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RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM PSICOLOGIA
CLÍNICA NO JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
RESUMO
LAGO, Adrienne Kathlen Melo do. Relatório de Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica - Juizado da Infância e da Juventude: Univali/CCS-Biguaçu/Curso de Psicologia, 2008. Toda criança e adolescente têm direito à vida, à saúde, à educação e à proteção assegurados pelo artigo 7 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tendo como pressuposto que a instituição família se reinventa constantemente, o estágio foi realizado em um Juizado da Infância e da Juventude (J.I.J) com objetivo de contribuir no processo de adoção com um viés avaliativo, informativo e reflexivo, a fim de instrumentalizar aqueles que escolheram exercer a parentalidade através da adoção, sobre os trâmites processuais e sobre tudo, (re) significar as representações jurídicas da adoção e suas nuances no âmbito sócio-afetivo dos mesmos. Para tanto, foi realizado atendimento e orientação psicológica em situações de encaminhamento pelo J.I.J. e atualizado o cadastro dos requerentes inscritos nos anos anteriores a 2006, no intento de potencializar essa outra forma de filiação, possibilitando também, através da atualização do cadastro, que os requerentes já habilitados pudessem (re)fazer escolhas além daquelas feitas anteriormente.
1
ADRIENNE KATHLEN MELO DO LAGO
RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM PSICOLOGIA
CLÍNICA NO JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
BIGUAÇU/SC
Dezembro de 2008
Banca examinadora
________________________________
Profª MSc. Mirella Alves de Brito
Supervisora
_________________________________
Prof. MSc. Almir Pedro Sais
_________________________________
Profª MSc. Zuleica Pretto
2
“A Justiça só é justa quando os seus juízes,
sem medos e preconceitos, adquirem a
consciência de que sua missão é proteger a
todos a quem a sociedade vira o rosto e a lei
insiste em não ver.” Maria Berenice Dias
3
1 INTRODUÇÃO
Adotar não é uma tarefa simples assim como ter seus próprios filhos biológicos
também não é. Todo o clima em que abrange uma criança está repleto de preocupações e
previdências quanto à constituição da sua identidade.
Para Figueiredo (2007, p.28) a adoção é definida como: (...) a inclusão em uma nova família, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio de filiação de uma criança/adolescente cujos pais morreram, a deixaram ao pedido, são desconhecidos ou mesmo não podem ou não querem assumir suas funções parentais, motivando a que a Autoridade Judiciária em processo regular lhes tenha decretado a perda do poder familiar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 2005) no artigo 7 assegura que toda
criança e adolescente têm direitos à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência.
Em face disso, deve-se priorizar a convivência familiar e o direito de ser criado e
educado no seio de uma família substituta, a toda criança ou adolescente que foi
impossibilitado de conviver com sua família originária.
É inegável o fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente proporcionou muitas
críticas e reações negativas, diante da maneira como foi tratado o problema do menor. Porém,
revela-se uniforme a opinião quanto ao salto de qualidade e o avanço da legislação menorista,
que alterou significativamente a forma como era articulado o problema da criança e do
adolescente no Brasil.
Este novo enfoque acabou por atingir uma camada de profissionais – advogados,
psicólogos, assistente sociais, que até então, não obstante a relevância dos trabalhos
desenvolvidos na área não merecia a devida consideração da legislação menorista.
A Justiça da Infância e da Juventude proporcionou uma avaliação mais adequada dos
atores envolvidos com o processo menorista, contemplando todos os segmentos que
diretamente devem atuar para se alcançar o que melhor atenda aos interesses das crianças e
dos adolescentes.
Assim, referida a Justiça, mesmo tendo fonte primária a Lei, compreendeu que o seu
campo não se limita apenas ao direito, requerendo a intervenção multidisciplinar, que
4
proporcionou a abertura para que profissionais de outras áreas, como psicólogos e assistentes
sociais, passassem a auxiliar no encaminhamento dos problemas enfrentados. Há necessidade de que os profissionais, a partir dos parâmetros de sua especialidade, possam responder sobre o valor de sua intervenção junto à Justiça, desmistificando a visão de um trabalho de cunho estritamente pericial. (CRUZ, 2005, p.13)
A Psicologia e o Serviço Social, foram inseridos no âmbito forense enquanto
conhecimento científico, como prova processual. A atuação desses profissionais foi
compreendida como uma atividade pericial que objetivasse elementos para auxiliar a decisão
judicial. Nesse sentido, a instituição judiciária demanda que tais profissionais realizem
predominantemente avaliações, perícias, diagnósticos, laudos e pareceres para subsidiar os
juízes, atuando, portanto de forma reduzidamente avaliativa. (PAIVA, 2005).
A habilitação, no caso da adoção, ocorre por meio de entrevistas psicossociais, das
quais resultam pareceres de ordem psicológica e econômico–social, bem como, por meio de
exibição de documentos1 (atestados de antecedentes cíveis, criminais e de saúde, comprovante
de renda, residência, entre outros), visando avaliar a possibilidade dos requerentes de adotar e
criar, de forma satisfatória, uma criança/adolescente (BELTRAME, 2005).
Com a implementação do estágio curricular da área da Psicologia Clínica no Juizado
da Infância e Juventude (J.I.J.), outras possibilidades de atuações da Psicologia para além da
técnica vem sendo legitimadas. O intercâmbio interdisciplinar com articulações no campo da
Justiça promove discussões e reflexões sobre as novas configurações da instituição família, o
que (re) edita e engendra, portanto, novas possibilidades no que diz respeito ao processo de
adoção como um todo.
Deste modo, o estágio em Psicologia clínica vinculando à Central de Adoção do J.I.J.
implica na intervenção técnica do processo de adoção com um viés avaliativo, informativo e
reflexivo, a fim de instrumentalizar os requerentes sobre os trâmites processuais e sobre tudo,
(re) significar as representações jurídicas da adoção e suas nuances no âmbito sócio-afetivo
dos requerentes. Para tanto, foi realizado atendimento e orientação psicológica em situações
de encaminhamento pelo J.I.J. e atualizado o cadastro dos requerentes inscritos nos anos
anteriores a 2006, no intento de potencializar essa outra forma de filiação, possibilitando
também, através da atualização do cadastro, que os requerentes já habilitados pudessem
(re)fazer escolhas além daquelas feitas anteriormente. Participação, com o Serviço Social, dos procedimentos de habilitação para adoção: na primeira fase, quando são apresentadas e discutidas temáticas relativas ao universo da adoção, procurando-se dirimir as dúvidas existentes e efetuar um trabalho sobre as diferenças entre a criança idealizada e a criança real; na Segunda
1 A relação completa de documentos para habilitação em um processo de adoção se encontra no anexo I.
5
fase, em que são realizadas as entrevistas, tanto pela Psicologia quanto pelo Serviço Social, bem como a visita domiciliar a cargo deste último. (OLIVEIRA, 2004, p.135-136).
