Relatório Ourivesaria

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    Parte do famigerado relatrio sobre a coleco de antiguidades egpciasdo BPN

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    Coleces Varia e Mscaras

    Ourivesaria antiga na Pennsula Ibrica

    Consideraes preliminares acerca da produo do artefaco de ourivesaria e da

    nomenclatura utilizada.

    Do ponto de vista do contexto geolgico-mineiro de recolha e aquisio de matriaprima para a obra de ourivesaria, universalmente aceite classificar as jazidas do metalem trs grupos elementares, que condicionam os procedimentos envolvidos na suarecolha e aquisio, a sua preparao prvia para o trabalho de ourivesaria, a suaapresentao material incluindo o grau de pureza ou de incorporao de aleaes.

    Designamos como jazidas primrias aquelas em que o ouro se encontra no estadoprimitivo de incorporao geolgica em massas rochosas sedimentares oumetamrficas, em microscpicas intruses, impossveis de extrair a no ser porfragmentao da rocha madre, e dela atravs de fuso com o contributo de um redutor,ou desoxidante, que permita a separao do metal da sua ganga. O processo deextraco do ouro de jazidas primrias constitui um procedimento tecnolgicocomplexo, que tem como consequncia a obteno de um metal com um certo grau dealeao. Por um lado provocada pela amlgama do redutor utilizado para a separao,durante o processo de extraco da ganga, de outros metais ou xidos contguos ou

    intrusos. Por outro lado porque a mera fuso altera a coeso atmica do metal,retirando-lhe ductilidade e maleabilidade, tornando-o duro e quebradio, necessitandopor isso de aleao que lhe restitua a ductilidade. O metal mais remotamente utilizadopara alear o ouro, conferindo-lhe maior maleabilidade e ductilidade e reduzindo o graude fuso, foi o cobre. Posteriormente tambm o estanho. A extraco em jazidas

    primrias no deve ter sido corrente na Pennsula Ibrica antes da presena consistenteromana, ainda que seja admissvel que os fencios ou cartagineses tenham promovidoalgumas mineraes pontuais. Por este processo dificilmente se consegue obter ummetal que exceda os 21 quilates, considerando-se o ouro puro de 24 quilates. O ouro delei, genericamente, de 18 quilates. Explicitando, o quilate corresponde subdiviso daunidade em vinte e quatro avos e, assim sendo, o ouro de lei conteria trs quartos de

    ouro contra um quarto de metais ou minerais algenos.

    Designamos comojazidas secundrias ou de segundo estrato aquelas em que o ouro seapresenta num estado intermdio de incorporao geolgica, aprisionado ainda na suaganga, em calhaus rolados por fragmentao das massas rochosas originais, depositadosem cascalheiras aluviais. Os procedimentos de extraco do metal das massasdesfragmentadas em que encontra se incorporado no fundamental idntico ao descritona rubrica anterior. A extraco neste contexto foi muito corrente nas baciashidrogrficas dos rios peninsulares, no se conseguindo apurar todavia os seus

    parmetros cronolgicos. A prospeco e o levantamento levado a cabo durante asltimas dcadas tem todavia contribudo para a localizao de inmeros estaleiros de

    recolha e tratamento de cascalheiras, geralmente designadas como conheiras, sobretudona bacia hidrogrfica dos rios Tejo e Zzere. As mais impressionantes pelas suas

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    dimenses situam-se ma zona de Vila Velha de Rodo, mas tambm de Vila de Rei e deMao.O grau de pureza mximo alcanvel pelo metal adquirido atravs deste processo seriasimilar ao da rubrica anterior.At ao presente no se conseguiu estabelecer para a minerao nestas jazidas uma

    cronologia consensual, mas tem-se como dado adquirido que pouco deve anteceder oestabelecimento romano, no mximo a Segunda Idade do Ferro.

    Designamos como jazidas tercirias ou aluviais em sentido restrito aquelas em que oouro se apresenta em ndulos macroscpicos, pepitas, resultado de um complexo econtinuado processo de dissoluo atravs da eroso hidrulica das massas rochosasoriginrias, atravs do qual o metal se dissolve e consecutivamente de precipita eaglutina, separando-se, em conseqncia da sua elevada densidade, dos restantesminerais arrastados pelas correntes hdricas e depositando-se nos estratos inferiores, ouem estratos de corte definido, dos leitos dos cursos fluviais. A recolha deste ourodecorre de dois tipos de procedimento. Ou por simples bateio ou lavagem de areias

