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Nº2 Abril 2015 PALÁCIO NACIONAL DA AJUDA RECUPERA PEÇA HISTÓRICA… A BAIXELA TEIXEIRA DE SAMPAIO... O PATRIMÓNIO TAMBÉM EMIGRA...

Revista Ourivesaria Portuguesa Nº2

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Novo número da revista, com artigos sobres as baixelas Veyrat e Paul Storr, a primeira no Palácio Nacional da Ajuda e a segunda que pertenceu a Henrique Teixeira de Sampaio, Barão de Teixeira e Conde da Póvoa. Aborda igualmente as jpoias da Carreira da Índia e a ourivesaria de Goa, entre outros temas.

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  • N2 Abril 2015

    PALCIO NACIONAL DA AJUDA RECUPERA PEA HISTRICA A BAIXELA TEIXEIRA DE SAMPAIO... O PATRIMNIO TAMBM EMIGRA...

  • CORDOARIA NACIONAL - AVENIDA DA NDIA 11 a 18 de abril

  • N2 Abril 2015 Edio: WWW.OURIVESARIAPORTUGUESA.INFO

    Henrique Correia Braga Sofia de Ruival Ferreira Revista de distribuio online gratuita. Interdito qualquer uso comercial de textos ou imagens. [email protected]

    Editorial

    O inegvel xito do primeiro nmero desta revista pode ser medido pelas estatsticas onde est alojada, Scribd, Issuu e Internet Archive. Este ltimo s fornece o nmero de downloads e no o de visionamentos, mas basta a consul-ta aos dois primeiros para ficarmos a saber que so mais de 600 acessos em pouco mais de 20 dias! No podemos deixar de agradecer APIO - Associao Portuguesa da Indstria de Ourivesaria, o facto de ter noticiado a publicao do N 1, colocando links tanto para o site como para a Scribd. Este sucesso acarreta redobradas responsabilidades em continuar um tra-balho de qualidade, tanto a nvel grfico como de contedos. Informao coisa que no falta, o tempo disponvel para a tratar que escasseia, agravado com o facto de tentarmos dar uma certa coerncia temtica a cada nmero, dentro de uma diversidade que v ao encontro de pblicos distintos. Pensamos que nes-te aparente paradoxo que reside o futuro desta vossa revista.

    O atraso na publicao desta 2 revista prende-se com vrios factores, desde logo por os dias s terem 24 horas e o trabalho no parar de se acumular. A quantidade de leiles que se realizam semanalmente, um pouco por todo o mundo, obriga a um trabalho de pesquisa e recolha de informao extremamente demorado, para mais quando as principais casas leiloeiras - Christies, Sothebys e Bonhams - no permitem o arquivamento das foto-grafias que disponibilizam, obrigando a capturas de ecr, leitura de cdigos fonte e outros truques que contornam esse impedimento, algo vital para a constituio de um acervo documental que consideramos fundamental para a histria das artes decorativas. Um dos grandes problemas que enfrentam os historiadores, peritos avaliadores ou colecionadores, preci-samente o escamoteamento do histrico das peas, que surgem no mercado de arte como que cadas do cu, algo de extremamente grave mas crnico na arqueologia , onde quase nada tem contexto, mas que em Portugal um fenmeno amplamente generalizado a toda a tipologia de peas, mesmo quando se trata de exposies museolgicas. Porque desconfiamos sempre que o passado de uma pea omitido (qual a razo por detrs des-sa omisso), o trabalho de recolha de informao e a sua informatizao algo que ocupa quase todo o tempo. A utilidade de uma boa base de dados est patente nos vrios artigos que compem esta revista. Em rela-o ao centro de mesa adquirido pelo Palcio Nacional da Ajuda, a estria oficial que ele poderia estar nas Necessidades, sendo o seu autor Jean-Franois Veyrat. Provou-se que ambos os dados estavam errados. Quanto baixela Teixeira de Sampaio, nunca foi dada uma viso de conjunto nem as suas melhores peas documentadas de forma condigna, por ora no conseguimos tudo o que queramos mas o que vos mostramos j d a ideia do que foi a mais importante baixela de prata que existiu em Portugal, depois das duas baixelas Germain da Casa Real. Finalmente no referente s Jias da Carreira da ndia, tambm o histrico custodial estranhamente parco nalgumas peas, nomeadamente quando so apresentadas como novidade absoluta, nunca antes publicada, e logo tropeamos no nosso arquivo com fotos e catlogos com a sua representao! Esta uma atitude que contrasta em absoluto com o que praticado em pases mais civilizados. Enquanto a Christies d o nome do ex-titular das peas ao prprio catlogo - Coleo ANA MARIA ESPRITO SANTO BUS-TORFF SILVA - ou a Sothebys apresenta uma cafeteira de Thomas Germain que esteve at agora na posse da famlia Almada, por c o que vendido quase nunca apresenta os nomes dos seus antigos proprietrios, o que muito til quando se acrescentam mais uns sculos verdadeira idade das peas! Mas mais preocupante a realidade do mercado, em que assistimos a uma sada sem precedentes do patrimnio privado, fruto de uma pol-tica de (con)fisco que rivaliza com o terramoto de 1755 ou as invases francesas. Como a saudade algo de mui-to portugus, vamos reunindo as fotos dos objectos que tambm tm emigrado, na maioria dos casos para no mais regressarem. Finalmente tocamos outro ponto particularmente sensvel, o dos objectos em filigrana, esse paradigma do que so as areias movedias onde por vezes as artes decorativas caem; essa Twilight Zone onde tudo pode ser o que a nossa imaginao quiser, inclusive o seu contrrio; onde as peas viajam no tempo e no espao ao sabor das modas e ao ritmo a que novos colecionadores vo entrando no mercado, saltando entre continentes e esguei-rando-se por entre calendrios, onde a nica certeza que acabam quase sempre catalogadas ao gosto de quem melhor as paga! Passadas umas dezenas de anos a tentar juntar as mil e umas pontas desse infinito novelo, ainda no ser agora que iremos escrever sobre o tema, limitamo-nos a uma pequena abordagem na esperana em que um dia, este desafio que a filigrana, seja encarado de forma sria e abrangente. At agora temos ficado por workshops e posts, sempre adornados de muitos likes, que certamente muito de bom trazem ao ego mas que qua-se nada de substancial e palpvel tm aportado ao problema. Por entre Caquesseites e filigranas que tm em comum o facto de ningum saber onde, quando e por quem foram feitos, at ao prximo nmero...

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  • 3 Editorial 5 A pretexto de um Centro de Mesa 18 A Baixela Teixeira de Sampaio 35 O Patrimnio tambm emigra 39 As Joias da Carreira da ndia 58 Uma Boa e M notcia

    Aps a feliz aquisio, por parte do Palcio Nacional da Ajuda, do Centro de Mesa h muito desaparecido, vamos agora dar uma ideia de conjunto dessa baixela. Estrela de uma futura exposio a realizar em Londres, em Novembro prximo, e capa do respectivo catlogo, o par de Candelabros no o Centro de Mesa, antes faz parte dele, o principal est nos Estados Unidos da Amrica. A situao econmica em Portugal tem levado no s sada de milhares de portugueses, tambm os seus mais preciosos bens tm emigrado, sem bilhete de regresso. Logo aps os Esplendores do Oriente, outra exposio sobre um tema comum foi inaugurada, a das Joias da Carreira da ndia, aproveitamos para falar sobre as duas. A nomeao de Antnio Horta Osrio como novo chairman da Wallace Collection no pode deixar de ser uma boa notcia, mas o cancelamento da exposio The Global City: On the Streets of Renaissance Lisbon j foi uma mui-to m notcia. At que pontos as duas esto ligadas?

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    A revista OURIVESARIA PORTUGUESA

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  • A pretexto de um Centro de Mesa...

    A Baixela de Franois Thomas Germain, cujo ncleo principal se encontra no Palcio Nacional da Ajuda, estando as restantes peas expostas no Museu nacional de Arte Antiga, possuidora de todos os mritos possveis e imaginrios, inclusive o mrito algo questionvel de nos fazer esquecer que uma outra bai-xela existe nesse mesmo Palcio, constituindo o maior acervo a nvel mundial de peas da firma parisiense Veyrat. Possivelmente esse relegar para um quase esquecimento devia-se ao facto de que a sua mais importante pea, o Centro de Mesa, estar desapareci-do desde 1911, e mesmo sobre essa data termos que tirar mais uma dcada desde que ele tinha deixado de acompanhar as restantes peas. A histria desta baixela comea com o casamen-to, em 1862, entre o Rei D. Lus e D. Maria Pia de Saboia, da todas as peas possurem os escudos com as armais reais de Portugal e Saboia. A acrescentar a esta baixela, de 61 elementos, ao que genericamente tido como a prata de casamento, h um servio de ch e caf, com respectiva bandeja, totalizando 6 peas e um faqueiro de 194 peas. Por sua vez D. Lus encomendaria um faqueiro de 346 talheres e um servi-o de toucador com 23 peas, estes apresentando somente o seu monograma coroado. So estas mais de 600 peas que pensamos fazerem o maior ncleo

    de obras de Adolphe Veyrat a nvel mundial. O facto de nas principais obras que referem estas peas, as mesmas estarem atribudas a Jean-Franois Veyrat e no a seu filho, Augustin-Pierre-Adolphe Vey-rat, deve-se ao facto de tanto um como outro terem sido desde h muito votados ao esquecimento, no existindo nenhuma monografia sobre esta importante firma do sc. XIX, e raras vezes serem citados nas obras de referncia sobre a ourivesaria francesa do sc. XIX, o que contrasta com o que foi escrito poca sobre eles em revistas da especialidade, como facil-mente podem constatar no apanhado de artigos que disponibilizamos online.

    Gravura com o Stand de Adolphe Veyrat na Exposio de Artes Aplicadas de 1867

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    O mais curioso sobre o obscurantismo a que foram votados os Veyrat, que a histria desta famlia tem todos os ingredientes para um xito literrio. Vamos ento a quem foi Augustin-Pierre-Adolphe Vey-rat. O seu bisav, Joseph Veyrat, quarto filho de Jean-Jacques Veyrat e de Suzanne Desrogis, era um aou-gueiro suo natural de Annecy, que se tinha estabele-cido em Genebra no ano de 1731. O seu filho, Pierre-Hugues Veyrat (17561839) foi inicialmente um relo-joeiro, montador de caixas em Genebra, tendo-se pos-teriormente dedicado corretagem, voltando relojoa-ria como comerciante, dedicando-se igualmente ven-da de ourivesaria. Em 1788 condenado por usura, sendo acusado de que o comrcio por ele montado encobria actividades usurias, onde eram cobrados juros que chegariam aos 85%, tendo amealhado em escassos trs anos uma pequena fortuna. Condenado a 5 anos de proibio de actividade, mais 6 meses de priso domiciliria, este facto parece ter alterado bas-tante Hugues Veyrat. Abandona Genebra em 1795, rumando a Paris, em busca de melhor fortuna. Com ele vinha o seu filho Jean-Franois, nascido dez anos antes. Vendo fracassado o seu primeiro empreendi-mento comercial, resolve ingressar na polcia, onde rapidamente ascende a lugares de chefia, tornando-se um espio do futuro Imperador Napoleo Bonaparte. Reforma-se da polcia em 1814 e, um ano depois, Jean-Franois Veyrat funda a firma Veyrat, tendo-se espe-cializado no fabrico de faqueiros em metal prateado, travando autnticas cruzadas contra a importao dos artigos plaqueados provenientes de Inglaterra. Num texto de 1834, Veyrat observava que enquanto os capi-talistas ingleses investiam fortemente na indstria, em Frana os grandes senhores, os capitalistas, no conhecem seno que duas maneiras de valorizarem as suas fortunas: comprar terras ou agiotar nas bolsas. Este poderia tambm ser o retrato de Portugal, basta recordar que o nico investimento capitalista na ourive-saria foi a Aurifcia. Veyrat apontava tambm como desvantagem o facto de que os plaqueados franceses levarem uma marca com o respectivo ttulo de pureza, referentes quantidade de prata presente nas peas, coisa que os ingleses no garantiam e, pior ainda, era impossvel de conferir, pelo que na prtica era um mero imposto encapotado de garantia ao consumidor, por quase todos desrespeitado e que penalizava mais ainda quem cumpria com a lei. Franois Veyrat tinha, desde 1820, patenteado vrios procedimentos de plaqueados, e pensamos que foi o caducar dessas patentes, por volta de 1840, que fazem com que o seu filho Adolphe ingresse na firma. O percurso do filho antes de se associar ao pai des-conhecido, j que em 1840 ele tinha 31 anos de idade, talvez a explicao para esse lapso se prenda com um aspecto que s em 2014 foi conhecido. Estava a Sothebys a preparar o leilo de ourivesaria europeia de Maio, quando dentro de uma caixa para tabaco, em ouro e tartaruga e que havia pertencido a George Au-

