DISSERTAÇÃO/TESE - TÍTULO AUTORIA

2016 TESE DISCURSOS CONSTITUTIVOS E

CONSTITUINTES SOBRE A LÍNGUA INGLESA

NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO,

CIÊNCIA E TECNOLOGIA: UM ESTUDO DE

CASO NO TRIÂNGULO MINEIRO

FERREIRA, E. P.

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 418: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

417

Apêndice B – Distribuição dos docentes orientadores por titulação e quantidade de discentes

sob sua supervisão

ANO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES

Docente

Orientador

Titulação

Quantidade

de

orientandos

de estágio

Docente

Orientador

Titulação

Quantidade

de

orientandos

de estágio

2016

DO – AGRO 01 Doutorado -- DO – EDIF 01 Especialista 1

DO – AGRO 02 Mestrado 1 DO – EDIF 02 Doutorando 2

DO – AGRO 03 Mestrado 2 DO – EDIF 03 Mestre 1

DO – AGRO 04 Mestrado 1 DO – EDIF 04 Mestre --

DO – AGRO 05 Doutorado -- DO – EDIF 05 Mestre 1

DO – AGRO 06 Doutorado -- DO – EDIF 06 Especialista --

DO – EDIF 07 Mestranda --

DO – EDIF 08 Especialista --

2017

DO – AGRO 01 Doutorado -- DO – EDIF 01 Especialista 1

DO – AGRO 02 Mestrado 2 DO – EDIF 02 Doutorando 4

DO – AGRO 03 Mestrado 1 DO – EDIF 03 Mestre 2

DO – AGRO 04 Mestrado 6 DO – EDIF 04 Doutorando 1

DO – AGRO 05 Doutorado 1 DO – EDIF 05 Mestre 4

DO – AGRO 06 Doutorado -- DO – EDIF 06 Especialista 3

DO – EDIF 07 Mestre --

DO – EDIF 08 Especialista --

2018

DO – AGRO 01 Doutorado 1 DO – EDIF 01 Mestranda 2

DO – AGRO 02 Mestrado 1 DO – EDIF 02 Doutorando 1

DO – AGRO 03 Mestrado -- DO – EDIF 03 Mestre 5

DO – AGRO 04 Mestrado 2 DO – EDIF 04 Doutorando --

DO – AGRO 05 Doutorado -- DO – EDIF 05 Doutorando 1

DO – AGRO 06 Doutorado 1 DO – EDIF 06 Especialista --

DO – EDIF 07 Mestre 1

DO – EDIF 08 Especialista 3

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 419: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

418

Apêndice C – Distribuição dos relatórios analisados por ano e sua respectiva codificação.

