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Procedência: Superintendência Central de Gestão de Pessoal de Recursos Humanos da SEPLAG Interessado: Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão Número: 14.798 Data: 17 de agosto de 2007 Ementa: SERVIDOR PÚBLICO ACÚMULO TRÍPLICE INADMISSIBILIDADE - ARTIGO 37, XVI DA CONSTITUIÇÃO – ENTENDIMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ARTIGO 11 DA EC Nº 20/98 – CONVALIDAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINÁRIA INOCORRENTE – PARECER Nº 14.716, DE 20.11.06 – DIREITO DE OPÇÃO – DEVER DE CONTROLE DA JURIDICIDADE – DECADÊNCIA – INÉRCIA NO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL – APLICAÇÃO NÃO RETROATIVA DA LEI ESTADUAL Nº 14.184/2002. Relatório Tendo em vista dúvidas surgidas no âmbito da Comissão de Acúmulo de Cargos e Funções, o ilustre Superintendente Central de Gestão e Recursos Humanos solicita manifestação da Advocacia Geral do Estado a propósito da correta aplicação do artigo 11 da Emenda Constitucional nº 20/98, tendo em vista diversidade entre pareceres anteriores relativos à tríplice acumulação entre cargos públicos: “À vista do exposto, esta Superintendência solicita orientação no sentido de esclarecer se, quando do julgamento dos processos de acumulação de cargos, deverá ser observado o exercício concomitante de cargos inacumuláveis na ativa para fins da aplicação do art. 11 da EC nº 20/98, ou seja, se o referido dispositivo convalidou ou não essa situação.” É o breve relatório. Passo a opinar. Parecer 1) Da inconstitucionalidade do acúmulo tríplice, conforme jurisprudência do STF.

Relatório - AGE · originÁria inocorrente – parecer nº 14.716, de 20.11.06 – direito de opÇÃo – dever de controle da juridicidade – decadÊncia – inÉrcia no exercÍcio

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Procedência: Superintendência Central de Gestão de Pessoal de Recursos Humanos da SEPLAG Interessado: Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão Número: 14.798 Data: 17 de agosto de 2007 Ementa:

SERVIDOR PÚBLICO – ACÚMULO TRÍPLICE –INADMISSIBILIDADE - ARTIGO 37, XVI DA CONSTITUIÇÃO – ENTENDIMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ARTIGO 11 DA EC Nº 20/98 – CONVALIDAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINÁRIA INOCORRENTE – PARECER Nº 14.716, DE 20.11.06 – DIREITO DE OPÇÃO – DEVER DE CONTROLE DA JURIDICIDADE – DECADÊNCIA – INÉRCIA NO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL – APLICAÇÃO NÃO RETROATIVA DA LEI ESTADUAL Nº 14.184/2002.

Relatório

Tendo em vista dúvidas surgidas no âmbito da Comissão de Acúmulo de Cargos e Funções, o ilustre Superintendente Central de Gestão e Recursos Humanos solicita manifestação da Advocacia Geral do Estado a propósito da correta aplicação do artigo 11 da Emenda Constitucional nº 20/98, tendo em vista diversidade entre pareceres anteriores relativos à tríplice acumulação entre cargos públicos:

“À vista do exposto, esta Superintendência solicita orientação no sentido de esclarecer se, quando do julgamento dos processos de acumulação de cargos, deverá ser observado o exercício concomitante de cargos inacumuláveis na ativa para fins da aplicação do art. 11 da EC nº 20/98, ou seja, se o referido dispositivo convalidou ou não essa situação.”

É o breve relatório. Passo a opinar.

Parecer 1) Da inconstitucionalidade do acúmulo tríplice, conforme jurisprudência do STF.

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Não é recente a discussão a propósito da cumulação de cargos, empregos e funções públicas, estando o servidor em atividade ou quando já obtida a aposentadoria. Desde a Constituição de 1946, que no artigo 185 trazia regra equivalente à do art. 37, XVI da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que a cumulação de proventos e remuneração somente é lícita quando se trata de cargos, empregos e funções acumuláveis na atividade. Atentando para o texto constitucional em vigor, certo é que o artigo 37, XVI proíbe, vinculando os três níveis da federação, a acumulação remunerada de cargos públicos, salvo as hipóteses exclusivas por ele legitimadas, in verbis:

“Art. 37 (...) XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas”.

O inciso XVII do artigo 37 da CR, por sua vez, estende a proibição de acumulação aos empregos e às funções públicas, seja da Administração Direta dos entes políticos integrantes da federação, seja de autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações públicas, ao que se acrescem as subsidiárias das entidades da Administração Indireta e as sociedades que sofram o controle direto ou indireto do Poder Público. É manifesta a intenção moralizadora dos referidos preceitos, sem prejuízo das mencionadas exceções constitucionais. A propósito, constata-se que a acumulação tríplice não encontra guarida nas ressalvas previstas nas alíneas do inciso XVI do art. 37, uma vez que em nenhum momento a Constituição da República permitiu, excepcionalmente, a cumulação entre três cargos, empregos ou funções públicas. Considerando este aspecto, é mister observar que o Plenário do STF, quando já em vigor a atual Constituição, reiterou a posição segundo a qual

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a acumulação apenas se admite quando se trata de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS E VENCIMENTOS: ACUMULAÇÃO. C.F., art. 37, XVI, XVII. I. – A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. C.F., art. 37, XVI, XVIII; art. 95, parágrafo único, I. Na vigência da Constituição de 1946, art. 185, que continha norma igual à que está inscrita no art. 37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade de acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis. II – Precedentes do STF: RE 81.729-SP, ERE 68.480, MS 19.902, RE 77.237-SP, RE 76.241-RJ. III. – R.E. conhecido e provido.” (RE nº 163.204-6-SP, rel. Min. Carlos Velloso, Pleno do STF, julgado em 09.11.94)

Ora, se as alíneas do inciso XVI do artigo 37 da CR não prevêem hipótese de cumulação de três cargos, empregos ou funções, outro entendimento não resulta do posicionamento do Pleno do STF senão o da inconstitucionalidade do acúmulo tríplice. O Ministro Carlos Velloso, relator do RE nº 163.204-6-SP, elucidou que o Ministro Xavier de Albuquerque, no voto proferido no RE nº 81.729, reconhecera que os julgamentos do ERE nº 68.480 e do MS nº 19.902 colocaram fim à hesitação manifestada em acórdãos discrepantes da Corte Suprema. Desde então, o STF vem recusando o direito à cumulação de proventos e remuneração quando inadmitido o acúmulo de cargos na atividade. Também o Ministro Francisco Rezek assentou, no referido acórdão, que a jurisprudência do STF é uníssona ao fixar a impossibilidade de se começar nova carreira depois de haver o servidor esgotado, com a aposentadoria, outra carreira na função pública, senão vejamos:

“A esse respeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é monolítica. Foi fiel, em passado recente, àquilo

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que se disse em passado remoto. Envolve expoentes da corte como Victor Nunes e Oswaldo Trigueiro.”

Especificamente quanto ao argumento de que a Constituição apenas proíbe o acúmulo de cargos, empregos e funções públicas, o que atingiria somente o servidor em atividade e tornaria lícita a acumulação de proventos e remuneração, tem-se que o Ministro Carlos Velloso deixou claro o equívoco de tal raciocínio no citado RE nº 163.204-6-SP:

“O que deve ficar esclarecido é que deveria ser expressa a permissão excepcional, a acumulação de proventos com vencimentos, dado que a proibição está implícita na vedação expressa. É que os proventos decorrem, sempre, de um cargo exercido na atividade. Se a regra é a proibição de acumulação, a permissão, que é exceção, há de ser expressa, há de ser escrita. (...) É que, no magistério do professor Valadão, ‘vedando a acumulação de quaisquer cargos, foi o texto constitucional o mais amplo, usando a palavra ‘acumulação’ sem restrições, a abranger e impedir, portanto, todas as formas de acumulação, e, assim, quer de exercício quer de remuneração.’ (ob. e loc. cits., pág. 336). Como já acentuamos, e a lição é, ainda, do prof. Valadão, ‘a aposentadoria e a reforma são exercício passado. Ambos, entretanto, vencimentos e proventos, constituem remuneração do exercício – atual ou passado – de cargos públicos, ou de empregos e funções em autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo poder público (C.F., art. 37, XVI e XVII, art. 40). Por isso mesmo, essa acumulação de vencimentos e proventos incide na regra proibitiva, porque ambos – vencimentos e proventos – constituem remuneração decorrente do exercício de cargo público. E a Constituição, no artigo 37, XVI, ao estabelecer que ‘é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos’, observadas as exceções por ela previstas, está justamente vedando a acumulação remunerada decorrente do exercício de cargos públicos.”