    depositadas nas margens em fases de refluxo das corrente fluviais, ou atravs deminerao, abrindo galerias atravs de um estrato de depsitos aluviais, para recolher asareias para posterior lavagem.Este ltimo procedimento est profusamente documentado no curso do Tejo, regio deAbrantes e Alvega, e no curso dos depsitos mais antigos do Alva, sobretudo emArganil, onde se reconheceram alguns milhares de metros de troos de galerias. A estetipo de minerao tambm consensualmente atribuda cronologia tardia, remissa parao estabelecimento romano.As pepitas so constitudas por ouro praticamente puro, cerca de 24 quilates, que podeser trabalhado directamente por simples laminao atravs martelagem em forja, semexigir prvia fuso ou aleao. Atravs da martelagem e de uma sequncia derecozimentos em forja e posteriores arrefecimentos rpidos por mergulho em gua, que

    provocam sucessivos processos de dissociao e reestruturao atmica dos ncleosconstituintes do metal, pode-se proceder aglutinao de um nmero indeterminado de

    pepitas, produzindo massas, lingotes, ou lminas de razovel dimenso.

    Como fica bem explcito em Armbruster, Brbara e Parreira, Rui, 1993, a eficcia dosprocessos tecnolgicos de anlise, mesmo os metalogrficos e metalomtricos, tmalcance muito limitado. Por essa razo, o Inventrio das coleces do MNALV nocomporta, em caso algum, resultados de anlises metalogrficas ou metalomtricas, peloque lcito deduzir que se conferiu particular relevncia capacidade de observao

    directa dos artefactos por parte dos seus autores, fundamentada na sua experinciaemprica. E, todavia, poderamos ainda contestar alguns dados dessa observao, comonos casos das referncias 60 a 63, entre outros. Entraramos no domnio de apreciaescom um elevado grau de subjectividade aparente, mas que, todavia, uma anlise emconfrontao poderia conduzir a resultados mais ou menos aferidos a padres deconsensualidade. bvio todavia que os artefactos referenciados com os nmeros 64 e65 do referido Inventrio e outros no foram realizados pela tcnica de fundio emmolde de cera perdida. A bracelete correspondente referncia 65 obviamenteconstituda pela acoplagem de duas lminas, uma exterior canelada e outra interior

    planaImporta concluir do que ficou atrs enunciado que, no estado actual de investigao e

    no horizonte dos recursos tecnolgicos disponveis, fundamentalmente a experinciade observao e os dados da manipulao comparativa que proporcionam ao

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    investigador e ao estudioso distinguir a procedncia mineira, as operaes de extracoe manipulao e os procedimentos de laborao oficinal de um artefacto de ourivesaria.

    No quadro de uma formulao sinttica, poderemos partir do pressuposto de que umobservador experimentado pode deduzir a procedncia de aquisio de matria prima, asoperaes investidas na sua preparao e manipulao prvia e os procedimentos de

    laborao oficinal do artefacto, bem como o grau de pureza ou de aleao do metal,apelando a dados empricos de observao e a elementares testes de comportamento ereaco mecnica.Explicitando:Um artefacto produzido a partir de ouro aluvial em estado praticamente puro, nosujeito a fuso prvia, simplesmente sujeito a uma laborao em forja, atravs decozimentos e arrefecimentos sucessivos, deve apresentar uma colorao e uma texturacaractersticas, um amarelo intenso, sem evidentes desvios para a palidez ou para oacobreado ou avermelhado, e uma elevada docilidade aco mecnica, podendo serdobrado ou torcido sem qualquer indcio de fractura. Com um metal que obedea a estesrequisitos pode-se produzir uma lmina de relevante espessura, ultrapassando por vezes

    o milmetro, que se comporta, sujeito aco mecnica, com uma elevada docilidade,tolerando por isso o trabalho de repuxado por mera martelagem a frio.Se o ouro tiver a mesma procedncia de aquisio e apresentar o mesmo grau de pureza,mas tiver sido sujeito a fuso prvia sem qualquer aleao, apresentar as mesmascaractersticas de colorao, mas perder sensivelmente a sua ductilidade, podendosujeitar-se a fracturas quando submisso a uma aco mecnica intensa. o caso dosartefactos com a referncia 21 a 23, 44 e 45 do Inventrio referido, se nos reportarmosaos critrios de anlise dos seus autores, ouro martelado a partir de lingote fundido.Se o ouro provier de jazidas primrias ou secundrias, ou se por razes de procedimentooficinal tiver sido sujeito a relevante aleao com cobre, apresentar uma coloraoavermelhada caracterstica, imediatamente identificvel por observador experimentado.Para alm disso, s poder apresentar a ductilidade que caracteriza o ouro puro se,atravs de um exaustivo trabalho de laminao por martelagem em forja, for reduzido auma espessura que pode atingir menos de uma centsima do milmetro. A aleao comcobre aumenta todavia a sua ductilidade. Foi com este tipo de metal intensamentealeado que no Mediterrneo Oriental e entre os etruscos foi possvel atingir a requintadatecnologia do filigrana patente no revestimento de diadema referenciado com o nmero14 da coleco Varia, bem como a tecnologia de aplicao de granulado patente noclice referenciado com o nmero 15 da mesma coleco.Tornaram-se ultimamente relativamente correntes no Sudoeste peninsular, sobretudo emcontexto de intensa implantao celta, os achados ocasionais de artefactos que indiciam

