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linha2507 FERDINAND DE SAUSSURE CURSO DE LINGUISTICA GERAL Organizado por CHARLES ALL! " ALERT SECHEHA!E #o$ a #ola%ora&'o d" ALERT RIEDLINGER (r")*#io + "di&'o %ra,il"ira- ISAAC I.ICOLAU SALU/ da Uni1"r,idad" d" S (a3lo 4 EDITORA CUURI S'o (a3lo T63lo do original- COURS DE LINGUISTI8UE G9NlrRAI:E (3%li#ado po (a;o: (ari, Trad3&'o d" ANT<NIO CHELINI: =OS> (AULO (AES " I?IDORO LI@STEIN 222B2252272 gr adi&ao: o9 r:&ag )on p9% ada 00Ol020B0OS0G Dir"io, d" rad3&'o para o ra,il ad3irido, #o$ "#l3,i1idad" p"la EDITORA CUURI UDA R3a Dr /*rio .i#"n": B7 0270000 S'o (a3lo: S( Fon"- 272BJJ Fa- 272770 E$a6l- p"n,a$"noK#3lri#o$%r hp-MMMp"n,a$"no#3lri#o$%r 3" ," r","r1a a propri"dad" li"r*ria d",a rad3&'o I$pr",,o "$ no,,a, o)i#ina, gr*)i#a, NDICE (REFCIO P EDIQO RASILEIRA III (REFCIO P (RI/EIRA EDIQO (REFCIO P SEGUNDA EDIQO (REFCIO P TERCEIRA EDIQAO 5 INTRODUQAO CA(6TULo I .i,'o g"ral da hi,ria da Lingi,i#a 7 CA(6T3Lo II /aria " ar")a da Ling6,i##aV ,3a, r"la&W", #o$ a, #iXn#ia, #on"a, B CA(6T3Lo III O%Y"o da Ling6,i#a Z A l6ng3aV ,3a d")ini&'o 5 Z 2 L3gar da l6ng3a no, )ao, da ling3ag"$ J Z B L3gar da l6ng3a no, )ao, h3$ano, A S"$iologia 2B CA(6TULo I. Ling6,i#a da l6ng3a " ling6,i#a da )ala 2 CA(6TULo . El"$"no, in"rno, " "l"$"no, ""rno, da l6ng3a 2J CA(6TULo .I R"pr","na&'o da l6ng3a p"la ",#ria Z N"#",,idad" d" ",3dar "," a,,3no BB Z 2 (r",6gio da ",#ria- #a3,a, d" ,"3 pr"do$6nio ,o%r" a )or$a )alada B Z B O, ,i,"$a, d" ",#ria B Z 5 E)"io, d,," d",a#ordo BJ CA(6TULo .II A Fonologia Z D")ini&'o 2 Z 2 A ",#ria )onolgi#a B Z B Cr6i#a ao ","$3nho da ",#ria .II A(ENDICE (RINCI(IOS DE FONOGOGIA C"r)T1:o I A, ",p#i", )onolgi#a,

( Educacao) - Ferdinand de Saussure - Curso de Linguistica Geral

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linha2507FERDINAND DE SAUSSURECURSO DELINGUISTICA GERALOrganizado porCHARLES BALLY e ALBERT SECHEHAYEcom a colaborao deALBERT RIEDLINGERPrefcio edio brasileira:ISAAC IVICOLAU SALUM( da Universidade de S. Paulo )EDITORA CUURIXSo PauloTtulo do original:COURS DE LINGUISTIQUE G~NlrRAI,EPublicado pot Payot, ParisTraduo deANTNIO CHELINI, JOS PAULO PAES e IZIDORO BLIKSTEIN22-23-24-25-26-27-28 gr adiao, o~ rW,ag fon p~bW ada. 00-Ol-02-03-04-OS-0GDireitos de traduo para o Brasiladquiridos com exclusividade pelaEDITORA CUURIX UDA.Rua Dr. Mrio Vicente, 374 - 04270-000 - So Paulo, SPFone: 272-1399 - Fax: 272-4770E-mal: [email protected]://www.pensamento-cultrix.com.brque se reserva a propriedade literria desta traduo.Impresso em nossas oficinas grficas.NDICEPREFCIO EDIO BRASILEIRA XIIIPREFCIO PRIMEIRA EDIO. 1PREFCIO SEGUNDA EDIO. 4PREFCIO TERCEIRA EDIAO. 5INTRODUAOCAPTULo I - Viso geral da histria da Lingistica. 7CAPTuLo II - Matria e tarefa da Lingsticca; suas relaes com ascincias conexas. 13CAPTuLo III - Objeto da Lingstica. 1. A lngua; sua definio. 15 2. Lugar da lngua nos fatos da linguagem. 19 3. Lugar da lngua nos fatos humanos. A Semiologia. 23CAPTULo IV - Lingstica da lngua e lingstica da fala. 26CAPTULo V - Elementos internos e elementos externos da lngua. 29CAPTULo VI - Representao da lngua pela escrita. 1. Necessidade de estudar este assunto. 33 2. Prestgio da escrita: causas de seu predomnio sobrea forma falada. 34 3. Os sistemas de escrita. 36 5. Efeitos dsse desacordo. 39CAPTULo VII - A Fonologia. 1. Definio. 42 2. A escrita fonolgica. 43 3. Crtica ao testemunho da escrita. 44VIIAPENDICEPRINCIPIOS DE FONOGOGIACerfTvt,o I - As espcies fonolgicas.$ 1. Definio do fonema. 49$ 2. O aparelho vocal e seu funcionamento. 52$ 3. Classificao dos sons conforme sua articulao bucal. 55CaptuloII - O fonema na cadeia falada.$ 1. Necessidade de estudar os sons na cadeia falada. 62$ 2. A imploso e a exploso. 64$ 3. Combinaes diversas de exploses e imploses nacadeia. 68$ 4. Limite de slaba e ponto voclico. 70$ 5. Crticas s teorias de silabao. 72$ 6. Durao da imploso e da exploso. 73 $7. Os fonemas de quatta abettura. O ditongo. Ques-tes de gtafia. 74PRIMEIRA PARTEPRINCIPIOS GERAISCaptuloI - Natureza do signo lingistico.$ 1. Signo, significado, significante. 79$ 2. Primeito princpio: a arbitrariedade do signo. 81$ 3. Segundo princpio: carter linear do significante. 84Captulo II - Imutabilidade e mutabilidade do signo.$ 1. Imutabilidade. 85$ 2. Mutabilidade. 89Captulo III - A Lingstica esttica e a Lingstica evolutiva.$ 1. Dualidade interna de todas as cincias que operamcom valores, 94$ 2. A dualidade interna e a histria da Lingstica. 97$ 3. A dualidade interna ilustrada com exemplos. 98$ 4. A diferena entre as duas ordens ilustrada por com-paraes. 103$ 5. As duas Lingsticas opostas em seus mtodos e emseus princpios. 105$ 6. Lei sincrnica e lei diacrnica. 107$ 7. Existe um ponto de vista pancrnico? 111VIII 8. Conseqncias da confuso entre sincrnico e dia-crnico. 112 9. Concluses. 114SEGUNDA PARTELINGlSTICA SINCRONICACaptulo I - Generalidader. 117CArToLo II - As entidades concretas da lngua. 1. Entidades e unidades. Definies. 119 2. Mtodos de delimitao. 121 3. Dificuldades prticas da delimitao. 122 4. Concluso. 123Captulo III - Identidade, realidades, valores. 125Captulo IV --- O valor lingstico. 1. A lngua como pensamento organizado na matriafnica. 130 2. O valor lingstico considerado em seu aspecto con-ceitual. 132 3. O valor lingstim considerado em seu aspecto ma-terial. 136 4. O signo considerado na sua totalidade. 139Captulo V - Relaes sintagmticas e relaes associativas. 1. Defnies. 142 2. Relaes sintagmticas 143 3. As relaes associativas. 145Captulo VI - Mecanismo da lngua. 1. As solidariedades sintagmticas. 148 2. Funcionamento simultneo de duas formas de agru-pamento 149 3. O arbitrrio absoluto e o arbitrrio relativo. 152Captulo VII - A Gramtica e suas subdivises. d . Definies: divises tradicionais. 156 2. Divises racionais. 158Captulo VIII - Papel das entidades abrtratas em Gramtica. 160IXTERCEIRA PARTELINGISTICA DIACRONICACaptulo I - Generalidades. 163Captulo II - As mudanas Fonticas. 167 1. Sua regularidade absoluta: 167 2. Condies das mudanas fonticas. 168 3. Questes de mtodo. 169 4. Causas das mudanas fonticas. 171 5. A ao das mudanas fonticas ilimitada. 175Captulo III - Conseqnciar gramaticais da evoluo /ontica. 1. Ruptura do vnculo gramatical. 178 2. Obliterao da composio das palavras. 179 3. No existem parelhas fonticas. 180 4. A alternncia. 182 5. As leis de alternncia. 183 6. A alternncia e o vnculo gramatical. 185Captulo IV - A analogia. 1. Definio e exemplos. 187 2. Os fenmenos analgicos no sso mudanas. 189 3. A analogia, princpio das criaes da lngua. 191Captulo V - Analogia e evoluo. 1. Como uma inovao analgica entra na lngua. 196 2. As inovaes analgicas, sintomas de mudanas deinterpretao. 197 3. A analogia, princpio de renovao e de conserva-199o.Captulo VI - A etimologia popular. 202Captulo VII - A aglutinao. 1. Definio. 205 2. Aglutinao e analogia. 206Captulo VIII - Unidades, identidades e realidades diacrnicas. 209Apndices.A. Anlise subjetiva e anlise objetiva. 213B. A anlise subjetiva e a determinaa das subunidades. 215C. A etimologia. 219QUARTA PARTELINGUISTICA GEOGRFICACaptulo.o I - Da diversidade das lnguas. 221Captulo II - Complicaes da diversidade geogr/ica. 1. Coexistncia de vrias lnguas num mesmo ponto. 224 2. Lngua literria e idioma local. 226Captulo III - Causas da diversidade geogr/ica. 1. O tempo, causa essencial. 228 2. Ao do tempo num territrio contnuo. 230 3. Os dialetos no tm limites naturais. 233Captulo IV - Propagao das ondas lingsticas. 1. A fora do intercurso e o esprito de campanrio. 238 2. As duas foras reduzidas a um princpio nico. 240 3. A diferenciao lingstica em territrios separados. 254QUINTA PARTEQUESTES DE LINGlSTICA RETROSPECTIVACONCLUSAOCaptulo I - As duas perspectivas da Lingstica diacrnica. 247Captulo.o II - A lngua mais antiga e prottipo. 251Captulo III - As reconstrues. 1. Sua natureza e sua finalidade. 255 2. Grau de certeza das reconstrues. 257Captulo IV - O testemunho da lngua em Antropologia e emPr-Histria. 1. Lngua e raa. 260 2. Etnismo. 2615 3. Paleontologia lingsti~a. 262 4. Tipo lingstico e mentalidade do grupo social. 266Captulo V - Famliar de lnguar e tipos lingsticos. 268INDICE ANALTICO. 273XIPREFACIO A EDIAO BRASILEIRAEstas palavras introdutrias edio brasileira do Cours delinguistique gnrale no pretendem expor ou discutir as doutri-nas lingsticas de Ferdinand de Saussure, nem tampouco apre-sentar a verso portuguesa no que ela significa como transposi-o do texto francs. Visam a uma tarefa bem mais modesta,mas; talvez, mais til ao leitor brasileiro, estudante de Letras ousimples leigo, interessado em Lingstica: fornecer informaessobre o famoso lingista suo e sobre a sua obra e indicar algu-mas fontes para estudo das grandes antinomias saussurianas,ainda na ordem do dia, meio sculo depois da 1.& edio doCours, embora provocando ainda hoje dilogos mais ou me-nos calorosos.A l.a edio do Cours de 1916, e , como se sabe, "obrapstuma", pois Saussure faleceu a 22 de fevereiro de 1913.A verso portuguesa sai com apenas 54 anos de atraso. Masnesse ponto no somos s ns que estamos atrasados. O Cours delinguistique gnrale no foi um best-seller, mas foi em francsmesmo que ele se tornou conhecido na Europa e na Amrica.A 1 ~ edio francesa, de 1916, tinha 337 pginas; as seguintes,de 1922, 1931, 1949, 1955, 1962. . . e 1969, tm 331 pginas. No-te-se, porm, como crescem os intervalos entre as edies at a4.a, de IJ49 e depois se reduzem constante de 7 anos o que, ,mostra que at a edio francesa teve a sua popularidade aumen-tada nestas duas ltimas dcadas.Uma vista de olhos sobre as tradues bastante elucidati-va. A prirneira foi a verso japonesa de H. Kobayashi, de 1928,reeditada em 1940, 1941 e 1950. Vem depois a alem de H. Lom-rnel, em 1931, depois a russa, de H. M. Suhotin, em 1933. Umadivulgou-o no Oriente, e a outra no mundo germnico (e nr-dico) e a terceira no mundo eslavo. A verso espanhola, deXIIIAmado Alonso, enriquecida com um excelente prefcio de 23 p-ginas, saiu em 1945, sucedendo-se as edies de 1955, 1959, 1961,1965 e 1967, numa cerrada competio com as edies france-sas. So as edies francesa e espanhola os veculos de maiordivulgao do Cours no mundo romnico. A verso inglesa delNade Baskin, sada em Nova Iorque, Toronto e Londres, de 1959. A polonesa de 1961, e a hngara, de 1967.Em 1967 saiu a notvel verso italiana de Tullio De Mauro,traduo segura e fiel, mas especialmente notvel pelas 23 pgi-nas introdutrias e por mais' 202 pginas que se seguem ao texto,de maior rendimento, em virtude do corpo do tipo usado, osten-tando extraordinria riqueza de informaes sbre Saussure esobre a sorte do Cours, com 305 notas ao texto e uma bibliogra-fia de 15 pginas (cerca de 400 ttulos) (1). Tullio De Mauropor essa edio se torna credor da gratido de todos os que seinteressam pela Lingstica moderna (2) .Mas a freqncia das reedies e tradues do Cours nestadcada de 60 que acaba de expirar mostra que j era tempo defazer sair uma verso portugusa dessa obra cujo interesse crescecom o extraordinrio impulso que vm tomando os estudos lin-gsticos entre n5 e em todo o mundo. J se tem dito, e corr~razo, que a Lingstica hoje a "vedette" das cincias huma-nas. Acresce que o desenvolvimento dos currculos do nosso es-tudo mdio nestes ltimos anos impede que uma boa percentagemde colegiais e estudantes do curso superior possam ler Saussureem francs. Verdade que restaria ainda a verso espanhola,que excelente, pelo prlogo luminoso de Amado Alonso. Mas,agora, o interesse pblico em Saussure cresce, e uma edio por-tuguesa se faz necessria para atender demanda das universi-dades brasileiras.