Com efeito, a doutrina e a jurisprudência entendem que os servidores inativos não perdem o vínculo com o Poder Público e tampouco

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deixam de ser considerados servidores públicos. Nesse sentido, José Cretella Júnior ensina:

"Ao aposentar-se, na verdade, o servidor não perde sua qualidade de agente público, mas fica apenas afastado, com vencimentos, da função, cargo ou emprego que exercia; livra-se de alguns deveres, mas fica sujeito a outros, estando, assim, preso, ainda que tenuemente, à relação jurídica que sempre o ligou ao Estado" ("Comentários à Constituição Brasileira de 1988", Rio de Janeiro, Forense, p. 2.418).

Na mesma linha de raciocínio, os Pretórios vêm decidindo que “Ao contrário dos trabalhadores na iniciativa privada, que nenhum liame conservam com seus empregadores após a rescisão do contrato de trabalho pela aposentadoria, preservam os servidores aposentados um remarcado vínculo de índole financeira com a pessoa jurídica de direito público para que hajam trabalhado.” (Apelação Cível nº 102.678-0, rel. Des. Orlando Carvalho, 1ª Câmara Cível do TJMG, julgada em 04.11.97). Assim sendo, o fato de inexistir expressa proibição de acumulação relativamente ao servidor aposentado não pode ser utilizado como argumento em favor do acúmulo não autorizado nas exceções constitucionais. Em primeiro plano, pelo não rompimento do vínculo do inativo com o Poder Público, após perfeito o ato de aposentadoria. Outrossim, a ausência dessa determinação proibitiva nas Constituições de 1891 (art. 73), de 1937 (art. 159) e de 1946 (art. 185) nunca foi obstáculo à admissibilidade de tal vedação. Como esclareceu o Ministro Carlos Velloso no RE nº 163.204-6-SP, valendo-se do parecer do então Subprocurador-Geral Antônio Fernando de Souza:

“29. As Constituições que fizeram expressa referência à situação do aposentado quando trataram de acumulação de cargos (Constituição de 1934, art. 172, § 4º; Constituição de 1967, art. 97, § 3º e EC nº 1/69), art. 99, § 4º), o fizeram exclusivamente para, com caráter de excepcionalidade, indicar as hipóteses em que se admitiria a acumulação e definir as condições em que ela ocorreria, posicionamento que revela estar a vedação contida na regra genérica que proíbe a acumulação de cargos. (...)

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32. Portanto, como ficou demonstrado acima, é improcedente o fundamento adotado no acórdão recorrido, no sentido de que o art. 37, inc. XVI, da Constituição Federal não alcança a acumulação de cargo público com proventos de aposentadoria decorrente de cargo público inacumulável na atividade, porque a disposição constitucional somente refere-se a cargos públicos e o aposentado não ocupa cargo público, conclusão que, ao meu ver, é suficiente para justificar o provimento do recurso. (...) 38. Em conclusão, no inciso XVI do art. 37, da Constituição, que estabelece o princípio da inacumulabilidade de cargos públicos, está compreendida a vedação de acumulação de aposentadoria em cargo público com o exercício de outro cargo público, vedação que se aplica a todas as espécies de acumulações, submetida a uma única exceção: quando se tratar de acumulação que seria lícita também na atividade (letras a, b e c, do inciso XVI, do art. 37, CF/88).”

Seguindo o voto condutor do referido julgado, o Ministro Néri da Silveira afirmou:

“Não cabe distinção entre vencimentos e proventos, para os efeitos de acumulação remunerada, salvo ocorrendo disciplina específica. De fato, como foi mencionado neste Plenário, os proventos são percebidos, pelo inativo, porque houve anterior exercício de cargo público. Daí resulta que só são acumuláveis proventos originários de desempenho, na atividade, de cargos acumuláveis. Será, assim, possível acumular vencimentos com proventos, quando forem acumuláveis, na atividade, os dois cargos de que promanam tais situações remuneratórias. Essa tem sido a tradição do nosso direito. (...) Dessa sorte, penso que ao aposentado não se admite exercer novo cargo a não ser naquelas hipóteses em que, na atividade, poderia manter, cumulativamente, os dois vínculos funcionais.”

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Ademais, o STF afirmou, no mencionado decisum, ser a inacumulabilidade a regra geral, “de modo que restrita há de ser a interpretação que se deve dar às suas exceções”. Com efeito, a natureza proibitiva das regras constitucionais (incisos XVI e XVII do artigo 37) só admite exceções que decorram indiscutíveis dos seus preceitos, observados os limites do texto da CR. Ao se atenuar a vedação genérica (não cumulação), as hipóteses dispostas na Constituição (alíneas a, b e c do inciso XVI do art. 37) apresentam caráter de estrita excepcionalidade. Como situações anômalas que são, é inadmissível qualquer condescendência interpretativa que resulte na ampliação indevida dos casos excepcionais. Irrepreensível a conclusão sustentada pelo Ministro Ilmar Galvão no sentido de que

“continua vedada a acumulação de proventos de mais de um cargo, bem como de proventos com vencimentos ou salários de outro qualquer cargo, emprego ou função, isso, não apenas em relação à Administração Direta, mas também em face de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público, salvo as exceções das alíneas a, b e c, do mencionado inciso XIV. Entendimento em sentido contrário levaria a ter-se de admitir a possibilidade de acumulação, não dos proventos de um só cargo, mas de dois ou de até três, com vencimentos de um outro, o que soaria como verdadeiro absurdo.”

Não foram em sentido diverso os votos dos Ministros Octávio Gallotti e Celso de Mello, respectivamente, no RE nº 163.204-6-SP:

“Também eu, desde a primeira leitura da Constituição de 1988, convenci-me – e essa convicção ainda perdura – de que a legitimidade da acumulação de proventos de dois cargos públicos, ou de proventos de um cargo com vencimentos de outro, tem como pressuposto indispensável a licitude da acumulação, em atividade, dos cargos correspondentes.”

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“Tenho para mim, na linha do magistério irrepreensível de CELSO RIBEIRO BASTOS (‘Comentários à Constituição do Brasil’, vol. 3º, tomo III, p. 128-129, 1992, Saraiva), que a cláusula inscrita no art. 37, XVI, da Constituição – que consagra o postulado geral da inacumulabilidade funcional – abrange a vedação de acumulação remunerada de proventos (decorrentes da aposentadoria em cargo público) com a percepção de vencimentos (derivados do exercício de outro cargo público), exceto quando se tratar – e esta é uma hipótese inocorrente no caso – de situações funcionais acumuláveis nos termos do que estritamente autorizam as normas consubstanciadas no texto da Constituição da República.”

Especificamente sobre o acúmulo tríplice, o Supremo Tribunal Federal vem, reiteradamente, inadmitindo-o:

“CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS COM PROVENTOS DE DUAS APOSENTADORIAS. IMPOSSIBILIDADE. I. - A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida na Constituição. II. - Não é permitida a acumulação de proventos de duas aposentadorias com os vencimentos de cargo público, ainda que proveniente de aprovação em concurso público antes da EC 20/98. III. - Agravo não provido.” (Agravo Regimental no AI nº 484.756-1-PR, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma do STF, julgado em 15.02.05) “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MAGISTÉRIO. ACUMULAÇÃO TRÍPLICE DE PROVENTOS E VENCIMENTOS. SUPERVENIÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. INAPLICABILIDADE. 1. A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição do Brasil.

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2. Inaplicabilidade, no caso, da Emenda Constitucional n. 20/98, vez que inadmissível, na ativa, a acumulação de três cargos de magistério. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Agravo Regimental no AI nº 567.707-6-PR, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma do STF, julgado em 23.06.06) “Conforme assentado, o acórdão recorrido entendeu possível tríplice acumulação de cargos: dois proventos do cargo de professor com vencimentos também do cargo de professora. O art. 37, XVI, a, da Constituição Federal permite a acumulação remunerada de dois cargos de professor. Assim, o acórdão recorrido está em testilha com o entendimento firmado pela Corte no RE 163.204/SP. Se a recorrente na atividade, não poderia acumular três cargos de professora, não seria possível essa acumulação depois de aposentada em dois deles.” (Agravo Regimental no AI nº 419.426-3-SP, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma do STF, julgado em 13.04.04)

As citadas decisões rechaçam o entendimento exarado pela 1ª Turma do STF que, no RE nº 141.734-SP, por maioria, havia admitido o acúmulo resultante de três posições funcionais no serviço público, na hipótese de reingresso do servidor anterior a 16.12.1998, data da publicação da Emenda Constitucional nº 20/98. Hodiernamente, mesmo com a superveniência do artigo 11 da Emenda Constitucional nº 20/98, as decisões do Supremo Tribunal Federal afirmam a inadmissibilidade do acúmulo tríplice e o equívoco daquele posicionamento isolado, senão vejamos:

“Recurso extraordinário. Administrativo. Funcionalismo Público. Acumulação de cargos. 2. Acórdão que concedeu mandado de segurança contra ato administrativo que afirmou a inviabilidade de tríplice acúmulo no serviço público. 3. Alegação de ofensa ao art. 37, XVI e XVII, da CF/88, e art. 99, § 2º, da CF pretérita. 4. A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. Precedente do Plenário RE 163.204. Entendimento equivocado no

