220
COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO RELATÓRIO COMPLETO Think Tank do Agronegócio Brasileiro

RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

RELATÓRIO COMPLETO

Think Tank do Agronegócio Brasileiro

Page 2: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 3: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

2015

COMÉRCIO INTERNACIONAL E O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

RELATÓRIO COMPLETO

Think Tank do Agronegócio Brasileiro

Page 4: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

Instituição de caráter técnico-científico, educativo e filantrópico, criada em 20 de dezembro de 1944, como pessoa jurídica de direito privado, tem por finalidade atuar no âmbito das Ciências Sociais, particularmente Economia e Administração, bem como contribuir para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável.

Sede: Praia de Botafogo, 190, Rio de Janeiro - RJ, CEP 22253-900 ou Postal Code 62.591 - CEP 22257-970 | Tel.: (21) 2559 6000 | www.fgv.br

Primeiro Presidente e FundadorLuiz Simões Lopes

PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal

Vice-presidenteFrancisco Oswaldo Neves Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Sergio Franklin Quintella

CONSELHO DIRETOR

PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal

Vice-presidentesFrancisco Oswaldo Neves Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Sergio Franklin Quintella

VogaisArmando Klabin, Carlos Alberto Pires de Carvalho e Albuquerque, Cristiano Buarque Franco Neto, Ernane Galvêas, José Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Marcílio Marques Moreira, Roberto Paulo Cezar de Andrade

SuplentesAldo Floris, Antonio Monteiro de Castro Filho, Ary Oswaldo Mattos Filho, Eduardo Baptista Vianna, Gilberto Duarte Prado, Jacob Palis Júnior, José Ermírio de Moraes Neto, Marcelo José Basílio de Souza Marinho, Mauricio Matos Peixoto

CONSELHO CURADOR

PresidenteCarlos Alberto Lenz César Protásio

Vice-presidenteJoão Alfredo Dias Lins (Klabin Irmãos & Cia.)

VogaisAlexandre Koch Torres de Assis, Antonio Alberto Gouvêa Vieira, Andrea Martini (Souza Cruz S/A), Eduardo M. Krieger, Estado do Rio Grande do Sul, Heitor Chagas de Oliveira, Estado da Bahia, Luiz Chor, Marcelo Serfaty, Marcio João de Andrade Fortes, Marcus Antonio de Souza Faver, Murilo Portugal Filho (Federação Brasileira de Bancos), Pedro Henrique Mariani Bittencourt (Banco BBM S.A), Orlando dos Santos Marques (Publicis Brasil Comunicação Ltda), Raul Calfat (Votorantim Participações S.A), José Carlos Cardoso (IRB-Brasil Resseguros S.A), Ronaldo Vilela (Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Previdência Complementar e de Capitalização nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo), Sandoval Carneiro Junior, Willy Otto Jordan Neto

SuplentesCesar Camacho, José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, Luiz Ildefonso Simões Lopes (Brookfield Brasil Ltda), Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Nilson Teixeira (Banco de Investimentos Crédit Suisse S.A), Olavo Monteiro de Carvalho (Monteiro Aranha Participações S.A), Patrick de Larragoiti Lucas (Sul América Companhia Nacional de Seguros), Clóvis Torres (VALE S.A.), Rui Barreto, Sergio Lins Andrade, Victório Carlos De Marchi

Diretor da FGV-EESPYoshiaki Nakano

Diretor da FGV ProjetosCesar Cunha Campos

Diretor da FGV-IBRELuiz Guilherme Schymura de Oliveira

Diretor da FGV-EAESPLuiz Artur Ledur Brito

Coordenador do GV Agro Roberto Rodrigues

CoordenaçãoClodoaldo Hugueney (in memoriam)

Equipe técnicaLidong SunCecília Fagan Costa Felippe Cauê Serigati Gabriel Dib Tebechrani Neto Ricardo Pizcioneri

Projeto gráfico e diagramaçãoAlexandre Monteiro

RevisãoAlexandre Sobreiro

Esta edição está disponível para download no site:

http://gvagro.fgv.br/publicacoes

Page 5: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

3

APRESENTAÇÃO

Nos últimos anos, a FGV consolidou sua posição como think tank em diversas áreas, como econômica, social, segurança pública e política externa. Nesse contexto o GVagro atua tendo como foco primordial o estudo do agronegócio e temas correlacionados, como o comércio internacional, o investimento, a logística, a matriz energética e o desenvolvimento sustentável.

A presente publicação é o primeiro produto da área internacional do GVagro, cobrindo aspectos de extrema relevância para a compreensão das transformações em curso no comércio internacional, bem como a importân-cia da inserção externa do agronegócio brasileiro. Adicionalmente, o trabalho traz conteúdo inédito – a partir de bases de dados e referências chinesas – para compreender a emergência da China tanto como principal parceira comercial do Brasil, quanto como potência econômica e polo dinâmico da economia mundial.

Infelizmente, no decorrer do processo de elaboração deste documento, o projeto perdeu seu coordenador, o Embaixador Clodoaldo Hugueney Filho, de ilustre carreira. Até poucos dias antes de seu falecimento, liderava a equipe de especialistas e pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos na área internacional do Think Agro. Esta publicação inclui, como homenagem póstuma, uma versão traduzida do último texto de sua autoria – uma reflexão lúcida sobre o momento atual do comércio internacional e para avaliação dos de-safios comerciais e diplomáticos do Brasil, inserido em um mundo em transformação. Este texto foi publicado originalmente na Revista Tempo do Mundo, do Ipea, em agosto de 2015.

Os esforços em torno da continuidade e da conclusão dos trabalhos que resultaram nesta publicação foram guiados, em todos os momentos, pelo intuito de fazer juz ao profissionalismo e ao legado deixados pelo em-baixador Clodoaldo Hugueney à sociedade brasileira.

Boa leitura!

Prof. Roberto RodriguesCoordenador | GV Agro

Page 6: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 7: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

5

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................................................................................3SUMÁRIO EXECUTIVO ....................................................................................................................................................................................... 7INTRODUÇÃO E ESTRUTURA DO ESTUDO ........................................................................................................................................... 18

1. REBALANCEAMENTO E A POLÍTICA ECONÔMICA COMERCIAL: UMA PERSPECTIVA DIPLOMÁTICA ................ 231.1. Um período de transição ................................................................................................................................................................ 251.2 Rebalanceamento e comércio .......................................................................................................................................................271.3 Algumas tendências no plano comercial ................................................................................................................................. 291.4 Universo das negociações comerciais ...................................................................................................................................... 331.5 O MTS e a Rodada de Doha .......................................................................................................................................................... 361.6 Os mega-acordos .............................................................................................................................................................................. 381.7 A política comercial brasileira e o cenário internacional em transformação ............................................................. 421.8 O MTS e a OMC ..................................................................................................................................................................................451.9 Negociações plurilaterais e bilaterais ........................................................................................................................................481.10 O Plano regional ............................................................................................................................................................................... 521.11 Considerações finais ......................................................................................................................................................................... 53

2. A DIMENSÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ...................................................................................... 572.1 Agronegócio: conceitos, dimensões e especificidades ...................................................................................................... 592.2 Parorama do agronegócio brasileiro .......................................................................................................................................... 612.3 Breve histórico do desenvolvimento do setor ....................................................................................................................... 622.4 Características e singularidades do agronegócio brasileiro .............................................................................................642.5 A dimensão do agronegócio no PIB brasileiro ...................................................................................................................... 652.6 Geração de emprego .........................................................................................................................................................................712.7 Área, produção e produtividade ................................................................................................................................................. 752.8 O agronegócio brasileiro e o setor externo ............................................................................................................................ 852.9 A ascensão da China como parceira comercial do agronegócio brasileiro ............................................................... 972.10 Investimento Estrangeiro Direto no agronegócio brasileiro .......................................................................................... 1072.11 Oportunidades e desafios do agronegócio brasileiro .......................................................................................................... 111

3. TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NO CENÁRIO INTERNACIONAL ........................................................................................ 1153.1 Aspectos e principais vetores da globalização ..................................................................................................................... 1173.2 Tendências e consequências para o comércio mundial ....................................................................................................1333.3 Aspectos demográficos: crescimento populacional e urbanização .............................................................................1393.4 A ascensão da China e seus impactos no comércio internacional ...............................................................................1483.5 Os acordos comerciais e a nova agenda das negociações .............................................................................................1633.6 A logística e os novos fatores de competitividade .............................................................................................................1763.7 Considerações sobre as transformações em curso no comércio internacional ......................................................179

4. TRANSFORMAÇÕES E OPORTUNIDADES DA ECONOMIA CHINESA ..................................................................................1814.1 Panorama da economia e da agricultura chinesas ..............................................................................................................1834.2 As políticas chinesas para o desenvolvimento agropecuário .......................................................................................2004.3 A inserção da agricultura chinesa no contexto mundial ................................................................................................. 205

SOBRE A FGV .....................................................................................................................................................................................................213

Page 8: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 9: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

7

SUMÁRIO EXECUTIVO

É inegável que o agronegócio brasileiro tenha vivido anos dourados na década passada. Os números são abun-dantes e já foram amplamente divulgados. Além da forte expansão da produção, da área plantada, da produ-tividade e da renda gerada pelas cadeias agroindustriais, o agronegócio se mostrou como o setor econômico brasileiro que mais êxito teve no esforço de se inserir nos fluxos internacionais de comércio.

Todavia, embora haja méritos internos, o setor foi beneficiado de uma conjuntura bastante favorável, a saber, a forte expansão do comércio internacional e um significativo grau de complementaridade com a economia chinesa. É justamente a partir dessa constatação que este relatório sugere uma reflexão a respeito das limitações deste modelo de sucesso adotado para os próximos anos, que devem oferecer uma conjuntura não tão promissora para o agronegócio brasileiro. Será que a estratégia adotada anteriormente funcionará nos próximos anos?

Nessa direção, além de apresentar as principais características do agronegócio chinês, este relatório também buscar fazer uma reflexão a respeito das interações deste com o agronegócio brasileiro e sua expansão para o mercado internacional. Efetivamente, qual é o espaço que o agronegócio brasileiro ainda tem para ocupar no mercado chinês? Quais são as oportunidades disponíveis aos produtores brasileiros em um ambiente em que, por um lado, o governo tem como meta ser autossuficiente em alguns produtos básicos para a alimentação do seu povo e, por outro, claramente não tem as condições materiais (terra, água, tecnologia e fatores climáticos) para produzi-los internamente na sua totalidade?

Embora haja farta literatura nos organismos multilaterais sobre o agronegócio chinês, com especial destaque para documentos da FAO e da OECD, este relatório realizou um esforço diferente para oferecer respostas e reflexões às perguntas anteriores: sempre que possível, foi utilizada a literatura chinesa para caracterizar tanto a sua inserção no comércio internacional e quanto a evolução do agronegócio local. Com isso, a síntese apresentada ao longo desse texto representa muita mais a visão que os chineses têm da sua produção agrope-cuária do que uma leitura de um especialista fora desse ambiente, por exemplo, de um organismo multilateral.

A partir da análise realizada, fica claro que o agronegócio brasileiro tem conseguido avançar principalmente nos mercados cujos produtos os chineses não têm condições minimamente favoráveis para produzi-los inter-namente ou que não são prioritários na sua política de segurança alimentar. Ou seja, para ampliar e, principal-mente, para diversificar as exportações brasileiras para a China, o Brasil terá que avançar a sua produção em bens agropecuários que estão fora da lista de bens essenciais para os chineses garantirem sua autossuficiência. Nessa direção merece especial destaque a produção de alimentos mais processados, ao invés de commodities e matérias-primas.

Enfim, o agronegócio brasileiro tem aproveitado as oportunidades abertas por uma China em transformação ao ocupar um papel fundamental no suprimento de recursos naturais e produtos do agronegócio, fato que lhe garante a liderança na produção e exportação mundial em alguns dos mais importantes mercados agrícolas. Neste mesmo cenário, marcado pelo aumento significativo do fluxo comercial entre os dois países, tem se pautado por uma clara divisão entre as atividades de maior e de menor valor agregado, resultante, por um lado, dos diferenciais competitivos entre os dois países e seus setores produtivos; e, por outro, do ajustamento passivo do Brasil frente às transformações em curso na China. Neste último ponto, é importante destacar outras variáveis e obstáculos de ordem geopolítica e diplomática, focalizados na redução das restrições de comércio externo impostas pelos dois países.

Page 10: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

8

A INSERÇÃO DO AGRONEGÓCIO NAS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR

A forte expansão do comércio internacional

Pode-se afirmar que as últimas quatro décadas foram marcadas pelo aprofundamento do fenômeno conhecido como globalização. Na literatura, o termo é empregado comumente para identificar a crescente interdepen-dência entre as economias nacionais, por meio da intensificação dos fluxos de mão de obra, de bens e serviços, de capitais e informações através de suas fronteiras.

