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PARECER N, DE 2016
Da COMISSO ESPECIAL DO
IMPEACHMENT, referente
admissibilidade da DEN n 1, de 2016 [DCR
no 1, de 2015, na origem] Denncia por
crime de responsabilidade, em desfavor da
Presidente da Repblica, Dilma Vana
Rousseff, por suposta abertura de crditos
suplementares por decretos presidenciais,
sem autorizao do Congresso Nacional
(Constituio Federal, art. 85, VI e art. 167,
V; e Lei n 1.079, de 1950, art.10, item 4 e
art. 11, item 2); e da contratao ilegal de
operaes de crdito (Lei n 1.079, de 1950,
art. 11, item 3).
RELATOR: Senador ANTONIO ANASTASIA
1. RELATRIO
Vem a esta Comisso Especial, para anlise, nos termos do art.
86 da Constituio Federal (CF), do art. 44 da Lei no 1.079, de 10 de abril de
1950, e dos arts. 377, I, e 380, I e II, do Regimento Interno do Senado
Federal, a Denncia (DEN) no 1, de 2016, que trata da Denncia por crime
de responsabilidade, em desfavor da Presidente da Repblica, Dilma Vana
Rousseff, por suposta abertura de crditos suplementares por decretos
presidenciais, sem autorizao do Congresso Nacional (Constituio
Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei n 1.079, de 1950, art.10, item 4 e
art. 11, item 2); e da contratao ilegal de operaes de crdito (Lei n
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Cabe a esta Comisso Especial analisar, neste momento, se
esto presentes os requisitos legais necessrios para a admissibilidade da
denncia e, assim, definir se a pea acusatria deve ou no ser objeto de
deliberao no mbito do Senado Federal (art. 49 da Lei no 1.079, de 1950).
A denncia foi originalmente recebida em 02.12.2015 pela
Presidncia da Cmara dos Deputados e autuada como Denncia por Crime
de Responsabilidade (DCR) n 1, de 2015. A Comisso Especial destinada a
dar parecer sobre a matria naquela Casa legislativa opinou, em 11/04/2016,
pela admissibilidade da acusao e pela consequente autorizao de
instaurao, pelo Senado Federal, do respectivo processo de crime de
responsabilidade.
O Plenrio da Cmara dos Deputados, em sesso deliberativa
extraordinria realizada em 17.04.2016, autorizou a instaurao de processo
contra a Presidente da Repblica por crime de responsabilidade, atendendo
aos requisitos constitucionais.
Aps leitura da matria no Plenrio do Senado Federal, no dia
19.04.2016, a presente Comisso Especial foi eleita no dia 25.04.2016 e
instalada no dia 26.04.2016 para examinar a denncia em epgrafe.
No dia 28.04.2016, esta Comisso Especial, a ttulo de
diligncias julgadas necessrias, ouviu os denunciantes, Miguel Reale Jnior
e Janana Conceio Paschoal. No dia 29.04.2016, foi ouvida a defesa da
denunciada, com a presena do Advogado-Geral da Unio, Jos Eduardo
Cardozo (atuando nos termos do art. 22 da Lei no 9.028, de 12 de abril de
1995), o Ministro de Estado da Fazenda, Nelson Barbosa, e a Ministra da
Agricultura e Pecuria, Ktia Abreu.
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Nos dias 02 e 03.05.2016, a Comisso ouviu especialistas
indicados por ambos os lados. No dia 02.05, o procurador do Ministrio
Pblico junto ao TCU, Jlio Marcelo de Oliveira, o presidente do Instituto
Internacional de Estudos de Direito do Estado, Fbio Medina Osrio, e o
professor da USP Jos Maurcio Conti, e, no dia 03.05, o professor da UFRJ
Geraldo Prado, o professor da Uerj Ricardo Lodi Ribeiro, e o advogado
Marcelo Lavenre.
O Senado Federal atua como rgo julgador no processo de
impeachment, responsvel por decidir sobre a ocorrncia ou no de crime
de responsabilidade por parte da Presidente da Repblica, e na primeira fase
desse processo analisa os aspectos formais da denncia com vistas ao seu
recebimento, tal como acontece no mbito judicirio, aplicando-se, no que
couber, o Cdigo de Processo Penal.
A Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, que define os crimes de
responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, no dispe
especificamente sobre o procedimento, uma vez que, pela Constituio de
1946, em vigor data de sua edio, cabia Cmara dos Deputados proceder
pronncia do Presidente da Repblica nos processos por crime de
responsabilidade. Ao Senado Federal cabia, to somente, o julgamento
propriamente dito.
Com o objetivo de adaptar aquele diploma legal Constituio
de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do processo e
julgamento do Presidente Fernando Collor por crime de responsabilidade,
em 1992, entendeu que o art. 45 da Lei n 1.079, de 1950 deveria ser aplicado
admissibilidade da denncia pelo Senado Federal. Este dispositivo trata da
admissibilidade de denncias por crime de responsabilidade dos Ministros
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do STF e do Procurador-Geral da Repblica, por esta Casa. o seguinte o
texto:
Art. 45. A comisso a que alude o artigo anterior, reunir-
se- dentro de 48 horas e, depois de eleger o seu presidente
e relator, emitir parecer no prazo de 10 dias sobre se a
denncia deve ser, ou no julgada objeto de deliberao.
Dentro desse perodo poder a comisso proceder s
diligncias que julgar necessrias.
Como se observa, o dispositivo bastante singelo, registrando
apenas o prazo para o procedimento e a possibilidade de os membros da
Comisso requerer diligncias, se julgarem necessrio. No h, vale
registrar, previso para defesa nessa primeira fase.
Assim, em relao admissibilidade ou recebimento da
denncia (expresso que utilizada pela Lei no 1.079, de 1950), cabe aplicar,
como norma subsidiria, o Cdigo de Processo Penal (CPP), por fora do
art. 38 da citada Lei n 1.079, de 1950, in verbis:
Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da
Repblica e dos Ministros de Estado, sero subsidirios
desta lei, naquilo em que lhes forem aplicveis, assim os
regimentos internos da Cmara dos Deputados e do Senado
Federal, como o Cdigo de Processo Penal.
No mbito do processo penal, o recebimento da denncia
tambm se d antes da resposta do acusado (arts. 396 e 406 do CPP). S
depois do recebimento da pea acusatria que se forma o processo
propriamente dito, estabelecendo-se a composio triangular (juiz-acusador-
acusado) para julgamento. Esse momento se d, no processo de
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impeachment, aps a admisso da denncia na primeira votao em Plenrio
do Senado Federal (arts. 46 a 49 da Lei no 1.079, de 1950).
Nesta primeira fase, portanto, deve-se verificar apenas se esto
presentes os requisitos legais, sem entrar no mrito. Com base nessa anlise,
o julgador decide se recebe a denncia, dando prosseguimento ao feito, ou
se a rejeita.
No estando presente qualquer das hipteses de rejeio da
denncia, o julgador deve receb-la. Nesses termos, a anlise inicial deve
ser, a princpio, formal. o recebimento que d incio efetivo ao processo
acusatrio, aps o qual o julgador cita o ru para responder as imputaes.
Esse o ato que inaugura a segunda fase do processo de impeachment (art.
49 da Lei no 1.079, de 1950). A partir da segue a primeira instruo, perante
esta Comisso Especial.
Com efeito, as anlises seguintes limitam-se ao reconhecimento
ou no de indcios suficientes para a caracterizao da justa causa do
prosseguimento do impeachment, nada mais.
2. ANLISE
2.1. O instituto do impeachment
O impeachment surgiu, segundo registram os
estudiosos da matria, na Inglaterra, no sculo XIV1. Visava a punir
criminalmente os Ministros do Rei, uma vez que o prprio monarca era
considerado em si mesmo impassvel de qualquer espcie de sano.
H registros de que o Parlamento Ingls, em 1376,
se valeu do instituto para condenar William Latimer, por acusaes de
corrupo e opresso2. Foi este o primeiro caso em que as casas do
Parlamento racionalizaram o impeachment, convertendo-o em processo e
1 VAN TASSEL, EMILY FIELD & FINKELMAN, PAUL. IMPEACHABLE OFFENSES. A
Documentary History from 1787 to the Present. Washington: Congressional Quarterly. p. 17. 2 Idem Ibidem.
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julgamento definitivos, tendo os Comuns como acusadores e os Lordes como
julgadores3.
Embora o instituto tenha cado em desuso na Gr-Bretanha
durante os sculos4, tendo os ingleses se valido com maior frequncia de um
mecanismo denominado Bill of Attainder5, o impeachment veio a ser
consagrado como instrumento de controle nos Estados Unidos, a partir da
promulgao da Constituio da Virgnia, editada em 1776, e da prpria
Constituio Americana, em 17876.
Como a Constituio Americana adotou como forma de
governo a repblica e como sistema de governo o presidencialismo, era
necessrio conceber um mecanismo de controle de conduta dos homens
pblicos que exercessem funes tanto no Executivo, quanto no Judicirio.
