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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.650 - PE (2008/0069469-0) RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON RECORRENTE : UNIÃO RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA PROCURADOR : VALDEZ ADRIANI FARIAS E OUTRO(S) RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INTERES. : FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI ADVOGADO : RICARDO RAMOS COUTINHO E OUTRO(S) EMENTA PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS - POSSEIROS DE BOA-FÉ - INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE PELO REPOSSEAMENTO - LIMITES DA LIDE - JULGAMENTO ULTRAPETITA - ACÓRDÃO - NULIDADE - NÃO-OCORRÊNCIA - FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL - SÚMULA 126/STJ - DISSÍDIO INTERPRETATIVO - NÃO-CONHECIMENTO - INCRA - RESPONSABILIDADE PELO ASSENTAMENTO DE POSSEIROS EM ÁREAS DE RESERVA INDÍGENA. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Ausente a interposição de recurso extraordinário em relação ao(s) fundamento(s) constitucional(is) suficiente(s) para manter o acórdão recorrido não se conhece do recurso especial, dada a ausência de interesse recursal . 3. A inexistência de cotejo analítico e da indicação de acórdão(s) paradigma(s) impedem o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial. 4. O INCRA é o responsável pelo assentamento de posseiros que ocupam irregularmente área de terra indígena, cumprindo-lhe zelar pela aplicação da legislação fundiária somente concedendo o título da terra aos ocupantes que satisfaçam os requisitos previstos nos arts. 19 e 20 da Lei 8.629/93. 5. Recurso especial da União conhecido em parte e, nessa parte, não provido. 6. Recurso especial do INCRA não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do INCRA e conheceu em parte do recurso da União e, nessa parte, negou provimento , nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília-DF, 1º de setembro de 2009(Data do Julgamento) MINISTRA ELIANA CALMON Relatora Documento: 908315 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/09/2009 Página 1 de 9

Relatorio do processo Territorial Pankararu 03

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Esse documento é um relatorio do processo Territorial do povo Pankararu. parte 03

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.650 - PE (2008/0069469-0)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMONRECORRENTE : UNIÃO RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA

AGRÁRIA - INCRA PROCURADOR : VALDEZ ADRIANI FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INTERES. : FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI ADVOGADO : RICARDO RAMOS COUTINHO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS - POSSEIROS DE BOA-FÉ - INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE PELO REPOSSEAMENTO - LIMITES DA LIDE - JULGAMENTO ULTRAPETITA - ACÓRDÃO - NULIDADE - NÃO-OCORRÊNCIA - FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL - SÚMULA 126/STJ - DISSÍDIO INTERPRETATIVO - NÃO-CONHECIMENTO - INCRA - RESPONSABILIDADE PELO ASSENTAMENTO DE POSSEIROS EM ÁREAS DE RESERVA INDÍGENA.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. Ausente a interposição de recurso extraordinário em relação ao(s) fundamento(s) constitucional(is) suficiente(s) para manter o acórdão recorrido não se conhece do recurso especial, dada a ausência de interesse recursal .

3. A inexistência de cotejo analítico e da indicação de acórdão(s) paradigma(s) impedem o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial.

4. O INCRA é o responsável pelo assentamento de posseiros que ocupam irregularmente área de terra indígena, cumprindo-lhe zelar pela aplicação da legislação fundiária somente concedendo o título da terra aos ocupantes que satisfaçam os requisitos previstos nos arts. 19 e 20 da Lei 8.629/93.

5. Recurso especial da União conhecido em parte e, nessa parte, não provido.6. Recurso especial do INCRA não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do INCRA e conheceu em parte do recurso da União e, nessa parte, negou provimento , nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília-DF, 1º de setembro de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.650 - PE (2008/0069469-0) RECORRENTE : UNIÃO RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA

AGRÁRIA - INCRA PROCURADOR : VALDEZ ADRIANI FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INTERES. : FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI ADVOGADO : RICARDO RAMOS COUTINHO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Cuida-se de recursos

especiais interpostos pela União e pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA,

respectivamente com fundamento nas alíneas "a" e "c" e "a" do permissivo constitucional

contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª. Região assim ementado:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DESOCUPAÇÃO DA ÁREA INDÍGENA PANKARARU. LEGITIMIDADE DA FUNAI, DO INCRA E DA UNIÃO PARA FIGURAREM NO POLO PASSIVO DA AÇÃO. REASSENTAMENTO DOS POSSEIROS. RESPONSABILIDADE DO INCRA. INDENIZAÇÃO DOS POSSEIROS DE BOA-FÉ. ARTIGO 231, § 6º DA CF/88.

I. A reserva indígena Pankararu deverá ser desocupada dos “não índios” pela FUNAI e União, cabendo ao INCRA reassentar os posseiros obrigados a sair da área.