    guste Frdric, prncipe de Gales e depois Rei George IV, foi encontrado no seu interior um carto de visita onde era possvel ler Veyrat & Morel rue de la Vieille Draperie, No. 5, prs le Palais de Justice, Bijoutier, Lapidaire, Mosaiciste, dArt ; Bijouterie, Incrustation en Pierres fines. Tinha sido possivelmente uma repara-o na dita tabaqueira, j que a sua data de execuo era muito anterior. A firma Veyrat & Morel havia estado presente na Exposio de Produtos da Indstria Fran-cesa de 1834, dedicando-se a joias com micromosai-cos e pedras finas. Curiosamente o seu stand era o N 22 e o de Jean Franois Veyrat o 19. Este Morel nada menos que o clebre Jean-Valentin Morel, um dos mais geniais ourives do sc. XIX, cuja vida atribulada (1794-1860) um dos maiores desafios para o melhor dos bigrafos, razo porque tambm sobre ele nunca nada de profundo foi escrito .

    As peas, puncionadas Veyrat, que tm surgido no mercado so essencialmente artefactos de mesa, nesta foto apresentado um de tipologia rara, pois tra-ta-se de um paliteiro com a figura de um chins com uma sombrinha. Como geralmente acontece s men-cionada a marca Veyrat, no sendo precisado de qual dos Veyrat se trata..

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    Em Dezembro de 2012 a leiloeira Heritage de Dallas levou a leilo um monumental centro de mesa, em bronze prateado e dourado, fabricado por Morel para a clebre exposio de Londres Great Exhibition of the Works of Industry of All Nations realizada no Palcio de Cristal que daria lugar ao Museu Victoria & Albert. Ao que se sabe este conjunto ficou por vender, tendo no ano seguinte Morel regressado a Paris, ven-dendo todo o seu esplio firma Garrard, inclusive moldes originais que viriam a surgir em peas j com a marca desta clebre firma inglesa, fornecedora da coroa inglesa. Da at 2012 passou-se mais de sculo e meio sem que o mundo pudesse apreciar esta notvel obra de arte, resgatada do anonimato por uma leiloeira norte-americana, tendo sido vendido por US $ 330.000.

    Em 2014 seria a vez de uma leiloeira portuguesa, no caso a Cabral Moncada Leiles, ter a felicidade de ser contratada por um particular para colocar em venda um magnfico centro de mesa em prata, que rapida-mente seria identificado como o desaparecido centro da baixela que se conserva no Palcio Nacional da Ajuda. No s todas as peas tinham sido primorosa-mente conservadas, como a prpria grande caixa que o tinha transportado de Itlia para Portugal, na longn-qua dcada de 1860, igualmente tinha sido conserva-da. Num prospeto de 2009, o Palcio Nacional da Ajuda j identificava a baixela Veyrat como obra de Veyrat filho, sem adiantar o seu nome. Rapidamente deitmos mos a um exaustivo trabalho de pesquisa, tendo por sorte no nosso arquivo o catlogo da venda das joias e pratas de D. Maria Pia, realizada no Banco de Portugal em Julho de 1912, inclusive com os preos porque as peas tinham sido arrematadas. Cabe aqui destacar o papel que os responsveis do Palcio Nacional da Ajuda tiveram no feliz desenla-ce desta descoberta, pois logo o seu actual Director Jos Alberto Ribeiro, acompanhado por Cristina Neiva Correia e Teresa Maranhas se deslocaram sede da leiloeira, para delinearem o modo da sua aquisio.

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    Sobre as vicissitudes que levaram D. Maria Pia a penhorar um to notvel conjunto de pratas e joias, como as descritas no mencionado catlogo de venda, tal facto prende-se essencialmente com a no actuali-zao da dotao anual, conforme a lei de 1 de Julho de 1862, que atribua a verba de 60.000$000 reis anuais, ficando todas as despesas - Casa, Damas, criados e despesas pessoais - a cargo desta dotao, que nunca seria actualizada apesar de a inflao ao longo de meio sculo a ter tornado manifestamente escassa, o que levaria a rainha a contrair vrios emprstimos para fazer face s despesas. Como garantia desses mesmos emprstimos deu como penhor muitos dos seus bens pessoais, nomeadamen-te algumas peas da baixela Veyrat, onde constava o dito centro de mesa. No leilo de 1912 so vendidos a particulares todos os seus bens, no tendo o Estado efectuado qualquer compra. Enquanto nas joias, pelo alto valor que muitas tinham, seriam estrangeiros a adquiri-las, nas pratas temos que somente dois lotes foram com-prados por um tal de Edward John, entre eles o de duas travessas desta baixela, sendo o centro compra-do um portugus, pelo qual despenderia a soma de 1.330$00 (no nosso catlogo est apontada a impor-tncia de 1.830$00, mas tudo indica que a 1 verba a correta. Seja como for isso hoje corresponde a qual-quer coisa como 65.000.00, o que significa que os 48.000 pagos pelo Estado, mais comisses, foi um bom negcio para o comprador, que v assim a baixela de D. Maria Pia imensamente valorizada com o feliz regresso da sua principal pea. Se atendermos que o valor que estava atribudo a este centro era de 7.718.400 reis, ento teramos um valor actual superior a 300.000, mais condizente com o que foi pago pelo centro de mesa de Morel, apesar de ser em bronze e no ser a pea fulcral de nenhuma baixela real!

    Algo que nos encheu de contentamento foi ter-mos recebido, por gentileza de Teresa Maranhas, tan-to a foto da capa da Revista Brasil-Portugal de 1912, como a foto do sc. XIX que ser a mais antiga exis-tente no acervo do Palcio Nacional da Ajuda.

  • A existncia do estojo original, uma grande caixa com compartimentos para acomodar todas as peas, permitiu constatar que todas elas se tinham conserva-do intactas, inclusive um misterioso globo em vidro, gravado com o monograma de Maria Pia encimado por coroa real. J tnhamos percebido pelas fotos da pgi-na anterior, que ao centro estava a graciosa figura de um putti num baloio, pelo que no percebamos qual a funo de um globo em vidro, que na foto da revista Brasil-Portugal aparecia dentro do fruteiro central, algo no condizente com nenhuma funo lgica, at por-que estava rematado por uma argola em prata. Foi atravs da documentao existente no Pal-cio Nacional da Ajuda que se pde confirmar que este globo tem a funo de aqurio, dando vida e movimen-to ao centro enquanto os comensais esto mesa, algo de absolutamente singular face a todos os centros de mesa at hoje conhecidos, o que s confirma o gnio inventivo e a subtileza nos detalhes de Adolphe Veyrat. Curioso tambm fazer a comparao com o centro de Jean-Valentin Morel, nomeadamente a modelao dos putti, o que nos leva a interrogar se no estaremos perante um mesmo escultor, sabendo que Morel e Veyrat tinham sido scios. Nomes como o desenhador M. Guichard ou o escultor M. Brisson so pistas para um futuro trabalho mais exaustivo sobre a firma Veyrat, algo s vivel em parceria com investiga-dores em Frana.

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    Um pormenor muito curioso o facto de o centro possuir um globo suplementar, cuja documentao da poca confirma ser um aqurio...

  • As fotos acima, obtidas quando procedemos desmontagem e limpeza do centro, servem para ilus-trar a qualidade tanto da modelao como da fundio, algo que comum tanto a Veyrat como a Morel. A alta qualidade da fundio quase que no necessitou inter-veno do cinzelador, podendo considerar-se que o seu trabalho se resumiu a retoques finais. Seguidamente colocamos as fotos que se podem encontrar na MatrizPix/MatrizNet, onde dada uma ideia de conjunto de todo o acervo que se conserva no Palcio Nacional da Ajuda. Os crditos fotogrficos so os que constam desses sites, sendo que muitas das fotografias foram por ns digitalmente manipuladas para melhorar a qualidade com que so originalmente disponibilizadas, cabendo destacar a excelentes fotos de Lusa Oliveira, da Diviso de Documentao Foto-grfica do IMC, que recorrendo a uma invejvel Has-selblad H3DII tem as melhor fotos deste conjunto, com pena nossa que em baixa resoluo, o que s d uma plida ideia do que sero os originais, mas para esses no temos dinheiro para pagar! Certamente o artigo que a conservadora das sec-es de Ourivesaria e Joalharia, Teresa Maranhas, est a realizar, nos dar uma viso melhor documenta-da do que esta, com certeza sero duas anlises que se vo complementar, apesar de iniciados com desco-nhecimento mtuo. Como j foi dito, a baixela constituda por 60 peas, sendo que, por ordem de grandeza, depois do centro com 90 cm de comprimento por 76 de altura e 31 kg de peso, temos um par de candelabros com 71,5

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  • Seguidamente temos um par de fruteiros com trs taas em cristal grava-do, cuja altura de 50 cm e para o qual no temos peso. Como pormenor curio-so o rematar por recurso a uma coroa real sobre almofada. Para completar a srie de fruteiros, que se inicia com os do prprio centro de mesa, temos mais um par com asas e um outro em que as taas surgem como que seguras pelos Putti... Os primeiros tm de altura 33 cm e os segundos 23 cm.

  • No catlogo da exposio tesouros Reais men-cionada uma urna com 3 kg, com as estranhas medi-das de 35x32,5x2,6 cm, como toda e qualquer pesqui-sa foi infrutfera no vamos especular sobre nenhuma foto, prosseguindo com as restantes peas. Terrinas esto referenciadas grandes e peque-nas, mais dois escalfadores. Pensamos que se trata de uma s terrina (foto da direita) e que as outras so os dois pratos cobertos, com os respectivos escalfadores.

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  • Para completar a baixela, resta-nos 1 Galheteiro, 1 Molheira, 1 Taa em cristal com armao de prata, 6 Pra-tos para garrafa, 1 Mostardeira e 2 Saleiros, existindo mais algumas pequenas peas. Pelo que j foi referido, existem duas travessas em parte incerta, algures no estrangeiro. Tenhamos espe-rana em que, algum agora sabedor da realidade desta baixela, um dia se depare com a sua imagem ou descri-o em um qualquer leilo ou antiqurio.

