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1 Cultura, Magia e Trocas: Uma Análise Semiológica Barthesiana das Campanhas Publicitárias do Carnaval de Pernambuco Veiculadas pelo Governo do Estado Autoria: Carlos Eduardo Polônio da Silva, André Luiz Maranhão de Souza Leão Resumo O carnaval pernambucano considerado um dos mais representativos do Brasil, além de ser um manancial de expressões culturais, movimenta a economia, tornando-se um dos principais produtos turísticos de Pernambuco. O presente trabalho se baseia na pergunta: como o governo do Estado de Pernambuco tem significado o carnaval pernambucano em suas campanhas publicitárias? Para alcançarmos esse objetivo, utilizamos a Semiologia Barthesiana como lente teórica e método de análise sobre um corpus composto por vídeos publicitários veiculados pelo Governo do Estado de Pernambuco. Os resultados apontam para a construção mítica em três metanarrativas ligadas à cultura, à magia e às trocas. Palavras-chave: Mercantilização da cultura. Carnaval pernambucano. Semiologia Barthesiana.

Cultura, Magia e Trocas: Uma Análise Semiológica ... · ocupar a Semiologia ... dos Signos como a postulou Ferdinand Saussure, linguista francês que publicou em 1916 sua mais célebre

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Cultura, Magia e Trocas: Uma Análise Semiológica Barthesiana das Campanhas Publicitárias do Carnaval de Pernambuco Veiculadas pelo Governo do Estado

Autoria: Carlos Eduardo Polônio da Silva, André Luiz Maranhão de Souza Leão

Resumo O carnaval pernambucano considerado um dos mais representativos do Brasil, além de ser um manancial de expressões culturais, movimenta a economia, tornando-se um dos principais produtos turísticos de Pernambuco. O presente trabalho se baseia na pergunta: como o governo do Estado de Pernambuco tem significado o carnaval pernambucano em suas campanhas publicitárias? Para alcançarmos esse objetivo, utilizamos a Semiologia Barthesiana como lente teórica e método de análise sobre um corpus composto por vídeos publicitários veiculados pelo Governo do Estado de Pernambuco. Os resultados apontam para a construção mítica em três metanarrativas ligadas à cultura, à magia e às trocas. Palavras-chave: Mercantilização da cultura. Carnaval pernambucano. Semiologia Barthesiana.

 

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1. Introdução Em diversas sociedades, ao longo do tempo, manifestações culturais representam

significativas expressões na busca por sentido, identidade e entretenimento. O carnaval é uma dessas manifestações de alto valor simbólico, que historicamente vem marcando a humana busca pelo prazer, expressão e diversão (DINIZ, 2008; DUMAZEDIER, 1994).

No Brasil, o carnaval tornou-se uma das mais relevantes expressões da brasilidade. Nele, o povo brasileiro parece desfrutar os dias festeiros com liberdade e irreverência (DINIZ, 2008). As mais notórias expressões deste fenômeno apresentam-se no Rio de Janeiro, com o desfile das escolas de samba na Marquês do Sapucaí; em Salvador, com os trios-elétricos e o axé music; e o carnaval de Pernambuco com sua diversidade de caraterísticas e artefatos.

O carnaval de Pernambuco é reconhecido nacionalmente pela sua alegria e diversidade. Constitui-se como importante fenômeno social que manifesta as expressões culturais de um povo, apoia a construção de identidade e reflete sobre a sociedade de diversas formas (ARAÚJO, 1997; DINIZ, 2008): ampliando o fluxo de pessoas nas cidades nos dias festivos, movimentando comunidades produtoras das diversas expressões culturais e acrescentando à economia significativos recursos financeiros. É um carnaval marcado por diversificadas expressões culturais, demonstrando sua relevância sociocultural (DINIZ, 2008).

Ao longo dos anos o carnaval de Pernambuco se tornou em um dos maiores festejos de rua do país, estima-se que envolva algo em torno de dois milhões e meio de pessoas a cada ano, foliões locais e turistas todos atendidos em suas necessidades de extravasamento e busca por entretenimento. É um carnaval que contribui para a economia local. Comunidades locais, turistas nacionais e internacionais fruindo dos produtos ofertados em razão das festividades movimentam recursos que em 2011 superou meio bilhão de reais e em 2012, movimentou valores superiores a setecentos e setenta milhões de reais (SETUR, 2012).

Essa festividade de dimensões sociais, econômicas e culturais, parece fazer parte de uma lógica de mercantilização das coisas, quando a festa se apresenta como produto cultural, pronta para o consumo e é aqui que encontramos o marketing, esse campo disciplinar que responde pelas intrincadas relações de troca, nos fazendo pensar sobre o impacto dessas atividades sobre a sociedade (DUMAZEDIER, 1994).

Essa mercantilização dos produtos culturais ocorre porque o sistema capitalista identifica nos produtos culturais a base de manutenção de lógicas de consumo quando o consumo torna-se gerador de sentido, ao consumir pertencemos, nos identificamos e nos mantemos na sociedade. Essa busca por suprir os desejos foi naturalizada em função dessa cultura de consumo (SLATER, 2002; BERGER, 2011).

