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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS GRUPO DE ESTUDOS: DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE RELATÓRIO SOCIOANTROPOLÓGICO RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e outras comunidades tradicionais na luta por justiça e direitos territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil Organização: GEDMMA 1 São Luís/MA 2014 1 O GEDMMA, Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, é coordenado pelos professores da Universidade Federal do Maranhão: Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior (DESOC), Bartolomeu Rodrigues Mendonça (COLUN), Cíndia Brustolin (DESOC), Samarone Carvalho Marinho (DEGEO), Elio de Jesus Pantoja Alves (DESOC), Madian de Jesus Frazão Pereira (DESOC).

Relatorio SocioAntropológico - RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e outras comunidades tradicionais na luta por justiça e direitos territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil

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Síntese socioantropológica do território da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, São Luís, Maranhão, Brasil.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS

    GRUPO DE ESTUDOS: DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE

    RELATRIO SOCIOANTROPOLGICO

    RESEX de Tau-Mirim: Cajueiro e outras comunidades tradicionais na luta por justia

    e direitos territoriais, Zona Rural II, So Lus/MA - Brasil

    Organizao:

    GEDMMA1

    So Lus/MA

    2014

    1 O GEDMMA, Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, coordenado pelos

    professores da Universidade Federal do Maranho: Horcio Antunes de SantAna Jnior (DESOC), Bartolomeu Rodrigues Mendona (COLUN), Cndia Brustolin (DESOC), Samarone Carvalho Marinho (DEGEO), Elio de

    Jesus Pantoja Alves (DESOC), Madian de Jesus Frazo Pereira (DESOC).

  • 2

    SUMRIO

    Apresentao 03

    a) Comunidades tradicionais e afirmao de direitos territoriais e ambientais 04

    b) Situaes de Insegurana em Cajueiro - desapossamento forado, jagunos e medo 11

    c) Novos empreendimentos e velhas estratgias - instalao forada da empresa na

    localidade e as ambiguidades da ao do Estado 16

    REFERNCIAS 27

    APNDICE 01

    Estudos realizados pelo GEDMMA no Territrio da RESEX de Tau-Mirim 29

    APNDICE 02

    Suposto stio eletrnico da empresa WPR 36

    APNDICE 03

    WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda. 37

    APNDICE 04

    Fotos do processo de resistncia das comunidades do Territrio da RESEX de Tau-Mirim 39

    ANEXO 01

    Histria de Nonato 40

    ANEXO 02

    Mapas da RESEX de Tau-Mirim, So Lus, Maranho, Brasil 42

  • 3

    Apresentao

    Este relatrio, sntese socioantropolgica do territrio da Reserva Extrativista de

    Tau-Mirm, So Lus, Maranho, Brasil, foi organizado pelos pesquisadores do GEDMMA -

    Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente2: Horcio Antunes

    SantAna Jnior, professor do DESOC/PPGCSoc/PPGPP, doutor em Cincias Humanas

    Sociologia pela UFRJ; Samarone Carvalho Marinho, professor do DEGEO, doutor em

    Geografia Humana pela USP; Cndia Brustolin, professora do DESOC, doutora em

    Sociologia pela UFRGS, Madian de Jesus Frazo Pereira, professora do DESOC, antroploga

    e doutora em Sociologia pela UFPB; Elio de Jesus Pantoja Alves, professor do DESOC,

    doutor em Cincias Humanas Sociologia pela UFRJ; Bartolomeu Rodrigues Mendona,

    professor do COLUN, doutorando em Cincias Sociais pela UFMA. Tambm contou com a

    participao dos pesquisadores: Jos Arnaldo Ribeiro Jnior, mestre em Geografia

    Humana/USP; Jadeylson Ferreira Moreira, mestrando em Cincias Sociais/UFMA; Tayann

    Santos Conceio de Jesus, graduanda em Histria/UFMA; Josemiro Ferreira de Oliveira,

    graduando em Cincias Sociais/UFMA.

    O GEDMMA, desde 2004, realiza pesquisas no territrio tnico que abrange as

    comunidades da rea rural da Ilha do Maranho, em So Lus, estado do Maranho, que

    demandam a criao da RESEX de Tau-Mirim. Na rea, encontram-se as comunidades de

    Rio dos Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Vila Cajueiro, Portinho, Ilha Pequena,

    Embaubal, Jacamim, Amap, e Tau-Mirim. Alm dessas, integram tambm o territrio e so

    abrangidas pelas pesquisas do GEDMMA as comunidades de Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila

    Collier, Vila Maranho, Stio So Benedito, Me Chica, Vila Conceio, Camboa dos Frades.

    O GEDMMA formalizou sua atuao de pesquisa em 2005, com o projeto:

    Modernidade, Desenvolvimento e Conseqncias Scio-Ambientais: a implantao do plo

    Siderrgico na Ilha de So Lus-MA, vigente at 2009. A partir desse ano at 2013, o grupo

    desenvolveu o projeto de pesquisa e extenso com o ttulo: Projetos de Desenvolvimento e

    Conflitos Socioambientais no Maranho, desses dois projetos resultaram inmeros relatrios

    de pesquisa de iniciao cientfica, monografias de graduao, dissertaes de mestrado e

    artigos apresentados em eventos acadmicos e publicados em peridicos cientficos. Dentre

    essas produes acadmicas, a sua maioria teve como plano de anlise exatamente o territrio

    2 O GEDMMA vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia e aos Programas de Ps-graduao

    em Cincias Sociais e Polticas Pblicas, da Universidade Federal do Maranho.

  • 4

    j citado e seus sujeitos e instituies sociais que disputam o controle territorial (ver Apndice

    01)3.

    Os estudos realizados pelo grupo, na ltima dcada, na Zona Rural II de So Lus,

    procuraram compreender a organizao social, econmica e cultural das referidas

    comunidades; seus modos e meios de vida, suas formas de mobilizao para manuteno do

    territrio e defesa de sua identidade. Os estudos discutem tambm a atuao de empresas e do

    Estado nos processos de disputa pelo controle do territrio e na relao com os moradores

    locais.

    Com base na trajetria de pesquisa mencionada e diante de conflitos e tenses

    acumulados ao longo de dcadas e retomados no decorrer de 2014, o GEDMMA prope que

    se reconhea a existncia dessas comunidades tradicionais que tm intensas relaes com

    os recursos naturais da localidade, com a criao da RESEX de Tau-mirim, importante

    para a reproduo social e cultural dos grupos que ali vivem, bem como, para a conservao

    do frgil sistema ecolgico da Ilha do Maranho, e que sejam denunciadas situaes de

    violncia relacionadas realizao de novos empreendimentos na Zona Rural II, com

    especial ateno situao pela qual passa atualmente a comunidade de Cajueiro.

    Para dar conta dessa proposio, este documento organiza-se ento em trs eixos

    centrais: a) Comunidades tradicionais e afirmao de direitos territoriais e ambientais - a

    necessidade da consolidao da RESEX de Tau-Mirim para a proteo ambiental da Ilha do

    Maranho e reproduo social e cultural das comunidades de pescadores artesanais,

    ribeirinhos e agricultores; b) Situaes de Insegurana em Cajueiro - desapossamento

    forado, jagunos e medo; c) Novos empreendimentos e velhas estratgias - instalao

    forada da empresa WPR - So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda. na localidade e as

    ambiguidades da ao do Estado.

    a) Comunidades tradicionais e afirmao de direitos territoriais e ambientais

    Os estudos realizados pelo GEDMMA apontam a existncia de mais de 12

    comunidades tradicionais na Zona Rural II de So Lus. Esses grupos, a exemplo de outros

    em diversas regies do pas, vivem de uma economia familiar polivalente (ALMEIDA, 2004),

    onde prevalecem atividades extrativistas, a pesca, criao de animais de pequeno porte e a

    pequena agricultura de roas. Muitas atividades so realizas em comum, como a pesca e os

    mutires para os roados. Parte dos grupos tem sua origem social ligada s comunidades

    3 A maior parte desse material encontra-se disponvel na pgina eletrnica: www.gedmma.ufma.br.

    AmandaRealce

    AmandaRealce

    AmandaRealce

  • 5

    negras de Alcntara, Bequimo, Anajatuba, dentre outros municpios da Baixada Maranhense

    e ao processo de escravido no Maranho. Em pesquisas recentes, pde-se observar tambm

    uma possvel ancestralidade ligada ao povoamento indgena nessa regio que remete ao

    perodo colonial, j que nomes semelhantes aos de algumas comunidades, como Rio dos

    Cachorros, tm correspondentes histricos em localidades indgenas como Januarem

    (cachorro grande ou aldeia do cachorro, na toponmia tupinamb) que aparecem em mapas

    do sculo XVI em espao territorial compatvel ao da comunidade no presente (SILVA, 2009;

    DE JESUS, 2014; MAIA, 2014).

    Nesse sentido, unindo diversas matrizes, principalmente a quilombola, na

    comunidade de Cajueiro existe a runa do Terreiro do Egito, que reconhecido como um dos

    terreiros mais antigos do Brasil pelos praticantes das religies de matriz africana. Lugar que

    simboliza a resistncia centenria de um povo, conforme nos revelam as memrias do Pai

    Euclides, pai-de-santo de grande notoriedade para alm da Ilha do Maranho, o Morro do

    Egito, em Cajueiro, servia nos idos da colnia at de quilombo, alguns negros que vinham

    fugidos de Cururupu, Guimares, passavam por l embarcados [..] que ngo que se jogava no

    mar [..] por conta da opresso, de no querer se submeter a essa coisa toda n [...] (Entrevista

    com Pai Euclides, 30.10.2014).

    As runas do antigo Terreiro do Egito4 esto localizadas no territrio de Cajueiro,

    encravado numa elevao prxima ao Porto do Itaqui. Nos dias de festa, segundo relatos

    coletados, avistava-se o navio encantado do Rei Dom Joo. Segundo Pai Euclides, era

    chamado de Il Niame e teria sido fundado pela negra africana Baslia Sofia, cujo nome

    privado era Massinoc Alapong5, vinda de Cumassi, na Costa do Ouro atual Gana. Ela teria

    chegado ao Maranho em 1864 e falecido em 1911. O Terreiro do Egito seria Fanti-Ashanti e

    teria dado origem a diversos terreiros de So Lus, como a Casa Fanti-Ashanti de Pai Euclides

    (FERRETI, 2009). Isso ganha maior relevo na fala da autoridade religiosa, Pai Euclides.

    Pergunta: Pai Euclides, qual o perodo de visita que tem para o Morro do Egito?

    Tem um perodo especfico que as pessoas se juntam e vo at l?