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    Por este pequeno conjunto de peas, j se nota uma falta de uniformidade estilstica, em que as asas da taa e da mostardeira nada tm a ver com as restan-tes peas, sendo que a molheira vulgarssima, s fazendo conjunto pela adio do duplo escudo real, sendo este um dos grandes problemas das baixelas, em que frequente o aproveitamento de peas j fei-tas .

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    Da prata de casamento trazida por D. Maria Pia, resta-nos o faqueiro e o servio de ch. O primeiro constitudo por 12 talheres de carne, 12 talheres de sobremesa (facas so 24), 12 garfos para melo, 12 colheres de sorvete, 12 colheres de doce, 12 colheres de compota e as restantes peas de servir. Pela variedade de funes dos vrios talheres, v-se o to pobre que eram os nossos faqueiros, ainda hoje perdurando a crena de que no perodo da marca javali (1887-1937) no se usavam talheres de peixe, o que efectivamente acontecia generalizadamente em Portugal mas no em muitos outros pases. Uma nota especial para o excelente estado de conservao destas peas, a contrastar com o excesso de uso dos da baixela Germain.

  • Para finalizar esta abordagem s pratas de Adolphe Veyrat, apresentamos o servio de ch integrado na baixela, do qual no conseguimos uma fotografia melhor, e que o mostre na ntegra. Quanto ao servio de toucador encomen-dado por D. Lus e composto por 23 peas, em que Veyrat se inspiraria na baixela fornecida a D. Maria Pia, as fotos provam que conseguiu um conjunto harmonioso e muito bem executado, onde a parte de cinzelagem j mais evi-dente. Resta-nos registar que Teresa Maranhas est igual-mente a fazer uma investigao sobre os Veyrat, ou no fos-se o Palcio Nacional da Ajuda o maior detentor de peas com puno Veyrat. Os pontos duvidosos que aqui ficaram sero certamente esclarecidos, mas fazer pesquisa sem acesso direto aos arquivos franceses um trabalho moroso e complicado, pelo que resta desejar o maior xito na pes-quisa que est a levar a cabo, e que j nos foi til para acla-rar algumas dvidas.

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    Annecy (Sua) sc. XVII Jean-Jacques Veyrat + Suzanne Desrogis

    Os Veyrat, uma dinastia de ourives e relojoeiros

    Annecy (Sua) sc. XVIII Joseph Veyrat

    Carniceiro de profisso, estabelecido em Genebra

    Genebra (Sua) 1756-1839 Paris Pierre-Hugues Veyrat + Jeanne-Elisabeth Moran

    Relojoeiro, ourives comerciante e polcia

    Genebra 1785-1849(?) Paris Jean-Franois Veyrat

    Ourives, fundador em 1815 da firma Veyrat

    O facto de a firma Veyrat ter conservado sempre a mesma marca, no permite uma

    datao precisa das peas produzidas, levan-do a confuses sobre a autoria das peas, se

    de Veyrat pai ou filho...

    Paris 1809-1883 Paris Augustin-Pierre-Adolphe Veyrat + Antoinette Delacour

    Associa-se ao pai entre 1840 a 1849, prosseguindo sozinho at 1884

    A cronologia da Casa Veyrat ser ento assim: 1815 a 1840 - Jean Franois Veyrat 1840 a 1849 - Jean Franois e o filho Augustin Adolphe 1840 a 1883 (79?) este ltimo sozinho, pois seu filho, Georges-Jean optaria pelo rumo profissio-nal de funcionrio de Prefeitura

  • Um facto curioso, justificado pela origem sua de Adolphe Veyrat, este ter sido primo de Charles Vacheron, que dirigiu a clebre fbrica de relgios Vacheron & Constantin, tornando-se o repre-sentante oficial da marca em Frana a partir de 1853, conforme se pode ler numa rara nota de imprensa desta marca sua. De notar que durante o perodo em que Charles Csar Vacheron esteve frente dos destinos des-ta clebre casa relojoeira, os relgios produzidos durante alguns anos chegaram a ter o seu nome gravado, ao invs de Vacheron & Constantin...

  • Envolta numa cortina de mistrio, secretismo e esquecimento, a fabulosa Baixela em prata de Henrique Teixeira de Sampaio, executada pelo clebre ourives ingls Paul Storr nos anos de 1822/23, tem sido por ns alvo de uma paciente e longa recolha de informao ao longo de quase quarenta anos. J estava este artigo pronto, quando a persistncia do nosso amigo Guilherme Abreu Loureiro, ao rev-lo, fez com que o rarssimo catlogo da Christies, de 1976, chegasse s nossas mos e, com a sua preciosa ajuda, fosse digitalizado num autntico contra-relgio, possibilitando que aqui fosse disponibilizado para consulta de todos. Tnhamo-lo consultado h uns bons anos e estvamos cientes de que nos esclareceria algumas dvi-das, o que veio a acontecer, atrasando em uns dias a sada da revista mas, pensamos ns, que por motivos que a todos agradaro. Um pormenor de catalogao a total omisso da sua origem, no sendo sequer referida a herldica que est presente em todas as peas. No s fazia todo o sentido o estudo deste servio vir em conjunto com o da baixela Veyrat, como o final do ano de 2015 ir ser marcado por dois acontecimentos do maior relevo para a histria de Paul Storr. Trata-se da exposio que a Koopman vai realizar na sua sede, em Londres, entre os dias 12 e 31 de Outubro, inteiramente dedicada a Paul Storr, que coincidir com o lanamento de um novo livro sobre este ourives, escrito pela mo de Christopher Hartop.

    O ttulo da obra - The Quest for Art in Industry - ser comum exposio e, conforme podem ver pela fotografia ao lado direito, na sua capa figura nem mais nem menos que um dos Fruteiros/Candelabros que originalmente faziam parte do centro de mesa da clebre baixela do Baro de Teixeira, poste-riormente agraciado com o ttulo de Conde da Pvoa. Na foto do canto inferior esquerdo est um pormenor de uma das terrinas do mesmo servio que, no sabendo ns do seu paradeiro actual, esperamos reencontrar em Outubro, se no na exposio, certamente na obra grfica que a acompanha. At l, podem apreciar a magnificncia deste ourives, bem ilustrada no par de terrinas das quais mostramos uma no canto direito, visitando a Casa Museu Medeiros e Almeida, em Lis-boa, onde esta e muitas mais preciosidades vos esperam.

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    Numa altura em que se fala tanto do dono disto tudo, em aluso a Ricardo Salgado, sendo ele igual-mente neto de uma outra figura que, talvez com mais propriedade, pode igualmente ser considerado um ex-dono disto tudo, vamos abordar uma figura do nosso sculo XIX que, neste aspecto, foi percursora de ambos e a um nvel superior. Estamos a falar de Henrique Teixeira de Sampaio (1774-1833), filho de um rico comerciante com estrei-tos laos com a Inglaterra, fornecedor de gneros ali-mentares Marinha de Guerra. Certamente foram esses laos comerciais com Inglaterra que levaram Francisco Jos Teixeira de Sampaio a enviar o seu filho para essa nao, onde foi educado num colgio interno. Ser pois em Inglaterra que iniciar a sua car-reira comercial, tornando-se, com as invases france-sas, comissrio dos fornecimentos do exrcito luso-ingls. Juntando essas actividades comerciais a um ren-doso contrato de monoplio da venda de tabaco, far com que se torne, em poucos anos, detentor de uma enorme fortuna, o que levaria a que, no anos de 1822, ao ser fundado o Banco de Lisboa, que mais tarde iria dar origem ao Banco de Portugal, Teixeira de Sampaio fosse o seu maior acionista. Um ano mais tarde, D. Pedro de Souza Holstein, na poca ainda 1 Conde de Palmela e Ministro dos Negcios Estrangeiros, convida Teixeira de Sampaio para o cargo de Ministro e Secre-trio de Estado dos Negcios da Fazenda. Note-se que nessa poca j Teixeira de Sampaio era o maior credor da Coroa. durante o cumprimento dessas funes minis-teriveis que a Teixeira de Sampaio atribudo o ttulo de Conde da Pvoa, ttulo referente a uma grande pro-priedade que possua na Pvoa de Santo Adrio. A sua residncia de Lisboa era na Rua da Escola Politcnica, no Palcio que tinha comprado por falncia do antigo proprietrio, e que mais tarde passou a ser conhecido por Palcio Palmela. Prende-se este facto com a cir-cunstncia de tanto o filho do primeiro casamento como do segundo terem falecido, fazendo de sua nica filha a herdeira quase universal, fortuna essa que seria incorporada na Casa Palmela, por via do casamento com D, Domingos de Souza Holstein, filho do 1 Duque, que se tornaria mais tarde 2 Duque de Palme-

    As grandes baixelas de prata foram, em Portugal e at finais do sc. XIX, um quase exclusivo da Famlia Real. Tanto a aristocracia como a alta burguesia o que possuam eram os famosos servios em porcelana conhecidos como da Companhia das ndias. Mesmo peas de servio de mesa como terrinas foram escas-sas na produo dos nossos ourives, sendo pratica-mente inexistentes servios de pratos e travessas em prata feitos por artistas nacionais. Basta recordar a logstica que foi necessrio montar para a produo da clebre baixela oferecida ao Duque de Wellington, para atestar a falta de capaci-dade das pequenas oficinas dos nossos ourives em produzirem tamanha quantidade de peas. Pela leitura do artigo sobre os Veyrat, vemos que era necessrio recorrer a ourives estrangeiros sempre que se tratava de encomendas mais volumosas, no foi certamente por falta de patriotismo que D. Lus encomendou tantas pratas a Adolphe Veyrat, como tambm no foi por capricho de gosto ou pela educao inglesa que Henri-que Teixeira de Sampaio recorreu a um ourives estran-geiro para fazer a baixela que necessitava, tal deveu-se a que em Portugal no existia capacidade de res-posta para este tipo de encomendas, se bem que ao facto de a escolha ter recado sobre Paul Storr no ser com certeza alheia a sua permanncia e ligao a Inglaterra. A prpria coleo Palmela atesta bem o recurso sistemtico da nossa nobreza a ourives estrangeiros, quando se tratava de baixelas - a encomendada pelo prprio Duque era francesa, executada por Odiot, sen-do a que comprou ao Marqus de Angeja igualmente francesa, obra da oficina de Henry August. Pensamos que foi precisamente a inexistncia de grandes encomendas aos nossos ourives, o que permi-tiu que estes dispusessem de mais tempo para melhor trabalhar as escassas tipologias de peas que produ-ziam, sem a presso dos prazos de entrega que sem-pre esto associados a encomendas de maior vulto. Tal facto tambm viria a contribuir para que a mecani-zao da produo tivesse sido muito tardia no nosso pas, pois era um investimento desnecessrio para uma produo de pouco volume e muito individualiza-da.

    Baixela Henrique Teixeira de Sampaio

    O falecimento de D. Manuel de Souza e Holstein Beck, no ano de 2011, levaria a que o Palcio do Correio Velho efe-tuasse dois importantes leiles de parte do esplio por ele deixado. Apresentado como sendo a coleo do Conde da Pvoa, causou alguma confuso a quem sempre tinha conhecido este colecionador de arte como Manuel Palme-la, facto que pensamos estar relacionado com o esqueci-mento a que o tempo fez votar o apelido Teixeira de Sam-paio e o ttulo de Conde da Pvoa. Como nos poderemos aperceber ao longo deste texto, a famosa baixela que Paul Storr executou para Henrique Teixeira de Sampaio h mui-to que tida como baixela Palmela.