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sentido de, na proibição de não acumular, não se incluem os proventos. RE 141.734-SP. 5. Recurso conhecido e provido, para cassar a segurança.” (Recurso Extraordinário nº 141.376-0-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma do STF, julgado em 02.10.01)

Também o Ministro Gilmar Mendes, ao relatar o Agravo Regimental no RE nº 423.213-PR, deixou assentado:

“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Servidor Público. Acumulação de dois vencimentos e de um provento. Inadmissibilidade. Precedente. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (...) Esta Corte firmou jurisprudência segundo a qual a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. Em caso análogo ao dos autos, esta Corte no julgamento do AgRAI 419.426, Rel. Carlos Velloso, 2ª T., DJ 07.05.04, assim decidiu: ‘EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ACUMULAÇÃO TRÍPLICE. Art. 37, XVI e XVII. SUPERVENIÊNCIA DA EC 20/98. INAPLICABILIDADE. I. – A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. II – Inaplicabilidade à espécie da EC 20/98, porquanto não admitida a acumulação, na ativa, de três cargos de professora. III – Precedente do Plenário: RE 163.204/SP. IV – Agravo não provido.’ A agravante não conseguiu demonstrar o desacerto da decisão agravada. Assim, nego provimento ao agravo regimental.” (Agravo Regimental no RE nº 423.213-PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma do STF, DJU de 26.08.05, p. 60)

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Acórdãos como o citado supra têm fundamentado inúmeras decisões monocráticas exaradas em Agravos de Instrumentos em que se discute no Supremo a matéria, sendo uníssono o entendimento contrário ao acúmulo tríplice:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou-se no sentido de que somente são acumuláveis proventos e vencimentos quando os cargos, funções ou empregos forem acumuláveis em atividade, com a ressalva de que não é possível acumulação de cargos públicos. (...) Assim, no caso dos autos, dada a já existente cumulação de duas aposentadorias, não há como acumular vencimentos de novo cargo público.” (Agravo de Instrumento nº 557.657-MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de 07.02.06, p. 18) “Ademais, o acórdão recorrido decidiu a causa em descompasso com o entendimento desta Corte, no sentido de que a acumulação de proventos e vencimentos só é permitida quando se trate de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição Federal (RE nº 419.426, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 28.05.04). Está na ementa: "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MAGISTÉRIO. PROVENTOS E VENCIMENTOS: ACUMULAÇÃO TRÍPLICE. Art. 37, XVI e XVII. SUPERVENIÊNCIA DA EC 20/98. INAPLICABILIDADE. I.- A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. II.- Inaplicabilidade à espécie da EC 20/98, porquanto não admitida a acumulação, na ativa, de três cargos de professora. III.- Precedente do Plenário: RE 163.204/SP. IV.- Agravo não provido."(No mesmo sentido: RE 423.213, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 19.11.04; RE 163.204, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 31.03.95)." Ora, se os recorrentes, na atividade, não poderiam acumular cargos incompatíveis, tampouco o poderiam depois de inativados em dois deles.” (Agravo de Instrumento nº 471.353-SP, rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 20.05.05, p. 48)

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2) Da evolução histórica da proibição de acumular e das normas constitucionais de regência Um breve exame de julgados do Supremo Tribunal Federal (RE nº 163.204-6-SP) e de clássicos ensinamentos doutrinários (Caio Tácito em artigo publicado na Revista de Direito Público, v. 7, p. 16 e Adilson Abreu Dallari na obra Regime constitucional dos Servidores Públicos, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 68 e seguintes) evidencia a ausência de respaldo histórico à tese que defende interpretação ampliativa da acumulação, mesmo em face da regra do artigo 11 da Emenda Constitucional nº 20. Não há dúvida de que as acumulações remuneradas são herança da corte portuguesa, em que determinados grupos privilegiados monopolizavam o exercício das competências públicas. Desde o Império, infere-se do ordenamento regras cujo objetivo cingia-se a impedir o duplo ganho no serviço público, havendo determinação expressa na Constituição de 1891 (art. 73), quando já proclamada a República, na Constituição de 1934 e nas Constituições seguintes. Com efeito, a proibição constitucional de acumulação de cargos, empregos e funções públicas remonta à Carta Republicana de 1891 e a diplomas anteriores como a Lei de 25.09.1828 e o Decreto de 18.09.1829. O doutrinador Adilson Abreu Dallari faz cuidadoso retrospecto sobre a matéria:

“A regra que proíbe a acumulação de cargos e funções é uma norma de eficácia plena que tem figurado em todas as constituições republicanas do Brasil. O fato de apenas a República ter-se preocupado em acolher tal proibição pode dar errônea idéia de que se trata de um problema surgido com a adoção da forma republicana de governo e, portanto, inerente a ela. A verdade é bem outra. Caio Tácito, em preciosa monografia sobre o assunto, foi procurar suas raízes e descobriu que o ‘tormentoso problema de acumulação de cargos públicos’ tem suas origens mergulhadas ‘secularmente, em nossa história legislativa’. No direito português essa proibição já era encontrada na Carta Régia de 6.5.1623, mas, não obstante vedação legal, o Brasil colonial foi atingido pela lamentável prática da acumulação de empregos evidentemente incompatíveis. Às vésperas da Independência, o Decreto de 18.6.1822, do Príncipe Regente, reforçava a proibição

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anterior e responsabilizada os ocupantes de cargos de chefia por pagamentos indevidos em virtude de acumulações. No Brasil imperial, embora não figurasse no texto constitucional, a proibição continuou a existir, prescrita pela legislação ordinária. Proclamada a República e editada a Constituição de 1891, seu art. 73 expressamente dispunha serem ‘vedadas as acumulações remuneradas’. Mas, não obstante a clareza do texto, a legislação ordinária, mediante disposições evidentemente inconstitucionais, foi criando exceções e, como diz Caio Tácito, ‘amparada nessas muletas legais, a acumulação remunerada se desenvolveu, largamente, passando quase a constituir sinal de evidência social ou política a multiplicidade de empregos e posições oficiais’.” (“Regime Constitucional dos Servidores Públicos”, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 68).

Ensina o professor Adilson Dallari que a própria evolução do instituto deixa claro o seu caráter anacrônico, sendo fatores determinantes duas situações, a saber, o excesso de poder e a falta de pessoal qualificado:

“Ou servia para possibilitar que pessoas privilegiadas e bem relacionadas acumulassem poder, remuneração influência política e prestígio social, ou, então, possibilitava o preenchimento de funções públicas realmente importantes em setores nos quais havia carência de profissionais habilitados. Ora, no Brasil do século XX não mais se justificam os privilégios dos tempos da Colônia, do Império e da Velha República; nem tem qualquer sentido falar-se em falta de profissionais para o provimento de cargos e funções da Administração Pública.” (op. cit., p. 69-70)

Tem-se claro que as Constituições Brasileiras, a doutrina e a própria jurisprudência são inquestionavelmente hostis às acumulações remuneradas, esteja o servidor em exercício ou já aposentado. Não se pode violar a regra do princípio da inacumulabilidade, que se destina a prestigiar valores e objetivos como a busca do pleno emprego (art. 170, III da CR), o objetivo da justiça social (art. 193 da CR), bem como o valor do trabalho (art. 5º, IV da CR), essenciais ao caráter democrático do Estado de Direito consagrado na Constituição da República.

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Certo é que a permissão de acumular cargos públicos não pode exceder os limites estritamente fixados na Lei Magna, sob pena de ofensa às regras constitucionais. Fixada tal premissa, importa observar, que, se a hipótese não se enquadra nas exceções expressamente previstas no inciso XVI do artigo 37 da CF/88, não existe qualquer direito na espécie. Fixando a inacumulabilidade, a jurisprudência tem proclamado:

"FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. 1. Somente é permitida a acumulação de cargo público nas exceções previstas no art. 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal. 2. Se a acumulação não ocorre entre dois cargos de professor, ou de um cargo de professor com outro técnico ou científico ou de dois cargos privativos de médico, há infringência constitucional" (Apelação Cível nº 34.400/95, acórdão nº 80.306, relator Desembargador Paulo Evandro, 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, DJDF de 29.11.95, p. 18.041). "Servidor Público - Acumulação de cargos - Magistério - Diretor e supervisor de ensino - Inadmissibilidade - Artigo 37, XVI da Constituição Federal - Recurso não provido. A Constituição consagra o princípio geral da inacumulação de cargos públicos, excepcionando apenas as hipóteses exaustivamente previstas" (Apelação Cível nº 23.504-5, relator Desembargador Nélson Schiesari, 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgada em 01.07.98 "in" JUIS - Jurisprudência Informatizada Saraiva, Cd-Room nº 15).

Confira-se a lição do professor Celso Antônio Bandeira de Melo:

"Outro princípio constitucional importante relativo aos servidores da Administração é o que consta do inciso XVI do art. 37. Este, ressalvadas as exceções que consigna, veda a acumulação de cargos públicos. Tal óbice, por força do inciso XVII, é extensível, nos mesmos termos aos empregos e funções nas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público.