II. Tratando-se de área indígena, a União e a FUNAI são solidariamente responsáveis pela proteção destas, conforme artigos 20, XI e 231 da Carta Magna.

III. É incontestável a responsabilidade do INCRA em promover o assentamento dos posseiros que deverão desocupar a área indígena por força da sentença. Lei 6.969/81 e Decreto 1.775/96.

IV. Não há julgamento extra-petita na condenação à indenização dos posseiros de boa-fé, pois esta fundamenta-se na Constituição Federal, artigo 231, § 6º. É de se aplicar também ao posseiro de boa-fé, por extensão, o disposto na Lei Civil, artigos 1.201 e 1.219.

V. Apelações improvidas. (fl. 728)

Opostos embargos de declaração pela União (fls. 699/703), restaram não

providos (fls. 723/729).

No recurso especial da União aponta-se violação dos arts. 165, 293, 458, 460 e

475-E (antigo 608), do CPC e ao art. 1º, I, II e VII da Lei 5.371/67, consoante os seguintes

fundamentos:

a) é nula a prestação jurisdicional desde a decisão do magistrado de primeiro

grau que, por despacho, refutou embargos de declaração opostos pela recorrente no intuito de

ver adequado os limites objetivos da lide, ferindo o art. 535, I, do CPC;

b) a União não tem nenhum tipo de atribuição, dever ou obrigação legal de

expulsar os posseiros existentes nas terras indígenas, na medida em que a pessoa jurídica de Documento: 908315 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/09/2009 Página 2 de 9

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direito público responsável pelo poder de polícia para tal finalidade é a FUNAI (Fundação

Nacional do Índio), detentora do dever de garantir a posse permanente das terras que os

índios habitam e o usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas

existentes (cf. art. 1º da Lei 5.371/67)

c) não constou de pedido expresso na inicial a condenação da União em

indenizar os posseiros, de boa ou má-fé; apenas que fosse condenada à obrigação de fazer,

consistente na retirada imediata dos que ilegalmente estavam ocupando a área indígena

Pankararu, o que caracteriza julgamento fora do pedido pela sentença, ratificada pelo Tribunal

regional; e

d) mantendo-se a condenação na indenização aos posseiros, é mister que os

cálculos se façam por artigos, tendo em vista ser evidente que se precisa provar fato novo,

quais sejam a determinação exata das benfeitoriais realizadas de boa-fé e suas respectivas

avaliações, além do período em que foram feitas pelos posseiros. (fls. 732/743)

Às fls. 757/763, recorre o INCRA aduzindo a violação dos arts. 267, VI e 301,

X, do CPC e os arts. 4º do Decreto 1.775/96 e 3º da Lei 6969/81, com base nas seguintes

razões:

e) houve negativa de vigência do art. 3º da Lei 6969/81 pelo acórdão recorrido,

na medida em que criou preferência não contida na legislação específica (art. 17 da Lei

8.629/93 e art. 4º do Decreto 1.775/96);

f) o assentamento de trabalhadores rurais sem terra constitui a própria

atividade da recorrente, é a sua finalidade institucional, e só deve ocorrer com toda a

"clientela de trabalhadores rurais" concorrendo em condições de classificação ; e

g) não lhe assiste responsabilidade em reassentar não-índios ocupantes de

terras indígenas.

O autor, Ministério Público federal, anuiu à irresignação da União por também

entender pela existência de julgamento ultrapetita (fls. 746/747).

Ambos os recursos foram admitidos (fls. 776/778).

Nos termos do art. 64, XII, do RSTJ determinei a oitiva do Representante do

Ministério Público Federal, que se manifestou às fls. 788/795.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.650 - PE (2008/0069469-0) RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMONRECORRENTE : UNIÃO RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA

AGRÁRIA - INCRA PROCURADOR : VALDEZ ADRIANI FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INTERES. : FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI ADVOGADO : RICARDO RAMOS COUTINHO E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): - Colho do

acórdão a matéria fática objeto da irresignação:

A presente ação foi movida pelo Ministério Público em 1992, com a finalidade de retirar da área indígena de Pankararu, localizada nos municípios de Petrolândia e Tacaratu, todos os ocupantes não índios. O decreto 94.603, de 14 de julho de 1987 homologou a demarcação da área.

Há notícia nos autos de seguidas representações da Promotoria de Petrolândia, dando conta dos posseiros que invadiam a área com ameaças. Foi pedida liminar para imediata retirada de todos os ocupantes, concedida pelo Juiz Federal Petrônio Maranhão Gomes de Sá, em 11/05/1993. Entretanto, o juiz da Comarca de Petrolândia solicitou força pública federal e transporte para as pessoas que seriam retiradas, sem o qual não poderia cumprir a decisão. Em posterior ofício, o juízo de Direito de Petrolândia informa das dificuldades em atender a ordem judicial exarada.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 113, informando haverem 27 famílias consideradas posseiros de boa-fé. Requereu que fosse realizada inspeção judicial para ser constatada in loco a situação fática, a suspensão do cumprimento da medida liminar até a realização da inspeção e ainda que fosse solicitado aos Cartórios de Registro de Imóveis de Tacaratu e Petrolândia, para informarem a existência de imóveis urbanos ou rurais em nome dos posseiros.

