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Sebastião Elias Milani RELATO DA OBRA DE FERDINAND DE SAUSSURE Rio de Janeiro Barra Livros 2016

RELATO DA OBRA DE FERDINAND DE SAUSSURE - UFG

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Page 1: RELATO DA OBRA DE FERDINAND DE SAUSSURE - UFG

Sebastião Elias Milani

RELATO DA OBRA DE FERDINAND DE SAUSSURE

Rio de Janeiro Barra Livros

2016

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Copyright © 2016 by Sebastião Elias MilaniTodos os direitos reservados à Barra Livros Proibida a reprodução desta obra, total ou parcialmente, sem autorização por escrito da Editora

Diagramação e revisão: Anelise Faucz de Alcântara StechmanCapa: Leandro Pinheiro FelipeImpresso no Brasil

O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva do autor.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

M585r

Milani, Sebastião Elias Relato da obra de Ferdinand de Saussure / Sebastião Elias Milani. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Barra Livros, 2016. 108 p. ; 21 cm

Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-64530-40-9

1. Ferdinand de Saussure, 1857- 1913. 2. Linguística. I. Título.

16-31157 CDD: 401.41 CDU: 81'4211/03/2016 11/03/2016

BARRA LIVROS E CURSOS EDITORA LTDA Av. das Américas, 500 – Bloco 21 – Entrada D – sala 212

Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJCaixa Postal 22.640-904

Tel.: (21) 3253-5099Site: www.barralivros.com

Email: [email protected]

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DEDICATÓRIA

Aos meus alunos.

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Sumário

Dedicatória............................................................................3

Introdução..............................................................................7

1. Saussure em seu tempo....................................................11

2. A obra e a sociedade........................................................15

3. A metodologia e os textos................................................33

3.1. O memorial das vogais do indo-europeu: Mémoire 33

3.2. O trabalho sobre o genitivo absoluto em sânscrito: Génitif.............................................................................38

3.3. Curso de linguística geral: Curso............................42

4. A sistematização linguística............................................47

4.1. Os temas das aulas...................................................47

4.2. A Linguística............................................................50

4.3. A Semiologia...........................................................56

5. Linguagem, língua e fala.................................................61

5.1. Linguagem...............................................................61

5.2. Língua......................................................................62

5.3. Fala..........................................................................68

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6. Escrita..............................................................................71

7. As dicotomias..................................................................75

7.1. Diacronia e sincronia...............................................75

7.2. O signo: significante e significado..........................80

7.3. Eixo sintagmático e eixo paradigmático..................86

8. Valor linguístico..............................................................91

9. Mudanças fonéticas.........................................................97

CONCLUSÃO..................................................................101

REFERÊNCIAS................................................................103

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Introdução

Ferdinand de Saussure nasceu em Genebra, Suíça, em1857, onde morreu em 1913. Morou e ensinou em Paris,mas terminou sua carreira em Genebra. Aos quatorze anos,quando parou os estudos de Física para estudar linguagem,largara a tradição familiar e adotara a tradição filológica doséculo XIX. Mudou-se para Leipzig (Alemanha), o grandecentro de estudos sobre linguagem. Da mesma forma quetodos os estudiosos da linguagem do século XIX, estudou osânscrito, do qual seria professor por toda vida. Entre oshumanistas daquele século, o conhecimento do indo-europeu e do sânscrito sempre esteve completamente ligado.Terminou o mestrado e o doutorado muito jovem. Nomestrado estudara as vogais do indo-europeu e no doutoradoo genitivo absoluto em sânscrito, trabalhos que lhe valeramfama internacional.

O Mémoire, como é conhecido seu mestrado, seria oúltimo de uma longa sequência de estudos sobre as vogaisdo indo-europeu, já que depois desse trabalho não seestudou o assunto, como se estivesse resolvido. Como semostra abaixo nesta obra, Saussure juntou todas as hipótesesformuladas sobre o assunto vogais do indo-europeu esintetizou uma hipótese sua. No doutorado Genitivoabsoluto em sânscrito, usou a mesma metodologia depesquisa peculiar a todo o seu trabalho: levantamento detodas as teses e hipóteses já formuladas e, a partir desseconhecimento, realizou uma síntese sobre o assunto.

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Sua atitude metodológica seria a mesma quandoassumiu o curso de linguística geral do curso de Letras daUniversidade de Genebra. Diferentemente de seus trabalhosdo mestrado e doutorado, Saussure não publicou seusestudos sobre linguística geral, ou porque não quis, como setem registrado em cartas: respostas a provocações para quepublicasse o curso, ou, talvez, porque morreu muito jovem.Assim, não se pode conhecer, com exatidão, suas fontespara as aulas, somente algumas citadas no Curso: Whitney,Bopp, Brugmann etc., que aparecem nas anotações de seusalunos.

Dessa perspectiva, evidentemente, Saussure, quandose propôs a oferecer o Curso de Linguística Geral, do verãode 1907, fez uma retomada de tudo que havia lido sobrelinguagem em toda sua vida. A estrutura do livro Curso deLinguística Geral (CLG) demonstra sua preocupação emretomar o conhecimento existente: começou com umapanhado histórico, mesmo que mínimo, das ciências dosestudos da linguagem. O CLG que se conhece, é obra dosalunos e não de Saussure, porém, seria injusto dizer queBally e Sechehaye não foram fiéis às aulas do mestre. Emsíntese, não há outra discussão historiográfica sobre osconceitos da linguística a ser feita, a não ser aquelarelacionada ao conteúdo veiculado pelo livro CLG. Por maisque se critique e refaça, nenhuma outra obra poderá refazera história dessa ciência para a humanidade.

Evidentemente, o projeto que se desenvolveria emtodo o curso está bem definido nessa introdução: apreocupação com a metodologia. Ele tratou o estudo dalinguagem nos Cursos (1907-1911) não como um projeto depesquisa, mas como “pano de fundo” de uma pesquisa. Asaulas foram desenvolvidas para encontrar a exata posiçãodos estudos da linguagem tanto formalmente quanto

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metodologicamente. A Linguística, em sua opinião, era umaproposta ou uma aspiração. Ele disse que William DwightWhitney fizera uma tentativa de definição em The life endgrowth of language: an outline of Linguistic Science. Esseponto de vista vai perpassar todo o curso. Ele propôsmudanças nos nomes dos conceitos, ajustou o objeto, disse oque podia ser estudado e o que não iria estudar. Na verdade,ele ajustou sua metodologia, que o levou a selecionar alíngua, definida como a manifestação social da linguagem,como seu objeto. Questão muito difícil, como se discuteabaixo.

O CLG é um exercício de selecionar e aplicarelementos de uma metodologia. Na primeira parte, discutiuaté que ponto as ciências da linguagem até então conheciamseus objetos de estudo. Em seguida, passou a definições deum objeto de estudo para a Linguística, porque assimacreditava estar definindo a própria Linguística, comoafirmou: não pode existir ciência sem objeto de estudo.Quanto aos conceitos língua, linguagem, fala, signo etc. jáexistiam nos trabalhos dos estudiosos que o antecederam. Ofato é que a metodologia de Saussure o levaria a conceituá-los de maneira diferenciada. Seu Curso, desse ponto devista, consistiu em organizar os conceitos e torná-losprecisos, para estudar a língua como instituição coletiva.Assim, estabeleceu, com precisão, o que era a Linguística,qual deveria ser o seu papel na sociedade e a quais outrasciências ela estaria ligada.

Quis desenvolver o interesse pela pesquisa linguísticae descreveu as metodologias e ajustou para que seafastassem do empírico e se tornassem tecnicamenteracionais. Trocou os termos metalinguísticos usados parafalar sobre a língua por outros. Aqueles encontrados em seusantecessores, carregados de significação descritiva,

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substituiu por termos independentes e com significaçãoarbitrária. Quando se pensa sua obra por essa perspectiva,percebe-se claramente sua insatisfação com o exercício dapesquisa em linguística. Criticou duramente seusantecessores, por desconhecimento do objeto de estudo,pelas metodologias empregadas, sobretudo, pela falta deprecisão nos resultados. A sua terminologia fazia com que oestudioso conseguisse certo distanciamento do objeto, ouseja, transformava a língua em objeto. A impressão é a deestar fora do objeto-língua, olhando para ela. Constatar issofica fácil, tanto no texto de Bally e Sechehaye (1916), comona edição crítica de Rudolf Engler (1969).

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1. Saussure em seu tempo

O modo de trabalhar de Ferdinand de Saussureimpressiona pela disposição física e mental e pelacapacidade de acumular informações. Saussure é muitoconhecido na atualidade pelo resultado dos cursos de verãoque ofereceu nos últimos anos de sua carreira e vida, naFaculdade de Letras da Universidade de Genebra. Mas otrabalho linguístico de Saussure começou muito antes dodesenvolvimento dos conceitos registrados no livro “Cursode Linguística Geral” [Cours de linguistique générale],publicação de 1916 organizada por Bally e Sechehaye. Essetexto, que foi transcrito das aulas dadas nos verões de 1907a 1911, é o resultado final do trabalho filológico que eledesenvolveu durante sua vida acadêmica.

Saussure era um leitor extraordinário, com umadisposição para o trabalho muito além do que se poderiachamar de dedicação: sua maneira de trabalhar era, porassim dizer, obsessiva, isso que pode ser verificado em suamorte prematura, causada por doenças que atualmente sãoconsideradas com fundamentação no estresse: infecçõesgeneralizadas, inclusive cegueira. A riqueza de detalhes e aprofundidade das informações revelam que levou aoextremo da perfeição sua metodologia de trabalho, que,infelizmente, não deixou publicada enquanto metodologia, oque obriga aqueles que queiram entender seu método deestudo a fazer uso de conjecturas e deduções.

Deve-se destacar no Curso uma conscienteperspectiva de implantar nos estudos linguísticos um

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modelo metodológico que previsse uma organizaçãoabsoluta e um objeto de estudo claro. Para ele, sem umavisão clara daquilo que devia ser estudado não poderia haverciência, e sua dedicação aos estudos demonstra que foi essaa metodologia por ele praticada.

É claro que Saussure encontrava em seu meio deestudo modelos metodológicos que o inspiravam a serpreciso e exato. Além de todos os estudos que precedem oseu na história dos estudos da linguagem, conhecia em suafamília vários cientistas, que certamente o orientaram nessesentido. No entanto, é preciso pensar no momento históricoem que viveu. O período da segunda metade do século XIXfoi quando a Europa e o mundo ocidental sofreram a maisprofunda transformação do ponto de vista social: a explosãodemográfica, a industrialização e, com ela, o crescimentodas cidades, a mecanização dos transportes etc. Fatores queobrigaram e motivaram a humanidade a acelerar o repensarda organização de tudo aquilo que estava a sua volta. Nessareorganização, sempre de um ponto de vista prático, tudo eravoltado para o bem-estar coletivo. Emile Durkheimexplicava, nesse período, que a sociedade se impunha aosindivíduos, e as ideias e os comportamentos dos indivíduosestavam gestadas no seio da estrutura da sociedade.

Sendo hoje incontestável, porém,que a maior parte de nossas ideias e denossas tendências não é elaborada por nós,mas nos vem de fora, elas só podempenetrar em nós impondo-se; eis tudo oque significa nossa definição. Sabe-se,aliás, que nem toda coerção social excluinecessariamente a personalidadeindividual (DURKHEIM, 1995, p. 4).

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Foi nessa perspectiva que Saussure desenvolveu seutrabalho científico. Ele buscava uma racionalização domodelo de estudo linguístico como fórmula de tornar maiseficiente e útil aquilo que fazia. Seu trabalho foi fazer doestudo da língua uma ciência de uso prático para acoletividade. Portanto, deve-se entender a divisão de seusconceitos como um reflexo da sociedade em que vivia.

Nenhum ser humano do período poderia dizer queconhecia todos os elementos que compunham aquelasociedade. É certo que isso não era possível nem mesmo nasorganizações medievais, que eram comparativamente muitosimples. Mas a sociedade, durante o século XIX, ganhou umdesenvolvimento tão grande em todos os sentidos,principalmente no modo de aglomeração e organização dosgrupos, que todo tipo de relacionamento entre os indivíduose com o mundo foi modificado. A organização urbanatornou a vida do grupo infinitamente mais complexa. Alémdisso, o contato muito mais frequente entre as pessoastornava os relacionamentos muito mais complexos, e um sóindivíduo deixou de ser tão importante, não importando suaposição social. Assim, em meios sociais dessa natureza,todos os indivíduos são insignificantes em contraposição àcoletividade.

Nessa relação entre indivíduo e sociedade está aexplicação para a sistematização linguística de Saussure. Alinguagem é uma capacidade inata de aprender língua. Alíngua é uma instituição concreta da coletividade, e a fala ouo discurso é a materialização individual da língua. A línguareflete a sistematização cultural da sociedade e a fala é aatuação linguística do indivíduo. Se essa divisão fortransportada para a organização social urbana do final doséculo, o que se mostra é a coletividade (Estado, Nação,Cidade) com suas necessidades impondo-se às resoluções

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dos problemas. O indivíduo era tão somente parte dessacoletividade, para quem se deve olhar quando se quisersaber se a sociedade é ou não eficiente.

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2. A obra e a sociedade

Para entender a razão dos fatos da obra de Ferdinandde Saussure é preciso ter em mente os elementos quecompunham a sociedade em que viveu. A Europa apresentouum rápido desenvolvimento, sob todos os aspectos, duranteo século XIX. Esse desenvolvimento modificou de tal formaos aspectos humanos e naturais que tudo o que se referia àsobrevivência do ser humano e da natureza apresentavaaspectos completamente diferentes entre o início e o fim doséculo. A grande responsável por essas mudanças foi, semdúvida, a ciência, não só como um fato que compunha asociedade, mas ela saiu do século XVIII da condição deocupação de “malucos”, como bem demonstra RobertDarnton em O lado oculto da Revolução e como narrou E.T. A. Hoffmann em seus contos fantásticos, e,paulatinamente, chegou a orientar os rumos da humanidadeno final do século XIX.

Foi a ciência que arrancou a clausura e a ignorânciado seio da sociedade. Dessa forma, a ação da ciência mudoucompletamente a perspectiva do papel social do cientista emudou também completamente a perspectiva do papel doindivíduo e cidadão, porque modificou os parâmetros darelação entre indivíduo e sociedade. É preciso não perder devista que Saussure é, por assim dizer, o resultado final daevolução de um campo científico, o do estudo históricocomparatista.

A partir da segunda metade do século XIX, o efeitoda ciência na sociedade pode ser medido pela evolução dos

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transportes, da indústria e, como consequência, das cidades.Assim, no início do século, a situação do indivíduo nasociedade era de, finalmente, conquistar um espaço moral epolítico. No final do século, a situação é outra, a sociedadejá deixou de ser predominantemente rural, e as cidadesgeravam os recursos e ditavam as regras da convivência e dasobrevivência. No final do século, portanto, a coletividadepredominava e detinha todo o poder. Ela detinha osrecursos, principalmente o conhecimento. Desse modo,cabia ao indivíduo integrar-se com os outros indivíduos paraformar parceria, ou seja, integrar-se na coletividade parasobreviver.

Dessa forma, a ação do indivíduo perante a sociedadenão era a de dominante, mas de dominado. A coletividadepredominava em todos os aspectos, na medida em queprecisava proteger o grupo e não a um só indivíduo. Essasociedade foi o espaço em que a história de Ferdinand deSaussure se desenvolveu. Numa comparação simples edireta, em seus conceitos, a língua tem uma posição superiore predominante, representa a sociedade e o sistema, e a falarepresenta o indivíduo e sua ação.

Pode-se descrever o conceito de língua em Saussure,conforme citação abaixo, como uma instituição coletiva queestá distribuída para todos os falantes. Ela é um todo,distribuída inteira para cada um de seus falantes. A línguarepresenta a coletividade, ela é, enquanto fórmula, a própriacoletividade, e o indivíduo é parte integrada nela, do mesmomodo que é uma parte da sociedade. O indivíduo éresponsável somente por sua ação, tanto no tocante à suavida em sociedade, quanto à materialização da língua emsua fala. Logo, linguisticamente, o indivíduo é responsávelsomente por sua fala. O indivíduo se integra à língua quandoa usa como fala, e só está integrado ao contexto linguístico

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da sociedade em que vive quando tiver aprendido a línguadessa sociedade.