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    Tal como connosco aconteceu, tambm muitos dos apreciadores de pratas se tero pela primeira vez defrontado com a existncia de uma preciosa baixela de Paul Storr, ao verem a foto acima reproduzida, que ilustra o clebre livro de Reynaldo dos Santos Ourive-saria Portuguesa nas Coleces Particulares, tanto na edio de 1960 como na de 1974. Pelo texto que se segue foto, ficmos a saber que a Casa Palmella possui obras importantes estrangeiras, sobretudo ingle-sas, como as caixas do reinado de Carlos II e a baixe-la de Paul Storr. Para quem possua o catlogo da Exposio de Arte Decorativa Inglesa, realizada na Fundao Ricardo Esprito Santo em 1958, tambm a s leu sobre as pratas de Paul Storr pertencentes ao Duque de Palmela, nunca sendo mencionado o apelido Teixeira de Sampaio ou o ttulo de Conde da Pvoa Acresce que neste ltimo catlogo no so men-cionadas nem as dimenses e muito menos os pesos das obras expostas, o que mais dificulta ou mesmo impossibilita a sua comparao com as peas referidas noutras obras. Quanto aos pesos, h muito que sabe-mos que se trata de uma averso patolgica que os acadmicos tm quando se trata de descrever objectos de ourivesaria, certamente pensando que isso de peso assunto de merceeiro. Acontece que um dado fun-damental para aferir se duas peas semelhantes, des-critas em pocas distintas, so efectivamente dois

    exemplares diferentes ou um s, para no falar da importncia que esse factor tem para a caracterizao da prpria tcnica de fabrico. Mas o mencionado cat-logo extremamente parco em informao, felizmente possui fotografias das peas mais importantes, sendo que no existe nenhuma que mostre as salas em que decorreu a exposio. Por sorte possumos um rico acervo da clebre revista norte-americana Connoisseur, que no n de Junho de 1958 trazia uma reportagem, em trs pgi-nas, dedicada a esta exposio, com ilustraes de ptima qualidade, onde ficamos a saber que a coleo Palmela teve direito a toda uma sala, onde ao fundo se encontrava o quadro pintado por Lawrence retratando o 1 Duque, especificando que os Palmela tinham cedi-do para esta mostra 17 peas, algumas delas fazendo parte do clebre servio de Paul Storr. Para melhor poderem apreciar a riqueza das peas presentes na exposio, na pgina seguinte publicamos uma das fotos que digitalizmos da Con-noisseur. possvel que algumas fotos tenham sido publicadas na nossa imprensa, e crnicas mais porme-norizadas tenham sido dadas estampa, mas a mani-festa falta de tempo em nos deslocarmos para bibliote-cas em busca de uma qualquer notcia, bibliotecas essas cujo horrio de abertura o das normais horas laborais de quem trabalha, inviabilizou tal pretenso.

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    As peas que mais se destacavam eram sem dvida a floreira candelabro (cat. 97) e a palmeira (cat. 100), bem como o par de urnas e as opulentas terrinas igualmente visveis na foto da pg. Ante-rior. Para quem conhea a vastssima produo de Paul Storr, associado a outros famosos prateiros londrinos ou no, depreende que a dita palmeira dever certamente ser o centro de mesa da dita baixela, sendo ladeada pelo par de fruteiros/candelabros. No respeitante a mar-cas, na generalidade a letra do ano corresponde a 1823-24, conforme foto por ns tirada.

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    As peas a que a firma londrina Koopman deu um especial destaque, na clebre feira de Maastricht realizada no passado ms de Maro, foi precisamente ao par de fruteiros/candelabros que ladeavam a dita palmeira, agora magnificamente fotografados. Fizeram parte da venda efetuada pela Christies em Abril de 1976 em Genebra, sendo o lote 192 constitudo por estas peas, mais o plateau e a palmeira. Em 1988 eles voltariam a leilo, desta vez em Nova Iorque e pela mo da Sothebys, tendo sido vendidos por US$467.500. A foto abaixo a desse leilo.

    No que concerne documentao existente sobre a coleo Palmela, importa referir que desconhe-cemos se existe alguma documentao sobre a enco-menda desta baixela, sendo que toda a informao sobre a mesma est bastante dispersa no tempo, e nenhuma exaustiva. Ao que sabemos a catalogao mais pormenori-zada que foi realizada sobre a coleo Palmela a que consta no Catalogo dos quadros e mais objectos de Bellas-Artes que se acham no Palacio do Duque de Palmella ao Calhariz. No s no o possumos como nunca o vimos, sendo o mesmo referido como publica-do sem data, algures no sc. XIX. Num leilo da Chris-ties referido este catlogo como fazendo parte da Revista Universal Lisbonense, N 41 ano de 1851, mas ou foi uma separata ou ento h um qualquer engano. Esperamos um dia aclarar esta dvida Um curioso texto escrito em 1905 por Carlos Malheiro Dias, numa das cartas de Lisboa que publica-va no Comrcio do Porto, j era referido este catlogo como rarssimo, sendo dado o pormenor de que o mes-mo estava dividido em 7 seces. Pela importncia que tem este texto, para mais sado da pena de um escritor que tambm foi jornalista, o mesmo pode ser lido dire-tamente atravs deste link.

    Na pgina seguinte est o link para o catlogo de 1976, onde constam igualmente as vendas de 2012 2 2014, todas na Christies, onde fica demonstrado que em 1976 s estiveram as peas principais, que nunca poderiam constituir uma baixela. Quando se fala em disperso, ela foi condicionada pelo prprio vendedor, no uma opo da leiloeira, visto nunca ter sido pro-posto para venda todo o conjunto, esse tem vindo a ser vendido ao longo dos ltimos 38 anos, nunca sendo mencionado qual o total das peas originais nem a sua composio tipolgica. Para quem se interesse na reconstituio do que foi esta baixela, ser til ter presente que a nica bai-xela feita para os Duques de Palmela foi a realizada por Claude Odiot, sendo que mais uma outra baixela existiu na famlia, a do Marqus de Angeja realizada por Henry August, da qual j vrias peas apareceram no mercado nacional, nomeadamente no Palcio do Correio Velho. A nossa pesquisa tem incidido somente na de Teixeira de Sampaio, mas seria interessante e til reconstituir no todo ou em parte, o que foram as duas outras baixelas, sendo com todo o prazer que colocamos aquilo que possumos disposio de quem o queira fazer

    Carlos Malheiro Dias o oposto do que hoje se pretende do jornalismo - escritos sem opinio, meras transcries de press-realeases, uma pseudo iseno que se limita a servir a parte interessada. No Internet Archive possvel ler e fazer download de muitas das obras deste notvel escritor, entre elas todos os volumes das suas cartas.

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    Em 2001, na Casa Museu Dr. Anastcio Gonal-ves, realizou-se uma exposio intitulada Uma Famlia de Colecionadores. Poder e Cultura, acompanhada pela publicao de um bom catlogo, onde eram mos-tradas muitas peas da coleo Palmela. Claro que da baixela Storr j s estiveram pre-sentes peas de terceira linha, as principais e mais valiosas h muito que j tinham sido vendidas, isso mesmo era assumido ao revelar-se que a baixela tinha sido dispersa em leilo efectuado pela Christies no ano de 1976. Do que outrora fora este servio s cons-tava uma foto do catlogo de 1958, representando um dos dois fruteiros/candelabros. O interessante que estavam descritas as peas que originalmente forma-vam o centro de mesa, os referidos fruteiros, o cande-labro/palmeira e um plateau circular suportado por conchas e elementos vegetalistas onde o mesmo assentava, acrescentando-se que a largura total das peas que constituam o centro ocupavam uma rea com 3,15 m de comprimento, e o seu peso atingia os 65 kg sem o plateau. Sendo a exposio comissariada por Maria de Sousa e Holstein Campilho, com textos de investigao assinados por nomes como Ansio Franco, Maria Ant-nia Pinto de Matos (igualmente comissria), Nuno Vas-sallo e Silva, Rui Afonso Santos ou Vtor Serro, estra-nhamente no aparece uma relao do que foi vendido na Christes no ano de 1976.

    O mistrio em torno do ncleo central desta bai-xela s seria desfeito em 2012, quando mais 7 lotes surgem na Christies, sendo que no respectivo catlogo esto descritas as peas vendidas no leilo de 1976, distribudas por 9 lotes, se bem que no catlogo est referido que so 8 mas numera 9!? O conjunto perfa-zia 30 peas, com o peso total de 186 kg, sem o pla-teau. Em Junho de 2014 mais seis lotes voltam a ser colocados em venda na Christies, desta vez perfazen-do um total de 41 peas, sem contar com os 367 talhe-res do faqueiro, este apresentando marcas de WIL-LIAM ELEY AND WILLIAM FEARN e s 4 de PAUL STORR. Para melhor terem uma ideia destas peas, bem como dos seus valores, aqui colocamos as que cons-tam destes dois catlogos, sendo que outras tm surgi-do dispersas em vrias vendas, no pela famlia mas j por outros colecionadores que as haviam adquirido. Aqui necessrio o maior dos cuidados, para no estarmos a somar baixela peas repetidas. Um outro dado muito importante que estes cat-logos nos d sobre o paradeiro da Palmeira, ficando-se a saber que ela se encontra numa manso da Pre-servation Society of Newport County, no Estado de Rhode Island, fazendo a honra da casa de jantar, mas assente num plateau que no coincide com a descrio feita no catlogo da exposio de Lisboa, mas que o original, em 6 seces, com os tais 315 cm! Para o comprovar acrescentmos o original do catlogo de 1976.

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    O candelabro palmeira, agora descrito como representando a cena da mitologia grega alusiva ao Julgamento de Paris, e no 3 ninfas e um cupido como vem descrito no catlogo de Lisboa, foi comprado jun-tamente com o plateau e os dois candelabros, tendo sido a licitadora a clebre milionria norte-americana Martha Sharp Crawford von Blow, que no mesmo ano da aquisio o ofereceria Preservation Society of Newport County, integrando o recheio de Marble Hou-se, onde hoje simboliza o esplendor da era dourada norte-americana! Uma das omisses nos catlogos da Christies de 2012/14 quanto aos candelabros referidos nos lotes 193 e 194, vendidos novamente em 2002. Enquanto que para os oito saleiros do lote 200 assume que os mesmos foram vendidos a Al-Tajir, j no caso dos can-delabros omite esse facto, apesar de constarem do catlogo The Glory of the Goldsmith, Magnifcent Gold and Silver from the Al-Tajir Collection, onde so apre-sentados com o n 156, conforme podem constatar pela foto que colocamos ao lado.

  • Este o conjunto de candelabros referido nos lotes 193 e 194, tendo surgido novamente em leilo no ano de 1983, na Sothebys de Nova Iorque, tendo pas-sado a integrar a coleo Al-Tajir, sendo novamente vendidos em Abril de 2002, na Christies de Nova Ior-que, onde atingiram US$500.000, a partir da perde-mos-lhe o rasto. Nas peas mais importantes faltava-nos, entre outras, encontrar o grande par de terrinas com sereias e trites, que se pode ver nas fotos do palcio do Rato e da exposio de 1958. Na venda de 1976 eram o lote 196, tendo ressurgido em 1988 na Sothebys de Nova Iorque, juntamente com os candelabros/fruteiros. S este par de terrinas possui bases, sendo de uma monumentalidade e requinte de trabalho inexcedveis, pelo que no surpreende terem atingido quase o milho de dlares. Encontradas as duas principais terrinas, partimos em busca do outro par, de menor imponncia, com a informao de que tinham sido vendidas em 1999, no leilo da Christies de Outubro em Nova Iorque. L encontrmos o catlogo entre as largas dezenas que possumos. Qual no a desiluso ao constatarmos que as peas Teixeira de Sampaio, adquiridas em 1976 por Alan e Simone Hartman, estavam includas num catlogo editado em separado, s com as pratas dos Hartman, quando o comprmos no nos apercebe-mos desse pequeno pormenor...

