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FACULDADE SOCIAL DA BAHIA PSICOLOGIA Katiene Suzart RELATÓRIO

Relatório de Visitas Institucionais

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Relatório de Visitas Institucionais

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Page 1: Relatório de Visitas Institucionais

FACULDADE SOCIAL DA BAHIA

PSICOLOGIA

Katiene Suzart

RELATÓRIO

Salvador – BA

2011

Page 2: Relatório de Visitas Institucionais

Introdução

A reforma psiquiátrica e a luta anti-manicomial vem somando forças para abolir um sistema

de “tratamento” implementado e que continua sendo usado até os dias de hoje. A forma como

as pessoas com transtorno mental são tratadas ainda hoje é não se justifica. Algumas

melhorias já foram conseguidas, mas o caminho para um tratamento digno e humano ainda é

longo a percorrer.

A realidade de um HP pela ótica não de ideologias sociais que objetivam a higienização, mas

através dos olhos de quem vive a triste realidade que faz parte da instituição é triste e

deprimente, nos levando a olhar os pacientes que ali estão como sujeitos donos de uma

história, os quais possuem esperanças, medos, anseios, angustias, enfim, olhá-los como seres

humanos. E esse simples, porém não menos complexo movimento nos leva a uma série de

fatores históricos, sociais, econômicos, profissionais e culturais, os quais tiveram grande

influência no modo como nos relacionamos com a loucura. Nesse contexto, é importante

ressaltar que a determinação dos estados “normal” e “louco” depende menos da ciência do

que da sociedade e da cultura, e assim, a “doença” só tem valor e é realmente uma doença no

interior de uma sociedade que a reconhece como tal. A história da loucura vai nos mostrar que

vai ser em nome da razão que ela foi criada, pois a partir do momento em que se estabelece

uma razão, faz-se necessário também a não-razão, portanto, a loucura legitima a razão.

O presente trabalho procurou mostrar a realidade de algumas instituições, dando enfoque na

forma como os usuários destas intuições estão vivendo, fazendo uma relação com os novos

métodos substitutos de tratamento e como eles estão na prática. Seguem abaixo as visitas

institucionais realizadas.

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Hospital Juliano Moreira

O hospital psiquiátrico possui 404 pacientes e possui uma estrutura física que ocupa uma

grande área, localizada em Narandiba, local que no período em que foi construído encontrava-

se distante da cidade. (Aqui já encontramos uma característica dos manicômios que é o fato

de serem construídos longe dos grandes centros, distanciando os internos da sociedade, como

se a loucura tivesse que ser separada, banida, exilada de uma sociedade “normal”). É

basicamente dividido entre a ala dos que estão lá há um tempo, não têm família ou há uma

rejeição por parte desta; e a ala dos que estão ali apenas temporariamente até que posse o

período de agitação.

A visita foi feita em uma ocasião especial em decorrência dos eventos que estavam

acontecendo no hospital durante a semana em comemoração ao dia do psicólogo. Assim, as

contingências favoreceram para que a visita se torna-se ainda mais rica, pois nesse dia

tivemos estagiários que compartilharam com as pessoas que ali estavam sobre como é a

experiência de estagiar no hospital, ressaltando que todos os aprendizados que obtiveram

foram extremamente ricos e significativos para suas carreiras enquanto profissionais. Outro

fato importante foi a apresentação dos resultados de uma pesquisa realizada no HJM por

estudantes de psicologia através do CNPq e a Fiocruz. Essa pesquisa teve como objetivo

mapear a distribuição espacial dos pacientes, ou seja, descobrir qual a origem dos pacientes

que utilizam aquele espaço e assim obter um diagnóstico da saúde mental na Bahia.