Entre todos os indivíduos assimunidos pela linguagem, estabelecer-se-áuma espécie de meio-termo; todosreproduzirão – não exatamente, semdúvida, mas aproximadamente – osmesmos signos unidos aos mesmosconceitos. / Qual a origem dessacristalização social? Qual das partes decircuito pode estar em causa? Pois é bemprovável que todos não tomem parte nelade igual modo. A parte física pode serposta de lado desde logo. Quando ouvimosfalar uma língua que desconhecemos,percebemos bem os sons, mas devido ànossa incompreensão, ficamos alheios aofato social. A parte psíquica não entratampouco totalmente em jogo: o ladoexecutivo fica de fora, pois a sua execuçãojamais é feita pela massa; é sempreindividual e dela o indivíduo é sempresenhor; nós a chamaremos fala (parole).Pelo funcionamento das faculdadesreceptiva e coordenativa, nos indivíduosfalantes, é que se formam as marcas quechegam a ser sensivelmente as mesmas emtodos. De que maneira se deve representaresse produto social para que a línguaapareça perfeitamente desembaraçada dorestante? Se pudéssemos abarcar atotalidade das imagens verbaisarmazenadas em todos os indivíduos,

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atingiríamos o liame social que constitui alíngua. Trata-se de um tesouro depositadopela prática da fala em todos os indivíduospertencentes à mesma comunidade, umsistema gramatical que existe virtualmenteem cada cérebro ou, mais exatamente, noscérebros dum conjunto de indivíduos, poisa língua não está completa em nenhum, esó na massa ela existe de modo completo.Com o separar a língua da fala, separa-seao mesmo tempo: 1º, o que é social do queé individual; 2º, o que é essencial do que éacessório e mais ou menos acidental. Alíngua não constitui, pois função dofalante: é o produto que o indivíduoregistra passivamente; não supõe jamaispremeditação, e a reflexão nela intervémsomente para a atividade de classificação(…). A fala é, ao contrário, um atoindividual de vontade e inteligência, noqual convém distinguir: 1º, ascombinações pelas quais o falante realizao código da língua no propósito deexprimir seu pensamento pessoal; 2º, omecanismo psicofísico que lhe permiteexteriorizar essas combinações (CURSO,1995, p. 21-22).

A ação do indivíduo na língua é limitada, porque afala não é predominante. Mas a língua não existe sem a fala,como a sociedade não existe sem o indivíduo. Desse modo,o indivíduo pode agir na língua de sua coletividade comcontribuições de sua fala. Ele, no entanto, só contribuirá

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para a língua naquilo que os outros membros de suacoletividade, ou a própria sociedade, aceitarem eincorporarem de seu estilo.

A língua, objeto único dos estudos linguísticos, é oproduto social da capacidade de linguagem humana. Issosignifica que a língua é uma forma concretizada dacapacidade que caracteriza os seres humanos, que é alinguagem. A língua é formada no interior da coletividadecomo forma estabelecida e aceita por seus participantes. Oacordo linguístico entre os indivíduos é produzido pelanecessidade de comunicação que caracteriza qualquer serhumano.

Mas os conceitos linguísticos desenvolvidos porSaussure surgiram de leituras que ele fez em outrosestudiosos. Sua contribuição mais significativa para aLinguística não está em suas dicotomias ou na descriçãoprecisa que fez das vogais do indo-europeu. É muito maissignificativa que isso a própria definição da Linguísticaenquanto ciência. Ele a tornou uma ciência com parâmetrosexatos. É preciso dizer que ela já existia, mas estavamisturada a outras ciências, confundida com elas. Saussureexplicou que isso acontecia porque o objeto de estudodessas ciências, sobretudo a Psicologia e a Sociologia,alcançava os elementos da linguagem, mais especificamentea língua.

Seria tarefa da Linguística, antes de tudo, conhecer asi mesma. Essa afirmação faz referência ao modo deSaussure pensar o conceito de ciência: uma metodologiaclara, voltada para um campo de estudo completamentedefinido. Essa certamente foi a maior das lições de seutrabalho para seus discípulos, pois significava quais eram asatitudes científicas que deveriam assumir.

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Dessarte (…) em nenhuma parte senos oferece integral o objeto da linguística.Sempre encontramos o dilema: ou nosaplicamos a um lado apenas de cadaproblema e nos arriscamos a não perceberas dualidades assinaladas acima, ou, seestudarmos a linguagem sob váriosaspectos ao mesmo tempo, o objeto daLinguística nos aparecerá como umaglomerado confuso de coisas heteróclitas,sem liame entre si. Quando se procedeassim, abre-se a porta a várias ciências —Psicologia, Antropologia, Gramáticanormativa, Filologia etc. —, queseparamos claramente da Linguística, masque, por culpa de um método incorreto,poderiam reivindicar a linguagem comoum de seus objetos. Há, segundo nosparece, uma solução para todas essasdificuldades: é necessário colocar-seprimeiramente no terreno da língua etomá-la como norma de todas as outrasmanifestações da linguagem. De fato,entre tantas dualidades, somente a línguaparece suscetível duma definiçãoautônoma e fornece um ponto de apoiosatisfatório para o espírito (CURSO, 1995,p. 16-17).

Para essa empreitada, a de conhecer os elementosexatos da linguística geral, a ciência Linguística deveriaestudar e conhecer descritiva e historicamente todas aslínguas. Está escrito no texto de Bally e Sechehaye que a

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ciência Linguística deveria estudar a história de todas asfamílias de línguas. Saussure propôs que é pela comparaçãoque se chegaria ao esclarecimento das regras que entram emmovimento em cada uma das línguas em particular. Essevislumbre mostraria o que seria comum a todas as línguas eo que caracteriza uma e outra. Evidentemente, assim seriaconstruída uma lógica para as línguas e uma lógica para alíngua; cada língua seria localizada num espaço tipológicodeterminado e específico. No decorrer de seu curso,concretizou essa teoria, distinguindo nitidamente umagramática das línguas e a compreensão de que cada língua éum caso particular.

Saussure propôs a Linguística como o estudo dalíngua, porque ela é passível de uma definição concreta.Mas a definição de língua esbarra em diversas dificuldadesque implicariam numa diferenciação de pontos de vista,tornando o objeto de estudo em questão uma série depossibilidades de estudo. Para ter a língua como objeto deestudo, era preciso separar com precisão o que cabia aolinguista compreender, sem misturá-lo com visõespsicológicas, filosóficas, sociológicas etc. porque essasciências, apesar de terem objetos de estudo distintos,também poderiam reivindicar a língua como parte de seusestudos.

Tanto a Psicologia como a Sociologia influenciaramos estudos de Saussure. Ambas eram nascentes, compunhamo mesmo movimento de desenvolvimento das ciências quecaracterizou o final do século XIX, no qual também aLinguística alcançou sua definição mais precisa. Sobretudoa Sociologia, amadurecida por Émile Durkheim, influenciouos conceitos linguísticos desenvolvidos por Saussure. Não édifícil encontrar uma forte relação entre a definição de fatosocial em Durkheim e de língua em Saussure, mesmo não

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existindo uma relação direta entre os dois. Porém, entre osdois, existiam muitos amigos ou colegas influentes: AntoineMeillet e Gabriel de Tarde são os mais citados.

Mas o que é a língua? Para nós, elanão se confunde com a linguagem; ésomente uma parte determinada, essencialdela, indubitavelmente. É, ao mesmotempo, um produto social da faculdade delinguagem e um conjunto de convençõesnecessárias, adotadas pelo corpo socialpara admitir o exercício dessa faculdadenos indivíduos. Tomada em seu todo, alinguagem é multiforme e heteróclita;cavaleiro de diferentes domínios, aomesmo tempo física, fisiológica epsíquica, ela pertence além disso aodomínio individual e ao domínio social;não se deixa classificar em nenhumacategoria de fatos humanos, pois não sesabe como inferir sua unidade (CURSO,1995, p. 17).

É importante anotar que a Linguística foidefinitivamente definida por Saussure, não por acaso. Alémde todos os estudos linguísticos que o precederam, denatureza metodológica muito variada, no final do séculoXIX respirava-se e transpirava-se a cientificidade. Essa ondasocial de reorganização do mundo através do exercício e dareflexão científica criou um movimento que atingiu tudo nomundo. Esse movimento de tão intenso ficou conhecidocomo Cientificismo, tanto para representar o engajamentoda humanidade nas ciências como para debochar do excessode explicações e indagações.

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Então, Saussure parece ter verdadeira obsessão porver aplicada aos estudos linguísticos uma metodologia clara,não por ser mais interessado que os outros, mas porconviver de modo direto e conhecer claramente omovimento, que atingia a todos, de aperfeiçoamento domodelo científico existente. Ele retomou o tema dadefinição do objeto de estudo e da metodologia aplicável àLinguística, e nisso foi brilhante, identificou com precisãoqual o objeto de estudo e qual a melhor forma de estudá-lo.

Saussure afirmou que em seu tempo não havia maisespaço na ciência para especulações transcendentais. OTranscendentalismo foi um movimento que dominou apoesia na Alemanha no século XIX. Dessa constataçãopode-se inferir que Saussure estava se referindo aos estudossobre a linguagem desenvolvidos, sobretudo em Leipzig,pela Gramática Comparada e a Neogramática.

Aplicar-se a tais questões não é umatemeridade, como se diz frequentemente: éuma necessidade, é a primeira escola poronde é preciso passar; pois se trata aqui,não de especulações de uma ordemtranscendente, mas da procura de dadoselementares, sem os quais tudo flutua,tudo é arbitrário e incerto (MÉMOIRE,1922, p. 3).

Esse Transcendentalismo, que Saussure criticava, éclaro, significa as escolas literárias e científicas idealistasderivadas da filosofia crítica de Immanuel Kant (1724-1804), desenvolvidas na Alemanha e, mais amplamente, naEuropa, bem como a escola transcendental norte-americana,da qual William D. Whitney fez parte. Tal argumentação de

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Saussure se refere a sua compreensão de que todo o sistemada língua se constitui por formas concretas. Em síntese, nãohaveria espaço para nenhuma metafísica na instituiçãolíngua, ela seria uma obra de uma coletividade humana.

Estava fazendo uma crítica a seus antecessores, nãosó quanto a seus idealismos e até fantasias sobre alinguagem, mas principalmente quanto à metodologia queaplicavam em seus estudos. Essa crítica aparece no Del’emploi du Génitif absolu en sanscrit e no “Curso delinguística geral”, conforme citação abaixo, porém ébastante evidente no Mémoire sur le système primitif desvoyelles des langues indo-européennes, em que levantoudados sobre os estudos sobre as vogais do indo-europeu e ocomparatismo e criticou cada um dos estudiosos quanto àforma de apresentar esses dados e, sobretudo, a falta deprecisão.

Um primeiro impulso foi dado pelonorte-americano Whitney, autor de “AVida da Linguagem” (1875). Logo após seformou uma nova escola, a dosneogramáticos (Junggrammatiker), cujosfundadores eram todos alemães: K.Brugmann, H. Osthoff, os germanistas W.Braune, E. Sievers, H. Paul, o eslavistaLeskien etc. Seu mérito consistiu emcolocar em perspectiva histórica todos osresultados da comparação e por elaencadear os fatos em sua ordem natural.Graças aos neogramáticos, não se viu maisna língua um organismo que se desenvolvepor si, mas um produto do espírito coletivodos grupos linguísticos. Ao mesmo tempo,compreende-se quão errôneas e

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insuficientes eram as ideias da Filologia eda Gramática Comparada. Entretanto, porgrandes que sejam os serviços prestadospor essa escola, não se pode dizer quetenha esclarecido a totalidade da questão,e, ainda hoje, os problemas fundamentaisda Linguística Geral aguardam umasolução (CURSO, 1995, p. 11-12).

No “Curso de linguística geral”, fez um pequenoresumo crítico de todas as correntes de estudos dalinguagem desde a era clássica. Seu objetivo era demonstrarque nenhuma dessas correntes tinha trabalhado com o objetoverdadeiro e único dos estudos linguísticos, que Saussuredefiniria como sendo a língua. Ele estabeleceu umasequência de três fases sucessivas desses estudos sobre alinguagem.

Começou-se por fazer o que sechamava de Gramática. Esse estudo,inaugurado pelos gregos, e continuadoprincipalmente pelos franceses, é baseadona lógica e está desprovido de qualquervisão científica e desinteressada da próprialíngua; (…) A seguir, apareceu a Filologia.Já em Alexandria havia uma escolafilológica, mas esse termo se vinculousobretudo ao movimento criado porFriedrich August Wolf a partir de 1777 eque prossegue até nossos dias. (…) Oterceiro período começou quando sedescobriu que as línguas podiam sercomparadas entre si. Tal foi a origem daFilologia comparativa ou da “Gramática

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Comparada”. Em 1816, numa obraintitulada “Sistema da conjugação doSânscrito”, Franz Bopp estudou asrelações que unem o sânscrito aogermânico, ao grego, ao latim, etc. (…) foiele quem compreendeu que as relaçõesentre línguas afins podiam tornarem-sematéria duma ciência autônoma.Esclarecer uma língua por meio de outra,explicar as formas duma pelas formas deoutra, eis o que não fora ainda feito. (…)Por fim, entre os últimos representantesdessa escola, merecem citação particularMax Muller, Georges Curtius e AugustSchleicher. (…) A linguísticapropriamente dita, que deu à comparação olugar que exatamente lhe cabe, nasceu doestudo das línguas germânicas. Os estudosromânicos inaugurados por Diez — sua“Gramática das Línguas Românicas”datada de 1836-1838 —, contribuíramparticularmente para aproximar aLinguística do seu verdadeiro objeto(CURSO, 1995, p. 6-11, passim).

Quanto a Whitney, sua principal fonte de pesquisa notocante à teoria da linguagem, Saussure não aceitava suabase metodológica: acusou-o de empírico demais.

É de ficar admirado que um homemcomo Whitney, que desde o primeiroinstante de atividade científica, e bemantes que qualquer escola sonhasse em seapoderar deste achado, não tivesse nem

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mesmo imaginado que o estudo dalinguagem possa prosseguir sobre umabase diferente da observação dos fatosatuais (SAUSSURE, notas manuscritas).

De qualquer forma, o que se pode dizer comsegurança é que Saussure tinha uma visão muito firmequanto à necessidade de empregar uma metodologia clara,bem como de certificar que os dados apresentados fossemextremamente corretos. Estava consciente do momentocrucial para a construção do verdadeiro campo de estudopara a Linguística. Buscava acima de tudo encontrar osdiversos caminhos que aquela ciência teria para percorrerdaquele instante em diante para realizar em definitivo acompreensão do que seria verdadeiramente a língua. Eleestava criando o universo de estudos linguísticos, não nosentido de que ele nunca tivesse existido, mas no sentido deconvidar a ser exato, a não ser mais apenas empírico: acimade tudo, a construir um processo de estudo que fosse tãoconcreto quanto era o objeto a ser estudado.

Portanto, é mais realista dizer que Saussure sepreocupou tanto com o processo de construção do objetoquanto com o objeto em si mesmo – ou seja: muitos dosconceitos sobre a língua e a linguagem estavam descritosnos estudiosos que o precederam, dispersos, porque nenhumtinha sido capaz de engendrar nesses conceitos, com clareza,o modo como chegar à prova concreta. Saussure fez aconsolidação da ciência Linguística: definiu, no início docurso, seu objeto e suas fontes, e depois fez a análise desseobjeto, que é a língua: “O curso tratará da linguísticapropriamente dita, e não da língua e da linguagem.”

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Essa forma de pensar pode ser explicada pelomovimento de cientificidade que dominava a sociedade, maso Cientificismo era só mais um detalhe dentre os quecompuseram o universo social do final do século XIX. Todaa sociedade desse período estava plena de detalhes quearrastavam o pensamento e os sentimentos dos indivíduospara uma racionalidade profunda sobre todas as coisas.

A literatura, a partir da década de 1830, jádemonstrava que o mundo caminhava para uma organizaçãosocial em que não se poderia viver de sonhos e fantasias. Elapassou a ser realista, quando o universo social descrito écriticado por sua hipocrisia e por sua falta de eficiênciaprofissional, moral etc. Naturalista, quando as sociedades, jámuito urbanizadas, ganharam a literatura com seu excessode gente, sua podridão, sua feiura etc. Nessa literatura omundo parece feder, e o ser humano parece um bichoirracional, quase um verme misturado aos restos da própriacomida. Simbolista, quando a fórmula de representar o todoatravés de uma parte tornou-se uma necessidade e umhábito. Essa literatura inspirava-se no modelo social de vidae costumes, nela os sentimentos e as inspirações humanas játinham deixado de ser o tema mais importante, e a sociedademedia tudo através de números e fórmulas. O Simbolismoreagiu e deu início a uma literatura de vanguarda: o hábitode estudar que se fundamentava no crescimento do papel daciência no meio social, também chegava à arte.

Não é difícil concluir que Saussure, quandoapresentou a dicotomia social língua e fala, e deu aoindivíduo o poder da ação e do movimento linguístico, decerta forma recuperou o papel do indivíduo no contextosocial. Na Gramática Comparada, no período romântico, oindivíduo é de todas as formas o agente mais importante daexistência e principalmente da eficiência da língua. Na

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Neogramática, o papel do indivíduo é de total receptividadeem relação à língua, uma vez que resta a ele somenteaprendê-la, porque mudá-la está restrito à coletividade. EmSaussure, o indivíduo tem seu papel assegurado, é parte dasociedade. Mesmo sendo a mais frágil, é atuante e mantém alíngua viva. Ele, como seus contemporâneos das artes, fezuma volta aos ideários individualistas do Romantismo.

Saussure viveu num estágio da evolução dessasociedade em que o indivíduo integrava um sistema coletivodividido em pequenas partes. Nesse contexto, o discurso erade que os anseios individuais eram sempre de grandeimportância dentro daquela sociedade, não para progredirindividualmente, mas para progredir coletivamente. Dessaforma, qualquer atitude assumida pelo indivíduo deveria sersempre de participação, de anulação de sentimentosindividualistas e de satisfação de sentimentos individuaisque fossem para o bem coletivo. Ao contrário do períodomonarquista totalitário e feudal, no qual só um indivíduotinha tudo, nessa sociedade industrial e urbana o poder erapredominantemente parlamentar, tanto nas repúblicasquanto nas monarquias restantes, estando, dessa forma, umpouco mais distribuído. Nas letras, a literatura doSimbolismo, predominante nesse período, constituiu-se deuma reação a essa massificação do indivíduo e de umarevalorização dos sentimentos e valores espirituais,esquecidos na literatura desde o final do Romantismo.