    Pai Euclides: No, qualquer momento o pessoal pode ir, mas como eu fiquei aqui

    talvez um pouco isolado, eu sempre aproveito o ms de Julho que a gente t em

    festa, a festa maior daqui de casa e desses dias eu tiro de preferncia no ltimo dia

    de toque aqui. A, eu reno o pessoal, o grupo aqui e a gente vai pra l e a gente l

    canta, reza ... as que so pra cantar. s vezes, leva algum pouquinho de oferenda pra

    colocar em algumas rvores, porque at isso foi desmatado. Ali era um terreiro que

    4 Em 2013, o IPHAN (Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) abriu o processo de registro do

    Terreiro do Egito como stio arqueolgico (cf. BRASIL, 2014, p. 255). 5 A fundadora desse Terreiro [Egito] chamava-se Massinoc Alapong, ela veio como escrava n, no se sabe se ela foi ou no liberta, a gente imagina que ela veio foragida n, e aportou ali [..] Primeiro ela morou no

    Parnauau, a ela passeando por ali naquela redondeza toda, ela admirou muito aquele alto e a gente no sabe at

    hoje porque ela colocou o nome de Egito l no morro, isso aconteceu essa fundao l em 1864.

  • 6

    no tinha esse negcio de quarto de Peji6, os assentamentos, os feitios l eram

    exatamente nas rvores consagradas a determinadas divindades, tinha rvores pra

    vrias entidades l e a a gente fazia todo o processo de imolao, no sei o que. A

    gente cortava as pindobas que l tem bastante e a gente fazia tipo um crculo em

    volta do p de rvores e ali a gente fazia a imolao de animais, no sei o que...

    Recolhia as pessoas para a iniciao, era tudo isso. Outras pessoas de fora no

    podiam chegar ah no vai pra ai agora, no vai pra ai no sei o que. Tinha todo o respeito, o povo alm de respeitar tinha aquele medo da coisa e essa histria toda

    assim (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014).

    Pai Euclides ainda se refere s geraes herdeiras do Terreiro do Egito e da sua

    importncia para a continuidade do culto afro:

    [...] tm casas assim, que no deixam de no ser, assim digamos uma corrente, que

    pode se considerar da famlia, porque tem o terreiro ali no Lira, na rua Padre Roma,

    que o terreiro de Margarida Mota, ela foi filha de santo do Egito [...] ela j faleceu,

    mas o terreiro continua [...] tem o terreiro da F em Deus, do Jorge Itacy de Oliveira,

    ele tambm morreu [...] mas a casa continua, essas pessoas que esto l no deixam

    de ser netos do Terreiro do Egito. Tem o terreiro aqui no Po de Acar, tambm

    que de [...] Manuel Curador, ele tambm j morreu [...] Se for buscar essa questo

    j de neto, tem muito, mas de filho s tem eu, todos j morreram. [...] Inclusive eu

    tenho uns filhos de santo que tm terreiro n, que so netos de l, tem ali o

    Nhizinho em Ribamar, tem Itaparandi aqui no Maiobo, tem Wender na Liberdade,

    tem o Remdio aqui no So Bernardo, tem Tabajara aqui no Maiobo, [...] Venina

    aqui no Zumbi, tem aqui Abrao no Parque Vitria, que so meus filhos [...] que so

    netos de l.

    Pergunta: Ento o Terreiro do Egito, como o senhor est falando, a pedra fundamental da maioria dos terreiros daqui de So Lus? Eu acredito que sim, porque foi da onde saiu mais filhos de santo, que abriu casa foi Egito, nenhuma

    outra casa, nem casa de Nag, Casa das Minas, no abriram mo pra ter filiado

    assim, o Egito teve muito mais [...] parece que so 15 a 16 filhos de santo l que

    abriram casa. [...] Aonde saram mais filhos foi do Egito [...]. Do Egito at onde eu

    sei, abriu casa seu Zacarias, Zacarias do Nascimento; Denira, Margarida Mota,

    Tiodora de Longuim, Jorge Itacy de Oliveira, Z de Ciriaco,Raimundo Mem,

    Manoel Constantino, Manoel do Po de Acar, Eu, Dica de Averekte, [...]

    Vernica, [...] do Bairro de Ftima [...] todos esto com Deus, s tem vivo eu. Agora

    tiveram outros filhos que passaram por l, mas no abriram casa, falei desses que

    abriram casa. Mem e Z de Ciriaco, foi em Guimares, abriram casa em Guimares

    esses outros foram tudo aqui na Cidade (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014).

    A narrativa do Pai Euclides demonstra a importncia fundamental do Territrio do

    Cajueiro, particularmente no que diz respeito ao Morro do Egito, que vislumbra nas suas

    runas, memrias, distines e genealogias quase que irreconstituveis na linha do tempo

    presente. A estrutura fsica e simblica guarda um conjunto de significados e fatos que

    ajudam a contar a histria do lugar, como lugar de referncia, adorao, mas tambm de

    resistncia do passado memorial e imemorial daqueles que chegaram at a Ilha do Maranho

    trazidos por ventos que guiaram no as velas dos navios do Itaqui e da Ponta da Madeira, mas

    barcos carregados do que seria a maior experincia constituinte da histria do Maranho e do

    Brasil.

    6 Cmodo existente em terreiros de culto afro-brasileiro, utilizado para realizao de oferendas a divindades.

  • 7

    O Morro do Egito, lugar sagrado da ancestralidade afro em So Lus, possui

    significado mpar para a autoridade religiosa da Casa Fanti-Ashanti,

    Pergunta: o que move o senhor a ir l, a continuar essa relao prxima com o

    Terreiro do Egito?

    Pai Euclides: Muitas coisas, primeiro a conscincia, eu saber que eu sou escolhido

    por uma ancestralidade, fui pra l ainda criana, eu fui pra l com sete anos de idade,

    eu entrei no Egito em 1944, e l eu me tratei [...] (Entrevista com Pai Euclides,

    30.10.2014).

    Fazer memria da importncia do territrio em questo tombar nas particularidades

    histricas contidas no interior das representaes sociais. Cajueiro no s constitudo de

    terra para plantar e colher, s no d, s o que no se planta (fala de morador), do mar para

    retirar o pescado, do mangue para o berrio das espcies endmicas e no endmicas, mas

    tambm de significados que extrapolam as condies etnogrficas de descrio. O apreo que

    o lugar traz, para os filhos e filhas de santos do Maranho, supera em suas especificidades, a

    grandiosidade de qualquer navio que no seja aquele conduzido por D. Joo nas guas da Baa

    de So Marcos. Segundo praticantes de religies afro-brasileiras, a princesa Ina, entidade

    protetora das guas do Itaqui, por vezes ou outras, expressa o seu descontentamento em

    relao s ambies dos homens, no aqueles que jogam suas redes ao mar e retiram seu

    sustento de l, mas daqueles que desconhecem a natureza local e negligenciam a imponncia

    de um mar que guarda segredos e castiga os mais desavisados aventureiros do capital.

    A Comunidade de Cajueiro, que toma parte do Territrio da RESEX de Tau-Mirim,

    nas narrativas dos moradores e dos praticantes dos cultos afros carece de preservao. A

    exemplo disso, o Pai Euclides diz que

    [...] preservar, primeiro porque to antigo, voc j imaginou? 1864. Sabe Deus o

    que que aquela mulher no sofreu pra levar aquilo em frente, e chamava o povo, que

    todo mundo ia daqui da cidade, pra ver embora por curiosidade pra ver, porque tinha

    a histria do aparecimento do navio, o navio de D. Joo, isso no conto de fada,

    coisa verdica, voc est aqui no morro e cantando no sei o que, p, r r, o tambor (...) l vem, l vem, l vem, no sei o que, daqui de cima noite voc via o navio l fora, aquela luzinha e tudo, a o encantado dizia: olha ... s vezes ele falava antes e...

    se prepara a, no sei o que, que o navio vai chegar tal hora e aquilo era x. Nesse tempo no tinha esse porto do Itaqui nem nada, a o encantado dizia: olha o navio vai embora tal hora, por causa da mar, no sei o que, quando dava aquele horrio todo mundo vinha pro pau da pacincia cantando, botava o tambor pra fora e pi, pi,

    pi e a o navio saa, quer dizer em vez dele dar continuidade ele ia (som) terminava

    ficando submerso. Ento, era uma coisa assim impressionante. O povo se deslocava

    daqui da cidade, que iam mais gente embarcada que por terra que era mais longe, pra

    ver a questo deste navio encantado, o navio D. Joo (Entrevista com Pai Euclides,

    30.10.2014).

    Esse territrio tnico, por combinar heranas culturais to especficas s prticas

    sociais do presente, que tm na reproduo sociocultural o enfoque da preservao ambiental,

    um espao de riqueza tnica e espiritual que no pode ser desconsiderado enquanto tal, j

  • 8

    que as pessoas que ali residem trazem consigo heranas e as aplicam nos modos de viver,

    produzir e ocupar o territrio.

    A saber, o socilogo Bartolomeu Mendona, no mbito do GEDMMA, em pesquisa

    realizada na Vila Cajueiro, de 2004 a 2006, para elaborao da sua monografia de concluso

    de curso, constatou a interdependncia entre as comunidades da parte sudoeste de Ilha do

    Maranho, sugerindo a existncia de um territrio tnico7 que somente faz sentido se for

    garantida a existncia dessas relaes entre as comunidades e, portanto, da proteo da faixa

    territorial por onde se observa uma economia material e simblica prpria, j que uma

    comunidade no pode ser vista deslocada das outras com quem mantm laos afetivos,

    simblicos, econmicos e histricos h sculos (MENDONA, 2006).

    O tratamento acadmico dado ao conjunto das comunidades da parte sudoeste da

    Ilha, como sendo um territrio tnico, do qual faz parte a comunidade do Cajueiro,

    demonstrando a interdependncia social, cultural, econmica desse mosaico de comunidades,

    foi paulatinamente sendo elaborado ao longo das pesquisas do grupo e aparece de modo

    sistematizado no conjunto dos trabalhos publicados na obra produzida pelos pesquisadores do

    GEDMMA e editado pela EDUFMA: Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX de Tau-

    Mirim, no ano de 2009, bem como, nos diversos artigos publicados em peridicos, livros e

    anais de eventos cientficos e nas monografias e dissertaes elaboradas ao longo de uma

    dcada de estudos8.

    Sendo assim, a retirada compulsria de uma dessas comunidades, como est

    ocorrendo com Cajueiro, seguramente interferir em todo territrio tnico, descaracterizar

    ambiental e culturalmente a rea requerida pelas comunidades para a RESEX de Tau-Mirim,

    trar desestabilizao e insegurana queles que defendem seus modos e meios de vida

    prprios de extrativistas marinhos e, ainda, ir contra a determinao judicial que impede

    qualquer deslocamento de populaes para fins de instalao de empreendimentos industriais

    ou de infraestrutura na rea, at que o Estado se manifeste, definitivamente, sobre a

    solicitao oficial dos moradores por fazer do seu territrio a RESEX de Tau-Mirim (deciso

    judicial, proferida em 14.10.2014, no processo de ao cautelar, autos n 0046221-

    97.2014.8.10.0001 (494772014).