    uma intensa aleao com estanho ou com prata. Apresentam uma colorao amareloplido caracterstica, uma textura muito quebradia, denunciando baixa ductilidade.Constituem um universo ideogrfico bastante coerente, que remete para uma fonte e umuniverso tecnolgico bem definido. Trata-se sobretudo de ornamentos peitorais,diademas e braceletes, ornamentados geralmente com temas zoomrficos, trabalhos arepuxado sobre lmina de espessura intermdia muito resistente aco mecnica.Forada, quebra ou rompe.

    Tendo em conta estas consideraes, passaremos a utilizar a seguinte nomenclatura:

    A: Quanto procedncia e trabalhos preparatrios de aquisio da matria prima:

    1. Ouro forjado a partir de amlgama directa de pepitas de recolha aluvial.

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    2. Ouro forjado a partir de lingote produzido por fuso de pepitas de recolhaaluvial.

    3. Ouro fundido a partir de lingote produzido por fuso de pepitas de recolhaaluvial.

    4. Ouro fundido em lingotes obtidos por extraco em jazidas primrias ou

    secundrias. Apresentando, neste caso, vrios graus de aleao, correspondentesquer ao processo de extraco mineira, quer preparao para a especificidadedos procedimentos oficinais.

    B. Quanto s operaes de laborao oficinal:1. Lmina realizada em forja, recortada e repuxada por martelagem a frio sobre

    matriz.2. Arame realizado em forja.3. Vara realizada em forja. De seco circular, triangular, etc..4. Acoplao atravs de solda de vrios elementos.5. Fuso em molde.

    6. Cinzelado.7. Filigrana.8. Granulado.9. Trabalho a repuxado ou puno sobre lmina obtida por laborao em forja de

    ouro previamente fundido e extrado atravs de fuso em jazidas primrias.

    Importa desde j notar que a obra de filigrana ou de granulado tecnologicamenteaquela que exige a laborao com uma matria prima mais aleada. A produo dogranulado de exmia qualidade, como o que ornamenta a taa V15, exige a laboraocom um ouro significativamente aleado com cobre, sucessivamente levado ao rubro emforja e soprado. de resto o contraste entre as mltiplas tonalidades dos diversoscomponentes de uma obra de filigrana, conforme o grau de aleao exigido para aconfeco de cada um deles, que lhe confere a beleza que captiva o apreciador. Talcontraste est bem patente na taa referida.

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    Critrios e procedimentos de anlise e observao

    Os artefactos em epgrafe foram observados em referncia aos seguintes procedimentose critrios:

    1. Observao directa, macro e microscpica.2. Observao confrontada.3. Ponderao do universo ideogrfico, quer da morfologia quer da ornamentao.

    Sua contextualizao cronolgica e cultural.

    1. Da observao directa, macro e microscpica, extraram-se inequvocos indcios de

    eroso evidenciando uso e exposio a relevantes factores de eroso mecnica,inclusivamente abraso de terras e sedimentos que provocaram evidentes traumatismosda superfcie de acabamento e exposio. Revelaram-se ainda indcios inequvocos dedesgaste em todos os dispositivos de acoplagem, mvel ou imvel, de componentes.Os procedimentos de trabalho oficinal utilizadas na confeco de todos os artefactoscontantes da coleco Mscaras e dos referidos com os nmeros V1 a V4, V6 a V9,V12 e a coroa V13 incorporados na coleco Varia, nomeadamente no que respeita aos

    processos mecnicos de reproduo de matrizes por martelagem, revelam claramente aausncia de instrumental contundente, pondo em destaque a utilizao de proteces deamaciamento entre a matriz e o percutor e, eventualmente, entre este e o artefacto.Explicitando, o trabalho a frio revela que se utilizou instrumental intermdio (cinzel,

    ponteiro, puno ou escopo) em madeira ou osso entre a lmina metlica e o malho oupercutor. De igual modo, a matriz seria talhada em materiais brandos, ou estavaprotegida por pelica ou tecido. Deduziu-se ainda que todos estes foram laborados sobreouro aluvial puro, entre 23 e 24 quilates, sem fuso, sobre lmina forjada. Esta avaliaorefere-se ainda aos artefactos com as referncias V10 e V11 que incorporam troos dearame forjado e ao que leva a referncia V5 que foi laborado sobre vara forjada.Das operaes de confeco destes artefactos est ausente qualquer operao de fuso,

    bem como de solda para acoplagem dos componentes, sempre realizada atravs dedispositivos mecnicos, incluindo costuras, enrolamentos, dobragens em sobreposio(V1 a V4) ou tores.