( 1 ) Fetdinand de Saussure, Corso di lingustica generale - 1 ntro-duzione, traduzione e commento di Tullio De Mauro. Editori Laterza, Bari,1967, pp. XXIlI +488 pp.( 2 ) As pp. V-XXIII do uma boa introduo, e as pp. 3-282 tra-zem o texto, numa verso muito fiel. Da p. 285 335 vm informaesabundantes sobre Saussure e sobre o Curso; da p. 356 360 se exami.nam as relaes entre Noreen e Saussure. Seguem-se, pp. 363-452, 305notas, algumas longas. As pp. 455-470 trazem cerca de 400 ttulos bi-bliogrficos, alguns gerais, outros especialmente ligados a Saussure e aoCours. As demais so de fndices.XIVSe verdade que a Lingstica moderna vive um momentode franca ebulio, quando corifeus de teorias lingsticas numaevoluo rpida de pensamento e investigaes se vo superan-do a si mesmos, quando no so "superados" pelos seus discpu-los, o Cours de linguistique gnrale um livro clssico. No uma "bblia" da Lingstica moderna, que d a ltima palavrasobre os fatos, mas ainda o ponto de partida de uma proble-mtica que continua na ordem do dia.Nunca Saussure esteve mais presente do que nesta dcada,em que ele s vezes declarado "superado". S h, porm, ummeio honesto de super-lo: l-lo, repensar com outros os pro-blemas que ele props, nas suas clebres dicotomias: lingua efala, diacronia e sincronia, significante e significado, relao as-sociatiua ( ~ paradigmtica) e sintagmtica, identidade e opo-sio etc. bem certo que a Lingstica americana moderna surgiusem especial contribuio de Saussure; no deixa, porm, decausar espcie a onda de silncio da quase totalidade dos lin-gistas americanos com relao ao Coms. Bloomfield, fazendo em1922 a recenso da Language de Sapir, chama o Cours "umfundamento terico da mais recente tendncia dos estudos lin-gsticos", repete esse juzo ao fazer a recenso do prprio Cours,em 1924, fala em 1926, do seu "dbito ideal" a Sapir e a Saus-sure, mas no inclui o Cours na bibliografia de sua Language,em 1933 (3) .Como a Lingstica norte-americana teve desenvolvimentoprprio, isso se entende. Mas conveniente que numa ediobrasileira do Curso se note o fato, para que nossos estudantesno sejam tentados a "super-lo" sem t-lo lido diretamente. verdade que entre ns o que parece ter acontecido uma( 3 ) Cf. De Mauro, Cosso, p. 339. De Mauro lembra algumas exce-es -( 1 ) "um dos melhores ensaios de mnjunto sobre Saussure deR. S. Wells, "De Saussure's System ot Linguistics", in Word, III, 1947,pp. 1-31: -( 2 ) J. T. Waterman, "Ferdinand de Saussure. Forerunnerof Modern Structuralism", n Modern Language Joumal, 40 (1956), pp.307-309; -( 3 ) Chomsky "Current Issues in Linguistic Theory", in J.A. Fodor, J. J. Katz, The Structuse o/ Language. Iteadings in Pl~ilo~rophy oj Language, Englewood Cliffs, N. J., 1964, pp. 52, 53, 59 e ss.e 86. ( Ver Corso, pp. 339.340, e Bibl., pp. 470 e 457 ).XVsupervalorizao do Cours, transformado em fonte de "pesquisa".As vezes pergunta feita a estudantes que j conseguiram apro-vao em Lingstica se j leram Saussure, obtemos a respostasincera de que apenas "fizeram pesquisa" nele. E perguntasobre o que querem dizer com a expresso "pesquisa em Saus-sure", respondem que assim dizem porque apenas leram o queele traz sobre lngua e fala!Entretanto, hoje no se pode deixar de reconhecer que oCours levanta uma srie intrmina de problemas. Porque, noque toca a eles, Saussure - como Scrates e Jesus - rece-bido "de segunda mo". Conhecem~s Scrates pelo que Xeno-fonte e Plato escreveram como sendo dele. O primeiro eramuito pouco filsofo para entend-lo, e o segundo, filsofo de-mais para no ir alm dele, ambos distorcendo-o. Jesus nada es-creveu seno na areia: seus ensinos so os que nos transmitiramos seus discpulos, alguns dos quais no foram testemunhasoculares.D-se o mesmo com o Cours de Saussure. Para comear,foram trs os Cursos de Lingtica Geral que ele ministrou naUniversidade de Genebra:1." curso - De 16 de janeiro a 3 de julho de 1907, com6 alunos matriculados, entre os quais A. Riedlinger e LouisCaille. A matria fundamental deste curso foi: "Fonolo-gia, isto , fontica fisiolgica (Lautphysiologze), Lin-gstica evolutiva, alteraes fonticas e analgicas, rela-o entre as unidades percebidas pelo falante na sincro-nia (anlise subjetiva) e as razes, sufixos e outras unida-des isoladas da gramtica histrica ('anlise objetiva),etimologia popular, problemas de reconstruo", que oseditores puseram em apndices e nos captulos finais.2. curso - Da 1 ~ semana de novembro de 1908 a 24de julho de 1909, com onze alunos matriculados, entreos quais A. Riedlinger, Lopold Gautier, F. Bouchardy,E. Constantin. A matria deste foi a "relao entre teo-ria do signo e a teoria da lngua, definies de sistema,unidade, identidade e de valor lingstico. Da se deduza existncia de duas perspectivas metodolgicas diversasdentro das quais colocou o estudo dos fatos lingsticos;a descrio sincrnica e a diacrnica". Saussure vriasXVIvezes se mostra insatisfeito com os pontos de vista a quetinha chegado.`?." curso - De 28 de outubro de 1910 a 4 de julho de1911, com doze alunos matriculados, entre os quais G. D-gallier, F. Joseph, Mme. Sechehaye, E. Constantin ePaul-F. Regard, Como matria, "integra na ordem de-dutiva do segundo curso a riqueza analtica do primeiro".No incio se desenvolve o tema "das lnguas" isto , a,Lingstica externa: parte-se das lnguas para chegar "lngua", na sua universalidade e, da, ao "exerccio efaculdade da linguagem nos indivduos" (4).Os editores do Cours - Charles Bally, Albert Sechehaye,com a colaborao de A. Riedlinger - s tiveram em mos asanotaes de L. Caille, L. Gautier, Paul Regard, Mme. A. Se-chehaye, George Dgallier, Francis Joseph, e as notas de A.Riedlinger (s) . E, tal qual ele foi editado, com a sistematizaoe organizao dos trs ilustres discpulos de Saussure, apresentavrios problemas crticos.1. - Saussure no estava contente com o desenvolvimentoda matria. No s tinha que incluir matria ligada s lnguasindo-europias por necessidade de obedecer ao programa (e),mas tambm ele prprio se sentia limitado pela compreensodos estudantes e por no sentir como definitivas as suas idias.Eis o que ele diz a L. Gautier:"Vejo-me diante de um dilema: ou expor o assuntoem toda a sua complexidade e confessar todas as minhasdvidas, o que no pode convir para um curs~o que deveser matria de exame, ou fazer algo simplificado, melhor( 4 ) No tendo tido acesso direto abra de R. Godel, Les sourcesmanuscrites du Cours de linguistique gnrale de Ferdinand de Saussure;Genebta - Paris, Dtoz, 1957, resumo o apanhado que da faz De Mauro,no Corso, pp. 320-321, e o que diz o prprio R. Godel em Cahiers Fer-dinand de Saussure, no.. 16 ( 1958-1959 ), pp. 22-23.( 5 ) Cf. "Prface de la premiere edition", p. 8 ( 3.' ed. ), 3 pa.rgrafo.( 6 ) Cf. Prf ace, p. 7. 1 " patgtafo ( fim ) .XVIIadaptado a um auditrio de estudantes que no so lin-gistas, Mas a cada passo me vejo retido por escr-pulos (7),"2. - Os apontamentos dificilmente cprresponderiam ipsisverbis s palavras do mestre. Como nota R. Godel, "so no-tas de estudantes, e essas notas so apenas um reflexo mais oumenos claro da exposio oral" (s).3. - Sobre essas duas deformaes do pensamento deSaussure - a que ele fazia para ser simples para os estudan-tes e a que eles faziam no anotar aproximadamente - soma--se a da organizao da matria por dois discpulos, ilustres, terem estado presentes aos cursos (s) .mas que declaram noAjunte-se como trao anedtico~ que a frase final do Coursto citada - a Lingstica tem por nico e verdadeiro objetoa 'lngua encarada em si mesma e por si mesma - no deSaussure, mas dos editores (lo).A est um problema crtico com trplice complicao.Problema crtico grave como o da exegese platnica ouo problema sintico dos Evangelhos. Naturalmente, as notasdos discpulos de Saussure foram apanhadas ao vivo na hora,como cada um podia anotar.Os editores esperavam muito dos apontamentos de Saus-sure. e Saussure no lhes negou acesso a estes. Mas"grande foi a sua decepo: nada, ou quase nada, encontra-ram que correspondesse s anotaes dos seus discpulos, poisSaussure destrua os seus rascunhos apressados em que ia tra-ando dia a dia o esboo da sua exposio" (m).Alm disso, embora tivessem reunido apontamentos de seteou oito discpulos, escaparam-lhes outros que foram depoiseditados por Robert GodQl em nmeros sucessivos dos Cahier.s(7) Les sources manuscrites, p. 30, apud De Mauro, Corso, p. 321.( 8 ) Cahiers Ferdinand de Saussure, n " 15 ( 1957 ), p. 3.( 9 ) Cf. Pr jace, p. 8, 2 " pargtafo.( 10 ) Cours, p. 317. R. Godel, Les sources manuscrites, pp. 119e 181, apud De Mauro, Corso, p. 451 (nota 305 in initio).( 11 ) Cours, Prjace, pp. 7-8.XVIIIFerdinand dr Snu~sur~~ e, depois, na publicao atrs citadaLt.s .sources manu~crits du Cours de linguistique gnraledc Ferdinand de 5'au~sure - a que Benveniste, em confern-c ia pronunciada em (~enebra a 22 de fevereiro de 1963, emcomemoorao ao c'indentenrio da morte de Saussurc, cha-"rnou "obra bela c iml~ortante (rz).()s Cahif'rs Fe'rdirrand de Saussure comearam a ser pu-hlicados em 1941. I~fas a publicao de inditos de Saussuree de outras fontes do Cours s comearam a aparecer, ali, em1954, a partir do n.4 12, publicadas por Robert Godel:1 i "~otes indites de Ferdinand de Saussure''. So 23notas curtas anteriores ao ano de 1900 (Cahiers n.p 12( 19541 , pp. 49-71 ) . So as que se mencionam noPr~ace do Cours, nas pp. 7-8.2 ~ "Ciours de !inguistique gnrale ( 1908-1909) : Intro-duction" ((;ahiers n.9 15 (1957), pp. 3-103).L~saram-~c trcs rrianuscritos: o de A. Riedleger ( 119 pp.) ,o rle I'. I3ouchardv e de Lopold Gautier (estes dois ltimosmais Irrc:ves'! :\c:sse ano antes do n. 15, j tinham sado como,livro, hublicacio loc~r Kobert Godel: Les sourcr's manu.scrites duCours de lin,~uislique ,~nrale, Genebra, Droz, e Paris, Minard.1957, com 283 pp.3' ":~iouvcanx documents saussuriens: les cahiers E.(.;onstantin" (Cahiers n.~ 16 (1958-1959), pp. 23-32'!.4 i "Inventaire les manuscrits de F. de Saussurc remis 1a I3iblictheque publique et universitaire de Ge-neve'' (Cahiers n.? 17 ( 1960) , pp. 5-11 ) .So mannscritos numerados de 3951 a 3969, de assuntoswirios, lin~sticos c filolgicos. publica-se apenas a relaorlos a~su:~tos c outra~ informaes. O ms. 3951 traz notasrobrc a I,in~stic:r Oeral. O ms. 3952, sobre as ln,quas indo--cnropias, ~0 39:.