    7 Almeida (2006, p. 154), em seus estudos em Alcntara/MA, apresenta extensa argumentao de como diversas

    comunidades, mesmo mantendo suas singularidades, constituem um territrio tnico, vivem de modo

    interdependente e formam uma unidade territorial. Fenmeno semelhante pode-se observar no caso do mosaico de comunidades da zona rural II, de So Lus/MA, que correspondem ao territrio da RESEX de Tau-

    Mirim. 8 Esse material, tambm, encontra-se disponvel na pgina eletrnica: www.gedmma.ufma.br.

  • 9

    O territrio tnico em que a Vila Cajueiro est situada localiza-se na parte sudoeste

    da Ilha o Maranho e constitui-se de comunidades que, desde 2003, formalmente requerem a

    criao da Reserva Extrativista de Tau-Mirim. Requerimento que teve sua viabilidade

    atestada pelos estudos realizados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

    Recursos Naturais Renovveis) (IBAMA, 2006). Esses estudos tambm atestam o

    reconhecimento pelo Estado brasileiro da condio de comunidades tradicionais dos grupos

    que ali vivem, a partir da descrio de suas atividades e relaes, e da importncia do manejo

    dos recursos naturais no territrio. Apesar da comprovada viabilidade ambiental, social, e

    cultural, as comunidades aguardam, h uma dcada, a edio do decreto presidencial de

    criao, que tem esbarrado em entraves polticos.

    As comunidades que demandam a criao da RESEX de Tau-Mirim9 so: Rio dos

    Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Vila Cajueiro, Portinho, Ilha Pequena, Embaubal,

    Jacamim, Amap, e Tau-Mirim; alm dessas comunidades, que aguardam apenas o decreto

    de criao da Unidade de Conservao, tambm compem o territrio, as comunidades de

    Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila Collier, Vila Maranho, Stio So Benedito, Me Chica, Vila

    Conceio, Camboa dos Frades.

    Como esse espao visto por representantes governamentais, aliados a gestores

    empresariais, como um local com "vocao natural" para implementao de grandes

    empresas, esta lgica entra em atrito com lgicas histricas de comunidades que h sculos

    habitam o local, partilhando entre si modos de vida, de apropriao e preservao do

    territrio, alm de crenas e simbologias comuns, o que no est sendo visualizado por

    aqueles representantes, no momento em que buscam atrair grandes empreendimentos para o

    local, desconsiderando que ali residem pessoas cuja ancestralidade remonta h sculos. Os

    indcios histricos contam no mnimo 200 anos de ocupao territorial, contabilizando, por

    exemplo, a idade de moradores que nasceram no local e tambm criaram seus filhos; isto sem

    considerar indcios histricos que demonstram usos indgenas.

    A no efetivao da RESEX, a transformao da rea rural de cenrio da vida dessas

    populaes em Zona Industrial, constitui-se numa ameaa ao modo de vida tradicional dos

    grupos ali estabelecidos e ao meio ambiente em geral. A rea possui incontestvel potencial

    para o desenvolvimento de agricultura orgnica, para o incremento da pesca artesanal, da

    piscicultura e do turismo comunitrio, que deveriam ser observados pelos representantes

    governamentais como possveis maneiras de utilizao daquele espao, viabilizando, portanto,

    9 Ver mapa atual da RESEX de Tau-Mirim no ANEXO 02.

  • 10

    a permanncia daquelas comunidades como aliadas execuo deste tipo de poltica

    ambiental, como atesta o laudo do IBAMA (2006). A saber, no referido laudo foi atestado que

    a conservao ambiental na regio est aliada ao modo de vida comunitrio engendrado por

    aquelas comunidades, cujas prticas (ex.: no extrao de madeira dos mangues para fazer

    carvo, proibio da extrao de areia em algumas comunidades a fim de evitar o

    assoreamento dos cursos dgua, entre outras) possuem em si uma conscincia de preservao

    ambiental atrelada possibilidade de reproduo cultural dessas pessoas pois, contribuindo

    para manter o ambiente saudvel, sem degradaes, preserva-se o modo de vida e a

    sobrevivncia de seus filhos.

    Priorizando os ganhos do Estado e o lucro das empresas, seus representantes

    deliberadamente abstm-se de pensar formas menos agressivas de desenvolvimento, aliadas s

    maneiras de usufruir da terra sem degrad-la to fortemente, prtica e experincias que as

    comunidades possuem. A lgica predominante dos enormes lucros, sem observar as

    consequncias para essas comunidades tradicionais da rea rural de So Lus, negligenciando

    seu histrico de ocupao no local e suas prticas culturais que so consideradas como

    patrimnios culturais e, sobretudo, seus direitos enquanto cidados de habitarem sua terra.

    Dessa forma, essas pessoas encontram-se sob constantes ameaas de jagunos enviados pelas

    empresas a fim de intimid-las e coagi-las a vender suas posses por preos mnimos, sem

    considerar os vnculos produtivos e simblicos que elas tm com suas terras. A situao que

    hoje se configura em Cajueiro essa: a iminncia da expulso a partir do assdio moral e

    econmico, do embate fsico, da intimidao e das ameaas diretas.

    Criar as condies necessrias para que esses grupos permaneam em seus lugares de

    ancestralidade dever de toda a sociedade ludovicense e obrigao poltica dos poderes

    municipal, estadual e federal, uma vez que a salvaguarda desse patrimnio de explcita

    combinao material e imaterial, cultural e ambiental condio de conservao da memria,

    da histria, de como se deu a constituio territorial desta cidade, como tambm condio de

    conservao ambiental, em uma parte do territrio j to atingida por emisses de partculas

    poluentes por diversas empresas que se instalaram nas ltimas dcadas e tomaram de assalto

    parte do territrio dessas comunidades tradicionais. O desafio que se pe sociedade, aos

    gestores pblicos e aos operadores do direito fazer conviver, na prtica, diversos estilos e

    experincias de organizao social, cultural e econmica, modelos distintos de se apropriar e

    usar o meio fsico.

    Em So Lus, tem-se a oportunidade de experimentar, na prtica, o que tanto se

    alardeia na teoria e na retrica de grupos polticos: a sustentabilidade. Fazer conviver uma

  • 11

    estrutura porturia e um complexo industrial de alta tecnologia, com capacidade de altssimas

    movimentaes financeiras, que comprovadamente degradaram reas imensas de florestas, de

    reservas de gua, de reas de pesca, de brejos, nascentes e rios e destruram comunidades

    tradicionais inteiras (Macaco, Tainha, Taperuu, Tambau, Canaba, Pacuatiua, Pindotiua,

    Boqueiro, entre outras) com os modos e meios de vida das comunidades que historicamente

    comprovaram ser capazes de preservar seu territrio, seu patrimnio cultural e ambiental de

    indubitvel importncia para esta Ilha. Sendo que a proposio prtica desses grupos, h uma

    dcada, a criao da RESEX de Tau-Mirim.

    b) Situaes de Insegurana em Cajueiro - desapossamento forado, jagunos e medo

    As comunidades da Zona Rural II de So Lus tm enfrentado, tanto da parte do

    Estado do Maranho, quanto pela atuao de empresas privadas, processos intensos de

    tentativas de deslocamentos para destinao dos seus territrios a outras finalidades sociais

    que visam instalar atividades industriais ou de infraestrutura na localidade e que ignoram as

    dinmicas sociais ali estabelecidas.

    A comunidade do Cajueiro, tambm conhecida como Vila Cajueiro ou Stio Bom

    Jesus do Cajual, constitui-se de cinco pequenos ncleos assim denominados: Parnuau,

    Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro. Portanto, quando aqui nos referimos

    ao Cajueiro, o fazemos considerando o conjunto desses pequenos ncleos, que os prprios

    moradores reconhecem como sendo o que constitui essa comunidade em termos de

    configurao fsico-geogrfica e de representao comunitria, atravs da Unio de

    Moradores Proteo de Jesus do Cajueiro. Portanto, o desapossamento ou desapropriao de

    qualquer desses ncleos descaracterizar essa comunidade.

    Desde a dcada de 1980, a comunidade do Cajueiro sofre tentativas de expulso. No

    ano de 1987, o governo federal, pela ao do Conselho de No Ferrosos e de Siderurgia

    (CONSIDER)10, determinou que o Estado do Maranho apresentasse o projeto de uma usina

    siderrgica integrada, com capacidade de 3 milhes de toneladas ao ano, atravs da resoluo

    n 199/87 de 08.04.87 (GISTELINCK, 1988, p. 109). Empreendimento que no se

    consolidaria, mas que previu o deslocamento de vrias comunidades para sua instalao. Vale

    ressaltar que estudos e sondagens tcnicas naquele momento foram realizados. A partir de

    2002, apareceram vrios anncios na mdia local sobre a instalao de um plo siderrgico na

    mesma rea; realizaram-se estudos, desta vez, mais elaborados e sistematizados, pela empresa

    10 Conselho Federal, presidido pelo ento Ministro de Estado da Indstria e Comrcio.

  • 12

    de consultoria Diagonal Urbana, que passava nas casas dos moradores das comunidades,

    igrejas e escolas marcando com tinta preta os prdios das residncias, dos comrcios locais ou

    os prdios pblicos o que, supostamente, garantiria posterior indenizao dos mesmos

    (MENDONA, 2006). Passados mais de dez anos, nenhum empreendimento se instalou no

    local, mesmo assim, o poder executivo estadual e municipal no realizou investimentos

    significativos em polticas pblicas nessas comunidades, confirmando assim, o seu

    compromisso com uma perspectiva de desenvolvimento que no contempla as comunidades

    locais. Essas investidas de controle do territrio e de possibilidades de deslocamento

    mencionadas so algo que se mantm na memria das pessoas que ali vivem.

    Recentemente, verificaram-se novas ofensivas aos moradores da rea, desta vez, com

    a ao direta de desapossamento, sobretudo em Cajueiro. Na realizao de atividades de

    pesquisa na Zona rural II de So Lus, durante o ano de 2014, integrantes do GEDMMA

    acompanharam sistematicamente reunies e processos sociais relacionados s transaes de

    terras empreendidas pela empresa WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda11.

    Pesquisadores do GEDMMA estiveram presentes nas reunies da comunidade do

    Cajueiro nas seguintes datas: 10 de junho; 14 de julho; 19 e 27 de agosto; 05 de setembro; 20

    e 24 de setembro; 02, 11 e 15 de outubro, alm de acompanhar, no dia 15 de outubro, a ao

    dos moradores de diversas comunidades que paralisou o trnsito da BR-135 na altura da

    entrada do Cajueiro; e a tentativa de realizao de uma audincia pblica, no dia 16 de

    outubro, que trataria do licenciamento da instalao do Terminal Porturio de So Lus, pela

    referida empresa WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda., impedida pelos

    moradores de ocorrer, sob alegao de que a empresa WPR estaria utilizando milcia armada

    para intimid-los, alm de coagi-los a vender suas posses a esta empresa, bem como de

    questionamentos quanto ao descumprimento de prazos legais para convocao da Audincia e

    quanto indisponibilidade para consulta pblica do EIA-RIMA elaborado pela empresa.