    Podemos ainda aplicar a deduo destes procedimentos oficinais ao revestimento queornamenta o queimador ou incensrio em bronze com a referncia V22, que parecerealizado com fragmentos de adornos similares a V6, V7 e V8.Ao horizonte da tradio da ourivesaria peninsular, contemplando trabalhos em forjasobre lmina ou arame obtidos por amlgama directa de pepitas, devem-se atribuir aindaas referncias V16, V17 e V18, tanto nos componentes em ouro como em prata.Referidos nomenclatura proposta, classificaramos todos os artefactos incorporados nacoleco Mscaras, bem como as referncias V1 a V4, V6 a V9 e V12 sob as rubricasA.1/B.1. A referncia V5 sob a rubrica A1/B.3. As referncias V10 e V11 comotcnicas mistas incorporando os requisitos estipulados para as rubricas A.1/B.1 e A.1/B.3. E a coroa da referncia V13 como tcnica mista incorporando critrios definidos

    para as rubricas A.1/B.2.

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    Como adiante, em aprofundamento, deixaremos conclusivamente determinado, oconjunto de artefactos at aqui analisados constituem um universo que s pode serremetido para uma procedncia territorial que no pode exceder a faixa atlntica daPennsula Ibrica, definindo a permanncia, at limites cronolgicos inaceitveis paraqualquer outro contexto cultural ou territorial, de uma tradio de aquisio, trfego e

    laborao sobre matria prima. Explicitando, os artefactos com as referncias V1 a V5no tm paralelos de similaridade fora do contexto da faixa atlntica peninsular, sendocerto que objectos similares a V1, V2, V3 e V4 aparecem correntemente representadosem reprodues votivas em clacrio, ou ornamentando idolografia antropomrfica nocontexto da cultura calcoltica das grutas escavadas na rocha dos esturios do Sado eTejo. Similares a V5 s se conhecem os exemplares do MNALV e o do Museu dosServios Geolgicos de Portugal, procedente de Sintra.Mas se remetermos os artefactos incorporados na coleco Mscaras ou o conjuntoconstituinte da referncia V12 para um contexto cronolgico que se pode estender entreo incio e o final da Primeira Idade do Ferro, entre 900 a 500 AC, estaramos perante asobrevivncia de uma tradio oficinal que no apresenta qualquer similaridade com

    qualquer outro territrio dentro do alcance da sociabilidade de trfego e de permutasestruturada pelo Mediterrneo, em que tanto a tecnologia de aquisio mineira e

    preparao da matria prima, como a do trabalho oficinal de ourivesaria tinhamevoludo j para as solues mais requintadas, implicando a fuso e aleao, como ofiligrana e o granulado. As referncias V10 e V11 no merecem para j maisconsideraes seno a de que esto consensualmente atribudas cultura Celtibrica dofinal da Primeira, incio da Segunda Idade do Ferro Peninsular.Merece ainda meno especial a coroa constante da referncia V13. Sendo incontestvelque composies como esta se tornaram correntes em todo o Mdio Oriente desde osfinais do Segundo Milnio AC, trabalhos oficinais de exmia delicadeza, na maior partedos casos em lmina de delicadssima espessura e apresentando vrias tonalidades, estacoroa distingue-se de qualquer outro exemplar pela total ausncia de acoplagens atravsde solda, pela espessura da lmina utilizada e pela estrutura do anel de montagem, nestecaso em vara macia forjada, nos restantes em vara tubular.A anlise incidente sobre as referncias V14 e V15 permite-nos concluir que estamosem presena de obras primas da mais requintada ourivesaria de cariz helenizante,incorporando elementos de filigrana e granulado, no caso de V14, ainda, ornamentaoa repuxado. No quadro da nossa proposta de nomenclatura, proporamos as rubricasA.4/B7, B8 para V15 e A.4/B7,B8,B9 para V14.Excluindo as referncias V20, trabalho Aquemnida em lmina tubular com aplicaes

    breves de filigrana e incrustaes de pedras semi-preciosas, e V19, trabalho grego em

    lmina de prata repuxada e cinzelada, os restantes objectos apresentam caractersticas detal modo cannicas relativamente sua atribuio cronlgica e cultural que nomerecem referncias especficas seno s aplicaes ornamentais em ouro que lhesforam aplicadas. Torna-se para j irrelevante uma anlise detalhada destes componentes,seno a verificao de que a sua aplicao indiscutivelmente coeva do seu uso, aindaque possa ser em alguns casos posterior sua confeco original.