Tomando como referência o intercâmbio de bens e serviços, a dimensão do fenômeno recente de abertura e integração entre as diferentes nações do globo pode ser evidenciada a partir da comparação entre a evolu-ção do valor dos fluxos comerciais relativamente ao à renda e produção mundiais. De fato, segundo dados do Banco Mundial, ao longo dos últimos 50 anos, as exportações do mundo cresceram a uma taxa média anual de 5,1%, ao passo que o PIB mundial se expandiu, em média, 3,5% ao ano.

É possível destacar um conjunto de fatores responsáveis por reduzir os obstáculos e aumentar os vínculos comerciais e produtivos entre as nações:

nMelhorias na oferta de infraestrutura, reduzindo os custos de transporte (as chamadas “barreiras na-turais” ao comércio) e de telecomunicação;

n A redução das barreiras e das restrições comerciais (tarifárias e não tarifárias), implicando menores custos de transação (custos de informação, custo de fazer valer os contratos, custos legais e regula-tórios, custos alfandegários e administrativos, etc.); e

nO grau de internacionalização das empresas e da produção mundial.

Embora todos os fatores anteriores sejam essenciais para explicar a expansão do comércio internacional envolvendo o agronegócio, dois fenômenos adicionais mereceram especial destaque neste relatório: o surgi-mento das chamadas Cadeias Globais de Valor e a emergência da economia chinesa como um dos principais players globais.

A importância das Cadeias Globais de Valor

Além dos avanços tecnológicos, das novas instituições e formas de integração político-econômica, a expansão do comércio internacional foi marcada por novos padrões de organização produtiva e geográfica das empresas e da produção mundial. Nesse contexto, a aplicação do termo “globalização” deve ser qualificada não só pelo aumento quantitativo do fluxo internacional de bens e capitais – fenômeno que se repete em outros períodos históricos da história – mas, sobretudo, pela emergência de novos padrões de produção e de integração pro-dutiva, conduzidos em escala global. Para avaliar este fenômeno, a literatura tem empregado comumente o termo Cadeias Globais de Valor.

No berço das Cadeias Globais de Valor, a significativa redução dos custos de transporte e de comunicação, aliada às menores restrições internacionais para comércio e investimentos, criou condições inéditas, inicialmente, para que as empresas coordenassem suas atividades em diferentes espaços competitivos do globo, levando à consolidação de sistemas de governança global por grandes corporações transnacionais. Aproveitando-se dos processos de desregulação e privatização em voga no mundo emergente, bem como da consolidação de um mercado consumidor internacional, as empresas passaram a controlar a produção e disputar mercados tanto nos países-sede, onde se localizavam as matrizes, como nos países em desenvolvimento, por meio do aumento do fluxo líquido de investimentos externos diretos (IED).

Page 11: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

9

A fragmentação e dispersão das cadeias produtivas pelo mundo se traduzem no aumento do fluxo interna-cional de bens intermediários (partes e componentes), vis-à-vis bens finais, fenômeno mediado pelo aumento do comércio intrafirma. Em uma ótica de valor adicionada, mais apropriada para avaliar o comércio entre os países, é possível destacar a parcela significativa do valor adicionado das exportações mundiais representada por partes, componentes e insumos importados.

Do exposto anteriormente, fica claro que há duas proxies importantes para avaliar a inserção de um setor nas Ca-deias Globais de Valor: o fluxo de investimentos diretos externos e o volume de comércio de bens intermediários, principalmente, na modalidade intrafirma. Em breve, serão apresentados esses números relativos ao agronegócio brasileiro para avaliar de que forma que o setor efetivamente conseguiu se inserir nas Cadeias Globais de Valor.

A inserção internacional do agronegócio brasileiro

Na esteira da expansão do comércio internacional, o agronegócio brasileiro elevou consideravelmente o grau de abertura do setor entre 1996 e 2014, passando de 14,3% a 22,6% - tendo atingido seu pico em 2004 25,9%. Entre 1989 e 2014, as exportações do setor passaram de US$ 13,9 bilhões para US$ 96,7 bilhões, o equivalente a um aumento de 7,7% ao ano. No mesmo período, as importações evoluíram de US$ 3,1 bilhões para US$ 16,6 bilhões, crescendo a taxas anuais de 6,7% ao ano. Como resultado deste desempenho excepcional, o saldo da balança comercial do agronegócio elevou-se de US$ 10,8 bilhões, em 1989, para cerca de R$ 80 bilhões, em 2014, ano em que o setor movimentou 25% do fluxo comercial brasileiro (exportações e importações). No último ano da série, o Brasil exportou cerca de seis vezes mais do que importou em produtos agropecuários.

Com base no desempenho do setor, suficiente para abastecer o mercado interno e gerar excedentes expor-táveis, o Brasil consolidou-se como um dos mais importantes ofertantes de bens agropecuários no mercado internacional. Além de ampliar sua participação no comércio mundial, o agronegócio brasileiro se firmou tam-bém como o principal player em diversas cadeias.

A partir desses resultados, a produção do agronegócio brasileiro tem desempenhado um papel singular no equilíbrio das contas externas brasileiras. Nessa direção, o aumento da produção e da produtividade dos prin-cipais produtos, aliado ao atendimento da crescente demanda internacional, permitiram ao setor a geração consecutiva de superávits, atraindo as divisas necessárias para financiar o déficit em transações correntes – importações de bens e serviços. Todavia, e é importante ressaltar que o grau de abertura do setor se manteve em um patamar praticamente estável desde o início do século XXI.

As novas características da pauta exportadora do agronegócio brasileiro

Em termos de pauta de exportação, tomando como referência o ano de 2000, constata-se como o agrone-gócio brasileiro respondeu em linhas com as mudanças no cenário internacional no período. Destacam-se ao longo desses anos, a evolução da participação de produtos do complexo da soja, carne, produtos do complexo sucroalcooleiro; ao passo que produtos florestais, couros, sucos, fibras e produtos têxteis, café e fumo, perde-ram espaço relativamente aos demais. De fato, a participação conjunta de produtos do complexo da soja e de carnes subiu de 29,9% para 50,5% da pauta exportadora do agronegócio.

Uma opção para avaliar o desempenho externo do agronegócio brasileiro é analisar o grau de industrializa-ção dos produtos exportados. De fato, em uma depuração da pauta, segundo o grau de processamento dos produtos do agronegócio, é possível afirmar que cerca de 70% da pauta de exportação nacional em 2014 era constituída por produtos com baixo valor agregado (soja em grãos; açúcar de cana em bruto; farelo de soja; carne de frango in natura; café verde; carne bovina in natura; celulose; milho e fumo não faturado). Na compa-ração da pauta de exportação do agronegócio entre 2000 e 2014, segundo diversas óticas (setores de contas nacionais, fator agregado e grau de industrialização) é possível constatar como o crescimento das exportações do setor concentrou-se em bens intermediários, produtos básicos e produtos não industriais.

Page 12: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

10

Na realidade, essa dinâmica não é novidade, uma vez que um fator importante para explicar a evolução do agronegócio foi justamente a especialização crescente nas etapas do processo produtivo associadas à pro-dução da matéria-prima, geralmente com menor valor agregado. A dificuldade do agronegócio brasileiro em avançar em bens com maior grau de processamento pode ser explicado tanto por fatores externos, como custo da mão de obra, deficiências de infraestrutura, burocracia e elevados impostos incidentes sobre o pro-duto industrializado no Brasil, quanto por fatores externos, como as diferenças no tratamento tarifário e não tarifário dos países importadores.

A concentração da pauta exportadora do agronegócio brasileiro não se deu apenas entre os produtos comer-cializados, mas também entre os seus destinos. Em termos de principais parceiros comerciais, a China, a União Europeia, os países do Oriente Médio e os Estados Unidos foram responsáveis, em 2014, por 78,4% de todo valor exportado pelo agronegócio brasileiro. Este cenário contrasta com o observado em 2000, quando mais da metade valor das exportações do agronegócio eram direcionadas à União Europeia e aos Estados Unidos. Neste período, a participação do MERCOSUL se reduziu de 7,7% para 2,4% do valor exportado.

O agronegócio nos fluxos de investimento direto externo

Em termos de investimento estrangeiro direto (IED), dados do Banco Central, apresentados no Quadro 54, dão conta de que o Brasil recebeu, entre 2001 e 2014, cerca US$ 517 bilhões. Apesar do ingresso de recursos ter oscilado sensivelmente no período, o bom desempenho em 2004, e nos biênios 2007/08 e 2010/11 garantiu que a taxa de média de crescimento do IED ficasse em torno de 7,2% ao ano. Como será visto adiante, apesar de sua importância para a economia brasileira, a China não está entre os grandes investidores na economia brasileira; aliás, quatro países concentraram metade do volume de recursos ingressados no período, quais sejam: Países Baixos (18,6%); Estados Unidos (16,6%); Luxemburgo (7,9%) e Espanha (7,4%).

Em termos setoriais, o segmento de agricultura, pecuária, produção florestal e atividades relacionadas rece-beu, anualmente, apenas uma pequena parcela do montante total. Comparando as atividades agropecuárias aos valores recebidos pela indústria, extração mineral e pelo setor de serviços, o percentual alcançou 1,2% no acumulado entre 2001 e 2014, totalizando US$ 6,3 bilhões no período. Parte deste resultado pode ser expli-cada pelas restrições legais e entraves burocráticos impostos aos investimentos estrangeiros em atividades do campo, a exemplo da aquisição de áreas próprias ou arrendamento de terras por estrangeiros no país. Por outro lado, considerando a participação limitada da agropecuária no âmbito do agronegócio, é de se esperar que a maior parte do IED no agronegócio brasileiro se concentre nos segmentos fora da porteira, sobretudo na indústria, distribuição e serviços de apoio (financeiros).

Tal tese é corroborada pelos dados do Banco Central: entre 2001 e 2014, as atividades industriais associadas à produção de: (i) alimentos e bebidas; (ii) celulose, papel e produtos de papel; e (iii) produtos de madeira, que responderam conjuntamente pelo ingresso de US$ 41,5 bilhões: o equivalente a 15,6% do IED da indústria e extração mineral e 8,1% do IED total no período. O valor recebido em 2011 por este agrupamento de atividades (US$ 8 bilhões) foi superior ao recebido pela agropecuária em todo o período analisado.

De fato, embora as atividades de agropecuária e de serviços diretos na agropecuária tenham apresentado uma reduzida participação no montante total, os valores totais recebidos de investimentos por esses setores cresceram de forma significativa, desde 2002, passando de US$ 44,8 milhões em 2002 para US$ 772,8 milhões em 2014. Isso indica, entre outros aspectos, que movimento de “internacionalização” do agronegócio brasilei-ro vinculou-se a parcerias e operações entre empresas brasileiras e estrangeiras, parte das quais associada à aquisição de imóveis rurais para produção de commodities e matérias primas de interesse. Exemplos podem ser encontrados na lista de maiores empresas de produção agropecuária do Brasil, cuja liderança é assegurada por multinacionais de controle estrangeiro: Louis Dreyfus (França) e ADM (Estados Unidos), sem considerar empresas com espectro amplo de atuação no agronegócio, como a Bunge (Países Baixos) e Cargill (Estados Unidos). Por outro lado, empresas brasileiras do agronegócio, com importante inserção internacional, também se destacam nas vendas, caso da BRF, JBS e Coopersucar.

Page 13: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

11

CHINA: CARACTERÍSTICAS DO GRANDE PARCEIRO COMERCIAL

Muito já foi discutido sobre as transformações ocorridas na economia chinesa. Assim como os números do agronegócio, a expansão é farta a literatura sobre o boom econômico chinês. Diante disso, este relatório abor-dou de forma mais detalhada uma dimensão que não tem recebido a devido atenção dos agentes do agrone-gócio brasileiro: as características do agronegócio chinês. Até que ponto a produção brasileira se insere nos interesses da sociedade chinesa?

A dimensão e o desafio do agronegócio chinês

Como no caso brasileiro o setor agropecuário chinês também desempenha um papel fundamental na sua economia. Embora a produção setorial ainda tenha respondido nos últimos anos por cerca de 10% do produto interno bruto (PIB), o setor emprega um terço da população economicamente ativa (793 milhões de habi-tantes), sendo que pouco menos da metade (46%) dos 1,36 bilhão de chineses encontra-se ainda registrada, oficialmente, como população rural.

