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RELATÓRIO FINAL II ETAPA DA PESQUISA REPERCUSSÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DIÁLOGOS SOBRE O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO NO BRASIL

RELATÓRIO FINAL - ibase.br · tante reconhecer os méritos do programa no que diz respeito à alimentação das famílias, porém a persistência de altos índices de insegurança

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RELATÓRIO FINAL

II ETAPA DA PESQUISA REPERCUSSÕES DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA NA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

DIÁLOGOS SOBRE O DIREITO HUMANO

À ALIMENTAÇÃO NO BRASIL

REALIZAÇÃO FINANCIADO POR

Os DIÁLOGOS SOBRE DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO NO

BRASIL tiveram como objetivo investigar a percepção de

representantes da sociedade civil organizada sobre o Programa

Bolsa Família e as políticas públicas de segurança alimentar e

nutricional. Realizados em seis estados brasileiros, os Diálogos

fecham a pesquisa do Ibase intitulada “Repercussões do

Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional

das Famílias Beneficiadas”, realizada com o apoio da

Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Para a realização desta última etapa da pesquisa foi utilizada a

metodologia de GRUPOS DE DIÁLOGO que se mostrou adequada

aos seus objetivos e estabeleceu um ambiente favorável ao

debate acerca do Programa Bolsa Família e sua articulação com

as políticas de SAN. Ao estimular a formulação de uma lista

mínima de acordos, construída após um dia de diálogo entre os

mais diversos atores, esta metodologia mostrou-se muito

adequada aos debates de SAN que se caracterizam por sua

pluralidade e transversalidade.

Entendendo o potencial formativo dos Diálogos, o Ibase

apresenta este Kit contendo o Relatório Final dos Diálogos, o

Caderno de Trabalho, o Guia do Moderador e um CD contendo o

material necessário à realização do Diálogo. Um longo caminho

nos espera até que possamos enfim alcançar uma sociedade

mais justa em que todos(as) possam usufruir plenamente do

direito à alimentação. Desejamos que este material fortaleça

nossos passos. Bom trabalho e boa caminhada para todos(as)!

RELATÓRIO FINAL

II ETAPA DA PESQUISA REPERCUSSÕES DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA NA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

DIÁLOGOS SOBRE O DIREITO HUMANO

À ALIMENTAÇÃO NO BRASIL

Uma publicação

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Financiado por

Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)

DIÁLOGOS SOBRE O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO NO BRASIL RELATÓRIO FINAL

II ETAPA DA PESQUISA REPERCUSSÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Uma publicaçãoInstituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Financiado porFinanciadora de Estudos e Projetos (Finep)

ProponenteRede Desenvolvimento, Ensino e Sociedade (Redes)

Coordenação geralFrancisco Menezes

Coordenação executivaMariana Santarelli

Assistente de coordenaçãoRozi Billo

Pesquisadores(as)Edmar GadelhaJuliana Casemiro

Consultora de metodologiaAna Paula Corti

Facilitadores(as) locais Fabiane Cristina Albuquerque Juliana FreitasMárcia Vilenice de Macedo DiasRosely Carlos Augusto Solange Aparecida de OliveiraTatiana Simon Bastos

Apoio localConselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea–BA)Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea–GO)Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea–RS)Fase – PAFian BrasilRede de Educação Cidadã – PA

Texto finalJuliana CasemiroMariana Santarelli

Edição e revisãoMárcia Lisboa

Acompanhamento editorialAna BittencourtFlávia Mattar

FotosMariana SantarelliMarcus Vini

Revisão finalAna BittencourtFlávia MattarJuliana CasemiroMariana Santarelli

Projeto gráfico e diagramaçãoAna Mannarino

IbaseAv. Rio Branco 124 80 andar Centro Rio de Janeiro RJ CEP 20040 916Tel.: (21) 2178 9400 Fax: (21) 2178 9402 www.ibase.br [email protected]

I. APRESENTAÇÃO

II. METODOLOGIA

III. AS VOZES DO DIÁLOGO

IV. CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

A. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E ASSISTÊNCIA ALIMENTAR

B. PRODUÇÃO E ABASTECIMENTO

C. TRABALHO E RENDA

D. INTERSETORIALIDADE, CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO

V. ALTERAÇÕES DE RUMO: O QUE MUDOU A PARTIR DO DIÁLOGO

VI. PONTES, ESQUINAS E CRUZAMENTOS: A RELAÇÃO DOS DIÁLOGOS COM A

AGENDA PÚBLICA

VII. NOSSO CAMINHO: 13 PASSOS RUMO À GARANTIA DO DIREITO HUMANO À

ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL

4

6

10

15

15

20

26

28

33

35

38

SUMÁRIO

4 | APRESENTAÇÃO

Este relatório integra a pesquisa Repercussões do Programa Bolsa Família (PBF) na Segurança

Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas, realizada em nível nacional com o apoio da

Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A etapa principal da pesquisa apontou que aproxima-

damente 6 milhões de famílias beneficiadas pelo programa encontravam-se em situação de inse-

gurança alimentar moderada ou grave, ou seja, tiveram, nos três meses anteriores, restrições

severas na quantidade e qualidade de alimentos e até mesmo fome. De acordo com o levantamen-

to, o programa apresenta efeitos positivos na alimentação das famílias, que passaram a ter maior

estabilidade no acesso e aumento na quantidade e variedade de alimentos consumidos. É impor-

tante reconhecer os méritos do programa no que diz respeito à alimentação das famílias, porém a

persistência de altos índices de insegurança alimentar indica que a fome no Brasil é mais complexa

e que o PBF é insuficiente para garantir à população o direito humano à alimentação1.

As análises dos resultados da pesquisa recomendaram a ampliação e o aprimoramento de uma

série de outras políticas públicas que, associadas ao programa, pudessem vir a garantir a sobera-

nia e a segurança alimentar e nutricional em nosso país. Para aprofundar o debate sobre tais polí-

ticas e conhecer o ponto de vista da sociedade civil organizada sobre o Programa Bolsa Família, o

Ibase promoveu esta nova etapa de verificação, denominada Diálogos sobre o direito humano à

alimentação no Brasil.

Por meio da metodologia Grupos de Diálogo, procurou-se investigar a compreensão e a relevância

atribuída por representantes da sociedade civil organizada ao Programa Bolsa Família e outras

políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN), identificando os principais consen-

sos em torno do aprimoramento ou da ampliação deste espectro de políticas públicas.

Participaram desta segunda etapa da pesquisa cerca de 150 representantes de movimentos sociais

e entidades da sociedade civil em seis estados brasileiros a partir da questão orientadora: como

garantir o direito humano à alimentação às famílias mais vulneráveis à fome? Reuniram-se para

um mesmo debate atores sociais de diferentes segmentos e formas de atuação, com a proposta de

provocar os(as) participantes a pensarem as políticas de SAN em sua amplitude e de forma inte-

grada, com o objetivo de fazer aflorar novos sentidos e possibilidades.

O diálogo foi feito a partir de quatro propostas de “caminhos” de políticas públicas: transferência

de renda (Programa Bolsa Família), produção e abastecimento, assistência alimentar e geração de

trabalho e renda. Estes caminhos foram elaborados a partir das recomendações derivadas da pes-

quisa sobre o Programa Bolsa Família e do debate público em torno da soberania e da segurança

alimentar e nutricional e do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAAS).

I. APRESENTAÇÃO

1. O relatório síntese da pesquisa Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional está

disponível em <www.ibase.br> e no CD em anexo. Os dados quantitativos da pesquisa foram coletados em setembro e

outubro de 2007.

APRESENTAÇÃO | 5

A escolha da metodologia Grupos de Diálogo se deu pela experiência exitosa que o Ibase vem acu-

mulando com este método em estudos sobre o tema da juventude e por seu caráter de processo

investigativo e de formação, que permite aos(às) participantes o acesso a informações qualifica-

das sobre o tema do diálogo, seja pelo material de apoio que subsidia o debate ou pela troca com

outros integrantes. Os grupos foram ainda uma oportunidade de divulgar e debater de forma qua-

lificada os resultados da pesquisa sobre o PBF, realizada pelo Ibase.

As análises produzidas buscam identificar quais são os caminhos, trilhas e rumos apontados pelos

participantes dos Grupos de Diálogo para a realização do Direito Humano à Alimentação Ade-

quada e Saudável, especialmente, das famílias mais vulneráveis à fome. Procuram também estabe-

lecer um diálogo com a agenda pública de debates referentes aos temas em questão e com as

oportunidades de construção e aprimoramento das políticas públicas em curso, dentre elas o

Programa Bolsa Família.

O grande objetivo desta publicação é agregar olhares e recomendações dos diversos segmentos

da sociedade civil organizada que têm relação direta ou indireta com a construção da pauta da

soberania e da segurança alimentar e nutricional, além de contribuir para que suas demandas

mais recentes ganhem visibilidade e possam ser incorporadas na construção desse grande proje-

to de enfrentamento da fome em nosso país. As análises buscaram o máximo de aproximação com

terminologias, conceitos e formas de expressão dos participantes dos Grupos de Diálogo.

O relatório apresenta as principais conclusões extraídas dos seis Grupos de Diálogo realizados, a

descrição da metodologia e uma breve avaliação do método adotado. Segue, com o relatório, o

Caderno de Diálogo – material de apoio usado na pesquisa –, o Guia do Moderador – contendo ins-

truções breves para mediar os diálogos –, e o CD – que reúne estes e outros documentos afins.

Todo o material pode ser livremente reproduzido por quem tiver interesse em adotá-lo como base

em processos de formação e investigação. Pedimos, apenas, que a fonte seja citada.

A metodologia Grupos de Diálogo vem sendo usada pela Área Programática de Juventude do Ibase

desde 20052, em um esforço conjunto com outras entidades3 de adaptá-la à realidade do país e às

demandas da pesquisa Juventude Brasileira e Democracia. Tal adaptação originou-se da troca de

experiência com pesquisadores(as) canadenses do Canadian Policy Reserch Networks (CPRN), a

partir dos estudos de Daniel Yankelovich.

A realização de Grupos de Diálogo tem se mostrado adequada aos debates de políticas públicas e

seu ponto de partida é sempre uma questão socialmente relevante. O principal pressuposto meto-

dológico é que as opiniões não são formadas individualmente, mas pela interação com informações

e opiniões de outras pessoas. O processo investigativo permite aos(às) participantes ter acesso a

informações qualificadas, ouvir e expor diferentes pontos vista e realizar reflexões coletivas acerca

de um tema. Desta forma, a pesquisa apresenta-se também como aprendizado para os grupos.

A fim de orientar os debates propõe-se uma pergunta central (Questão do Diálogo) e cenários

(Caminhos do Diálogo), a partir dos quais é conduzido o diálogo. A fim de apreender em que medi-

da as pessoas mudam de opinião a partir das informações e do diálogo, são aplicadas Fichas de

opinião Pré e Pós-Diálogo.

A QUESTÃO E OS CAMINHOS DO DIÁLOGO

Sendo os Grupos de Diálogo parte integrante de uma pesquisa sobre o PBF, todo o material e

método foram produzidos com o intuito de avaliar este programa. Contudo, o aprofundamento

sobre as possibilidades e os limites da metodologia apontou como oportuna e necessária a opção

por uma abordagem mais ampla, que abarcasse um conjunto maior de políticas públicas para o

Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável, não se restringindo a apenas uma política.

Esta opção vai também ao encontro das análises da primeira fase da pesquisa que apontaram a

necessidade de aprofundar ações complementares ao Programa Bolsa Família.

A Questão do Diálogo deve, ao mesmo tempo, garantir o foco dos debates e provocar as reflexões

necessárias ao debate. A pergunta apresentada delimitou o espectro de reflexão às ações voltadas

aos brasileiros e às brasileiras mais vulneráveis à fome, ou seja, às famílias beneficiadas pelo PBF,

público-alvo da primeira etapa da pesquisa.

6 | METODOLOGIA

II. METODOLOGIA

2. Ibase e Pólis. Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas. Rio de Janeiro: Ibase;

São Paulo: Pólis, 2006. Disponível em <www.ibase.br>.

3. Rede parceira: Ação Educativa, Centro de Referência Integral de Adolescentes, Escola de Formação Quilombo dos

Palmares, Instituto de Estudos Socioeconômicos, Instituto Universidade Popular, Iser Assessoria, Observatório Jovem

do Rio de Janeiro da Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

QUESTÃO DO DIÁLOGO: COMO GARANTIR O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃOADEQUADA AOS(ÀS) BRASILEIROS(AS) MAIS VULNERÁVEIS À FOME?

Os Caminhos (ou cenários) do Diálogo, por terem como base as possibilidades disponíveis na so-

ciedade, devem expressar alternativas para se tratar ou enfocar tal questão. Eles expressam alter-

nativas políticas entre o conservadorismo e a proposta mais progressista. Devem guardar diferen-

ças claras e marcadas entre si, de modo a gerarem um grau de tensão suficiente para estimular o

debate e permitir a expressão de opiniões divergentes e/ou concorrentes. Desta maneira, foram

identificados os quatro Caminhos a seguir.

CAMINHO 1: POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA ALIMENTAR

Atualmente, uma boa parcela da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar

grave, ou seja, passa fome. Diante de tal quadro, é dever do Estado assegurar o direito humano à

alimentação desta população, por meio de políticas de assistência alimentar, de caráter emergen-

cial, que distribuam alimentos a quem precisa.

CAMINHO 2: POLÍTICAS DE PRODUÇÃO E ABASTECIMENTO ALIMENTAR

A produção e a venda de alimentos são guiadas pela lógica do mercado e do lucro, não estão vol-

tadas às necessidades alimentares da população. O alto preço dos alimentos e o acesso desigual

afetam, principalmente, as famílias mais pobres, que não conseguem garantir uma alimentação

adequada e saudável. Os governos devem prover políticas que sejam capazes de assegurar o

preço dos alimentos e de ampliar a oferta de alimentos saudáveis e pouco consumidos, buscando

aproximar produtores(as) locais e consumidores(as).

CAMINHO 3: PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA (BOLSA FAMÍLIA)

Um contingente significativo de famílias no Brasil é atingido pela fome, um problema inaceitável

em um país que é considerado a sexta maior economia do mundo. As mais pobres destinam a

maior parte de seus orçamentos domésticos para a alimentação. Ao transferir renda, o Programa

Bolsa Família amplia o poder de compra dessas pessoas e lhes dá a oportunidade de gerir este

recurso de forma autônoma, priorizando determinados alimentos e respeitando hábitos de alimen-

tação presentes em seus contextos sociais e em suas famílias.

METODOLOGIA | 7

CAMINHO 4: POLÍTICAS DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA

É por meio do trabalho que as pessoas obtêm, de forma digna, os recursos necessários à sua so-

brevivência. A fome é causada pela falta de oportunidades de emprego e de trabalho, sem as quais

as pessoas não podem contar com uma renda que lhes permita alimentação correta. Para reduzir

a fome, é fundamental que o Estado brasileiro estimule políticas de geração de trabalho e renda

para as famílias mais pobres, seja na abertura de novos postos de trabalho, seja no estímulo a

empreendimentos solidários e iniciativas de desenvolvimento local.

DIA DE DIÁLOGO

Foram realizados Grupos de Diálogo (GDs) nas capitais de seis estados brasileiros, contemplando

um relativo equilíbrio regional: Rio de Janeiro e Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Goiás e

Pará. Na região Sudeste, houve dois grupos, sendo que o Rio de Janeiro sediou o GD-teste.

Todos esses estados contaram com um(a) facilitador(a), responsável pela mobilização e articula-

ção dos(as) participantes dos GDs. Em cada um deles, quatro relatores(as) de pesquisa acompa-

nharam e registraram os debates em pequenos grupos.

Com duração de aproximadamente oito horas, a programação do Dia de Diálogo foi construída

pela equipe a fim de contemplar pelo menos quatro questões essenciais da metodologia: preenchi-

mento de Fichas Pré e Pós-Diálogo, apresentação do Panorama – exposição de informações sobre

o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável no Brasil – e da Questão, diálogo em peque-

nos grupos e debate final com a construção de consensos.

O Dia de Diálogo foi conduzido por moderadores(as) da equipe de pesquisa do Ibase. A função de

moderar o debate inclui: a apresentação da metodologia, do Panorama, da Questão e dos Caminhos

do Diálogo; o acompanhamento dos trabalhos em pequenos grupos, auxiliando e esclarecendo dúvi-

das acerca do diálogo; e a animação e provocação do debate final, zelando pelo cumprimento do

horário e pela garantia de oportunidade de fala a todos(as). Uma função importante atribuída ao

moderador e à moderadora foi a de problematizar as escolhas dos caminhos e suas conseqüên-

cias, encorajando a identificação tanto de consensos como de diferenças.

Pela manhã, os(as) participantes eram separados(as) em quatro pequenos grupos (observando o

equilíbrio de movimentos, a atuação campo-cidade e o gênero). Havia a leitura e o diálogo sobre

os caminhos, iniciando a construção de consensos. Os grupos eram orientados a fazer escolhas em

relação aos caminhos. Cada qual teve a opção de escolher um caminho ou combiná-los, e ainda

definir prioridades em relação aos caminhos indicados.

À tarde, eram feitas as apresentações dos grupos. A partir de então, as falas começavam a ser grava-

das para posterior transcrição e análise. Ao final do Dia de Diálogo, o grupo, com a mediação do(a)

pesquisador(a), construía uma lista de consensos (semelhanças) e de diferenças (pontos sem acor-

dos), que eram registrados em pedaços de cartolina e depois afixadas na parede formando um mural.

8 | METODOLOGIA

Quanto aos aspectos éticos da pesquisa, deve-se destacar que os(as) participantes, após serem

esclarecidos sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa, assinaram um termo de consenti-

mento livre e esclarecido.

O principal material produzido para o Dia de Diálogo foi o Caderno de Trabalho, que reúne infor-

mações sobre a pesquisa e a metodologia adotada; o Panorama do Diálogo; dados da primeira fase

da pesquisa, no que se refere a quem são os(as) beneficiários(as) do PBF e como acessam a ali-

mentação; a Questão do Diálogo; e os Caminhos do Diálogo.

É uma exigência metodológica que a apresentação dos caminhos seja bem equilibrada, de manei-

ra que o texto ou a forma como se expõe um ou outro caminho não influencie na escolha ou preferên-

cia do grupo. Cada caminho foi apresentado em duas páginas do Caderno de Trabalho, contendo:

título, uma fotografia, a síntese do caminho, itens com informações complementares (“Saiba

mais”), além dos pontos favoráveis e desfavoráveis dos discursos presentes na sociedade sobre

cada caminho. Vale ressaltar que as posições descritas nos pontos favoráveis e desfavoráveis não

refletem a opinião do Ibase, e sim diferentes pontos de vista presentes na sociedade.

Foram usadas Fichas Pré e Pós-Diálogo, que adotam uma escala de zero a sete para medir a con-

cordância ou preferência inicial e final dos(as) participantes com os quatro caminhos. Todos e

todas atribuíram uma nota a cada um dos caminhos antes e depois do Diálogo. Na Ficha Pós-

Diálogo, havia espaço para observações, questionando sobre condições para aceitação do cami-

nho. Em anexo à ficha, foi apresentado ao(à) integrante um conjunto de questões para a constru-

ção do perfil dos(as) participantes de cada diálogo.

As orientações para o trabalho em pequenos grupos foram descritas e apresentadas antes do início

das atividades, sendo entregues a cada pessoa. Para o debate final, foi preparado outro instru-

mento, a fim de provocar a observação dos consensos e das diferenças.

METODOLOGIA | 9

FIGURA 2: PARTICIPANTES POR SEXO

Cada GD reuniu de 25 a 40 representantes de movimentos/organizações com atuação no campo

da segurança alimentar e nutricional e/ou que desenvolviam ações diretas com as famílias consi-

deradas mais vulneráveis à fome. Em cada local, a pesquisa contou com um(a) facilitador(a), indi-

cado(a) por entidades ou militantes sociais afins ao tema. A partir de uma lista de segmentos pro-

duzida pela III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, fornecida pela equipe

de pesquisa, os(as) facilitadores(as) prepararam a relação de pessoas convidadas, conforme a rea-

lidade de seu estado, mobilizando-as e articulando-as para integrarem os GDs.

Procurou-se valorizar a diversidade na composição dos grupos em relação não só ao tempo e à

maturidade de reflexão sobre o tema, mas também ao equilíbrio de gênero e de geração. Apesar

de a maior participação ter sido de pessoas de 30 e 45 anos, jovens entre 19 e 29 anos tiveram

representação expressiva: 17%. Quanto à distribuição por gênero, as mulheres foram maioria.

FIGURA 1: PARTICIPANTES POR FAIXA ETÁRIA

10 | AS VOZES DO DIÁLOGO

III. AS VOZES DO DIÁLOGO

49

17

4.1

4.1

25.9

19 a 29 anos (17%)

30 a 45 anos (49%)

46 a 60 anos (25.9%)

mais de 60 anos (4.1%)

NS/NO (4.1%)

56.5

29.9

13.6

Masculino (29.9%)

Feminino (56.5%)

NR (13.6%)

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

AS VOZES DO DIÁLOGO | 11

33.317.7

1.4

3.4

44.2

Até a 4ª série completa (3.4%)

Até a 8ª série completa (17.7%)

Até ensino médio completo (33.3%)

Ensino superior – completo ou incompleto (44.2%)

NS/NR (1.4%)

70.1

1.4

1.4

4.8

22.4

Preta / parda (70.1%)

Branca (22.4%)

Amarela (1.4%)

Indígena (4.8%)

NO (1.4%)

Grande parte dos(as) participantes dos GDs possuía nível superior, apesar de os grupos terem

apresentado boa diversidade no que se refere à escolaridade. Chama a atenção o fato de 70,1%

terem se declarado pretos(as) ou pardos(as).

FIGURA 3: PARTICIPANTES POR ESCOLARIDADE

FIGURA 4: PARTICIPANTES POR COR/ RAÇA

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

A distribuição percentual dos(as) participantes dos GDs por área de atuação (figura 5) mostra que

a mais citada foi a de educação e cultura, seguida pela reforma agrária e agricultura e por econo-

mia solidária e cooperativismo.

FIGURA 5: PARTICIPANTES POR ÁREA DE ATUAÇÃO4

12 | AS VOZES DO DIÁLOGO

NS/NR

Outros

Infância e juventude

Agricultura/ Pesca/ Abastecimento

Meio ambiente

Assistência social

Movimento negro/ Comunidades tradicionais

Direito humano à alimentação/ SAN

Movimento de mulheres

Saúde e nutrição

Economia solidária e cooperativismo

Reforma agrária/ Agricultura familiar

Educação e cultura

0 5 10 15 20 25 30

2.0

4.8

2.7

8.2

15.0

15.6

17.7

18.4

20.4

20.4

25.9

28.6

29.3

Foram convidadas preferencialmente para os GDs pessoas que já tivessem alguma participação no

movimento de segurança alimentar, mas que não fossem dirigentes, presidentes ou da cúpula da

organização, associação ou movimento. Apesar deste perfil de atuação mais de base, buscou-se que

os(as) participantes(as) identificados(as) fossem potenciais formadores(as) de opinião, sendo lide-

ranças comunitárias ou mais intermediárias dentro de sua organização, movimento ou entidade.

Esta composição mista conseguiu ser garantida, visto que 42,2% dos(as) participantes(as) dos GDs

afirmaram pertencer a movimentos sociais e 25,9% atuam em associações ou federações comuni-

tárias ou de base.

4. Nesta pergunta os(as) participantes poderiam dar mais de uma resposta.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

FIGURA 6: PARTICIPANTES POR SEGMENTO5

AS VOZES DO DIÁLOGO | 13

0 10 20 30 40 50

NS/NR

Outros

Centrais sindicais/ Federações/ Associações de classe

Instituições religiosas

Pastorais sociais

ONGs

Associações/ Federações comunitárias de base

Movimentos sociais 42.2

3.4

4.1

11.6

12.2

17.7

20.4

25.9

28.6

13.6

57.8

Sim (28.6%)

Não (57.8%)

NS/NR (13.6%)

A participação em conselhos, fóruns ou conferências de segurança alimentar e nutricional não era

pré-requisito para integrar os GDs. Contudo, pelo perfil das entidades e organizações convidadas

e pelas áreas de atuação, esperava-se que boa parte das pessoas que compuseram os Diálogos já

tivessem participado de espaços de discussão e deliberação sobre Segurança Alimentar e Nutri-

cional. No entanto, apenas 28,6% afirmaram participar de algum conselho de SAN, e 21,1% de

fóruns da área. A maioria declarou nunca ter participado de conferências de SAN.

FIGURA 7: PARTICIPAÇÃO EM CONSELHOS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

5. Nesta pergunta os(as) participantes poderiam dar mais de uma resposta.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

FIGURA 8: PARTICIPAÇÃO EM FÓRUNS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

14 | AS VOZES DO DIÁLOGO

FIGURA 9: PARTICIPAÇÃO EM CONFERÊNCIAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

21.1

16.362.6

Sim (21.1%)

Não (62.2%)

NS/NR (16.3%)

21.1

16.362.6

Sim (21.1%)

Não (62.6%)

NS/NR (16.3%)

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

A fome no Brasil é um fenômeno complexo e multifacetado, portanto são muitos os caminhos para

enfrentá-la. A resposta para este problema histórico não se dará por uma única ação, muito menos

no curto prazo. São estes alguns dos consensos construídos nos Grupos de Diálogo e que se apre-

sentam como pressupostos para delinear as escolhas feitas pelos grupos. Os seis GDs realizados

optaram por combinações que incluíram elementos dos quatro caminhos propostos. No entendi-

mento dos(as) participantes, tais caminhos são relevantes, “complementares”, “interligados”, “não

se dissociam”. Cada um deles atinge certa especificidade ou dimensão do processo de inclusão e

conquista de direitos. Segundo os grupos, todos eles “fazem parte da solução”, levam a um lugar

comum: o do direito humano à alimentação.

Como pano de fundo da discussão referente à combinação de caminhos está o entendimento do

grupo acerca do que é considerado estrutural e o que seria emergencial, embora não tenha sido

estabelecida contradição entre estas duas naturezas de políticas públicas. O grupo entende que a

garantia do direito humano à alimentação é um processo, que passa por iniciativas de curto, médio

e longo prazo, de emergenciais a estruturantes. São consideradas políticas estruturantes aquelas

relacionadas à produção e distribuição de alimentos e à geração de trabalho e renda; e emergen-

ciais, o Programa Bolsa Família e as iniciativas de assistência alimentar.

A saída está na articulação dos quatro caminhos. Por quê? Porque o que exige ali é uma mu-

dança estrutural no nosso modo de ver, e essa mudança é estrutural: ela só se dá dentro de

um processo a curto, médio e longo prazo.

Rio Grande do Sul

Os(as) participantes do Diálogo fazem uma separação, mas não uma ruptura, entre as políticas emer-

genciais e as estruturantes. De forma geral, houve uma preocupação em combiná-las, entendendo a

importância de todos os caminhos, embora as políticas estruturantes sejam mais valorizadas.

Tendo como base a forma como foi conduzido o debate pelos próprios grupos, a análise se organi-

za a partir de quatro grandes eixos: Programa Bolsa Família e assistência alimentar; produção e

abastecimento alimentar; trabalho e renda; e intersetorialidade, controle social e participação.

Neste capítulo será apresentada uma síntese dos saberes e das práticas relacionadas a cada um

destes eixos e as correspondentes proposições de políticas públicas expressas pelos grupos.

A. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E ASSISTÊNCIA ALIMENTAR

Durante os Dias de Diálogo, houve uma grande tendência em avaliar de forma conjunta as políticas

de assistência alimentar e o Programa Bolsa Família (PBF). Significados comuns foram atribuídos

às iniciativas de ambos os caminhos, qualificados com expressões como “compensatório”, “as-

sistencialista”, “emergencial” ou ainda “de curto prazo”. Surpreende na análise das falas o fato de,

ainda que a avaliação de tais iniciativas, nos diferentes GDs, esteja impregnada de significados

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 15

IV. CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

comumente empregados para desqualificar as políticas públicas ou classificá-las em segundo

plano, os grupos avaliarem que, tanto o Programa Bolsa Família como as ações de assistência ali-

mentar são fundamentais para a garantia do direito humano à alimentação.

Este posicionamento parte da compreensão comum de que quem está vivenciando a insegurança

alimentar precisa ser assistido(a) e de que o Estado tem a obrigação de garantir a todos(as) os(as)

brasileiros(as) o direito humano a uma alimentação adequada. Pressupõe que uma grande parcela

da população do país esteja à margem do processo de desenvolvimento nacional e fora do merca-

do de trabalho, e que esta exclusão social é fruto da profunda e histórica desigualdade brasileira.

Há, portanto, uma dívida social a ser paga.

Essa população é fruto do sistema que negou direitos. Deve receber assistência.

Rio Grande do Sul

Do ponto de vista dos(as) participantes dos GDs, a superação da pobreza depende de ações mais

emergenciais, que garantam direitos mínimos, mas deve ser acompanhada de ações consideradas

mais estruturantes, como as de produção e abastecimento, e aquelas capazes de gerar emprego e

renda. Apesar de consideradas necessárias, políticas de natureza assistencial devem ser imple-

mentadas por um tempo determinado e de forma complementar, pois não garantem a emancipa-

ção da população e não resolvem o problema da fome a médio e longo prazo.

É certo o dever do Estado em garantir alimentos a quem precisa, porque recolhe impostos pa-

ra dar qualidade de vida à população. Porém, para ter direito à cidadania é mais importante

que a pessoa seja sujeito de seu processo.

Minas Gerais

Em relação ao Programa Bolsa Família, não há uma visão comum: todos os GDs reconheceram a neces-

sidade de políticas compensatórias aos que estão estruturalmente excluídos do mercado, valorizando

assim o papel que o PBF desempenha neste sentido. É comum a avaliação de que muitas pessoas não

teriam outros meios de sobreviver não fosse por esta política. O programa é visto como um “processo

de inclusão”, como “única política que chega aos(às) mais pobres”, como programa que tira as pessoas

da “miserabilidade”. Esta linha de percepção é mais defendida por aqueles(as) que já vivenciaram ou

estabelecem uma relação mais próxima com a pobreza e a insegurança alimentar, como no caso de

participantes que já passaram fome ou que têm uma atuação direta com comunidades pobres.

Ainda que a visão sobre o Bolsa Família seja predominantemente positiva e que se reconheça a

necessidade de garantir direitos mínimos às pessoas mais pobres, o programa também é percebido

como uma política “isolada” como estratégia de combate à pobreza e à fome. As condicionalidades

são consideradas insuficientes para garantir a emancipação das famílias, assim como o investimento

em políticas complementares capazes de facilitar a inserção das famílias no mercado de trabalho. Os

grupos expressaram o receio de que o PBF se torne a ação prioritária do governo no combate à fome,

em detrimento aos demais caminhos propostos pelo GD, devido à sua amplitude e à centralidade que

tem sido dada ao programa, em termos de orçamento e discurso oficial do governo.

16 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

(…) Hoje as pessoas precisam, sim, de ajuda assistencialista imediata, mas também de ações pen-

sadas e planejadas para longo prazo, como trabalho, educação e conscientização. (…) Não dá para

esperar para gerar emprego para que eles possam se alimentar (…)

Goiás

O Bolsa Família é um complemento emergencial, mas não é como uma política principal do

governo, e me parece que é isso que está querendo ser puxado.

Pará

É clara para os grupos a necessidade de maior investimento em iniciativas de geração de trabalho

e renda articuladas ao PBF. Falta, porém, clareza em relação ao que se quer dizer com isso. São

muitas as falas que indicam processos de capacitação e formação, sem maior aprofundamento.

Esta falta de clareza se confirma no debate referente ao Caminho 4, sobre a geração de trabalho e

renda, que, apesar de apontado como o mais importante, foi o menos propositivo.

Nos Grupos de Diálogo, ainda que não de forma predominante, foi presente a idéia de que o Bolsa

Família gera acomodação. Por vezes, a responsabilidade recai sobre os pobres, que, do ponto de

vista de alguns/algumas participantes, preferem receber benefícios do que trabalhar. Em outros

momentos, recai sobre o próprio desenho do programa, que estimularia esta postura por não

encaminhar as famílias para o mercado de trabalho. Houve relatos de pessoas que consideram

preconceituoso o discurso da “acomodação dos pobres”, e que não concordam com a visão de que

o programa, além de desestímulo ao trabalho, gera desmobilização. Para elas, a falta de organiza-

ção e participação das camadas mais pobres nas decisões que afetam suas vidas ocorre, sobretu-

do, por falta de apoio para a organização coletiva.

Essas pessoas que recebem essa Bolsa Família ficam tão acomodadas… Algumas pessoas que a

gente conhece, a gente que trabalha com um grupo de mulheres na base, lá na zona rural…

ficam tão acomodadas a receberem… Chegar no fim do mês, ir lá, e pegar o cartão para sua sus-

tentabilidade… Eu acho que é [importante] criar formações, capacitações, qualificar esse pes-

soal do Bolsa Família para que não fique só naqueles R$ 120, R$ 90… fique esperando, sabe?

Bahia

Surgiu em um dos GDs a preocupação com a origem deste tipo de discurso, tão presente na opinião

pública, e que vem sendo incorporado também pela sociedade civil organizada, e com “estigmas e

estereótipos” que podem fazer com que as poucas conquistas para os mais pobres sejam perdidas.

(…) quando a gente se posiciona e fala ‘Ah, as famílias se acomodam’, a gente tem até que

tomar cuidado com esse discurso porque cria estigmas e estereótipos para essas famílias.

Também porque é dever, é papel do Estado ter esses programas, mas articulado a isso, aquilo

que todos os grupos pontuaram, que é o quê? A inserção do trabalho, a efetivação de políticas

associadas à cultura e à educação.

Goiás

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 17

Em alguns dos GDs surgiram propostas em torno do estabelecimento de prazos determinados para o

Programa Bolsa Família. Algumas delas dizem respeito à determinação da duração do vínculo das

famílias, outras pretendem definir metas para a extinção do programa. As recomendações expressam

a preocupação, por um lado, de que as famílias permaneçam eternamente no programa e deixem de

buscar formas de auto-sustentação, por medo de perder o benefício, e por outro, o receio de que os

governos priorizem o PBF e não adotem metas que venham a propiciar a emancipação das famílias.

Minha grande preocupação com o programa é de que ele seja eterno. Ele não é visto como

deveria, como uma coisa com período pra começar e terminar.

Bahia

As pessoas não querem mais arrumar um emprego porque já têm a Bolsa Família. Não deveria

ser uma coisa de mão beijada, mas que fosse feita uma troca para não ser totalmente gratuito.

Pará

(…)diagnosticada a situação, elas começam a receber essa ajuda. Só que durante um ano, por

exemplo, elas vão receber toda essa assistência, mas vão ter que encontrar uma forma de tra-

balhar, uma forma de ganhar. Não é só um emprego formal não, tem “ene” formas de uma

pessoa se manter sem ter um emprego formal, né?

Goiás

Para os(as) participantes dos Grupos de Diálogo, as famílias beneficiadas pelo PBF precisam ser

“acompanhadas”, o que, em outras palavras, significa fortalecer as ações de assistência social e

ampliar as políticas complementares ao programa, que, com o tempo, possam viabilizar sua emanci-

pação. As ações complementares propostas são principalmente as de formação profissional e gera-

ção de trabalho e renda, seguidas de iniciativas de educação alimentar. Foram também recomenda-

das ações específicas no campo da educação e da cultura. Dentre as recomendações no campo da

educação alimentar, merece destaque a proposta de “reeducação alimentar comunitária”, que esta-

belece relação entre assistência alimentar, educação nutricional, consumo e produção de alimentos.

As falas explicitam desconfianças sobre a focalização do Programa Bolsa Família e as formas de

cadastro. Houve relatos, principalmente, sobre famílias que deveriam receber o PBF e não rece-

bem. Como aspecto positivo, foi ressaltado o fato de que o programa é transferido diretamente

para a população pobre, sem a intermediação do município. Isto evitaria a corrupção e contribui-

ria para o rompimento da cultura coronelista no âmbito local. Tal estratégia garante ainda que o

recurso transferido chegue, de fato, às famílias.

Em relação às políticas de assistência alimentar, as mais citadas pelos(as) participantes dos Gru-

pos de Diálogo foram as doações de cestas básicas. Equipamentos públicos, como restaurantes

populares e bancos de alimentos, foram pouco citados e considerados mais adequados aos gran-

des centros urbanos. Os grupos apresentaram concordância com a distribuição de cestas básicas

nos casos de “situações extremas”, referindo-se, sobretudo, aos casos de calamidade ou acidentes

18 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

naturais (secas, incêndios, enchentes, guerras). A distribuição de cestas básicas é vista como fator

importante para a sustentabilidade de acampamentos da reforma agrária, representando uma

ação estratégica para a garantia do objetivo maior, que é viver dignamente a partir da terra.

Nós queremos a terra. Nossa briga não é pela cesta básica, nossa briga é pela terra. Mas en-

quanto não chega, enquanto eles não têm a boa vontade de fazer o assentamento, a gente bri-

ga, no bom sentido da palavra, para que exista o recurso do MDS para as cestas.

Bahia

No que diz respeito à distribuição de alimentos pelo Estado, para a camada da população mais vul-

nerável à fome, os grupos apontaram uma série de ressalvas. Dentre elas, ganhou mais destaque

a de que os alimentos doados devem ser de qualidade e adequados do ponto de vista nutricional e

cultural. Os(as) participantes dos GDs relataram uma série de casos de inadequação dos alimentos

oferecidos, seja na alimentação escolar ou nas cestas básicas oferecidas. No caso de povos tradi-

cionais, como os indígenas, recomendaram que cada comunidade seja consultada previamente à

definição da composição das cestas.

Nós [indígenas] sofremos nesta parte das cestas básicas que são distribuídas porque temos

uma cultura diferente. Então, as famílias não aceitam as comidas que estão na cesta. Acho que

quando foram formando estas cestas, tinham que consultar as comunidades.

Rio Grande do Sul

As iniciativas de assistência alimentar são mais valorizadas quando ganham sentido no fortaleci-

mento dos sistemas locais de produção e consumo. Em todos os grupos, de forma mais explícita

ou menos, tais políticas são recomendadas contanto que associadas à produção local de alimen-

tos. Desta forma, para além de levar comida a quem precisa, tais políticas incorporariam um cará-

ter mais estruturante visto que favoreceriam também o desenvolvimento local.

Para os grupos, as compras públicas feitas com o objetivo de suprir as iniciativas de assistência ali-

mentar não devem seguir a lógica mercantil, que necessariamente privilegia a indústria de alimentos

e favorece a concentração da distribuição de alimentos. Devem ser orientadas, todavia, para o fortale-

cimento da agricultura familiar e da produção local e a valorização dos hábitos alimentares regionais.

Essa questão de você estar ligando a distribuição de alimentos à industria alimentícia, pra mim, é

uma grande falha da política: você acaba mudando a cultura de um povo, quando uma indústria se

propõe a este papel. Ela tem a intenção, infelizmente, de levar a sua marca para aquela família.

Bahia

Eu diria que, parcialmente, considero importante: tem que dar condições para a ação emer-

gencial caminhar para a estrutural. Por exemplo: trabalhar as cestas básicas do programa de

aquisição de alimentos da agricultura familiar é política emergencial, mas não é com cestas

básicas que vêm de grandes empresas. Ajudaria a família do agricultor e a família que recebe.

Mataria dois coelhos com uma cajadada só.

Rio Grande do Sul

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 19

Um dos grupos chegou mesmo a sugerir a necessidade de estratégias que direcionem o recurso

proveniente do Bolsa Família para a economia local.

Então, nós entendemos que deveria existir algum mecanismo que vinculasse a renda dos bene-

ficiários do Programa Bolsa Família à aquisição de produtores locais. Por quê? (…) A questão

é o seguinte: com essa renda, adquirem bens alimentícios, com produtos de quem? Das gran-

des corporações nacionais, dos grandes supermercados, dos grandes né? E aí, os produtores

rurais locais ficam enfraquecidos, né? Então, nós pensamos que deveria ter um mecanismo,

não sei, uma estratégica para reverter essa lógica.

Bahia

Os grupos avaliaram que as políticas de assistência alimentar são insuficientes para atender a

todas as pessoas que precisam. Os municípios não têm investido em mapear as regiões onde há

maior concentração de famílias em situação de insegurança alimentar. Tampouco em pesquisas

que ajudem a identificar quais são as necessidades alimentares da população, o que leva a

ações mal focalizadas e ineficientes. Os(as) participantes dos GDs identificam também um enor-

me desperdício de alimentos produzidos, não só pela industria e pelo comércio, mas também

pelos(as) pequenos(as) produtores(as). Do ponto de vista dos grupos, faltam estratégias para se

combater este desperdício.

A alimentação escolar foi bastante valorizada como forma de fazer chegar alimentos às famílias

mais pobres, porém as mesmas ressalvas que se aplicam às iniciativas de assistência alimentar

cabem para a merenda escolar. Deve haver maior preocupação com a qualidade, a diversificação e

a adequação dos alimentos, e também maior articulação com a produção local. De acordo com

os(as) participantes, falta vontade política, por parte das prefeituras, de organizar a compra direta

dos(as) produtores(as) locais.

Um grande consenso que saiu como resultado de todos os GDs é que o controle social das políticas

de assistência alimentar e do programa Bolsa Família precisa ser fortalecido, de forma a inibir prá-

ticas clientelistas, coronelistas e eleitoreiras que costumam acompanhar tais iniciativas. O contro-

le social foi apontado como um dos principais limites destes programas.

B. PRODUÇÃO E ABASTECIMENTO

O debate sobre o caminho referente à produção e ao abastecimento alimentar foi considerado

pelos(as) participantes dos Grupos de Diálogo como prioritário para a garantia do direito humano

à alimentação, e estruturante, pela sua capacidade de garantir a soberania alimentar do país e de

viabilizar a autonomia das famílias pobres rurais, que deixariam de depender de programas de

caráter mais assistencial.

A política de produção e abastecimento é, a meu ver, estruturante, é onde está a esperança de

autonomia das famílias.

Bahia

20 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

No contexto dos Grupos de Diálogo, há um grande consenso quando se fala de políticas de produção

e abastecimento alimentar: a intervenção do Estado, no que diz respeito a estas políticas, tem seu

foco no mercado, e não na soberania e segurança alimentar da população. São muitos os sinais

apontados, dentre os quais se destaca a priorização de investimento em políticas voltadas para o

agronegócio e a exportação em detrimento da agricultura familiar. Os(as) participantes destacam

ainda que a baixa intervenção do Estado no abastecimento alimentar favorece a concentração

desta atividade em grandes redes de distribuição e comercialização, o que prejudica a pequena pro-

dução e compromete o acesso aos alimentos, principalmente para as famílias de mais baixa renda.

O agronegócio é muito mais incentivado do que o pequeno. Enquanto eles colocam milhões, bilhões na

mão do agronegócio, para o pequeno são uns centavinhos.

Bahia

O Brasil está tomado por redes multinacionais que dominam grande parte da distribuição de ali-

mentos no país. Uma parte destes alimentos vem do agronegócio, e a agricultura familiar não

consegue pôr os produtos nesse esquema de distribuição. Só que não tem nenhuma intervenção

do governo para controlar a distribuição dos alimentos.

Rio Grande do Sul

Na visão dos(as) participantes, as políticas de produção e abastecimento devem estar centradas

no atendimento das necessidades alimentares e de auto-sustento da população, invertendo a lógi-

ca das políticas atuais, que apontam prioritariamente para o mercado externo e o lucro. Para os

grupos, o Estado deve ampliar sua intervenção no fortalecimento de redes locais de produção, co-

mercialização e consumo.

Outro consenso possível em todos os seis Grupos de Diálogo foi o de que a agricultura familiar (ou

camponesa) é a forma de produção mais adequada para suprir as necessidades alimentares da

população brasileira, tanto no sentido da quantidade e da qualidade dos alimentos, quanto da sus-

tentabilidade ambiental.

A soberania alimentar da população dependeria, então, de maior incentivo à agricultura familiar. No

debate dos grupos, os conceitos de soberania, segurança alimentar e direito humano à alimentação

apareceram como conceitos complementares, sendo que a discussão sobre soberania alimentar foi

marcada não apenas no sentido de afirmar que a produção de alimentos deve estar centrada no mer-

cado nacional, mas também por valorizar os circuitos de produção e consumo local e a adequação dos

alimentos produzidos aos hábitos alimentares de cada região. Políticas de incentivo à produção fami-

liar são vistas ainda como iniciativas que podem garantir a geração de renda e a autonomia para as fa-

mílias pobres que produzem alimentos. São consideradas estratégias que, para além da segurança ali-

mentar, podem garantir as condições para que as famílias rurais permaneçam no campo de forma

autônoma e digna.

É preciso dar condições para o agricultor ficar no campo, e não vir para as cidades aumentar

os bolsões de pobreza.

Rio Grande do Sul

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 21

A promoção e a efetivação para a agricultura familiar, no nível rural e no urbano, por parte

dos governantes, com ações estruturantes, gerariam e promoveriam o desenvolvimento, né?

Se a agricultura familiar tivesse esse apoio, essa estrutura que a gente falava aqui de cima…

geraria e promoveria o desenvolvimento local para as pessoas, para as famílias.

Rio de Janeiro

A idéia fundamental que norteou o debate nos seis Grupos de Diálogo é a de que o alimento não deve

ser tratado como mercadoria e que o Estado deve desempenhar um papel para que a produção e a dis-

tribuição de alimentos não fiquem sujeitas exclusivamente aos anseios do mercado, sob o risco de vio-

lação do direito humano à alimentação. As estratégias apontadas pelos diferentes Grupos de Diálogo

como forma de consolidar um modelo de produção e abastecimento fundamentado na soberania ali-

mentar e no direito humano à alimentação aparecem de forma clara e apresentam grande similaridade.

Em linhas gerais, os consensos construídos pelos diferentes Grupos de Diálogo apontam para

demandas antigas, como a reforma agrária e as diversas estratégias de fortalecimento da agricul-

tura familiar. O que o Diálogo traz como novidade é a valorização de iniciativas públicas capazes

de aproximar ou “encurtar o caminho” entre a produção e o consumo, entre o campo e a cidade, e

de assegurar o preço dos alimentos. Neste campo de ação se destacam o Programa de Aquisição

de Alimentos (PAA)6, criado em 2004, e os instrumentos públicos de abastecimento alimentar.

Surgiu nos grupos uma série de depoimentos que apontam a inexistência de políticas capazes de

distribuir de forma justa os alimentos e de apoiar a comercialização dos produtos da agricultura

familiar. Atualmente, o PAA aparece como a única iniciativa de amplitude nacional que cumpre

este papel, porém ainda de forma limitada. Na avaliação de alguns/algumas participantes, canais

públicos de abastecimento alimentar, como as centrais de abastecimento, os mercados e as feiras

municipais, não são mais prioridade tanto do poder público como dos(as) próprios(as) agriculto-

res(as), que, com o tempo, foram deixando de reivindicar e ocupar estes espaços. De maneira

geral, os grupos apontam o potencial de iniciativas desta natureza.

O Estado tem a obrigação de investir na questão de feiras municipais, que, pra mim, é a ques-

tão de diminuir esse caminho entre o produtor e o consumidor.

Bahia

A gente precisa ter um controle maior dessas centrais (de abastecimento) e favorecer real-

mente o pequeno agricultor daquele município, exemplo de BH, em que agricultores foram for-

talecidos, organizados em cooperativas, orientados para a produção com qualidade sanitária,

e para a comercialização organizada em bairros mais populares, incentivando a alimentação

de qualidade a baixo custo e garantia de preço justo para o produtor.

Bahia

22 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

6. O PAA é um mecanismo de política pública que permite ao governo comprar produtos da agricultura familiar de

maneira rápida e descomplicada e encaminhar esses alimentos a quem precisa. O programa é interministerial, coorde-

nado pelos ministérios de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Desenvolvimento Agrário (MDA), e execu-

tado pelos governos estaduais e municipais e, em âmbito federal, pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Dentro da lógica de aproximação da produção e do consumo, foram valorizadas iniciativas que

articulam a produção local de alimentos aos gastos públicos com alimentação (escolas, hospitais,

presídios, restaurantes populares, cozinhas comunitárias…), aos moldes do quem vem sendo feito

pelo PAA. O programa é destacado como um exemplo de política que garante, em uma única ação,

a independência do(a) pequeno(a) agricultor(a) e o fornecimento de uma alimentação saudável e

adequada a quem está em situação de vulnerabilidade alimentar.

Porém, na avaliação dos(as) participantes, o PAA ainda atende um número muito pequeno de

famílias e tem-se tornado cada vez mais “engessado”, por conta da burocracia e das exigências.

Muitas vezes é inacessível às pessoas que vivem da pequena agricultura, justamente aquelas que

enfrentam as maiores dificuldades para inserir seus produtos no mercado.

Os grupos expressam, por um lado, o reconhecimento das boas intenções do governo federal no

sentido de aperfeiçoar esta política, e por outro, a falta de apoio político local, especialmente mu-

nicipal, a estas iniciativas. A longo prazo, reconhecem o risco de que, na falta de outras iniciativas

de apoio à comercialização, os(as) pequenos(as) produtores(as) se tornem dependentes das com-

pras governamentais. Ainda que o PAA tenha sofrido uma série de críticas, ele foi amplamente dis-

cutido e valorizado em todos os grupos de diálogo e reconhecido como uma das poucas iniciativas

do governo com ampla aceitação, que agrada a todos e todas, a “gregos e troianos”.

O PAA consegue agregar um conjunto de ações que eu nem sei se quem o idealizou tem noção

disso. Eu trabalho na assessoria a grupos que acessam o programa. Há transformações no

campo dos costumes, do hábito alimentar até, troca de conhecimento entre agricultores, coo-

peração entre as comunidades.

Bahia

O caminho referente à produção e ao abastecimento alimentar é apontado como estruturante, não

só por sua capacidade de garantir a soberania alimentar do país, mas também como estratégia de

autonomização das famílias rurais. Neste sentido, diferentes depoimentos apontaram para a

necessidade de um tratamento diferenciado para o(a) agricultor(a) familiar na sua relação com o

Estado. Atualmente, a produção e a comercialização são dificultadas por uma série de exigências,

burocracias e custos que acabam por fragilizar ainda mais a agricultura familiar.

Dentre todas as dificuldades enfrentadas, as que obtiveram maior destaque na discussão dos gru-

pos foram as relacionadas ao atendimento dos padrões sanitários e às certificações exigidas pela

legislação. Se por um lado agricultores e agricultoras reconhecem a necessidade deste tipo de

controle, por outro, não encontram estrutura nem assistência para sua orientação. Do ponto de

vista dos(as) participantes dos Grupos de Diálogo, a legislação precisa ser flexibilizada e as pes-

soas que vivem da agricultura familiar devem receber apoio, formação e assistência técnica para

se adequarem às exigências da lei. Estas barreiras de acesso ao mercado vão privá-las de fornecer

alimentos mesmo para as iniciativas públicas como o PAA e a alimentação escolar.

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 23

Há dois processos que contribuem para segurança do produto: a questão da redução dos agrotóxicos

– aí tem o processo de certificação orgânica – e o processo de sanidade. Então, o que foi que o gover-

no fez agora? Mandou fechar todos os frigoríficos, por uma questão de higiene e de processamento

dos caprinos. Agora, para ele fechar, poderia ter primeiro criado estrutura, porque se no semi-árido

uma das bases econômicas maior é a caprinovinocultura, então se você dificulta o processamento e

a comercialização dessa base de produção das famílias, você vai deixar as famílias vulneráveis à

fome, porque o que se tem é o bode; se não pode vender, com que dinheiro que vão viver?

Bahia

(…) nós vimos em comunidades rurais escolas consumindo leite importado (…) famílias campo-

nesas que estão ali não conseguem, estão impedidas de abastecer as escolas com alimentos.

Pará

Os impostos e encargos são altos a ponto de inviabilizar a formalização das iniciativas e o excesso de

exigências e burocracia para acessar crédito acaba por excluir desta possibilidade uma série de produ-

tores(as). Na discussão dos grupos, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(Pronaf) apareceu de forma destacada. Ainda que os grupos reconheçam a disposição do governo em

aumentar o orçamento destinado ao crédito agrícola, de acordo com os(as) participantes, a lógica do

Pronaf precisa ser revista e adequada ao modelo de produção camponesa. A forma como o programa

foi concebido não se adéqua ao modo de produção de agricultores(as) familiares, e tende a induzir sua

inserção na cadeia do agronegócio. Além de sua inadequação, as exigências de documentação e

garantias tornam o programa inacessível ou pouco atraente para grande parte deles e delas. Os gru-

pos avaliam que, para se tornar sustentável, o programa precisa contar com um forte componente de

assistência técnica aos produtores e às produtoras.

O Pronaf, como ele está hoje, na verdade, insere o produtor familiar no agronegócio, mas não

insere o produtor no modelo de agricultura camponesa.

Pará

No nosso caso, indígenas, trabalhamos com quase mil Pronafs, mas faltou assistência técnica

por parte da Funai, e a gente teve dois verões puxados, por falta de chuva. E aí os índios, des-

preparados, até pra alimentação dos animais, não tiveram como fazer plantio. Então, este ano

mesmo, a situação foi difícil dentro da comunidade indígena. Nós ficamos complicados. E até

agora estamos ainda numa situação difícil.

Porto Alegre

Ainda que bem-intencionadas, as políticas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar,

pelos motivos já relatados, tornam-se excludentes e inacessíveis para as pessoas mais vulneráveis

que, mediante a incapacidade de comercializar sua produção, acabam por se dedicar exclusiva-

mente ao cultivo de alimento para o autoconsumo. A necessidade de gerar renda, em muitos

casos, faz com que potenciais autônomos(as) produtores(as) de alimentos se tornem trabalhado-

res(as) temporários(as), migrem para outros mercados de trabalho pouco qualificados e mal-remu-

nerados e até mesmo para os bolsões de pobreza das grandes cidades, reforçando ainda mais o

quadro de insegurança alimentar, seja no campo ou nas grandes cidades.

24 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

Os Grupos de Diálogo frisaram a importância de trazer a reforma agrária para o centro do debate

sobre o direito humano à alimentação. Para eles, não há como garantir a segurança alimentar no

país, muito menos das famílias mais pobres, se não houver um amplo processo de reforma agrária

e de democratização do acesso aos recursos hídricos. Estas estratégias são consideradas funda-

mentais para ampliar a base de produção de alimentos baratos e de qualidade, o que apresenta

estreita relação com a soberania alimentar.

Dá a impressão de que o governo se faz de surdo (…) para favorecer a questão da alimentação

saudável, alimentação adequada, segurança alimentar, condições dignas de vida para as pes-

soas. Tem que haver a questão da distribuição das terras, né? Então, isso foi levantado na

conferência de segurança alimentar, isso foi levantado na conferência dos territórios, mas a

gente não vê isso acontecendo.(…) O povo grita, pede isso (…).

Minas Gerais

Para além do acesso á terra, o acesso à água, aos recursos hídricos, aí dentro estão as tecno-

logias de convivência com o semi-árido, tecnologia de captação de água e armazenamento,

cuidado com a água, a transposição. Eu senti que o documento é indiferente a isso.

Bahia

Como forma de organização da força produtiva, os Grupos de Diálogo valorizaram as cooperativas

e associações de produtores. Redes de produção e consumo foram também estratégias indicadas

como forma de escoar a produção. Nos consensos construídos ao final de cada um dos grupos,

esteve presente, como proposta de enfrentamento da fome, o fortalecimento da economia solidá-

ria. Porém, ela aparece mais como valor do que proposta de políticas públicas, sendo muito indica-

da como estratégia de geração de trabalho e renda em contextos urbanos. A agroecologia não

ganhou nos Grupos de Diálogo o mesmo destaque que vem conquistando no debate público, ainda

que tenha sido apontada por alguns/algumas participantes como o sistema “ideal”, por ser ecolo-

gica e economicamente sustentável e socialmente justo e solidário.

As dificuldades que as famílias enfrentam para permanecer no campo passam também pela inade-

quação do sistema educacional à realidade das famílias rurais. Segundo depoimentos, cada vez

mais cedo as crianças são afastadas de suas comunidades para estudar, tanto no sentido da neces-

sidade de deslocamento para chegar às escolas, como pelo conteúdo daquilo que é ensinado. Os

relatos sobre o transporte escolar reportam ao risco, ao cansaço e ao desconforto impostos a

crianças e jovens que acabam mudando-se para a área urbana dos municípios.

A falta de opção em termos de lazer e cultura leva os jovens para as cidades, bem como a escassez

de oportunidade de geração de trabalho e renda, que faz com que muitas vezes os próprios pais e

as próprias mães incentivem filhos e filhas a ir para as cidades, em busca de educação e trabalho.

O currículo educacional das escolas não prepara os(as) jovens para o mundo do trabalho rural.

Neste sentido, os grupos apontam a necessidade de uma educação voltada para a realidade do

campo, aos moldes de uma série de experiências de “escolas-famílias” que vêm sendo implemen-

tadas pelo país, praticamente sem apoio governamental.

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 25

As crianças estão sendo raptadas lá da roça. De madrugada, entra um ônibus velho caindo aos peda-

ços trazendo para cidade. Para vivenciar, para estudar no mundo às vezes que está fora da realidade.

Goiás

Para continuar na área rural produzindo, e produzindo com qualidade, tem que ter uma educação

diferenciada, e aí nos importa muito algumas escolas que têm dado certo, algumas escolas de famí-

lia rural que têm dado certo com a pedagogia da alternância. (…)

Pará

C. TRABALHO E RENDA

As políticas de geração de trabalho e renda foram apontadas como prioritárias para responder à

Questão do Diálogo: como garantir o direito humano à alimentação às famílias mais vulneráveis à

fome? Percebe-se a partir das falas que este ponto de vista expressa, sobretudo, um valor: a cen-

tralidade do trabalho remunerado na sociedade em que vivemos, e seu significado para a dignida-

de e autonomia das famílias. É por meio do próprio trabalho, e não de políticas assistenciais, que

as famílias mais vulneráveis à fome devem obter seu sustento.

O trabalho é estruturante para a vida do homem e da mulher. Então, através do trabalho, [a

pessoa] vai conseguir ter auto-estima, responsabilidade e autonomia. E com essa situação, ter

comida, ter cultura, ter moradia, educação, acesso a saúde…

Minas Gerais

Apesar de apontado como prioritário, este foi o caminho que apresentou as análises mais sintéti-

cas, e também a menor clareza de propostas em termos de políticas públicas. Em relação às famí-

lias que vivem no campo, as propostas apareceram de forma mais clara e combinadas com as polí-

ticas de produção e abastecimento alimentar. No entendimento do grupo, o(a) trabalhador(a) do

campo não precisa necessariamente de um emprego ou trabalho de carteira assinada, para gerar

renda: o fundamental é o acesso à terra, à água e às condições de produção.

Mais do que emprego e trabalho, as pessoas precisam de ocupação de mão-de-obra, e essa

ocupação pode vir pelo acesso à terra. Então, dos quatro caminhos, eu acho que o que está

faltando realmente é a questão da política de reforma agrária.

Bahia

Para as famílias urbanas, as alternativas de geração de trabalho e renda não aparecem de forma tão

clara. De modo geral, aparecem como alternativas duas grandes tendências: a economia solidária, o co-

operativismo e a autogestão; e a formação e a capacitação, visando à inserção no mercado de trabalho.

Um dos grupos apontou a necessidade de mobilizar os diferentes segmentos da sociedade para

elaborar e fazer avançar uma proposta popular de enfrentamento da crise do trabalho, centrada

em “uma economia para descentralizar, desburocratizar e apostar mesmo numa emancipação,

num novo modelo”.

26 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

A gente precisa construir pontos populares de trabalho. Precisamos que o Estado, nas suas

três esferas, garanta estruturas: estrutura local, estrutura de maquinário, estrutura física e

estrutura de trabalho mesmo. Isso seria administrado pelos próprios trabalhadores e associa-

ções. (…) É preciso começar a discutir isso: se a gente também não for ousada de propor algu-

ma coisa, vão ser só essas políticas públicas compensatórias.

Rio de Janeiro

Assim como no caminho referente à produção e ao abastecimento, os grupos apontam a necessida-

de de adequação da legislação para a realidade dos pequenos empreendimentos, com o objetivo de

viabilizar a produção familiar, tanto no campo como na cidade. Os(as) participantes diagnosticaram

que as leis existentes tratam da mesma forma pequenos(as) e grandes empreendedores(as). Os

impostos que recaem sobre o(a) pequeno(a) empreendedor(a) e as cooperativas, muitas vezes,

inviabilizam os negócios. As cooperativas também não avançam por fatores como a falta de asses-

soria e a dificuldade para inserir os produtos no mercado. Os grupos ressaltaram ainda que há, por

parte da população, uma descrença no trabalho coletivo e a preferência por empregos formais.

Iniciativas de trabalho e renda são fundamentais, né? Pra gente poder fortalecer essas inicia-

tivas de pequenas cooperativas, grupos de produção… Porém, a gente tem que ver que ainda

existem muitos entraves burocráticos, né? Encargos, taxas… E isso dificulta muito. São muitos

tributos que impedem os pequenos grupos de se criar e de se manter durante algum tempo.

Rio de Janeiro

Nós somos tão sobrecarregados de impostos quanto qualquer empresa grande, e nós somos

uma cooperativa pequena, só buscando geração de renda para suprir nossas necessidades.

Rio Grande do Sul

Fiz curso de costura, formei um grupo de mulheres, e começamos. Formamos uma cooperati-

va para resolver nosso problema de desemprego, mas é muito difícil de conseguir. Consegui-

mos com a Petrobras as máquinas, mas pra vender o produto, é muito difícil. E também para a

equipe formar profissional: quando elas tão aprendendo, elas arranjam emprego com carteira

assinada e saem. Eu mesma já fiz isso, e depois voltei para a cooperativa.

Rio Grande do Sul

Também em consonância com o caminho referente à produção e ao abastecimento, foram valorizadas

iniciativas capazes de fortalecer as redes locais de produção e consumo. Neste sentido, é considerado

estratégico o incentivo à criação e ao fortalecimento de redes de produção e comércio solidário.

Foi consenso construído em todos os GDs a necessidade de maiores investimentos na qualificação

profissional da população mais pobre, com a ressalva de que, mesmo se forem empreendidos gran-

des investimentos neste tipo de ação, o mercado não será capaz de absorver toda a mão-de-obra

disponível. São justamente as pessoas mais vulneráveis e, portanto, mais expostas à fome, que

continuarão a enfrentar as maiores barreiras de acesso. Foram poucas as alternativas propostas

especificamente para lidar com esta camada da população, e um dos GDs apontou a necessidade

de intervenção do Estado, no sentido da formação de “frentes de trabalho”.

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 27

Ainda que as pessoas sejam qualificadas, o mercado não vai conseguir absorver. E não vai

absorver principalmente aqueles que estão nas condições mais vulneráveis. (…). E aí, se quiser-

mos ser amplos, teremos que perguntar o que fazer com esses excedentes? Porque os que têm

oportunidade estão vislumbrando um futuro. Agora o que fazer com quem não tem o amanhã?

Rio Grande do Sul

O Programa de Aquisição de Alimentos mais uma vez aparece como caminho, destacando-se ainda

sua importância para a geração de trabalho e renda no campo.

D. INTERSETORIALIDADE, CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO

Durante o momento de avaliação dos Dias de Diálogo, uma das questões mais valorizadas foi a

oportunidade do encontro entre diferentes organizações e entidades da sociedade civil organiza-

da, representando os mais diversos segmentos de atuação, ligados, direta ou indiretamente, à luta

pela efetivação do direito humano à alimentação adequada e saudável. Esta reunião de olhares

diversos em um espaço de valorização da identificação de consensos evidenciou o direito humano

à alimentação e o Programa Bolsa Família sob diferentes luzes e enfoques, mas, ao mesmo tempo,

trouxe à pauta a auto-avaliação da atuação dos(as) participantes dos GDs e de suas organizações.

A composição do grupo e seu histórico de participação social fizeram emergir, ao longo dos Dias

de Diálogo, debates acerca de aspectos relacionados à intersetorialidade e ao controle social. É

consenso para o grupo a necessidade de fortalecimento da participação da sociedade civil na for-

mulação e no controle social das políticas públicas, bem como a avaliação de que estas precisam

estar melhor integradas setorialmente e em seus diferentes níveis.

Uma política pública, mesmo que seja um programa, não pode ser mantida somente com o

controle do Estado. A sociedade civil está aí para fazer também esse controle social, e todo

mundo foi unânime em avaliar que esse é um ponto bastante negativo no Programa Bolsa

Família: a falta desse controle social pela sociedade civil.

Bahia

Mas as políticas também precisam ser pensadas em três níveis, né? Na responsabilidade do gover-

no federal, na responsabilidade do estado e responsabilidades do município. Elas não podem estar

dissociadas umas das outras, né? Todos eles têm que assumir sua cota de responsabilidade, né?

Goiás

Diversas falas demonstram o entendimento sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, ou seja,

de o direito humano à alimentação depender da realização de outros direitos. Isto requer o envol-

vimento de diferentes setores, como a saúde, a educação, o trabalho, entre outros. O entendimen-

to acerca da intersetorialidade também se revela nas escolhas feitas pelos grupos, que optaram,

em sua maioria, por combinar os caminhos propostos – ou seja, apresentaram um novo caminho

28 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

contendo elementos de todos os caminhos – e por valorizar ações que integram os diferentes seto-

res, por exemplo, quando propõem a associação do PBF com ações de geração de trabalho e renda

e educação, ou ainda quando reconhecem o caráter integrador do PAA.

A ineficiência no fornecimento de serviços públicos básicos, como saúde, educação, saneamento

básico e habitação, cria terreno fértil para perpetuar relações de clientelismo, coronelismo e as-

sistencialismo, uma das preocupações mais expressas nos Diálogos. Somando-se este fato à vulne-

rabilidade social das famílias que residem em áreas empobrecidas, sejam rurais ou urbanas, e a

dificuldade em estabelecer canais de diálogo da sociedade civil organizada com o governo local,

configura-se um cenário complexo para a concretização da participação popular.

(…) a gente conhece de perto o que significa o clientelismo político, né? As benesses daqueles

que ocupam o poder para distribuir os cartões do Bolsa Família, para inserir nos mais diferen-

tes programas. Eu costumo dizer que o gato, o cachorro e o papagaio da primeira dama têm

direito, têm acesso a tudo a todos esses benefícios, né? Porque é exatamente os que estão

mais próximos e, com isso, lamentavelmente não se consegue um controle social eficaz. Eu sei

que o Bolsa Família tem um índice pequeno de desvio, mas ainda é alvo desses desvios de

clientelismo e de favoritismo.

Goiás

Mesmo indiretamente valorizado, o discurso da intersetorialidade, no que diz respeito à integração

das políticas setoriais, não apareceu nos GDs de forma muito marcada. Maior destaque foi dado a

aspectos relacionados à relação entre os níveis de governo, em especial à falta de engajamento

dos governos municipais com as políticas de SAN e aos desafios da relação entre governo e socie-

dade civil organizada no controle social das políticas públicas.

No que diz respeito à integração entre as três esferas de governo, os grupos percebem dificulda-

des no estabelecimento de conexões, contrapartidas e na divisão de responsabilidades. A avalia-

ção é de que esta dificuldade de articulação gera fragmentação, descontinuidade e desperdício de

recursos públicos. Os Diálogos foram marcados por duras críticas à atuação dos governos munici-

pais, questionados quanto à falta de iniciativa, à ineficiência na gestão dos programas existentes,

ao desvio de recursos públicos e à baixa interlocução com os movimentos e organizações sociais,

até no que diz respeito ao controle social.

Eu vejo que existem vários empreendimentos interessantes, importantes que se tivesse um

apoio da vontade política estariam muito mais fortes, né? Porque aí fariam a interligação com

as esferas estaduais e federais. Então, isso captaria mais recurso para o município em prol

desses empreendimentos.

Pará

Então, se você me pergunta qual é a contrapartida com o município, eu vou falar que é zero

vírgula zero, entendeu? Isso é falta de apoio, é falta de apoio mínimo.

Rio Grande do Sul

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 29

Tem município que nem a parte da Conab (para a alimentação escolar) aceita receber. Mas é

dada, é 0800. (…) Uma coisa dada de graça, né? Isso é pra gente ter idéia do tamanho da

dimensão da vontade política desses gestores.

Bahia

A atuação da esfera federal no que diz respeito às políticas de SAN é reconhecida e valorizada

pelos(as) participantes dos GDs. Foi presente a posição de que o governo federal tem feito sua

parte, e os municípios não.

Isso porque os municípios não estão sintonizados com a política do governo federal, do gover-

no estadual e das organizações que querem combater a fome.

Bahia

Em alguns dos grupos foi destacada a necessidade de sensibilização dos(as) gestores(as) públi-

cos(as) e representantes do Poder Legislativo para o direito humano à alimentação. Avaliou-se

ainda o desempenho de funcionários(as) públicos(as), considerando que são atores fundamentais

para a efetivação deste direito, seja porque mantêm uma relação direta com a população vulnerável

à fome ou porque estão à frente de importantes decisões que vão impactar a vida destas pessoas.

Os gestores, claro que não são todos, mas boa parte dos gestores estão precisando ser sensi-

bilizados, ter uma formação melhor para lidar com esse público.

Minas Gerais

(…) falando no Bolsa Família, as mães têm que ir uma vez por mês para determinados assun-

tos, e vão com muita má vontade. É lógico que vão, elas vão porque são obrigadas. Direito

humano não pode ser obrigado. (…) Os técnicos também não foram treinados. Direito humano

à alimentação adequada também envolve o trato dos técnicos, né?

Goiás

Se por um lado há uma responsabilização marcante dos governos, principalmente os municipais,

em relação à ineficiência dos sistemas locais de segurança alimentar e nutricional, por outro lado,

os(as) representantes da sociedade civil organizada presentes nos Grupos de Diálogo também

reconhecem sua parcela de responsabilidade, principalmente no que tange ao controle social des-

tas políticas. Foi consenso em todos os GDs a necessidade de fortalecimento do controle social das

políticas públicas, com ênfase na participação da sociedade civil organizada.

Eu tenho clareza também que só uma pressão social, uma movimentação da sociedade civil, é

que garantiria tudo isso que a gente está colocando aqui.

Rio de Janeiro

Os municípios, e a partir deste ano, também os estados, recebem o recurso para promoverem

essa capacitação (de beneficiários e beneficiárias do PBF). Agora, muitas pessoas não sabem

que isso é obrigatório, como contrapartida do município e do estado, e aí precisa fortalecer a

30 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

questão do controle social As pessoas precisam saber o que está vindo e quais são as outras

coisas que estão envolvidas além do recebimento do recurso pela família.

Bahia

Para os Grupos de Diálogo, o Estado não é capaz de realizar o controle social das políticas e não

reconhece o papel que a sociedade civil pode exercer, o que se reflete na inoperância das instâncias

de controle social existentes e na baixa interlocução com os diversos atores sociais não-governamen-

tais. Se os(as) participantes dos GDs manifestam por um lado o descontentamento com o pequeno

espaço garantido pelos governos para o diálogo com a sociedade civil organizada, por outro ainda

demonstram timidez e incerteza quanto às possibilidades apontadas para maior participação.

Há uma unanimidade no que se refere à necessidade de efetivar e aprimorar as formas de controle

social existentes. Não só os espaços são questionados, mas também a efetividade e a qualidade da

participação exigida: muitos são os relatos de representações, que ocupam os espaços de conse-

lho por interesses corporativos ou por manterem relações de fidelidade política com as autorida-

des políticas. Há também um questionamento quanto à grande quantidade de instâncias de con-

trole social que se formaram recentemente.

Em alguns momentos, a discussão sobre o controle social, principalmente do PBF, se misturou com

o diagnóstico de que as famílias precisam de maior acompanhamento para que possam conquistar

autonomia. Neste sentido, apareceram divergências e dúvidas sobre quais seriam os limites entre

o papel do Estado e o da sociedade civil organizada. Há uma convergência no sentido de que as

atuações devem buscar maior aproximação das famílias mais vulneráveis, mas falta clareza sobre

o papel que a sociedade civil organizada deve desempenhar neste sentido.

O grupo sugeriu que a gente colocasse que tudo fosse para ser repassado para as pessoas que

precisam, não através do governo municipal, mas através de associações. Por quê? A gente

acredita que assim vai realmente chegar para toda essa gente que precisa, certo? Não vai

ficar uma coisa meio desviada, não.

Goiás

Eu não sei se é papel do governo isso aqui, ou é papel nosso da sociedade civil organizada, né?

De estar trabalhando também aí em parceria com esses beneficiários (…) e questionando

obviamente os governos, as administrações públicas, para que os beneficiários não fiquem

reféns só dessa lógica do assistencialismo.

Rio de Janeiro

Muitas falas revelam que outros espaços de participação popular, para além do controle social,

estão sendo experimentados, e que existe uma grande disposição de organizações e movimentos

de continuarem atuando pela promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável.

Para além da participação direta em espaços como conselhos e comitês de políticas públicas,

os(as) participantes reconhecem como imprescindível que a sociedade civil organizada se faça

mais presente no debate sobre políticas públicas para a promoção e a proteção do direito à ali-

mentação. Apontam também o incentivo ao protagonismo dos(as) beneficiados(as) pelo PBF e de

outras políticas no campo da SAN como estratégia de fortalecimento do controle social.

CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO | 31

(…) tem que articular isso tudo de maneira que funcione, e cabe não só ao Estado, mas à sociedade

civil também. Eu acho que o fortalecimento do controle social é muito importante para que essas

políticas públicas tenham resultado, né? E também quanto a difundir, divulgar essas políticas, tam-

bém não deve ser responsabilidade só do Estado: os movimentos sociais, as redes têm obrigação (…)

Quando nós falamos em segurança alimentar e nutricional, quando falamos em direito humano à ali-

mentação adequada, todos nós temos um papel a desempenhar.

Goiás

Em alguns GDs ressurgiu o debate sobre os comitês gestores.7 Houve integrantes que manifesta-

ram a valorização dessa proposta e o descontentamento com a extinção precoce de uma instância

para a qual foram convocados a participar.

Vocês querem ver? O controle social (produzido) pelos comitês gestores do Programa Bolsa

Família era uma excelente coisa. Ele fazia com que o Bolsa Família fosse realmente um proje-

to de transformação, (mas) sofreu o processo político de ações de atores políticos, e acabou.

Não permitiu que o programa saísse dessa área assistencialista.(…) Então, tudo isso foi per-

dendo a característica. Isso mostra que o problema não é a estrutura: o problema é a forma

como essas estruturas são tocadas; são as pessoas que estão tocando essas estruturas que

está descaracterizando.

Rio de Janeiro

Em meio ao debate sobre a definição de papéis e de parcerias entre Estado e sociedade civil

organizada, emerge a questão da participação popular, percebida por muitas pessoas como uma

estratégia viável de controle social das políticas públicas. A sociedade civil organizada se sente

responsável e é altamente cobrada a exercer este papel, porém tal discussão guarda ainda mui-

tas indefinições tanto no que se refere às suas formas como em relação à sua função e efetivida-

de. O consenso quanto à necessidade de se fortalecer o controle social das políticas públicas

parece amadurecido, mas há muitas dúvidas quanto à definição de papéis e a preocupação em

não estabelecer a participação como um fim em si mesmo ou, dito de outra forma, em não cons-

truir a participação pela participação.

Eu acho que essa coisa de exigir a participação, exigir a presença das pessoas no que se faz, é

pouco demais. Isso é muito atrasado. Eu acho que tem que pensar numa forma mais efetiva de

participação das pessoas para que tenha sentido a participação delas em qualquer atividade

que for estabelecida.

Minas Gerais

32 | CAMINHOS PARA O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

7. Comitês Gestores: “… nasceram em 2003, com o lançamento do programa Bolsa Família, para que a sociedade civil se

tornasse protagonista nesse processo de implantação. O objetivo desses grupos é a fiscalização do cadastro único, o rece-

bimento e uso do cartão, e sugerir políticas públicas estruturantes, como geração de renda e assistência social. Os mem-

bros do comitê são eleitos por representantes do governo e poder público.” <www.planalto.gov.br/Consea> Acesso em 19

de novembro de 2008.

ALTERAÇÕES DE RUMO: O QUE MUDOU A PARTIR DO DIÁLOGO | 33

V. ALTERAÇÕES DE RUMO: O QUE MUDOU A PARTIR DO DIÁLOGO

Conforme descrito no capítulo de metodologia, os(as) integrantes dos GDs preencheram Fichas de

Opinião em relação aos Caminhos do Diálogo em dois momentos: antes e depois do diálogo. Foi

usada uma escala de zero a sete para medir a concordância/preferência inicial e final dos(as) parti-

cipantes em relação a cada um dos quatro caminhos apresentados. O objetivo deste instrumento

de pesquisa é verificar em que medida o diálogo leva as pessoas a mudanças de opinião.

A tabela 1 mostra que não houve mudança estatística significativa entre as opiniões iniciais e finais

médias do grupo em relação a cada um dos caminhos (utilizando teste T para amostras pareadas).

Ainda assim, é possível inferir algumas análises a partir das tabelas apresentadas.

TABELA 1: MÉDIA DAS OPINIÕES INICIAIS E FINAIS DOS(AS) PARTICIPANTES DOS GRUPOS DE

DIÁLOGO SOBRE O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO – FICHAS PRÉ E PÓS-DIÁLOGO

Caminhos Opinião inicial média Opinião final média

Caminho 1 6,0 5,9

Caminho 2 6,4 6,4

Caminho 3 5,6 5,9

Caminho 4 6,9 6,7

É possível constatar uma grande concordância com o caminho 4 – Políticas de geração de trabalho

e renda –, que mantém a média elevada em ambas as avaliações – pré e pós. Este caminho obteve

a maior pontuação média na soma de todos os GDs, e também de cada GD isoladamente.

A Tabela 1 mostra que os(as) participantes atribuíram menor nota inicial ao caminho 3 – Programas

de transferência de renda/Bolsa Família. Porém, é justamente este caminho o que mais sofre alte-

rações ao final do diálogo. Examinando-se separadamente os resultados de cada GD, observa-se

que, em cinco dos seis GDs houve maior concordância com o caminho 3, ao final do diálogo.

Ainda que as notas médias iniciais e finais não tenham sofrido alterações significativas, a tabela 2

revela que os Grupos de Diálogo provocaram mudanças nas opiniões individuais para ambos os lados.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

34 | ALTERAÇÕES DE RUMO: O QUE MUDOU A PARTIR DO DIÁLOGO

TABELA 2: DESLOCAMENTO DE OPINIÃO PRÉ E PÓS-DIÁLOGO DOS(DAS) PARTICIPANTES DOS

GRUPOS DE DIÁLOGO SOBRE O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO

Caminhos Ficou menos favorável Manteve-se estável

Caminho 1 22.0% 57.5%

Caminho 2 11.8% 69.3%

Caminho 3 22.1% 41.8%

Caminho 4 9.8% 85.3%

Ficou mais favorável

20.5%

18.9%

36.1%

4.9%

A tendência de maior concordância em relação ao Programa Bolsa Família após o diálogo se con-

firma também na Tabela 2. Em 36,1% dos casos, os(as) participantes se tornaram mais favoráveis

a este caminho ao final do diálogo, o maior percentual de mudança. Este resultado encontra coe-

rência também com as falas coletadas durante o momento de avaliação dos Dias de Diálogo, que

valorizaram a pesquisa como estratégia de formação e de ampliação do conhecimento dos(as)

participantes acerca do PBF. Foi possível perceber que, no início do diálogo, a visão sobre o progra-

ma apontou uma série de preconceitos que puderam ser debatidos e reavaliados ao longo dos Dias

de Diálogo.

As mudanças de opinião sobre o caminho 1 – assistência alimentar –, também foram marcantes e

se deram de forma similar para ambos os lados. Em relação ao caminho 2 – produção e abasteci-

mento –, observa-se que, dentre aquelas pessoas que mudaram de opinião, a maior parte passou a

ser mais favorável, reforçando a análise de que quando devidamente compreendidas, políticas

desta natureza ganham o apoio público. O caminho 4 – trabalho e renda –, além se ser aquele em

torno do qual há maior consenso, é também o que menos se altera a partir do diálogo.

As mudanças de opinião que aconteceram a partir dos Grupos de Diálogo demonstram a capacida-

de da metodologia e confirmam seu pressuposto de que a opinião é formada a partir do acesso à

informação e da troca de idéias. Apontam ainda para o potencial do diálogo como forma de cons-

truir consensos solidificados a partir do debate amplo, diverso e qualificado.

Fonte: Diálogos sobre o direito humano à alimentação no Brasil, Ibase 2008.

Os principais consensos desenhados ao longo do Dia de Diálogo apresentam muitas semelhanças

com as propostas que vêm sendo construídas nos espaços de debate da soberania e da segurança

alimentar e nutricional, nos diferentes fóruns, conferências e Conselhos de Segurança Alimentar

e Nutricional (Conseas). As tradicionais demandas expressadas nos Grupos de Diálogo se renovam,

visto que dialogam com as políticas públicas em curso, especialmente aquelas que ganharam

maior amplitude nos últimos anos. Passam também a apresentar novos significados e novas

potencialidades quando pensadas, não de forma isolada, mas a partir de um conjunto maior de ini-

ciativas voltadas para a garantia do direito humano à alimentação, com iniciativas que vão da pro-

dução de alimentos à assistência alimentar.

Em relação às políticas mais relacionadas à produção de alimentos, os(as) participantes dos gru-

pos expressam o amadurecimento de demandas históricas das organizações e dos movimentos

sociais do campo, o que se reflete em propostas consistentes. Algumas delas vêm ganhando rele-

vância no campo das políticas públicas, outras nem tanto, por exemplo, a mais antiga delas, a

reforma agrária, que ainda não ganhou a centralidade que lhe cabe como política de enfrentamen-

to da fome.

As políticas que estão em andamento, como o Pronaf e o PAA, apesar de valorizadas, são questiona-

das principalmente quanto à sua capacidade de atender às pessoas mais vulneráveis e propiciar sua

autonomia. Do ponto de vista da pergunta orientadora do debate – como garantir o direito humano à

alimentação às famílias mais vulneráveis à fome? –, tal questionamento não é pouco relevante.

Alternativas educacionais voltadas para a realidade do campo, como as “escolas-famílias”, vêm

sendo experimentadas principalmente pela sociedade civil organizada por todo o país, mas, ape-

sar de sua eficiência, ainda não ganharam espaço na agenda pública da segurança alimentar e

nutricional; tampouco foram encampadas como políticas públicas.

Os consensos construídos acerca das políticas de assistência alimentar e do Programa Bolsa

Família demonstram maior reconhecimento, por parte de representantes de movimentos sociais e

de organizações da sociedade civil, do papel que iniciativas mais assistenciais podem desempe-

nhar na garantia do direito humano à alimentação. Os Grupos de Diálogo, ao trazerem para a

pauta de debate de movimentos sociais tais políticas, fazem aflorar críticas, sugestões, mas,

sobretudo, o apoio a iniciativas desta natureza, posicionamento que nem sempre aparece de

forma clara, até mesmo porque não faz parte de sua agenda de demandas históricas.

Em relação às políticas públicas de abastecimento, percebe-se que esta discussão ainda é feita de

forma fragmentada, seja pela complexidade do tema, que exige uma compreensão mais sistêmica,

ou porque as alternativas propostas ainda não são apresentadas ou organizadas sob esta denomi-

nação. As iniciativas existentes são dispersas, e ainda não tomaram forma de proposta de política

nacional. Porém, o que pode ser percebido ao longo dos Dias de Diálogo é que, quando devidamente

VI. PONTES, ESQUINAS E CRUZAMENTOS: A RELAÇÃO DOS DIÁLOGOS COM A AGENDA PÚBLICA

PONTES, ESQUINAS E CRUZAMENTOS: A RELAÇÃO DOS DIÁLOGOS COM A AGENDA PÚBLICA | 35

36 | PONTES, ESQUINAS E CRUZAMENTOS: A RELAÇÃO DOS DIÁLOGOS COM A AGENDA PÚBLICA

compreendidas em seu potencial de aproximação da produção e do consumo, as políticas de abas-

tecimento ganham relevância e passam a ser consideradas prioritárias e estruturantes da sobera-

nia e segurança alimentar e nutricional.

Na visão dos GDs, a forma ideal de garantir alimentação adequada para as famílias mais vulnerá-

veis à fome é a partir do próprio trabalho, o que dá centralidade ao caminho referente à geração

de trabalho e renda. A falta de clareza dos grupos sobre as propostas que levam a este ideal tam-

bém está refletida no próprio campo de construção das políticas públicas, tanto que um dos maio-

res desafios do atual governo é formular estratégias massivas, capazes de emancipar as famílias

pobres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família.

O discurso dos(as) representantes de movimentos sociais e organizações não-governamentais pre-

sentes nos GDs revelam de forma unânime a necessidade de fortalecimento do controle social das

políticas públicas, posicionamento que se confronta com a realidade de esvaziamento dos conse-

lhos, instâncias oficiais designadas para exercer tal atribuição, em especial dos conselhos munici-

pais que, na maior parte dos casos, são responsáveis pela acompanhamento das políticas.

Os motivos que explicam tal esvaziamento são os mais diversos e dependem, sobretudo, da dinâ-

mica socioorganizativa de cada uma das localidades. Há de se reconhecer, porém, que a não-parti-

cipação nestes espaços se apresenta muitas vezes como estratégia deliberada de alguns movi-

mentos e organizações. Neste sentido, cabe questionar se os espaços existentes se adéquam aos

anseios de participação social da sociedade civil organizada, ou ainda em que medida este seg-

mento identifica o município, como lócus estratégico de intervenção política.

Ao juntar em um Dia de Diálogo atores sociais de diferentes segmentos e associar no debate políti-

cas de diferentes naturezas, as reflexões são produzidas a partir de uma visão mais sistêmica. Ao

longo do debate, foram valorizadas ações que combinam elementos dos diferentes caminhos, prin-

cipalmente as que articulam iniciativas mais emergenciais com aquelas consideradas de médio e

longo prazo, como a transferência de renda acompanhada de qualificação profissional e o PAA. As

ações de assistência alimentar, por exemplo, passam a ser mais valorizadas, visto que são reco-

nhecidas por seu potencial não só de fazer chegar alimentos aos que têm dificuldade de acesso,

mas também por sua capacidade de gerar desenvolvimento, a partir da associação da distribuição

de alimentos à produção local e do respeito aos hábitos alimentares regionais.

A tendência dos GDs de combinar os caminhos e apontar possibilidades de articulação entre eles é

também reflexo de indícios de superação de uma visão dicotômica que tende a posicionar em lados

opostos políticas consideradas emergenciais ou assistenciais e as estruturantes. Nos consensos

construídos ao final de cada um dos Grupos de Diálogo, as escolhas feitas não estabeleceram con-

tradições nem hierarquias entre estas duas naturezas de políticas públicas, o que representa um

avanço, tanto no sentido do reconhecimento da assistência alimentar como um direito como em

relação às condições para se fazer avançar a integração e intersetorialidade das políticas públicas.

Na minha opinião, existe uma certa crítica que é a aversão às políticas assistenciais, compen-

satórias e tal, na verdade, esse é o diálogo antigo da tradição socialista (…) contra o assisten-

cialismo, dentro do pressuposto de que é possível construir uma sociedade igualitária a partir

de políticas estruturantes. São elas que vão formar a sociedade igualitária. Eu defendo políti-

cas especiais porque acho que a alimentação é direito inerente.

Minas Gerais

Na discussão de novos rumos e de implementação de mudanças estruturais, foi muito debatida a

importância de se retomar e atualizar os debates acerca do modelo de desenvolvimento. Diante

dos vários limites apresentados pela atual conjuntura, esta discussão sobre modelo de desenvolvi-

mento apresentou-se fortemente costurando ou, muitas vezes, remodelando os debates.

(…) às vezes fica até difícil a gente estabelecer quais seriam esses caminhos. (…) Fortalecer o

Estado que a gente tem (…), realizar as reformas estruturais (…,) a reforma agrária, a reforma sani-

tária, reforma na educação, reforma urbana(…)

Minas Gerais

(…) a fome é causada; ela tem motivo, não é uma coisa que acontece espontaneamente, por-

que eu quero deixar de comer, eu vou passar fome, eu vou parar de comer e pronto. É porque,

infelizmente hoje, no nosso país e no mundo, existe uma porcentagem de homens e mulheres

que retêm tipos de produção de meios de produção nas suas mãos As riquezas estão concen-

tradas aqui no nosso país por menos de 1% da população(…) É um problema estrutural, é um

problema da sociedade capitalista, da concentração de riquezas nas mãos de poucos, e que

nós precisamos debater(…)

Pará

PONTES, ESQUINAS E CRUZAMENTOS: A RELAÇÃO DOS DIÁLOGOS COM A AGENDA PÚBLICA | 37

38 | NOSSO CAMINHO: 13 PASSOS RUMO À GARANTIA DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL

VII. NOSSO CAMINHO: 13 PASSOS RUMO À GARANTIA DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL

Programa Bolsa Família e políticas de assistência alimentar garantidos a todas as famílias

vulneráveis à fome – O Programa Bolsa Família e os programas de assistência alimentar devem

ser firmados como direito a ser garantido pelo Estado, de forma emergencial e ágil, a todos as pes-

soas que necessitam.

PBF aprimorado no que se refere ao controle social, à gestão municipal e ao acompanhamento

das famílias – Os(as) gestores(as) municipais devem aprimorar sua capacidade de acompanha-

mento das famílias, garantindo a transparência do cadastro e a qualidade dos serviços de saúde e

educação, estabelecendo parcerias com a sociedade civil organizada, com a finalidade de inibir

desvios e práticas assistencialistas.

Assistência alimentar com respeito à cultura local – Programas de assistência alimentar devem

valorizar a cultura alimentar local e incentivar a aquisição de produtos regionais, dando priorida-

de à produção familiar e camponesa.

Tempo determinado para o PBF e programas de assistência alimentar e articulação com ini-

ciativas emancipatórias- Devem ser feitos mais investimentos em iniciativas de geração de tra-

balho e renda, com o objetivo de criar condições para que as famílias possam garantir sua alimen-

tação por meio do próprio trabalho.

Intervenção do Estado no fortalecimento de iniciativas de abastecimento alimentar – Canais

públicos de abastecimentos, capazes de aproximar ou encurtar o caminho entre a produção e o

consumo e de assegurar o preço dos alimentos, devem ser priorizados como estratégia de garan-

tia da soberania e da segurança alimentar. O Estado deve desempenhar um papel para que a pro-

dução e a distribuição de alimentos não fiquem sujeitas exclusivamente aos anseios do mercado,

sob o risco de violação do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável.

Reforma agrária e apoio à produção familiar e camponesa – A agricultura familiar é a forma de

produção mais adequada para suprir as necessidades alimentares da população brasileira, tanto

no sentido da quantidade e qualidade dos alimentos, como da sustentabilidade socioambiental.

O acesso à terra e à água deve ser garantido, bem como o apoio à agricultura familiar e campone-

sa, por meio de crédito e assistência técnica qualificada, contínua e integrada às necessidades e à

cultura local.

Articulação da produção de alimentos aos gastos públicos com alimentação – Compras gover-

namentais de alimentos para abastecer escolas, hospitais, presídios, programas de assistência ali-

mentar, entre outros, devem priorizar a produção local de alimentos. O Programa de Aquisição de

Alimentos, por favorecer este tipo de articulação, precisa ser ampliado.

Um olhar diferenciado para os pequenos empreendedores – Para incentivar agricultura familiar,

cooperativas e associações de pequenos(as) produtores(as) do campo e da cidade, é preciso um

olhar diferenciado no que se refere aos tributos, à legislação, ao apoio, à comercialização, ao aces-

so a crédito e aos mercados governamentais. É necessária maior atenção às suas especificidades

valorizando potencialidades e dando o apoio técnico necessário à qualificação dos produtos.

Educação voltada para a realidade do campo – O fortalecimento do vínculo cultural com a terra

e o apoio à formação técnica devem ser incentivados por meio das Escolas do Campo. Dessa

forma, há uma atuação tanto no incentivo à agricultura familiar e camponesa como à garantia da

qualidade de vida de crianças e jovens que vivem em áreas rurais e comunidades tradicionais.

Geração de trabalho e renda como estratégia de emancipação – O trabalho é estruturante para

a vida e um desafio para a garantia do DHAAS. O apoio à agricultura familiar e à economia solidá-

ria, bem como o incentivo ao cooperativismo e ao associativismo fazem parte da solução. É preci-

so ampliar os debates e massificar iniciativas públicas de geração de trabalho e renda, com aten-

ção especial à juventude e à população urbana.

Intersetorialidade e integração entre os governos – Não é possível garantir a Segurança Ali-

mentar e Nutricional da população brasileira pela atuação isolada de uma esfera ou um setor de

governo. A intersetorialidade depende de maior força de vontade por parte dos governos, principal-

mente dos municipais, de implementar ações que integrem diferentes setores e iniciativas públicas.

Incentivo à participação e ao controle social – Os governos devem reconhecer e incentivar a

participação da sociedade civil no controle social das políticas de SAN e representantes de movi-

mentos e organizações sociais devem ocupar estes espaços, buscando monitorar e qualificar a

atuação dos governos.

Promover debates acerca do modelo de desenvolvimento – O Programa Bolsa Família ainda é

essencial no Brasil por causa de um histórico de desigualdade social que criou um contingente

significativo de brasileiros e brasileiras com seu direito à alimentação negado. É necessário que,

para além das atuais intervenções compensatórias, sejam empenhados esforços na discussão do

modelo de desenvolvimento, uma análise mais profunda que indique os rumos para a correção efe-

tiva da exclusão social, da pobreza e da fome no Brasil.

NOSSO CAMINHO: 13 PASSOS RUMO À GARANTIA DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL | 39

RIO DE JANEIRO, JANEIRO DE 2009

RELATÓRIO FINAL

II ETAPA DA PESQUISA REPERCUSSÕES DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA NA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

DIÁLOGOS SOBRE O DIREITO HUMANO

À ALIMENTAÇÃO NO BRASIL

REALIZAÇÃO FINANCIADO POR

Os DIÁLOGOS SOBRE DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO NO

BRASIL tiveram como objetivo investigar a percepção de

representantes da sociedade civil organizada sobre o Programa

Bolsa Família e as políticas públicas de segurança alimentar e

nutricional. Realizados em seis estados brasileiros, os Diálogos

fecham a pesquisa do Ibase intitulada “Repercussões do

Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional

das Famílias Beneficiadas”, realizada com o apoio da

Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Para a realização desta última etapa da pesquisa foi utilizada a

metodologia de GRUPOS DE DIÁLOGO que se mostrou adequada

aos seus objetivos e estabeleceu um ambiente favorável ao

debate acerca do Programa Bolsa Família e sua articulação com

as políticas de SAN. Ao estimular a formulação de uma lista

mínima de acordos, construída após um dia de diálogo entre os

mais diversos atores, esta metodologia mostrou-se muito

adequada aos debates de SAN que se caracterizam por sua

pluralidade e transversalidade.

Entendendo o potencial formativo dos Diálogos, o Ibase

apresenta este Kit contendo o Relatório Final dos Diálogos, o

Caderno de Trabalho, o Guia do Moderador e um CD contendo o

material necessário à realização do Diálogo. Um longo caminho

nos espera até que possamos enfim alcançar uma sociedade

mais justa em que todos(as) possam usufruir plenamente do

direito à alimentação. Desejamos que este material fortaleça

nossos passos. Bom trabalho e boa caminhada para todos(as)!