    A partir dos trabalhos de campo, principalmente da anlise dessas reunies,

    constatou-se que negociaes fortemente assimtricas comearam a ser operadas na

    localidade, com a finalidade de comprar casas de moradores, de demolir as construes das

    moradias e dos prdios de pequenos comrcios e de apossamento dos terrenos. Aes que no

    11 A WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda., empresa responsvel pela suposta construo do Terminal Porturio de So Lus, afirma no seu EIA (Estudo de Impacto Ambiental) que foi realizada a

    compensao social, sendo a "Urbaniza Engenharia Consultiva, empresa responsvel pela gesto fundiria de desapropriao e indenizao da poligonal de implantao do empreendimento", o que atesta que a

    empreendedora fez as vezes do Estado ao contratar uma empresa responsvel em realizar a "gesto fundiria de

    desapropriao e indenizao", o que tudo indica com a conivncia dos rgos estatais.

  • 13

    levaram em conta as demandas pela criao da RESEX de Tau-Mirim e mesmo as aes

    judiciais em curso para sua efetivao.

    Uma srie de dispositivos de poder foram acionados para potencializar o clima de

    insegurana jurdica e medo entre os moradores em relao ao destino do seu territrio, o que

    favoreceu negociaes no desejadas e sem a avaliao adequada por parte dos mesmos.

    Pode-se elencar a presena de seguranas armados na localidade (cerca de 20), vinculados

    empresa de segurana Lees Dourados, posteriormente, identificada junto Polcia Federal

    como em condio de trabalho irregular, portanto, constituindo-se uma milcia privada. Por

    parte da referida empresa foram realizadas reunies com os moradores, que davam a entender

    que se tratava de um processo estatal de desapropriao, em que mais cedo ou mais tarde

    todos teriam que deixar as terras; assim como houve tentativa de fazer atos pblicos, como as

    audincias pblicas para o licenciamento ambiental, sem atender a todos os requisitos legais,

    sem aceitao das comunidades envolvidas e em desacordo com o processo oficial e com

    dispositivos legais referentes criao da RESEX de Tau-Mirim.

    Uma breve anlise das reunies realizadas no ano de 2014 permite evidenciar o

    carter violento e ilegal do processo de negociao da empresa para com moradores das

    comunidades. Na reunio realizada no dia 11 de outubro de 2014, no Andirobal (Cajueiro),

    que contou com a participao da CPT (Comisso Pastoral da Terra), de pesquisadores da

    UFMA (Universidade Federal do Maranho), assessores do Gabinete do Deputado Estadual

    Bira do Pindar e cerca de 30 moradores da comunidade, foram realizadas diversas denncias

    graves acerca da violncia do processo em questo. Seguem trechos da reunio:

    Morador: [...] se voc quer construir na sua rea, eles no querem deixar entrar material. Eu

    acho isso errado porque se voc no vendeu a sua rea voc tem direito de trabalhar na sua

    rea e eles no querem deixar voc trabalhar, fazer sua casa e tal. Isso a eu acho errado,

    n? Porque se voc j vendeu sua rea eles tm direito de chegar e mandar, n? Mas como

    eles ainda no indenizaram, no me indenizaram, eles tm de direito de chegar e mandar

    pedir, mais e a?

    Senhor Batata (morador): Oh! assim semana passada teve um problema serssimo ai n!

    A gente morando aqui n! E de imediato a gente soube que eles estavam botando dois

    postes. [...] J tinham me falado que eles iam botar essa corrente l no Anjo da Guarda. A

    eu fiquei com a orelha em p, n! Corrente ... Vo botar corrente pra no passar. E o que

    aconteceu foi isso mesmo. No outro dia, eles vieram e enfiaram os dois tubos um dum lado

    outro doutro e ainda cavaram um buraco impedindo, tapando a rua do pessoal que mora na

    esquina do colgio, hem! Ai de repente o filho da minha irm chegou aqui e disse Z tem um movimento l na portaria do colgio, porque abriram uma vala l e to e vo botar a

    corrente. Ai eu fiquei assim meio rabolado, a pegamos o carro, a descemos pra l. Quando chegamos l, tava esse movimento l. O cidado l, o grando que deve ser o chefe

    n? Num sei! Com um rdio na mo e botando marra no pessoal n! Dando presso n! A

    eu cheguei, j tava o Presidente e a Vice-Presidente12. A, eu cheguei e vi aquele

    movimento, n? A, a gente deu presso pra tirar um dos postes, n! O mais fino. O pessoal

    que j tava l chegaram, os meninos chegaram e tiraram um. S que o outro tava muito

    12 Refere-se ao Presidente e Vice-Presidente da Unio de Moradores do Bom Jesus do Cajueiro.

  • 14

    enterrado n! A o cara chegou e botou a mo, o guarda, n! O paideguo que tava com o

    rdio na mo.

    A entrada desse novo empreendimento vem cerceando direitos dos moradores, como

    elencado acima, tentando colocar postes e cercar com uma corrente a entrada para a rea. A

    facilidade com que essas aes irregulares foram executadas em Cajueiro deve-se memria

    dos moradores das possibilidades de deslocamento ocorridas no passado recente e a forma de

    atuao da empresa que mesclou ritos estatais e privados, no deixando clara a natureza

    privada das aes, e usando de extrema violncia. Exemplo disso foi a notificao do MPE

    No 01/2014 38o PJESP com referncia ao Procedimento Preparatrio no 04/2014 Vila

    Cajueiro que versa sobre a proibio de qualquer ato que importe em realizao atual de

    construo.

    Mesmo com a violncia do processo instalado, as comunidades vm resistindo

    fortemente lgica de ao dos novos empreendimentos no local. O artigo O Fator

    Participativo nas audincias pblicas em So Lus (MENDONA; MOREIRA, 2014), cujo

    objetivo substancial foi compreender a interconexo entre os diferentes modos de apropriao

    dos espaos na Zona Rural II, da cidade de So Lus MA, com foco nas audincias pblicas

    realizadas para apresentao do EIA/RIMA do Distrito Industrial de So Lus DISAL e das

    obras de dragagem de manuteno do Per IV do Terminal Porturio da Ponta da Madeira,

    apontou para o acmulo de competncias, repertrios de ao e estratgias de resistncia e,

    por essa via, de exerccio do discurso reconhecido em espaos especficos da esfera de

    mobilizao frente aos grandes empreendimentos, por parte das comunidades que pleiteiam a

    criao da Reserva Extrativista de Tau-Mirim.

    O que importa focalizar aqui o sentimento de permanecer nas terras que compem

    a gleba do Cajueiro, como forma de reproduo social e simblica do grupo. Atravs da

    memria viva, os moradores acionam traos, histrias, relatos que estabelecem a fronteira

    entre aqueles que nasceram e se criaram l, em contraposio aos de fora13 cujo

    deslocamento no pesaria, na maioria dos casos, no processo de negociao das terras. Como

    se pode perceber no trecho seguinte da reunio do dia 17 de Outubro de 2014, na Unio dos

    Moradores do Cajueiro:

    Participante 1: Seu... Nem todo mundo quer sair do Cajueiro, mas cinquenta por

    cento (50%) quer sair daqui. Eu t errado?

    13 Nos ltimos anos, entre outros fatores, devido a deslocamentos realizados em outras comunidades ou s

    expectativas de obteno de indenizaes de empreendimentos estatais ou privados, houve significativo

    estabelecimento de novos moradores ou posses de terrenos em algumas comunidades localizadas na Zona Rural

    II de So Lus. Isso faz com que moradores que residem na rea h mais tempo (algumas famlias esto ali

    secularmente) faam a diferenciao entre os moradores que nasceram e se criaram na regio e os de fora.

  • 15

    Participante 2: (em voz alta): Quem quer sair? Quem que t aqui que quer sair?

    Levanta o brao quem quer sair (poucos levantaram).

    Participante 2: (em voz alta) Agora levanta o brao quem quer ficar.

    Outros participantes: Eu...

    Participante 3: Cinquenta por cento (50%) so pessoas que vem l de fora.

    Participante 4: Algum daqui gravou um vdeo dizendo que queria sair daqui?

    Participantes: No...

    Participante 4: Porque a... t dizendo que a empresa tem.

    A passagem anterior demonstra que a maioria daqueles que venderam seus terrenos,

    so moradores de outras reas que adentraram o territrio de Cajueiro com o objetivo de

    especular imveis, j que nem vivem e nem plantam nas reas que foram ocupadas de

    maneira, muita das vezes, ilegal. Podemos inclusive afirmar, pelos estudos realizados, que

    esta situao herana do processo da dcada de 1970 conduzido pelo Estado em

    reiteradamente propor projetos industriais ou de infraestrutura que iriam indenizar os

    moradores, levando uma legio de especuladores a cercar terrenos, sem qualquer uso para

    moradia ou para trabalho, com o firme propsito de especular e tirar, em mdio prazo, algum

    proveito pecunirio14. As populaes tradicionais alm de enfrentar, ao longo de dcadas, as

    investidas estatais e empresariais no sentido de expropriar seu territrio em favor da

    construo de indstrias, tambm enfrentam as investidas desses especuladores que tm posto

    em dvida a identidade das comunidades tradicionais e dificultado a efetivao da proposta de

    criao da RESEX de Tau-Mirim.

    Social e ambientalmente injustiada, a Comunidade de Cajueiro encontra-se hoje em

    meio a uma ferrenha disputa territorial, cujos extremos so: a empresa WPR - So Lus

    Gesto de Portos e Terminais Ltda. e o prprio Estado do Maranho com seu aparato jurdico-

    legal mobilizado para atender s demandas mais expansivas de um ambicioso projeto de

    incremento de infraestrutura logstica na Baa de So Marcos, sem qualquer possibilidade de

    incluso das comunidades tradicionais nos planos de negcios.

    Pensar isto no mbito das particularidades da pesquisa de campo do GEDMMA ter

    a oportunidade de conhecer o espao de vivncia, reivindicao, mobilizao, mas tambm de

    reproduo social e cultural de grupos sociais historicamente postos revelia dos mais

    diversificados Projetos de Desenvolvimento que voltam seus interesses expansionistas para o

    que hoje se chama de Terminal Porturio de So Lus. No entanto, a forma em que

    conduzido tal processo refora ainda mais as diferenas sociais potenciais, engendradas por

    14 Mendona (2006) destaca que at aquele ano a comunidade de Cajueiro possua cerca de 183 famlias, com o

    processo de intensa especulao da terra; atualmente considera-se a existncia de 600 famlias (MRS, 2014), ou

    seja, em pouco menos de uma dcada triplicou o nmero de famlias, muitas das quais mantm apenas os

    terrenos cercados sem qualquer exerccio de posse, numa demonstrao inconteste de apropriao especulativa

    do territrio.