Apesar da qualidade limitada das terras cultiváveis e da escassez de água em certas áreas da China, a produção vem crescendo desde a década de 1970, de maneira que o País se classifica, hoje, como o maior produtor mun-dial de produtos como arroz, algodão, carne suína, ovo, e responde por 18% da produção mundial de cereais, 29% da produção de carne e quase 50% da produção mundial de frutas e verduras. Essa expansão se deve, em grande parte, ao aumento substancial da produtividade por meio de melhorias tecnológicas, o que possibilitou uma taxa de crescimento anual média de 2,5% entre 1970 a 2007. Além do crescimento geral da produção, a composição também mudou ao longo do tempo, com notável incremento na produção de hortaliças, carne e laticínios – ao mesmo tempo em que se observou uma queda de importância relativa de culturas tradicionais, sobretudo grãos e tubérculos.

Enfim, com 135 milhões de hectares de terras aráveis, 9% do total do planeta, a China alimenta 21% da popula-ção mundial. Ainda assim, o setor é dominado por milhões de agricultores com pequena parcela de terra, com uma média de apenas 0,6 hectare por unidade produtiva rural. Além do desenvolvimento do setor, a agenda estratégica do governo chinês tem como principais objetivos a serem alcançados: a garantia do aumento da renda dos produtores e a autossuficiência na produção doméstica de grãos. É dentro desse contexto que o agronegócio brasileiro precisa encontrar o seu espaço nesse mercado.

A importância da segurança alimentar para os chineses

Desde a antiguidade, garantir a segurança alimentar sempre foi uma prioridade e um desafio para o Estado chinês, motivo pelo qual o governo adota uma série de políticas voltadas para reduzir a dependência externa do país para atender ao elevado e crescente consumo nacional. Essa política foi consagrada no início do pe-ríodo da República Popular (1949), que sempre destinou espaço prioritário para autossuficiência na agenda nacional de segurança alimentar, de sorte a alimentar a maior população do mundo e mitigar as calamidades naturais que afligem o País com alguma frequência (inundações, por exemplo). Essa prioridade é reafirmada em diversas ações do governo chinês:

n Em dezembro de 2013, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais, realizada pelo governo chinês, reafirmou a estratégia nacional de segurança alimentar baseada na “oferta doméstica e importação moderada, garantia da capacidade produtiva com o apoio da ciência e tecnologia”;

n De acordo com o Plano Nacional de Médio e Longo Prazo para a Segurança Alimentar (2008-2020), lançado em novembro de 2008, logo após a alta mundial no preço dos grãos, o setor agrícola da China pretende manter a produção na casa dos 540 milhões de toneladas, de forma a garantir uma taxa de autossuficiência de grãos acima de 95% até 2020.

Page 14: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

12

Enfim, a autossuficiência é, portanto, um componente-chave da estratégia da segurança alimentar do governo chinês. A pauta da autossuficiência está centrada, fundamentalmente, na produção de grãos. Note-se que, para os chineses no sentido de segurança alimentar, o termo “grãos” abrange trigo, arroz, milho, leguminosas e tubérculos. Destacam-se, neste contexto, o arroz e o trigo – dois produtos de que o governo exige um alto grau de autossuficiência. O Plano Nacional de Médio e Longo Prazo para a Segurança Alimentar define o piso de 120 milhões de hectares de terra arável e 105 milhões de hectares de área de cultivo de grãos para o final do período e prevê que a produtividade em média deverá crescer de 4,74 toneladas/hectare em 2007 para 5,25 toneladas/hectare em 2020.

O governo chinês tem trabalhado no sentido de reajustar (ou melhor, flexibilizar) esta questionável taxa de autossuficiência. Em vez de definir metas quantitativas, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais de 2013 estabeleceu como diretriz manter a “autossuficiência básica de cereais e a segurança absoluta de grãos para alimento (arroz e trigo)”, além de incluir, pela primeira vez, a “importação moderada” como elemento inte-grante de sua estratégia de segurança alimentar. É justamente neste ponto que o agronegócio brasileiro tem que centrar seus esforços para conquistar fatias ainda maiores desse mercado.

Desafios dos chineses para alcançar e manter a meta de autossuficiência na pro-dução de “grãos”

Apesar da grande esforço, a sociedade chinesa se defronta com um grande desafio para conseguir manter a sua política de autossuficiência na produção de alimentos:

A disponibilidade de terras aráveis

Com cerca de 9,6 milhões de quilômetros quadrados de área, o censo mais recente das terras aráveis na China registrou cerca de 135,2 milhões de hectares de terras agrícolas, 14,3% do território nacional. Contudo, subtraindo-se as áreas reservadas para a restituição de florestas e pastagens, bem como os terrenos considerados impróprios (poluídos) para o cultivo, a extensão das terras realmente agricultáveis fica apenas pouco acima do nível mínimo defendido pelo governo de 120 milhões de hectares, o que equivale a menos de 0,1 hectare per capita, ou 40% da média mundial. Este percentual continua diminuindo devido à expansão rápida da urbanização, degradação do solo, uso excessivo de fertilizantes, bem como por conta dos inúmeros problemas ambientais, tais como: inundações, erosão do solo e desertificação. Além disso, a população da China continuará a crescer até por volta de 2030. Com isso, estima-se que, em 2050, a demanda total de terras aráveis supere a oferta em mais de 12%.

Disponibilidade de recursos hídricos

Além das restrições de terras próprias para o cultivo, a escassez e a poluição da água também podem limitar a produção de grãos no futuro. Apesar de a China ser dotada da quarta maior oferta total de recursos hídricos no mundo, a quantidade per capita era de 2.059 m3 em 2013, ou um quarto da média global. De acordo com a WWF (World Wildlife Fund), 13% dos lagos da China desapareceram nos últimos 40 anos, assim como metade de suas zonas úmidas costeiras. Entre as principais causas dessa escassez, pode-se citar: a grande demanda gerada pela agricultura; o processo de industrialização e urbanização; a distribuição desigual dos recursos hídricos e o alto nível de poluentes depostos nas reservas hídricas chinesas.

A falta de água já afeta seriamente a produção de grãos, em especial nas regiões áridas e semiáridas da pla-nície do norte da China, área potencial para a expansão da produção de grãos no futuro. Além da escassez, problemas com o sistema de irrigação também poderão complicar a capacidade produtiva do agronegócio chinês. Isto porque a China usa tanto os rios como os aquíferos subterrâneos para irrigar suas plantações. Me-tade das terras cultivadas na China é irrigada e produz cerca de 75% dos cereais e mais de 90% da produção de algodão, frutas, legumes e outros produtos agrícolas. O Banco Mundial, no entanto, estima que, ao ritmo atual de exploração, os aquíferos no norte da China podem secar em menos de 30 anos.

Page 15: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

13

Força de trabalho e produtividade no campo

Depois de alcançar a alta histórica de 844 milhões em 1992, a população rural na China diminuiu para 695 milhões em 2012, com uma redução líquida de quase 150 milhões de pessoas. Projeções populacionais feitas pelas Nações Unidas indicam uma redução de mais 100 milhões na população residente na zona rural até 2022. A dimensão desta cifra trará enorme impacto sobre a força de trabalho agrícola, a estrutura de produção, a gestão de terra e especialmente a economia rural. Além do processo de urbanização, a migração motivada por melhores salários nas cidades reforça o fluxo migratório, contribuindo para a redução da força de trabalho no campo, sobretudo entre os mais jovens e com maior escolaridade.

Efetivamente, essa situação continuará privando o setor agrícola chinês da mão de obra necessária para as operações agrícolas de escala de maior e complexidade, como a utilizada para o manuseio de máquinas e equipamentos modernos, o diagnóstico de pestes e pragas, o uso de ferramentas de investimento e comer-cialização, e a gestão eficaz de unidades operativas complexas. Isso poderá, no futuro, limitar a produtividade, reduzir o potencial de oferta e restringir a competitividade do setor agrícola chinês – ameaças que se impõem sobre as diretrizes estratégicas do Estado chinês com relação à segurança alimentar no país.

Estrutura da produção agropecuária chinesa

O desenvolvimento agrícola na China foi alcançado, principalmente, pelo modelo de produção em pequena escala, realizado em pequenas propriedades. A produção agrícola chinesa é dominada por cerca de 200 milhões de peque-nos agricultores, distribuídos pelos diversos territórios do país. Apesar do crescimento da produção pecuária em grande escala, as pequenas propriedades continuam desempenhando um papel importante na produção de suínos e laticínios. Na produção de grãos, a extensão média dos terrenos é pequena e a terra cultivada é fragmentada.

Sabe-se que a pequena extensão e a fragmentação dos terrenos impossibilitam o uso de equipamentos mecâni-cos avançados e, consequentemente, inibem o aumento da produtividade por falta de economia de escala. Essa estrutura também dificulta os investimentos em obras de infraestrutura como estradas e sistemas de irrigação e a implementação de políticas agrícolas regionais como a atribuição de zonas específicas para a produção agrícola comercial. Tudo isso tem, como consequência, um efeito negativo na produção regional ou nacional.

Apesar das características do agronegócio chinês e da política chinesa de autos-suficiência, a demanda por alimentos continuará crescendo

País mais populoso do mundo, a China abriga um quinto da população global. Entre 2009 e 2012, a população chinesa aumentou cerca de 2%, apesar da tendência de redução na taxa de crescimento populacional observada desde a década de 1990 e que deve continuar nos próximos anos. Estima-se que o declínio deva acontecer em 2030, quando a população terá crescido dos atuais 1,3 bilhão para a casa de 1,5 bilhão. Dado o tamanho da população, cada pequena variação na demanda per capita de produtos alimentares vai se traduzir em uma grande cifra em nível nacional. Logo, a China permanecerá como um grande consumidor mundial de produtos agrícolas e a demanda de grãos pode chegar a 700 milhões de toneladas em 2050.

Mais que o crescimento populacional, fatores como a urbanização e o aumento da renda desempenharão um papel cada vez maior na configuração do lado da demanda da balança alimentar na China. Um dos principais motivos da desaceleração do crescimento demográfico, a política de planejamento familiar em vigor desde 1978 conduziu ao envelhecimento mais acelerado da população. Em 2000, a população com menos de 15 anos de idade era quase quatro vezes maior que a parcela com mais de 65 anos, mas até 2030 os dois grupos terão praticamente o mesmo tamanho. Dadas as diferenças na composição de alimentos demandados pelas populações idosa, adulta e jovem, o envelhecimento da sociedade terá impacto sobre o consumo de vários gêneros alimentícios. Por exemplo, pode-se reduzir o consumo de carne, especialmente carne vermelha, com a substituição por outros itens. Embora esse impacto não tenha se manifestado, é uma área que merecerá atenção no futuro.

Page 16: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

14

Enfim, com a expansão da urbanização e o aumento da renda, o consumo direto de grãos tende a diminuir e o consumo indireto tende a aumentar em função da mudança estrutural da dieta, com preferência para a pro-teína animal, os alimentos processados e o consumo alimentar fora do domicílio. Isso implica maior demanda de rações e farelos proteicos, principal fator impulsionador da demanda de grãos na China nos próximos anos. Para o agronegócio brasileiro, a demanda por soja parece estar assegurada.

Quais são as oportunidades de investimento no agronegócio chinês?

Por ser de interesse para os agentes do agronegócio brasileiro, é importante detalhar minimamente a política de incentivo ao investimento direto estrangeiro no setor agrícola. O investimento estrangeiro direto (IED) na China é regido principalmente pelo Catálogo de Investimento Estrangeiro, com a emenda mais recente feita em 2015. O documento classifica indústrias em categorias nas quais o investimento é encorajado, restrito ou proibido:

n No setor agrícola, a China encoraja o IED para elevar a capacidade produtiva ou desenvolver tecnologia destinada a reduzir a poluição;

n As restrições aplicam-se ao desenvolvimento de sementes convencionais, venda por atacado de grãos e algodão, processamento de sementes oleaginosas, beneficiamento de arroz, trigo, açúcar bruto e milho, bem como produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel);

nO catálogo proíbe o IED no desenvolvimento e produção de plantas agrícolas e animais geneticamente modificados.

Como a China mudou o comércio internacional?

Até seu ingresso na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, a participação da China no comércio inter-nacional envolvia essencialmente exportação de bens agropecuários e manufaturas mais simples (o país continua sendo o quarto maior exportador mundial de produtos do agronegócio). No entanto, as transformações radicais dos últimos dez anos alçaram a China à posição de segundo maior importador mundial (atrás apenas dos EUA).

Como exposto, a urbanização acelerada da China (10 milhões deixam o campo a cada ano), a elevação da ren-da, as mudanças nos hábitos alimentares (mais lácteos e mais carnes) e a insuficiente produção doméstica de certos itens de demanda crescente levaram o país a assumir compromissos na OMC que ampliaram o acesso a seu mercado. Apesar de as tradings estatais continuarem desempenhando um papel importante no merca-do de algumas commodities como grãos e algodão, o comércio de produtos agrícolas chineses exibiu novos padrões nas categorias de matérias-primas, refletindo mudanças na estrutura de produção.