É de extrema importância o estudo psicossocial pela equipe interprofissional no
processo de adoção, a fim de subsidiar o poder judiciário e o Ministério Público nas decisões
de habilitação para a adoção. Tal avaliação almeja conhecer e avaliar o contexto psicossocial
dos requerentes e, sobretudo, as motivações e expectativas dos referidos ao processo.
A atuação do psicólogo em processos de decisão jurídica é uma prática cada vez
mais reconhecida e pautada na multidisciplinaridade. Essa situação demarca a transição de
uma criança da família biológica à família adotiva, podendo haver neste período transitório,
aspectos como o do abandono, institucionalização, rupturas, entre outros, que merecem
compreensão (WEBER, 2005).
Nesse sentido, buscamos além de conhecer a motivação do(s) requerente(s), fazer
reflexões no que tange aspectos voltados ao projeto de ser do indíviduo/requerente e a
compatibilidade dessa possibilidade de constituir família pela adoção com o seu projeto de ser
no mundo. De tal sorte, o referencial teórico-metodológico que subsidiou a compreensão
psicológica dos casos é o fenomenológico existencial, dando relevância à concepção de que o
homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo (subjetividade) sendo este,
completamente relação, fazendo suas escolhas e por elas também se responsabilizando na
medida em que atua no mundo.
6
2 DADOS DA INSTITUIÇÃO
2.1 RAMO DE ATIVIDADE
Instituição de caráter público-jurídico, que se inscreve no Poder Judiciário do Estado,
como Vara da Infância e Juventude.
2.2 HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO
A criação do Juizado da Infância e Juventude, denominado anteriormente de Juizado
de Menores, ocorreu devido à grande demanda de crianças e adolescentes que viviam nas
ruas, objetivando, portanto, assistir, proteger e defender os menores (ESPÍNDOLA, 1997).
Atualmente, o Juizado é vinculado ao Fórum da Comarca da Capital, e compõe uma
de suas Varas especializadas em infância e juventude. Essa Vara se responsabiliza pela
destituição do poder familiar, busca e apreensão; nomeação substituto de tutor; alvarás;
guarda e responsabilidade; apuração de ato infracional; habilitação para adoção estadual e
interestadual (até o presente momento, pois será implantado o Cadastro Nacional de Adoção,
que vai incorporar as listas de crianças/adolescentes que podem ser adotados e dos
pretendentes que podem adotá-los e que estão cadastrados nas Varas da Infância e da
Juventude de todo o país2); verificação da situação da criança e do adolescente; boletins de
ocorrência e medidas sócio-educativas.
2 Informação obtida no site <www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/04/28/materia.2008-04-28.7987959910/view>. Acesso realizado no dia 14 de Junho de 2008.
7
3 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
3.1 ESTUDO PSICOSSOCIAL
O Estágio curricular em Psicologia Clínica iniciou em Julho de 2007 com leituras
orientadas pela supervisora Profª Mirella Alves de Brito.
A imersão no campo ocorreu na data estipulada pelo juiz com base no seu retorno do
período de recesso. Dessa forma, houve uma sinalização, que assim como os outros campos,
este também possui um chefe, no caso o juiz de Direito, ao qual todo o corpo profissional está
subordinado.
Nessa primeira visita ao J.I.J. fui apresentada pela supervisora de estágio a assistente
social que responde pela Central de Adoção e ao juiz que responde por esta Vara. A visita
objetivou conhecer o campo, definir os horários do estágio no campo, bem como as atividades
que ali seriam desempenhadas.
Em seguida, no segundo dia no J.I.J., a assistente social me apresentou o sistema
virtual CUIDA3, onde pude conhecer o processo de sistematização de informações acerca dos
pretendentes à adoção, inscritos e habilitados no estado, de entidades de abrigo e de crianças e
adolescentes abrigados ou em condições de colocação em família substituta. Finalizada essa
etapa, fui apresentada pela assistente social aos demais funcionários, que em sua grande
maioria, perguntaram se eu estava substituindo a outra estagiária de Psicologia e ao responder
que não, que as duas iriam atuar no J.I.J., era perceptível o reconhecimento outorgado por eles
em relação à prática da Psicologia naquele espaço. Os diversos cargos de psicólogos que vêm sendo criados junto aos Tribunais de Justiça dos estados brasileiros conduzem a necessidade de se pensar a respeito do que se entende por Psicologia Jurídica, como área de conhecimentos e de campo de atuação profissional. (CRUZ, 2005, p.10).
3 CUIDA-Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo. É um sistema virtual de armazenamento, controle e gerenciamento de dados que envolve pretendentes à adoção, entidades de abrigos, crianças e adolescentes abrigados ou em condições de colocação em família substituta visando agilizar os procedimentos referentes ao encaminhamento de crianças e adolescentes para adoção e racionalizar a sistemática de inscrição de pretendentes à adoção impedindo a multiplicidade de pedidos. Fonte: <http://cgj.tj.sc.gov.br/ceja/cuida.htm>.
8
Nesse sentido, é necessário haver uma concisa interlocução multidisciplinar sobre os
vários aspectos que permeiam a adoção visando (re) construir a importância das competências
da intervenção profissional do psicólogo no processo de adoção, buscando também conhecer
as expectativas que cada requerente possui com relação à composição desse seu novo cenário
familiar.
No senso comum, é possível perceber a existência de algumas fantasias a respeito
dos pais adotivos, que por vezes não suportam nenhum “erro” quanto à educação da criança,
que, acabam engendrando características muito distintas após a chegada da criança adotada.
Sentimentos como angústia, frustração, medo, e em alguns casos, de impotência no
desenvolvimento da criança, podem ser desencadeados não somente na constituição de
família pela via adotiva como também pela da consangüinidade.
A visão de homem para o existencialismo é de um ser livre e responsável pelas suas
escolhas, podendo este, portanto, escolher dentro de seu campo de possibilidades. Desse
modo, existindo no mundo, o homem estabelece relações com os outros que irão mediar suas
relações com as coisas, com o tempo e com o seu próprio corpo (SCHNEIDER, 2002).
Ao fazer escolhas, o homem carrega consigo uma responsabilidade, pois as escolhas
ao serem colocadas em ação provocam mudanças no mundo que não podem ser desfeitas. É
relevante a inteligibilidade de que qualquer conseqüência desses atos terá sido resultado de
sua própria escolha. Diante disso, é salutar o questionamento e a desconstrução de mitos e
preconceitos relacionados à adoção, uma vez que, peculiaridades surgem independentemente
se a família se constituiu pela consangüinidade ou não.
Dizendo de outro modo, os adotantes têm que ter a possibilidade de se sentirem
felizes neste seu novo papel, podendo sentir, de uma forma espontânea, que a relação vivida
com aquele filho adotado, lhes trouxe e traz uma realização e um enriquecimento a que não
queiram renunciar, apesar dos momentos difíceis que tiveram que passar (POISSON, 2001).