Assim, através de sutis mecanismos que o transformam em produto para atender as exigências de uma sociedade de consumo, o carnaval molda-se ao chamado da indústria cultural, que dele requer homogeneização, estandardização, beleza estética e um comportamento performático digno de grandes empreendimentos. Como produto da cultura, o carnaval tem uma função vital no que diz respeito à estruturação, à organização e aos processos de desenvolvimento da sociedade na busca por recursos econômicos e materiais, além de se estabelecer como prática social, geradora de significado.

Um dos principais mecanismos da construção de significados – esse processo social de apresentação de sentidos – é a publicidadei que constrói esses sentidos pela evocação de crenças comuns ou naturaliza crenças que deseja que sejam aceitas como reais. É através dela que as mensagens em exposição suscitam uma multidão de imagens que se esforçam em persuadir, tem o imenso papel da difusão dos produtos e as técnicas publicitárias asseguram a substituição de ideologias (BAUDRILLARD, 2000).

 

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Como principal agente da manutenção, preservação e conservação da cultura popular, o governo, em diferentes níveis, cria e gere políticas públicas que incentivam, ou deveriam incentivar, as diversas expressões culturais de um povo. Todavia, alinhando essas políticas a uma lógica de mercado, finda por tornar-se impulsionador de uma espetacularização dessa cultura. Sendo assim, no caso particular desta investigação, nos questionamentos: como o governo do Estado de Pernambuco tem significado o carnaval pernambucano em suas campanhas publicitárias?

O presente artigo se insere numa agenda de Estudos Críticos em Marketing que apontam para uma perspectiva que pretende uma reflexão questionadora à lógica estabelecida, homogênea e acrítica, que fixa a compreensão dos fenômenos sociais e de marketing. Neste sentido, o fenômeno observado antes de estar num nível micro de análise, encontra-se numa perspectiva de Macromarketing, campo do conhecimento que discute os impactos dos sistemas marketing sobre a sociedade e as consequências das alterações dos hábitos da sociedade sobre o marketing (SHULTZ, 2007; SHAPIRO, 2007).

2. A

mercantilização das festas populares e o Carnaval pernambucano Ao longo do desenvolvimento das sociedades, diversas expressões parecem marcar o

estabelecimento da identidade e dos significados que compõem suas culturas. As festas se estabelecem como uma dessas manifestações que ajudam a contar a história dessas sociedades (DUMAZEDIER, 1994). No longo do tempo o caráter divertido das festas se valorizou elas se tornaram espetáculos preponderantes ao lazer do cotidiano (DUMAZEDIER, 2003; MONTES, 1998). Apesar das inúmeras lutas para gerar sentido e significação às culturas, parece claro haver uma hegemonia que aponta para o mercado como o único lócus de legitimação na sociedade pós-moderna. Tudo parece ter sido transformado em mercadoria (FIRAT; DHOLAKIA, 2003).

O carnaval pernambucano marcando-se por sua originalidade numa síntese de ritmos (CARVALHO, 2007), parece elaborado como produto dessa cultura. Como festa, movimenta a economia, os números do carnaval 2011 revelam o impacto que a Folia de Momo proporcionou à economia de Pernambuco. A receita deixada pelos visitantes foi de R$ 570 milhões, um aumento de 54% em relação ao carnaval do ano anterior, que gerou uma receita de R$ 370 milhões (PERNAMBUCO, 2011). O Estado recebeu cerca de um milhão de visitantes, um crescimento de 28,67% comparado ao público de 2010, quando 800 mil pessoas visitaram Pernambuco durante o carnaval (TENDÊNCIAS E MERCADOS, 2011).

Essa força econômica faz parte dos jogos de poder arquitetados por instituições públicas e instrumentalizados por profissionais de comunicação e marketing. Quando observamos os processos que estão à margem das festividades populares, podemos compreender que os interesses que alimentam e as vantagens que eles devem gerar ou manter. Pesquisadores em estudos críticos em marketing buscam essa compreensão das imposições que o ser humano tem que suportar, sejam naturais ou sociais, que inibem a sua capacidade de viver com dignidade, igualdade, justiça e liberdade para cumprir as suas potencialidades ao máximo, de acordo com sua livre vontade (BRADSHAW; FIRAT, 2007). O que desejamos é ultrapassar os circuitos limitados e impostos pelaspráticas de marketing com seus métodos e convenções, algumas vezes discutíveis.

3. O papel da publicidade e a perspectiva crítica em Marketing

A publicidade é uma das principais técnicas utilizadas nas práticas de marketing com a tarefa de informar as características de produtos e promover as vendas destes (BAUDRILLARD, 2000), apesar de sua tarefa primordial ser a de informar as características de produtos com objetivo de vendê-los, tendo passado pelo papel de persuadir, assume agora a função ao que

 

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nos parece, de condicionar indivíduos e suas necessidades. O discurso publicitário ao utilizar ferramentas de dissuasão e persuasão faz parecer à audiência que ela é livre para agir e resistir ao anunciado (BAUDRILLARD, 2000; CASTRO, 2006; BEARD, 2009). Na perspectiva dos Estudos Críticos em Marketing, a publicidade é crítica, pois articula novos e novos significados e os faz parecerem naturais, mesmo que de fato isso não ocorra (CASTRO, 2006).