Saussure já teria sido produto dessa sociedademassificada e industrial, cujos valores predominantes eramos de proteção da coletividade. Sua obra foi composta numperíodo em que as ciências já estavam metodologicamentedefinidas. A obra de Saussure recriou, do ponto de vista doestudo da linguagem, o Cientificismo e o Simbolismo, num

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modelo linguístico em que os valores sociais, de carátercoletivo, predominavam como objetivo para evolução.

Muito obrigado por vossas linhas apropósito do que eu vos escrevia outro dia.Antes mesmo de responder às observaçõesmuito justas que fizestes, posso vosanunciar que mantenho agora a vitóriasobre todo o verso. Passei dois meses ainterrogar o monstro, e a só operar àscegas contra ele, mas há três dias só andoa tiros de artilharia grossa. Tudo o queescrevia sobre o metro dactílico (oumelhor espondaico) subsiste, mas agora épela Aliteração que cheguei a ter a chavedo Saturnino, mais complicado do queimaginava. Todo o fenômeno da aliteração(e também as rimas) que se observava noSaturnino é só uma parte insignificante deum fenômeno mais geral, ou melhorabsolutamente total. A totalidade dassílabas de cada verso saturnino obedece auma lei de aliteração, da primeira sílaba aúltima, e sem que uma só consoante —nem mesmo uma só vogal — nem mesmouma só quantidade de vogal não sejaescrupulosamente levada em consideração.O resultado é verdadeiramentesurpreendente, que se chega a perguntarantes de tudo como os autores dessesversos (em parte literários, como estes deAndronicus e Naevius) puderam ter tempode se dedicar a um semelhante quebra-cabeça: pois é um verdadeiro jogo chinês o

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Saturnino, fora mesmo de tudo que digarespeito à métrica. Seria necessário paramim escrever uma considerável epístolapara alinhar exemplos, mas só precisoduas linhas para dizer qual é a lei…(SAUSSURE, apud STAROBINSKI,1971, p. 20-21).

Se Saussure criticava o empirismo de Whitney, porcerto criticava a falta de racionalismo de toda a ciência dalinguagem que o antecedia. Assim, o universo científico deSaussure estava composto por uma evidente necessidade deser prático e de responder às dificuldades da sociedade.Acima de tudo, a ciência tinha desenvolvido a tecnologia,que tinha colocado a indústria como a principal fonteeconômica das sociedades e fez que o transporte fosseeficiente e veloz. A indústria fez crescer as cidades, que sãosociedades complexas, em que os indivíduos são apenaspeças.

Desse modo, Saussure, que tinha toda a tradição deestudos sobre a linguagem do século XIX a sua disposição,não poderia ver o desenvolvimento da língua e da fala deoutro modo: a língua representa a sociedade, que épredominante e superior, e a fala representa o indivíduo,ativo e diminuto. O indivíduo faz a modificação dasociedade e da língua, mas é obrigado a seguir os rumos dasociedade e a se valer das imposições culturais da língua.Apesar de poder se rebelar, para não ser excluído, deveseguir as regras do convívio social. No tocante à língua, elenão tem saída: pode usá-la de um modo estilizado, mas, senão seguir suas regras, não será compreendido.

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3. A metodologia e os textos

É muito importante salientar que a pesquisa queSaussure desenvolvera nos últimos vinte anos de suacarreira são os Anagramas, não é o que está no CLG. Deve-se insistir que o CLG nasceu das aulas dos verões de 1907 a1911, nas quais Saussure evidentemente colocara todo seuconhecimento sobre os estudos da linguagem, planejadascomo aulas para leigos. Percebe-se claramente a ação deprofessor organizando o sentido a ser construído na mentede seus alunos, quando ele propõe conteúdos em sequência eo uso de terminologia adequada para cada conceito,rejeitando uma e incentivando outra. Nesse quesito, o livrode Bally e Sechehaye é perfeito, porque apresenta asequência exata das aulas e dos conteúdos, desde que seconsidere que o único registro existente dessas aulas são oscadernos dos alunos arquivados em Genebra.

3.1. O memorial das vogais do indo-europeu:Mémoire

Nos textos Mémoire sur le système primitif desvoyelles des langues indo-européennes e De l’emploi dugénitif absolu en sanscrit está o melhor registro do trabalhode levantamento e de reflexão sobre dados, deixado porSaussure. É por isso que tantos teóricos ficam tão à vontadepara afirmar que Ferdinand de Saussure é um grande

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filólogo, mesmo que tenha ficado conhecido comolinguista.1 Certamente o sucesso de seu trabalho estárelacionado com sua dedicação: rastreava muitos textosescritos sobre os temas, o que lhe possibilitava avançarsempre mais e lhe permitia pensar em encontrar dados erespostas para problemas ainda insolúveis. O trabalhometodológico de Saussure pode ser exemplificado porqualquer trecho de seus textos.

No Mémoire, Saussure deixou claro que nenhum dosestudiosos do assunto havia chegado a uma conclusão sobrea verdadeira condição do “a” no indo-europeu. Relatou queFranz Bopp, em 1816, em sua obra Uber das Conjugations-System der Sanskritsprache in Vergleichung mit jenem dergriechischen, lateinischen, persischen und germanischenSprache, afirmara que o ariano – seção do grupo indo-europeu que se espalhou para a Mesopotâmia e para a Índia– apresentava uma uniformidade no “a”, enquanto,paralelamente, as línguas da Europa – latim, grego e alemão– mostravam três formas vocálicas: “a”, “e” e “o”. ParaBopp, as vogais “e” e “o” eram formas desenvolvidas naslínguas europeias a partir do “a” do indo-europeu. Essefenômeno era relativamente recente, pois se caracterizavacomo um fenômeno das línguas ocidentais derivadas doindo-europeu.

Georges Curtius, por sua vez, uma das fontes deestudo de Saussure, enriquecera a ciência com um grandefato: que o “e” em questão aparecera nas mesmas posiçõesem todas as línguas indo-europeias, provando, desse modo,que esse “e” não poderia ter sido desenvolvido

1 Muito difícil separar agora no século XXI quais seriam ascontribuições da Filologia e da Linguística para os estudos dalinguagem.

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independentemente em cada uma delas. Curtius concluiu: a)que a língua-mãe dessas línguas possuía três vogais “a”, “i”e “u”; e b) que todos os povos europeus teriam vivido juntosdurante certo período e que provavelmente teriam tido umaorigem comum.

Obviamente Saussure sabia que esses povos falavamuma língua comum. Pela comparação com o ariano,percebeu, pela diferença nas vogais, que o período emcomum dos europeus acontecera posteriormente à separaçãodo povo ariano. Seria desconhecida a razão pela qualdurante esse período em comum dos povos europeus umaparte do “a” se fragilizou em “e” e a outra parte permaneceucomo “a”.

Saussure afirmou que uma segunda transformação do“a” deu origem ao “o”. Esse fenômeno aconteceu emprimeiro lugar no sul da Europa, num período anterior aogreco-latino. Chegou a essa conclusão devido àscaracterísticas das concordâncias em “o” nos temasmasculinos em “a”, daquelas línguas. Dessa forma, osistema das vogais feito por Curtius devia ser assimrepresentado: no indo-europeu “a” e “a”; no europeu “a/e” e“ā”; nas línguas posteriores “a”, “o”, “e” e “ā”.

O sistema de Jules Guillaume Fick, amigo deSaussure, assemelha-se de modo geral ao sistema deCurtius. Para Fick, o antigo “a” do indo-europeu se dividiuem duas vogais diferentes no período do europeu: “a” e “e”.Fick concluiu que, se uma vogal “e” aparecia na mesmaposição em certas palavras em todas as línguas derivadas doeuropeu, isso era prova de que essa transformação ocorrerano período do europeu. Mas, no caso da vogal “o”, que sóapareceu em algumas línguas, admitiu que o “a” originaltenha permanecido intacto durante o período em que ogrupo europeu permaneceu inteiro; logo, os vários grupos e

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línguas que o possuem, desenvolveram-no depois da divisãodo europeu.

Friedrich August Schleicher, botânico, germanista eindo-europeísta, também uma das importantes fontes deestudo Saussure, propusera a série do “a” em três termos:“a”, “aa”, “aa”. Schleicher admitia para cada série de “a”um reforço, que poderia ser de um ou dois “a”. Eleencontrou as três séries no grego, no sânscrito e também nogótico, mas as outras línguas da família, em sua opinião,teriam confundido os dois reforços. Esse sistema não foiadotado por outros estudiosos. Ele não comportava um “e”comum entre as línguas indo-europeias, o que descartariaum período comum entre esses povos. Para Saussure, osistema de Schleicher apresentava muitas confusões e era dedifícil aplicação.

Saussure relata que, num ensaio de 1871, intituladoDie Bildung der tempusstämme durch vocalsteigernng,Amelung, numa atitude cientificamente prematura (palavrasde Saussure), tentou aplicar o sistema de Schleicher demaneira mais consequente. Combinou o sistema deSchleicher com as teorias anteriores que apresentavam um“e” para as línguas europeias. Amelung propusera que esse“e” fosse o único representante do “a” inicial que nãosofrera o reforço explicado por Schleicher.

Seguindo as teorias de Curtius, o “o” não existiria nosidiomas posteriores ao europeu e dele derivados, estavapressuposto no “a”. O “a” europeu seria anterior ao primeiroreforço, que é designado por um “ā”, e o segundo reforço doeuropeu é o “ā”. Desse modo, o dualismo “e/a” era primitivoe a relação entre essas vogais era de vogal simples e vogalreforçada.

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Karl Brugmann construiu um sistema de vogais parao indo-europeu contendo um “e” já distinto das outrasvogais. Saussure comenta que Brugmann não pretendiaafirmar que essa vogal tivesse o valor exato de um “e”.Brugmann chamava essa vogal de “a1”, tendo encontradopara o grego, o latim e o eslavo um “o” relacionado a ela.Além dessa vogal, para o latim e o gótico encontrou um “a”e para o sânscrito um “ā”. Neste caso, um fonema mais forteque teria sua origem na acentuação e ao qual chamou de“a2”. Dessa forma, o indo-europeu teria “a1”, “a2” e “a”, e oeuropeu “e”, “a” e “ā”. Segundo Saussure, esse não seriaexatamente o que Brugmann determinara com relação àsvogais do indo-europeu, uma vez que Brugmann aventava apossibilidade de um número muito maior de “a” primitivo.

Saussure concluiu, a respeito dessa série de teoriassobre as vogais, que todas afirmam, em relação às línguasocidentais, a existência de três vogais para o europeu: “e”,“a” e “ā”. A hipótese de Saussure é de que existiriam quatrovogais diferentes, e não três. A dificuldade de compreensãodo fenômeno estaria no fato de os dialetos do norte teremconfundido duas dessas vogais originárias, enquanto que nosul elas permaneceram distintas: “a” em oposição ao “e”,uma vogal reforçada, e um “o”, que era, na verdade, outraforma de “e”.

Saussure concluiu a existência das quatro vogais eassumiu no início do Mémorie a incumbência de provar suahipótese. Em suas palavras (p. 06) “notre tâche sera demettre en lumière le fait qu'il s'agit en réalité de quatretermes différents, et non de trois”. Nos quatro capítulos doMémoire, desenvolveu os argumentos em que apontou osexemplos e as fontes para se concluir a verdade sobre suahipótese. A contribuição dele de que essa série de quatro “a”está na base da língua indo-europeia originária, resolveu a

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questão que estava em discussão desde o início daGramática Comparada.

Ces quatre espèces d'a que nousallons essayer de retrouver à la base duvocalisme européen, nous lespoursuivrons plus haut encore, et nousarriverons à la conclusion qu'ilsappartenaient déjà à la langue mère d'oùsont sorties les langues de l'Orient etl'Occident (MÉMOIRE, p. 07)

3.2. O trabalho sobre o genitivo absoluto emsânscrito: Génitif

Ferdinand de Saussure realizou o estudo sobre ogenitivo absoluto em sânscrito, sua tese de doutoramento, deum modo muito semelhante a seu trabalho no Mémoire. Nocaso do Génitif, a pesquisa foi justificada por ele comosendo um tema muito pouco conhecido na Europa, ondepraticamente se ignoravam os estudos feitos pelos indianossobre as línguas da Índia. A dificuldade de execução dotrabalho estava na raridade de exemplos do genitivoabsoluto.

Começa seu Génitif com uma nota bibliográfica, naqual faz um levantamento sintético das referências queestudiosos europeus haviam feito ao assunto. SegundoStenzler, que cita Pānini, o locativo absoluto, quehabitualmente indica tempo, substituiu o genitivo por umadesatenção dos falantes no processo de produção dodiscurso. Siecke, em seu De genetivi in lingua sanscrita usu[“Sobre o uso do genitivo na língua sânscrita”], reproduzStenzler, assinalando o verso I.63 do poema épico

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Rāmāyāna, no qual Friedrich von Schlegel afirmara existirum genitivo absoluto.

Pischel, autor de importantes trabalhos sobre aslínguas da Índia, parecia ser aquele que mais se aproximavado estabelecimento de uma exemplificação correta dogenitivo absoluto em sânscrito. Friedrich August Weber(1753-1806) concluiu que essa construção é bastantecomum em páli [pāli], mas rara em sânscrito. Saussureintroduziu duas linhas de comentários para assinalar queWilliam Dwight Whitney fizera uma pequena observaçãosobre o assunto em sua gramática do sânscrito. A partirdesses comentários, Saussure deixou clara sua afirmação deque o assunto genitivo absoluto era quase inexistente nosestudos sobre o sânscrito na Europa. Em todos esses autores,a gramática de Pānini é colocada como base para odesenvolvimento do assunto.

O passo seguinte foi estabelecer a presença e aextensão do uso do genitivo absoluto em sânscrito. Nãoseriam encontrados exemplos desse genitivo nos textos doperíodo védico. Hubschmann havia mencionado três casosna língua zend dos persas, que também pertencia ao ramoindo-iraniano de que o sânscrito fazia parte. Para Saussure,mesmo que o genitivo absoluto fosse possível naquelalíngua, esses exemplos não apresentavam nenhumacaracterística do genitivo absoluto indiano, pois nos estudosdo zend reinava uma enorme confusão sobre o genitivoabsoluto, sendo necessária muita cautela.

Em sânscrito clássico, é nas obras do gênero narrativoque podem ser encontrados mais facilmente exemplos degenitivo absoluto, sobretudo nas epopeias Mahābhārata eRāmāyana e nos Purāna. A prosa do Pañcatantra também oadmite com certa facilidade. No drama, porém, parece tersido evitado. É nos dialetos populares, como o pāli,

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chamados genericamente de prácritos, que o genitivoabsoluto permaneceu vivo. Em sânscrito, “a norma culta doindiano”, o genitivo absoluto passava por raridade sintática,sendo encontrado apenas num certo número de fórmulas,algumas das quais bastante comuns, sobretudo em algumaspartes do Mahābhārata, em que seriam usadas de modoabusivo.

Le génitif absolu em sanscrit passepour une rareté syntaxique. Il serait plusexact de dire qu'on le rencontre rarementem dehors d'un certain nombre deformules, dont quelques-unes sont aucontraire assez répandues (GÉNITIF , p.6).

O genitivo absoluto em sânscrito seria uma raridadesintática. Saussure, em toda primeira parte de seu texto,descreveu os erros de classificação de seus colegascontemporâneos ou antecessores, que teriam se confundidocom a fórmula do locativo, chamando-o de genitivo.Saussure analisou essa estrutura sintática pela classificaçãoque se poderia fazer quanto ao sujeito e ao predicado. Osujeito é sempre uma pessoa, um ser inteligente e animado,podendo ser um coletivo de pessoas. O predicado quasesempre é um adjetivo ou particípio passado,preferencialmente particípios de verbos neutros. O que sepode compreender como definição, é que o genitivoabsoluto marcaria uma situação dentro da qual sedesenvolveria a ação principal. Gramaticalmente,equivaleria a uma proposição subordinada de naturezaconcessiva em que o narrador apresenta seu ponto de vista.

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Saussure fez um trabalho profundamente exaustivo emeticuloso. Rastreou detalhadamente as ocorrências dessafórmula gramatical na literatura em língua sânscrita. Essetrabalho lhe valeu muitos elogios, tanto pela grandiosidadequanto pela precisão. Acima de tudo, constitui-se numexemplo da dedicação e da depuração metodológica que lheera peculiar.

O tema básico dos estudos linguísticos de Ferdinandde Saussure era as línguas e literaturas da antiguidadeclássica. Desde seus primeiros estudos, seu tema principalsempre foi a história das línguas: todos os artigos quepublicou tratam de algum tema relacionado com a origemou com algum caso das línguas indo-europeias antigas.

Quando se consulta o material manuscrito dele,arquivado na Universidade de Genebra, percebe-senitidamente seu campo de interesse nos estudos linguísticose sua dedicação obsessiva aos estudos. Sua metodologia depesquisa era feita da procura por detalhes exatos. Éjustamente essa característica que faz dele um exemplo e,acima de tudo, torna seus resultados muito confiáveis.