A opo constitucional foi de prever a possibilidade de remoo
por meio do mecanismo de impeachment. Para o Executivo, a previso
constitucional consta do artigo 2, seo 4:
O Presidente, o Vice-Presidente, e todos os agentes
polticos civis dos Estados Unidos sero afastados de suas
funes quando indiciados e condenados por traio,
suborno, ou outros delitos ou crimes graves 7.
Ao Senado foi atribuda a competncia de processar e julgar as
acusaes de impeachment. Quando o acusado for o Presidente, o Chief
Justice da Suprema Corte preside o julgamento, sendo necessrio o voto de
dois teros dos seus membros para a condenao (artigo 1, seo 3)8:
3 BARROS, Sergio Resende. Estudo sobre o Impeachment. Disponvel em
http://www.srbarros.com.br/pt/estudo-sobre-o-impeachment.cont. Acessado em 1.5.2016. 4 http://www.parliament.uk/siteinformation/glossary/impeachment/. 5 Bill of Attainder era um ato legislativo que declarava uma pessoa culpada de crime, sem julgamento. Foi
abolida no Reino Unido em 1870 e foi expressamente proibida nos Estados Unidos pela Constituio
Americana (Seo 9). 6 BARROS, Sergio Resende. ob. cit. 7 Traduo livre. Redao original: The President, Vice President and all civil Officers of the United States,
shall be removed from Office on Impeachment for, and Conviction of, Treason, Bribery, or other high
Crimes and Misdemeanors. 8 Traduo livre. Redao original: The Senate shall have the sole Power to try all Impeachments. When
sitting for that Purpose, they shall be on Oath or Affirmation. When the President of the United States is
tried, the Chief Justice shall preside: And no Person shall be convicted without the Concurrence of two
thirds of the Members present.
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O Senado exclusivamente deter o poder de julgar todas
as acusaes de Impeachment. Quando reunidos para esse
fim, os Senadores prestaro juramento ou compromisso. O
julgamento do Presidente dos Estados Unidos ser
presidido pelo Presidente da Suprema Corte: E nenhuma
pessoa ser condenada a no ser pelo voto de dois teros
dos membros presentes.
Cmara dos Representantes ficou atribuda a competncia
para indiciar os acusados9.
Mediante a leitura do preceito da Constituio Americana acima
reproduzido fica evidente que a previso de que os agentes pblicos podero
ser indiciados e condenados por traio, suborno, ou outros delitos ou
crimes graves , em sua parte final, de textura aberta e, por tal razo, pode
gerar controvrsias interpretativas.
Nem a linguagem da Constituio, tampouco os debates da
conveno constitucional contm uma definio conclusiva do que os
Fundadores dos Estados Unidos tinham em mente quando optaram pela
redao outros delitos ou crimes graves para o preceito constitucional10.
Alexander Hamilton, um dos membros da Conveno
Constitucional, no Federalist Papers n. 65, de 7 de maro de 1788, oferece
as melhores explicaes sobre o tema:
Uma Corte adequadamente constituda para julgar os
processos de impeachment um bem a ser desejado,
embora difcil de ser obtido num governo que
integralmente eleito. Os assuntos submetidos sua
9 Artigo 1, Seo 2. The House of Representatives shall choose their speaker and other officers; and shall
have the sole power of impeachment. 10 BROWN, H. Lowell. High Crimes and Misdemeanors in Presidential Impeachment. New York: Palgrave
Macmillan. P. 1. Lowell Brown aponta que "para os casos de traio, a Constituio trouxe definio no
Artico 3, Seo 3. Suborno, por outro lado, era um crime j bem delineado no common law e em leis. p.
2.
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jurisdio so as ofensas que decorrem de m-conduta
dos homens pblicos, ou, em outras palavras, do abuso
ou violao da confiana pblica. Eles so de uma
natureza que com propriedade peculiar pode ser
denominada POLTICA, pois esto relacionados
majoritariamente a danos cometidos imediatamente
contra a prpria sociedade. O processamento dessas
ofensas, por essa razo, raramente falhar em agitar
paixes de toda a comunidade, e em dividi-la entre partes
mais ou menos amigveis ou inimigas ao acusado11.
com base nas explicaes de Hamilton que Lowell Brown
conclui que:
luz do seu uso histrico, as expresses delitos e crimes
graves possuam um significado comum compreendido
pelos delegados [da Conveno Constitucional] que era
independente das palavras em si. Quando compreendidas
como parte de um debate mais amplo relacionado
natureza da presidncia em si, o que emerge desses debates
da conveno constitucional e das convenes estaduais de
ratificao [da Constituio] um entendimento de que ao
se adotar as expresses delitos e crimes graves como
fundamentos para o impeachment presidencial, o
presidente poderia ser removido por abuso dos poderes do
11 Traduo livre. Redao original: A well-constituted court for the trial of impeachments is an object not
more to be desired than difficult to be obtained in a government wholly elective. The subjects of its
jurisdiction are those offenses which proceed from the misconduct of public men, or, in other words, from
the abuse or violation of some public trust. They are of a nature which may with peculiar propriety be
denominated POLITICAL, as they relate chiefly to injuries done immediately to the society itself. The
prosecution of them, for this reason, will seldom fail to agitate the passions of the whole community, and
to divide it into parties more or less friendly or inimical to the accused.
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cargo e, daquela forma, a Repblica estaria protegida
das arbitrariedades de um monarca eleito e a ordem
constitucional seria preservada12.
Em concluso, o autor destaca que a viso de impeachment que
emergiu dos debates de ratificao [da Constituio] tanto nas assembleias
estaduais para anlise da proposta de texto constitucional quanto nos partidos
Federalista e Antifederalista, foi a de que o impeachment servia como o
mecanismo pelo qual o Legislativo poderia manter os outros poderes do
governo em cheque para no excederem a sua autoridade e por meio do qual
os agentes pblicos federais [...] poderiam ser responsabilizados e punidos
pela prtica de delitos13.
Porm, em virtude da natureza poltica que detm, o
impeachment no deve ser visto como uma duplicao do processo criminal.
Segundo Edwin Firmage e outros, o processo de impeachment no foi
designado para ser um processo criminal ou, num senso estritamente tcnico,
um julgamento criminal. Defender essa assertiva representaria dizer que o
agente teria um direito de propriedade irrevogvel frente ao cargo pblico.
Para os autores o impeachment um procedimento de pura
natureza poltica. No bem designado a punir um ofensor mas para proteger
o Estado contra graves delitos estatais. Ele no toca nem a pessoa, nem a sua
propriedade, mas simplesmente priva o acusado dos seus direitos
polticos14.
No cabe avanar na evoluo e aplicao histrica do instituto
no direito comparado algo que j foi muito bem exposto pelo Senador
Fernando Bezerra Coelho na 3 Reunio desta Comisso. No entanto,
12 BROWN, H. Lowell. p. 2. 13 Id. p. 34. 14 FIRMAGE, E. B., MANGRUM, R. C., & PENN, W.. (1975). Removal of the President: Resignation and
the Procedural Law of Impeachment. Duke Law Journal, 1023, 1030 (1974).
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reputamos importante situar especificamente no direito brasileiro a evoluo
do instituto.
No Imprio, o impeachment era um processo criminal destinado
a atingir os Ministros, mas no o Imperador (que, nos termos do art. 99 da
Constituio Imperial, no estava sujeito a responsabilidade alguma por
seus atos). Era previsto, naquela poca, como procedimento de natureza
criminal, regido pelo direito penal comum.
Com a Repblica, verificaram-se duas mudanas substanciais
na natureza do instituto: a) deixava ele de atingir apenas os Ministros para
poder ser dirigido ao Chefe de Governo e de Estado (Presidente da
Repblica); e b) tambm deixava o impeachment de constituir processo
criminal, julgado pelo Poder Judicirio, para se configurar em juzo poltico,
sob a responsabilidade do Poder Legislativo. Desde a Constituio de 1891,
portanto, o Brasil adotou, por assim dizer, a linhagem americana do
instituto do impeachment.
Em outras palavras: no impeachment, tal como aplicado nos
Estados Unidos da Amrica e no Brasil, conforme Paulo Brossard esclareceu
em sua obra clssica O Impeachment, no se apura seno a
responsabilidade poltica, atravs da destituio da autoridade e sua
eventual desqualificao para o exerccio de outro cargo (p. 37).
Justamente por isso, o STF, no julgamento do clebre Mandado
de Segurana (MS) n 21.564/DF (impetrado pelo ento Presidente Fernando
Collor), consignou os aspectos concernentes natureza marcadamente
poltica do instituto do impeachment, bem assim o carter poltico de sua
motivao e das prprias sanes que enseja e a natureza estritamente
poltico-administrativa desse instituto (conforme trechos do voto do
Ministro Celso de Mello).
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Em resumo, nas palavras da hoje Ministra do STF, professora
Crmen Lcia Antunes Rocha, a finalidade do impeachment a
concretizao do princpio da responsabilidade, sem a qual o prprio
princpio democrtico no existe, nem o governo honesto, que o direito
do povo, se mantm (Processo de responsabilidade do Presidente da
Repblica. Renncia do Presidente aps o recebimento da denncia pelo
Senado Federal. Ininterruptibilidade do processo. Eficcia da deciso
condenatria do Presidente renunciante, in A OAB e o Impeachment, p.