Aqui julgamos ser necessário apontar para uma distinção entre sistemas de marketing e as práticas de marketing, estas compreendem as atividades relacionadas ao desenvolvimento e lançamento de novos produtos, decisões sobre o objetivo e a formação de preços, a administração de políticas de comercialização com intermediários e o conjunto das ações de promoção dos produtos com seus públicos-alvo através da publicidade, do merchandising etc, esta acepção tem recebido críticas sobre seu caráter normativo, prescritivo e ideologicamente orientado (SKÅLÉN; HACKLEY, 2011 e D´ANGELO, 2003), como podemos observar nos trabalhos sobre os impactos das praticas de marketing sobre a sociedade, em: Johnston (2009) sobre a influência do marketing e a crise de crédito nos EUA, a desconsideração dos aspectos culturais na aplicação de ferramentas de marketing (FERDOUS; HOSSAIN, 2011), a obesidade infantil (BLANES et al., 2013) entre outros.

Por sistemas de marketing compreendemos a interdependência das estruturas sociais que os compõem, sendo o ambiente das instituições, a tecnologia e o conhecimento importantes elementos que influenciam a economia de regiões e nações. Um sistema de marketing fornece uma importante ligação analítica entre a divisão e especialização do trabalho, o crescimento econômico e a qualidade de vida (LAYTON, 2010).

Acreditamos que a essência do marketing não está em suas ações, mas na institucionalização das ações dentro de um ambiente cultural e ideológico. A importante diferença entre o pensamento tradicional de marketing e a abordagem no Macromarketing são os aspectos simbólicos do consumo que nunca foram considerados como a principal força motriz do marketing (VENKATESH, 1999).

Por Macromarketing entendem-se os estudos que buscam analisar os reflexos, impactos e consequências dos sistemas de marketing na sociedade e de que modo a própria sociedade afeta os sistemas de marketing (SHAPIRO, 2007; DHOLAKIA, 2012). Para Shapiro (2007), esses estudos tendem a enfatizar orientações sociais, culturais ou políticas utilizando com unidade de análise os sistemas de marketing, centra-se no mercado como um todo, diferentemente da administração de marketing que enfatiza as trocas individuais, em Macromarketing importam o amplo sistema de transações. Corroborando, Shultz (2007) afirma que o Macromarketing lida com importantes questões que vão além de trocas entre compradores e vendedores e é um mecanismo para estudar as oportunidades e as limitações da comercialização, cujo objetivo é entender os efeitos positivos e negativos das práticas de marketing na sociedade (DHOLAKIA, 2012).

Os estudos críticos em marketing pretendem que o olhar sobre os fenômenos decorrentes das relações de troca em economias fortemente ligadas aos aspectos culturais, alcem novos voos na forma e no fundo das reflexões desta importante temática. Não ignoramos a efetividade do marketing mainstrean, que consideramos úteis quando atendem a certos interesses, apenas questionamos se o marketing está limitado a esse único papel e consideramos haver outros modos de ajudá-lo a mudar esse foco (BRADSHAW; FIRAT, 2007). Schroeder (2007) acredita haver um espaço para o melhor funcionamento do marketing em termos de justiça social, igualdade de gênero, autonomia cultural etc.

4. Semiologia barthesiana

É no mundo de imagens, sons, gestos, objetos e ritos como o que vivemos, que vai se ocupar a Semiologia – a Ciência Geral dos Signos como a postulou Ferdinand Saussure, linguista francês que publicou em 1916 sua mais célebre obra o ‘Curso de Linguística Geral’

 

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(HÉNAULT, 2006). O estudo da linguística avançou com o passar do tempo, enquanto a semiologia permaneceu limitada a análise de códigos rodoviários. Após Saussure, outros pesquisadores tendo compreendido a profundidade sociológica da semiologia prospectam novas possibilidades para sua abordagem (BARTHES, 2006) entre os quais temos o próprio Roland Barthes, igualmente linguísta que ao estudar a obra basilar de Saussure enxergou nela algo além das estruturas dos códigos linguísticos, ele se dedicou, sobretudo, a entender como se constroem os sistemas de significados e como se organizam os discursos responsáveis pela espetacularização do cotidiano (ROCHA, 2005; BARKER, 2012).

Os estudos dos processos de significação elaborados por Roland Barthes foram baseados nas noções iniciais postas por Saussure sobre a semiologia que a situava entre os elementos da língua e da fala, postula que o sistema de significação é constituído por uma série de signos e estes são analisados em termos dos elementos que o constituem: significantes e significados (BARKER, 2012; RAMOS, 2001).

Para o estudo do signo semiológico cada plano comporta: a forma – o que pode ser descrito exaustiva, simples e coerentemente pela linguística; e a sustância – conjunto dos fenômenos linguísticos que exigem premissas extralinguísticas (BARTHES, 2006). Ao processo de união dos significantes e os significados temos a significação, cujo produto é o signo (RAMOS, 2008).