É visível o impacto da adesão à OMC sobre o comércio agrícola e de produtos afins, de maneira que as exportações e as importações aumentaram 353% e 407%, respectivamente, de 2001 a 2013, mesmo com a desvalorização do dólar, com exceção de 2009, provavelmente devido à crise econômica mundial. No entanto, o saldo do comércio agrícola da China evoluiu de US$ 15 bilhões em superávit no ano de pico de 2006, para US$ 18,5 bilhões em déficit em 2013. Essa mudança é coerente com a vantagem comparativa da agricultura chinesa, uma vez que é vantajoso para a China importar culturas e produtos com uso intensivo de terra, tais como sementes oleaginosas e óleos comestíveis, e exportar produtos processados trabalho-intensivos, tais como alimentos industrializados, artigos de couro, móveis e produtos têxteis. Em outras palavras, o desafio para o agronegócio brasileiro de conquistar mercado de alimentos na China é bem maior do que o de fornecedor de matérias-primas mais básicas.

Page 17: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

15

Desde 1993, o crescimento econômico da China oscila entre 5% e 15% ao ano, com uma média anual de 9,6%. Mesmo com uma projeção de crescimento desacelerado nos próximos anos, a renda per capita na China deve dobrar até 2022. Com isso aumentaria, obviamente, a pressão de demanda sobre o mercado de commodities agrícolas da China:

n Tendo em conta os objetivos da política atual, esta crescente demanda provavelmente requereria maiores importações de grãos secundários e sementes oleaginosas para alimentar o setor pecuário em expansão, assim como atender a produção de óleos comestíveis;

n Conforme a economia chinesa se integra à economia mundial, seu crescimento oferece mais oportu-nidades do que desafios para o resto do mundo. É provável que haja uma queda moderada no índice de autossuficiência de todas as culturas com uso intensivo de terra, com exceção de arroz. Isso ocorre dado que essas culturas têm menor vantagem comparativa no mercado mundial;

n Neste mesmo cenário, o aumento mais significativo na importação é esperado entre as oleaginosas;

n A produção de algodão e de outras fibras vegetais deve expandir ao longo do tempo, principalmente por causa do aumento da produtividade, mas continua aquém da demanda doméstica;

n Entre os cereais, os grãos forrageiros representam a maior parte das importações;

n A produção doméstica de açúcar também vai ficar muito aquém da demanda interna e seu nível de autossuficiência será o segundo mais baixo, logo após as oleaginosas;

n As hortaliças constituem o grupo de produtos mais heterogêneos que a China tanto importará quanto exportará em grande volume;

n Já no setor pecuário, a China poderá aumentar as exportações de carne suína e de aves para a Ásia Oriental, União Europeia e NAFTA, enquanto suas importações provenientes da Austrália, Nova Ze-lândia, NAFTA e América do Sul registrarão significativo crescimento.

Em suma, o padrão de comércio agrícola da China é coerente com sua vantagem comparativa e dotação de recursos. Após a entrada na OMC, esse padrão foi reforçado, em um sinal de que a China está se aproximando ainda mais da sua vantagem comparativa no agronegócio com o resto do mundo. O crescimento econômico e a liberalização do comércio facilitarão as mudanças estruturais da agricultura chinesa, que migrará dos se-tores intensivos em terra com menor vantagem comparativa para setores intensivos em trabalho com maior vantagem. Isso deve gerar mais comércio e ganhos para quase todos os países e regiões. O tamanho desse ganho dependerá, no entanto, da natureza da estrutura econômica de cada região. As economias conside-radas complementares em relação à da China sairão mais beneficiadas, ao passo que aquelas que dispõem de estrutura econômica semelhante podem enfrentar efeitos adversos da concorrência chinesa. Será que o agronegócio brasileiro, se quiser aproveitar o mercado chinês, deverá buscar as complementaridades e não arriscar em produtos que a China já é uma grande produtora ou que pretende ser?

Brasil e China: economias complementares?

Ao longo dos últimos anos, as relações econômicas entre Brasil e China passaram por mudanças significativas, sobretudo no que se refere ao intercâmbio comercial entre os dois países. Em boa medida, tais transformações se devem ao desempenho econômico excepcional da China no período, e o consequente deslocamento parcial do eixo econômico e comercial mundial para a Ásia.

No caso das relações sino-brasileiras, o estreitamento das relações pode ser explicado pela complementariedade entre cadeias produtivas das duas economias, exacerbada pelos limites da China em prover as matérias-pri-mas, recursos naturais e outros bens necessários para impulsionar sua própria indústria, bem como alimentar

Page 18: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

16

uma população cada vez mais urbanizada. Neste cenário, o Brasil passa a ocupar um papel crescente no su-primento de produtos do agronegócio e de extração mineral para o mercado chinês. Coroando este processo, desde 2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações brasileiras, superando os Estados Unidos, a despeito dos efeitos da crise internacional sobre o comércio in-ternacional. Em números, o fluxo comercial entre os dois países cresceu 26,4% ao ano entre 2000 e 2014, ao passo que o comércio brasileiro com o resto do mundo evoluiu, em média, 8,6% ao ano. O agronegócio foi um dos pilares do aumento das relações comerciais entre os países, crescendo a uma taxa média de 27,6% ao ano no mesmo período.

O fato das importações do agronegócio representarem menos de 5,0% das importações totais brasileiras da China torna o agronegócio um dos fundamentos para que o Brasil financie as importações crescentes de ou-tros setores da economia (por exemplo, produtos eletrônicos, vestuários, etc.). Esta importância é ressaltada a partir da análise da composição do saldo comercial do Brasil com a China entre produtos básicos1 e produtos industrializados (manufaturados e semimanufaturados). O superávit no âmbito dos produtos primários (US$ 33,6 bilhões) é responsável por financiar a importação líquida de produtos industrializados de origem chinesa (US$ 30,4 bilhões) e pela geração de um superávit de US$ 3,3 bilhões em 2014. Vale ressaltar, neste ponto, que o agronegócio é responsável por 60,6% do saldo positivo do comércio bilateral de produtos básicos (US$ 20,4 bilhões dos US$ 33,6 bilhões).

Tal fato implica reconhecer que a composição recente da pauta de exportações para a China está concentrada em produtos de menor valor agregado (básicos e, dentre os industrializados, produtos semimanufaturados), ao passo que as importações brasileiras são praticamente todas relacionadas a produtos com grau elevado de industrialização (manufaturados). Mais precisamente, comparando-se a composição das exportações entre 2000 e 2014, é possível notar que, embora o crescimento no valor exportado tenha sido generalizado, ele ocorreu de forma mais intensa entre os chamados bens intermediários e combustíveis e lubrificantes (entre os setores das contas nacionais); produtos básicos (em termos de valor agregado); e produtos não industriais (em termos de intensidade tecnológica).

São, exatamente, bens classificados nestas categorias que ocupam a maior parte da pauta exportadora brasileira para a China em 2014. Se, em parte, esta concentração reflete a complementariedade entre as economias dos países, por outro lado, ela também é uma consequência do significativo diferencial competitivo da produção industrial sediada na China. No que se refere à pauta do agronegócio, a maior parte das exportações do agro-negócio brasileiro para a China era formada, em 2014, por bens com baixo nível de processamento industrial e/ou nível tecnológico, incluindo: soja em grãos (75,3%); celulose (7,7%); açúcar de cana em bruto (4,0%); outros couros curtidos/peles de bovinos (2,4%); e carne de frango in natura (2,4%).

Enfim, o agronegócio brasileiro tem aproveitado as oportunidades abertas por uma China em transformação para ocupar um papel fundamental no suprimento de recursos naturais e produtos do agronegócio, fato que lhe garante a liderança na produção e exportação mundial em alguns dos mais importantes mercados agrí-colas. Neste mesmo cenário, marcado pelo aumento significativo do fluxo comercial entre os dois países, tem se pautado por uma clara divisão entre as atividades de maior e de menor valor agregado, resultante, por um lado, dos diferenciais competitivos entre os dois países e seus setores produtivos; e, por outro, do ajustamento passivo do Brasil frente às transformações em curso na China. Neste último ponto, é importante destacar outras variáveis e obstáculos de ordem geopolítica e diplomática, focalizados na redução das restrições de comércio externo impostas pelos dois países.

Page 19: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

17

A China é um grande parceiro, mas não um grande investidor do agronegócio brasileiro

Apesar de a China ter assumido a posição de principal parceiro comercial do Brasil, os investimentos diretos originados naquele país totalizaram apenas US$ 1,93 bilhões no período, valor inferior a 0,4% do total. O fluxo, entretanto, teve incremento significativo a partir de 2010, destacando-se o volume de recursos recebidos em 2014: US$ 1,1 bilhão, ou 50,5% do total no período analisado.

Segundo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China, o aumento dos investimentos chineses no Brasil está associado aos efeitos negativos da crise internacional sobre mercados mais tradicionais, caso dos Estados Unidos e da União Europeia. Como resultado, os investidores chineses têm procurados novos mercados, sobre-tudo no chamado mundo emergente. O interesse e a distribuição setorial do IED ressaltam a predominância de projetos que tenham como alvo o aprofundamento da integração entre as economias, sobretudo na expansão e facilitação do comércio bilateral. Assim, além de responder à demanda crescente da China por recursos na-turais (minérios, petróleo e gás, produtos agropecuários), os investimentos chineses têm atuado em prol da instalação de empresas chinesas em território nacional.

Page 20: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

18

INTRODUÇÃO E ESTRUTURA DO ESTUDO

O agronegócio é conhecido por ser um dos setores mais importantes da economia brasileira na geração de emprego e renda, além de cumprir outras funções decisivas para o desenvolvimento socioeconômico do País, como abastecimento interno e regulação dos preços e do custo de vida.

Apesar de o contexto e as perspectivas do momento atual das economias brasileira e mundial não serem favo-ráveis – no plano interno, eventos climáticos, restrições na oferta de crédito rural e aumento da taxa de câmbio; no plano externo, a desaceleração econômica da China, a reversão dos preços das commodities agrícolas –, os desafios do agronegócio permanecem os mesmos: reduzir custos de produção, aumentar a produtividade, empregar o melhor pacote tecnológico disponível, firmar novas parcerias e explorar novos mercados. Para compreender o cenário atual do agronegócio e projetar o seu futuro, entretanto, é necessário, por um lado, reconhecer a importância do setor e, por outro, avaliar os fatores, os fenômenos e as tendências relacionados ao desenvolvimento recente do setor no Brasil e sua inserção internacional.

De fato, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor consolidou-se como um dos que mais cresce no País, respondendo, atualmente, por quase um quarto da renda nacional. Em 2014, o PIB do agronegócio – in-cluindo os segmentos: (i) insumos para a agropecuária; (ii) produção agropecuária básica ou, como também é chamada, primária ou “dentro da porteira”; (iii) agroindústria (processamento); e (vi) serviços – totalizou R$ 1,23 trilhões1.

Além das características favoráveis do território e do clima brasileiros (extensão e topografia territorial, va-riabilidade climática, disponibilidade de recursos hídricos), a trajetória excepcional do agronegócio nacional foi beneficiada por um conjunto de fatores favoráveis, dentre os quais se podem elencar: a disponibilidade de área para expansão da fronteira agrícola; o desenvolvimento de tecnologias que permitiram a expansão da área plantada e o aumento da produtividade; e o apoio dos instrumentos de política agrícola, sobretudo do crédito agrícola, para financiar os investimentos necessários para a expansão da safra.

Com base no desempenho do agronegócio e na competitividade internacional dos produtos do setor, o Brasil tornou-se autossuficiente no abastecimento interno em diversas culturas, além de ter alçado-se à posição de liderança internacional em cadeias produtivas como soja (em grãos), suco de laranja, carnes de frango e bo-vina, açúcar, café e fumo. Além de ser o líder em tecnologia e produção de energia renovável (álcool), o País firmou-se, também, entre os maiores fornecedores mundiais de milho, algodão e carne suína.

Segundo dados do IBGE, entre 2000 e 2013, a área ocupada pelas lavouras temporárias passou de cerca de 46 milhões para mais de 66 milhões de hectares, uma expansão da ordem de 45%. Trata-se de um avanço inédito no período, sobretudo quando se compara à evolução da área plantada entre países conhecidos como grandes produtores, como Estados Unidos e China. No caso específico de grãos, por exemplo, a área ocupada para plantio expandiu-se em 50,8% no período, atingindo 57,1 milhões de hectares na safra 2013/14; em paralelo, a produtividade (associada a conjunção de novos métodos de produção, melhoramentos em sementes, uso de

1 Segundo o Cepea, o cálculo do PIB do agronegócio é feito pela ótica do valor adicionado, a preços de mercado, computando-se os impostos indiretos líquidos de subsídios. A quantificação dessa medida reflete a evolução do setor em termos de renda real, a qual se destina à remuneração dos fatores de produção: trabalho (salários e equivalentes), capital físico (juros e depreciação), terra (aluguel e juros) e lucros. Considera-se, portanto, no cômputo do PIB do agronegócio tanto o crescimento do volume produzido, como dos preços, já descontada a inflação. O agronegócio é entendido como a soma de quatro segmentos: (a) insumos para a agropecuária, (b) produção agropecuária básica ou, como também é chamada, primária ou “dentro da porteira”, (c) agroindústria (processamento) e (d) serviços. A análise deste conjunto de segmentos é feita para o setor agrícola (vegetal) e para o pecuário (animal). Ao serem somados, com as devidas ponderações, obtém-se a análise do agronegócio.