Para Sartre a angústia é a consciência dessa liberdade de escolha, a consciência da
imprevisibilidade última do próprio comportamento é decorrente da consciência de que são as
escolhas dessa pessoa que definem o que ela é ou se tornará.
Sartre apud Pretto (2000), busca ressalvar o nexo que existe entre os
comportamentos, emoções, e raciocínio concreto, pois é esse nexo que concretiza o sentido da
vida, os significados que o sujeito dá as suas experiências, sendo definido dessa forma, o
“projeto de ser” do sujeito. A significação de qualquer escolha sempre transcende em direção
ao projeto de ser.
9
Em face disso, o entendimento da inteligibilidade sobre a adoção é feito a partir de
uma intervenção interdisciplinar. Essa constante troca com o outro é de grande relevância
para o desenvolvimento do ser (GIDDENS, 1994). A interação com distintos saberes norteia
uma melhor compreensão desse processo tendo como pressuposto que não existe um homem
pronto, e sim um homem em construção, cuja singularidade é evidente, o que direciona a
avaliação psicossocial não a partir de outro referencial, a não ser daquele referente a si
próprio.
Logo, ao salientar o caráter intencional da consciência, a fenomenologia afirma que
os atos de consciência não existem por si mesmos, estão sempre direcionados a algo, tendo
origem, portanto, na necessidade que temos de dar sentido à nossa vivência. Disse Fonseca
(2002), que as crianças são acolhidas por duas razões: uma delas é o prestígio que os pais
adotivos passam a ter nas redes sociais e outra diz respeito ao prazer derivado do convívio
com uma criança. Ela os envolve em rotina de troca com a vizinhança, dando um sentido à
existência diária, marcando concisamente o dia-a-dia do casal, fornecendo diversão e um
senso de importância para os adultos que delas cuidam. Independentemente da real motivação
para adoção, é preciso de antemão refletir e compreender o sujeito a partir do seu projeto de
ser no mundo com o intuito de viabilizá-lo, maximizando as suas possibilidades de escolhas
frente à adoção.
O primeiro estudo psicossocial desse estágio foi marcada para um casal de
pretendentes. O casal nos referiu que o projeto de adoção foi sugerido pelo irmão do
pretendente que já havia adotado um bebê de nove meses e que “a criança é tão linda e
querida que passamos a querer adotar também”. Foi sugerido ao casal que participasse do
GEAAF4, a fim de possibilitar maiores reflexões sobre a adoção, assim como também foi
entregue a eles uma lista de bibliografias.
Chegamos à conclusão que, ao realizar a visita na casa dos pretendentes, seria
relevante coletar maiores informações e refletir sobre a possibilidade do casal experimentar
algo diferente ao irmão do requerente com a filha por adoção. O casal nos pontuou que estava
ciente que nenhuma criança seria igual à sobrinha do requerente e que tal fator foi importante
4 GEAAF – Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de Florianópolis é uma sociedade civil e sem fins lucrativos, cujo objetivo está na formação de uma nova cultura de adoção, conscientizando também as pessoas sobre a adoção de crianças maiores e de adolescentes, a adoção inter-racial, de crianças e adolescentes com necessidades especiais, bem como grupo de irmãos.
10
para motivação para adoção e não determinista para idealização de seu futuro filho,
mostrando-se desta forma, estar convicto, afetivo e consciente da responsabilidade do
exercício da parentalidade através da adoção.
Concluída as etapas de entrevista e de visita, passamos a elaboração do parecer
técnico. Nesse primeiro momento de escrita, pude observar que este tipo de trabalho não é
somente técnico. Nem neutro. Ele envolve inúmeros aspectos subjetivos, parciais, teóricos,
políticos, em relação à escolha da “família adequada” para adotar uma criança, sendo que tais
configurações que se engendram sobre o processo de adoção se constituem como formas de se
experimentar e exercer o poder, ressalvando o que diz Foucault (2006) que o poder não é algo
localizado e sim relacional e em constante movimento.
Nessa perspectiva, a avaliação psicossocial realizada pelos profissionais da
Psicologia e do Serviço Social junto aos interessados à adoção de uma criança ou de um
adolescente é de grande importância, uma vez que nesse momento, possíveis dificuldades ao
sucesso da adoção podem ser identificadas (FERREIRA, 1999).
A escuta dos candidatos à adoção torna-se elemento fundamental que transcende em
direção ao que assegura o Art. 7 do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA, 2005), que
toda criança e adolescente têm direitos à proteção, à vida, e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento, desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condições dignas de existência.
Dizendo de outra forma, o processo de entrevista está pautado em questões
relevantes que assessoram com subsídios técnicos o deferimento/indeferimento do processo
de habilitação para adoção que busca assegurar o direito da criança a se desenvolver
biopsicossocialmente de modo saudável no seio de uma família.
3.2 ROTEIRO NORTEADOR PARA O ESTUDO PSICOSSOCIAL
Como outra atividade desenvolvida, por solicitação da supervisora de estágio, o
roteiro utilizado para a realização das entrevistas foi repensado, tendo como pressuposto o que
afirma OLIVEIRA e OLIVEIRA (2007), que, a entrevista é um recurso de trabalho que
11
favorece o estabelecimento de uma relação profissional, um vínculo intersubjetivo e
interpessoal, sendo diferenciada pelo modo e interação de quem a pratica.
Para tanto, numa perspectiva histórico-dialética, é relevante conhecer como o
requerente se historicizou, como ele estabeleceu relações a partir de sua convivência no
mundo. É fundamental entender o sujeito a partir da sua própria história e das significações
acerca de suas vivências, visando pautar o estudo psicossocial, não como sendo somente um
processo avaliativo e sim reflexo-informativo, com condutas que entendam se o projeto de
adoção vai ao encontro do projeto de ser do(s) requerente(s) ou não.
É comum que em algumas situações, o requerente associe o psicólogo à figura do
juiz, apegando-se também à idéia de que existem requisitos a serem preenchidos (PAIVA,
2005).
Como repensar então, o estudo psicossocial, como um processo menos ansiogênico e
mais voltado para um lugar de discussão e orientação aos conflitos e mitos abarcados sobre a
adoção?
Entendendo que os requerentes que se inscrevem5 em um processo de habilitação a
adoção, estão de alguma forma motivados, é relevante problematizar questões na entrevista
que subsidiem a compreensão do projeto de ser deles e a partir disso, objetivar a
inteligibilidade sobre o projeto de adoção.
A compreensão de um sujeito se dá a partir da sua especificidade histórica, que
restitui suas funções e suas diversas dimensões, o que impede generalizações e concepções de
que todos os sujeitos devam ser iguais (MAHEIRIE e PRETTO, 2002). Dessa forma, as
perguntas realizadas, no que tange aos temas: motivação; revelação; estruturas programadas
para os cuidados com a criança; expectativas quanto ao desempenho dos futuros papéis
familiares; entre outros; não devem ser engessadas, e sim, direcionadas e formuladas tendo
como base a singularidade de cada um.