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As exceções mencionadas no inciso XVI e cabíveis quando houver compatibilidade de horários, mas sem que se exija a correlação de matérias dantes requeridas pelos Diplomas Constitucionais precedentes são as seguintes: (a) dois cargos de professor; (b) um cargo de professor com outro técnico ou científico e (c) dois cargos privativos de médico" ("Regime Constitucional dos Servidores na Administração Direta e Indireta", 2ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 88-89).

Corroborando a impossibilidade de cumulação, inclusive entre proventos e remuneração, confira-se o parágrafo 10º do artigo 37 da Constituição, inserido pela Emenda Constitucional nº 20:

“É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 ou dos artigos 42 e 142 com a Remuneração de Cargo, Emprego ou Função Pública, ressalvados os acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração”.

Em se considerando que o princípio geral da inacumulação de cargos, empregos e funções públicas é excepcionado apenas pelas três hipóteses exaustivamente previstas na CF/88, cumpre fixar se possível cogitar apenas das ressalvas constitucionais, a saber, cumulação entre dois cargos privativos de profissional de saúde ou de professor, nem mesmo cumulação entre um cargo de professor e outro técnico ou científico (art. 37, XVI, "b" da CR). Se se está diante de servidor em tríplice acúmulo, certo é que tal situação não encontra guarida na ressalva prevista no artigo 37, XVI da CF/88, nem mesmo no artigo 25 da CEMG. Afinal, não se admite, em nenhuma hipótese a percepção de proventos e remuneração pertinente a três cargos públicos, tratando-se de flagrante contrariedade às normas constitucionais de regência, incluindo-se o artigo 37, § 10º da CR. A doutrinadora Cláudia Fernandes Mantovani, na obra Curso Prático de Direito Administrativo coordenada pelo professor Carlos Pinto Coelho Motta (2ª edição, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 1057-1058), explicita:

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“Quanto ao tríplice acúmulo no serviço público, no caso de o servidor perceber, legalmente, proventos de duas aposentadorias com a remuneração de mais de um cargo público, apesar de ter ingressado novamente no serviço público, mediante concurso público, os Tribunais têm indeferido tal pretensão, por falta de permissão constitucional. O Supremo Tribunal Federal manifestou-se no seguinte sentido, quando do julgamento do RE n. 141. 376: ‘Recurso extraordinário. Administrativo. Funcionalismo Público. Acumulação de cargos. 2. Acórdão que concedeu mandado de segurança contra ato administrativo que afirmou a inviabilidade de tríplice acúmulo no serviço público. 3. Alegação de ofensa ao art. 37, XVI e XVII, da CF/88, e art. 99, § 2º, da CF pretérita. 4. A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. Precedente do Plenário RE 163.204. Entendimento equivocado no sentido de, na proibição de não acumular, não se incluem os proventos. RE 141.734-SP. 5. Recurso conhecido e provido, para cassar a segurança.’ O Superior Tribunal de Justiça tem decidido no mesmo sentido, conforme se extrai do julgamento do AROMS n. 15008/PR: Administrativo. Servidora Pública. Professora. Acumulação de vencimentos com proventos de duas aposentadorias. Concurso Público. Impossibilidade. Art. 37, XVI da CF. EC nº 20/98. Precedentes. I - Consoante entendimento consolidado do Colendo Supremo Tribunal Federal, a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, nos termos como previsto na Constituição Federal. II - Nos termos do art. 37, XVI da Constituição Federal, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, não é permitida a acumulação de proventos de duas aposentadorias com o vencimento de cargo público, ainda que proveniente de aprovação em concurso público antes da referida Emenda. Precedentes. III - Agravo interno desprovido’.”

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Segundo José Maria Pinheiro Madeira,

“As acumulações são de, no máximo, dois cargos, empregos ou funções públicas. Todavia, existe uma única acumulação tríplice que está consignada no art. 17, § 1º, das Disposições Transitórias. Tal norma assegura ao médico militar (servidor militar) o direito de acumular dois outros cargos ou empregos privativos de médico na Administração Pública Direta ou Indireta (situação considerada inconstitucional perante a Carta da República anterior), desde que seja observada a compatibilidade de horários).” (Servidor Público na Atualidade, 3ª ed., Rio de Janeiro, América Jurídica, 2006, p. 166)

Corroborando o acerto de tais entendimentos doutrinários, cumpre transcrever a orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. MAGISTÉRIO. TRÍPLICE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROIBIÇÃO. ART. 37, INCISO XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC Nº 20/98. PRECEDENTES. 1. A Agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões consideradas no julgado agravado, razão pela qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos. 2. In casu, ainda que a Agravante tenha logrado aprovação em concurso público anteriormente à vigência da Emenda Constitucional n.º 20/98, não tem direito adquirido à acumulação de vencimentos dos respectivos cargos com proventos de dois cargos de professor, tendo em vista que a ressalva constante no art. 11 da Emenda Constitucional n.º 20 veda, expressamente, em sua parte final, a percepção de "mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o artigo 40 da Constituição Federal", exatamente como se verifica na espécie. 3. Nos termos do art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, com as alterações introduzidas pela EC n.º 20/98,

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não há direito líquido e certo à tríplice acumulação de proventos relativos a duas aposentadorias com o vencimento de um terceiro cargo para qual o servidor tenha sido nomeado em razão de aprovação em concurso público. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido.” (Agravo Regimental no RMS nº 13.778-PR, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJU de 02.05.06, p. 339)

“A teor do art. 37, XVI da CF, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto as espécies elencadas no referido artigo, inadmitindo-se, todavia, qualquer hipótese de tríplice acumulação. Inexistência de direito adquirido, por violação de texto e autolimitação expressa da Constituição Federal. Recurso a que se nega provimento” (DJU de 14.02.00, p. 50).

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TRÍPLICE CUMULAÇÃO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. 1. A Emenda Constitucional nº 20/98, ao introduzir o parágrafo 10 no artigo 37 da Constituição da República, apenas transformou o entendimento jurisprudencial consubstanciado na interpretação do artigo 37, incisos XVI e XVII, e do artigo 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição da República em texto constitucional, firmado no sentido de que é vedada a acumulação de proventos e vencimentos, salvo em relação a cargos acumuláveis na atividade. 2. A vedação constitucional à percepção cumulativa de três cargos públicos, entre proventos e vencimentos, sempre existiu, nada importando que as fontes pagadores sejam diversas, pelo que não há falar em violação qualquer de direito adquirido no ato que cancela uma das aposentadorias em acúmulo inconstitucional. 3. Agravo regimental improvido.” (Agravo Regimental no RMS nº 14.617-PR, rel. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma do STJ, DJU de 01.07.05, p. 625)

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“ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. MAGISTÉRIO. TRÍPLICE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROIBIÇÃO. ART. 37, INCISO XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC Nº 20/98. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. MEDIDA CAUTELAR Nº 6649/PR, EM APENSO, JULGADA PREJUDICADA. 1. Nos termos do art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, com as alteração introduzidas pela EC nº 20/98, não tem a Recorrente direito líquido e certo à tríplice acumulação de proventos relativos a duas aposentadorias com o vencimento de um terceiro cargo para qual foi nomeada em razão de aprovação em concurso público. Precedentes desta Corte e do STF. 2. Recurso Ordinário desprovido. Julgo prejudicada a Medida Cautelar n.º 6649/PR, em apenso, requerida com o escopo de emprestar efeito suspensivo ao presente recurso.” (RMS nº 15.618-PR, rel. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJU de 02.05.05, p. 378)

É mister reiterar, assim, que a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. Não se pode ignorar que, com a posse do servidor no novo cargo, mesmo anteriormente a 1998, independente da regra expressa no artigo 37, §10 da CF/88 e do artigo 11 da EC 20/98, ilícita é a acumulação da remuneração decorrente do novo cargo com a remuneração e os proventos dos outros dois cargos (ou de um cargo e de um emprego), por se tratar de hipótese não contemplada no art. 37, XVI da CF como acúmulo lícito de cargo/função pública. O mesmo se afirme se se tratar da hipótese em que há o pagamento de proventos pertinentes a dois cargos públicos com exercício subseqüente de outro pelo servidor, ou pagamento de proventos de um cargo público com exercício subseqüente de outros dois pelo servidor. Clássica é a lição de Themístocles Brandão Cavalcanti:

“A proibição de acumulação compreende não só o exercício simultâneo mas também a simples percepção dos seus proventos. É um princípio consagrado porque decorre dos próprios fundamentos do instituto” (Tratado de Direito Administrativo, v. IV, p. 295)