  • Os Hartman so a segunda gerao de grandes negociantes de antiguidades de Nova Iorque, firma que ainda hoje continua com o nome de Hartmanrareart, tendo os Hartamn feito uma importante doao ao Museu de Boston, onde existe uma sala com o seu nome, mas nenhuma das peas Teixeira de Sampaio foi oferecida. No nosso arquivo digital temos uma foto em bai-xa resoluo das ditas terrinas, que em 1999 foram arrematadas por US$266.000. No se conseguem ver com o pormenor do outro par, mas como podem verifi-car pela foto em baixo, as fotos de 1976 tambm eram de fraca nitidez. Observando as asas das terrinas, logo nos ocorre a imagem do clebre vaso de Warwick, vrias vezes reproduzido por Paul Storr e vrios outros prateiros ingleses. Esse excesso de produo resultou em que o seu preo nunca v muito alm dos 100.000, variando conforma a dimenso e o tipo de base.

    Pelo que se pode observar pela foto da Connois-seur de 1958, o par de vasos da baixela de Teixeira de Sampaio est entre os maiores e mais ricos, assentes sobre imponente plinto armoriado, como podem verifi-car pela foto do canto inferior direito. Na imagem publicada nos livros de Reynaldo dos Santos, possvel verem-se igualmente quatro refres-cadores dispostos por debaixo das terrinas mais sim-ples, sendo sem dvida os quatro Wine-Coolers vendi-dos em 1976 com o N de lote 198, sendo o lote 199 constitudo por mais dois iguais. Cada um pesava cer-ca de 3.700 g e nunca mais os vimos no mercado. Igualmente as asas so semelhantes s dos vasos de Warwick, mas em nossa opinio numa dispo-sio pouco feliz. Infelizmente no temos os resultados do leilo, sempre curioso e til comparar valores tan-to estra as vrias peas numa mesma poca, como a sua evoluo ao longo dos anos, aferindo os gostos e caprichos que governam o mercado de arte.

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    Resolvidas as peas mais importantes, cabe ago-ra mencionar a srie de pratos (marcadores e de sopa), pratos e travessas cobertas bem como salvas. A foto de baixo a da exposio organizada em Lisboa, no ano de 2001. Atendendo ao que depois dis-so tem sido vendido, por certo pouco ou quase nada restar em Portugal...

    As baixelas completas so hoje difceis de ven-der, o total inferior soma das partes, o que leva opo de as desmembrar, nica forma de realizar maior encaixe monetrio. O problema quando se chega s dzias de pratos marcadores e de sopa, ou existe algum que quer mesmo um servio completo, ou so vendidos a retalho como pequenos trofus. Se, porventura, os seus preos sobem muito, e o compra-dor o mesmo, ento que temos algum mesmo interessado no conjunto, o que ir sustentar valores elevados enquanto o comprador no ficar saciado; quando ele desiste, so os comerciantes que ficam com eles nas mos, interrogando-se porque que ago-ra j ningum os quer. Como dizem os americanos, preciso saber quem compra, o que compra e porque compra, bem como quem vende, o que vende e porque vende, os chamados seis W, de who. J com um faqueiro, o que se passa rigorosa-mente o oposto, sendo o valor de conjunto superior soma das partes, como se viu com o faqueiro Teixeira de Sampaio, erroneamente atribudo a Paul Storr, que atingiu 60.000. a holstica a falar mais alto.

    Esta tipologia de peas muito comum, no admirando que colees de 24 e 12 pratos no tenham encontrado comprador no estrangeiro, razo porque tm surgido no mercado nacional, alcanando valores mais elevados, embora se verifique uma tendncia decrescente - enquanto em 2013 um par de pratos, com 1.426 g atingia 8.000, em 2015 um par de pratos de sopa, incorretamente catalogados como marcado-res fundos, com o peso de 1499 g, no encontravam comprador por metade do preo! Por esse valor j tinham sido retirados em Londres, o preo excecional-mente elevado dos primeiros que criou a iluso de que o mercado iria absorver a esses valores uma quantidade to elevada de peas iguais, mas ensinam os muitos anos de profisso que os valores de um lei-lo no so replicveis noutro a seguir, principalmente quando h a noo de que uma grande quantidade de bens iguais est para ser vendida s prestaes. As peas de maior aparato, como os pratos e as terrinas cobertas, tm feito preos em torno dos 10.000, sendo de referir que as tampas que se vm na imagem so em casquinha, com as pegas em prata, o que foi omitido na exposio de 2001.

    Igualmente as peas com caractersticas muito decorativas, de preferncia com grande originalidade, bem como as que entram no campo das colecionveis, caso das bases para garrafa, rtulos ou saleiros, ten-dem a atingir valores elevados, no sendo afetadas pelo facto de serem muitas, pois o nmero de colecio-nadores que as procura muito vasto, o que faz desta tipologia de objetos um investimento seguro. Nesta baixela tambm havia peas que se enquadram no que foi dito, como em seguida teremos oportunidade de ver

  • Este admirvel conjunto de oito saleiros, em prata dourada, tinha sido o lote 200 do leilo de 1976, tendo integrado posterior-mente a coleo de Al-Tajir, donde provm esta foto. No por acaso atingiram cerca de 150.000, tendo o peso total de 4.530 g. Este modelo baseado na escultura em bronze, de William Theed, intitulada Thetis returning from Hephaestus with the arms of Achilles, existente nas colees reais inglesas, que igualmente pos-suem 24 saleiros em prata doura-da, executados em 1810 por Run-dell, Bridge & Rundell, para quem Paul Storr tinha trabalhado.

    Continuando com as peas mais apetecveis, temos ao lado quatro fundos para garrafa, vendidos pela Christies em 2012 por 24.000, sendo assumido no catlogo que so as que estiveram em exposio em Lisboa no ano de 2001. Acontece que no catlogo de Lisboa nada dito sobre as marcas, sendo pois assumido que sero de Paul Storr, visto toda a ficha 53 ser declarada como fazendo parte da baixela Paul Storr, s que neste caso as marcas so de JOSEPH CRADOCK AND WILLIAM REID, tambm no existin-do as armas de Baro relevadas que esto nas demais peas, aqui substitudas por uma gravura de monogra-ma com coroa de baro Voltando a Paul Storr, em baixo apresentamos o par de molheiras, superiormente cinzeladas, que no constam da venda de 1976, tendo sido alienadas na Sothebys em Londres, no ano de 1985, por c. 40.000. Acontece que na exposio de Lisboa de 2001 consta-va um par igual, o que nos leva a supor que seriam no mnimo 4 pares...

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  • A simples comparao entre a foto de cima e a da pgina anterior, no nos permite afirmar se so ou no o mesmo par. Elas j tinham figurado na exposio de 1958, mas se no caso de 2001 tinham sido postas as dimenses, em 58 nem medidas e muito menos o peso, pelo que permanecer sempre a dvida de se sero ou no as mesmas, s a Sothebys que sabe o nome do comprador. Apesar de constar que esta est venda por qualquer coisa em torno de 18 bilies de dlares, no est nos nossos objetivos a sua compra para esclarecer esta e muitas mais dvidas, isso ficar um dia para os chineses! Saudades dos tempos em que recebamos a informao com os preos e os nomes dos compradores, temos reconstitudo trajetos de peas por esse meio, mas os tempos mudaram e at concordamos com a prioridade ao anonimato do comprador, um W a menos na equao de que demos atrs conta. Outra concluso a tirar, que o facto de terem sido vendidas na Sothebys pressupe que j anterior-mente tinham sido vendidas pela famlia, mas todas as pesquisas foram infrutferas para saber quando e aon-de. No que respeita ao prato coberto que figura ao lado, e que esteve igualmente na exposio de 2001, de onde provm a foto, tambm ele se encontra no rol das peas que ainda no foram confirmadas como ven-didas, no se sabendo se s um ou se existem mais, pois no catlogo nada dito a esse respeito. Em rela-o ao cesto, com o peso de 1.814 g, o mesmo foi ven-dido pela Christies em Junho de 2014, por cerca de 10.000, no tendo ns notcia da existncia de mais nenhum, j que nada est referenciado para antes des-sa data.

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  • No respeitante a galheteiros, do lado esquerdo est o que figurou na exposio de Lisboa de 2001, que seria vendido pela Christies em Novembro de 2012, por quase 5.000. O peso em prata era de somente 875 g, medindo 25x25x18,5 cm. Quanto ao da direita, medindo 35 cm e com o peso em prata de 1.734 g, foi colocado venda em Junho do ano passado na Christies de Londres, com uma estimativa mnima de 4.900, a mesma porque tinha sido arrematado o outro exemplar dois anos antes, mas com metade do peso, no tendo desta vez encontrado comprador ( o preo de reserva geralmente 30% inferior estimativa mnima), aqui a Christies seguiu-se na ava-liao pelo preo alcanado pelo outro, s que os tempos mudaram e o que agora devia valer o dobro no conse-gue encontrar interessado. Seria interessante a famlia ponderar a sua venda em Portugal, pelo menos no era s pratos que tnhamos a oportunidade de ter em mo, deveria fazer os 5.000, ou este trabalho foi todo em vo! Para alm de quatro pratos de entrada, de formato retangular, vendidos na Christies em Novembro de 2012 por c. de 7.000, estranhamente referenciados como tendo estado na exposio de 2001, dos quais colocamos foto na pg. Seguinte, temos finalmente o par de bilheteiras, essas sim ilustradas no catlogo da Anastcio Gon-alves, que medem 22,7 cm e tm o peso de 1.226 g, apresentando ao centro um magnfico trabalho de gravado, to tpico das peas de Paul Storr e que no caso da Baixela Teixeira de Sampaio s nestas salvas est presente. Quedaram-se pelos 7.000, o que contrasta em muito com o que tinham feito os simples pratos marcadores em Lisboa, vendidos por 8.000 e em tudo inferiores a estes. Mas a Christies tem outro encanto, na hora da despedi-da das peas Esgotadas, ao que parece, todas as tipologias de peas que integravam esta clebre baixela, partimos ento para um balano final.

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  • Portugal um pas de muitos paradoxos e ironias, sendo que a histria desta baixela bem o comprova. Tendo estado entre ns durante mais de sculo e meio, foi necessrio que as peas que a compunham fos-sem vendidas no estrangeiro para ficarmos a conhec-las. Para quem quiser, e para isso tenha meios, agora a qualquer momento pode apreciar o centro de mesa e o seu plateau, basta para isso viajar at aos Estados Unidos da Amrica, longe mas anteriormente no tinha hiptese nenhuma. Para apreciar os esplendorosos candelabros/fruteiros, basta dar um pulo a Londres, e eles l esto nos Silver Vaults sua espera. Se queria umas boas fotos e uma ideia mais precisa sobre as peas que a compunham, agora, devido a terem sido vendidas para fora, aqui as tem, gratuitas e prontas a serem visionadas, seja no telemvel, computador ou televiso. Estava convencido que todas elas tinham sido feitas por Paul Storr, agora j sabe que no. Parece que a nica forma de podermos usufruir do que c est, que deixe de estar! Por ltimo uma palavra sobre a originalidade ou no desta baixela. Em 1812 Paul Storr executou para Geor-ge IV, ento Prncipe Regente, o chamado Grande Servio, onde constam os saleiros j referidos, e cujo centro de mesa tem inquestionveis semelhanas com o de Teixeira de Sampaio, s que este ltimo para ns no s mais bonito, como muito melhor executado, principalmente no que concerne ao trabalho de cinzel. Quanto grandeza do conjunto, o melhor servio que se encontra hoje venda o da foto da direita, e custa dois milhes e meio de euros, sendo uma mera amostra do que foi o de Henrique Teixeira de Sampaio.