    2. Os artefactos observados foram exaustivamente confrontados, em referncia a vriasperspectivas de anlise, com um conjunto muito vasto de outros artefactos, no sentidode assinalar tanto similaridades como diferenciaes. O autor deste relatrio teve afaculdade de poder manipular e observar detalhada e directamente um vasto conjunto de

    centenas artefactos de ourivesaria pr e proto-histrica, procedente de um vastouniverso de procedncias na rea mediterrnica em geral e continental europia,

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    integradas numa das mais importantes coleces privadas da Europa. Particularmenterica em documentos exemplares das vrias tradies que concorreram para aconfigurao do universo da ourivesaria peninsular, na referida coleco est tambmexaustivamente documentada toda a tradio da ourivesaria mesopotmica, persa, grega,estrusca e romana. A confrontao abarcou tambm, indirectamente, os diversos

    ncleos e objectos singulares de museus e coleces peninsulares. Os dados extradosda confrontao efectuada coloca inequivocamente em realce todas as consideraesenunciadas nas rubricas anteriores e seguintes.

    3. O universo ideogrfico evidente nas referncias V1 a V12, quer do ponto de vista damorfologia dos artefactos tendo em referncia o seu pressuposto uso, quer do ponto devista da composio e detalhes da ornamentao, conforme ao constatado numa vastagama de artefactos confrontados, quer na rea da ourivesaria, quer na do trabalho sobreoutros metais e materiais, que permitem concluir a sua procedncia. So de assinalar ostemas de linha quebrada, os pontilhados ou perlados, as rosceas, os temas trlices etetrlices, as espirais, as hastes radiais espiraladas, realizadas por repuxado atravs de

    martelagem a frio sobre matrizes. O conjunto referenciado com o nmero V12 registauma iconografia at agora indita, mas registada em outras peas integradas numaimportante coleco privada que o autor deste relatrio estuda aprofundadamente.Associa-se ainda ao conjunto de mscaras rituais ou funerrias incorporadas na coleco

    Mscaras.Os artefactos V1 a V4 tm paralelo similar na referncia de Inventrio O-503 do Museu

    Nacional de Arqueologia. O artefacto V5 apresenta similaridade com a referncia O-163do mesmo Inventrio, embora a ornamentao da cabea apresente em V5 composio

    particularmente elaborada, que o associa aos exemplares em osso tpicos dos depsitosfunerrios calcolticos das grutas escavadas na rocha do esturio do Tejo.Os artefactos V10 e V11 obedecem, na sua configurao genrica, aos cnones daourivesaria de cariz cltica ou celtibrica dos fins da Primeira ou incios da SegundaIdade do Ferro Peninsular, com mltiplos similares, caracterizados pelos enrolamentosde arame em espiral, ao longo dos cusos do Douro e Tejo e com prottipos em bronze,quer em fbulas, quer em colares e braceletes.Os artefactos V6 a V9 no apresentavam at h cerca de cinco anos paralelos referidosna arqueologia, embora se conhecessem vrias aplicaes discoidais ou quadrangularesque se assumem agora como componentes de adornos desta tipologia. sobre estesornamentos peitorias de suspenso que se identificam as primeiras representaestetrlices ou trlices, ou composies de hastes com terminais em espiral irradiando deumbo central, que caracterizam um universo ainda quase indito na ourivesaria do

    Sudoeste peninsular, em que se integram os artefactos incorporados na colecoMscaras e os agrupados na referncia V12.H cerca de cinco anos comearam a ser revelados vrios ncleos de achados ocasionaisem posse de privados desde a dcada de 1960/1970. Todos procedem aparentemente deuma faixa territorial que se estende entre Alccer do Sal e Mrtola, passando porSantiago de Cacm, Ourique e Castro Verde. Como temas genricos de ornamentao,apresentam-se trlices e tetrlices, rosceas e umbos com caneluras circuncntricas,associados aos temas persistentes em toda a ourivesaria atlntica peninsular desde oCalcoltico Final e a Idade do Bronze, linhas quebradas, perlados, pontilhados,tringulos encaixados, etc. A esta ornamentao de composio, associam-se aindarepresentaes antropomrficas de rostos masculinos e femininos, exuberantemente