Na obra manuscrita em Genebra, poucas páginas(milhares) tratam de teoria linguística. Ele pesquisou o temateoria da linguagem já no final de sua vida e de sua carreira,quando se tornou professor do curso de linguística geral daFaculdade de Letras de Genebra. Até esse período, todos osseus estudos estavam voltados para a linguística indo-europeia, visando ao entendimento do processo de evoluçãodas línguas da Europa.

É certo que Saussure conhecia todos os estudos queforam feitos até então sobre teoria da linguagem. O trabalhode William Dwight Whitney, principalmente, servia-lhe debase para pesquisa desde sua época de estudante em

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Leipzig. Além de Whitney, cita também Wilhelm vonHumboldt, Franz Bopp, os irmãos Schlegel, etc.

Desse modo, melhor que qualquer outro estudioso,Saussure conhecia o que se fizera em teoria da linguagematé sua época. Além desses teóricos, conhecia o trabalho dosneogramáticos, sobretudo Whitney, e dos comparatistas,principalmente Schleicher e Franz Bopp. Esses autores,comparatistas e neogramáticos, em grande parte de seustrabalhos, estudavam a história das línguas, mas todosfizeram grandes incursões pela teorização da linguagem.

É natural, portanto, pensar que, ao ser designado paraensinar no curso de linguística geral, soubesse exatamente oque devia ensinar e que soubesse exatamente quais deveriamser suas fontes para o desenvolvimento do curso. Durantesuas aulas, pelas anotações feitas por seus alunos, sabe-seque citou todos esses nomes e em particular o Life andGrowth of Language (La Vie du Langage) de Whitney.Whitney foi sua mais importante fonte de conhecimentosobre teoria da linguagem, no entanto, como já foidemonstrado acima, Saussure critica a base metodológicaempregada por Whitney: que teria sido excessivamenteempírica.

3.3. Curso de linguística geral: Curso

No tocante à teoria da linguagem, Saussure fez o quesempre fazia: levantou e interpretou todos os textos queapresentavam o tema. Mostrou também nesse estudo suaprofunda e brilhante capacidade de encontrar os defeitos dasteorias e alcançar um desenvolvimento para elas. Em suma,melhor do que qualquer outro estudioso, tornou claras asideias que existiam sobre a língua e o estudo da linguagem.

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Comentário de José Luiz Fiorin (2011): o que é relevanteem Saussure é que ele deu coerência teórica ao que estavadisperso e criou um novo objeto para a linguística e para asciências humanas em geral.

Entretanto, não publicou em vida absolutamente nadasobre teoria da linguagem. Nem desejou fazê-lo, como suacorrespondência deixa claro. Seu argumento principal é o deque as ideias de que tratava já eram conhecidas e já estariamassimiladas em sua época. Por certo, o que se pode fazer éconjecturar quanto ao que pensava Saussure, mas não sedeve esquecer que ele morreu muito jovem e não teve tempode ser verdadeiramente convencido a preparar um texto comsuas ideias sobre teoria da linguagem.

Talvez não considerasse aquelas ideias como suas, oucomo desconhecidas, uma vez que encontrara muitas delasem outros teóricos. Como escreveu Tulio de Mauro, em suaedição crítica do Cours de Linguistique Générale, toda ateoria sobre a linguagem que Saussure explanou em seuscursos já estava pronta em Wilhelm von Humboldt. SegundoEugenio Coseriu, algumas teorias dos cursos de Saussure jáestavam prontas nos gregos. Por isso, é possível dizer queSaussure foi um filólogo brilhante também em seu curso delinguística geral, porque recuperou e aprofundou as marcasteóricas do estruturalismo linguístico que foramfundamentais para o entendimento do processo deconstrução da linguagem humana no século XX.

Tudo que existe sobre o Curso que é atribuído a elefoi publicado depois de sua morte por seus alunos ou pordiscípulos de suas ideias. O primeiro texto, também o maisimportante, é o Cours de Linguistique Générale [Curso delinguística geral], organizado por Charles Bally e AlbertSechehaye com a colaboração de Albert Riedlinger epublicado em 1916. Esse texto é o mais importante porque

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conseguiu transformar a obra teórica de Saussure numevento mundial. Qualquer uma das obras críticas do Courstraz uma pretensão de seus autores de melhorar ou corrigiressa primeira – elas só foram possíveis, entretanto, porcausa da existência dessa primeira. De qualquer modo,foram feitas pelo menos quatro obras críticas do Coursbaseadas nas anotações dos alunos arquivadas em Genebra,mas o texto de Bally e Sechehaye continua sendo o maislido de todos.

Obviamente, qualquer estudante que se prestar a lertodos esses manuscritos, será capaz de apontar algo quetenha ficado de fora do texto de Bally e Sechehaye. Noentanto, esse mesmo estudante não vai conseguir deixar deadmitir que esse texto foge muito pouco, ou não foge nada,do conteúdo dessas anotações.

A obra crítica mais completa é o Cours deLinguistique Générale – édition critique organizada porRudolf Engler e publicada em 1969. Nesse livro,paralelamente ao texto de Bally e Sechehaye, estãotabeladas as anotações dos alunos, inclusive as de ÉmileConstantin, que indubitavelmente foi quem melhor registrouas aulas do mestre.

As anotações de Émile Constantin foramacrescentadas ao acervo da Biblioteca da Universidade deGenebra depois de 1916, não tendo feito parte, portanto, domaterial utilizado para a elaboração do texto de Bally eSechehaye. No entanto, pela disposição das anotações nolivro de Rudolf Engler, percebe-se que não há, no texto deBally e Sechehaye, diferenças, em relação às anotações deÉmile Constantin, que possam ser consideradas comoomissão ou distorção.

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Em sendo Tiete, Saussure parece um portal por ondetudo devesse passar – mas, ao passarem por ele, todos osconhecimentos ganhavam em clareza e precisão, ficandoprontos para serem mais desenvolvidos. Essa sensação quese tem ao tentar compreender sua obra (presente noMémoire e no Du Génitif também), explica a importânciaque ele assumiu para a Linguística. Se as ideiasredimensionadas por ele já estavam prontas, e realmentemuitas estavam, seria somente depois da leitura e dosaperfeiçoamentos que ele fez que elas realizariam atransformação do modelo das teorias da linguagem para aforma como a humanidade as conheceu no século XX.

É impressionante o conjunto de elementos que tornouessa obra possível. Saussure materializou as ideias em suasaulas. Porém, elas ficaram dispersas em anotações, emfichas de preparação de aula, em cartas e na memória deseus alunos. O contexto do livro revela com bastante nitideza estrutura empregada por Saussure nos cursos sobrelinguística geral para introduzir e ensinar os diversoscaminhos que conhecia na renovada ciência da linguagem.Dessa forma, os escritores do texto tiveram sagacidade paratranspor para esse livro, não só os conceitos do professor,mas também a estrutura de seu pensamento em relação aomodelo metodológico empregado no ensino dessesconceitos.

O texto revela uma lógica crescente que visa ademonstrar, a um estudante, o processo inteiro da linguageme da pesquisa sobre a linguagem. Nas aulas, percebe-se aintenção de criar na mente do aluno um modelo depensamento científico, tanto no sentido ideológico (anecessidade da linguagem ser estudada) quanto no sentidoprático (o de ampliar o conhecimento dos alunos).

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Claro está que o modelo do livro é uma consequênciade sua forma de origem, ou seja, os dois principais redatoresforam alunos de Saussure e partiram das próprias anotaçõesde aula e das anotações dos colegas. Mas, por outro lado,esse modelo muito provavelmente não teria sido respeitadose o texto tivesse sido elaborado pelo próprio Saussure, ouse os redatores tivessem seguido razões próprias e não asrazões daquele que consideravam seu autor. É por isso que olivro ganha em dimensão, porque, de certa forma, permite aqualquer pessoa, como que frequentar as aulas que eramministradas em Genebra entre 1907 e 1911. Desse modo,pode não só ser conhecido o conteúdo das ideias deSaussure, mas também se pode ter uma visão de seu estilode trabalho educativo.

Assim, qualquer professor pode se espelhar emSaussure para cumprir o programa de um curso delinguística geral, não só seguindo a estrutura lógica adotadanos pontos a serem desenvolvidos, mas também adotar olivro em si como material de trabalho e de pesquisa.Indiscutivelmente, o Curso de Linguística Geral é materialobrigatório para qualquer estudante ou estudioso deLinguística em qualquer nível.

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4. A sistematização linguística

4.1. Os temas das aulas

No Curso, é nítido que Saussure observava o conceitode ciência a partir do que acreditava ser o campo de atuaçãodessa ciência. Por isso, sua reflexão para a determinação doconceito e para a organização da Linguística como umaciência requeria determinar para ela seu objeto de estudo,sua dimensão de atuação e as ciências possivelmenterelacionadas a ela.

Para ele, não havia ciência sem sistematização. Abriaos cursos de linguística geral construindo uma históriamínima dos estudos sobre linguagem, apontando suaslimitações e erros. De qualquer forma, pode-se observarnaquele relato abreviado da história desses estudos que eleacreditava serem eles imprescindíveis para o estágio dedesenvolvimento em que estava a nova ciência.Verdadeiramente, aquele relato, mesmo que abreviado, tevepor objetivo chegar ao estabelecimento claro dos avançostécnicos alcançados desde os primeiros tempos, em funçãode demonstrar os métodos de trabalho aplicados.

Os três períodos dos estudos da linguagem:Gramática Tradicional, Filologia e Gramática Comparada,não são de forma alguma considerados por ele comoperíodos da Linguística, mas de ciências que antecedem oestabelecimento de seu verdadeiro objeto de estudo. Para elesomente existiria a Linguística quando esse objeto tivessesido determinado de modo consciente.

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Os filólogos começaram a fazer linguística histórica,abrindo milhares de novos caminhos interessantes para oestudo da língua, que passou a ser tratada de uma maneiramuito diferente de como era vista pela GramáticaTradicional. De qualquer forma, mesmo sendo uma grandeinovação, trazendo avanços importantes para o contexto dosestudos da linguagem, a Filologia não tinha ainda o espíritoda Linguística.

A Gramática Comparada, inaugurada por FranzBopp em 1816 com a publicação de seu Uber dasConjugations-System, surgiu da descoberta que o Ocidentefez de que o sânscrito era um parente próximo do grego e dolatim. Sem dúvida nenhuma, argumenta Saussure, foi à luzdo sânscrito que Bopp reconheceu a família indo-europeia.

Outros humanistas – como William Jones em 1784 –já haviam percebido semelhanças entre o sânscrito e línguaseuropeias, mas o mérito de Bopp teria sido observar oparentesco entre essas línguas com uma metodologiaprofundamente original. Ele não as classificou com umavisão histórica e etimológica, mas entendeu a possibilidadede estudar o fato do parentesco em si mesmo. Seu mérito,portanto, não foi o de esclarecer as similaridades entre osânscrito e as línguas clássicas ocidentais, mas o de terreconhecido que ali, nas relações exatas que ligam umalíngua a outras línguas da mesma família, havia uma matériapara estudos. O que Saussure faz entender sobre a obra deFranz Bopp é que o fenômeno da diversidade dos idiomassobre a face do planeta fora demonstrado por Bopp comoobjeto digno de ser estudado por si mesmo.

Obviamente, Saussure se referia, no caso do modelode trabalho desenvolvido por Bopp, à diferença que eleempreendeu em seu texto em relação ao de Johan ChristophAdelung – o Mithridates der allgemeine Sprachenkunde

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[“Mithridates, Teoria geral da linguagem”], fonte básicapara a Gramática Comparada –, que é uma descrição detodas as línguas conhecidas, porém, sem uma visãosistêmica e sem seguir qualquer tendência científicaexplicativa.

A distinção que Saussure fez entre os estudos deAdelung e de Bopp, foi baseada na sistematização científica,mais precisa em Bopp. Na verdade, Saussure observou osresultados obtidos e ressaltou que Bopp alcançou umamodificação na estrutura do já estabelecido, ou seja, eleavançou e inovou. Os avanços de Bopp foram devidos aoemprego de uma metodologia de trabalho que lhe deu apossibilidade de rever conceitos estabelecidos.

Segundo as anotações de Émile Constantin e deoutros discípulos, para Saussure, depois de Bopp, foraSchleicher quem fez a melhor tentativa na direção do geral edo sistemático dentro do campo dos estudos sobre alinguagem. Salientou que o trabalho desse neogramático nãoabordava nenhum problema de linguística geral, tendoabordado somente o tema do indo-europeu. Reconheceutodavia que, mesmo que esse trabalho apresentasse erros, elese constituía num marco, porque Schleicher tentouapresentar com precisão os dados de seus estudos.

Com os neogramáticos, entre 1870 e 1874, segundoSaussure, terminara o período dos estudos comparativos dalinguagem: “período de experiências”. Num segundoperíodo, aquele que pressupõe o reconhecimento do objetode estudo, tentou-se desenvolver uma metodologia depesquisa. Abril de 1875, em New Haven, é a data dapublicação do Life and Growth of Language: an outline ofLinguistic Science de Whitney.

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O segundo tema das aulas foi a demonstração doobjeto de estudo da ciência Linguística. Quanto àmetodologia aplicável, Saussure insistiu na necessidade dainovação, já que considerava que a metodologia utilizadapela Filologia clássica não poderia ser aplicada àLinguística. Aventou a necessidade dos linguistasprocurarem esses recursos metodológicos fora da Filologia,em outras ciências. Éevidente sua compreensão de que a nova ciência deviaentender as línguas como um produto do espírito humanoem coletividade; logo, é por esse prisma que a metodologiada Linguística deveria ser desenvolvida.

4.2. A Linguística

Saussure afirma que a verdadeira Linguística nasceudo estudo das línguas românicas e germânicas. Ele faziareferência à determinação da língua como o objeto de estudodos linguistas. Os romanistas, devido às condições de estudoque norteavam seus trabalhos, material em abundância e dequalidade, podiam observar com clareza o processo deevolução das línguas românicas a partir do latim e suafixação. Fato bastante assemelhado aconteceu com osestudos dos germanistas: o protótipo das línguas germânicaspodia ser facilmente determinado e era bastante conhecidoatravés de documentos. Saussure opôs os estudos dessesdois grupos aos estudos comparados dos indo-europeístas.Esses últimos baseavam seu trabalho completamente emhipóteses, que nem sempre estavam corretas e levavam afrequentes enganos.

Nessa lógica, estariam Friedrich Christian Diez(1794-1876) com sua Gramática das línguas românicas,

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escrita entre 1836 e 1838. Depois os neogramáticos, comdestaque para Whitney e seu Life and Growth of Languagede 1875. Cabia aos neogramáticos: K. Brugmann, H.Osthoff, Hermann Paul (1846-1921) e A. Leskien, entreoutros, o mérito de terem colocado em perspectiva históricatodos os resultados dos comparatistas. Esse fatometodológico foi de suma importância para a compreensãodo processo de produção teórica da língua: compreendidafinalmente como um produto coletivo dos grupos.

É importante constatar que Saussure não apontounesses estudiosos a solução para a questão do verdadeiroobjeto de estudo da Linguística. Lembrou a seus discípulosque os grandes problemas de linguística geral ainda nãoestavam solucionados. Pode-se dizer que tais problemasainda aguardavam revisão e demonstração numa perspectivamais exata e completa que aquela que estava sendo apontadaaté aquele momento.

Saussure demonstrou o papel que pretendia comoverdadeiro para a ciência da língua na sociedade. Assim,pelo fato dos problemas linguísticos dizerem respeito àsmuitas ciências que dependem do manejo de textos, osproblemas da Linguística interessavam a uma enorme gamade estudiosos que, nem sempre, estavam em contato diretocom o verdadeiro objeto de estudo dela. De maneira geral,ele deixou claro que tudo o que for manifestação da língua,é espaço de estudo da Linguística.

Não se deve esquecer que o homem entra em contatocom o processo da linguagem pela fala, que é o modelo dalíngua que foi estruturado pelo indivíduo. Desse modo, alinguagem humana é uma imensa possibilidade dematerialização discursiva. Para conhecer o conjunto,depende-se da fala concreta, só ela leva à compreensão domecanismo maior e abstrato. A primeira tarefa da

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Linguística era conhecer a si mesma. Essa afirmaçãoexplicita o conceito de ciência no pensamento de Saussure:uma metodologia clara e voltada para um campo de estudoperfeitamente definido.

Para essa empreitada, a de conhecer os elementosexatos da linguística geral, a ciência Linguística deveriaestudar e conhecer descritiva e historicamente todas aslínguas. Está escrito no Curso de Linguística Geral que aLinguística deveria estudar a história de todas as famílias delínguas. Pela comparação se chegaria ao esclarecimento dasregras que entram em movimento em cada uma das línguasem particular. Essa visão do conjunto mostraria o que seriacomum a todas as línguas e o que caracterizaria cada uma.Evidentemente, assim seria construída uma lógica para aslínguas e uma lógica para a língua. Cada língua seriacaracterizada num determinado e específico espaçotipológico. No decorrer de seu curso, Saussure concretizouessa teoria, distinguindo nitidamente uma gramática daslínguas e a compreensão de que cada língua é um casoparticular.