Há dois sistemas semiológicos, um de natureza linguística, que envolve elementos como a língua e a fala sendo denominada como linguagem-objeto e outro sistema é o que se serve do primeiro para se construir, a este Barthes denominou metalinguagem – uma segunda língua, na qual se fala da primeira, ou o próprio mito, como se pode observar na Figura 1 (BARTHES, 2010; SIMÕES, 2006).

Figura 1 – Representação Metafórica da Construção do Mito

1. Significante 2. Significado Língua 3. Signo (sentido)

I – SIGNIFICANTE (forma) II – SIGNIFICADO

(conceito) III – SIGNO (significação)

MITO

Fonte: Adaptado de Barthes (2010) e Souza; Leão (2013) No mito pode-se encontrar o mesmo esquema tridimensional, mas se constrói um

sistema particular a partir de uma cadeia semiológica, portanto um segundo sistema semiológico. Tudo se passa como se o mito deslocasse de um nível o sistema formal das primeiras significações. Esta translação é essencial para a análise do mito (BARTHES, 2010; BARKER, 2012).

O mito é um sistema de comunicação, uma mensagem, um modo de significação, uma forma. Como o mito é uma fala, tudo pode constituir um mito e se estabelece nos alicerces da conotação, conforme Ramos (2008). O mito é vivido como fala inocente: não porque as suas intenções estejam escondidas, mas porque elas são naturalizadas. O mito é lido como um sistema de fatos, e, no entanto, é apenas um sistema semiológico. Essa fala inocente, que foi naturalizada para isso, leva o leitor do mito a não enxergar esse sistema semiológico, que algumas vezes ele nem sabe existir (BARTHES, 2010; RAMOS, 2001; BARKER, 2012).

Como que mergulhados em uma ideologia anônima, construída por essa sociedade, vive-se pacificamente formas que não são diretamente políticas nem ideológicas, mas que foram transformadas em formas naturalizadas, a transformação da realidade do mundo em imagem do mundo, a história em natureza (BARTHES, 2010; DANESI, 2010).

Os mitos não são nada mais do que essa solicitação incessante e infatigável, essa exigência insidiosa e inflexível que obriga os homens a se reconhecerem nessa imagem de si

 

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próprios, eterna e, no entanto, datada, que um dia se constrói como se fora para todo o sempre (BARTHES, 2010). 5. Procedimentos metodológicos

O presente artigo se insere numa agenda de pesquisa qualitativa, que envolve a criação dos próprios padrões, categorias e temas na análise do fenômeno e utiliza lentes teóricas (CRESWELL, 2010), está marcado por uma orientação crítica de caráter não performativo que propõe a desnaturalização e a reflexividade (DENZIN; LINCOLN, 2006), além disso, tem um caráter fortemente indutivo, pois apesar das lentes teóricas utilizadas não estabelece categorias a priori (LEÃO; MELLO; VIEIRA, 2009). Trata-se ainda de uma pesquisa semiótica, um dos paradigmas mais ricos e antigos para a compreensão dos processos de geração dos significados (OSWALD; MICK, 2006). A opção por uma pesquisa semiótica, de abordagem qualitativa, orientação crítica e caráter performativo se justifica pelo grau de complexidade do fenômeno social em estudo.

O corpus foi formado por dados documentais já existentes, materiais audiovisuais e foi delimitado à análise dos filmes publicitários sobre o carnaval de Pernambuco, produzidos e veiculados pelo Governo do Estado de Pernambuco, entre os anos 2002 e 2013, coletados em: agência de publicidade – GrupoNove (2002 até 2005) e Arcos Comunicação (2010 até 2012), website de internet – YOUTUBE (2006 até 2008) e EMPETUR – Empresa Pernambucana de Turismo (2013). Uso de vídeos como dados documentais atende aos requisitos exigidos pela problemática, pois as imagens oferecem registro temporal dos fatos (LOIZOS, 2002).

Cada vídeo, assistido repetidas vezes, foi recortado em cenas que figuravam unidades de sentido, como se pode observar na Figura 2 que representa essa intersecção entre as cenas da campanha 2011 (v13): no lado direto temos a imagem do folião no marco zero do Recife no final da festa, e a esquerda, um grupo de foliões entregues à folia do carnaval de rua de Olinda. Cada cena foi elaborada por um conjunto de elementos compostos por imagem, som, narrativas e textos, essas cenas foram cronometradas, codificadas e a cada uma se atribuiu um título para fins de facilitar sua localidade e otimizar o processo de análise nas possíveis repetições previstas. A codificação atribuída às cenas se expressa com a letra “v” seguida da numeração correspondente a sequência dos vídeos em ordem cronológica das campanhas, e uma letra “c”, também seguida de sequência das cenas de cada campanha. Assim, o código v13c5, corresponde à cena 5 do vídeo 13, referente ao ano 2011.