Ainda sobre dados da pesquisa, constituem aspectos importantes do hospital as seguintes

informações: a quantidade de atendimentos realizados no Seta: psiquiatra – 90, 35% e

psicólogo – 35, 40%; os quadros clínicos mais freqüentes foram de agitação, insônia,

depressão, mania, ansiedade; o motivo do internamento: demanda de terceiros – 46, 78% e

espontânea: 29,70%, transferido de outra unidade: 14, 11%, encaminhado por Samu: 4, 95%.

Esses dados, dentre outras questões, nos permite concluir o quanto é discrepante a quantidade

de atendimentos realizados por psicólogos e psiquiatras, levando-nos a pensar nas bases em

que um hospital psiquiátrico está fundamentado.

O hospital parecia muito organizado, com profissionais muito bem qualificados e pode-se até

arriscar em dizer que, a primeira vista, é um bonito e atraente local. Essas impressões deixam

escapar a essência daquele lugar e o que ele representa para aqueles que de fato vivem

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naquele espaço, ou seja, um local em que o ócio reina, e por mais dinâmicos que sejam os

profissionais, não podemos negligenciar o sofrimento de quem vive internado, separado dos

familiares entregues ao nada, enfim, sem uma construção subjetiva.

O hospital psiquiátrico, por fim, possui intrínseco a si, por mais que adornos sejam colocados,

a marca de uma instituição que surge para separar, excluir e oprimir. Um espaço em que a

aparente beleza não deixa escapar a angustia expressa nos olhos dos internos, e que anseiam

por modos mais humanitários de tratamento, as quais valorizem o sujeito, a sua singularidade

e o seu modo diferente de está no mundo.

Consultório de Rua

A apresentação realizada sobre o que é o Consultório de Rua feita por Adriana, cientista

social e Amanda, enfermeira, foi bastante significativa no que diz respeito a entender, de fato,

como trabalhos desafiadores como esse funcionam, e quais são os principais desafios e metas.

A proposta do projeto surge com Nery, que a princípio tinha como objetivo levar saúde para

as pessoas que moram na rua, através de conversas realizadas com crianças na rua, no bairro

da Piedade. A partir daí nasceu o Consultório de Rua, tendo na coordenação uma psicóloga do

CETAD. Assim, o projeto desenvolveu-se com a preocupação em oferecer informação e

insumo; reduzir os danos para aqueles que vivem na rua e possuem a droga, muitas vezes,

como um alívio para o sofrimento que se encontram; e abordar assuntos relacionados à droga,

como o objetivo de esclarecer muitas questões referentes ela.

Para escolher o local de atuação são levados em conta alguns critérios: A receptividade das

pessoas daquele local, o espaço físico e a centralização do público o qual se quer atingir.

Assim, são distribuídos preservativos, encaminhamentos de saúde e para a assistência social

são realizados, são feitos atendimentos individuais e atividades de caráter informativo. A

equipe é composta por: agente de saúde, cientista social, psicólogo, assistente social, educador

social e capoeirista.

A idéia do Consultório de Rua está estritamente ligada ao conceito de clínica ampliada, onde

existe um compromisso com sujeito e o indivíduo é visto de maneira singular, com

responsabilidade, aliado à ajuda de outros setores, buscando a intersetorialidade,

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reconhecendo os limites de cada profissional. Escutar essa pessoa, fazer com que ela

reconstrua os motivos que a fizeram adoecer, e assim, não ser meramente passiva no seu

tratamento, porque isso tem uma grande importância no sujeito.

O projeto, por fim, constitui uma forma bastante singular e inovadora em lhe dar com casos e

situações que não podem ser enquadrados dentro de uma clínica tradicional e modelos de

tratamento tradicionais. Aqui é preciso enxergar o outro e tratá-lo dentro da sua própria

realidade, o que exige inovação e abertura, pois são pressupostos essenciais para atender a

demanda especifica de cada caso.