154-155).
2.2. Natureza jurdica dos crimes de responsabilidade
A defesa apresentada pela Senhora Presidente da Repblica
reconhece a natureza jurdica do crime de responsabilidade como infraes
poltico-administrativas (fl. 32, da defesa):
De incio, podemos afirmar que os crimes de
responsabilidade devem ser vistos como infraes
poltico-administrativas suscetveis de serem praticadas
por determinados agentes polticos em razo dos mandatos
que exercem ou dos cargos pblicos que ocupam, na
conformidade do estabelecido na Constituio e na
legislao especial que os disciplina.
Todavia, contraditoriamente, em diversas passagens, a defesa
pretende aplicar normas do regime jurdico penal ao caso. Da porque, faz-
se necessrio, desde j, apresentar os substratos doutrinrios e
jurisprudenciais que afastam a pretenso de equiparar os crimes de
responsabilidade e por conseguinte o regime jurdico prprio aos crimes
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regidos pelo Cdigo Penal e Processual Penal (este, como sabido, deve ser
aplicado apenas subsidiariamente, por fora do art. 38 da citada Lei n 1.079,
de 1950).
Pois bem. Muito j se discutiu sobre a natureza jurdica dos
crimes de responsabilidade, at mesmo em razo da equivocada
nomenclatura herdada do Imprio e repetida pelas Constituies
republicanas. Trata-se de questo essencial para o procedimento ora em
curso nesta Comisso, e no apenas para discusses acadmicas ou
doutrinrias.
O primeiro ponto a inadequao do nome jurdico: crimes de
responsabilidade. Tal expresso abrange tanto crimes funcionais como
determinadas infraes polticas.
Nos termos do art. 1 da Lei de Introduo ao Cdigo Penal
(Decreto-Lei n 3.914, de 9 de dezembro de 1941) considera-se crime a
infrao penal que a lei comina pena de recluso ou de deteno, quer
isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;
contraveno, a infrao penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
priso simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
[grifamos]
Inexiste sano caracterstica da infrao penal nos crimes de
responsabilidade. Tais crimes so mais condutas de responsabilidade
funcional do que mesmo crimes. No se apresentam dotados de ilicitude
penal especificamente, embora sejam atos ilcitos, contrrios ao direito, mas,
no necessariamente s normas penais em si.
Vrios pontos devem ser levados em considerao. No h bis
in idem na condenao por crime de responsabilidade e por crime comum no
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mesmo caso, em face da distinta natureza das sanes aplicveis. O art. 3
da Lei n 1.079, de 1950, determina que a imposio da pena referida no
artigo anterior [perda do cargo, com inabilitao, at cinco anos, para o
exerccio de qualquer funo pblica] no exclui o processo e julgamento
do acusado por crime comum, na justia ordinria, nos termos das leis de
processo penal.
To marcante a natureza poltica do instituto que se a
autoridade se desligar do cargo no se instaurar processo. Alm disso, da
deciso final, seja condenatria ou absolutria, no cabe recurso ao Poder
Judicirio que pretenda revisitar o mrito do julgamento.
No se pode exigir de um julgamento poltico a identidade de
questes tcnicas ou garantias prprias de um julgamento penal. O que se
julga no a pessoa, mas o desempenho da funo, a sua responsabilidade
administrativo-poltica.
Isso, contudo, no afasta o rito judicialiforme a que se referiu
o STF no julgamento do Caso Collor (MS n 21.564/DF), mesmo porque,
em se tratando de julgamento poltico e feito por rgo poltico, a garantia
do acusado est no respeito irrestrito s regras do devido processo legal.
Essa natureza jurdico-constitucional, e no penal, dos crimes
de responsabilidade foi detida e profundamente analisada no voto proferido
pelo Relator, Ministro Celso de Mello, no julgamento da Referenda Medida
Cautelar na Ao Direta de Inconstitucionalidade n 4.190/RJ, no Plenrio
do STF:
Parte expressiva da doutrina, ao examinar a natureza
jurdica do crime de responsabilidade, situa-o no plano
poltico-constitucional (PAULO BROSSARD, O
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Impeachment, p. 83, item n. 56, 3 ed., 1992, Saraiva;
THEMISTOCLES BRANDO CAVALCANTI, A
Constituio Federal Comentada, vol. II/274-279, 3 ed.,
1956, Konfino; CASTRO NUNES, Teoria e Prtica do
Poder Judicirio, vol. 1/40-41, item n. 2, 1943, Forense;
GILMAR FERREIRA MENDES, INOCNCIO
MRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET
BRANCO, Curso de Direito Constitucional, p. 968/969,
item n. 7.2, 4 ed., 2009, IDP/Saraiva; WALBER DE
MOURA AGRA, Curso de Direito Constitucional, p.
460/461, item 24.3.2, 4 Ed., 2008, Saraiva; DIRLEY DA
CUNHA JNIOR, Curso de Direito Constitucional, p.
935/939, item n. 3.6, 2 Ed., 2008, JusPodivm; SYLVIO
MOTTA e GUSTAVO BARCHET, Curso de Direito
Constitucional, p. 721/723, item n. 8.4, 2007, Elsevier,
v.g.).
H alguns autores, no entanto, como AURELINO LEAL
(Teoria e Prtica da Constituio Federal Brasileira,
Primeira Parte, p. 480, 1925), que qualificam o crime de
responsabilidade como instituto de direito criminal.
Por entender que a natureza jurdica do crime de
responsabilidade permite situ-lo no plano estritamente
poltico-constitucional, revestido de carter
evidentemente extrapenal, no posso deixar de atribuir, a
essa figura, a qualificao de ilcito poltico-
administrativo, desvestida, em conseqncia, de
conotao criminal [...]
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Com efeito, o crime comum e o crime de
responsabilidade so figuras jurdicas que exprimem
conceitos inconfundveis. O crime comum um aspecto
da ilicitude penal. O crime de responsabilidade refere-
se ilicitude poltico-administrativa. O legislador
constituinte utilizou a expresso crime comum,
significando ilcito penal, em oposio a crime de
responsabilidade, significando infrao poltico-
administrativa (STF, ADI 4190 MC-REF, Rel. Min.
Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 10/03/2010)
Nesse julgado, inclusive, o voto do Relator deixa claro que uma
coisa se atribuir Unio como faz a Corte a competncia para legislar
sobre crimes de responsabilidade; outra, distinta e que no pronunciada
pela Corte, muito ao contrrio seria reconhecer nesses crimes uma
caracterstica de infraes penais propriamente ditas. Igual o entendimento
do Ministro Carlos Ayres Britto (voto proferido na citada ADI n 4.190/RJ e
tambm, na qualidade de Relator, na ADI n 2962).
Reitere-se: o STF jamais reconheceu natureza de ilcito penal
aos crimes de responsabilidade, embora entenda ser competncia da Unio
defini-los, assim como seu processo. Essa concluso fica clarssima quando
analisamos o caso-lder da jurisprudncia da Corte sobre a competncia para
definir esses ilcitos. Na ADI-MC n 1628-8/SC, julgada em 30.06.1997, o
Relator, Ministro Nelson Jobim, reconhece a competncia federal sem,
contudo, adentrar na natureza jurdica dos crimes de responsabilidade.
No sentido, alis, de que os crimes de responsabilidade no
tm natureza criminal, colhem-se as lies de Srgio Vallado Ferraz, para
quem melhor seria denomin-los infraes constitucionais ou infraes
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poltico-administrativas, para lhes ressaltar o que so: atos que atentem
contra a Constituio, e cuja natureza jurdica de Direito Constitucional e,
portanto, impregnada de consideraes polticas, e no de Direito Penal em
sentido estrito (Curso de direito legislativo, p. 182).
No diferente a lio da Ministra Crmen Lcia Antunes
Rocha, ao reconhecer que "o objetivo do processo de impeachment poltico,
sua institucionalizao constitucional, seu processamento jurdico, mas no
penal". (ROCHA, Crmem Lcia Antunes. Processo de responsabilidade do
Presidente da Repblica. Renncia do Presidente aps o recebimento da
denncia pelo Senado Federal. Ininterruptibilidade do processo. Eficcia da
deciso condenatria do Presidente renunciante. In: OAB. A OAB e o
Impeachment. Braslia: Tipogresso, 1993, p. 156.)
Idntico o entendimento de Vidal Serrano Nunes Jnior e Luiz
Alberto David Arajo (Curso de Direito Constitucional, p. 365), Dirley da
Cunha Jnior (Curso de Direito Constitucional, p. 1040), Leo Van Holthe
(Direito Constitucional, p. 736), Alexandre de Moraes (Constituio do
Brasil Interpretada e Legislao Constitucional, p. 1263), Ren Ariel Dotti
(Curso de Direito Penal, p. 493), entre vrios outros doutrinadores de
renome. Na doutrina clssica, podemos citar as lies de Themstocles
Brando Cavalcanti (A Constituio Federal Comentada, vol. 2, p. 263),
Carlos Maximiliano (Comentrios Constituio Brasileira de 1946, p.