A personalidade humana se compõe da mesma forma em qualquer sujeito, o que o
singulariza são os distintos personagens e a materialidade envolvidos em suas vidas (SOUZA,
1998). Sendo assim, questões (onde, quando, como, que relações foram estabelecidas, entre
outras) voltadas à infância, à adolescência e à família de origem são fundamentais para
compreensão da constituição do indivíduo, da sua estrutura psicofísica, assim como também,
da sua performance nos diversos perfis em que atua e que possivelmente poderá vir a atuar ao
desempenhá-los na parentalidade.
5 Ver em Anexo II, o formulário para requerer ao juiz a inscrição no cadastro de pessoas interessadas em adoção.
12
A história do romance do casal, também se constitui como elemento fundamental
num processo de adoção (PAIVA, 2005). O homem não é nada além daquilo que projeta ser.
Ele nasce nada e com o passar do tempo, norteado pelas sínteses de suas relações e pelos
processos de totalização, destotalização e retotalização, ele constantemente torna-se alguém.
Por isso, questões que sinalizem a dinâmica do casal, a inteligibilidade sobre a
impossibilidade de uma filiação biológica e o desejo compartilhado de exercer a
parentalidade, tornam o entendimento sobre a viabilidade do processo de adoção mais
conciso, tendo sempre em vista que nenhuma práxis constitui um saber definitivo sendo o
estudo realizado junto aos pretendentes completamente circunstancial.
É relevante entender também se o projeto de adoção é uma escolha aceita e refletida
por ambos os requerentes e pela família extensiva como um todo, uma vez que, conforme
Dolto (1989) apud Shine (2005), a criança que não foi introduzida na tradição familiar de seus
pais ainda não foi adotada. A mesma só irá se sentir como pertencente a tal família a partir da
ocupação de um “lugar” entre as duas linhagens. E como contribui Geertz (1989), é no
compartilhamento da rede de significados locais que a pessoa se constitui culturalmente, nesse
caso, sentindo-se pertencente ao grupo de parentesco.
Tal lugar reservado, a priori, à criança, pode ser entendido a partir da história pessoal
e familiar dos requerentes, assim como também, a partir da dinâmica familiar e conjugal dos
mesmos, que ao ressignificar o projeto de filiação por adoção, refletirão sobre as expectativas
e pressupostos em relação ao filho desejado/esperado.
Ao abordar questões relacionadas ao perfil da criança pretendida6 (idade, sexo, etnia,
estado de saúde, entre outros) é preciso buscar o entendimento que o pretendente e a sua
família extensiva têm em relação à adoção inter-racial, visando conhecer os conceitos (pré)
concebidos a respeito da etnia em questão; ao sexo da criança pretendida, almejando
compreender e refletir junto ao pretendente que a criança/adolescente é um ser que se
constitui a partir de sua relação e interação no mundo e que ele (a) poderá fazer outras
escolhas diferentes daquelas naturalizadas e cristalizadas ao sexo masculino e/ou feminino;
quanto à escolha do estado de saúde da criança, é relevante citar uma reflexão feita por um
requerente ao preencher a ficha do perfil da criança desejada: Tive bastante dúvida ao ver
essas opções referentes à saúde da criança, porque quando temos um filho biológico a
primeira coisa que pedimos é que ele seja saudável. Não pedimos um filho doente, mas lógico
6 O formulário a ser preenchido que aborda características da criança desejada, encontra-se no anexo III.
13
que se ele nascer doente, o amor será tão grande quanto se ele não fosse doente. Por que
tenho que escolher dessa forma na adoção?7
De fato, uma filiação por adoção não ocorre da mesma forma que uma filiação pela
consangüinidade, em especial porque na filiação consangüínea dá-se uma criança a uma
família, na filiação por adoção dá-se uma família a uma criança (UZIEL, 2007). No caso da
escolha do estado de saúde da criança, ela ocorre desse modo devido à praticidade ao
consultar os habilitados que aceitariam crianças com problemas de saúde. A reflexão que deve
ser feita junto ao requerente é quanto a sua preparação e disponibilidade em atender crianças
que necessitam de cuidados especializados.
Sendo assim, não se pode assegurar que as pessoas habilitadas nos processos
deferidos à adoção irão garantir reais vantagens aos adotados. O que deve ser feito é um
processo com um menor teor avaliativo e maior teor reflexivo e informativo. É preciso refletir
junto ao requerente que a filiação por adoção e a filantropia não são correlatas. É fundamental
querer ter um filho e saber que existem situações (tanto com os responsáveis quanto com a
criança/adolescente) que podem escapar qualquer estudo e vir a se expressar somente no
convívio familiar.
Quanto à atuação no campo, pude perceber em diversas circunstâncias, a
credibilidade disponibilizada a Psicologia, ao ser solicitada pela assistente social para fazer
entrevistas psicossociais e visita sozinha.
Entrevistei um casal de pretendentes que já possui uma filiação por adoção e
pretende dar continuidade a formação da instituição família. Esse estudo psicossocial ocorreu
de forma tranqüila, uma vez que o sucesso da entrevista depende da postura, da qualidade do
relacionamento e da vinculação com o requerente, tendo em vista que este chega à entrevista
com determinadas necessidades e expectativas (CRAING, 1999). De acordo com a entrevista
realizada tendo como base a motivação, a revelação e a disponibilidade demonstrada pelos
requerentes, foi possível constatar que o casal deseja e está motivado para exercer a
parentalidade com mais um filho.
7 As narrativas dos requerentes aparecem em itálico neste relatório.
14
3.3 ATUALIZAÇÃO DO CADASTRO
Concomitantemente aos estudos psicossociais e as visitas domiciliares, foi realizada
atualização do cadastro dos requerentes interestaduais no processo de adoção inscritos nos
anos anteriores a 2006 via endereço residencial/eletrônico e por telefone.
Todas as pessoas são movidas por um projeto fundamental, o projeto de auto-
realização, da transcendência, sendo necessário, portanto, compreender se a constituição de
filiação por adoção transcende em direção ao projeto de ser do requerente. É importante
propiciar reflexões sobre o projeto original pelo qual o indivíduo se faz uma pessoa uma vez
que este se define por seu projeto, por ser capaz de fazer e desfazer o que fizeram dele
(ERTHAL, 1995).
E, por considerar que o homem está condenado à liberdade, podendo a cada
momento escolher o que fará de sua vida, sem que haja um destino previamente concebido,
pois a existência precede a essência (SARTRE, 1987), foi relevante atualizar o cadastro dos
habilitados no processo de adoção, no caso, nos anos anteriores a 2006, possibilitando-os
fazer outras escolhas além daquelas feitas no momento da habilitação.
