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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013 1 RELATÓRIO ANUAL DO MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO 2013 Rio de Janeiro 2013

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RELATÓRIO ANUAL DO MECANISMO ESTADUAL DE

PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO

2013

Rio de Janeiro

2013

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MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

Membros: Antônio Pedro Soares, Fábio Simas, Patrícia Oliveira, Renata Lira, Taiguara Souza,

Vera Lúcia Alves.

1° Relatório Anual – 2013: I – Introdução; II – Panorama Nacional e Internacional; III -

Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura; IV – Casos Emblemáticos de Tortura e

outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; V – Conclusão; VI –

Recomendações.

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Endereço: Palácio Tiradentes, Rua Primeiro de Março, s/n, Rio de Janeiro.

Contato: [email protected]

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO

I.1 – O Mecanismo Estadual para Prevenção e o Combate à Tortura/RJ...............................4

I.2 - O Relatório Anual do MEPCT/RJ.......................................................................................7

I.3 – Realizações Institucionais do MEPCT/RJ .................................................................. .....10

II – PANORAMA NACIONAL E INTERNACIONAL

II.1 – Panorama Internacional do OPCAT ..............................................................................16

II.2 – Os Desafios para a Implementação do OPCAT no Brasil.............................................20

III – SISTEMA ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

III.1 – Sistema Prisional e Carcerário......................................................................................25

III.1.1 – Carceragens da Polícia Civil.........................................................................25

III.1.2 – A Progressão de Regime de Cumprimento de Pena...................................27

III.1.3 – A Privatização do Sistema Penitenciário.....................................................70

III.1.4 – Saúde no Sistema Prisional...........................................................................77

III.2 – Sistema Socioeducativo...................................................................................................84

III.2.1 – Adolescentes Privados de Liberdade............................................................84

III.2.2 – Das Unidades de Internação.........................................................................91

III.2.3 – Do Plano de Segurança Socioeducativa do DEGASE................................95

III.2.4 – Da Audiência Pública sobre o DEGASE.....................................................98

III.3 – Saúde Mental, Drogas e Institucionalização...............................................................100

III.3.1 - Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, álcool e outras drogas...................100

III.3.2 - “Abrigos Especializados” e Institucionalização de

Crianças e Adolescentes.............................................................................................104

III.3.3 - Istitucionalização forçada de adultos e Unidade de Reinserção

Social Rio Acolhedor...................................................................................................107

III.3.4 - Comunidades Terapêuticas..........................................................................112

III.4 - Política Criminal de Segurança Pública: A Repressão Policial às

Manifestações Populares..........................................................................................................126

IV – CASOS EMBLEMÁTICOS DE TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU

PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES...................................................................137

V – CONCLUSÃO...................................................................................................................................151

VI – RECOMENDAÇÕES........................................................................................ .............................155

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I. INTRODUÇÃO

I.1 - O Mecanismo Estadual para Prevenção e o Combate à Tortura/RJ

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

(MEPCT/RJ) é um órgão criado pela Lei Estadual nº 5.778 de 30 de junho de 2010,

vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que tem como objetivo

planejar, realizar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de

liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento,

contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de controle, vigilância,

internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições em que se encontram

submetidas as pessoas privadas de liberdade, com intuito de prevenir a tortura e outros

tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.

Segundo o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, os Mecanismos

também têm como atribuição recomendar medidas para a adequação dos espaços de

privação de liberdade aos parâmetros internacionais e nacionais e acompanhar as

medidas implementadas para atender às recomendações.

Como prevenção à tortura e de outros tratamentos ou penais cruéis, desumanos e

degradantes entende-se “desde a análise de instrumentos internacionais de proteção até

o exame das condições materiais de detenção, considerando políticas públicas,

orçamentos, regulações, orientações escritas e conceitos teóricos que explicam os atos

e omissões que impedem a aplicação de princípios universais em condições locais”.1

Para tanto, o propósito fundamental do mandato preventivo é o de “identificação

do risco de tortura”2 e, a partir da ação proativa de monitoramento de centros de

1 Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura: manual de implementação. (p.73). San

José, Costa Rica: Associação para Prevenção à Tortura e Instituto Interamericano de Direitos Humanos,

2010. 2 Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo relatório anual do

SPT ao Comitê contra a Tortura. Vide “Committeeagainst Torture

meetswithSubcommitteeonPreventionof Torture”, Comunicado de imprensa de 2 de maio de 2009,

disponível em:

www.unog.ch.http://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpNewsByYear_en)/02A16C255B95E900C

12575B40051FA5A?OpenDocument

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privação de liberdade, prevenir que as violações aconteçam. O enfoque preventivo do

MEPCT/RJ se baseia na premissa de um diálogo cooperativo com as autoridades

competentes para coibição da tortura e outros tratamentos desumanos, degradantes e

cruéis à pessoa privada de sua liberdade. Desta forma, como expressa o inciso II, do art.

2º da Lei Nº 5.778/10 que o institui, busca-se a “articulação, em regime de

colaboração, entre as esferas de governo e de poder, principalmente, entre os órgãos

responsáveis pela segurança pública, pela custódia de pessoas privadas de liberdade,

por locais de longa permanência e pela proteção de direitos humanos”.

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

(MEPCT/RJ) resulta do processo de estabelecimento, pelo Estado Brasileiro, das

diretrizes contidas no Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura e Outros

Tratamentos ou Penais Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações

Unidas, ratificado pelo país no ano de 2007. O referido Protocolo decorre do acúmulo

estabelecido na Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em 1993

na qual se declarou firmemente que os esforços para erradicar a tortura deveriam

primeira e principalmente concentrar-se na prevenção, designando para tanto, o

estabelecimento de um sistema preventivo de visitas regulares a centros de detenção.

Além disso, a construção de Mecanismos Preventivos de monitoramento dos

locais de privação de liberdade integra as prerrogativas do “Plano de Ações de

Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil”, de 2006, bem como o

Plano Nacional de Direitos Humanos 3 da Secretaria de Direitos Humanos. Neste

sentido, o Estado do Rio de Janeiro coloca-se em posição de pioneirismo na Federação,

salientando o compromisso com a implementação do Plano de Ações Integradas para a

Prevenção e Combate à Tortura no Brasil, com a defesa dos direitos humanos e a

consolidação dos princípios democráticos.

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

(MEPCT/RJ) deu início às suas atividades em julho de 2011 após a nomeação de seus

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membros pelo presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,

conforme atribuição do inciso II do 5º parágrafo da Lei 5778/10.

O MEPCT/RJ é o primeiro mecanismo preventivo em funcionamento no país.

Recentemente, entrou em vigor a Lei Nº 12.847/13 que cria formalmente o Comitê e o

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (ainda não constituídos), bem

como institui o Sistema Nacional de Prevenção à Tortura, do qual os mecanismos

estaduais são parte integrante.

Em planejamento institucional o Mecanismo definiu a Visão, Missão e

Definição de seu trabalho, abaixo descritos.

Visão

Prevenir e erradicar a prática da tortura e maus tratos buscando a efetivação

integral dos direitos humanos das pessoas privadas e restritas de sua liberdade, a

partir da promoção de uma cultura de respeito à dignidade humana.

Missão

Prevenir e combater a tortura e maus tratos a partir de ações estratégicas e de um

sistema de visitas periódicas a espaços de privação e restrição de liberdade no

Estado Rio de Janeiro, fundamentado na garantia dos direitos humanos

expressos no marco legal nacional e internacional.

Definição

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro é

um órgão estatal independente composto por seis membros, criado pela Lei No.

5.778/10 e vinculado administrativamente ao Poder Legislativo. Tem como

atribuição o monitoramento preventivo aos espaços de privação e restrição de

liberdade, em respeito ao previsto no Protocolo Facultativo à Convenção Contra

a Tortura da ONU.

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I.2 - Do Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e o Combate à

Tortura/RJ

Uma das tarefas primordiais de um mecanismo preventivo constitui a elaboração

do relatório anual. Conforme destacado pela Associação para a Prevenção à Tortura

(APT), na publicação “Monitoramento de locais de detenção: um guia prático”,

compete aos mecanismos nacionais e locais, no âmbito de seu monitoramento

preventivo, elaborar o relatório anual, relatórios de visitas regulares, relatórios de visitas

de seguimentos e, por fim, relatórios de visitas temáticas.

O presente relatório tem o objetivo de apresentar o trabalho desempenhado pelo

Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ)

ao longo do ano de 2013. Uma vez que constitui o segundo relatório anual, pretende não

repetir abordagens já anteriormente aprofundadas no Relatório Anual 2012, porém

permanece o intituito de analisar as condições observadas para o tratamento de pessoas

privadas de liberdade deste estado e a identificação dos riscos de tortura.

O Relatório pretende, portanto, apresentar uma síntese das questões analisadas

nas visitas e relatórios, bem como em reuniões, seminários, audiências públicas e

demais atividades desempenhadas pelo MEPCT/RJ, CEPCT/RJ e outras instituições

parceiras. Sua finalidade é prevenir e combater as condições de tortura através de

recomendações que estabeleçam harmonia com os padrões nacionais e internacionais3.

O ano de 2013 representa um ano de consolidação de certas conquistas

importantes para o MECT/RJ, como a realização da primeira eleição de membros após a

composição da equipe inicial, realização de um número significativo de visitas em

3 Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo relatório anual do

SPT ao Comitê contra a Tortura. Nela, o SPT afirmou “que seu principal objetivo é “identificar situações

de risco de tortura”. Ao invés da abordagem mais tradicional de reagir à violações uma vez que já

tenham ocorrido, o SPT adota uma abordagem preventiva holística, baseada numa atuação contínua e pró-

ativa regida pela premissa de um diálogo de cooperação entre o SPT e os Estados-Partes e os MPNs (...)”.

Em: Visita ao Brasil do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura e a

implementação do Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura. Documento Informativo

para Atores Nacionais da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).

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unidades ainda não monitoradas pelo Mecanismo, e reconhecimento de representativos

órgãos e instituições de monitoramento dos espaços de privação de liberdade.

Entretanto, o MEPCT/RJ ainda carece de questões essenciais, especialmente no que se

refere à estrutura de trabalho.

O Relatório Anual 2013 compreende os seguintes itens: encerrando a introdução

serão apresentadas as realizações institucionais do MEPCT/RJ. No item II será

abordado o panorama nacional e internacional de implementação do OPCAT. O item III

dedica-se à abordagem do Sistema Estadual de Prevenção à Tortura, elaborado a partir

do monitoramento realizado pelo MEPCT/RJ. O tópico apresenta análise acerca do

Sistema Prisional e Carcerário, especialmente sobre as carceragens da Polícia Civil, as

mazelas da progressão de regime penitenciário, o processo de privatização em curso e o

tema da saúde no sistema penitenciário. Quanto ao Sistema Socioeducativo, será

enfatizada a implementação do SINASE no Rio de Janeiro e o plano de segurança do

DEGASE. Será ainda analisada a temática da Saúde Mental, Drogas e

Institucionalização, debruçando-se sobre a reforma psiquiátrica e a inobservância de

seus princípios na atualidade, os “abrigos especializados” para adolescentes, a

institucionalização compulsória de adultos e as comunidades terapêuticas. Por fim,

aspectos da política criminal de segurança pública, especialmente no que tange à

repressão policial às manifestações populares. No item IV serão elencados casos

emblemáticos de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou

degradantes monitorados pelo MEPCT/RJ no ano de 2013. Por fim, serão apresentadas

as considerações finais no item V e no item VI as recomendações a autoridades públicas

para a adoção de medidas preventivas e eficazes com vistas à erradicação da tortura.

O Relatório Anual 2013 foi elaborado pela equipe atual de membros do

MEPCT/RJ - Antônio Pedro Soares, Fábio Simas, Patrícia Oliveira, Renata Lira,

Taiguara Souza e Vera Alves. Vale destacar o agradecimento especial a Isabel Mansur,

integrante da primeira equipe do Mecanismo que teve mandato até o primeiro semestre

deste ano.

Cabe ainda também o agradecimento ao Comitê Estadual de Prevenção e

Combate à Tortura, especialmente aos integrantes Camila Freitas (OAB-RJ), Marcelo

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Freixo (Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ALERJ), Roberto Gevaerd

(Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ALERJ), Elizabeth Souza de Oliveira

(CRESS-RJ), Débora Rodrigues (CRESS-RJ), Isabel Lima (Justiça Global), Newvone

Costa (Conselho da Comunidade), Márcia Badaró (CRP-RJ) e Marcelo Anátocles (TJ-

RJ).

Agradecemos ainda às contribuições essenciais de Henrique Guelber (ex-

Coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública),

Felipe Almeida (Coordenador do Núcleo de Sistema Penitenciário da Defensoria

Pública), Maíra Fernandes (Presidente do Conselho Penitenciário), Cláudia Camuri

(CRP-RJ), Sylvia Dias (APT), Rubens Casara (EMERJ), Andrea Sepúlveda (ex-

Subsecretária de Estado de Direitos Humanos), Caroline Faria (Secretaria de Estado de

Assistência Social e Direitos Humanos), ISER (Instituto de Estudos da Religião) e

Instituto de Defensores de Direitos Humanos.

Cumpre destacar a contribuição da Subsecretaria de Direitos Humanos do

Estado do Rio de Janeiro para o desenvolvimento dos trabalhos ora relatados, ao ceder

transporte para os membros do MEPCT/RJ até as unidades de privação de liberdade.

Por fim, registramos o agradecimento aos órgãos públicos que contribuíram com

informações imprescindíveis ao relatório, como a Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Vara de Execuções Penais, DEGASE e Secretaria

Municipal de Assistência Social.

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I.3 – REALIZAÇÕES INSTITUCIONAIS

I.3.1 - Da Eleição de Membros

O ano de 2013 foi de grande importância para a consolidação do Mecanismo

Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Se em 2012 foi realizada

a primeira eleição para entidades da sociedade civil após a instalação do CEPCT/RJ,

havendo mudanças na composição do Comitê, em 2013 foi realizada a primeira eleição

para o MEPCT/RJ após o início dos seus trabalhos. Respeitando ao princípio da

alternância na renovação de seus quadros, a cada dois anos serão realizadas eleições

para metade dos membros do mecanismo, ou seja, para três membros, conforme orienta

a Lei Estadual Nº 5.778/10. Excepcionalmente, em 2013, foram realizadas eleições para

quatro membros, sendo um dos eleitos indicado para preencher dois anos do mandato de

Isabel Mansur, membro do MEPCT/RJ, que pediu exoneração do cargo.

Em abril de 2013, o CEPCT/RJ aprovou edital de eleições para as quatro vagas,

sendo três para exercício de mandato de quatro anos, e uma para dois anos. O processo

era composto por três etapas: a inscrição; a votação no âmbito do CEPCT/RJ; e a

sabatina junto à Comissão de Normas Internas e Proposições Externas da ALERJ.

A primeira e segunda etapas ocorreram sem grandes obstáculos e, no dia 2 de

junho de 2013 foram eleitos pelo comitê os seguintes membros: Antônio Pedro Soares,

Fábio do Nascimento Simas e Vera Lúcia Alves para o exercício de mandato de quatro

anos; e Taiguara Líbano Soares e Souza para exercício de mandato de dois anos.

Após esta etapa, passou-se à fase das sabatinas, que só puderam ser realizadas

em setembro. Este procedimento da casa legislativa foi presidido pelo deputado Édino

Fonseca. No que se refere às nomeações, estas só se efetivaram em novembro.

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I.3.2 - Dos Espaços de Privação de Liberdade visitados

Entendendo espaços de privação de liberdade por “estabelecimentos que

detenham pessoas, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção,

aprisionamento, contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de

controle, vigilância, internação, abrigo ou tratamento”4, no âmbito do cumprimento de

suas atribuições legais, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do

Rio de Janeiro visitou unidades do Sistema Penitenciário, do Sistema Socioeducativo,

equipamentos de atenção à saúde mental e instituições de abrigamento de crianças,

adolescentes e adultos ao longo de 2013.

Das 54 (cinqüenta e quatro) unidades que compõem o Sistema Penitenciário do

Estado do Rio de Janeiro, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do

Rio de Janeiro visitou: Penitenciária Lemos de Brito; Penitenciária Alfredo Tranjan;

Instituto Penal Vicente Piragibe; Penitenciária Talavera Bruce; Hospital de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho; Presídio Evaristo de Moraes; Cadeia Pública

Romeiro Neto (Bangu III); Instituto Penal Ismael Pereira Sirieiro; Instituto Penal

Edgard Costa; Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, Presídio Nelson Hungria; Casa

do Albergado Crispim Ventino; Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho; Penitenciária

Esmeraldino Bandeira, Cadeia Pública Patricia Acioli; Cadeia Pública Bandeira

Stampa; Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo.

No que tange ao Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro, foram

visitadas apenas unidades de cumprimento de medidas socioeducativas de internação e

internação provisória, quais sejam: Escola João Luiz Alves; CENSE Dom Bosco;

Educandário Santo Expedito; CENSE Gelso de Carvalho Amaral; CENSE Professor

Antônio Carlos Gomes da Costa; e CAI Baixada. Importante destacarmos que, embora a

medida socioeducativa de semiliberdade seja, assim como a internação, medida

privativa de liberdade, no ano de 2013 não houve nenhuma visita a unidades próprias

4 Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Regimento Interno do Mecanismo Estadual de

Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.

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para o seu cumprimento, por razões de priorização por parte da equipe do Mecanismo

Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, devido à maior

gravidade de violações perpetradas nas unidades de internação.

Em relação à rede de atenção à saúde mental, realizou-se visitas de

monitoramento em unidades conhecidas como comunidades terapêuticas, destinadas ao

atendimento de dependência químicas a partir de métodos polêmicos, como veremos no

decorrer deste relatório. As unidades visitadas foram Instituto Aldeia Gideão e Centro

de Recuperaçãp para Dependentes Químicos Associação Amor & Vida (CREDEQ),

Centro Regional de Atendimento de usuários de Álcool e outras Drogas (CARE AD

Campo Grande, Obra Social Nossa Senhora da Glória- Sítio Liberdade Teresópolis.

Em relação às unidades de abrigamento, foram visitadas as Centrais de

Recepção para crianças e adolescentes no município do Rio de Janeiro, Central de

Recepção Taiguara e Central de Recepção Adhemar Ferreira de Oliveira. Da mesa

forma, em visitas conjuntas com outras instituições parceiras, o MEPCT/RJ participou

de visita à Casa Viva Bonsucesso abrigo especializado para atendimento a crianças e

adolescentes que, supostamente, sejam dependentes de alguma droga. Por fim, o

MEPCT/RJ realizou visita ao abrigo Rio Acolhedor, da Prefeitura do Rio de Janeiro,

abrigo destinado a pessoas em situação de rua e que são alvo das operações de

recolhimento da prefeitura da capital.

I.3.3 - Dos Relatórios

Todas as visitas identificadas no item acima geraram relatórios. Algumas das

unidades mencionadas foram visitadas pela primeira vez, gerando, para tanto, relatório

de visita regular, em outras foram realizadas visitas de seguimento e também foram

realizadas visitas temáticas e de apuração de denúncias recebidas.

No ano de 2013, o MEPCT/RJ realizou inúmeras visitas temáticas a unidades do

sistema prisional para a elaboração do Relatório Temático sobre a Progressão de

Regime do Sistema Prisional do Rio de Janeiro, lançado em 27 de setembro. Seu

objetivo foi a realização de diagnóstico sobre a cumprimento do disposto na Lei de

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Execuções Penais por parte do estado do Rio de Janeiro, bem como indicar propostas de

melhoria no sistema de progressão do regime de cumprimento de pena. As principais

constatações serão apresentadas mais adiante.

Ainda em 2013, houve a elaboração de relatório temático sobre as comunidades

terapêuticas. Diante de inúmeras denúncias recebidas acerca de tortura, maus tratos e

outras irregularidades que ocorriam em instituições de cunho religioso que se dedicam

ao tratamento de dependentes químicos, o MEPCT/RJ, junto com instituições parceiras

que compõe o CEPCT, realizou visitas e, conjuntamente com estas instituições,

elaborou o referido relatório temático.

I.3.4 - Da Participação em Cursos de Capacitação e Formação

Como já vinha acontecendo em 2012, o MEPCT/RJ foi novamente convidado a

participar dos cursos de formação para servidores do Departamento Geral de Ações

Socioeducativas (DEGASE), ministrando o módulo “Prevenção e Combate à Tortura”.

Importante registrar que em 2013, para além dos cursos de formação continuada dos

servidores, houve a realização de um grande concurso público de seleção para agentes

socioeducativos e equipes técnicas, e que este concurso público contava com a

realização de um curso de formação como uma das etapas do processo seletivo. Estas

aulas se deram ao longo do ano, tendo sido ministradas nos municípios do Rio de

Janeiro, Teresópolis, Nova Iguaçu, Niterói, Volta Redonda e Macaé.

I.3.5 - Das Audiências Públicas

O MEPCT durante o ano participou diretamente de quatro audiências públicas

convocadas pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ.

Em maio foi realizada audiência pública com o objetivo de debater a questão

da saúde no sistema penitenciário. Em junho ocorreu audiência pública em que se

discutiu sobre o tema da política estadual de prevenção ao uso de álcool e outras drogas,

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discorrendo-se a respeito das inspeções realizadas nas comunidades terapêuticas

financiadas pelo governo do Estado.

Já no mês de novembro de 2013, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e

Cidadania da ALERJ realizou duas Audiências Públicas em parceria com o MEPCT/RJ,

sobre a atual situação do Sistema Socioeducativo, realizada em 5 de novembro, e sobre

o relatório temático sobre a progressão de regime no sistema prisional, realizada em 29

de novembro.

I.3.6 - Do Regimento Interno do MEPCT/RJ

Após dois anos de funcionamento, o MEPCT/RJ encerra o ano de 2013 com o

seu Regimento Interno aprovado pelos seus membros, restando apenas a publicação do

mesmo no diário oficial pendente. Foram realizados encontros específicos ao longo do

ano para tratar deste documento, com leitura coletiva das propostas de redação do

Regimento, conforme definido no Planejamento Institucional do MEPCT/RJ em agosto

de 2013.

I.3.7 - Do Seminário Anual

Nos dias 31 de outubro e 1° de novembro, o MEPCT/RJ, em parceria com o

CEPCT/RJ, com a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e a

OAB-RJ, realizou o II Seminário Os Desafios para o Enfrentamento à Tortura.

O Seminário foi estruturado em cinco painéis, com temas definidos previamente

e contou com a participação de renomados profissionais e pesquisadores. Todo o evento

foi gravado em vídeo, que em breve será disponibilizado para consultas na internet.

I.3.8 - Do Fundo Especial do OPCAT

Por fim, vale salientar que em 2013, o Mecanismo foi agraciado por ter sido

selecionado em edital do Escritório de Direitos Humanos do Alto Comissariado das

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Nações Unidas. O referido edital decorre do fundo especial para implementação do

Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da ONU e destina-se a apoiar

mecanismos e comitês de prevenção pelo mundo. O projeto apresentado pelo

Mecanismo terá execução de 4 meses e prevê a realizações de eventos, cartilhas,

campanhas e criação de sitio na internet.

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II – PANORAMA NACIONAL E INTERNACIONAL

II.1 - Panorama Internacional do OPCAT

Importantes documentos adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas,

como a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos

ou Degradantes5 e Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes6, aprovados em 1984 e 2002

respectivamente estão em constante processo de consolidação de seus propósitos.

Atualmente 70 países já ratificaram o Protocolo Facultativo à Convenção e os Estados-

Parte vem gradativamente criando seus Mecanismos Preventivos Nacionais (MPN).

Atualmente, segundo dados da APT, há 51 MPNs designados.

Estados Partes OPCAT MPN Designados

Fonte: Associação para Prevenção à Tortura.

No que se refere à ratificação dos Estados-Partes ao OPCAT, podemos

visualizar que a grande maioria destes estão situados no continente europeu e na

5 Aludindo o artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 7 do Pacto Internacional dos Direitos

Civis e Políticos, que estabelecem que ninguém será submetido à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos

ou degradantes, e levando em consideração a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e

outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral em 9 de dezembro

de 1975. 6 A partir da próxima citação, será chamado apenas de Protocolo Facultativo ou OPCAT.

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América Latina. O Brasil aparece no gráfico como órgão designado devido à legislação

recentemente adotada, porém o mecanismo nacional ainda não foi implementado.

No tocante à América Latina, catorze países já haviam ratificado o Protocolo

Facultativo: Argentina. Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala,

Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.

Inúmeras ações vem sendo realizadas pelos representantes do Subcomitê de

Prevenção à Tortura (SPT), pela sociedade civil e parlamentares para a implementação

destes documentos. Muitos eventos são realizados com intuito de discutir a criação de

Mecanismos Nacionais e o fortalecimento dos órgãos já existentes de modo que a luta

contra à tortura tenha ferramentas também institucionalmente fortalecidas e em pleno

funcionamento.

No ano de 2013 o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do

Rio de Janeiro participou de importantes eventos internacionais que discutiram os

diversos aspectos da prevenção à tortura em caráter mundial e regional.

Em 21 de fevereiro de 2013 o MEPCT/RJ foi convidado a estar presente em uma

reunião do Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) da Organização das Nações Unidas

(ONU) em Genebra, Suíça. Nesta oportunidade, o Mecanismo apresentou aos

comissionados informações sobre sua atuação nos espaços de privação de liberdade do

estado do Rio de Janeiro, mais especificamente sobre as ações realizadas junto as presas

e presos provisórios.

Durante a reunião o Mecanismo ressaltou que após uma série de ações da

sociedade civil e de Parlamentares denunciando as más condições das carceragens das

Delegacias de Polícia, o Governo do Estado do Rio de Janeiro assumiu um

compromisso público de gradativamente fechar todas as carceragens e transferir a

custódia temporária de todos os presos para a Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), mas apesar de ser considerado um avanço em

direção à extinção das prisões tradicionais certamente este ato resultou no agravamento

da superlotação nas unidades prisionais. Aliado ao fechamento das carceragens seria

fundamental a construção de novas unidades de custódia, as chamadas cadeias públicas

e a urgente ampliação da concessão de medidas alternativas à privação da liberdade.

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Os comissionados que haviam visitado o Brasil em setembro de 2012

perguntaram especificamente sobre a condição do Presídio Ary Franco, uma das

unidades visitadas pelo grupo durante sua passagem pelo Rio de Janeiro. Na época da

visita os membros do SPT recomendaram expressamente pelo fechamento desta

unidade devido a condição desumana em que se encontram os homens ali

“provisoriamente” encarcerados, esta era a unidade que recebia todos os presos, era a

chamada “porta de entrada”. Infelizmente o Mecanismo comunicou aos comissionados

que a referida unidade continua em funcionamento abrigando um número entorno de

1600 homens, quando sua capacidade é para 950. Contudo o Mecanismo informou que

após a visita do SPT, em setembro de 2012, e também de uma Audiência Pública

realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em 17 de abril de

20127, a SEAP deslocou a entrada dos presos para Penitenciária Alfredo Tranjan

(Bangu II), dando a estes uma condição menos gravosa.8

O Mecanismo considerou muito importante a oportunidade de estar presente em

uma reunião ordinária do Subcomitê e poder relatar pessoalmente dados colhidos a

partir de sua experiência cotidiana. Considerando que os comissionados não tem

condições de realizar visitas mais regulares aos países é fundamental que se aproveitem

estes convites para informa-los sobre as violações cometidas contra as pessoas privadas

de liberdade no estado do Rio de Janeiro.

Ainda em 2013 o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do

Rio de Janeiro participou das “Primeras Jornadas Sobre La Prevención de La Tortura

Em Cono Sur” realizada entre 14 e 16 de agosto em Buenos Aires, Argentina. O

encontro ocorreu durante a celebração do vigésimo aniversário da Procuración

Penitenciaria de la Nación e a entrada em vigor da lei que estabelece o Sistema

Nacional de Prevenção à Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e

Degradantes (Lei n. 26.827) da Argentina.

7 Audiência Pública sobre “Superlotação e Saúde no Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro” realizada na

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 17 de abril de 2012. 8 Neste momento os presos do sexo masculino tem entrado no Sistema Prisional carioca pela Cadeia Pública Patrícia

Acioli, no recém inaugurado Complexo Penitenciário de Guaxindiba, localizado no município de São Gonçalo.

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Esta atividade foi realizada com o objetivo de promover uma análise da situação

sobre os principais desafios para prevenção da tortura no cone sul, reconhecendo

semelhanças e diferenças e, ao mesmo tempo, proporcionar um fórum para o

intercâmbio de conhecimentos, experiência e cooperação regional entre os participantes.

Estiveram presente além de representantes do Brasil, representantes da Argentina,

Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile e Peru.

Durante as oficinas de discussão foi possível trocar experiências sobre desafios

considerados estruturantes na luta contra tortura tais como a impunidade seletiva, a

cultura punitiva e a ausência de políticas públicas de direitos humanos, sobretudo para

as pessoas privadas de liberdade. No âmbito social foi debatido que apesar das

regionalidades, em todos os países presentes, a maior parte da sociedade legitima a

tortura como uma prática justificável. E neste sentido é bom que ressaltemos que as

pessoas em situação de pobreza são aquelas identificadas como torturáveis em qualquer

país da América Latina. Sendo o encarceramento ainda maior de populações indígena,

negra, LGBTT e mulheres.

O caráter militarizado e a cultura da violência também foram tema da discussão

que nos possibilitou reconhecer que a corrupção nas unidades prisionais, suas péssimas

condições estruturais, o escasso acesso a assistência judiciária e ausência de

qualificação profissional e condições de trabalho não são problemas exclusivos das

prisões brasileiras. É possível afirmar que o modelo de prisão legitimado por maioria

absoluta da sociedade latino americana e mundial está totalmente falido.

A troca de experiências possibilitou também a elaboração de algumas estratégias

tais como garantir um processo de investigação eficaz sobre as denúncias de tortura

ocorridas no cárcere; criação de mecanismos efetivos de proteção as vítimas;

sensibilização da opinião pública e atores políticos; fomentar o debate sobre a percepção

de que a segurança pública e garantia de direitos humanos de pessoas privadas de

liberdade devem dialogar através da formação de quadro de profissionais capacitados,

estabelecimento de protocolos e uma gestão administrativa participativa, entre outras

estratégias.

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Além dos representantes do estado do Rio de Janeiro estiveram presentes na

Jornada os estados de Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, São Paulo e da

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Como o Rio de Janeiro é

o único estado que possui um Mecanismo Preventivo em funcionamento foi solicitado

que o MEPCT/RJ fizesse uma fala expondo sua experiência ao longo dos dois anos de

trabalho, tendo sido bastante enriquecedor para o Mecanismo poder expor suas

dificuldades, pequenas vitórias e, sobretudo ouvir as impressões e questionamentos dos

demais participantes.

Na mesma linha, nos dias 1, 2 e 3 de outubro, o MEPCT/RJ esteve presente no

Seminário “Políticas y Estrategias para Prevenir a Tortura”, realizado pelo Mecanismo

Nacional de Prenção à Tortura do Paraguai, em Assunção, Paraguai.

A referida participação foi de grande contribuição para a troca de experiências

entre os dois mecanismos preventivos e algumas agências do sistema ONU. O

Seminário contou com ampla participação da sociedade civil local e de alguns órgãos

governamentais.

Ainda dentro da programação do seminário, o representante do MEPCT/RJ pôde

participar do Planejamento Institucional do Mecanismo paraguaio, espaço em que

ocorreu rica troca de experiâncias e formulação de estratégias metodológicas de grande

relevância, uma vez que juitos são os problemas semelhantes entre os dois países no que

tange ao tratamento de suas pessoas privadas de liberdade.

II.2 - Os desafios para implementação do OPCAT no Brasil

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro que

completa neste mês de dezembro dois anos e meio ainda é o único em funcionamento

no país. Entende-se que para a eficaz prevenção à tortura nos locais de privação de

liberdade é necessária a implementação e o funcionamento dos mecanismos tanto no

âmbito dos estados quanto o mecanismo nacional. O MEPCT destaca como prioridade

para o próximo ano o início das atividades do Mecanismo Nacional de Prevenção e

Combate à Tortura, bem como os das unidades federativas.

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O MEPCT-RJ ainda como experiência única no país tem priorizado em suas

ações fomentar o debate acerca da ampliação dos comitês e mecanismos pelo país. O

MEPCT tem atuado em eventos temáticos, seminários, audiências públicas, seja para

divulgar sua experiência como para debater a importância da adoção do Plano de Ações

Integradas para Prevenção e Combate à Tortura no Brasil.

O Brasil conta hoje com comitês estaduais de prevenção e combate à tortura em

dezesseis estados: Acre, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Santa

Catarina, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Espírito

Santos, Rio de Janeiro, sendo que estes últimos cinco possuem legislação específica

sobre a criação destes órgãos9.

IMPLEMENTAÇÃO DO OPCAT NAS UFs DO BRASIL

Legenda: Azul- Possui comitê; Verde- Possui legislação; Vermelho- Possui mecanismo.)

9 “Apenas 16 estados tem comitês de combate e prevenção à tortura” Disponível em:

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-10/apenas-16-estados-tem-comites-de-combate-e-prevencao-tortura

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O grande marco político no ano de 2013 no que se refere ao tema foi a

aprovação em agosto deste ano da Lei 12847 de 02 de agosto de 201310

que institui o

Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Esta legislação, fruto de intenso

debate há anos no campo de direitos humanos, representa uma possibilidade histórica do

Brasil ao enfrentamento a estas práticas violentas, cinco anos depois após a ratificação

do Protocolo Facultativo da ONU contra a Tortura.

De acordo com o texto da referida lei, o SNPCT é formado pelo Comitê

Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), Mecanismo Nacional de

Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária e órgão do Ministério da Justiça responsável pelo sistema penitenciário

nacional, podendo ser integrada ainda por mecanismos e comitês estaduais, órgãos do

sistema de justiça e conselhos de direitos.

O mecanismo nacional contará com 11 membros escolhidos a partir de processo

seletivo do CNPCT, este por sua vez contará com 23 representações institucionais,

sendo 11 de órgãos do executivo federal e 12 representantes de organizações da

sociedade civil e conselhos profissionais. Espera-se que a composição destes órgãos

leve em conta a heterogeneidade das áreas temáticas referentes aos locais de privação de

liberdade e assegure a pluralidade regional do país. Quanto à composição do MNPCT

não há a menção, ao contrário da Lei fluminense Nº5778/10 e OPCAT, acerca do

equilíbrio de gênero, étnico e de caráter interdisciplinar, o que entendemos que deva se

levar em conta no processo seletivo pois visa garantir a diversidade na sua

representação.

O passo fundamental a ser dado para efetivação do sistema é o estabelecimento

de um processo amplo e participativo na seleção dos membros do mecanismo nacional e

dos órgãos que vão compor o CNPCT nos moldes deste marco legal. Além disso, é

fundamental que se assegure ao MNPCT a dotação e execução orçamentária própria,

fatores imprescindíveis para garantir a independência dos mandatos.

10 Lei 128347 de 02 de agosto de 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2013/Lei/L12847.htm

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Durante o ano em apreço, podemos destacar algumas importantes iniciativas no

que se refere à adoção do OPCAT no Brasil no qual o MEPCT participou. Em

dezembro do ano passado, no auditório da OAB foi realizado no Rio de Janeiro foi

realizado o encontro “Prevenindo a tortura no Brasil: o papel dos mecanismos

estaduais de monitoramento”. Organizado pela Associação para Prevenção à Tortura

(APT) e OAB/RJ o evento contou com representação de onze UFs com ênfase na

discussão sobre como implementar comitês e mecanismos nos estados brasileiros.

Em março de 2013, o MEPCT participou de audiência pública sobre a criação do

marco legal de criação do sistema estadual de prevenção e combate à tortura na

Assembleia Legislativa de Minas Gerais11

. Em maio, o MEPCT foi convidado para falar

de sua experiência no âmbito do debate sobre o marco legal nacional através da

Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.

Neste contexto, a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal organizou

em maio o I Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos entre os dias 11,12 e 13 de

maio. O evento contou com notável contribuição dos estados que possuem comitês de

combate à tortura e aqueles em fase de estabelecimento destes órgãos, além do comitê

nacional. O MEPCT-RJ esteve na coordenação da oficina “Elaborando relatórios e a

importância dos dados”, abordando a importância da uniformidade dos documentos e

monitoramento das unidades e acompanhamento das recomendações.

No estado da Paraíba onde se tem marco legal, o MEPCT esteve presente no “I

Seminário de Prevenção e Combate à Tortura” daquele estado no sentido de fomentar a

criação do Mecanismo.12

O MEPCT entende como positiva a movimentação dos estados e governo federal

no sentido de implementar órgãos de monitoramento dos locais de privação de liberdade

nos moldes do OPCAT. A aprovação do marco regulatório nacional representa um

enorme avanço na coibição das práticas de tortura e maus tratos. Todavia, conforme

11 O estado de Minas Gerais embora não dispõe de um comitê de combate à tortura é um dos estados que vem

participando ativamente dos encontros para implementação do OPCAT. Contudo, entendemos que o sistema estadual

mineiro possa contemplar ampla participação da sociedade civil e possa garantir independência dos mandatos do

mecanismo. 12

“Comitê estadual realiza 1º seminário de prevenção e combate à tortura na Paraíba.” Disponível em:

http://www.prpb.mpf.mp.br/news/comite-estadual-realiza-1o-seminario-de-prevencao-e-combate-a-tortura-na-paraiba

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destacamos, é imprescindível que em 2014 o mecanismo nacional e bem como os

mecanismo nas unidades de federação entrem em funcionamento, ressaltando a

necessidade de um processo de escolha amplo que possa contemplar a diversidade das

representações que atuam na defesa dos direitos humanos das pessoas privadas de

liberdade.

O MEPCT, então, aguarda ansiosamente pela instalação do segundo mecanismo

de combate à tortura no país já para o primeiro semestre do próximo ano que possa se

somar às ações já realizadas no enfrentamento a esta prática.

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III - SISTEMA ESTADUAL DE PREVENÇÃO À TORTURA

III.1 - SISTEMA PRISIONAL E CARCERÁRIO

O sistema penitenciário do Rio de Janeiro padece de problemas estruturais.

Atualmente o estado possui cerca de 35.000 presos, segundo números atualizados pelo

Subsecretário de Tratamento Penitenciário, Márcio de Souza, em Audiência Pública

realizada na ALERJ no dia 29/11/13.

Não obstante a inauguração de duas novas unidades prisionais em Guaxindiba,

São Gonçalo, no presente ano, o Rio de Janeiro ainda possui um déficit de cerca de

10.000 vagas em seu sistema prisional.

Este tópico será subdividido na análise dos seguintes temas: 1 – Carceragens da

Polícia Civil; 2 - A Progressão de Regime de Cumprimento de Pena; 3 – Privatização

do Sistema Penitenciário; 4 – Saúde no Sistema Penitenciário.

III.1.1 – CARCERAGENS DA POLÍCIA CIVIL

O Rio de Janeiro, assim como outros estados, realizava a custódia da maioria de

seus presos provisórios em delegacias ou carceragens da Polícia Civil. A partir de 2010,

decorrente de um longo debate acerca dos direitos humanos das pessoas privadas de

liberdade, o Governo do Estado realizou gradativamente a transferência da população

custodiada nas dependências das carceragens da Polícia Civil para unidades prisionais

da SEAP. Em 2012, foi noticiada a desativação definitiva destas carceragens policiais.

A manutenção de presos provisórios era feita em delegacias pertencentes à

Polícia Interestadual (POLINTER) do Departamento Geral de Polícia Especializada

(DGPE), pertencente à Polícia Civil, vinculada à Secretaria de Estado de Segurança

Pública.