643), Paulo Brossard (O Impeachment, p. 76), Raul Chaves (Crimes de
Responsabilidade, p. 59), Jos Afonso da Silva (Curso de Direito
Constitucional Positivo, p. 548), Jos Cretella Jnior (Natureza Jurdica do
Impeachment no Brasil, in Revista dos Tribunais, n. 355, p. 20) e Miguel
Reale o pai (Impeachment conceito jurdico, in Revista dos Tribunais, n.
355, p. 67).
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Depreende-se, ento, conforme Lus Regis Prado e Diego Prezzi
Santos, a necessidade de se interpretar a infrao (crime) de
responsabilidade lanando mo de regras e tcnicas que lhe so afetas, sem
buscar trasladar regras, institutos e categorias inerentes a outros ramos
do ordenamento jurdico (Infrao (crime) de responsabilidade e
impeachment, p. 10).
Esse entendimento majoritrio na doutrina. E tambm no
nascedouro do instituto do impeachment como hoje o entendemos: os
Estados Unidos da Amrica (conferir Campell Black, Constitutional Law, p.
139, alm das lies clssicas de Alexis de Tocqueville, De La Democrati
em Amerique, vol. 1, p. 171).
Em resumo de todas essas lies doutrinrias e jurisprudenciais,
podemos fazer o registro das principais distines entre os crimes comuns e
os crimes de responsabilidade.
Os primeiros submetem-se ao regime de tipicidade fechada,
estrita, enquanto os crimes de responsabilidade so regidos por normas
tpicas abertas, como as constantes da Lei n 1.079, de 1950, e da prpria
Constituio. Os crimes comuns so punveis com recluso, deteno ou
multa, ao passo que as infraes de responsabilidade propriamente ditas tm
a pena de impeachment e de inabilitao para o exerccio de cargo ou funo
pblica por oito anos. Em terceiro lugar, os crimes comuns so de julgamento
exclusivo pelo Poder Judicirio, enquanto os crimes de responsabilidade so
julgados, em se tratando do Presidente da Repblica, por rgo poltico, o
Senado Federal, aps a autorizao poltica da Cmara dos Deputados.
Conquanto a diferenciao de regimes jurdicos seja, a nosso
ver, questo j pacificada, no se pretende, com isso, afastar princpios caros
ao Estado Democrtico de Direito, especificamente no mbito do Direito
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Sancionador. Afinal, no dizer de Fbio Medina Osrio, "o impeachment
um claro exemplo de responsabilidade poltica disciplinada num processo
jurdico, em que se asseguram direitos de defesa, contraditrio e
prerrogativas democrticas aos acusados, acusadores e julgadores".
(MEDINA OSRIO, Fbio. Teoria da improbidade administrativa: m
gesto pblica - corrupo - ineficincia. So Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 103.)
Exatamente por isso, a garantia do devido processo legal deve e
tem sido observada neste rito do impeachment, especialmente a partir da
considerao do cdigo de processo penal como fonte subsidiria desse
processo, alm de apontamentos doutrinrios e jurisprudenciais.
Por fim, oportuno lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal
LRF (Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000) dispe que as
ofensas aos seus dispositivos so passveis de responsabilizao por crime
de responsabilidade:
Art. 73. As infraes dos dispositivos desta Lei
Complementar sero punidas segundo o Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Cdigo Penal); a Lei
no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no201, de
27 de fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de
1992; e demais normas da legislao pertinente. [grifamos]
Improbidade administrativa e crimes de responsabilidade so
dois regimes de responsabilizao poltico-administrativa com a mesma
finalidade de punio, mas que se dirigem a agentes diferentes. O primeiro
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0201.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0201.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm
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o regime previsto no art. 37, 4 da CF e regulado pela Lei n 8.492, de 1992.
O segundo o regime fixado nos arts. 52, I e II, 85 e 102, I, c da CF e
disciplinado pela Lei n 1.079, de 1950. O primeiro pune agentes pblicos,
lato sensu; o segundo, exclusivamente agentes polticos.
Relevante, portanto, considerar tal aspecto, haja vista a
similitude das imputaes, e especialmente considerando que estamos numa
primeira fase do julgamento, qual seja, do recebimento da denncia,
oportunidade que est em pauta a justa causa para o processamento da
acusao.
2.3. Impeachment como mecanismo de controle horizontal da
prtica de crimes pela Presidncia da Repblica sem o risco de ruptura
institucional
A assertiva aduzida pela defesa de que o impeachment, tal qual
vem sendo processado, configuraria um golpe de Estado absolutamente
impertinente quando se examina a estrutura de controle entre os Poderes
(da seu carter horizontal e no hierrquico) dos crimes cometidos pelo
Presidente da Repblica, estabelecida pela Constituio de 1988.
Com efeito, nos termos do art. 86 da Carta da Repblica, o
julgamento de crimes cometidos pelo Presidente da Repblica se d ou pelo
Supremo Tribunal Federal, nas infraes penais comuns, ou pelo Senado
Federal, nos crimes de responsabilidade. Em ambos os casos, o
processamento dos crimes s possvel aps admitida a acusao por dois
teros da Cmara dos Deputados.
Pela redao do referido dispositivo, fcil constatar que o
impeachment se apresenta como um mecanismo de controle e represso de
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delitos presidenciais, tendo o constituinte optado pelo exerccio desse
controle, quer pelo Senado Federal, quer pelo Supremo Tribunal Federal, a
depender da natureza do crime cometido.
O impeachment, assim, nada mais do que um instrumento de
check and balance entre os Poderes, o qual tem por escopo apurar a
responsabilidade do Presidente da Repblica pelo cometimento de crimes de
responsabilidade. um instrumento de horizontal accountability.
E isso no sem razo.
Alguns importantes doutrinadores internacionais, como o
Professor da Universidade de Yale, Bruce Ackerman, apontam riscos ao
regime de checks and balances por conta do fortalecimento excessivo do
Poder Executivo. Na sua clssica obra The Decline and Fall of the
American Republic15, Ackerman foca nos riscos e perigos na emerso e
expanso de um regime presidencialista imperial.
Por tal razo que a necessidade de exerccio do controle
horizontal dos crimes presidenciais importantssima, pois somente assim
se assegura o cumprimento das leis e o fortalecimento das instituies, e se
evita abusos.
Nesse sentido, comungamos da afirmao da defesa (fl.3) de
que, com o advento do Estado Democrtico de Direito, o imprio absoluto
da lei e da vida democrtica passou a reger e iluminar a vida de todos os
brasileiros, fazendo-se necessrio reforar que tal ocorre sem exceo, isto
, submetendo especialmente os agentes polticos que manejam
prerrogativas pblicas adstritas finalidade cogente, qual seja, o interesse
pblico.
15 Ackerman, B. A., & Ebrary Academic Complete., 2010. The decline and fall of the American republic.
Cambridge, Mass.: Belknap Press of Harvard University Press.
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Logo, no h dvidas de que o impeachment um processo
jurdico-poltico que tem, por grande virtude, preservar o regime
democrtico e prevenir a ocorrncia de rupturas institucionais.
preciso deixar claro: o impeachment instrumento
excepcional de equilbrio e no instrumento de exceo. Supor que o sistema
presidencialista estaria em cheque pela ocorrncia do impedimento
defender um sistema de tal forma rgido e engessado que submeteria a
Repblica a arbitrariedades de um monarca eleito16.
Em outras palavras, o impeachment dialoga com a soberania
popular, mediante arranjo sbio entre as instncias polticas e jurdicas do
Pas.
Nesse cenrio, a alegao de que o presente impeachment um
golpe absolutamente descabida e desprovida de amparo ftico e legal. Pelo
contrrio, o impeachment justamente um mecanismo constitucional que
previne rupturas institucionais, repito.
Desse modo, desde j, merece contraponto a estratgia da defesa
de desqualificar o instituto do impeachment, o procedimento em curso, os
autores da denncia e os segmentos e parlamentares apoiadores da iniciativa,
associando-os, com alarde na esfera interna e internacional, s prticas
golpistas e quebra da ordem democrtica.
Na verdade, a prpria Senhora Presidente da Repblica que,
em discurso pessoal de defesa, em todas as tribunas institucionais, desde o
incio da tramitao do procedimento, vem propagando um discurso retrico
de desconstruo da legitimidade do impeachment que ora se relata.
No se trata, aqui, de contrastar o mandato da Senhora
Presidente da Repblica com ndices crticos de impopularidade; com o
sentimento de rejeio, latente ou explcito, que se alastra em redes sociais
16 BROWN, H. Lowell. p. 2.
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irosas ou moderadas; com eventuais condutas veiculadas em udios e
delaes; nem com quaisquer persecues por condutas que no se
relacionem ao exerccio do seu munus presidencial.
Igualmente, no se cuida de uma reviso da biografia da
mandatria da Nao, que a histria de cada qual se escreve com a pena da
verdade da prpria conscincia, que o discurso no (des)constri, que a mdia
no pode apropriar por inteiro, que a dimenso coletiva no capaz de
testemunhar.