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O doutrinador Ivan Barbosa Rigolin esclarece que “o que se proíbe é o duplo ganho, mas é exatamente isso que parece interessar ao servidor aposentado que volta a ocupar posto público, e nesse sentido entendemos, a partir da nova Carta, proibida tal acumulação, se remunerada” (“O Servidor Público na Constituição de 1988”, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 159). À luz de tais ponderações, é inadmissível pretender que o artigo 11 da EC nº 20 implique convalidação de acumulações ilegais, mesmo porque a competência para convalidação é privativa da Administração Pública, sendo incabível convalidação pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Judiciário, a não ser que se trate dos seus próprios atos administrativos, hipótese em que se exclui a convalidação por lei, emenda constitucional ou por meio de decisão judiciária. Ademais, só é cabível falar em convalidação quando vícios sanáveis atingem atos administrativos, hipótese em que não se enquadra vício de inconstitucionalidade originária presente em situações flagrantemente contrárias à Lei Magna. Vladimir da Rocha França afirma que a convalidação do ato administrativo decorre exclusivamente de competência administrativa (RDA, v. 226, p. 69), ao que se acresce o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho, no sentido de que “Confirmar atos e aproveitar efeitos anteriores não são condutas que se situam no âmbito da função jurisdicional, sendo, ao revés, típica atividade de administração. Destarte, poder-se-á afirmar que somente o administrador público tem o poder jurídico de convalidar atos administrativos”. O STF, ao se posicionar sobre os limites do controle de legalidade dos atos administrativos pelo Parlamento asseverou a impossibilidade de se os anular na hipótese de ilegalidade ou inconstitucionalidade:

“1. Não há dúvida de que a Lei em questão anula atos administrativos, quando diz: "Ficam canceladas as notificações fiscais emitidas com base na Declaração de Informações Econômico -Fiscais-DIEF, ano base 1998". Ora, atos administrativos do Poder Executivo, se ilegais ou inconstitucionais, podem ser anulados, em princípio, pelo próprio Poder Executivo, ou, então, pelo Judiciário, na via própria. Não, assim, pelo Legislativo.” (ADI-MC nº 2.345-SC, rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno do STF, DJU de 28.03.2003, p. 62).

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Se é inadmissível ao Legislativo invalidar ato contrário aos princípios e regras do ordenamento, dúvida não há da inviabilidade de o referido Poder convalidar, por meio de emenda, situações originariamente inconstitucionais, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República. O artigo 11 da EC 20/98 limitou-se a afastar a vedação do § 10º daqueles servidores que ingressaram no serviço público anteriormente à sua publicação, desde que, à obviedade, se tratasse de cumulações admitidas pelo ordenamento constitucional então vigente. Cum maxima venia, a interpretação em sentido contrário não só não encontra amparo na ordem jurídica, como nega vigência às regras de proibição de acumulação de cargos públicos anteriores e posteriores à EC 20/98, afastando-se da orientação jurisprudencial da Corte Constitucional do país:

“ACUMULAÇÃO – PROVENTOS – VENCIMENTOS. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo profundas reservas, a Carta de 1988 somente viabiliza a acumulação de proventos e vencimentos quando envolvidos cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade (Recurso Extraordinário nº 163.204-6-SP, relatado pelo Ministro Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário de Justiça de 31 de março de 1995). Convicção pessoal colocada em plano secundário visando à uniformização de tratamento.” (RE nº 197.699-SP, rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma do STF, DJU de 17.09.99, p. 58).

No mesmo sentido, confira-se, além dos acórdãos citados no item 1, aqueles proferidos pelo STF no MS nº 22.182-8, no Ag. Reg. em Ag. de Inst. Criminal nº 302.522-RS, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma do STF e no RE nº 194.124-3-SP, rel. Min. Octávio Galloti, 1ª Turma do STF, DJU de 18.09.98. A inadmissibilidade da cumulação tríplice restou assentada nesta Advocacia Geral em Pareceres como o de nº 14.175, de 18.07.2003, que se fundamentou em pareceres anteriores (Parecer nº 11.277, de 19.06.2000 e Parecer nº 12.014, de 29.06.2001), bem como na jurisprudência dos tribunais superiores, in verbis:

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“Para a Jurisprudência, tanto no STF quando no STJ, resta patente que a tríplice cumulação de cargos extrapola o limite previsto no artigo 37, XVI, c, da Carta da República, sendo que os proventos decorrem do exercício de cargo na atividade.”

Merecem revisão entendimentos como aqueles exarados nos Pareceres nº 14.262, de 15.12.2003; 14.264, de 17.12.2003; 14.273, de 05.01.04; 14.277, de 05.01.04; 14.308, de 10.02.04, e 14.357, de 06.08.04, os quais consideraram o artigo 11 da Emenda Constitucional nº 20 dispositivo apto a validar a situação inconstitucional já existente. Venia permissa, evidenciada a inconstitucionalidade originária do acúmulo tríplice, não há que se atribuir ao artigo 11 efeito convalidatório retroativo. Não se pode olvidar que a norma do § 10º do artigo 37, que positivou no bojo da Emenda Constitucional nº 20 entendimento pacífico anteriormente proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, incide imediatamente, principalmente se ausentes exceções admitidas pela CR/88. Conclui-se, destarte, pela legitimidade de se afastar a possibilidade de se cumular a remuneração ou os proventos decorrentes de um cargo público com os proventos pagos a servidor aposentado em dois outros cargos públicos ou em um cargo e um emprego público, em face do § 10º acrescentado ao artigo 37 da Lei Maior, tratando-se de três cargos inacumuláveis por força do inciso XVI do artigo 37 citado supra. Sobre o referido dispositivo, ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“Pela Emenda Constitucional nº 20, de 15-12-98, foi acrescentado um § 10 ao artigo 37 da Constituição, consagrando aquilo que já era entendimento do Supremo Tribunal Federal e que constava da Lei nº 8.112, com a redação dada pela Lei nº 9.527, de 10-12-97. Com efeito, o dispositivo veio tornar expressa a vedação de percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 (servidores civis), do artigo 42 (servidores militares das Forças Armadas) com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre exoneração. Fica, portanto, vedada a acumulação de

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proventos de aposentadoria com a remuneração de outro cargo efetivo, salvo naqueles casos em que a própria Constituição admite a acumulação, previstos nos artigos 37, XVI, 95, parágrafo único, inciso I, e 128, § 5º, inciso II, d” (“Direito Administrativo”, 12ª edição, São Paulo, Atlas, 2000, p. 446).

Por conseguinte, não se revela lícita a acumulação da remuneração ou dos proventos decorrentes de dois cargos e dos proventos ou remuneração resultantes de outro, por se tratar de hipótese não contemplada no art. 37, XVI da Constituição como acúmulo lícito de cargos quando em atividade o servidor. Se evidenciado o recebimento, pelo servidor, de proventos ou remuneração pertinentes a dois cargos e, ainda, de remuneração ou proventos de outro cargo, contrariado está o atual § 10º do artigo 37. Impõe-se reconhecer ilícitas as acumulações, já que, diante do princípio da legalidade, outra decisão a Administração não pode tomar, sob pena de recair em ato inválido. A vontade social expressada e consagrada na Carta da República assentou a impossibilidade de cumulação de cargos, empregos e funções fora das hipóteses excepcionais admitidas no texto constitucional (art. 37, XVI), o que se estende à inatividade remunerada, consoante tem assentado o Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ARTIGO 37, XVI E XVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ACUMULAÇÃO DE DOIS PROVENTOS E MAIS UM CARGO DA ATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 37 da Constituição Federal enumera taxativamente as hipóteses em que a regra geral da acumulação comporta exceções, casos em que, de qualquer forma, não se permite sejam ocupados mais de dois cargos públicos, considerando-se, inclusive, os proventos decorrentes da aposentadoria. 2. Recurso a que se nega provimento” (ROMS nº 14.837-PR, rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª Turma do STJ, DJU de 01.03.2004, p. 197).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na mesma linha de raciocínio, vem decidindo:

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“ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS E REMUNERAÇÃO DECORRENTES DE 03 CARGOS PÚBLICOS - INCONSTITUCIONALIDADE - ART. 11 DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98. A Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, veda a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto para dois cargos de professor, um de professor com outro técnico ou científico e dois cargos privativos de profissionais de saúde, desde que haja compatibilidade de horários, observado, em qualquer caso, o teto de vencimento e subsídio previsto no inciso XI do mesmo dispositivo. Dessa regra decorre ser ilícita a acumulação de três cargos públicos, sendo vedada, ainda, a cumulação de dois proventos decorrentes de aposentadoria em função pública com os vencimentos percebidos em razão de um terceiro cargo público.” (Apelação Cível nº 1.0024.04.303055-0/002, rel. Desembargador Wander Marotta, 7ª Câmara Cível do TJMG, julgada em 07.12.04) “ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE DOIS CARGOS PÚBLICOS COM OS VENCIMENTOS REFERENTES A OUTRO CARGO DE INSPETOR ESCOLAR - AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 37, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 11 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/1998 - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A Constituição não permite a acumulação de proventos de aposentadoria e/ou vencimentos referentes a dois cargos públicos com a remuneração de outro cargo de inspetor escolar da ativa, o que resultaria, por via oblíqua, na ocupação de três posições no serviço público, sob pena de se validar uma situação abusiva e contrária aos princípios da legalidade, razoabilidade e moralidade administrativa.” (Apelação Cível nº 1.0024.02.879261-2/001, rel. Desembargador Eduardo Andrade, 1ª Câmara Cível do TJMG, julgada em 22.02.05).