A Linguística é o estudo da língua, porque essa épassível de uma definição concreta. Mas a definição delíngua esbarra em diversas dificuldades que implicam numadiferenciação de pontos de vista, tornando o objeto deestudo em questão uma série de possibilidades de estudo.Para ter a língua como objeto de estudo, era preciso separarcom precisão o objeto que cabia ao linguista compreender,sem o misturar com visões psicológicas, filosóficas,sociológicas etc., porque essas ciências, apesar de possuíremobjetos de estudo distintos, também podiam reivindicar alíngua como parte de seus objetos de estudo.

Essa proposição de Saussure faz chegar a umacomposição da imagem que o estudante devia ter da língua,

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que fosse um sistema de signos que expressam ideias. Noentanto, o signo indica um processo simbólico que cria umarelação entre o pensamento e o espaço físico. Desse modo,inumeráveis sistemas de signos são conhecidos nassociedades, desde a escrita até códigos mais específicos,como os símbolos militares, a linguagem gestual dos surdos-mudos etc. A língua está presente nesses códigos, é parteintegrante deles, porque é o principal sistema de signos dassociedades.

Uma ciência que estudasse especificamente o códigolinguístico, no caso a Linguística, estaria incluída numprojeto de uma ciência social muito maior, capaz dealcançar todos os limites da sociedade. Essa ciência maior seocuparia do signo/símbolo, ou seja, de todo o processo desimbolização possível no meio social. No texto de Bally eSechehaye, essa ciência maior, a Semiologia, está propostacomo parte de uma Psicologia social e de uma Psicologiageral.

A Semiologia é proposta de Saussure de uma ciênciaque se ocupasse do todo semiológico existente na sociedade.A Linguística, por sua vez, como uma ciência que estuda umdesses sistemas semiológicos, estaria integrada nela e delatiraria proveito: o que fosse determinado para a Semiologia,enquanto método, valeria para a Linguística. Caberia aolinguista determinar o que faz da língua um sistema especialde signos, da mesma forma que ele propôs que ospsicólogos e sociólogos determinassem o espaço daSemiologia.

A Linguística é, então, a ciência da língua, que é aforma concreta da linguagem humana. Por outro lado, alíngua só existe em forma de fala. Para entender overdadeiro projeto de estudo da ciência da língua é preciso

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situar toda a Linguística – que, por esse prisma, se constituino estudo da linguagem.

Cabe a ressalva de que Saussure adotou termoscorrentes na língua francesa como termos técnicos para aLinguística, por isso o termo língua (langue) deveria serseparado de seu uso corrente pelos falantes. Tal assertiva seestende a todos os termos técnicos adotados, como o termofala (parole). A parole trata da manifestação discursiva,língua em uso. A escrita também se configura no mesmoprocesso de materialização linguística que ocorre na fala,tendo ela também o status de parole. Muitos enganosaconteceram, cometidos pelos linguistas pós Curso delinguística geral, até que esses termos tivessem sidocompletamente compreendidos.

Os problemas de tradução não são enfrentadossomente em português. Em inglês language é a traduçãocabível para o termo langue e langage. Frequentemente,quando se leem textos de linguística em inglês, depara-secom esse problema. É preciso também prestar atenção nouso corrente do termo linguagem na fala cotidiana emportuguês, emprega-se esse termo para qualquermanifestação discursiva: pintura, música, sinais etc. Sãochamadas de linguagem, porque atendem aos requisitosbásicos da linguagem humana: estruturação do pensamentoem uma substância para a expressão e comunicação; aSemiótica os toma como textos e os estuda com umametodologia semelhante ao texto verbal.

À Linguística, estão integradas a linguística da fala, alinguística interna e a linguística externa que constituempontos de vista sobre a língua. Pertence à linguística internao conjunto de elementos, regras e usos, que compõem osistema de signos da língua, ou seja, que possibilitam asignificação por meio de qualquer ato de fala. Faz parte da

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linguística externa tudo o que não diz respeito àinternalidade do sistema que esteja em uso, como os fatoshistóricos e geográficos, que são circunstâncias externas àlíngua, mas que de algum modo podem afetá-la.

Não era desconhecido de nenhum estudioso dalinguagem o fato do processo de construção da fala envolvercom simultaneidade elementos de ordem psíquica, opensamento, e de ordem fisiológica, a articulação de sons.Então, se um estudo ficasse restrito ao campo exclusivo dopensamento, seria feita uma análise psicológica; se, poroutro lado, se restringisse à análise da articulação dos sons,teria um estudo fonológico. A Linguística não poderia abrirmão de nenhum dos dois, mas também não poderiapermanecer apenas num deles: ela se coloca no exato limiteem que os dois fatores se encontram, criando o universo dalíngua. Bally e Sechehaye escreveram no Curso delinguística geral que essa combinação produz uma forma,não uma substância (1995, p. 13).

Ferdinand de Saussure procedeu em sua obra aconstantes digressões em direção ao plano metodológico daciência da língua. O que se pode inferir é que ele estivesseconsciente da urgência da construção do verdadeiro campode estudo da Linguística. Ele busca, então, acima de tudo,encontrar os diversos caminhos que aquela ciência deveriapercorrer, daquele instante em diante, para realizar emdefinitivo a compreensão do que seria verdadeiramente alíngua. Ele está criando o universo de estudos linguísticos,não no sentido de que ele nunca tivesse existido, mas nosentido de convidar a ser exato, a não ser tão empírico, aconstruir um processo de estudo que fosse tão concretoquanto era concreto o objeto a ser estudado. Portanto, comose disse acima, é mais real dizer que Saussure se preocupoumais com o processo de definição do objeto de estudo do

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que com o objeto em si mesmo, mesmo que tenha seocupado muito do objeto e tenha contribuídosubstancialmente para os estudos sobre a língua no Curso.

4.3. A Semiologia

Não existe uma ciência dos signos ainda (1907),chamá-la-emos de Semiologia (1971, p. 24). É assim que osdiscípulos de Saussure anotaram em seus cadernos a fala domestre no tocante a sua conclusão sobre a importância dosigno para as ciências modernas. O que pode causar umadificuldade a mais nesse caso é o conceito que se atribui aotermo signo, que, pelas explicações de Saussure, falando daSemiologia, vai um pouco além do universo restrito àLinguística. A compreensão do pensamento de Saussure,quanto a uma ciência dos signos, passa pelo estudo dalinguagem. É por necessidade de enquadrar a ciência dalinguagem num campo de estudo que ele pensou que asociedade inteira fazia uso sempre do recurso dasistematização por meio de signos.

A Semiologia, para ser absolutamente universal,como propôs Saussure, deve ser pensada como a ciência queestude os signos em toda a vida social. Saussure temcompleta e irrestrita razão ao afirmar que a língua (aLinguística) ocuparia o principal compartimento daSemiologia, porque a língua é inteiramente feita de fatossemióticos ou semiológicos, como ficaria demonstrado notrabalho de alguns de seus sucessores. Profundamente, pelasemiologia Saussure abrira caminho para o estudo de todasas manifestações da linguagem, nesse caso, o objeto seria aparole (discurso), ficando claro que somente a parte social

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da parole pode ser estudada, o que é individual não pode serum significante.

Qual seria então a diferença entre o signo relacionadoàs outras instituições da sociedade e os signos da instituiçãolíngua? Em primeiro lugar, existe uma diferença evidenteentre os universos criadores dessas instituições. Todas asinstituições são frutos de uma atitude do homem, agindo elecomo espaço ou autor da criação. Essa atitude sempre serealiza com um propósito, de uma ou outra forma, por umúnico indivíduo, ou por um grupo de indivíduos. Somente alíngua atinge todos os indivíduos ao mesmo tempo, por issonão pode ser controlada, nem corrigida por imposiçõeslegais. Ela ultrapassa o espaço do individual e atinge ocoletivo e, por isso, as línguas caminham à revelia dosinteresses individuais.

Especificamente, os significantes não se podem serdescritos como individuais nunca, porque eles sempre sãocompreendidos pela perspectiva da língua. A segunda pessoado discurso somente consegue entender de um significanteaquilo que esteja dado como conhecimento na língua,partilhado socialmente. Geralmente a expressão de umaindividualidade através de significantes sociais, quandoalcança o propósito de expressar sentidos nuncamaterializados, cria conhecimento novo e se torna exemplode sabedoria e iluminação.

Exemplificando:

Os empréstimos linguísticosocorrem pela necessidade de vocabulárionão disponível na língua. Esse é um fatorde arranjo linguístico extremamenteprodutivo para a língua e seus falantes, emnada afeta a qualidade ou a autonomia do

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sistema. A língua adota os termosestrangeiros e passa a impor a eles suaestrutura morfêmica. Assim, um termo queem outra língua não possui marcaçãofonológica de gênero ou número, ou quepossui uma marcação diferente, receberáos marcadores da língua que o adotou. Porexemplo: do inglês show – palavra semmarcador de gênero em inglês. Ao seradotada em português, passou a sermasculina e é adjetivada pelo artigo o nosingular e os no plural, tal qual todas aspalavras masculinas do português;exemplos de empréstimos o portuguêstem: do italiano pizza; do francês abajur;do latim credo; do tupi suruba, aipim;outras do inglês internet, computador, etc.

A importação, no entanto,dificilmente acontece fora do léxico. Aslínguas muito raramente importamestruturas sintáticas. O sistema da línguarejeita formações diferentes daquelasdesenvolvidas naturalmente na origemdela. Esse processo de rejeição de formasestranhas ao sistema é tão intenso que, seum falante insistir em trocar a estrutura deuma língua por uma outra de outra língua,mesmo que pronuncie as palavrascorretamente, elas nada significariam.

Por outro lado, sobre o processo deimportação de palavras pela língua,qualquer discussão que esteja fora dametodologia de estudo linguístico, pela

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razão do nacionalismo ou de qualqueroutra, não apresenta justificativacientificamente plausível e que mereçadefesa séria.

Segundo Saussure, os signos das línguas sãodiferentes dos outros símbolos porque somente eles evocamdiretamente as coisas. Ou seja, o sistema de signoslinguísticos é colocado sempre entre o símbolo de umainstituição qualquer e o indivíduo. Desse modo, qualquerinterpretação feita de um símbolo da sociedade sempre seráatravés da língua. Até mesmo as diferenças que essessímbolos assumem em diferentes sociedades são muito maisperceptíveis pelos signos linguísticos empregados parainterpretá-los em cada uma do que dentro da própriainstituição que os usa.

A existência de uma ciência de signos/símbolosexigia a participação da Linguística como parte inalienável.Caberia a cada segmento científico encontrar o espaço exatode sua ciência dentro do universo desses fatores científicos.Logo, caberia ao linguista encontrar o espaço da Linguísticaentre os fatores semiológicos, como caberia ao psicólogo eao sociólogo encontrar o espaço da Psicologia e daSociologia, respectivamente. Acima de tudo, como disseSaussure, seria necessário fazer entrar a língua dentro douniverso das instituições semiológicas.

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5. Linguagem, língua e fala

5.1. Linguagem

No Curso estão claras e distintamente conceituadas alinguagem e a língua e qual a relação da fala com elas. Alíngua é o produto social e forma concretizada dacapacidade de linguagem, que caracteriza os seres humanos.Ela é formada no interior do indivíduo e estabelecida nacoletividade e é aceita por todos os participantes. O acordolinguístico entre os indivíduos é produzido pela necessidadecaracterística de comunicação do ser humano.

A linguagem é uma habilidade inata aos sereshumanos. Saussure compreende o universo da linguagem apartir da língua, que deve ser tomada como norma de todasas manifestações da linguagem, porque é o contexto real doexercício dessa capacidade. Nessa afirmação encontra-se adistinção entre a tricotomia mais básica dos conceitos dalinguística saussuriana: linguagem, língua e fala. Alinguagem implica, por ser uma capacidade da inteligência,conglomerar tudo o que podem ser a língua e a fala. Ela éuma instância acima das outras: é social como a língua eindividual como a fala; não existe sem esses dois lados:social e individual. É multiforme porque assume todos osângulos possíveis da manifestação simbólica por meios designos. É física sob o ponto de vista da manifestação porsignificantes e fisiológica na dependência que tem dosindivíduos que a manifestam ou decodificam. É psíquica emsua existência enquanto parte da inteligência do ser humano.O mais importante é que ela não pode ser incluída nos fatos

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humanos, não é de caráter educativo, não pode ser ensinadaa um ser; deve estar dada como parte de sua estruturamental. Essa última definição abre claramente uma distinçãoentre o conceito de língua e o conceito de linguagem.

Há sempre um papel a ser cumprido pelas partes quecompõem o jogo de produção da linguagem: uma parte ativaque produz a mensagem e uma parte passiva que recebe amensagem. A esses papéis deve-se acrescentar o sistema dalíngua, que permite criar associações de sentidos entre ossignos do discurso. Para realizar o modelo completo deprodução da linguagem é necessário enquadrar esseselementos no âmbito coletivo. Assim, os indivíduos estãounificados pela linguagem enquanto língua, que rege aorganização geral como uma espécie de meio-termo, ouseja, todos os indivíduos de uma mesma coletividadereproduzirão, de modo muito aproximado, os mesmossignificantes.

No indivíduo, quando ele nasce, a linguagem é apossibilidade de existência de uma parte importante de suascaracterísticas. Essa sua capacidade entra em movimento apartir do contato com a língua de seus ensinadores,momento em que vira língua e fala. Assim, seráassemelhado a seus antepassados e, por causa de suacapacidade inata, assimilará a língua/conhecimento de seupovo.

5.2. Língua

Para que haja a comunicação entre os indivíduos,devem existir parâmetros que os tornem assemelhados. Oprocesso de convencionar os espaços físicos e intelectuaisem forma de signos linguísticos permite que todos os

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indivíduos participantes da sociedade se relacionem com omundo material de uma maneira muito parecida. Essasconvenções significantes estão sempre categorizadas porcaracterísticas que são próprias daquela sociedade e daquelalíngua. Nessa perspectiva sociedade e língua possuemformações que se refletem.

A língua como instituição coletiva é igual paraqualquer um dos participantes de seu universo de criaçõessignificantes. Ela é um todo, logo cada um de seus falantes apossui inteira. Cada fração do grupo, que é cada indivíduo,interioriza a língua inteira, porque todos possuem osmesmos elementos linguísticos característicos, que seconcretizam em formas culturais e convencionadas deantemão. No entanto, cada indivíduo é responsável pelalíngua que movimenta: a fala é de inteira responsabilidadedos indivíduos.

Os seres humanos realizam por meio da articulaçãovocal uma capacidade que estava latente, desenvolvida pormeio do exercício de memorização das convenções sociais.Segunda Saussure, o processo de articulação revela que,aquilo que está dado no homem, não seria a capacidade delinguagem, como se pensava antes dele, mas a capacidadede constituir uma língua, distribuída num sistema de signosdistintos, correspondentes a ideias distintas.

A importância de determinar a verdadeira natureza daprodução linguística seria esclarecer o papel exercido pelalíngua no contexto da linguagem. Os estudos linguísticosdevem ser concentrados na língua porque é através dossistemas sociais que a capacidade de articular palavras podeser estimulada e movimentada. É por causa dessecondicionamento social que a língua é responsável pelaunidade linguística praticada por uma sociedade.

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Na construção do discurso atuam duas partesdistintas: os fatores físicos relativos à fala e os fatorespsíquicos relativos à língua. Saussure apresenta o circuitoda fala numa rede de produção dividida em passiva e ativa.Ativa é a parte que exige a presença física voluntária dosindivíduos participantes: articulação dos sons e recepção.Passivo é o processo psíquico de associação da imagemacústica com os conceitos. Essa divisão em ativo e passivodo circuito da fala não se restringe especificamente à fala(produção oral), a escrita ou qualquer produção significanteestá composta por um círculo de elementos passivo e ativo;entretanto, é na fala que esses elementos são evidenciadosprimeiro nos indivíduos.

O processo de associação, que é fundamentalmentedesempenhado pela organização da língua enquanto sistema,evidentemente só acontece quando a organização exige aampliação e a dedução dos conceitos. Assim sendo, aorganização sistêmica da língua é perceptívelcompletamente, quando se analisa o produto, ou seja, odiscurso, porque é nesse estágio que ocorre a integraçãoentre os participantes do ato de comunicação. É, portanto, osistema que propicia a necessária integração entre os ladosda comunicação, na medida em que nele estão asconvenções da língua.

No circuito da fala estão relacionadas ecorrelacionadas as faculdades receptiva e coordenativa. Aprimeira está com o participante que recebe o discurso; asegunda está com o participante que o produz. Juntas sãoresponsáveis pela produção do sentido; formam osmarcadores que são comuns a todos os participantes. Essesmarcadores são a parte social do circuito, constituem oselementos que são apreendidos nos meios coletivos e estãofora do controle dos indivíduos. O conjunto desses

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elementos sociais só poderia ser conhecido se um indivíduoconseguisse abarcar todos os elementos que estão em todosos indivíduos falantes de uma língua. Trata-se de um tesouroque permanece depositado na memória dos indivíduos,formando uma organização gramatical que não estácompleta nem finalizada em nenhum deles.