  • 16

    um modelo que no considera as mais distintas formas de apropriao do espao territorial

    das populaes tradicionais residentes.

    c) Novos empreendimentos e velhas estratgias - instalao forada da empresa na

    localidade e as ambiguidades da ao do Estado

    Aprofundaremos neste item o papel do governo do Estado do Maranho, que tem se

    posicionando de forma francamente parcial frente aos conflitos que se desencadeiam entre

    empresas e comunidades tradicionais ao longo de dcadas. Em praticamente todas as

    situaes tm atuado no sentido de criar condies para deslocar as comunidades em favor da

    instalao de empreendimentos industriais ou de infraestrutura, mesmo que estes criem

    impactos negativos no mbito social, econmico, cultural e ambiental.

    De modo geral, as estratgias de grupos empresarias em cooperao com rgos

    estatais para garantir lucro e expanso de capital, em desfavor dos grupos e comunidades

    tradicionais, tm sido muito comum nas prticas de multinacionais pelo mundo afora, que

    pilham e expropriam os ativos comuns dos povos. Harvey (2012), ao analisar o processo de

    espoliao por acumulao, demonstra como as grandes corporaes tm garantido o

    controle territorial, para o avano do capital, a partir do uso do aparato estatal.

    Dentre muitos exemplos citados por Harvey (2012), apresentamos o caso de

    expropriao dos territrios camponeses15 nos Estados Unidos, em favor do agronegcio

    A expulso de populaes rurais ocorrida [...] do longo processo de substituio nos

    Estados Unidos da agropecuria familiar pelo agronegcio. A principal fora motriz

    dessa transio sempre foi o sistema de crdito, porm talvez o aspecto mais

    relevante disso seja o fato de uma variedade de instituies do Estado,

    ostensivamente destinadas a proteger a agropecuria familiar, terem desempenhado

    um papel subversivo ao facilitar a transio que deveriam conter (HARVEY, 2012,

    p. 129).

    Harvey (2012, p. 127) ainda nos lembra, informado pelos ensinamentos marxianos,

    que Toda formao social, ou territrio, que inserida ou se insere na lgica do

    desenvolvimento capitalista tem de passar por amplas mudanas legais, institucionais e

    estruturais. Em boa medida, isto o que vem ocorrendo nos processos de instalao de

    empreendimentos, nas ltimas dcadas, na Ilha do Maranho, que expulsam as comunidades

    tradicionais em nome de um suposto desenvolvimento, avalizado pelo Estado.

    15 Ao utilizarmos as exemplificaes de Harvey (2012) no as tomamos como forma de fazer equivaler as noes

    de campons ou agricultura familiar dos contextos brasileiro e estadunidense, mas to somente como ilustrao

    de como as investidas dos ativos de capital nacional ou internacional utilizam-se, em situaes dspares e

    especficas, estratgias semelhantes de cooperao Empresa-Estado para expropriar os territrios, expulsar as

    populaes e assegurar a rentabilidade dos investimentos financeiros.

  • 17

    Seria a efetivao da privatizao dos ativos e insumos existentes nos territrios das

    comunidades tradicionais, que passam ao controle do capital em cooperao com rgos do

    Estado e que eliminam as possibilidades de existncias dos seus modos e meios de vida,

    deslocando-os para reas urbanas perifricas com srios dficits estruturais.

    Disso Harvey, valendo-se de Roy, explica que

    A privatizao, conclui Roy, essencialmente a transferncia de ativos pblicos produtivos do estado para empresas privadas. Figuram entre os ativos produtivos os

    recursos naturais. A terra, as florestas, a gua, o ar. So esses ativos confiados ao

    Estado pelas pessoas a quem ele representa... Apossar-se desses ativos e vend-los

    como se fossem estoques a empresas privadas um processo de despossesso

    brbara numa escala sem paralelo na histria (HARVEY, 2012, p. 133).

    Como exemplo prtico, Harvey (2012, p. 132) cita o ocorrido no Mxico:

    A Constituio de 1917, promulgada pela Revoluo Mexicana, protegia os direitos

    legais dos povos indgenas, tendo consagrado esses direitos no sistema ejido

    [comunidades autossuficientes], que permitia a posse e o uso coletivo da terra. Em

    1991, o governo Salinas promulgou uma lei de reforma que tanto permitia como

    estimulava a privatizao das terras do ejido. Como este proporcionava a base da

    segurana coletiva entre grupos indgenas, o governo na verdade estava se eximindo

    de suas responsabilidades pela manuteno dessa segurana. Alm disso, essa

    medida era parte de um pacote de resolues privatizantes propostas por Salinas, as quais desmantelavam a seguridade social em geral e tinham impactos previsveis

    e dramticos sobre a distribuio da renda e da riqueza.

    Essas investidas de toda ordem contra os territrios dos povos e populaes

    tradicionais tm sido o que conduz a ao de rgos do legislativo, judicirio e executivo dos

    Estados. A ampliao da logstica mundial para circulao de ativos de capital tem

    desconsiderado qualquer direto territorial dos grupos tradicionais. E o que se v ocorrer com o

    Territrio da RESEX de Tau-Mirim uma articulao entre Estado e Empresa para fazer

    parecer legal o processo de espoliao dos territrios das comunidades tradicionais.

    A estratgia, no caso da expropriao do Territrio da RESEX de Tau-Mirim, foi a

    criao de uma empresa, sem expresso e sem uma imagem a zelar, para realizar o servio

    de limpeza do territrio. Disto, quem aparece na cena pblica como empreendedora da

    instalao do Terminal Porturio de So Lus a WPR So Lus Gesto de Portos e

    Terminais Ltda., uma empresa com rarssimas informaes pblicas, legalmente representada

    pelo Sr. Jos Hagge Pereira, que declara R$ 10.000,00 (dez mil reais) como capital social, e se

    responsabiliza pela construo do empreendimento no valor de R$ 800.000.000,00

    (oitocentos milhes mil reais)16. Dessa empresa, o Estado nada revela, no se tem nenhuma

    informao da sua capacidade tcnica e financeira de tocar o empreendimento; o que se sabe,

    pelos relatos dos moradores de Cajueiro e demais comunidades tradicionais do Territrio da

    16 Informaes contidas no processo de licenciamento do empreendimento Terminal Porturio de So Lus, da

    WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda., em trmite na SEMA.

  • 18

    RESEX de Tau-Mirim, que seus representantes esto utilizando de mtodos intimidatrios

    e coercitivos para garantir a retirada das comunidades tradicionais. E mais uma vez os rgos

    estatais ou se omitem ou colaboram com a atitude violenta da empresa.

    Pela postura parcial de estrita cooperao Estado-Empresa, o acesso s informaes

    sobre o empreendimento e a empresa postulante ficou comprometido, o que levou o

    GEDMMA a utilizar, como mtodo de obteno de informaes, pesquisas sistemticas na

    Internet (rede mundial de computares), vez que todas as grandes corporaes na atualidade

    tm se servido dela para divulgar seu portflio. Inclusive diversas empresas industriais, de

    infraestrutura e de servios que operam em So Lus mantm stios abertos na Internet nos

    quais circulam informaes sobre sua estrutura organizacional, seus principais clientes, seus

    ramos de negcios e investimentos, suas capacidades financeiras.

    A WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda., neste nterim uma exceo.

    Em nossas pesquisas na Internet sobre esta empresa, no encontramos qualquer stio oficial

    que informasse suas atuaes em negcios similares ao que prope construir em So

    Lus/MA. Encontramos apenas dois stios com informaes genricas, sendo

    https://www.infoplex.com.br/perfil/18729181000157, acessado em 02/11/2014, s 14:35 e

    http://empresasdobrasil.com/empresa/wpr-sao-luis-gestao-de-portos-e-terminais-ltda-

    18729181000157, acessado em 02/11/2014, s 21:14, que no so stios oficiais (ver

    Apndice 03).

    Naqueles stios encontram-se informaes como:

    Razo Social: WPR - So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda

    CNPJ: 18.729.181/0001-57

    Data da abertura: 22/08/2013

    Status da empresa: Ativa

    Natureza jurdica: 206-2 - Sociedade Empresria Limitada

    Endereo:

    Av. Doutor Chucri Zaidan, 920, andar 16 Conj. 161

    Bairro: Vila Cordeiro

    Cidade So Paulo

    CEP 04.583-904

    Telefone: No disponvel

    Atividade econmica principal: Operaes de terminais

    Atividades econmicas secundrias:

    Compra e venda de imveis prprios

    Outras sociedades de participao, exceto holdings

    Aluguel de imveis prprios.

    Destacamos a Data da abertura: 22/08/2013, que chama a ateno pelo fato de

    uma empresa pretender realizar uma obra cara e complexa como a construo do Terminal

    Porturio de So Lus, que parece ter sido aberta especificamente para esta finalidade, sem

  • 19

    mencionar qualquer vnculo com outra empresa ou grupo j consolidado no mercado da

    construo, como tambm da gesto e logstica porturia.

    Como o RIMA (Relatrio de Impacto Ambiental) do Terminal Porturio de So Lus,

    em alguns trechos refere-se apenas empresa WPR, tambm efetuamos investigaes para

    verificar procedncia, capacidade tcnica e estrutura financeira e de gesto. Dessa empresa,

    encontra-se o stio http://www.wpr.com.br/principal.html, acessado em 02/11/2014, s 21:41,

    que menciona WPR Projetos S/C LTDA, mas apresenta apenas sua logomarca e algumas

    imagens sem quaisquer abas para navegao ou outras informaes (ver Apndice 02).

    Dando continuidade s pesquisas, encontramos que a WPR uma empresa do grupo

    WTorre.

    So Paulo A dona de estacionamentos Estapar e a WPR, empresa composta por fundadores da construtora WTorre, sero as scias nacionais da recm-criada

    BCA Brasil, empresa de gesto de ptios e leiles de carros. (Estapar e WPR viram

    scias em empresa de leilo de carros). Disponvel em:

    http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/estapar-e-wtorre-viram-socias-em-

    empresa-de-leilao-de-carros, acessado em 02/11/2014, s 14:25).

    J esse grupo empresarial WTorre mantm seu stio oficial com todas informaes

    que as grandes corporaes fazem questo de expor. Mostra os principais clientes, os seus

    maiores investimentos e tem uma quase infinidade de matrias, colunas, informaes sobre

    suas aes.

    A histria da WTorre nasceu de uma iniciativa ousada de Walter Torre Jnior

    quando abriu, em 1981, uma construtora que levava seu nome. Com um novo jeito

    de empreender e fazer negcios, ele iniciava seu legado empresarial ao projetar

    armazns industriais para locao um nicho de mercado que ainda no era explorado no Brasil naquela poca (Disponvel em:

    http://www.wtorre.com.br/index.php/pt_br/wtorre/o-grupo-wtorre/2012-12-07-15-

    45-50.html, acessado em 02/11/2014, s 14:15).

    Apesar do seu tamanho e provvel modo de atuao responsvel, a WTorre tem sido

    denunciada em stios da internet em razo dos seus projetos serem cercados de problemas,

    descumprimentos.