Figura 2 – Interseção de cenas numa campanha

Para efeito de análise de dados, seguimos a análise semiológica barthesiana conforme

descrita no capítulo 4. A técnica de análise seguiu a organização proposta por Souza e Leão (2013), que sugerem uma análise dividida em duas etapas: a primeira etapa se refere a análise linguística, quando são descritos em cada vídeo, os elementos textuais e audiovisuais que

 

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permitiram a identificação dos significantes, bem como seus significados e os signos gerados no primeiro sistema semiológico; na segunda etapa, os signos do primeiro sistema foram tomados como significantes do segundo sistema gerando significados e elaborando os mitos, esta etapa foi apresentada no capítulo 4, pois representa, além do método de análise, a lente teórica utilizada nesta pesquisa.

Cada uma das etapas foi validada pelo outro pesquisador, esta prática se trata do método de triangulação por meio de pesquisadores e valida os achados (PAIVA JUNIOR; LEÃO; MELLO, 2011). Os significantes, significados, signos e mitos advindos de cada cena foram descritos pelo pesquisador, submetidos ao pesquisador sênior, que devolvia ao primeiro exigindo reflexividade sobre os achados – essas idas e vindas, ao dado e à análise, que alteram o próprio pesquisador em sua forma de enxergar o estudo, devido às inconsistências próprias do processo de pesquisa, exigindo permanente reflexão, geram ao final, confiabilidade à pesquisa, ainda conforme Paiva Junior, Leão e Mello (2011). Ao final destas etapas, um quadro resumido dos mitos encontrados em cada campanha foi elaborado, seguido de uma checagem final sobre a existência dos mitos em cada vídeo, analisados pelo mesmo método e critério de confiabilidade. Optou-se por uma descrição densa, rica e detalhada dos dados, prática que desempenha papel de validação interna desta pesquisa qualitativa (PAIVA JUNIOR; LEÃO; MELLO, 2011).

6. Apresentação dos resultados

A análise dos vídeos do corpus gerou trezentas e noventa e seis cenas (396), que foram interpretadas a partir dos elementos materiais geradores de sentido e chegou-se aos dois mil duzentos e noventa e quatro significantes (2.294), analisados conforme descrição metodológica na seção 5. A análise semiológica empreendida resultou na interpretação sobre a existência de dezessete mitos: alegria, aristocracia, cliente-rei, colonização, conformidade social, contemplação, diversidade, encantamento, erotismo, escapismo, individualismo, liberdade, pertença, saudosismo, sincretismo, tradição e tropicalidade.

Figura 3 – Exemplo da análise semiológica

Devido às limitações de espaço, não seria possível apresentar o procedimento analítico

para todos os casos. Sendo assim, passamos a ilustrar as etapas de análise que culminaram com a identificação de um dos mitos, na Figura 3, que se refere à cena quatro, recortada da campanha 2002 (v1c4). Ali encontramos o significante “Rei do Maracatu usando coroa e bijouterias douradas, com espada em uma das mãos, veste-se de vermelho e dourado”. Inferimos desses elementos o significado LUXO. Na análise da relação entre significante e

 

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significado, localizamos a produção do signo ABASTEZA, que é incorporado como forma de segunda ordem, cujo significado remonta ao conceito NOBREZA, nos levando à elaboção do mito ARISTOCRACIA.

6.1 Mitos

identificados Apresentamos nesta seção cada um dos dezessete mitos identificados nesta pesquisa,

demonstrados a partir das relações sintagmáticas entre significantes e significados, alguns deles ilustrados para melhor compreensão da análise.

Figura 4 – Signos ansiedade, dedicação, diversão, estranhamento e frenesi

O mito alegria – estado de euforia e contentamento advindos de uma sensação

prazerosa que o indivíduo sente ao realizar algo, no carnaval o folião pode experimentar sensações como ansiedade e estranhamento, mas sabe que elas são um prelúdio da alegria que fruirá logo em breve; a dedicação nos preparos para o carnaval anuncia estados de alegria que virão e a entrega aos momentos de entretenimento gera diversão, a entrega total ao êxtase frenético que a folia provoca. As relações que revelam o mito alegria se estabelecem entre o significado gozo e os seguintes signos (vide Figura 4): ansiedade [A], dedicação [B], diversão [C], estranhamento [D] e frenesi [E].

O mito liberdade – estado que gera sensação de sentir-se livre permitindo que o indivíduo se mova na direção que escolher, ele se permite ter outras experiências que o cerceamento social, psicológico ou moral o impedem de realizar. No carnaval o folião pode fruir e gozar as brincadeiras sem restrições ele se acha liberado de convenções e imposições e pode dançar e brincar de qualquer forma sem se preocupar. As relações entre o signo segredo e o significado gozo compõem o mito liberdade.

O mito aristocracia – modo de agir voltado ao aproveitamento da vida, ao uso das melhores vestimentas, o carnaval é representado pelo folião fantasiado que recebe os privilégios ofertados aos possuidores do poder. Esse processo de significação parte do significante abasteza. As relações entre o signo abasteza e o significado nobreza compõem o mito aristocracia.

A B C

D E

 

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O mito cliente-rei – esse máximo estágio em que o folião (turista) é colocado, lugar das atenções exclusivas, do pronto atendimento aos interesses, da reverência ao indivíduo “de fora” que é considerado o mais importante. O carnaval do folião é o carnaval especialmente elaborado para ele, ao seu modo e gosto. As relações entre os signos empoderamento [A] e servilismo [B] e o significado clientelismo compõem o mito cliente-rei (Figura 5).