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  • O Patrimnio tambm emigra...

    Somos insuspeitos no que concerne livre circu-lao de pessoas e bens, as fronteiras no passam de arame farpado e a verdadeira liberdade vivem os ps-saros! Em pocas de crise, ou pior ainda, de ajusta-mentos civilizacionais como o que agora vivemos, as pessoas devem ter toda a liberdade em vender a quem melhor pagar, por isso no bradamos ao ver peas por-tuguesas venda em leiloeiras estrangeiras, bens que sabemos terem sado recentemente com esse propsi-to. Achamos que muitas destas peas encontrariam os mesmo compradores se c fossem colocadas em venda, a internet possibilitou a internacionalizao das nossas leiloeiras, e algumas no promovem as peas da forma passiva que alguns pensam, pois so envia-dos dados pormenorizados para potenciais comprado-res um pouco por todo o mundo. isso que explica muitos dos preos internacio-nais que por c se alcanam, mesmo com objetos que h uns anos era impensvel vender em Portugal. A relao de confiana entre os compradores estrangei-ros e algumas das nossas leiloeiras tem-se consolida-do ao longos destes ltimos anos, e isso que deve ser demonstrado ao pblico vendedor. Claro que isto no generalizvel, existem peas que faz muito mais sentido colocar l fora, principal-mente as que tm potencial para serem disputadas por clientes privados, em leiles de primeira linha. Mas por muito esprito liberal que uma pessoa tenha a este respeito, sempre com mgoa que toma-mos conscincia da quantidade de bens que as pes-soas so obrigadas a alienar, j que no se trata de vender algo que se tornou intil, mas sim pedaos da prpria memria...

    S no prximo leilo da Bonhams, na New Bond Street de Londres, um riqussimo conjunto de joias do sculo XVIII aquele que vai ser disperso. Manda a coerncia que no desdizemos o que no artigo anterior afirmmos, e mais uma vez se constata que depois de sarem de Portugal que podemos apreciar todo o esplendor destas joias, pela mo da Bonhams supe-riormente fotografadas. para que fiquem perpetuadas para sempre que procedemos minuciosa digitalizao destas preciosi-dades, facultando a todos esse trabalho infindvel que temos. Fazemo-lo com orgulho e com o sentido de mis-so, pois se ningum o fizer nem as imagens ficaro para memria futura. Trata-se de todo um manancial de informao que pode ser tratado pelos estudantes de artes decorativas, servindo para ilustrar as suas teses e demais trabalhos. Temos plena conscincia das dificuldades que tm em encontrar peas bem documentadas e condignamente fotografadas, geral-mente por c as duas coisas convivem de costas vira-das Nem tudo pode ter um final feliz como o do centro de mesa do Palcio Nacional da Ajuda, mas a inexis-tncia de uma revista dedicada s artes decorativas, que no tenha constrangimentos com direitos autorais, um impedimento a que o pblico tenha acesso ao muito patrimnio que vendido nas casas leiloeiras internacionais. Tentem hoje aceder ao clebre leilo das obras de Mir, e ser sem surpresa que confirmam que j nada l est, como se tudo no tivesse sido uma alucinao colectiva. Foi para obstar a que isso aconte-cesse que fez com que tivssemos reunido e publicado todas as obras em questo, no foi a Parvalorem que agora se queixa de estar a perder 5.000 por dia, e eles so nem mais nem menos do que o Estado Portu-gus!

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    Voltando s joias da Bonhams, temos na pgina anterior dois conjuntos de laa e brincos, um deles com topzios forrados, cuja laa, ao que tudo indica, no sofreu a habitual alterao para alfinete de peito, pare-cendo que os brincos igualmente conservam os fechos de origem. O estado das pedras impecvel, sendo que o preo porque vai praa, cerca de 5.000 (geralmente 30% abaixo da estimativa mnima), ir cla-ramente ser ultrapassado. Chamamos uma particular ateno para a forma de lapidao dos topzios, per-feitamente adaptados ao desenho da pea, uma das vantagens de na poca existirem lapidadores em Por-tugal, nalguns casos familiares do prprio joalheiro, o que permitia este grau de requinte e perfeio, de que estes exemplares so um paradigma. O segundo adereo de gosto mais europeu, com os tradicionais laos, sendo que aqui tem uma curiosa combinao de topzios e crisoberilos (aquilo que em Portugal e Brasil designado por crislitas), sendo o preo de sada de 7.000 perfeitamente ultra-passvel. J o 3 adereo, apesar de ter o seu estojo original e as gemas serem diamantes, em Portugal curiosamente tm tido menos procura do que os crave-jados com as ditas pedras de cor, ou at mesmo com strasses, como vimos h pouco tempo na Cabral Mon-cada, mas como aqui o mercado ingls a falar os 10.000 de sada iro resultar numa duplicao de valor, a ver vamos. Na pgina ao lado est o lote 6, um colar em pra-ta com o centro em forma de laa, sem alteraes e com uma muita curiosa conjugao de topzios, quart-zos e granadas, estas ltimas raras na nossa joalharia do sc. XVIII, exceptuando as comendas.

    Pela foto possvel ver que vrias pedras esto partidas, podendo os forros das restantes gemas esta-rem sem o brilho e cor originais, o que justifica um pre-o de sada de 5.000, relativamente baixo caso esti-vesse em perfeito estado de conservao. Neste tipo de peas convm sempre examin-las, o pormenor dos forros de extrema importncia, j que para os substi-tuir necessrio proceder descravao das pedras, algo no s muito dispendiosos mas que deixa sempre vestgios.

    Outras joias tambm nos pareceram portugue-sas, e outras haver cuja provenincia tambm possa ser o nosso pas, mas nada como consultar o catlogo, vale bem a pena.

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    H quem sustente que as marcas nos objectos de prata so secundrias, que o que interessa a beleza da pea e a qualidade tcnica de sua execuo. S que h marcas e marcas, e, no caso da pea que ilustra o catlogo da prxima venda de ourivesaria em Paris, leilo tradicional da Sothebys, trata-se de uma senhora marca, nem mais nem menos que a de Fran-ois Thomas Germain, aposta num bule que apre-sentado como estando na mesma famlia portuguesa desde o sculo XVIII. Resistiu s invases Francesas, s lutas entre liberais e absolutistas, implantao da Repblica e revoluo de 25 de Abril e ao gonalvismo.

    Foi necessria a vinda da troika, com as suas medidas de empobrecimento coletivo e um desmante-lar da classe mdia que j vinha detrs, para que mais uma das poucas preciosidades que nos restavam fosse obrigada a emigrar. At pode parecer uma pea insig-nificante, com uns meros 18 cm de altura e 705 g de peso, com uma asa em madeira partida, mas cujo pun-o superlativo atira para uma estimativa de 200.000 a 300.000! Outra particularidade destas marcas, elas situa-rem esta pea como a mais antiga que se conhece com marca de Franois Thomas Germain, podendo tratar-se de uma pea iniciada por seu pai. Outra parti-cularidade possuir uma outra marca de ourives, ao que tudo indica a de Claude II Ballin, que aqui serviria para caucionar a pea, como explicado no catlogo que podem ler, clicando na foto superior esquerda (contm s as pginas referentes a este bule). Resta dizer que foi encomendado pela famlia Almada, possivelmente por D. Anto, 12 Conde de Avranches e pai do 1 Conde de Almada. Apesar dos pareceres negativos, a sua sada foi autorizada, estar brevemente no Louvre, pelo menos o que o texto da Sothebys d a entender, todo um namoro para ir l parar, muito bem feito como apangio da Sothebys, diga-se de passagem. J que no houve dinheiro nem vontade poltica para que c ficasse, sempre melhor no Louvre que num qualquer cofre de banco, mas o secretismo com que estes assuntos so tratados, e estas decises tomadas, sempre nas costas dos portugueses, s con-firmam o Estado totalitrio que nos (des)governa, sen-do as decises tomadas de forma arbitrria e absolutis-ta.

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    Para terminar esta pequena crnica sobre a dispora do nosso patrimnio, aqui fica para memria futura o catlogo desta venda.

  • As Joias da Carreira da ndia...

    Ainda decorria a exposio Esplendores do OrienteJoias de Ouro da Antiga Goa, realizada no Museu Nacional de Arte Antiga, e j era noticiada a abertura de uma outra exposio intitulada Joias da Carreira da ndia, a iter lugar no Museu do Oriente, dois meses aps o encerramento da primeira. Considermos que seria melhor esperar por esta segunda mostra, cuja temtica no poderia fugir muito da primeira, pois a Carreira da ndia ligava Goa a Lis-boa, para escrever algo sobre as joias feitas, comercia-lizadas ou exportadas de Goa. Sendo Goa uma cidade porturia, que teve um notvel papel nas rotas interasiticas e transocenicas, tornou-se num entreposto comercial de extrema impor-tncia na vinda dos mais variados produtos da sia para a Europa. Ainda hoje um importante centro de comrcio, visitado anualmente por cerca de 3 milhes de indianos e 700 mil estrangeiros. A par com as duas exposies em Lisboa, igual-mente no ano passado tinha lugar, desta vez na pr-pria Goa, o 1 Congresso Internacional ndia e o Mercado Lusfono. Devido ao sucesso desta reunio, foi decidido que se realizasse anualmente, tendo o 2 Congresso decorrido no passado ms de Fevereiro. Mais uma vez relevada a situao geogrfica de Goa e o seu passado histrico, dando-lhe novamente um papel de plataforma de negcios entre o mundo lusfo-no.

    Organizado pela Sociedade Lusfona de Goa, nele se evidenciou que a singularidade de Goa, tal como Macau, ainda hoje bem visvel, demonstrando uma vontade de cooperao econmica transversal ao mundo lusfono. O catlogo da exposio Esplendores do Oriente teve a participao da investigadora Usha Balakrish-nan, autora de vrias obras sobre a joalharia indiana. de toda a importncia que em eventos e obras desta natureza seja ouvida a outra parte, quebrando a viso egocentrista que ainda subsiste, consciente ou incons-cientemente, na mentalidade dos ex-colonizadores. Pena que ainda seja uma exceo, mas digna de registo e de continuao.

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    A exposio Esplendores do Oriente - joias de ouro da antiga Goa - acompanhada por um bom catlo-go, consistiu na apresentao pblica de uma pequena parte das joias que em 1961 foram enviadas para Por-tugal, por deciso do gerente do Banco Nacional Ultra-marino em Goa, que se repartiam entre as joias que estavam dadas como penhor de emprstimos, as depositadas em cofres particulares e as apreendidas pela alfndega ou depositadas por ordem dos tribunais. Todas as que eram pertena de particulares foram reenviadas para a ndia, Usha Balakrishnan incorre em erro ao afirmar que As joias da presente coleo foram dadas como garantia para emprstimos ou depo-sitadas em cofres, no banco.