    ornamentados com coroas, diademas, colares e outros adereos. Constituem um

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    universo singular, no apenas na arqueologia peninsular, mas mundial, quedenominamos provisoriamente, como o universo das mscaras.H que realar que, embora o tema das mscaras possa aparecer apenas como umcomponente ornamental num artefacto determinado, em braceletes, em diademas oucoroas (M1), em ornamentos peitorais de suspenso, conhecem-se at a agora cerca de

    duas dezenas de mscaras rituais, porventura funerrias, treze das quais foramincorporadas na colecoMscaras.Todos estes artefactos so confeccionados com bandas de lmina de ouro forjado cujaaltura varia entre os 80 e os 120 milmetros, acopladas em sucesso de registos verticaisatravs de costura em linha quebrada com fio de ouro.O autor deste relatrio procedeu ao registo, classificao e recolha museolgica de umavasta coleco recentemente adquirida por uma fundao privada e procede aoaprofundamento do seu estudo, em associao com outros ncleos como o que agora seapresenta.

    Numa primeira fase, a arqueologia institucional rejeitou a procedncia peninsular desteuniverso de artefactos, atribuindo-lhe as mais paradoxais origens, embora para tais

    atribuies no existisse fundamentao formulada na base de quaisquer similaridades.A atribuio aos territrios de expanso Assria, Persa ou Grega particularmenteincipiente, dado que, em qualquer destes contextos culturais as mais avanadastecnologias de recolha mineira e de laborao oficinal tinham atingido o auge nos finsdo Primeiro Milnio.Actualmente, alguns dos arquelogos portugueses mais credenciados tiveram queadmitir j a reformulao do problema, tendo-se associado ao autor deste relatrio paraelaborar um programa de abordagem em profundidade. Para tal foi decisivo o concursoda vinda a luz de cerca de uma dezena de artefactos integrando componentesepigrficas, quer em caracteres dos alfabetos hispnicos j conhecidos, quer numaverso reduzida do alfabeto corntio arcaico, utilizado para transcio de lnguasibricas do Sudoeste (exemplos em registos fotogrficos arquivados na pasta

    Documentos do disco compacto que acompanha este relatrio).Embora ainda em curso decisivos aprofundamentos dos problemas cronolgicos eculturais e de contextualizao histrico-arquelgica envolvidos, a sua procedncia doSudoeste peninsular hoje indiscutvel e a sua cronologia deve ser balizada entre oSculo X e IX, no mbito das primeiras incurses atravs das rotas do trfegometalrgico atlntico empreendidas pelos fencios a partir de Gades, ou Tartessos. todavia de notar a persistncia de temas associados cultura Cltica da Primeira Idadedo Ferro, tendo em conta que o territrio entre o Tejo e o Guadiana desde a primeirametade do Primeiro Milnio o domnio da implantao cltica por excelncia.

    Lisboa, 25 de Agosto de 2006

    Manuel de Castro Nunes

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    Bibliografia

    Armbruster, Brbara, e Parreira, Rui, 1992INVENTRIO DO MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA, Coleco deOurivesaria, 1 Volume,Do Calcoltico Idade do Bronze. MNALV, Lisboa.

    Perea Caveda, A., 1991Estdio microscopico y microanalitico de las soldaduras y otros procesos tcnicos en

    la orfebrera prehistorica del Sur de la Peninsula Iberica. In Trabajos de Arqueologa,47, Mdrid.

    Perea Caveda, A., 1991Lapparition de la mtallurgie de lor dans la moiti mridionale de la Pninsule

    Ibrique. In Dcouverte du Mtal, Actes du Colloque Organiz Muse des AntiquitsNationales, Picard, Paris.

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    Anexo

    Interpretao de resultados de anlises metalomtricas

    Introduo

    Pela primeira vez, na histria da arqueologia portuguesa e do estudo da ourivesaria Pre Proto-Histrica em Portugal, com o objectivo de submeter as consideraes atrsregistadas a aferio, procedeu-se anlise metalomtrica dos suportes de manufacturade um universo seleccionado de artefactos.As anlises em referncia foram efectuadas na Contrastaria de Lisboa, Casa da Moeda,incidindo sobre os artefactos V1, V5, V8, V11 e V14 da Coleco Varia e quatromscaras. Para efeitos de identificao, os registos fotogrficos que acompanhavamColeco Mscaras, apresentando-as em quatro grupos correspondentes a quatroregistos, 1, 2, 3 e 4, foram seccionados para fazer corresponder cada registo a umartefacto singular, apresentando-se agora com a numerao 1a, 1b, (...) 2a, 2b (...) esucessivamente. As mscaras sujeitas a anlise so ento M3c e M3d, femininas, e M4ae M4c, masculinas.Para as anlises foram utilizados os mtodos de Espectrometria de Fluorescncia deRaios X de Energias, EFRXDE, e de Determinao de Teor de Ouro por Micropelaosegundo PEN-LAL-04, ensaio de fogo destrutivo. Por dificuldade em encontrar massa