Deste modo, a adoção é mais do que uma questão jurídica, é uma opção, é uma
escolha, é um ato de amor que merece compreensão e reflexão quanto às circunstâncias de
quem decide adotar (AZAMBUJA, 2001). Logo, entendendo que o homem se constitui nas
relações que estabelece com ele mesmo, com os outros, com as coisas e com o tempo, a
atualização do cadastro, ao ter como objetivo prático a efetivação de dados atuais dos
pretendentes interestaduais inscritos até 2005, possibilitou também que o projeto adoção fosse
ressignificado a partir dessa relação homem-mundo.
3.4 ESTUDO DE CASO
Considerando os distintos referenciais teóricos que subsidiam a compreensão de
homem e de mundo pela Psicologia e as diversas possibilidades de elementos psicológicos
15
que podem ser expressos em um estudo psicossocial, este estudo de caso tem como referencial
teórico a fenomenologia existencial, que entende o homem como um “ser-no-mundo”, dotado
de um corpo e uma consciência, que através e pelos quais, se relaciona com a exterioridade,
estabelecendo dessa forma, relações que caracterizam a sua existência.
Através de um trabalho clínico, o objetivo desse estudo de caso é o de conhecer
como se deu o processo de subjetivação da requerente Zélia e refletir sobre a inteligibilidade
frente à filiação por adoção, a fim de que com o seu ser em suas próprias mãos, a requerente
escolha a adoção como possibilidade para exercer a parentalidade pautado em uma reflexão
crítica e não somente espontânea da situação.
Identificação:
Nome: Zélia8
Idade: 43 anos
Sexo: Feminino
Estado civil: Solteira
Profissão: Professora
Grau de Escolaridade: Ensino Superior
Total de Entrevistas: 05
Zélia é a primogênita de uma prole de três filhos. Possui boas lembranças de sua
infância. Considero essa a melhor parte de minha vida. Até os 10 anos de idade morou na
fazenda de seus pais, onde estudou em uma escola rural contando também com o auxílio de
uma professora particular como tutora em seus estudos. Aos 11 anos de idade, a família se
mudou para a área urbana de Rosário do Sul, a fim de usufruir de melhores oportunidades nos
estudos.
Quanto à adolescência, foi uma etapa de sua vida voltada aos estudos, pois a mãe
não queria que a gente casasse e sim que estudasse. Seu pai era um homem conservador e
rígido, que não permitia que ela namorasse na sua adolescência, o que favoreceu com que ela
passasse a namorar sem o conhecimento dele. Contudo, tal circunstância, gerou sentimentos
8 Os nomes utilizados são nomes fictícios.
16
de culpa e de medo, pois ela sabia que namorar não era nada de errado, mas por outro lado,
estaria desobedecendo as ordens de seu pai. O medo e a culpa foram me deixando marcas,
mas perdoei meus pais porque sei que eles fazem as coisas porque nos amam.
Segundo Fuck (1998), a constituição do sujeito se dá num processo de experiências
concretas e de apropriação das mesmas. É nesse processo que a personalidade adquire
consistência de ser, ou seja, faz-se necessário que um determinado acontecimento se dê numa
implicação com a materialidade e que o sujeito se aproprie da ação e da experiência. Sendo
que Zélia constitui a sua personalidade a partir de uma série de experiências, dentre elas,
segundo ela própria, as que marcaram mais foram as que ocorreram no período da
adolescência, onde meu corpo estava mudando e eu tinha que viver voltada para os estudos,
anulando assim os meus desejos.
O homem antes de tudo está inserido em um processo de relações e isto se dá devido
o fato de o homem ser corpo/consciência. O corpo é o primeiro contato do sujeito com o
mundo, a consciência é sua condição de estabelecer relações. Portanto, o sujeito é um
conjunto de relações: com a materialidade que o cerca, com seu corpo, com os outros, com a
sociedade, com o tempo (SCHNEIDER, 2002).
A autora afirma que o corpo é o instrumento e a meta das ações do sujeito, sendo
definido como condição de possibilidade da psique, o que confere aos fenômenos da mesma
um caráter psicofísico.
Reflexões foram feitas com a requerente em relação à afirmação sartreana “não
importa o que fizeram de mim, mas aquilo que eu faço com o que fizeram de mim”,
objetivando oportunizar a apropriação de suas escolhas através do processo de reconstrução
do eu, desmistificando suas crenças, seus mitos e incentivando dessa forma, que ela se
lançasse para o mundo de forma mais reflexiva. Contudo, tal objetivo não foi alcançado, pois
a requerente manteve-se em constante relação espontânea com o mundo, especialmente no
que se referia à escolha pela adoção.
Zélia, aos 21 anos de idade foi morar em outra cidade no Rio Grande do Sul com sua
madrinha, onde permaneceu por quase um ano.
Em 1988, com 23 anos de idade, ela passou a residir em Florianópolis/SC, onde
conheceu Jair. Ambos moraram juntos por dois anos e meio. Tiveram um filho, que conta
com 10 anos de idade. A vinda do meu filho foi muito positiva, pois isso me motivou a
trabalhar ainda mais.
Segundo a requerente, ela e seu filho possuem uma relação muito boa. Possuem um
ao outro, pois seus familiares extensivos residem em outro estado. Mantêm um
17
relacionamento próximo com os mesmos, porém, dada a distância, não se vêem com
freqüência. O pai de seu filho reside nesta cidade, contudo, segundo o menino, os contatos se
resumem a uma vez ao mês. Para Zélia, a relação de seu filho com Jair foi criando contornos
onde ambos escolheram se encontrar uma vez por mês, o que não quer dizer que não se falem
por telefone outras vezes.
Sobre a motivação para a adoção, Zélia afirmou não haver comprovação de
problemas quanto à sua fertilidade. A inviabilização da filiação consangüínea se dá pelo fato
da mesma não possuir relacionamento amoroso estável.
O projeto de adoção, segundo a requerente, surgiu a partir da manifestação de seu
filho em ter uma irmã. Ele sempre pediu para ter uma irmãzinha. Referiu-nos que seu filho
cobra a fato de não ter uma irmã e justifica sua falta de coragem em ter outro filho biológico,
afirmando que marcas foram deixadas em mim, no período de minha adolescência onde
namorar e procriar era algo errado.
No que tange a temporalidade, o sujeito se produz numa síntese dialética das
experiências passadas, presentes e futuras. Ser, para o homem, é estar localizado no tempo, é
ter realizado certas coisas, sofrido em certas circunstâncias, planejado fazer outras coisas,
projetar ser alguém. Dessa forma, o indivíduo é produto e produtor dessa dinâmica temporal.
É preciso que ele totalize sua história, que se inclua na temporalidade social, para que se
experimente como sujeito de sua vida (SCHNEIDER, 2002).
Quanto à organização familiar quando da efetivação da adoção, a requerente
declarou-nos que, a princípio, conta com o auxílio de uma amiga que mora próximo de sua
residência. Seu filho, no período contrário ao escolar, permanece sozinho na residência,
segundo ela um fará companhia ao outro.