Vale destacar que nas carceragens, a realidade corriqueira era de superlotação e

descumprimento de direitos e garantias fundamentais do preso, como visita íntima,

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assistência médica adequada, condições mínimas de higiene e salubridade, bem como

atividades laborativas e educacionais, fato que não se coaduna com as garantias

dispostas na Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984). Ademais, comumente a

estrutura física das unidades era incompatível com as condições necessárias para a

custódia de presos. Em linhas gerais, constatava-se que os presos custodiados em

carceragens conviviam em condições mais aviltantes do que os internos situados em

unidades prisionais.

Além disso, a ocorrência de inúmeros relatos de tortura nestes locais, que sequer

contam com equipe de profissionais para a esfera de complexidade exigida. Sem contar

a atribuição da Polícia Civil de investigar crimes cuja competência no tratamento de

adultos privados de liberdade é da administração penitenciária.

A desativação das carceragens, apesar de ser considerado um avanço para os

espaços de privação de liberdade do Rio de Janeiro, sem dúvida agravou o déficit de

vagas nas unidades prisionais. Assim, com o esvaziamento das carceragens da polícia a

Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) passa a ter agravado o problema da

superlotação. Para se ter uma ideia, à época com a desativação das carceragens, cerca

de cinco mil presos custodiados nestes espaços foram transferidos para unidades da

SEAP.

Vale dizer, que há recomendação expressa de que a custódia realizada em

instalações da Polícia Civil não pode extrapolar o prazo de 24h, conforme se pode

observar nas disposições do Plano de Ações Integradas para Prevenção e o Combate à

Tortura no Brasil da Secretaria de Direitos Humanos13

.

Esta inadequação se deve ao fato de que a investigação que embasa qualquer

inquérito policial é feita pela Polícia Civil, o que compromete a observância do

princípio do devido processo legal, consagrado no art. 5º, LIV da Constituição Federal

de 1988. Esse quadro dá margem a investigações pautadas num perfil confessional e

13 Recomendação Nº 7 do Plano de Ações Integradas para Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil da Secretaria

de Direitos Humanos : “Evitar que as pessoas legitimamente presas em flagrante delito sejam mantidas em delegacias

de polícia além de 24 horas necessárias para obtenção de um mandado judicial de prisão provisória, evitando também

que qualquer prisão seja cumprida em delegacia, mesmo que seja ela uma prisão provisória”.

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inquisitório, fato que agrava os riscos de tortura e tratamentos degradantes como meio

de obtenção de informações.

No intuito de verificar o quadro da desativação, o MEPCT realizou visitas a duas

unidades policiais, a 73º Delegacia Policial situada em Neves no município de São

Gonçalo e a DC POLINTER situada no Grajaú. Nas referidas inspeções, pôde-se

observar que os locais onde se situavam as carceragens não havia nenhum vestígio

acerca daqueles espaços ainda receberem presos. No Grajaú, por exemplo, no espaço

das antigas celas havia acúmulo de entulhos e objetos inutilizados como mesas e

cadeiras em um cenário empoeirado.

Ainda no âmbito da Polícia Civil, foi visitada a especializada Delegacia

Antissequestro (DAS) situada no Leblon. Foi observado que esta unidade policial

mantém um efetivo, embora pequeno, de pessoas privadas de liberdade. As carceragens

são relativamente pequenas, recebendo também presas do sexo feminino embora haja

uma divisão entre estas espécies de galerias. Segundo informações, as pessoas presas na

DAS, algumas há meses e anos, estão no local devido à investigação de crimes de

sequestro ou por decisão judicial em que há determinada o cumprimento da pena

naquele espaço. Houve na ocasião, muitas reclamações dos apenados quanto a

informações sobre sua situação processual.

O MEPCT reforça, conforme apontado em documentos anteriores, que a Polícia

Civil não faça a administração de presos e recomenda que a DAS deixe de manter em

suas dependências pessoas em cumprimento de pena.

III.1.2 - ANÁLISE DA PROGRESSÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO

DE PENA

No campo dos direitos do condenado, a Lei de Execução Penal, traz em seu art.

41, um importante rol que reconhece juridicamente o apenado como sujeito de direitos,

reafirmando a progressão de regime insculpida no Código Penal, e trazendo importantes

disposições no que se refere ao trabalho, à educação e às saídas temporárias.

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Entretanto, significativa parte dos direitos e garantias inerentes à pessoa privada

de liberdade são açambarcados por uma realidade de exponencial aumento do

encarceramento, decorrente do acirramento das contradições sociais a partir dos anos 90

com a adoção de políticas de ajuste neoliberais.

O Brasil tem apresentado um expressivo aumento de sua população prisional.

Entre 1995 (148.760) e 2011 (514.582) a população de encarcerados no Brasil cresceu

345,91%. De 95 presos para cada 100mil habitantes (1995) a proporção demográfica

subiu para 269,79 para cada 100mil habitantes (2011). Tal crescimento é ainda mais

assustador se comparado com a taxa de crescimento da população brasileira. Entre 2001

e 2011 a população brasileira cresceu 9,32% enquanto, no mesmo período, a população

carcerária do Brasil cresceu 120,03%.

Esta hipertrofia gerou como consequência um quadro de superlotação. Segundo

dados de dezembro de 2011, o Brasil tem 306.497 vagas no sistema prisional e abriga

uma população carcerária de 514.582, fato que corresponde a uma superlotação de 68%

além da capacidade do sistema, afrontando flagrantemente os princípios da legalidade,

da humanidade e da dignidade da pessoa humana consagradas na Carta Magna de 1988.

O tema da progressão de regime foi objeto de relatório temático do MEPCT/RJ que

teve o fulcro de analisar as mazelas da denominada “porta de saída” do sistema

penitenciário. Neste item será abordado o panorama das unidades prisionais do Rio de

Janeiro, bem como determinados entraves à progressão de regime, como o exame

criminológico, as sanções disciplinares, as autorizações de saída, o trabalho e a

educação, livramento condicional, monitoramento eletrônico, prisão albergue

domiciliar, e por fim, as conclusões deste tópico.

a) Panorama atual das Unidades Prisionais do Estado Rio de Janeiro

O Estado do Rio de Janeiro possui 54 unidades prisionais, para atender à

população prisional de mais de 34.000 internos. Entretanto, a ampla maioria dos

estabelecimentos destina-se ao regime fechado. Ademais, contrariando claramente

disposições do art. 33 do Código Penal e Título IV da Lei de Execução Penal, a maioria

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dos presos em regime semiaberto cumpre a sanção penal em unidades típicas de

cumprimento de pena em regime fechado, ou seja, unidades de segurança média ou

máxima. Em todo o Estado há 10 unidades destinadas ao regime semiaberto, porém

apenas 1 colônia agrícola ou industrial, como exige o ordenamento jurídico-penal. A

mesma debilidade observa-se no cumprimento de pena no regime aberto, visto que há

apenas 6 unidades de regime aberto, entretanto, apenas 1 casa de albergado masculina e

1 casa de albergado feminina.

Abaixo segue quadro dispondo as unidades prisionais, por nome, endereço,

capacidade máxima, efetivo atual e regime de cumprimento de pena a que se destina14

.

UNIDADES ISOLADAS

Nome Endereço

Capacidade Efetivo Regime de

Cumprimento de

pena/medida de

segurança

Hospital de

Custódia e

Tratamento

Psiquiátrico Heitor

Carrilho

Frei Caneca, Nº. 401/

Fundos- Bairro Estácio

De Sá

Não está

recebendo

pacientes

78 Medida de

Segurança

Masculino e

Feminino

Presídio Evaristo

de Moraes

Rua Bartolomeu De

Gusmão, 1100 –

Fundos – São

Cristóvão

1.437 1.346 Regime Fechado

e Provisório

Masculino

Instituto Penal

Cândido Mendes

Rua Camerino, Nº. 41

– Centro

279 173 Semiaberto

Masculino

14

Dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária em 18/06/2013.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

30

Patronato

Magarinos Torres15

Rua Célio Nascimento,

S/Nº- Bairro Benfica

- - Liberdade

Condicional (LC),

Sursi, Prisão

Albergue

Domiciliar

(PAD), Prisão

Albergue

Domiciliar

Monitorada

(PADM),

Limitação de

Final de Semana

(LFS) e Prestação

de Serviços a

Comunidade

(PSC).

Casa do

Albergado

Crispim Ventino

Rua Célio Nascimento,

S/Nº- Bairro Benfica

362 215 Aberto

Masculino

Instituto penal

Oscar Stevenson

Rua Célio Nascimento,

S/Nº- Bairro Benfica

284 270 Aberto e

Semiaberto

Feminino

Presídio Ary

Franco

Rua Monteiro Da Luz-

S/N – Agua Santa

143716

1346 Fechado e

Provisório

Masculino

15

Unidade destinada apenas ao controle do livramento condicional, prisão albergue domiciliar e penas

restritivas de direitos. 16

Em documentação fornecida pela SEAP em 18 de junho de 2013 fora informada a capacidade de 1437

vagas no Presídio Ary Franco, entretanto, em visita realizada pelo MEPCT/RJ em 24 de julho de 2012 o

então Diretor Fábio Luiz Sobrinho, informou a capacidade de 958 vagas, conforme consta do relatório do

MEPCT/RJ na forma do Ofício 075/12.

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31

Cadeia Pública

Cotrim Neto

Rua Florença, S/Nº - Jd-

Belo Horizonte Eng-

Pedreira Bairro:

Marajoara – Japeri

750 1141 Provisório

Masculino

Penitenciária

Milton Dias

Moreira

Rua Florença, S/Nº - Jd-

Belo Horizonte Eng.

Pedreira – Japeri

792 945 Provisório

Masculino

Presídio João

Carlos da Silva

Rua Florença, S/Nº - Jd-

Belo Horizonte Eng-

Pedreira – Japeri

884 1184 Provisório

Masculino

Cadeia Pública

Franz de Castro

Holzwarth

Rodovia Dos

Metalúrgicos, S/Nº-

Bairro Roma - Volta

Redonda

302 285 Provisório

Masculino

UNIDADES DE NITERÓI E INTERIOR

Nome Endereço Capacidade Efetivo Regime

Casa do Albergado Cel. PM

Francisco Spargoli Rocha

Rua Desidério De Oliveira

S/Nª -Centro - Niterói

250 106 Aberto

Masculino

Instituto Penal Edgard

Costa

Rua São João, Nº. 372 -

Centro- Niterói

423 411 Semiaberto

Masculino

Penitenciária Vieira

Ferreira Neto

Alameda São Boaventura,

Nº. 773 Fonseca –Niterói

218 207 Fechado

Masculino

Instituto Penal Ismael

Pereira Sirieiro

Alameda São Boaventura,

Nº. 773 Fonseca –Niterói

380 518 Semiaberto

Masculino

Hospital Penal de Niterói17

Avenida Alameda São

Boaventura, Nº. 773 –

Fonseca

-

-

Hospital

Masculino

e Feminino

17

Número de leitos e total de internos não informado pela SEAP.

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32

Hospital de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico

Henrique Roxo

Rua Professor Heitor

Carrilho, S/Nº- Centro-

Niterói

140 97 Medida de

Segurança

Masculino

Colônia Agrícola Marco

Aurélio Vergas Tavares de

Mattos

Rua Francelina Ullmann,

S/Nº- Bairro Do Saco –

Magé

146 111 Semiaberto

Masculino

Cadeia Pública Hélio

Gomes

Rua Francelina Ullmann,

S/Nº- Bairro Do Saco –

Magé

504 728 Provisório

Masculino

Cadeia Pública Romeiro

Neto

Estr. Rio Bonito, S/Nº-

Bairro – Saco / Magé

606 1328 Provisório

Masculino

Presídio Diomedes Vinhosa

Muniz

Avenida Zoello Sola,

Nº100 - Bairro Frigorífico,

Itaperuna

455 642 Provisório,

Fechado,

Semiaberto e

Aberto

Masculino

Cadeia Pública Dalton

Crespo de Castro

Estr. De Santa Rosa, S/Nº-

Bairro Codin- Campos

500 778 Provisório

Masculino

Presídio Carlos Tinoco da

Fonseca

Estr. De Santa Rosa, S/Nº--

Bairro Codin – Campos

842 1319 Provisório,

Fechado,

Semiaberto e

Aberto

Masculino

Presídio Nilza da Silva

Santos

Av. Quinze De Novembro

Nº 501 Centro – Campos

205 228 Provisório

Fechado

Semiaberto

Aberto

Feminino

Cadeia Pública Juíza

Patrícia Lourival Acioli

Guaxindiba – São Gonçalo 616 450 Provisório

Masculino

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Cadeia Pública Isap Tiago

Teles de Castro

Domingues18

Guaxindiba – São Gonçalo 616 - Provisório

Masculino

UNIDADES DO COMPLEXO DE GERICINÓ

18

Unidade ainda não inaugurada. Segundo informado pela SEAP em reunião realizada em 16 de

setembro de 2013, a previsão de inauguração é para o mês de outubro.

Nome Endereço Capacidade Efetivo Regime

Hospital Dr. Hamilton

Agostinho Vieira de

Castro / UPA

Complexo de Gericinó 80 / 13 74 Hospital

Masculino e

Feminino

Hospital Penal Psiquiátrico

Roberto Medeiros

Complexo de Gericinó 121 84 Hospital

Psiquiátrico

Masculino e

Feminino

Sanatório Penal Complexo de Gericinó 110 38 Hospital

Masculino

Instituto Penal Plácido de

Sá Carvalho

Complexo de Gericinó 1.468 1.407 Semiaberto

Masculino

Penitenciária Alfredo

Tranjan

Complexo de Gericinó 960 1.445 Provisório

Fechado

Masculino

Penitenciária Industrial

Esmeraldino Bandeira

Complexo de Gericinó 991 1.032 Fechado

Masculino

Penitenciária Laércio da

Costa Pelegrino

Complexo de Gericinó 48 38 Provisório

Fechado

Masculino

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34

Penitenciária Moniz Sodré Complexo de Gericinó 1.320 2.133 Fechado

Masculino

Penitenciária Talavera

Bruce

Complexo de Gericinó 410 411

Fechado

Feminino

Creche – Unidade Materno

Infantil

Complexo de Gericinó 20 22

Fechado

Feminino

Instituto Penal Vicente

Piragibe

Complexo de Gericinó 1.444 2.373

Semiaberto

Masculino

Penitenciária Dr. Serrano

Neves

Complexo de Gericinó 668 562 Masculino

Fechado

Penitenciária Jonas Lopes

de Carvalho

Complexo de Gericinó 1.340 1.595 Masculino

Provisório

Fechado

Cadeia Pública Jorge

Santana

Complexo de Gericinó 750 768 Masculino

Provisório

Cadeia Pública Pedro

Melo da Silva

Complexo de Gericinó 750 998 Masculino

Provisório

Presídio Elizabeth Sá Rego Complexo de Gericinó 750 1.144 Masculino

Fechado

Presídio Nelson Hungria Complexo de Gericinó 492 468 Feminino

Provisório

Fechado

Cadeia Pública Paulo

Roberto Rocha

Complexo de Gericinó 750 1.072 Masculino

Fechado

Penitenciária Gabriel

Ferreira Castilho

Complexo de Gericinó 448 532 Masculino

Provisório

Fechado

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35

Instituto Penal Benjamin

de Moraes Filho

Complexo de Gericinó 912 1.429 Masculino

Semiaberto

Penitenciária Joaquim

Ferreira de Souza

Complexo de Gericinó 306 319 Feminino

Provisório

(comum e

federal)

Outros

Penitenciária Lemos Brito Complexo de Gericinó 512 587 Masculino

Fechado

Cadeia Pública Pedrolino

Werling de Oliveira

Complexo de Gericinó 154 117 Masculino

Provisório

Cadeia Pública Bandeira

Stampa

Complexo de Gericinó 540 406 Masculino

Fechado

Cadeia Pública José

Frederico Marques

Complexo de Gericinó 532 627 Masculino

Provisório

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36

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em conjunto com

organizações integrantes do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura -

Justiça Global, Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/RJ) e Pastoral Carcerária

- visitou unidades de regime semiaberto e aberto nos meses de abril e maio de 2013 e o

hospital de custódia e tratamento psiquiátrico que acolhe as pessoas com transtorno

psíquico que já cumpriram medida de segurança em outubro de 2012. Foram as

seguintes unidades: Casa do Albergado Crispim Ventino, Instituto Penal Vicente

Piragibe, Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, Instituto Penal Edgard Costa, Instituto

Penal Ismael Pereira Sirieiro e o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor

Carrilho.

b) Do Exame Criminológico19

O exame criminológico20

foi instituído pela Lei de Execução Penal (LEP)21

em

1984, sua realização deveria fornecer elementos para determinação da individualização

da pena e para a progressão de regime a ser cumprido pelo preso. Por determinação da

LEP cada estado deve criar sua própria regulamentação, desta forma o estado do Rio de

Janeiro criou o Regulamento Penitenciário do Estado de Rio de Janeiro (RPERJ) através

do Decreto Nº 8.897 de 31 de março de 1986. Em 2003 a Lei Nº 10.792 retirou dos

artigos 6° e 112 da LEP a obrigatoriedade de realização do referido exame para a

concessão da progressão de regime. A intenção era que o exame criminológico pudesse

ser somente utilizado para estabelecer a individualização da pena através de um plano

19 O tópico a seguir foi elaborado com base em pesquisa realizada no livro “Cartografia do

Desassossego: o encontro entre os psicólogos e o campo jurídico”, da psicóloga Ana Claudia Camuri e

em MANSUR, Isabel e TRISTÃO, Rafael Barcelos. “Entre o Direito e a Sociologia: Uma abordagem

sobre o Exame Criminológico.” in Escritos Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal:

Homenagem aos Mestres Vera Malaguti e Nilo Batista. Coord. PEDRINHA, Roberta Duboc (obra no

prelo). 20

Michel Foucault em livros como Vigiar e Punir, A verdade e as formas jurídicas e Resumo dos Cursos

do Collège de France, localiza a emergência do procedimento do exame, entre os séc. XVIII e o séc.XIX,

nas sociedades disciplinares, e o entende como uma nova forma de controle social e de produção de

poder-saber e da “verdade”. Este procedimento servirá como meio de fixar ou restaurar a norma e como

matriz das “ciências do homem”, dentre elas: a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise. 21

Lei No.7.210de 11 de julho de 1984, disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm

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37

de tratamento apropriado, contudo não foi o que o Mecanismo Estadual de Prevenção e

Combate à Tortura (MEPCT/RJ) pôde constatar nas visitas realizadas.

O que se observou nas pesquisas, entrevistas e, sobretudo nas visitas às unidades

prisionais é que, apesar da Lei Nº 10.792/03, não tem sido a possibilidade de realizar o

exame criminológico, mas sim a sua solicitação como regra, que tem ocorrido para a

concessão de progressão de regime.

O Mecanismo irá tecer alguns comentários a respeito da sua experiência com o

instituto do exame criminológico durante as visitas realizadas.

Da sua (i)legalidade

O artigo 112 da Lei de Execuções Penais estabelece que quando o preso tiver

cumprido um sexto da pena no regime inicial e ostentar bom comportamento

comprovado pela direção da unidade, terá o benefício de passar para um regime menos

gravoso. Não há qualquer menção sobre a faculdade do exame criminológico. Na

tentativa de sanar as dúvidas quanto a possibilidade de sua realização, a Súmula

Vinculante Nº 26, de 16/12/2009, do Supremo Tribunal Federal (STF) determina que:

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena

por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução

observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de

25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado

preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do

benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo

fundamentado, a realização de exame criminológico (grifo

nosso).

O texto da súmula é claro quando determina que em se tratando de crime

hediondo, ou equiparado, será facultado ao magistrado para seu maior convencimento

solicitar exame criminológico do preso, ou seja, em casos específicos e com farta

fundamentação. A utilização do exame criminológico como regra para concessão de

progressão de regime viola a Lei de Execuções Penais.

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38

E, no caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), temos o exemplo da súmula n°

439, de 3/05/2010, em que: “admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do

caso, desde que em decisão motivada.”

Para Camuri (2012) se, por um lado, essas duas súmulas, incluem um requisito

que o legislador, acertadamente eliminou com as modificações trazidas pela Lei

10.792/2003 (o exame para a progressão de regime), por outro também possibilita que a

decisão da progressão não esteja vinculada ao exame, ou seja, que o juízo da execução

não depende do parecer psicológico ou do exame criminológico.

Muito embora o STF já tenha determinado pela possibilidade da solicitação do

exame, este somente deveria acontecer em casos específicos. Na verdade o que se pôde

observar é que a exigência da realização do exame é mais uma das estratégias de manter

o interno ad eternum em regime fechado como uma forma de responder à parte da

sociedade que acredita que desta forma está segura.22

No regime democrático em que vivemos a prisão deve ser uma restrição

excepcional e não uma regra, a privação da liberdade não pode ser banalizada com fito

de atender ao clamor punitivo de parte da sociedade23

. O respeito ao texto da Lei de

Execuções Penais e mesmo à Súmula Vinculante Nº 26 é fundamental como um dos

limites deste poder punitivo.

A forma como se observou a utilização do exame criminológico durante as visitas

do MEPCT/RJ não condiz com o princípio da legalidade, pois a legislação que o

possibilita não faz qualquer previsão sobre favorecimento à privação da liberdade de

modo que a execução penal torne-se ainda mais penosa ao preso. Os direitos adquiridos

não podem ser suspensos com base em uma previsão de reincidência, os requisitos

necessários a progressão do regime estão previstos em lei, qual sejam, o cumprimento

de parte da pena e o bom comportamento, da forma que se observa hoje haveria ainda

um terceiro requisito, a antecipação de futuras ações criminosas do interno.

22

MANSUR, Isabel e TRISTÃO, Rafael Barcelos. “Entre o Direito e a Sociologia: Uma abordagem

sobre o Exame Criminológico.” in Escritos Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal:

Homenagem aos Mestres Vera Malaguti e Nilo Batista. Coord. PEDRINHA, Roberta Duboc (obra no

prelo). 23

BATISTA, Vera Malaguti. Criminologia e Política Criminal. Passagens. Revista Internacional de

História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: v. 1 n. 2, p. 20-39, jul./dez. 2009.

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39

A continuidade da privação da liberdade do preso, ou ainda a não concessão dos

seus benefícios com base nas informações constantes no exame criminológico fere

ainda os princípios da culpabilidade e da lesividade. O Direito Penal prevê que a

responsabilização deve ser entendida a partir do ato que foi realizado e em que medida

ele atingiu o outro, portanto o que se deve observar é o que se fez e não quem o fez, as

normas jurídicas devem se referir a condutas e não a pessoas. Na medida em que o

exame criminológico é considerado, erroneamente, como um documento que pode

indicar características da personalidade do preso que podem futuramente levá-lo a

reincidência os referidos princípios são desrespeitados.24

Ao ignorar princípios basilares que norteiam o Código Penal Brasileiro, o Estado

legitima a concepção de que estas pessoas seriam “anormais” e “perigosas” e que por

isso não podem obter benefícios legalmente garantidos. A massa carcerária permanece

em sua maioria em “estado de periculosidade permanente”25

. Caracterizado como

“perigoso” é possível punir o preso sem que haja condutas delituosas, apenas a sua

previsibilidade é suficiente para a suspensão de seus direitos.

No livro “Cartografia do Desassossego: o encontro entre os psicólogos e o

campo jurídico”, Ana Claudia Camuri, discute a tensão presente neste campo, por meio

dos jogos de poder-saber existentes entre os operadores do direito e os profissionais da

psiquiatra e da psicologia. O exame é visto como o instrumento pelo qual se consegue a

articulação das estratégias de poder com a formação dos domínios de saber. A autora

conta que durante as entrevistas para sua pesquisa ouvia dos promotores: “o exame

criminológico te dá uma luz sobre aquela pessoa que eu não tenho”. E esta afirmação a

remetia a pergunta de Foucault (1987, p.186)26

: “quem será o Grande Vigia que fará [...]

[o] exame, para as ciências humanas?” Ao longo de todo livro ela problematiza se esse

vigia tem que continuar existindo e se ele tem que ser o psicólogo.

24

MANSUR, Isabel e TRISTÃO, Rafael Barcelos. “Entre o Direito e a Sociologia: Uma abordagem

sobre o Exame Criminológico.” 25

Idem. 26

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 32° edição. Petrópolis: Vozes, 1987.

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40

Da avaliação técnica

A LEP determina a criação da Comissão Técnica de Classificação (CTC), esta

comissão deve ser formada por uma equipe multidisciplinar composta por um

psiquiatra, um assistente social, um psicólogo e dois “chefes de serviço”. O que se pôde

observar nas unidades prisionais visitadas foi que o exame é realizado por assistentes

sociais ou por psicólogos, ou por ambos, e esporadicamente também por psiquiatras que

compõe a equipe técnica da unidade prisional e que estes profissionais acumulam outras

funções a responsabilidade de realização do referido exame.

No exame o interno será avaliado pelos profissionais que deverão expressar em

um documento a possibilidade de o preso voltar ou não a cometer novos crimes. Na

prática, devido a superlotação e as condições precárias de trabalho, a equipe técnica

conversa com o preso por mais ou menos 15 minutos e redige o documento que irá

determinar que ações o preso, ou a presa, realizará futuramente. Caso seja entendido,

durante estes poucos minutos, que a pessoa não vai fugir ou cometer novos crimes ela

poderá vir a receber o benefício da progressão de regime.

Para além da óbvia impossibilidade da equipe técnica prever o futuro dos

internos, as unidades prisionais hoje superlotadas, não fornecem condições para que os

presos demonstrem capacidade e autonomia, são parcos os projetos de escolas, oficinas

profissionais e trabalho extramuros, não há como avaliar o mérito exigido como

condição ao seu progresso. É possível afirmar, portanto que não há condições subjetivas

e nem mesmo objetivas para avaliação dos internos.

A questão da previsão da reincidência criminal é um dos principais motivos que

gera a solicitação do exame, a este respeito Camuri (2012) afirma que não se justifica

essa demanda em função da reincidência não ser um problema psicológico e sim

político e social. A ausência de políticas públicas efetivas dirigidas ao egresso27

para

auxiliá-lo na busca de condições mínimas de sobrevivência, como moradia e trabalho, é

27

Cf.: Art. 26 da LEP.

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41

algo que não pode ser ignorado e que produz como efeito, em muitos casos, o retorno a

pratica de crimes, sendo este um caminho produzido pelo próprio sistema.

Considerando Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil (Resolução

nº 14 de 11/11/1994), resultante da recomendação do Comitê Permanente de Prevenção

do Crime e Justiça Penal da ONU, que estabelece em seu Art. 15 a assistência

psicológica como direito da pessoa presa, o Conselho Federal de Psicologia (CFP)

deliberou uma normativa que regulamenta a atuação dos psicólogos no âmbito do

sistema prisional; trata-se da Resolução CFP 012/201128

. Contudo, em função do estado

do Rio de Janeiro, ter ajuizado ação ordinária contra o Conselho Regional de

Psicologia/RJ e o CFP, por meio de sua Procuradoria Geral, tendo obtido a concessão

de liminar judicial pela 8° vara federal, os parágrafos dos artigos 2 e 4 deste documento

foram suspensos provisoriamente29

.

Citamos na integra o conteúdo do material suspenso para que se possa avaliar

melhor a questão:

Artigo 2, Parágrafo Único: É vedado à (ao) psicóloga(o)

participar de procedimentos que envolvam as práticas de

caráter punitivo e disciplinar, notadamente os de apuração de

faltas disciplinares.

Artigo 4, § 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da

execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico

criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o

estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-

delinqüente.

Artigo 4, § 2º. Cabe à(ao) psicóloga(o) que atuará como

perita(o) respeitar o direito ao contraditório da pessoa em

cumprimento de pena ou medida de segurança.

É possível inferir que esta suspensão fere o Código de Ética da Psicologia

(Resolução CFP Nº 010/05), pois retira o veto em relação à atuação do psicólogo em

28

Documento disponível no link: http://www.crprj.org.br/legislacao/documentos/resolucao_012-11.pdf. 29

Para ler reportagem sobre este fato: http://www.crprj.org.br/noticias/2012/1004-

Comunicado%20aos%20psic%C3%B3logos%20da%20SEAP%20altera%C3%A7%C3%A3o%20da%20

Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CFP%2012_2011%20pela%20Justi%C3%A7a.html).

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42

práticas punitivas e disciplinares, de realização de prognósticos de reincidência e de

aferição de periculosidade e, em última análise, golpeia até a carta magna, ao desobrigar

o psicólogo de respeitar o direito ao contraditório.

Em vista desta suspensão o CRP/RJ recomendou, em nota oficial30

, que

enquanto durar essa decisão, os psicólogos da Secretaria de Administração Penitenciária

do estado do Rio de Janeiro, participem das Comissões Técnicas de Classificação

“disciplinares”, sem perder de vista os fundamentos éticos de sua profissão e os direitos

humanos. Assim como acionou sua assessoria jurídica para tentar reverter à situação.

Posteriormente, em outubro de 2012 o Conselho Federal de Psicologia emitiu a

Resolução N° 1731

que dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito. Considerando

as funções do psicólogo de realizar perícias e emitir pareceres e a necessidade de

estabelecer parâmetros e diretrizes sobre o papel do profissional no contexto da perícia,

entre outras considerações, resolve que:

Art. 8º – Em seu parecer, o psicólogo perito apresentará

indicativos pertinentes à sua investigação que possam

diretamente subsidiar a decisão da Administração Pública, de

entidade de natureza privada ou de pessoa natural na

solicitação realizada, reconhecendo os limites legais de sua

atuação profissional. (grifo nosso)

Apesar do Conselho Federal de Psicologia entender que o psicólogo poderá

emitir pareceres para subsidiar decisão da Administração Pública, e no tema em

discussão, realizar exames criminológicos, não é unanimidade dentre os profissionais da

psicologia. O Conselho Regional de Psicologia em parceria com o Conselho Regional

de Serviço Social, ambos do Rio de Janeiro, tem debatido sobre os desafios da prática

profissional no campo jurídico, sobretudo no que se refere ao exame criminológico. Os

30

Conteúdo disponível em: http://www.crprj.org.br/noticias/2012/1004-

Comunicado%20aos%20psic%C3%B3logos%20da%20SEAP%20altera%C3%A7%C3%A3o%20da%20

Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CFP%2012_2011%20pela%20Justi%C3%A7a.html 31

Conteúdo disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-

content/uploads/2013/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n%C2%BA-017-122.pdf

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43

conselhos entendem que “os exames devem ter caráter analítico, reflexivo e não-

conclusivo”.32

Diante do exposto o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do

Rio de Janeiro afirma que o exame criminológico não pode ser utilizado como uma

forma de restringir direitos durante o cumprimento da pena, pois este, ou qualquer outro

diagnóstico, não possui elementos que possam determinar condutas futuras.

c) Das Atividades Laborativas e Educacionais

Do Trabalho

A questão do trabalho das pessoas privadas de liberdade historicamente foi um

dos assuntos mais discutidos e polemizados, desde o surgimento das prisões na

sociedade moderna em que o trabalho compulsório foi largamente usado nos primórdios

da fase da industrialização. No Brasil, merecem destaques as Casas de Correção como a

do Rio de Janeiro construída em 1833, onde sediava o antigo complexo Frei Caneca33

e

a de São Paulo em 1852. Porém, diferentemente do modelo implantado na Europa, as do

Brasil não contemplava os objetivos daquela, apresentando caráter hibrido: “A de São

Paulo, por exemplo, não se destinava somente a receber os condenados à prisão com

trabalho, mas também negros africanos, menores, além de escravos fugitivos que

ficavam em outra dependência”34

.

Segundo a Constituição Federal de 88, o trabalho se encontra no rol dos direitos

sociais estabelecidos no seu art. 6º, sendo livre o exercício de qualquer trabalho, ofício

ou profissão, atendida as qualificações profissionais que a lei vem estabelecer.

32

Psicólogos e assistentes sociais debatem os desafios éticos e políticos de sua atuação no campo

sociojurídico-http://www.crprj.org.br/noticias/2012/050201-

Psic%C3%B3logos%20e%20assistentes%20sociais%20debatem%20os%20desafios%20%C3%A9ticos%

20e%20pol%C3%ADticos%20de%20sua%20atua%C3%A7%C3%A3o%20no%20campo%20sociojur%

C3%ADdico.html 33

PEDRINHA, Roberta Duboc. Uma Abordagem Tridimensional do Espaço do Cárcere: Da Casa de

Correção da Corte ao Regime Disciplinar Diferenciado. 34

Idem 8.

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44

No que se refere ao exercício ao direito ao trabalho dos apenados, as Regras

Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros35

dizem que este

trabalho não deve ser penoso e será de “natureza que mantenha ou aumente as

capacidades dos presos para ganharem honestamente a vida depois de libertados”, em

conformidade com suas aptidões físicas e mentais.

O mesmo documento prevê ainda que as horas diárias e semanais máximas de

trabalho dos presos serão fixadas por lei ou por regulamento administrativo, tendo em

consideração regras ou costumes locais concernentes ao trabalho das pessoas livres, e

complementa que as horas serão fixadas de modo a deixar um dia de descanso semanal

e tempo suficiente para a educação e para outras atividades necessárias ao tratamento e

reabilitação dos presos.

Já a Lei de Execuções Penais (Lei 7210/1984) entende o trabalho do detento

como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e

produtiva, aplicando-se aos métodos de trabalho e organização cuidados à segurança e

higiene. A exposição de Motivos da LEP dispõe que “o projeto adota a ideia de que o

trabalho penitenciário deve ser organizado de forma tão aproximada quanto possível

do trabalho na sociedade”. Ressalta-se que a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT)

não é aplicada nos casos de trabalho de apenados.

O trabalho externo, disposto no art. 36 da Lei de Execuções Penais, é

“admissível para os presos em regime fechado somente em serviços ou obras públicas

realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas,

desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina36

”, ou seja, é

possível que o apenado, cumprindo pena em regime fechado, trabalhe fora da Unidade

Prisional, desde que observadas as condições previstas no art. 36 da LEP. Já o apenado

que cumpre pena em regime semiaberto pode trabalhar também em empresas privadas.

A LEP, por sua vez, no art. 33 preceitua que a jornada normal de trabalho não

será inferior a seis, nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados,

complementando em seu parágrafo único que poderá ser atribuído horário especial de

35

http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm 36

Exposição de Motivos nº 213, de 9 de maio de 1983, item 54.

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45

trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do

estabelecimento penal.

A Lei Nº 6.416, de 24 de maio de 1977, que alterou dispositivos do Código

Penal, do Código de Processo Penal e da Lei das Contravenções Penais, introduziu a

remuneração obrigatória do trabalho prisional. Além do salário, é garantida a segurança

do apenado enquanto trabalhador. Há o entendimento que o cumprimento da pena não

significa que o interno terá suas condições de trabalho reduzidas.

Cabe ressaltar que a remuneração do trabalho do preso, que não pode ser

inferior a ¾ do salário mínimo, deve atender a “indenização dos danos causados pelo

crime cometido desde que determinado judicialmente e não reparados por outros

meios; assistência à família; pequenas despesas pessoais” - como, por exemplo,

compra de material de higiene quando o apenado não recebe visita - e ressarcimento do

Estado das despesas realizadas pela manutenção do condenado (art.29) não ficando

explícita ainda quais seriam estas despesas.

Na prática, todavia, a situação é diferente. Muitos presos que trabalham no

interior das unidades não recebem salário ou não recebem o valor adequado pelo

trabalho realizado, havendo desrespeito ao disposto no art. 29, da LEP, que determinado

o valor mínimo a ser recebido.

Outra questão no tocante a remuneração, observada durante as visitas, é que só é

permitido ingressar na unidade prisional com o valor correspondente a 10% (dez por

cento) do salário mínimo. A coordenação de segurança da SEAP arredondou esse valor

para R$100,00 (cem reais). Entretanto, ainda assim, problemas continuam existindo,

uma vez que muitos apenados não conseguem depositar o dinheiro no banco ou só

podem entregar o valor para a família nos dias de visita. Então, o dinheiro fica retido na

unidade e o interno ainda pode receber uma falta grave por ser flagrado portando

quantia em dinheiro acima do permitido.

No sistema penitenciário fluminense, o trabalho remunerado dos apenados é

gerenciado pela Fundação Santa Cabrini, que de acordo com o seu sítio na internet tem

como objetivo “organizar atividades culturais, educacionais e artísticas, incentivando a

ocupação criativa dos detentos, seus familiares, dos presos em regime de livramento

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46

condicional e de egressos do sistema penitenciário.”37

Cabe destacar que em

praticamente todas as visitas realizadas pelo MEPCT, há uma constante reclamação

quanto ao atraso no pagamento realizado pelo referido órgão, alguns relatando a espera

de meses.

Em 2011 foi aprovada a Lei Nº 12.433 garantindo ao condenado que cumpre

pena em regime fechado ou semiaberto remir um dia de pena a cada dia de trabalho. É

mister saber que para ser concedido o instituto ora estudado é necessário atingir os

requisitos objetivo e subjetivo previstos em lei. O requisito objetivo é o lapso temporal

necessário para que seja possível a concessão do benefício. O mesmo é alcançado com o

cumprimento de um sexto da pena. Todavia, conforme explicam Massimo Pavarini e

André Giamberardino, “apesar de existiram posições contrárias na jurisprudência, o

entendimento predominante já pacificado no STJ é pela não exigibilidade do requisito

objetivo para o preso que inicia o cumprimento de pena no regime semiaberto.”38

Cabe

ressaltar que a Súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça discorre que para obtenção

dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de

cumprimento da pena no regime fechado.

O requisito subjetivo é o bom comportamento do apenado na Unidade Prisional,

que, conforme art. 37 da LEP, é a aptidão, disciplina e responsabilidade. A disciplina e a

responsabilidade são averiguadas verificando-se o índice de comportamento que consta

na Transcrição da Ficha Disciplinar do preso e a ausência de punição por faltas

disciplinares.

A jurisprudência mostra-se nesse sentido, “verbis”:

“Processo: HC14288 PB 2000/0091431-2. Relator(a): Ministro

EDSON VIDIGAL. Julgamento: 13/11/2000. Órgão Julgador:

T5 - Quinta Turma. EMENTA: PROCESSUAL PENAL.

REGIME SEMI-ABERTO. TRABALHO EXTERNO. LEI DE

EXECUÇÕES PENAIS, ART. 37. 1. Para a concessão de

trabalho externo pelo Juízo das Execuções, é necessária a

observância de requisitos de ordem objetiva o cumprimento

37

http://www.santacabrini.rj.gov.br 38

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da Pena e Execução Penal: Uma Introdução

Crítica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, página 255.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

47

mínimo de 1/6 da pena, bem como de ordem subjetiva -

aptidão, disciplina e responsabilidade (LEP, art. 37). 2. Habeas

Corpus conhecido; pedido indeferido.”

Embora o trabalho externo tenha previsão legal, sabe-se que na prática é difícil

conseguir uma oportunidade quando se está cumprindo pena. Visando melhorar esse

quadro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em 2009, o Programa Começar de

Novo, que busca promover a cidadania e reduzir a reincidência criminal por meio de

oferta de cursos de capacitação e de empregos para presos e egressos do sistema

carcerário39

. Através desse programa, os trabalhadores exercem atividades como as de

auxiliar administrativo, pedreiro, vidraceiro, telefonista, eletricista, auxiliar de serviços

gerais, ajudante de obras, soldador e mecânico, entre outros, em órgãos públicos e em

empresas privadas de todas as regiões do país. Visando estimular uma maior oferta de

vagas para detentos, são oferecidos atrativos para o contratante, como, por exemplo, a

isenção de tributos.