Atentando para tais ponderações, entende-se ser juridicamente impossível o acúmulo tríplice, uma vez que a cumulação de três cargos, empregos ou funções públicas é vedada pelo artigo 37, XVI e XVII da Constituição Federal de 1988 e pelo artigo 37, § 10 do referido Diploma Fundamental.

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3) Do controle de constitucionalidade: limites e coisa julgada administrativa. Da ausência de decadência nos termos da Lei Estadual nº 14.184/2002. Não se pode ignorar que, na Administração Pública estadual, não foram raras as situações em que servidores públicos discutiram em processos administrativos específicos a viabilidade, ou não, da cumulação de cargos, empregos ou funções públicas. Em inúmeros casos, não ocorreu um mero pronunciamento isolado do Estado contrário ou a favor da cumulatividade, mas, ao contrário, instaurou-se verdadeiro procedimento dialético, sucedendo-se atos administrativos e manifestações dos interessados as quais culminaram na definitiva decisão superior. Na hipótese de, percorrido todo o trâmite procedimental na via administrativa, a decisão final ter afirmado a viabilidade do acúmulo, sendo incabível qualquer reavaliação da matéria, inclusive por autoridade superior, tem-se a coisa julgada administrativa. Com efeito, se se trata de decisão administrativa, de natureza definitiva e ampliativa, ao fim de um procedimento contencioso, tem-se a inalterabilidade da matéria em questão. Como esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello, a coisa julgada administrativa implica, para a Administração, a definitividade dos efeitos de um pronunciamento exarado após o contencioso administrativo:

“A coisa julgada administrativa, consoante entendemos, diz respeito unicamente a situações nas quais a Administração haja decidido contenciosamente determinada questão – isto é, em que tenha formalmente assumido a posição de aplicar o Direito a um tema litigioso; portanto, também, com as implicações de um contraditório. Aliás, nisto se exibe mais uma diferença em relação à simples irrevogabilidade, que, como visto, estende-se a inúmeras outras hipóteses. Toda vez que a Administração decidir um dado assunto em última instância, de modo contencioso, ocorrerá a chamada ‘coisa julgada administrativa’.” (“Curso de Direito Administrativo”, 20ª ed., SP, Malheiros, 2006, p. 428, itálico no original)

Não há que se falar em coisa julgada administrativa, contudo, se inocorrente o procedimento contencioso preliminar à decisão final ou se presente simples pronunciamento isolado da Administração em favor da cumulação, sendo o referido ato passível de revisão, a fim de se resgatar a

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juridicidade na espécie (controle interno de legalidade ou autotutela administrativa). A indagação que se impõe, nesta hipótese, refere-se ao prazo em que é legitimado ao Estado rever o entendimento anterior, reconhecendo a inconstitucionalidade do acúmulo tríplice. Em primeiro plano, é mister que se afaste, com fundamento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a argüição de direito adquirido às acumulações ilícitas, porquanto inconstitucionais desde a redação originária da Constituição da República:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSOR. TRIPLA ACUMULAÇÃO DE CARGOS. INVIABILIDADE. TRANSCURSO DE GRANDE PERÍODO DE TEMPO. IRRELEVÂNCIA. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. Esta Corte já afirmou ser inviável a tripla acumulação de cargos públicos. Precedentes: RE 141.376 e AI 419.426-AgR. 2. Sob a égide da Constituição anterior, o Plenário desta Corte, ao julgar o RE 101.126, assentou que "as fundações instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público". Por isso, aplica-se a elas a proibição de acumulação indevida de cargos. 3. Esta Corte rejeita a chamada "teoria do fato consumado". Precedente: RE 120.893-AgR 4. Incidência da primeira parte da Súmula STF nº 473: "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos". 5. O direito adquirido e o decurso de longo tempo não podem ser opostos quanto se tratar de manifesta contrariedade à Constituição. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 381.204-RS, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma do STF, DJU de 11.11.05, p. 48)

Excluída a possibilidade de se falar em direito adquirido e caracterizado o cabimento do controle administrativo, é necessário a Administração render-se à obrigatoriedade da invalidação do ato cujo vício é insanável. Com efeito, a extinção mediante a invalidação é obrigatória sempre que o ato não comporte convalidação do vício existente. A invalidação configura

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verdadeiro dever e não mera faculdade da Administração Pública, consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“A revisão de ato praticado fora dos ditames legais não constitui mera faculdade, é um poder-dever que pode ser exercitado de ofício pela própria Administração, conforme o estabelecido no enunciado da Súmula n.º 473 da Suprema Corte.” (REsp nº 65.039-DF, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJU de 17.11.2003, p. 353).

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. ART. 49 DA LEI 8.666/93. 1. A Administração Pública constatando vícios de qualquer natureza em procedimento licitatório tem o dever de anulá-lo, em homenagem aos princípios da legalidade da moralidade e da impessoalidade. 2. Maçal Justen: “Revelado o vício de nulidade, o ato administrativo deve ser desfeito. Tratando-se de anulação, o obrigatório desfazimento não pode ser impedido por direito adquirido. Como se reconhece de modo pacífico, ato administrativo inválido não gera direito adquirido". (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 6ª ed. Dialética, pp. 465/467). 3. Recurso improvido.” (REsp 686.220-RS, rel. Min. José Delgado, 1ª Turma do STJ, DJU de 04.04.2005)

Especialmente quando constatada a inconstitucionalidade de determinada situação, a irregularidade deve logicamente ser sanada com a sua extinção. Também a doutrina reconhece, com esteio nas afrontas à ordem jurídica, que são impertinentes quaisquer alegações a respeito de direito adquirido o ato jurídico perfeito, como bem leciona Marcílio Toscano Franca Filho:

“Um ato nulo não é apto a produzir direito adquirido nem não adquirido. O STF já se pronunciou a esse respeito em diversas ocasiões. Vejamos: ‘Ato jurídico perfeito – Direito adquirido – Constituição Federal. A existência de ato jurídico perfeito, a desaguar em direito adquirido, pressupõe a formalização em harmonia com a ordem jurídica constitucional’ (STF – 2ª T – AgRag

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155772/SP – rel. Min. Marco Aurélio – DJ 27.05.1994, p. 13.177). ‘Mandado de segurança. Magistrado do Distrito Federal. Decisão do Tribunal de Constas da União que, no processo de sua aposentadoria, excluiu, do cálculo dos proventos, o tempo de serviço prestado a entidade particular e a vantagem prevista no art. 184, II, da Lei 1.7111/52. Inexistindo lei autorizadora de contagem de tempo de serviço em atividade particular, para efeito do cálculo de adicional por tempo de serviço, não há falar-se em direito adquirido ao cômputo da aludida vantagem nos proventos de aposentadoria. O deferimento dos adicionais, na atividade, foi ato nulo, insuscetível de gerar direito’ (STF – Pleno – MS 21722/DF – rel. Min. Ilmar Galvão – DJ 18.03.1994, p. 5.151). Destarte, tisnado que estava do vício da inconstitucionalidade, como amiúde explicitado, o ato concessório da aposentadoria especial é nulo, não sendo apto a gerar qualquer efeito jurídico que importe direito adquirido. O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica. O reconhecimento da validade de uma norma inconstitucional – ainda que por tempo limitado – representaria uma ruptura com o princípio da supremacia da Constituição. A norma inconstitucional não pode criar direitos, nem impor obrigações, de modo que tanto os órgãos estatais como o indivíduo estão legitimamente autorizados a negar obediência às prescrições incompatíveis com a Constituição.” (Revista dos Tribunais, v. 807, p. 149-150, itálico no original).