>3 sobre acentuao lituana, 0 3954, no-f 12) Cf. E. Bcnveniste, "Saussure apres um demi-siecle" cap. IIIde Problernes de linguis!ique gnrale, Gallimard, 1966, p. 32. Infeliz-mente, no pudemos aim!a ter em mos Les sources marruscrites...X1?ttas diversas, 0 3955 traz notas e rascunhos de artigos publi-cados, 0 3956 nomes de lugares e patus romanos. O ms. 3957traz documentos vrios entre os quais um Caderno deRecordaes - o nico cujo texto publicado logo a seguir( pp. 12-25 ) , e rascunhos de cartas e cartas recebidas. Os ms.3958-3959 constam de 18 cadernos de estudos dos Niebelungen,os ms. 3690-3692 tratam de mtrica vdica e do verso satumino(46 cadernos). Os ms. 3963-3969 trazem os estudos sobreos anagramas ou hipogramas (99 cadernos), sobre os quaisJean Starobinski publicou dois estudos em 1964 e 1967 (19).Os Souvtnirs de F. de Saussure concernant sa jeunesseet ses tudes atrs mencionados (Ms. fr. 3957) so ricos de in-formaes acerca das suas relaes com os lingistas alemese sobre a famosa Mmoire sur 1e systeme primitif des voyellesdans Ies langues indo-europenes, Leipzig, Teubner, 1879,302 pp., escrita aos 21 anos.5) A essas quatro publicaes de R. Godel juntem-se as"Lettres de Ferdinand de Saussure Antoine Meillet",publicadas por mile Benveniste (Cahiers n. 21(1964), pp. 89-135).Se a isso se acrescent~r o conjunto de obras editadas em1922 por Charles Bally e Lopold Gautier sob o ttulo deRecueil des ~ublications scientifiques de Ferdinand de Saussme,num grosso volume de VIII + 641 pp. (14), teremos tudo o( 13 ) J. Starobinski, "Les anagrammes de Fetdinand de Saussure, tex-tes indits", Mercure de France, fevr. 1964, pp. 243-262; idem, "Les motssous les mots: textes indits des cahiers d'anagrammes de Ferdinand deSaussure", in To Honor Roman Jakobson: Essays on the Occasion ot hisSeventieth Birthday, 11-10-1966, vol. III, Mouton, Haia, Paris, 1967, pp.1906-1917. R. Godel no se mostra muito entusiasta com essas pesqui-sas. Eis o que ele diz: "Na poca em que Saussure se ocupava de mi-tologia germnica, apaixonou-se tambm pot pesquisas singulares. ( . . . )Os cadernos e os quadros em que ele consignou os resultados dessa lon-ga e esttil investigao formam a parte mais considervel dos manus-ctitos que le deixou" ( Cahiers, n " 17 ( 1960 ), p. 6 ) .(14) cjitions Sonor de Genebra e Karl Winter de Heidelberg. cutioso notar que Tullio De Mauro, to rico de informaes, e que citae usa tanto o Recueil como Les souces manuscrites, no os tenha indudono seu inventrio bibliogrfico final, de cerca de 400 ttulos.XXque Saussure publicou ou esboou ou escreveu. Apesar, po-rm, do valor excepcional da Mmoire, o que consagrou real-mente o seu nome o Caurs de lnnguistique gnrale, que- a julgar pelas palavras suas atrs citadas dirigidas a L. Gau-tier - le, se vivesse, no permitiria que fosse editado.Mas foi a publicao de todos sses documentos - espe-cialmente a de Les sources manuscrites - que acentuou o sen-timento da necessidade duma edio crtica do Caurs. Alis,o Prface de Ch. Bally e A. Sechehaye denuncia uma espciede insatisfao com a edio, tal qual a fizeram, mas que erao modo mais sensato de editar anotaes de aula. E ns ain-da hoje devemos ser-lhes gratos. Apesar de tudo, porm, eradesejvel uma edio crtica.O estudo sincrnico dum estado atual de lngua, especial-mente na sua manifestao oral, atenua, quase dispensando, otrabalho filolgico. Mas, paradoxalmente, a obra do lingis-ta que insistiu na sincronia constitui-se agora um 'notvelproblema filolgico: o do estabelecimento do seu texto.A edio crtica saiu em 1968 (1$), num primeiro volu-me de grande formato, 31 x 22 cm, e de 515 -~- 515 pginas. uma edio sintica, que d as fontes lado a lado em 6 colu-nas. A primeira coluna reproduz o texto do Cours, da 1 ~ edi-o de 1916, com as variantes introduzidas na 2 ~ e na3.a edis (de 1922 e 1931 ) . As colunas 2, 3 e 4 trazemas fontes usadas por Charles Bally e Albert Sechehaye. Ascolunas 5 e 6 trazem as fontes descobertas e publicadas porRobert Godel em disposio sintica.evidente que no uma edio de fcil manejo. Ain-da aqui, o Cours de Saussure apresenta semelhana com oproblema sintico dos Evangelhos. Nessa edio crtica, deformato um pouco maior que a Synopsis Quattuor Evange-liorum de Kurt Aland, com o texto grego, ou que a Synopse( 15 ) Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique gnrale, Editioncritique par Rudolf Engler, tome I, 1967, Otto Harrassowitz, Wiesbaden.Um vol. de 31 x 22 cm., de 515 +515 pginas. ( No tendo tido oca-sio de ver o volume, resumo as informaes de Mons. Gardette na r-pida tecenso que faz da edio em Revue de Linguistique Romane, te-mo 33, nos. 129-130 de jan-junho de 1969, pp. 170-171 ).XXt!!es quatre uangiles en franais de Benoit e Boismard, o fa-moso livro de Saussure, que ele no escreveu, poderter tambm o seu interesse pedaggico: ser uma fotografiafiel . de como apreendido diversamente aquilo que trans-mitido por via oral.Mas essa renovao de interesse no Cours de linguistiquegnrale, especialmente a partir da dcada de 50 - que quando se aceleram as edies e tradues e quando RobertGodel comea a aprofundar a crtica de fontes - a garan-tia de que, ainda que novas solues se ofeream para as opo-sies saussurianas, Saussure est longe de vir a ser superado.A edio a ser oferecida a um pblico mais amplo spode ser a que consagrou a obra: a edio crtica, de leiturapesada, ser obra de consulta de grande utilidade para os es-pecialistas e para os mais aficionados.Seria tambm de interesse ajuntar a essas informaes umaenumerao de estudos de anlise e crtica do Cours para orien-tao do leitor brasileiro. Mas ste prefcio j se alongou de-mais. Alm disso, os trabalhos ~de anlise da Lingstica modernacomo Les grands couranls de la linguistique moderne, de Le-roy (16), Les nouuelles tendances de la linguistique, de Malm-berg (i~), Lingstica Romnica, de Irgu Iordan, em versoespanhola de Manuel Alvar (pp. 509-601), os estudos deMeillet em Linguistique historique et linguistique gnrale II(pp. 174-183) e no Bulletin de la Socit de Linguistique deParis (le), o de Benveniste em Problemes de linguistique gn-rale (pp. 32-45), o de Lepschy, em La linguistique structurale(pp. 45-56), o prlogo da edio de Amado Alonso (pp. 7-30),a excelente edio de Tullio De Mauro, atrs mencionada- especiahnente nas pp. V-XXIII e 285-470 - so guias degrande valor para o interessado. A estes acrescente-se o ex-celente trabalho de divulgao de Georges Mounin, Saussureou le structuraliste sans le savoir - prsentation, choix de tex-(16) Edi~o brasilcira: As Gronrlos Correnles da Lingislica Mo-derna, S. Paulo, Culrrix ~ Editora da USP, 1971.( 17 I Edio brasileira: As Nouas Tendrnciat da Lingslica, S. Paulo,Cia. Edirora Nacional-Editora da USP, 1971.( Iti I Transcriro por Georges Mounin, in Saussure ou te slructura-lisle rans to sauoir, ed. Seghers, 1968, pp. 161-168.XXI Iter, Gibliogrnpliic (~9), que, a nosso ver, tem defeituoso apenaso ttulo, pois Saussure foi antes "estruturalista antes do termo",yue Mounin poderia dizer francesa le ,rtructuraliste arJantln lettre.Ficam assim fornecidas ao leitor algumas das informa-es fundamentais para que le possa melhor compreender otcxto do lingista genebrino. Acrescentaremos apenas um qua-dro dos principais fatos na vida de Ferdinand de Saussure.ISMC NlCOLAU SALUVf( 19 ) Edio brasileira em prepara:io.XXIIIQUADRO BIOGRAFICO26-11-1857 - Seu nascirnento em Genebra.1867 - Contacto com Adolphe Pictet, autor das OrigenesIndo-eurafienes ( 1859-1863) .1875 - Estudos de Fsica e Qumica na Univ. de Genebra.1876 - Membro da Soc. Ling. de Paris.1876 - Em Leipzig.1877 - Quatro memras lidas na Soc. Ling. de Paris,especialmente Essai d'une distinctian des dif f-rents a indo-europens.1877-1878 - Mmoire sur les voyelles indo-europenes (pu-blicada em dezembro de 1878 em Leipzig) .1880 - Fevereiro - Tese de doutorado: De l'emploidu genitif absolu en sanskrit. Viagem Litu-nia. Em Paris segue os cursos de Bral.1881 - "Ma?tre de confrences" na cole Pratigue desHautes tudes com 24 anos.1882 - Secretrio adjunto da Soc. Ling. de Paris e di-retor de publicao das Memrias. Fica conhe-cendo Baudoin de Courtenay.1890-1891 - Retoma os cursos da cole Pratique des Hautestudes.1891-1896 - Professor extraordinrio em Genebra.1896 - Professor titular em Genebra.1907 - 1.Q Curso de Lingstica Geral.1908 - Seus discpulos de Paris e de Genebra oferecem--lhe uma Miscelnea comemorativa do 30. ani-versrio da Memria sobre as vogais.J 908-1909 - 2.4 Curso de Lingstica Geral.1910-1911 -- 3.Q~Curso de Lingstica Geral.27- 2-1913 -- Seu falecimento em Genebra.PREFfCiO PRIMEIRA EDIORepetidas vezes ouvimos Ferdinand de Saussure deplorara insuficincia dos princpios e dos mtodos que caracterizavama Lingistica em cujo ambiente seu gnio se desenvolveu, e aolongo de toda a sua vida pesquisou ele, obstinadamente, as leisd:retrizes que lhe poderiam orientar' o pensamento atravs des-se caos. Mas foi somente em 1906 que, sucedendo a Joseph4t'ertheimer na Universidade de Genebra, pde ele dar a co-nhecer as idias pessoais que amadurecera durante tantos anos.Lecionou trs cursos de Lingstica Geral, em 1906-1907,1908-1909 e 1910-1911; verdade que as necessidades do pro-grama o obrigaram a consagrar a metade de cada um dessescursos a uma exposio relativa s lnguas indo-europias, sua.istria e sua descriEo, pelo que a parte essencial do seu te-ma ficou singularmente reduzida.Todos quantos tiveram o privilgio de acompanhar tofecundo ensino deploraram que dele no tivesse surgido umlivro. Aps a morte do mestre, espercvamos encontrar-lhe nosmanuscritos, cortesmente postos nossa disposio bor Mme deSaussure, a imagem fiel ou pelo menos suficientemente fiel desuas geniais lies; entrevamos a possibilidade de uma publi-cao fundada num simple's arranjo de anotaes pessoais deFerdinand de Saussure, combinadas com as notas de estudan-tes. Grande foi a nossa decepo; no encontramos nada oucluase nada que correspondesse aos cadernos de seus discpulos;F. de Saussure ia destruindo os borradores provisrios em quetraava, a cada dia, o esboo de sua expbsio! As gavetas desua secretria no nos profrorcionaram mais que esboos assazantigos, certamente no destitudos de valor, mas que era im-possvel utilizar e combinar com a matria dos trs cursos.1Essa verificao nos decepcionou tanto mais quanto obriga-es profissionais nos haviam impedido quase completamentede nos aproveitarmos de seus derradeiros ensinamentos, que as-sinalam, na carreira de Ferdinand de Saussure, uma etapa tobrilhante quanto aquela, j longnqua, em que tinha aparecidoa Mmoire sur les voyelles.Cumpria, pois, recorrer s anotaes feitas pelos estudan-tes ao longo dessas trs sries de conferncias. Cadernos bas-tante completos nos foram enviados pelos Srs. Louis Caille, Lo-pold Gautier, Paul Regard e Albert Riedlinger, no que respei-ta aos dois primeiros cursos; quanto ao terceiro, o mais impor-tante, pela Sra. Albert Sechehaye e pelos Srs. George Dgalliere. Francis Joseph. Dcvemos ao Sr. Louis Brtsch notas acercade um ponto especial; fazem todos jus nossa sincera gratdo.Exprimimos tambm nossos mais vivos agradecimentos ao Sr.Jules Ronjat, o eminente romanista, que teve a bondade derever o manuscrito antes da impresso e cujos conselhos nosforam preciosos.Que iramos fazer desse material? Um trabalho crticopreliminar se impunha: era mister, para cada curso, e para cadapormenor de curso, comparando todas as verses, chegar at opensamento do qual tnlvamos apenas ecos, por vezes discordan-tes. Para os dois primeiros cursos, recorremos colaborao doSr. A. Riedlinger, um dos discpulos que acompanharam o pen-samento do mestre com o maior intersse; seu trabalho, nesseponto, nos foi muito til. No que respeita ao terceiro curso,A. Sechehaye levou a cabo o mesmo trabalho minucioso de co-lao e arranjo.Mas e depois? A forma de ensino oral, amide em con-tradio com o livro, nos resertJava as maiores dificuldades.E, ademais, F. de Saussure era um desses homens que se reno-z~am sent cessar; seu pensamento evolua em todas as direes,sem cont isso entrar em contradio consigo prprto. Publtcartudo na sua forma original era impossvel; as repeties ine-t,~ittJeis numa exposio livre, os encavalamentos, as formula-es variveis teriam dado, a uma pu~blicao que tal, um as-pecto heterclito. Limitar-se a :tm s curso - e qual? - seriaempobrecer o liuro, roubando-o de todas as riquezas abun-dantentente espalhadas nos dois outros; mesmo o terceiro, o2mais definitivo, no teria podido, por si s, dar umu idia com-pleta das teorias e dos mtodos de F. de Saussure.Foi-nos sugerido que reproduzssemos fielmente certos tre-chos particularmente