    Todos os projetos realizados pela WTorre em sua existncia foram cercados de

    problemas, descumprimento de palavra e alguma malandragem.

    No era segredo para ningum, bastava uma breve busca pela internet. (Walter Torre

    Junior tirar a mscara, diz que Arena Palestra dele, e demonstra que Palmeiras caiu no conto do vigrio. Disponvel

    em:https://blogdopaulinho.wordpress.com/2013/10/22/walter-torre-junior-tira-a-

    mascara-diz-que-arena-palestra-e-dele-e-demonstra-que-palmeiras-caiu-no-conto-

    do-vigario/. Acessado em 02/11/2014, as 13:15).

    O Sr. Jos Hagge Pereira, representante legal pela WPR So Lus Gesto de Portos

    e Terminais Ltda, responsvel pela construo do Terminal Porturio de So Lus,

    coincidentemente ou no, Diretor da WTorre,

  • 20

    O diretor da WTorre Jos Hagge Pereira detalha que as residncias sero

    instaladas em uma rea localizada entre o aeroporto e o Centro do municpio17.

    Nesse projeto, sero investidos em torno de R$ 500 milhes. A ideia da empresa

    aproveitar o desenvolvimento desse segmento de negcios, que dever ser aquecido

    com o programa Minha Casa, Minha Vida (WTorre ampliar polo naval em Rio

    Grande. Disponvel em:http://www.kincaid.com.br/clipping/2424/WTorre-ampliar-

    polo.html, acessado em 02/11/2014, s 14:00).

    O ERG, tido como uma obra ousada na construo de um polo naval no Sul, exigiu

    investimentos de R$ 840 milhes - 79% foram aportados pela Petrobras, com direito

    de usar o local durante dez anos. Os 21% restantes foram aplicados pela construtora,

    que receber o ativo aps esse perodo, conforme disse ao Valor, em outubro, o

    diretor da WTorre, Jos Hagge Pereira (Engevix e Funcef negociam compra de

    estaleiro no Sul. Disponvel em:http://www.kincaid.com.br/clipping/3943/Engevix-

    e-Funcef-neg.html, acessado em 02/11/2014, s 14:10).

    Dessas investigaes preliminares restam questes que tanto o governo do Estado,

    como o empreendedor tem a obrigao de dirimir, de informar ao povo maranhense. Porque a

    WTorre, empresa consolidada no mercado imobilirio e no ramo de construo civil e de

    infraestrutura logstica e porturia mantm um dos seus diretores como representante legal de

    uma empresa acusada de intimidao e desapossamento forado e violento para a construo

    de terminal porturio em So Lus, em rea que o Estado est impedido de realizar

    desapropriaes18? Por que o governo do Estado do Maranho, agindo pela SEMA, tem tanta

    celeridade em realizar todas as etapas de licenciamento do empreendimento mesmo que seja

    com o alto custo social e com a expulso de inmeras famlias de trabalhadores tradicionais

    da comunidade do Cajueiro? Embora essas questes no sejam respondidas nesta

    investigao, elas tm o mrito de nos lanar a mais reflexes sobre a relao de cooperao

    Estado-Empresa, inaugurada h dcadas que tm servido de meios de desestabilizar ou

    aniquilar comunidades inteiras em favor de projetos que trazem lucros s empresas e ganhos

    ao grupo poltico que sustenta os ritos burocrticos custa dos incontveis casos de

    desrespeito aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, j largamente estudados pelo

    GEDMMA ao longo de uma dcada.

    Da mesma forma, em nossas pesquisas sobre os desdobramentos do processo

    autoritrio de instalao do Terminal Porturio de So Lus denunciado pelas comunidades,

    diversos stios eletrnicos e peridicos de circulao diria veicularam informaes que do

    conta de como as comunidades tradicionais do Territrio da RESEX de Tau-Mirim tm

    reagido s investidas de desapossamento das terras ancestralmente ocupadas.

    Do stio eletrnico do Frum Carajs destaca-se que

    17 Refere-se ao Municpio de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. 18 MPF/MA consegue permanncia das comunidades tradicionais em Tau Mirim. Deciso obriga o estado do Maranho a se abster de qualquer tentativa de desapossamento na regio, sob pena de multa de R$50.000 por dia

    (Fonte: http://jornalpequeno.com.br/2013/09/06/mpfma-consegue-permanencia-comunidades-tradicionais-taua-

    mirim/. Acesso em 09/09/2013).

  • 21

    Os moradores, que organizaram uma manifestao no ltimo dia 15 de outubro,

    voltaram a relatar truculncias por parte da WPR, empresa que pretende construir

    um porto privado em parte do territrio da comunidade do Cajueiro. Moradores

    afirmam que a empresa assumiu postura opressora, no apenas contra os lderes do

    movimento, mas contra todos os moradores que desejam ir at a praia, mangue ou

    stio vizinho. De acordo com relatos de uma antiga moradora, a WPR chegou a

    colocar um porto e placas com o intuito de intimidar as pessoas.

    A gente mora aqui h mais de 30 anos, possui o documento comprovando propriedade da terra e eles colocam jagunos para tentar tomar o que nosso por

    direito e por lei. revoltante! Eles querem colocar em nossas cabeas que ns

    somos os invasores e eles os proprietrios, protestou. Uma ex-moradora confirma que a empresa prometeu casa, trabalho e, inclusive,

    tratamento de sade. No entanto, afirma que aps o pagamento e demolio da casa,

    a empresa no cumpriu os outros pontos do acordo. Eu tenho problemas de sade, eles me prometeram tratamento, mas depois que vendi a casa nunca mais retornaram

    meus contatos. Estou sem dinheiro para comprar meus remdios e sem ter onde

    plantar. Comprei uma casa que no vale o terreno da minha. Eu s vendi porque no

    tinha mais jeito, revelou. (So Lus-MA): Comunidade Cajueiro questiona como WPR compra terreno de assentamento do ITERMA para construir porto privado em

    reserva extrativista. Disponvel em: http://www.forumcarajas.org.br/, acessado em

    02/11/2014, s 22:41).19

    No blog do Ed Wilson foi veiculada a matria: Na zona rural de So Lus,

    comunidade do Cajueiro reage s ameaas de empresa WPR (Disponvel em:

    http://blogdoedwilson.blogspot.com.br/2014/10/na-zona-rural-de-sao-luis-comunidade-

    do.html#.VFbQZvnF_wg, acessado em 02/11/2014, s 22:50).

    E ainda, Defensoria garante uso da terra e de recursos naturais pela comunidade do

    Cajueiro:

    A Defensoria Pblica do Estado (DPE), atravs do Ncleo de Moradia e Defesa

    Fundiria, conseguiu na Justia Estadual liminar que determina a absteno, por

    parte da empresa WPR So Lus Gesto de Portos, de atos que impeam a realizao

    de plantaes, de construes, do extrativismo e da pesca pela comunidade do

    Cajueiro, situada na regio da Vila Maranho, na capital (Disponvel em:

    http://www.dpe.ma.gov.br/dpema/index.php/SiteInstitucional/ver_noticia/3490,

    acessado em 02/11/2014, s 23:22).

    Do blog de Jorge Vieira, Bira20 requer audincia pblica para tratar sobre ameaa

    vivida pela comunidade Cajueiro:

    O Porto est orado em R$ 800 milhes e para o parlamentar, uma obra desta

    envergadura, precisa ter transparncia, fundamentao e tem que ser motivo de

    debate entre a empresa, o poder pblico e a comunidade. As placas de propriedade

    particular e a vigilncia particular que foram colocadas dentro da comunidade esto

    coagindo os moradores a aceitar indenizaes oferecidas pela WPR (Disponvel em:

    http://www.blogjorgevieira.com/2014/10/bira-requer-audiencia-publica-para.html,

    acessado em 02/11/2014, s 23:28).

    Para no alongar mais a lista de matrias, denncias veiculadas em stios na internet,

    ficaremos com os j citados, mas ainda podemos encontrar vrios stios de sindicatos, da

    19As histrias de situaes de empobrecimento e desarranjo familiar de comunidades tradicionais, em razo de

    grandes projetos de desenvolvimento no Maranho, podem ser bem exemplificadas com a histria de Nonato (Anexo 01). 20 Refere-se ao Deputado Estadual Bira do Pindar (PSB).

  • 22

    Assembleia Legislativa do Estado do Maranho, do Ministrio Pblico Estadual, de blogs que

    veicularam a situao de ameaa vivida pelas comunidades tradicionais do Territrio da

    RESEX de Tau-Mirim patrocinada pela WPR - So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda.

    O Jornal O Imparcial, na notcia de capa do dia 15/10/2014, Populao se revolta

    contra jagunos e interdita a BR-135, afirma que:

    De acordo com a pescadora Rosana Mesquita, mais de 30 homens armados, que

    prestam servio a empresa WPR (Nelson Segurana), esto h trs meses dentro do

    povoado, coagindo, ameaando e at agredindo verbalmente os moradores. Segundo

    ela, a comunidade est sendo impedida de chegar at a praia, nas lavouras de onde

    tiram o sustento de suas famlias [...] Ainda de acordo com a pescadora, a WPR teria

    sido enviada para a comunidade a ordens de um consrcio de empresas que esto

    responsveis pela construo de um porto naquele local. Ela citou algumas destas

    empresas como Suzano Papel e Celulose, Petrobras, Cargil Imbunge, entre outras.

    (Protesto provoca interdio da BR-135, O Imparcial, Urbano, p. 1).

    Como as comunidades tm a experincia pretrita de conflitos com empresas que

    queriam controlar, expropriar seus territrios tradicionais, so essas denunciadas pelos

    moradores. A Suzano Papel e Celulose teve em seu favor a edio de um decreto de

    desapropriao do governo do Estado do Maranho, dessa mesma rea das comunidades

    tradicionais, no ano de 2011 (D.O 05.04.2011). justamente a dvida que resta, a servio de

    quem a WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda, empresa recm-aberta, est? Por

    que se expor tanto, ao ponto de contratar milcia armada, segundo denncias dos moradores?

    As tentativas e execuo de negociaes de terras com moradores, que esto h

    muitos anos habitando o local, ocorreram sob forte presso. Vrias estratgias para retirarem

    as pessoas de suas terras foram utilizadas. Destaca-se a retrica apresentada aos moradores,

    segundo a qual aquela seria uma "oportunidade" diante da possibilidade de desapropriao

    por parte do Estado, uma vez que a rea j teria sido destinada para um porto. As negociaes

    foram individualizadas e ocorreram sob forte presso.