    Vrias questes se colocam sobre este tesouro. No catlogo da exposio, Antnio Filipe Pimentel, Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, especifica que neste museu deram entrada duas centenas e meia de objetos de ouro, alguns dos quais engasta-dos de preciosas gemas. Na Press-Release assinada pelos comissrios da exposio (Lusa Penalva e An-sio Franco) est escrito Mais de 390 joias em ouro, algumas das quais engastadas de pedras preciosas, vo ser pela primeira vez apresentadas ao pblico nes-ta exposio. No catlogo possvel contabilizar 190 peas ou lotes de peas, das quais 14 so gravuras ou pinturas que no fazem parte da doao. Para alm de um grande agradecimento ao Sr. Jorge Esteves Anastcio (que faleceria um ms aps o encerramento da exposio), que foi quem teve a ini-ciativa e montou toda a logstica para que, em 1961, todo este esplio viesse a salvo para Portugal, todos temos que estar gratos a Lusa Penalva e Ansio Fran-co, por terem feito um autntico milagre de multiplica-o, as duas centenas e meia de objetos j esto transformadas em mais de 390 joias em ouro!

    evidente que a disparidade reside na forma como se contam as peas, mas para evitar suspeitas por parte do pblico, bem como o ridculo da divergn-cia em 140 objetos, tinha sido mais transparente publi-car o inventrio do que foi entregue pela Caixa Geral dos Depsitos, que, ao que julgamos, ainda estamos num Estado Democrtico, ou no?

    Dos 6.531 pacotes que vieram em 1961, referen-tes a penhores ou depsitos em cofre, 5.584 foram repatriados para a India, sendo depositados no State Bank of India, sendo que os 947 restantes foram entregues em Lisboa, a partir de 1963, a famlias goe-ses que fizeram prova da sua titularidade. O State Bank of India, atravs da sua sucursal em Pangim, procedeu entrega dessas joias aos legti-mos proprietrios ou herdeiros, sendo que no final de 2014 ainda restavam por entregar cerca de 1.700 pacotes.

    Durante 50 anos mais de 500 kg de ouro e 230.000 moedas em prata estiveram guardadas em enormes caixas de madeira.

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    Mapa de Goa, cerca de 1760, publicado na obra de Jean-Franois de La Harpe Histoire gnrale des Voyages

    Enquanto no navio India embarcavam os civis que fugiam iminente invaso de Goa, e juntamente com eles ia o ouro retirado do Banco Nacional Ultramarino, um outro navio tambm faria histria. Tratava-se do nico barco de guerra que tinha fica-do para a defesa de Goa, a canhoeira Afonso de Albu-querque. O combate entre este navio e a esquadra india-na duraria pouco mais de uma hora, fala-se que a des-proporo seria de 90 para 1, terminando o navio enca-lhado e seriamente danificado, aps um combate que dei-xou 5 portugueses mortos e 13 feridos de certa gravida-de, entre eles o comandante do navio, capito de mar e guerra Antnio da Cunha Arago. Terminava assim o Estado Portugus da ndia, 446 anos em Goa havia morrido Afonso de Albuquerque, ago-ra era um navio com o seu nome que travava a derradei-ra batalha para conservar essa parte do Imprio. Os ventos da Histria foram mais fortes...

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    guarda do Banco Nacional Ultramarino em Nova Goa, estavam mais de meia-tonelada em objectos e bar-ras de ouro. Uma muito reduzida parte desses objectos acabaram por ser doados ao Museu Nacional de Arte Anti-ga, pois eram propriedade do Estado Portugus, e deles d conta integral o catlogo entretanto publicado.

    O que nunca foi mostrado ao pblico, nem na exposio, nem numa ilustrao do respectivo catlogo, foram as clebres barras de ouro, ao que constam fruto de apreenso a contraban-distas, como se pode aferir pelo colete utilizado para transportar uns balos quilos de ouro, ou por um missal (!!!) em que as folhas foram arrancadas, substitudas por 4 barras de kg de ouro fino! Acontece que todas as barras, pelo menos as que cons-tam nestas fotos, ostentam o carimbo da firma de afinao de ouro de Lisboa A Afinadora, o que significa que o contrabando era efectuado de Lisboa para Goa, talvez uma forma de perpe-tuar, agora com toda a propriedade, o mito da Goa Dourada Quantas eram ao todo e que destino tiveram, disso nunca nos foram prestadas contas, as 390 joias serviram para conten-tar o povo, os mais de 100 kg de barras de ouro puro, esses, at prova em contrrio, foram para contentamento de outros.

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    Mas no este erro de tabuada que nos preocu-pa, sim o facto de as joias que foram devolvidas no terem sido estudadas e fotografadas. Estamos a falar em milhares e milhares de joias sobre as quais no temos informao alguma, se havia gemas importan-tes, se mais tipologias apareciam para alm das que integraram as colees do MNAA, se era pratica da sociedade goesa a adaptao de elementos de pocas diferentes, se existiam joias feitas em Portugal conti-nental (as barras de ouro que esto nas fotos tm todas marcas da Afinadora, conhecida casa de Lisboa que ainda existe nos dias de hoje), bem como uma anlise por XRF para determinar a escala de variao dos toques de ouro, para no falar na informao gemolgica que essas joias nos tinham dado. Sempre nos foi dito que as joias no eram pro-priedade nem do Estado Portugus nem do Banco Nacional Ultramarino e, sendo propriedade de particu-lares residentes na ndia, por tal motivo no podiam ser por ningum estudadas e muito menos reveladas ao pblico. Nunca iremos aceitar tal argumento; se estas poucas centenas so assim to importantes, sendo que os prprios autores dos vrios estudos publicados no catlogo afirmam que nem sequer sabiam da exis-tncia de uma srie de tipologias, imaginem o rol de informao que no estava na mais de meia tonelada devolvida! Outra questo que agora se levanta de quem pode aceder a este esplio, se um exclusivo de uns poucos eleitos, ou se h forma de outros poderem estud-las, mediante requerimento devidamente funda-mentado? Consideramos que o catlogo da exposio est bem feito e tem textos de qualidade, mas nem de perto nem de longe d a informao que um tcnico necessita, faltam macrofotografias, imagens dos versos das peas, dos sistemas de fecho dos brincos, porme-nores das gemas - sua origem geogrfica, utilizao ou no de forros coloridos, bem como se existem gemas pintadas nas bases ou no, pratica habitual na joalha-ria indiana. que basta ler a informao, tanto no texto de Usha Balakrishnan como no de Lusa Penalva / Hugo Miguel Crespo, de que os colares Fator possuem Malaquites provenientes de Moambique. No temos informao da sua explorao h to longo tempo, s a provncia de Manila que possui malaquite, pedra mui-to mais popular em Angola, proveniente essencialmen-te do antigo Zaire. O estudo pormenorizado das gemas permite muitas das vezes saber a sua provenincia exata, bem como estabelecer rotas comerciais que tm um evidente interesse histrico. Outro dado que julgamos que teria sido importan-te dar no catlogo, o relativo origem das joias. Lu-sa Penalva e Hugo Crespo citam como fonte primor-dial para este estudo a Relao das joias e objectos de 1932, salientando que a mesma permite pela pri-meira vez na historiografia da joalharia oriental, poder-mos relacionar peas ainda existentes com a nomen-clatura local usada para as nomear e descrever de uma forma oficial e necessariamente precisa. Acontece que esse documento de 1932, uma

    cpia certificada de um inventrio, esse manuscrito e datado de 1911, no sabendo ns por quem nem onde e a que peas se refere. Apresentar a verso de 1932 como forma oficial e necessariamente precisa de designar as peas, tudo depende de quem a fez, e isso no dito. Ser que todo e qualquer funcionrio judi-cial era to versado na nomenclatura das joias goe-sas? Era esse funcionrio do continente ou gos? Foi um sozinho ou houve interveno de um qualquer peri-to junto da entidade que procedeu a essa relao, que sobre isso nada adiantado? No uma questo de pormenor, que achamos um pouco arriscado apresentar tal facto como verso oficial e historiografi-camente inquestionvel, tudo depende por quem foi elaborada. Importante o original dessa relao estar data-do de 1911 e 1932 ser a data da sua transcrio dacti-lografada, pois assegura que as peas em questo so inquestionavelmente anteriores a 1911. Vem isto a pro-psito das dataes dadas s peas, onde vemos, por exemplo, uma moeda do reinado de D. Jos, com a data de 1776, adaptada a pendente onde as duas argolas para suspenso num fio esto ocultas, pela frente, com uma roscea de ouro feita em calotas face-tadas e tendo ao centro um vidro vermelho, sendo o conjunto datado do sc. XVIII. Se fossemos datar os pendentes pelas datas das moedas, penso que em 99,9 % dos casos estvamos a incorrer em erro, alm de que tnhamos que situar todos os colares Bulgari com moedas romanas como feitos no reinado do impe-rador correspondente e esses numismas! No caso das pulseiras, as to clebres escravas indianas Kankanam, temos que a sua datao se reparte entre o sc. XIX e XX, no havendo nenhum conjunto que seja datado sc. XIX / XX, o que levanta a questo de qual ser o pormenor (que no vislumbra-mos) que levou a determinar que umas so do dezano-ve e as outras do vinte, sem uma dvida que pode ser de escassos meses ou mesmo dias. O que distingue uma pulseira de 1899 de uma de 1901? Tambm que-remos aprender como se distinguem, ainda h poucos dias estivemos a avaliar uma srie delas, de uma fam-lia goesa, e com um trabalho curioso e distinto de qual-quer das presentes no catlogo, e seria de grande utili-dade saber das diferenas. As que vimos so constitu-das por duas pulseiras rgidas distintas, em que uma encaixa na outra, sendo a que fica encaixada, que a que apresenta o trabalho de facetado, presa outra pela dentio muito pequena que esta possui e permite segurar eficientemente a outra, como se de trabalho de cravao se tratasse. Vistas normalmente parecem fei-tas de um s fio. No geral quase todas as joias so datadas como feitas no sc. XIX, sendo que para as que foi apontada uma datao entre os sc. XVII e XVIII h sempre um ponto de interrogao, o que faz todo o sentido quando se trata de joias indianas, j que a tendncia que existe para tudo o que tenha essa provenincia, datar como sculo XVII, como se aps essa data tivessem todos entrado em greve!

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    Poucas semanas aps o encerramento dos Esplendores do Oriente, eis que no Museu do Oriente se inaugura a exposio sobre as Joias da Carreira da India. Como comissrio tnhamos Hugo Miguel Cres-po, sendo a coordenao cientfica da responsabilida-de de Nuno Vassallo e Silva. Subindo as escadas e virando direita, coisa que se faz por instinto ou sublimada interiorizao das regras de trnsito, eis que iniciamos a visita pela pea 197, a ltima do catlogo! Mas como nada indicava que havia uma ordem cronolgica, l vimos os Kris e somos atrados por algo bem conhecido, dois teros (rosrios) em prata, com as contas em filigrana. H memria veio logo o conjunto de teros, um em prata e outro em ouro, oferecidos a Laurinda Silva em 1966 pelo Rgulo de Atsabe, D. Guilherme Maria Gonalves, que se tornaria famoso ao fundar a APODETI em 1974.

    Quando fui a Atsabe, por duas vezes, nunca consegui encontrar nenhum ourives, ainda me deslo-quei ao Suco Laao, pequena vila onde morava um afamado ourives, mas que tinha fugido em 1999 para Atambua e no havia ainda regressado quando l esti-ve. Entre Laao, nome correto, e Lao que h muita confuso, mas os timorenses a isso j se habituaram h muito. Apesar de a maioria dos trabalhos ser em prata, tambm existem em ouro, muito mais raros, com a particularidade de os timorenses recorrerem, antes da invaso indonsia, a um astuto mtodo de colher o ouro nas ribeiras: colocavam uma pele de cabra com os pelos orientados no sentido de onde vem a gua, assim recolhendo sem esforo as peque-nas partculas de ouro que, devido ao seu elevado peso especfico, ficavam retidas entre os pelos. Depois, passados alguns dias, era s retirar e secar a pele e sacudi-la sobre folhas de jornal, estava evitado o cansativo recurso s clssicas bateias... Como em Atsabe estava localizado o quartel de Cavalaria 6, e penso que mais um de Infantaria, havia sempre tropas portugueses como potenciais clientes desses ourives, que para o Continente depois traziam as peas l feitas, como possvel constatar na expo-sio permanente do Museu do Oriente.