Figura 5 – Empoderamento e servilismo geram o conceito clientelismo

O mito colonização, que expressa a intensão de se apropriar da manifestação cultural,

fazer uso de seus elementos do carnaval, desconsiderando o contexto social, histórico, político e cultural em que eles se inserem; o folião (turista) faz uso, em diversas passagens, dos elementos simbólicos das expressões culturais, como o uso do cravo na boca como se ele representasse o romantismo (Figura 8). As relações entre o signo usurpação e o significado reificação compõe o mito colonização.

O mito conformidade social que se refere ao conjunto de práticas social que pretendem gerar unidades formais de comportamento que se tornem referência a ser seguida por um grupo, na pesquisa, observamos diversos dispositivos que afirmam o mito (Figura 6). As relações entre os signos aprovação social [A] e reprovação social [B] e o significado ajustamento compõem o mito conformidade social.

Figura 6 – Aprovação e reprovação social

O mito contemplação expressa o apelo que as imagens do ambiente natural gera no

espectador convidando ao deleite e o descanso que elas podem proporcionar, já o mito tropicalidade elabora um conjunto de condições temporais (calor, sol, vento) que caracterizam Pernambuco e que o favorece para receber turistas, o ano todo, especialmente nas festas carnavalescas. As relações entre os signos natureza, pureza e segurança e o significado esplendor e as relação entre o signo verão e o mesmo significado compõem respectivamente os mitos contemplação e tropicalidade.

A B

A B

 

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O mito diversidade, que reflete as ilimitadas possibilidades de gozar os prazeres dos dias de carnaval ou dos momentos de descanso nos ambientes naturais, sem dificuldades ou impedimentos, mesmo que algumas expressões da manifestação pareçam, num primeiro momento, estranhas ao turista. As relações entre os signos estranhamento e solução e o significado melhor dos mundos compõem o mito diversidade.

O mito encantamento que se refere a um torpor dos sentidos que invade o folião (turista) e geram sensações de delírio advindas do prazer da descoberta das manifestações culturais do carnaval de Pernambuco. As relações entre o signo surpresa e os significados deslumbramento e revelação compõem o mito encantamento (Figura 7).

Figura 7 – Os conceitos deslumbramento e revelação e o mito encantamento

O mito erotismo – sedução e apelo ao prazer do sexo advindos da forma das danças,

dos olhares e gestos corporais. As relações entre os signos insinuação e surpresa e o significado sensualidade compõem o mito erotismo.

O mito escapismo que evoca o desejo de fugir da realidade sobrecarregada e febril com o objetivo de curtir o frenesi do carnaval, inúmeras cenas apresentam o folião que não tira da cabeça o carnaval de Pernambuco. As relações entre o signo vida atribulada e o significado estresse compõem o mito escapismo.

O mito individualismo esse desejo do melhor para si mesmo, que demonstra uma ocupação com aquilo que atende as necessidades e anseios próprios sem preocupação com os outros. As relações entre signo e significado, dos achados conflito e disputa, indiferença e isolamento, solução e mediação se obtem o mito individualismo (Figura 8).

Figura 8 – Os significados disputa, mediação e isolamento

O mito pertença que representa um sentido de identidade e pertencimento a um grupo

social, o conhecimento e a segurança advindos da certeza desse pertencimento, o reconhecimento das expressões que caracterizam uma cultura que se manifesta com

 

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genuinidade. As relações entre signo e significado, dos achados familiaridade e acolhimento, trabalho árduo e dedicação, cultura popular e expressão popular, fantasia e ludicidade, obsessão e ludicidade, bucolismo e orgulho, triunfo e orgulho se obtem o mito pertença.

O mito saudosismo que se refere ao rememorar saudoso de outros tempos, deleite provocado pela lembrança dos momentos vividos. As relações entre signo e significado, dos achados bucolismo e orgulho e surpresa e revelação se obtem o mito saudosismo.

O mito tradição e que remete a valorização dos elementos culturais que construíram e constroem a história do carnaval pernambucano e mantêm seu vigor como manifestação cultural. As relações entre os signos imponência e localidade e o significado orgulho compõem o mito tradição (Figura 9).

Figura 9 – Formas imponência e localidade e mito tradição.

O mito sincretismo – essa mistura de crenças advindas de cultos religiosos diversos –

as comemorações festivas que antecedem a quaresma católica e a evocação das divindades dos cultos africanos – reunião das expressões das crenças que elaboram as manifestações culturais que constroem o carnaval. As relações entre os signos cultura popular e religiosidade e o significado misticismo compõem o mito sincretismo. 6.2

Metanarrativas do Carnaval de Pernambuco A Figura 10, abaixo, ilustra as relações entre os mitos na formação das metanarrativas

– os quadrados representam os signos, os triângulos que expressam os significados e os hexágonos demonstram os mitos. Neste estudo, três metanarrativas foram construídas e denominadas como: narrativa da cultura, narrativa da magia e narrativa das trocas.