Page 21: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

19

fertilizantes, condições financeiras e climáticas favoráveis2) elevou-se de 2,6 toneladas por hectare para 3,4 toneladas por hectare, um aumento de 28,1% (1,8% a.a.).

Além de dinamizar a economia doméstica, o agronegócio tem desempenhado um papel singular no equilíbrio das contas externas brasileiras. O aumento da produção e da produtividade dos principais produtos, aliado ao atendimento da crescente demanda internacional, permitiu ao setor a geração consecutiva de superávits na balança comercial de bens e serviços. Especificamente, o saldo da balança comercial do agronegócio elevou-se de US$ 10,8 bilhões, em 1989, para cerca de R$ 80 bilhões, em 2014. Neste último ano, o setor movimentou 25% do fluxo comercial brasileiro (exportações e importações), exportando cerca de seis vezes mais do que importou em produtos agropecuários.

Com base no desempenho do setor, suficiente para abastecer o mercado interno e gerar excedentes expor-táveis, o Brasil consolidou-se como um dos mais importantes ofertantes de bens agropecuários no mercado internacional. Além de ampliar sua participação no comércio mundial, o agronegócio brasileiro firmou-se, também, como o principal player em diversas cadeias.

O objetivo deste estudo é triplo: (i) elaborar um diagnóstico da importância da dimensão internacional e do papel da China para o agronegócio brasileiro nas últimas décadas; (ii) examinar as transformações que estão ocorrendo no comércio internacional, bem como seu impacto nos segmentos que integram o agronegócio brasileiro; e (iii) produzir informações e análises que permitam a construção de uma agenda estratégica capaz de alavancar a presença do agronegócio brasileiro no mundo e, particularmente, no mercado chinês. Para tanto, ao olhar a questão do comércio internacional e o papel da China e da Ásia, o estudo adota um enfoque amplo do conceito de comércio internacional, compatível com as novas tendências em matéria de negociação comercial, que privilegiam o conceito de cadeias globais de valor, o tema da regulação e os novos acordos comerciais, investimentos e logística.

O estudo encontra-se estruturado em quatro capítulos. No primeiro deles, o documento apresenta uma versão em português de um dos últimos textos do embaixador Clodoaldo Hugueney, intitulado “Rebalanceamento e a política econômica comercial: uma perspectiva diplomática”. Ao longo do texto, o embaixador elucida as-pectos referentes às transformações na ordem mundial, sobretudo no âmbito diplomático. Em um cenário em que prevalecem as incertezas, avalia as opções e estratégias de inserção do Brasil no comércio internacional, vis-à-vis às estratégias e tendências prevalecentes nas agendas de outros países, caso da China, dos Estados Unidos e de membros da União Europeia. Com base nesse diangóstico e em um balanço dos riscos e dos cus-tos das posições brasileiras nas negociações internacionais, procura oferecer, com base em sua experiência, propostas e diretrizes fundamentais para a construção da política comercial brasileira no século XXI.

O segundo capítulo procura, por sua vez, além de oferecer um panorama recente do agronegócio no Brasil, com foco no desempenho recente de algumas variáveis de interesse, analisar a dimensão internacional do agronegócio brasileiro, isto é, avaliar de que formas atividades econômicas envolvidas no sistema agroindustrial nacional encontram-se inseridas no contexto mundial do comércio de bens e investimentos. No plano interna-cional, em particular interessa ao estudo avaliar de que forma as relações comerciais entre Brasil e China têm evoluído com referência à pauta de produtos do agronegócio.

Na sequência, a terceira parte do estudo destaca alguns principais fatores que têm influenciado e condicionado a trajetória e os padrões do comércio internacional nas últimas décadas, a partir de evidências e fatos estilizados que emergem da reconfiguração recente dos fluxos de bens e investimentos e da produção mundial. Nesse âmbito, são avaliados diversos fenômenos fundamentais para compreender as tendências prevalecentes no mundo, incluindo a trajetória excepcional do agronegócio brasileiro. Incluem-se, nesse contexto: a ascensão

2 Boa parte desse avanço nos níveis de produtividade que o setor registou ao longo da última década deve-se ao papel estratégico desempenhado por diversas instituições de pesquisa e apoio, como é o caso da Embrapa, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), das universidades, dos laboratórios privados etc. Os instrumentos de política agrícola também exerceram um papel importante nesse processo ao dar suporte e viabilizar a produção agropecuária em diversas regiões, sobretudo via expansão do crédito rural no período.

Page 22: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

20

da economia chinesa, negociações e acordos comerciais, a proliferação de acordos regionais e barreiras não tarifárias etc. Complementarmente, o capítulo avalia, também, os chamados “novos fatores” que influenciam a capacidade dos países em alavancar a competitividade de seus produtos e serviços, caso da logística e da infraestrutura de transportes.

Por fim, em seu quarto capítulo, o estudo dirige seu foco para as transformações e os desafios recentes na China, considerando os impactos do fenômeno e da dimensão da economia chinesa nas estratégias comerciais do país, com destaque para os seus efeitos sobre o agronegócio e o comércio de seus produtos. De fato, a consolidação da posição de destaque da China subordina-se a um conjunto de fatores cujo cerne encontra-se fortemente dependente do setor agropecuário chinês, bem como das complementaridades desenvolvidas no âmbito internacional com vistas à garantia do abastecimento interno do seu gigantesco mercado doméstico.

Para perseguir esses objetivos, o capítulo analisa os principais aspectos relativos às reformas institucionais e socioeconômicas promovidas pelo Estado chinês nas últimas décadas. Afirma-se, nesse sentido, que a inserção e o protagonismo da China no comércio internacional só podem ser entendidos, em sua totalidade, tendo como referência uma agenda estratégica que contempla, entre outros aspectos, as mudanças no campo sociodemo-gráfico e nos hábitos de consumo da população chinesa, seus impactos na demanda por alimentos e produtos agrícolas e os objetivos de segurança alimentar e abastecimento interno adotados pelo governo chinês.

Page 23: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

21

Page 24: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 25: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

1. REBALANCEAMENTO E A POLÍTICA ECONÔMICA

COMERCIAL: UMA PERSPECTIVA DIPLOMÁTICA

Clodoaldo Hugueney3

3 O conteúdo deste capítulo é uma tradução do artigo, originalmente em inglês, intitulado: “Rebalancing and the political economy of trade: a diplomatic perspective”. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada em um painel da conferência The International Politics of Economic Globalization and Emerging Market Economies, realizada no dia 20 de março de 2015, na Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Pouco antes do falecimento do embaixador Clodoaldo Hugueney, em abril de 2015, o artigo foi submetido à revista Tempo do Mundo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Meses depois, o artigo foi publicado como homenagem póstuma, na mesma revista (Volume 1, Número 2, Julho de 2015), disponível em: <http://goo.gl/mXZifI>.

Page 26: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 27: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

25

1.1. UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO

Atravessamos um período de grande transformação na ordem mundial. Essas mudanças são anteriores à crise,

mas foram revigoradas por ela. Elas incluem uma possível redefinição da ordem mundial de um mundo unipolar

para um multipolar, além do reposicionamento de países e regiões. Elas também englobam uma reanálise da

natureza dos modelos de crescimento e desenvolvimento e dos sistemas econômico e político. O período atual

pode ser caracterizado como um período de transição no sentido de que as relações de poder que prevaleciam

interna e externamente estão sofrendo alterações importantes, cujas natureza e direção estão em discussão.

O resultado desse processo ainda é indeterminado.

Internamente, há um debate aberto acerca da natureza do sistema capitalista e das mudanças às quais ele pre-

cisa submeter-se a fim de evitar uma crise, continuar sendo um impulso para o crescimento, a modernização e

a inovação e corrigir algumas de suas falhas, como, por exemplo, a concentração de renda. Os caminhos para

o desenvolvimento econômico também estão em discussão com o colapso do Consenso de Washington e a

possibilidade de um Consenso de Pequim, pautado por quase quarenta anos de crescimento extraordinário

e pela resposta da China à crise. No âmbito político, o consenso democrático também está em debate, e o

nacionalismo e as formas autoritárias de organização política e social estão em alta. Mesmo que os princípios

básicos do regime liberal-democrático não sejam questionados, a maneira como ele funciona e os métodos

empregados para se chegar a decisões e para instituí-las são postos em xeque, e presenciamos novamente o

ressurgimento do interesse em uma visão mais meritocrática da organização do governo, juntamente com o

aumento dos limites impostos às liberdades individuais.

Em nível regional, há um deslocamento do centro da globalização do Atlântico para o Pacífico. A ascensão da

China, que representa um fator crucial neste deslocamento, está transformando a natureza da globalização. As

cadeias de produção e comercialização, em especial no Leste Asiático, estão mudando os padrões de comér-

cio e dos fluxos de investimento. Esses desdobramentos já produzem efeitos em termos normativos, a partir

de novas ideias de como promover a liberalização de forma plurilateral e multilateral. Modelos de integração

regional estão sendo questionados. O modelo europeu de integração profunda por meio de um processo de

expansão horizontal e verticalização vem enfrentando dificuldades que se devem, apenas em parte, à reces-

são. O modelo de Áreas de Livre Comércio (ALCs) também está sendo discutido, afetado pelas mudanças na

competitividade e pela integração de novas cadeias de produção e comercialização.

Internacionalmente, a ordem de magnitude econômica vem passando por mudanças importantes. A ascensão da

China ao segundo lugar em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e a possibilidade de que a economia chinesa

possa superar a dos Estados Unidos nos próximos dez a quinze anos torna essa mudança mais dramática. Outros

países emergentes e em desenvolvimento também fazem parte dessa transformação. A participação de diferentes

países e grupos no PIB mundial, comércio e investimento e sua contribuição para o crescimento global também

vêm mudando com a participação crescente de países emergentes e em desenvolvimento. Isso também está

acontecendo na área monetária, em que presenciamos um papel maior do renminbi4. Em uma economia globa-

lizada, não existe dissociação completa, mas esta ocorre em certa medida. Há, também, um novo crescimento

Sul-Sul no comércio, no investimento e na cooperação que faz parte da dissociação. Há uma nova geografia do

comércio mundial e do investimento em formação. As relações entre o Brasil e a China são um bom exemplo disso.

4 O renminbi é a moeda da República Popular da China e é distribuído pelo Banco Popular da China (N.T.).

Page 28: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

26

Se o poder econômico está ficando mais difuso, o mesmo não está ocorrendo nos campos político e militar.

Porém, as mudanças no campo econômico devem propagar-se para os outros dois campos. No plano político,

a difusão do poder vem ocorrendo, embora de forma um tanto ofuscada pelas consequências da crise e pelas

crescentes dificuldades em obter o consenso necessário para tratar dos problemas globais e regionais. Não

nos encontramos em um mundo com gravidade zero, mas o consenso internacional sob condições de menor

centralização do poder é mais difícil de se atingir. Os países ascendentes representam poderes assimétricos,

e seus problemas centrais são internos e estão relacionados ao desenvolvimento, limitando sua capacidade e

disposição para assumir maiores responsabilidades. Faltam-lhes o poder individual para influenciar a direção da

mudança, e seus esforços de coordenação são fracos e incipientes. São basicamente poderes revisionistas, mas

até mesmo mudanças restritas no processo de decisão e na distribuição do poder são negadas ou postergadas.

Essas dificuldades na busca de um consenso ocorrem em um momento em que problemas globais, tais como

desenvolvimento, mudanças climáticas, epidemias e terrorismo, carecem de soluções. O BRICS5 e o G-206 são

dois exemplos desse problema. As mudanças em termos políticos também são difusas em várias regiões onde

as estruturas políticas do passado estão sob pressão. Esse é obviamente o caso do Oriente Médio e da África.