O indivíduo não tem controle sobre a língua. Ela ésocial e dá conta da essência da construção linguística. Oindivíduo é completamente passivo de seus elementossistemáticos, não podendo jamais interferirpropositadamente em sua organização. Por meio da análise,ele só pode fazer a classificação desses elementos e,inevitavelmente, os aceitar. Por isso, a língua é um fatocompletamente distinto dos elementos da fonação. Estarapto a falar não é condição para possuir a língua: ela precisaser antes desenvolvida na mente. Esse aprendizado é umprocesso que nunca está finalizado e, uma vez construído,nunca será perdido, enquanto o indivíduo estiver de posse desuas faculdades psíquicas. Nesse caso, mesmo que umindivíduo, por algum fator de ordem fisiológica, sejaprivado da possibilidade de falar, manterá intacta sua língua,sendo capaz de entender os signos que ouve ou lê.

Por esse prisma, Saussure revelou a verdadeiranatureza da língua, que se constitui num sistema de signosde natureza completamente psíquica, formadaexclusivamente pela união da imagem acústica significantecom o conceito significado. No momento desse encontro elaé completamente psíquica, por isso a forma desse encontronão pode ser medida, porque pode variar de um indivíduopara outro.

Por ser um fato humano, a língua se comporta comoalgo que se apresenta, do ponto de vista individual, acessívelao controle de qualidade. Um indivíduo está perfeitamente

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em condições de melhorar seu padrão linguístico de acordocom a sistematização coletiva de prestígio. Sob esse pontode vista, a língua não é nada mais do que um sistema designos, semelhante aos sinais de trânsito, aos códigosparticulares etc. Deve-se, no entanto, não esquecer que alíngua é o sistema principal que antecede e permite todos osoutros.

Nesse processo deve existir a precaução de pensar opapel da língua literária, que é produto da cultura e tende aser uma descrição do contexto sociocultural. A principalcaracterística da língua literária é o fato de ela estargrandemente desvinculada da fala. No entanto, não édesprezível a relação de interferência direta que pode serestabelecida entre língua literária e língua falada. Mas épossível sem nenhuma dificuldade separar com clareza oprocesso evolutivo natural da língua falada das formasartificiais, como a língua escrita.

A língua é um produto herdado das geraçõesanteriores e jamais um falante poderia conhecê-la de outromodo. Ela é como qualquer objeto, um todo integrado em simesmo. Por isso, segundo Saussure, não deve existir umarelação de importância entre o estudo da língua e o estudode sua origem; não é necessário, em absoluto, conhecer aorigem para entender a língua, porque ela é em cada atoinstantâneo uma coisa una em si mesma. A língua,observada por esse prisma, é um estado, e todo estado delíngua é sempre o produto de fatores históricossincronizados. Cumpre-se dizer que, segundo Saussure, alíngua, enquanto sistema, não muda, o que muda são seuselementos constituintes, ora latentes ora imanentes.

Cumpre mencionar o fator de transformação impostoa todas as línguas. Uma geração transmite a língua àseguinte. Porém, as divisões entre gerações não podem ser

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estabelecidas, não há uma marca ou forma que indique o fime o começo delas. Logo, são, antes de tudo, divisõestemporárias que podem ser arbitradas por qualquerindivíduo que resolva estudar a língua num de seusmomentos. Dessa forma, em cada uma dessas gerações estãopresentes e atuantes indivíduos de todas as idades, o quegarante de antemão que nenhuma transformação aconteça demaneira brusca. Além disso, dadas as características dosfalantes, criador e criatura da cultura, a língua estáperfeitamente adaptada a suas necessidades, ou seja, cadapovo geralmente está satisfeito com a língua que recebeu deseus antepassados.

A língua, em seus elementos, tem a aparência deimobilidade, devido ao fato de ela ser um produto forjadopela coletividade: sua característica essencialmente sociallhe dá uma primazia em relação à vontade do indivíduo. Poroutro lado, está o tempo, que corrói as formas e possibilitaas transformações. Um e outro fatos estão intrinsecamenterelacionados, mas os compromissos de historicidade que sãoapresentados nos elementos da língua fazem com que osindivíduos, que buscam a transformação e são os agentes deliberação das formas, se mantenham de muitas maneiraspresos às formas que receberam de seus antepassados, ouseja, presos à lei da tradição de transmissão deconhecimento. Para que exista língua, é preciso uma massafalante, como uma realidade instantânea. A língua, enquantoforma em evolução, sofre a ação das forças sociais.

De qualquer forma que se argumente sobre ascaracterísticas da língua, sempre é encontrado o pontobásico de que ela serve de intermediária entre o pensamentoe o som. Ela serve de molde de adaptação de uma matéria naoutra, tornando possível a exteriorização do pensamento e ainteriorização do som. Numa outra imagem, a língua seria

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como uma folha de papel: o pensamento seria o anverso e osom seria o verso; ou o pensamento, a substância, e a língua,a forma.

5.3. Fala

A fala é, na construção do conjunto de elementos quecompõem a organização linguística humana, o elementofinal e material. O indivíduo possui a capacidade delinguagem, teve a oportunidade de aprender a língua de seupovo e, no contato com os outros indivíduos em suacoletividade, em seu grupo social, materializa esseconhecimento em forma de fala. A fala é a realizaçãovoluntária do conhecimento e da interação entre osindivíduos.

No circuito da fala fica conhecido todo o processo dematerialização da linguagem, suas partes físicas, fisiológicase psíquicas. O processo de falar requer sempre doisindivíduos: um para produzir e um para receber amensagem. No esquema do circuito da fala, estão claras aorganização e a atuação dos elementos que estão sob ocontrole do indivíduo ou que estão fora de seu alcance. Estáfora de seu alcance tudo aquilo que é de ordem social oucoletiva. Nesse processo, o indivíduo é responsável somentepela execução, ou seja, pela qualidade da produçãolinguística, pela originalidade da organização da mensageme pela beleza dos elementos estilísticos, nisso costumaresidir o que se denomina como individual, mesmo que sejasomente aparência, já que a interação somente pode existirpor aquilo que é social.

Tudo na organização linguística humana está nadependência da fala. Essa, ao mesmo tempo em que é regida

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pela língua, é o impulso libertador que força os mecanismosa serem sempre diferentes. Esse procedimento contínuo éque dá à língua uma forma coletiva. De qualquer forma, oprocedimento entre um ato de fala e outro nunca é o mesmo:os indivíduos se falam porque estão incluídos na mesmaobra coletiva. Como fato a individualidade não pode serrevelada pela linguagem. Saussure não disse no curso e nemem nenhum outro lugar, mas o entendimento daindividualidade requer mecanismos que não sejam sociais,como a língua.

A fala é um ato de vontade e de inteligênciaindividual. Nela estão pressupostas duas partes quedeterminam no indivíduo sua vontade e sua inteligência naprodução discursiva: o modo como seu pensamento seráorganizado por combinações a partir da língua e suaconstituição física, ou seja, a qualidade da produçãodepende muito do mecanismo fisiológico de execução.

Na organização do processo de linguagem, certaspartes dependem da língua e certas partes dependem da fala.A língua é necessária enquanto organização sistêmica. É elaque permite que a fala seja inteligível e produza os efeitoscomunicativos. Por sua vez, a fala é livre em certas medidase, por isso, faz a língua se atualizar, sendo necessária paraque a língua se estabeleça e não morra. No entanto, apesardessa evidente dependência que existe entre a língua e afala, Saussure demonstrou que elas podem ser perfeitamenteconcebidas em separado. Pode-se estudar a língua porque écoletiva. A fala é um ato, depende inteiramente da vontade einteligência do indivíduo, porém não pode ser estudadacomo individual, somente como sendo a manifestação dalíngua.

Não há como pensar a fala fora do contexto do tempo,porque ela é um fenômeno que está estreitamente ligado a

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fenômenos físicos. Corresponde a uma sequência de formasfísicas, cuja execução requer o concurso do tempo. Por serum fenômeno físico não apresenta sucessividade; écomposta por momentos concretos e estanques. Dessaforma, cada ato de fala corresponde a um estado de língua,deixando de existir no instante após ser proferido. A fala,então, é realizada sob estados de língua, e as mudançasocorrem no contexto da língua: a fala continua a existir, domesmo modo que sempre existiu, registrando o estado atualda língua.

A relação de interdependência torna a língua e a falaum só elemento, no qual a forma, que é a língua, não existesem a manifestação, que é a fala. De modo que a línguaexiste em função da fala, e nada pode existir na língua senão estiver em uso e em experiência na fala. Esta, portanto,determina o que fica e o que sai do contexto daquela,excluindo aquilo que não mais corresponde às necessidadesda sociedade – ou incluindo, quando corresponde. Emsíntese, de acordo com o CLG, o indivíduo molda dentro desi a língua por meio da fala. Esta é o agente que movimentasuas entranhas e leva até ele a língua. Juntas, língua e fala,são a capacidade de linguagem em movimento.

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6. Escrita

A escrita é um sistema distinto (de outros) de signosque tem por objetivo representar a língua. É umacristalização à parte do sistema da língua – tanto que, numaconsideração da língua como idioma, a representação escritade várias línguas pode ser feita por um mesmo conjunto desinais. Por oferecer a comodidade de ser absolutamentelinear e estática, e por estar tão intimamente relacionadacom a fala, a escrita já foi confundida como sendo a corretaforma de manifestação de língua. Saussure usa uma imagempara representar essa substituição indevida: “é como seacreditássemos que, para conhecer uma pessoa, melhorfosse contemplar-lhe a fotografia do que o rosto” (CURSO,1995, p. 34).

Deve-se ter em mente a independência da línguafalada em relação à escrita. Durante muito tempo osestudiosos acreditaram que a escrita tivesse profundainterferência na evolução ou no retardamento do processo demodificação da língua. Esses conceitos não são verdadeiros:a conservação e as modificações em nada são alteradas emfunção da existência ou não da forma escrita numa língua.Saussure demonstrou o fato com o lituano, que só foiregistrado pela escrita no século XVI e, no entanto, oferecemodelos de estudo para o indo-europeu tão arcaicos quantoos textos do latim do século III a.C.

No passado, os estudiosos da linguagem nãodistinguiam de modo algum o alfabeto (um conjunto degrafemas) dos sons da língua (um conjunto de fonemas).

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Naturalistas como Franz Bopp, Jacob Grimm e seussucessores, não faziam qualquer distinção entre a fala e aescrita e tomavam a escrita como modelo de estudo. Issoaconteceu pelo prestígio da forma escrita, que impedia quese visse que a língua possuía uma tradição oral fixa eindependente.

A vantagem da escrita em relação à fala ocorreporque a imagem gráfica impressiona por ser um objetosólido, mais fácil de ser apreendido. Além disso, na maioriados indivíduos, as impressões visuais são mais nítidas que asimpressões acústicas. Como se isso não bastasse, a literaturaintensifica muito a influência e a importância da escrita. Naverdade, parece ficar esquecido que a fala é aprendida antesda escrita.

Com relação à evolução da escrita, é notório queexiste uma enorme diferença entre a condição da língua,enquanto processo em constante alteração, e a escrita, que,por ser fixa, tende a permanecer imóvel. De modo que,depois de um período mais ou menos longo de tempo, asalterações que ocorreram no contexto da língua deixam aescrita, em alguns casos, completamente desassociada dafala cotidiana, mesmo a mais culta. Em alguns casos, essecomportamento cria, como ressaltou Saussure, situaçõescompletamente absurdas. Ele exemplifica a questão comalguns casos das vogais do francês, que são escritas com umvalor fonético completamente distinto em diferentesconstruções. Mas isso também acontece com outras línguas– como o português (vejam-se a grafia e a pronúncia do /x/em palavras como “exame”, “enxame”, “táxi”, “excesso”etc.), e principalmente o inglês, que atualmente é escrito talcomo no século XVI (e vejam-se seus /oo/ de “book”,“door”, “blood” etc.). Esse fenômeno acontece nas línguasem função de uma insistência exagerada na manutenção do

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valor etimológico nas formas escritas. Esse procedimentocontraria completamente a lógica de mudança das formas dalíngua.

A insistência no uso da etimologia na escrita não éjustificável nem pelo argumento de que é para manter aforma da língua. A pronúncia de uma palavra não pode sermantida por sua forma ortográfica: apenas o uso ao longo dotempo pode manter ou retirar partes da construção fonéticade uma palavra. Por exemplo: “Brazil” já foi grafia oficialem português – e por essa razão se preservou desse modo noinglês; por outro lado, no português de Portugal a formagráfica “facto” corresponde ao “fato” do português doBrasil. Assim, uma determinada situação fonética é arepresentação do estado num determinado momento dahistória da transformação de uma palavra. Não há qualquerforma de controle que possa ser exercida sobre essa forçaque impulsiona os idiomas em seu processo de reconstruçãoconstante. A palavra é forçada a seguir as leis que estãoimperiosamente em jogo no contexto da língua. Cada etapaé reflexo das etapas anteriores. A única coisa a serconsiderada pelos etimologistas é sua ascendência.

Concluindo: nenhuma forma escrita é capaz de alterarou fazer estagnar de forma significativa a língua falada.Muito raramente esse fenômeno pode ser considerado comoatuante e, ainda assim, somente naqueles idiomas em que aescrita, em forma de literatura, tenha alcançado um poder deimportância acima do normal. Nesse caso, então, ela podeser ponto de referência para o povo na pronúncia diária.Esse tipo de tirania da letra, nesses idiomas muito literários,pode criar formas patológicas de pronúncia viciada em que aimagem visual sobressai em relação à forma fônica.

Esse fator é historicamente a regra da evoluçãogeográfica das línguas no planeta, de forma que é preciso ter

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cuidado ao afirmar que as infiltrações da língua literáriasejam a causa de uma modificação nas característicaslinguísticas de uma região. Muitos fatos entram em jogo noestudo de uma língua sob a visão histórica. Em geral, nessescasos, a escrita é a grande aliada do estudioso, apesar de nãopoder ser tomada como registro absolutamente exato dalíngua falada.

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7. As dicotomias

7.1. Diacronia e sincronia

O tempo obriga a tomar o estudo da linguagem dedois modos. O primeiro prevê sua continuidade, chamadopor Saussure de linguística evolutiva. Nele é estudada a açãoque a língua sofre no decorrer de um longo período. Osegundo, chamado de linguística estática, desconsidera otempo passado. Nele é estudado o mecanismo inteiro dalíngua num momento determinado. Esse segundo é o modocomo todos os falantes compreendem a língua, como umaorganização integral e una consigo mesma.

Assim, do ponto de vista da ação do tempo, aLinguística tem dois eixos de estudo: o eixo dasimultaneidade (estático), no qual somente o que existe nummomento presente é considerado; e o eixo das sucessões(evolutivo), no qual uma determinada característica dalíngua e suas transformações são estudadas sob o ponto devista da história. O eixo das sucessões é formado pelasdiversas construções detectáveis no eixo da simultaneidade.

Ao considerar a dificuldade de distinguir entreestados sucessivos da língua, quando tomados como umacontinuidade e quando tomados cada um em si mesmo,como um modelo momentâneo daquela língua, é queSaussure propõe um nome para cada situação linguísticaestudada. Os estudos relacionados com a linguísticaevolutiva seriam chamados de diacrônicos, e os estudos dalinguística estática seriam chamados de sincrônicos. Desse

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modo, seriam estabelecidos, desde o início, com precisão, ostermos que fazem referência a essas situações.

É possível distinguir o percurso dos estudos dalinguagem em períodos em que houve mais preocupaçãocom a evolução – períodos, portanto, estritamentediacrônicos – e períodos em que houve mais dedicação àcompreensão da língua como a fórmula básica dacomunicação. A Gramática Tradicional, da era Clássica,apresentava uma preocupação sincrônica, porque visava àdescrição da estrutura da língua. A Gramática Comparadafoi basicamente um período de estudos da ordem diacrônica,porque os estudiosos comparatistas objetivavamcompreender estágios mais arcaicos ou antigos das línguas.

É importante destacar a distinção feita por Saussureentre os fatos sincrônicos e os fatos diacrônicos. O fatodiacrônico é um acontecimento que tem sua razão de ser emsi mesmo, ou seja, seu estudo prescinde da necessidade daexistência de um conceito paralelo com que ele deva serconfrontado. Na diacronia, para que exista um termorepresentativo de um conceito é preciso que o termo que oantecedeu na sucessão histórica tenha cedido seu lugar paraa nova forma. Desse modo, os fatos sincrônicos e os fatosdiacrônicos são de ordens completamente diferentes. Noestudo de um fato diacrônico, não podem ser levadas emconsideração as interferências sincrônicas que esse fatopossa ter causado, porque fatos diacrônicos não interferemno sistema.

No entanto, se um fato, quando visto em si mesmo,numa cadeia sucessiva de fatos, não puder ser consideradocomo transformador do sistema, ele forçosamente terá sidoconsequência de uma transformação que se deu na atitudesistêmica da língua, ou seja, foi o próprio sistema queengendrou a modificação, causando pequenas

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consequências. Assim, conclui-se que a língua nunca setransforma no todo, mas em pequeninas partes que criam, acada vez, um novo fato sincrônico. O que deve serconsiderado é que a língua é um mecanismo que continuaem funcionamento apesar das constantes transformações quelhe são causadas. Ela funciona numa perspectiva sincrônica,com todas as partes do sistema solidárias entre si.