Por outro lado, no se cuida, neste mister, de abonar a linha de
defesa da Senhora Chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratgia
retrica, a ela atribuir um salvo conduto para que transite pela histria como
a Senhora do bem, que paira alm da linha dos anjos.
Diz a defesa: No h argumentos falsos ou construes
jurdicas fraudulentas que sobrevivam marcha inexorvel do tempo e s
duras pginas da histria.
Aqui, no aduzirei inverdades, no admitirei construes
jurdicas fraudulentas. Empreenderei meus esforos na anlise da matria,
fiel ao princpio republicano, fiel a democracia, fiel ao Direito e ao mnus
poltico que me cabe. Participarei da Histria, certo, mas ela segue o seu
rumo, e, agora, nada posso fazer que no seja servir Nao, com grandeza
de esprito e responsabilidade que a misso exige.
Se foroso compreender a delimitao objetiva da imputao
que se submeter ao crivo jurdico para fins de configurao ftica e
subsuno matriz de tipicidade constitucional, impe-se, igualmente,
compreender a inafastvel dimenso poltica que, sem prejuzo daquela,
projeta-se a partir de um pano de fundo de tessitura complexa, de uma rede
de fatores, que, intra ou extra autos, conforma o chamado contexto do
julgamento, no cabendo aqui maiores consideraes a respeito, j que este
o substrato por excelncia da atuao parlamentar.
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Esses elementos esto nas ruas, em reiteradas e plurais
manifestaes, em diversificadas anlises internas e internacionais, em
diferenciadas mdias, em pesquisas de opinio, em anais do Congresso
Nacional, em indicadores sociais e econmicos, em rumorosos inquritos e
processos judiciais, em acalorados debates e no silncio da reflexo de cada
qual.
Se a poltica na democracia compartilha livremente este pano de
fundo contextual ou referencial, no se revela necessrio tematizar os
elementos do contexto, salvo os diretamente vertidos aos fatos objeto da
anlise no bojo deste processo de impeachment.
2.4. Descabimento das hipteses de rejeio da denncia
2.4.1. Ausncia de inpcia da denncia
Foram elencados os seguintes fatos, argumentos e documentos
relevantes para o recebimento da denncia pelo Senado Federal:
a) abertura de crditos suplementares por decretos no
numerados em valor superior a 95 bilhes de reais (fls. 109 e seguintes), em
razo do no cumprimento da meta fiscal Relatrio de Avaliao de
Receitas e Despesas Primrias do 5o Bimestre de 2014 do Tesouro Nacional
(fls. 295 e seguintes);
b) juntada dos decretos de 2015 mediante publicao no Dirio
Oficial da Unio, subscritos pela Presidente da Repblica e pelo Ministro de
Estado do Planejamento, Oramento e Gesto (fls. 169 e seguintes);
c) reduo do resultado das metas de supervit primrio pela Lei
no 13.053, de 15 de dezembro de 2014, alterando a Lei de Diretrizes
Oramentrias (LDO) de 2014 (Lei no 12.919, de 24 de dezembro de 2013).
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Reduo da meta em at 67 bilhes de reais Mensagem ao PLN no 36/2014
(que deu origem citada lei), EM no 00206/2014 MP, de 5 de novembro de
2014 (fl. 15);
d) conhecimento da denunciada, em perodo eleitoral, de que a
meta fiscal prevista na LDO de 2014 no vinha sendo cumprida e de que no
seria cumprida;
e) parecer do Procurador do Ministrio Pblico junto ao
Tribunal de Contas da Unio (TCU) (fls. 350 e seguintes) atestando a
irregularidade dos decretos de abertura de crditos oramentrios sem a
prvia autorizao legislativa do Congresso Nacional, em violao Lei
Oramentria, LRF e CF. Ofensa aos arts. 167, V, e 165, 8o da CF, ao
art. 9o da LRF e ao art. 4o da Lei Oramentria Anual (LOA Lei no 12.952,
de 20 de janeiro de 2014);
f) listagem dos decretos de 2015 que ampliaram os gastos da
Unio com recursos suplementares, com valores artificiais Representao
do Procurador junto ao TCU (fls. 373 e seguintes) e Mensagem ao Congresso
no PLN no 5, de 2015 (projeto de LDO para 2015) (fl. 19);
g) prtica considerada ilegal pelo TCU nos autos TC-
005.335/2015-9 (fl. 21);
h) prticas ilegais em 2014 e reiterao em 2015. Incurso da
denunciada nos crimes previstos no art. 10, itens 4 e 6, da Lei no 1.079, de
1950;
i) em relao ftica com os decretos de abertura de crditos
suplementares em 2015, operaes de crdito ilegais, constituindo prtica de
maquiagem contbil, dissimulativa da realidade das contas pblicas, nos
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termos dos autos TC-021.643/2014-8 (em julgamento no TCU) as
chamadas pedaladas fiscais (fls. 384 e seguintes);
j) no registro no rol dos passivos da Unio da Dvida Lquida
do Setor Pblico valores devidos pela Unio ao Banco do Brasil (relativos a
equalizao de juros e taxas de safra agrcola; crditos a receber do Tesouro
Nacional em razo de ttulos de crdito no contabilizados; passivos da
Unio junto ao Fundo de Garantia do Tempo de Servio FGTS em razo
do Programa Minha Casa, Minha Vida), ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) (relativos equalizao de
juros do Programa de Sustentao do Investimento PSI). Incorreta
apresentao dos clculos do resultado primrio das contas pblicas.
Operaes ilegais de crdito por meio da utilizao de recursos da Caixa
Econmica Federal para pagamentos no mbito do Programa Bolsa Famlia,
Seguro-Desemprego, Abono Salarial e FGTS, por meio da utilizao de
recursos do BNDES (Programa PSI). Pagamento de dvidas da Unio no
mbito do Programa Minha Casa, Minha Vida sem autorizao da Lei
Oramentria Anual (fls. 23 e 24);
k) operaes de crdito ilegais com o no repasse contnuo de
recursos a entidades do sistema financeiro nacional controladas pela prpria
Unio. O pagamento recorrente pelas entidades financeiras com recursos
prprios constitui abertura de crdito em favor da Unio, constituindo-se
modalidade de mtuo, em ofensa aos arts. 36 e 38 da LRF;
l) dvidas da Unio que deixaram de ser computadas alcanaram
mais de 40 bilhes de reais Representao do Procurador do Ministrio
Pblico junto ao TCU nos autos TC-021.643/2014-8 (fls. 350 e seguintes);
m) continuidade ftica no ano de 2015 Demonstraes
Contbeis do Banco do Brasil do 1o Trimestre de 2015 (fls. 496 e seguintes).
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As operaes de crdito ilegais se estenderam at junho de 2015 em relao
ao Plano Safra (Banco do Brasil);
n) incurso da denunciada nos crimes previstos no art. 11, itens
2 e 3, da Lei no 1.079, de 1950;
o) em face do exposto, a denncia acusa a Presidente da
Repblica de ao e omisso dolosas.
O Presidente da Cmara, ao examinar a denncia naquilo que
entendeu passvel de prosseguimento, verificou a existncia de concatenao
lgica e clara entre os fatos, bem como a juntada de documentos que buscam
comprovar o que narrado, indicao da autoria e classificao jurdica dos
crimes.
Nos termos do Parecer oferecido pela Comisso Especial
encarregada de examinar a DCR n 1, de 2015, aprovado pelo Plenrio da
Cmara dos Deputados, os atos supostamente cometidos pela Presidente da
Repblica que levariam ao enquadramento legal supracitado so os seguintes
(item 2.8 do referido Parecer):
1. decretos no numerados assinados pela Presidente da
Repblica e publicados entre 27 de julho e 20 de agosto de 2015;
2. repasses no realizados ou realizados com atrasos pelo
Tesouro Nacional ao Banco do Brasil, relativos equalizao de taxas de
juros referentes ao Plano Safra, no exerccio de 2015.
Dessa forma, um primeiro filtro foi feito quando do recebimento
poltico da denncia pela Cmara dos Deputados, cabendo ao Senado
Federal ater-se no ao inteiro teor da denncia original, mas ao que foi
autorizado pela Cmara dos Deputados. O Ofcio no 526/2016/SGM-P,
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encaminhado pelo Presidente da Cmara dos Deputados ao Presidente do
Senado Federal, prescreve o seguinte:
Comunico a Vossa Excelncia que a Cmara dos
Deputados AUTORIZOU a instaurao de processo, por
crime de responsabilidade, em virtude da abertura de
crditos suplementares por Decreto Presidencial, sem
autorizao do Congresso Nacional (Constituio Federal
art. 85, VI e art. 167, V; e Lei n 1.079, de 1950, art. 10,
item 4 e art. 11, item 2); e da contratao ilegal de
operaes de crdito (Lei n 1.079, de 1950, art. 11, item
3), aps apreciar o parecer oferecido pela Comisso
Especial, constituda nos termos do art. 19 da Lei no 1.079,
de 1950 e art. 218, 2 do Regimento Interno, para proferir
parecer Denncia por Crime de Responsabilidade n
1/2015, apresentada pelos cidados Hlio Pereira Bicudo,
Miguel Reale Jnior e Janana Conceio Paschoal, em
desfavor da Excelentssima Senhora Presidente da
Repblica, Dilma Vana Rousseff, mediante voto favorvel
de 367 (trezentos e sessenta e sete) de seus membros,
registrando-se, ainda, 137 (cento e trinta e sete) votos
contrrios, 7 (sete) abstenes e 2 (duas) ausncias.