Apesar dessa iniciativa ter sido criada em 2009, ainda é baixo o número de

apenados exercendo atividades laborativas. Segundo os dados disponibilizados pelo

Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) em 2012, a média nacional dos presos

que trabalham é de 20% (vinte por cento). O Estado do Rio de Janeiro é o que ocupa

a última posição no ranking de presos trabalhando por estado, pois tem apenas 2%

(dois por cento) dos seus 33.561 (trinta e três mil e quinhentos e sessenta e seis)

detentos tem alguma ocupação.40

Tal realidade não é muito diferente dos outros anos,

visto que, de acordo com dados do Infopen esta estatística era de 2,7% e 3,6% em

meados de 2011 e 2010 respectivamente.

39

Os dados relativos a cursos de capacitação e a empregos ficam disponíveis no Portal de Oportunidades

do CNJ online(http://www.cnj.jus.br/comecardenovo/index.wsp) e é de acesso livre. 40

DEPEN. Relatórios Estatísticos: Analíticos do Sistema Prisional 2012. Disponível em:

<http://portal.mj.gov.br/depen/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-

22166AD2E896%7D &Team=&params=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-

24D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B 2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso

em:15/05/2013

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48

Rio de Janeiro (UF) Junho 2012

Além do Rio de Janeiro, outros cinco estados tem menos de 10% (dez por cento)

da sua população carcerária trabalhando. São eles, o Pará com 8% (oito por cento), a

Paraíba também com 8% (oito por cento), o Acre com 6% (seis por cento), o Rio

Grande do Norte com 5% (cinco por cento) e o Ceará com apenas 3% (três por cento).41

Já a média nacional é de 20% de detentos trabalhando, dez vezes maior que o percentual

do sistema fluminense.

Tendo em vista que a quantidade de apenados trabalhando é mínima, sendo

muito inferior ao esperado, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, também

enquanto presidente do Conselho Nacional de Justiça, assinou um acordo de cooperação

técnica com o Comitê Organizador da Copa do Mundo. Esse acordo estabelece que

presos e egressos do sistema carcerário podem trabalhar nas obras da Copa do Mundo

de 2014. Além da permissão, eles teriam oportunidades asseguradas, pois os editais de

licitação devem incluir a obrigatoriedade de as empresas, nas obras e serviços com mais

de vinte funcionários, destinarem 5% (cinco por cento) das vagas de trabalho a essas

pessoas aqui referidas.

Cabe destacar que a demanda por atividade laborativa é bastante reivindicada

pelos apenados no sistema, sobretudo aqueles que se encontram no regime semiaberto.

41

PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da Pena e Execução Penal: Uma Introdução

Crítica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, pág. 256.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

49

Da Educação42

As pessoas privadas de liberdade gozam, nos dispositivos jurídicos

internacionais e nacionais, do reconhecimento de seu direito humano à educação. A

Declaração Universal dos Direitos Humanos43

reconhece a educação como direito em

seu artigo 26, onde seu objetivo é de: “pleno desenvolvimento da pessoa humana e o

fortalecimento do respeito aos direitos humanos”. Este artigo ganhou status jurídico –

de caráter obrigatório para Estados Parte – por meio dos artigos 13 e 14 do Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado pelo Brasil em

1991.

Com base nos dispositivos internacionais, o Conselho Nacional de Políticas

Criminal e Penitenciária (CNPCP), adaptou e aplicou regras para o Brasil – mais

atualizadas e condizentes com a realidade do país – através da Resolução 14, de 11 de

novembro de 1994. Neste último:

Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução

escolar e a formação profissional do preso.

Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de

iniciação e de aperfeiçoamento técnico.

Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a

todos os presos que não a possuam.

Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios

para os analfabetos.

42

Partes do texto que se encontra neste subitem apresentam a mesma redação do conteúdo sobre o tema

no Relatório Anual do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura 2012 finalizado em

janeiro último. 43

O direito à educação está previsto nos seguintes documentos internacionais: Declaração Mundial sobre

Educação para Todos; Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança; Convenção para a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção contra a Discriminação no

Ensino; Declaração e Plano de Ação de Viena; Agenda 21; Declaração de Copenhague; Plataforma de

Ação de Beijing; Agenda de Habitat; Afirmação de Aman e Plano de Ação para o Decênio das Nações

Unidas para a Educação na Esfera dos Direitos Humanos e a Declaração e o Programa de Ação de

Durban – contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

50

Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca

organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e

recreativo, adequados à formação cultural, profissional e

espiritual do preso.

Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por

correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina

e da segurança do estabelecimento.

(...) o direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem:

a) proporcionando a todos os presos informação sobre os

diferentes níveis de ensino e formação, e permitindo-lhes

acesso aos mesmos; b) elaborando e implementando nas

prisões programas de educação geral com a participação dos

presos, a fim de responder a suas necessidades e aspirações em

matéria de aprendizagem; c) facilitando que organizações não-

governamentais, professores e outros responsáveis por

atividades educativas trabalhem nas prisões, possibilitando

assim o acesso das pessoas encarceradas aos estabelecimentos

docentes e fomentando iniciativas para conectar os cursos

oferecidos na prisão aos realizados fora dela.44

Em 2010, a proposta de Diretrizes Nacionais para Educação no Sistema

Prisional foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)45

. Tais diretrizes

foram elaboradas por participantes do Seminário Nacional pela Educação nas Prisões,

realizado em Brasília em 2006, e apresenta parâmetros nacionais com relação a três

grandes eixos: (1) gestão, articulação e mobilização; (2) formação e valorização dos

profissionais envolvidos na oferta; (3) aspectos pedagógicos. Em 2009, o Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP – aprovou a Resolução nº03,

que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos

estabelecimentos penais. Entre as principais propostas, vale destacar a que sugeriria a

extensão da remição da pena pela educação – que viria a ser efetivada em 2011. Neste

esteio, é decretado, no final de 2011, o Plano Estratégico de Educação no âmbito do

Sistema Prisional, baseado nas diretrizes do CNE e do CNPCP, que define atribuições

44

Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf 45

Resolução nº 2, de 19 de Maio de 2010.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

51

do Ministério da Educação e da Justiça no financiamento para os estados que

apresentarem seus planos estaduais46

.

Conforme mencionado no item que versa sobre trabalho, em 2011 importante

avanço para os apenados se deu com a aprovação da modificação da LEP, estendendo

também a garantia de remição da pena para o estudo – Lei Nº 12.43347

. A LEP, em seu

artigo 126, previa somente a redução da pena pelo trabalho. O texto legal fala em: “1

(um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino

fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de

requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias” (art.126, I).

No Rio de Janeiro, apesar do sistema prisional oferecer educação através de

convênio com a Secretaria de Educação desde 196748

, só seria criada, em 2008, no

âmbito da SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação – uma Coordenadoria Especial

de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (Coesp), atualmente Diretoria

Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (Diesp) para atuar em

educação nos espaços de privação de liberdade.

Enquanto em 2007 havia 11 escolas prisionais, em 2011 eram 17 escolas em

unidades da Seap, com o total de 4.607 alunos matriculados. Já em 2012, eram 18

unidades, 15 com espaço físico e três como anexos, totalizando aproximadamente 5 mil

alunos49

.

Com a inauguração das escolas em três unidades prisionais do Complexo de

Japeri, o Rio de Janeiro totaliza 20 escolas estaduais em prisões. No entanto, são

aproximadamente 50 as unidades prisionais da SEAP e o número de pessoas presas

cresce exponencialmente.

46

No âmbito do MEC as demandas deverão ser veiculadas pelo PAR – Plano de Ações Articuladas –

instituído através do Decreto 6094 da Casa Civil da presidência da república, em 2007. Promulga-se,

neste documento, o “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em

regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da

comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização

social pela melhoria da qualidade da educação básica.” 47

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12433.htm 48

Dados do Plano Estadual de Educação Disponível em:

http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/downloads/PEE1.pdf 49

Dados apresentados no Fórum de Educação em Prisões e no Plano Estadual de Educação do Rio de

Janeiro.

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

52

No ano de 2009, a Secretaria de Estado de Educação apresentou à Comissão de

Educação da ALERJ a versão preliminar do Plano Estadual de Educação do Estado do

Rio de Janeiro, dentre as comissões temáticas, uma se destinou ao tema da educação no

sistema penitenciário. Entre 14 e 17 de maio de 2012 foi realizado o 3° Seminário

Nacional pela Educação nas Prisões com objetivo subsidiar as unidades federativas na

elaboração dos Planos Estaduais de Educação nas Prisões, que contou com a

participação de representantes do Rio de Janeiro. A construção e implantação de um

Plano Estadual é medida fundamental para consolidação de uma educação prisional que

leve em conta as características específicas deste trabalho – como sua orientação

pedagógica, por exemplo.

Em conversa com profissionais da área, foi relatada uma grande dificuldade no

trabalho dos mesmos por estarem na interseção entre a lógica da educação e a lógica da

segurança, tão claramente adotada pela SEAP.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária também faz uso do

Programa Brasil Alfabetizado50

, idealizado através das ações do Ministério da

Educação, voltado à alfabetização de jovens, adultos e idosos. Segundo dados da SEAP

do ano de 2013, há 780 presos alfabetizados no estado.

De acordo com o último levantamento do Infopen do Ministério da Justiça, em

junho de 2012, 2.665 apenados no Rio de Janeiro estavam inseridos em atividades

educacionais regulares, o que corresponde a 8% da população carcerária, estimativa

menor que a nacional, cuja percentual é de 10%. A grande maioria da população

carcerária fluminense que goza deste direito cursa o Ensino Fundamental, como

demonstra o gráfico abaixo.

50

http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12280&option=com_content

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

53

Atividades Educacionais

Ressalta-se que não foi registrado nenhum preso cursando ensino superior e a

questão da baixa escolaridade e não acesso ou precário ao ensino público de qualidade é

um dado marcante das pessoas privadas de liberdade no estado, quiçá no Brasil. Além

disso, como método de levantamento de dados, entende-se a classificação “ensino

fundamental” muito ampla considerando a quantidade de anos letivos do mesmo, o que

pode empobrecer uma análise mais aprofundada do fenômeno.

Assim como esboçado na questão do trabalho, há uma grande demanda dos

apenados para exercer o direito à educação nas prisões, com vários questionamentos

acerca de ofertas de cursos profissionalizantes.

Deste modo, há que se destacar que a educação é um direito universal para todas

as pessoas privadas de liberdade, e, portanto, estendido a todos os presos sentenciados e

provisórios. Apesar de certo esforço para ampliação da educação prisional que vem

sendo realizada, preocupa-se que o ritmo dessa ampliação seja muito lento tendo em

vista às necessidades atuais do sistema prisional. É claro que se faz necessária uma luta

pela redução do encarceramento e por todas as demais causas de um sistema penal

hipertrofiado. No entanto, na medida em que pessoas estejam privadas de liberdade é

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

54

fundamental que o conjunto de direitos a que dispõem seja ofertado de maneira plena

pelo Estado.

d) Das Sanções Disciplinares

A Lei de Execuções Penais (LEP) determina em seu artigo 39, inciso VI, como um

dos deveres do preso, a submissão à sanção disciplinar. O artigo 45 garante que a

aplicação da sanção não violará a integridade física ou psíquica do preso e presa,

cabendo ressaltar o parágrafo terceiro que determina que estão terminantemente

proibidas as sanções coletivas:

“Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa

e anterior previsão legal ou regulamentar.

§ 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade

física e moral do condenado.

§ 2º É vedado o emprego de cela escura.

§ 3º São vedadas as sanções coletivas” (grifo nosso)

O artigo 50 da referida legislação enumera de forma taxativa as faltas consideradas

graves pelo legislador, tais como: incitar ou participar de movimento para subverter a

ordem ou a disciplina; fugir; descumprir, no regime aberto, as condições impostas; entre

outras.

O artigo 53 da LEP trata das sanções aplicadas as faltas disciplinares:

“Art. 53. Constituem sanções disciplinares:

I - advertência verbal;

II - repreensão;

III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo

único);

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55

IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos

estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado

o disposto no artigo 88 desta Lei.

V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.”

O artigo 54 completa determinando que as sanções elencadas no artigo acima em

seus incisos I ao IV, serão aplicadas “por ato motivado do diretor do estabelecimento

(...)”.

Portanto, de acordo com a Lei de Execuções Penais as sanções disciplinares

devem ter previsão legal prévia; não violar a integridade física ou psíquica do preso ou

presa; a pessoa para quem será aplicada a sanção não poderá ser levada a cela escura e,

principalmente, a sanção disciplinar não poderá ser coletiva.

Durante as visitas realizadas pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à

Tortura foi possível constatar que muitos desses dispositivos são desrespeitados pela

administração penitenciária.

A superlotação é identificada como um dos graves problema no sistema prisional

carioca favorecendo a prática de tortura e maus tratos. Uma das consequências

negativas do elevado número de presos é a utilização de castigos coletivos como forma

de conter e disciplinar o coletivo. Em várias oportunidades, os membros do Mecanismo

ouviram dos presos relatos de que toda uma galeria havia ficado semanas sem visita dos

familiares ou sem banho de sol por determinação da Direção em represália a ato

indisciplinar cometido por um interno ou por um grupo de presos.

A legislação prevê sanções a serem aplicadas à pessoa ou pessoas identificadas

como autoras do ato indisciplinar, sanções estas que variam inclusive com o grau de

gravidade da conduta, desta forma é inadmissível que todo um coletivo seja castigado

por um ato isolado.

Durante as visitas realizadas especificamente em unidades que abrigam presos que

estão cumprindo o regime semiaberto ouvimos relatos dos internos e das direções que as

punições coletivas estão sempre relacionadas a impossibilidade de saída das celas, ou

seja, o preso deixa de ter o seu benefício, concedido pela SEAP, de circular livremente

pela unidade.

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56

A determinação de uma punição coletiva em unidades de semiaberto é ainda mais

grave, pois viola o direito de livre circulação garantido ao preso. A direção da unidade

prisional não pode naturalizar a violação à Lei de Execuções Penais.

e) Das Autorizações de Saída

A Lei de Execuções Penais (Lei Nº 7.210/84) estabelece duas possibilidades de

saída durante a execução penal: a permissão de saída, prevista no art. 120, para casos de

falecimento de entes queridos e para tratamento médico externo, e a saída temporária.

Abordaremos aqui o instituto da saída temporária, regulamentado nos arts. 122 a 125 da

LEP. Respondendo solicitação em ofício do MEPCT/RJ, a Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária informa que em todo o estado do Rio de Janeiro há apenas

700 presos gozando do direito de autorização de saída.

Das Saídas Temporárias

O art. 122, da Lei 7.210/84, dispõe que:

Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto

poderão obter autorização para saída temporária do

estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

II - freqência a curso supletivo profissionalizante, bem como de

instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da

Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno

ao convívio social.

Assim como o trabalho, tais saídas tem cunho de “ressocialização”, objetivando

um retorno melhor e mais produtivo do apenado ao convívio social após o cumprimento

da sentença.

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57

É necessário que o apenado cumpra pena em regime semiaberto para ter direito

ao benefício da saída temporária, não sendo admitido para o interno que cumpre pena

em regime fechado ou que está preso provisoriamente. O requisito subjetivo, assim

como ocorre no caso do trabalho, é ter comportamento adequado, como previsto no art.

123, I da LEP, o que pode ser comprovado através da transcrição da ficha disciplinar do

apenado.

O requisito objetivo, indispensável para a concessão desse benefício, é o

cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e ¼ (um quarto),

se reincidente, conforme disciplina o inciso II, do ar. 123, da LEP. Faz-se necessário

salientar que a Súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça discorre que “para obtenção

dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de

cumprimento da pena no regime fechado”.

Também é necessário que haja compatibilidade da saída temporária com os

objetivos da pena, para que esse benefício seja concedido, segundo o inciso III, do art.

123, da LEP.

Cabe ressaltar que a Lei não exige a realização de exame criminológico para

obtenção desses benefícios, todavia, o Ministério Público do Rio de Janeiro na maioria

dos casos exige tal exame para opinar quanto à concessão das saídas temporárias. Tal

exigência, que deve ser dispensada, atrasa o processo e faz com que o apenado não

usufrua do benefício no prazo que tem direito.

Da Visita Periódica ao Lar

A Visita Periódica à Família (VPF), conhecida também como Visita Periódica ao

Lar (VPL), é um benefício que permite que o apenado saia da Unidade Prisional para

visitar a família, tendo que retornar para dormir no presídio, estando previsto no art.

122, inciso I da Lei de Execução Penal. Vale dizer que a LEP, no seu art. 41, inciso X,

assegura a assistência familiar como integrante do rol de direitos do preso. Para a

concessão da VPL, faz-se necessária a obtenção de requisitos objetivo e subjetivo. O

lapso temporal necessário para obtenção do requisito objetivo, é o cumprimento de 1/6

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58

(um sexto) da pena se o apenado for primário e ¼ (um quarto) no caso de apenado

reincidente, também sendo observada neste instituto a Súmula 40 do STJ anteriormente

abordada.

O parágrafo primeiro, do art. 124 da LEP, traz as condições que serão impostas

pelo juiz ao conceder a saída temporária:

I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou

onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; (Incluído

pela Lei nº 12.258, de 2010)

II - recolhimento à residência visitada, no período noturno; (Incluído

pela Lei nº 12.258, de 2010)

III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos

congêneres.

A jurisprudência entende que o rol apresentado nesse artigo é meramente

exemplificativo. Vale destacar que se o comprovante de residência não estiver no nome

do apenado, é necessário instruir o pedido do benefício com documentos que

comprovem a relação de parentesco do apenado com a pessoa do comprovante, fato que

gera grande dificuldade para a realização da visita.

Não obstante o fato de o art. 124 da LEP discorrer que a autorização será

concedida por prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro

vezes durante ano, e do parágrafo 3º do referido artigo estabelecer um período mínimo

de 45 (quarenta e cinco) dias como intervalo entre as renovações das saídas, na prática,

a concessão do benefício se dá de maneira diversa.

Os juízes da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro concedem a visita

periódica ao lar de modo que seja permitido ao apenado sair duas vezes por mês para

visitar a família, além da possibilidade de sair nas datas comemorativas, podendo

realizar no total até trinta e cinco saídas por ano.

Para demonstrar tal posicionamento da VEP/RJ, cabe transcorrer a decisão da

juíza Roberta Barrouin Carvalho de Souza, proferida nos autos do Processo número

0360503-91.2009.8.19.0001:

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“3 - Trata-se de requerimento de saída temporária na

modalidade de visitação periódica ao lar, formulado em favor

do apenado em epígrafe, que cumpre pena em regime

semiaberto, com manifestação favorável do ministério público.

Pois bem, estando devidamente instruído o requerimento,

presentes os requisitos legais, com arrimo nos arts. 122, i, e

123, da LEP, concedo ao apenado em epígrafe autorização para

saídas extramuros para visitação periódica à família, sem

pernoite, que deverá ser realizada duas vezes por mês, de modo

a não embaraçar eventual atividade laborativa, bem assim por

ocasião de seu aniversário, na páscoa, nos dias nomeados das

mães e dos pais, no natal e nas festividades do ano novo, até o

limite ânuo de 35 (trinta e cinco) saídas, cujas saídas se darão a

partir das 06 horas, com retorno até às 22 horas do mesmo dia,

exceção feita ao natal, quando a saída se dará a partir das 06

horas do dia 24, e o retorno até às 22 horas do dia 25, e aos

festejos do ano novo, quando a saída se dará no dia 31 de

dezembro, e o retorno no dia 01 de janeiro, com o mesmo

horário de saída e retorno. Não sendo obedecidos o horário e

data de retorno da saída temporária, ficam automaticamente

canceladas as autorizações para as saídas subsequentes. Oficie-

se para cumprimento.”51

Assim, conforme demonstrado pela decisão supra, na prática o benefício é

concedido no Rio de Janeiro de forma diferente do disposto em Lei.

f) Do Livramento Condicional

Outro ponto que merece destaque é o benefício concedido aos condenados

chamado livramento condicional. Considerado a última etapa do sistema penitenciário

progressivo por Roberto Lyra52, o livramento condicional “é a liberdade provisória

concedida, sob certas condições, ao condenado que não revele periculosidade, depois

de cumprida uma parte da pena que lhe foi imposta”.

51

VEP RJ. Juíza Roberta Barrouin Carvalho de Souza. Decisão proferida nos autos do processo 0360503-

91.2009.8.19.0001. 52

LYRA, Roberto apud. MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 185.

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60

Guilherme de Souza Nucci53

entende que o livramento “é a antecipação da

liberdade para quem cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridos

determinados requisitos, alguns objetivos, outros subjetivos, conforme dispõe o art. 83

do Código Penal”.

Por este artigo, o juiz poderá conceder este benefício a quem for condenado

a uma pena privativa de liberdade igual ou superior a 02 (dois) anos se:

I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for

reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;

II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente

em crime doloso;

III - comprovado comportamento satisfatório durante a

execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi

atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante

trabalho honesto;

IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o

dano causado pela infração; V - cumprido mais de dois terços

da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática

da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e

terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em

crimes dessa natureza. Parágrafo único - Para o condenado por

crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à

pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada

à constatação de condições pessoais que façam presumir que o

liberado não voltará a delinqüir.

Como condição obrigatória, são previstas no art. 132, § 1º da LEP a

obtenção de uma ocupação lícita, dentro de prazo razoável, se for apto ao trabalho;

comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; não mudar do território da comarca do

Juízo da Execução, sem prévia autorização deste. A Lei de Execução Penal estabelece

ainda condições facultativas, em seu art. 132, § 2º, quais sejam: não mudar de residência

sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de

proteção; recolher-se à habitação em hora fixada e não frequentar determinados lugares.

O Projeto de Lei do Senado 236/2012, em tramitação, apresenta o Projeto

de Reforma do Código Penal, estabelecendo dentre as proposições, a extinção do

53

NUCCI, Guilherme de Souza Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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61

instituto do livramento condicional no Brasil. Tal medida, além de desvirtuar a essência

do sistema de progressão de regime que inspira o ordenamento jurídico pátrio, poderá

trazer sérias consequências para o sistema penitenciário, gerando ainda maior

superpopulação nas unidades já debilitadas. A proposta foi acompanhada de grande

resistência na comunidade jurídica54

.

g) Da Monitoração Eletrônica

Como bem assevera Poza Cisneros55

, a vigilância eletrônica consiste no método

que permite “controlar donde se encuentra o el no alejamiento o aproximación respecto

de un lugar determinado, de una persona o una cosa (...)”.

De fato, é possível perceber que tal preocupação tem provocado modificações

significativas no instante da elaboração legislativa. No Brasil, por exemplo,

recentemente, as leis Nº 12.403/11 e Nº 12.258/10 introduziram os sistemas telemáticos

de vigilância, como uma autêntica solução alternativa ao cárcere.

De fato há inúmeras razões para que o legislador introduza inovações no

ordenamento jurídico brasileiro, na perspectiva de evitar o encarceramento. Entre os

diversos motivos existentes, podem ser destacados: a) a consequência jurídica do delito

a ser imposta pelo Estado deve ofender, o mínimo possível, a liberdade humana; b) a

regra estabelecida pela Constituição da República de 1988 é a liberdade e não a prisão;

c) o cárcere é um ambiente criminógeno, estigmatizante e deletério à dignidade humana

do indivíduo e, em consequência, também para a sociedade; d) e, por fim, a prisão é um

instrumento inapropriado para alcançar a finalidade ressocializadora da pena.

Portanto, a constatação de tais motivos leva a conclusão de que a prisão deve

consistir em resposta manejável exclusivamente em desfavor das condutas antissociais

consideradas de maior afronta para a sociedade. Ou seja, o emprego da prisão deve ser

54

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1308074&tit=Novo-Codigo-

Penal-provocara-boom-carcerario-dizem-analistas. 55

CISNEROS, María Poza. Las nuevas tecnologías en el ámbito penal. Revista del Poder Judicial, n°

65, p. 59 – 134, 2002.

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62

limitado àquelas hipóteses em que não há alternativa eficiente para proteger os bens

jurídicos considerados de extrema relevância social.

O monitoramento eletrônico foi inserido, no ordenamento jurídico brasileiro,

pela Lei Nº 12.258/2010, que alterou a redação da Lei de Execução Penal. A

mencionada norma introduziu, expressamente, no Título V (Da Execução das Penas em

Espécie), Capítulo I (Das Penas Privativas de Liberdade), Seção VI, da aludida Lei de

Execução Penal (artigos 146-A ao 146-D), a possibilidade de utilização da monitoração

eletrônica.

A Lei Nº 12.258/2010 estabeleceu a monitoração eletrônica nas hipóteses de

saída temporária no regime semiaberto e de prisão domiciliar. É de verificar-se que,

neste caso, que o monitoramento se aplica na fase de execução da pena, salvo a

eventualidade de o cumprimento da prisão processual, excepcionalmente, vier a ser

levada a cabo no domicilio do sujeito.

No entanto, a implementação do sistema eletrônico de monitoração penal

objetivou proporcionar maior segurança e controle quando da saída do apenado do

sistema penitenciário. Portanto, não se pode visualizar, na aludida reforma de 2010, a

utilização deste dispositivo tecnológico como uma autêntica alternativa à prisão, senão

como um suporte eficiente de controle e vigilância do preso, beneficiado pela

autorização de saída temporária ou pela concessão da prisão domiciliar.

O legislador fixou, no art.146-C da LEP, a necessidade de o condenado adotar

cuidados com o aparelho de monitoração eletrônica, estabelecendo deveres como:

“receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos

seus contatos e cumprir suas orientações”; e, ainda, “abster-se de remover, de violar,

de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica

ou de permitir que outrem o faça”.

O descumprimento das medidas destacadas no parágrafo anterior pode acarretar

para o acusado: a regressão do regime; a revogação da saída temporária; a advertência,

por escrito; ou a revogação da prisão domiciliar. Sobre este último aspecto (revogação

da monitoração eletrônica) convém destacar que o artigo 146-D determina que tal

vigilância “poderá ser revogada se a medida se tornar desnecessária ou inadequada,

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ou se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua

vigência ou cometer falta grave”.

Convém reconhecer que tais medidas (destacadas no parágrafo anterior) são

meramente repressoras, pouco (ou nada) colaborando com a finalidade ressocializadora

da pena.

Ademais, vale destacar que inúmeros problemas técnicos nos dispositivos de

monitoramento geram condições adversas ao apenado, podendo inclusive repercutir em

seu desfavor na execução penal.

Quando o monitoramento eletrônico começou a ser utilizado no Rio de Janeiro,

foi direcionado apenas para autorizações de saída do regime semiaberto. Não iniciou

como medida cautelar penal. Segundo informado pela Vara de Execução Penal/RJ, o

índice de evasão de monitorados eletronicamente é baixíssimo. No ano de 2012, em

todo o estado do Rio de Janeiro, havia 1300 monitorados, apresentando uma evasão da

ordem de cerca de 1%.

h) Da Prisão Albergue Domiciliar

Notadamente, a Lei de Execuções Penais Nº 7.210/84, em seu art. 117, enumera

um rol de situações nas quais se permite a prisão domiciliar, vale dizer: a) homem e

mulher maiores de setenta anos ou acometidos de doença grave e; b) mulheres

gestantes, com filho menor ou deficiente. Contudo, a respeito de tais hipóteses, paira a

controvérsia de serem exemplificativas ou taxativas.

Assim versa o art. 117 do referido diploma legal:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário

de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

II - condenado acometido de doença grave;

III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

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IV - condenada gestante.

O problema em tela é polêmico, angustia os estudiosos da execução penal e,

precipuamente, o apenado do regime aberto que não tem à sua disposição o

estabelecimento penal apropriado, sendo que, por isso, cumpre pena mais gravosa do

que a infligida na decisão judicial condenatória. Tal medida constitui o denominado

desvio de execução. Segundo Almeida:

“É certo que a ausência de vagas no regime adequado para: i) o

preso cautelar (custodiado numa Cadeia Pública ou Centro de

Detenção Provisória) que venha a ser condenado no regime

inicial aberto ou semiaberto; ii) o réu que aguardou solto o

trânsito em julgado de igual condenação ou; iii) o condenado

no regime fechado, como na maioria das vezes, que obteve a

progressão de regime; são situações que caracterizam o

nefando desvio de execução. Ocorre que a questão do desvio é

um problema crônico no sistema penitenciário nacional”56

.

Portanto, inexistindo vaga na casa de albergado57

, urge verificar o que seria mais

equitativo, isto é, acomodar o condenado em dependência prisional imprópria ou

conceder-lhe a prisão albergue domiciliar.

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já vem admitindo o

entendimento de que não se pode aplicar regime mais agravoso do que o que se deve de

direito ao apenado. Neste sentido caminha o HC 109244/SP, tendo como relator na

Suprema Corte o Ministro Ricardo Levandowski.

No mesmo sentido, também há grande repercussão nos tribunais inferiores. Vale

observar a que segue:

DTZ1252628 - AGRAVO EM EXECUÇÃO - PRISÃO

DOMICILIAR - NÃO-SATISFAÇÃO DAS CONDIÇÕES DO

ART. 117 DA LEP - REGIME SEMI-ABERTO -

IMPOSSIBILIDADE - VOTO VENCIDO.

56

ALMEIDA, Felipe Lima de. A execução da pena no anteprojeto do Código Penal: uma análise crítica.

Revista Liberdades - nº 13. São Paulo: IBCCRIM, maio/agosto de 2013. 57

Casa de albergado é o estabelecimento penitenciário destinado ao cumprimento da pena privativa de

liberdade no regime aberto, que deve se situar em centro urbano afastado dos demais estabelecimentos de

custódia, bem como sem obstáculos para a fuga.

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65

Somente é possível o deferimento da prisão domiciliar ao

sentenciado em cumprimento da pena em regime aberto, que

satisfaça uma das condições do art. 117 da LEP.V.V.: Se o

Estado, que condena o acusado (através do Poder Judiciário),

não possui local adequado para que a pena seja cumprida nos

termos da sua determinação em razão de sua própria desídia

(manifestada pelo Poder Executivo) em construir unidades

prisionais próprias aos regimes semi-aberto (Colônia Agrícola,

Industrial ou similar) e ao aberto (Casa de Albergado), não tem

o recuperando que se submeter a condições prisionais que

extrapolem aquelas estritamente descritas na decisão judicial.

Não se pode exceder aos limites impostos ao cumprimento da

condenação, sob pena de desvio da finalidade da pretensão

executória, podendo ser concedida, em caráter excepcional, a

prisão domiciliar no caso de inexistir Casa de Albergado na

Comarca, enquanto se espera vaga em estabelecimento

prisional adequado ao regime aberto

(Desembargador William Silvestrini). (TJMG - Rec-Ag

1.0000.06.436713-9/001 - 4ª C. Crim. - Rel. Conv. p/ Ac. Des.

Ediwal José de Morais - DJ 25.07.2006)

Este tema hoje enseja grande debate no âmbito do Supremo Tribunal Federal,

tendo suscitado a realização de recente audiência pública58

. Para subsidiar o julgamento

de um recurso, o Ministro Gilmar Mendes coordenou audiência pública sobre o tema da

prisão albergue. Defensores públicos, promotores e secretários de segurança de todo o país

discutiram o assunto. Caso o STF decida que o preso tem o direito da prisão domiciliar,

todos os presos do semiaberto ou do aberto que não tenham vagas específicas poderão

cumprir pena em casa. Segundo informações veiculadas pelo STF no semiaberto faltam mais

de 23 mil vagas em todo o país, número de detentos que pode ter a garantia da prisão

domiciliar.

O ministro citou que a Constituição de 1988 obriga que a União seja responsável

pela defesa nacional. "Isso envolve não só a Administração Pública federal, mas também

outros órgãos, inclusive aqueles que integram o Poder Judiciário, como o CNJ", afirmou. O

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz acompanhamento do sistema penitenciário e realiza

periodicamente mutirões para verificar mudanças em regime de cumprimento de pena.

58

http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/05/stf-decide-no-2-semestre-se-manda-preso-para-casa-quando-

nao-tiver-vaga.html

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66

A Subprocuradora-geral da República Raquel Dodge destacou que a falta de vagas é

"problema crônico". Para ela, porém, é preciso utilizar devidamente os recursos públicos

voltados para a melhoria do sistema prisional e não simplesmente conceder o direito de

prisão domiciliar, "A falta de vagas no sistema prisional é um problema crônico e crescente

no Brasil, o que tem dado causa a prisões superlotadas, à substituição forçada de penas e

ao cumprimento das mesmas em situações precárias. São condições prisionais que violam a

Constituição. As verbas federais destinadas à construção de presídios no Brasil têm sido

subutilizadas", afirmou a subprocuradora.

O advogado da Pastoral Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil,

Massimiliano Antônio Russo, defendeu a garantia da prisão domiciliar sempre que não

houver vaga. Segundo ele, uma decisão do Supremo daria mais força a juízes que querem

dar decisões do tipo, mas enfrentam resistências. Afirma:

"A experiência que a Pastoral Carcerária tem das visitas semanais

demonstram que o problema persiste para todo o lado, todas as

regiões do Brasil. A decisão [do STF] vai contribuir para a

melhoria porque os estados vão ter de deixar de ser omissos. [...]

Soltar presos, para a mídia e para o governo, tem peso muito

grande em nível de votos. [...] Uma decisão desse tribunal pode dar

força para que juízes tomem decisões a favor da legalidade, da

dignidade da pessoa humana e da Constituição Federal. 59

"

i) Considerações Finais

O panorama da progressão de regime no Rio de Janeiro, tal qual nos demais

estados da Federação, é calamitoso. O cenário que se ergue demonstra que o projeto

moderno de prisão que teria como finalidade a correção do preso, como nos ensinava

Foucault, naufragou completamente, sobretudo em países como o Brasil, nos quais o

populismo punitivo60

é o leitmotiv das políticas criminais.

59

Idem. 60

SOZZO, Máximo. Populismo punitivo, proyecto normalizador y “prisión-depósito” en Argentina. In

Sistema Penal & Violência. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito– PUCRS – Vol. 1, Nº 1 -

Porto Alegre: 2009.

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A estrutural realidade de superlotação e violações de direitos das pessoas

privadas de liberdade configuram penas draconianas, claramente vedadas pela

Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes da ONU.

O sistema penitenciário brasileiro atual, nada mais é do que uma herança dos

antigos instrumentos e das formas utilizadas para conter a criminalidade e para punir

indivíduos que cometiam algum crime. Nilo Batista já retratava que:

“vestígios desse sistema, signo de uma formação social

autoritária e estamental, encontram-se ainda hoje nas práticas

penais (dis?)funcionais das torturas, espancamentos e mortes

com as quais grupos marginalizados, pobres e negros

costumam ser tratados por agências executivas do sistema

penal ou por determinação de novos “senhores”61

.

As constadas mazelas que pairam sobre a execução penal instituem uma espécie

de progressão de regime às avessas, na qual muitas vezes o apenado vivencia realidade

mais gravosa ao progredir do regime fechado para o semiaberto. De tal modo,

assistimos à cotidiana afronta à Constituição Federal de 1988, posto que violados

diuturnamente os princípios da legalidade, da humanidade e da dignidade da pessoa

humana.

Põe-se em prática o desvirtuamento da matriz do sistema progressista irlandês62

que inspira o Ordenamento Jurídico-penal em vigor, instituindo um sistema de

progressão de regime de matriz filadélfico, priorizando a pena privativa de liberdade em

regime fechado em detrimento de políticas penitenciárias que poderiam orientar-se ao

“ideal ressocializador”.

61

BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no

Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990. 62

O preso nesse sistema iniciava o cumprimento da pena com o isolamento celular de nove meses de

duração (período de prova – estágio inicial), em seguida, diante das marcas obtidas, o preso passava para

a etapa seguinte: o trabalho em obras públicas. Após, diante do mérito do condenado, passava-se à

terceira etapa, a semiliberdade, inclusão de Crofton, consistente no trabalho externo com pernoite no

estabelecimento prisional. Por fim, a quarta e última etapa consistia na liberdade sob vigilância até o

término de pena, que poderia ser revogada ou convertida em definitiva pelo bom comportamento.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. São Paulo: RT,

1993, p. 84-86.

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68

Isto posto, temos que o sistema de progressão de regime no Brasil assemelha-se

a um barril de pólvora, pois ao não apresentar qualquer estímulo ao bom

comportamento, impele o apenado a buscar alternativas na transgressão, seja através da

fuga ou da rebelião. Não obstante isso, dados do DEPEN informam que, no ano de

2012, menos de 0,05% dos presos envolveram-se em incidentes como motim ou

rebelião.

A falência das funções declaradas da pena privativa de liberdade e a inversão

dos pressupostos da progressão de regime dão ensejo a uma política criminal de cunho

atuarial63

. Nesta perspectiva, não importam as funções positivas da pena, apenas o poder

disciplinar voltado à produção da obediência. Segurança e disciplina passam a ser os

postulados-chave do sistema penitenciário, de modo que os direitos fundamentais

inerentes à pessoa privada de liberdade, como a saúde, o trabalho, a educação, a

assistência jurídica e familiar, são aviltados cotidianamente.

Em especial educação e trabalho, ao invés de direito subjetivo do preso, são

tidos como privilégios, de poucos, de uma pequena casta de apenados selecionada pela

administração prisional.

Deste modo, não é possível lograr qualquer ideal de ressocialização, ademais, o

índice de reincidência no Brasil é da ordem de cerca de 70% o que apenas reafirma o

potencial criminógeno do cárcere. Única função que lhe resta é, pois, a função

retributiva. Assim, o sistema penitenciário fica adstrito a uma perspectiva vindicativa,

como locus expiatório da culpa dos desviantes afastados do convívio social.

Em nome da punição daqueles que violam a ordem jurídica o Estado promove a

aviltação de inúmeros dispositivos normativos, no plano nacional e internacional, a

exemplo das Regras Mínimas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade de

1984, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Convenção Contra a tortura

da ONU de 1984, Convenção Interamericana para Punir e Prevenir a Tortura de 1985,

63

A política criminal atuarial “rejeita o discurso jurídico e científico como condição de legitimidade e

adere ao falso paradigma ideológico do fim da história da Criminologia”. DIETER, Maurício Stegemann.

Política Criminal Atuarial - A Criminologia do fim da história, de Dieter. Rio de Janeiro: Revan, 2013.

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69

Lei de Execução Penal de 1984, Código Penal de 1940 e Constituição Federal da

República de 1988.

Como afirma Baratta, sob pena de promover-se o arbítrio não é cabível em uma

democracia prescindir do princípio da superioridade ética do Estado64

. O Estado que se

iguala aos criminosos não é capaz de legitimar socialmente suas ações, de modo a tornar

inócuas as políticas criminais, como a “empurrar a sujeira para debaixo do tapete”, não

atingindo as raízes das problemáticas em torno do crime e suas estratégias de controle.

Urge a realização de uma profunda reforma no sistema de justiça criminal de

modo a compatibilizar a execução penal aos preceitos legais e constitucionais. Para

tanto, faz-se necessária uma eficiente articulação entre os três Poderes da República, em

âmbito Federal e Estadual, de modo a adequar as agências do sistema penal em

conformidade com a Constituição Federal de 1988.