    para sujeitar ao ensaio destrutivo sem afectar a qualidade da apresentao do artefacto,furtaram-se a esta operao os artefactos V5, V8 e V14, considerando-se para o efeito omtodo EFRXDE habilitado a realizar os objectivos pr-determinados, uma vez

    confrontado com os ensaios destrutivos operados sobre os restantes artefactos. Osensaios foram supervisionados pela Chefe de Laboratrio Engenheira ArmandaPetrucci, realizados pelo Engenheiro Joaquim Ochoa e sob a responsabilidade doDirector da Contrastaria, Engenheiro Coelho Teixeira.Os resultados dos ensaios EFRXDE so apresentados em percentagem de aproximao,tendo em conta que a radiao tem uma profundidade de penetrao de cerca de ummilmetro. Os resultados so satisfatrios e conclusivos quando os ensaios so operadossobre lmina, no caso de objectos que apresentem uma maior espessura devem serconsiderados exames de superfcie. Nesse caso, s o seccionamento do objecto

    permitiria a incidncia da radiao no seu interior.Os resultados dos exames por Micropelao implicam o seccionamento e destacamento

    de uma determinada massa do metal que se sujeita a fuso em copelo, apresentando porisso resultados de rigorosa exactido, expresso em permilagem. Este processo permitedeterminar com rigor a natureza de todos os materiais algenos, sejam metais ouminerais. Torna-se todavia irrelevante determinar a natureza dos algenos quando osresultados se expressam em valores situados acima de 950, sendo de pressupor que ascinquenta milsimas de algenos constituam minerais ou cristais incrustados no

    processo do trabalho em forja. A determinao da natureza dos algenos s se tornariarelevante se, da sua proporo, se pudesse deduzir aleao do metal elucidando, quer o

    processo da sua aquisio, quer a metodologia de laborao oficinal.A este relatrio de interpretao, juntam-se cpias integrais dos resultados dos ensaioslaboratoriais.

    A correspondncia dos ensaios s referncias analisadas a seguinte:

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    1. M3d, mscara feminina, peso 89.7 gr., Ensaio 781/2006/LAL, EFRXDE, eEnsaio 800/2006/LAL, Microcopelo.

    2. M3c, mscara feminina, peso 88.6 gr., Ensaio 782/2006/LAL, EFRXDE, eEnsaio 799/2006/LAL, Microcopelao.

    3. V8, ornamento peitoral de suspenso, 92.9 gr., Ensaio 783/2006/LAL,

    EFRXDE. No se realizou ensaio de microcopelao por razes tcnicasrealizadas com a extraco da massa requerida, sem afectar a qualidade deapresentao do artefacto.

    4. V11, colar com ornamento suspenso em dupla espiral e lmina dicide,peso 174gr., Ensaio 784/2006/LAL, EFRXDE, e Ensaio 796/2006/LAL, Microcopelao.

    5. V1, ornamento peitoral de suspenso em forma de lnula, peso 56.6 gr., Ensaio785/2006/LAL, EFRXDE, e Ensaio 797/2006/LAL, Microcopelao.

    6. V14, revestimento de diadema com aplicaes de granulado e ornamentao arepuxado com temas mitolgicos, peso 42.1 gr., Ensaio /786/2006/LAL,EFRXDE. Pela mesma razo referida relativamente a V8, no se realizou ensaiode microcopelao.

    7. V5, alfinete de toucado em vara forjada, peso 23 gr., Ensaio 787/2006/LAL,EFRXDE. Pela mesma razo referida relativamente a V8 e V14, no se realizouensaio de microcopelao.

    8. M4c, mscara masculina constituda por quatro lminas costuradas, peso 104.4gr., Ensaio 788/2006/LAL, EFRXDE, Ensaio 795/2006/LAL, Microcopelao.

    9. M4a, mscara masculina constituda por sete lminas costuradas, peso 188.6 gr.,Ensaio 789/2006/LAL, EFRXDE, Ensaio 798/2006/LAL, Microcopeo.