    Do MNAA para o Museu do Oriente...

    No pude deixar de reparar no erro, tanto nas legendas junto s peas como no prprio catlogo, ao designarem Atsabe como Atsebe. Em nenhum dos 30 dialetos de Timor se escreve ou pronuncia desse modo, mas um erro que existe noutras placas do Museu do Oriente, se bem que em nenhuma das suas publicaes tal acontea. Parece um pequeno porme-nor, mas no . Quando se pretende demonstrar as pequenas subtilezas dos estilemas que caracterizam as filigranas produzidas em tempos e regies distintas, no saber como se escreve Atsabe o mesmo que falar da filigrana portuguesa citando Gandomar ou Tra-vessos, arrepia qualquer um. Para mais, que saiba-mos, so de Atsabe as nicas filmagens sobre ourives trabalhando, realizadas nos anos 60 e disponibilizadas online.

  • No Editorial escrevemos, a propsito da Arte Indo-Portuguesa, que a mesma uma Twilight Zone onde tudo pode ser o que a nossa imaginao quiser, inclusive o seu contrrio; onde as peas viajam no tempo e no espao ao sabor das modas e ao ritmo a que novos colecionadores vo entrando no mer-cado, saltando entre continentes e esgueirando-se por entre calendrios, onde a nica certeza que acabam quase sempre catalogadas ao gosto de quem melhor as paga! Chegou a hora de demostrar esse facto, e come-amos por uma caixa oval em prata, cuja tampa em mbar. No curto espao de trs anos foi trs vezes a leilo, sempre com origens diferentes mas de todas as vezes descrita como tendo trabalho de filigrana. Basta olhar para qualquer das imagens para concluir que no h nada semelhante com filigrana, um trabalho de prata vazada que depois foi cuidadosa e pormenoriza-damente gravada a buril, mas este erro no para espantar, pois a filigrana a tcnica de ornamentao por excelncia dessa Twilight Zone! Aqui o curioso constatar a correlao que exis-te entre geografia e dinheiro: Alterando a origem geo-grfica, logo temos uma alterao no valor da pea em questo, um autntico sistema de vasos comunican-tes. O curioso que pela primeira vez (neste perodo de tempo, pois com certeza que outras viagens j tinha feito anteriormente) a Christies a apresentou como possivelmente do Bltico de meados do sc. XVII. Foi vendida por 5.000, isto em Junho de 2010. Nem deve ter sado de King Street, foi s mudar de departamento, pois lgo em Outubro era apresentada como sendo pro-vavelmente de Guzarate, passando de meados para inicio do sc. XVII. Claro que agora j apareceu um portugus a dis-put-la, ou no fosse o leilo subordinado ao tema Art of the Islamic and India Worlds, ficando com ela por 8.750. Acontece que soube da situao anterior, e de que afinal da mtica filigrana indiana no tinha nem um cabeloIsso fez com que tentasse desfazer-se dela, mesmo perdendo uns milhares de Libras, colocando-a venda na Sothebys, em Outubro de 2013, desta vez num leilo intitulado Art of Imperial India.

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    A Sothebys agora (a pedido do vendedor, est claro, e este dos bons) j colocou Goa como pro-vvel origem, compensando com uma datao mais realista de finais do sc. XVII ou inicio do XVIII. O valor de reserva era de 4.000, menos de metade do que tinha pago 3 anos antes. No houve comprador! Acontece que este tipo de peas, quando apre-sentadas como sendo da India ou de Goa, tinham como destino final aquele que agora a vendia, que as disputava com os comerciantes que as tentavam com-prar para em seguida lhe venderem, fenmeno mais frequente do que muitos pensam. O mesmo se tinha passado com as salvas quinhentistas, se bem que dis-putadas por um leque um pouco mais alargado de colecionadores ( trs, para sermos precisos), onde se inclua o prprio. Hoje tambm j no valem metade do dinheiro que foi pago nos bons velhos tempos, mas isso ser tema para o prximo nmero desta revista. H uma forma de no perder tanto dinheiro, que consiste em emprestar as peas que tencionamos ven-der para figurarem numa exposio, de preferncia em Museu credvel, sendo assim branqueadas e colocadas novamente no mercado com uma substancial mais valia. No regra, mas sempre til seguir estes dois percursos, o cultural e o comercial, pois no so para-lelos e quase sempre acabam por se cruzar!

  • Um outro tipo de cruzamento tinha tido um clebre contador indo-portugus, apresentado ao pblico pela primeira vez na gran-diosa exposio realizada em Londres, em 1955-56, tendo por cenrio a Royal Academy of Arts. Presidida pelo h poca incon-tornvel Professor Doutor Reynaldo dos Santos, nela surgiu com um especial destaque um Contador do sc. XVII, assim descrito - Um contador porm escepcional () de tartaruga e pregaria, constitua uma pea rara generosamente cedida pela sua possui-dora, Senhora D. Amlia Freitas de Carvalho. Cerca de 30 anos depois, eis que o mesmo contador figura agora no esplendor do Mosteiro dos Jernimos, integrando a cle-bre XVII Exposio Europeia de Arte Cincia e Cultura, sendo a descrio de Maria Helena Mendes Pinto possvel de ler na figura direita. O que se passa de errado com este contador? Bem, de erra-do tem tudo, mas foi preciso que o caso chegasse aos tribunais para que os peritos, e estamos a falar em nomes consagrados, dissessem a verdade. que num tribunal fala-se sobre juramento, e no se pode argumentar que no se viu bem ou que parece, a inimputabilidade que apangio de exposies e catlogos aqui no tem lugar, muito dinheiro em jogo e a condenao ou absol-vio de uma pessoa que est em causa. Mas foi fcil demonstrar que se tratava de algo a que nem a palavra falso ou imitao se pode empregar, uma fantasia bara-ta, feita integramente em madeira de pinho (!!!) com aplicao de tachas que so completamente distintas das empregues na India, e cavilhadas em stios absurdos. Basta tirar uma gaveta para ver que o desgaste inexistente, vendo-se sim ainda contas e medi-das escritas a lpis pelo marceneiro! Da tal folha de ouro sobre a qual estaria aplicada a tartaruga, descrita por Helena Mendes Pinto, no s no h o mnimo vest-gio como o que h, e muito bem se v, so restos de tinta amarela que escorreu para fora da rea sobre a qual est a tartaruga, inclu-sive provocando manchas amarelas nas tbuas de pinho. Todos foram unnimes em garantir ao tribunal que, na melhor das hipte-ses, se trata de um mvel feito em Portugal no final do sc. XIX, sendo muito provavelmente j do XX, em que as prprias partes que aparentam ser de bano, so na realidade pinho pintado a negro! Um pastiche que quanto muito pode ser considerado uma pea de cenrio, daquelas que s enganam ao longe. Como foi possvel estar durante quase um ano na Royal Aca-demy of Arts e durantes largos meses exposto nos Jernimos, sem que algum tivesse notado que algo de errado havia, um dos muitos mistrios em que as artes decorativas so prdigas.

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    O grande problema que, quando os erros so detetados, raras vezes o desmentido publi-cado, como o presente caso, fazendo com que os estudantes e apreciadores das artes decorati-vas continuem a tomar como verdades absolutas tudo aquilo que foi escrito pelas maiores e mais reputadas autoridades na matria. O projecto Tesouro da Vidigueira um dos raros casos em que as verdades absolutas foram frontal e brilhantemente questionadas, concluindo-se que todos tinham estado errados ao longo de dezenas e dezenas de anos, repetindo o que os outros haviam dito ou repetindo-se a si prprios. Quantas Vidigueiras mais no andam por a?

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    Quando se comea a ler o captulo do catlogo das Joias da Carreira da India, intitulado Tecnologia, debuxo e ornamento, as palavras de Hugo Miguel Crespo soam como a algo h muito desejado mas de que j havamos perdido a esperana de alguma vez ler. Para alm do estudo das fontes documentais, que ajudam a traar o contexto epocal das encomen-das, modelos, produo e consumo dos objectos pre-ciosos de ouro e prata que viajaram entre a Carreira da India, cumpre tambm o seu estudo material, atravs do exame visual das particularidades estruturais ou construtivas e anlise dos seus aspectos iconogrficos e decorativos. a discusso dos resultados desse tipo de exame, a partir da observao cuidada dos objectos aqui expostos, que se seguir. Totalmente de acordo, vamos ento discusso desses resultados, que no catlogo no se seguiu discusso nenhuma, pois foi s o autor que escreveu, o que no uma discusso mas sim um monlogo. Acontece que, concordando inteiramente com a imprescindibilidade do estudo material das peas, recordamos que s a uma das partes foi dada essa possibilidade, ns (e todos) tivemos que ficar do lado de c das vitrines, observando as peas ao longe. Assumindo essa desvantagem, vamos partir ento para a verdadeira discusso! Seguidamente Hugo Miguel Crespo escreve que ficamos a carecer, no entanto, da anlise qumica ele-mentar da prata e ouro, nas suas ligas (com as percen-tagens) e, mais importante, na identificao dos ele-mentos vestigiais (caso do chumbo, bismuto e merc-rio) que permitiriam o reconhecimento da origem geolgica e particularidades tcnicas de refinamento, referindo seguidamente que Aguardam-se com expec-tativa os resultados da investigao de doutoramento de Rui Cmara Borges () cujo tema a Ourivesaria de prata portuguesa dos sculos XV a XVIICaracterizao das ligas de prata e relaes de pro-venincia. Quanto a esta questo das ligas, comeamos j por dizer que tambm aguardamos esses resultados, s que, contrariamente a Hugo Crespo, fazemo-lo com o maior dos receios. que imaginar uma qualquer po-ca em que os ourives usavam somente metais nativos, pode ser exequvel num cenrio de peas arqueolgi-cas, nas eras mais recentes nem os ourives de Atsabe, com as suas peles de cabra, o faziam inteiramente, pois a esse ouro quase puro adicionavam outros metais para baixar o toque, dando as devidas proprie-dades liga para poder ser trabalhada. Ora nos scu-los XV a XVII, ou noutros quaisquer, os ourives tanto utilizavam moedas como artefactos que reciclavam, com a agravante de que muitas das peas do sc. XV e praticamente todas as do XVII no possuem marcas. Como Rui Cmara Borges no um expert de ourive-saria, aceita como portugus e dessa poca tudo o que lhe emprestado com essa classificao, e sabemos bem como algumas dessas peas ou no so portu-guesas ou no so da poca que dizem ser.

    Outro aspecto o de Hugo Crespo almejar entender as particularidades tcnicas de refinamento. Isso s possvel quando se analisa o ouro depois de refinado, ora o que Hugo Crespo tem em mos so ligas feitas a partir desse ouro puro, escusado procu-rar cdigos genticos em ligas metlicas porque eles no existem, depois de feita a liga impossvel saber de que minas vieram os componentes, isso s se con-segue em peas arqueolgicas de ouro feitas no famo-so electrum. Quem est no negcio e no num mundo idlico, sabe das vigarices que se fazem com pseudo pepitas de coleo, onde a partir de verdadeiras se fazem moldes e depois se fundem com ligas que se sabem serem caractersticas desta ou daquela mina, e l esto os papalvos a compr-las a 5 e 1