Alm disso, no Mandado de Segurana n 34.130, julgado em
15/04/2016, o STF assim decidiu:
... Ao final do julgamento, submetida a questo ao
Plenrio, pelo Presidente, os Ministros presentes
autorizaram que fosse consignado em ata que o objeto de
deliberao pela Cmara estar restrito denncia
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recebida pelo Presidente daquela Casa, ou seja, i) seis
Decretos assinados pela denunciada no exerccio
financeiro de 2015 em desacordo com a LDO e, portanto,
sem autorizao do Congresso Nacional (fl. 17 do
documento eletrnico n 6) e ii) reiterao da prtica das
chamadas pedaladas fiscais (fl. 19 do documento
eletrnico n 6).
Com efeito, a compreenso do fato e de suas circunstncias
fundamental para a classificao jurdica dos crimes, que, entretanto, pode
ser alterada durante a instruo do processo, como prev o CPP (art. 383). A
prpria interpretao do fato, alis, pode sofrer alterao (art. 384), sem
qualquer afronta ao devido processo legal, vez que a defesa defende-se dos
fatos e no de sua capitulao.
Alm disso, a contextualizao completa do fato fundamental
para averiguar sua tipicidade material, ou seja, a ofensa ao bem jurdico
protegido pela norma constitucional (art. 85, VI).
Oportuno ressaltar ainda que as defesas preliminares feitas pelo
Ministro da Fazenda Nelson Barbosa e pelo Advogado-Geral da Unio, tanto
na Cmara dos Deputados quanto perante esta Comisso Especial,
precisaram, para justificar os fatos de 2015 narrados na denncia, tratar dos
eventos ocorridos em anos anteriores.
Foram ainda apresentados requerimentos perante esta
Comisso Especial, que solicitaram documentos, tais como: (a) memrias de
clculo referentes s fontes de excesso de arrecadao e supervit financeiros
relativas s receitas prprias de vrios rgos pblicos de anos anteriores
(Ministrios de Estado, rgos judicirios etc.) e (b) certido do TCU de que
houve edio de decretos de crditos suplementares por excesso de
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arrecadao e supervit de exerccios de anos anteriores, bem como cpia
dos relatrios de aprovao das contas. Tais requerimentos foram indeferidos
em razo de antecipao indevida da instruo, mas a referida documentao
dever ser considerada na fase probatria.
Nesse cenrio, inexiste qualquer mcula que possa sugerir a
inpcia da denncia.
2.4.2. Pressupostos processuais e condies da ao
A Cmara dos Deputados o rgo competente para receber a
denncia e realizar o juzo poltico de admissibilidade, nos termos dos arts.
51, I, e 86, caput, da CF. Atendido o qurum qualificado de dois teros de
seus membros para a admissibilidade, o Senado Federal torna-se o rgo
competente para processar e julgar o Presidente da Repblica, nos termos do
art. 52, I, da CF.
At ento no se pode falar, a rigor, em processo propriamente
dito. Este s se instaura aps o recebimento da denncia no Senado Federal.
Da que a autorizao poltica da Cmara dos Deputados configura
pressuposto processual para o recebimento da denncia, atendido nos termos
do Ofcio no 526/2016/SGM-P, encaminhado pelo Presidente da Cmara dos
Deputados ao Presidente do Senado Federal.
A denunciada, por meio de sua defesa, apresentou
questionamentos sobre esse pressuposto processual. Trataremos
pontualmente de cada um deles a seguir.
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2.4.2.1. Ausncia de nulidade na Cmara dos Deputados por
desvio de poder do Presidente daquela Casa
A defesa arguiu que todo o procedimento seria nulo de pleno
direito, por vcio em sua abertura, pelo fato de o Presidente da Cmara dos
Deputados ter sido movido por vingana e retaliao poltica,
caracterizando desvio de finalidade ou desvio de poder.
Na lio de Cretella Junior, h desvio de poder quando a
autoridade, que tem competncia ou poder discricionrio para a prtica de
determinado ato, manifesta sua vontade, editando-o, dando-lhe nascimento,
mas nessa operao erra de alvo, afasta-se do fim previsto, para perseguir
finalidade diversa da exata.17
No ato administrativo com desvio de poder, portanto, a
autoridade administrativa usa de sua competncia, de acordo com as formas
prescritas em lei, para exercer o poder que lhe atribudo no para perseguir
o fim previsto, mas fim diverso daquele que a lei lhe conferira. O desvio de
poder , em suma, um defeito do fim.
Indispensvel, portanto, avaliar o ato editado pelo Senhor
Deputado Eduardo Cunha, cuja motivao o ponto de partida para aferir se
houve eventual desvio no exerccio de sua competncia. Afinal, entre as
razes que impe a motivao dos atos administrativos, est exatamente a de
viabilizar o controle acerca do atendimento da finalidade pblica.
Neste ponto, o exame no de difcil operacionalizao, afinal,
o ato editado pelo Presidente da Cmara dos Deputados deflagrando o
processo de impedimento foi devidamente motivado, com destaque para
critrios tcnicos. A propsito, merece registro o fato de o Presidente da
17 CRETELLA JNIOR, 1978, p. 15.
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Cmara, naquela oportunidade, ter delimitado as imputaes formuladas na
denncia a apenas aos fatos ocorridos no ano de 2015, reduzindo,
consideravelmente, a causa de pedir aduzida na pea inicial.
E mais.
O Senhor Deputado Eduardo Cunha, expressamente,
reconheceu a existncia de entendimentos que corroborariam o acolhimento
de todos os fatos descritos na denncia, na medida em que o surgimento da
reeleio no cenrio constitucional admitiria a considerao de fatos
ocorridos no mandato anterior, no caso, relativos ao ano de 2014.
Entretanto, como salientado, houve o recorte substancial dos fatos descritos
na denncia, o que agradou muito a defesa da Senhora Presidente da
Repblica, tanto assim que, ao longo da pea, abre captulo prprio para,
apoiado na deciso do Presidente da Cmara, delimitar objeto do presente
processo de impeachment (fls. 45 e seguintes da defesa).
A ausncia de recurso ao Plenrio da Cmara contra o ato do
Senhor Presidente da Cmara dos Deputados corrobora a manifesta ausncia
de demonstrao de desvio de finalidade.
O que se percebe, na realidade, um discurso estratgico da
defesa no sentido de se valer do ato do Presidente da Cmara quando lhe
convm, isto , ao defender a delimitao do objeto da denncia nos termos
em que fundamentado por S. Exa. e, por outro lado e contraditoriamente,
tentar forar, a todo custo, a nulidade do processo, lanando, sem
comprovao consistente, a tese do desvio de finalidade.
Por outro lado, o Senado Federal recebeu a autorizao para
julgamento da Presidente da Repblica do Plenrio da Cmara dos
Deputados, com voto favorvel de mais de dois teros dos deputados
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federais, em atendimento condio constitucional. A deciso monocrtica
do Presidente daquela Casa legislativa que recebeu a denncia, tolere-se a
repetio, no foi objeto de recurso ao Plenrio, possibilidade prevista no
Regimento Interno da Cmara dos Deputados (art. 218, 3), e foi, em ltima
instncia, convalidada pelo qurum qualificado com a votao final pelo
prosseguimento do feito em 17 de abril de 2016, com o atesto de 367
deputados federais. Qualquer questo relacionada ao vcio de abertura se
encontra, tambm nessa perspectiva, vencida.
No demais lembrar que a autorizao emanada da Cmara
dos Deputados no um ato pessoal do deputado federal Eduardo Cunha,
mas sim ato colegiado do Plenrio da Cmara dos Deputados. Por fim, a
Suprema Corte foi provocada a deliberar sobre o papel da Cmara no
processo de impeachment, por meio da ADPF n 378/DF, quando a deciso
do Presidente da Cmara j havia sido proferida. Ora, a ADPF, conforme a
jurisprudncia do prprio STF, tem assim como todas as aes de controle
concentrado causa de pedir aberta, isto , podem ser analisados pela Corte
quaisquer aspectos que possivelmente viciem o ato questionado, ainda que
no alegados na inicial (cf. STF, Pleno, ADI n 1749/DF, Redator para o
acrdo Ministro Nelson Jobim). Mesmo assim, por unanimidade, o Plenrio
da Corte rejeitou qualquer nulidade na deciso que remeteu parcialmente a
denncia para o Senado Federal.
2.4.2.2. Descabimento da necessidade de se aguardar o
julgamento das contas de 2015: independncia das instncias
Sustentou a defesa, em mais uma preliminar, que a denncia, na
parte em que recebida na primeira Casa Legislativa, por ser relativa a fatos
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de 2015, deveria aguardar o julgamento pelo Congresso Nacional das contas
presidenciais relativas quele exerccio.