Em relação ao perfil da criança desejada, a requerente demonstrou dúvidas quanto à
idade pretendida, tendo em vista que inicialmente manifestou-se por uma menina de 0 a 10
anos, porém, no decorrer de uma mesma entrevista, redefiniu a faixa etária por três vezes.
Optando ao término da entrevista pela faixa etária entre 4 a 8 anos.
Na entrevista realizada com seu filho, observamos que o mesmo comunicava-se a
todo instante através de palavras formais e rebuscadas. Quando colocada esta observação à
requerente, a mesma informou-nos que seu filho prefere estar na companhia de adultos e que
o mesmo não tem muita paciência com crianças que não falam corretamente a língua
portuguesa.
18
Indagada sobre a possibilidade de vir a receber uma criança que apresente
dificuldades gramaticais ao se comunicar, referiu-nos que seria diferente com a criança que
viesse a adotar e que seu filho teria paciência em ajudá-la a expressar-se corretamente.
Para além disso, seu filho comentou não gostar de pessoas loiras, quando então a
requerente interviu justificando que o preconceito dele se dá pelo fato da mídia associar tal
característica às pessoas que possuem menor desenvolvimento intelectual.
Pelo fato de ter sido escolhida uma menina de cor branca, abordamos sobre a
possibilidade de virem a receber uma criança loira e novamente nos foi informado que seria
diferente com a criança.
Schneider (2002) afirma que a inteligibilidade é construída pela apropriação singular
que o sujeito faz dos valores, dos conhecimentos, das crenças da sociedade, mediatizados
pelas pessoas que o cercam. É essa dialética entre a subjetividade e a objetividade que
determinará a personalização dos indivíduos.
Sendo assim, respeitar a criança na sua individualidade e nas suas limitações é o que
dará condições para criarem-se vínculos afetivos. O direito a história e as manifestações frente
à nova experiência em família, desde que mediada, favorece a resignificação da própria
história e das fantasias em torno do projeto de família que foi construindo durante o período
de espera pela colocação em família substituta.
Foi possível observar quando da entrevista com o menino, uma grande
interdependência entre mãe e filho e/ou vice-versa, tanto que a própria requerente afirmou-nos
que até alguns dias antes da visita domiciliar, seu filho dormia no mesmo quarto que ela.
Quando indagados qual seria o quarto que a criança pretendida dormiria, o menino
referiu-nos não querer dividir nem o seu quarto nem o da sua mãe, informando-nos que havia
pedido para ser construído outro quarto e que a mesma não havia aceitado a idéia. Contudo, a
requerente discordou de seu filho, dizendo-nos que se fosse preciso construiria outro. Em
entrevista individual, Zélia informou que num primeiro momento dividiria seu quarto com a
criança a ser adotada.
Após a visita, foram realizados mais dois encontros com a requerente a fim de
proporcionar reflexões em relação à real motivação e preparação para receber um filho em
adoção. Outro fator que nos levou a um maior número de encontros corresponde ao
encaminhamento desse juizado para avaliação psicológica, em processo encaminhado por
despacho, a qual se organizou em conjunto com o estudo social, a fim de garantir uma ação
interdisciplinar na avaliação.
19
Durante a avaliação do caso, algumas questões chamaram-nos atenção para um
aprofundamento. Realizamos, pois, três entrevistas, cujo objetivo foi esclarecer melhor os
fatos e provocar na requerente, reflexões sobre o seu projeto de adoção, contudo, surgiram
algumas resistências por parte da mesma, quando dos convites à participação.
Uma das questões observadas está relacionada a dúvidas sobre o real desejo da
requerente em ter mais um filho, bem como sua convicção quanto a faixa etária da criança
pretendida, uma vez que a modificou algumas vezes no decorrer dos procedimentos.
A requerente trouxe-nos como principal motivação ao projeto, a necessidade de seu
filho ter uma irmã e que além de seu filho solicitar a companhia de uma irmã, também seus
familiares reforçam a importância dele dividir seu espaço com alguém.
Cabe ressaltar que nos momentos de entrevistas a requerente não se referia à criança
desejada como sendo sua filha e sim como sendo a irmã de seu filho. Demonstrando dúvidas
se estaria preparada para receber uma filha por adoção. E por sua vez o menino, referia-se à
criança pretendida como a adotiva e não como sua irmã.
Foi solicitado que a requerente refletisse sobre tais questões, tendo como pressuposto
que cada escolha carrega consigo uma responsabilidade e que ao ser colocada em ação,
provoca mudanças no mundo que não podem ser desfeitas, não sendo possível, a partir de
uma perspectiva existencialista, atribuir a responsabilidade por estes atos a nenhuma força
externa. No existencialismo, o homem é o que ele faz, o que acarreta, como implicação ética, a responsabilidade do homem para com a construção do seu ser e o ser dos outros. O sujeito individual, enquanto agente de seu próprio destino, envolve a si e aos outros nas escolhas que efetua. (CARVALHO, 2004, p. 244).
No encontro seguinte, a requerente questionou: É você que vai me dar o aval para eu
adotar? O que você quer que eu diga? Quantos encontros serão necessários ainda?.
É comum em algumas situações o requerente associar o psicólogo à figura do juiz,
apegando-se também à idéia de que existem requisitos a serem preenchidos (PAIVA, 2005).
Todavia, é pertinente fazer reflexões junto ao requerente de que não basta manifestar vontade
em adotar, é preciso estar preparado, visando prevalecer o interesse do adotado sobre
quaisquer outros interesses. É preciso estar disposto a estabelecer e manter vínculos afetivos
com a criança e principalmente desvincular a motivação de fatores externos e fazer uma
escolha não mergulhada na espontaneidade e sim com reflexão e responsabilidade.
Considera-se, que uma das motivações mais freqüentes tem sido a vivência de uma
relação de irmandade para aquele que é filho único, nesse caso ficou explícito que a maior
motivação para a adoção corresponde ao fato do filho por consangüinidade solicitar inúmeras
20
vezes a vinda de uma irmã. A requerente utiliza-se, na sua maneira de se relacionar com o
mundo, de uma consciência reflexiva não posicional de si, ou seja, de uma consciência
espontânea/ alienada. Nesse tipo de consciência, o sujeito não toma a si mesmo como objeto
de sua consciência, sendo caracterizada como uma consciência de primeiro grau ou irrefletida,
sem a presença de seu eu (SCHNEIDER, 2002), sem refletir criticamente se ela enquanto
sujeito gostaria de ampliar o exercício da parentalidade escolhendo ter mais um filho. Tal
posicionamento favorece que ela se relacione de forma absorvida no objeto, em um “dever-
ser”, onde não há espaço para o seu eu, para situar-se no horizonte de um “poder-ser”.
A fenomenologia salienta o caráter intencional da consciência, onde toda a
consciência é consciência de algo. A intencionalidade possibilita que os atos de consciência
não existam por si mesmos, estando estes sempre direcionados a algo. A consciência não atua
fechada sobre si mesma, pois a plasticidade do sentido é igualmente realçada. Sujeito e objeto
são co-constituídos, interdependentes um do outro, influenciando-se mútua e
permanentemente. A interrogação da intencionalidade é sobre o sentido. Somos seres em
permanente criação de sentido (SCHNEIDER, 2002) .