    Uma moradora da praia de Parnuau, em Cajueiro, foi insistentemente assediada por

    representantes da empresa WPR a fim de que ela vendesse suas terras. Note-se que a referida

    senhora, Dona Eurdes, de 93 anos vivia na regio por quarenta anos, tendo criado seus

    filhos e netos no local, trabalhando com agricultura e criao de pequenos animais, como

    galinhas; e seu marido com a pesca. Em 10 de junho de 2014, essa moradora relatou que j

    tinha recebido vrias visitas desses representantes fazendo ofertas para sua propriedade,

    especificamente para sua casa e de sua filha, no valor, cada uma, de R$ 20.000, totalizando

    R$ 40.000. Visitando o local, observamos a sua extenso e a quantidade de beneficiamentos

    que essa senhora e sua famlia fizeram ao longo de dcadas de trabalho, como roas,

    galinheiros, plantao de espcies frutferas, ou seja, o valor que a empresa lhes apresentava

  • 23

    era muito baixo, alm de que aquela senhora e sua famlia possuam outros vnculos, para

    alm do de sobrevivncia. Segundo Dona Eurdes, tudo o que precisa estar naquele povoado,

    pois se precisar comer, vai ao mar e pesca peixes, ou ento vai ao quintal e pega galinhas que

    cria. A gua para consumo ela tem em casa e no sente falta de nada, pois desde muito tempo

    mora ali e tem naquele lugar sua vida. Ela nos disse: eu sou muito feliz aqui, ressaltando

    ainda as relaes afetivas e de auxlio mtuo que tem com pessoas mais antigas.

    Contudo, meses depois, a senhora j no se encontrava l, pois finalmente cedeu s

    investidas da empresa. Inclusive, ao tentarmos chegar praia de Parnuau, a rea j se

    encontra interditada, impedindo o acesso a ela pelos moradores que pescam na regio, alm

    de que algumas casas j foram demolidas. Isso demonstra a eficcia das empresas em suas

    investidas. Uma das ameaas que essa senhora nos relatou foi a de que os representantes da

    empresa diziam que se ela no vendesse sua casa, o Estado a tiraria dali foradamente sem

    nenhuma indenizao. Com esse tipo de ameaa sua prpria condio de sobrevivncia,

    aparentemente mais lucrativo vender sua propriedade por um preo muito abaixo do real do

    que esperar e correr o risco de ser deslocada sem qualquer indenizao ou por valores ainda

    mais depreciados.

    Situao semelhante ocorreu com o senhor Joca, pescador de 77 anos, vindo do

    municpio de Alcntara, que vive no Cajueiro h 35 anos, onde criou seus filhos e netos que

    por vrias vezes teve sua casa demarcada por representantes da empresa como local a ser

    comprado. Ele prprio pintou por cima das demarcaes feitas a tinta de spray na parede

    frontal. Esses representantes vieram a sua casa pedindo seus documentos explicando que era

    para ele receber um benefcio do governo, visando claramente ludibri-lo. Ele no entregou os

    documentos e esses representantes passaram a assedi-lo sistematicamente para que vendesse

    sua propriedade, vastssima em produes agrcolas como a de abacaxi. Esse senhor no a

    vendeu e atualmente resiste expulso de sua famlia do local.

    Da parte do Estado do Maranho (aqui compreendendo rgos como secretarias de

    estado, empresa porturia, instituto de terras, rgos da justia), quando no se fizeram

    totalmente omissos, foram basties das investidas dessas empresas, desde a dcada de 1970,

    quando diversas comunidades, mesmo com muita resistncia, viveram a trgica experincia

    da expulso dos seus territrios (GISTELINCK, 1988).

    Gistelinck demonstra e questiona como o Estado do Maranho favoreceu a

    ALUMAR (Consrcio de Alumnio do Maranho), quando da sua instalao na Ilha do

    Maranho, ao repassar a essa empresa multinacional uma extensa rea de terra que era

    territrio de vrias comunidades tradicionais (Macaco, Tainha, Taperuu, Tambau, Canaba,

  • 24

    Pacuatiua, Pindotiua). Disso, importante perceber como se configurou a partilha da terra,

    mediada pelo ento governo do Estado, em So Lus, segundo Gistelinck (1988, p. 03),

    na Ilha de So Lus, com uma superfcie 504Km2, 190Km2 so reservados para

    industrializao. Desses 190Km2, 100Km2 so da ALUMAR, 22Km2 da CVRD,

    35Km2 reservados para a implantao da siderurgia e o resto para outras indstrias.

    Gistelinck (1988, p. 103), questiona a necessidade de uma rea to grande para a

    ALUMAR e, afirma que os conflitos aumentam mais ainda ao ampliar a rea a ser

    desocupada para a atividade industrial, dizendo que deveria se reservar mais reas para

    residncias e para horticultura. O espao disponvel destacado exatamente, em grande parte,

    para uso exclusivo da ALUMAR.

    Geralmente, todo processo de expropriao de grandes reas de terra, ento

    cultivadas por comunidades tradicionais, pequenos produtores na condio de posseiros, leva

    a uma situao de aumento da periferia nas cidades e, nesse caso, contou e conta at hoje com

    o brao do estado em favor do lucro de empresas (MENDONA, 2006).

    Conforme relata Gistelinck (1988, p. 152), os custos sociais desses empreendimentos

    so colossais:

    as razes culturais esto sendo destrudas: suas relaes humanas de parentesco, de

    compadrio, de comunidade, suas capacidades, profisses, tcnicas e aptides, suas

    relaes com a natureza, com a terra, com Deus.

    H uma dcada, uma moradora do Cajueiro j anunciava o pavor das indenizaes

    irrisrias pagas por empresas com o assentimento do Estado. Segundo a Sra. Estela, sua prima

    foi vtima de indenizaes nfimas quando da implantao do Porto do Itaqui e da ento

    CVDR. Ela lembra que:

    ...nessa situao que a gente ver o que j passaram que a gente se preocupa... que

    pode acontecer com a gente, que a gente ta aqui hoje no Cajueiro a gente ainda no

    passou por isso, a gente ta tranqila. Ento a gente ta preocupado desse dia de

    amanh, eles virem tirar ns daqui e ns passar pela situao desses outros que j

    passaram. (...) uma prima minha, ela recebeu a indenizao dela no Itaqui, o que ela

    fez? Comprou uma casa na Mauro Fecury, no pior lugar do Anjo da Guarda, porque

    s dava pra comprar l que era mais barato. A foi pra loja comprou uns mveis,

    depois o dinheiro acabou, agora ela vive urrando... (in: MENDONA, 2006, p. 39).

    A deliberada opo estatal em negar a existncia das comunidades tradicionais ou,

    aoreconhec-las, as classificaremcomo um mal do passado que precisa ser exterminado,

    mesmo que para isso sejam levadas sobrevida nas periferias urbanas mais violentas, tem

    sido historicamente recorrente e, no caso de So Lus, isso pode ser visto a olho nu.

    Os trabalhos cientficos e registros etnogrficos do GEDMMA, mais a diversa

    bibliografia disponvel (GISTELINCK, 1988; ANDRADE, 1981; ANDRADE e CORRA,

    1986/87; ADRIANCE, 1996) do conta de que o Estado do Maranho, no caso da Ilha do

    Maranho, especificamente na Zona Rural II de So Lus, tem sido conivente com o avano

  • 25

    de um modelo de desenvolvimento econmico que aniquila qualquer tentativa que fazem as

    comunidades tradicionais de viverem com seus modos e meios de vida prprios, compatveis

    aos tempos dos sistemas ecolgicos a que pertencem.

    Assim foi quando da implantao da VALE e ALUMAR (GISTELINCK, 1988;

    ANDRADE, 1981), das tentativas de instalao de um plo siderrgico na rea rural II de So

    Lus (MENDONA, 2006; SANTANA JNIOR ET AL., 2009), da construo da

    Termeltrica Porto Itaqui (PEREIRA, 2010) e agora com a sanha de construir o Terminal

    Porturio de So Lus, tambm no territrio dessas mesmas comunidades.

    Desta vez o Governo do Estado do Maranho, impedido judicialmente de deslocar

    qualquer comunidade na rea requerida para a criao da Reserva Extrativista de Tau-Mirim,

    preferiu no ver o que ocorria na comunidade do Cajueiro por quase seis meses. Segundo

    relatos dos moradores, foram toda sorte de ameaas, presses psicolgicas, assdio de toda

    ordem patrocinados pela empresa WPR - So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda. e suas

    contratadas para garantir a limpeza da rea, ou seja, a retirada da populao que

    tradicionalmente vive no territrio.

    Ainda pelos relatos dos moradores, essa empresa contratou e manteve seguranas

    armados dentro da comunidade por vrios meses, utilizando-se de intimidao fsica e

    psicolgica, por diversas vezes impedindo que os moradores tivessem garantidos seus direitos

    de posse e de ir e vir. Isso tudo com a omisso do Estado, que no respondia aos apelos dos

    moradores que denunciavam em diversos rgos estatais.

    Dois fatos acompanhados por pesquisadores do GEDMMA chamaram muito a

    ateno. O primeiro refere-se tentativa de realizao da Audincia Pblica, convocada pela

    empresa e que seria presidida pela SEMA (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), dia 16 de

    outubro de 2014, na Escola Gomes de Sousa, Vila Maranho, impedida pelos moradores que

    se manifestaram concentrando-se nos portes da escola onde ocorreria tal audincia. Naquela

    ocasio quatro moradores resolveram acorrentar-se nas grades de ferro da escola para

    impedirem que ocorresse a audincia porque temiam que a SEMA, mesmo contra a vontade

    da comunidade, ps-audincia emitisse a licena de instalao. Na ocasio, numa

    demonstrao de relao simbitica Estado-Empresa, o secretrio adjunto da SEMA,

    utilizando-se do som que a comunidade conseguira para denunciar o ocorrido, declarou, no

    meio da rua, que a audincia estava oficialmente aberta, numa clarividncia de que estava a

    servio dos interesses da empresa, desconsiderando todos os apelos e argumentos da

    comunidade e, sobretudo, as denncias de que os representantes da empresa estavam, h

    meses, coagindo e amedrontando os moradores. Atitude que no prosperou em razo das

  • 26

    enfticas reaes dos moradores ali presentes, fazendo com que o secretrio adjunto recuasse

    do seu intento.

    O fato seguinte foi o desdobramento do ato do secretrio adjunto da SEMA. A

    empresa WPR com a conivncia da SEMA, marcou nova audincia, desta vez para o dia 29

    de outubro de 2014, quarta-feira, aps um final de semana, seguido de ponto facultativo e

    feriado nos dias que antecediam a audincia (dias 27 e 28), nas dependncias do Comando

    Geral da Polcia Militar do Maranho, no bairro Calhau, distante espacial e socialmente das

    comunidades diretamente afetadas pelo empreendimento, numa clara tentativa de intimidar os

    possveis participantes. Desta vez, a comunidade no foi avisada em tempo hbil, apenas um

    carro de som avisara na vspera. E, embora com formalizao de pedido de suspenso, a

    SEMA deu continuidade ao rito da audincia, com a participao majoritria de moradores de

    bairros bem distantes de onde seria construdo o empreendimento. Situao jamais vista em

    audincias pblicas para licenciamento ambiental acompanhadas ao longo dos anos, tanto em

    funo da sbita motivao de pessoas que residem fora da rea de impacto direto do

    empreendimento, majoritariamente jovens, em participar, como tambm pela opo em

    realiz-la nas dependncias do Comando Geral da Polcia Militar.