originais; tal idia nos agradou, a prin-cpio, mas logo se evidenciou que prejudicar6a o pensamentode nosso mestre se apresentssemos apenas fragmentos de umaconstruo cujo valor s aparece no conjuttto.Decidimo-nos por uma soluo mais audaciosa, mas tam-bm, acreditamos, mais racional: tentar uma reconstituio, umasntese, cont base no tercetro curso, utilizando todos os mate-riais de que dispnhetmos, inclusive as notas pessoais de F. deSaussure. Tratava-se, pois, de uma recriao, tanto mats rduoquanto devia ser inteiramente obictiUa; em cada ponto, pene-trando at o fundo de cada pensamento especfico, cumpri, Luz do sistema todo, tentar ver tal pensamento em sua formadefinitiva, isentado das variaes, das flutuaes inere'ntes lio falada, depois encaix-lo em seu meio natural, apresen-tando-lhe todas as partes numa ordem confornte inteno doautor, mesmo quando semelhante ittteno fosse mais adivi-nhada que manifestada.Desse trabalho de assimilao e reconstituio, nasceu olivro que ora apresentamos, no sem apreenso, ao pblico eru-dito e a todos os amigos da Lingstica.Nossa idia orientadora foi a de traar um todo orgnicosem negligenciar nada que pudesse contribuir para a impressode conjunto. Mas precisamente por isso que ineorremos tal-r,ez numa dupla crtica.Em primeiro lugar, podem dizer-nos que esse "conjunto" in.completo: o ensino do mestre jamais teve a pretenso deabordar todas as partes da Lingfstica, ~tem ,de projetar sobretodas unta luz igualmente viva; materialmente, no o poderiafazer. Sua preocupao era, alis, bem outra. Guiado p~or al-guns princpios fundamentais, pessoais, que eneontramos emtodas as partes de sua obra, e que formam a trama dsse teci-do to slido quanto variado, ele trabalha em profundidade es se estettde em superfcie quando tais princpios encontramapltcaes particularmente frisantes, bem como quando se fur-tam a gualquer teoria que os pudesse compronteter,3Assim se explica que certas disciplinas mal tenham sidoafloradas, a semntica, por exemplo. No nos parece que essaslacunas prejudiquem a arquitetura geral. A ausncia de uma"Lingstica da fala" mais sensvel. Prometida aos ouvintesdo terceiro curso, esse estudo teria tido, sem dvida, lugar dehonra nos seguintes; sabe-se muito bem por que tal promessano pde ser cumprida. Limitamo-nos a recolher e a situar emseu lugar natural as indicaes fugitivas desse programa apenasesboado; no poderamos ir mais longe;Inversamente, censurar-nos-o talvez por termos reprodu-zido desenvolvimentos relativos a pontos j adquiridos antes deF. de Saussure. Nem tudo pode ser novo numa exposio as-sim vasta; entretanto, se princpios j conhecidos so necess-rios para a compreenso do conjunto, querer-se- censurar-nospor no hav-los suprimido? Dessarte, o captulo acerca dasmudanas fonticas encerra coisas j ditas, e qui de maneiramais definitiva; todavia, alm do fato de que essa barte ocultanumerosos p~ormenres originais e preciosos, uma leitura mesmosperficial mostrar o que a sua supresso acarretaria, por con-traste, para a compreenso dos princpios sobre os quais F. deSaussure assenta seu sistema de Lingttca esttica.Sentimos toda a responsabilidade que assumimos perantea crtica, perante o prprio autor, que no teria taalvez autori-zado a publicao destas pginas.Aceitamos integralmente semelhante responsabilidade equeremos ser os nicos a carreg-la. Saber a crtica dtinguirentre o mestre e seus intrpretes? Ficar-lhe-amos gratos sedirigise contra ns os golpes com que seria injusto oprimir umamemria que nos querida.Genebra, junho de 191$.CH. BALLY, ALB. SECHEHAYEPREFCIO SEG UNDA EDI 'OEsta segunda edio no introduz nenhuma 'modificaoessencial no texto da primeira. Os editores se limitaram a4modificaes de pormenor, destinadas a tornar a redao maisclara e mais precisa em certos pontos.CH. B. ALB. S.PREFCIO TERCEIRA EDI'OSalvo por algumas correes de pormenor, esta edio estconforme a anterior.CH. B. ALB. S.5INTRODUOCAPTULO IVISAO GERAL DA HISTRIA DA LINGSTICAA cincia que se constituiu em torno dos fatos da lnguapassou por trs fases sucessivas antes de reconhecer qual oseu verdadeiro e nico objeto.Comeou-se por fazer o que se chamava de "Gramtica".Esse estudo, inaugurado pelos gregos, e continuado principal-mente pelos franceses, baseado na lgica e est desprovidode qualquer viso cientfica e desinteressada da prpria lngua;visa unicamente a formular regras para distinguir as formascorretas das incorretas; uma disciplina normativa, muito afas-tada da pura observao e cujo ponto de vista forosamenteestreito.A seguir, apareceu a Filologia. J em Alexandria haviauma escola "filolgica", mas esse termo se vinculou sobretudoao movimento criado por Friedrich August Wolf a partir de177'7 e que prossegue at nossos dias. A lngua no o nicoobjeto da Filologia, que quer, antes de tudo, fixar, interpretar,comentar os textos; este primeiro estudo a leva a se ocupartambm da histria literria, dos costumes, das instituies, etc.;em toda parte ela usa seu mtodo prprio, que a crtica. Seaborda questes lingsticas, f-lo sobretudo para comparar tex-tos de diferentes pocas, determinar a lngua peculiar de cadaautor, decifrar e explicar inscries redigidas numa lngua ar-7caica ou obscura. Sem dvida, essas pesquisas prepararam aLingstica histrica: os trabalhos de Ritschl acrca de Plautopodem ser chamados lingsticos; mas nesse domnio a crticafilolgica falha num particular: apega-se muito servilmente lngua escrita c esyuece a lngua falada; alis, a Antiguidadegrega e latina a absorve quase completamente.O terceiro perodo comeou quando se descobriu que aslnguas podiam ser comparadas entre si. Tal foi a origem daFilologia eomparativa ou da "Gramtica comparada". Em1816, numa obra intitulada Si.stema da Conjugao do Sn.s-crito, Franz Bopp estudou as relaes que unem o snscritoao germnico, ao ,grego, ao latim, etc. Bopp no era o primei-re a assinalar tais afinidades e a admitir que todas essas lnguaspertencem a uma nica famlia; isso tinha sido feito antes, dele, no-tadamente pelo orientalista ingls W. Jones (f 1794) ; algumasafirmaes isoladas, porm, no provam que em 1816 j houves-sem sido compreendidas, de modo geral, a significao e a impor-tncia dessa verdade. Bopp no tem, pois, o mrito da desco-berta de que o snscrito parente de certos idiomas da Europac da Asia, mas foi ele quem compreendeu que as relaes entrelnguas afins podiam tornar-se matria duma cincia autnoma.Esclarecer uma lngua por meio de outra, explicar as formasduma pelas formas de outra, eis o que no fora ainda feito.de duvidar que Bopp tivesse podido criar sua cincia- pelo menos to depressa - sem a descoberta do snscrito.Este, como terceiro testemunho ao lado do grega e do latim, for-neceu-lhe uma base de estudo mais larga e mais slida; tal van-tagem foi acrescida pelo fato de que, por um feliz e inesperadoacaso, o snscrito est em condies excepcionalmente favor-veis de aclarar semelhante comparao.Eis um exemplo: considerando-se o pr.radigma do latim,g~nus (genus, generis, genere, genern, generum, ete.) e o dogrego gnos (gnos, gneos, gnei, gnes, genn, etc.) estassries no dizem nada quando tomadas isoladamente ou com-paradas entre si. Mas a situao muda quando se lhe aprox-ma a srie correspondente do snscrito (ganas, ganasas, ganasi,ganassu, ganasam, etc.). Basta uma rpida observao paraperceber a relao existente entre os paradigmas grego e la-tino. Admitindo-se provisoriamente que ganas represente aforma primitiva, pois isso ajuda a ,explicao, conclui-se queum s deve ter desaharecido nas formas gregas gne(s)os, etc.,cada vez que ele se achasse colocado entre duas vogais. Con-clui-se logo da que, nas mesmas condies, o .s se transformouem r em latim. Depois, do ponto de vista gramatical, o para-digma snscrito d preciso noo de radical, visto corres-ponder esse elemento a uma unidade (ganas-) perfeitamentedeterminvel e fixa. Somente em suas origens conheceram ogrego e latim o estado representado pelo snscrito. , ento,phela conservao de todos os ss indo-europeus que o snscritose torna, no caso, instrutivo. No h dvida que, em outraspartes, ele guardou menos bem os caracteres do prottipo: as-sim, transtornou completamente o sistema voclico. Mas, demodo geral, os elementos originrios conservados por ele aju-dam a pesquisa de maneira admirvel - e o acaso o tornouuma lngua muito prpria para esclarecer as outras num sem-nimero de casos.Desde o incio v-se surgirem, ao lado de Bopp, lingistaseminentes: Jacob Grimm, o fundador dos estudos germnicos(sua Gramtica Alem foi publicada de 1822 a 1836) ; Pott,cujas pesquisas etimolgicas colocaram uma quantidade con-sidervel de materiais ao dispor dos lingistas; Kuhn, cujostrabalhos se ocuparam, ao mesmo tempo, da Lingstica e daMitologia comparada; os indianistas Benfey e Aufrecht, etc.Por fim, entre os ltimos representantes dessa escola, me-recem citao particular Max Mller, G. Curtius e AugustSchleicher. Os trs, de modos diferentes, fizeram muito pe-los estudos comparativos. Max Mller os popularizou comsuas brilhantes conferncias (Lies Sobre a Cincia da Lin-guagem, 1816, em ingls) ; no pecou, porm, por excesso deconscincia. Curtius, fillogo notvel, conhecido sobretudopor seus Princpios de Etnologia Grega (1879), foi um dosprimeiros a reconciliar a Gramtica comparada com a Filoloqiacls~ica. Esta acompanhara com desconfiana os progressosda nova cincia e tal desconfiana se tinha tornado recproca.Schleicher, enfim, foi o primeiro a tentar codificar os resulta-dos das pesquisas parciais. Seu Brevirio de Cramtica Com-parada das Lnguas Indo-Germanicas ( 1816) uma espcie desistematizao da cincia fundada por Bopp. Esse livro, quedurante longo tempo prestou grandes servios, evoca melhor9que qualquer outro a fisionomia dessa escola comparatista queconstitui o primeiro perodo da Lingstica indo-europia.Tal escola, porm, que teve o mrito incontestvel de abrirum campo novo e fecundo, no chegou a constituir a verdadei-ra cincia da Lingstica. Jamais se preocupou em determinara natureza do seu objeto de estudo. Ora, sem essa operaoelementar, uma cincia incapaz de estabelecer um mtodopara si prpria.O primeiro erro, que contm em germe todos os outros, que nas investigaes, limitadas alis s lnguas indo-europias,a Gramtica comparada jamais se perguntou a que levavamas comparaes que fazia, que significavam as analogias quedescobria. Foi exclusivamente comparativa, em vez de hist-rica. Sem dvida; a comparao constitui condio necessriade toda reconstituio histrica. Mas por si s no permiteconcluir nada. A concluso escapava tanto mais a esses com-paratistas quanto consideravam o desenvolvimemto de duas ln-guas como um naturalista o crescimento de dois vegetais.Schleicher, por exemplo, que nos convida sempre a partirdo indo-europeu, que parece portanto ser, num certo sentido,deveras historiador, no hesita em dizer que em grego e e o sodois "graus" (Stufen) do vocalismo. que o snscrito apre-senta um sistema de alternncias voclicas que sugere essa idiade graus. Supondo, pois, que tais graus devessem ser venci-dos separada e paralelamente em cada lngua, como vegetaisda mesma espcie passam, independentemente uns dos outros,pelas mesmas fases de desenvolvimento, Schleicher via no 0grego um grau reforado do e como via no snscrito umreforo de . De fato, trata-se de uma alternancia indo-euro-pia, que se reflete de modo diferente em grego e em snscri-to, sem que haja nisso qualquer igualdade necessria entre osefeitos gramaticais que, ela desenvolve numa e noutra n-gua (ver p. 189 ss.).Esse mtodo exclusivamente comparativo