Sendo assim, é possível perceber que Zélia responsabiliza o filho pela escolha da
adoção. A adoção, assim como a sua própria história não é responsabilidade dela, pois Zélia
procura encontrar na educação que seus pais lhe deram, a justificativa para as dificuldades que
encontra ao se deparar com o mundo, com a sua existência.
Segundo Lanser (2002), qualquer objetivo de ter filhos ou adotá-los, almejando
preencher um determinado vazio, insegurança ou medo, jamais irá levar a um exercício da
parentalidade "bem sucedido" ou adequado.
Leva-se em conta que a criança a ser adotada pela requerente será inserida numa
família que aparentemente demonstrou ter uma dinâmica pouco receptiva àquilo que possa
interferir no seu cotidiano. Na ocasião da visita domiciliar, ao sentarmos em um dos sofás da
sala, fomos convidadas a mudar para outro, pois, aquele era o sofá do meu filho assistir TV.
A teoria sartreana afirma que a inteligibilidade sobre algo se dá a partir da totalização
de conclusões anteriores e que um novo entendimento ocorre com a destotalização e
retotalização das mesmas (GUIZ, 2008). Para tanto, buscamos refletir junto à Zélia, sobre os
diversos atravessamentos que a dinâmica atual com seu filho poderá sofrer com a ampliação
do seu núcleo familiar, tendo em vista que a realidade de crianças abrigadas é baseada na
partilha de objetos e de espaços. Contudo, o posicionamento de Zélia, tem coisas aqui que vão
continuar sendo somente do meu filho, confirmou que nessa dinâmica familiar, existem
resistências que precisam ser repensadas, pois para adotar um filho, seja pela via
21
consangüínea ou adotiva, é preciso ter plasticidade na relação com o outro, visando favorecer
o estabelecimento de vínculos afetivos e sentimento de pertencimento nessa configuração
familiar.
Pressupõe-se a família como espaço de proteção, segurança, acolhimento, troca de
afetividade, entre outros. O número de devoluções de crianças na rotina do judiciário, cujos
pais adotivos, via de regra, durante o procedimento revelam suas boas intenções, muito
comumente impulsionados por fatores externos ou idealizações, sugerem cautela na condução
dos casos, especialmente no que tange às adoções tardias.
Como afirma Lídia Weber: Na maioria dos casos de crianças mais velhas consideradas para adoção é preciso lembrar que suas vidas geralmente estiveram rodeadas de circunstâncias difíceis, com inúmeras decepções e privações importantes. Por isso a necessidade de observar um lar especialmente adequado às necessidades da criança, no qual as pessoas estejam preparadas para recebê-la. (WEBER, 2005, p. 128).
O fato da requerente sempre referir-se à criança a ser adotada não como sua filha,
mas como à irmã de seu filho, bem como, o lidar com múltiplos "não gosto", por parte dele
(pessoas loiras, crianças que não se comunicam de forma correta quanto ao uso da gramática e
preferência por estar entre adultos ao invés de crianças), suscitaram-nos dúvidas quanto à
disponibilidade para a formação de vínculos.
Realizamos uma entrevista devolutiva com a requerente, abordando os pontos
levantados. Inclusive, destacamos a relevância dos mesmos e sugerimos um possível
acompanhamento psicológico, uma vez que apresentou dificuldades na relação com o filho,
deslocando-se do lugar de responsável pelas decisões no aumento ou não da rede familiar para
ecoar os desejos do filho em ter uma irmã. No que se refere ao entendimento psicológico do
estudo, a requerente manteve, frente à possibilidade de ter um filho por adoção, uma escolha
alienada, pouco reflexiva no que se refere às reais implicações da escolha e as situações que
colocariam seu filho e uma irmã em confronto. Tais características não correspondem às reais
necessidades de crianças e adolescentes que se encontram preparados para serem
encaminhados a uma nova família.
O processo de reflexão consiste em um movimento que coloca o sujeito diante de
suas escolhas e responsável por elas, implica em uma prática psicológica de orientar-se
mediado por um projeto existencial sobre o qual irá se reconhecer e se refazer em cada nova
vivência. Para nossa requerente, outras questões referentes à relação mãe/filho, indicaram que
uma adoção nesse contexto familiar traria conseqüências desastrosas àquele ou àquela que
poderia ser adotada, bem como, ao filho que teria que lidar com a frustração de não receber a
irmã ideal.
22
No momento da devolutiva, a requerente não manifestou interesse ao
encaminhamento para processo psicoterapêutico, afirmando saber o quão preparada estava
para acolher um filho em adoção. Tal posicionamento, confirmou nossas hipóteses de que ela
não se dispõe a refletir sobre o seu projeto de vida, o seu desejo de ser. Zélia não buscou
compreensão sobre as escolhas feitas e o modo como se move no mundo. Não se permitiu um
movimento progressivo-regressivo sobre o seu processo de constituição histórica. Esse
movimento se dá, quando há uma passagem da reflexão cúmplice para uma reflexão crítica
sobre o seu processo de constituição histórica, isto é, há uma localização do indivíduo que
passa por todo um questionamento do horizonte da racionalidade (MAHEIRIE e PRETTO,
2002).
Para além disso, tendo como base o art. 29 do ECA: Não se deferirá colocação em
família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza
da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado, foi exposto à requerente, que naquele
momento ela não estava apta para a inscrição à adoção. E, tendo como pressuposto que ela
poderá se escolher de outras formas dentro do seu campo de possibilidades, foi pontuado,
como lhe é de direito, a possibilidade de vir a pleitear inscrição a qualquer tempo,
necessitando para tanto de novo estudo da situação. Contudo, a requerente apenas perguntou
se poderia acompanhar a decisão via internet, se retirando da sala após nossa resposta,
demonstrando assim, estar insegura ontologicamente e inviabilizada para se lançar para o
futuro.
Enfim, Sartre afirma que o homem será aquilo que fizer de sua vida, não existindo
nada além dele mesmo, de sua vontade, que determine seu destino. Nessa perspectiva,
também em um processo psicoterapêutico, o cliente tem que querer ir à terapia, compreender
o seu processo historicizado no mundo, para que, a partir de uma compreensão crítica de sua
história, possa alterar a realidade. Não sendo isto o que ocorreu com Zélia, que ao se
constituir na espontaneidade, não buscou refletir criticamente sobre o projeto adoção, o que
dificultou com que ela se constituísse até então, num permanente “devir”.
23
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estágio proporcionou o exercício da interdisciplinaridade, através da interface
com o Direito e com o mundo jurídico, sendo fundamental para a minha formação em
Psicologia.