Tanto o Poder Executivo, através da reforma das polícias e da administração

penitenciária; o Poder Legislativo, em sua função fiscalizatória do Executivo e em sua

necessidade de repensar o populismo punitivo que coloniza a produção legiferante;

como o Poder Judiciário, na necessidade de repensar a banalização da pena de prisão e

zelar pela observância dos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade

quando da execução penal.

No âmbito do Rio de Janeiro, é necessário que a SEAP elabore um programa que

preconize a construção de unidades prisionais de regime semiaberto e aberto; assegurar

efetivamente direitos básicos como trabalho, educação e saúde aos presos, bem como

aprovar o plano de cargos e salários e realizar concursos públicos para técnicos

penitenciários.

É preciso repensar a centralização da VEP, de modo a assegurar maior

celeridade à concessão de benefícios inerentes às pessoas privadas de liberdade.

Ademais é preciso rever a obrigatoriedade da realização do exame criminológico para a

concessão de tais prerrogativas, como meio de assegurar uma realidade menos gravosa

64

BARATTA, Alessandro. Principios del Derecho Penal Mínimo (Para uma Teoría de los Derechos

Humanos como objeto y limite de la Ley Penal). In Revista “Doutrina Penal” n. 10-40, Buenos Aires,

Argentina: Depalma, 1987. pp. 623-650.

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ao sistema penitenciário que padece diante do caos de ilegalidade estatal, bem como é

preciso encampar uma campanha efetiva de apoio à utilização de penas alternativas.

Mudanças estruturais são urgentes para a defesa do Estado Democrático de

Direito nos espaços de privação de liberdade. O MEPCT/RJ apresenta no próximo item

um conjunto de recomendações selecionadas por eixo temático, como forma de apontar

alternativas concretas às problemáticas supramencionadas, colocando-se à disposição

para colaborar com a formulação de estratégias para a erradicação da tortura e outros

maus tratos, de modo a conferir condições mínimas de dignidade na progressão de

regime no sistema penitenciário.

III.1.2 – PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO65

O tema da privatização do sistema penitenciário não é novidade, visto que é uma

discussão que remonta à década de 80 quando surgiram as primeiras empresas penitenciárias

privadas em meio à crise de superpopulação que enfrentava o sistema penitenciário público

dos EUA.

Neste particular, sempre alardeou-se que o setor privado é mais eficiente, inovador e

controlador que o setor público. Que as penitenciarias privadas são mais bem administradas

que as públicas. Que melhores competências facilitam o funcionamento do setor público e que

somente o setor privado pode solucionar a crise de instalações inadequadas e superpopulação,

que afetam os sistemas penitenciários públicos.

Os simpatizantes da privatização também alegam que o setor que controla as prisões

privadas já está sumariamente instalado, e o que cabe agora fazer é debater como ele

funciona.

Na América Latina nos últimos anos, vários governos afirmam não dispor de recursos

suficientes para melhorar prisões ou construir novas instalações. Isso significa que pouco

65

Este item foi elaborado com base na conferência ministrada no II Seminário Desafios para o

Enfrentamento à Tortura por Newvone Costa, assistente social integrante do Comitê Estadual para a

Prevenção e Combate à Tortura, representando o Conselho da Comunidade.

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devem fazer pelo assunto, ou que a única forma pela qual um governo pode implantar novos

projetos de infraestrutura para cadeias seria através do financiamento privado.

A experiência internacional nos deixa claro que, em geral, as privatizações feitas neste

setor tiveram efeitos contrários. Todas as privatizações concluídas estenderam a política

neoliberal do FMI e do Banco Mundial e fizeram com que a população carcerária destes

lugares aumentasse.

Para se ter uma ideia as empresas que participaram deste processo não foram criadas

por estudiosos no assunto e sim por pessoas que consideravam as prisões e os presos como

uma lucrativa oportunidade de negócios. Estudos comprovam que as empresas referendavam

os presos como “dias homens compensados” convertendo seres humanos em bens capitais.

Segundo o professor Luis Francisco Carvalho Filho, há basicamente quatro modelos

de intervenção:

i. A empresa financia a construção e arrenda o estabelecimento para o Estado por

determinado número de anos, geralmente não menos que 25 anos, diluindo os

custos ao longo do tempo.

ii. A empresa transfere unidades produtivas para o interior de presídios e

administra o trabalho dos presos.

iii. A empresa apenas fornece serviços terceirizados no âmbito da educação, saúde,

alimentação etc.

iv. E por fim a forma mais radical, a empresa gerencia totalmente o presídio,

conforme regras ditadas pelo poder público, sendo remunerada com base num

cálculo que leva em consideração o número de presos e o número de dias

administrado.

Importante salientar que as empresas não estão preocupadas com os princípios

fundamentais dos direitos humanos e sim com a lucratividade dos negócios. A lógica de

mercado é simples: quanto mais presos às unidades penitenciárias abrigam, mais verbas

federais são repassadas para as empresas aumentando gradativamente os lucros, o setor

registra recordes consecutivos de lucro no decorrer dos últimos anos e é o segundo mais

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rentável aos investidores do país. Recentemente passou a figurar no rol de setores com

ações negociadas na Bolsa Nasdaq.

Por exemplo, o maior complexo penitenciário localizado na Geórgia, que é

privatizado, recebe aproximadamente 200 dólares por cada preso todos os dias,

rendendo um lucro anual de 50 milhões de dólares. Além disso, a empresa potencializa

os vencimentos cobrando cinco dólares pelo minuto das ligações telefônicas -

provavelmente a taxa por minuto mais cara do planeta. Os presos que trabalham no

local - não importa quantas horas - recebem um dólar pelo dia trabalhado.

Com a implantação da dinâmica de mercado às prisões, a população carcerária

dos EUA teve um crescimento de mais de 500% - valor que representa

aproximadamente 2,3 milhões de pessoas nas prisões norte-americanas.

Os EUA gastaram mais de 300 bilhões de dólares desde 1980 para expandir o

sistema penitenciário. A justificativa oficial de Washington para a utilização de prisões

privadas, reiterada ao longo dos anos.

Assistimos a privatização das prisões em alguns países como a França, Canadá,

Inglaterra, Escócia, Austrália, Japão e na América Latina o Chile, Honduras, Paraguai,

Peru e México.

Nos EUA, o que a princípio seria a solução passou a ser um negócio lucrativo e

não diminuiu em nada a criminalidade. Hoje nos EUA existem mais de 15 empresas

que disputam essa fatia no mercado lucrativo.

Necessário salientar, como aponta o professor José Laurindo Minhoto, que a

rentabilidade do “negócio” em que se transformou a custódia de presos, fez com que

duas empresas norte-americanas que começaram com a essa transação, conhecidas

como CCA e WCA, estão avaliadas aproximadamente por quatro bilhões de dólares.

Outro ponto relevante é a valorização de 100 a 200% na bolsa, muito rentável no

mercado acionário.

No Brasil adveio a ideia das PPPs, parcerias público-privadas, que teve início no

Estado de Minas Gerais onde foi inaugurada no dia 28/01/2013 o primeiro presídio com

PPP, no município de Ribeirão das Neves, com 3040 vagas. O governo estadual previu

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pagamento à empresa de 2,7 mil por preso por mês, mais do que os R$ 2,1 mil que gasta

atualmente com cada detento do sistema público.

A socióloga Julita Lemgruber no Seminário “A Privatização do Sistema

penitenciário Brasileiro”, organizado pelo Comitê e pelo Mecanismo Estadual de

Prevenção e Combate à Tortura, afirmou:

“O Estado priva alguém da liberdade, então o estado precisa

administrar essa privação da liberdade. Portanto, não é legítimo

que o estado ceda à iniciativa privada a administração da

privação da liberdade de alguém. Essa é uma questão de fundo.

Está impondo um novo modelo sem qualquer discussão com a

sociedade, não houve nenhuma tentativa de amadurecer essas

ideias. É um grande equívoco, pois tem pessoas que estão na

prisão ilegalmente. Então, você tem um problema muito grande

para solucionar, que é manter na prisão, realmente, somente

aquelas pessoas cuja privação da liberdade respeita os limites

da lei. O que não é o caso do Brasil na questão dos presos

provisórios”.

Continua a socióloga Julita Lemgruber em sua análise:

“As nossas prisões estão entupidas de presos que cometeram

delitos sem violência, que poderiam ser punidos com penas

diferentes da pena de prisão. A sensação que eu tenho é que a

gente vai enfrentar um tsunami. Isso vai invadir o país”.

No Brasil os estados que estão pensando ou já iniciaram projetos de parcerias

público-privadas são: São Paulo, Pernambuco, Ceará, Santa Catarina, Tocantins, Bahia,

Paraná e Espírito Santo.

Importante salientar o boom das privatizações começa na década de 90 quando o

governo federal vendeu mais de 100 empresas estatais e concessionárias de serviços

públicos, em um processo de privatizações — ainda em curso, vide aeroportos, a

telefonia, a distribuição de energia elétrica, muitas rodovias extração de minério de ferro

e a siderurgia.

Diferente do modelo privado norte-americano de gestão penitenciária, o modelo

de parceria público-privada é oriundo da França. Baseia-se em um sistema de dupla

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responsabilidade que tanto a empresa privada como o Estado administram em conjunto,

que está dividido dá seguinte forma:

1- Cabe à empresa privada

A construção da penitenciária

A colocação de todos os móveis necessários ao seu funcionamento

A manutenção de serviços médicos e dentários

A criação de áreas de lazer

O fornecimento de alimentação, roupas, medicamentos etc.

A segurança interna, realizada por pessoal contratado.

O fornecimento de assistência jurídica gratuita para os presos

A possibilidade de assistência religiosa.

2- Cabe ao serviço público

Fiscalização do Ministério Público bem como pelo Poder Judiciário

Direção de unidade prisional

Portanto temos modelos de privatização total e parcial. Cabe discutir alguns

pontos sobre a privatização:

a) Privatizando as prisões e tendo elas fins lucrativos, aumentaríamos

sensivelmente o número de pessoas presas, a exemplo o que ocorreu nos EUA.

Esse é o raciocínio lógico numa sociedade capitalista neoliberal. Do ponto de

vista ético, pesa o fato de que as empresas só se preocupariam em lucrar com o

aprisionamento das pessoas, assim lucrariam com uma atividade que deveria ser

prestada pelo Estado, responsável pela administração da segurança e da justiça,

logo é um negócio que lucra com a dor e a privação da liberdade, assim para se

ter lucro é necessário ter mais hospedes e de penas longas. Dessa forma, vai

promover uma demanda jurídico–penal que se associe aos novos negócios da

prisão. Esse paradigma carcerário está vinculado a um modelo político

econômico de ascendência neoliberal, que transformou o Estado Social em

Estado Penal.

b) Cabe observar ainda que o estado já vem privatizando aos poucos o sistema

prisional, pois muitos serviços já são terceirizados, a exemplo o fornecimento de

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alimentação. Recentemente foi fartamente veiculado nos meios de comunicação

o esquema de corrupção envolvendo a empresa Facility, fornecedora de

alimentação ao sistema prisional do Rio de Janeiro.

c) Vale destacar que o estado quando busca a terceirização de serviços como

alimentação, limpeza e serviços de técnicos como de assistentes sociais,

médicos, psicólogos, técnicos de enfermagens, pessoas para trabalharem

administrativamente, enfim todos os contratos temporários, o faz pensando que

o custo será menor do que aquele possivelmente praticado pelo estado. Como se

sabe nas licitações públicas, o que se busca, além da qualidade do serviço, é o

menor preço. Dessa forma, pelo menos teoricamente, o estado ao terceirizar um

serviço busca evitar gastos desnecessários. Porém não estamos falando de gastos

desnecessários e sim de um serviço que requer pessoas com uma especificidade

particular de trabalho.

No Rio de Janeiro, com a superpopulação carcerária, violência endêmica e

condições absolutamente subumanas de alojamento, o governo vem sucateando alguns

serviços essenciais no sistema prisional, como a função de médico, assistente social,

psicólogas, nutricionistas, técnicos de enfermagens enfim várias profissões,

principalmente toda área técnica. No organograma da SEAP a área técnica é

subordinada à Subsecretaria de Tratamento Penitenciário. Na prática a pasta não vem

dando a atenção devida à temática. O último concurso que foi feito para esta área foi em

1998. Até então tínhamos um número de presos compatível com os números de

profissionais para atendimento que eram aproximadamente 16 mil presos. Hoje o Rio de

Janeiro possui mais de 34 mil presos, para apenas 600 profissionais da área técnica.

Portanto, é possível afirmar que no Rio de Janeiro, há anos, temos observado o

sucateamento de todos os serviços técnicos, para haver mais justificativas nos contratos

com o setor privado, na prestação de serviço.

Entretanto, a situação é calamitosa. Existem unidades prisionais nas quais há

muito tempo não há assistente social e que vão permanecer sem o profissional por muito

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tempo, pois não são oferecidas condições dignas de trabalho. Os contratos são

extremamente frágeis e perversos.

Em relação aos médicos, o cenário é similar. O governo estadual inaugurou a

UPA do Complexo de Gericinó, que tem a seguinte missão: “A Unidade de Pronto

Atendimento é uma parceria entre as Secretarias de Administração Penitenciária e a de

Saúde e Defesa Civil”. Segundo o subsecretário-adjunto de Tratamento Penitenciário, a

unidade, além de atender os presos, vai evitar que criminosos feridos em ações policiais

sejam medicados em hospitais junto com a população dentro do Complexo de Gericinó

e tentaram contratar médicos a um salário diferenciados de aproximadamente sete mil

reais. Porém, não conseguiram preencher todas as vagas. Existe ainda outro problema

grave, ético, que é constituir equipes com alta disparidade de vencimentos, ferindo o

princípio da isonomia.

No Rio de Janeiro o Fórum Permanente de Saúde do Sistema Prisional vem ao

longo de dois anos denunciando tais problemas. Esta luta contribui para frear a ânsia

privatista no sistema penitenciário.

Outro fator a ser destacado é o sindicato de profissionais da área de segurança,

ainda bastante combativo. O governo do estado, ao longo dos últimos anos tem dado

total apoio, realizando concurso público e implementado o plano de cargos e salários.

Fato que não está acontecendo com a área técnica que, há mais de seis anos, solicita

concurso público e plano de cargos e salários. Há claramente a prioridade do governo ao

longo de mais de 16 anos na área de segurança em detrimento da área técnica.

Outro fator que pode contribuir como freio ao processo de privatização do

sistema penitenciário são alguns dispositivos legais, como a Resolução Nº 8 do

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:

Art. 1º – Recomendar a rejeição de quaisquer propostas

tendentes à privatização do Sistema Penitenciário Brasileiro.

...

Parágrafo único: Os serviços técnicos relacionados ao

acompanhamento e à avaliação da individualização da

execução penal, assim compreendidos os relativos à assistência

jurídica; médica, psicológica e social, por se inserirem em

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atividades administrativas destinadas a instruir decisões

judiciais, sob nenhuma hipótese ou pretexto deverá ser

realizada por empresas privadas, de forma direta ou delegada,

uma vez que compõem requisitos da avaliação do mérito dos

condenados.

Certamente, a realidade prisional do Rio de Janeiro e do Brasil é calamitosa. Os

problemas estruturais podem tornar-se ainda mais agravados no que se refere à garantia

dos direitos das pessoas privadas de liberdade caso o processo de privatização seja

aprofundado.

É urgente que o Poder Judiciário, especialmente a Vara de Execuções Penais, o

Ministério Público, a Defensoria Pública e demais órgãos e instituições de

monitoramento dos espaços de privação de liberdade estejam vigilantes a este cenário

sombrio que se ergue junto a um contexto de sucateamento de serviços básicos com

saúde, educação, habitação em todo o país. Cenário este que acentua o caráter punitivo

do Estado em detrimento de políticas públicas de cidadania.

III.1.3 – SAÚDE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro em

parceria com a Comissão de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania e o Fórum

Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro realizou em 21 de

maio de 2013 mais uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio

de Janeiro para tratar do precário acesso à saúde no sistema penitenciário carioca.

Estiveram presentes na Audiência a Secretaria de Estado de Administração

Penitenciário (SEAP), Ministério Público, através da Promotoria de Tutela Coletiva de

Saúde, a Defensoria Pública e parte dos profissionais que integram o corpo técnico das

unidades de saúde e prisionais.

O Mecanismo expos dados colhidos no relatório apresentado ao Comitê Estadual

de Prevenção e Combate à Tortura específico sobre saúde no sistema prisional em

dezembro de 2012.

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O relatório apresentado teve o intuito de diagnosticar as políticas de saúde

existentes no âmbito do sistema prisional no Rio de Janeiro e as condições observadas

para o tratamento de pessoas privadas de liberdade deste estado. Sua finalidade é a de

prevenir e combater as condições de tortura através de recomendações que estabeleçam

harmonia com os padrões nacionais e internacionais de cuidados em saúde.

O MEPCT realizou visitas a todas as unidades de saúde do sistema prisional do

rio de janeiro, incentivado pelas constantes denúncias por parte dos presos em relação

ao atendimento de saúde e dos questionamentos oriundos dos próprios técnicos da saúde

prisional. Além de considerações sobre essas unidades, o MEPTC fará também

observações sobre questões ligadas à saúde das visitas realizadas em unidades que

dispõem de ambulatórios de saúde.

Entre os principais descontentamentos dos presos, a assistência médica se

destaca. São frequentes as queixas de péssimo atendimento, indisponibilidade de

medicamentos e demora para atendimento de emergência.

Como constatado em quase todos os relatórios do Mecanismo, a arquitetura das

unidades prisionais em muito contribuem para violação do direito à saúde e dos direitos

humanos. A condição dos ambientes são insalubres: precária iluminação e ventilação,

má conservação da rede de esgoto, acúmulo de lixo, condição degradada das celas e

ausência de ambiente sanitário adequado. É nítida a existência de maus tratos em

virtude do difícil acesso das pessoas doentes aos serviços de saúde, a não

disponibilização de água filtrada para o consumo dos detidos, a falta de camas,

colchões, roupa de cama, uniformes, materiais de higiene e remédios agravam e

vulnerabilizam ainda mais a saúde dos presos.

Médicos entrevistados pelo Mecanismo em ambulatórios apontaram graves

problemas no que diz respeito à resolutividade dos casos e afirmaram que doenças

graves não são tratadas e que não há saúde preventiva no sistema prisional do rio de

janeiro. Há muitos presos com doenças respiratórias, alergias e doenças de pele em

diferentes unidades. Aponta-se que seria necessária a presença de dermatologistas,

oftalmologistas, alergistas, ortopedistas e outros especialistas que pudessem tratar das

doenças mais recorrentes para que fosse prestado um bom tratamento de saúde. Há,

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ainda, uma gama de presos com hipertensão, asma e outras tantas doenças que não tem

tido atendimento adequado no sistema.

Há falta de remédios, nebulização, materiais em geral. Uma das enfermeiras

entrevistadas em visita do Mecanismo afirmou que eles (técnicos de saúde) trabalham

“fazendo milagres”, pois a estrutura é absolutamente precária e os salários são

insatisfatórios.

Nas unidades femininas faz-se indispensável a presença de ginecologistas.

Importante destacar, no entanto, que não foram observadas, nas visitas realizadas pelo

MEPTC, a presença de médicos ginecologistas em nenhuma das unidades femininas

visitadas. No que diz respeito aos transexuais do sistema, seria fundamental o

fornecimento da hormônio-terapia para manutenção de sua dignidade.

Como muitos presos reclamam de receber medicação com validade vencida, o

Mecanismo sempre solicita acesso aos medicamentos do ambulatório. Por diversas

vezes foi possível observar a presença de medicamentos e seringas fora da validade. A

subsecretaria de tratamento afirmou, em reunião com o MEPTC, que providências estão

sendo tomadas para que não mais sejam fornecidos remédios com prazo perto ou fora

do vencimento. Justificou-se que a maior parte dos medicamentos fora da validade são

oriundos de doações, o que não mais será aceito pela SEAP. O MEPTC vê a iniciativa

com bons olhos, mas alerta que, ainda assim, foi possível encontrar remédios fora da

validade nas visitas que realizou após a reunião com o Subsecretário de Tratamento.

Até o ano de 2007, o serviço de saúde oferecido pela seap era referência no

cenário nacional, contudo diante dos dados colhidos nas visitas realizadas é possível

afirmar que a saúde do sistema prisional carioca passa por uma crise. As possíveis

causas para este grave momento apontadas pelos próprios profissionais são aumento da

população carcerária, escassez de recursos humanos, déficit salarial e a adoção de

contratos temporários.

Segundo Resolução do Conselho Nacional de Políticas Criminais e

Penitenciárias (CNPCP), Nº 07 de 14 de abril de 2003, artigo 1º, inciso IV: “Para o

atendimento ambulatorial são necessários, no mínimo, servidores públicos das

seguintes categorias profissionais: 01 médico clínico, 01 médico psiquiatra, 01

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odontólogo, 01 assistente social, 01 psicólogo, 02 auxiliares de enfermagem e 01

auxiliar de consultório dentário com carga horária de 20 horas semanais. Nas

unidades femininas deve haver sempre, pelo menos, 01 médico ginecologista.”(grifo

nosso). O CNPCP acrescenta ainda que cada equipe deve ser responsável por até 500

presos. Nesse sentido é possível afirmar que, no tocante às equipes técnicas de saúde

nas unidades comuns da SEAP (que tem tratamento ambulatorial), há um total

descompasso com a política nacional de acesso à saúde do preso e da presa.66

Outro aspecto cotidiano que prejudica aqueles que necessitam ser deslocados da

unidade para atendimento é o transporte realizado pelo Serviço de Operações Externas

(SOE). Um fator recorrente no relato dos detentos é uso contínuo e excessivo da força

por parte dos agentes do SOE em traslados realizados pelo órgão. Um preso relatou ao

MEPTC que o SOE “esculacha muito” e que enquanto batem afirmam que “quebram e

o médico conserta”.

É necessário destacar também a inadequação e insuficiência de tratamentos de

média e alta complexidade pela SEAP. Além do próprio Complexo de Gericinó não ter

um hospital próprio para casos de alta complexidade – apenas uma Unidade de Pronto

Atendimento (UPA) – as demais unidades isoladas e do Complexo de Japerí sofrem

ainda mais com a logística do transporte para atendimento médico. Os presos, por sua

vez, tem ameaçada sua integridade física frente às distâncias que percorrem para

realizar suas consultas e ao procedimento de transporte inadequado. Faz-se premente

que a SEAP se adéqüe a Resolução Nº2/2012 do CNPCP, regulamentando o transporte

com número máximo de detentos por viagem, hierarquização dos casos de saúde e, em

médio prazo, que seja substituído o transporte dos doentes nos carros do SOE por

ambulâncias equipadas para atendimento emergencial de saúde.

Outro fato grave apurado pelo MEPCT diz respeito à informação de que a

comunicação dos presos com qualquer profissional integrante da equipe técnica,

66

Resolução do Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciária, Nº 07 de 14 de abril de 2003.

Disponível em: https://mail-

attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=59b21d0257&view=att&th=136a2ee0f2765

69b&attid=0.1&disp=inline&realattid=f_h0wsdq8f0&safe=1&zw&saduie=AG9B_P_wZS0nk6YD9ot6y

17nvscI&sadet=1334253221612&sads=apv28yyxnLfwqi406GvqTf92Y9E&sadssc=1

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inclusive para atendimento médico, se dá, na maioria das unidades, através dos

chamados “faxinas” ou “ligação”. Em algumas unidades tal solicitação é feita para os

inspetores penitenciários. Assim, estes são os responsáveis por anotar os pedidos de

atendimento e repassar a equipe, ficando, portanto, a critério dos mesmos determinar

quem irá receber atendimento psicológico, social ou médico. Tal fato é grave e enseja a

possibilidade, tanto de corrupção, como de arbitrariedade no acesso ao atendimento de

saúde. É urgente a mudança dessa forma de “seleção” para o atendimento que além de

qualificado deve ser universal.

O programa de tuberculose e AIDS que também já foi bastante elogiado em

outros tempos, neste momento encontra-se bastante debilitado. Há reconhecida

insuficiência de médicos e materiais para diagnóstico, o que nos permite afirmar a

existência de provável a subnotificação dos casos de tuberculose. A unidade Alfredo

Tranjan (Bangu II) que atualmente funciona também como uma “porta de entrada” do

sistema não possui equipamentos para diagnóstico da tuberculose, tal qual não havia no

Ary Franco, um das razões da audiência realizada no ano passado.

Em outubro de 2012 o Ministério Público do Rio de Janeiro propôs ação civil

pública devido a diminuição na oferta de consultas e exames aos internos com

tuberculose e o consequente aumento na taxa de mortalidade no sistema prisional.

Em janeiro de 2013, a 5ª Vara de Fazenda Pública concedeu liminar ao

Ministério Público determinando ao Estado do Rio equipar o Hospital Sanatório Penal,

com no mínimo 12 médicos para o atendimento dos pacientes, um laboratório com os

recursos necessários para os exames de tuberculose, entre outros itens. Contudo, em 15

de março de 2013, a 3ª Câmara Cível do TJRJ suspendeu a liminar com o entendimento

que o atendimento estaria sendo prestado nas unidades prisionais pela Secretaria de

Estado de Saúde, fato que não foi verificado pelo MP e tão pouco pelo Mecanismo.

a) Sobre os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico

Para possibilitar a ressocialização de pacientes com alto grau de

institucionalização e estigma como os loucos infratores são necessárias estratégias

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estruturantes que passam pela mudança no próprio perfil de internação, permanência e

tratamento. Sob a lógica de gestão penitenciária, os pacientes se deparam com

problemas que lhe são singulares: o quadro de agentes, por exemplo, não possui uma

capacitação específica para lidar com pessoas com transtornos psíquicos, fato que

acarreta sérios problemas na relação com perturbações e sintomas específicos.

O MEPTC considera um exemplo de boas práticas todas as modificações

realizadas pela SEAP nos manicômios judiciários, que, em reconhecimento ao fato de

que a legislação dava margem para internações abusivas, iniciou o “Programa de

Reinserção Social Assistida” nos anos 90. Tal programa foi fundamental para cessar do

critério de avaliação da periculosidade e o condicionamento da desinternação à

“remissão da sintomatologia e ao apoio sócio-familiar”, tendo importante lugar na

reorientação à assistência e atendimento nos manicômios judiciários do estado.

Outras experiências inovadoras demonstram que o infrator fora do manicômio

judiciário e inserido nas redes de atenção à saúde mental tem maiores chances de

sucesso em seu tratamento. A rede extra-hospitalar de saúde com seus dispositivos

como os CAPS, Residências Terapêuticas, ambulatórios e Centros de Convivência,

legitima-se para oferecer tratamento a estes cidadãos.

Os municípios são responsáveis por implementar tais serviços tão fundamentais

ao processo de desinstitucionalização, o que tem se dado com extrema lentidão.

Preocupa ao Mecanismo que os Hospitais venham a se converter em abrigo, como pode

ocorrer com o hospital Heitor Carrilho de forma permanente, oferecendo como única

alternativa a continuidade da institucionalização através do acolhimento ou a

transistitucionalização dos pacientes para outros manicômios. É sabido que não é essa a

intenção da SEAP, o que indica um bom direcionamento. O Mecanismo vê como

positiva a reorganização da porta de entrada e de saída dos manicômios judiciários e se

preocupa com as dificuldades enfrentadas no processo de desinstitucionalização dos

pacientes oriundos de manicômios judiciários pelo duplo estigma que sofrem.

Em visitas realizadas pelo Mecanismo é preocupante a presença de internos com

distúrbios psiquiátricos em unidades que não oferecem tratamento adequado. Os

membros do MEPCT/RJ encontraram por exemplo em visita ao Ary Franco um interno

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com aparente transtorno em uma cela comum, ingerindo fezes. Cabe destacar que

durante muitas inspeções são ouvidos relatos de presos com quadro de sofrimento

psíquico aguardando atendimento adequado.

b) Sobre o relato de tortura

No que diz respeito ao tema da tortura, é fundamental que os profissionais de

saúde do sistema tenham autonomia e segurança para relatar as autoridades as

evidências do crime de tortura sem naturalizar marcas físicas que podem ser oriundas de

agressões.

No caso de unidades prisionais, a dificuldade verificada em materializar provas

dos crimes de tortura é ainda maior na medida em que o preso está sob controle e

custodia do Estado. Assim, ter um corpo técnico atento aos casos de crime de tortura é

fundamental. A comum escusa de que presos caíram da comarca e/ou entraram em

conflito com outros presos não devem ser naturalizadas.

De forma geral as soluções para a evolução no sistema de saúde nas unidades

prisionais passa pela valorização da equipe técnica de saúde e isso deve ser feito através

da implantação imediata do plano de carreiras, da melhoria salarial, da adequação das

condições de trabalho e também pela captação de recursos humanos por um concurso

público para preenchimento dessas vagas ociosas. Apesar das OS já instaladas na UPA

de Bangu é necessário ressaltar a necessidade de rejeitar qualquer privatização da saúde

do sistema prisional e das contratações feitas em caráter temporário na medida em que

os profissionais de carreira demonstram melhor desempenho e maior compromisso com

esse público singular.

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III.2 – SISTEMA SOCIOEDUCATIVO

III.2.1- Adolescentes Privados de Liberdade

No que tange à matéria dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Brasil ocupa

lugar de destaque no âmbito internacional, especialmente pela sua legislação especial,

qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes mesmo da aprovação da

Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU (CDC), em 1989, o Brasil já adotara a

chamada Doutrina da Proteção Integral, desenvolvida durante os trabalhos das Nações

Unidas que resultaram na Convenção. A proposta de emenda popular apresentada à

Assembléia Nacional Constituinte, que contou com mais de 1,2 milhões de assinaturas,

e que resultou na inclusão do artigo 227 da nossa carta magna, internalizou a referida

doutrina, em detrimento da chamada Situação Irregular, anteriormente vigente no país

através do Código de Menores de 1979, revogado pela nova ordem constitucional

brasileira.

Como princípios básicos da Proteção Integral, e que se contrapõem diretamente

àqueles que norteiam a Situação Irregular, apontamos a condição de sujeito de direitos à

qual são elevadas as crianças e os adolescentes, antes entendidos como objetos de

intervenção estatal, como indicativo da mudança paradigmática que representa esta

formulação e internalização deste entendimento sobre a infância e a Adolescência.

Apesar destes avanços observados no âmbito legislativo, no que tange às

políticas públicas, o Brasil avançou a passos lentos nestes últimos 25 anos,

especialmente na universalização do acesso a estes direitos e na atenção às crianças e

aos adolescentes institucionalizados. Infelizmente, a rotina histórica de violação e

negação de direitos a estes meninos e meninas é a realidade atual, tendo o Brasil

apresentado as maiores taxas de homicídios contra crianças e adolescentes em todo o

mundo.

E podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que o Sistema Socioeducativo é

uma das políticas públicas voltadas para o público infanto-juvenil que permanece com

uma cultura menorista focada ainda na situação irregular.

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Segundo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República (SDH/PR), entre 2006 e 2010 observou-se uma redução do crescimento

percentual de adolescentes no Sistema Socioeducativo em âmbito nacional67

, se

comparado à década anterior. Embora não tenha havido uma redução no número

absoluto de adolescentes e jovens cumprindo medidas privativas de liberdade

(internação provisória, semiliberdade e internação), a tendência observada ao longo

destes quatro anos, os primeiros após a aprovação da Resolução 119 do Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que instituiu o

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

Cabe destacar que essa tendência de redução da taxa de crescimento do número

de adolescentes privados de liberdade foi interrompida, evidenciando uma preocupante

nova tendência de inversão, ou seja, se antes havia um redução constante da taxa de

crescimento, aparentando haver uma certa estabilização no número de internos em todo

o país, hoje observa-se uma nova onda encarceradora, o que fez com que de 2010 a

2011 o número de adolescentes internados no país tenha crescido 10,69%68

, como

podemos observar na figura abaixo.

67

“Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com dados

referentes a 2011. 68

idem

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Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com

dados referentes a 2011.

Em janeiro de 2012, a Resolução 119 do CONANDA sofreu algumas alterações,

tornando-se lei federal com o número 12.594/12, a chamada Lei do SINASE.

A partir deste novo marco normativo, fruto de ampla mobilização da sociedade

civil organizada no âmbito da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes,

pretende-se ter maior integração entre os atores do sistema de garantia de direitos,

definindo-se atribuições, metas, procedimentos e responsabilidades dos gestores quanto

a eventuais irregularidades constatadas.

O MEPCT em junho de 2013 encaminhou contribuições e sugestões á consulta

pública ao Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo 2013-2022 à Secretaria

Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente nos eixos gestão,

qualificação do atendimento, participação cidadã dos adolescentes e sistema de justiça e

segurança. Vale destacar que muitas de tais contribuições são semelhantes àquelas que o

MEPCT realiza em suas recomendações nos relatórios de monitoramento.

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, ao

longo de 2013, realizou inúmeras visitas nas unidades de internação e internação

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provisória, com vistas ao acompanhamento da implementação do SINASE no estado.

Nestas visitas, recorrentemente éramos surpreendidos com afirmações de que o número

de apreensões e internações vinha crescendo, informações estas prestadas por diretores

de unidades, servidores e gestores do próprio sistema socioeducativo fluminense.

Para se ter uma ideia, em 05 de novembro de 2013, em audiência pública da

Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do

Rio de janeiro sobre o Sistema DEGASE, o Sub-diretor Geral do departamento afirmou

que observou-se um aumento desproporcional no número de adolescentes que entram

no sistema, apontando como uma das possíveis causas, a realização de mega-eventos na

cidade do Rio de Janeiro, tais como Rio +20, Copa das Confederações e Jornada

Mundial da Juventude Católica, entre outros. Esta constatação merece atenção especial

do MEPCT/RJ uma vez que esta tendência encarceradora durante estes eventos deve

permanecer ao menos até 2016, tendo como ápices a realização da Copa do Mundo de

Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos de 2016.

Esta hipótese encontra respaldo na tabela abaixo, que analisa,

comparativamente, a variação do número de adolescentes privados de liberdade entre os

anos de 2010 e 2011 nos estados e no Distrito Federal.

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Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com

dados referentes a 2011.

A tabela abaixo compara o número de adolescentes privados de liberdade em

todos os estados no período entre os anos de 2008 a 2011.

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Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com

dados referentes a 2011.

Importante destacar que, mesmo se tratando de dados referentes ao ano de 2011,

ou seja, anteriores aos primeiros mega-eventos em sequencia que teremos na cidade do

Rio (tivemos em 2012 a Rio +20 e, em 2013, a Copa das Confederações e Jornada

Mundial da Juventude Católica) o Rio de Janeiro já observava um crescimento,

evidenciando que, embora a observação feita pelos gestores e profissionais do DEGASE

da relação entre este eventos e o aumento do número de adolescentes, o encarceramento

em massa constitui elemento de suma importância na política criminal levada a cabo

pelo estado, não apenas no que diz respeito aos mega-eventos.

No que tange à proporcionalidade da população quanto ao gênero, a tabela

abaixo traz a realidade em 2011 em todos os estados brasileiros.

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Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com

dados referentes a 2011.

O número de meninas privadas de liberdade no estado do Rio de Janeiro

representa cerca de 5% do total de adolescentes internados, muito semelhante ao

observado no restante do país.

Ainda sobre a conjuntura do sistema socioeducativo, em 2011, o estado do Rio

de Janeiro apresentava uma taxa de encarceramento de 60 adolescentes para cada

100.000 adolescentes residentes no estado. Esta taxa, se de fato as observações dos

gestores do DEGASE e dos membros do MEPCT/RJ (de que houve um aumento

significativo do número de adolescentes apreendidos nos últimos dois anos) se

confirmarem, deve ser bem mais elevada atualmente.

Como já vinha acontecendo em 2012, o MEPCT/RJ foi novamente convidado a

participar dos cursos de formação para servidores do Departamento Geral de Ações

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Socioeducativas (DEGASE), ministrando o módulo “Prevenção e Combate à Tortura”.

Importante registrar que em 2013, para além dos cursos de formação continuada dos

servidores que atuam na internação provisória, internação e semiliberdade, houve a

realização de um grande concurso público de seleção para agentes socioeducativos e

equipes técnicas, e que este concurso público contava com a realização de um curso de

formação como uma das etapas do processo seletivo. Estas aulas se deram ao longo do

ano, tendo sido ministradas nos municípios do Rio de Janeiro, Teresópolis, Nova

Iguaçu, Niterói, Volta Redonda e Macaé.

III.2.2 - Das Unidades de Internação.

O ECA prevê como órgãos fiscais ou controladores da política de atendimento à

criança e ao adolescente o Ministério Público, o Judiciário, os conselhos tutelares e os

conselhos dos direitos das crianças e dos adolescentes. Por esta razão, o MEPCT/RJ

buscou, ao longo do ano de 2013, aproximação com estes órgão para fins de aperfeiçoar

e articular as ações de monitoramento.

Conforme dito anteriormente, o MEPCT/RJ, em seu planejamento institucional

para o ano de 2013, optou por enfatizar as suas visitas ao Sistema Socioeducativo no

que diz respeito à execução das medidas internação e internação provisória, com vistas

ao acompanhamento da implementação do SINASE no estado do Rio de Janeiro.

Em 2013, as unidades de internação e internação provisória em funcionamento

no estado do Rio foram:

Centro de Socioeducação Dom Bosco – unidade de cumprimento de medida

socioeducativa de internação provisória para adolescentes do sexo masculino.

Centro de Socioeducação Gelso de Carvalho Amaral (GCA) – unidade de

triagem.

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Centro de Socioeducação Professora Marlene Henrique Alves – unidade recém

inaugurada em Campos dos Goytacazes. Atende adolescentes do sexo masculino

em internação provisória ou internação.

Centro de Socioecudação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa – unidade

destinada à internação provisória ou internação de adolescentes do sexo

feminino.

Centro Integrado de Tratamento ao Uso e Abuso de Drogas (CITUAD) –

unidade de atendimento especializado aos adolescentes internados que precisam

de atendimento à dependência química.

Escola João Luiz Alves (EJLA) – unidade de cumprimento de medida de

internação provisória e internação para adolescentes do sexo masculino com até

15 anos.

Educandário Santo Expedito (ESE) – unidade de cumprimento de medida

socioeducativa de internação para adolescentes do sexo masculino com idade

entre 16 e 21 anos.

Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo (CAI-Baixada) – unidade de

internação provisória e internação para adolescentes do sexo masculino.

Cumpre aqui observar que algumas unidades destinadas à internação, nos

últimos anos foram rebatizadas. Foram os casos do antigo Educandário Santos

Dummont, que recebeu o nome de Centro de Socioecudação Professor Antonio Carlos

Gomes da Costa, e do antigo Instituto Padre Severino, renomeado como Centro de

Socioeducação Dom Bosco. Sobre esta segunda unidade, importante destacarmos as

inúmeras recomendações emitidas por órgãos de controle e fiscalização para o

encerramento das atividades do antigo Instituto Padre Severino, por total ineficácia do

trabalho desenvolvido no local e das precárias condições físicas e de salubridade que as

suas instalações ofereciam aos internos. Destacamos aqui, apenas a título de

exemplificação, as recomendações emitidas neste sentido pelo Conselho Nacional de

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Justiça (CNJ)69

e pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU70

. Desta forma, ainda

em 2011, o Diretor Geral do DEGASE anunciou o fechamento do Instituto Padre

Severino, que seria substituído pelo Centro de Socioeducação Dom Bosco, a ser

construído no mesmo terreno, localizado na Ilha do Governador.