    Em resposta ao aparente relacionamento simbitico Estado-Empresa, as

    comunidades do territrio da RESEX de Tau-Mirim reunidas resolveram no participar da

    audincia formalmente convocada pela SEMA-Empresa, porque entendiam que serviria

    somente para legitimar as aes do par Estado-Empresa. Resolveram, em reunio da Unio de

    Moradores, realizar sua prpria audincia, que batizaram de Audincia Popular. Esta

    ocorreu no mesmo dia e horrio daquela convocada pelo par SEMA-Empresa, na Unio de

    Moradores Proteo de Jesus do Cajueiro, na comunidade de Cajueiro e contou com quase

    duzentos participantes. Na ocasio, diversas instituies e representantes de rgos pblicos

    estiveram presentes em defesa dos direitos das comunidades tradicionais, como a CPT

    (Comisso Pastoral da Terra), Irms de Notre Dame, GEDMMA e professores, pesquisadores

    e estudantes universitrios, DPE (Defensoria Pblica do Estado), MPE (Ministrio Pblico

    Estadual), Delegacia de Conflitos Agrrios, Deputado Estadual Bira do Pindar (PSB),

    representante da vereadora Rose Sales (PCdoB), CSP-Conlutas (Central Popular e Sindical).

    Uma notria relao assimtrica entre as comunidades e o par Estado-Empresa se

    apresenta. Sobre o exposto, complementa-se com o registro da jovem Rafaela, da comunidade

    do Taim, do Territrio da RESEX de Tau-Mirim, traduzido em poesia:

  • 27

    "Ns somos tainos

    somos herdade boa de onde s vem dor,

    povo humilde, honrado e trabalhador,

    o bem o que ns temos para dar

    quem h de me dizer quem somos?

    Se nem acaso tu sabes quem s,

    quem h de me dizer quem somos?

    Querem nos lanar fora como se fossemos pragas

    nas plantas das construes,

    quem h de me dizer quem somos?

    Se nem acaso tu sabes."

    (Rafaela de Sousa Mesquita)

  • 28

    REFERNCIAS

    ADRIANCE, Madaleine Cousineau. Terra prometida: as comunidades eclesiais de base e os

    conflitos rurais. So Paulo: Paulinas, 1996.

    ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Amaznia: a dimenso poltica dos conhecimentos tradicionais. In: ACSELRAD, Henri (Org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: RelumeDumar: Fundao Heinrich Bll, 2004, p. 37-56.

    ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombolas e a base de lanamento de foguetes

    de Alcntara: laudo antropolgico. Braslia: MMA, 2006.

    ANDRADE, Maristela de Paula (org.). Expropriao de famlias na periferia de So Lus

    pelo projeto Carajs. Relatrio da SMDDH. So Lus, 1981.

    ANDRADE, Maristela de Paula; CORRA, Clia Maria. Mataram a pobreza: condies de

    vida de famlias de trabalhadores rurais expropriadas pela Companhia Vale do Rio Doce e

    assentadas no morro pelado, em So Lus, Maranho. In.: Revista Par Desenvolvimento: A face dos grandes projetos, nos 20/21, Belm, 1986/1987.

    BRASIL. Ministrio da Cultura. IPHAN (Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico

    Nacional). Relatrio de Gesto 2013. Braslia-DF, 28 de maro de 2014, 711p.

    DE JESUS, Tayann Santos Conceio. Violncia, memria e a resistncia: anlise do

    conflito pela terra em Rio dos Cachorros, So Lus MA (1996 2013). So Lus: Curso de Histria/UFMA, 2014. Monografia de Concluso de Curso. Mimeo.

    FERRETTI, Srgio. Querebent de Zomdonu: etnografia da Casa das Minas do Maranho.

    3a Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.

    GISTELINCK, Frans. Carajs: usinas e favelas. So Lus: grfica minerva Ltda, 1988.

    HARVEY, David. O novo imperialismo. Trad. Adail SOBRAL e Maria Stela

    GONALVES. 6 ed. Loyola: So Paulo, 2012.

    IBAMA. Laudo scio-econmico e biolgico para criao da reserva extrativista do

    Taim. So Lus: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis,

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    Maranho.

    MENDONA, Bartolomeu R; MOREIRA, Jadeylson F. O Fator Participativo nas Audincias

    Pblicas em So Lus. Artigo Apresentado na Disciplina Sociologia e Meio Ambiente,

    oferecida pelo Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais UFMA, 2014.

    MENDONA, Bartolomeu Rodrigues. Cajueiro: entre as durezas da vida e do ferro, no

    tempo do ao. Monografia apresentada ao Curso de Cincias Sociais da Universidade Federal

    do Maranho. So Lus: UFMA, 2006.

    MRS Estudos Ambientais Ltda. Terminal porturio de So Lus: Estudo de Impacto Ambiental/Relatrio de Impacto Ambiental. So Lus: MRS Estudos Ambientais Ltda, 2014.

    PEREIRA, PAULA MARIZE NOGUEIRA. Projetos de desenvolvimento e conflitos

    socioambientais em So Lus-MA: o caso da instalao de uma usina Termeltrica. 2010.

    (Curso Servio Social) - Universidade Federal do Maranho.

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    SANTANA JNIOR, H. A; PEREIRA, M. J. F; ALVES, E. J. P; PEREIRA, C. R. A (orgs.). Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX de Tau-Mirim. So Lus: EDUFMA, 2009.

  • 30

    APNDICE 01

    Estudos realizados pelo GEDMMA no Territrio da RESEX de Tau-Mirim

    ALVES, Elio de Jesus Pantoja; Igor Pantoja. Esferas Pblicas e Impactos Socioambientais de

    Projetos Industriais em So Lus-MA. In: 34 Encontro Anual da Associao Nacional de

    Ps-graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (ANPOCS). Caxamb-MG, 2010. p. 1-18.

    BARBOZA, Elizngela Maria. Reserva Extrativista do Taim e a Educao Ambiental: o

    Povoado Rio dos Cachorros So Lus (MA). Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade Federal do Maranho. So Lus: UFMA, 2008.

    BORRALHO, Ferdnand Ribeiro. A relao entre leigos e peritos na gesto de risco: grandes

    empreendimentos industriais na Ilha de So Lus. 2009. Trabalho de Concluso de Curso.

    (Graduao em Cincias Sociais) - Universidade Federal do Maranho. Orientador:

    Bartolomeu Rodrigues Mendona.

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    ambientais: uma viso sobre a implantao do Plo Siderrgico da Ilha de So Lus MA. Relatrio Iniciao Cientfica apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

    Cientifico e Tecnolgico CNPq. Bolsa PIBIC/CNPq. So Lus: 2008.

    CARVALHO, Fernanda Cunha de. Ordenamento territorial e impactos scio-ambientais

    no Distrito Industrial de So Lus - Maranho. Monografia apresentada ao Curso de

    Geografia da Universidade Federal do Maranho. So Lus: UFMA, 2008.

    CARVALHO, Fernanda. C.; RIBEIRO, Ana Lourdes. Gesto do territrio e conflitos

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    Internacional Sobre Desenvolvimento Local e Sustentabilidade: Novas Abordagens Velhos

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    DAMASCENO, Elena S.; PEREIRA, Madian J. F. Reserva Extrativista de Tau-Mirim: os

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    DAMASCENO, Elena Steinhorst. Valorao Econmica dos Bens e Servios do

    Manguezal na Reserva Extrativista do Taim. Dissertao apresentada ao Mestrado em

    Sade e Ambiente da UFMA, 2009.

    DAMASCENO, Elena Steinhorst; SANT'ANA JNIOR, Horcio Antunes de. Conflitos

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    Almeida; Cleyton Gerhardt; Snia Barbosa Magalhes. (Org.). Contextos Rurais e Agenda

    Ambiental no Brasil: prticas, polticas, conflitos, interpretaes - Dossi 3. 1 Ed. Belm:

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    Mirim. So Lus: UFMA, 2013. Orientador: Horcio Antunes de SantAna Jnior.

  • 31

    DE JESUS, Tayann Santos Conceio. Relatrio de PIBIC-FAPEMA- UFMA: Anlise dos

    conflitos socioambientais em torno da constituio da Reserva Extrativista de Tau-

    Mirim. So Lus: UFMA, 2012. Orientador: Horcio Antunes de SantAna Jnior.

    DE JESUS, Tayann. S. C. Reserva Extrativista de Tau-Mirim: distintos agentes em

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    de Cincias Sociais e Humanas. So Lus: EDUFMA, 2007.

    GASPAR, Rafael Bezerra. O Taim e a criao da Reserva Extrativista: Um estudo sobre as

    relaes entre sociedade e ambiente. Monografia apresentada ao Curso de Cincias Sociais da

    Universidade Federal do Maranho. So Lus: UFMA, 2007.

    GASPAR, Rafael Bezerra. Reserva Extrativista do Taim: uma anlise sociolgica das disputas

    territoriais e dos conflitos ambientais. VI Encontro Humanstico - Caderno de Resumos.

    So Lus: EDUFMA, 2006. pp. 109-110.

    GASPAR, Rafael Bezerra. Territrio e conflito ambiental:representaes em disputa na

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    JARDIM, Emanoelle Lyra. Educao ambiental: para quem ela serve? Uma discusso sobre a

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    Monografia. (Aperfeioamento/Especializao em Educao Ambiental) - Universidade

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    MAIA, Maina Roque da Silva. MIRANDA, Ana Caroline Pires.Disputas territoriais e

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    MAIA, Maina Roque da Silva. O processo de negociao da implantao do Plo

    Siderrgico em So Lus e a Resex do Taim. In: Cadernos de Resumos do XIX Seminrio

    de Iniciao Cientfica da UFMA SEMIC. So Lus: EDUFMA, 2007.

    MAIA, Maina Roque da Silva; MIRANDA, Ana Caroline Pires. Plo Siderrgico e Resex

    do Taim: uma avaliao do processo de negociao da implantao. In: VI Encontro

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    desenvolvimento aplicado ao Maranho. Monografia apresentada ao Curso de Cincias

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    hoje - Cadernos de Resumos. So Lus: EDUFMA, 2004. p.47 48.

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    uma anlise scio-cultural e poltica. In: 1 Congresso de Ensino Pesquisa e Extenso da

    UFMA. Cadernos de Pesquisa. So Lus: EDUFMA, 2004. p.175.

    MENDONA, Bartolomeu Rodrigues. Cajueiro: entre as durezas da vida e do ferro, no

    tempo do ao. Monografia apresentada ao Curso de Cincias Sociais da Universidade Federal

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    MENDONCA, Bartolomeu Rodrigues. Linguagens da conservao: As Reservas Extrativistas

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