Busquei a partir das descontinuidades, articular com os demais profissionais do
J.I.J., enfatizando que cada indivíduo é atravessado por processos sensitivos, perceptivos,
emocionais, portanto, subjetivos, que devem ser entendidos de forma singular.
Dizendo de outra forma, além de fazer interlocuções com profissionais do Direito e
do Serviço Social, tendo como base os códigos jurídicos, busquei inscrever o saber e a prática
psicológica naquele espaço, a partir do cumprimento dos objetivos deste relatório.
Todavia, pude perceber em alguns momentos, que o estudo psicossocial, transita por
um território movediço e que pode servir apenas para protocolar uma determinação do juiz,
caso não haja uma interlocução concisa entre os operadores de Direito e as outras ciências
humanas, uma vez que, questões subjetivas, podem acabar não sendo compreendidas pelos
profissionais envolvidos em um processo de adoção.
Cabe então ao Psicólogo inserido no campo da justiça, posicionar-se, não como
sendo um instrumentalista, mas sim, a partir da abordagem das especificidades de sua
profissão enquanto ciência, atuar preservando “a temporalidade do tempo, a humanidade do
homem, a concretude do concreto” (PESSANHA, 1993 p.31), articulando dessa forma, sobre
a relevância de sua intervenção nos processos de adoção.
No que tange o espaço físico, a realidade atual do J.I.J. apresenta certa dificuldade,
uma vez que temos disponibilizada apenas uma sala para entrevistas. Tal sala é utilizada tanto
pelas assistentes sociais que atendem plantões quanto pela assistente social e estagiárias de
Psicologia responsáveis pelo estudo psicossocial dos requerentes que pretendem a habilitação.
Como as minhas idas a campo se davam também pela parte da manhã, e o horário de
funcionamento do J.I.J. inicia-se às 12h, a assistente social marcava os estudos psicossociais
para parte da manhã, porém, quando precisávamos da sala pela parte da tarde, nem sempre
conseguíamos, o que se caracterizou como uma variável relevante ao se marcar entrevistas
com os candidatos.
Em relação às sugestões que posso apresentar para contribuir com os futuros
estagiários, as mesmas vão ao encontro da relevância de se conhecer o local de estágio, de
24
buscar literatura sobre o tema adoção e também sobre as leis que regem os direitos e deveres
de crianças/adolescentes, além de articular-se com profissionais de outras áreas buscando
conhecer mais sobre elas.
25
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ANEXO I
RELAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA A HABILITAÇÃO JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE CENTRAL DE ATENDIMENTO A ADOÇÃO
_________________, ___, de ________________de 2008.
Prezados Senhores,
De acordo com as diretrizes estabelecidas pelo vigente Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13.07.90, é necessário requerer sua inscrição no registro de pessoas interessadas em adoção, neste Juizado da Infância e da Juventude.
Para tanto, solicitamos que o pedido de inscrição e o formulário que seguem em anexo, sejam-nos remetidos, juntamente com os seguintes documentos : Obs: todas as cópias deverão ser autenticadas. • Certidão de Casamento • Cópia da Carteira de Identidade; • Cópia do CPF; • Comprovação de Rendimentos; • Atestado de Saúde física e mental – este atestado deve ser fornecido por médico, do qual
deve constar : nome, endereço, CRM; • Comprovante de residência - através de conta de luz, água, etc... • Certidão Negativa ou Folha Corrida Judiciária do requerente - fornecida pelos
cartórios criminais da Comarca de residência; • Foto
30
ANEXO II
REQUERIMENTO AO JUIZ EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE _____________________________________________________,brasileiro(a),___________
_______(estado civil),___________________________(profissão)e
______________________
_____________________________(brasileira),____________________________(profissão),
residente(s) e domiciliado(s) ___________________________________________________,
bairro_______________________,Município de
_____________________________________, Estado de
_____________________________, vem ante V. Exa. requerer sua INSCRIÇÃO no
cadastro de pessoas interessadas em adoção, nesse Juizado da Infância e da Juventude,
de conformidade com o art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para tanto, instruem o pedido com documentos que entendem
necessários à comprovação de suas condições materiais, físicas e psíquicas.
Por derradeiro, requer seja consultado o órgão técnico desse Juizado e
ouvido o Ministério Público.
Termos em que Pede(m)deferimento.
____________________, _____ de ______________________ de 200___ _____________________ _________________________
Assinatura e RG Assinatura e RG
31
ANEXO III
FORMULÁRIO CADASTRO NACIONAL
CADASTRO NACIONAL (PRETENDENTE OU ADOTANTE) COMARCA FONE
RESPONSÁVEL PELO CADASTRO
CENTRAL DE ADOÇÃO INTERESSADO DATA NASC. CPF RG
DATA CASAMENTO ESCOLARIDAD
E LOCAL DE TRABALHO (empresa)
PROFISSÃO RENDA MENSAL
FONE COM.
CELULAR/RECADO
ESPOSA
DATA NASC.
CPF
RG
ESCOLARIDAD
LOCAL DE TRABALHO (empresa)
PROFISSÃO RENDA MENS.
FONE COM.
CELULAR/RECADO E-MAIL
ENDEREÇO RESIDENCIAL
BAIRRO
CIDADE
UF FONE CEP
RESIDÊNCIA PRÓPRIA ( ) ALUGADA ( ) CEDIDA ( ) Nº DE DEPENDÊNCIAS
COMPOSIÇÃO FAMILIAR FILHOS BIOLÓGICOS ( ) QUANTOS? FILHOS ADOTIVOS ( ) QUANTOS? S/FILHOS ( ) SEXO DA CRIANÇA PRETENDIDA MASCULINO ( ) FEMININO ( ) INDIFERENTE ( )
FAIXA ETÁRIA DA CRIANÇA INICIAL FINAL
COR BRANCA ( ) AMARELA ( ) NEGRA ( ) INDÍGENA ( ) MULATA ( ) PARDA ( ) INDIFERENTE ( ) ACEITA GÊMEOS? SIM ( ) MASCULINO ( ) FEMININO ( ) NÃO ( ) ACEITA IRMÃOS? SIM ( ) 01 CRIANÇA E ATÉ ___ IRMÃOS MASCULINO ( ) FEMININO ( ) NÃO ( )
DISPÕE-SE A RECEBER CRIANÇA COM PROBLEMAS DE SAÚDE ? SIM ( ) TRATÁVEL ( ) CRÔNICO ( ) IRREVERSÍVEL ( ) SOROPOSITIVO ( ) NÃO ( ) DISPÕE—SE A RECEBER CRIANÇA COM PROBLEMA FÍSICO? SIM ( ) MODERADO ( ) SEVERO ( ) NÃO ( ) DISPÕE-SE A RECEBER CRIANÇA COM PROBLEMAS MENTAIS? SIM ( ) MODERADO ( ) SEVERO ( ) NÃO ( ) JÁ ADOTOU NO ESTADO? SIM ( ) NÃO ( )
HÁ QUANTOS ANOS?
QUAL COMARCA
OBSERVAÇÕES: