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1 RELATÓRIO FINAL PIBIC/CNPq/IBMEC-RJ 1. IDENTIFICAÇÃO Nome do(a) bolsista: Isabel Ribeiro Mousinho Nome do(a) orientador(a): Carlos Henrique Ramos Curso: Direito Título do Projeto: O papel dos precedentes no novo Código de Processo Civil: definitiva aproximação ao modelo da common law ou stare decisis à brasileira? Três palavras-chave: Acesso à Justiça. Precedentes. Novo CPC. Vigência: 01.08.2015 – 31.07.2016 2. INTRODUÇÃO O projeto possui como tema central a investigação jurisprudencial da aplicação por nossos magistrados dos precedentes vinculantes, fenômeno ampliado consideravelmente pelo CPC/15. Desde a Emenda Constitucional 45/2004, que instituiu a reforma do Poder Judiciário, o Brasil começou uma aproximação mais explícita ao sistema da common law. Isso porque, a partir da mesma, foi introduzida em nosso ordenamento a possibilidade da edição das súmulas vinculantes, as quais representam o marco inicial da implantação dos precedentes vinculantes em nosso país. Antes desse momento, seguindo a tradição do modelo do civil law, a jurisprudência tinha eficácia apenas persuasiva, representando, portanto, apenas meras orientações aos magistrados. A vinculação era, assim, apenas à lei. O tema não era alvo de amplo debate, até recentemente. O art. 927 do CPC/15, como mencionado acima, alargou muito significativamente o rol de vinculação dos juízes e tribunais

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RELATÓRIO FINAL PIBIC/CNPq/IBMEC-RJ

1. IDENTIFICAÇÃO

Nome do(a) bolsista: Isabel Ribeiro Mousinho

Nome do(a) orientador(a): Carlos Henrique Ramos

Curso: Direito

Título do Projeto: O papel dos precedentes no novo Código de Processo Civil: definitiva aproximação ao modelo da common law ou stare decisis à brasileira?

Três palavras-chave: Acesso à Justiça. Precedentes. Novo CPC.

Vigência: 01.08.2015 – 31.07.2016 2. INTRODUÇÃO O projeto possui como tema central a investigação jurisprudencial da aplicação por

nossos magistrados dos precedentes vinculantes, fenômeno ampliado consideravelmente pelo

CPC/15.

Desde a Emenda Constitucional 45/2004, que instituiu a reforma do Poder Judiciário,

o Brasil começou uma aproximação mais explícita ao sistema da common law. Isso porque, a

partir da mesma, foi introduzida em nosso ordenamento a possibilidade da edição das súmulas

vinculantes, as quais representam o marco inicial da implantação dos precedentes vinculantes

em nosso país.

Antes desse momento, seguindo a tradição do modelo do civil law, a jurisprudência

tinha eficácia apenas persuasiva, representando, portanto, apenas meras orientações aos

magistrados. A vinculação era, assim, apenas à lei.

O tema não era alvo de amplo debate, até recentemente. O art. 927 do CPC/15, como

mencionado acima, alargou muito significativamente o rol de vinculação dos juízes e tribunais

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às decisões de instâncias a eles superiores. Isso afeta o modo de prestar jurisdição e pode,

inclusive, resultar resultar em uma nova conformação da tutela dos direitos fundamentais.

3. JUSTIFICATIVA A importância do tema em estudo está sobretudo na sua relevância prática e na

necessidade de trazer aos estudantes e juristas a identificação de possíveis mazelas e de buscar

possíveis soluções para os gargalos apresentados.

Assim, por exemplo, busca-se nesse trabalho questionar o objetivo central dessas

reformas, que trouxeram para nosso processo civil o “microssistema de formação de

precedentes vinculantes”.

A finalidade maior apontada no anteprojeto do atual CPC/15 é a obtenção de

celeridade. Será preciso investigar até que ponto o culto exagerado a tal valor poderá colocar

em risco a qualidade da prestação jurisdicional, posto o Brasil não possui uma verdadeira

teoria dos precedentes, podendo ocasionar um certo despreparo do operador para lidar com

um modo totalmente diferente de produzir o Direito.

4. OBJETIVOS O objeto central do projeto de pesquisa foi o de investigar como o novo sistema de

vinculação a precedentes foi inicialmente colocado em prática nos primeiros meses de

vigência do novo Código de Processo Civil.

Pretendeu-se analisar a prática cotidiana de juízes e tribunais tomando por base a

metodologia tridimensional proposta por Mauro Cappelletti, jurista italiano que mais

influenciou o desenvolvimento do direito processual no nosso tempo, segundo a qual as

reformas processuais devem ser analisadas levando-se em conta uma tríade de elementos:

problema social, resposta e impacto.

Para o cumprimento de tal mister, buscou-se descrever os conceitos e institutos

fundamentais do chamado “direito jurisprudencial ou sumular”, ainda que sem pretensão de

exaustão e, ainda, questionar criticamente se o caminho por nós adotado representa (ou não)

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uma definitiva aproximação ao sistema da common law (stare decisis), ou se as próprias

diferenças culturais e resultantes de práticas já arraigadas podem ocasionar a formação de um

sistema de precedentes à brasileira. É precisamente nesse sentido que algumas indagações

foram enfrentadas, tais como:

a) o novo sistema responde ao anseio qualitativo de aprimoramento da justiça?

b) uma vez firmados os precedentes, como serão aplicados os necessários mecanismos de

revisão de tese?

c) os enunciados serão indevidamente revestidos de excessiva abstração, usurpando-se a

competência do legislador?

d) precedentes idênticos serão invocados para justificar posicionamentos diversos?

e) serão aplicadas adequadamente as técnicas de superação de precedentes?

5. REVISÃO DE LITERATURA

A doutrina vem debatendo o contexto gerador do atual momento, que pode ser

classificado como o ápice de práticas voltadas a abreviar a duração processual. Chegou-se a

um estágio onde o processo deixou de ser um mero instrumento para ser o protagonista da

solução das causas.

Isso porque, muitas vezes na prática forense, institutos processuais são usados como

subterfúgios para por fim ao processo, sem que este tenha, contudo, o mérito necessariamente

resolvido, e quando o tem não há qualquer vestígio de justiça na decisão.

Desse modo, diz-se que o Poder Judiciário cumpriu seu papel e a lei incentiva e cria

cada vez mais meios para perpetuar essas condutas, a exemplo dos precedentes vinculantes,

alvo desse estudo.

A esse respeito, aduz Leonardo Greco:

A esse desgaste a justiça civil reagiu com a simplificação das formas e dos ritos e a aceleração dos procedimentos, bem como a adoção de novos institutos para enfrentar a massificação das demandas e dos recursos, como as ações coletivas e as

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tutelas antecipatórias, relegando a plano secundário a preocupação com a qualidade das decisões e o respeito às garantias fundamentais do processo1.

Se faz mister que a sociedade como um todo se intere do atual cenário processual

brasileiro, o qual não é assunto exclusivamente para juristas. Talvez nesse espectro esteja o

problema inicial, operadores do Direito estão sendo chamados a resolver questões muito mais

amplas do que os instrumentos de que dispõem.

Sugerindo uma atuação mais ativa da própria sociedade, diz J.J. Calmon de Passos:

Urgente, isso, sim, lutar-se por uma organização do Estado que gere, como consequência, mais democracia real e menos democracia formal, com o que se obtém sempre o máximo da justiça possível no contexto histórico em que se ópera e no tempo em que se vive.2

A ideia acima exposta é válida, o processo deve ser simplificado ao máximo para

atender o interesse das partes e, por isso mesmo, respeitando sempre direitos fundamentais. A

instrumentalidade do processo merece considerações, afinal, o instituto não pode ser

distorcido.

Pode-se entender, portanto, como democracia real aquela estampada em um processo

efetivo, o qual para assim o ser não é necessariamente mais rápido, mas dispensa

formalidades desnecessárias à solução do conflito apresentado. O tema também será objeto de

estudo, pois tem íntima relação com todo o debate exposto.

6. METODOLOGIA UTILIZADA O presente trabalho fez uso de pesquisa doutrinária nacional e estrangeira e,

especialmente, jurisprudencial. O desenvolvimento da pesquisa respeitou os elementos

apontados abaixo:

a) Trabalho de pesquisa: consulta a banco de dados, leitura de livros e artigos em

periódicos especializados e pesquisa de jurisprudência dos tribunais superiores. 1 GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: SOUZA, Marcia Cristina Xavier; RODRIGUES, Walter dos Santos (Coord.). O novo Código de Processo Civil: o projeto do CPC e o desafio das garantias fundamentais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 7. 2 PASSOS, J.J. Calmon de. A Crise do Poder Judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos. In: Revista Síntese de Direito Processual Civil, nº15, 2002. p. 7.

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b) Coordenação dos trabalhos: elaboração de relatórios, fichamentos, encontros presenciais

e visitação à biblioteca do TJ/RJ.

c) Construção do artigo: debates sobre o aporte metodológico, organização das referências

bibliográficas e produção do texto final.

7. ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS

A partir de uma interface entre o direito processual civil e o direito constitucional, a

pesquisa teve como escopo principal responder, em síntese, ao seguinte questionamento (o

qual, por sua vez, será capaz de abarcar todos os anteriores): levando em conta as práticas nos

primeiros meses de vigência do novo Código de Processo Civil e o papel que os precedentes

passam a desempenhar no sistema nacional, teremos um diálogo mais íntimo com as matrizes

da common law (que nos serviram de clara inspiração) ou construiremos um stare decisis à

brasileira?!

Embora o espaço amostral seja ainda pequeno para conclusões definitivas, diante dos

poucos meses de vigência do NCPC, foi possível identificar, com base nos paradigmas e

casos tratados, ao menos, um indicativo de que o sistema de precedentes nacional não tem

sido manejado com as devidas cautelas e iluminado conforme postulados oriundos da teoria

os precedentes da common law incorporados na legislação nacional. E são exatamente tais

práticas que poderão, no futuro, caso não revertidas, macular a eficácia qualitativa do novo

sistema implementado.

O texto final será adaptado para publicação em períodico especializado. LOCAL: RIO DE JANEIRO DATA: 31/07/2016 ASSINATURA DO(A) BOLSISTA: ASSINATURA DO(A) PROFESSOR(A) ORIENTADOR(A): ASSINATURA DO(A) ORIENTADOR(A):

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O papel dos precedentes no novo Código de Processo Civil: definitiva aproximação ao modelo da common law ou stare decisis à brasileira?

Sumário: 1- Introdução; 1.1- As reformas processuais no contexto global de ampliação dos canais de acesso à justiça; 1.2- A estratégia de reformas setoriais (instrumentais) no Código de Processo Civil de 1973 e a Reforma Constitucional do Poder Judiciário de 2004; 1.2.1- A rapidez enquanto um valor social; 1.2.2- Novamente as reformas instrumentais (pós-EC 45/2004); 1.2.3- As críticas às reformas instrumentais; 1.3- O abandono das reformas setoriais e o nascimento do novo Código de Processo Civil; 1.3.1- O novo CPC colocado em prática: dificuldades iniciais; 1.3.2- A importância do processo civil no contexto da política; 2- O novo CPC e a questão dos precedentes; 2.1- A paulatina transmutação do papel da jurisprudência; 2.2- O novo CPC e a ampliação do rol de precedentes vinculantes; 2.3- Aproximação ao modelo da common law; 2.4- Análise crítica: o manejo dos precedentes do Brasil; 3- Conclusões.

1-Introdução 1.1- As reformas processuais no contexto global de ampliação dos canais de acesso à

justiça

É corrente a afirmação de que a partir dos influxos da 2a Guerra Mundial os direitos

fundamentais do homem ganharam definitivamente status positivo e universal3. Os horrores

do nazi-fascismo demonstraram como houve flagrante desvalorização do homem enquanto

fim em si mesmo. Tal período trouxe à tona a necessidade da consagração de direitos

inerentes à dignidade da pessoa humana, que deveriam ser colocados no vértice dos diversos

ordenamentos.

A partir de então, marcantes os processos de constitucionalização e

internacionalização dos direitos humanos, fazendo com que os mesmos fossem alocados num

plano supralegal, acima do Estado. Costuma-se identificar o referido movimento de

consagração dos direitos humanos como “a virada kantiana”, a partir do resgate do

imperativo categórico kantiano como uma regra moral universal. Conforme leciona Robert

Alexy, os direitos fundamentais seriam forte expressão da democracia, mas representariam,

simultaneamente, uma desconfiança do processo democrático4.

3 “Universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positivo no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado”. (BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 2a tiragem. Trad. de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 49-50) 4 ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático: para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Trad. de Luís Afonso Heck. In: Revista de Direito Administrativo, 217: 65/66, 1999.

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O processo de internacionalização dos direitos humanos representa a criação de uma

agenda comum aos Estados e um importante mecanismo para a proteção de tais direitos, pois

somente a constitucionalização traria consigo o perigo da limitação dos direitos reconhecidos

por determinado Estado-nação5. A elaboração de inúmeros documentos internacionais sobre

direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (ONU), e a

criação de Cortes Internacionais para a proteção dos direitos humanos, tornaram factíveis a

sindicabilidade supranacional de tais direitos, sem limitação geográfica ou de conteúdo,

impondo-se, outrossim, um maior controle sobre as Cortes nacionais a partir da mitigação de

possíveis pressões internas que tais órgãos eventualmente pudessem sofrer em face dos

poderes locais.

Não obstante, fato é que, apesar de tantos avanços e conquistas, persiste o desafio de

dar eficácia e efetividade social6 aos direitos fundamentais do homem7, mormente no estágio

de evolução social em que nos encontramos, marcado por profundas desigualdades sociais e

pelos riscos advindos do avanço tecnológico desenfreado.

No Estado Democrático de Direito, a eficácia concreta dos direitos fundamentais

depende da instituição de um sistema de garantias, pois são elas que possibilitam o pleno

gozo dos direitos por parte dos cidadãos. Sem as garantias os direitos fundamentais não

passariam de meros enunciados sem qualquer vinculação necessária8.

Os referidos processos de constitucionalização e internacionalização dos direitos

humanos, típicos do “pós-guerras”9, foram marcados pela elevação da dignidade humana ao

vértice dos diversos ordenamentos e pela introdução das garantias fundamentais do processo,

encaradas como regras mínimas a serem observadas na tutela dos direitos fundamentais10.

5 RAMOS, André de Carvalho. Direitos Humanos em Juízo. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 36. 6 Esta, por sua vez, significa “a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”. (BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 4a Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 85) 7 Norberto Bobbio salienta que o desafio fundamental em relação aos direitos do homem é o de protegê-los, e não mais de justificá-los, problema muito mais de caráter político que filosófico. (A Era..., cit., p. 43) 8 Costuma-se salientar que, sem um sistema de garantias, a Constituição não passaria de um “pedaço de papel”. Nesse sentido, FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: teoria del garantismo penal. Trad. de Perfecto Andrés Ibáñez e outros. 7a ed. Madrid: Trotta, 2005. p. 852. 9 Tal período constitui-se no marco histórico do neoconstitucionalismo, caracterizado por um movimento de “retorno ao direito”, a partir irradiação do conteúdo material e axiológico das normas constitucionais por todo o ordenamento, influenciando a tutela constitucional do processo. Tal fenômeno é marcado, ainda, no campo filosófico, pelo pós-positivismo (superação do positivismo legalista sem retorno ao direito natural) e, no campo teórico, pela força normativa da Constituição e pela expansão da jurisdição constitucional. Sobre o tema, BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). In: Revista Forense, v. 384, mar-abr/2006. p. 71-104. 10 CAPPELLETTI, Mauro; TALLON, Denis. Fundamental Guarantees of the parties in Civil Litigation. Milano: Giuffrè, 1973. p. 664 e ss.

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A partir de então, o direito processual ganha novo fôlego e a construção de uma noção

mais ampla, material, de acesso à justiça começa a ser delineada. O direito de acesso à justiça

deixa de ser cingido ao mero ingresso em juízo, ganhando os contornos do chamado acesso à

ordem jurídica justa11, o qual implicaria na disponibilização dos instrumentos idôneos à tutela

dos direitos fundamentais e na remoção dos obstáculos ilegítimos ao efetivo acesso à justiça.

O marco histórico (e até hoje referência) do novo direito processual foi o chamado

“Projeto Florença”, coordenado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth no final da década de

70, a partir do qual, diante da troca de experiências entre vários países, buscou-se elaborar

extenso relatório que teria a função de diagnosticar a situação do Poder Judiciário mundo

afora. O grande mérito do projeto foi o de identificar com precisão os reais obstáculos ao

acesso efetivo à justiça, o que possibilitaria que, em seguida, políticas de superação pudessem

ser implementadas. Nascem as propaladas “ondas renovatórias do acesso à justiça”. A

primeira, de natureza econômica, é relacionada à pobreza, acesso à informação e

representação adequada. A segunda, de mote organizacional, refere-se aos interesses de

grupo, de titularidade difusa, dignos de proteção especial na sociedade contemporânea. Por

último, a terceira faria referência à necessidade de instituição de meios alternativos para a

solução de conflitos, em virtude da insuficiência do processo litigioso tradicional, além de

formas de tutela diferenciada no âmbito do próprio processo judicial tradicional.

O enfrentamento dos referidos obstáculos faz parte de um amplo esforço, em que o

acesso à justiça passa, portanto, a ser

(...) encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (....) O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística12.

O acesso à Justiça, encarado sob o prisma social, com ênfase nos consumidores da

tutela jurisdicional, também assume o caráter de um movimento de pensamento e de pesquisa,

na medida em que expressa forte reação ao pensamento dogmático-formalista que pretendia

identificar o fenômeno jurídico exclusivamente na norma jurídica13.

11 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Orgs). Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 135. 12 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 12-13. 13 CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994. p. 72.

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Tendo em vista os novos compromissos assumidos pela moderna processualística,

principalmente em virtude da ampliação dos canais de acesso à justiça, do comprometimento

com a busca de resultados e da construção de um enfoque instrumental do processo, que o

reaproxima das necessidades do direito material, a preocupação inicial maior passa a ser a do

oferecimento de um processo garantístico. O processo justo será aquele que ofereça uma

espécie de proteção garantística mínima aos cidadãos, uma vez que a busca por resultados

justos pressupõe o oferecimento de um meio justo: esta deve ser a preocupação do

processualista compromissado.

1.2- A estratégia de reformas setoriais (instrumentais) no Código de Processo Civil de 1973 e a Reforma Constitucional do Poder Judiciário de 2004

O ordenamento jurídico nacional não ficou imune aos novos ventos advindos do

cenário mundial do pós-guerras. A Constituição Federal de 1988, de clara inspiração

democrática, cuidou de prever e assegurar uma série de direitos fundamentais “materiais”, tais

como o direito à vida e à integridade física, o direito à intimidade e à vida privada, a liberdade

de expressão e a liberdade religiosa, além de uma série de direitos sociais, de índole positiva,

como o direito à saúde e à educação. Ademais, não olvidou de assegurar também uma série de

direitos fundamentais “processuais”, como o contraditório e a ampla defesa, o juiz natural, a

coisa julgada e a inafastabilidade do controle jurisdicional, de modo que passou a ter em seu

bojo uma verdadeira tutela constitucional do processo, condição sine qua non para um

sistema efetivo de proteção aos direitos fundamentais em uma perspectiva mais ampla.

Os novos paradigmas constitucionais passaram a servir como parâmetros de atuação

do legislador infraconstitucional. Nos anos 90, um intenso processo de reformas do Código de

Processo Civil de 1973, considerado excessivamente formalista, teve início, especialmente a

partir de 1994 com a introdução do novo art. 273, que veio prever a possibilidade genérica de

antecipação dos efeitos da tutela e pôs fim à utilização anômala do processo cautelar para fins

satisfativos. Além do mais, modificações pontuais na parte recursal foram implementadas e a

sistemática da audiência preliminar modificada, sempre no intuito de aprimorar o codex e

torná-lo mais efetivo e dinâmico. Como a aprovação de um novo CPC demandaria longas

negociações no Congresso Nacional, teve início o referido movimento de reformas setoriais.

Ano após ano leis pontais foram aprovadas e o Código aprimorado em fases, o que

possibilitaria, inclusive, que as mudanças fossem lentamente digeridas e seus impactos

analisados quando dos próximos passos.

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Em dezembro de 2004, após muitos anos de tramitação, foi aprovada a Emenda

Constitucional n. 45, que implementou a denominada “Reforma do Poder Judiciário”. Dentre

inúmeras novidades, podemos destacar a constitucionalização dos tratados e convenções

internacionais versando sobre direitos humanos, a criação do Conselho Nacional de Justiça,

que passaria a ser responsável pelo controle externo do Judiciário (fiscalização administrativa

e financeira), a previsão da repercussão geral enquanto requisito para o conhecimento do

recurso extraordinário, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal editar súmulas sobre

matéria constitucional com caráter vinculante, a distribuição imediata dos processos e,

especialmente, a inserção do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, no sentindo

de assegurar, no rol dos direitos fundamentais do cidadão, a garantia da duração razoável do

processo e os meios necessários à celeridade de sua tramitação. Todas as medidas adotadas

fizeram parte do chamado Pacto de Estado por um Judiciário mais rápido e republicano. A

constatação, agora expressa, de que a demora processual tolerável é aquela resultante da

necessidade de assegurar o exercício do direito de defesa e a cognição adequada do juiz14

passou a representar o balizamento da moderna processualística.

1.2.1- A rapidez enquanto um valor social

Vivemos em uma sociedade regida pelo tempo. Trata-se de uma afirmação eloquente,

que retrata com fidelidade a marca de nosso tempo. A sociedade moderna encara a aceleração

como um verdadeiro fetiche, um valor máximo.

Compartilhamos uma verdadeira cultura do fast food, onde tudo deve se apresentar de

modo fragmentado e com a maior rapidez possível. Não há quem não se sinta afetado de

alguma forma pela cultura da aceleração, já que o tempo passa a ser o grande termômetro das

relações sociais, um verdadeiro bem.

Atualmente, fala-se muito em crise da Modernidade e da razão como formas de

emancipação humana. Para alguns, o projeto da Modernidade teria se exaurido no séc. XX

com a constatação da impotência do discurso totalizante para enfrentar os problemas de uma

sociedade cada vez mais complexa, individualista e fragmentada.

14 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Campos, 2005. p. 269-270.

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Na sociedade pós-moderna15, globalizada16, o poder não mais reside na propriedade

dos meios de produção, mas no conhecimento e na informação, que circulam em velocidade

acentuada em virtude do avanço tecnológico. Paul Virilio, importante crítico da temática sob

comento, chega a afirmar que vivemos em um verdadeiro estado informacional17, marcado

pela velocidade dos meios de transmissão e comunicação: quanto mais a rápido circula a

informação, mas ela perde sua substância.

Vivemos uma verdadeira era das incertezas18, marcada pelos riscos advindos do

avanço da ciência e da tecnologia. Daí a idéia de modernidade líquida, marca de um mundo

onde a dinâmica social é cada mais vez acelerada, fluida e incerta, algo bastante diverso do

projeto tradicional de modernidade, no qual a segurança gravitava em torno de uma vida

social estável19. O micro ganha lugar de destaque em relação ao macro (sistema), e concreto

prevalece sobre o abstrato.

A realidade denominada pós-moderna é a realidade da pós-industrialização, do pós-fordismo, da tópica, do ceticismo quanto às ciências, quanto ao positivismo; época dos caos, da multiplicidade de culturas e formas, da “euforia do individualismo e do mercado”, da globalização e da volta ao tribal. É a realidade da substituição do Estado pelas empresas particulares, de privatizações, de neoliberalismo, de terceirizações, de comunicação irrestrita, de informatização e de um neoconservadorismo. Realidade de acumulação de bens não-materiais, de desemprego massivo, de ceticismo sobre o geral, de um individualismo necessário, da coexistência de muitas meta-narrativas simultâneas e contraditórias, da perda dos valores modernos, esculpidos pela revolução burguesa e substituídos por um ética meramente discursiva e argumentativa, de legitimação pela linguagem, pelo consenso momentâneo e não mais pela lógica, pela razão ou somente pelos valores que apresenta. É uma época de vazio, de individualismo nas soluções e de insegurança jurídica, onde as antinomias são inevitáveis e a de-regulamentação do sistema convive com um pluralismo de fontes legislativas e uma forte internacionalidade das relações20.

O breve panorama exposto tem a finalidade precípua de atuar como uma forma de

advertência. O processo nada mais é que a racionalização ou formalização de um diálogo

15 Alguns autores não se utilizam da expressão pós-modernidade para retratar a realidade atual, mas sim “Modernidade Tardia” (GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. Trad. de Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1991) ou “Sociedade do Risco” (BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia uma nueva modernidad. Trad. de Jorge Navarro e outros. Barcelona: Paidós, 1998). 16 “A globalização é política, tecnológica e cultural, tanto quanto econômica. Foi influenciada acima de tudo por desenvolvimentos dos sistemas de comunicação que remontam apenas ao final da década de 1960”. (GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Trad. de Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 21) 17 VIRILIO, Paul. A Arte do Motor. Trad. de Paulo Roberto Pires. São Paulo, Estação Liberdade, 1996. p. 29 e seguintes. 18 Sobre a questão, GALBRAITH, John Kenneth. A Era da Incerteza. Trad. de F. R. Nickelsen Pellegrini. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1984. 19 Ver, por todos, BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001; BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Trad. de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 20 MARQUES, Claudia Lima. A crise científica do Direito na pós-modernidade e seus reflexos na pesquisa. In: Cidadania e Justiça, n. 6, 1º semestre/1999. p. 240.

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humano, delimitado por certos requisitos formais para que logre cumprir suas diretrizes

constitucionais. O diálogo humano desenvolvido por meio do processo não deve perder em

substância. Daí a noção do processo justo.

O mundo moderno exige que certas decisões sejam tomadas com base em juízos de

probabilidade, no sentido de que direitos prováveis sejam tutelados em detrimento daqueles

improváveis. Tal paradigma já retrata, de certa forma, certa adaptação do direito e do processo

aos paradigmas da pós-modernidade. Ocorre que tal adaptação não deve ser integral, sob pena

de haver o desmantelamento de toda racionalidade do sistema jurídico, que deve, como regra

firme e geral, ser marcado pela abundância de reflexão e estabilidade. A ideia de sistema não

pode ser perdida, apesar da atual e profunda crise de fundamentos do Direito.

O fato é que a busca desenfreada por resultados não pode ultrapassar os limites

impostos pela garantias, sob pena de construirmos um processo de base estatística, apenas.

Afinal, as garantias do processo são direitos fundamentais do cidadão. Conforme é cediço, a

atividade desenvolvida no processo é eminentemente dialética. E o respeito às garantias

processuais fundamentais possibilita precisamente que o diálogo entre as partes possa ser

exercido de forma equânime e regular. Tomando-se por empréstimo a expressão

habermasiana21, poderíamos afirmar que o processo seria mais um canal para a manifestação

do agir comunicativo, tido como essencial para a construção do Estado Democrático de

Direito. Tal quadro ressalta a dimensão processual da cidadania, com base na qual Peter

Häberle cunhou a expressão status ativus processualis, configurando, assim, aquela dimensão

da cidadania construída e afirmada por intermédio da via processual22 23. Enfim, o processo é

instrumento de participação democrática nos destinos da sociedade política, sendo este seu

escopo político24.

21 Sobre o tema, HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade (2v.). Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 22 TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In: (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 316 e ss. 23 T.H. Marshall propõe um modelo de cidadania plena, composto pelos aspectos civil, político e social. O direito de acesso à justiça faria parte do elemento civil da cidadania, sendo este um vetor fundamental para a garantia de todos os direitos em igualdade de condições. (Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 63 e ss.) 24 “Todas as formas de influência sobre os centros do poder representam algum peso para a tomada de decisões; conferir ou conquistar a capacidade de influir é praticar democracia” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 208). No mesmo sentido, TROCKER, Nicolò. Processo Civile e Costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè, 1974. p. 117.

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1.2.2- Novamente as reformas instrumentais (pós-EC 45/2004)

Sem dúvida alguma que, embora a garantia da duração razoável do processo já

pudesse ser extraída da ampla cláusula do devido processo legal, sua previsão agora expressa

na Carta Maior lançou novos olhares e acentuou a tarefa do legislador infraconstitucional de

concretizá-la: mais um profundo movimento de reformas do CPC foi deflagrado e a estratégia

de reformas setoriais mantida. Dentre inúmeras medidas, podemos destacar a criação do

mecanismo da sentença liminar de procedência, a edição das Leis 11.419/06 e 11.441/07,

conhecidas, respectivamente, como as leis do processo eletrônico e da desprocessualização, a

previsão da súmula impeditiva de recursos, a regulamentação da súmula vinculante e da

repercussão geral, a reforma do agravo e, sem sombra de dúvidas, a mais bem sucedida de

todas, a amplíssima reforma do processo de execução, operada por etapas, nos anos de 2005 e

2006.

Como acentuado pela doutrina, as reformas refletiram a tendência moderna de

flexibilização das técnicas e do sistema processual como um todo25, de modo que aquelas

possam mais bem aderir às peculiaridades do direito material e cumprir seus escopos

institucionais. O direito à tutela jurisdicional efetiva engloba o direito à técnica processual

adequada (norma processual); a instituição de procedimento capaz de viabilizar a

participação; e a própria resposta jurisdicional. Neste diapasão, a tutela jurisdicional efetiva

não é apenas uma garantia, mas sim, ela própria, um direito fundamental, cuja eficácia é

preciso assegurar, em respeito à dignidade da pessoa humana: o processo deve ter o maior

alcance prático e a menor restrição e custo possíveis aos direitos dos cidadãos26. Esta é,

definitivamente, a maior contribuição da teoria dos direitos fundamentais ao direito

processual.

Mauro Cappelletti, ainda no bojo dos movimentos em prol do acesso à justiça,

lecionava o quão relevante é a busca por um direito efetivo e não meramente aparente27.

Nesse sentido, uma constante preocupação do processualista deve ser a do abandono dos

formalismos a partir do uso inteligente da técnica processual28 voltada à produção de

resultados justos. Busca-se, afinal, o mais alto grau de efetividade do processo ao lado do

25 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. São Paulo, Malheiros, 2003. p. 49 e ss. 26 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais..., cit., p. 225. 27 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. In: Revista de Processo, n. 65, jan-mar/2002. p. 128. 28 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Efetividade do processo e técnica processual. In: Revista de Direito Renovar, n. 1, jan-abr/2005. p. 21.

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respeito ao conteúdo mínimo das garantias fundamentais do processo. Efetividade e

garantismo são fatores que se impõem mutuamente, pois um processo sem respeito às

garantias jamais será efetivo29. O fato é que, ao dispormos de uma Constituição que impõe

uma organização dos serviços públicos de acordo não só com os parâmetros da legalidade,

mas também com os da moralidade e eficiência (art. 37), o paradigma da efetividade do

serviço judiciário (cuja essencialidade é patente) ganha proporções nunca imaginadas

anteriormente.

Luigi Paolo Comoglio, jurista italiano que muito vem se dedicando ao estudo das

garantias do processo, ressalta o direito processual constitucional como um tema crucial da

justiça moderna, que teria como aspectos fundamentais: (a) uma relação de instrumentalidade

necessária entre o direito material e o processo; (b) o acesso às cortes de justiça e os fatores de

desigualdade sócio-econômica, que o limitam de modo irrazoável; (c) a independência,

autonomia e imparcialidade do juiz; (d) o exercício dos direitos de ação e de defesa em

condições de paridade; (e) o direito das partes a um processo justo e équo; (f) a adequação e

efetividade dos instrumentos da tutela jurisdicional das garantias processuais fundamentais30.

Trata-se de uma longa pauta de temas, os quais, por sua vez, se encontram unidos pela

expressão “giusto processo”31. Segundo o autor, a efetividade significa que às partes devem

ser assegurados (a) pleno acesso à atividade estatal, sem óbices de quaisquer natureza

(effetività soggetiva); (b) a disposição de meios adequados (effetività tecnica) tendentes à

obtenção de um resultado útil (effetività qualitativa) e à garantia de uma posição jurídica de

vantagem dada pelo direito material (effetività oggetiva)32. O processo justo pressupõe o

idêntico conteúdo dos direitos de ação e de defesa, enquanto instrumentos de participação e de

humanização da relação processual.

Candido Rangel Dinamarco alude ao duplo sentido da instrumentalidade do

processo33, pondo em relevo as questões acima suscitadas: em sentido negativo, ganha o tom

de advertência, no sentido de que importa na tomada de consciência de que o processo não é

29 “A efetividade pode ser vista sob o aspecto do resultado do processo: é a visão pragmática da efetividade. Nem sempre, porém, o resultado do processo será suficiente para revesti-lo de efetividade. Pense-se no processo em que se faz justiça ao autor, reconhecendo direito que ele realmente tem, mas em agressão ao princípio do contraditório. A efetividade da tutela jurisdicional não pode prescindir do processo justo, isto é, aquele que obedece às garantias estabelecidas na Constituição”. (LOPES, João Batista. Efetividade da tutela jurisdicional à luz da Constitucionalização do Processo Civil. In: Revista de Processo, n. 116, jul-ago/2004. p. 34) 30 COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie Costituzionali e “Giusto Processo” (modelli a confronto). In: Revista de Processo, n. 90, abr-jun/1998. p. 103. 31 O autor ainda ressalta que o garantismo reflete os aspectos técnicos e éticos do processo. (Etica e Tecnica del “Giusto Processo”. Torino: G. Giappichelli Editore, 2004. Introdução). 32 COMOGLIO, Luigi Paolo. Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali. In: Rivista Trimestrale di Dirritto e Procedura Civile, Ano XLVIII, 1994. p. 1.070. 33 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade..., cit., p. 326.

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um fim em si mesmo, e que suas regras não podem de forma alguma sobrepujar as exigências

do direito material (novamente o abandono dos formalismos); em sentido positivo, talvez até

como consequência da referida tomada de consciência, conduz à noção de efetividade do

processo propriamente dita, entendida como sua capacidade de eliminar as incertezas e

cumprir os escopos que ensejaram sua instituição como contrapartida à proscrição da

autotutela. O autor ressalta que o exagerado conceitualismo que marcou a chamada fase

científica do processo levou o processualista a ficar mergulhado em um mar de princípios,

garantias tutelares e dogmas que trasmudaram a lógica do processo em nome de uma suposta

consistência metodológica. No sentido de que a técnica deve estar a serviço de valores

superiores a realizar, as reformas refletem a tendência de que a ordem processual não vive

somente de segurança e certezas, mas também de probabilidades e riscos34.

1.2.3- As críticas às reformas instrumentais

As reformas instrumentais não passaram imunes a críticas. Isto porque não há reforma

processual alguma que não se reporte ao desafio de propiciar ao processo uma maior dose de

aptidão para a realização dos reclamos do direito material (efetividade), com necessária

associação à garantia da celeridade. Infelizmente, o termo “celeridade” transformou-se em

verdadeira panaceia geral. Toda e qualquer reforma processual é justificada em nome da

celeridade, que já se converteu em princípio de conteúdo vazio e até metajurídico.

Humberto Theodoro Júnior, em estudo bastante interessante e crítico, demonstra

intensa preocupação com o problema da segurança jurídica, elemento substancial do Estado

Democrático de Direito, o qual vem sendo seriamente afetado pelas sucessivas reformas do

séc. XX, nos diversos ramos do direito. A preocupação central do autor é precisamente aquela

relacionada com a construção de uma justiça fundada no caso concreto. Leciona o professor:

O próprio legislador, em quem os indivíduos pensavam poder confiar para, na votação livre e democrática das leis, estabelecer os limites do autoritarismo do poder governante, abdica simplesmente de competência de traçar, com precisão e segurança, os preceitos que deveriam presidir o comportamento individual no seio da coletividade. Preferem, por comodidade, por menor esforço, ou por submissão a idéias de momento e de puro efeito demagógico, legislar por fórmulas excessivamente genéricas (cláusulas gerais, normas abertas e quejandas). Aproximando-se de meras declarações de valores (indefinidos e indefiníveis), essa conduta inaceitável, e por isso mesmo, injustificável do legislador contemporâneo, deixa o indivíduo (cuja dignidade diz estar tutelando) entregue à sanha e aos azares de quem detém o poder de julgar a conduta individual e social. Não se pretende negar o valor dos princípios éticos que

34 “Onde houver razões para decidir ou para atuar com apoio em meras probabilidades, sendo estas razoavelmente suficientes, que se renuncie à obsessão pela certeza, correndo algum risco de errar, desde que se disponha de meios aptos a corrigir os efeitos de possíveis erros”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Relendo princípios e renunciando a dogmas. In: Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 18.)

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podem e devem atuar na formulação das regras legais e em sua interpretação, por parte dos juristas e magistrados. Tudo isto, porém, deve ser feito de modo ponderado, deixando estipulado de maneira clara até onde, até que limites, um valor hermenêutico pode ser adotado na compreensão prática do preceito legal. (...) Essas ponderações, nós as fazemos porque o clima legislativo oriundo do final do século XX acha-se dominado por um furor normativo. Implantou-se a mentalidade de que reformando as leis o Estado melhoraria no exercício do governo da sociedade e esta aprimoraria seus critérios e valores de comportamento intersubjetivo. (...) É essa tempestade de ventos e torrentes em entrechoque nas reformas constantes e profundas por que passa o direito positivo de nossos dias que nos convida a meditar e ponderar sobre um princípio, um valor, um fundamento, do qual não se pode prescindir quando se intenta compreender a função primária da normatização jurídica. Trata-se da segurança jurídica, que nosso legislador constituinte originário, colocou como uma das metas a ser atingida pelo Estado Democrático de Direito (...).35

Exemplifica o autor afirmando que, no campo processual civil, o maior clamor por

reformas tem sido em torno da morosidade da prestação jurisdicional. Todas as reformas até

então implementadas têm se mostrado insuficientes, pois o retardamento dos feitos se dá

exatamente pelo descumprimento da lei e dos prazos processuais. Daí que a mera reforma

legislativa acaba por se mostrar obviamente ineficaz. Inúmeros poderes são concedidos aos

juízes, recursos são abolidos ou restringidos36 e uma nova dogmática destituída de um mínimo

de balizamento e previsibilidade vai sendo construída. Soluções simplistas são adotadas37, as

causas das mazelas da Justiça ficam cada vez mais esquecidas38 e as consequências para o

sistema são nefastas. Ademais, o princípio da isonomia no processo vai sendo paulatinamente

violentado39, tendo em vista que a figura do réu é banida. Neste mister, adverte Araken de

Assis sobre o perigo do discurso fácil em prol da rapidez:

O principal malefício de pretender a erradicação do problema de demora por intermédio das reformas processuais consiste em eleger solução simplista e rumo equivocado. As mazelas reais ou hipotéticas do processo jamais acabarão dando-se invariavelmente razão ao autor. É fato perceptível nas obras doutrinárias recentes, interpretando e patrulhando as reformas, a má vontade com os réus. Vários processualistas meteram-se na duvidosa empreitada de reinventar

35 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o princípio da Segurança Jurídica. In: Revista de Processo, n. 136, jun/2006. p. 34-36. 36 Para um enfoque crítico sobre a questão, ARAGÃO, E. D. Moniz. Demasiados recursos? In: Revista de Processo, n. 136, jun/2006. 37 Mauro Cappelletti já ressaltava, com base em sua visão “tridimensional” do acesso à justiça, com ênfase nos consumidores da tutela jurisdicional, que toda análise reformista deveria ter como pontos de partida o problema social, a resposta a ser dada, e o impacto/eficácia da resposta sobre o problema. (Dimensioni..., cit., p. 780) 38 Calmon de Passos assevera que um dos frutos perversos gerados pela “instrumentalidade” foi a quebra do equilíbrio processual que as inúmeras reformas ocasionaram. Segundo o autor, “ingressamos num processo de produção do direito que corre o risco de se tornar pura prestidigitação. Não nos esqueçamos, entretanto, que todo espetáculo de mágica tem um tempo de duração e a hora do desencantamento”. (Instrumentalidade do processo e devido processo legal. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 7, set-out/2000. p. 14-15) 39 Neste ponto, cabe ainda uma crítica à criação de certos procedimentos especialíssimos, ditos mais céleres, como o dos Juizados Especiais, que apresentam certo déficit garantístico, uma vez que criados “(...) geralmente com total desconhecimento do tão decantado princípio da igualdade das partes no processo, gerando-se, com isso, dupla desigualdade: desigualdade de procedimento e desigualdade no procedimento”. (OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Procedimento e ideologia no direito processual brasileiro atual. In: Revista da AJURIS, n. 33, mar/1985, p. 81)

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o processo banindo o réu. Com razão superficial, perceberam o papel de inimigo acerbo e natural da efetividade desempenhado pelo réu. Não só o réu contraria a pretensão do autor, como a ela resiste por meios legítimos. Recusa-se o réu a colaborar, a cumprir as ordens judiciais e, de um modo geral, a quedar-se inerte, propiciando celeridade ao processo40.

É como se pudéssemos afirmar que, após tantas conquistas no campo da abertura dos

canais de acesso à justiça, as mesmas portas fossem fechadas em prol de uma espécie de

fordismo processual, onde a suposta celeridade, erroneamente entendida como rapidez a

qualquer custo, pode ser alcançada. É preciso dar vazão à chamada tendência

universalizadora da tutela jurisdicional41, e não seguir o caminho inverso, o que acabará por

reestimular a contenção da litigiosidade. Daí que a ideia do chamado “processo de resultados”

pode convertê-lo em instrumento de autoritarismo: os reais problemas não são solucionados, e

o pior, toda a lógica e racionalidade do sistema vão caindo por terra42.

A legislação processual é, sem dúvida, um sistema de técnica de realizar a composição dos litígios, mas não é um sistema completo e exaustivo, pois pressupõe organismos oficiais por meios dos quais irá atuar. Os métodos e recursos de trabalho desses organismos são vitais para que o propósito sistemático da lei processual seja corretamente alcançado. Para manter uma sincronia entre a norma legal e sua operacionalidade administrativa, é preciso conhecer, cientificamente, as causas que, in concreto, frustram o desiderato normativo. E isto, obviamente, será inatingível, pelo menos com seriedade e segurança, se a organização dos serviços judiciários não contar com órgãos especiais de estatística e planejamento. (...) Não serão, como é intuitivo, as simples reformas das leis de procedimento que irão tornar realidade, entre nós, as garantias cívicas fundamentais de acesso à justiça e de efetividade do processo. O tão sonhado processo justo, que empolgou e dominou todos os processualistas no final do séc. XX, continua a depender de reformas, não de leis processuais, mas da Justiça como um todo43.

O objetivo da presente seção foi traçar uma verdadeira advertência, pois como leciona

Calmon de Passos, em lúcido magistério, “ao predicarmos a efetividade como valiosa por si

40 ASSIS, Araken de. Duração Razoável do Processo e Reformas da Lei Processual Civil. In: FUX, Luiz; Nery Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Orgs.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 197. 41 “Universalizar o exercício da jurisdição significa estendê-lo até onde a razão e o sentimento de justiça demonstrem ser conveniente levar a proteção estatal às pessoas atingidas ou ameaçadas por injustiça”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno (Tomo II). 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 873) 42 Sobre esta questão, parte da doutrina ainda vem conservando louvável lucidez, no sentido de que “igualmente nos causa repulsa notar que, em muitas discussões acadêmicas, a defesa e a justificativa para posições contrárias ao espírito da lei são sempre fundadas no princípio da celeridade e da economia processual. Devemos recusar um processo burocrático e excessivamente formal, mas, principalmente, cabe-nos rechaçar a mentalidade do término do processo a todo custo, eliminando-se as fases, recursos, procedimentos e técnica jurídica. Tememos que, num futuro breve, haja uma subversão da ciência processual formada pelo esforço de brilhantes doutrinadores do passado e do presente, como se a necessidade evidente e premente de celeridade e economia processual justificasse a transformação do processo civil em um amontoado de procedimentos desconexos e imprecisos, fazendo tábua rasa de centenas de anos de construção doutrinária e jurisprudencial (...)”. (HOFFMAN, Paulo. Razoável duração do processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 42) 43 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 36, jul-ago/2005, p. 32.

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mesma, deixamos de nos preocupar com a qualidade ou valor do decidido, dando prevalência

à concreção do que foi decidido, pouco importando sua bondade ou valia”44.

1.3- O abandono das reformas setoriais e o nascimento do novo Código de Processo Civil

Após quase duas décadas de inúmeras e profundas modificações no CPC de 1973 e,

mesmo diante de razoáveis resultados alcançados com as reformas até então implementadas

(mas ainda não integralmente satisfatórios), chegou-se à conclusão que o sistema processual

civil demandaria reconstrução45, posto que o Código Buzaid teria perdido coesão e

sistematicidade após tantas emendas, tornando-se uma verdadeira “colcha de retalhos”. Era o

momento de abandonar as reformas setoriais e repensar o sistema a partir da elaboração de um

novo diploma.

A ideia de que 37 (trinta e sete) anos depois do Código de 1973, impunha elaborar um novo ordenamento, atento aos novos reclamos eclipsados na cláusula constitucional da “duração razoável dos processos”, a Comissão, à luz desse ideário maior, entendeu erigir novéis institutos e abolir outros que se revelaram insuficientes ao longo do tempo, com o escopo final de atingir a meta daquilo que a genialidade do processualista denominou uma árdua tarefa para os juízes: fazer bem e depressa. A Comissão atenta à sólida lição da doutrina de que sempre há bons materiais a serem aproveitados da legislação anterior, bem como firme na crença de que a tarefa não se realizaria através do mimetismo que se compraz em apenas repetir erros de outrora, empenhou-se na criação de um “novo código” erigindo instrumentos capazes de reduzir o número de demandas e recursos que tramitam pelo Poder Judiciário46.

Em setembro de 2009 foi nomeada uma Comissão de Juristas, presidida por Luiz Fux,

até então Ministro do STJ, que ficaria responsável pela ampla tarefa de elaborar um novo

Código de Processo Civil, antenado com as diretrizes constitucionais e que refletisse o escopo

maior de propiciar um processo mais célere, justo e efetivo, com total respeito ao devido

processo legal. Conforme expresso na exposição de motivos do anteprojeto, o trabalho da

Comissão foi orientado por cinco objetivos fundamentais: a) estabelecer um verdadeira

sintonia fina entre o novo Código e a Constituição Federal; b) criar condições para que o juiz

possa decidir a causa de modo próximo à realidade subjacente; c) simplificar o sistema; d)

44 PASSOS, J.J. Calmon de. Cidadania e efetividade do processo. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 1, set-out/1999, p. 32. 45 “É evidente, no entanto, que o Código Reformado rigorosamente não apresenta ordem e unidade e, pois, só pode ser compreendido com um sistema a partir do esforço da doutrina em acomodar seus elementos. Mostra-se oportuno, portanto, que o legislador infraconstitucional busque promover a sistematização de nosso processo civil”. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 55) 46 FUX, Luiz (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa (reflexões acerca do projeto do novo Código de Processo Civil). Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 3.

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retirar o máximo de rendimento de cada processo; e) imprimir maior grau de organicidade ao

sistema, dando-lhe maior coesão.

Em junho de 2010, o antreprojeto foi encaminhado ao Senado Federal e convertido no

PLS n. 166/2010. Após rápidas discussões e com poucas alterações, o relatório final foi

aprovado em dezembro de 2010 e enviado para tramitação perante a Câmara dos Deputados.

Em junho de 2011, foi instituída uma Comissão Especial para conduzir os trabalhos, ficando a

presidência e relatoria, respectivamente, à cargo dos deputados Fábio Trad e Sérgio Barradas

Carneiro. Em setembro do mesmo ano, foi nomeada uma comissão de notavéis

processualistas para auxiliar na elaboração do substitutivo. A partir de maio de 2012, o

deputado Paulo Teixeira assumiu a relatoria e os trabalhos foram acelerados. Em março de

2014 o texto obteve aprovação final na Câmara e novamente remetido à Casa iniciadora após

o aperfeiçoamento de algumas disposições e a retirada de alguns pontos polêmicos, como a

possibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir até a sentença, a possibilidade de o

juiz adaptar o procedimento ao caso concreto e a permissão para a utilização de provas ilícitas

mediante um juízo de ponderação entre os princípios e os direitos fundamentais envolvidos no

caso concreto.

De volta do Senado, após auxílio de nova comissão de juristas, os senadores Vital do

Rego e José Pimentel apresentaram o relatório final que, com poucas alterações, foi aprovado

em dezembro de 2014. Após cuidadosa revisão final, o texto foi remetido à Presidência da

República e, finalmente, no dia 16 de março de 2015, sancionado pela Presidenta Dilma

Rouseff com apenas sete vetos. No dia 17 de março de 2015, com previsão de vacatio legis de

um ano, foi publicada a Lei 13.105/2015 e nascia, oficialmente, o novo Código de Processo

Civil, muito comemorado pela tramitação democrática, resultado de amplos debates com a

sociedade e com a comunidade jurídica. Após amplo esforço dos tribunais no sentido de

adaptar suas antigas estruturas aos novos paradigmas e algumas tentativas corporativas

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frustradas de ampliação da vacância47, o novo Código de Processo Civil finalmente entrou em

vigor no dia 18 de março de 201648.

Nascia um novo sistema processual cooperativo pautado nos direitos fundamentais. O

mecanismo do processo-calendário (art. 191), que permite ao juiz e às partes, de comum

acordo, estabalecer um calendário vinculante para a prática de atos processuais (que pode

funcionar como instrumento de ganho de produtividade via redução das etapas mortas do

processo, posto que a lei prevê a dispensa de intimação dos atos predispostos no calendário) e

a possibilidade do saneamento compartilhado e negociado (art. 357, §2º e 3º) são ilustrativos

do novo paradigma.

A partir da superação da dicotomia privatismo/estatalismo, a perspectiva da Comissão

foi a de otimizar o poder dos juízes na condução do processo e ao mesmo tempo ampliar a

possibilidade do exercício da autonomia privada das partes mediante o uso de convenções

processuais49, até então largamente utilizadas nas arbitragens comerciais, como fica patente na

previsão do art. 190, que prevê uma cláusula de negociação processual que permite às partes

convencionar mudanças no procedimento para adequá-lo às necessidades da causa. Isto sem

contar os novos poderes do juiz inseridos no inciso VI do art. 139, que prevê a possibilidade

47 Como exemplos, podemos citar a proposta do Min. Gilmar Mendes de adiar por até 5 (cinco) anos o início da vigência do novo Código, alegando uma possível sobrecarga de trabalho diante da inicial retirada do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais dos tribunais de 2ª instância na versão publicada em março de 2015, além do PL 2.913/2015, de autoria do deputado Victor Mendes (PV-MA), que pretendia dar nova redação ao art. 1045 da Lei 13.105/2015 para ampliar a vacatio para 3 (três) anos, sob a justificativa de que seria imperioso amadurecer o novo Código. A nosso ver, felizmente nenhuma das propostas vingou e o novo CPC entrou em vigor na data inicialmente planejada, embora a proposta inicial do Min. Gilmar Mendes, claramente encampada pelos membros dos tribunais superiores, tenha, certa forma, inspirado a edição da Lei 13.256/2015, que restabeleceu o duplo juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário ainda no período de vacância, conforme trataremos adiante. No mínimo, causa espécie a tentativa de setores da magistratura de protagonizar uma afronta ao primeiro código nacional aprovado sob regime integralmente democrático. 48 Dado o seu amplo especto de incidência e enorme potencial transformador, uma vez que o CPC é a legislação processual a ser aplicada, direta ou subsidiariamente, a litígios cíveis, familiares, comerciais, ambientais, trabalhistas, tributários, administrativos e previdenciários, a data exata de sua entrada em vigor passa a ser fator de fundamental importância ao operador do direito. Ainda mais diante da regra de direito intertemporal constante do art. 1046 que prevê a aplicabilidade imediata da lei processual aos processos pendentes, mas com integral respeito ao ato jurídico perfeito (irretroatividade para preservação dos atos processuais já praticados e consolidados sob a égide do CPC de 1973). No dia da entrada em vigor da nova lei processual, os ritos, os prazos, os recursos, as sanções e faculdades processuais, etc., são aspectos que sofrerão impactos imediatos. Ocorre que tal definição não restou cristalina no texto final aprovado pelo Congresso Nacional. O art. 1045 prevê que o “este código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. Conforme já mencionado, a publicação da Lei 13.105/2015 ocorreu no dia 17 de março de 2015. Como o critério eleito pelo legislador para a vacatio foi de ano, e não dias (ao contrário do que recomenda a LC 95/1998), aliado ao fato de que 2016 é ano bissexto (366 dias), houve certa insegurança e até controvérsias sobre a data de entrada em vigor do novo CPC (se 16, 17 ou 18 de março de 2016). Após inúmeros debates, o plenário do CNJ, em sessão virtual extraordinária realizada no dia 03 de março de 2016, por unanimidade, acolheu o entendimento defendido pela advocacia e pelo STJ no sentido de que o novo CPC entraria em vigor no dia 18 de março de 2016, uma sexta-feira. (Fonte: http://www.cnj.jus.br/plenario-virtual?sessao=401. Acesso em 04.03.2016) 49 THEODORO JÚNIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 21

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de o magistrado ampliar prazos processuais50 e alterar a ordem de produção dos meios de

prova com a mesma finalidade. A teoria geral do procedimento definitivamente ganhou novos

contornos, posto que tradicionalmente era caracterizada por regramento marcado pela

incidência de normas cogentes, inderrogáveis pela vontade das partes ou, até mesmo, por

iniciativa do juiz.

Atendendo a inúmeros reclamos da doutrina, o novo Código passou a conter uma

Parte Geral (as premissas do sistema), com o regramento dos princípios processuais, da

função jurisdicional, dos sujeitos do processo, dos atos processuais, da tutela provisória e da

formação, suspensão e extinção do processo e, ainda, uma Parte Especial, regulando o

processo de conhecimento, o cumprimento da sentença, o processo de execução e o processo

nos tribunais.

Dentre tantas medidas adotadas como forma de aprimorar o sistema, algumas

principais podem ser elencadas (além daquelas já apontadas acima), tais como:

- a previsão expressa das garantias fundamentais do processo a partir de uma releitura das

mesmas, especialmente do contraditório participativo como garantia de influência e não

surpresa, inclusive em relação às matérias de ordem pública, e da motivação estruturante das

decisões judiciais;

- a simplificação das modalidades de resposta do réu, sendo quase todas absorvidas pela

contestação;

- a abolição do rito sumário e a previsão de um único procedimento comum com forte

inspiração naquele;

- a retirada da ação declaratória incidental do sistema a partir da previsão expressa de que a

coisa julgada também incidirá sobre a resolução da questão prejudicial, desde que tenha

havido prévio contraditório incidente sobre a mesma;

- a possibilidade de concessão de gratuidade de justiça para a prática de atos processuais

isolados;

- a consagração legal expressa de entendimentos jurisprudenciais sobre os mais diversos

temas, como forma de garantir segurança jurídica e previsibilidade ao sistema;

- a abolição do agravo retido e dos embargos infringentes;

- a unificação dos prazos recursais em 15 dias, exceto os embargos de declaração;

50 " O juiz pode, de ofício, dilatar o prazo para a parte se manifestar sobre a prova documental produzida". (Enunciado n. 107 do FPPC)

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- o fim do duplo juízo de admissibilidade da apelação e dos recursos especial e extraordinário

como forma de eliminar um importante foco de recorribilidade (sistema posteriormente

restabelecido pela Lei 13.256/2016 em relação ao RESP e RE);

- a redução das hipóteses de reexame necessário;

- a eliminação da figura do revisor e a readequação dos poderes monocráticos do relator aos

novos instrumentos processuais;

- a ampliação dos casos de sustentação oral nos recursos, inclusive por videoconferência;

- a previsão de regras considerando a gradativa informatização dos processos judiciais;

- a consagração dos vetores interpretativos da primazia do julgamento do mérito e do máximo

aproveitamento processual, sobretudo como uma forma de antídoto contra a chamada

jurisprudência defensiva dos tribunais;

- a contagem dos prazos processuais em dias úteis, a previsão da percepção de honorários

sucumbenciais por advogados públicos, o reconhecimento da natureza alimentar dos

honorários advocatícios, a ordem cronológica de julgamentos, a unificação de calendário para

o recesso forense e a suspensão dos prazos processuais e a possibilidade de intimação da

sociedade de advogados, fazendo que o novo estatuto corporifique inúmeras conquistas da

advocacia;

- o incremento dos poderes tradicionais do juiz, agora inseridos no art. 139, merecendo

especial relevo o disposto no inciso III, no sentido de que aquele conduzirá o processo de

modo a "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias

necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham

por objeto prestação pecuniária". Tal disposititivo tem sido empregado para justificar uma

verdadeira revolução silenciosa no cumprimento de obrigacões pecuniárias impostas em

decisões judiciais, de sorte a permitir a utilização de meios atípicos51 para assegurar um

incremento de efetividade quando do cumprimento daquelas obrigações, como já ocorria no

sistema anterior em relação às obrigações de fazer, não fazer ou de entrega de coisa,

sobretudo as astreintes (e não apenas a multa coercitiva fixa de dez por cento prevista no art.

523, §1º);

- o incentivo à solução consensual de litígios, com a previsão de uma sessão de concilição ou

de mediação ainda antes da apresentação da resposta do réu (a qual normalmente exacerba a

51 CÂMARA, Alexandre Freitas. Novo CPC ampliou sobremaneira os poderes do juiz. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jun-23/alexandre-freitas-camara-cpc-ampliou-poderes-juiz. Acesso em 24.06.2016. No mesmo sentido, "...essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II". (Enunciado n. 12 do FPPC).

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tensão do conflito), fazendo com que as partes tenham papel mais ativo na construção da

solução, viabilizando-se assim, maior espaço para seu cumprimento espontâneo;

- a criação de um livro específico (arts. 294 e seguintes) para a disciplina da tutela provisória,

consagrando a unificação dos regimes procedimentais das tutelas satisfativa (antecipada) e

cautelar, ambas agora postuláveis em caráter antecedente ou incidental, além da consagração

da tutela da evidência como forma de redistribuição do ônus do tempo no processo e da

previsão do mecanismos de estabilização da tutela antecipada antecedente;

- a previsão expressa da distribuição dinâmica do ônus da prova;

- a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, visando a uniformizar a

jurisprudência a partir da identificação de processos que versem sobre idêntica matéria de

direito já na 1ª instância, com clara inspiração no sistema alemão. Tal procedimento permite

aos TJs dos Estados e TRFs a fixação de uma tese jurídica com caráter vinculante aos órgãos

jurisdicionais sujeitos à sua competência territorial a partir do julgamento de um caso

concreto eleito como paradigma ou piloto;

- a ratificação das últimas reformas processuais executivas e a intensificação da posição do

credor na execução.

1.3.1- O novo CPC colocado em prática: dificuldades iniciais

Após constantes pressões corporativas, especialmente de setores do Poder Judiciário e

da magistratura, no dia 05 de fevereiro de 2016 foi publicada a Lei 13.256/2016, que mutilou

o novo CPC quando este estava prestes a entrar em vigor. Dentre as principais alterações,

duas foram as mais sentidas. Inicialmente, figura a nova redação do art. 12, que previa a

obrigatoriedade de juízes e tribunais a observar a ordem cronológica de conclusão para

preferir sentença ou acordão, tendo como escopo básico garantir a isonomia entre os

jurisdicionados. Esta agora contempla apenas a previsão de que juízes atenderão,

preferencialmente, a ordem cronológica. A nosso sentir, tal mudança de rumos foi deveras

prematura. O art. 12 já previa diversas situações que permitiam ao juiz, justificamente,

excepcionar a ordem cronológica, fora que o emprego do termo “preferencialmente” pode

tornar o dispositivo em verdadeira letra morta.

Em segundo lugar, a nova dicção do art. 1030, que restabeleceu o duplo juízo de

admissibilidade dos recursos excepcionais, a ser realizado inicialmente nos tribunais de 2ª

instância, nos moldes do que já ocorria na sistemática do CPC de 1973. Não se pode sustentar

que o novo CPC seja um código perfeito, porém alterá-lo antes de sua concretude, fora da

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"sangria" do cotidiano e sem dados empíricos que justifiquem tal mudança de rumos (qual o

índice atual de interposição de agravos em face de decisões de inadmissibilidade dos

recursos especial e extraordinário na 2ª instância?), denota postura injustificável do

legislador e constitui fator gerador de instabilidade, justamente aquilo que o anteprojeto

objetivava combater.

Além das mutilações setoriais ocorridas ainda durante a vacatio, já nos primeiros

meses de vigência do novo diploma foi possível identificar com nítida clareza uma nefasta

resistência de setores do Poder Judiciário em aplicar as novas disposições, em especial as

renovadas versões do contraditório (art. 10) e da incrementada exigência de fundamentação

das decisões judiciais (art. 489)52, como se o julgador não fosse obrigado a exaurir todas as

questões propostas e os argumentos apresentados pelas partes, ficando à margem da

legalidade.

Exemplo paradigmático da referida postura foi a decisão do STF no sentido de que o

parágrafo único do art. 932 NCPC o qual, ao disciplinar os poderes do relator, dispõe que

este, antes de considerar inadmissível o recurso, deve conceder prazo de 5 dias dias para

correção do vício. Ocorre que a Primeira Turma, por maioria, decidiu que o mencionado

prazo só seria aplicável à correção de vícios formais, e não à necessidade de complementação

da fundamentação do recurso, posto que se estaria diante de juízo de mérito e não de

admissibilidade53. A Corte Maior, a partir de tal deliberação, implementou distinção não

realizada pelo legislador e, na prática, se recusou a aplicar o princípio da primazia da

resolução de mérito agora consagrado, consubstanciando mais uma hipótese de jurisprudência

defensiva, tão combatida pelos autores do Código.

Não se pode olvidar, ainda, da intensa controvérsia envolvendo a aplicação da

contagem dos prazos processuais em dias úteis ao microssistema dos juizados especiais. A Lei

9.099/95, que regula o procedimento dos JECs no âmbito dos Estados, jamais pretendeu

regular o processo como um todo, valendo-se da aplicação subsidiária no Código de Processo

Civil para sanar eventuais omissões. O mesmo ocorre com as leis disciplinadoras dos Juizados

Especiais Federais e da Fazenda Pública (Leis 10.259/2001 e 12.153/2009). Assim sendo, não

obstante sendo caracterizados pela exigência de celeridade (lembre-se: todo processo já o é,

por força de comando constitucional!), sempre nos pareceu questão tranquila que o novo art.

52 Citando algumas decisões ilustrativas, STRECK, Lenio Luiz. As notícias não são boas. Judiciário não cumpre o CPC: Is it the law? Dispónível em: http://www.conjur.com.br/2016-mai-12/senso-incomum-noticias-nao-sao-boas-judiciario-nao-cumpre-cpc-is-it-the-law. Acesso em 15.05.2016. 53 ARE 953221 AgR/SP, rel. Min. Luiz Fux, 07.06.2016. (ARE-953221), divulgado no Informativo n. 829 do STF.

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219 passaria a ser aplicada em substituição ao art. 181 do CPC/73, passando a contagem dos

prazos a ser operada também em dias úteis nos Juizados. Tratar-se-ia de mero respeito à

legalidade e às deliberações do legislador democrático, o qual não efetivou nenhuma distinção

nesse sentido, e à necessária observância dos postulados que orientam o diálogo de fontes,

oriundos da teoria geral do direito54.

Ocorre que a alteração legislativa não recebeu aprovação de parte da comunidade

jurídica. Da nota técnica 1/16 posteriormente confirmada nos debates travados no XXXIX

Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) realizado em junho de 2016 por meio da

Carta de Maceió (Enunciado Cível n. 16555 e Enunciado n. 1356 da Fazenda Pública), de

deliberações da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ e da Carta de Cuiabá (71º

ENCOGE), resultou o entendimento de que a contagem dos prazos persistiria nos moldes do

CPC recém-revogado57. Criou-se com isto uma estranha figura de repristinação apenas para

fins de aplicação subsidiária58. Qualquer entendimento contrário deveria ou deverá constar da

lei reguladora do procedimento dos juizados. É preciso evitar que voluntarismos exacerbados

desaguem em uma hermenêutica do "vale tudo".

Não parece lícito a nenhum de nós construir, através de expedientes retóricos, intepretações que afastem a eficácia de disposições legais e legitimamente aprovadas pelo legislador brasileiro, ou que ressuscitem institutos que, expressamente, foram rejeitados pelo parlamento. Um punhado de erudição, com citações em alemão ou de autores estrangeiros desconhecidos do grande público, não têm o condão de tornar existente o inexistente, nem sustentável o insustentável, e vice-versa59.

É inegável que o Código de Processo Civil constitui uma das mais importantes leis do

país. Além do seu poder conformador do sistema e de seu amplo espectro de incidência, é ele

que viabiliza o exercício dos direitos fundamentais no plano judicial e torna efetivos os atos

54 Sequer o argumento da celeridade é suficiente para afastar a aplicação do novo Código. A contagem dos prazos em dias úteis pode, no máximo, geral um efeito marginal em relação ao tempo global de duração do processo. Já nos manifestamos em outra oportunidade que o grande inimigo da morosidade é o tempo "inútil", "morto", de "prateleira" dos processos, que diz respeito ao período em que estes ficam sem andamento aguardando processamento. Neste campo, o desafio é muito mais administrativo que legislativo. Nesse sentido, RAMOS, Carlos Henrique. Processo civil e o princípio da duração razoável do processo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 56-57. 55 "Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua". 56 "A contagem dos prazos processuais nos Juizados da Fazenda Pública será feita de forma contínua, observando-se, inclusive, a regra especial de que não há prazo diferenciado para a Fazenda Pública - art. 7º da Lei 12.153/09". 57 Tal entendimento acabou por contrariar os elogiáveis e recém-aprovados enunciados n. 175 do FONAJEF e n. 45 da ENFAM, no sentido de que, por falta de previsão legal específica, o cômputo dos prazos em dias úteis também seria aplicável ao microssistema dos juizados especiais. 58 MACHADO, Marcelo Pacheco. Prazos nos juizados especiais em dias corridos: não esperávamos por esta do FONAJE. Disponível em: http://jota.uol.com.br/prazos-nos-juizados-especiais-em-dias-corridos-nao-esperavamos-por-esta-fonaje#_ftn2. Acesso em 01.07.2016. 59 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O novo CPC não é o que queremos que ele seja. Disponível em: http://jota.uol.com.br/o-novo-cpc-nao-e-o-que-queremos-que-ele-seja. Acesso em 25.06.2016.

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da vida civil. Outrossim, para que o novo diploma possa minimamente aproximar as

promessas constitucionais do cotidiano das pessoas, é imperioso que velhas e arraigadas

práticas sejam abandonadas e que o novo seja encarado com os olhos do novo60. Todos

devem estar acometidos de compromisso democrático tal que o Código da previsibilidade

possa cumprir seu escopo a partir de uma mudança de postura daqueles que operam o direito.

O mesmo jamais terá um mínimo de efetividade caso seja aplicado com a mesma postura de

antes e se a cada desconforto no seu manejo este tenha sua incidência negada, como se

alguém estivesse acima da lei. É precisa vencer a velha máxima de que é preciso mudar para

que tudo fique como dantes. Nesta seara, o papel da doutrina no sentido de apontar equívocos

em trabalhos acadêmicos, analisar criticamente os julgados e elaborar enunciados

interpretativos é imprescindível para constranger os diversos atores a uma mudança de

postura.

Fundamental a menção ainda, ao fato de que, antes de entrar em vigor em março de

2016, o novo CPC cumpriu período de vacância de um ano, fora o fato de que o anteprojeto

tramitou no Congresso Nacional desde 2009, e seu conteúdo era de conhecimento público. A

vacatio deveria ter sido utilizada especialmente para que os tribunais pudessem se adaptar à

nova realidade, seja via adequação de seus regimentos internos, modificação e/ou

cancelamento de antigas súmulas, ajustes nos sistemas do processo eletrônico e,

especialmente, para que as inevitáveis questões de direito intertemporal pudessem ser

antevistas e previamente alinhadas. Este último aspecto, em específico, tem sido objeto de

controvérsias marcantes no primeiros meses de vigência do novo Código, o que acaba por

constituir notória fonte de insegurança jurídica, especialmente sobre os processos pendentes.

A título ilustrativo, podemos citar a "saia justa" em que os ministros do Supremo

Tribunal Federal se colocaram. O novo CPC prevê importante novidade no sentido de que

caberá sustentação oral em agravo interno interposto em face de decisão do relator que

extingue mandado de segurança, ação rescisória ou reclamação, em caso de competência

originária do tribunal (art. 937, VI, §3º). Desde a aprovação da regra pelo Congresso Nacional

a área técnica do tribunal já havia alertado os ministros acerca do impacto da previsão61.

Ainda assim, em abril de 2016, o plenário daquele tribunal, no bojo de agravo regimental

interposto em face de decisão proferida nos autos do MS 34.023, suscitou controvérsia, pois

60 STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. CPC: conclamamos a que olhemos o novo com os olhos do novo. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mar-17/senso-incomum-cpc-conclamamos-olhemos-olhos. Acesso em 17.03.2016. 61 http://jota.uol.com.br/stf-ainda-nao-sabe-como-aplicar-sustentacao-oral-prevista-no-novo-cpc. Acesso em 15.04.2016.

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os ministros divergiram quanto ao momento de aplicabilidade do novo CPC, tendo em vista

que o recurso fora interposto antes de sua entrada em vigor62. O ministro Luiz Fux, que

ganhou destaque após presidir a comissão de juristas que elaborou o novo Código, defendeu

que a nova regra só deveria ser aplicada para os recursos interpostos após o dia 18 de março,

alegando preocupação com o princípio da duração razoável do processo e com o fato de os

gabinetes estarem abarrotados de agravos antigos pendentes. O impasse criado acabou por

levar o advogado da parte a abrir mão da sustentação oral para viabilizar o imediato

julgamento do recurso.

1.3.2- A importância do processo civil no contexto da política

Embora seja comum a afirmação de que o direito processual é instrumento a serviço

dos ditames do direito material, noção esta que não abandonamos, é de fundamental

importância a tomada de consciência de que o processo civil possui conteúdo e deve ser

inserido no contexto social e político. Assim, seu enfrentamento não deve se dar apenas por

meio de suas tradicionais categorias dogmáticas. O mesmo recebe inúmeros feixes de

influência do ambiente político, ainda mais quando se leva em conta que é o poder político

que cria o direito, o qual, por sua vez, o faz privilegiando certos segmentos em detrimento de

outros63. Aqui, este se manifesta silenciosamente, como uma forma de violência simbólica64.

Posteriormente, assume caráter formal e aura de legitimidade via inserção de privilégios

legais a certos grupos ou partes processuais.

Mirjan R. Damaska, importante estudioso norte-americano, sempre procurou enfatizar

que os diferentes modelos processuais devem ser analisados com a devida atenção aos

respectivos sistemas políticos no qual estão inseridos, uma vez que estes acabam por

influenciar o caráter mais ou menos inquisitorial ou adversarial dos diferentes sistemas

processuais65.

62 O mesmo ocorreu no julgamentodo MS 21.883, que tramita no STJ, em maio deste ano. A sustentação oral chegou a ser anunciada no plenário, mas, por unanimidade, o pedido foi negado pela Corte Especial. (http://jota.uol.com.br/stj-discute-aplicacao-da-regra-novo-cpc-sobre-sustentacao-oral-em-agravo-interno. Acesso em 18.05.2016) 63 PASSOS, J. J. Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando aqueles que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 5 64 Trata-se de um discurso de poder para “domesticar” os agentes sociais e convencê-los, mediante a naturalização do discurso, que determinada conduta não é arbitrária. Tal discurso pode ser identificado como uma forma de violência simbólica. Nesse sentido, BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 10-11. 65 DAMASKA, Mirjan R. The faces of justice and state authority. New Haven: Yale University Press, 1986. p. 3.

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Nesse contexto, é inegável que o processo civil pode ser utilizado como uma das

estratégias de poder66 67para a implementação de políticas68, sendo o direito utilizado como

instrumento de governo69. Com o abandono de um modelo estatal caracterizado pelo laissez-

faire puro, o Estado passa assume a perspectiva de dirigir os rumos da sociedade, via

transformação social. A forma do processo judicial passa a ser mais relevante do que o

conteúdo decisão final em si (como se chegou até ela?). Nesse ponto, o aspecto procedimental

assime peculiar magnitude, pois o Estado passa a controlar o andamento dos processos

judiciais, que paulatinamente deixa de ser visto como mera disputa privada entre partes. O

processo passa a ser fruto da ideologia estatal, de modo que a cada modelo processual

imcumbe a tarefa de dar vazão às estratégias de poder historicamente delineadas. Daí que

certas características de cada sistema processual refletem de modo cristilino sua maior

propensão autoritária ou democrática70 (regime da coisa julgada, importância das garantias

fundamentais do processo, a intensidade do controle judicial sobre os atos estatais, a

exacerbação ou não do interesse público, os meios de produção da verdade, o papel do juiz e

das partes, etc.).

No nosso país, marcado atualmente pela judicialização, seja dos conflitos cotidianos

ou da política, os desafios se avolumam71. Em relação às questões cotidianas, a exacerbação

66 Segundo Foucault, desde a Idade Média, nas sociedades ocidentais, o exercício do poder sempre se formula no direito, atuando este como forma de manifestação e aceitabilidade daquele. (FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 13ª ed. Trad. de Maria Thereza da C. Albuquerque e J. A. Gilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1988. p. 84). 67 A expressão “poder” aqui é empregada dentro daquele aspecto que Max Weber cunhou de poder legal, que seria aquele característico da sociedade moderna, fundado na crença na legitimidade dos ordenamentos jurídicos que expressamente definem as funções dos detentores do Poder. A fonte de onde emanaria o poder seria a lei, à qual todos estariam submetidos, e o burocracia funcionaria como o aparelho administrativo do poder. (WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. I. Trad. de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora UNB, 2009. p. 142-147) 68 Sobre o tema, SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia de poder: reflexo da judicialização da política no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 69 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coords.). Participação e processo. In: São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 131. 70 SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia..., cit., p. 10-11. 71 “Dessas múltiplas mutações, a um tempo institucionais e sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os Poderes, como também a conformação de um cenário para a ação social substitutiva a dos partidos e das instituições políticas propriamente ditas, no qual o Poder Judiciário surge como uma alternativa para a resolução de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social e mesmo para a adjudicação de cidadania, tema dominante na pauta da facilitação do acesso à Justiça. Em torno do Poder Judiciário vem-se criando, então, uma nova arena pública, externa a circuito clássico “sociedade civil-partidos-representação-formação da vontade majoritária”, consistindo em ângulo perturbador para a teoria clássica da soberania popular. Nessa nova arena, os procedimentos políticos de mediação cedem lugar aos judiciais, expondo o Poder Judiciário a uma interpelação direta de indivíduos, de grupos sociais e até de partidos – como nos casos de países que admitem o controle abstrato de normas -, em um tipo de comunicação em que prevalece a lógica dos princípios, do direito material, deixando-se para trás as antigas fronteiras que separavam o tempo passado, de onde a lei geral hauria seu fundamento, do tempo futuro, aberto à infiltração do imaginário, do ético e do justo”.

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do demandismo72 é uma marca do nosso tempo. O desenvolvimento de novas tecnologias e a

oferta de cada vez mais produtos aumentou a demanda por bens de consumo. A sociedade do

consumo em massa se transforma na sociedade dos conflitos também massificados. A

população com cada vez maior consciência jurídica, fator tambem incrementado pela difusão

da informação, passa a exigir maior qualidade de bens e serviços. Aliado a isso, a atuação

onipresente do Estado provedor e regulador da vida social gera resulta em uma famigerada

inflação legislativa, comprometendo a racionalidade do sistema. Eventuais falhas e distorções

do referido fenômeno também são levadas à apreciação judicial73.

Em relação à política, a crise do Estado provedor levou à reivindicação de direitos que

deixaram de ser atendidos pelo poder público. Ocorre que tais questões são alheias à formação

tradicional dos juízes. Ainda assim, no contexto de crise das tradicionais instituições políticas,

o juiz de transforma no guardião das promessas74. Resultado: aumento vertiginoso do volume

de processos judiciais em tramitação, congestionamento dos canais judiciários e sério

comprometimento da celeridade dos julgamentos.

A esse desgaste a justiça civil reagiu com a simplificação das formas e dos ritos e a aceleração dos procedimentos, bem como a adoção de novos institutos para enfrentar a massificação das demandas e dos recursos, como as ações coletivas e as tutelas antecipatórias, relegando a plano secundário a preocupação com a qualidade das decisões e o respeito às garantias fundamentais do processo. Um dos resultados dessa crise foi a perda de credibilidade dos juízes profissionais e a avaliação desfavorável do sistema judicial pela opinião pública (...)75.

Diante do referido quadro de crise, com a cidadania sendo exercida também por meio

do processo, os contornos da lei processual passam a ser de interesse do Estado, que vai

procurar dirigir e guiar os rumos do processos judiciais levando-se em conta uma determinada

estratégia. Uma das mais tradicionais, como resposta à crescente judicialização da política

seria moldar um modelo processual talhada a resguardar os interesses do Poder Executivo76,

vide os privilégios processuais da Fazenda Pública em juízo, muitos deles preservados no

(VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 22-23) 72 GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: SOUZA, Marcia Cristina Xavier; RODRIGUES, Walter dos Santos (Coord.). O novo Código de Processo Civil: o projeto do CPC e o desafio das garantias fundamentais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 6. 73 SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia..., cit., p. 117 e seguintes. 74 Autorizada doutrina sustenta que o aumento da importância do Poder Judiciário na sociedade moderna denota que as instituições políticas vêm perdendo crédito junto à população, e que o constante recurso aos juízes faz com o Judiciário se transforme em verdadeiro agente reivindicador, o “guardião das promessas” não cumpridas ou em um “muro de lamentações”. Os juízes e os juristas passam a representar a consciência moral da vida social, política e econômica, sendo que a magistratura ainda estaria pouco preparada para o exercício desse papel. (GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad. de Maria Luiza de Carvalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 52 e 55) 75 GRECO, Leonardo. Novas perspectivas..., cit., p. 7. 76 SILVA, Carlos Augusto. O processo civil como estratégia..., cit., p. 123.

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corpo do novo CPC, ainda que repaginados. Quanto à judicialização dos conflitos cotidianos,

resta cristalina a estratégia de responder via radicalização da vinculação vertical aos

precedentes, reforçando a estrutura hierárquica típica dos países da civil law mas, ao tempo,

dando mais um passo de aproximação ao sistema da common law.

2- O novo CPC e a questão dos precedentes

2.1- A paulatina transmutação do papel da jurisprudência

A metaformose sofrida pelo sistema processual pátrio, para melhor compreensão, deve

ser inserida em um contexto histórico maior. A jurisprudência, em sentido técnico-jurídico,

pode ser definida como um conjunto harmônico e sistemático de decisões reiteradas dos

tribunais sobre um determinado tema77, muitas vezes denominada de costume judiciário78.

Ocupando uma verdadeira posição ambígua, de governo e de povo, os juízes segregam a

jurisprudência que não se confunde com uma decisão isolada, que pode ser fruto de alguma

má compreensão ou deturpação jurídica.

Das leis, normas gerais e abstratas, deduzem-se as normas jurídicas concretas, que se aplicam a cada caso. Em sentido inverso, das normas concretas, produzidas pelos tribunais, induzem-se normas gerais e abstratas e eis, aí, o fenômeno da jurisprudência. (...) Há, sobretudo, a lição que os séculos nos legaram, no sentido de que o direito não se contém todo nas leis. Há, pois, que se admitir a jurisprudência como fonte do direito. Introduz-se, assim, uma certa desordem no sistema jurídico, que deixa de ser monolítico79.

Toda vez que um órgão jurisdicional, ao proferir uma decisão, parte de outra, proferida

em outro processo e empregando-a como base fundante, parte de um precedente. O termo

precedente se refere a uma decisão judicial singular que serviu ou servirá como guia a futuras

deliberações, ao passo que o termo jurisprudência diz respeito a um bloco de decisões

formador de uma linha constante de entendimentos sobre determiando tema80.

Não é da tradição do direito brasileiro que a jurisprudência assuma caráter vinculante,

exceto no caso das deciões do plenário do STF em sede de controle concreto de

constitucionalidade (eficácia ergma omnes automática) ou no controle difuso após

comunicação e suspensão do ato pelo Senado Federal. Especialmente nos países de direito

77 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 15. 78 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro - eficácia, poder e função. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 84. 79 TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Teoria geral do processo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 33-34. 80 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 427-428.

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escrito, a jurisprudência costuma ter um papel supletivo, secundário, posto que a lei assume o

papel de fonte formal por excelência do direito, até mesmo por força da legitimidade

democrática que caracteriza a atividade do legislador ao editar normas. Nesse contexto, a

jurisprudência exerce as funções de interpretar, vivificar, humanizar, integrar e atualizar a

lei81 (especialmente diante da lentidão do processo legislativo formal clássico)82, não

exercendo eficácia tipicamente vinculante aos demais órgãos judiciários, funcionando como

uma mera fonte material do direito.

Uma vez consolidado um entendimento em determinado sentido, a jurisprudência

pode ser transformada e corporificiada em uma súmula, que nada mais é do que um breve

enunciado ou verbete que o resume, para efeito de publicidade e segurança jurídica, as quais,

a princípio, podem ser editadas por qualquer tribunal do país. Funcionam como um extrato da

jurisprudência dominante e não confundem com um precedente, embora possa se apoiar em

precedentes distintos83. Tais súmulas, por sua vez, podem assumir caráter persuasivo ou

vinculante, conforme opção legislativa. No ordenamento jurídico nacional, vigorava a

perspectiva tradicional de que a jurisprudência, consubstanciada ou não em súmula, exercia

papel apenas persuasivo, ou seja, não haveria um instrumento técnico para forçar sua

aplicação pelos demais órgãos jurisdicionais. Não obstante, isto não jamais significou que a

jurisprudência exercia um papel marginal entre nós. Seu caráter persuasivo busca denotar que,

a despeito da não vinculação, a mesma exerceria uma espécie de eficácia natural, uma

espécie de valência espontânea ou natural, pois uma vez tornada de conhecimento público,

tenderia a ser citada por advogados em sua petições e seguidas pelos juízes em suas sentenças.

Ocorre que tal sistemática, no contexto da crise contemporânea da justiça, passou a ser

alvo de inúmeras críticas por boa parte da doutrina nacional, pois apesar da eficácia natural da

jurisprudência, o excesso de causas acabou por despertar certa perplexidade a partir do

momento que se identificou, na prática, grande número de recursos voltados a questionar

decisões judiciais que deixavam de seguir os precedentes persuasivos. Tal constatação ajudou

a identificar uma suposta mazela sistêmica, qual seja, o desprezo ao princípio constitucional

81 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial..., cit., p. 48-49. 82 "Em países de direito codificado, esta tarefa decorre de que as leis não só carecem de permanentemente de interpretação, mas necessitam também de colmatar lacunas e de se adequar a diferentes situações e, além disso, da crescente necessidade, cada vez mais complexa, de clareza e de sintonização das normas entre si; por último, decorre da exigência de evitar contradições valorativas, o que, por sua vez, decorre do princípio de igual medida, ou seja, da ideia de justiça. A jurisprudência está empenhada, através de um tratamento adequado do material que lhe é dado nas leis e nas sentenças dos tribunais, em alcançar critérios precisos para a solução de questões jurídicas e a decisão de casos jurídicos e, bem entendido, nos quadros do direito que em cada momento vigora e duas valorações fundamentais". (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 4a ed. Trad. de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p. 326) 83 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil..., cit., p. 431.

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da isonomia84: causas idênticas recebendo tratamento diferenciado o que, por consequência,

seria fator gerador de descrédito ao Poder Judiciário e de inchaço dos tribunais.

A conjuntura identificada despertou inúmeras vozes no sentido da busca de um

caminho alternativo àquele quadro caótico apresentado, pois no âmbito jurisprudencial o

dissídio não é salutar como em outras fontes do direito, especialmente na doutrina, devendo

ser combatido. A sensação de loteria judiciária seria inevitável quando os jurisdicionados

recebem tratamento díspare diante de situações idênticas, o que inexoravelmente dificulta o

cumprimento espontâneo do julgado. Decisões heterogêneas passam a ser personalizadas e

associadas ao juiz que a proferiu e às partes nela envolvidas. O respeito aos precedentes

despersonaliza as demandas e cria um espaço de aceitação das decisões e de afirmação do

poder estatal, especialmente diante do respeito ao passado, além de racionalizar o duplo grau

de jurisdição, contribuir à duração razoável do processo (grande parte das questões já estão

maturadas e decididas), controlar o poder o juiz e sua necessária imparcialidade, assegurar

coerência, isonomia e segurança jurídica, desestimular a litigância e favorecer acordos diante

da predefinição de expectativas85 86.

Sequer o argumento de que a falta de legitimidade democrática dos juízes para editar

normas com algum caráter de generalidade e abstração mereceria guarida, posto que as

"normas para as quais se pretende qualificar os juízes não dispõem de todo o caráter de

generalidade e abstração que supostamente faria deles autênticos legisladores"87, ainda mais

quando se leva em conta as vantagens expressas no quadrinômio igualdade-segurança-

economia-respeitabilidade que um sistema de precendentes vinculantes poderia oferecer. A

própria evolução da teoria da interpretação, que agora parte da dissociação entre texto e

norma, faz com que as Cortes exerçam a tarefa de atribuir sentido ao direito por meio de suas

decisões. Ou seja, a unidade direito seria outorgada a partir da elaboração do precedente. O

84 "A isonomia estabelecida pelo constituinte se reduz àquela meramente formal, virtual, afirmada como princípio ou diretriz ou, contrariamente, há de ser real, efetiva, compreendendo o tratamento equânime dos jurisdicionados diante da norma, quando esta vem a ser aplicada pelo Estado-juiz aos casos concretos?" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial..., cit., p. 21) 85 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 121 e seguintes. 86 Como contraponto, normalmente exsurgem argumentos como o obstáculo que um sistema de vinculação a precedentes gera ao desenvolvimento do direito e à concretização da isonomia substancial, além de violar os princípios da separação de poderes, da independência dos juízes e do juiz natural. (GOMES, Luiz Flávio. A dimensão da magistratura no Estado Constitucional Democrático de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 202 e seguintes) 87 DINAMARCO, Cândido Rangel. Súmulas vinculantes. In: Revista Forense, n. 347, jul.-set./1999, p. 60-61.

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controle da legalidade pura pela via da interpretação uniforme é agora deslocada para a tutela

da igualdade88. Estava pavimentado o caminho para mudanças profundas89.

O direito deixaria de cumprir sua função quando não consegue contribuir para

aumentar a sensação de segurança jurídica e de previsibilidade90. Ademais, o modelo de

processo civil traçado no contexto do Estado Liberal não mais atenderia aos reclamos da

sociedade contemporânea e sua ideologia individualista teria sido superada no contexto das

sociedades de massa, especialmente a partir do momento de que grande parte das demandas

intersubjetivas cedem lugar aos processos envolvendo direitos individuais homogêneos91

(nossa sociedade é policonflitiva e diversas reinvindicações decorrem de situações comuns).

A litigiosidade repetitiva, em especial, demandaria a construção de uma nova racionalidade

processual. Nesse sentido, a real isonomia pressuporia a estrita identidade entre a norma

legislada e norma judicada e a real uniformização da jurisprudência, por sua vez, requer

eficácia vinculante92.

A já aludida Reforma Constitucional do Poder Judiciário, operada pela EC 45/2004,

deu o pontapé inicial ao longo do processo de transfiguração do papel da jurisprudência em

nosso sistema de fontes. Por meio do art. 103-A, a Carta Maior passou a a permitir que,

exclusivamente o Supremo Tribunal Federal, por meio de um quórum qualificado de dois

terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprove súmula

com caráter vinculante a todos os Poderes do Estado (posteriormente regulamentada pela Lei

11.416/2006), cabendo reclamação ao próprio STF em caso de descumprimento. Iniciava-se,

nesse momento, a dualidade no sistema de fontes: a jurisprudência passou a funcionar como

fonte material ou formal do direito processual, a depender de sua corporificação ou não em

88 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 65-66. 89 Em sentido oposto, Leonardo Greco aponta que uma das mais graves deformações da justiça civil contemporânea em países da civil law seria uma "tendência incontrolável à hipertrofia da jurisprudência dos tribunais superiores", imposta autoritariamente aos juízos inferiores e geradora de obstáculos intransponíveis à sua superação, tais como as súmulas vinculantes, súmulas impeditivas de recursos e sentença liminar de improcedência. Lembrando os ensinamentos de Damaska, o autor ressalta que os países da civil law não precisam da vinculação jurisprudencial, posto que essa força já deriva da relação hierárquica entre tribunais superiores e juízos inferiores. (GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: SOUZA, Marcia Cristina Xavier de; RODRIGUES, Walter dos Santos (Coords.). O novo Código de Processo Civil ..., cit., p. 14) 90 “A jurisprudência consolidada garante a certeza e a previsibilidade do direito, e, portanto, evita posteriores oscilações e discussões no que se refere à interpretação da lei”. (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 296) 91 KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Garantismo, contraditório fluido, recursos repetitivos e incidentes de coletivização. In: SOUZA, Marcia Cristina Xavier de; RODRIGUES, Walter dos Santos (Coords.). O novo Código de Processo Civil: o projeto do CPC e o desafio das garantias fundamentais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 291. 92 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial..., cit., p. 75 e seguintes.

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súmula vinculante, e passamos a conviver com existência de súmulas persuasivas (de

qualquer tribunal do país) e vinculantes (exclusivas da Corte Suprema).

A súmula vinculante está no mesmo patamar de autoridade das normas jurídicas

abstratas, embora com elas não se confunda, haja vista que possui inegável caráter híbrido,

com características de abstração, eis que aplicáveis a todos, porém surgida a partir de um caso

específico, funcionando como norma concreta para as partes nele envolvidos. De qualquer

forma, a súmula é composta pelos enunciados e pelos precedentes que lhes deram origem. O

enunciado é que vincula, obriga sua aplicação, porém sua interpretação jamais deve se

descolar dos precedentes embasaram sua criação93.

Fora a vinculação sumular, então implementada, o fortalecimento da jurisprudência

por outros meios teve continuidade. Em primeiro lugar, a Lei 11.276/2006 fez constar no art.

518, §1º do velho CPC/73 o mecanismo da súmula impeditiva de recursos. Por meio deste, o

juiz de 1a instância, ao realizar o primeiro juízo de admissibilidade da apelação, poderia

inadmitir o recurso de apelação caso esta questionasse sentença já alinhada à súmula do STJ

ou STF. A partir do momento que o juiz aplicasse uma súmula dos tribunais superiores,

vinculante ou não, automaticamente o ordenamento blindava sua decisão e a tornava, a

princípio, irrecorrível94. Com a súmula impeditiva, conjugou-se a eficácia vinculante de

algumas súmulas com a eficácia inibidora de recursos de outras.

Em segundo plano, a EC n. 45/2004 também acrescentou o § 3º ao art. 102 da CF,

dando nova feição ao recurso extraordinário ao estabelecer o requisito da repercussão geral da

questão constitucional para a sua admissibilidade. Por repercussão geral entende-se a

qualidade pela qual os motivos do recurso transcendem as partes envolvidas no caso concreto,

apresentando especial relevância para a sociedade brasileira ou determinado segmento desta.

Ou seja, o legislador optou pela fórmula que caracteriza a repercussão geral pelo binômio

transcendência-relevância para a busca de soluções para problemas de ordem

constitucional95. Ao lado da disciplina constitucional, a regulamentação operada pela Lei

11.418/2006 veio a introduzir os arts. 543-A e 543-B no CPC/73, de modo a concretizar mais

especificamente o referido instituto.

A repercussão geral é, dentre as questões preliminares ao julgamento do mérito do RE,

a última a ser apreciada, posto que sua ausência só pode ser reconhecida pelo Plenário

93 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. I. São Paulo: Atlas, 2014. p. 26. 94 Vale ressaltar que o referido mecanismo foi abolido com o novo CPC, que optou por retirar o juízo de admissibilidade da apelação do juízo de primeiro grau. A função de analisar se o recurso contraria ou não súmulas dos tribunais superiores é exercida agora apenas pelo relator (art. 932). 95 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 33-34.

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(quórum qualificado de dois terços) — exceto quando houver decisão contrária sobre a

mesma questão anteriormente julgada. Trata-se de requisito político96, por meio do qual a

Corte Suprema avoca para si somente as causas de perfil tipicamente constitucional de maior

relevância, com clara inspiração no writ of certiorari norte-americano97. Em virtude do

elevadíssimo quórum exigido para a negativa da relevância e transcedência da matéria

versada na causa, podemos afirmar que o legislador acabou por estabelecer uma espécie de

presunção de existência da repercussão geral.

Por meio dos "números da repercussão geral", divulgados periodicamente pelo

Supremo Tribunal Federal, é possível identificar que cerca de 68% (sessenta e oito por cento)

das matérias afetas a ele têm tido sua repercussão geral reconhecida, diferentemente daquilo

que ocorre nos EUA, onde um número baixíssimo de petitions são acolhidas98. Ainda assim, o

96 Em que pese a clara inspiração no writ of certiorari, em nosso ordenamento, muito devido à tradição do civil law, o mecanismo da repercussão geral foi implementado de modo a reduzir os poderes discricionários do juízes96, dada a exigência de motivação de suas decisões. O requisito não deixa de ser político, mas os juízes precisam expor suas razões de decidir. (PINTO, Valentina Mello Ferreira. A comparison between the writ of certiorari in the United States and the extraordinary appeal´s repercussion requisite in Brazil. In: Revista de Processo, n. 187, set./2010. p. 137). 97 Nos EUA, o número de petições dirigidas à Suprema Corte vem crescendo ao longo da história, fazendo com que grande dose de energia do tribunal seja dirigida a decidir quais casos decidir. Quando um julgamento final é proferido por uma das Cortes Federais de Apelação ou por uma das Cortes Estaduais (envolvendo questões relativas ao direito federal), a parte perdedora tem a possibilidade de dirigir um requerimento à Suprema Corte (petition of certiorari) para que aprecie a causa. Trata-se do supramencionado procedimento do writ of certiorari. Na hipótese da petition ser aceita, a Suprema Corte apreciará a demanda. Caso contrário, as decisões das Cortes inferiores terão sido definitivas. A petition é tida por acolhida quando nesse sentido votam ao menos quatro dos nove ministros (rule of four), sendo que a decisão é tomada em sessão absolutamente secreta. Seu indeferimento não significa que a Corte considera a decisão do tribunal inferior como correta, mas tão somente que ela não está disposta a enfrentar a questão suscitada ou simplesmente porque a pauta está sobrecarregada. Assim, habilidade extrema é exigida ao advogado da parte que a elabora, pois deve ser breve, clara e convincente, características essas típicas do pragmatismo estadunidense. Em sua apreciação, a Corte tem total discricionariedade: pode acolhê-las ou rejeitá-las a seu talante, sem designar as razões pelas quais decidiu. Eventual rejeição da petition não deve se basear em questões formais, mas tipicamente na importância do caso ou da questão envolvida. O regime data de 1925, ano do novo Judiciary Act, destinado a mitigar a sobrecarga de trabalho, fazendo com que a Corte pudesse tornar-se capaz de controlar a sua pauta. Nesse sentido, TARUFFO, Michelle; HAZARD, Geoffrey C.. American civil procedure: an introduction. New Haven and London: Yale University Press, 1993. p. 185-186; MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Suprema Corte norte-americana: um modelo para o mundo? In: Temas de direito processual (oitava série). São Paulo: Saraiva, 2004. p. 243-244. 98 Tal fenômeno pode ser facilmente explicado. No nosso modelo, que Damaska classsifica como “hierárquico”, o recurso tem uma importância fundamental. Como os juízes são técnicos, eventuais conflitos precisam ser examinados perante a instância superior. A hierarquização rígida exige que as decisões judiciais estejam normalmente sujeitas a um completo reexame a um nível superior, fazendo com que a revisão das decisões esteja dentro da sequência prevista de atos processuais, assimilada a uma burocracia. O “controle de qualidade” pelas instâncias superiores faz com que as decisões de primeira instância percam importância. Enfim, entre nós, a pouca legitimidade dos juízes (técnicos) é superada com o acesso ao recurso. A discricionariedade judicial é um mal a ser combatido. Já no modelo anglo-saxônico, classificado como “paritário” ou “coordenado”, há maior participação popular na administração da justiça, com a atuação de juízes leigos, principalmente. Como a distribuição do poder é horizontal, os órgãos decisionais de primeira instância possuem maior discricionariedade, já que a correção das decisões depende do consenso na comunidade, fazendo com o manejo do recurso perca certo sentido. Dentro desse contexto, a quase ausência de controle hierárquico é componente essencial da organização judiciária paritária, que se pauta na legimitidade popular dos julgadores (que gera, por sua vez, maior aceitação das decisões). Assim, como as questões ficam confinadas nas instâncias ordinárias, o baixo

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instituto contribuiu de sobremaneira para "baixar o estoque" de processos99, embora não tenha

sido capaz de retirar o STF da crise100 101, a qual costuma ser identifica ou confundida com a

própria crise do recurso extraordinário. Para tal, o mecanismo previsto originalmente no art.

543-B do CPC/73 (em linhas gerais reproduzido no arts. 1035, §5o e seguintes do CPC/15),

consubstanciado no sobrestamento de recursos extraordinários com igual fundamento,

desempenha função ímpar. Autoriza o dispositivo que, na hipótese de haver inúmeros

recursos extraordinários com fundamento em idêntica controvérsia, o tribunal a quo selecione

aqueles representativos da discussão para que o STF examine a repercussão geral,

suspendendo-se a tramitação dos demais. Decidindo o STF pela inexistência da repercussão

geral, os recursos cuja tramitação havia ficado suspensa serão considerados automaticamente

inadmitidos e tal decisão terá caráter vinculante em relação ao órgão a quo. Reconhecendo a

repercussão, a Corte fixará a tese jurídica a ser aplicada aos casos sobrestados e também aos

futuros recursos que versem sobre matéria idêntica, sem necesssária subida ao STF.

Com base em tais características, é oportuno afimar que a repercussão geral contribuiu

para que processo individual tradicional caminhasse rumo à coletivização (processos julgados

em bloco, e não mais na lógica do "um caso de cada vez") e para a abstrativização do

controle difuso de constitucionalidade102, funcionando como uma ponte entre as jurisdições

acolhimento das petitions pela Suprema Corte americana encontra assento, pois lá o conceito de “grande questão” é mais restrito que aqui. (DAMASKA, Mirjan R.. The faces of justice..., cit., p. 47 e seguintes) 99 Entre o 2o semestre de 2007 e 1o semestre de 2014, 108.770 processos foram devolvidos com base no art. 543-B do CPC/73, a redução na distribuição dos processos recursais foi da ordem de 64% e no estoque de processos recursais da ordem de 58%. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao. Acesso em 06.07.2016. 100 Para buscar uma saída para a mencionada crise, o Min. Luís Roberto Barroso, propôs, ao longo do ano de 2014, limitar o reconhecimento da repercussão geral. Segundo ele, como o STF julga cerca de 27 mil processos com repercussão geral com por ano, seriam necessários mais 12 anos para "zerar" o estoque de mais de 300 temas com repercussão geral reconhecida. Até que o estoque seja zerado, o STF, em conjunto, deveria estabelecer a meta de reconhecer a repercussão geral em apenas 10 processos por ano. Uma vez reconhecida a repercussão, os processos seriam redistribuídos aos ministros e a data de julgamento pré-fixada. Com isso, o STF formularia uma agenda executável. 101 Em sessão realizada no dia 01.07.2016, os ministros do STF admitiram aquilo que já era refletido nos números: não conseguem dar conta de julgar os processos com repercussão geral e precisam, com urgência, encontrar soluções. Atualmente, há cerca de 320 repercussões gerais represadas e mais de um milhão de processos sobrestados nas instâncias ordinárias aguardando pronunciamento. O ministro Teori Zavascki, comentando o disposto no art. 1035, §5o do NCPC, ressaltou que o legislador quis priorizar o julgamento da repercussão geral, devendo esta ter prioridade em relação às ações ordinárias. O ministro Luís Roberto Barroso, dando continuidade aos seus apontamentos anteriores sobre o tema, sugeriu que, ao menos, uma repercussão geral seja colocada em pauta por semana e que um cronograma pré-fixado de julgamento seja definido pela Presidência seja definida com um semestre de antecedência. O tema voltará a ser discutido em agosto, quando do término do recesso judiciário. Disponível em: http://jota.uol.com.br/stf-admite-que-nao-consegue-analisar-processos-com-repercussao-geral+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em 06.07.2016. 102 RAMOS, Carlos Henrique; CUNHA, Paulo Eduardo Ramos Mendes da. Perspectivas atuais da repercussão geral no recurso extraordinário. In: Revista Dialética de Direito Processual, n. 102, set./2011, p. 22.

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singular e coletiva103. Explica-se. Sempre foi inquestionável o fato de que na prática

tradicional do controle difuso de constitucionalidade houve intensa proeminência do interesse

individual. O que nele se pretendia, classicamente, era a realização do direito subjetivo da

parte, sendo que o julgador apenas conheceria da questão constitucional, mas não a julgaria,

já que essa questão seria colocada apenas de forma incidental. Porém, com a repercussão

geral o objeto primordial deixa de ser o deslinde do caso concreto, com base no direito

individual envolvido, passando a ser a solução de questões constitucionais exatamente em

função de sua especial relevância e transcendência, de interesse de toda a coletividade em

virtude da eficácia erga omnes após o pronunciamento do STF.

Enfim, fica cristalino como a jurisprudência sofreu paulatina mutação em relação ao

seu papel e importância no sistema pátrio e teve seu enquadramento deslocado no sistema

geral de fontes do direito processual, deixando de exercer um mero papel secundário e

supletivo. As súmulas vinculante e impediva de recursos, juntamente com o instituto da

repercussão geral no recurso extraordinário, contribuíram para conferir maior autoridade aos

entendimentos dos tribunais, seja via vinculação vertical seja via desestímulo ao uso de

recursos, e para fazer com que o processo individual tradicional caminhasse rumo à

coletivização. Neste último plano, o fato de um entendimento consolidado ser capaz de

transcender os precedentes que lhe deram origem faz com que novos contornos à tradicional

concepção do princípio do contraditório104 sejam incorporados à teoria geral do processo, haja

vista que, em processos futuros, as partes envolvidas serão afetadas por uma decisão sobre a

qual não puderam influenciar (sem terem tido o seu "day in the court" ou o “fair hearing”) e

seu destino ficará vinculado ao desempenho alheio anterior (contraditório fluido).

2.2- O novo CPC e a ampliação do rol de precedentes vinculantes

O novo Código de Processo Civil, com a pretensão de se tornar o código da

previsibilidade, deu continuidade ao processo de valorização da jurisprudência. Dentre as

tantas medidas adotadas, nenhuma alterou tão profundamente o “DNA” do sistema quanto a

previsão do art. 927, que reza, in verbis:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

103 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 382. 104 Para uma visão moderna do chamado chamado contraditório participativo, GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. In: Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2005.

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II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

A referida disposição veio a ser complementada pela verdadeira política pública105

delineada pelo art. 926, in verbis:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

A partir do do disposto no art. 927, o legislador veio a prever um rol de precedentes

obrigatórios para além daqueles já previstos anteriormente no sistema, estabelecendo uma

verdadeira sistemática de vinculação vertical entre órgãos judiciários106 107. Fica reforçado o

caráter vinculante das súmulas vinculantes e das decisões proferidas pelo STF em sede de

controle concentrado de constitucionalidade e, por novidade, juízes e tribunais ficam atrelados

aos acórdãos proferidos nos incidentes de assunção de competência e de resolução de

demandas repetitivas ou em julgamento de recursos excepcionais repetitivos, as antigas

105 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 571. 106 Enunciado n. 170 do FPPC: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a ele submetidos”. 107 Em sentido contrário, Alexandre Câmara sustenta que a eficácia vinculante não resulta do disposto no art. 927. Só teriam eficácia vinculante formal, a rigor, as decisões e verbetes sumulares previstos nos incisos I a III, o que seria resultado, respectivamente, da previsão dos arts. 102, §2º, 103-A da CF e dos arts. 947, §3º, 985, 987, §2º e 1040 do NCPC. Já a exigência referente aos enunciados dos incisos IV e V criaria para os tribunais apenas um dever jurídico de levar em consideração tais pronunciamentos em suas decisões, continuando os mesmos atuando como precedentes argumentativos ou persuasivos, geradores de maior ônus argumentativo para eventual afastamente. Ou seja, o órgão judicial não poderia ignorar a existência de tais precedentes, embora não formalmente vinculado a decidir em conformidade com eles (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil..., cit., p. 436-437).

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súmulas persuasivas do STF e STJ108, em suas respectivas competências, também assumem

caráter vinculante, e os tribunais devem obrigatoriamente seguir o entendimento do plenário

ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Ou seja, o legislador combinou a

eficácia vinculante de certos pronunciamentos com mecanismos de coletivização de

demandas (inciso III), respeitadas as respectivas áreas de atuação originária e recursal de cada

órgão judicial109. De modo correlato, ampliou-se o cabimento da reclamação para garantir a

autoridade dos procedentes, conforme art. 988.

Preocupado em evitar um eventual engessamento ou incorreto manejo do sistema, o

legislador veio a prever, no §2º, que eventual alteração de tese jurídica corporificada em

enunciado vinculante poderá ser precedida de audiências públicas e via participação de

pessoas e entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. Ademais, qualquer

modificação de tese110 deverá ser acompanhada de forte ônus argumentativo (§4º), levando-se

em consideração o ideal de integridade de Dworkin (tratado a seguir) como forma de

preservação da previsibilidade do sistema, além da possibilidade de modulação dos efeitos de

contingente alteração de tese por parte do STF e dos tribunais superiores como forma de

possibilitar uma análise pragmática ou consequencialista de eventual virada jurisprudencial.

O legislador também chama atenção para que os tribunais criem um verdadeiro banco de

precedentes, divididos por temas, e lhes deem ampla publicidade, o que certamente facilitará

o seu conhecimento e manuseio pelos demais órgãos judiciários e pelos advogados111.

Como os autores do anteprojeto optaram pela inserção e/ou aprimoramento de

mecanismos de uniformização ou coletivização de demandas, como o I.R.D.R. (art. 976), o

incidente de assunção de competência (art. 947) e o julgamento de RESPs e REs repetitivos

(art. 1036), e por atribuir eficácia vinculante aos acórdãos que os julgarem, houve uma

108 Ainda que partindo da presunção de constitucionalidade das leis, há de se suspeitar que, no mínimo, parte do art. 927 é inconstitucional, especialmente quando atribui eficácia vinculante às súmulas do STJ. Isto porque o referido dispositivo confere poderes normativos aos tribunais para além daqueles previstos da Constituição Federal. Nesse sentido, TESHEINER, José Maria. Inconstitucionalidades gritantes no art. 927 do novo CPC. Disponível em: http://www.tex.pro.br/index.php/artigos/317-artigos-set-2015/7376-inconstitucionalidades-gritantes-no-artigo-927-do-novo-cpc. Acesso em 10.06.2016. 109 Enunciado n. 314 do FPPC: “As decisões judiciais devem respeitar os precedentes do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional,e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional federal”. 110 Enunciado n. 321 do FPPC: “A modificação do entendimento sedimentado poderá ser realizada nos termos da Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando se tratar de enunciado de súmula vinculante; do regimento interno dos tribunais, quando se tratar de enunciado de súmula ou jurisprudência dominante; e, incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou causa de competência originária do tribunal”. 111 “A determinação é louvável também na perspectiva de a ampla divulgação das decisões dos tribunais ser passo decisivo não só para o conhecimento, mas também – e é isto que cabe acentuar aqui – da necessária observância do que vem sendo por eles decidido, sempre levando em conta as peculiaridades de cada caso concreto e o conhecimento do que efetivamente e por que foi decidido no precedente para viabilizar sua escorreita aplicação (ou não) aos casos futuros”. (BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado..., cit., p. 574)

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preocupação conexa de dar o máximo de amplitude possível a tais pronunciamentos. Tanto é

que o parágrafo único do art. 928 dispõe que “o julgamento de casos repetitivos tem por

objeto questão de direito material ou processual”. Em nossa visão, embora o escopo original

tenha sido o de afastar qualquer subterfúgio que buscasse limitar a eficácia e o espectro de

incidência do novo “direito jurisprudencial”112, tal disposição deve ser interpretada cum

grano salis. É evidente que se os casos repetitivos quanto a temas de direito material

envolverem questão processual polêmica neles reproduzida e que possa interferir no deslide

final do tema de fundo repetitivo, o sistema de vinculação será apto também a abarcar o

entendimento sobre ela fixada. Da mesma forma, os tribunais superiores estão aptos se

pronunciar ou sumular sobre temas processuais que possam influenciar a questão principal de

direito material, ainda que fora dos instrumentos de coletivização113. O que não se pode

admitir, sob pena de rompimento com a racionalidade do sistema, é selecionar causas piloto

ou paradigma com intuito exclusivo e específico de fixar entendimento sobre questão

polêmica apenas processual, que se reproduz em muitas causas que não são exatamente

repetitivas sob o ponto de vista do direito material. Isto faria com que diversas causas

diferentes ficassem sobrestadas aguardando a resolução de questão procedimental, sem

pronunciamento sobre o mérito central, o que prejudicaria a celeridade de seu julgamento.

A nosso ver, a previsão do art. 927 deve ser lida em consonância com o disposto no

art. 138, que trata da figura do amicus curiae, pela primeira vez previsto e positivado no

código processual prátrio. O amicus curiae ou “amigo da Corte”, cuja origem é identificada

no direito romano e no direito anglo-saxão, é um terceiro que intervém em um processo do

qual não é parte, visando a oferecer à Corte sua perspectiva acerca da questão em debate,

principalmente quando o tema apresenta forte transcendência coletiva. No Estado de Direito,

a intervenção do amicus curiae é tema que ganha crescente importância, inclusive no direito

comparado (principalmente nos EUA), especialmente em razão do seu potencial pluralizador

e inclusivo do debate constitucional114. Sua função é apenas opinativa informativa, muito

voltada a questões polêmicas, como direitos humanos e dilemas éticos, de modo a fornecer

informações úteis que normalmente não estão à disposição do julgador (normalmente via

manifestação escrita e/ou oral na sessão de julgamento, não vinculando o Tribunal 112 Enunciado n. 88 do FPPC: “Não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas e, por isso, não é admissível qualquer interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”. 113 Enunciado n. 327 do FPPC: “Os precedentes vinculantes podem ter por objeto questão de direito material ou processual”. 114 MEDINA, Damares. Amicus curiae: amigo da Corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva, 2010. p. 17; Ainda sobre o tema, BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Constitucional). Diferentemente da parte, que tem atuação egoística, o amicus atua

altruisticamente, mas sem que isso resulte na sua total neutralidade ou imparcialidade, visto

que se trata de um terceiro interveniente interessado na causa.

A incorporação do amicus curiae entre nós só ocorreu por força da Lei 9.868/99, é

expressão viva daquilo que Peter Häberle cunhou de “sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição”, tendo em vista que sua admissão empresta caráter aberto e pluralista do

processo constitucional, criando condições para o reconhecimento de direitos e realizações de

garantias constitucionais no contexto do Estado Democrático de Direito115. O amicus torna-se

verdadeiro intermediário entre o Corte Constitucional e a sociedade na jurisdição

constitucional. Não resta dúvida que uma das mais fortes legitimações do processo de

interpretação da Constituição é haurida na organização pluralista e democrática da

sociedade116, principalmente quando se reconhece que a norma não é uma decisão prévia e

pré-determinada e que prescinde de desenvolvimento117.

A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma “sociedade fechada”. Ela reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida em que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados. [...] no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição. [...] Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade. [...] quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la. [...] Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a interpretação (com a ressalva da força normatizadora do voto minoritário). Se se quiser, tem-se aqui uma democratização da interpretação constitucional. Isso significa que a teoria da interpretação deve ser garantida sob a influência da teoria democrática. Portanto, é impensável uma interpretação da Constituição sem o cidadão ativo e sem as potências públicas mencionadas118.

Como se nota, o NCPC não inovou ao prever o amicus, porém o fez ao ampliar sua

possibilidade de atuação para qualquer processo subjetivo que corra em qualquer instância ou

tribunal do país, a qual era antes muito limitada especialmente aos processos objetivos de

constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Além das tradicionais entidades, o

115 VALE, André Rufino do; MENDES, Gilmar Ferreira. O pensamento de Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: Direito Público, n. 28, jul.-ago./2009, p. 76. 116 Paulo Bonavides ressalta que a sociedade de Häberle é a mesma “sociedade aberta” de Popper. (BONAVIDES, Paulo. O método concretista da “Constituição aberta”. In: Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 4, jan.-jun./2005, p. 149). 117 LEAL, Mônia Clarrisa Hennig. Jurisdição constitucional aberta: a abertura constitucional como pressuposto de intervenção do amicus curiae no direito brasileiro. In: Direito Público, n. 21, maio-jun./2008, p. 35. 118 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 12-14.

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novo Código agora permite que pessoas naturais também possam requerer o seu ingresso em

processo alheio nesta qualidade, porém sem possibilidade recursal, exceto em face de decisão

que julga o incidente de resolução de demandas repetitivas ou eventual embargos de

declaração. O art. 138 ainda dispõe que o juiz ou relator passam a ter o poder de controlar a

representatividade adequada do amicus em relação ao interesse que o mesmo alega

simbolizar, podendo inclusive, se for o caso, inadmitir o seu ingresso por decisão

fundamentada119. Em outras palavras, como a opção política foi a de intensificar o sistema de

vinculação, a figura do amicus passa a ser de crucial importância, posto que contribui

significativamente para enriquecer, qualificar e legitimar a formação dos precedentes no seio

dos tribunais por meio de uma visão pluralista da interpretação e aplicação do direito, a

romper com a concepção individual tradicional do processo clássico.

Diante do exposto, é imperioso salientar, ainda, que o art. 927, que trata dos sistema

dos procedentes nacional, ao ser manejado pelos diferentes órgãos judiciários, deve ser

aplicado em consonância com o disposto no art. 926, que abre o Livro III da Parte Especial,

entitulado "Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais", e

dá início ao Capítulo I do Título I que trata das disposições gerais sobre a ordem dos

processos nos tribunais. Tais disposições vieram a substituir o mal aplicado e esquecido

"incidente de uniformização de jurisprudência", previsto nos arts. 476 a 479 do CPC/73.

Os paradigmas traçados no referido artigo deve ser vistos como "normas diretivas de

maior otimização das decisões paradigmáticas no âmbito dos Tribunais e dos efeitos que o

novo CPC quer estas decisões, as paradigmáticas - verdadeiros precedentes -, devem surtir

nos demais casos em todos os graus de jurisdição"120. Na prática do chamado direito

jurisprudencial os tribunais devem empreender esforços contínuos para uniformizar sua

jurisprudência, de modo a assegurar sua estabilidade121, integridade e coerência. Ou seja, após

incrementar o rol de precedentes vinculantes, houve a elogiável preocupação de traçar linhas

de atuação para que uma eventual prática deturpada no cotidiano judiciário não ofendesse os

escopos da nova lei.

Em primeiro lugar, o §1o do art. 926 convida os tribunais a editar enunciados de

súmulas que ilustrem sua jurisprudência dominante, mirando especialmente a publicidade e

maior segurança jurídica que os mesmos podem oferecer à comunidade jurídica. Desta forma,

119 Enunciado n. 175 do FPPC: “O relator deverá fundamentar a decisão que inadmitir a participação de pessoas, órgãos ou entidades e deverá justificar a não realização de audiências públicas”. 120 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado..., cit., p. 568. 121 Enunciado n. 316 do FPPC: "A estabilidade da jurisprudência do tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus órgãos fracionários".

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os próprios tribunais terão condições de selecionar quais entendimentos foram resultado

apenas julgados isolados122 e quais representam de fato uma deliberação madura e segura a

merecer uma incorporação em súmula. Na prática judiciária, é comum a afirmação de que o

entendimento "X" corporifica a jurisprudência majoritária de um dado tribunal, mas jamais

houve um critério seguro para tal. Caso os tribunais sigam adequadamente a nova orientação,

certamente o sistema processual gozará de maior previsibilidade, desde que juntos aos

enunciados os tribunais não deixem de fazer menção aos precedentes que lhe deram origem,

conforme regulamentação em seus respectivos regimentos internos123. Este é um ponto

sensível na sistemática sumular nacional, conforme leciona Leonardo Greco:

Daí o anacronismo do sistema do assento ou da súmula, que extrai dos julgados em que se baseia um enunciado genérico e abstrato, que dificulta a comparação dos casos confrontados no momento da invocação dos precedentes e corre o risco de conferir a esse enunciado completa independência, vida própria, e eficácia normativa que não mais emana da lei, mas da própria súmula por si mesma, como fonte autônoma, e não mais simplesmente complementar, de direito. Para evitar esse risco, a edição da súmula é sempre acompanhada da referência aos julgados dos quais se originou e com esses julgados é que deve proceder-se a comparação dos casos futuros, para justificar a legítima invocação da súmula como fonte de doutrina legal. Daí considero lícito extrair uma conclusão: a súmula, cujo enunciado não corresponder rigorosamente às rationes decidendi dos precedentes de que decorreu a sua formulação, constitui um verdadeiro abuso de poder do tribunal que a edita e não pode ser imposta como critério de uniformização de jurisprudência ou de aplicação das regras privilegiantes acima enumeradas, sob pena de dar força normativa a uma simples decisão administrativa de um tribunal superior. Não é mais a jurisprudência a fonte da doutrina, mas a arbitrária prescrição normativa dos membros do Tribunal que redigiram a súmula. A doutrina e os juízes e tribunais inferiores aos quais competir dar aplicação à súmula deverão exercer a indispensável vigilância e o necessário controle do respeito a esses critérios e limites na sua elaboração, sob pena de transformarem-se os tribunais superiores em legisladores124.

Como é possível supor, o número de súmulas tende a aumentar consideravelmente.

Porém, não basta apenas sumular a jurisprudência dominante. É necessário que haja um

cuidado especial na edição de tais enunciados, especialmente para evitar os mesmos assumam

caráter normativo abstrato e genérico e/ou se limitem a parafrasear textos legais, questão

muito comum na prática dos tribunais e que enfrentaremos adiante. Atento a tais eventuais

mazelas, o legislador fez constar o disposto no §2º, corporificando um importante pressuposto

122 Enunciado n. 315 do FPPC: "Nem todas as decisões formam precedentes vinculantes". 123 Cassio Scarpinella Bueno ressalta que tal iniciativa é de duvidosa constitucionalidade, uma vez que a edição de enunciados de súmulas não guarda simitria com as questões que o art. 96, I, "a", da CF autoriza sejam reguladas via regimentos internos. O próprio CPC deveria traçar a forma e os pressupostos para a elaboração dos enunciados, até mesmo por uma questão de uniformização (lei federal). De qualquer maneira, o autor sugere que a Lei 11.417/2006, que trata das súmulas vinculantes do STF, pode servir como importante repositório. (BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado..., cit., p. 570) 124 GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Disponível em: http://cursos.ead.pucrs.br/Biblioteca/direitoambiental/artigos/novas_sumulasdo_stf_ealguns_reflexos_sobreo_mandadode_seguranca.pdf. Acesso em 01.07.2016).

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legal para edição dos enunciados de súmula, qual seja, "os tribunais devem se limitar às

circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação"125.

Ao estabelecer o necessário respeito à integridade quando da uniformização da

jurisprudência, resta cristalino que os idealizadores do novo Código tiveram como inspiração

a construção doutrinária de Ronald Dworkin. Para rebater inúmeras críticas, principalmente

aquelas condizentes ao excesso de abstração e dificuldade de determinação do significado dos

princípios em seus escritos, Dworkin complementou construiu tese do direito como

integridade, reconhecendo a força gravitacional dos precedentes a atuar nas decisões judiciais.

Trata-se de nova etapa de seu pensamento, mais complexa e madura.

Utilizando-se da figura fictícia do juiz “Hércules”126, personagem que estaria

encarregado de desenvolver os princípios jurídicos necessários para solucionar casos

concretos dentro do modelo norte-americano, sendo uma espécie de super-juiz127, Dworkin

agrega a ideia de teia inconsútil. A tarefa do juiz não é a de criar o direito, mas sim a de

encontrar princípios aplicáveis que integrem o direito vigente e a história da comunidade

jurídica128, servindo para justificar as soluções encontradas. Sendo assim, o tratamento dos

casos como uma teia inconsútil faz com que o juiz deva decidir sem criar rupturas no

ordenamento e sem romper o fio argumentativo, justificando sua decisão com base em

princípios orientadores dos diversos precedentes do direito costumeiro. A “única resposta

correta” deve ser sempre buscada por intermédio da perspectiva do caso concreto.

Nesse mister, a tese do romance em cadeia é bastante ilustrativa: na tarefa de aplicar

as normas das quais não é autor, o juiz deve atuar como um romancista que vai interpretando

os capítulos já escritos para, só a partir de então, escrever os seguintes129. Cada capítulo não

pode romper a estrutura criada nos interiores. A mesma lógica deve ser aplicada para as

decisões judiciais no intuito de dar-lhes coerência a partir dos princípios morais fundados nos

precedentes. Este seria o ideal da integridade130 a embasar a prática interpretativa judicial,

fundado na harmonia (adequação aos materiais institucionais e precedentes) e na justificação

125 Enunciado n. 166 do FPPC: "A aplicação dos enunciados de súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente". 126 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 165. 127 HOFFMANN, Florian F.. Reflexões sobre Ronald Dworkin e a jurisprudência contemporânea. In: MAIA, Antonio Cavalcanti et al (Orgs.). Perspectivas atuais da filosofia do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 342. 128 SGARBI, Adrian. Clássicos de teoria do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 162. 129 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 276. 130 “Os membros de uma sociedade de princípios admitem que seus direitos e deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares tomadas por instituições políticas, mas dependem, em termos mais gerais, do sistema de princípios que essas decisões pressupõem e endossam”. (DWORKIN, Ronald. O império..., cit., p. 254-255)

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(com base nos princípios de equidade, igualdade e justiça). Com isso, o autor rejeita com

veemência o ativismo judicial.

O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima. Insiste em que os juízes apliquem a Constituição por meio da interpretação, e não por fiat, querendo com isso dizer que suas decisões devem ajustar-se à prática constitucional, e não ignorá-la131.

Comentando o disposto no art. 926 e também associando suas disposições às

construções de Dworkin, Lenio Streck ressalta que sobre o mesmo recai uma “carga

espistêmica” de grande valor. A exigência de coerência a intregridade evita a chamada

jurisprudência lotérica e assegura a garantia da previsibilidade e da não surpresa, além do

dever de accountability em relação à Constituição, especial ao art. 93, IX. A coerência

significa que os mesmos princípios e preceitos devem constar nas decisões que versem sobre

casos idênticos ou assemelhados, proporcionando igualdade diante de um holismo

interpretativo. Já a intregridade exige que os argumentos utilizados pelos juízes em suas

decisões sejam integrados ao conjunto do direito, constituindo verdadeiro freio a eventuais

arbitrariedades interpretativas ou voluntarismos132 e à aplicação indiscriminada dos

princípios. Em conjunto, representam uma espécie de virtude política, não se confundindo

com a velha segurança jurídica. Enfim, o “caminhar” da jurisprudência e a evolução do direito

os quais, frise-se, são elementos indissociáveis para a riqueza do direito enquanto ciência

social aplicada, devem se dar de modo lento, paulatino, sem romper o fio argumentativo por

meio de quebras com a cadeia discursiva do conjunto anterior de decisões133 134.

131 DWORKIN, Ronald. O império..., cit., p. 451-452. 132 “Por mais que o julgador desgoste de determinada solução legislativa e da interpretação possível que dela se faça, não pode ele quebrar a integridade do Direito, estabelecendo um “grau zero de sentido”, como que, fosse o Direito uma novela, matar o personagem principal, como se isso — a morte do personagem — não fosse condição para a construção do capítulo seguinte”. (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e integridade no novo CPC. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc. Acesso em 24.04.2016. 133 A decisão do STF que, em 2008, liberou as pesquisas com células-tronco embrionárias, pode servir como exemplo concreto da aplicação do postulado da integridade entre nós, especialmente diante de um sistema que autoriza a reprodução in vitro e o aborto decorrente de estupro. 134 Enunciado n. 320 do FPPC: “Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de mudança de entendimento da corte, com a aventual superação ou a criação de exceções ao precedente para casos futuros”.

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2.3- Aproximação ao modelo da common law

É possível identificar notável interesse, nos últimos anos, entre os juristas da família

romano-germânica pelos ordenamentos anglo-saxônicos, principalmente o norte-americano, e

os institutos do chamado adversarial system. A gradativa previsão, no sistema brasileiro, de

precedentes obrigatórios é reflexo direto do referido movimento e, ao menos tese, busca

conferir maior segurança jurídica e previsibilidade ao sistema e isonomia no tratamento aos

jurisdicionados quando da apreciação de casos semelhantes. A própria expressão stare decisis

quer denotar uma espécie de respeito àquilo que já foi decidido.

Apesar do perfil tradicional de cada um dos sistemas (direito escrito versus oralidade

ou processo inquisitivo versus adversarial, em apertadíssima síntese), os desafios são

absolutamente comuns, principalmente o combate à morosidade da Justiça, que constitui uma

celeuma verdadeiramente global. Seria ilusório pensar que esta constitui uma mazela

característica apenas do nosso ordenamento. Dessa forma, em busca de soluções, nota-se uma

crescente aproximação entre os sistemas e uma convergência de rumos, pois gradativamente

cada sistema vai incorporando características do outro135. Não seria ilusório concluir que este

gradativo processo de adaptação pode ser associado às consequências jurídicas da

globalização136. O encurtamento de distâncias e o maior contato entre as diferentes culturas

também vêm a influenciar a atividade do legislador, que se aproveita do referido quadro de

superação das fronteiras no âmbito jurídico. A cultura pós-moderna, marcada pela

fragmentação e pelo contato com o diferente, de certa forma acaba por favorecer também a

uniformização cultural (e também jurídica). Trata-se de curioso paradoxo!

É indubitável que o peso do universo anglo-saxônico vem aumentando no direito

brasileiro137, principalmente o norte-americano, vide, a título exemplificativo, o crescimento

do processo coletivo (class actions), a experiência dos juizados especiais (small claims

courts) e a incorporação da repercussão geral ao recurso extraordinário (writ of certiorari).

Cumpre ressaltar, nesse ponto, que a importação de institutos requer certas cautelas, pois é

135 “O recurso do legislador à ajuda do direito comparado não pode deixar de se tornar, na nossa época, cada vez mais frequente, uma vez que se tende a deixar de o considerar como um mero instrumento de estabilização, passando-se a vê-lo como fator de transformações mais ou menos radicais da sociedade pela ação de novas leis. [...] Não só o legislador pode utilizar o direito comparado para aperfeiçoar o direito. Idêntica possibilidade está aberta à doutrina e à jurisprudência. A lei pode ter um caráter nacional; o direito jamais se identifica efetivamente com a lei. A ciência do direito tem, pela sua própria natureza de ciência, um caráter transnacional.” (DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Trad. de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 7-8) 136 TARUFFO, Michele. Observações sobre os modelos processual de civil law e de common law. In: Revista de Processo, n. 110, abr.-jun./2003. p. 154. 137 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O processo civil brasileiro entre dois mundos. In: Temas de direito processual (oitava série). São Paulo: Saraiva, 2004. p. 45.

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imperioso que aquela seja levada a cabo a partir do conhecimento integral e preciso das

características da peça importada e da maneira por que ela se insere no ordenamento de

origem138. E neste ponto reside um das preocupações da presente pesquisa.

Para efeito ilustrativo, autorizada doutrina, ainda reconhecendo a importância histórica

e didática da dicotomia civil law-common law, sustenta que a tradicional macrocomparação

entre os sistemas deveria ser substituída pela microcomparação entre seus respectivos

ordenamentos singulares139, uma vez que diversas peculiaridades entre eles impediriam uma

comparação geral.

De um lado, sob o ponto de vista do civil law, podemos reconhecer a presença de três

modelos bastante diferenciados, quais sejam, o austro-alemão, o franco-italiano e o

espanhol140. No âmbito da common law, são inúmeros os aspectos recentes que afastam os

ordenamentos da Inglaterra e dos Estados Unidos. O sistema inglês, berço do adversarial

system, foi amplamente reformado em sua estrutura a partir do advento das Civil Procedure

Rules, em vigor desde 1999, que impuseram importantes modificações no modo de litigar

tradicional. Houve absoluta mitigação do júri civil, e a partir da constatação de que a cultura

adversarial acentuada e o controle das partes sobre o andamento dos processos estavam

gerando o prolongamento dos feitos para além do razoável e também a elevação dos custos, o

controle do processo foi retirado dos litigantes e transferido ao órgão judicial, agora

responsável pelo case management141. O juiz passa a ter maiores poderes probatórios e passa

a exercer maior controle sobre o trial . Enfim, o sistema inglês, nos últimos anos, passou a ser

mais propenso à busca da verdade.

Quanto aos Estados Unidos, a doutrina alude a uma verdadeira excepcionalidade

americana, pois os valores tipicamente lá cultuados, como o individualismo competitivo, a

liberdade e o laissez-faire influenciaram sobremaneira o modo de litigar, e acentuaram o

caráter adversarial do sistema. A grande utilização do júri em matéria civil, o controle da

colheita de provas pelas partes e o papel mais passivo do juiz americano corroboram tal

afirmação. Assim, o processo judicial norte-americano é excepcional até mesmo quando

comparado com seus parentes da família do common law142.

138 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre alguns aspectos do processo (civil e penal) nos países anglo saxônicos. In: Temas de direito processual (sétima série). São Paulo: Saraiva, 2001. p. 157. 139 TARUFFO, Michele. Icebergs do common law e civil law? Macrocomparação e microcomparação processual e o problema da verificação da verdade. In: Revista de Processo, n. 181, mar./2010. p. 169. 140 Ibid., p. 168. 141 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A revolução processual inglesa. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 31, set.-out./2004. p. 27. 142 CHASE, Oscar G.. A “excepcionalidade” americana e o direito processual comparado. In: Revista de Processo, n. 110, abr.-jun./2003. p. 122-123.

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Não obstante, não nos parece que a tradição da civil law esteja perdendo sua

vitalidade. Os impactos dramáticos da descodificação e do neoconstitucionalismo — que

transfere cada vez mais poderes e prestígio aos juízes — estão apenas levando nossa família

jurídica a um novo estágio de desenvolvimento143. Toda tradição, por definição, pressupõe

continuidade e, ao mesmo tempo, mudança144.

2.4- Análise crítica: o manejo dos precedentes do Brasil

Como ainda não temos uma verdadeira teoria dos precedentes no Brasil, a falta de um

balizamento teórico pode distorcer as práticas e comprometer a racionalidade da inovação. De

qualquer forma, é louvável a atuação do legislador, que ao ampliar a sistemática de

precedentes obrigatórios, também se ocupou de estabelecer normas correlatas a orientar a

atividade de juízes e tribunais no manejo da nova sistemática, especialmente aquelas dos arts.

926 e 928.

Além de tais disposições, de fundamental importância a previsão da obrigatoriedade

da chamada motivação estruturante145 das deciões judiciais (art. 489), de modo que o decisum

passa a estar sujeito a anulação caso: a) se limite a indicar ato normativo ou empregar

conceitos jurídicos indeterminados com vagueza; b) invoque motivos que poderiam justificar

qualquer outra decisão; c) não enfrente todos os argumentos deduzidos no processo; d) se

limite a invocar genericamente enunciado de súmula sem apontar seus fundamentos

determinantes e que o caso concreto se amolda a eles; e) deixar de seguir um precedente

obrigatório invocado pela parte sem demonstrar o emprego das técnicas de afastamento, quais

sejam, o distinguishing e o overrulling.

Tal dispositivo ganha especial relevo no contexto do excesso de causas que assolam o

Judiciário, levando os juízes a empreenderem a chamada fundamentação sintética de suas

143 MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. The civil law tradition: an introduction to the legal systems of Europe and Latin America. 3 ed. Stanford: Stanford University Press, 2007. p. 158-160. 144 “Nesta medida, pode-se afirmar a existência de diversos pontos de abertura do sistema romano a instrumentos e concepções oriundos de países do common law, de que são exemplos: o desenvolvimento do direito público, no passado; algumas teorias hermenêuticas que conferem relevo à atividade criativa da jurisprudência; o constitucionalismo; a progressiva atribuição de efeitos vinculantes gerais aos precedentes, especialmente em matéria de direito constitucional”. (MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 54) 145 Em obra clássica sobre o tema e, ressaltando o caráter complexo da motivação, Michele Taruffo ensina que que a mesma convalida, racionaliza e torna aceitável a decisão mas, ao mesmo tempo, utiliza componentes não estritamente lógicos, de natureza retórico-argumentativa. O raciocínio do juiz é mais complexo que a motivação: o primeiro é valorativo e deliberativo, ao passo que a segunda é justificativa. A motivação representa uma espécie de discurso em torno das razões com base nas quais o juiz apresenta a decisão como aceitável. (TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Trad. de Lorenzo C. Vianello. Madrid: Trotta, 2011. p. 115 e seguintes)

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decisões. O legislador deixou claro que não mais tolerará tal postura ao deixar evidente antiga

lição da doutrina no sentido que “todo provimento jurisdicional deve ser motivado,

apresentando justificação suficiente do seu conteúdo e evidenciando o respeito ao

contraditório participativo através do exame e consideração de todas as alegações e provas

pertinentes apresentadas pelas partes”146, sob pena de nulidade147. Com as novas exigências

de standards mínimos de motivação, o manejo dos embargos de declaração também tende a

sofrer reflexos, pois haverá substantivo incremento dos casos em que uma decisão judicial

poderá ser considerada como omissa, especialmente diante no novo e ampliado rol de

precedentes vinculantes, pois o juiz ou tribunal não pode deixar invocar um precedente

obrigatório que se aplique ao caso, além de não poder invocá-lo genericamente ou afastá-lo

sem indicar as razões para tal. Nunca a teoria da argumentação teve tamanha importância no

seio jurídico.

A garantia de fundamentação estruturante passa a ser fundamental dentro do novo

paradigma, especialmente quando se leva em conta que os fundamentos embasadores da

decisão (ratio decidendi ou holding) possibilitam que o julgador deles extraia, por indução, o

precedente judicial, que nada mais é do que a norma capaz de ser generalizada e

universalizada para casos futuros com eficácia vinculante148 149. É como se o julgador, ao

decidir, criasse duas normas jurídicas: uma individual, consistente na resolução do caso

concreto, e outra geral, que servirá como diretriz para a resolução de demandas semelhantes

(binding precedent)150.

Para se debater acerca dos limites do holding e definir se eles abrangem (ou não) a fundamentação ou rationale da decisão, é preciso compreender algumas diferenças conceituais sutis, que ainda não tem representação exata no Brasil. É necessário discernir: a) a decisão individual de uma demanda; b) seus fundamentos; c) o comando genérico extraído a partir de ambos. A solução particular e concreta corresponde ao dispositivo das decisões brasileiras. Os fundamentos, à sua fundamentação. O comando genérico, contudo, não tem equivalência precisa em

146 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais..., cit., p. 275. 147 Em março de 2015, às vésperas da cerimônia de sanção do novo CPC, algumas associações de magistrados (AMB, AJUFE e ANAMATRA) encaminharam ofícios à presidente Dilma Rousseff solicitando vetos a determinados dispositivos do referido diploma, especialmente em relação ao art. 489, alegando haver preocupação com a celeridade dos processos e não com a carga de trabalho gerada pelas novas exigências. Felizmente o dispositivo sob comento foi sancionado e pôde entrar em vigor normalmente. É preciso ter em conta que os mandamentos legais devem ser estipulados em favor do jurisdicionado, no sentido do aprimoramento das decisões judiciais. 148 Enunciado n. 173 do FPPC: “Cada fundamento determinante adotado na decisão capaz de resolver de forma suficiente a questão jurídica induz os efeitos de precedente vinculante, nos termos do Código de Processo Civil”. 149 Os elementos que auxiliam na determinação da holding são: a) os fatos relevantes do caso concreto; b) a questão posta em juízo; c) a fundamentação; d) o que efetivamente ficou decidido. Nesse sentido, MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes..., cit., p. 120. 150 Enunciado n. 317 do FPPC: “O efeito vinculante do precedente decorre da adoção dos mesmos fundamentos determinantes pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha sido ou não sumulado”.

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nossos conceitos. É ele justamente que constuirá a norma abstrata, extraída da demanda por indução, e possível de aplicação a casos futuros. Ele representa, portanto, a regra que vinculará as cortes subsequentes151.

Já a obiter dicta, por sua vez, seria representativa daqueles argumentos de passagem,

secundários, os quais não teriam relevância decisiva na resolução do caso e não exercem a

função de precedente, embora exerçam função persuasiva e possam ser invocados em caso de

futura tentativa de superação de um precedente152. Além do mais, é por meio da

fundamentação estruturada e pormenorizada que os juízes prestam contas de sua atividade,

que a sociedade controla indiretamente seu mister e que as partes agora poderão controlar a

escorreita formação do procedente vinculante, posto que, para tal, somente podem ser usados

os argumentos que foram objeto do contraditório ao longo da marcha processual153.

Uma prática distorcida de nossos tribunais pode dificultar a identificação e distinção

dos fundamentos determinantes daqueles secundários para a decisão final, especialmente em

julgamentos colegiados. Isto porque, nestes tipos de julgamento, os votos devem ser

computados em separado para eventual fixação da tese unânime ou majoritária vencedora.

Ocorre que temos uma prática equivocada de somar os votos dos integrantes do colegiado de

acordo com suas conclusões, quando o correto seria a adoção de uma sistema de adesão pela

fundamentação. Alexandre Câmara fornece um exemplo muito ilustrativo154. Supondo que, o

Plenário do STF, no bojo de julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, na qual três

ministros votam pela inconstitucionalidade formal da lei por vício de iniciativa, outros três

também votam pela inconstitucionalidade material por violação a uma cláusula pétrea e os

cinco restantes pugnam pela constitucionalidade da lei, qual seria o resultado do referido

julgamento? De acordo com nossas práticas, as conclusões dos votos seriam somadas, como

se por seis votos a cinco lei a lei tivesse sido declarada inconstitucional. Entretanto, no

sistema de adesão pela fundamentação, que ganha ainda maior relevo no contexto de

vinculação a precedentes, a lei teria sido declarada constitucional, por maioria de votos155.

Todo sistema fundado em precedentes requer, para adequado funcionamento, o

reconhecimento e o cuidadoso emprego das técnicas de afastamento156, largamente utilizadas

nos países da common law. Em primeiro lugar, a técnica da distinção (distinguishing)

151 MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes..., cit., p. 122. 152 Enunciado n. 318 do FPPC: “Os fundamentos prescindíveis para o alcance do resultado fixado no dispositivo da decisão (obiter dicta), ainda que nela presentes, não possuem efeito de precedente vinculante”. 153 Conforme enunciado n. 2 do FPPC. 154 CÂMARA, Alexandre. O novo processo civil.., p. 442-443. 155 Enunciado n. 319 do FPPC: “Os fundamentos não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador não possuem efeito de precedente vinculante”. 156 CÂMARA, Alexandre. O novo processo civil.., p. 440.

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assegura a possibilidade de eventual não aplicação de precedente vinculante a caso

aperentemente a ele assemelhado, mas que ao mesmo dele se distingue por apresentar alguma

peculiaridade ou se afastar das circunstâncias que justificaram sua criação157. Trata-se de

técnica de crucial importância, posto que previne aplicação indiscriminada de enunciados

vinculantes a casos ligeiramente diferentes, cuja aplicação pode se dar por qualquer órgãos

jurisdicional158 por meio de decisão motivada. Uma construção normativa adequada

pressupõe a habilidade dos juízes em aplicar a distinção, como ocorre na tradição da common

law.159

Aqui reside um ponto sensível, pois além de ser constante a identificação de decisões

judiciais com déficit de fundamentação, nos países da tradição da civil law não há a cultura

nem o costume de se lecionar o direito via comparação de casos, diferentemente dos países da

common law, onde já na academia os estudantes induzem o direito por meio do estudo de

cases. A referida cultura só será difundida entre nós caso os currículos universitários sejam

adaptados e operadores do direito, em geral, passem por reciclagem. Somente a mudança no

paradigma legal não basta, embora a lei possa ser o fio indutor de eventuais mudanças mais

lentas e profundas.

Em segundo plano, a técnica de superação (overruling)160 está a serviço da evolução

do direito. Como os precedentes são firmados diante de certas circunstâncias fáticas e/ou

jurídicas, sua eventual alteração justificará sua também que um novo entendimento seja

firmado, evitando-se o engessamento do direito161. Ressalte-se, porém, que a eficácia

vinculante (para casos futuros) de um pronunciamento não se confunde com sua eficácia

decisional (apenas para o caso concreto decidido)162. O precedente anterior agora superado era

157 Enunciado n. 306 do FPPC: “O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou o tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa”. 158 Enunciado n. 174 do FPPC: “A realização da distinção compete a qualquer órgão jurisdicional, independentemente da origem do precedente invocado”. 159 “A distinção tem como parâmetro questão de direito, pois o objeto de análise é o alcance e o sentido da ratio decidendi de um paradigma, podendo ser aplicada de ampliativa ou restritiva”. (TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 281) 160 Comentando o sistema norte-americano, Toni Fine ressaltaque as cortes normalmente relutam em revogar suas próprias decisões, o que ocorre pelas mesmas razões por que a doutrina do stare decisis mostra-se tão atraente: eficiência, imparcialidade e previsilidade. Deste modo, costuma ter preferência a distinção do precedente diante dos fatos a revogá-lo quando sua eventual aplicação resulte injusta. De qualquer forma, o stare decisis persiste sendo um princípio, e não uma regra imutável. (FINE, Toni M.. Introdução ao sistema jurídico anglo-americano. Trad. de Eduardo Saldanha. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 84) 161 Enunciado n. 322 do FPPC: “A modificação de precedente vinculante poderá fundar-se, entre outros motivos, na revogação ou modificação da lei em que ele se baseou, ou em alteração econômica, política, cultural ou social referente à matéria decidida”. 162 CÂMARA, Alexandre. O novo processo civil.., p. 441.

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também o julgamento de um caso concreto, o qual restará intacto, até mesmo pelo necessário

respeito à coisa julgada e à segurança jurídica. A nova tese é que terá eficácia prospectiva.

Há uma fundada preocupação no correto manejo dos inúmeros instrumentos, cautelas

e postulados peculiares da teoria dos precedentes pelos tribunais, especialmente diante de que

poderá haver uma verdadeira explosão no número de recursos ou reclamações dirigidas aos

tribunais superiores, especialmente o STF163. Uma má aplicação de um precedente vinculante

certamente resultará na interposição de recursos pela parte prejudicada, ao passo que a recusa

do órgão judicial a aplicá-lo desafiará reclamação, que teve o seu cabimento ampliado. A

escorreita e cuidadosa manipulação da nova sistemática é premente por parte de juízes e

tribunais, caso contrário o efeito colateral das disposições do novo Código será catastrófico.

Nos poucos meses de vigência inicial do NCPC, dois episódios já despertaram certa

perplexidade. O primeiro deles foi o episódio ocorrido no dia 01 de julho de 2016, data em

que o STJ decidiu pelo cancelamento da antiga súmula 418. A notícia, a princípio, foi muito

bem recebida, posto que aquele tribunal estaria empreendendo esforços para adequar seus

enunciados sumulados à disposições do novo codex. A referida súmula dispunha que o

recurso especial seria inadmitido caso não ratificado após o julgamento de embargos de

declaração interpostos pela parte contrária, mesmo que a decisão não tivesse sido modificada.

Tal disposição, claramente reflexo de uma jurisprudência defensiva, era muito rigorosa com a

parte, já que, sem modificação do decisum, o interesse do recorrente deveria ser presumido.

Pois bem. O CPC é claramente um código contra a jurisprudência defensiva. Daí a disposição

do art. 1024, §5º, o qual dispõe que se os embargos de declaração forem rejeitados ou não

alterarem o julgamento anterior, o recurso principal interposto pela outra parte será

processado independentemente de ratificação. Com isso, superou-se a súmula 418, neste

ponto muito bem cancelada pelo STJ.

Entretanto, o tribunal foi além e avançou ao editar a súmula 479, com o seguinte teor:

“não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos

embargos de declaração quando inalterado o julgamento anterior”. Como é notório, trata-se de

súmula absolutamente desnecessária, posto que se limita a reproduzir dispositivo legal.

Embora possa incorporar o nobre escopo de não deixar dúvidas quanto à nova orientação, a

edição de tal enunciado desperta certa preocupação164. Isto porque o STJ já demonstra certo

163 Disponível em: http://jota.uol.com.br/novo-cpc-pode-gerar-explosao-de-reclamacoes-ao-stf. Acesso em 28.07.2016. 164 SILVA, Ticiano Alves e. Aprovação da súmula 479 do STJ é desnecessária e preocupante. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jul-06/ticiano-silva-sumula-479-stj-desnecessaria-preocupante. Acesso em 25.07.2016.

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descompasso com o novo direito jurisprudencial. Conforme art. 926, §1º, os enunciados de

súmula devem guardar correspondência com a jurusprudência dominante dos tribunais e, até

então, este não era o entendimento daquele tribunal sobre o tema. Além do mais, o parágrafo

segundo do mesmo artigo dispõe que os tribunais, ao editar súmulas, devem ater-se às

cirscunstâncias dos precedentes que motivaram sua criação. Mais uma vez um tribunal

superior, que deveria ser o primeiro a zelar por tais cautelas, repete a velha prática de sumular

em abstrato, com total desvinculação de um caso concreto e de seus fundamentos

originalistas165, criando disposições genéricas como se legislador fosse. O mesmo já tinha

ocorrido no âmbito do STF ao editar a súmula vinculante n. 11, conhecida como a súmula das

algemas, contendo normas antes nunca antes por ele deliberadas166.

À referida preocupação soma-se o fato de que, como o legislador pátrio combinou a

eficácia vinculante de certos pronunciamentos com mecanismos de coletivização, foi regulada

a possibilidade expressa, embora excepcional (inimaginável no âmbito da common law), de

que um pronunciamento com eficácia vinculante não seja resultado do julgamento de um caso

concreto. Trata-se do disposto nos arts. 976, §1º e 998, parágrafo único, que preveem que a

desistência do processo que serviu de paradigma para instauração do incidente de resolução

de demandas repetitivas ou de recurso especial ou extraordinário afetado para julgamento de

recursos repetitivos não obsta que o julgamento prossiga apenas para fixação da tese

vinculante, sem propriamente julgar o caso concreto. Temos aqui mais um traço peculiar do

sistema de precedentes pátrio. Os mecanismos de coletivização servem para que o precedente

seja criado para ser vinculante, ou seja, já se sabe, de antemão, que as decisões lá proferidas

terão eficácia vinculante. Já nos países filiados à tradição da common law, o mesmo não

ocorre. Quando se decide um caso concreto, não se sabe se tal decisão será encarada no futuro

como um precedente. Tal deliberação caberá ao juiz do caso seguinte: quando surgir um

segundo caso análogo ao primeiro, cabe a este juiz afirmar se aquele caso constituirá um

165 THEODORO JÚNIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematização..., cit., p. 336. 166 “A jurisprudência é sempre a revelação de um comando normativo incidente sobre uma situação fática e valorativa pretérita. A sua aplicação às situações futuras não pode ser cristalizada em enunciados abstratos e genéricos, como eram os assentos portugueses ou são as súmulas brasileiras, mas deve resultar de uma rigorosa comparação dos casos, para assegurar que se está diante das mesmas circunstâncias fáticas e axiológicas que justifiquem a extensão do enunciado anterior ao caso posterior. Por isso, no sistema do stare decisis, embora baste apenas um precedente para influenciar os julgamentos futuros, comparam-se rigorosamente todas circunstâncias do precedente e do novo caso para assegurar a absoluta identidade de situações a justificar a incidência da mesma regra. A jurisprudência não é cristalizada em um postulado abstrato, mas em um acórdão inteiro, com todas as suas particularidades (...)”. (GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Disponível em: http://cursos.ead.pucrs.br/Biblioteca/direitoambiental/artigos/novas_sumulasdo_stf_ealguns_reflexos_sobreo_mandadode_seguranca.pdf. Acesso em 01.07.2016)

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precedente, com caráter vinculante, razão pela qual uma única decisão judicial poderá

perfeitamente produzir eficácia de precedente vinculante167.

O segundo episódio ser destacado ocorreu no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

No dia 17 de fevereiro de 2016, ao negar o Habeas Corpus (HC 126.292), o Plenário, por

maioria de votos, entendeu que a execução provisória da pena da pena após confirmação da

sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. A

decisão representou uma forte mudança no entendimento da Corte que, desde 2009, no

julgamento do HC 84.078, condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da

condenação, embora ressalvasse a possibilidade de eventual prisão preventiva.

Desconsiderado o mérito da decisão em si, o que escaparia do objeto do presente estudo,

mesmo que ao longo dos últimos anos tenha havido significativas mudanças na composição e

no perfil da Corte, há de se suspeitar que, ao mínimo, a deliberação violou o ideal de

integridade. A decisão representou uma verdadeira ruptura com o entendimento anterior,

rompendo-se o fio argumentativo e prejudicando a previsibilidade do sistema, ainda mais

quando se leva em conta que em nenhum momento houve indicativos seguros por parte dos

ministros de que haveria uma virada jurisprudencial.

Pois bem, fora a mácula da integridade e, independentemente de posições pessoais, é

fato que, a despeito de muitas respeitadas vozes e argumentos em contrário, a decisão é

juridicamente possível e deveria servir como um precedente a orientar o julgamento de

futuros casos, exceto expressa superação da tese pelo colegiado. Para surpresa geral, no dia

01 de julho de 2016, ao apreciar o HC 135.100 do qual é relator, o decano Min. Celso de

Mello, por meio de uma decisão monocrática, concedeu liminar impedindo a execução da

pena antes do trânsito em julgado da condenação. Ficou evidente mais uma mazela que

caracteriza o estágio atual do direito jurisprudencial pátrio: os ministros do STF concordam

que os juízes devem respeitar os precedentes, mas apenas quando a mensagem é dirigida para

“baixo”. O cenário muda quando o contexto é o da deferências à decisões do próprio

tribunal168. Embora a posição do ministro seja legalmente possível, posto que o julgado de

fev/2016 teria eficácia formal inter partes, o fato que é, ao menos por presunção, os ministros

167 MADEIRA, Daniela Pereira. A força da jurisprudência. In: FUX, Luiz (Coord.). O novo processo civil brasileiro..., cit., p. 531. 168 PEREIRA, Thomaz; WERNECK, Diego. A decisão de Celso de Mello e o respeito a precedentes do STF. Disponível em: http:// jota.uol.com.br/decisao-de-celso-de-mello-e-o-respeito-precedentes-stf+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em 06.07.2016.

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deveriam ter, ao menos, uma deferência natural ao colegiado do qual fazem parte, embora

possam, eventualmente, ressalvar sua posição pessoal169.

A posição do ministro que, na posição de decano, deveria zelar pela coesão, pela

memória e cultura institucionais, apenas realça o individualismo e a fragmentação decisória

em um ambiente que deveria ser verdadeiramente colegiado (que não pode ser encarado como

um mero somatório de votos individuais) e reforça o receio que não estamos maduros o

suficiente para darmos conta da opção política tomada170. Perde-se no colegiado, mas sem

humildade institucional, a vitória ainda pode ser obtida no sorteio das respectivas relatorias

(Previsibilidade? Igualdade? Coerência? Proteção da confiança?)171. Isto sem mencionar as

constantes posturas protocolares nos colegiados pelos diversos tribunais do país (“de acordo”,

“sigo o relator”), transformando as deliberações colegiadas em um verdadeiro “diálogo de

surdos”172.

Mauro Cappelletti, comentando os movimentos globais de reforma das leis

processuais e de ampliação do acesso à justiça, ressalta que o processo deve ser encarado pelo

prisma social, visto não apenas na visão de seus operadores e produtores, mas principalmente

nos “consumidores” da prestação jurisdicional. Toda reforma processual que se preze deve

ter como ponto de partida: a) o problema social que necessita de resposta no plano jurídico; b)

a resposta que será dada, que poderá ser normativa ou não; c) e o impacto desta resposta

jurídica sobre o problema ou necessidade social173. Tal perspectiva é fundamental para o

manejo das leis de reforma, que muitas causas pecam na identificação da relação causa-efeito.

Levando em conta tais paradigmas e os problemas identificados na manipulação de um

sistema de precedentes à brasileira, ainda preso a certos conservadorismos e antigas práticas, é

possível identificar que o sistema de vinculação ainda é muito associado a um eventual

subterfúgio ou antídoto para que os tribunais “combatam” o excesso de causas por meio de

169 Enunciado n. 172 do FPPC: “A decisão que aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória”. 170 No dia 28 de julho de 2016, em episódio similar, o Min. Ricardo Lewandowski concedeu liminar no HC 135.572 para suspender a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado. A referida pena teve originalmente sua execução decretada pelo TRF-5 com base no recente entendimento do colegiado do STF (HC 126.292), que ora repercutimos. 171 Enunciado n. 323 do FPPC: “A formação dos precedentes observará os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”. 172 Atento a tais mazelas, leciona Leonardo Greco que “não é demais ressaltar a fragilidade da fundamentação das decisões dos tribunais superiores brasileiros como precedentes jurisprudenciais e fonte de doutrina, quando se sabe que os acórdãos não são mais conferidos colegiadamente, mas redigidos apenas pelo seu relator que, muitas vezes, sequer lê o seu voto perante os seus pares”. (GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Disponível em: http://cursos.ead.pucrs.br/Biblioteca/direitoambiental/artigos/novas_sumulasdo_stf_ealguns_reflexos_sobreo_mandadode_seguranca.pdf. Acesso em 01.07.2016). 173 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma..., cit., p. 130.

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um culto exagerado ao pragmatismo e à celeridade desmedida, podendo desaguar na

indesejada jurisprudência defensiva, que os autores do anteprojeto tanto buscaram combater.

Caso não revertida tal tendência, o impacto da resposta jurídica (ampliação do sistema de

precedentes vinculante) sobre o problema social (pouca efetividade do processo) não será o

desejado e o novo processo civil brasileiro resultará em instrumento de violação dos direitos

fundamentais dos jurisdicionados, especialmente diante de práticas arraigadas e acomodações

deformadas das garantias do contraditório (enquanto postulado de influência e não surpresa) e

da fundamentação estruturante das decisões judiciais.

(...) não se pretende negar o o fenômeno da convergência de sistemas (common law e civil law, mas entendê-lo,adaptá-lo, e aplicá-lo de modo eficiente e legítimo (efetivo) em nosso país, com olhar acurado em nossas espeficidades – e, inclusive, aprendendo com os erros e acertos trazidos por nossa experiência e pela de outros países174.

Deveríamos caminhar para um sistema de precedentes adequado à realidade

brasileira, mas tudo indica que rumamos em direção a um sistema de precedentes à

brasileira, cujas práticas problemáticas podem vir a anular as vantagens que a doutrina do

stare decisis poderia proporcionar.

3- Conclusões A presente pesquisa objetivou enfrentar a longa trajetória de reforma das leis

processuais civis no ordenamento pátrio, a qual culminou com a aprovação de um novo

Código de Processo Civil (CPC/2015). Dentre tantas medidas de reestruturação

implementadas, a regramento e ampliação do microssistema de precedentes vinculantes

modificou profundamente as bases do sistema processual, importando em mais um passo

dado em direção ao sistema da common law. Ocorre que a filiação ao modelo da civil law

poderia dificultar o manejo de institutos que não integram nossa tradição jurídica e ainda não

incorporados aos currículos universitários.

Sem a pretensão de exaurir todos os institutos e conceitos oriundos da teoria dos

precedentes no direito comparado, posto que já sistematizados pela doutrina, o escopo maior

foi o de investigar se, nos primeiros meses de vigência do novo Código, os tribunais estão

manejando seus precedentes e elaborando súmulas de acordo com tais postulados ou se

174 THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações sobre politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação do direito brasileiro. Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. In: Revista de Processo, n. 189, nov./2010, p. 30.

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caminharemos rumo à construção de um sistema de vinculação à brasileira via manutenção

de velhas e arraigadas práticas.

Embora o espaço amostral seja ainda pequeno para conclusões definitivas, diante dos

poucos meses de vigência do NCPC, foi possível identificar, com base nos paradigmas e

casos tratados, ao menos, um indicativo de que o sistema de precedentes nacional não tem

sido tratado com as devidas cautelas e iluminado conforme postulados oriundos da teoria os

precedentes da common law incorporados na legislação nacional. E são exatamente tais

práticas que poderão, no futuro, caso não revertidas, macular a eficácia qualitativa do novo

sistema implementado. A nosso ver, e assim concluimos, eventuais críticas devem ser

dirigidas às referidas práticas (perspectiva empírica) e não exatamente ao sistema de

vinculação em si, sob o ponto de vista ontológico. Este já é resultado de uma opção política

consolidada, de modo que eventuais objeções foram exauridas durante a tramitação do

anteprojeto. Somente desta forma é que contribuições substanciais podem ser alinhavadas

para o aprimoramento do sistema.

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