Assim, se se estiver diante de um acúmulo tríplice, é mister reconhecer imediatamente o vício insanável da situação funcional do servidor, com a outorga do direito de opção de que se tratou no item 3, a fim de que se extinga acumulação inconstitucional, promovendo-se o conseqüente retorno ao status quo ante. Com a devida vênia dos entendimentos em sentido contrário,

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entende-se indispensável o exercício, nestes casos, do imediato controle da juridicidade da situação funcional, o que levará a que se extirpe o recebimento de três proventos ou remunerações, contrariamente ao texto constitucional anterior e atual. Sobre o prazo reconhecido ao Estado para realizar tal procedimento, cumpre não confundir a investigação do prazo decadencial para a Administração Pública examinar a constitucionalidade dos seus atos com os prazos prescricionais a que se sujeitam os servidores para impugnar atos administrativos que lhe sejam contrários. Em se tratando do controle realizado pela própria Administração dos seus atos, é mister definir, com base na lei, o período ao final do qual ocorrerá decadência do direito do Poder Público invalidar o comportamento viciado ou situação inconstitucional. Trata-se do exercício potestativo da autotutela administrativa mediante as providências materiais e procedimentais reconhecidas ao Estado. A relevância de tal distinção é manifesta, pois, enquadrado o controle de juridicidade dos atos administrativos pelo Estado como exercício potestativo de um direito, não há que se falar em prescrição, mas em prazo decadencial que exige expressa previsão em lei. Neste caso, o Estado limita-se a exercer um direito potestativo que lhe é reconhecido pela ordem jurídica - manter ou recompor a constitucionalidade/legalidade dos comportamentos e situações administrativas - no prazo que esteja previsto em regra legal vigente. Segundo o civilista Francisco Amaral, “como o direito potestativo é o dever de determinar mudanças na situação jurídica de outro sujeito, mediante ato unilateral, sem que haja dever contraposto e correspondente a esse poder, chama-se, também, direito formativo ou de formação” (Direito Civil. Introdução. 5ª edição. RJ/SP: Renovar, 2003, p. 576). Cumpre considerar que, nestas condições, o lado passivo da relação jurídica limita-se a sujeitar-se ao exercício de vontade da outra parte. No caso do exercício da autotutela pelo Estado, certo é que aos terceiros (servidores, p. ex.) resta somente a sujeição ao exercício do poder-dever administrativo de manter a legalidade administrativa. Conseqüentemente não há pretensão, sendo inadmissível falar-se em prescrição. A decadência “é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado em lei”, sendo certo que “Seu objeto são os direitos potestativos, de qualquer espécie, disponíveis e indisponíveis, direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente,

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apenas uma sujeição.” (Francisco Amaral, op. cit., p. 579) Ou, nas palavras de Almiro do Couto e Silva, “É bem sabido que a decadência atinge o direito subjetivo e que a prescrição diz respeito à pretensão”, sendo certo, no tocante à decadência, que

“Quem esteja no lado passivo fica, porém, sujeito ou exposto a que, pelo exercício do direito pela outra parte, nasça, se modifique ou se extinga direito, conforme o direito formativo seja gerador, modificativo ou extintivo. No que concerne especificamente ao direito formativo à invalidação de ato jurídico não é diferente. A Administração Pública, quando lhe cabe esse direito relativamente aos seus atos administrativos, não tem qualquer pretensão quanto ao destinatário daqueles atos.” (RDA, v. 237, p. 291-292)

Frise-se que só há decadência se a Administração Pública permanecer inerte, no prazo legal, quanto ao exercício do direito potestativo. Se, durante determinado lapso temporal, toma medidas no sentido de realizar o controle de juridicidade, não há que se falar em decadência. Esta apenas ocorrerá diante da ausência de providências administrativas no sentido de exercer a autotutela. Fixada a inércia como pressuposto indispensável à perda do direito potestativo e a própria natureza decadencial do prazo para que a Administração controle a juridicidade dos seus atos, bem como a necessidade de uma norma legal fixar o referido lapso de tempo, mediante o exame da legislação em vigor, cumpre observar que até o fim do século passado não existiam normas do ordenamento brasileiro que estabelecessem um período para o exercício da função de controle. A isto se acresce o fato de, segundo parte da doutrina e da jurisprudência, a inconstitucionalidade sequer ser compreendida como vício capaz de ser sanado após decurso de prazo decadencial. Certo é que a competência para legislar sobre decadência define-se segundo a competência para legislar sobre o direito que, não exercido no prazo fixado, se extinguirá. Assim, a competência para estabelecer prazos decadenciais relativos ao exercício do poder de autotutela administrativa é reconhecida a todos os entes da federação. O direito em questão – controle de juridicidade pela Administração – que se extinguirá após o transcurso do prazo decadencial, deve ter a sua regulação editada por cada pessoa jurídica de direito público interno em razão da autonomia política e administrativa que lhes reconhece a Constituição

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(artigos 1º, 18, 25, 30). Assim, cabe à União veicular na Lei Federal nº 9.854 o prazo de decadência para revisão dos atos administrativos, devendo os Estados editarem sua própria legislação a respeito, o mesmo ocorrendo com o Distrito Federal e os Municípios. Se cada uma dessas pessoas políticas pode legislar sobre a matéria, todas podem, nas respectivas esferas, ditar os prazos para o exercício unilateral desta atribuição. Vale dizer: União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem editar regras legais que determinem os prazos de decadência para o exercício da autotutela pela Administração Pública. No âmbito do Estado de Minas Gerais, somente com a Lei Estadual nº 14.184, de 31.01.2002, estabeleceu-se prazo para o exercício da autotutela administrativa em se tratando de atos com vícios insanáveis:

“Art. 65. O dever da administração de anular ato de que decorram efeitos favoráveis para o destinatário decai em cinco anos contados da data em que foi praticado, salvo comprovada má-fé.”

Observe-se a não incidência das disposições constantes na Lei de Processo Administrativo da União, de 29.01.1999, em relação aos Estados Membros. Diz Almiro Couto e Silva que

“A União, além disso, não tem competência constitucional para legislar sobre processo administrativo das demais entidades que integram a Federação. É óbvio, pois, que o prazo decadencial, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, não se estende aos Estados e Municípios, bem como às pessoas jurídicas que compõem as respectivas Administrações Indiretas.” (RDA, v. 237, p. 311)

Antes que o Estado editasse regra sobre decadência do direito a anular os respectivos atos administrativos viciados de ilegalidade, não havia prazo que limitasse o exercício do referido dever, sendo certo que prazo decadencial nessa seara só poderia estar disposto em lei do próprio ente político. Como bem observa Sérgio Ferraz (RDA, v. 231, p. 65), decadência administrativa é questão de direito administrativo, podendo, destarte, ser alvo de regramento federal, estadual, municipal ou distrital. Assim, não só a lei estadual que trata da matéria não padece do vício de inconstitucionalidade como a sua ausência impede falar-se em prazo de decadência.

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A Corte Especial do STJ assentou o entendimento de que até o advento da Lei Federal nº 9.784, à Administração era lícito exercer a autotutela administrativa a qualquer momento, com fulcro nas Súmulas 346 e 473 do STF:

“ADMINISTRATIVO – ATO ADMINISTRATIVO: REVOGAÇÃO – DECADÊNCIA – LEI 9.784/99 – VANTAGEM FUNCIONAL – DIREITO ADQUIRIDO – DEVOLUÇÃO DE VALORES. Até o advento da Lei 9.784/99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473/STF. A Lei 9.784/99, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos (art. 54). A vigência do dispositivo, dentro da lógica interpretativa, tem início a partir da publicação da lei, não sendo possível retroagir a norma para limitar a Administração em relação ao passado.” (MS nº 9.112-DF, rel. Min. Eliana Calmon, Corte Especial do STJ, DJU de 14.11.05, p. 174)

Ademais, não se pode ignorar que é vedada a aplicação retroativa do artigo 65 da Lei Estadual nº 14.184, de 31.01.2002. Ao comentar regra de idêntico teor no âmbito federal (artigo 54 da Lei nº 9.784/99), o doutrinador Almiro Couto e Silva aduz que tal norma tem vocação prospectiva, isto é, sua aplicação visa o futuro e não o passado. O prazo de cinco anos fixado naquele preceito tem seu termo inicial na data em que a lei começou a viger, até porque a atribuição de eficácia retroativa à norma legal instituidora do prazo de decadência muito possivelmente atingiria situações protegidas pela garantia constitucional dos direitos adquiridos. (RDA, v. 237, p. 309) O mesmo raciocínio tem sido feito relativamente à Lei Federal nº 10.839 que fixou prazo de decadência de 10 (dez) anos em relação à Previdência Social, sendo manifesta a pertinência de tais ponderações relativamente à Lei Mineira nº 14.184/02. O STJ, em inúmeras oportunidades, tem decidido nesse sentido:

“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. LEI 9.784/99. PRAZO. 5 ANOS. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. Conforme o art. 54 da Lei 9.784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que

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decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Entretanto, não há como atribuir-lhe incidência retroativa, de modo a impor, para os atos praticados antes da sua entrada em vigor, o prazo qüinqüenal com termo inicial na data do ato. Recurso provido” (REsp nº 512.548-RS, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma do STJ, DJU de 07.11.05, p. 333) “RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEI Nº 10.839/04. INCIDÊNCIA RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. "O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé." (artigo 103-A da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 10.839/04). 2. A Lei nº 10.839/04 não tem incidência retroativa, de modo a impor, para os atos praticados antes da sua entrada em vigor, prazo decadencial com termo inicial na data do ato.” (RESp nº 540.904-RS, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma do STJ, DJU de 01.07.2005, p. 654) “O prazo decadencial de cinco anos para a Administração anular seus próprios atos (art. 54 da Lei 9.784/99) não se aplica aos casos de comprovada a má-fé. O dispositivo, ademais, não pode ser aplicado retroativamente.” (REsp nº 603.135-PE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma do STJ, DJU de 21.06.2004, p. 175) “RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS COM VENCIMENTOS. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. LEI 9784/99. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI. MÁ-FÉ DA AUTORA. DECADÊNCIA AFASTADA. Nos termos do entendimento firmado por esta eg. Corte de Justiça nos autos dos Mandados de Segurança nºs 9112/DF, 9115/DF e 9157/DF, restou definido que a Lei 9784/99 tem