acarreta todoum conjunto de conceitos errneos, que no correspondema nada na realidade e que so estranhos s verdadeiras condi-es de toda linguagem. Consideava-se a lngua como umaesfera parte, um quarto reino da natureza; da certos modosde raciocinar que teriam causado espanto em outra cincia.10Hoje no se podem mais ler oito ou dez linhas dessa pocasem se ficar surpreendido pelas excentricidades do pensamen-to e dos termos empregados para justific-las.Do ponto de vista metodolgico, porm, h certo intersseem conhecer esses erros: os erros duma cincia que principiaconstituem a imagem ampliada daqueles que cometem os indi-vduos empenhados nas primeiras pesquisas cientficas; teremosocasio de assinalar vrios deles no decorrer de nossa exposio.Somente em 1870 aproximadamente foi que se indagouquais seriam as condies de vida das lnguas. Percebeu-se en-to que as correspondncias que as unem no passam de umdos aspectos do fenmeno lingstico, que a comparao no seno um meio, um mtodo para reconstituir os fatos.A Lingstica propriamente dita, que deu comparaoo lugar que exatamente lhe cabe, nasceu do estudo das lnguasromnicas e das lnguas germnicas. Os estudos romnicos,inaugurados por Diez - sua Gtamtica das Lnguas Rom-nicas data de 1836-1838 -, contriburam particularmente paraaproximar a Lingstica do seu verdadeiro objeto. Os roma-nistas se achavam em condies privilegiadas, desconhecidasdos indo-europestas; conhecia-se o latim, prottipo das lnguasromnicas; alm disso, a abundncia de documentos permitiaacompanhar pormenorizadamente a evoluo dos idiomas. Es-sas duas circunstncias limitavam o campo das conjecturas edavam a toda a pesquisa uma fisionomia particularmente con-creta. Os germanistas se achavam em situao idntica; semdvida, o protogermnico no conhecido diretamente, masa histria das lnguas que dele derivam pode ser acompanha-da com a ajuda de numerosos documentos, atravs de umalonga seqncia de sculos. Tambm os germanistas, mais pr-ximos da realidade, chegaram a concepes diferentes das dosprimeiros indo-europestas.Um primeiro impulso foi dado pelo norte-americanoWhitney, autor de A Vida da Linguagem ( 1875) . Logo apsse formou uma nova escola, a dos neogramticos ( Junggram-matiker) cujos fundadores eram todos alemes: K. Brugmann,H. Osthoff, os germanistas W. Braune, E. Sievers, H. Paul, oeslavista Leskien etc. Seu mrito consistiu em colocar em pers-pectiva histrica todos os resultados da comparao e por ela11encadear os fatos em sua ordem natural. Graas aos neogra-mticos, no se viu mais na lngua um organismo que se desen-volve por si, mas um produto do esprito coletivo dos gruposlingsticos. Ao mesmo tempo, compreende-se quo errnease insuficientes eram as idias da Filologia e da Gramtica com-parada.l Entretanto, por grandes que sejam os servios pres-tados por essa escola, no se pode dizer que tenha esclarecidoa totalidade da questo, e, ainda hoje, os problemas fundamen-tais da Lingstica Geral aguardam uma soluo.( 1 ) A nova escola, cingindo-se mais realidade, fez guerra termi-nologia dos comparatistas e notadamente s metforas ilgicas de que seservia. Desde ento, no mais se ousa dizer: "a lngua faz isto ou aquilo"nem falar da "vida da lngua" etc., pois a lngua no mais uma entidadee no existe seno nos que a falam. No seria, portanto, necessrio irmuito longe e basta entender-se. Existem certas imagens das quais nose pode prescindir. Exigir que se usem apenas termos correspondentes realidade da linguagem pretender que essas realidades no tm nadade obscuro para ns. Falta muito, porm, para isso; tambm no hesita-taremos em empregar, quando se oferea a ocasio, algumas das expressesque foram reprovadas na poca.12CAPTULO IIMATRIA E TAREFA DA LINGtlISTICA;SUAS RELAES COM AS CINCIAS CONEXASA matria da Lingstica constituda inicialmente portodas as manifestaes da linguagem humana, quer ser trate depovos selvagens ou de naes civilizadas, de pocas arcaicas,clssicas ou de decadncia, considerando-se em cada perodo nos a linguagem correfa e a "bela linguagem", mas todas asformas de expresso. Isso no tudo: como a linguagemescapa as mais das vezes observao, o lingista dever terem conta os textos escritos, pois somente eles lhe faro conheceros idiomas passados ou distantes.A tarefa da Lingstica ser :a) fazer a descrio e a histria de todas as lnguas quepuder abranger, o que quer dizer: fazer a histriadas famlias de lnguas e reconstituir, na medida dopossvel, as lnguas-mes de cada famlia; 'b ) procurar as foras que esto em jogo, de modo perma-nente e universal, em tcxlas as lnguas e deduzir as leisgerais s quais se possam referir todos os fenmenos pe-culiares da histria;c) delimitar-se e definir-se a si prpria.A Lingstica tem relaes bastante estreitas com outrascincias, que tanto lhe tomam emprestados como lhe fornecemdados. Os limites que a separam das outras cincias no apa-recem sempre nitidamente. Por exemplo, a Lingstica deve13ser cuidadosamente distinguida da Etnografia e da Pr-Hist-ria, onde a lngua no intervm seno a ttulo de documento;distingue-se tambm da Antropologia, que estuda o homem so-mente do ponto de vista da espcie, enquanto a linguagem um fato social. Dever-se-ia, ento, incorpor-la Sociologia?Que relaes existem entre a Lingstica e a Psicologia social?Na realidade, tudo psicolgco na lngua, inclusive suas ma-nifestaes materiais e mecnicas, como a troca de sons; e jque a Lingstica fornece Psicologia social to preciosos da-dos, no faria um todo com ela? So questes que apenasmencionamos aqui para retom-las mais adiante.As relaes da Lingstica com a Fisiologia no so to dif-ceis de discernir: a relao unilateral, no sentido de que o estu-do das lnguas pede esclarecimentos Fisiologia dos sons, masno lhe fornece nenhum. Em todo caso, a confuso entre asduas disciplinas se torna impossvel: o essencial da lngua,como veremos, estranho ao carter fnico do signo lingstico.Q,uanto Filolo,ia, j nos definimos: ela se distingue ni-tidamente da Lingstica, malgrado os pontos de contato dasduas cincias e os servios mtuos que se prestam.Qual , enfim, a utilidade da Lingstica? Berri poucaspessoas tm a respeito idias claras: no cabe fix-las aqui. Mas evidente, por exemplo, que as questes lingsticas interessama todos - historiadores, fillogos etc. - que tenham de ma-nejar textos. Mais evidente ainda a sua importncia para acultura geral: na vida dos indivduos e das sociedades, a lin-guagem constitui fator mais importante que qualquer outro.Seria inadmissvel que seu estudo se tornasse exclusivo de al-guns especialistas; de fato, toda a gente dela se ocupa poucoou muito; mas - conseqncia paradoxal do interesse quesuscita - no h domnio onde tenha germinado idias toabsurdas, preconceitos, miragens, fices. Do ponto de vistapsicolgico, esses erros no so desprezveis; a tarefa do lin-gista, porm, , antes de tudo, denunci-los e dissip-losto completamente quanto possvel.l4CAPTULO IIIOBJETO DA LINGfSTICA. A LNGUA: SUA DEFINIO.Qual o objeto, ao mesmo tempo integral e concreto,da Lingstica? A questo particularmente difcil: veremosmais tarde por qu. Limitemo-nos, aqui, a esclarecer a di-ficuldade.Outras cincias trabalham com objetos dados previamen-te e que se podem considerar, em seguida, de vrios pontos devista; em nosso campo, nada de semelhante ocorre. Algumpronuncia a palavra nu: um observador superficial ser tenta-do a ver nela um objeto lingstico concreto; um exame maisatento, porm, nos levar a encontrar no caso, uma aps outra,trs ou quatro coisas perfeitamente diferentes, conforme a ma-neira pela qual consideramos a palavra: como som, como ex-presso duma idia, como correspondente ao latim ndum etc.Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, dira-ruos que o ponto de vista que cria o objeto; alis, nada nosdiz de antemo que uma dessas maneiras de considerar o fatom questo seja anterior ou superior s outras.Alm disso, seja qual for a que se adote, o fenmeno lin-gstico apresenta perpetuamente duas faces que se correspon-dem e das quais uma no vale seno pela outra. Por exemplo:1. As slabas que se articulam so impresses acsticaspercebidas pelo ouvido, mas os sons no existiriam sem os r-gos vocais; assim, um n existe somente pela correspondnciadesses dois aspectos. No se pode reduzir ento a lngua ao15som, nem separar o som da articulao vocal; recprocamente,no se podem definir os movimentos dos rgos vocais se sefizer abstrao da impresso acstica (ver p. 49 ss.).2." Mas admitamos que o sorn seja uma coisa simples: ele quem faz a linguagem? No, no passa de instrumentodo pensamento e no existe por si mesmo. Surge da uma novae temvel correspondncia: o som, unidade complexa acstico--vocal, forma por sua vez, com a idia, uma unidade complexa,fisiolgica e mental. E ainda mais:3.? A linguagem tem um lado individual e um lado social,sendo impo'ssvel conceber um sem o outro. Finalmente:4. A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tem-po um sistema estabelecido e uma evoluo: a cada instante,ela uma instituio atual e um produto do passado. Parecefcil, primeira vista,. distinguir entre esses sistemas e sua his-tria, entre aquilo que ele e o que foi; na realidade, a relaoque une ambas as coisas to ntima que se faz difcil sepa-r-las. Seria a questo mais simples se se considerasse o fen-meno lingstico em suas origens; se, por exemplo, comessemospor estudar a linguagem das crianas? No, pois uma idiahastante falsa crer que em matria de linguagem o problemadas origens difira do das condies permanentes; no se sairmais do crculo vicioso, ento.Dessarte, qualquer que seja o lado por que se aborda a ques-to, em nenhuma parte se nos oferece integral o objeto da Lings-tica. Sempre encontramos o dilema: ou nos aplicamos a um ladoapenas de cada problema e nos arriscamos a no perceber asdualidades assinaladas acima, ou, se estudarmos a linguagemsob vrios aspectos ao mesmo tempo, o objeto da Lingsticanos aparecer como um aglomerado confuso de coisas hetercli-tas, sem liame entre si. Quando se procede assim, abre-se aporta a vrias cincias - Psicologia, Antropologia, Gramticanormativa, Filologia etc. -, que separamos claramente da Lin-gstica, mas que, por culpa de um mtodo incorreto, poderiamreivindicar a linguagem como um de seus objetos.H, segundo nos parece, uma soluo para todas essasdificuldades: necessrio colocar-se primeiramente no terrenoda ln~ua e tom-la como norma de todas as outras manifesta-l6es da linguagem. De fato, entre tantas dualidades, somen-te a lngua parece suscetvel duma definio autnoma e for-nece um ponto de apoio satisfatrio para o esprito.Mas o que a lngua? Parra ns, ela no se confunde coma linguagem; somente uma parte determinada, essencial dela.indubitavelmente. , ao mesmo tempo, um produto social dafaculdade de linguagem e um conjunto de convenes necess-rias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerccio dessafaculdade nos indivduos. Tomada em seu todo, a linguagem multiforme e heterclita; o cavaleiro de diferentes domnios,ao mesmo tempo fsica, fisiolgica e psquica, ela pertence almdisso ao domnio individual e ao domnio social; no se deixaclassificar em n nenhuma categoria de fatos humanos, pois no sesabe conio inferir sua unidade.A lngua, ao contrrio, um todo por si e um princpio declassificao. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre osfatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num con-junto que no se presta a nenhuma outra classificao..A esse princpio de classificao poder-se-ia objetar que oexerccio da linguagem repousa numa faculdade que nos dadapela Natureza, ao passo que a lngua constitui algo adquiridoe convencional, que deveria subordinar-se ao instinto naturalem vez de adiantar-se a ele.Eis o que pode se responder.Inicialmente, no est provado que a funo da lingua-gem, tal como ela se manifesta quando falamos, seja inteira-mente natural, isto : que nosso aparelho vocal tenha sidofeito para falar, assim como nossas pernas para andar. Os lin-gistas esto longe de concordar nesse ponto. Assim, paraWhitney, que considera a lngua uma instituio social da mes-ma espcie que todas as outras, por acaso e por simples ra-zes de comodidade que nos servimos do aparelho vocal comoinstrumento da lngua; os homens poderiam tambm ter esco-lhido o gesto e empregar imagens visuais em lugar de imagensacsticas. Sem dvida, esta tese demasiado absoluta; a ln-gua no uma instituio social semelhante s outras em to-dos os pontos (ver pp, 88 e 90) ; alm disso, Whitney vai longe de-mais quando diz que nossa escolha recaiu por acaso nos rgoslivocais; de certo modo, j nos haviam sido impostas pela Na-tureza. No ponto essencial, porm, o lingista norte-americanonos parece ter razo: a lngua uma conveno e a naturezado signo convencional indiferente. A questo do aparelhovocal se revela, pois, secundria no problema da linguagem.Certa definio do que se chama de linguagem articulndapoderia confirmar esta idia. Em latim, articulus significa"membro, parte, subdiviso numa srie de coisas"; em mat-ria de linguagem, a articulao pode designar no s a divisoda cadeia falada em slabas, como a subdiviso da cadeia designificaes em unidades significativas; neste sentido que sediz em alemo gegliederte Sprache. Apegando-se a esta segun-da definio, poder-se-ia dizer que no a linguagem que natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma lngu,vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes aidias distintas.Broca descobriu que a faculdade de falar se localiza naterceira circunvoluo frontal esquerda; tambm nisso se apoia-ram alguns para atribuir linguagem um carter natural. Massabe-se que essa localizao foi comprovada por tudo quanto serelaciona com a linguagem, inclusive a escrita, e essas verifica-es, unidas s observaes feitas sobre as diversas formas deafasia por les desses centros de localizao, parecem indicar:l.Q, que as perturbaes diversas da linguagem oral esto enca-deadas de muitos modos s da linguagem escrita; 2.4, que, emtodos s casos de afasia ou de agrafia, atingida menos a facul-dade de proferir estes ou aqueles sons ou de traar estes ouaquedes signos que a de evocar por um instrumento, seja qualfor, os signos duma linguagem regular. Tudo isso nos leva a crerque, acima desses diversos rgos, existe uma faculdade maisgeral, a que comanda os signos e que seria a faculdade lin-gstica por excelncia. E somos assim conduzidos mesmaconcluso de antes.Para atribuir lngua o primeiro lugar no estudo da lin-guagem, pode-se, enfim, fazer valer o argumento de que a fa-'culdade - natural ou no - de articular palavras no seexerce seno com ajuda de instrumento criado e fornecido pelacoletividade; no , ento, ilusrio dizer que a lngua quefaz a unidade da linguagem.18LUGAR DA LNGUA NOS FATOS DA LINGUAGEM.Para achar, no conjunto da linguagem, a esfera que corres-ponde lngua, necessrio se faz colocarmo-nos diante do atoindividual que permite reconstituir o circuito da fala. Este atosupe pelo menos dois indivduos; o mnimo exigvel paraque o circuito seja completo. Suponhamos, ento, duas pessoas,A e B, que conversam.O ponto de partida do circuito se situa no crebro de umadelas, por exemplo A, onde os fatos de conscincia, a que cha-maremos conceitos, se acham associados s representaes dos sig-nos lingsticos ou imagens acsticas que servem para exprimi--los. Suponhamos que um dado conceito suscite no crebrouma imagem acstica correspondente: um fenmeno inteira-mente psquico, seguido, por sua vez, de um processo fisiolgico:u crebro transmite aos rgos da fonao um impulso correla-tivo da imagem; depois, as ondas sonoras se propagam da bocade A at o ouvido de B: processo puramente fsico. Em segui-da., o circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi-du ao crebro, transmisso fisiolgica da imagem acstica; nocrebro, associa psquica dessa imagem com o conceito cor-respondente. Se B, por sua vez, fala, sse novo ato seguir -de seu crebro ao de A - exatamente o mesmo curso do pri-meiro e passar pelas mesmas fases sucessivas, que representa-remos como segue :19A 8Audio FonaoC = ConceitoD = ImagemFonao AudioEsta anlise no pretende ser completa; poder-se-iam distin-guir ainda: a sensao acstica pura, a identificao desta sen-sao com a imagem acstica latente, a imagem muscular dafonao etc. No levamos em conta seno os elementos julga-dos essenciais; mas nossa figura permite distinguir sem dificul-dade as partes fsicas (ondas sonoras) das fisiolgicas (fonaoe audio) e psquicas (imagens verbais e conceitos) . De fato, fundamental observar que a imagem verbal no se confundecom o prprio som e que psquica, do mesmo modo que cconceito que lhe est associado.O circuito, tal como o representamos, pode dividir-seainda :a) numa parte exterior (vibrao dos sons indo da bocaao ouvido) e uma parte interior, que compreende to-do o resto;6) uma parte psquica e outra no-psquica, incluindo asegunda tambm os fatos fisiolgicos, dos quais os r-gos so a sede, e os fatos fsicos exteriores ao in-divduo;c) numa parte ativa e outra passiva; ativo tudo o quevai do centro de associ~o duma das pessoas ao ouvi-do da outra, e passivo tudo que vai do ouvido destaao seu centro de associao;20finalmente, na parte psquica localizada no crebro, pode--se chamar executivo tudo o que ativo (c -~ i)e receptivotudo o que passivo (i -~ c).Cumpre acrescentar uma faculdade de associao e de co-ordenao que se manifesta desde que no se trate mais de sig-nos isolados; essa faculdade que desempenha o principal pa-pel na organizao da lngua enquanto sistema (ver p. 142 ss. ) .Para bem compreender tal papel, no entanto, impe-se sairdo ato individual, ~ que no seno o embrio da linguagem,e abordar o fato social.Entre todos os indivduos assim unidos pela linguagem, es-tabelecer-se- uma espcie de meio-termo; todos reproduziro- no exatamente, sem dvida, mas aproximadamente - osmesmos signos unidos aos mesmos conceitos.Qual a origem dessa cristalizao social? Qual das partesdo circuito pode estar em causa? Pois bem provvel que to-dos no tomem parte nela de igual modo.A parte fsica pode ser posta de lado desde logo. Quandoouvimos falar uma lngua que desconhecemos, percebemos bemos sons, mas devido nossa incompreenso, ficamos alheios aofato social.A parte psquica no entra tampouco totalmente em jogo:o lado executivo fica de fora, pois a sua execuo jamais feitapela massa; sempre individual e dela o indivduo sempresenhor; ns a chamaremos f ala ( parole ) .Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordena-tiva, nos indivduos falantes, que se formam as marcas quechegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. De que ma-neira se deve representar esse produto social para que a lnguaaparea perfeitamente desembaraada do restante? Se puds-semos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadasem todos os indivduos, atingiramos o liame social que consti-tui a lngua. Trata-se de um tesouro depositado pela prticada fala em todos os indivduos pertencentes mesma comu-nidade, um sistema grainatical que existe virtualmente em ca-da crebro ou, mais exatamente, nos crebros dum cnjunto deindivduos, pois a lngua no est completa em nenhum, e sna massa ela existe de modo completo.21Com o separar a lngua da fala, separa-se ao mesmo tempo:1., o que social do que individual; 2., o que essencialdo que acessrio e mais ou menos acidental.A lngua no constitui, pois, uma funo do falante: o produto que o indivduo registra passivamente; nosupe jamais premeditao, e a reflexo nela intervm somentepara a atividade de classificao, da qual trataremos na p. 142 ss.A fala , ao contrrio, um ato individual de vontade e in-teligncia, no qual convm distinguir: 1., as combinaes pelasquais o falante realiza o cdigo da lngua no prop-sito de exprimir seu pensamento pessoal; 2., o mecanismo psico-fsico que lhe permite exteriorizar essas combinaes.Cumpre notar que definimos as coisas e no os termos;as distines estabelecidas nada tm a recear, portanto, de cer-tos termos ambguos, que no tm correspondncia entre duaslnguas. Assim, em alemo, Spyache quer dizer "lngua" e"linguagem"; Rede corresponde aproximadamente a "palavra",mas acrescentando-lhe o sentido especial de "discurso". Emlatim, sermo significa antes "linguagem" e "fala", enquantolingua significa a lngua, e assim por diante. Nenhum termocorresponde exatamente a uma das noes fiXadas acima; eisporque toda definio a propsito de um termo v; um maumtodo partir dos termos para definir as coisas.Recapitulemos os caracteres da lngua:1. Ela um objeto bem definido no conjunto hetercli-to dos fatos da linguagem. Pode-se localiz-la na poro deter-minada do circnito em que uma imagem auditiva vem asso-ciar-se a um conceito. Ela a parte social da linguagem, ex-terior ao indivduo, que, por si s, no pode nem cri-la nemmodific-la; ela no existe seno em virtude duma espcie decontrato estabelecido entre os membros da comunidade. Poroutro lado, o indivduo tem necessidade de uma aprendiza-gem para conhecer-lhe o funcionamento; somente pouco a pou-co a criana a assimila. A lngua uma coisa de tal modo dis-tinta que um homem privado do uso da fala conserva a lngua,contanto que compreenda os signos vocais que ouve.2. A lngua, distinta da fala, um objeto que se podeestudar separadamente. No falamos mais as lnguas mortas,?~mas podemos muito bem assimilar-lhes o organismo lingstico.No s pode a cincia da lngua prescindir de outros elemen-tos da linguagem como s se torna possvel quando tais elemen-tos no esto misturados.3. Enquanto a linguagem heterognea, a lngua assimdelimitada de natureza homognea: constitui-se num sistemade signos onde, de essencial, s existe a unio do sentido e daimagem acstica, e onde as duas partes do signo s igualmen-te psquicas.4. A lngua, no menos que a fala, um objeto de na-tureza concreta, o que oferece grande vantagem para o seuestudo. Os signos lingsticos, embora sendo essencialmentepsquicos, no so abstraes; as associaes, ratificadas pelo con-sentimento coletivo e cujo onjunto constitui a lngua, so rea-lidades que tm sua sede no crebro. Alm disso, os signos dalngua so, por assim dizer, tangveis; a escrita pode fix-los'em imagens convencionais, ao passo que, seria impossvel foto-grafar em todos os seus pormenores os atos da fala; a fonaoduma palavra, por pequena que seja, representa uma infini-dade de movimentos musculares extremamente difceis de dis-tinguir e representar. Na lngua, ao contrrio, no existe se-no a imagem acstica e esta pode traduzir-se numa imagemvisual constante. Pois se se faz abstrao dessa infinidade demovimentos necessrios para realiz-la na fala, cada imagemacstica no passa, conforme logo veremos, da soma dum nme-ro limitado de elementos ou fonemas, suscetveis, por sua vez,de serem evocados por um nmero correspondente de signos naescrita. esta possibilidade de fixar as coisas relativas ln-gua que faz com que um dicionrio e uma gramtica possamrepresent-la fielmente, sendo ela o depsito das imagens acsti-cas, e a escrita a forma tangvel dessas imagens.. LUGAR DA LNGUA NOS FATOS HUMANOS.A SEMIOLOGIA.Essas caractersticas nos levam a descobrir uma outra