É possível estabelecer uma relação entre a linguísticasincrônica e a linguística diacrônica porque ambas analisama língua pelo prisma do tempo. No entanto, essas duasvertentes são bastante diferentes entre si e em sua relaçãocom seus objetos de estudo e seus objetivos. A sincronia sópode ser estudada por uma única perspectiva: aquela dosindivíduos falantes de uma língua. Ela consiste em estar emconcatenação absoluta com os atos de fala. A diacroniaprocura na relação do tempo com a língua os aspectos quejustifiquem sua realidade, para ela não há limites que nãoseja o tempo. Enquanto a linguística sincrônica só tem olhospara os fatos de uma língua, a linguística diacrônica estuda oeixo temporal e não está limitada aos fatos de uma só língua.Para a diacronia existe uma sequência infinita de fatoressucessivos no tempo. Essa sequência de fatoresdiacrônicos/sucessivos é responsável pela diversificação deidiomas no espaço físico do planeta. Para conhecer a ordemde composição, é preciso o cuidado de olhar os idiomas nasduas direções: uma que tome o tempo em seu curso e outraque siga o tempo em seu contra curso.

As leis que caracterizam e determinam fatosdiacrônicos não podem ser misturadas às leis quecaracterizam fatos sincrônicos. As leis da língua, por ser elauma instituição social, se caracterizam por seremimperativas e gerais. Na língua, lei nenhuma pode ser dadacomo garantia de regularidade de algum fator reinante numa

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determinada parte. Essa garantia, que seria uma leisincrônica, não funciona como expressão de uma situaçãovigente. Toda lei sincrônica é relativa a um estado de coisas:a definição que ela oferece desse estado é bastante precária,pois não é imperativa, apesar de ser geral. Assim, qualquerque seja o aspecto que esteja sendo abordado, do ponto devista das leis sincrônicas, sempre existe uma ordem vigente,um princípio básico que regula a expressão dos sentimentos.

Em oposição a elas, as leis diacrônicas são sempreimperativas e supõem um fator dinâmico do qual é possívelretirar um efeito. Apesar de elas serem claras, quanto a essessentidos, Saussure expõe com reservas as leis da diacronia:ao contrário da aparência, têm, em geral, características deacidentes e são bastantes particulares em seusacontecimentos.

Não é nada difícil notar que os fatos de transformaçãoda língua acontecem de modo isolado dentro damultiplicidade de acontecimentos do contexto. Essesacontecimentos sempre são realizados dentro do sistema: é aregularidade do sistema que cria a ilusão de que taisacontecimentos são leis. Mas, no geral, modificaçõesfonéticas ou semânticas acontecem nas línguas e são merosacidentes de percurso: fatos isolados que nunca se estendempara além de si mesmos. Então, a Linguística volta ao pontocentral de que é a construção rigorosa do sistema que fazpensar que fatos sincrônicos e diacrônicos estão sob asmesmas instâncias causativas: por certo, eles obedecem acondições muito diferentes.

Quando se compara explicitamente os fatossincrônicos e os fatos diacrônicos: os primeiros são gerais etêm a característica de serem reguladores; razão pela qual seestendem universalmente na língua. Os segundos sãoimutáveis e são imposições imperativas do sistema. No

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entanto, só aparecem em determinadas partes daorganização linguística, nunca atingem o sistema inteiro, sãomeros acidentes que ocorrem em determinados pontos dalíngua. A conclusão é: uma lei linguística é a formulação deregras adaptadas a situações diacrônicas ou sincrônicasdistintas.

Estudar uma ou outra dessas duas classes de leislinguísticas envolve considerar cada uma numa ordemdiferente. A linguística sincrônica estabelece os princípiosfundamentais de todo o sistema de valores e relaçõescoexistentes. Aos estudos dessa natureza pertence tudo oque for gramática geral. Eles estão incumbidos de estados dalíngua ou um período de tempo, em que ocorrem asdiferentes relações. Para pensar um estado de língua, énecessário considerar que a língua pode passar um séculosem mudanças significativas ou que essas mudanças podemocorrer num período de apenas alguns anos. Por outro lado,também é muito difícil de ser determinado o espaçogeográfico que um determinado estado da língua ocupa. Dequalquer forma, os elementos da língua, por pouco que seja,sempre se transformam, ou seja, a língua nunca permaneceestática. Portanto, fazer um estudo de ordem sincrônicasignifica afastar pequenas transformações poucoimportantes e tomar o conjunto como representante de umtempo e de um espaço determinados.

Recapitulando: no estudo diacrônico ficacaracterizado que, no processo de transformação constante,a cada período, certas formas são substituídas por outras.Observa-se então uma sucessão de termos que garante aatualização da língua e que, quando é visualizada, mostrauma sequência de fatos registrados numa determinada parte.A construção de formas novas a cada período mostra que umestudo diacrônico está completamente fora do contexto

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gramatical. Por sua vez, um estudo sincrônico éessencialmente gramatical. Num estudo diacrônico sãoverificadas as mudanças fonéticas e de sentido queocorreram. Num estudo sincrônico são verificadas asconsequências gerais causadas por uma transformação.

7.2. O signo: significante e significado

A língua está composta por signos linguísticosconcretos de natureza essencialmente psíquica, formados deuma unidade acústica e uma unidade significativaconceitual. Na língua só existem imagens acústicas feitas deunidades de sons articulados: os fonemas. A imagemacústica, por sua vez, pode ser convertida em imagemvisual: a escrita. É a característica de forma concreta dosigno que permite sua fácil transformação para a escrita.

Saussure demonstra que é algo material a imagemacústica, que chega até os ouvidos dos indivíduos querecebem a mensagem; são os sons que foram articuladospelo falante. O som é uma coisa concreta, e como coisaconcreta não pode chegar até o centro de processamento dasinformações no cérebro. Assim, o que é transportado desdeos ouvidos até o cérebro são as impressões psíquicas que ossons articulados causam nos indivíduos que recebem amensagem. Então, a imagem acústica não é material e simpsíquica. A sensação de que ela é material deve-se ànecessidade que os ouvintes têm de separá-la do conceito,que é claramente psíquico. Outra razão é o fato da imagemacústica ter uma origem externa ao indivíduo, na forma deuma estrutura física, que é o som articulado. Por isso, pareceinevitável concluir que o signo linguístico é sempre

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composto por dois elementos de natureza completamentepsíquica: a imagem acústica e o conceito.

Pode-se afirmar sem qualquer sombra de dúvida quenão há possibilidade de separação entre os dois elementosdo signo linguístico. Essa composição está definida nopensamento do ser humano, que não pode conceber umconceito sem reconhecê-lo imediatamente num objeto demedidas materiais, ou seja, não há concepção psíquica semhaver uma transformação, correspondente, reconhecível porsentidos externos. Logo, mesmo estando o indivíduo sópensando, na mente é feita a concretização das imagensacústicas em som articulado, o indivíduo que pensa está“ouvindo” as imagens psíquicas acústicas formuladas porsua mente. Logo, quando ocorre o pensamento, todo ocircuito da fala é realizado no interior do próprio indivíduoque produz a mensagem e que só sabe qual mensagemproduziu porque também é capaz de decodificá-la.

Saussure detectou um problema de terminologiarelativo ao uso que era feito da palavra signo, por eleempregada para a combinação conceito e imagem acústica.Ele lembrou que o uso corrente da palavra era comodesignativo apenas da imagem acústica. Argumentou que,quando se usa um determinado segmento sonoro – um signo–, esse segmento exprime um conceito, que leva à conclusãode que a parte perceptível implica diretamente a ideia total,ou seja, a imagem acústica e o conceito. Por isso, ele propôsque o termo signo fosse empregado para designar a unidadecompleta: conceito mais imagem acústica. Para completar,propôs, para desfazer qualquer ambiguidade, que o termoconceito fosse substituído por significado e o compostoimagem acústica por significante.

O significado está ligado ao significante. Então,quando alguém emite um som articulado (significante, um

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som significante, ou melhor, “aquilo que se encarrega defazer um signo significar”), esse som corresponde a umaconvenção social relativa a uma ideia ou coisa (osignificado, algo significado, ou melhor, “aquilo que o signoestá encarregado de significar”). Esse significante (somarticulado) estimula na mente do ouvinte o reconhecimentodo significado (a ideia ou coisa referida pelo signo). Oprocesso de relacionamento entre as duas partes do signo (osignificante e o significado) é realizado por um vínculoestabelecido socialmente, que faz com que todos os falantesreconheçam essa relação, como se existisse umacombinação espontânea entre todos. Em síntese, eles sãoforçados, pela própria vontade ou necessidade deconstituição ou preservação do grupo, a aceitar e repetir ossignos tal como eles se apresentam.

A relação estabelecida entre o significante e osignificado é totalmente convencional, acertada entre osfalantes: não há nenhum vínculo sugestivo entre os doislados do signo. Dizendo de outro modo, ainda: osignificante é relacionado no pensamento do falante aosignificado por um vínculo completamente arbitrário: não hánenhuma relação de sugestão entre a estrutura sonora e osignificado. Por isso é que Saussure afirma que o signolinguístico é convencional e arbitrário. Assim, qualquerunidade significante poderia ser relacionada a qualquersignificado, em nada modificando o valor do significado enem a relação dele com a cadeia em que se insere se aconvenção assim tivesse estabelecido.

Por exemplo: quando um falante do portuguêspronuncia a oração simples “A lâmpada está acesa”, todosos seus circunstantes são capazes de entender o que ele querdizer, porque está estabelecido linguisticamente no grupo oque significam (quer dizer: a que se referem) “lâmpada” e

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“acesa”; por outro lado, supondo-se que se tivesseestabelecido, para os mesmos objetos linguísticos,respectivamente, as formas tatatá e prodego, também oconteúdo da oração “A tatatá está prodego” não seriapassível de qualquer dúvida; fosse outra a convenção,nenhum falante estranharia se ouvisse “A tatatá está acesa”ou “Apague a tatatá”. Do mesmo modo, o fruto a que sechama “maçã” em português – e apple em inglês – nada tema ver com os sons ou as letras utilizadas para a referência aele.

Saussure não discutiu a relação entre o significante eseu referente, ou a intenção originária que criou osignificante – se ele a discutiu, parece não ter sido anotadapor seus discípulos. Ele não afirma e nem confirma queessas estruturas sejam de caráter sugestivo em algum caso.Ele, entretanto, explica outra questão que também implicana sugestão ou não do signo: a diferença entre o arbitrárioabsoluto e o arbitrário relativo.

Ele mostrou a diferença que existe entre um termoque não é direcionado em hipótese alguma para o referenteou para o significado e um termo que traz em sua concepçãoacústica, ou significante, a ideia da coisa ou de suasignificação. Ele usou como exemplo dessas circunstânciasos numerais: logo, os numerais vinte, dez, nove etc. não têm,de forma alguma, em sua estrutura, a ideia da quantidade aque fazem referência, ou seja, não apresentam sugestãoalguma entre o significante e o significado. No entanto, emlínguas como o francês e o português, isso não pode ser ditosobre todos os numerais como quatre-vingt “oitenta”,quatre-vingt-dix-huit “noventa e oito”, dezenove, dezoito,vinte e nove etc., que, de acordo com sua estrutura acústica,oferecem uma análise de seu significado. Portanto, essessignos, em relação ao vinte, dez, nove, que são

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completamente imotivados, são relativamente motivados.Também são relativamente motivados termos derivados quesejam variações num mesmo campo de significação:vaqueiro, fruteira, cerejeira, macieira etc.

De todas as formas que podem ser analisadas ouapontadas como formas com origem sugestionada, Saussurefoi categórico quanto ao fato de que não existe sugestãoabsoluta. Por mais que se encontre sugestão num termo, arelação entre os termos que formam o termo derivado nuncaé absolutamente igual, no resultado derivado, aos termossimples separadamente, por causa, principalmente, dasmutilações que as arrumações fonéticas tendem a fazernesse termo derivado.

Saussure não deixou dúvida de que a relação entresignificante e significado fosse arbitrária, até mesmo noscasos das onomatopeias, nas quais fica difícil afastar toda equalquer sugestão entre o significante e o objeto/referente.Nas onomatopeias, após serem materializadas em sonsarticulados, o significante se comporta como um estímuloacústico para o significado, exatamente como qualquer outraunidade acústica significante da língua.

Explicou que as onomatopeias verdadeiras não secaracterizam por sugestão entre o significante o significado.Na verdade, a maioria delas faz uso de estruturas sonoras jáestabelecidas na língua, como o som característico da águaou do relógio: chuáááá, tic tac tic tac (esses não são osbarulhos que a água ou o relógio fazem, mas o modo como acultura em língua portuguesa os apresenta). Por outro lado,ao serem estabelecidas no contexto da língua, sãosubmetidas aos processos de arrumação fonéticacaracterísticos da língua. Assim, perdem algo do que lhesera característico para assumirem as característicasimotivadas do signo linguístico.

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O sistema da língua, explicou Saussure, repousa sobreo princípio irracional da arbitrariedade do signo. No entanto,as forças da racionalidade tendem para a amenização dessecaos natural do sistema linguístico. Essa inteligência criaordem e certa regularidade em muitas das partes da língua.Desse modo, boa parte dos signos é recuperável peloraciocínio lógico assentado nos hábitos e fórmulas dalíngua. Como a maior parte do sistema linguístico traz em sia estrutura que recebeu da natureza, esse mecanismo dereconstrução do sistema pela racionalidade deve serestudado como uma diminuição ou atenuação das estruturasabsolutamente arbitrárias. Essa fórmula de organizar o caoslinguístico visa, certamente, a facilitar a relação com aimensa quantidade de signos possíveis da língua.

O signo é instalado no discurso como unidadeconcreta, material, forma física. Por isso, cada signo ocupaum espaço fixo e determinado. Logo, o significante tomaespaço na construção discursiva por ter a característica dematéria, sendo realizado, desse modo, numa ordem queprevê o concurso do tempo. Esse é o espaço ocupado pelosignificante: de acordo com o tempo empregado pararealizá-lo. Isso equivale a dizer que dois significantes nãoocupam o mesmo espaço/tempo, é necessário respeitar aforma física de cada um, porque eles sempre aparecemnuma cadeia linear.

Saussure deu como exemplo a transposição da falapara a escrita. Na escrita, a linha temporal dos significantesna oralidade é substituída pela linearidade espacial. Issodemonstra o poder de organização da língua, que se valedesse aspecto também para impor suas regras na formulaçãoda fala. Na fala, não é qualquer significante que vem nasequência de outro, mas um significante que caiba no valorsignificativo a ser construído. Existe uma clara imposição da

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ordem vigente na língua na escolha dos signos a seremempregados na realização de uma cadeia de significados.

7.3. Eixo sintagmático e eixo paradigmático

Os dois eixos linguísticos – sintagmático eparadigmático – só podem ser discutidos sob o ponto devista da linguística sincrônica, porque é neles que se baseiaa estrutura de um estado da língua. Eles dão conta daspossibilidades de relações entre os signos e as estruturassignificativas instaladas no discurso.

De um lado, no discurso, os termosestabelecem entre si, em virtude de seuencadeamento, relações baseadas nocaráter linear da língua, que exclui apossibilidade de pronunciar doiselementos ao mesmo tempo. (…) poroutro lado, fora do discurso, as palavrasque oferecem algo de comum se associamna memória e assim se formam gruposdentro dos quais imperam relações muitodiversas (CURSO, 1995, p. 142 e 143,passim).

O eixo sintagmático é caracterizado pela relação dosigno com o tempo, ou seja, pela impossibilidade de umfalante produzir dois signos ao mesmo tempo. Esse caráterde linearidade da cadeia linguística força a estruturação doselementos de linguagem para uma sequência obrigatória,isto é, um termo está relacionado com o precedente e issonão acontece por acaso. Essas combinações de termos, quenão estão limitadas à estrutura do signo e têm a extensão

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que a expressão necessitar, formam estruturas chamadassintagmas. Em síntese, toda cadeia de significação, atémesmo os menores dos elementos significativos, os fonemase os morfemas, estão caracterizados por relaçõessintagmáticas.

Na estruturação sintagmática do discurso, os termosse apoiam: um termo adquire significação pela relação queestabelece com o que o antecede e com o que o segue. Aestruturação desses sintagmas é marcada pela característicabastante particular de valor significativo: os termos sãorelacionados entre si por oposição. É preciso lembrar que osigno não se caracteriza em relação a outros signos peladiferença, mas pela distinção. Do ponto de vista do valorlinguístico, a oposição entre os termos de um sintagma seestabelece porque naquela cadeia linguística deve entraraquele e não outro termo, isto é, a oposição não acontecepor diferença, mas por destaque.

Os sintagmas são estruturas desenvolvidas a partir domodelo estabelecido no sistema, isto é, não poderia haversintagma sem que houvesse, na estrutura da língua, em cadanível linguístico, um número suficiente de estruturassemelhantes entre si. Todos os sintagmas são, portanto,desenvolvidos de acordo com uma estrutura fixa, de acordocom a sistematização da língua. Nenhuma criatividadeindividual interfere na formulação desse elementolinguístico concreto. As estruturas sintagmáticas sãoatributos do caráter da língua, de suas fórmulas marcadas econcretas.