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como termo a quo, para os atos que lhe são anteriores, a data de sua publicação - 01/02/99, e não a data do ato atacado. Decadência afastada na hipótese. Impende ainda considerar que o aresto recorrido entendeu ter agido a autora de má-fé em não comunicar ao órgão pagador o fato extintivo da pensão especial. Recurso desprovido.” (REsp nº 611.551-CE, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma do STJ, DJU de 01.07.2005, p. 599)

Aplicando-se tais raciocínios à hipótese em comento, tem-se que, instituído, pela Lei Estadual nº 14.184, de 31 de janeiro de 2002, o prazo decadencial de cinco anos para a administração mineira anular seus atos ilegais, de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, não se há considerá-lo fluente em período anterior ao de vigência do diploma legal que o estabeleceu. Por conseguinte, o direito do Estado de Minas Gerais invalidar atos administrativos ilegais ocorreu em 01.02.2007, cinco anos após o início da vigência do diploma em comento, ocorrido em 01.02.2002 com a publicação da lei no Minas Gerais. Reitere-se, mais uma vez, que essa perda só ocorreu naquelas circunstâncias em que a Administração não tomou quaisquer providências no sentido de exercer a autotutela. Se não ocorreu inércia, mas, ao contrário, foram tomadas medidas no sentido de apurar o vício para, ao final, declarar a ilegalidade, inadmissível falar-se em decadência. Conforme jurisprudência hodierna:

“II - A jurisprudência do Colendo STF, na linha da orientação de Antônio Luís da Câmara Leal (in Da Prescrição e da Decadência, 3ª ed., págs. 90/91), consagrou o entendimento de que a lei que encurta o prazo de prescrição aplica-se às situações em curso, contando-se, porém, o novo prazo, do dia em que essa mesma lei começou a vigorar, a menos que inferior o prazo restante da lei antiga, hipótese em que continua a reger a contagem da prescrição. Admitindo-se que tal regra de direito intertemporal também seja válida para a decadência, o termo inicial do prazo de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784, de 29/01/99, publicada em 01/02/99, coincidiria com o início de sua vigência, em 01/02/99 (art. 70), operando-se em 01/02/2004, já que, anteriormente à Lei nº 9.784/99,

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inexistia tal prazo de decadência.” (Apel. em MS 2001.39.00.011043-3-PA, rel. Des. Fed. Assusete Magalhães, 2ª Turma do TRF 1ª Região, DJU de 30.03.2004, p. 11)

Se se discute a possibilidade de convalidação pelo tempo de situações anteriores ao início da vigência da Lei Estadual nº 14.184/02, decorrentes de atos que tenham afirmado a viabilidade do acúmulo tríplice, certo é somente se extinguiu em 01.02.07 o direito de a Administração Pública afirmar a inconstitucionalidade originária do recebimento de três proventos e/ou remunerações se evidenciada a ausência de qualquer medida no sentido de apurar o vício. Se tomada providência como instauração de procedimento administrativo ou outro ato voltado à apuração do ilícito, com trâmite junto à apuração de Comissão de Acumulação de Cargos e Funções, bem como perante outros órgãos da Administração Estadual, não ocorreu inércia e, assim, não há decadência. Esta apenas ocorre se o Poder Público permanece inerte no exercício da autotutela, mediante o comportamento procedimental que lhe cabe, em razão da ampla defesa e contraditório. Não é possível fazer prevalecer a segurança jurídica como um postulado absoluto na atual realidade administrativa. Com efeito, não se ignora que o estabelecimento de prazos para as ações administrativas, recente tendência do Direito Administrativo moderno, tem raízes profundas no princípio da segurança jurídica. Referido princípio tem por objetivo assegurar a estabilidade mínima nas relações jurídicas, principalmente em se tratando do exercício da autotutela administrativa da qual resulta mutação da realidade em face de terceiros. Identifica-se, na significativa preocupação doutrinária e jurisprudencial com a segurança jurídica, uma reação acirrada a um período histórico em que reinou a supremacia do interesse público como valor absoluto e por vezes até mesmo deturpado diante de realidades específicas. Não é raro que, após determinado período em que prevaleceu uma concepção em determinado sentido, surja entendimento em sentido oposto. Trata-se do chamado movimento pendular presente ao longo da evolução humana e, à obviedade, dos ordenamentos jurídicos. Contudo, é absolutamente imprescindível que, no presente momento, os Tribunais e os doutrinadores não façam predominar, de modo absoluto, apriorístico e sem considerar as circunstâncias concretas, princípios como o da segurança jurídica como instrumentos aptos a afastarem, genericamente, a observância de outros, como a supremacia do interesse público

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e o princípio da legalidade. Se é verdade que os princípios da supremacia e da legalidade estrita foram utilizados indevidamente por regimes ditatoriais como fundamento de comportamentos abusivos, tal deformação não pode resultar na simplista negativa teórica da sua validade. É tão danoso deformar a concepção teórica da legalidade quanto o é afastar a possibilidade de tal princípio servir de fundamento a comportamentos administrativos realizados à luz de uma análise integrada do sistema jurídico. Nesse sentido, não se pode recusar reconhecer existência à supremacia do interesse público ou à legalidade ao simples argumento de que é também norma principiológica vinculante da Administração a segurança jurídica, principalmente quando se trata de determinar prazos dentro dos quais pode um vício de inconstitucionalidade ser reconhecido pelo Estado. Trata-se de elementos integrantes de um sistema cuja validade deve ser assegurada, de modo integrado, como condição de sobrevivência do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, os princípios são todos manifestação do Estado Democrático de Direito, tendo o mesmo valor e hierarquia. O prevalecimento de um deles em uma dada situação deve levar em conta a realidade sobre a qual incide e um exame teórico em que sejam contrabalançados os valores jurídicos em questão. Tal atividade jamais pode importar prevalência absoluta, geral e “a priori” de um princípio, nem mesmo negativa genérica dos demais. Com efeito, é necessário atentar para a circunstância de que, embora os princípios constitucionais sejam todos igualmente válidos, nem todos poderão ser aplicados simultaneamente em cada realidade administrativa. É necessário que se atente para as especificidades do caso concreto, bem como para a extensão conceitual de cada uma das normas principiológicas incidentes na espécie. Em se tratando de prazo decadencial vinculante da Administração Pública para o exercício da autotutela administrativa no tocante a atos com vício de inconstitucionalidade, é necessário ponderar a segurança jurídica em face da supremacia do interesse público e da juridicidade, afastando-se a aplicação retroativa de diploma legislativo mineiro de 2002 e observando a necessidade de inércia contínua da Administração como pressuposto da decadência. Não se ignora, de modo irresponsável, a significativa repercussão do referido entendimento na relação jurídico-funcional dos servidores estaduais. Contudo, ponderando a segurança jurídica em face da supremacia do interesse de toda a sociedade de ver prevalecer a Constituição, bem como da moralidade

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nos vínculos estabelecidos com o Estado, não se vislumbra fundamento suficiente para entender findo o prazo dentro do qual o Poder Público pode exercer a autotutela administrativa e afirmar a inconstitucionalidade do acúmulo tríplice de cargos, empregos e funções, se em trâmite procedimentos destinados ao referido controle.

Conclusão Pelas razões expostas, opino pela inconstitucionalidade o acúmulo tríplice de cargos, em face das regras do artigo 37, XVI e § 10º da CR, cabendo à Administração outorgar, após o trânsito da decisão administrativa final, direito de opção aos servidores interessados, ausente decadência do direito potestativo de controlar a legalidade na espécie. Impõe-se respeitar a coisa julgada administrativa resultante dos procedimentos contenciosos ao final dos quais o Estado já tenha afirmado a viabilidade do acúmulo, se incabível qualquer reavaliação da matéria, inclusive por autoridade superior, porquanto definitiva a decisão administrativa. Nos demais casos, impõe-se o controle de juridicidade das situações inconstitucionais de tríplice cumulação. Se a Administração permaneceu inerte de forma contínua, sem tomar qualquer medida no sentido de apurar o vício do acúmulo ilegal nos últimos cinco anos, cumpre observar o prazo decadencial previsto no art. 65 Lei Estadual nº 14.184/02, o qual se expirou 31.01.2007. Se a Administração tomou providências no sentido de exercer a autotutela cabível, não há que se falar em inércia no exercício do direito potestativo, afastada a possibilidade de reconhecer decadência na espécie. É como penso, sub censura. Belo Horizonte, 08 de agosto de 2007. Raquel Melo Urbano de Carvalho Procuradora do Estado MASP 598.213-7 OAB/MG 63.612