maisimportante. A lngua, assim delimitada no conjunto dos fatosde linguagem, classificvel entre os fatos humanos, enquantoque a linguagem no o .23Acabamos de ver que a lngua constitui uma instituiosocial, mas ela se distingue por vrios traos das outras institui-es polticas, jurdicas etc. Para compreender sua naturezapeculiar, cumpre fazer intervir uma nova ordem de fatos.A lngua um sistema de signos que exprimem idias, e comparvel, por isso, escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos,aos ritos simblicos, s formas de polidez, aos sinais milita-res etc., erc. Ela apenas o principal desses sistemas.Pode-se, ento, conceber uma cincia que estude a vidados signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte daPsicologia social e, por conseguinte, da Psicologia geral; cha-m-la-emos de Semiologia 1 (do grego smeion, "signo"). Elanos ensinar em que consistem os signos, que leis os regem.Como tal cincia no existe ainda, no se pode dizer o que ser;ela tem direito, porm, existncia; seu lugar est determina-do de antemo. A Lingstica no seno uma parte dessacincia geral; as leis que a Semiologia descobrir sero aplic-veis Lingstica e esta se achar dessarte vinculada a um do-mnio bem definido no conjunto dos fatos humanos.Cabe ao psiclogo determinar o lugar exato da Semiologiaa tarefa do lingista definir o que faz da lngua um sistema es-pecial no conjunto dos fatos semiolgicos. A questo ser reto-mada mais adiante; guardaremos, neste ponto, apenas uma coi-sa: se, pela primeira vez, pudemos assinalar Lingstica umlugar entre as cincias foi porque a relacionamos com a Se-miologia.Por que no esta ainda reconhecida como cincia aut-noma, tendo, como qualquer outra, seu objeto prprio? querodamos em crculo; dum lado, nada mais adequado que alngua para fazer-nos compreender a natureza do problema se-miolgico; mas para formul-lo convenientemente, necessriose faz estudar a lngua em si; ora, at agora a lngua sempre( 1 ) Deve-se cuidar de no confundir a Semiologia com a Semntica,que estuda as alteraes de significado e da qual F. de S. no fez uma ex-posio metdica; achar-se-, porm, o princpio fundamental formuladona u. 89 ( Urg. ).(2) Cf. An. NevItLs, Classification des sciences, 2" ed., p. 104.24foi abordada em funo de outra coisa, sob outros pontos devista.H, inicialmente, a concepo superficial do grande p-blico: ele v na lngua somente uma nomenclatura (ver p. 79),o que suprime toda pesquisa acerca de sua verdadeira natureza.A seguir, h o ponto de vista do psiclogo, o qual estudao mecanismo d signo no indivduo; o mtodo mais fcil,mas no ultrapassa a execuo individual, no atinge o signo,que social por natureza.Ou ainda, quando se percebe que o signo deve ser estuda-do socialmente, retm-se apenas os caracteres da lngua que avinculam s outras instituies, s que dependem mais ou me-nos de nossa vontade; desse modo, deixa-se de atingir a meta,negligenciando-se as caractersticas que pertencem somente aossistemas semiolgicos em geral e lngua em particular. O sig-no escapa sempre, em certa medida, vontade individual ousocial, estando nisso o seu carter essencial; , porm, o quemenos aparece primeira vista.Por conseguinte, tal carter s aparece bem na lngua; mani-festa-se, porm, nas coiss que so menos estudadas e, por outrolado, no se percebe bem a necessidade ou utilidade particularduma cincia semiolgica. Para ns, ao contrrio, o problemalingstico , antes de tudo, semiolgico: e todos os nossos de-senvolvimentos emprestam significao a este fato importante.Se se quiser descobrir a verdadeira natureza da lngua, sermister consider-la inicialmente no que ela tem de comum comtodos os outros sistemas da mesma ordem; e fatores lingsti-cos que aparecem, primeira vista, como muito importantes(por exemplo: o funcionamento do aparelhp vocal), devem serconsiderados de secundria importncia quando sirvam somentepara distinguir a lngua dos outros sistemas. Com isso, noapenas se esclarecer o problema lingstico, mas acreditamosque, considerando os ritos, os costumes etc. como signos, essesfatos aparecero sob outra luz, e sentir-se- a necessidade deagrup-los na Semiologia e de explic-los pelas leis da cincia.25CAPTULO IVLINGSTICA DA LNGUA E LINGSTICA DA FALACom outorgar cincia da lngua seu verdadeiro lugar noconjunto do estudo da linguagem, situamos ao mesmo tempotoda a Lingstica. Todos os outros elementos da linguagem,que constituem a fala, vm por si mesmos subordinar-se a estaprimeira cincia e graas a tal subordinao que todas aspartes da Lingstica encontram seu lugar natural.Consideremos, por exemplo, a produo dos sons necess-rios fala: os rgos vocais so to exteriores lngua combos aparelhos eltricos que servem para transcrever o alfabetoMorse so estranhos a esse alfabeto; e a fonao, vale dizer, aexecuo das imagens acsticas, em nada afeta o sistema em si.Sob esse aspecto, pode-se comparar a lngua a uma sinfonia, cujarealidade independe da maneira por que executada; os er-ros que podem cometer os msicos que a executam no com-prometem em nada tal realidade.A essa separao da fonao e da lngua se oporo, talvez,as transformaes fonticas, as alteraes de sons que se produ-zem na fala, e que exercem influncia to profunda nos desti-nos da prpria lngua. Teremos, de fato, o direito de preten-der que esta exista independentemente de tais fenmenos? Sim,pois eles no atingem mais que a substncia material das pa-lavras. Se atacam a lngua enquanto sistema de signos, fazem--no apenas indiretamente, pela mudana de interpretao queda resulta; ora, esse fenmeno nada tem de fontico (verp. 100 s.). Pode ser interessante pesquisar as causas de tais mu-danas e o estudo dos sons nos ajudar nisso; todavia, no 26coisa essencial: para a cincia da lngua bastar sempre com-provar as transformaes dos sons e calcular-lhes os efeitos.E o que dizemos da fonao ser verdadeiro no tocantea todas as outras partes da fala. A atividade de quem faladeve ser estudada num conjunto de disciplinas que somentepor sua relao com a lngua tm lugar na Lingstica.O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes:uma, essencial, tem por objeto a lngua, que social em suaessncia e independente do indivduo; sse estudo unicamentepsquico; outra, secundria, tem por objeto a parte individualda linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonao e psico--fsica.Sem dvida, esses dois objetos esto estreitamente ligadose se implicam mutuamente; a lngua necessria para que afala seja inteligvel e produza todos os seus efeitos; mas esta necessria para que a lngua se estabelea; historicamente, ofato da fala vem sempre antes. Como se imaginaria associaruma idia a uma imagem verbal se no se surpreendesse deincio esta associao num ato de fala? Por outro lado, ou-vindo os outros que aprendemos a lngua materna; ela se de-posita em nosso crebro somente aps inmeras experincias.Enfim, a fala que faz evoluir a lngua: so as impresses re-cebidas ao ouvir os outros que modificam nossos hbitos lin-gsticos. Existe, pois, interdependncia da lngua e da fala;aquela ao mesmo tempo o instrumento e o produto desta.Tudo isso, porm, no impede que sejam duas coiss absoluta-mente distintas.A lngua existe na coletividade sob a forma duma soma desinais depositados em cada crebro, mais ou menos como umdicionrio cujos exemplares, todos idnticos, fossem repartidosentre os indivduos (ver p. 21 ) . Trata-se, pois, de algo queest em cada um deles, embora seja comum a todos e indepen-da da vontade dos depositrios. Esse modo de existncia dalngua pode ser representado pela frmula:1 ~- 1 -~- 1 -f- 1... = I (padro coletivo)De que maneira a fala est presente nessa mesma coleti-vidade? N a soma do que as pessoas dizem, e compreende:a~a) combinaes individuais, dependentes da vontade dos quefalam; b) atos de fonao igualmente voluntrios, necessriospara a execuo dessas combinaes.Nada existe, portanto, de coletivo na fala; suas manifesta-es so individuais e momentneas. No caso, no h maisque a soma de casos particulares segundo a frmula:( 1 -I- 1' -~-- 1" -f-~ 1"' . . . )Por todas essas razes, seria ilusrio reunir, sob o mesmoponto de vista, a lngua e a fala. O conjunto global da lingua-gem incognoscvel, j que no homogneo, ao passo que adiferenciao e subordinao propostas esclarecem tudo.Essa a primeira bifurcao que se encontra quando seprocura estabelecer a teoria da linguagem. Cumpre escolherentre dois caminhos impossveis de trilhar ao mesmo tempo;devem ser seguidos separadamente.Pode-se, a rigor, conservar o nome de Lingstica paracada uma dessas duas disciplinas e falar duma Lingstica dafala. Ser, porm, necessrio no confundi-la com a Lings-tica propriamente dita, aquela cujo nico objeto a lngua.Unicamente desta ltima que cuidaremos, e se por acaso,no decurso de nossas demonstraes, pedirmos luzes ao estudoda fala, esforar-nos-emos para jamais transpor os limites queseparam os dois domnios.28CAPTULO VELEMENTOS INTERNOS E ELEMENTOS EXTERNOSDA LNGUANossa definio da lngua supe que eliminemos dela tu-do o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema, numapalavra: tudo quanto se designa pelo trmo "Lingstica ex-terna". Essa Lingstica se ocupa, todavia, de coisas impor-tantes, e sobretudo nelas que se pensa quando se aborda oestudo da linguagem.Quem elas, primeiramente, todos os pontos em que aLingistica confina com a Etnologia, todas as relaes quepodem existir entre a histria duma lngua e duma raa oucivilizao. Essas duas histrias se associam e manttn rela-es recprocas. Isso faz recordar um pouco as correspondn-cias verificadas entre os fenmenos lingsticos propriamenteditos (ver p. 15 s.). Os costumes duma nao tm repercussona lngua e, por outro lado, em grande parte a lngua queconstitui a Nao.Em segundo lugar, cumpre mencionar as relaes existen-tes entre a lngua e a histria poltica. Grandes acontecimen-tos histricos, como a conquista romana, tiveram importnciaincalculvel no tocante a inmeros fatos lingsticos. A colo-nizao, que no seno uma fonna de conquista, transportaum idioma para meios diferentes, o que acarreta transformaesnesse idioma. Poder-se-ia citar, como prova toda sorte de fatos:assim, a Noruega adotou o dinamarqus quando se uniu pliti-camente Dinamarca ; verdade que, hoje (cerca de 1910g os no-ruegueses procuram libertar-se dessa influncia lingstica. A29poltica interna dos Estados no tem menor importncia paraa vida das lnguas: certos governos, como a Sua, admitema coexistncia de vrios idiomas; outros, como a Frana, as-piram unidade lingstica. Um grau avanado de civiliza-o favorece o desenvolvimento de certas lnguas especiais ( ln-gua jurdica, terminologia cientfica etc.).Isto nos leva a um terceiro ponto: as relaes da lnguacom instituies de toda espcie, a Igreja, a escola etc. Estas,por sua vez, esto intimamente ligadas ao desenvolvimentoliterrio de uma lngua, fenmeno tanto mais geral quanto inseparvel da histria poltica. A lngua literria ultrapassa,em todas as partes, os limites que lhe parece traar a litera-tura: recorde-se a influncia dos sales, da corte, das acade-mias. Por outro lado, suscita a avultada questo do conflitoque se estabelece entre ela e os dialetos locais (ver p. 226) ;o lingista deve tambm examinar as relaes recprocas entrea lngua literria e a lngua corrente; pois toda lngua literria,produto da cultura, acaba por separar sua esfera de existnciada esfera natural, a da lngua falada.Enfim, tudo quanto se relaciona com a extenso geogrficadas lnguas e o fracionamento dialetal releva da Lingsticaexterna. Sem dvida, nesse ponto que a distino entre elae a