Os mitos alegria, diversidade, liberdade e tradição estão presentes em todas as metanarrativas e formam um grupo de mitos que denominamos mitos-básicos. O mito conformidade social está relacionado apenas com a narrativa da magia. Os mitos pertença, saudosismo, sincretismo e aristocracia estão relacionados exclusivamente com a narrativa da cultura. Os mitos cliente-rei, colonização, contemplação, encantamento, erotismo e tropicalidade estão relacionados apenas a narrativa das trocas. Os mitos escapismo e individualismo estão relacionados com as narrativas da magia e das trocas.

A narrativa da cultura representa o carnaval de Pernambuco que é elaborado e vivido como expressão das tradições quando se percebe uma preocupação em preservar a historicidade, garantir a manutenção das manifestações culturais em seus valores essenciais, quando o carnaval contribui para formação e geração de identidade social. Metanarrativa elaborada pelos mitos-primordiais alegria, diversidade, liberdade e tradição e os mitos pertença, saudosismo, sincretismo e aristocracia.

 

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A narrativa da magia representa o carnaval de Pernambuco como espaço ou locus para o extravasamento festivo advindo do carnaval, não há preocupação sócio históricas, de preservação da identidade e de manutenção das expressões culturais. Esse discurso sobre o carnaval é marcado exclusivamente pela festividade que propicia a curtição e a alegria fugaz. É elaborada pelos mitos-primordiais alegria, diversidade, liberdade e tradição, pelos mitos individualismo, escapismo e conformidade social.

Figura 10 – Metanarrativas do carnaval de Pernambuco

Diversão

Gozo

Dedicação

Estranhamento

Ansiedade

Abasteza

Aristo-cracia

Nobreza

Alegria

Sincre-tismo

Diversi-dade

Saudo-sismo

Erotis-mo

Pertença

Cliente-rei

Tropicalidade

Contemplação

Encantamento

Liber-dade

Melhor dos

Conformidade Social

Ajustamento

Aprovação social

Reprova-ção social

Escapismo

Estresse

Vida atribula

Segredo

Solução

Tradi-ção

Orgu-lho

Imponência

Localidade

Individualismo

Mediação

Disputa

Isolamento

Solução

Conflito

Indife-rença

Frenesi

Revelação

Surpresa

Bucolismo

Misticismo

Cultura popular

Religio-sidade

Obsessão

Expressão

Trabalho árduo

Fantasia

Cultura popular

Acolhimento

Familia-ridade

Ludicidade

Dedi-cação

Triunfo

Colonização

Deslumbramento

Revelaã

Surpresa

Sensualidade

Insinuação

Reifi-cação

Usurpação

Clientelismo

Empode-ramento

Servilismo

Esplendor

Natureza

Pureza Segurança

Verão

 

Narrativa

Narrativa

Narrativa

 

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A narrativa das trocas representa o carnaval de Pernambuco cuja intencionalidade demonstra o propósito de atrair o folião (turista), neste discurso os elementos da cultura pernambucana são apresentados como artefatos para serem aproveitados, fruídos e em última instância, mercantilizados. Esta narrativa é elaborada pelos mitos-primordiais alegria, diversidade, liberdade e tradição, pelos mitos individualismo e escapismo e pelos mitos: cliente-rei, colonização, contemplação, encantamento, erotismo e tropicalidade.

7. Considerações finais

A partir da análise e discussão de dados pudemos apresentar as três metanarrativas que compõem esta pesquisa, são dimensões ideológicas que apresentam os significados diversos do mesmo carnaval pernambucano e é deste modo que o governo de Pernambucano elabora os significados do carnaval. Numa das metanarrativas, temos um carnaval que alimenta a tradição, pois reforça os sentidos de identidade e pertença, recordando saudosamente a história de um povo. Noutra, um carnaval que fabrica o prazer, o gozo irreverente e solto que vê na festa um tempo sem impedimentos, momentos de liberdade, alegria e gozo individual. Num terceiro, um carnaval produto de consumo, elaborado à exigência de clientes encantados que ao escapar do dia-a-dia buscam o que a festa pode oferecer, e depois de repletos, partem levando o que melhor encontraram.

No carnaval que alimenta a tradição, a alegria, a liberdade e a diversidade expressam a singeleza de uma gente pernambucana ansiosa pelo deleite do carnaval. Um povo que elabora sua cultura, que a forja em suas entranhas, que é aplaudido e ovacionado como tradição. Povo que quer vivenciar agora, um passado saudoso que não pode voltar, mas que aguarda ansioso um novo carnaval que com suas doces emulações que parecem trazer de volta as fantasias douradas, os guerreiros com espadas que lembram as lutas, o poder, a aristocracia – esse lugar do nobre que o pobre toma emprestado apenas para figurar, para fingir que a dureza da vida não o encontra, pelo menos nos dias de momo. Um carnaval que evoca os antepassados nas manifestações do maracatu e declara a miscelânea da crença e do culto. Essas elaborações estão envoltas do sentido de pernambucanidade que faz o folião sentir daqui, amar as coisas de sua terra e valorizá-las.