Saussure afirmou categoricamente que o sintagmanão pertencia à fala, porque essa é a construção individual, eele tem a característica de representar modelos coletivos. Noentanto, reconhecia que era muito complicado separar ossintagmas como sendo de domínio absoluto da língua,

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afastando completamente a interferência dos elementos dafala. Os elementos da língua e da fala concorrem e atuamsimultaneamente na construção dos sintagmas. Essa regra deconstrução é atuante em todos os níveis sintagmáticos,desde os menores, o nível fonemático, até o frasal(BENVENISTE, 1995).

As palavras ocupam a memória dos falantes em formade classes, o que quer dizer que todas as palavrasrelacionadas por alguma característica comum estãoreunidas em grupos. A exemplo disso, na estruturação dosdicionários, as palavras com partes comuns são reunidas emverbetes comuns. Na memória, porém, estão reunidas porrazões de ordem muito mais semântica do que estrutural,sendo que essas duas razões quase sempre coincidem. Essacategorização que agrupa formas – fonemas, morfemas ousignos – faz com que, em se conhecendo uma, muitas outrassejam a ela associadas. Saussure chamou essa categoria deassociativa. Ela está na memória dos falantes, como umtesouro guardado, e é diferenciada da sintagmática porqueindepende da estruturação do discurso.

Uma palavra qualquer pode evocar uma gama enormede outras palavras, estabelecendo com elas vínculosassociativos muito variados. As palavras podem serevocadas pelo sentido e pela estrutura formal, somente pelaestrutura formal ou somente pelo sentido.

O sintagma, por sua vez, apresenta uma estruturadefinida pelo uso no tempo e pelo número de elementos aele relacionados. A estrutura das associações de termos nãotem limites, ou seja, não há um número restrito de termosnuma associação e nenhuma ordem específica que reguleessas associações: elas acontecem na mente do indivíduo nalógica que para ele faz sentido. Cabe uma ressalva, noentanto, quanto às associações de ordem gramatical: os

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paradigmas que formam verbos ou declinações sãoestruturas definidas com um número específico deassociações possíveis.

Saussure afirmou que uma palavra funciona como umastro central à volta do qual gira um número enorme depalavras associadas a ela. Porém, para cada indivíduofalante de uma língua pode haver associações diferenciadasno mesmo grupo de palavras, de acordo com as experiênciasdesse indivíduo. No entanto, as associações entre as palavrasfeitas na memória de um indivíduo não desfazem, emhipótese alguma, as associações feitas coletivamente nalíngua.

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8. Valor linguístico

Sem o recurso dos signos, as ideias não seriampossíveis porque não se poderia estabelecer com clarezauma distinção entre elas. Saussure fez outra afirmação: a deque o pensamento é uma construção amorfa e indistinta.Assim, a condição para que o pensamento seja claro é acapacidade linguística humana: os sons articulados são osmeios usados para dar ao pensamento uma forma clara.

O pensamento, enquanto forma psíquica, é umconjunto sem característica, formado por elementosindistintos. Nessa condição, não há modo de reconhecerqualquer lógica em sua estrutura, somente o concurso dalíngua coloca lógica em sua forma. Portanto, não existeideia preexistente à língua, porque somente a língua podecriar ou dar a forma de ideias ao pensamento.

Por outro lado, os sons não são, por sua vez, fixos oucom características preestabelecidas. O som é uma matériasem característica, que se presta a emoldurar e embalar opensamento, dando-lhe uma característica reconhecível emoldes exatos. O som se mostra ideal na emolduração dasformas do pensamento, comporta-se como uma matériaplástica, com várias partes distintas, fornecendo os recursosnecessários para a construção dos significantes.

A língua, nessa visão, é uma estrutura realizada comouma formação contínua, feita de subdivisões em que doiselementos atuam direta e simultaneamente: as ideias e suaconfusa estrutura de um lado e, de outro, os sons como um

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magma sem uma definição precisa, oferecidos às ideias. Opapel da língua, como não deixa dúvida essa descrição, é ode estar entre um e outro, pensamento e som, servindo deintermediária, condicionando e limitando um em função daslimitações do outro. A língua é o agente de estruturação queamarra os sons nos pensamentos, fazendo um coincidir como outro.

Essa é a ideia que esclarece com mais exatidão aquiloque é denominado arbitrariedade do signo. Entram nacomposição do signo duas porções de elementos que têmcomo característica básica o fato de serem amorfas econfusas. A escolha na língua dos sons que serão atribuídosà representação de determinada ideia não segue nenhumsistema de relacionamento entre as partes do signo, ou seja,a escolha das unidades acústicas para a representação deuma ideia é absolutamente arbitrária.

Apesar dessas imposições das partes integrantes dossignos, o valor que eles assumem nos contextos em que sãousados é sempre relativo ao universo significativoconstruído naquele instante. Esse é o papel exercido pelacoletividade: não há como um indivíduo criar sozinho umuniverso de valores, entretanto, a coletividade por si só já éum sistema de valor.

O melhor caminho a ser seguido para estudar eentender o sistema linguístico é partir do geral/total e neleencontrar os elementos que, com menor proporção,compõem o todo. O objetivo da mensagem está acima doslimites das pequenas partes: o significado do todo não éestabelecido pela soma das partes isoladas, mas é a relaçãoentre elas que cria um valor a ser compreendido.

O valor linguístico constitui um dos elementos dasignificação, é parte integrante da significação que nasce

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através dela. Para compreender o valor de uma palavra,deve-se partir de sua capacidade de representar uma ideia. Épreciso, no entanto, ter cuidado de entender a diferençaentre a significação e o valor linguístico.

A significação de um signo se constitui na relação quesuas partes (significante e significado) estabelecem entre si.O processo de significação acontece entre a imagemauditiva e o conceito; isso equivale à significação que seestabelece pela relação que o indivíduo tem com o conceitovinculado ao significante. Portanto, o processo designificação de um signo é de característica puramentepsicológica, muito mais complexa que a simples relaçãoentre significante e significado.

O valor de um signo, apesar de poder ser confundidocom sua significação, resulta da relação entre os diversossignos numa circunstância concreta de discurso, em queestejam atuando o sistema e suas concretizações. Em outraspalavras, resulta da definição que a porção do enunciadorecebe de outras porções do mesmo enunciado. Dessaforma, o valor linguístico de um signo pode variarinfinitamente, mesmo analisado fora do contexto/conceitode significação. O valor linguístico fica fora do elemento designificação do signo porque em todos os contextos épossível ter o mesmo valor significativo através dediferentes signos. Não que esses signos sejam designificação igual, nem precisam ser, mas um elemento, quedetermina o contexto geral, permite seus usos.

Assim definido, Saussure explicou que o valor é algoque pode ser medido pela semelhança entre coisas ou peladiferença. Pela semelhança, o valor que esteja em questãoequivale a certa medida numa coisa diferente com a qualpossa ser trocada. Em valores mais exatos, como dinheiro,uma moeda equivale a uma quantidade de comida. Pela

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diferença, o valor pode ser considerado por aquilo que elenão é: em não sendo algo de certo valor, será um outrovalor, diferente, por assim dizer. Assim, um signo estárevestido de um valor que pode ser determinado dentro dosistema e de uma significação que regula sua presença nocontexto sincrônico da estrutura. Como se pode notar, ovalor de um signo só pode ser determinado por aquilo que orodeia – não só os outros signos, mas também o uso que éfeito dele nas diversas circunstâncias em que poder serutilizado.

Desse modo, as traduções de textos sofrem ainterferência do valor linguístico dos elementos da língua deorigem. Um valor linguístico numa língua dificilmentecorresponde aos de outra língua. Situações semelhantesestão por toda parte dos estudos linguísticos. A constataçãodessa correspondência inexata entre termos de línguasdiferentes pode ser aplicada a qualquer construçãolinguística, inclusive nos termos técnicos das gramáticasnormativas, que nem sempre apresentam boacorrespondência entre as línguas.

O valor de um signo que em geral é consideradocomo equivalendo a um conceito, é distinguível, portanto,não por seu conteúdo, mas por aquilo que pode ser extraídoda comparação com outros elementos do mesmo sistema.Ele é aquilo que os outros não poderiam ser. Desse modo, ovalor de um elemento está determinado por outroselementos diferentes. Esses elementos criam a significação –de forma que não se poderia conhecer a significação dosigno sem seus diversos valores possíveis.

Quando se fala dos sons da palavra, o procedimentoque o sistema adota para atribuir valor ao signo é o mesmoque caracteriza esse processo em relação ao conceito. O somque constitui uma palavra vale por si só. A construção

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sonora de uma língua é feita de sons que são identificadospela comparação com outros sons, isto é, são as diferençasfônicas entre as palavras que permitem distingui-las de todasas outras. Além disso, em nada importa para a significação amatéria de que sejam feitos os signos. Não se pode pensarque os sons sejam partes da língua em si, a matéria usadapara a realização de um sistema de signos é secundária e nãopode ser confundida com o valor que esteja sendo veiculado.

Assim, segundo Saussure, conclui-se que o valorlinguístico, em qualquer nível, apresenta a fórmula simplesde estabelecer sua identidade perante todos os outros valoresdo mesmo sistema. O significante linguístico marca comprecisão essa característica: ele não é aquilo que pode serpercebido pela matéria, mas pelas diferenças que oidentificam em relação a todos os outros significantes. Essascaracterísticas são verdadeiras em se tratando de qualquersistema de signos e podem ser observadas com absolutaclareza na fala e na escrita.

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9. Mudanças fonéticas

As mudanças fonéticas que ocorrem na fala comoerros acidentais, são comparáveis aos erros acidentais que osmúsicos de uma orquestra cometem na execução de umapartitura. Eles, isoladamente, em nada comprometem osistema inteiro da peça musical. No contexto da fala, seriampequenas falhas, que vão ocorrendo na execução diária dosistema da língua e que não o comprometem em nada. Éóbvio que, nesse caso, trata-se de uma análise do sistemasob o ângulo da sincronia, ou seja, o sistema emfuncionamento naquele momento da língua. Nesse caso, ode mudanças sincrônicas, uma mudança fonética não afetaem nada o sistema. Entretanto, Saussure disse que mudançasfonéticas devem ser estudadas diacronicamente, porque sesabe que elas atuam de modo determinante nos rumos que alíngua tende a seguir.

Segundo Saussure, as transformações fonéticas sãosempre resultados de uma lei que em determinado momentoentrou em ação no sistema e atingiu todas as palavras queestavam sob sua regularidade. Essa situação é sempreresultado de uma ordem qualquer de fatores: analogia entreas palavras ou mesmo um acidente envolvendo certonúmero de falantes de uma região. De qualquer forma, issose espalha como uma onda que atua como uma realidadedentro do sistema. O sistema continua a existir, mas éexecutado num determinado ponto de sua amplitude de ummodo ligeiramente diferenciado.

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Deve estar claro que, no pensamento de Saussure, nãoexistia imobilidade na língua. Ele faz comparações entre oprocesso da língua e um rio: o modo como esse rioprossegue em seu caminho é bastante secundário, o que defato importa é que ele não pode ser interrompido. Dessaforma, como pensou Saussure, a língua está sempre emconstante atualização: cada período corresponde mais oumenos a uma transformação em seu contexto.

As mudanças fonéticas são consideradas no interiorda língua como fatos secundários à existência dela, porqueas mudanças fonéticas não atingem diretamente o contextosincrônico do sistema. Esse fato acontece porque asmudanças nunca afetam as palavras em si, mas os sons deque as palavras são feitas. Desse modo, as transformaçõesnum tipo de fonema, que sejam estendidas para todas asconstruções da categoria de palavras, só podem serpercebidas ao longo da existência da língua, ou seja,diacronicamente.

Saussure enquadrou os fenômenos das mudançasfonéticas em dois tipos: aqueles que acontecem de modoespontâneo e aqueles que acontecem de modocombinatório. Os primeiros são derivados de situaçõesfonéticas em que a articulação ocorre de modo a transformarum som em outro. Esse fenômeno é bastante comum e emgeral é a causa das primeiras transformações nas palavras. Osegundo tipo é produzido por uma série de acidentessonoros ou pela junção de sons, ou seja, as transformaçõesdo modo combinatório são produzidas pela combinação desons.

As causas dessas mudanças fonéticas não podem serdeterminadas com facilidade. Antes de Saussure, muito jáhavia sido pesquisado sobre o assunto e várias soluçõeshaviam sido apresentadas para certas situações – mas, no

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geral, elas resolviam apenas um certo número de casos e nãopodiam ser aplicadas a outros tantos casos similares. Então,situações como educação fonética na infância, influência decerto grupo linguístico, ação da língua literária, lei do menoresforço etc., formam um conjunto de explicações ouelementos que, após um período variável ou alteração nasituação social, contribuía para a evolução ou estagnação dafórmula fonética da língua. As mudanças fonéticas nuncaseguem um padrão específico: acontecem pela ação deforças de ordem social ou psíquico-fisiológica que atuamnum ponto do sistema, modificando certos elementos nafonação da língua.

Os fenômenos fonéticos atingem qualquer classe depalavra, porque atingem os sons e não as palavras e,normalmente, em função dessa característica, trazemprofundas perturbações a toda a gramática. Porém, não háuma relação entre o fenômeno fonético e o gramatical,porque, se houvesse, esses fenômenos teriam consequênciassincrônicas. De qualquer forma, a atuação dastransformações no contexto da língua frequentemente causaa separação gramatical de termos com afinidades. Porexemplo, a separação gramatical pode confundir a derivaçãode um termo a ponto do fenômeno não ser maisreconhecido.

As mudanças fonéticas são fatos relativos àlinguística diacrônica. Elas são condicionamentos que alíngua cria para se manter atualizada com o movimentosocial. São consequências da fórmula linguística humana,próprias do sistema de construção da comunicação e dosistema psicológico dos seres humanos, que apresentam umatendência à atualização dos elementos em todas asinstâncias. No contexto da língua, esse fenômeno acontecepor força da maneira pela qual a língua é imposta à

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sociedade, ou seja, através dos indivíduos, que sãoprimordialmente os causadores das modificações fonéticas.Mais que seus causadores, os indivíduos são osatualizadores dos elementos latentes do sistema da língua.

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CONCLUSÃO

1911 é o ponto final de sua carreira; apesar doscinquenta e quatro anos apenas, Ferdinand de Saussureestava muito doente dos olhos (praticamente cego) eprofundamente debilitado por causa do ópio e da bebida.Sua carreira teve três momentos específicos: o período deestudante, época que produziu o Mémoire e Du Génitif; umlongo período como professor de sânscrito e filologia,primeiro em Paris e depois em Genebra, que corresponde àprodução dos Anagramas; e um terceiro período, paralelo aosegundo, que vai de 1907 a 1911, quando ensinou tambémlinguística geral. Ficou famoso logo no início da carreiracom o Mémoire e depois se dedicou a ensinar. Paralelamenteàs funções de professor, pesquisava a literatura greco-latinae sânscrita (os Anagramas).

Saussure é chamado de o pai da Linguística modernaporque deixou claro o modelo teórico que devia serpraticado nos estudos sobre a língua. Seu trabalho, tantocomo filólogo comparatista e neogramático do indo-europeu, quanto como linguista geral e nos Anagramas, deveser medido por sua necessidade de ser exato. Dessa forma,toda sua obra prima pela exaustiva pesquisa bibliográfica,pela exaustiva demonstração concreta em exemplos emodelos simbólicos e também por uma procura constantepelo detalhe que faltava. Sua obra alcançou notoriedade poraquilo que ele não deixou escrito, suas últimas aulas. Équase incrível quando se pensa os detalhes do surgimento dolivro CLG: fruto de todas as reflexões sobre linguagem que

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ele havia assimilado e exercitado durante toda sua vida. Nãodevemos desconsiderar sua genialidade, provada ainda naprimeira juventude com o Mémoire e Du Génitif, e oacúmulo de informações de uma vida inteira, por isso ogrande valor conteudístico das aulas do Curso. Esseconjunto e mais sua morte precoce levariam seus alunos apropor a publicação de suas aulas.

Muitos são os questionamentos quanto à fidelidade ouà precisão do CLG aos pensamentos de Saussure. A obraCLG é especial porque revelou o pensamento sobre pesquisae metodologia, língua e linguagem, exercitado por Saussure.A fidelidade enunciativa a esse pensamento certamenteficará desconhecida. Duas ideias precisam ficar destasúltimas reflexões: primeira, ninguém que vier a ler osmanuscritos existentes em Genebra vai encontrardistanciamento entre os textos ali arquivados e o CLG e,segunda, o CLG é um fato e não há como desconstruir suacontribuição às ciências.

A metodologia apresentada no Curso de LinguísticaGeral reorganizou os estudos das ciências da linguagem; e olivro CLG mudou a perspectiva do mundo olhar o objeto deestudo da Linguística. As obras antecedentes tentavamentender o objeto se integrando nele, para observá-lo pordentro. Nela, entretanto, criam-se nomes arbitrários para osfenômenos da língua: estuda-a tal qual um objetomanuseável e a observa como um espectador. O CLGtransformou metodologicamente o universo dos estudossobre a linguagem, porque estudou um objeto definido,dividindo todo o conteúdo a ser estudado em vários objetose se aplicou em um. Com isso, abriu caminho para muitassubdivisões desse conteúdo e, por isso, criou um novo modocientífico de ver o objeto e reprogramou o conhecimentoexistente.

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