Em 2012, foi inaugurado o módulo construído para o Dom Bosco, projetado

dentro dos padrões arquitetônicos estabelecidos pelo SINASE. Neste módulo, cabem

89 adolescentes, com instalações, inclusive, apropriadas para cadeirantes, se for

necessário. Ocorre que, apesar desta inauguração, os antigos alojamentos, ainda da

época da FUNABEM, permaneceram de pé, alojando a maioria dos adolescentes que se

encontram na unidade. Importante registrar que, na última visita realizada pelo

MEPCT/RJ à unidade, havia um total de 272 adolescentes, sendo que o módulo novo

encontrava-se com a sua capacidade máxima preenchida, mas não superlotado. Isso

significa dizer que 183 adolescentes (dois terços no número de internos) permaneciam

nas condições insalubres e degradantes condenadas tanto pelo CNJ quanto Pelo

Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU. Neste sentido, em recente Audiência

Pública realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da

ALERJ, Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, declarou que continuará chamando o

Centro de Socioeducação Dom Bosco pelo seu nome antigo, Instituto Padre Severino,

até que o DEGASE desative os alojamentos insalubres que pertencem ao prédio do

antigo instituto.

Ao longo do ano, o DEGASE inaugurou a unidade Centro de Socioeducação

Professora Marlene Henrique Alves, no município de Campos dos Goytacazes, região

norte do Estado. Importante destacar que esta é a primeira unidade de internação do

estado do Rio de Janeiro localizada fora da região metropolitana do Rio. Antes de sua

69

Conselho Nacional de Justiça. Relatório Final do Programa Justiça ao Jovem no Estado do Rio de

Janeiro. Brasília, 2011. 70 Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Genebra, 2011.

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inauguração, todos os adolescentes do interior do estado que fossem apreendidos, eram

transportados para a região metropolitana da capital, tornando-se um grande obstáculo

para a efetivação do direito à convivência familiar e a participação das famílias na

construção do Plano Individual de Atendimento e na execução da medida.

Com esta nova unidade, os adolescentes apreendidos no interior do estado

permanecerão mais próximos de seus familiares, o que consideramos um avanço no

processo de descentralização do Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro. Existe ainda

a expectativa de inauguração de nova unidade no município de Volta Redonda, região

sul fluminense, que, segundo notícias do DEGASE, está em vias de conclusão das

obras.

Outra unidade que merece atenção especial neste relatório é o Educandário

Santo Expedito (ESE). Localizado na entrada do Complexo Penitenciário de Gericinó

(Bangu), é um presídio adaptado para receber adolescentes. Apesar de as instalações

arquitetônicas estarem em melhores condições que outras unidades, a mera localização

da unidade a torna irregular frente ao disposto no SINASE, uma vez que este proíbe a

existência de unidades de atendimento socioeducativo em espaços contíguos a unidades

do sistema prisional. Desta forma, por mais que se invista na estrutura da unidade, esta

será sempre irregular, ao menos enquanto o complexo penitenciário permanecer ao seu

lado.

Cumpre destacar que esta proximidade do ESE com o complexo de Gericinó

contribui para a maior estigmatização destes adolescentes e interfere, inclusive, na

prática dos agentes socioeducativos. Essas constatações levaram o Conselho Estadual de

Defesa da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (CEDCA/RJ) a votar a aprovar a

sua Resolução 12/2007, que determina o seu imediato fechamento, mas esta resolução

nunca foi publicada no diário oficial, não podendo, portanto, ser efetivada.

Quanto às condições gerais das unidades de internação provisória e internação,

observou-se uma pequena melhora no quesito estrutura, especialmente em razão da

construção de novos módulos e unidades, mas algumas situações de completa

insalubridade e violações permanecem reais. Inúmeros são os relatos dos adolescentes

em relação à utilização da violência institucional na rotina das unidades. Tapas, murros

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e spray de pimenta são os instrumentos utilizados mais relatados pelos adolescentes. E

isso em todas as unidades visitadas. Há também relatos acerca da utilização de técnicas

de tortura e maus tratos mais “sofisticadas”, com a utilização de algemas,

obrigatoriedade de permanecer em posições desconfortáveis por prolongados períodos,

entre outros.

No Centro de Socioeducação Antônio Carlos Gomes da Costa, antigo

Educandário Santos Dummont, registramos, em parceria com a Coordenadoria de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública, a ocorrência de

tortura contra uma menina, com o emprego de uma técnica denominada “bailarina”, que

consiste em algemar as suas mãos apontadas para o céu, obrigando-a a permanecer nas

pontas dos pés para não sentir dores no braço.

III.2.3- Do Plano de Segurança Socioeducativa do DEGASE

Ao longo do ano de 2012, o DEGASE elaborou um plano de segurança que

contemplasse as necessidades sociopedagógicas que devem nortear as ações de

segurança no interior das unidades socioeducativas.

Diante de um quadro institucional em que inúmeras são as violações de direitos

dentro do sistema socioeducativo legitimadas e naturalizadas pelos seus operadores e

gestores em nome da tal segurança institucional, entendemos que a padronização e

publicização dos procedimentos de segurança a serem adotados em cada situação limite

é de suma importância, uma vez que, desta forma, o profissional terá referenciais

institucionais para determinar qual o procedimento de mediação, contenção ou outro

que seja necessário para salvaguardar a segurança e a integridade de todos na unidade,

adolescentes, profissionais, familiares, etc.

Tomando por referência os marcos normativos nacionais e internacionais no que

tange ao atendimento ao adolescente privado de liberdade, o Plano de Segurança

Socioeducativa do DEGASE é um texto simples, de linguagem acessível e muito

didático. Expõe que todo o modelo de segurança que deve ser adotado por uma unidade

socioeducativa deve ser pautado pelo chamado uso progressivo da força, no qual a força

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

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utilizada para conter ou neutralizar alguma situação que ponha em risco a unidade ou as

pessoas que ali se encontram, devem ser proporcionais ao risco e à força de resistência

apresentada pelo adolescente. Importante destacar que o uso progressivo da força é um

conceito originalmente desenvolvido para nortear e padronizar procedimentos policiais

no momento da prisão/detenção de pessoas, mas posteriormente foi adaptado para

unidades de privação de liberdade em alguns países.

Algumas observações, porém, devem ser feitas.

No que tange às visitas de órgãos de controle legalmente constituídos para a

fiscalização do atendimento socioeducativo, o Plano de Segurança regulamenta o

procedimento a ser adotado pelo diretor da unidade que for objeto de visita de

autoridade legalmente constituída e com atribuição para a fiscalização. Curiosamente, o

artigo 94 do referido plano prevê algumas condições para a realização de visitas sem

prévio agendamento, o que, se mal conduzidas, podem constituir obstáculos para a

realização da visita. Entendemos ser fundamental atribuir ao diretor da unidade a

obrigação de assegurar aos órgãos de controle a realização de visita ou fiscalização

conforme o roteiro elaborado pelo órgão, desde que o mesmo esteja de acordo com a

atribuição legal deste órgão.

Já o disposto no artigo 100 do Plano de Segurança Socioeducativa prevê a

obrigatoriedade de o advogado apresentar procuração assinada pelo responsável do

adolescente devidamente protocolada na respectiva Vara da Infância e da Juventude ou,

se for o caso, devidamente constituído nos autos do processo referente ao seu cliente.

Estas condições são uma flagrante ilegalidade, uma vez que a Lei 8.906/94, dispõe:

“Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e

reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se

acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos

civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;”

Isto posto, se uma Lei Federal assegura ao advogado, figura essencial à Justiça

Brasileira, como nos ensina a própria Constituição da República, o direito e a

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prerrogativa de comunicar-se com seu cliente, ou assistido, nos termos utilizados pelo

Plano de Segurança, restando previsto expressamente que a ausência de procuração não

poderá ser obstáculo, um ato administrativo não pode restringi-lo.

No que tange aos procedimentos para situações de crise, previstos no artigo 20

do capítulo sobre o uso da força, merece destaque, a nosso ver, o procedimento da

alínea “e”, que atribui ao diretor da unidade ou à Comissão de Segurança e Inteligência

do DEGASE a prerrogativa de comunicar à Polícia Militar para “o cercamento do

perímetro externo à unidade”. Ocorre que na alínea “n” deste mesmo artigo, é descrita

uma situação em que a Polícia Militar encontra-se dentro da unidade, sem que haja

qualquer previsão de procedimento e competência para a autorizar a entrada da Polícia

Militar na unidade.

Este é um ponto que é muito caro ao MEPCT/RJ. E também já foi objeto de

análise do Subcomitê para a Prevenção à Tortura da ONU em sua visita ao Brasil em

2011. Na ocasião, ao visitar inúmeras unidades de atendimento socioeducativo de São

Paulo, muitos foram os relatos de reiterados acionamentos da Tropa de Choque da PM

paulista para resolução de pequenos conflitos no interior das unidades. Os relatos

colhidos, davam conta de inúmeras agressões desproporcionais praticadas pelos policias

aos adolescentes internos. Para tanto, o Subcomitê apresentou ao Estado brasileiro a

seguinte recomendação:

150. O uso da “tropa de choque” deve ser limitado a casos

excepcionais e autorizado apenas pela mais alta autoridade

estatal relevante, de acordo com critérios claros e estabelecidos.

Relatar cada operação e empreender o monitoramento externo

das mesmas deve ser obrigatório.

Na mesma linha da recomendação apresentada pelo Subcomitê, entendemos que

a autorização para que forças policiais entrem nas unidades socioeducativas deve partir

da mais alta autoridade estatal possível, no caso, o Diretor Geral do DEGASE, como

forma de evitar o abuso observado em alguns casos no estado de São Paulo, e também

no Rio de Janeiro, como caso relatado mais a frente.

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Insta observar também que este Plano de Segurança deve ser aprovado pelo

Governo do Estado do Rio de Janeiro e pelo Conselho Estadual de Defesa da Criança e

do Adolescente (CEDCA/RJ) para ser implementado, conforme previsto no próprio

plano.

III.2.4.- Da Audiência Pública sobre o DEGASE

No dia 05 de novembro de 2013, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e

Cidadania da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (CDDHC) realizou

uma Audiência Pública para tratar das condições do Sistema Socioeducativo no estado

do Rio de Janeiro. Presidida pelo deputado Marcelo Freixo, presidente da CDDHC, a

audiência contou com a presença do Subdiretor Geral do DEGASE, Roberto Bassan, do

Corregedor Geral do DEGASE, Alexandre Lessa, de dois membros do Mecanismo

Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de janeiro, da Coordenadoria de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do

Rio de Janeiro (CDEDICA), de representante da Vara da Infância e da Juventude da

Comarca da Capital, de familiares de adolescentes que passaram pelo DEGASE e da

professora Margarida Prado, advogada.

Na audiência, os representantes do DEGASE fizeram uma apresentação

relatando os avanços observados na gestão do departamento e as melhorias nas

condições estruturais das unidades, destacando o esforço dispensado para a realização

de concurso público para reposição e expansão do quadro de servidores permanentes do

órgão, como estratégia de superação de uma cultura institucional que não mais coaduna

com as expectativas da gestão.

O MEPCT/RJ ao fazer uso da palavra relatou as constatações feitas ao longo do

ano de 2013 nas visitas realizadas às unidades de internação e internação provisória de

adolescentes autores de atos infracionais, tendo, inclusive, identificado casos de tortura

e outras violações graves ocorridas. Destacou também a existência de ao menos 47

(quarenta e sete) agentes que respondem processo criminal pela prática de tortura e

morte no interior do sistema socioeducativo, elementos reforçados pela coordenadora do

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CEDEDICA. Como encaminhamento da Audiência Pública, o presidente propôs a

realização de reuniões de trabalho entre os órgãos presentes para tratar do cumprimento

das recomendações apresentadas pelo MEPCT/RJ, bem como uma reunião do

CEPCT/RJ com os profissionais do DEGASE que se fizeram presentes.

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100

III.3 - SAÚDE MENTAL, DROGAS E INSTITUCIONALIZAÇÃO 71

O presente tópico abordará o debate sobre saúde mental e institucionalização

relacionado à questão do uso de álcool e outras drogas, problematizando a emblemática

amplitude que o tema tem se consolidado no debate atual dos direitos humanos. Deste

modo, priorizaremos a abordagem acerca das ações realizadas pelo MEPCT em

conjunto com outros órgãos durante o ano de 2013.

III.3.1 - Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, álcool e outras drogas.

A Organização Mundial da Saúde adota uma concepção de saúde que extrapola

a compreensão de ausência de doença, mas entendendo-a como o estado de completo

bem-estar físico, mental e social.

No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos sociais

assegurou a saúde como direito de todos e dever do Estado, tendo sua regulamentação

através das Leis Orgânicas da Saúde Nº8080/90 e 8142/90 tornando obrigatório o

atendimento a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de qualquer pretexto.

No campo da saúde mental, merece destaque o debate mundialmente conhecido

como Reforma Psiquiátrica que delineia outro paradigma no tratamento de pessoas

acometidas por transtornos mentais. Esta reforma parte do princípio que os manicômios,

enquanto instituições totais, são lugares historicamente marcados por maus tratos aos

pacientes, isolamento geográfico e profissional das instituições e seu pessoal, além da

própria dificuldade do controle social visto seu caráter fechado.

Deste modo, assim, parte-se de uma lógica de tratamento humanizado que

priorize ao sistema extra-hospitalar e multidisciplinar como modelo de assistência a

pessoa com transtorno mental, rompendo com a prerrogativa hospitalocêntrica e

psiquiatrocêntrica.

71 No presente tópico, aproveitaremos a redação contida em alguns documentos elaborados como: o relatório anual

MEPCT de 2012, relatório temático de inspeção em comunidades terapêuticas, Relatório de Visitas aos Abrigos

Especializados de Crianças e Adolescentes e relatórios regulares de inspeções do MEPCT.

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No bojo desta discussão, enfrentar-se-ia a mudança de viés do cuidado e atenção

a estes pacientes, indicando que os serviços de base comunitária poderiam favorecer

intervenções precoces e combater o estigma associado aos usuários dos serviços de

saúde mental. Por conseguinte, os grandes hospitais psiquiátricos, de tipo carcerário,

deveriam ser substituídos por serviços que organizassem a atenção com base na

comunidade e, além disso, ser apoiados por leitos psiquiátricos em hospitais gerais e

cuidados domiciliários. Ainda assim, seria necessário, um processo coordenado de

desinstitucionalização fundamentado em três componentes essenciais: “Prevenção das

admissões impróprias em hospitais psiquiátricos, mediante o fornecimento de serviços

comunitários; regresso à comunidade dos doentes institucionais de longo prazo, que

tenham passado por uma preparação adequada; estabelecimento e manutenção de

sistemas de apoio comunitário para doentes não institucionalizados.”72

O marco normativo-político da Reforma Psiquiátrica no nosso país se dá a partir

da aprovação da Lei 10216/2001 que redireciona a assistência em saúde mental e

privilegia o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. A partir de

então, linhas de financiamento são criadas pelo Ministério da Justiça para os serviços

abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico no âmbito do SUS e rede conveniada, e

mecanismos são criados para fiscalização, gestão, redução e fechamento de leitos

psiquiátricos.

A Política Nacional de Saúde Mental tem por objetivo qualificar, expandir e

fortalecer a rede extra-hospitalar formada por uma rede de serviços e equipamentos

variados como: Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais

Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura e os leitos de atenção integral

(em hospitais gerais, nos CAPS III).

O MEPCT conforme os tratados nacionais e internacionais entende que a

atenção a pessoa em situação de transtorno mental deve ser dada na rede comunitária

substitutiva aos manicômios. As instituições totais psiquiátricas representam um legado

72 “Saúde mental: nova concepção, nova esperança.” Organização Mundial da Saúde, 2001.

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da prática de violência institucional, além de serem locais propícios à invisibilidade do

crime de tortura.

A questão da institucionalização de pessoas com possíveis quadros de transtorno

mental ganhou a centralidade do debate no Rio de Janeiro e país a partir do que se

convencionou chamar de “epidemia de crack”. Dotada de uma concepção

descontextualizada histórica e politicamente na atenção a usuários de álcool e outras

drogas, a reatualização da retórica de “guerra às drogas” no cenário atual tem fomentado

suas ações no recolhimento forçado de pessoas pauperizadas em situações de rua, no

confinamento e institucionalização como forma de “tratamento”, financiamento público

de instituições privadas e tendência à mais criminalização de condutas relacionadas ao

uso e comercialização de substâncias entorpecentes, constituindo-se um paradoxo com

as conquistas advindas da Reforma Psiquiátrica.

A primeira quinzena de junho de 2013 representou um marco importante na

contradição entre o debate e as ações desenvolvidas pelos poderes públicos brasileiros

sobre políticas de prevenção e cuidado ao uso abusivo de álcool e outras drogas e as

múltiplas deliberações sobre o tema no âmbito internacional.

Enquanto trinta e quatro países participantes da 43ª Assembleia Geral da

Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiram e assinaram de maneira

unânime a Declaração de Antígua ("Por uma Política Integral Frente ao Problema

Mundial das Drogas nas Américas"), a Câmara dos Deputados aprovou o texto base do

projeto de lei nº 7.663/10, do Deputado Federal Osmar Terra (PMDB-RS), que

representa um dos maiores retrocessos legislativos dos últimos tempos quanto ao

impacto na lei de drogas, no sistema prisional e na Justiça Criminal.

A declaração assinada na OEA prega que “as políticas sobre redução da

demanda de drogas ilícitas devem centrar-se no bem-estar do indivíduo e seu entorno

para que, a partir de uma abordagem multisetorial e multidisciplinar, utilizando

evidência científica e melhores práticas disponíveis, baseiem-se em enfoques para

reduzir os impactos negativos do abuso de drogas, e reforcem o tecido social, bem como

fortaleçam a justiça, os direitos humanos, a saúde, o desenvolvimento, a inclusão social,

a segurança cidadã e o bem-estar coletivo".

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Já o PL nº 7.663/1073 insiste na arcaica concepção de internações como política

prioritária para lidar com sujeitos que fazem uso ou abuso de álcool e outras drogas. A

proposta legislativa inclusive entra em desacordo com a Lei Federal Nº 10216, que

prevê os direitos e a proteção das pessoas acometidas por transtorno mental prevendo

internações somente quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes,

da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O texto que tramita no Congresso Nacional prevê incremento na punição a

comercialização de drogas ilícitas, possibilidade de internação involuntária, a ampliação

maciça do atendimento aos usuários/dependentes pela rede privada onde não houver

equipamentos públicos adequados, – estimulando o processo de privatização da saúde

pública - e comunidades terapêuticas religiosas. Previsão esta de difícil digestão para os

que prezam por um Estado laico, garantidor das liberdades individuais e do Sistema

Único de Saúde (SUS). Aprovado com supressão de alguns artigos na votação da

Câmara, o projeto se encontra para apreciação do Senado Federal.

O cenário do município do Rio de Janeiro reforça a atenção ao tema, com o

debate de projetos de leis municipais na Câmara de Vereadores que preveem a

articulação com essas instituições, como é o caso do PL 1354/2012, de autoria do

Vereador João Mendes de Jesus (PRB/RJ). Além disso, vemos a intensificação das

ações de recolhimento compulsório da população em situação de rua, justificada pelo já

referido “problema do crack.”

Vale ressaltar que a problemática contemporânea do deslocamento da questão da

droga como problemática do campo da saúde para o sistema de justiça no Brasil é um

dos fatores geradores do exponencial número de pessoas privadas de liberdade, campo

fértil para as práticas de tortura e maus tratos.

Neste contexto, o MEPCT tem atuado no Grupo de Trabalho “Drogas e

Recolhimento Compulsório” do Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura,

realizando inspeções, relatórios e audiências públicas em conjunto. Este GT é formado,

73 Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4E07AAD04527EA43E7B4602D990EC

D3C.node2?codteor=789804&filename=PL+7663/2010

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além do MEPCT, pelo Conselho Regional de Serviço Social, Comissão de Direitos

Humanos e Cidadania da ALERJ, Conselho Regional de Psicologia, Grupo Tortura

Nunca Mais, ONG Justiça Global, Gabinete Vereador Renato Cinco da Comissão de

Direitos Humanos da Câmara Municipal.

As atividades no ano em apreço priorizaram as inspeções nas unidades de

acolhimento institucional da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e as Comunidades

Terapêuticas financiadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.

III.3.2 - “Abrigos Especializados” e Institucionalização de Crianças e

Adolescentes

A questão da situação de crianças e adolescentes em situação de rua no Rio de

Janeiro ganhou novos contornos a partir de maio de 2011 onde a então Secretaria

Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro instituíra o Protocolo de Serviço

Especializado em Abordagem Social (Resolução SMAS Nº20). O referido documento

institui o recolhimento/abrigamento/internação compulsória para crianças e

adolescentes em situação de rua que fazem uso de drogas ou não, estas eram

encaminhadas forçosamente aos denominados “Abrigos Especializados”

O referido protocolo foi alvo de diversas críticas de setores da sociedade, desde

movimentos sociais, conselhos de políticas e conselhos profissionais. As denúncias se

pautavam na arbitrariedade da medida, da truculência no recolhimento destes sujeitos

em situação de rua e a violação de variadas normativas como o Estatuto da Criança e do

Adolescente, Política Nacional de Saúde Mental e Política Nacional de Assistência

Social, por exemplo.

No ano de 2012, o MEPCT em conjunto com organizações do CEPCT realizou

visitas aos “Abrigos Especializados”, além de relatório temático e audiência pública.

Dentre as principais violações de direitos encontradas nas inspeções, podemos destacar:

acesso difícil ao local caracterizando isolamento geográfico; restrição de comunicação

com familiares; não há informação consolidada sobre o tipo de tratamento; confusão

deliberada entre internação e abrigamento; medicalização diária e generalizada com uso

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de contenção química e física. Tais aspectos, segundo esta análise, remetem a uma

abordagem baseada no controle social punitivo em detrimento de um problema de saúde

pública.

Para agravar a situação, a ONG Tesloo que administrava os Abrigos

Especializados foi acusada de inúmeras regularidades na prestação de contas do

município74

. Devido a tal problemática, a gestão das unidades no fim de 2012 passou

para a ONG Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável-

CIEDS.

Antes exclusivas a crianças e adolescentes, as ações de recolhimentos de pessoas

em situação de rua supostamente por uso de drogas tiveram destaque este ano com a

realização de megaoperações executadas em recolhimento também de adultos..

Voltaremos a falar destas megaoperações no próximo subitem.

A intensa mobilização social de diversos atores coadunada com a exigência do

Ministério Público para que a Prefeitura apresentasse plano operacional nessa ações,

provocaram, entretanto, a certo recuo na direção das políticas que vinham sendo

implementadas com relação às drogas, especialmente o crack na cidade do Rio de

Janeiro. Neste diapasão, foi criada uma nova Superintendência de Saúde Mental

constituída, no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde e apresentando um Plano

Municipal de Atendimento a Usuários de Álcool e Outras Drogas, prevendo a expansão

gradativa da rede CAPS e Unidades de Acolhimento, entre outras medidas nos marcos

da Reforma Psiquiátrica. Todavia, permanecia o paradoxo entre a ampliação da rede

substitutiva de saúde mental e a permanência dos chamados “abrigos especializados”.

Em setembro do corrente ano, a Prefeitura do Rio de Janeiro publica a resolução

conjunta SMS/SMDS (Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social) nº 57 que reformula o modelo de “abrigos especializados”

passando os mesmos a denominação de Casa Viva em convênio com a ONG Viva Rio.

A partir da referida resolução, houve a desativação dos antigos espaços dos “abrigos

74 “ONG que trata usuários de crack é acusada de desviar verba”. Disponível em:

http://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/09/ong-que-trata-usuarios-de-crack-e-acusada-de-desviar-

verba.html

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especializados” e deslocamento dos adolescentes para as Casa Viva. As Casas Viva

estão situadas atualmente nos bairros de Bonsucesso, Del Castilho, Penha Circular,

Jacarepaguá e Bangu.

O fluxo atual informado pela prefeitura diz que o adolescente em situação de rua

e uso de drogas é encaminhado a uma central de recepção. A partir daí, o mesmo é

submetido a uma avaliação interdisciplinar de equipe de unidade de saúde mental

próxima ao equipamento, sendo, por conseguinte, encaminhado a uma das unidades da

Casa Viva. Os adolescentes e técnicos foram uníssonos em afirmar que há

voluntariedade no acolhimento institucional.

O MEPCT em conjunto com outras organizações inspecionaram algumas destas

casas. Elas se caracterizaram por boa estrutura física semelhante a uma residência,

localização de fácil acesso, articulação com a rede local e a não privação de liberdade

com a saída frequente dos adolescentes, bem como escolarização dos mesmos. Trata-se,

portanto de acolhimento institucional conforme o ECA porém muitos possuem vínculos

familiares não rompidos.

Considera-se um avanço no atendimento ao adolescente com uso de drogas,

todavia, entendemos que o modelo CAPsAD com base no território seria o mais

adequado, pois se situaria mais próximo ao local de origem e o adolescente poderia

voltar a residir em sua casa e continuar realizando o acompanhamento na rede.

Ainda assim, no âmbito do acolhimento institucional de crianças e adolescentes,

cabe destacar a situação das chamadas Centrais de Recepção, equipamentos que são

geralmente porta de entrada do acolhimento institucional de crianças e adolescentes no

Rio de Janeiro. As duas Centrais de Recepção se situam na região do Centro da cidade:

Central de Recepção Taiguara, próxima à Lapa atendendo crianças e adolescentes do

sexo feminino e crianças do sexo masculino; Central de Recepção Adhemar Ferreira de

Barros, recebendo adolescentes do sexo masculino.

Deste modo, há um complicador do fluxo no atendimento, visto que em tese os

acolhidos devem necessariamente passar por estas centrais e levando em conta a

dimensão territorial da cidade do Rio de Janeiro há uma logística de deslocamento que

demanda recurso material e humano desnecessário. Além disso, a estrutura física destas

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unidades remetem a características de instituições totais como muros altos e estruturas

rígidas de repartições públicas, o que difere de uma condição arquitetônica semelhante a

uma residência.

Em junho deste ano, o MEPCT acompanhou um caso de crianças e

adolescentes que haviam sofrido agressões físicas de educadores, inclusive com

utilização de choque elétrico na Central Taiguara75

. Na ocasião, os educadores que

participaram do episódio foram afastados e respondem processo judicial.

Apesar de alguns avanços pontuais observados no último ano, as ações de

“recolhimento” de crianças e adolescentes em situação de rua ainda permanecem, sendo

a última em novembro protagonizada pela Polícia Militar. Importante destacar também

que este fluxo tem aumentado por ocasiões dos grandes eventos, o que pode se agravar

no próximo ano no contexto da Copa do Mundo.

No tocante à situação destes sujeitos em condições peculiares de

desenvolvimento, o MEPCT reforça a necessidade de implementação da Política

Municipal de Criança e Adolescente em situação de rua aprovada pelo Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em 2009, assim como a elaboração

e materialização do Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária de

Crianças e Adolescentes do Rio de Janeiro com foco no reordenamento dos programas

de acolhimento institucional e priorização nos programas de família acolhedora.

III.3.3 - Institucionalização forçada de adultos e Unidade de Reinserção Social

Rio Acolhedor

Em 19 de fevereiro deste ano, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em

companhia com a Polícia Militar realizou uma megaoperação de recolhimento de cerca

de 99 pessoas em situação de rua na Av. Brasil no Parque União, afirmando pelos

grandes veículos de comunicação que (se) iniciaria a política de internação da

população em situação de rua que supostamente apresentaria uso problemático de

75

“Denúncia de choques elétricos em abrigo do Rio são investigadas”. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-

janeiro/noticia/2013/05/denuncias-de-choques-eletricos-em-abrigo-do-rio-sao-investigadas.html

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drogas. De acordo com imagens veiculadas na TV76

, a ação, que ocorrera na

madrugada, foi marcada pela violência, truculência e arbitrariedade na medida.

Exatamente nove meses depois, a Polícia Militar com utilização do veículo

blindado “caveirão”77

recolheu aproximadamente cem pessoas em situação de rua e

as encaminhou para o Batalhão da PM do Complexo da Maré, sem qualquer

fundamentação legal.

Vale destacar nas duas ocasiões, que o MEPCT esteve presente no dia seguinte à

Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor, equipamento da Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro responsável pela recepção de adultos em

situação de rua. Por suas características peculiares, entendemos a URS Rio Acolhedor

como uma síntese da política de atendimento à população adulta em situação de rua do

Rio de Janeiro.

De acordo com o Decreto nº 7053 de 2009, população de rua seria:

O grupo populacional heterogêneo que possui em comum a

pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou

fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e

que utiliza os logradouros públicos e as áreas segregadas como

espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou

permanente, bem como as unidades de acolhimento para

pernoite temporário ou como moradia provisória.

A Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor fica localizada no bairro de

Paciência na zona oeste do Rio de Janeiro com quase duas horas de distância do Centro

da capital fluminense. O abrigo está situado em uma estrutura física que antes sediava

uma extensa área de educação profissional industrial. Atualmente no mesmo complexo,

ao lado do RA há uma unidade do CREAS – Centro de Referência Especializado de

Assistência Social78

e o Posto de Saúde da Família (PSF).

76

“Ação contra o crack dá início no RJ à internação involuntária de adultos.” Disponível em:

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/02/acao-contra-o-crack-da-inicio-no-rj-internacao-compulsoria-de-

adultos.html 77 Vale ressaltar que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio afirmou não ter participado desta ação

em novembro último. 78 Devido à exposição da violência cotidiana, fomos informados que os profissionais lotados no CREAS estão

atendendo em Barra de Guaratiba.

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A parte externa está situada entre duas favelas (Antares e Três Pontes) onde

respectivamente uma é conhecida pelo comércio de drogas ilícitas e outra por grupos

milicianos, cujo relato de conflito e incursões policiais são constantes. Para se ter uma

ideia, segundo relato de usuários e profissionais, poucas horas antes da inspeção de

fevereiro, foram ouvidos disparos de armas de fogo em seu entorno. Na visita de 19 de

novembro, por sua vez, a equipe de inspeção formada por membro do MEPCT foi

abordada na entrada do equipamento por um homem portando um fuzil.

No que se refere à capacidade, a informação fornecida dá conta de 422 pessoas.

Não há como precisar com exatidão o número médio de acolhidos, vista a alta

rotatividade de pessoas no equipamento. Para se ter uma ideia, segundo o Ministério

Público Estadual, com informações da Prefeitura, se registrou entre maio de 2010 e

setembro de 2012 um total de 56.507 pessoas “depositadas” no Abrigo de Paciência. O

abrigo Rio Acolhedor conta com escola, espaço de recreação e corredores separando os

alojamentos dos idosos, homens e mulheres.

No acolhimento de adultos da ala masculina, alguns ficam dispostos em quartos

coletivos e um número muito grande deles em um imenso galpão formado por bicamas

e colchonetes dispostos no chão. Apesar da razoável estrutura geral do RA, o galpão

referido remete a um cenário de um amontoado de pessoas, com parcos espaços para

privacidade, além de pouca ventilação se agravando com o excesso de calor que o Rio

de Janeiro costuma fazer em variadas épocas do ano.

No tocante à megaoperação em fevereiro, foi dada a informação que as pessoas

após serem recolhidas na Av.Brasil e levadas ao abrigo de Paciência, foram

encaminhadas a um ginásio poliesportivo situado no complexo do RA e contíguo ao

PSF. Visitando o local, foi possível perceber que ali permaneciam dezenas de mesas e

cadeiras no meio da quadra onde foi feita uma espécie de triagem e avaliação, além de

ter sido fornecido alimentos aos atendidos.

Segundo informações, os indivíduos cuja aquela avaliação constituía quadro

mais grave de uso ou dependência de crack foram encaminhados para internação

involuntária em leitos de hospitais da rede pública de saúde e comunidades terapêuticas,

enquanto aqueles que não apresentavam tal uso foram encaminhados ao Rio Acolhedor.

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Algumas questões permaneceram obscuras, já que muitas das informações sobre a

megaoperação como identificação das pessoas e seus destinos não foram reveladas.

Neste sentido, entendemos que a intervenção da Prefeitura realizada na

Av.Brasil, conforme relatos e as próprias imagens televisionadas demonstram uma

posição truculenta, intimidatória e autoritária cuja abordagem não respeita os princípios

aludidos na Lei 10216/2001 que redireciona o modelo assistencial em saúde mental em

contraposição a lógica manicomial, o decreto presidencial Nº 7053/2009 que institui a

política nacional para a população em situação de rua, dentre outros marcos. Muito

menos aquela realizada em novembro último.

Além disso, em relação à Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor a partir

das inspeções realizadas podemos afirmar que: está situada em área de difícil acesso,

estrutura rígida de complexo industrial que difere de aspectos mais acolhedores

semelhante a residências, incompletude institucional carecendo de uma maior

articulação entre as políticas favorecendo a dicotomia rua-abrigo/abrigo-rua e a

constante instabilidade da área situada entre duas favelas cujo situação de violência e

instabilidade é latente.

Já o Ministério Público Estadual em Ação Civil Pública de 10 abril de 2013

(p.19-20) identificou uma série de problemas no recolhimento de população adulta em

situação de rua como utilização de armas de fogo, cassetetes, pistolas de choque e

algemas. Além disso, em relação ao equipamento Rio Acolhedor um contexto de

violações de direitos, tais como:

Abuso de autoridade e uso recorrente de violência por parte dos

educadores sociais e da direção da unidade; Precárias condições

de higiene e salubridade do abrigo, havendo inclusive uma

infestação de percevejos; Carência de materiais e mobiliários

básicos, como camas, colchões e roupas de camas, havendo

usuários dormindo diretamente no chão; Insuficiência das

refeições ofertadas para atender às necessidades diárias dos

usuários; Ausência de trabalho técnico, inviabilizando o acesso

a direitos fundamentais como documentação civil básica,

serviços de saúde e oportunidades de trabalho; Descaso com

pertences e documentos pessoais dos acolhidos, havendo relatos

de que as documentações civis desaparecem dentro da secretaria

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da unidade; Carência de atendimento médico e de controle de

doenças infecto-contagiosas, havendo diversos usuários com

doenças como tuberculose dividindo alojamento com os

demais.

Neste sentido, entende-se que com a adoção da medida extrema de recolhimento

involuntário de população em situação de rua para tratamento de uso e abuso do crack

além de ferir o direito constitucional de ir e vir, trata o usuário como objeto de

intervenção e não como seres sujeitos de direitos. Cabe reforçar que a anuência do

usuário é um dos passos primordiais no atendimento e tratamento que se preze um

mínimo de acolhimento.

A utilização desse procedimento atesta a preferência da Prefeitura do Rio em

fomentar o viés repressor, excludente, institucionalizante e disciplinar em detrimento da

garantia, efetividade fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema

Único da Assistência Social (SUAS), além de desconsiderar os aspectos sociais,

políticos, econômicos e culturais que compõem a dinâmica de sofrimento desses

sujeitos expostos as mais variadas violações.

Neste contexto, recentemente foi divulgado que o Governo Federal gastou R$13

milhões em armamentos não letais como pistolas de eletrochoque e spray de pimenta

em espuma para equipar as Polícias Militares nos combates à “cracolândia”, o que só

reforça o enfrentamento via truculência em uma problemática tão delicada. 79

Assim sendo, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura reforça

a implementação das recomendações realizadas no último relatório anual da importância

fundamental de ampliação na rede de serviços de saúde mental e assistência social de

modo intersetorial, descentralizado e territorial. Para tal, faz-se a necessidade, por

exemplo, de ampliação da rede substitutiva de saúde mental que se anuncia, além

de rejeitar quaisquer propostas que visem estabelecer a lógica manicomial de

instituições totais como “abrigos de internação”.

79 “Governo Federal investe em arsenal contra consumo de crack” Disponível em:

http://oglobo.globo.com/pais/governo-federal-investe-em-arsenal-contra-consumo-do-crack-

10741276#ixzz2kL1QPyns

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Uma das grandes contradições encontradas é que o maior contingente de pessoas

em situação de rua em tese não teriam quadro de uso e abuso de álcool e outras drogas.

De acordo com o censo realizado pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da

Defensoria Pública divulgado em maio último80

, 62% dos entrevistados (778 pessoas)

não faziam uso de drogas, enquanto 68% disseram que sequer fazem uso de álcool.

O processo dos indicativos devem levar em conta a dinâmica das pessoas em

situação de rua, devendo elas, portanto, estarem articuladas com a implementação da

Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto 7053/09)81

que

fundamenta o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) do Ministério Público do Estado do

Rio de Janeiro de maio de 2011.

Esse dispositivo, dentre outras medidas estabelece: adequação dos equipamentos

dos serviços socioassistenciais à tipificação nacional dos serviços; adequação a NOB-

RH/SUAS (Resolução CNAS 269/06) para composição de equipe mínima, garantindo a

realização de concurso público para as diversas áreas; interlocução com o Programa de

Saúde da Família; educação e qualificação profissional articulado com programas de

transferência de renda; criação de programa específico de moradia para população em

situação de rua; abordagem e acolhimento que garanta o respeito à manifestação

voluntária da população adulta, além de garantir espaços para participação destes

usuários nessa política.

III.3.4 - Comunidades Terapêuticas

“Comunidade Terapêutica” é um termo genérico que pode designar um

conjunto de instituições privadas ou filantrópicas surgidas por iniciativa da sociedade

civil para tratamento de usuário de drogas, geralmente de cunho religioso, prevendo

abstinência, isolamento, instituição total, trabalho forçado e uma série de privações

individuais. O projeto de “cura” direcionado para os problemas relativos ao uso de

80

“Censo da população de rua no Rio aponta que 62% não se drogam e 68% não bebem”.

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/17/censo-da-populacao-de-rua-no-rio-aponta-que-62-

nao-se-drogam-e-68-nao-bebem.htm#comentarios 81 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm

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drogas conta, via de regra, com abordagem religiosa. O isolamento do meio social e a

abstinência são pressupostos intrínsecos ao modo de operar de tais instituições.

A questão das Comunidades Terapêuticas tem sido uma temática recorrente na

atualidade principalmente pelo alarde que se tem feito sobre o uso de drogas. Nos

últimos anos as Comunidades Terapêuticas têm sido alvo de inúmeras denúncias por

parte de entidades profissionais, de direitos humanos e movimentos sociais organizados.

No ano de 2011, O Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais em

conjunto com diversos órgãos pelo país realizaram visitas em instituições desta natureza

em 25 UFs cujo relatório82

apontou uma série de violações como maus tratos, estrutura

física precária, violação de correspondência, intolerância religiosa, tortura, humilhações,

punições rígidas a descumprimento de alguma regra estabelecida, dentre outros. O

MEPCT-RJ participou desta inspeção em duas unidades no estado naquele ano.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou uma resolução também em

201183

que dispõe sobre os requisitos sanitários para o funcionamento destas

instituições e no ano passado o Ministério da Saúde lançou um edital84

com incentivo

financeiro para atendimento de pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack e

outras drogas, incluindo as Comunidades Terapêuticas.

Além das graves denúncias de violações, profissionais e movimentos alertam

para os riscos envolvidos no retorno das políticas de financiamento público de entidades

privadas no campo da saúde mental. A presença de interesses diretos por parte de seus

defensores no âmbito parlamentar é de conhecimento público e acentua o alerta.