Finalmente, a dimensão militar do poder vem se tornando menos relevante para a solução de problemas globais

ou para o enfrentamento das novas ameaças à segurança, como terrorismo e segurança cibernética. A contra-

dição entre supremacia militar e estabilidade econômica também tem aumentado. As estruturas institucionais

também vêm sofrendo pressões em consequência da redefinição dos modelos de crescimento e desenvol-

vimento e de mudanças estruturais. Não apenas a história bem-sucedida da China promoveu o Consenso de

Pequim, como abriu uma rota alternativa para o desenvolvimento. O mal-estar dos países desenvolvidos e sua

dificuldade em buscar um consenso político interno para enfrentar a crise e suas consequências indicam que

alguns dos princípios basilares dos sistemas econômico, social e político desses países estão sendo novamente

questionados. As consequências da crise ainda precisam ser totalmente elucidadas.

Estruturalmente, as mudanças demográficas terão um impacto crescente no nível institucional, por exemplo,

em termos de sistemas de bem-estar e do consenso social que subjaz a eles. O impacto de uma nova gera-

ção de inovações tecnológicas pode fazer com que muitas estruturas institucionais tornem-se obsoletas. A

definição de um novo consenso, interna e externamente, para solucionar esses problemas e para desenvolver

um novo grupo de instituições, tanto nacionais, como internacionais, a fim de promover o desenvolvimento, a

democracia e a mudança, é uma tarefa hercúlea.

A natureza dos problemas do Norte e do Sul costumava ser diferente e salientava a enorme divisão entre ambos.

Hoje, ainda existem diferenças, desníveis e clivagens, mas muitos dos problemas atuais são compartilhados pelos

países desenvolvidos e em desenvolvimento. Isso vem ocorrendo internamente com a ineficácia crescente dos

sistemas políticos, com o aumento da concentração de renda e com a dificuldade de se aceitar uma perspectiva

multicultural em nível global, devido à resistência ao compartilhamento do poder e à obtenção de um consenso,

além da tentativa de considerar países emergentes e em desenvolvimento como desvirtuadores ou obstrucionistas.

Como mencionado anteriormente, os modelos de integração regional também vêm sendo questionados. O

modelo europeu enfrenta um teste crucial em relação à sua capacidade de responder à crise, devido à con-

centração de poder na Europa, ressaltando ainda mais a importância da Alemanha, em razão do declínio da

5 Bloco de países formado por: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (N.T.).

6 Grupo formado pelas dezenove maiores economias do mundo mais a União Europeia (N.T.).

Page 29: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

27

importância da Europa e do ressurgimento do nacionalismo e seu efeito debilitante sobre o modelo de integra-

ção. As instituições europeias estão sob tensão, e isso gera repercussões em todos os modelos de integração.

O reaparecimento de um confronto estratégico com a Rússia reabriu o debate que parecia ter acabado com o

fim da Guerra Fria. As negociações do Acordo Transatlântico de Livre Comércio (TTIP ou TAFTA7) podem ser

um grande teste para o modelo europeu e um divisor de águas na União Europeia (UE).

Outros modelos mais simples de integração, tais como as ALCs, também estão sendo questionados, em razão

do crescimento do protecionismo alimentado pela crise, das guerras cambiais que podem intensificar-se e da

nova arquitetura do comércio mundial que vem sendo moldada por meio das cadeias de produção e comercia-

lização globais e regionais. A Ásia e o Pacífico são as duas áreas dinâmicas onde ainda se buscam iniciativas de

integração. Algumas delas têm, também, conteúdo político importante e refletem mudanças no poder global.

Vemos, agora, o ressurgimento do interesse nas negociações regionais e uma mudança no modo e na progra-

mação destas negociações, com mega-acordos inter-regionais, tais como o TTP8 e o TTIP. Estas negociações

são em si extremamente complexas e enfrentam não somente dificuldades na área de comércio, mas também

restrições políticas. Porém, se levados a cabo, estes acordos alterarão o cenário das negociações de comércio

e poderão proclamar o fim do sistema multilateral de comércio, atualmente estruturado e centrado na Orga-

nização Mundial do Comércio (OMC).

Podemos afirmar que temos, agora, três categorias de países em termos de política comercial e abordagem

das negociações comerciais: (i) um grupo de países totalmente integrados ao sistema global de comércio e

que buscam mais oportunidades para melhorar sua participação no comércio mundial por meio da abertura

de mercado e da harmonização e da simplificação de seu investimento e outras regras; (ii) um grupo de eco-

nomias importantes que mantêm uma atitude recalcitrante em relação às negociações comerciais e que viram

sua participação no comércio mundial estagnar (os principais representantes deste grupo seriam Brasil e Índia);

e (iii) um grande grupo de países que possuem uma participação marginal no sistema de comércio mundial e

que, em termos de números, representam a grande maioria da OMC.

1.2 REBALANCEAMENTO E COMÉRCIO

Podemos olhar para as mudanças que vêm ocorrendo no mundo a partir de diferentes perspectivas: mudanças

no poder, transição de um mundo unipolar para um mundo multipolar, reaparecimento da geopolítica, uma era

de entropia e caos etc. Independentemente da perspectiva, algumas características do período parecem so-

bressair-se: um rebalanceamento está ocorrendo nos planos global, regional e interno; o período é considerado

complexo e imprevisível, e é difícil entender a natureza das mudanças em andamento, bem como sua direção e

seu possível desfecho. Não é que as lições do passado tornaram-se irrelevantes, mas estamos adentrando águas

desconhecidas. Nessas circunstâncias, há riscos de tentarmos interpretar as mudanças atuais à luz do passado

ou permanecermos perplexos diante do que está acontecendo e nos escondermos por detrás de generalidades.

7 Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) ou Transatlantic Free Trade Agreement (TAFTA) (N. T.).

8 Tratado Transpacífico (TTP); em inglês, tem-se Trans-Pacific Partnership (TPP), sigla utilizada por alguns dos autores referenciados pelo autor do artigo (N.T.).

Page 30: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

28

Se olharmos para o período atual pela perspectiva do rebalanceamento9, poderemos, talvez, compreender al-

gumas de suas características principais e integrar melhor os planos externo e interno. O primeiro aspecto a ser

notado é que estamos lidando com rebalanceamentos múltiplos. Apenas para mencionar alguns deles: existem

rebalanceamentos internos, entre os quais o mais notável é o processo de reforma na China e a mudança de

um modelo de desenvolvimento baseado em investimento e exportações para um modelo impulsionado pelo

consumo doméstico; há um rebalanceamento global com múltiplas dimensões (política, econômica, militar), que

refletem na redução do poder hegemônico dos EUA e na ascensão da China e de outros países emergentes;

há um rebalanceamento multilateral, refletido na crise das regras multilaterais e das instituições do século XX

e na busca de novas formas de organização do sistema internacional.

O rebalanceamento abrange situações muito diferentes. Devemos, ainda, reconhecer que existem diferentes

rebalanceamentos e que eles possuem lógicas distintas. Por exemplo, na área econômica, um rebalanceamen-

to interno não leva ao rebalanceamento externo. Partindo da ampla análise da introdução para os aspectos

específicos, o presente texto tratará das várias dimensões do rebalanceamento na área do comércio.

Inicialmente, é importante notar que o conceito de rebalanceamento é definido mais ou menos formalmente

em termos econômicos. Para os economistas, há um rebalanceamento interno e um externo, sendo que um

não necessariamente leva ao outro10. Em outros contextos, a ideia de rebalanceamento é definida menos for-

malmente. A aplicação do conceito de rebalanceamento às áreas geopolítica ou militar, como mencionado

neste artigo, teria o risco de tornar um conceito econômico em um termo geral usado de forma imprecisa em

situações muito diferentes. Nesse sentido, o rebalanceamento pode contribuir para a compreensão de algumas

das mudanças em andamento, mas necessitaria da aplicação do conceito fora de sua área original em Econo-

mia, requerendo uma teoria de rebalanceamento.

Seguindo minha experiência diplomática, concentrarei minhas observações sobre a questão do comércio. A

perspectiva diplomática implica uma tomada de consciência sobre as relações de poder e um viés nas ne-

gociações e no pensamento estratégico. Parte-se de interesses nacionais, que são, então, colocados em uma

perspectiva internacional mais ampla em busca de consenso e negociação. As dimensões interna e externa são

cruciais para uma perspectiva diplomática. Em um mundo em que a interdependência está crescendo e em que

a globalização e a integração na economia mundial são fatores determinantes, é importante vislumbrar o am-

biente internacional em termos de desafios e oportunidades e estar sintonizado com as mudanças e tendências

em âmbito internacional. O Brasil, como país continental, sempre foi centrado em si mesmo e introspectivo. O

fato de ter adotado a substituição de importações para promover a industrialização reforçou essa orientação.

A percepção de globalização em termos de ameaças à independência nacional e a persistência de pontos de

vista que consideram a relação interamericana em oposição à autonomia sul-americana impedem uma maior

abertura comercial, uma melhor trajetória de desenvolvimento e uma política externa mais sintonizada com a

tradição internacionalista do Brasil e com as crescentes importância e dimensão do país.

Como uma potência regional e um país em desenvolvimento, assim como a China e a Índia, o Brasil deve colo-

car o desenvolvimento em primeiro lugar. Como a principal potência em sua região e um país sem problemas

9 No original, o termo rebalancing, no estudo das Relações Internacionais, faz referência à balança de poder; daí a opção desta tradução pelo termo “rebalanceamento”, em detrimento de “reequilíbrio” ou, ainda, como prefere a publicação do Ipea, “reajustamento” (N.T.).

10 Ver, a respeito, FUKUMOTO, T.; MUTO, I. (2011). Rebalancing China’s economic growth: some insights from Japan’s experience. Tokyo: Bank of Japan, Jul. (Bank of Japan Working Papers Series, n. 11-E-5). Disponível em: <https://goo.gl/5dpfxG>. Acesso em: 10/03/2015; e DOLLAR, D. (2013). China’s rebalancing: lessons from East Asian economic history. Washington: Brookings Institution, Oct. (Working Paper Series). Disponível em: <http://goo.gl/hQIXAS>. Acesso em: 10/03/2015.

Page 31: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

29

territoriais com seus vizinhos, o Brasil não tem ameaças importantes. Como parte de uma região sem rele-

vância geopolítica, o Brasil fica distante de confrontos políticos e militares e de áreas de interesse estratégico

para as principais potências. O Brasil não é uma potência militar importante, e seu poder coercitivo está bem

abaixo do que seria necessário para um país com dimensões, fronteiras e litoral como os que são observados

nele. A política externa brasileira é determinada, em grande parte, pela projeção dos interesses econômicos.

Em termos políticos, o Brasil é um país que sempre buscou a solução pacífica de conflitos, a não interferência

nos assuntos internos e a não intervenção. O Brasil faz parte do mundo ocidental e compartilha muitos de

seus valores, mas, ao mesmo tempo, tem outras dimensões culturais e uma experiência bem-sucedida com o

multiculturalismo. Todas essas características levaram a uma diplomacia ativa, dando ênfase ao direito, e não

ao poder11. Em nenhum outro lugar, isso é mais aparente do que na importância que a diplomacia multilateral

assume no contexto da política externa brasileira.

A prioridade dada ao multilateralismo é uma característica tão forte da política comercial brasileira que, atual-

mente, as pessoas criticam o posicionamento do Brasil em apostar todas as suas fichas em apenas uma opção.

Diferentemente de outros países, as negociações comerciais do Brasil são coordenadas pelo Ministério das

Relações Exteriores. O Itamaraty sempre foi respeitado, tanto dentro, como fora do País, como uma instituição

estatal construída sobre a meritocracia e o profissionalismo. Muito dessa reputação deve-se à condução das

negociações comerciais e à capacidade de combinar interesses ofensivos e defensivos. Atualmente, todavia,

com a Rodada de Doha em suspensão, com o enfraquecimento da OMC e as mudanças que estão acontecendo

no mundo, há uma pressão crescente para revisar a política comercial brasileira, favorecendo uma agenda mais

diversificada de negociações comerciais. O comércio é um excelente tópico para desenvolver a questão das

relações internacionais, já que um grande rebalanceamento vem ocorrendo no campo comercial. Ao mesmo

tempo, a teoria e a prática das negociações comerciais vêm sofrendo mudanças, e algumas delas têm uma

dimensão geopolítica. Finalmente, estas mudanças terão um impacto no Brasil, e o rebalanceamento em an-

damento apresenta desafios e oportunidades para o País que merecem ser considerados.

A discussão a seguir examinará, primeiramente, e de forma breve, três tendências no comércio mundial, dan-

do enfoque ao rebalanceamento em andamento no sistema de comércio mundial. A próxima seção tratará

das negociações comerciais, ressaltando a mudança do âmbito multilateral para o regional e as mudanças na

agenda de negociações comerciais, apresentando algumas considerações acerca da perspectiva dos países em

desenvolvimento. Por fim, o texto discutirá o impacto destas mudanças no Brasil e fará algumas recomenda-

ções em relação à política comercial brasileira, fazendo referência a outros países, especialmente China e Índia.