    Interpretao

    No fundamental, os resultados das anlises em referncia, confirmam o que se ponderouno Relatrio de Observao apresentado em 25 de Agosto de 2006, na rubrica dedesenvolvimento Ourivesaria Antiga na Pennsula Ibrica.Dados inesperados apresentam-se nos resultados dos ensaios que incidiram sobre areferncia V14. O ensaio operado foi exclusivamente o de expectrometria, tendo-seobtido percentagens inesperadamente elevadas para um artefacto com as refernciascronolgico-culturais pressupostas, seja, cerca de 98% contra 100% dos artefactoslaborados em ouro exclusivamente forjado. De notar todavia que esta percentagemdesce 1% sempre que incide sobre componentes ornamentais acoplados contendogranulado, nomeadamente as rosceas. Deve pois deduzir-se que se trata de obra de

    ourivesaria de elevadssima qualidade, tendo em vista os procedimentos oficinaisrequeridos, denunciando qualificadssima origem.Uma nota especial merecem tambm os resultados dos ensaios incidentes sobre oartefacto V5, no que respeita rubrica Observaes. O artefacto procede

    presumidamente da regio de Alcalar. Foi sujeito a ensaio de expectometria defluorescncia em diversos pontos, apresentando sempre resultados de 100% decomposio aurfera. Apresenta contudo ao longo da vara algumas fissuras, resultantesde trabalho de amalgamao em forja ainda incipiente, dado tratar-se do artefactocronologicamente mais remoto desta coleco, fim do Calcoltico ou incio da Idade doBronze. Este tipo de deficincias no trbalho oficinal de amlgama de resto tambmsempre patente nos artefactos cannicos associados tradicionalmente aos primrdios da

    metalurgia o ouro no Sudoeste peninsular, como sejam as espirais de terminaisespatuladas ou as arrecadas tipo Ermegeira, prottipos em Inventrio do MNALV ns

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    72, 73 e 88, cujas superfcies de acabamento apresentam tambm evidentes fissuras,provocadas pela sobreposio de rebarbas no processo de amlgama por martelagem emforja.

    Nestas breves fissuras acumularam-se, como bvio, al longo de milhares de anos,depsitos sedimentares de diversificada natureza. Por norma, de natureza mineral,

    podendo contudo conter alguns xidos metlicos, dependendo da natureza geolgica dajazida. Os terrenos da regio de procedncia deste artefacto esto assinalados, do pontode vista de constituio geolgica, como os limites da mancha proveniente de depsitosdevnicos e prmicos que cobrem quase todo o Baixo Alentejo at orla litoralalgarvia, ricos em alguns metais, sobretudo ferro e cobre, mangans no Sudoestealentejano e Noroeste algarvio.De acordo com a observao referida, o artefacto apresenta, nas fissuras, depsitos desedimentos de cor acinzentada, detectando-se a presena de ferro. Para sermosrigorosos, da prpria colorao assinalada, deduzir-se-ia mais a presena de mangansdo que de ferro, cuja classificao peridica de resto contgua, 25 e 26. A distinoexigiria todavia uma rigorosa calibragem.

    Deve todavia considerar-se este dado absolutamente irrelevante no que respeita avaliao metalomtrica da matria prima do artefacto, pois apenas registado emfissuras e, de resto, observvel directamente macro e microscopicamente, mas relevantedo ponto de vista da caracterizao geolgica do local de provenincia, admitindocontudo um largo expectro de hipteses.Em referncia ainda ao que j assinalramos anteriormente, no que respeita aos objectosanalisados excluindo V14, todos produzidos a partir de ouro puro aluvial amalgamadoem forja, as duas milsimas mximas de algenos assinaladas nos ensaios demicrocopelao, no toleram qualquer tipo de deduo acerca da proveninciageogrfico-cultural, quer da matria prima, quer da obra oficinal. Trata-se, na nossainterpretao de insignificantes incrustaes minerais, micro cristais, muitas vezes

    provenientes, porventura, da desfragmentao de micropartculas do percutor utilizadoem forja, que, no caso de artefactos muito remotos, podia ser em pedra, quartzito. A

    prpria bigorna poderia ser em pedra. Tais partculas cristalinas, provavelmente quatzose feldespatos, tm disseminao universal.S a ponderao sobre ligas especficas de aleao metlica, bem como o registo detcnicas oficinais especficas, permitiria esboar algumas consideraes acerca da

    procedncia geogrfico-cultural, embora os estudos nesta rea se encontrem, naverdade, em fase incipiente. Tendo em vista todavia o universo analisado, no caso

    para desenvolvermos a matria.Resta deixar uma sugesto. Dada a natureza indita da diligncia agora efectuada no

    estudo da ourivesaria antiga em Portugal, pensamos ser de mximo interesse adivulgao destes resultados, aferidos aos pressupostos e s consideraes previamenteenunciadas. Tal divulgao seria um apelo para que a diligncia se reproduzisse,incidindo sobre outros conjuntos e universos em depsito nos museus e coleces

    pblicas, ou privadas.

    Lisboa, 11 de Novembro de 2006.

    Manuel de Castro Nunes

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