O processo de transformação da assistência em saúde mental que ficou

conhecido como Reforma Psiquiátrica teve como elemento central a denuncia dos

efeitos da chamada “indústria da loucura”, a alta lucratividade envolvida na manutenção

82“Inspeção nacional de direitos humanos: locais de internação para usuários de drogas” Disponível em:

http://site.cfp.org.br/publicacao/relatorio-da-4a-inspecao-nacional-de-direitos-humanos-locais-de-internacao-para-

usuarios-de-drogas-2a-edicao/ 83https://mail

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de pessoas internadas por instituições privadas através do recebimento de recursos

públicos. A ênfase na internação e no isolamento como estratégia de cuidado somada à

transferência de recurso público para entidades privadas são alguns dos elementos que

têm levado a valorização das Comunidades Terapêuticas a serem apontadas como um

retrocesso no campo da luta antimanicomial e nas políticas públicas de saúde mental. .

No atual contexto do estado do Rio de Janeiro é importante destacar a criação da

Secretaria de Estado de Prevenção à Dependência Química (SEPREDEQ)85

, criação

esta que afirma uma proposta desvinculada das Secretarias de Saúde e Assistência

Social e Direitos Humanos para o desenvolvimento de políticas públicas de cuidado no

que tange ao uso prejudicial de álcool e outras drogas.

De acordo com seu endereço eletrônico, esta secretaria tem como visão:

“Promover a redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos

comportamentos aditivos e a diminuição das dependências químicas¸ por meio da

elaboração, gerenciamento, articulação e fomento de suas estratégias.”.

A nova secretaria será a responsável pela gestão, por exemplo, dos Centros

Regionais de Atendimento a Usuários de Álcool e outras Drogas (CARE-AD),

atualmente exercida pela Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos

(SEASH/RJ), política pública que na sua execução tem feito convênios com entidades

filantrópicas caracterizadas por serem Comunidades Terapêuticas. A criação da

Secretaria vem acompanhada de um cenário nacional de fortalecimento destas clínicas a

partir de convênios com os estados, como os financiamentos oriundos do Governo

Federal, como parte do programa “Crack, é possível vencer”86

, destinando R$ 130

milhões pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e R$ 100 milhões

pelo Ministério da Saúde.

Vale destacar que é recorrente o discurso de que as Comunidades Terapêuticas

desenvolveram-se “no vácuo do Estado”, diante da suposta ausência de respostas para

os problemas decorrentes do uso de drogas. Cabe questionar, no entanto, o motivo de tal

ausência, uma vez que as políticas públicas de saúde mental formuladas nos marcos da

85http://www.rj.gov.br/web/sepredeq/exibeconteudo?article-id=1568823 86 http://www.brasil.gov.br/crackepossivelvencer/programa/cartilha

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Reforma Psiquiátrica há tempos desenvolveram propostas de atenção aos usuários de

álcool e outras drogas87

. Tais propostas, contudo, muito pouco foram implementadas ao

longo dos últimos anos e a execução dessas políticas através das referidas instituições

não pode ser considerada como concretização da obrigação do Estado em implementar

uma rede efetiva que substitua as internações como primeira opção.

Diante disso, com o escopo de acompanhar de perto a realidade de tais

instituições em nosso estado, o MEPCT em conjunto com diversas instituições

realizaram visitas a estes equipamentos. Trata-se de Comunidades Terapêuticas que

hoje se encontram em processo de adaptação ao “novo” modelo proposto pelo Governo

do Estado. “Antigas” Comunidades Terapêuticas são chamadas agora de Centros

Regionais de atendimento a usuários de álcool e outras drogas (CARE-AD) e passaram

a fazer parte da rede de atenção psicossocial voltada para os usuários de álcool e outras

drogas do estado do Rio de Janeiro.

No entanto, como foi observado nas visitas, apesar dos esforços de adaptação

realizados, a situação verificada nas visitas não parece apresentar diferenças

substanciais em relação ao que existia anteriormente.

Apesar das denúncias relatadas em 2011, o incentivo às Comunidades

Terapêuticas ganham força novamente em 2012, quanto o então Secretário de

Assistência Social e Direitos Humanos do Estado (SEASDH), Rodrigo Neves, lança um

edital88

para seleção de entidades e organizações da assistência social, com objetivo de

formalizar parcerias por meio de convênios para implantação de serviços regionalizados

de atendimento de álcool e outras drogas.

Na ocasião foi destinado um total de R$ 10.368.000,00 (dez milhões, trezentos e

sessenta e oito mil reais) originários da programação orçamentária e financeira da

SEASDH para o ano de 2012. Contudo, a Lei 6011/2011 que em seu artigo 1º instituiu

o PROGRAMA DE APOIO À RECUPERAÇÃO DO DEPENDENTE QUÍMICO no

âmbito da Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos – SEASDH, com

87Referimo-nos aqui aos Centros de Atenção Psicossocial em todas as suas modalidades (CAPS II e III, CAPSi,

CAPS AD), Centros de Convivência, Consultórios na Rua, Equipes de Saúde da Família, entre outros. 88

88Edital SEASDH nº 001/2012 – Processo Administrativo E-23/3229/2011;

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o objetivo de desenvolver ações, programas e atividades de prevenção, tratamento,

recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas e autorizou a

utilização de recursos do Fundo Estadual de Saúde.

Já o art. 2º diz que para a execução do Programa, as instituições religiosas e da

sociedade civil, sem fins lucrativos, devem atender usuários ou dependentes de drogas,

que poderão receber recursos da Secretaria de Saúde e do FES, Fundo Estadual de

Saúde, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira e a observância da

legislação vigente.

Numa tentativa aproximada ao que estabelece a Portaria 131 do Ministério da

Saúde89

, que regulamenta as comunidades terapêuticas que recebem verba da Saúde

Mental do Governo Federal, o Edital lançado pela SEASDH em 03 de janeiro de 2012,

estabelece os objetivos e os requisitos de funcionamento dos Centros de Recuperação

para Dependentes Químicos, bem como equipe técnica necessária e as características

dos espaços físicos.

De acordo com o Edital, os serviços terão um caráter complementar à rede de

serviços que integram o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e o Sistema

Único - SUS, e que atendam a usuários de álcool e outras drogas no Estado do Rio de

Janeiro. Assim, não poderão, em nenhuma hipótese, substituir a rede pública de serviços

do SUS e SUAS, uma vez que cabe à municipalidade suprir e/ou ampliar, no âmbito de

suas competências, a cobertura da rede de serviços conforme diretrizes das respectivas

políticas de saúde e de assistência social, de acordo com as demandas locais.

Poderiam participar do processo Entidades não governamentais, de natureza

privada, sem fins lucrativos, que atendam a todas as exigências contidas no Edital e seus

anexos, que tenham como finalidade estatutária o atendimento a usuários de álcool e

outras drogas e que estejam qualificadas e regularmente registradas no Conselho

Municipal de Assistência Social e/ou em Conselhos Municipais de Políticas sobre

Drogas - COMADs.

89

O pedido de financiamento deverá ser direcionado à Área Técnica de Saúde Mental do Departamento de Ações

Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (Área Técnica de Saúde Mental

do DAPES/SAS/MS),

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Dentre os pontos exigidos no Edital é destaque:

1. integração e reintegração dos usuários à rede de serviços saúde, assistência

social, educação e inclusão produtiva, por meio de encaminhamentos monitorados;

2. atendimento e orientação às famílias visando o fortalecimento de vínculos e

pertencimento social;

3. prestação de orientações fundamentadas nas estratégias de Redução de Danos

àqueles usuários que, por motivos pessoais, não possam ou não consigam ficar em

abstinência e, também àqueles que não se adaptem à metodologia proposta na entidade,

ou que, por outros motivos, não se adaptem ao ambiente institucional e/ou que sejam

desligados do serviço por questões administrativas.

4. A porta de entrada para os serviços deverão ser, prioritária e regularmente,

acessadas por meio Central Estadual Reguladora dos Fluxos e Vagas, que atenderá aos

encaminhamentos feitos pela rede de saúde ou equipes de referência em saúde mental

dos municípios de origem do usuário, ainda que, excepcionalmente, objetivem atender a

demandas judicializadas.

5. Em todos os casos onde o usuário necessite se afastar do convívio familiar e

comunitário, o CREAS e/ou o Centro-pop, ou equipe referenciada da Assistência Social

no município deverá participar da avaliação junto à rede municipal de saúde mental,

indicando, no encaminhamento, qual o serviço do SUAS deverá acolher o usuário

quando do seu desligamento da unidade de atendimento. O mesmo se aplica a usuários

de álcool e outras drogas que já se encontrem em situação de rua.

6. Caberá a Superintendência de Proteção Social Especial, monitorar

estatisticamente os índices de reinserção dos usuários na rede de serviços SUS/SUAS

quando de seu desligamento do serviço, no retorno do usuário ao município de origem.

7. O tempo de permanência do usuário na unidade de atendimento deve estar

definido no Plano Socioassistencial, este construído com a participação do usuário e em

acordo com o Projeto Terapêutico elaborado pelos serviços de saúde mental

encaminhador.

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III.3.4.1 - Audiência Pública Política de Drogas e Comunidades

Terapêuticas

No dia 11 de junho, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da

ALERJ90

, em decorrência das visitas realizadas nas Comunidades Terapêuticas ,

promoveu audiência pública sobre o tema da política estadual de prevenção ao uso

abusivo de álcool e outras drogas. Participaram da audiência, além do MEPCT

representantes do Conselho Regional de Psicologia e do Conselho Regional de Serviço

Social, Ministério Público Estadual, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara

Municipal do Rio de Janeiro Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos

Humanos, Secretaria de Saúde, através da Área Técnica de Saúde Mental e

Subsecretaria de Estado de Prevenção à Dependência Química.

Com a realização da audiência foi possível questionar à SEASDH se os recursos

oriundos do edital são do Fundo Estadual de Saúde ou da própria Secretaria, além

indagar o motivo pelo qual algumas dessas comunidades terapêuticas funcionarem

dentro de espaços do poder público. Outro pergunta importante diante da falta de

padronização dos métodos e práticas encontradas nas fiscalizações foi sobre quais eram

de fato os critérios objetivos na escolha das respectivas entidades.

De acordo com as informações prestadas pelos representantes da SEASDH no

Edital poderiam se candidatar qualquer entidade da sociedade civil, seja ela filantrópica,

OSCIP ou beneficente, não havendo uma orientação de que fossem entidades religiosas,

mas também não havia proibição. Segundo os representantes de fato há instituições que

têm viés religioso na sua proposta, mas o CARE-AD não tem. Se ocorre, não deveria.

O tratamento, embora existam atividades padronizadas, tentam acompanhar o plano

terapêutico que o serviço de Saúde encaminha. Nenhuma CARE-AD é estruturada para

receber internações involuntárias e/ou compulsórias. O usuário pode sair no momento

que quiser e os recursos são do Fundo Estadual de Saúde. Existem locais que são

alugados pelo Estado, mas o espaço é privado. O Edital abriu a possibilidade de as

90 Cobertura jornalística sobre a audiência: http://www.alerj.rj.gov.br/common/noticia_corpo.asp?num=44837

http://r5vereador.wordpress.com/2013/06/13/poltica-de-drogas-e-comunidades-teraputicas-em-debate-na-alerj/

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instituições apresentarem propostas diferentes, mas há requisitos básicos como as

estruturas físicas e equipe mínima para o seu funcionamento.

Outros questionamentos foram feito à secretaria de Saúde: Qual o valor do

investimento da Rede Saúde? As Comunidades terapêuticas estão previstas na Rede?

Como fiscalizam essas comunidades?

A equipe da Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde informou que as

CARES e os hospitais psiquiátricos não estão previstos na Rede de Saúde Mental da

Secretaria Estadual de Saúde. Quem constitui o projeto terapêutico é o município, e a

SES apoia esse trabalho e que a desinstitucionalização ocupa mais de 50% do serviço. A

intenção da SES é que as CARES não existam. Além disso, a Secretaria Estadual de

Saúde não possui qualquer tipo de rotina de fiscalização das CARES, até porque até o

momento da realização da audiência todas as Comunidades estavam sob competência da

Secretaria de Assistência Social.

Assim a realização da audiência constatou uma contradição na atuação do

Executivo Fluminense. Apesar da equipe técnica de saúde mental não incluir as

Comunidades Terapêuticas na rede de saúde do Estado, indicando a não necessidade da

manutenção desses equipamentos, a criação da Secretaria de Prevenção a Dependência

Química parece não se justificar.

Cabe destacar que fenômeno parecido, o não reconhecido da secretaria de saúde

acerca de instituições totais para tratamento de pessoas com quadro de uso de drogas

como equipamento da saúde mental, foi identificado na ocasião da audiência pública

realizada em 2011 com a Prefeitura do Rio de Janeiro.

III.3.4.2 - Das Inspeções realizadas nas Comunidades Terapêuticas.

As instituições visitadas foram91

: o Instituto Aldeia Gideão e a Clínica

Michelle Silveira de Moraes, CREDEQ adultos Care AD Campo Grande com

91

Cabe mencionar que em fevereiro do corrente ano, o MEPCT também inspecionou a Obra Social Nossa Senhora

da Glória – Sítio Liberdade, vinculado à Fazenda Esperança da Igreja Católica no município de Teresópolis. A

referida visita foi motivada por informação veiculada na mídia que pessoas recolhidas na megaoperação na Av.Brasil

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

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convênios firmados com a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos

Humanos (SEASDH/RJ) e o Centro de Recuperação para Dependentes Químicos

Associação Amor & Vida (CREDEQ), conveniado com Departamento Geral de Ações

Socioeducativas (DEGASE)92

.

As fiscalizações das instituições conveniadas com o Governo do Estado do Rio

de Janeiro para a internação de usuários de drogas ajudam a iluminar a realidade das

chamadas Comunidades Terapêuticas e qualificar o debate a respeito das políticas sobre

drogas em nosso estado. Muito pouco se conhece, ainda, a respeito destas instituições

que são chamadas a compor, de modo cada vez mais substancial, o cenário assistencial

no campo do uso problemático de drogas. Desta forma, conhecer de perto essa realidade

é uma necessidade urgente, bem como aprofundar o debate em torno de suas práticas.

Apesar das comunidades terapêuticas conveniadas com o estado do Rio de

Janeiro pela Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos

(SEASDH/RJ) hoje serem renomeadas por parte dos gestores como “CARE AD”, as

visitas realizadas evidenciam que se esta alteração na nomeação denota alguma intenção

de mudança, não representa uma transformação efetiva nas práticas das instituições. A

realidade encontrada nas visitas remete direta e inequivocamente ao universo das

comunidades terapêuticas.

A Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma

Psiquiátrica, reorienta o modelo assistencial e institui novo marco de cuidado em saúde

mental. É uma conquista fruto de lutas históricas e do acúmulo dos movimentos sociais

no campo da saúde e da assistência social.

Seu artigo 1 o

determina que “os direitos e a proteção das pessoas acometidas de

transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de

discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,

nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de

evolução de seu transtorno, ou qualquer outra”.

foram encaminhadas à unidade, fato não confirmado na visita. A referida Fazenda se encontra na zona rural em local

ermo onde a equipe enfrentou dificuldades de localizar o equipamento. 92 .Departamento Geral de Ações Socioeducativas, vinculado à Secretaria de Estado de Educação. O DEGASE

executa as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade de acordo com a Lei 8069/90.

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A internação, segundo a diretriz estabelecida, deve sempre ser considerada como

alternativa última, utilizada apenas no esgotamento dos recursos extra-hospitalares. Nos

casos excepcionais em que ocorrer, a internação também deverá sempre se nortear pelo

fortalecimento e aprofundamento dos vínculos da pessoa com seu meio social, sendo

fundamentais, nesse sentido, portanto, a proximidade com a localidade onde reside e

com os vínculos familiares e comunitários. É vedado, portanto, o afastamento

geográfico, o rompimento dos laços afetivos e a impossibilidade de comunicação livre e

rotineira com familiares e amigos.

A assistência garantida na internação deve ser sempre integral, devendo ser

oferecido atendimento psicossocial (médico, psicológico, de assistência social,

ocupacionais e de lazer - art 4 o

, parágrafo 2 o

). Não é permitido, dessa forma, que a

internação seja sinônimo de um isolamento das atividades que produzem vida e que

fornecem sentido para um estar bem no mundo. A ausência de um acompanhamento

psicossocial e o desrespeito aos direitos garantidos caracterizam o tratamento como

manicomial e perpetuam perversamente uma lógica asilar no desenvolvimento do

cuidado em saúde mental. O artigo 4 o

da lei é expresso ao vedar essa forma de

tratamento:

§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de

transtornos mentais em instituições com características asilares,

ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no §

2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados

no parágrafo único do art. 2o.

No que tange aos aspectos pontuados referentes à Lei 10.216, é importante

destacar que durante as visitas realizadas foram observadas – apesar das

particularidades de cada espaço – de forma comum nas instituições claras e graves

violações aos direitos preconizados. A centralização do tratamento em instituições que

acumulam o atendimento de diversos municípios, a distância do local de origem dos

usuários, o difícil acesso às instituições, a desvinculação dos usuários de sua base

territorial, de seus vínculos afetivos, do convívio familiar e da relação com a rede de

apoio comunitária.

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Esta questão foi destacada em todas as equipes de visitas, e reafirmada na fala

dos usuários. A distância e a dificuldade de acesso, somadas as regras rígidas

estipuladas pelas entidades para a entrada dos familiares (quantidade de pessoas

permitidas, dias e horários restritos para visitação, realização de revistas vexatórias)

devem ser consideradas como uma forma de violação do direito à convivência familiar,

além do isolamento e de manutenção de uma abordagem manicomial no tratamento em

saúde mental.

Um segundo aspecto similar em tais comunidades terapêuticas e que se relaciona

intimamente com os anteriores na construção de um tratamento asilar é a restrição aos

meios de comunicação e a não garantia da privacidade no contato dos pacientes com

seus familiares, seja no contato telefônico, seja nas visitas presenciais. Os contatos

telefônicos, como exposto ao longo do relatório, são sempre supervisionados por

funcionários das instituições, sendo restritos a dias e horários específicos (que muitas

vezes coincidem com horários de trabalho e impedem concretamente a comunicação),

com tempo máximo de duração extremamente reduzido, com casos em que as ligações

são permitidas apenas à cobrar. Cabe destacar, que na Clínica Michelle existe regra

estabelecida onde o primeiro contato pode apenas ser realizado após dois dias de

internação. Os contatos através de correspondência escrita, conforme narrado no relato

de visita ao CREDEQ tem sempre sua privacidade violada, sendo monitorado por

funcionários antes da leitura pelo paciente ou do envio aos familiares.

Outros aspectos que remetem para características asilares são a massificação das

atividades e ausência de planos terapêuticos singularizados. A participação compulsória

dos internos em atividades laborativas da rotina das instituições remete a práticas

tradicionais dos velhos manicômios, em que o trabalho era parte substancial do

chamado tratamento moral. O viés moral está presente ainda em outros aspectos das

instituições, como na presença de normas disciplinares, regras e rotinas rígidas, que são

acentuadamente valorizadas e cujo descumprimento pode ocasionar em alguns casos,

inclusive, punições como a alta administrativa. A grave afirmação feita por um

funcionário da Aldeia Gideão de que “banho frio é terapêutico”, remonta a práticas

coercitivas e extremamente moralizantes dos grandes manicômios.

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No que diz respeito especificamente ao CREDEQ, por se tratar de instituição

dedicada a crianças e adolescentes, especialmente grave se revela a restrição ao acesso

à educação regular por parte dos estudantes internados , o que pode ocasionar graves

prejuízos ao cumprimento do ano letivo por parte dos internos. Particularmente

preocupante é o fato de, na mesma instituição, muitas internações virem se prolongando

por tempo excessivamente longo, além de ter sido informado a equipe que realizou a

visita que não constam laudo de equipes de saúde que justifiquem a medida de

internação para o tratamento de uso abusivo de álcool e outras drogas.

Cumpre destacar a lógica moral de punição e de recompensa presente na

instituição e afirmada no relato do professor de educação física: no caso de adolescentes

com “posturas rebeldes” há aplicação de punição, assim como para os “bons

comportamentos” são utilizadas formas de recompensa e premiação. Ainda em

situações consideradas graves no comportamento dos internos, há prática de

encaminhamento para unidades policiais.

Um caso que cabe ser destacado se refere a um adolescente de 16 anos que

segundo ele usuário eventual de maconha que havia sido apreendido em casa e

conduzido algemado ao CREDEQ, com ordem judicial para internação. Como nesse

caso, foi possível constatar durante a visita o uso abusivo, violador e desnecessário da

internação como medida de tratamento.

Apesar da mencionada articulação com os serviços de atenção psicossocial,

todas as comunidades visitadas apresentaram características de instituição total. O viés

moral é facilmente percebido, ainda, em todas as instituições visitadas, quando se trata

de temas relativos à sexualidade dos internos. As restrições de contato entre internos de

sexo diferente e a vedação às visitas intimas denotam este viés. Gravidade particular

tem o tratamento diferenciado (“acompanhamento especial”) destinado aos “suspeitos

de homossexualidade”, como ocorre na clínica Michelle, que constituem formas graves

de discriminação.

Da mesma forma, em todas as instituições visitadas foi contatado um viés moral

no tratamento das questões relacionadas à sexualidade dos internos.

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Apesar de formalmente negado como parte da abordagem adotada pelas

instituições, o viés religioso se mantém presente nas mesmas, como fica claro nos

relatos. A presença de Bíblias e a impossibilidade de porte de outros livros religiosos

que não este, a rotina de orações anteriormente às refeições, a presença de cultos

(mesmo que não-obrigatórios), contrariam a afirmação de que a presença da religião

não estaria mais instituída como prática, e a diferença religiosa ocasiona no mínimo

constrangimento aos internos.

Além disso, todas as instituições visitadas, sem exceção, têm como base a

metodologia dos 12 passos ou Minesotta, conjunto de técnicas de caráter moral e

religioso, tradicionalmente utilizado pelos Alcoólicos Anônimos, que tem como parte

de suas etapas, por exemplo, o perdão e a realização de um “inventário moral”. Cabe

ressaltar que a metodologia Minesotta é contrária e incompatível com a metodologia

priorizada pela Redução de Danos, estratégia apontada pelo Ministério da Saúde como a

mais adequada para a abordagem ao uso problemático de álcool e outras drogas. A

Redução de Danos tem como pressuposto uma relação não moralizante com o uso de

drogas, partindo do princípio que qualquer usuário tem direito à (e pode se beneficiar

da) abordagem de saúde, mesmo que não deseje interromper o uso. A adicção não é

tomada, portanto, como uma exigência para o cuidado se estabelecer. Fica claro, assim,

que uma clínica que toma como metodologia principal os 12 passos, apenas

retoricamente pode fazer menção à Estratégia de Redução de Danos.

As visitas realizadas nas comunidades terapêuticas conveniadas com o Governo

do Estado do Rio de Janeiro reafirmam, assim, que a “humanização” não é medida

suficiente quando se trata de espaços asilares. Mesmo quando as condições físicas são

relativa e aparentemente adequadas, a violência invisível e mortificante das instituições

totais está presente. Esta é possivelmente a forma de violência mais danosa, e sua

presença é necessariamente contrária à lógica proposta pelas políticas públicas

antimanicomiais de saúde mental que têm como pressupostos a liberdade, a autonomia,

o convívio, o fortalecimento dos laços afetivos e sociais.

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O MEPCT reforça, portanto, a preocupação com a adoção de Comunidades

Terapêuticas como política pública a atender as pessoas em situação de abuso de álcool

e outras drogas.

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III.4 – POLÍTICA CRIMINAL DE SEGURANÇA PÚBLICA: A REPRESSÃO

POLICIAL ÀS MANIFESTAÇÕES POPULARES

III.4.1 – DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES DE JUNHO DE 2013

As manifestações ocorridas no país no mês de junho deste ano representam um

marco na política brasileira expressos em atos na rua pela reinvindicação por direitos

que congregaram sujeitos de orientação política diversa. Embora de caráter difuso e

possibilitar diferentes interpretações, o estopim dos primeiros atos se deu a partir de

protestos contra o aumento na tarifa dos ônibus e política de mobilidade urbana nas

principais capitais brasileiras, sobretudo São Paulo através do Movimento Passe Livre

(MPL).

Tanto pela resposta truculenta da polícia paulista e das respostas autoritárias das

autoridades governamentais com grande exposição na mídia, quanto pelo acirramento

das contradições sociais no momento da Copa das Confederações com gastos públicos

bilionários, a ação das manifestações de rua se multiplicaram pelo país.

As reinvindicações, inicialmente contra o aumento nas passagens nos demais

estados do país, foram ampliadas para a exigência de direitos sociais de qualidade como

saúde, educação, saneamento, segurança pública, transportes públicos com notório

questionamento ao modelo de democracia representativa vigente no país. Tal

questionamento passou por uma franca tentativa de apropriação pela grande mídia, após

a fracassada tentativa inicial de descredenciamento do movimento social e suas

reivindicações. Atingindo seu ápice entre os dias 17 e 20 de junho, milhões de pessoas,

em cerca de 438 municípios foram às ruas protestar, em uma grande onda de

mobilização popular pelo país, relembrando a campanha das Diretas Já e o Fora Collor.

No Rio de Janeiro, em 20 de junho cerca de dois milhões de pessoas se concentraram na

Av. Presidente Vargas no maior ato do país dos últimos tempos.

Outro fator que ficou evidente nos diversos atos do país tem sido a resposta

violenta das autoridades policiais, especialmente às Polícias Militares, contra a

população, no qual se chega a questionar seus papéis no Estado de Direito da Nova

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República. Inúmeras cenas divulgadas tanto pela mídia tradicional quanto pela mídia

independente apresentaram um farto repertório de práticas repressoras de uso indevido e

excessivo da força, tais como: agressões físicas, espancamentos, ameaças, utilização

indiscriminada de gás de pimenta, detenções e prisões arbitrárias, dentre outros.

Considerando as denúncias de detenções arbitrárias e tratamento desumano e

degradante aos manifestantes, o MEPCT, a partir de sua atribuição legal, realizou visitas

às pessoas privadas de liberdade que possuem relação com tal evento histórico.

III.4.2 - Da Repressão Policial às Manifestações

Os confrontos ocorridos durante as manifestações resultaram em alguns

episódios depredação de patrimônio público, bem como ocupações de prédios públicos.

Em alguns casos mais isolados há registros de saques nas cercanias dos atos. Não

obstante, independente da existência ou não de incidentes protagonizados por

manifestantes, a violenta repressão policial é característica marcante em todo o país.

A contenção repressiva das manifestações tem sido implementada

prioritariamente pela Polícia Militar, contando com a colaboração da Polícia Civil e da

Força Nacional de Segurança. Vale destacar a participação do Batalhão de Choque e do

Batalhão de Operações Especiais (BOPE), fazendo uso de helicópteros, blindados e

fuzis.

A resposta policial em regra tem sido absolutamente desproporcional e muitas

vezes violenta e gratuita, na maioria das vezes precedendo o que vinha sendo

denominado pela mídia como “excesso” por parte dos manifestantes. Prisões arbitrárias

e desnecessárias, truculência e uso abusivo de armas menos letais dão a tônica da

atividade policial na “contenção dos distúrbios civis”.

A utilização indiscriminada de armas menos letais tem aberto um amplo debate

sobre os limites ao uso da força na atividade policial. Há registros de morte de

manifestante que inalaram grande quantidade de gás lacrimogênio e gás de pimenta,

alguns utilizados fora do prazo de validade e com concentração em percentuais acima

do que a legislação brasileira admite. Há ainda inúmeros registros de pessoas atingidas

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por balas de borracha no rosto e outras regiões sensíveis, quando esse recurso, mesmo

utilizado em outras regiões, não deveria sequer ter sido acionado contra manifestações

de movimentos sociais de forma geral.

Vale destacar que a ação policial nos protestos, em muitos casos, não possuía o

escopo de dispersão dos manifestantes, mas almejava encurralar os mesmos e forçá-los

a serem atingidos pelos efeitos do gás de pimenta e gás lacrimogênio. Deixa-nos crer

que o objetivo maior ensejado pelas forças policias era infligir sofrimento aos

manifestantes, de modo a servir ao objetivo pedagógico de convencê-los a não aderir

aos próximos protestos.

Os resultados poderiam ter sido ainda mais graves, diante do pedido do

Comandante da PMERJ para a utilização de armas letais nas manifestações. Como se

trata de circunstância na qual é frequente a exaltação de ânimos de ambas as partes, um

policial municiado de arma letal poderia fazer uso inadequado, evidentemente,

resultando em uma catástrofe. O uso de armas letais na contenção de “distúrbios civis” é

altamente inadequado e contraria recomendação da ONU.

O uso de armas menos letais não foi estendido às manifestações populares

realizadas nas periferias da cidade do Rio de Janeiro. A Polícia Militar do Rio de

Janeiro é conhecida por sua altíssima letalidade, empreendida, sobretudo nas favelas e

demais periferias urbanas. Este habitus letífero confirmou-se na repressão a um dos

protestos, este realizado nas proximidades da Favela da Maré. Após receber denúncia da

prática de furtos na manifestação, a PMERJ deslocou-se para o local, e como em ação

vindicativa, a operação resultou em 10 mortes de civis. É importante observar que,

quando o argumento de combate a um arrastão foi usado contra manifestantes na Barra

da Tijuca, não houve ação de policiais do Bope, nem vítimas fatais, demostrando que há

um tratamento diferenciado na favela e no “asfalto”.

Houve surpresa de parte dos segmentos que aderiram às manifestações diante da

truculência da polícia, no entanto, como destacamos, essa violência que imperou contra

os manifestantes é cotidiana para a população das favelas e periferias da cidade.

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III.4.3 - Das Questões Examinadas nas Visitas

a) A visita do MEPCT/RJ, no mês de junho, se deu no Centro de Socioeducação

Celso de Carvalho Amaral, local de recepção e triagem de adolescentes, na

Penitenciária Alfredo Tranjan e na Cadeia Pública Bandeira Stampa CENSE

Celso de Carvalho Amaral (GCA)

O Cense GCA é um estabelecimento vinculado ao DEGASE (Departamento

Geral de Ações Socioeducativas) destinado à primeira recepção e triagem de

adolescentes para cumprimento de medida socioeducativa de internação provisória.

Estes costumam ficar aproximadamente três dias na unidade.

Na ocasião da inspeção que se deu em 26/07, não havia nenhum adolescente

internado em função de suposta prática de ato infracional, relacionado às manifestações.

A direção apontou um aumento no número de adolescentes apreendido nos últimos

meses, sobretudo na capital e cidades como Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo.

Na inspeção realizada no CENSE GCA, o MEPCT tomou conhecimento de

diversos relatos de apreensão de adolescentes por policiais militares, sendo os mesmos

conduzidos a 5ª Delegacia de Polícia, por diversos atos infracionais análogos a crimes

como porte de artefatos, danos ao patrimônio, formação de quadrilha, inclusive alguns

que se encontravam em situação de rua. Vale destacar que as apreensões se deram na

maioria das vezes sem justificativa legal, visto que a medida de internação deve ser

aplicada em último caso nas situações envolvendo violência e grave ameaça à pessoa.

Importante ressaltar que o número de inserções no sistema socioeducativo foi

consideravelmente reduzidas devido à atuação de advogados que prestaram serviços

voluntários nas unidades policiais, como , por exemplo, a Comissão de Direitos

Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio

de Janeiro (OAB/RJ), Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública (NUDEDH),

Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH) e Comissão de Direitos Humanos

da ALERJ.

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b) Cadeia Pública Bandeira Stampa

O MEPCT realizou visita no Complexo de Gericinó em 27/06 do corrente ano

em companhia de um representante do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro, Sr.

Eduardo. A equipe foi recebida pelo subdiretor Sr. Glauco Gomes.

Os detidos nas manifestações após passar pela delegacia de polícia eram

transferidos para o sistema penitenciário para a Penitenciária Alfredo Tranjan onde se

fazia o primeiro registro e em seguida, em algumas horas, os mesmos eram deslocados

para a Cadeia Pública Bandeira Stampa. Tal fluxo foi determinado pela SEAP em

função do caráter provisório e muito das vezes sem aparente justificativa legal das

detenções.

Segundo relataram os presos, eles teriam sido detidos sob a acusação de terem

participado supostamente de depredação ao patrimônio de uma agência de automóveis.

Os mesmos afirmar que sequer estavam no local, pedindo como forma de prova o

acesso às filmagens do sistema de câmeras do referido estabelecimento. Vale destacar

que a intenção inicial dos manifestantes seria realizar um protesto em frente à Cidade da

Música, destacando a enorme quantidade de recurso público empregado no local e seu

funcionamento.

Embora no ato houvesse a participação de centenas de pessoas de diferentes

origens, as pessoas detidas no ato da Barra da Tijuca, com exceção de um estudante

universitário, são majoritariamente negros e favelados moradores da Cidade de Deus, o

que comprova da seletividade da persecução criminal.

Os detidos na delegacia de Jacarepaguá relataram o trajeto de violência que

sofreram do estado. Primeiramente, foram colocados em um compartimento fechado da

viatura da Polícia Militar após os mesmos terem lançados gás de pimenta. Na própria

delegacia, após a saída de representantes da OAB, os detentos sofreram violência física

e psicológica como tapas e ameaças.

Ao chegar ao Complexo de Gericinó, os apenados relataram que tiveram o seus

cabelos cortados compulsoriamente, além de ouvirem algumas ameaças e xingamentos

do tipo “bando de mendigos”, “Acabou o crime, não tem bandido como antes”, além de

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disferirem tapas e socos nos mesmos. Segundo eles, um dos momentos de maior tensão

foi quando os mesmos ficaram expostos a cachorros da raça pitbull que estavam seguros

em correntes com os agentes, estes diziam aos detidos para não olharem para os

animais, o que podemos entender como uma situação de tortura física e psicológica.

c) Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli

No dia 16 de setembro, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à

Tortura teve reunião com a Subsecretaria de Unidades Prisionais da SEAP. Dentre os

vários temas pautados, foi novamente abordada a questão da prisão de manifestantes

populares.

Na oportunidade, o MEPCT/RJ indagou sobre como passou a ser preconizado o

roteiro de porta de entrada no sistema penitenciário. A SEAP informou que, após a

ativação da Cadeia Pública Juíza Patricia Acioli, inaugurada em 24 de junho de 2013, os

presos recém-ingressos no sistema penitenciário são encaminhados para a referida

unidade, situada em Guaxindiba, São Gonçalo.

Nesta unidade os manifestantes presos podem permanecer custodiados por entre

3 a 10 dias. Após, serão encaminhados para o Presídio Bandeira Stampa, no Complexo

Penitenciário de Gericinó, de modo que não passam mais pela Penitenciária Alfredo

Tranjan.

d) Das Prisões de 15 de Outubro

No dia 15 de outubro, dia do professor, fora realizada grande manifestação

popular no Centro do Rio de Janeiro. Na ocasião, mais de 200 pessoas foram detidas

pelo aparato policial. Ao todo foram 84 manifestantes que tiveram sua prisão mantida,

em sua maioria após detenção realizada nas escadarias da Câmara de Vereadores do Rio

de Janeiro. A operação foi realizada pela Polícia Civil e Militar, contando com a

participação do Choque, do BOPE e da Força Nacional de Segurança.

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Os manifestantes foram conduzidos para várias Delegacias de Polícia: 5ª DP, 12ª

DP, 17ª DP, 25ª DP e 37ª DP. Alguns permaneceram detidos por mais de 8 horas dentro

de ônibus da Polícia Militar, outros foram mantidos em carceragens ou salas muito

pequenas com grande número de pessoas. Há relatos de agressões físicas e verbais

perpetradas por policiais. Os manifestantes relatam ainda que nas Delegacias a

imputação dos crimes supostamente praticados foi altamente arbitrária, baseada apenas

em versões dos policiais que realizaram a prisão em flagrante, sem demonstração de

outro meio de prova. Há registros de ocorrência que imputam aos acusados

praticamente todos os resultados ocasionados após a manifestação. Há relatos

de notas de culpa que foram modificadas por mais de três vezes, visto que os policiais

apresentavam uma versão fictícia, que era rebatida pelo advogado ou pelo acusado.

Os homens adultos foram todos conduzidos para a Cadeia Pública Patrícia Acioli

(Guaxindiba - São Gonçalo) ao longo do dia 16/10/13. Ao todo, ingressaram 61

manifestantes do sexo masculino.. Os mesmos foram visitados pelo MEPCT/RJ e pelo

CEPCT/RJ no dia 16/10/13. Três foram libertados neste mesmo dia.

Na madrugada do dia 18/10/13, os manifestantes do sexo masculino foram

transferidos pela SEAP para a Cadeia Pública Bandeira Estampa (Bangu 9). Na unidade

também foram mantidos em galeria separada. O Mecanismo e o Comitê realizaram

visita no dia 18/10/13 e constatou que os manifestantes estavam bem fisicamente. Há

relatos de uso excessivo da força no transporte entre as unidades realizado pelo Serviço

de Operações Especiais (SOE). No mesmo dia foi cumprido o alvará de soltura de todos

os manifestantes que tiveram registro de ocorrência lavrado na 37ª DP.

Vale destacar que neste transporte todos os manifestantes relataram ter sofrido

agressões físicas e verbais por parte dos agentes do SOE. Ao chegarem na Cadeia

Pública Bandeira Stampa alguns manifestantes foram agredidos nas mãos com uma

grande palmatória de madeira ao saírem da viatura. Relataram ainda que tiveram que

aguardar demoradamente no pátio da unidade, antes de ingressarem na cela. Neste

momento dois presos manifestantes solicitaram ir ao banheiro, pedido este que foi

negado pelos agentes em comando, mesmo sendo certo que o banheiro mais próximo

distava poucos metros. Um dos presos não suportou o aguardo e veio a fazer

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necessidades fisiológicas diante dos demais. Após, fora humilhado publicamente pelos

agentes e obrigado a limpar o chão.

Três manifestantes do sexo feminino foram mantidas presas e conduzidas à

Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, no Complexo de Gericinó. O Mecanismo e o

Comitê realizaram visita no dia 18/10/13 e constatou que os manifestantes estavam bem

fisicamente, apesar de apresentar relatos de agressões verbais. Do mesmo modo, foram

mantidas em cela separada das demais internas, pelas razões já expostas.

Dos adolescentes apreendidos na manifestação, 18 foram conduzidos à unidade

CENSE GCA, vinculada ao DEGASE. Os adolescentes foram conduzidos algemados.

O Mecanismo e o Comitê realizaram visita em 17/10 e constataram que foram alocados

em alojamento junto com outros adolescentes e depois separados em alojamento

específico. Todas as pessoas recolhidas relataram que foram detidas em situações

arbitrárias e sofreram agressões físicas e verbais, na hora da prisão. O Mecanismo, com

o objetivo de coibir a prática da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos

ou degradantes, reafirmam a preocupação com a realização de prisões de natureza

desnecessária, ilegal ou arbitrária, bem como perpetradas por motivações políticas e

ideológicas.

III.4.4 – Considerações sobre as prisões nas manifestações

No Rio de Janeiro, especialmente, os atos públicos receberam grande apoio de

advogados, seja disponibilizados pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ,

integrantes de organizações não governamentais, como o Instituto de Defensores de

Direitos Humanos ou ainda advogados voluntários reunidos em torno do grupo Habeas

Corpus-RJ, criado para oferecer assistência jurídica em solidariedade aos manifestantes

atingidos pelo arbítrio policial.