Lingstica interna parece mais paradoxal, de tal modoo fenmeno geogrfico est intimamente associado existn-cia de qualquer lngua; entretanto, na realidade, ele no afetao organismo interno do idioma.Pretendeu-se ser absolutamente impossvel separar todasessas questes do estudo da lngua propriamente dita. Foi umponto de vista que prevaleceu sobretudo depois que tanto seinsistiu sobre tais "Realia". Do mesmo modo que a planta modificada no seu organismo interno pelos fatores externos(terreno, clima etc.) assim tambm no depende o organismogramatical constantemente dos fatores externos da modifica-o lingstica? Parece que se explicam mal os termos tc-nicos, os emprstimos de que a lngua est inada, quando se dei-xa de considerar-lhes a provenincia. Ser possvel distinguiro desenvolvimento natural, orgnico, dum idioma, de suas for-mas artificiais, como a lngua literria, que so devidas a fa-tores externos, por conseguinte inorgnicos? No se v cons-30tantemente desenvolver-se uma lngua comum a par dos dia-letos locais?Pensamos que o estudo dos fenmenos lingsticos mui-to frutuoso; mas falso dizer que, sem eles, no seria possvelconhecer o organismo lingstico interno. Tomemos, por exem-plo, o emprstimo de palavras estrangeiras; pode-se comprovar,inicialmente, que no se trata, de modo algum, de um elemen-to constante na vida duma lngua. Existem, em certos valesretirados, dialetos que jamais admitiram, por assim dizer, ums trmo artificial vindo de fora. Dir-se- que esses idiomasesto fora das condies regulares da linguagem, incapazes dedar-nos uma idia da mesma, e que exigem um estudo "tera-tolgico" por no terem jamais sofrido mistura? Cumpre so-bretudo notar que o termo emprestado no considerado maiscomo tal desde que seja estudado no seio do sistema; ele existesomente por sua relao e oposio com as palavras que lheesto associadas, da mesma forma que qualquer outro signoautctone. Em geral, no nunca indispensvel conhecer ascircunstncias em meio s quais se desenvolveu uma lngua.Em relao a certos idiomas, como o zenda e o pleo-eslavo,no se sabe exatamente sequer quais povos os falaram; tal igno-rncia, porm, de nenhum modo nos obsta a que os es-tudemos interiormente e a que nos demos conta das transfor-maes que sofreram. Em todo caso, a separao dos doispontos de vista se impe, e quanto mais rigorosamente for ob-servada, melhor ser.A melhor prova disso que cada um dles cria um mtododistinto. A Lingstica externa pode acumular pormenor so-bre pormenor sem se sentir apertada no torniquete dum sis-tema. Por exemplo, cada autor agrupar como lhe aprouveros fatos relativos expanso duma lngua fora de seu territrio;se se procuram os fatores que criaram uma lngua literria emface dos dialetos, poder-se- sempre usar a enumerao simples;se se ordenam os fatos de modo mais ou menos sistemtico,isto feito unicamente devido necessidade de clareza.No que concerne Lingstica interna, as coisas se pas-sam de modo diferente: ela no admite uma disposio qual-quer; a lngua um sistema que conhece somente sua ordemprpria. Uma comparao eom o jogo de xadrez far com-31preend-lo melhor. Nesse jogo, relativamente fcil distin-guir o externo do interno; o fato de ele ter passado da Prsiapara a Europa de ordem externa; interno, ao contrrio, tudo quanto concerne ao sistema e s regras. Se eu substituiras peas de madeira por peas de marfim, a troca ser indife-rente para o sistema; mas se eu reduzir ou aumentar o nmerode peas, essa mudana atingir profundamente a "gramtica''do jogo. No menos verdade que certa ateno se faz ne-cessria para estabelecer distines dessa espcie. Assim, emcada caso, formular-se- a questo da natureza do fenmeno,e para resolv-la, observar-se- esta regra: interno tudo quan-to provoca mudana do sistema em qualquer grau.32CAPfTULO VIREPRESENTAO DA LINGUA PELA ESCRITA1 . NECESSIDADE DE ESTUDAR ESTE ASSUNTO.O objeto concreto de nosso estudo , pois, o produto so-cial depositado no crebro de cada um, isto , a lngua. Mastal produto difere de acordo com os grupos lingsticos: o quenos dado su as lnguas. O lingista est obrigado a conhe-cer o maior nmero possvel delas para tirar, por observaoe comparao, o que nelas exista de universal.Ora, geralmente, ns as conhecemos somente atravs daescrita. Mesmo no caso de nossa lngua materna, o documen-to intervm a todo instante. Quando se trata de um idiomafalado a alguma distncia, ainda mais necessrio se torna re-correr ao testemunho escrito; e com mais forte razo no casode idiomas que no existem mais. Para poder dispor, em todosos casos, de documentos diretos, seria mister que se tivessefeito, em todas as pocas, aquilo que se faz atualmente emViena e Paris: uma coleo de amostras fonogrficas de todasas lnguas. Seria preciso, outrossim, recorrer escrita para dara conhecer aos outros os textos registrados dessa maneira.Dessarte, conquanto a escrita seja, por si, estranha ao sis-tema interno" impossvel fazer abstrao dum processo por viade qual a lngua ininterruptamente representada; cumpreconhecer a utilidade, os defeitos e os inconvenientes de talprocesso.33PRESTGIO DA ESCRITA: CAUSAS DE SEU PREDOMNIOSOBRE A FORMA FALADA.Lngua e escrita so dois sistemas distintos de signos; anica razo de ser do segundo representar o primeiro; o obje-to lingstico no se define pela combinao da palavra escritae da palavra falada; esta ltima, por si s, constitui tal objeto.Mas a palavra escrita se mistura to intimamente com a pala-vra falada, da qual a imagem, que acaba por usurpar-lheo papel principal; terminamos por dar maior importncia representao do signo vocal do que ao prprio signo. comose acreditssemos que, para conhecer uma pessoa, melhor fos-se contemplar-lhe a fotografia do que o rosto.Semelhante iluso existiu em todas as pocas e as opiniescorrentes acerca da lngua esto influenciadas por ela. Assim,acredita-se, de modo geral, que um idioma se altere mais rapi-damente quando no exista a escrita: nada mais falso. A es-crita pode muito bem, em certas condies, retardar as modi-ficaes da lngua, mas, inversamente, a conservao desta no, de forma alguma, comprometida pela ausncia de escrita.O lituano, que se fala ainda hoje na Prssia oriental e numaparte da Rssia, s conhecido por documentos escrtos a par-tir de 1540; nessa poca tardia, porm, ele oferece, no con-junto, uma imagem to fiel do indo-europeu quanto o latimdo sculo III antes de Cristo. Isso basta para mostrar o quan-to a lngua independe da escrita.Certos fatos lngsticos deveras tnues se conservaramsem o auxlio de qualquer notao. Durante todo o perododo alto alemo antigo, escreveu-se tten, f uolen e stzen, aopasso que, nos fins do sculo XII, aparecem as grafias tten,f elen, em contraposio a stzen, que subsiste. Donde pro-vm esta diferena? Em todos os casos em que se produziu,havia um y na slaba seguinte ; o protogermnico apresenta-va '*daupyan, *'flyan, mas '*stautan. No limiar do perodoliterrio, por volta de 800, esse y se enfraqueceu tanto que aescrita no conservou nenhuma lembrana dele durante trssculos; ele deixara, no entanto, um ligeiro trao na pronncia;e eis que, por volta,de 1180, como se viu acima, reaparece mi-lagrosamente sob a forma de metafonia! Dessarte, sem o re34curso da escrita, esse matiz de pronncia se transmitiu eomexatido.A lngua tem, pois, uma tradio oral independente daescrita e bem diversamente fixa; todavia, o prestgio da formaescrita nos impede de v-lo. Os primeiros lingistas se enga-naram nisso, da mesma maneira que, antes deles, os huma-nistas. O prprio Bopp no faz diferena ntida entre a letrae o som; lendo-o, acreditar-se-ia que a lngua fosse insepar-vel do seu alfabeto. Os sucessores imediatos de Bopp caramna mesma cilada; a grafia th da fricativa p fez crer a Grimm,no somente que esse som era duplo, mas, inclusive, que erauma oclusiva aspirada; da o lugar que ele lhe assinala na sualei da transformao consonntica ou "Lautverschiebung"(ver p. 168) . Ainda hoje, homens esclarecidos confundem alngua com a sua ortografia; Gaston Deschamps no dizia deBerthelot "que ele preservara o francs da runa" porque seopusera reforma ortogrfica?Mas como se explica tal prestgio da escrita?1. Primeiramente, a imagem grfica das palavras nos im-pressiona como um objeto permanente e slido, mais adequadodo que o som para constituir a unidade da lngua atravs dostempos. Pouco importa que esse liame seja superficial e crieuma unidade puramente factcia: muito mais fcil de apre-ender que o liame natural, o nico verdadeiro, o do som.2.q Na maioria dos indivduos, as impresses visuais somais ntidas e mais duradouras que as impresses acsticas;dessarte, eles se apegam, de preferncia, s primeiras. A ima-gem grfica acaba por impor-se custa do som.3. A lngua literria aumenta ainda mais a importnciaimerecida da escrita. Possui seus dicionrios, suas gramti-cas; conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola; alngua aparece regulamentada por um cdigo; ora, tal cdigo ele prprio uma regra escrita, submetida a um uso rigoroso:a ortografia, e eis o que confere escrita uma importncia pri-mordial. Acabamos por esquecer que aprendemos a falar an-tes de aprender a escrever, e inverte-se a relao natural.4.4 Por fim, quando existe desacordo entre a lngua e aortografia, o debate sempre difcil de resolver por algum que35no seja o lingista; mas como este no tem voz em captulo,a forma escrita tem, quase fatalmente, superioridade; a escritase arroga, nesse ponto, uma importncia a que no tem direito.. OS SISTEMAS DE ESCRITA.Existem somente dois sistemas de escrita :1. O sistema ideogrfico, em que a palavra represen-tada por um signo nico e estranho aos sons de que ela secompe. Esse signo se relaciona com o conjunto da palavra,e por isso, indiretamente, com a idia que exprime. O exem-plo clssico deste sistema a escrita chinesa.2.Q O sistema dito comumente "fontico", que visa a re-produzir a srie de sons que se sucedem na palavra. As escri-tas fonticas so tanto silbicas como alfabticas, vale dizer, ba-seadas nos elementos irredutveis da palavra.Alm disso, as escritas ideogrficas se tornam facilmentemistas: certos ideogramas, distanciados de seu valor inicial, ter-minam por representar sons isolados.Dissemos que a palavra escrita tende a substituir, em nossoesprito, a palavra falada: isso verdadeiro quanto aos doissistemas de escrita, mas tal tendncia mais forte no primeiro.Para o chins, o ideograma e a palavra falada so, por idn-tico motivo, signos da idia; para ele, a escrita uma segundalngua, e na conversao, quando duas palavras faladas tmo mesmo som, ele recorre amide palavra escrita para ex;pli-car seu pensamento. Essa substituio, porm, pelo fato depoder ser absoluta, no tem as mesmas conseqncias deplo-rveis que na nossa escrita; as palavras chinesas dos diferentesdialetos que correspondem a uma mesma idia se incorporamigualmente bem no mesmo signo grfico.Limitaremos nosso estudo ao sistema fontico, e especial-mente quele em uso hoje em dia, cujo prottipo o alfabetogrego.No momento em que um alfabeto desse gnero se estabe-lece, ele reflete a lngua de maneira assaz racional, a menosque se trate de um alfabeto tomado de emprstimo e j inqui-36nado de incoerncias. No que respeita lgica, o alfabetogrego particularmente notvel, conforme veremos na p. 50.Mas essa harmonia entre a grafia e a pronncia no dura. Porqu? Eis o que cumpre examinar.4. CAUSAS DO DESACORDO ENTRE A GRAFIA E A PRONNCIA.Tais causas so numerosas; cuidaremos apenas das maisimportantes.Em primeiro lugar, a lngua evolui sem cessar, ao passoque a escrita tende a permanec