As providencias solicitadas foram encaminhadas e as contestações apresentadas.

Em despacho de fls. 493/494, o MM. juiz a quo entendeu que a competência para o feito seria do juízo da Comarca de Petrolândia, determinando a remessa dos autos para aquele. A FUNAI interpôs agravo da decisão, que foi provido pelo TRF em outubro de 1995, permanecendo o feito a tramitar na Justiça Federal.

(...)A MM. juíza a quo, em sentença prolatada em setembro de 2003, condenou a

FUNAI a identificar os posseiros não índios ocupantes da área indígena de Pankararu, bem como averiguar dentre estes, aqueles que de boa-fé e quais benfeitorias realizaram na área.

Condenou a União a indenizar as benfeitorias dos posseiros de boa-fé. Por fim, condenou o INCRA a proceder ao reassentamento dos aludidos posseiros não índios, de boa-fé ou não, que forem, por força da sentença, obrigados a desocupar a área.

O cerne do litígio consiste em identificar a responsabilidade pelo

reassentamento de não-índios que ocuparam terras indígenas, bem como a responsabilidade

pelo pagamento de indenização pelas benfeitorias que lá realizaram e se são devidas, ao

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menos no caso dos autos, nos quais se alega que tal item não constou do pedido expresso na

inicial. Necessário, porém, preliminarmente, analisar se houve violação aos arts. 165, 458 e

535, I, do CPC e se há necessidade de liquidação da condenação por artigos.

Não vislumbro nulidade na prestação jurisdicional.

Embora não seja a técnica mais adequada, o julgamento de embargos de

declaração por despacho não implica necessariamente em nulidade quando não se presta a

integrar a sentença embargada ou quando não há ofensa ao princípio do juiz natural, ou seja, o

julgamento é realizado pelo mesmo órgão prolator da decisão embargada.

Não vislumbro, outrossim, nulidade do acórdão por omissão na prestação

jurisdicional. O aresto, embora sucinto, é exaustivo na indicação de suas razões de decidir,

podendo-se dele depreender todas as premissas fáticas e jurídicas que foram utilizadas na

confecção da solução jurídica:

i) aplicou a instrumentalidade das formas processuais para refutar a alegação

de nulidade formal da decisão que julgou os embargos de declaração;

ii) capitulou na Constituição Federal, arts. 20, XI e 231, § 1º a responsabilidade

da União pela proteção e preservação de áreas indígenas;

iii) entendeu que a indenização por benfeitorias é pedido implícito nas ações

possessórias, sendo prescindível formular pedido expresso na inicial;

iv) reconheceu a legitimidade do INCRA para assentar os ocupantes

não-índios; e

v) no julgamento dos embargos de declaração, afirmou que a forma de

liquidação (por artigos) se trata de matéria que deve ser analisada pelo juízo da execução.

No mais quanto ao pedido para ser excluída a condenação imposta pela

sentença e ratificada pelo acórdão, observo que o acórdão recorrido baseou sua

fundamentação em argumentos constitucionais (arts. 20, XI e 231, § 6º, da CF/88) e

infraconstitucionais (arts. 1201 e 1219 do CC e por reconhecer a natureza possessória,

dúplice, da demanda), mas a União somente interpôs recurso especial, atraindo a aplicação da

Súmula 126 desta Corte, que dispõe:

É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si so, para mante-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.

Merece relevo o fato de não ter sido atacado o acórdão pelo recurso

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constitucional, dando ensejo à abertura da instância, porque há séria dúvida quanto à

legitimidade processual do parquet para, em processo em que se discute a retirada de

posseiros de terras indígenas, pleitear a condenação patrimonial da União em favor dos

invasores, sem falar que o acórdão foi expresso em indicar a fonte normativa da qual extraiu o

dever de indenizar.

Ressalte-se ter o próprio autor da demanda, em sua manifestação de fls.

679/704 e fls. 746/747, aderido à irresignação da recorrente por haver, de fato, reconhecido a

inexistência de pedido nesse sentido na exordial.

Quanto à divergência, a recorrente não obedeceu aos ditames regimentais ao

não indicar acórdãos paradigmas ou realizar o devido cotejo analítico, na forma do art. 541 do

CPC e art. 255 do RSTJ.

Por isso, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe

provimento.

Também o recurso do INCRA não merece provimento.