No carnaval dos sonhos e da magia, onde as massas incautas e amorfas entregam-se ao prazer e ao gozo, onde a alegria se apresenta num tempo de encontrar uma diversidade de possibilidades: gente, ritmos e coisas dão ao folião liberdade de escolha e apresentam um caminho à satisfação individual por onde ele foge dos condicionamentos sociais que lhe exigem postura e seriedade e o aprisionam cada vez mais no irrefletido lugar mágico de soluções fáceis que a vida real não dispõe. O pano de fundo deste cenário é um tecido de chita em sinal inequívoco da tradição que aqui é apenas observada e fruída.

No carnaval produto de consumo, a sutileza dos detalhes que o elaboram para ser intercambiado com clientes-foliões e as manifestações se tornam artefatos esteticamente elaborados moldados às lógicas do consumo. Neste ponto, a tradição oferece os elementos essenciais de um carnaval tomado por inusitado e estranho, mas que desperta a curiosidade e por vezes, encanta esse folião. Festividade essa que é um mar de diversidade que oferta ao cliente-rei àquilo que ele espera. Por vezes esse folião é o individuo das grandes metrópoles que leva uma vida marcada pelo individualismo e isolamento e deste modo o carnaval de Pernambuco, é apresentado como opção para escapar. O carnaval produto, como não poderia deixar de ser, é a festa da alegria que apresenta a liberdade como forma de viver, usa a tropicalidade de um estado privilegiado oferecendo mares de contemplação. Se o folião desejar levar daqui alguma riqueza, isso é facilmente resolvível, afinal o que importa é ele efetive os processos de consumo, âmbito comum de nossa sociedade.

Apesar da longa e detalhada apresentação dos mitos que elaboram as campanhas publicitárias do carnaval de Pernambuco, da reunião destes em conjuntos de sentidos nas

 

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metanarrativas, a pesquisa teve limitações marcadas pela dificuldade de obtenção dos dados secundários – os vídeos publicitários, e impressiona o fato de que governamentalmente a ninguém cabe o papel de acervo da memória do que foi veiculado sobre o carnaval de Pernambuco, essa dificuldade foi contundente para a pesquisa, pois se apresenta na ausências da campanha 2003, a qualidade irregular das imagens em cada campanha, a ausência de um padrão do material disponível, mas em que pesem esses sobressaltos, empreendemos as discussões que cabiam nesta análise.

Deste modo os resultados aqui apresentados contribuem para os campos do conhecimento no Marketing – quando reflete as várias implicações que as ações de mercado geram nas relações de causalidade na sociedade, que recebe, mas que também exprime, demanda e exige; na Comunicação – empreendendo um caminho que questiona os automatismos da elaboração de campanhas que nem sempre são preparadas com certa intencionalidade, mas que estão envoltas por dispositivos sistêmicos imperativos e nas Ciências Sociais – um olhar desnaturalizado das intrincadas relações na vida social, um perscrutar dos modos como forjamos as noções de popular e de cultura. De modo geral esta pesquisa permite percorrer mais um caminho na busca de alternativas de compreensão da realidade. A interdisciplinaridade marca das imbricações deste estudo, reforça a necessidade de outros estudos que possam pensar sobre compreensões mais amplas e complexas, o que pode ser obtido quando as ciências ou campos do conhecimento, como os que aqui se apresentam se apoiam e colaboram no efetivo intuito de desvelar aquilo que ainda se desconhece.

Acreditamos que a pesquisa possa contribuir para uma reflexão e uma ação mais questionadora sobre as políticas públicas sobre cultura e expressão popular. Os dados apontam para uma desatenção aos mecanismos que elaboraram as campanhas, pois não se pode explicar que um governo encarregado da preservação e manutenção dos elementos expressivos e complexos da cultura de seu povo, seja o mesmo que apresente vigorosamente dispositivos de sentido que transformam esse mesmo carnaval em produto elaborado para atender aos desejos de fruição dos que podem efetivar simples processos de troca.

Diante do exposto acreditamos poder apresentar algumas sugestões de pesquisas futuras. A aplicação da semiologia como método e teoria, pode ser extensiva a uma infinidade de outros objetos nas áreas de comunicação e marketing, e o trabalho do semiólogo será o de ‘limpar’ os caminhos para que essas outras pesquisas, no campo dos mitos, mais profundas, mais extensas possam clarear nosso entendimento de como significamos o mundo que nos cerca. O uso de vídeos como dados secundários, como foi aqui demonstrado, e se apresentou como um uso rico de possibilidades, deste modo, diversas campanhas publicitárias, de diversos setores da sociedade podem ser utilizadas para ampliar o alcance do conhecimento que tem já dispomos sobre as formações de sentido. Pesquisas no campo da cultura e entretenimento podem lançar luzes aos complexos mecanismos que os elaboram, desvendando os dispositivos ideológicos, ardilmente arquitetados pelas instancias do poder, constituído para proteger, mas que muitas vezes mostra-se o principal agente dos processos reificadores que subjugam os indivíduos, todos nós. Os dados e análises parecem indicar a necessidade de futuros estudos no campo da comunicação da cultura pernambucana, e em última instância, estudos sobre a comunicação do turismo pernambucano.

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