ANO/

QUANTIDADE

AGROPECUÁRIA

CODIFICAÇÃO DO

RELATÓRIO

ACESSO EM

2016

REDO2 – AGRO 01,

2016

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/244

REDO4 – AGRO 01,

2016

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/241

Sub – total 02

2017

REDO2 – AGRO 01,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/234

REDO2 – AGRO 02,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/236

REDO4 – AGRO 01,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/233

REDO4 – AGRO 02,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/230

REDO4 – AGRO 03,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/232

REDO4 – AGRO 04,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/237

REDO4 – AGRO 05,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/231

REDO4 – AGRO 06,

2017

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/239

Sub – total 08

2018

REDO2 – AGRO 01,

2018

https://releia.ifsertao-pe.edu.br/

REDO4 – AGRO 01,

2018

https://releia.ifsertao-pe.edu.br/

REDO4 – AGRO 02,

2018

https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/235

Sub – total 03

Total de relatórios analisados 13

ANO/

QUANTIDADE

EDIFICAÇÕES

CODIFICAÇÃO DO

RELATÓRIO

ACESSO EM

Page 420: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

419

2016

REDO2 – EDIF 01, 2016 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/250

REDO2 – EDIF 02, 2016 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/245

REDO5 – EDIF 01, 2016 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/251

Sub – total 03

2017

REDO2 – EDIF 01, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/246

REDO2 – EDIF 02, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/256

REDO2 – EDIF 03, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/252

REDO2 – EDIF 04, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/264

REDO5 – EDIF 01, 2017 https://releia.ifsertao-pe.edu.br

REDO5 – EDIF 02, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/247

REDO5 – EDIF 03, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/265

REDO5 – EDIF 04, 2017 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/266

Sub – total 08

2018

REDO2 – EDIF 01, 2018 https://releia.ifsertao-pe.edu.br/

REDO5 – EDIF 01, 2018 https://releia.ifsertao-

pe.edu.br/jspui/handle/123456789/260

Sub – total 02

Total de relatórios analisados 13

Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).

Page 421: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

420

Apêndice D – Dados extraídos da Plataforma Nilo Peçanha – Perfil dos cursos de

Agropecuária e de Edificações do Campus Salgueiro: classificação racial, renda e sexo.

ANO/CURSO

AGROPECUÁRIA

2017

Renda182

%

Raça

%

Sexo

%

< 0,5 1,04% Amarela 1,04% Masculino 66,6%

0,5 < 1 90,63% Branca 9,38% Feminino 33,4%

1 < 1,5 3,13% Indígena 3,13%

1 < 2,5 1,04% Parda 55, 21%

Não declarada 4,17% Preta 29, 17%

Não declarada 2,08%

2018

Renda

%

Raça

%

Sexo

%

< 0,5 8,43% Amarela 2,27% Masculino 61,9%

0,5 < 1 80,72% Branca 7,95% Feminino 38,1%

1 < 1,5 8,43% Indígena 4,55%

1 < 2,5 2,41% Parda 61,36%

Não declarada 9,78% Preta 23,86%

Não declarada 4,35%

2019183

Renda

%

Raça

%

Sexo

%

< 0,5 20,65% Amarela 1,90% Masculino 61,29%

0,5 < 1 59,78% Branca 13,3% Feminino 38,71%

1 < 1,5 10,87% Indígena 11,43%

1 < 2,5 5,43% Parda 63,81%

> 3,5 3,26% Preta 9,52%

Não declarada 13,21% Não declarada 0,94%

ANO/CURSO

EDIFICAÇÕES

2017

Renda

%

Raça

%

Sexo

%

< 0,5 6,21% Amarela 0,69% Masculino 69,7%

0,5 < 1 92,41% Branca 13,10% Feminino 30,3%

1 < 1,5 0,69% Indígena -

1 < 2,5 0,69% Parda 51, 03%

Preta 33,79%

Não declarada 1,38%

2018

Renda

%

Raça

%

Sexo

%

< 0,5 11,67% Amarela - Masculino 64,5%

0,5 < 1 78,33% Branca 15,83% Feminino 35,5%

1 < 1,5 3,33% Indígena 1,67%

1,5 < 2,5 4,17% Parda 58,33%

2,5 < 3,5 0,83% Preta 24,17%

182 As referências com os sinais de maior ou menor levam em consideração o salário mínimo vigente da época. 183 Trouxemos ainda o ano de 2019 com o intuito de revelarmos a característica do Campus Salgueiro em ter

discentes matriculados em situação de vulnerabilidade socioeconômica ao longo dos anos.

Page 422: RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO …

421

> 3,5 1,67% Não declarada 3,23%

Não declarada 3,23%

2019

Renda

%

Raça

%

Sexo

%

< 0,5 13,73% Amarela - Masculino 59,7%

0,5 < 1 49,02% Branca 17,16% Feminino 40,3%

1 < 1,5 13,73% Indígena -

1,5 < 2,5 17,65% Parda 67,91%

2,5 < 3,5 1,96% Preta 14,93%

> 3,5 3,92% Não declarada 23,88%

Fonte: Compilado para este trabalho (2021).