O equvoco manifesto.
O arcabouo jurdico brasileiro que norteia o controle dos atos
na Administrao Pblica reflete a existncia de um verdadeiro
microssistema de proteo e controle da gesto pblica.
Assim que um nico ato ou fato pode deflagrar a instaurao
de processos em diversas esferas autnomas de responsabilizao -
administrativa, de controle externo, civil, penal comum e poltico-penal
(Mandado de Segurana n 21.623-9, Rel. Ministro Carlos Velloso, 1992) -,
possibilitando a aplicao de sanes administrativas, de controle externo,
cveis, criminais e poltico-penal (ou poltico-administrativo-constitucional
segundo ADPF n 348), muitas delas com repercusses no plano eleitoral
em razo da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n 135, de 2010), sem
que se incorra na vedao do bis in idem.
A prpria Constituio revela o apreo pela independncia das
instncias a propsito do julgamento de ilcitos de natureza diversa, tal como
ocorre na apurao de improbidade administrativa ou de crime. Vejamos o
4 do art. 37, da CR:
4 Os atos de improbidade administrativa importaro a
suspenso dos direitos polticos, a perda da funo pblica,
a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao errio,
na forma e gradao previstas em lei, sem prejuzo da
ao penal cabvel.
Especificamente quanto ao julgamento de contas, o legislador
ordinrio deixou clara a autonomia das competncias ou instncias de
apurao, ao dispor no art. 21, II, da Lei n. 8.429/92, que a aplicao das
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sanes independe da aprovao ou rejeio das contas pelo rgo de
controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.
E nesse sentido caminha a pacfica jurisprudncia ptria, ao
reconhecer a independncia das instncias administrativa, cvel e penal:
1. A jurisprudncia da Suprema Corte pacfica no
sentido da independncia entre as instncias cvel,
penal e administrativa, no havendo que se falar em
violao dos princpios da presuno de inocncia e do
devido processo legal pela aplicao de sano
administrativa por descumprimento de dever funcional
fixada em processo disciplinar legitimamente instaurado
antes de finalizado o processo cvel ou penal em que
apurados os mesmo fatos. Precedentes. (RMS 28919
AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma,
julgado em 16/12/2014, ACRDO ELETRNICO DJe-
029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
2. O fato de o Tribunal de Contas eventualmente aprovar
as contas a ele submetidas, no obsta, diante do princpio
da independncia entre as instncias administrativa e
penal, a persecuo penal promovida pelo Ministrio
Pblico, bem como a responsabilizao penal dos agentes
envolvidos em delitos de malversao de dinheiros
pblicos. Precedentes desta Corte. 3. Ordem denegada.
(STJ, HC 34506/RS, 5 Turma, Rel. Ministra LAURITA
VAZ, julgado em 10.08.2004, DJ 30.08.2004 p. 314)
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A aprovao das contas pelo TCU no vincula o
Judicirio. Homenagem independncia das instncias; -
Ausncia de prova da apropriao dos recursos desviados,
seja em favor do prefeito, sem em favor de outrem, da por
que de se presumir que os valores desviados foram
aplicados em outros fins pblicos. Motivo, alis, do
julgamento do TCU favorvel ao chefe do executivo
municipal; - Condenao nos ilcitos dos incisos III e IV,
do art. 1., do DL 201/67, com a declarao da extino da
punibilidade pela prescrio." (TRF 5 Regio, AP n
200082010036098/PB, Pleno, Rel. Des. Federal Paulo
Roberto de Oliveira Lima, julgado em 25/04/2007, DJ
Data: 11/06/2007, pg. 429, n 110.)
Interessante notar que o e. Advogado Geral da Unio, Dr. Jos
Eduardo Cardozo, ao responder indagao deste Relator, acabou por
reconhecer a independncia das instncias, porquanto afirmou que sendo o
Tribunal de Contas da Unio um tribunal de contas que toma decises
administrativas, a sua deciso no vincula o Congresso Nacional.
Cabe recordar que compete privativamente ao Presidente da
Repblica prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta
dias aps a abertura da sesso legislativa, as contas referentes ao exerccio
anterior (artigo 84, inciso XXIV da CR). O no cumprimento desse dever de
prestar contas constitui crime de responsabilidade contra a probidade na
administrao, de acordo com o artigo 9, item 2 da Lei n 1.079, de 1950.
Esse o primeiro ponto que precisa ser esclarecido na anlise
do processo de impeachment em questo: o julgamento da prestao anual
das contas anual da Presidente da Repblica no se processa na mesma esfera
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dos crimes de responsabilidade porventura constatados na conduo da
gesto.
A prestao de contas anual da Presidente da Repblica deve
refletir a gesto por ela conduzida com auxlio dos Ministros de Estado, que
ser avaliada de forma autnoma na esfera tambm autnoma de controle
externo.
Isso porque, ao repartir as competncias tpicas do exerccio do
controle externo sobre a gesto, o constituinte conferiu ao Tribunal de Contas
da Unio (TCU) - rgo tcnico, independente e apartidrio - a competncia
para emitir o parecer prvio (artigo 71, inciso I), enquanto o julgamento
propriamente dito das contas anuais prestadas pela Presidente da Repblica
ficou a cargo do Congresso Nacional (artigo 49, inciso IX).
Foroso registrar para que as dvidas levantadas ao longo dos
debates realizados no mbito desta Comisso sejam sanadas que nesse caso
especfico (o de julgamento das contas anuais), sim, o parecer prvio do TCU
constitui condio de procedibilidade para o julgamento das contas
anuais da Presidente da Repblica pelo Congresso Nacional, que
completa a funo de controle externo essencial para o Estado Democrtico.
Outro esclarecimento oportuno que, embora o julgamento da
prestao de contas anual da Presidente da Repblica seja competncia do
Congresso Nacional, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige emisso
de parecer prvio conclusivo pelo Tribunal de Contas (artigo 57) para
subsidiar o julgamento por aquele rgo.
Alm da responsabilizao na esfera de controle externo, o
artigo 73 da LRF estabelece, de forma expressa, que o descumprimento de
suas disposies ser punido com responsabilizao na esfera jurdico-
poltica (crimes de responsabilidade previstos na Constituio e
regulamentados pela Lei n 1.079, de 1950, e pelo Decreto-Lei n 201, de
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1967), na esfera cvel por improbidade administrativa (Lei n 8.429, de 1992)
e na esfera penal comum (Cdigo Penal).
No mbito da esfera jurdico-poltica de responsabilizao,
que se processa de forma autnoma em relao a todas as demais, deve-se
considerar que no rol dos crimes de responsabilidade da Presidente da
Repblica esto inseridos os atos que atentarem contra a probidade
administrativa e a lei oramentria, consoante o disposto no artigo 85 da
Constituio da Repblica (incisos V e VI), cujos atos e fatos, em geral,
tambm so apreciados na prestao de contas anual.
A responsabilizao por crime de responsabilidade constitui
esfera sui generis de natureza de ndole constitucional, que no se confunde
com julgamento da gesto avaliada na prestao de contas anual da
Presidente da Repblica, Governadores e Prefeitos pelas Casas
Legislativas no exerccio da funo tpica de controle externo que, na Unio,
fica a cargo do Congresso Nacional e no apenas do Senado Federal.
Outra peculiaridade do processo de crime de responsabilidade
se verifica na abrangncia das disposies constitucionais. Enquanto a
Presidente da Repblica processada e julgada por crime de
responsabilidade pelo Senado Federal (artigo 52, inciso I da CR), no caso de
Governadores e Prefeitos so processados e julgados pelo Poder Judicirio,
nos termos do artigo 1 do Decreto-Lei n 201, de 1967, e da Reclamao n
2790-SC, a saber:
CONSTITUCIONAL. COMPETNCIA. AO DE
IMPROBIDADE CONTRA GOVERNADOR DE
ESTADO. DUPLO REGIME SANCIONATRIO
DOS AGENTES POLTICOS: LEGITIMIDADE.
FORO POR RERROGATIVA DE FUNO:
RECONHECIMENTO. USURPAO DE
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COMPETNCIA DO STJ. PROCEDNCIA
PARCIAL DA RECLAMAO. 1. Excetuada a
hiptese de atos de improbidade praticados pelo
Presidente da Repblica (art. 85, V), cujo
julgamento se d em regime especial pelo Senado
Federal (art. 86), no h norma constitucional
alguma que imunize os agentes polticos, sujeitos a
crime de responsabilidade, de qualquer das sanes
por ato de improbidade previstas no art. 37, 4..
Seria incompatvel com a Constituio eventual preceito
normativo infraconstitucional que impusesse imunidade
dessa natureza.
No h uma s passagem constitucional que possibilite ao
intrprete confundir esferas to autnomas quanto diferentes para julgar as
contas anuais e processar e julgar as condutas da Presidente da Repblica no
exerccio de suas funes constitucionais e legais.
A distino entre as esferas de responsabilizao est positivada
no ordenamento jurdico ptrio, sendo descabidas as alegaes lanadas pela
defesa na tentativa de vincular a conduo do processo de impeachment
emisso de parecer prvio da prestao de contas de 2015 pelo TCU ou ao
julgamento das contas de 2014 pelo Congresso Nacional.