Alega-se que o art. 3º da Lei 6969/81 foi aplicado indevidamente, pois,

segundo o art. 17 da Lei 8.629/93, não possui competência para assentar que não é

trabalhador rural.

Dispõem os referidos artigos:

Art. 3º A usucapião especial não ocorrerá nas áreas indispensáveis à segurança nacional, nas terras habitadas por silvícolas, nem nas áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.

Art. 17. O assentamento de trabalhadores rurais deverá ser realizado em terras economicamente úteis, de preferência na região por eles habitada, observado o seguinte:

IV – integrarão a clientela de trabalhadores rurais para fins de assentamento em projetos de reforma agrária somente aqueles que satisfizerem os requisitos fixados para seleção e classificação, bem como as exigências contidas nos arts. 19, incisos I a V e seu parágrafo único, e 20 desta Lei;

Os requisitos para integrar a clientela de trabalhadores rurais são previstos nos

arts. 19 e 20 da Lei 8.629/93:

Art. 19. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente de estado civil, observada a seguinte ordem preferencial:

I – ao desapropriado, ficando-lhe assegurada a preferência para a parcela na qual se situe a sede do imóvel;

II – aos que trabalham no imóvel desapropriado como posseiros,

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assalariados, parceiros ou arrendatários;III – aos exproprietários de terra cuja propriedade de área total compreendida

entre um e quatro módulos fiscais tenha sido alienada para pagamento de débitos originados de operações de crédito rural ou perdida na condição de garantia de débitos da mesma origem;

IV – aos que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, em outros imóveis;

V – aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da propriedade familiar;

VI – aos agricultores cujas propriedades sejam, comprovadamente, insuficientes para o sustento próprio e o de sua família.

Parágrafo único. Na ordem de preferência de que trata este artigo, terão prioridade os chefes de família numerosa, cujos membros se proponham a exercer a atividade agrícola na área a ser distribuída.

Art. 20. Não poderá ser beneficiário da distribuição de terras, a que se refere esta lei, o proprietário rural, salvo nos casos dos incisos I, IV e V do artigo anterior, nem o que exercer função pública, autárquica ou em órgão paraestatal, ou o que se ache investido de atribuição parafiscal, ou quem já tenha sido contemplado anteriormente com parcelas em programa de reforma agrária.

O acórdão recorrido assim se manifestou:

Como pode ser observado dos dispositivos legais citados, é incontestável a responsabilidade do INCRA em promover o assentamento dos posseiros que deverão desocupar a área indígena por força da sentença, obviamente, como preceitua o final do artigo 4º supra referido, “observada a legislação pertinente”. (fl. 691)

Portanto, o argumento do INCRA de que não assenta pessoas que não sejam

trabalhadores rurais não tem pertinência na presente hipótese porque o aresto determinou

apenas sua responsabilidade pelo assentamento daqueles ocupantes que reunam os requisitos

previstos nos arts. 19 e 20 da Lei 8.629/93, ou seja, que obedeçam a legislação fundiária, sem

qualquer preferência quanto aos demais já integrantes da lista para assentamento, nos termos

do art. 18, § 7º, da Lei 8.629/93.

Na espécie, o ordenamento jurídico fundiário presume agricultares os

ocupantes de terras indígenas, embora estas não sofram desapropriação. Nesse sentido é a

exegese do art. 13 da Lei 8.629/93:

Art. 13. As terras rurais de domínio da União, dos Estados e dos Municípios

ficam destinadas, preferencialmente, à execução de planos de reforma agrária.Parágrafo único. Excetuando-se as reservas indígenas e os parques, somente

se admitirá a existência de imóveis rurais de propriedade pública, com objetivos diversos dos previstos neste artigo, se o poder público os explorar direta ou indiretamente para pesquisa, experimentação, demonstração e fomento de atividades relativas ao desenvolvimento da agricultura, pecuária, preservação ecológica, áreas de segurança, treinamento militar, educação de todo tipo, readequação social e defesa nacional.

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Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial do INCRA.

É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEGUNDA TURMA

Número Registro: 2008/0069469-0 REsp 1044650 / PE

Números Origem: 2004.05.00.024999-0 344734 9300027727

PAUTA: 01/09/2009 JULGADO: 01/09/2009

RelatoraExma. Sra. Ministra ELIANA CALMON

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA VASCONCELOS

SecretáriaBela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : UNIÃORECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA -

INCRAPROCURADOR : VALDEZ ADRIANI FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALINTERES. : FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAIADVOGADO : RICARDO RAMOS COUTINHO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Domínio Público - Terras Indígenas - Demarcação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do INCRA e conheceu em parte do recurso da União e, nessa parte, negou provimento , nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 01 de setembro de 2009

VALÉRIA ALVIM DUSISecretária

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