CAPS AD – Pernambués

O Centro de Atenção Psicossocial Social de Álcool e outras Drogas de Pernambués possuem

uma boa estrutura física e é serviço para pessoas que apresentam transtornos provocados por

conta do abuso de álcool e outras drogas, tendo em sua história o fato de ser o primeiro CAPS

AD de Capital baiana. Possui uma equipe formada por: Secretária, Gerente, Assistente Social,

Psicopedagoga, Técnico Administrativo, Psicólogo, Terapeuta Ocupacional, Farmacêutica,

Coordenadora, Enfermeira, Médico Psiquiatra e Educador Físico.

O CAPS AD realiza projetos terapêuticos individualizados e grupais, respeitando a

individualidade e singularidade dos seus usuários, tem como foco do seu trabalho o sujeito e

não a droga, oferece um espaço com oficinas e valorização da arte, além de proporcionar

suporte e tratamento á família. Nesse sentido, o espaço está envolto de fotografias as quais

expressam aos que chegam ser aquele ambiente um lugar em que a singularidade é respeitada.

O contato com alguns usuários mostrou o quão importante é para eles aquele lugar e quão

carregado de significações ele está, no sentido de ter proporcionado uma nova forma de vida a

eles.

Esse serviço substitutivo de manicômio representa um avanço no trato com o humano e com a

dignidade deste. Ainda que as dificuldades e desafios não possibilitem um serviço melhor, o

CAPS, de fato, realiza um trabalho essencialmente diferente dos realizados em hospitais

psiquiátricos. No entanto, esse último faz-se ainda necessário devido a alguns impasses de

cunho político e conquistas sociais. Nesse CAPS, por exemplo, as pessoas que, por ventura,

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passaram por crises longas tiveram que ser encaminhadas para hospitais psiquiátricos, porém,

existindo um CAPS III, não haveria na necessidade de tal medida, como foi colocado pela

psicóloga presente.

O CAPS AD – Pernambués, por fim, representa um exemplo, mesmo que ainda tenha

dificuldades a enfrentar, pois possui uma equipe completamente engajada e responsável com

o trabalham que realizam. Onde o sujeito possui autonomia e é altamente respeitado.

Visita de Raimundo à Faculdade Social

Raimundo, egresso de hospital psiquiátrico e crítico ferrenho deste, em visita a Faculdade

Social expôs a sua história de vida e os caminhos por onde passou, seus sofrimentos e

angustias diante de um sistema psiquiátrico opressor e desumano.

Por todos os hospitais psiquiátricos por onde passou Raimundo relata sofrimento e

indignação. O fato e ter começado a ter contato ainda muito jovem com locais desse tipo

fizeram com que ele sentisse a amargura do que é ser maltratado e visto como um animal. Ao

relatar como foi construindo a sua singularidade, Raimundo fala dos tempos em que nem ele

mesmo se via como sujeito. Aqui podemos ver os efeitos produzidos numa pessoa que

possuiu uma vida dentro de sistemas tão desumanos como estes, os quais querem “curar”

incansavelmente uma “loucura” e nesse caminho o limiar de respeito ao ser humano é

ultrapassado.

A partir desses problemas trazidos por Raimundo há de se pensar a necessidade de dar forças

a serviços que neguem essa forma de tratar a pessoa com transtorno mental. E é nesse sentido,

que novas estratégias e modelos substitutivos foram e estão sendo implementados. A exemplo

de avanços temos os variados tipos de CAPS’s, CETAD, Consultório de Rua, enfim, vários

seguimentos que procuram fazer uma abordagem mais humana, fazendo uso da

interdisciplinaridade, intersetorialidade e da clínica ampliada, ou seja, uma abordagem que

contemple a complexidade inerente ao ser humano.

Ao pensar na possibilidade de voltar para um manicômio, Raimundo diz: “Se tivesse que

voltar, preferiria morrer. No Juliano Moreira eu era um esquizofrênico, no CAPS eu sou

Raimundo”, e complementa dizendo que por mais ruim, por mais dificuldade que possua

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qualquer CAPS, ele é ainda mil vezes melhor do que um manicômio. Nesse sentido, vemos a

necessidade do pronunciamento daquele que se manteve durante muito tempo calado: o

usuário, e assim é o usuário quem vai dizer sobre as práticas feitas para ele e não uma

imposição colocada de cima para baixo. Por fim, está no diálogo com o usuário a chave para

novas práticas que contemplem novos sujeitos.