Da mesma forma que o julgamento de contas na esfera de
controle externo no interfere na ao penal comum e na ao cvel de
improbidade administrativa, neste segundo caso, como visto, por previso
expressa no artigo 21 da Lei n 8.429, de 1992, a emisso do parecer prvio
pelo TCU e o julgamento das contas anuais da Presidente da Repblica pelo
Congresso Nacional na esfera de controle externo no so condies de
procedibilidade para se admitir, processar e julgar o crime de
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responsabilidade na esfera jurdico-poltica, consoante o disposto no artigo
85 da Constituio.
No caso do crime de responsabilidade do Presidente da
Repblica, a Constituio de 1988 prev um rito especial, em que a Cmara
dos Deputados recebe a denncia de qualquer cidado (artigo 14, da Lei n
1.079, de 1950) e faz a anlise de admissibilidade (artigos 51, inciso I, e
86, caput), enquanto o Senado Federal processa e julga o Presidente da
Repblica em sesso especial (artigo 52, inciso I), cuja presidncia fica a
cargo do Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
A apreciao e julgamento da prestao de contas anual do
Presidente da Repblica no se processam nas mesmas bases tampouco tm
os mesmos pressupostos, razo pela qual se revela desprovida de lgica e
plausibilidade jurdica as ideias ventiladas no sentido de que a emisso do
parecer prvio e o julgamento das respectivas contas na esfera de controle
externo constituem requisito de procedibilidade para o processo referente a
crime de responsabilidade.
Assim sendo, no necessrio o julgamento das contas de 2014,
tampouco h necessidade de apresentao da prestao de contas de 2015
pela Presidente da Repblica para os cidados e as Casas do Congresso
Nacional exercerem o controle dos atos da Presidente da Repblica e
formalizarem o processo por crime de responsabilidade se entenderem que
h fundamento para tanto.
Trata-se, como dito, de atribuies exercidas por rgos que
exercem competncias completamente distintas, sem possibilidade de
estabelecer qualquer confuso entre os papis republicanos estabelecidos
pela Carta Cidad.
Desse modo, e pelos fundamentos que balizam a deciso do STF
no MS n 21.623-9, reitera-se que a emisso de parecer prvio e julgamento
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das contas anuais da Presidente da Repblica relativas aos exerccios
referenciados na Denncia no constituem condio de
procedibilidade do processo autnomo destinado a apurar crimes de
responsabilidade da referida autoridade submetido a esta Comisso, ainda
que alguns dos fatos que constam do processo de denncia tambm possam
ser tratados na prestao de contas anual.
2.4.2.3. Ausncia de nulidade pelo fato de deputados
federais terem declarado o voto com antecedncia, fundamentado os
votos com motivos polticos e de ter havido orientao de lideranas no
encaminhamento da votao
A defesa alega a ocorrncia de uma srie de nulidades, todas
relacionadas votao em Plenrio da Cmara dos Deputados. Sustenta ser
nula a votao, por ter havido encaminhamento de votao pelos lderes
partidrios; por deputados terem fundamentado seus votos em motivos
polticos, o que seria vedado por aplicao da teoria dos motivos
determinantes; pelo fato de alguns deputados terem adiantado sua posio
publicamente; e por ter sido dada a palavra ao Relator na Comisso Especial,
Deputado Jovair Arantes.
Em primeiro lugar, certo que a teoria dos motivos
determinantes se aplica a atos administrativos, no polticos.
Afinal, sendo a manifestao da Cmara dos Deputados
eminentemente poltica (para usar a expresso do STF), os votantes sequer
precisam motivar seus votos em Plenrio. Da mesma forma, o
encaminhamento de lideranas que, inclusive, tambm foi feito pelo
partido da Senhora Presidente no causa qualquer nulidade, j que o voto
nominal e individual.
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Reitere-se, por oportuno, a natureza eminentemente poltica da
deciso da Cmara dos Deputados, conforme j reconhecido pelo STF desde
o caso Collor:
No procedimento de admissibilidade da denncia, a
Cmara dos Deputados profere juzo poltico. Deve ser
concedido ao acusado prazo para defesa, defesa que
decorre do princpio inscrito no art. 5, LV, da
Constituio, observadas, entretanto, as limitaes do fato
de a acusao somente materializar-se com a instaurao
do processo, no Senado. Neste, que a denncia ser
recebida, ou no, dado que, na Cmara ocorre, apenas, a
admissibilidade da acusao, a partir da edio de um
juzo poltico (STF, Pleno, MS n 21.564/DF, redator para
o acrdo Ministro Carlos Velloso) [grifamos].
No mesmo julgado, reconheceu ainda o STF que Cmara dos
Deputados cabe a formulao de um juzo eminentemente discricionrio
sobre a autorizao para o Senado Federal instaurar o processo contra o
Presidente da Repblica nos crimes de responsabilidade.
Esse entendimento, a propsito, foi reiterado pelo STF na ADPF
n 378, luz do art. 51, I, da CF. A Corte Suprema, na ementa do acrdo,
cita que a Cmara exerce, assim, um juzo eminentemente poltico sobre os
fatos narrados [grifamos]. H distino ontolgica e insofismvel entre os
parlamentares e os magistrados, como decidido pelo STF: A diferena de
disciplina se justifica, de todo modo, pela distino entre magistrados, dos
quais se deve exigir plena imparcialidade, e parlamentares, que podem
exercer suas funes, inclusive de fiscalizao e julgamento, com base em
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suas convices poltico-partidrias, devendo buscar realizar a vontade dos
representados. [grifamos].
A defesa da denunciada trouxe ainda precedentes da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema (fls. 132 a 135 da pea
apresentada perante esta Comisso), mas que so obviamente inaplicveis ao
caso concreto e deles no se extrai a concluso do que a defesa quer fazer
crer. Tratou-se, naqueles arestos, de deciso dos Congressos do Equador e
do Peru que afastaram Ministros da Suprema Corte juzes com garantia de
inamovibilidade e agentes tcnicos , no de impeachment de agentes
polticos. Alis, o que se traz nos julgados a garantia do procedimento
rigoroso e destitudo de pr-julgamentos, sem que tenha sido enfrentada a
declarao de voto dos parlamentares nem a orientao das bancadas
partidrias. No h, portanto, a nulidade arguida.
Finalmente, sobre a palavra conferida ao Relator na Cmara dos
Deputados, Deputado Jovair Arantes, verifica-se tratar-se de questo que no
poderia prejudicar a defesa. O relatrio j era conhecido, seus termos j
haviam sido lidos, e lderes de todos os partidos puderam usar da palavra.
Ademais, a questo precluiu, j que no alegada no momento oportuno, sem
ignorar a manifesta ausncia de prejuzo defesa.
2.4.2.4. Ausncia de nulidade pelo fato de a denncia ter sido
encaminhada por meio de ofcio, e no por Resoluo da Cmara dos
Deputados
No vislumbramos qual exatamente o possvel prejuzo
defesa pelo fato de a deciso do Plenrio da Cmara dos Deputados ter sido
formalizada, na comunicao ao Senado Federal, por meio do Ofcio
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526/2016/SGM-P, e no por intermdio de Resoluo, como entende ser
cabvel a AGU.
A demonstrao do prejuzo, luz da jurisprudncia ptria,
indispensvel para considerar a causa de nulidade. Vejamos:
2. Nos termos do art. 563 do CPP, Nenhum ato ser
declarado nulo, se da nulidade no resultar prejuzo
para a acusao ou para a defesa". Nesse mesmo
sentido, a Smula 523/STF enuncia que no processo
penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas
a sua deficincia s o anular se houver prova de
prejuzo para o ru". 3. Habeas corpus no conhecido,
com revogao da liminar anteriormente concedida.
Pedidos de extenso prejudicados. (HC 101489,
Relator(a): Min. MARCO AURLIO, Relator(a) p/
Acrdo: Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma,
julgado em 22/09/2015, ACRDO ELETRNICO DJe-
217 DIVULG 28-10-2015 PUBLIC 29-10-2015)
2. facultado a presena de defesa tcnica no retorno de
julgamento de habeas corpus interrompido ante pedido de
vista. Assim, a nulidade do julgamento por ausncia de
intimao prvia da defesa para cincia da data de
confeco do voto-vista dependeria de inequvoca
demonstrao de concreto prejuzo. 4. Embargos de
declarao rejeitados, tornando sem efeito a deciso
proferida no HC 117.337. (HC 92932 ED,
Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
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julgado em 06/04/2016, ACRDO ELETRNICO DJe-
070 DIVULG 14-04-2016 PUBLIC 15-04-2016)
5. A declarao de possveis nulidades no processo
administrativo disciplinar, segundo o princpio da
instrumentalidade das formas (pas de nullit sans grief),
depende da efetiva demonstrao de prejuzos defesa
do investigado. (RMS 30.856/SP, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 17/03/2016, DJe 31/03/2016)
Ademais, o instrumento a ser usado pela Cmara dos Deput