A atuação de tais advogados centrava-se na contenção do poder punitivo estatal,

em defesa das liberdades democráticas, como a livre manifestação de pensamento,

consagrada pela Constituição da República em seu art. 5º, inciso XVI, da Constituição

da República. É papel das autoridades públicas assegurar o direito de reunião,

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harmonizando-o do melhor modo com outros direitos individuais como o direito de

locomoção e o direito à integridade física. As manifestações populares colocam em

colisão tais garantias constitucionais, de modo que cabe ao Estado e a seus agentes,

nessas situações limítrofes, harmonizar da maneira mais eficaz os direitos fundamentais,

como corolário indispensável ao exercício da democracia.

A repressão policial nos protestos tem apresentado capitulações altamente

arbitrárias no intuito de tentar tipificar condutas dos manifestantes. Inúmeras detenções

arbitrárias foram perpetradas, desconsiderando por completo o art. 301 do Código de

Processo Penal, acerca da prisão em flagrante, visto que impossível configurar o

flagrante delito sem justa causa, diante da ausência de indícios de autoria e prova da

materialidade do crime. Houve inúmeros registros, inclusive divulgados por parte da

mídia, da tentativa de policiais forjarem flagrantes na ocasião da abordagem de

manifestantes.

Dentre o vasto rol, foram observadas prisões por crimes de dano, seja ao

patrimônio privado (art. 163 CP) ou público (art. 163, § único, III CP), - sem qualquer

prova - formação de quadrilha (art. 288 CP) – mesmo entre pessoas que sequer se

conheciam, corrupção de menores (Art. 244 B do ECA), tentativa de lesão corporal (art.

129 CP c/c art. 14, II CP), desacato (art. 331 CP), resistência (art. 329 CP), incitação ao

crime (art. 286 CP), apologia ao crime (art. 287 CP), dentre outros.

O altíssimo grau de arbítrio na atuação da persecução criminal rasga as garantias

penais e processuais penais inarredáveis a qualquer cidadão, dando ensejo à

materialização do sistema inquisitório, em sobreposição ao sistema acusatório

preconizado pela Carta Política de 1988.

A repressão às manifestações populares dá ensejo ainda há dispositivos legais de

exceção, como a tentativa de imputação das condutas dos ativistas nos artigos da Lei de

Organizações Criminosas (Lei Nº 12.850/13), que entrou em vigor em outubro do

presente ano. A Ordem dos Advogados do Brasil recentemente manifestou o

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entendimento de que configura uma “aberração jurídica” a utilização de tal dispositivo

legal com o intuito de reprimir legítimos protestos populares93

.

Na esteira da criminalização das manifestações, no dia 22 de julho de 2013, o

Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho baixou o decreto nº

44.302. Dentre outras disposições, o decreto constitui a CEIV, Comissão Especial de

Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, criada após a onda de

protestos nas ruas do Rio. Segundo o art. 2º do decreto:

“Art. 2º - Caberá à CEIV tomar todas as providências

necessárias à realização da investigação da prática de atos de

vandalismo, podendo requisitar informações, realizar

diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de

procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos

ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas.”

Ademais, o referido dispositivo legal de exceção exige que as empresas de

telefonia e internet entreguem informações de usuários suspeitos de envolvimento com

os protestos. Diz trecho do decreto publicado: "As empresas operadoras de Telefonia e

Provedores de internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos

de informações da CEIV".

No entendimento da OAB, o conteúdo do decreto carece de constitucionalidade.

"A Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações entre pessoas.

Não tenho a menor dúvida em afirmar que o decreto é flagrantemente inconstitucional",

salientou Marcus Vinícius Furtado, Presidente da OAB. "Apenas a Justiça detém o

poder de determinar a quebra do sigilo", ressaltou.

Diante da repercussão negativa, o Governador decidiu baixar novo Decreto, que

vai revogar o anterior, fazendo principalmente duas alterações. Primeiro, ao tratar das

competências da Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em

Manifestações Públicas, ressalta que “observar-se-á a reserva de jurisdição exigida para

os casos que envolvam quebra de sigilo”. A outra alteração é na menção específica a

teles e provedores. O primeiro Decreto dizia que “as empresas Operadoras de Telefonia

93 http://oglobo.globo.com/rio/uso-da-lei-das-organizacoes-criminosas-aberracao-diz-oab-10414045

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e Provedores de Internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos

de informações da CEIV”. O novo texto não faz mais citação expressa a prazo

determinado.

Convém destacar que invariavelmente, os discursos de manutenção da ordem

que buscam deslegitimar as grandes mobilizações em curso buscam atribuir aos

manifestantes a pecha de” vândalos” e” baderneiros”. Ademais, sempre que há excessos

no uso da força policial, afirma-se que houve confronto com os policiais.

De igual sorte, doutrinas jurídico-penais, como o “Direito Penal do Inimigo”,

“Direito Penal de Emergência”, “Tolerância Zero” e “Movimento de Lei e Ordem”, que

embasam a repressão arbitrária a cidadãos que exercem seu constitucional direito à livre

manifestação de pensamento, não condizem com os preceitos basilares do Estado

Democrático de Direito.

A partir das ações neste tema, O MEPCT observou uso excessivo da força,

truculência e arbítrio das forças policiais durante as manifestações populares conferindo

tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. O MEPCT manifesta

extrema preocupação com a manutenção destas práticas pela Segurança Pública visto

que a possibilidade de novas manifestações no próximo ano é relativamente alta,

especialmente nos megaeventos como a Copa do Mundo de Futebol.

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IV – CASOS EMBLEMÁTICOS DE TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS

OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES

IV.1 – Casos emblemáticos

Seguindo o entendimento de que muito embora não seja possível mensurar casos

de maus tratos e tortura e hierarquiza-los como emblemáticos ou não, o Mecanismo traz

alguns graves episódios de violações de Direitos Humanos que ocorreram ao longo de

2013 como uma síntese da dinâmica dos espaços de privação de liberdade ou em

espaços análogos.

a) Punição Coletiva no Instituto Penal Vicente Piragibe/SEAP, 05.02.13

Em 03 de fevereiro de 2013, 31 presos fugiram do Instituto Penal Vicente

Piragibe pelo esgoto da unidade. Eles escaparam através de uma saída

localizada em um prédio anexo reservado para o lazer das crianças que

vinham visitar seus pais. Ainda no domingo, 04 presos foram recapturados

na área do Complexo de Gericinó e levados para a Penitenciária Laércio

Costa Pellegrino, mais conhecida como Bangu I - presídio de segurança

máxima.

Em resposta a fuga a direção da unidade determinou que todos os internos

ficassem isolados em suas celas, não tendo a possibilidade de circular pelas

galerias e pelo pátio. Os internos afirmaram ainda que apesar de terem ficado

expostos a chuva durante o “confere” realizado no dia da fuga, momento no

qual se investigava se haviam sido presos do IPVP que haviam fugido, não

houve agressões físicas aos internos após a confirmação da fuga.

O IPVP abrigava neste momento 2617 presos, ou seja, encontrava-se em

uma situação de superlotação. O benefício concedido pela SEAP de

circulação nas galerias e no pátio, é fundamental para minimizar a situação

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precária em que se encontram os presos, a direção da unidade prisional não

pode naturalizar a violação à Lei de Execuções Penais que determina em seu

artigo 45 que a aplicação da sanção não violará a integridade física ou

psíquica do preso e da presa, cabendo ressaltar o parágrafo terceiro que

expressa terminantemente proibidas as sanções coletivas.

b) Incêndio no Educandário Santo Expedito/DEGASE 07.04.13

No dia 07 de abril alguns adolescentes solicitaram atendimento médico de

emergência com o suposto intuito de evadir da unidade durante o traslado.

Como não lograram êxito na tentativa de fuga os adolescentes atearam fogo

em alguns dos alojamentos. O fogo foi controlado pelos agentes

socioeducadores minutos depois. O MEPCT esteve na unidade e pôde

observar o estado dos alojamentos após o incidente.

Os adolescentes foram encaminhados para delegacia como consta no

Registro de Ocorrência n 34-04349\2013. No dia 08 de abril houve um novo

incêndio na unidade envolvendo número bem maior de adolescentes, todos

foram encaminhados para unidade policial no Registro de Ocorrência n 034-

04402\2013.

O MEPCT realizou atendimento aos adolescentes que participaram do

incidente e permaneceram na unidade. Foi percebido condições precárias

neste módulo como lâmpadas quebradas e queimadas, inclusive no corredor

que dá acesso. O MEPCT/RJ pôde constar que estes adolescentes se

encontravam num alojamento sem luz sem colchão. Eles reclamaram da

exposição do frio à noite, inclusive um deles que afirmou possuir uma

prótese na perna, sentia dor no local.

Chamou atenção da equipe um adolescente que apresentava um ferimento na

orelha decorrente do incêndio e até aquele momento não havia recebido

atendimento. Além disso, afirmaram que haviam ficado sem almoço. Após

intervenção junto à direção, foram disponibilizados colchões e a fornecida a

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listagem para atendimento médico. O MEPCT/RJ entende o fato como uma

forma de extensão da punição para os adolescestes que participaram do

incêndio, aplicada de forma discricionária e arbitrária sem nenhum

fundamento legal.

Este tipo de intervenção tem sido recorrente no DEGASE, sobretudo como

resposta a alguma situação de grave desentendimento envolvendo os

adolescentes e os socioeducadores. A situação se agrava quando não se tem

notícia acerca de responsabilização dos agressores.

Os adolescentes foram uníssonos em afirmar que o que motivou o incêndio

foi as agressão verbais dos agentes utilizados para com eles e o tratamento

cotidiano destinado aos adolescentes no ESE, além de diversos relatos

acerca de agressões verbais com os seus familiares. Segundo eles, tais

fatores geram um elevado clima de intranquilidade na unidade.

Foi relatado também do uso reiterado de agressões físicas como tapas no

rosto e utilização discricionária de spray de pimenta sobretudo pelos

socioeducadores, relatando algumas situações em que o gás lacrimogênio é

jogado em alojamentos com adolescentes trancados.

c) Sessão de Espancamento – Escola José Luís Alves/DEGASE 04.05.13.

Na noite do sábado 04 de maio de 2013 ocorreu uma tentativa fuga na

Escola João Luís Alves e durante esta tentativa alguns adolescentes teria

agredido um dos socioeducadores. Em 07 de maio à noite o Mecanismo de

Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT) realizou uma visita em conjunto

com as Defensoras Públicas da Infância e Juventude. Nesta ocasião, quatro

adolescentes que seriam responsáveis pela agressão ao agente socioeducador

contaram que no sábado, minutos antes da visita, haviam passado por uma

sessão de espancamento, mostrando escoriações à equipe visitante, inclusive.

Os quatro adolescentes foram levados para a 21º Delegacia Policial

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(Bonsucesso) na madrugada do dia 08 de maio e encaminhados para exame

de corpo de delito.

d) Caso “Bailarina” – Centro de Socioeducação Professor Antônio

Carlos Gomes da Costa/DEGASE, 06. 05. 13.

Em 06 de maio durante uma visita de rotina ao Cense Prof. Antônio Carlos,

unidade de internação destinada as adolescentes mulheres, o Mecanismo foi

surpreendido com a notícia que uma adolescente de 17 anos havia sofrido

agressão, tendo sido algemada a uma grade, ficando somente com roupas

íntimas e na ponta dos pés, a posição de tortura chamada de “bailarina”. O

fato teria ocorrido em 02 de maio e até o momento da visita a jovem não

havia sido encaminhada para realização de exame de corpo de delito. A

adolescente só foi encaminhada para unidade policial após a visita do

MEPCT, caracterizando um quadro grave de omissão por parte da direção da

unidade. O registro de ocorrência foi registrado na 37ª Delegacia de Polícia

na Ilha do Governador.

Foi relatado que há uma prática institucionalizada de utilização

indiscriminada de algemas como forma autoritária de punição com as

adolescentes. Seria comum algemar as adolescentes nos alojamentos junto a

uma grade onde entra iluminação natural consistindo em esticar o corpo e o

braço das mesmas, denominando “bailarina”. Outro fator que chamou

atenção do MEPCT é o elevador número de agentes socioeducadores do

sexo masculino e os relatos de agressões praticados pelos mesmos na

referida unidade.

e) Caso Amarildo/Polícia Militar, 14.07.13

Entre os dias 13 e 14 de julho de 2013, uma operação policial denominada

de Paz Armada mobilizou 300 policiais na Favela da Rocinha. A ação

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prendeu suspeitos sem antecedentes criminais, logo depois de um arrastão

ocorrido nas proximidades da favela. Mais de 30 pessoas foram presas, entre

elas Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro. Amarildo (43 anos),

havia acabado de voltar de uma pescaria e fora detido e conduzido por

policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha na

noite do dia 14. Desde sua condução para averiguação, não se conhece o

paradeiro de Amarildo.

Seu desaparecimento ganhou repercussão internacional e tornou-se símbolo

de casos de abuso de autoridade e violência policial, recebendo grande

solidariedade das manifestações populares em ebulição no Rio de Janeiro. O

caso figura como um dos principais destaques da campanha da OAB-RJ pela

elucidação dos crimes cometidos contra os desaparecidos da democracia.

Segundo a versão da polícia, os PMs teriam confundido Amarildo com um

traficante de drogas com mandado de prisão expedido pela Justiça.

Curiosamente, na noite em que foi detido, duas câmeras diante da UPP

tiveram problemas e o GPS dos carros de polícia estavam desligados.

Responsável pelas duas câmeras da UPP, a Emive constatou que elas

estavam queimadas e alegou que falhas são frequentes em redes elétricas

instáveis. No entanto, das 84 câmeras na Rocinha, apenas as da UPP

apresentaram problemas naquela noite.

A polícia civil foi informada de que um corpo tinha sido encontrado na

comunidade da Rocinha e os agentes foram procurá-lo, mas constataram que

não era de Amarildo. As investigações prosseguiram e a partir da atuação do

Ministério Público fora constatado que policiais militares torturaram

Amarildo nas instalações da UPP. Após seu corpo foi desovado. Foi ainda

constatado que policiais ocultaram e forjaram provas. Ao todo 25 policiais

foram denunciados, dos quais 13 tiveram a decretação da prisão preventiva.

Dentre os crimes imputados constam tortura, ocultação de cadáver, formação

de quadrilha e fraude processual.

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O Delegado Orlando Zaccone, então titular da 15ª Delegacia de Polícia

(Gávea) foi peça chave na condução das investigações que chegaram à

conclusão da participação de policiais militares no crime. Segundo Zaccone,

a investigação inicalmente conduzida pela Polícia Militar intentou atribuir a

Amarildo a imagem de associado ao tráfico de drogas. “Até Amarildo

desaparecer, ele não tinha relação nenhuma com associação ao tráfico.

Quando Amarildo desaparece, começam a surgir algumas coisas

misteriosamente”. Após as conclusões do inquérito policial, Zaccone foi

inexplicavelmente transferido pela Chefia da Polícia Civil para a 31ª

Delegacia de Polícia, situada em Ricardo de Albuquerque.

O caso Amarildo põe em xeque a suposta mudança de paradigma da política

de segurança pública trazida pelas UPPs. Trata-se de um caso exemplar que

revela que violações gravíssimas de direitos fundamentais permanecem

sendo perpetradas por agentes policiais mesmo nas instalações das chamadas

Unidades de Polícia Pacificadora.

f) Central Taiguara / Secretaria Municipal de Assistência Social, 06.13.

No âmbito do acolhimento institucional de crianças e adolescentes as

Centrais de Recepção são, geralmente, considerados como porta de entrada

do acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro.

As duas Centrais de Recepção se situam na região do Centro da cidade:

Central de Recepção Taiguara, próxima à Lapa atendendo crianças e

adolescentes do sexo feminino e crianças do sexo masculino; Central de

Recepção Adhemar Ferreira de Barros, recebendo adolescentes do sexo

masculino.

Em junho deste ano, o MEPCT acompanhou um caso de crianças e

adolescentes que haviam sofrido agressões físicas de educadores, inclusive

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com utilização de choque elétrico na Central Taiguara94

. Um deles chegou a

afirmar ter recebido choque elétrico nas nádegas, depois de ter ocorrido um

episódio em que um celular de uma das psicólogas ter sido furtado no

interior da unidade. Segundo os jovens, o aparelho de choque é utilizado

como forma de ameaça, assim como tapas na cara, chutes e chineladas.

Na ocasião, os educadores que participaram do episódio foram afastados e

respondem a processo judicial.

g) Esquartejamento em Campos/SEAP, 31.07.13

Marcos de Souza Silva foi esquartejado no Presídio Carlos Tinoco da

Fonseca, localizado em Campos dos Goytacazes, no dia 31 de julho. O

interno foi barbaramente torturado no interior do pavilhão II na galeria C.

Segundo divulgado pela imprensa os funcionários teriam dito que o local “é

de difícil visualização”. O preso foi espancado, teve as duas orelhas cortadas,

os testículos arrancados e foi empalado com um pedaço de madeira. A

motivação para o esquartejamento do interno pelos outros presos teria sido

seu envolvimento no abuso e morte de uma garota de 2 anos de idade.

A 128ª Delegacia de Polícia responsável pelas investigações da morte da

menina divulgou no dia anterior para a imprensa que exames de D.N.A.

teriam confirmado que a autoria teria sido de Marcos Silva. Neste momento

a vítima já se encontrava presa na unidade prisional devido a outro delito,

por isso, justificou a SEAP, encontrava-se na convivência com o coletivo.

A ocorrência foi registrada na 146ª Delegacia de Polícia, RO n° 146-

0320/2013. Chama atenção que muito embora os agentes penitenciários

tenham dito que o local onde ocorreu a morte fosse de difícil visibilidade,

muitos configuram como testemunha do homicídio.

94

“Denúncia de choques elétricos em abrigo do Rio são investigadas”. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-

janeiro/noticia/2013/05/denuncias-de-choques-eletricos-em-abrigo-do-rio-sao-investigadas.html

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A integridade física, psíquica e a vida do interno é de total responsabilidade

do Estado, sendo portanto, tarefa da Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária além da custódia do preso, zelar por sua vida. É inadmissível

que fatos como esse aconteçam no interior de uma unidade prisional com

suposta vigilância de 24 horas sobre seus internos.

h) Idosa Encarcerada – Penitenciária Talavera Bruce/SEAP, 30.08.13

Durante visita realizada em 30 de agosto na Penitenciária Talavera Bruce,

destinada a custódia de presas mulheres, os membros do Mecanismo

encontraram uma senhora que afirmou ter nascido em 1934, ou seja, uma

idosa de 79 anos. A sra. Anete Machado Braga se disse oriunda do interior

do estado, mas não tinha muita certeza sobre o que falava, demonstrou não

ter consciência de sua atual condição, nem de que delito teria cometido. A

diretora da unidade disse que ela teria cometido um homicídio há muitos

anos atrás.

Segundo andamento processual de n° 0196056-47.2013.8.19.0001, Anete

Braga é oriunda de Miguel Pereira e em 29 de janeiro de 2013 foi

sentenciada a 20 anos em regime fechado por cometer um homicídio

qualificado. Neste momento, aos 79 anos, ela já cumpriu pouco mais de 3

anos da sua pena.

Decisões de Tribunais de Justiça dão conta de que: “(...) O fato de o Paciente

ser pessoa idosa, com mais de 70 (setenta) anos, pode agravar o seu estado

de saúde, o que possibilita o seu recolhimento em residência particular, nos

moldes do art. 117, I, da Lei nº 7.210/84. Ordem concedida em parte, à

unanimidade.” (TJES, HC 100040001073, Rel. Alemer Ferraz Moulin,

Primeira Câmara Criminal – p. 7.6.2004).”95

95

Decisões precedentes: STF, HC 86.320-SP; STF, HC 84.909-MG; STF, HC 71.811-SP; STJ, REsp

951.510-DF; STJ, HC 104.557-RS; STJ, REsp 628.652-RJ; STJ, REsp 624.988-RJ; STJ, REsp 662.958-

RS.

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De acordo com as informações apuradas no andamento processual da idosa,

esta poderia perfeitamente está cumprindo pena em regime domiciliar, sua

permanência na Penitenciária Talavera Bruce é uma grave violação aos

direitos de Anete Braga.

i) Morte de “Dudu da Rocinha” – Instituto Penal Vicente

Piragibe/SEAP 09.07.13

Eduíno Eustáquio de Araújo Filho, o “Dudu da Rocinha” foi encontrado

morto no Instituto Penal Vicente Piragibe na manhã do dia 08 de julho. A

Delegacia de Homicídio foi chamada para averiguar o episódio, a polícia

trabalha com a possibilidade de homicídio, mas também de um suicídio.

O Mecanismo esteve no Instituto Médico Legal para obter informações junto

aos familiares e médicos legistas. A perícia apresentada não fez menção a

sinais de espancamento, a causa morte foi estrangulamento.

Segundo informações da Subsecretaria de Administração Penitenciária uma

sindicância foi instaurada para apurar a morte.

Casos de estrangulamento não são raros no sistema penitenciário carioca,

para além de averiguar se foi homicídio ou suicídio, a SEAP tem

responsabilidade pela vida e integridade física e psíquica de seu preso,

devendo resguardá-lo sobre qualquer hipótese.

j) Caso Andreu Luís Silva Carvalho – Instituto Padre Severino

/DEGASE, 01.01.08.

No dia 01 de janeiro de 2008, deu entrada no Centro de Triagem e Recepção

o adolescente Andreu Luís Silva de Carvalho juntamente com os

adolescentes L.F.S. e F.L.S., em virtude da suposta prática de ato infracional

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análogo ao crime de roubo. Neste mesmo dia, o adolescente Andreu veio a

falecer, no Hospital Paulino Werneck, após uma série de agressões sofridas,

por parte de agentes disciplinares do DEGASE. Em virtude de tal fato, foi

instaurado procedimento de sindicância n° E-12/650003/08, pela

Corregedoria do DEGASE, para apurar possíveis irregularidades no Centro

de Triagem e Recepção, bem como aberto o inquérito policial n°

037.00005/2008, na 37ª Delegacia de Polícia Civil, na Ilha do Governador,

para investigar o crime de homicídio.

A sindicância foi concluída em sem que nenhum agente socioeducador fosse

responsabilizado pela morte do adolescente.

A denúncia foi proposta no dia 30 de maio de 2011, três anos após a morte

de Andreu de Carvalho. Até o presente momento, houve apenas uma

audiência em que foram ouvidas as testemunhas Deize de Carvalho, Mãe de

Andreu e o diretor do Centro de Triagem (CTR) na época. Uma segunda

audiência foi marcada para fevereiro de 2013, mas foi adiada para setembro.

Em setembro, a juíza da 4ª Vara Criminal do Tribunal do Júri estava de

licença, devendo um juiz de outra Vara realizar a ouvidas das testemunhas.

Com duas Varas em acumulação, o juiz em exercício optou por adiar

novamente, sendo remarcada para fevereiro de 2014.

Devido a pressão realizada pela assistência de acusação, a juíza titular, já de

volta de sua licença, aceita a argumentação e remarca a audiência para o dia

11 de dezembro de 2013.

Cabe ressaltar que o processo ainda está na primeira fase no que se refere aos

seus procedimentos, os réus não foram se quer pronunciados, podendo haver

portanto uma decisão negativa sobre o julgamento dos agentes.

O Caso em questão é um exemplo de como casos de tortura e maus tratos

são conduzidos de forma a protelar sua resolução e não responsabilizar os

agentes agressores por seus atos. O Mecanismo tem monitorado o

andamento do caso estando presente as audiências marcadas ao longo deste

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ano, aguarda-se que a próxima audiência possa efetivamente trazer

elementos para o julgamento dos responsáveis.

k) Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor

Carrilho/SEAP, 2013.

Em dezembro de 2012 o MEPCT/RJ apresentou um Relatório Temático no

qual apresentava uma análise sobre o acesso à saúde nos sistema prisional do

estado do Rio de Janeiro. Os Hospitais de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico, também chamados de Manicômios Judiciário, foram visitados.

Em outubro de 2012 a direção já informara que o HCTP não mais receberia

pacientes. Do total de pacientes, 80 já estavam em processo de

desinstitucionalização e 11 ainda cumpriam seus últimos meses de medida

de segurança. Recentemente uma pesquisa da Universidade Federal do Rio

de Janeiro apontou que ainda existem 70 pacientes no Heitor Carrilho que já

podiam estar desligados do Hospital, em liberdade.

Dentre os pacientes há casos de pessoas que já podia estar em liberdade há

pelo menos 20 anos, mas foram esquecidas por suas famílias u não

conseguem ser inseridas nos equipamentos extra hospitalares do seu

município de origem.

Assim como no sistema prisional, a “porta de saída” daqueles que cumprem

medidas de segurança opera em uma proporção muito menos que a entrada.

Há que se implementar a rede substitutiva aos manicômios facilitando e

acelerando o projeto de desinstitucionalização, das pessoas com transtorno

psíquico que já cumpriram sua medida de segurança.

l) Espancamento no CAI Baixada/DEGASE, 25.11.13

O Mecanismo recebeu informações que adolescentes estariam gravemente

machucados no Cai Baixada. Durante a inspeção realizada foi relatado que

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na tarde de 25 de novembro, após uma briga entre dezenas de adolescentes, a

direção do CAI Baixada acionou a Polícia Militar através do 39º Batalhão de

Polícia Militar. Segundo relato, cerca de 07 policiais fardados espancaram

dezenas de adolescentes com emprego de barras de ferro e madeira, além de

utilização de spray de pimenta. Um tiro de fuzil também foi disparado.

A equipe visitante pôde observar dezenas de adolescentes apresentando

hematomas e ferimentos graves decorrentes do uso excessivo da força,

um deles apresentava uma ferida com a marca de um coturno utilizado

pela PM. Cabe destacar que segundo relato, socioeducadores da unidade

também participaram das sessões de espancamento.

Durante a visita em apreço, membros da Coordenadoria de Defesa dos

Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA) também conversaram

com 19 adolescentes e tomaram termo de declaração dos mesmos,

encaminhando-os em seguida para a delegacia de polícia e, posteriormente,

ao Instituto Médico Legal para realização de perícia técnica.

Os adolescentes que apresentavam feridas visivelmente mais graves se

encontravam em alojamentos de uma galeria denominada “triagem” que

apresentavam as piores condições da unidade.

A situação de violência institucional no CAI Baixada tem sido algo

recorrente já observado pelo MEPCT, conforme as inspeções realizadas em

agosto de 2011 e outubro de 2012 em que nas referidas ocasiões foram

relatadas sessões de espancamento.

m) Morte na Casa de Custódia Milton Dias/SEAP, 13.08.13

O MEPCT/RJ recebeu ofício do Instituto de Cultura e Consciência Negra

Nelson Mandela, relatando que no dia 13 de agosto, Cassiano Rodrigues de

Castro, 18 anos, foi encontrado morto na Casa de Custódia Milton Dias,

localizada no Complexo de Japeri.

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149

Segundo a direção da unidade o interno teria pedido seguro após uma briga

durante um jogo de futebol com outros internos durante o fim de semana. E

teria sido encontrado morto em sua cela no seguro, o que denotaria um

possível suicídio. A causa morte foi asfixia mecânica, por enforcamento.

Informações trazidas pelos familiares acrescentam que na verdade o

desentendimento de Cassiano teria sido com um dos agentes e não com um

outro interno. Questionada sobre essa possibilidade a SEAP disse não haver

o pedido por escrito do preso sobre sua transferência para o seguro devido a

conflito com outros presos.

n) Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor (RA)

A Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor (RA) é um equipamento da

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro situado

no bairro de Paciência (zona oeste)- cerca de 2h do Centro- destinada a

acolher população unissex em situação de rua. Tem sido a porta de entrada

nas ocasiões de recolhimento compulsório de supostos usuários de crack.

Dentre as diversas questões encontradas na referida unidade que abriga

centenas de pessoas, podemos destacar: localização de grande distância das

regiões centrais da cidade, impondo dificuldades na obtenção de emprego e

renda, o que poderia denotar a uma situação de isolamento geográfico, visto

que a grande maioria habita áreas bem distantes; situação de risco e

instabilidade uma vez que fica situado entre duas áreas- uma dominada pelo

tráfico e outra pela milícia- em que os confrontos são constantes, geradora de

uma situação de instabilidade generalizada entre os profissionais e usuários

(numa visita, um membro do MEPCT foi abordado por um indivíduo

portanto arma de fogo); relatos de situações de intimidação, desaparecimento

e violência nas abordagens de rua conforme relatado na ACP do Ministério

Público.

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150

Há, portanto, uma incompatibilidade da permanência do RA, bem como as

ações de recolhimento de pessoas supostamente usuárias de drogas com os

direitos humanos das pessoas em situação de rua expressos especialmente no

Decreto Presidencial Nº 7053/2009.

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151

V – CONCLUSÃO

Sabemos que a tortura está marcada no processo de formação do Estado

brasileiro, processo este com fortes traços de autoritarismo, repressão e violência

especialmente contra a população pobre e os seus movimentos insurgentes. Não

bastassem o extermínio das populações indígenas e os quatrocentos anos de escravidão

dos negros, no século XX a tortura passa a ser política de Estado praticada contra os

seus opositores, especialmente nas ditaduras.

Podemos afirmar que o Estado brasileiro só avançou no enfretamento da tortura

após a aprovação da Constituição de 88, na qual, inclusive, fez constar expressamente a

proibição de sua prática, e ainda a definiu como crime inafiançável e insuscetível de

graça ou anistia. Apesar destes dispositivos estarem na nossa carta constitucional, a

tortura, somente em 1997, é tipificada como crime, com a aprovação da Lei 9455/97.

Insta observarmos que esta lei amplia o conceito de tortura para além daquela definição

constante da Convenção contra a Tortura da ONU, retirando a exclusividade de sua

prática do poder estatal (na Convenção, a tortura é eminentemente um crime de Estado,

só podendo ser praticada por agentes estatais ou para-militares). Este entendimento faz

com que, no Brasil, hoje em dia, haja uma predominância de réus e condenações por

crimes praticados no âmbito privado, como muito comumente noticiado nos veículos de

comunicações são as condenações de babás e acompanhantes, ou até mesmo casos de

violência intrafamiliar. Esta definição mais ampla de tortura serve ainda para dotar de

maior invisibilidade a prática da tortura por agentes estatais, uma vez que a maioria das

condenações se dão por situações privadas. Assim nos ensina José de Jesus Filho:

O bem jurídico protegido pela tipificação do crime de tortura

não é somente a integridade física e mental da pessoa, mas

também o próprio sistema de justiça, pois é isso que distingue a

conduta da babá daquela do agente policial. (...)o que

caracteriza a tortura é o fato de que ela é levada a cabo poar

aquele que detém o monopólio da coação física, o Estado, por

meio de seus representantes. Ao concentrar o poder do uso da

força e da aplicação do direito, eliminando assim os

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152

competidores internos, o Estado assume para si a

responsabilidade pela violência ilegalmente praticada por seus

representantes quando empossados na atribuição de imposição

da lei e da força. É essa violência, qualificada pela intenção de

gerar intenso sofrimento físico e com o propósito de obter

confissão, informação, para punição ou por discriminação, que

reputamos tortura. Nesse sentido, advogamos que nem todo

agente público pratica tortura, mas somente aqueles

encarregados do sistema de justiça.96

Para o trabalho do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do

Rio de Janeiro, considera-se tortura a partir do conceito internacionalmente construído,

ou seja, como um crime de Estado. Desta forma, os espaços de privação de liberdade,

em razão de sua característica de custódia permanente constituem-se em locais

privilegiados para a sua prática.

Da mesma forma, a tortura, assim como os outros tratamentos ou penas cruéis,

desumanos ou degradantes, é potencializada diantes do recrudescimento do poder

punitivo estatal. Este recrudescimento, como nos ensina Loic Waqcant, está inserido em

processo de destruição do Estado de Bem estar Social (welfare state), o que abre espaço

para a ascenção de um Estado Penal (warfare state) observado na sociedade ocidental a

partir da década de 197097

.

Para o autor, à medida em que o Estado retrocede no que tange à garantia de

direitos sociais, cria novos meios de exercer o controle sobre a população mais pobre,

que eventualmente se insurgem contra a nova conformação do Estado, constituindo

assim uma verdadeira ameaça à “nova ordem”. E esses novos meios de controle são a

repressão a estes insurgentes, resultando no que chamamos de criminalização da

pobreza e da juventude, com evidentes recortes étnico-raciais98

.

Apesar de o Brasil não ter consolidado um Estado de Bem Estar Social, por

tratar-se de um país de capitalismo tardio, observamos o mesmo recrudescimento

ocorrido em países como os Estados Unidos, objeto maior de análise do autor supra

96

FILHO, José de Jesus. Contribuição para a compreensão e a prevenção da tortura no Brasil. In: Tortura.

Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2010. Pag. 250-251. 97

WAQCANT, Loic. Punir os Pobres – A Nova Gestão Penal da Miséria nos Estados Unidos. 3ª edição

revista e ampliada (2007). Rio de Janeiro: REVAN, 2003. 98

Idem.

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153

mencionado. Desta forma, a hipertrofia observada no que tange ao sistema punitivo,

apenas reforça o trágico histórico de controle violento das camadas subalternizadas da

população, que tem origem ainda no período colonial, e evidencia, ainda segundo

Wanqcant, uma realidade ainda mais perigosa quando ocorre em países em

desenvolvimento99

.

Quando falamos do recrudescimento do controle punitivo, falamos do aumento

de 180% da população carcerária brasileira entre os anos de 1995 e 2010. O Brasil já

ultrapassou a barreira do meio milhão de pessoas encarceradas, possuindo a 4ª maior

população prisional do mundo, com aproximadamente 570.000 presos. No estado do

Rio de Janeiro, beiramos os 35 mil presos no sistema penitenciário, que hoje possui

vagas para cerca de 26 mil pessoas, denunciando assim a existência de um déficit de

cerca de 9 mil vagas no sistema prisional fluminense. Este cenário de superlotação

endêmica é causador de inúmeras violações de direitos fundamentais das pessoas

privadas de liberdade que ocorrem todos os dias no interior das unidades neste estado.

Como resposta a este déficit, o estado apresenta destinação de recursos para a

construção de novas unidades, com vistas à ampliação da capacidade geral do sistema.

Estas medidas de urgência, podem até amenizar a grave condição à qual estão

submetidas estas pessoas no momento, mas não são capazes de resolver o problema a

longo prazo, uma vez que existem gargalos no que tange à “porta de saída” e no uso

exacerbado da prisão cautelar no estado Rio de Janeiro. A partir desta constatação, o

MEPCT/RJ envidou esforços ao longo do ano de 2013 para a identificação destes

entraves, especialmente no que tange à progressão do regime de cumprimento da pena,

como forma de contribuir para a desobstrução deste que consiste na grande porta de

saída das prisões, elaborando recomendações para a superação ou diminuição destes

obstáculos.

Além da crise do sistema penitenciário, o MEPCT/RJ manifesta profunda

preocupação com o incremento da privação de liberdade em outros âmbitos, como

resposta a conflitos sociais. No que se refere ao sistema socioeducativo constituem

99

Idem.

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inaceitáveis os excessos de utilização das medidas de internação provisória e o uso

excessivo da força, bem como condições similares ao sistema prisional no que tange à

estrutura e tratamento dos adolescentes privados de liberdade. Em relação à política de

drogas, especialmente no Rio de Janeiro, assistimos ao arbítrio estatal através do

recolhimento forçado e internações compulsórias. Nesta matéria, também observamos a

reação conservadora através da expansão das comunidades terapêuticas, preconizando o

repasse de recursos públicos para instituições de cunho religioso e sem proposta

terapêutica adequada. Por fim, este cenário de violações a direitos fundamentais da

pessoa humana acentua-se com a recente ascensão da repressão policial às

manifestações populares ensejando prisões arbitrárias e uso exarcebado da força

pública.

Para realizar o monitoramento preventivo destes locais de privação de liberdade

o MEPCT/RJ também enfrentou inúmeros obstáculos. Insta destacar a estrutura

deficitária fornecida hoje para o desenvolvimento dos trabalhos do Mecanismo Estadual

de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, que não possui sequer um espaço

físico como sede, reunindo-se momentaneamente em uma sala cedida pelo Núcleo de

Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Da mesma

forma, não há veículo próprio para o transporte dos membros do MEPCT/RJ para as

visitas às unidades, transporte hoje realizado em carros particulares dos seus membros

ou em veículos cedidos pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos

Humanos do Rio de Janeiro. Por fim, os membros do MEPCT/RJ utilizam os seus

telefones e computadores pessoais na realização das atividades, uma vez que também

não lhes são oferecidos nenhuma estrutura neste sentido.

A tortura não pode ser adequadamente prevenida apenas com ações locais. É

necessária a integração dos esforços em âmbito estadual, nacional e internacional no

sentido de promoção de uma nova cultura na sociedade brasileira e, especialmente, nas

instituições que compõem o sistema de justiça criminal. É preciso que o Estado

brasileiro reafirme, diuturnamente, o seu compromisso inadiável de erradicação da

tortura, contribuindo assim para a afirmação da democracia e dos direitos humanos.

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VI – RECOMENDAÇÕES

VI.1 – SISTEMA PENITENCIÁRIO

VI.1.1 – ORÇAMENTO E FINANÇAS

a) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro - ampliar as verbas orçamentárias

destinadas à manutenção e melhoria do Sistema Carcerário, no sentido de

fornecer melhor assistência material aos internos (alimentação, vestuário,

material de higiene e limpeza). Conforme Recomendação Nº I do Relatório de

Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011.

b) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro - aprovação do plano de cargos e

salários dos servidores, a fim de garantir remuneração digna aos técnicos que

atuam no sistema penitenciário, visto que o vencimento encontra-se altamente

defasado (cerca de R$ 1500) em comparação com os inspetores penitenciários

(cerca de R$ 4.200), constituindo clara ofensa ao princípio da isonomia.

Conforme Recomendação Nº I.a do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias

Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011.

c) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e à Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária do Rio de Janeiro - realização de concurso

público para técnicos do sistema prisional, de modo a possibilitar a formação das

equipes mínimas de saúde previstas no Plano Nacional de Saúde do Sistema

Penitenciário. Conforme Recomendação Nº V.h do Relatório de Visitas a

Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;

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VI.1.2 - ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA

a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

Dotar as unidades prisionais de equipe técnica completa e orientação quanto a

sua atuação de forma interdisciplinar com a implantação de protocolos de

trabalho que envolvam acolhimento, triagem de demandas, atendimento

individual, atendimento em grupo (gestantes, presos com histórico de

dependência química, presos idosos, recém-ingressos, pré-egressos, entre outras

especificidades e suas respectivas família), palestras sobre temas diversos,

atividades com as redes sociais, entre outros trabalhos. Conforme

Recomendação Nº V.e do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas

do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;

b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro -

Construção de plano para readequação da progressão de regime no Estado do

Rio de Janeiro de modo a compatibilizar-se com os preceitos legais previstos na

Lei de Execução Penal e no Código Penal, priorizando a construção de unidades

típicas do cumprimento de regime semi-aberto e aberto, quais sejam, colônias

agrícolas e industriais, bem como de casas de albergado, primando pela

localização próxima da mais central na cidade, de modo a propiciar adequadas

condições de atividades laborais aos presos. Conforme Recomendação Nº V.g

do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do

CNPCP, 2011;

c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – assegurar o

fornecimento de vale transporte aos apenados para casos de indulto, livramento e

soltura.

d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da

Unidade Prisional – Realização de obras de melhorias nas unidades prisionais

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157

onde são cumpridos os regimes semi-aberto e aberto, provendo-as de adequadas

condições de iluminação, dormitório e instalações sanitárias, como forma de

observar os padrões mínimos de humanidade no cumprimento da pena privativa

de liberdade.

e) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção do

Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – Realização de obra emergencial a

fim de reativar o pavilhão D, em condições adequadas de iluminação, dormitório

e instalações sanitárias, como forma de observar os padrões mínimos de

humanidade no cumprimento da pena privativa de liberdade.

f) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da

Unidade Prisional - Redução do número de privados de liberdade até o limite

máximo de capacidade das unidades, como orienta o Princípio XVII dos

Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade

nas Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos

Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)100

.

g) Á Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – recomendar

interpretações que compatibilizem o Decreto Nº 8.897/1986, que instituiu o

Regulamento do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro com os

dispositivos da Lei de Execução Penal, de modo a não permitir tratamento mais

100

“Princípio XVII (...) A ocupação do estabelecimento acima do número estabelecido de vagas

direitos humanos, deverá ela ser considerada pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante. A

lei deverá estabelecer os mecanismos para remediar de maneira imediata qualquer situação de

alojamento acima do número de vagas estabelecido. Os juízes competentes deverão adotar

medidas corretivas adequadas na ausência de regulamentação legal efetiva.

Constatado o alojamento de pessoas acima do número de vagas estabelecido razões que

motivaram tal situação e determinar as respectivas responsabilidades individuais dos funcionários

que tenham autorizado essas medidas. Deverão, ademais, adotar medidas para que a situação não

se repita. Em ambos os casos, a lei disporá os procedimentos seus advogados ou as

organizações não governamentais poderão participar.”

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158

gravoso do que a lei autoriza. Recomendação que se depreende do Plano Diretor

do Sistema Penitenciário.

VI.1.3 – TRANSPARÊNCIA

a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

divulgação de dados estatísticos oficiais do sistema penitenciário do Rio de

Janeiro em sítio na internet, semestralmente, em procedimento similar ao

adotado pelo Departamento Penitenciário Nacional. Com fulcro na Lei Nº

12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação);

b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

Informar aos órgãos que possuem atribuição legal de monitoramento dos

espaços de privação de liberdade acerca da relação dos presos que trabalham no

sistema prisional, respectivos salários e datas de pagamentos efetuados e a

efetuar. Bem como, que se contrate uma auditoria externa que averigúe o

funcionamento do Convênio com a Fundação Santa Cabrine, uma vez que houve

reiteradas queixas sobre falta de pagamento da remuneração devida a presos que

trabalham. Conforme Recomendação Nº V.b do Relatório de Visitas a

Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;

VI.1.4 - ESTRUTURA DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS

a) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – promover estudos

sobre a viabilidade do aumento do número de Varas de Execuções Penais na

Capital e sua interiorização, bem como incremento do número de juízes e

serventuários, de modo a garantir condições de observância dos princípios da

eficiência e da celeridade no sistema de justiça criminal. Conforme

Recomendação Nº II.a do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas

do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011 e Conforme Recomendação do Relatório

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Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado

pela Portaria Nº 108/2011.

b) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Criação da Vara

especializada de Penas e Medidas Alternativas. Conforme Recomendação Nº

II.b do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro

do CNPCP, 2011 e Conforme Recomendação do Relatório Final do CNJ

referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria

Nº 108/2011.

c) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – garantia de mais

serventuários para atuar na Vara de Execuções Penais.

d) À Vara de Execuções Penais – realização de mutirão para atualizar e realizar

juntas nos processos de modo a superar as pendências acumuladas. Conforme

Recomendação do Relatório Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no

Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria Nº 108/2011.

e) À Vara de Execuções Penais, à Defensoria Pública e à Secretaria de Estado

de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro – Promover a unificação

dos Sistemas Virtuais de Informações da SEAP e da VEP. Recomendação do

Relatório Prisão: Para Quê e para Quem? Diagnóstico do Sistema Carcerário e

Perfil do Preso101

.

VI.1.5 - PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO

a) Ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública -

Priorização de aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade,

101

(PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas (Coord.). Lei de execução penal. Série Pensando o Direito, vol.

44. Brasília: Ministério da Justiça, 2012.)

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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013

160

impedindo situações de superpopulação carcerária e promovendo a redução dos

danos do uso da prisão, conforme apregoa a Lei 12403/11, a Resolução

101/2010 do CNJ, a Resolução Nº 06/2009 do Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, bem como o Plano Nacional de Política Criminal e

Carcerária do Ministério da Justiça;

b) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e à Vara de Execuções

Penais – recomendar aos juízes da Vara de Execução Penal que concedam

prisão albergue domiciliar para os presos em regime aberto e semi-aberto

quando em razão de não haver vaga no regime de cumprimento pena o qual

tenha direito, estejam mantidos no regime fechado, conforme Recomendação Nº

II.d do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro

do CNPCP, 2011;

c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

incrementar o investimento na monitoração eletrônica de apenados com o fulcro

de possibilitar maior número de apenados em prisão albergue domiciliar.

d) Ao Conselho Nacional de Justiça e à Vara de Execuções Penais – recomendar

a não vedação das autorizações de saída por parte dos juízes com base no

argumento de que o apenado em regime semi-aberto pode ter circulação livre na

unidade durante o dia, fato que dispensaria o beneficio da visita periódica à

família. A autorização de saída é direito do preso expressamente previsto no art.

122 da Lei de Execução Penal.

VI.1.6 - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E INFORMAÇÃO PROCESSUAL

a) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, Assembléia Legislativa do Estado

do Rio de Janeiro e Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro -

Garantia do direito à assistência jurídica adequada, como dispõe o art. 15 da Lei

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161

de Execuções Penais (Lei 7.210/84), bem como a Medida Nº 7 do Plano

Nacional de Política Criminal e Carcerária do Ministério da Justiça, a partir da

dotação de estrutura adequada, recursos materiais e humanos suficientes para

desempenho competente das funções da Defensoria Pública e da advocacia

privada;

b) À Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro – promover a

ampliação do atendimento dos presos na fase processual e na execução penal.

Sendo que no caso da execução penal seja analisada a possibilidade de lotar os

defensores públicos nas unidades prisionais e de contratar assistentes e

estagiários para melhorar a assistência jurídica e dar retorno aos presos das

providências tomadas. Conforme Recomendação Nº IV do Relatório de Visitas a

Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011.

c) À Vara de Execuções Penais, à Defensoria Pública e à Secretaria de Estado

de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro - Realização de mutirão

em cooperação dos distintos órgãos envolvidos na execução penal com o fulcro

de conferir celeridade à concessão de benefícios de presos com prazo vencido,

como progressão de regime, trabalho extra-muros, educação extra-muros,

autorizações de saída, e livramento condicional.

d) À Vara de Execuções Penais - entrega anual do atestado de pena ao apenado

pelo juízo da VEP, conforme garantia prevista na Lei nº 10.713, de 2003,

possibilitando ao apenado acesso a informação precisa no que tange à remissão

penal, prazo de pena a cumprir e prazo para obtenção de benefícios.

Recomendação do Relatório Prisão: Para Quê e para Quem? Diagnóstico do

Sistema Carcerário e Perfil do Preso102

.

102

(PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas (Coord.). Lei de execução penal. Série Pensando o Direito, vol.

44. Brasília: Ministério da Justiça, 2012.)

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e) À Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – Aprovação do PL

1768/2012, protocolado em 09/10/2012, que garante acesso à Informação aos

presos através de totens de consulta processual e disponibilização de atestado de

pena a cumprir (com informação objetiva da pena privativa de liberdade restante

e regime de progressão).

f) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Tribunal de Justiça - Instalação de terminais

eletrônicos de informação processual do Tribunal de Justiça para prover acesso

do preso às informações referentes ao seu processo, nos moldes de projeto piloto

implementado pelo Ministério da Justiça na cidade de Brasília;

g) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Vara de

Execuções Penais – ao fim do cumprimento da pena privativa de liberdade,

garantir ao egresso a entrega do alvará de soltura, declaração de extinção de

punibilidade, e informe sobre direitos do egresso.

h) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, ao Conselho

Nacional de Justiça e à Vara de Execuções Penais – prover o acervo das

bibliotecas das unidades prisionais com exemplares da Constituição Federal de

1988, Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal.

i) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Secretaria de

Segurança Pública – elaborar política de garantia de acesso à informação para a

família do preso, de modo a utilizar cartazes ou banners informativos nas

delegacias de polícia com informações sobre transferências, requisitos para

carteira de visitante e localização das unidades prisionais.

j) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – prover as unidades

prisionais de adequadas instalações para a assistência jurídica, garantindo o

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163

efetivo contato do acusado com o defensor ou seu advogado, de modo a garantir

os princípios da ampla defesa e do contraditório. Os parlatórios coletivos e os

interfones são inadequados. Conforme Recomendação da OAB/RJ.

k) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Conselho Nacional

de Justiça - Distribuição e disseminação a todos os reclusos de cartilha com

orientações sobre direitos das pessoas privadas de liberdade nos moldes da

“Cartilha da pessoa presa” do Conselho Nacional de Justiça;

l) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Tribunal de Justiça - Instalação de terminais

eletrônicos de informação processual do Tribunal de Justiça para prover acesso

do preso às informações referentes ao seu processo, nos moldes de projeto piloto

implementado pelo Ministério da Justiça na cidade de Brasília.

VI.1.7 - EXAME CRIMINOLÓGICO

a) À Vara de Execuções Penais e ao Ministério Público do Estado do Rio de

Janeiro – recomendar a não obrigatoriedade de realização do exame

criminológico para progressão de regime, visto que tal instituto não configura

requisito imprescindível desde o advento da Lei Nº 10.792 /2003, bem como

para a concessão das autorizações de saída, prevista no art. 123 da Lei de

Execução Penal.

b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e

à Vara de Execuções Penais – constituição emergencial de equipe permanente

interdisciplinar itinerante para realização dos exames criminológicos nas

unidades, de modo a atenuar a grande morosidade da realização dos exames

criminológicos. Conforme Recomendação do Relatório Final do CNJ referente

ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria Nº

108/2011.

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164

c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção do

Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – Promover o afastamento das funções

dos presos colaboradores no que se refere aos serviços gerais relativos a

preparação e arquivamento de exames criminológicos, visto que há inúmeras

denúncias de supressão e ocultação de pareceres por parte de presos ex-

servidores lotados em tal atividade.

VI.1.8 – VISITAS

a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

Assegurar o direito à visita na unidade prisional para presos de fora da região

metropolitana do Rio de Janeiro em cumprimento de pena no regime aberto, em

respeito ao direito à assistência familiar previsto no art. 41 da Lei de Execução

Penal.

b) À Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – Aprovação do PL

2159/2013, protocolado em 25/04/2013, que institui o fim da revista vexatória

nos presídios estaduais, seguindo procedimento adotado pelas penitenciárias

federais (Portaria 132/2007).

c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da

Unidade Prisional - Instalação de scanners corporais ou outros procedimentos

necessários, de modo a não mais se realizar a revista vexatória sofrida pelas

famílias na unidade que configura tratamento desumano e degradante, em

respeito ao princípio da dignidade humana tutelado no art. 1º, III da Constituição

Federal de 1988 e no art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos da

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165

ONU; bem como em respeito ao art. 16.1103

da Convenção Contra a Tortura da

ONU.

d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da

Unidade Prisional – enquanto não é assegurada a aquisição de scanners

corporais, garantir estrutura e orientar que seja realizada a revista pessoal nos

reclusos e não nos visitantes, em respeito a princípio da individualização da

pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988,

considerando a hipótese de revista manual apenas em caráter excepcional, como

dispõe a Resolução Nº 9 do CNPCP;

e) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da

Unidade Prisional – Rever a orientação de proibição de recebimento de

donativos familiares em dias de visita, de modo a não ter que obrigar os

familiares a deslocar-se às unidades prisionais em dias distintos, caso queriam

visitar os custodiados, fato que pode ser alcançado com o aumento do número de

agentes lotados na unidade, de modo a não restringir de modo desproporcional o

direito à assistência familiar insculpido no art. 41, inciso X da Lei de Execuções

Penais.

VI.1.9 - ATIVIDADES LABORATIVAS E EDUCACIONAIS

a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e

à Fundação Santa Cabrine – assegurar a publicização das empresas

conveniadas para realização de atividades laborativas como remissão de pena

para presos. Com fulcro na Lei Nº 12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação);

103

“Art. 16.1. Cada estado Parte se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição

outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam

tortura tal como definida no Artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra

pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou

aquiescência.”

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166

b) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ao Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro e ao Conselho Nacional de Justiça – promoção de campanha pública

com o intuito de desmistificar aspectos relativos ao apenado, de modo a

possibilitar maior adesão de empresas e projetos para celebração de convênios

para atividades laborativas e educacionais. Conforme Recomendação do

Relatório Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro,

regulamentado pela Portaria Nº 108/2011.

c) Ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro – emissão de

declaração do TRE/RJ com o intuito de suprir a necessidade de regularidade do

Título de Eleitor (requisito hoje impossível ao apenado, e que constitui

pressuposto para formalizar da Carteira de Trabalho e Previdência Social) de

modo a viabilizar a contratação formal de trabalhador em regime semiaberto ou

aberto, bem como isenção e simplificação no procedimento de regularização do

título de eleitor.

d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da

Unidade Prisional - Garantia do direito à realização de atividades laborativas,

recreativas e educacionais aos presos, como dispõem respectivamente a Seção I

do Cap III.e a Seção V do Cap. II do Título II da Lei de Execuções Penais (Lei

Nº 7.210/84) bem como a Medida Nº 2104

do Plano Nacional de Política

Criminal e Carcerária do Ministério da Justiça, bem como Recomendação Nº V.f

do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do

CNPCP, 2011.

VI.1.10 – SAÚDE

104

“ Criação e implantação de uma política de integração social dos egressos do sistema prisional.”

Ministério da Justiça, 26 de abril de 2011.

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167

a) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da

Unidade Prisional - Garantia do direito à assistência médica adequada, com a

contratação emergencial médicos e fornecimento regular de remédios e o

conseqüente descarte de medicamento fora do prazo de validade, bem como

transferência ágil para unidades de tratamento ambulatorial externo em casos de

maior gravidade, como dispõe o art. 14 da Lei de Execuções Penais (Lei Nº

7.210/84) e o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, legitimando a

Portaria Interministerial Nº 1.777.

b) Ministério da Saúde, Secretaria de Estado de Saúde e Secretaria Municipal

de Saúde – Reorientação da Atenção Básica à Saúde em Unidades Prisionais

através da implantação de programas que tenham como referência os “Agentes

Comunitários de Saúde” e a “Estratégia de Saúde da Família”, com intuito de

reorientar o modelo assistencial em ações de promoção da saúde, prevenção,

recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes;

c) Ministério da Saúde: Criar portaria do Ministério da Saúde obrigando a

notificação compulsória de casos em que se suspeite de prática de Tortura e

maus-tratos em espaços de privação de liberdade;

d) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde:

Criação/Atualização do Plano Operativo Estadual (POE) como parte do processo

de qualificação do Estado ao Plano Estadual de Saúde no Sistema Penitenciário,

estabelecendo as metas gerais e específicas no estado do rio de janeiro com

vistas a promover, proteger e recuperar a saúde da população prisional;

e) Governo do Estado do Rio de Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado

do Rio de Janeiro: ampliação das verbas orçamentárias destinadas à

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168

manutenção e melhoria do Sistema Prisional, no sentido de fornecer melhor

assistência material aos internos – alimentação, vestuário, material de higiene e

limpeza;

f) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde:

Reestruturação do Hospital Penitenciário/Sanatório Penal bem como criação de

outro hospital para o Complexo de Japerí com contratação de profissionais

qualificados via concurso publico;

g) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Planejamento e

Gestão: Aprovação do plano de cargos e salários dos servidores para que se

viabilizem concursos para a formação das equipes de saúde previstas no Plano

Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário. Para que seja garantida a

permanência desses profissionais, o plano deve prever a melhoria salarial e

adequação das condições de trabalho dos servidores da saúde;

h) Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Conselho

Nacional de Justiça, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária:

Recomendar a rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização no

Sistema Penitenciário Brasileiro;

i) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: negar a ação

de empresas privadas para a prestação de serviços técnicos relacionados ao

acompanhamento e avaliação da individualização da execução penal, assim

compreendidos os relativos à assistência jurídica, médica, psicológica e social,

por se inserirem em atividades administrativas destinadas a instruir decisões

judiciais;

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169

1. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Garantia de

que as transferências médicas não sejam realizadas pelo SOE, mas por

ambulâncias especializadas cedidas pela SES à SEAP, a fim de coibir as

reiteradas práticas violentas que violam o princípio da dignidade humana,

insculpido no art. 1, III da Carta Magna e no artigo 10 do Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos.

VI.1.11 - ÁGUA, HIGIENE E INSTALAÇÕES SANITÁRIAS

a) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional - Fornecimento de água potável a todos os presos de forma contínua e

ininterrupta, inclusive durante as refeições, algo que pode ser obtido através da

limpeza periódica das caixas d’água e da instalação de filtros de água na

unidade, bem como fornecer água às celas de modo initerrupto, de modo a evitar

a insalubridade e permitir adequadas condições de banho aos internos,

instalando bombas de água para que o fluxo tenha força mínima e evite que os

presos tenham de tomar banho enchendo garrafas plásticas, a fim de observar o

disposto no item 20.211 das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos da

ONU; Princípio XI.212, dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das

Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos da OEA;

b) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Direção da Casa do

Albergado Crispim Ventino – realização de obras para garantia de

fornecimento regular de água na unidade, através de construção de cisterna

independente possibilitando acesso à água a todos os presos de forma contínua e

ininterrupta, a fim de observar o disposto no item 20.211 das Regras Mínimas

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170

para Tratamento de Reclusos da ONU; Princípio XI.212, dos Princípios e Boas

Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas -

Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA;

c) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional - Garantia do acesso adequado a insumos de higiene pessoal, colchões

e vestimentas na unidade, conforme orienta o item 15 das Regras Mínimas para

o Tratamento de Reclusos da ONU; e o Princípio XII.2, Princípios e Boas

Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas -

Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA;

d) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional - Implementação de adequadas condições nas instalações sanitárias,

primando pela garantia da privacidade e da salubridade no ambiente de privação

de liberdade, conforme orienta o item 15105

das Regras Mínimas para o

Tratamento de Reclusos da ONU; e o Princípio XII.2106

, Princípios e Boas

Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas -

Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

e) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional – regularização urgente do recolhimento de lixo na unidade, de modo

a evitar as condições insalubres de higiene aos presos, visitantes, bem como

técnicos e agentes penitenciários, em respeito ao item 15 das Regras Mínimas

para o Tratamento de Reclusos da ONU; e ao Princípio XII.2, Princípios e Boas

105

“Item 15, Regras da ONU. Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este

fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.”

106

“Princípio XII.2. As pessoas privadas de liberdade terão acesso a instalações sanitárias

higiênicas e em número suficiente, que assegurem sua privacidade e dignidade. Terão acesso

também a produtos básicos de higiene pessoal e a água para o asseio pessoal, conforme

as condições.”

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Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas -

Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA;

VI.1.12 - TRATAMENTO, TORTURA E SANÇÕES DISCIPLINARES

a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

proibição expressa e suspensão do uso de sanções coletivas nas unidades

prisionais, conforme disposto no art. 45, § 3º da Lei de Execução Penal;

b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e

à Vara de Execuções Penais – Reestabelecimento da abertura das celas nas

unidades de cumprimento de pena em regime semi-aberto, em todos os dias da

semana, de modo a atenuar as violações decorrente do não concessão regular dos

benefícios inerentes a tal regime de cumprimento de pena, insculpidas no art.

122 da Lei de Execução Penal.

c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Suspender as

funções de suspeitos de praticar tortura e outras violações dos direitos humanos

durante as investigações. Quando comprovada a participação do agente público

em crimes desta natureza, o funcionário deve ser imediatamente demitido, sem

nenhuma possibilidade de voltar a exercer a antiga função. Conforme

Recomendação do Relatório da CPI da Tortura de 2005 da Comissão de Direitos

Humanos e Minorias da Câmara de Deputados.

d) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Defensoria Pública

Geral do Estado do Rio de Janeiro e Núcleo do Sistema Penitenciário da

Defensoria Pública - Estabelecimento de um livro de registro sobre casos de

tortura e maus-tratos impulsionado pela Defensoria Pública como instrumento

para inibir o uso indiscrimado da força por parte dos agentes estatais, buscando

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172

garantir o respeito à dignidade humana conforme o artigo 10 do Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos;

e) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Inclusão de tópico

didático-pedagógico sobre a existência do CEPCT/RJ e do MEPCT/RJ e suas

atribuições legais, nas atividades de capacitação e formação promovidas aos

agentes penitenciários estaduais, em respeito ao art. 10.18 da Convenção Contra

a Tortura da ONU, bem como à Lei estadual Nº 5.778/10;

f) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade

Prisional – Intervir junto aos agentes penitenciários e os membros do Serviço de

Operações Especiais (SOE) através de atividades de capacitação e formação de

caráter preventivo, bem como a diligente instauração de processos disciplinares

para apurar eventuais abusos para que o emprego da força seja utilizado como

último recurso possível conforme dispõe os princípios básicos das Nações

Unidas sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo de Funcionários

Encarregados de Fazer Cumprir a Lei.

g) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da

Unidade Prisional – Minimizar as hipóteses de aplicação da sanção disciplinar

do isolamento celular, priorizando medidas alternativas a este procedimento,

tendo que constitui tratamento desumano e degradante, em respeito ao princípio

da dignidade humana tutelado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 e

no art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU; bem como em

respeito ao art. 16.1107

da Convenção Contra a Tortura da ONU.

107

“Art. 16.1. Cada estado Parte se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição

outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam

tortura tal como definida no Artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra

pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou

aquiescência.”

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173

h) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da

Unidade Prisional - Estabelecimento de critérios claros para a aplicação de

sanções disciplinares, de modo a coibir exceções e imposições arbitrárias de

sanção no sistema penitenciário, através de recomendações claras e periódicas

ao corpo de agentes e técnicos penitenciários, bem como através da fixação de

fixar placa informativa sobre as hipóteses de sanção, em local de uso comum

dentro das unidades, com fulcro no art. 45 da Lei de Execução Penal.

i) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Equipar e manter

ambulâncias para translado de presos em situação grave de saúde, substituindo,

assim, o deslocamento dos presos pelo Serviço de Operação Externas

(SOE/GSE).

j) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção do

Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – Providenciar a imediata

transferência dos presos ex-servidores alocados no IPPSC para outra unidade

prisional. De modo a garantir a segurança dentro da unidade e evitar situações de

conflito entre internos ou entre seus familiares;

k) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Direção da Unidade

Prisional, Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça, Ministério

Público - Redução do número de pessoas privadas de liberdade até o limite

máximo de capacidade da unidade, como orienta o Princípio XVII dos

Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade

nas Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos

Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA);

l) Governo do Estado, Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro –

Independência do Instituto Médico Legal, compreendendo autonomia

administrativa, orçamentária e investimentos em melhores condições de

trabalho.

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174

VI.2 - SISTEMA SOCIOEDUCATIVO

1- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Dever-se-á

estimular e apoiar as medidas socioeducativas em meio aberto, seja pela

liberdade assistida ou pela prestação de serviço à comunidade, bem como

prezando pela excepcionalidade e brevidade da medida, inclusive assegurando

troca de experiências e difusão de melhores práticas, entendendo a privação de

liberdade do adolescente como último recurso, conforme orienta o Princípio 1

das Regras Mínimas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade da ONU,

o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo (SINASE);

2- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar

junto à autoridade judiciária o retorno do adolescente ao cumprimento de

medida socioeducativa anteriormente aplicada na hipótese de representação

voluntária por descumprimento de medida socioeducativa;

3- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar e

aplicar a Súmula do Superior Tribunal de Justiça de 2012 que dispõe quanto à

limitação de não aplicação de medida privativa de liberdade à adolescente autor

de atos infracionais análogos a tráfico de drogas;

4- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar a

aplicação medida Socioeducativa em meio aberto quando inexistir vaga para o

cumprimento de medida de privação de liberdade, exceto nos casos de ato

infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o

adolescente deverá ser internado em unidade mais próxima de seu local de

residência nos moldes do Art. 49 II da Lei 12.594/2012;

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175

5- Órgãos de fiscalização e monitoramento do Sistema de Garantias de

Direitos da Criança e do Adolescente- Promover maior número de visitas de

inspeção, bem como estabelecer agenda conjunta dos órgãos do sistema de

garantia de direitos responsáveis pela fiscalização das unidades do sistema

socioeducativo;

6- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente:

Elaborar e implementar o Projeto Pedagógico do Sistema Socioeducativo do Rio

de Janeiro nos moldes do SINASE;

7- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Garantir plena autonomia e independência da Corregedoria e

Ouvidoria do DEGASE, além de dotação de recursos suficientes para sua

capacitação e desempenho competente das funções;

8- Ministério Público e Defensoria Pública: Criar um livro de registro em poder

do Ministério Público e Defensoria Pública para anotações de relatos de tortura e

maus tratos no sistema socioeducativo;

9- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Comunicar ao Judiciário, ao Ministério Público e à defesa para

requerimento de eventuais diligências nas situações de suspeita ou relatos de

tortura e maus tratos em qualquer fase de apuração de ato infracional ou

cumprimento de medida socioeducativa;

10- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos:

Desenvolver Programas específicos de Assistência aos familiares de jovens

privados de sua liberdade, para que o acompanhamento das famílias seja

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realizado e/ou intensifique, respeitando desta forma o direito fundamental à

convivência familiar e comunitária, disposto no art. 111 inciso VI do Estatuto da

Criança e do Adolescente;

11- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos,

Direção das unidades: Desenvolver e estimular projetos que estimulem as

ações afirmativas garantindo a diversidade étnico-racial, de gênero e orientação

sexual;

12- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção das unidades: Reduzir o número de adolescentes por

unidade para que seja observado o número máximo de 40 adolescentes

estabelecido como parâmetro pelo SINASE, como orienta o Princípio XVII

dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de

Liberdade nas Américas e a Resolução nº 1/08 ambos da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos;

13- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção da unidade: Instalação de scanners corporais, utilização de

detectores de metais ou outros procedimentos não vexatórios, de modo a não

mais se realizar a revista íntima sofrida pelas famílias na unidade o que

configura tratamento desumano e degradante, e desrespeita o princípio da

dignidade humana tutelado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 e no

art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU; bem como em

respeito ao art. 16.1 da Convenção Contra a Tortura da ONU;

14- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção das unidades: Acesso adequado a insumos de higiene

pessoal, conforme orienta o item 15 das Regras Mínimas para o Tratamento de

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Reclusos da ONU; e o Princípio XII.2,Princípios e Boas Práticas para a Proteção

das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas e a Resolução nº 1/08 ambos

da Comissão Inter americana de Direitos Humanos;

15- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação, Direção das unidades: Garantir que o Estado forneça, de acordo

com os padrões nacionais e internacionais, alimentação e acomodação

adequadas assim como itens necessários para que os adolescentes privados de

liberdade tenham condições mínimas de dignidade no que se refere ao exercício

do direito fundamental à saúde;

16- Tribunal de Justiça, Departamento Geral de Ações

Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das Unidades:

Garantir o direito do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de

internação o direito à visita íntima e o direito a receber visitas dos filhos nos

moldes dos art. 67, 68 e 69 da Lei 12.594/2012;

17- Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento

Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção

das Unidades: Estimular campanhas para visibilidade do tema de prevenção à

tortura nos espaços de privação de liberdade, bem como publicizar os canais de

denúncia;

18- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação: Promover as desativações completas do Instituto Padre Severino (em

todas as antigas dependências) e Educandário Santo Expedito com elaboração de

cronograma de transferência para outras unidades, vinculando a abertura de

novas unidades à desativação destas como forma de evitar a criação de mais

vagas e que o Estado acelere o processo de descentralização para possibilitar que

adolescentes permaneçam em instituições mais próximas a suas famílias;

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19- Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento

Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção

das Unidades: Observar a ilicitude o uso de algemas, bem como a utilização de

spray de pimenta, armas não letais ou de qualquer uso excessivo da força em

adolescente salvo em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de

perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,

justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade

disciplinazação civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão

ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do

Estado;

20- Tribunal de Justiça, Departamento Geral de Ações

Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das Unidades:

Promover a interrupção da prática de isolamento como medida disciplinar em

quaisquer circunstâncias.

21- Governo do Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça, Departamento

Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação:

Estimular a ampliação do número de Delegacias de Proteção a Crianças e

Adolescentes (DPCA) nas diversas regiões do estado contando com equipe

qualificada para atuar com o tema, além de garantia de funcionamento das

mesmas durante 24h;

22- Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento

Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção

das Unidades: Estimular a participação dos adolescentes, seus pais e familiares

durante todo o período de cumprimento de medidas socioeducativas, com vistas

a permitir que os mesmos tenham um contato constante, além de garantir

transportes para deslocamento de familiares para visitação e a proibição de

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realização de procedimentos vexatórios de revistas íntimas sofridas por

familiares nas unidades o que configura tratamento desumano e degradante;

23- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de

Educação:

Promover a ampliar a educação regular e técnica oferecida aos adolescentes

mantidos no sistema socioeducativo de modo a possibilitar sua reintegração em

sua comunidade.

VI.3 – SAÚDE MENTAL, DROGAS E INSTITUCIONALIZAÇÃO

VI.3.1 - ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE POPULAÇÃO ADULTA

1. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de

Assistência Social do Rio de Janeiro: Cumprir o Termo de Ajuste de Conduta

do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de 25 de maio de 2012

sobretudo no que se refere às operações de abordagem e acolhimento, inclusão

em programas de transferência de renda e moradia, além de estabelecer

condições físicas adequadas semelhantes a residências em consonância com a

Política Nacional para População em Situação de Rua e a Resolução 109/2009

do Conselho Nacional A25:B26de Assistência Social;

2. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Implementar a

política municipal de atendimento à criança e adolescente em situação de rua

aprovada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em

2009;

3. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Adequar a

política de acolhimento institucional às “Orientações técnicas: serviços de

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acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Brasil” do CONANDA e

CNAS 2009;

4. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro; Conselho

Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro: Estimular os

programas de família acolhedora como alternativa ao acolhimento institucional,

além do investimento de repúblicas para os jovens;

5. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Realizar

concurso público para provimento de vagas de psicólogos e educadores sociais

de acordo com o parâmetro nacional exigido;

6. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho

Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Elaborar e aprovar o

Plano Municipal de Defesa, Promoção e Garantia ao Direito à Convivência

Familiar e Comunitária do Rio de Janeiro;

7. Secretaria Municipal de Assistência Social; Secretaria Municipal de Saúde:

Desativar os denominados "abrigos especializados" e promover a atenção a

crianças e adolescentes em uso ou abuso de álcool e outras drogas nos

parâmetros da Política Nacional de Saúde Mental.

VI.3.2 – SAÚDE MENTAL

1. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Adequar a rede de saúde mental e de atendimento para usuários de álcool e

outras drogas aos parâmetros da reforma psiquiátrica, da política nacional de

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saúde mental e das deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental

Intersetorial (Ministério da Saúde, 2010);

2. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de

Assistência Social do Rio de Janeiro: Extinguir o recolhimento compulsório

para tratamento de usuários de drogas e os Centros de Tratamento de

Dependência Química (abrigos), substituindo-os por um atendimento baseado

em consultórios de rua, CAPS-Ad e outros tipos de serviços territorializados e

comunitários;

3. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Não permitir o credenciamento/convênio pelo SUS de entidades e instituições

que não pactuem com as diretrizes da reforma psiquiátrica e da política nacional

de saúde mental, como por exemplo, Comunidades Terapêuticas.

4. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Criar banco público de notificação de internação compulsória alimentado pelo

Ministério da Saúde, Ministério Público, Secretarias Estaduais e Municipais de

Saúde, tornando público o acesso a informações sobre quaisquer internações

involuntárias;

5. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Preparar a Rede Pública de Ambulatórios de Saúde Mental para o acolhimento e

tratamento de crianças e adolescentes que apresentem sofrimento psíquico,

dotando todas as áreas programáticas das cidades com ambulatórios,

equipes/profissionais que possam acolher e tratar deste público específico,

cumprindo assim os princípios da universalidade e eqüidade do Sistema Único

de Saúde;

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6. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Ampliar a cobertura em ações de Saúde Mental e modificar o atual modelo

tradicional de atendimento ambulatorial centralizado na consulta individual e na

distribuição de medicamentos para o modelo de atenção ambulatorial territorial

em saúde mental através de financiamento adequado e uma clara proposta para

fechamento dos manicômios ainda existentes;

7. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Planejamento de médio prazo para desinstitucionalização de todos os pacientes

longamente internados, que tenha como principal ação a Implantação de

Residências Terapêuticas com base na portaria do Ministério da Saúde nº. 3.090,

de 23 de dezembro de 2011;

8. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,

Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:

Construção de dispositivos variados de cuidado (grupos, visitas domiciliares,

oficinas terapêuticas) segundo o diagnóstico clínico e psicossocial dos pacientes

em toda rede de saúde mental.

VI.3.2 – MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS

1. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: A equipe de

saúde constante nessas unidades prisionais ou alas de tratamento deve seguir as

diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, que tem como objetivo reduzir

progressivamente os leitos psiquiátricos, qualificar, expandir e fortalecer a rede

extra-hospitalar – Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços

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Residenciais Terapêuticos (SRT) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais

(UPHG) –, incluir as ações da saúde mental na atenção básica, implementar uma

política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, implantar o

programa “De Volta Para Casa”, manter um programa permanente de formação

de recursos humanos para reforma Psiquiátrica, promover direitos de usuários e

familiares incentivando a participação no cuidado e garantir tratamento digno e

de qualidade a pessoas submetidas à medida de segurança (superando o modelo

de assistência centrado no Manicômio Judiciário), primando pelas diretrizes do

SUS e da Lei Federal 10.216/01;

2. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Extinção das “trancas”,

“seguro” e substituição por enfermarias de acolhimento à crise, adequando

os procedimentos aos protocolos estabelecidos para este fim;

3. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Capacitação específica dos

agentes de segurança no trato com os internos em medida de segurança;

4. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reestruturação da assistência

nos hospitais de custódia, aos parâmetros estabelecidos na Portaria 251, de

31 de janeiro de 2002 (ANEXO 2) de maneira a adequar a assistência às

necessidades clínicas dos pacientes e à construção de projetos terapêuticos

voltados, desde o início da medida de segurança, aos objetivos de reinserção

social;

5. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Modificação no critério de

alocação dos agentes penitenciários nas unidades de HCTP. Para estar em

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uma dessas unidades o critério básico deve ser a capacitação específica

desse agente em cursos de saúde e trato com saúde mental;

6. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reforçar a necessidade da

adequação dos manicômios judiciários às diretrizes traçadas na resolução

do CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária –

número 05 de maio de 2004 (ANEXO 1);

7. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça: Reforçar a

necessidade do encaminhamento de projeto de mudança à Lei de Execução

Penal, tendo como objetivo adequar as medidas de segurança aos princípios

do SUS e às diretrizes previstas na Lei nº 10.216/2001;

8. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Apoiar e reforçar a necessidade

de Interlocução entre as Secretarias de Administração Penitenciária e a

Secretaria de Estado de Saúde, para avançar em um plano com metas,

propostas e prazos de adequação do sistema desse estado (RJ) às diretrizes

supracitadas;

9. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Planejamento e Execução de um

Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator, nos moldes do PAI PJ

(MG) ou do PAILI (GO), no Rio de Janeiro;

10. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reforçar e apoiar o Programa de

Desinstitucionalização e Reinserção Social (construído pela SEAP), de

maneira a garantir que os pacientes com longo tempo de internação em

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hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e sem suporte sócio-familiar

possam beneficiar-se de programa específico de alta planejada e

reabilitação psicossocial assistida, estudando formas de viabilizar sua

estruturação, como, por exemplo, incluindo-o no Plano Orçamentário

anual;

11. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde e Secretaria de Estado de

Habitação: responsabilizar-se pela desinstitucionalização dos internos e para

isto é preciso investir em medidas de redução programada de leitos/vagas

nos manicômios judiciários e na construção, dentro da rede de saúde

mental, de dispositivos que acolham esses “egressos”. Para tanto,

pressupondo:

- Planejamento junto à Secretaria de Habitação para construção de

Residências Terapêuticas;

- Valorização e ampliação do Programa de Bolsas para Egressos dos

Manicômios Judiciários;

- Acompanhamento dos pacientes que sejam desinstitucionalizados através

de um sistema de informação e de dados integrados entre SEAP e

Secretaria de Saúde;

12. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Segurança

Pública, Chefia da Polícia Civil: Reestruturação do Serviço de Perícias. Nesse

caso em específico será fundamental o controle externo sobre os laudos

através de uma comissão independente que possa periodicamente

supervisionar os pareces;

13. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reestruturação

do Hospital Roberto Medeiros e do atendimento aos dependentes químicos sob

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custódia, de maneira que a internação por dependência química só ocorra

quando houver indicação clínica para tal. Reestruturação baseada na perspectiva

de redução de danos e nas diretrizes da reforma psiquiátrica;

14. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reforçar a necessidade de

estabelecimento de um plano de metas com as demais secretarias

(habitação, direitos humanos, saúde etc.), pactuando as responsabilidades

de cada uma no processo de reestruturação e desinstitucionalização dos

pacientes em medida de segurança e das práticas terapêuticas;

15. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Estado

de Saúde: Intensificação do diálogo entre a VEP, o MP, A Defensoria

Pública, as Secretarias e Coordenações técnicas de Saúde Mental, a

Comissão de Direitos Humanos da OAB, ALERJ (e outros) e a sociedade

civil. A discussão conjunta pode possibilitar a construção de uma política de

reinserção social e de reestruturação do atendimento. Além disso,

possibilita o monitoramento externo das práticas e da implementação dos

planos e projetos;

16. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Estado

de Saúde, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária: Construção de

um processo de sensibilização do Judiciário (VEP) no que diz respeito às

medidas de segurança, de maneira a propor a limitação das medidas de

internações apenas aos casos com indicação clínica para tal, garantindo que

as mesmas sejam substituídas por tratamento em meio aberto, no menor

tempo possível; Propor a realização de um seminário com magistrados só

com esse tema, expondo as experiências de outros estados;

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17. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Estado

de Saúde, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária: Buscar

modificações substanciais nas medidas de segurança que em longo prazo

possam permitir a sua extinção. Limites temporais para o cumprimento da

medida e a impossibilidade de reinternação sem novo delito podem ser

importantes limites à internação perpétua.

18. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração

Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Criar Comissão Estadual

Interinstitucional de acompanhamento das medidas de segurança, com o

objetivo de estabelecer mecanismos de normatização e acompanhar o

processo de adequação das medidas de segurança às diretrizes do SUS e da

Lei 10.216/01;

19. Governo Federal, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,

Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Justiça: Realizar novo Seminário

Nacional com a participação dos Ministérios da Saúde e Justiça, Conselho

Nacional de Justiça e Secretaria Especial de Direitos Humanos, com o

objetivo de dar visibilidade à situação dos hospitais de custódia e

estabelecer consensos para a adequação do tratamento das pessoas com

transtorno mental que cometem delito às diretrizes gerais da Reforma

Psiquiátrica;

20. Governo Federal, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,

Ministério da Saúde: Criar Grupo de Trabalho, a nível federal, ou reativar a

Comissão Técnica multidisciplinar eleita no Seminário Nacional para a

Reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico para

propor mudanças na Lei de Execuções Penais, com o objetivo de adequar o

tratamento das pessoas com transtorno mental que cometem delito às

diretrizes gerais da Reforma Psiquiátrica.

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