HCT

O Hospital Custódia ou Manicômio Judiciário como é conhecido, possui dois modos de

ingressos: um é para cumprir pena, processo já determinado pelo juiz e o outro é para se fazer

avaliação do réu, ou seja, se o transtorno que diz possuir tem influencia no crime que

cometeu. Dessa forma, o indivíduo entra e sai via justiça. Apresenta uma estrutura física

similar a de uma detenção, as instalações visam manter o local seguro contra tentativas de

fuga. A equipe é composta por quatro psiquiatras, um ortopedista, quatro psicólogos e um

estagiário de psicologia. Possui 140 internos.

O local possui 140 internos e é dividido em alas: na ala A estão os idosos e os crônicos

patológicos, a B é a ala feminina, nas alas C e D estão os internos de padrão grave e na E

estão os usuários de drogas. As alas são todas bem parecidas e sem muitos utensílios, algo

bem seco e sem expressão.

O dia em que aconteceu a visita foi um dia de “banho de sol” e de visitação. Assim, nos

possibilitou ter uma olhar mais apurado do ambiente, pois percebemos as relações dos

internos entre eles mesmos e de alguns com seus familiares. A relação entre o interno e a sua

família é algo em que, pelo que pudemos perceber, não há espaços para muitas conversas, o

silêncio é bastante significativo, a presença já significa muita coisa.

Como colocou o psiquiatra Rodrigo Azevedo, a relação ali não é parecida com a relação de

médico e paciente como em outros lugares, ali o psiquiatra é “os olhos e os ouvidos do juiz”,

palavras usadas por ele, e portanto não se trata de uma relação entre muito harmoniosa, mas

sim uma relação em que o psiquiatra é muitas vezes um interrogador. Já o trabalho dos

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psicólogos consiste fazer uma terapia em grupo, oferecer um suporto, um apoio e alguns mais

audaciosos, em meio a falta de estrutura, conseguem fazer terapia individual.

Ao sairmos do estabelecimento um interno que nos via disse: “ao invés de conversas com

psiquiatras e pessoa que representam o estereótipo da psicologia, vocês ganhariam mais se

viessem conversar comigo que sou um ‘protótipo in natura da psicologia lúcida’”, palavras

dele. Essa provocação foi bastante “interessante” e nos faz pensar sobre o papel que todos

esses profissionais estão cumprindo dentro de hospitais desse tipo, onde o interno possui um

tratamento bastante precário e os rumores da reforma psiquiátrica passam longe.

Considerações Finais

As visitas institucionais realizadas nos deram um “banho de realidade”, mostraram como de

fato as instituições funcionam. A saída da teoria e o caminho para a prática foi de um valor

incomensurável. Todos os mínimos detalhes percebidos e a experiência foram altamente

enriquecedores, pois proporcionaram um “alargamento na visão”, nos colocando frente a

frente com problemas os quais só ouvíamos falar, e outros os quais nunca haviam sido

citados. No entanto, as experiências não se restringiram a meramente problemas, ver na

prática que os modelos substitutivos propostos pela reforma psiquiatra e pela luta anti-

manicomial têm dado frutos, e bons frutos, foi muito gratificante, fazendo-se necessário a

formação de profissionais que tanto dêem continuidade a esses projetos como inovem e

acrescentem novas descobertas.

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Referências

FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1977.

FREYZE-PEREIRA, João. O que é Loucura. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 2002 – (Coleção primeiros passos; 73)

AMARANTE, P. Saúde Mental, Desinstitucionalização e Novas Estratégias de Cuidado. In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil: Fiocruz, 2008. p. 547-574.