1.3 ALGUMAS TENDÊNCIAS NO PLANO COMERCIAL

Os relatórios da OMC de 2013 e 2014 procuram analisar as tendências atuais no plano comercial e discutir a

situação dos países em desenvolvimento. Tomando por base os objetivos deste artigo, a discussão será focada

em três das tendências identificadas: redistribuição dos fluxos comerciais e crescente importância dos países

em desenvolvimento; reorganização do sistema mundial de produção e a questão das Cadeias Globais de Valor

(CGVs); e regionalismo e mudança do centro da globalização do Atlântico para o Pacífico. Esta última tendência

11 Em inglês, o autor opõe os termos right (“o direito”) e might (“poder”) (N.T.).

Page 32: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

30

põe em voga a relação entre geopolítica e comércio, um assunto que ganha importância com a transição de

um mundo unipolar para outro multipolar.

A primeira década do século XXI presenciou uma maior redistribuição geográfica dos fluxos comerciais, incluindo

um crescimento significativo da participação dos países em desenvolvimento no PIB mundial e no comércio

e, ao mesmo tempo, uma redução na participação da região do Atlântico em prol da região do Pacífico e um

aumento do regionalismo. Na verdade, esses movimentos iniciaram mais cedo, mas se intensificaram com a

ascensão da China e de outros países emergentes e com o impacto da crise nos países desenvolvidos.

Esses movimentos apresentam duas dimensões importantes: o crescimento do PIB acelerou nos países em

desenvolvimento, e as taxas de crescimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento foram, até certo

ponto, dissociadas; e o crescimento da participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial,

indicando que os processos de globalização e integração na economia mundial continuaram apesar da crise.

Vamos olhar com atenção estas duas tendências. O crescimento do PIB não foi distribuído igualmente, porém

foi difundido de forma justa em todas as regiões. O impacto da China foi significativo, e a Índia também passou

por um período de grande crescimento. Juntamente com estes dois gigantes asiáticos, outros países também

aumentaram sua participação no PIB mundial, como foi o caso do Brasil. A África continuou a ter taxas de

crescimento bem acima daquelas registradas em períodos anteriores. Em termos de distribuição do PIB, isso

é observado nas projeções de que a ordem de magnitude dos países desenvolvidos e em desenvolvimento irá

mudar drasticamente, fazendo com que, nos próximos dez a quinze anos, o G-712 seja provavelmente formado

pela maioria dos países em desenvolvimento, sendo a China a maior economia do mundo. Isso demonstra uma

grande mudança na distribuição do poder econômico e na divisão entre Norte e Sul, levando à afirmação de

que poderemos presenciar uma “grande convergência”.

Do ponto de vista deste artigo, há duas questões especialmente relevantes sobre a tendência atual: a susten-

tabilidade da tendência atual e a possibilidade de uma grande convergência. Em relação à sustentabilidade,

a incerteza que caracteriza o momento atual torna as projeções de longo prazo arriscadas. Já estamos per-

cebendo uma mudança radical nas projeções de crescimento em alguns países emergentes, e, até mesmo, a

China está direcionando-se a um “novo padrão normal”, em que as baixas taxas de crescimento do PIB serão

a regra e a qualidade irá substituir a quantidade como principal preocupação dos formuladores de políticas.

O Banco Asiático de Desenvolvimento (Asian Development Bank, ou ADB) vem promovendo, por algum tem-

po, a ideia de um “século asiático”. As projeções do ADB baseiam-se na hipótese de que os países asiáticos

conseguirão instituir reformas estruturais e evitar a “armadilha da renda média” (middle-income trap). A China

e a instituição das reformas adotadas na III Assembleia do Partido Comunista Chinês (PCC), em novembro de

2014, são os pontos cruciais para o sucesso dessa reforma. Por outro lado, a economia estadunidense está a

caminho da recuperação, mas a Europa e o Japão estão ficando para trás e enfrentando grandes obstáculos.

Novamente, a última reunião do G-20 na Turquia revelou a preocupação das autoridades econômicas com a

sustentabilidade e a extensão da recuperação e advertiu sobre os perigos de uma “estagnação secular”.

Este artigo não pretende discutir as projeções econômicas mundiais. Tendo em mente o conceito de rebalan-

ceamento, o que poderia ser dito é que ele vem ocorrendo. Parte dele é irreversível, principalmente no plano

12 Grupo formado pelos seguintes países: Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido (N.T.).

Page 33: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

31

comercial. Em uma economia globalizada, não existe dissociação completa das taxas de crescimento e nenhuma

economia é capaz de sustentar a recuperação da economia mundial por um longo período. O comércio pode

contribuir, mas, na ausência de ajustes internos, isso não ocorrerá por muito tempo. A manutenção da tendên-

cia de rebalanceamento dependerá de aspectos internos, em particular de países maiores como a China, e da

adoção de medidas complementares por todos os países para a correção de desbalanceamentos externos.

Uma grande convergência, bem como um grande reequilíbrio, exigiria uma nova estrutura de regras e institui-

ções multilaterais calcada na ideia de uma redistribuição equilibrada do poder mundial e na sustentação e no

manejo da multipolaridade e da globalização. A transição atual não indica que um novo consenso possa ser

obtido. Pelo contrário, há indícios de que a resistência a mudança está aumentando. No setor do comércio,

com o fracasso da Rodada de Doha e a promoção de mega-acordos, poderemos presenciar uma tentativa de

procurar reverter os ganhos dos países em desenvolvimento e emergentes e de desconstruir o sistema mul-

tilateral de comércio. Com base nessas considerações, parece prematuro falar de uma grande convergência

ou de um grande reequilíbrio.

Em termos de relações comerciais, notamos, novamente, que há uma concentração e uma diversificação no

desempenho comercial dos países em desenvolvimento. A China encontra-se, novamente, em uma categoria

diferente, mas vários outros países aumentaram sua participação nas exportações e importações. Em parte,

isso se deve ao efeito China, especialmente após a crise. O efeito China tem seis componentes principais: (i) a

taxa de crescimento do PIB; (ii) a dimensão da economia chinesa; (iii) o grau de abertura, no qual o comércio

exterior representa uma grande proporção do PIB; (iv) a redução do superávit comercial e o crescimento das

importações; (v) a demanda por commodities que tiveram um grande impacto sobre os países em desenvol-

vimento e cujas exportações ainda se concentram em produtos primários; e, finalmente, (vi) o crescimento de

investimentos chineses em outros países. Porém, a distribuição geográfica do comércio também mudou com

o crescimento contínuo do comércio Sul-Sul.

O efeito China teve um poderoso efeito anticíclico, especialmente em relação aos países em desenvolvimento.

As exportações dos países em desenvolvimento ainda se concentram em commodities e na gigantesca demanda

chinesa por energia, minerais e produtos agrícolas e florestais. Graças à aceleração de projetos de infraestrutura

na China, uma resposta à crise internacional, e aos limites de sua agricultura em atender a crescente demanda

doméstica, produziu-se o chamado “superciclo” nos preços das commodities. Como isso, agora, já é passado,

o consequente declínio nos preços das commodities explica parte da redução nas taxas de crescimento nos

países em desenvolvimento e em sua participação no comércio mundial.

Os rebalanceamentos interno e externo da economia chinesa foram postergados em prol do crescimento em

curto prazo, mas, agora, inevitavelmente, sustentam as projeções de longo prazo da economia chinesa. Se esse

reequilíbrio ainda será obtido, é outra história. Em um estudo recente sobre as consequências das reformas

chinesas na economia brasileira, o Banco Mundial conclui que as reformas em andamento na China podem ge-

rar novas fontes de dinamismo para o Brasil e para a diversificação das exportações brasileiras. O projeto das

reformas envolve grandes mudanças no modelo de crescimento e um aprofundamento das reformas orientadas

para o mercado e para a abertura da economia. O Brasil também terá que fazer reformas para rebalancear e

abrir sua economia a fim de beneficiar-se das mudanças na China.

Existem indícios de que o reequilíbrio está ocorrendo no comércio e no investimento mundiais, em parte impul-

sionado pela crise e em parte motivado pela necessidade de abandonar os modelos anteriores de crescimento.

Contudo, um grande reequilíbrio necessitará de uma combinação de reformas internas e uma reformulação

do comércio mundial e dos sistemas financeiros. Parte da reforma será uma consequência do funcionamento

Page 34: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

32

de variáveis econômicas que levarão a correções das taxas de crescimento, balanças comerciais e taxas de

câmbio. Parte resultará de reformas internas, em particular na China, para corrigir seu superávit comercial e

para reformar seus sistemas financeiro e cambial. Outros países superavitários, como a Alemanha, também

terão que passar por reforma, e as principais economias de mercado emergentes, como o Brasil e a Índia, te-

rão que desenvolver e executar uma nova geração de reformas econômicas nas quais o reequilíbrio e maiores

abertura e integração na economia mundial terão um papel importante. Porém, um grande rebalanceamento

exigiria um novo consenso sobre o funcionamento dos regimes monetário, financeiro e comercial e sobre as

instituições que são os pilares destes regimes.

Outro aspecto que parece importante em termos de reformulação do sistema de comércio mundial em um

mundo mais multipolar: a relação entre multilateralismo e regionalismo, e, ligados a ela, o declínio da região

do Atlântico e a ascensão da região do Pacífico. Isso tem múltiplas dimensões, mas o que nos preocupa aqui é

a questão da dimensão econômica e comercial dessa mudança. Esse processo vem acontecendo há algumas

décadas, desde a recuperação do Japão e a ascensão de países recentemente industrializados. Podemos falar

deste período como sendo a primeira fase do rebalanceamento geográfico da região do Atlântico para a região

do Pacífico. Entretanto, o período atual é caracterizado pela ascensão da China e, em menor grau, da Índia.

O regionalismo sempre esteve presente como um elemento importante na criação e no desvio do comércio.

Ademais, o regionalismo responde a elementos geopolíticos em termos da integração de áreas contíguas e da

consolidação de países integrados pelo comércio em um único espaço. O que está em debate aqui é se esta-

mos presenciando uma tendência irreversível ao regionalismo e a importância decrescente do multilateralismo.

O que é novo no regionalismo é o fato de que o comércio está indo em direção à integração nos moldes das

CGVs, e isso tem uma importante dimensão regional.

A outra questão cuja importância vem crescendo é a perspectiva reduzida de integração profunda e o sucesso

de abordagens mais pragmáticas para a integração nos moldes de ALCs de segunda e terceira gerações. Uma

comparação entre MERCOSUL e a ASEAN13 seria instrutiva. O outro elemento nessa equação é o futuro da UE,

onde os incentivos à integração foram profundos e responderam a questões geopolíticas e estratégicas difíceis

de serem reproduzidas em outras regiões do mundo.

Finalmente, devemos levar em consideração a dimensão geopolítica do regionalismo em um mundo mais

multipolar e a possibilidade de organizar o comércio nos moldes dos blocos em conflito liderados por pode-

res regionais e entrepostos regionais. Os elementos dessa tendência já estão presentes em todas as regiões,

especialmente na Ásia.

A concorrência entre multilateralismo e regionalismo sempre foi uma característica do sistema comercial. O

artigo XXIV do GATT14 tentou regular a relação entre os dois sistemas, mas nunca obteve sucesso; além disso,

suas disposições eram frequentemente evitadas ou ignoradas. As tentativas de reforma das disciplinas sempre

enfrentaram a falta de interesse em preservar uma dimensão regional e a habilidade de derrogar as regras do

GATT. Não causa nenhum estranhamento que, nessas circunstâncias, a aplicação do artigo XXIV e as tentativas

de reforçá-lo não tenham progredido muito.

13 Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSEA); em inglês: Association of Southeast Asian Nations (ASEAN) (N.T.).

14 General Agreement on Tariffs and Trade; em português: Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (N.T.).

Page 35: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

33

A concorrência entre as duas abordagens das relações internacionais obviamente não está restrita ao comércio,

e o regionalismo pode ser visto como um tipo de componente básico de um sistema multilateral, como ocorre

na relação entre a ONU e organizações internacionais regionais, caso da OEA (Organização dos Estados Ame-

ricanos). A abordagem regional pode, também, preencher as lacunas da abordagem multilateral em regiões

em que o regionalismo é a única alternativa disponível, a exemplo dos acordos e pactos de cooperação militar

e de segurança durante a Guerra Fria, marcada por arranjos de segurança concorrentes. Ela pode competir

com a abordagem multilateral (por exemplo, no comércio), desviando os fluxos comerciais, garantindo acesso

preferencial e cobrindo áreas não sujeitas a disciplinas multilaterais em planos de integração profunda.

Essa relação, às vezes harmoniosa e complementar, mas geralmente concorrente e até mesmo conflitante, não

é novidade. Na verdade, a possibilidade de um mundo organizado em torno de blocos comerciais competindo

por supremacia e expansão tem sido discutida exaustivamente. “Fortaleza Europa” (fortress Europe) era uma

expressão popular utilizada nos primórdios da integração europeia. Os avanços da globalização foram um

poderoso obstáculo para o regionalismo. A presença de um poder hegemônico também é a força principal

por detrás da não discriminação e da abordagem NMF (Nação Mais Favorecida) para a liberalização comercial.

A supremacia ocidental criou um amálgama para o sistema, tanto em termos do processo de abertura do

mercado, que priorizava regiões onde a criação do comércio era benéfica aos participantes dominantes das

negociações comerciais, como em termos das disciplinas essenciais e da teoria de comércio clássica subjacente.

O que estamos vendo agora é o enfraquecimento de todas essas forças que atuaram em prol da abordagem

multilateral para as negociações comerciais. Em um mundo mais multipolar, forças centrípetas tendem a fir-

mar-se e os poderes regionais disputam com a hegemonia a supremacia em suas regiões. O comércio não

é nenhuma exceção. Pelo contrário, o comércio está tornando-se um elemento fundamental nessa disputa,

como mostram os mega-acordos que estão sendo negociados. O regionalismo não ganhou a liderança, mas

está mais fortalecido agora.

1.4 UNIVERSO DAS NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS

Agora, podemos nos concentrar nas negociações comerciais e tentar estabelecer uma inter-relação entre as

tendências discutidas acima e o universo das negociações comerciais. A finalidade desta discussão será realçar

algumas das consequências das mudanças na agenda de negociação em termos de negociações multilaterais,

regionais e bilaterais, e em termos das novas questões em debate. Isso não envolve apenas uma tendência que

iniciou décadas atrás para expandir o conceito de comércio, mas também pode levar a negociações comple-

tamente diferentes baseadas no valor agregado e nas CGVs. Desta forma, daremos atenção especial ao futuro

da OMC e da Rodada de Doha, aos mega-acordos e sua dimensão geopolítica e às respostas que essas nego-

ciações estão obtendo no principal país excluído, a China. Os chineses, agora, buscam integrar infraestrutura,

não apenas no Leste Asiático, mas em todo o continente e, também, com a Europa e, até mesmo, a América

do Norte e a América do Sul, como ocorreu, por exemplo, com os dois projetos Rota da Seda e com as iniciati-

vas na África e na América Latina, indicando que a diplomacia comercial chinesa recente está preparada para

contestar o papel de pivô estadunidense para a Ásia e sua dimensão equivalente, a iniciativa transatlântica.

A OMC enfrenta, atualmente, um evidente desafio em relação ao seu papel como sustentáculo do sistema

comercial multilateral. O desafio, na verdade, é do multilateralismo como melhor forma de promover a liberali-

Page 36: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

34

zação comercial e a integração dos países em desenvolvimento na economia mundial. Em um artigo publicado

em 2003 na Foreign Affairs, intitulado A high-risk trade policy15 (“Uma política comercial de alto risco”, em

tradução livre), Bernard Gordon discute as mudanças na política comercial dos EUA introduzidas por Robert

Zoellick16 e exemplificadas por sua crença de que:

(...) uma estratégia de liberalização comercial em várias frentes -- globalmente,

regionalmente, e bilateralmente -- melhora nossa alavancagem e promove os

mercados abertos. Como os europeus me apontaram, foi preciso a conclusão do

Encontro entre NAFTA [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio] e a primeira

APEC [Cooperação Econômica Ásia-Pacífico] em 1993-94 para convencer a UE a

concluir a Rodada Uruguai. Sou a favor da ‘concorrência na liberalização’ com os

EUA no centro da rede (GORDON, 2003).

Gordon (2003) critica, ainda, essa política e defende o sistema comercial multilateral e a participação dos EUA,

fazendo um esforço para concluir a Rodada de Doha. É interessante notar que o argumento principal do artigo

no que diz respeito à importância do Sistema Multilateral de Comércio (em inglês, Multilateral Trading System

ou MTS) para os EUA tem a ver com a distribuição geográfica equilibrada do comércio estadunidense, um

argumento que foi frequentemente usado pelo Brasil para defender a prioridade das negociações comerciais

multilaterais. Para o propósito deste texto, duas questões levantadas pelo autor são relevantes: a contradição

entre multilateralismo e regionalismo e a concorrência em termos de liberalização comercial e elos comerciais,

uma vez que o processo de negociações comerciais bilaterais e regionais ganha impulso.

Entre 2003, quando Gordon escreveu seu artigo, e o período atual, as mudanças foram significativas, com a

participação dos EUA no PIB mundial e no declínio do comércio e a ascensão da China, agora o maior expor-

tador e a segunda economia mundial. A China alterou o cenário econômico e comercial no Leste Asiático, e,

agora, quase todos os países da região têm a China como seu principal parceiro comercial. Esses números

ressaltam a importância da dimensão comercial do papel de pivô que os EUA têm para a Ásia. O que não

está tão claro é se ainda é possível para os EUA, na eventualidade de uma grande crise econômica na China,

recuperarem sua posição econômica e comercial, e se os países asiáticos estão preparados para optar pelos

EUA em vez de pela China.

O sucesso do MTS em garantir a contínua expansão do comércio mundial e promover a globalização e a inte-

gração dos países no sistema comercial mundial sugere que as vantagens do multilateralismo são evidentes.

O sistema desenvolveu-se desde 1948, e a transformação do GATT na OMC simplesmente é o passo principal

para um processo contínuo de mudanças. Todavia, ao longo de seus quase setenta anos de história, o MTS

não conseguiu lidar satisfatoriamente com certas questões importantes relacionadas ao equilíbrio de direi-

tos e deveres entre os principais parceiros comerciais, originalmente apenas os países desenvolvidos, cujas

exportações concentravam-se nos bens manufaturados e nos serviços, e países que tiveram uma pequena

participação no comércio mundial e cujas exportações giravam principalmente em torno de commodities, ou

seja, os países em desenvolvimento.

15 GORDON, B. K. (2003). A high-risk trade policy. Foreign Affairs, Jul-Aug. Disponível em: <https://goo.gl/2hTPhz>. Acesso em: 10/03/2015.

16 Robert Zoellick foi presidente do Banco Mundial entre 2007 e 2012 (N.T.).

Page 37: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

35

O rebalanceamento no crescimento do PIB e nas relações comerciais em andamento colocou essas ques-

tões em evidência. A fórmula de que o desenvolvimento e a agricultura estão no centro da Rodada de Doha,

frequentemente utilizada pelo G-20, é uma indicação concisa da mudança no equilíbrio de forças no MTS. A

questão da redistribuição dos benefícios do livre comércio e da condução e da administração das negociações

comerciais na OMC provou ser um obstáculo difícil, mas inevitável, de ser transposto. Essas questões apresen-

tam, ainda, uma dimensão Norte-Sul, conforme demonstrado no fracasso da reunião ministerial de Cancún e

na habilidade dos países em desenvolvimento de influenciarem decisivamente o ritmo, a agenda e o processo

de decisão das negociações.

Porém, essa dimensão está mudando à luz de dois desdobramentos: o crescimento do movimento antiglobali-

zação nos países desenvolvidos e a crescente importância das chamadas economias de mercado emergentes.

Já há algum tempo, percebemos que alguns dos críticos mais severos da globalização e do livre comércio

estão no Norte, e não no Sul. Existe um sentimento crescente de que essas duas forças agora atuam contra os

interesses das classes trabalhadoras e em prol da concentração e da desigualdade de renda. Isso vem sendo

apoiado e tem adquirido importância entre acadêmicos renomados, como Rodrik e Stiglitz, que atacam as

imperfeições do sistema e seus fundamentos teóricos. Stiglitz, em um artigo em que critica as negociações

do TTP, afirma que:

Hoje, a finalidade dos acordos comerciais é diferente. As tarifas em todo o mundo

já são baixas. O foco mudou para “barreiras não tarifárias”, e as mais importantes

delas — para os interesses corporativos que movem os acordos — são regulamenta-

ções. (...) Mas a maioria das regulamentações, mesmo que sejam imperfeitas, estão

ali por um motivo: para proteger os trabalhadores, os consumidores, a economia e

o meio ambiente. (...) Seria possível, obviamente, obter uma harmonização regu-

latória aplicando os mais altos padrões às regulamentações em todos os lugares.

Mas quando as empresas pedem harmonização, o que elas realmente querem é

um nivelamento por baixo.17

Se olharmos para a relação entre comércio e desenvolvimento, uma característica essencial do movimento

de reforma liderado pelo G-77, notamos que, desde 1964 e a I UNCTAD18, esta relação evoluiu e o ponto de

vista sobre a divisão Norte-Sul e sobre a estruturação dos debates, das negociações e das regras baseadas

na distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento perdeu terreno e, hoje, é um elemento de

importância secundária nas negociações comerciais. Mesmo nas fases iniciais do debate, três outras ideias

conduziam-no em sentidos opostos: segmentação, diferenciação e graduação. A elas, devemos acrescentar

a supremacia da economia liberal e o sistema financeiro internacional. O término da Guerra Fria e o fim do

Consenso de Washington estrearam o século XXI e as projeções de um mundo mais multipolar e de um debate

mais aberto sobre o modo de desenvolvimento. É necessário reavaliar a questão do desenvolvimento como

uma categoria de estruturação à luz das tendências à multipolaridade, à diferenciação e à graduação e à nova

agenda econômica. A forma como o Brasil, a China e a Índia posicionam-se nesse debate, como os principais

países emergentes, será fundamental para uma perspectiva sobre a questão do desenvolvimento.

17 STIGLITZ, J. (2014). On the wrong side of globalization. The New York Times, 15 Mar. Disponível em: <http://opinionator.blogs.nytimes.com/ 2014/03/15/on-the-wrong-side-of-globalization/?_r=0>. Acesso em: 15/02/2015.

18 Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD (N.T.).

Page 38: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

36

1.5 O MTS E A RODADA DE DOHA

O Sistema Multilateral de Comércio (MTS) encontra-se em uma encruzilhada: como injetar dinamismo em sua

agenda de negociação e revitalizar e concluir a Rodada de Doha em meio a uma recessão e como reformar-se

à luz dos novos desdobramentos do sistema global de comércio? Ao mesmo tempo, o MTS depara-se com uma

crescente concorrência a partir de acordos comerciais bilaterais e regionais. Isso não é novidade, mas, agora,

o sistema e seu pilar estão enfraquecidos, a agenda de negociação está mudando, e algumas das iniciativas

de negociação em andamento concentram-se nesta agenda e incluem uma grande quantidade de comércio

mundial. Estas iniciativas poderiam, então, ser vistas como a base de uma estrutura diferente para o comércio

mundial e de um diferente sistema baseado em regras.

A liderança estadunidense nas negociações comerciais foi associada tradicionalmente a uma preferência por

uma abordagem multilateral. A UE e o Japão, nas atuais circunstâncias, não estão em posição de liderança,

ainda às voltas com a crise e precisando fazer concessões na área onde têm seus maiores interesses defen-

sivos – a agricultura. Os países em desenvolvimento são classificados conforme descrito anteriormente e nas

negociações comerciais sempre tendem a dividir-se de acordo com seus interesses específicos. Além disso,

atualmente, enfrentam o impacto da recessão e da redução na taxa de crescimento da China e precisam en-

carar o desafio de uma nova geração de reforma sob condições difíceis.

Dentre as economias emergentes, a China, como a grande vencedora da globalização, pode exercer um tipo

de liderança em prol do MTS e da liberalização comercial, pois suas reformas exigem uma maior abertura e

uma economia em sua melhor forma. No entanto, os chineses andam ocupados tentando preservar seu espa-

ço regional e contrapor-se às iniciativas estadunidenses. A China também se movimenta cuidadosamente no

plano multilateral.

O Brasil e a Índia estão em uma posição muito menos favorável para contribuírem para a conclusão da Rodada

de Doha e para a reformulação do MTS. O Brasil tem uma agricultura muito competitiva, mas sua indústria

e seu setor de serviços precisam ser reestruturados a fim de tornarem-se competitivos. A Índia também en-

frenta dificuldades, com uma agricultura protegida, uma indústria que necessita de modernização e um setor

de serviços que precisa ser mais competitivo. Ambos os países sempre foram comprometidos com o MTS e,

durante a Rodada de Doha, assumiram posições de liderança e, agora, poderiam tentar atrelar seus processos

de reforma à contribuição nas negociações comerciais. Talvez eles sejam os países que tenham mais a perder

com um novo conjunto de regras comerciais e uma nova geração de acordos comerciais dos quais são exclu-

ídos. Suas opções são reduzidas, mas eles não parecem prontos para comprometerem-se e para liderarem,

como se observa na decisão da Índia de bloquear o acordo de Bali e na falta de iniciativas do Brasil no plano

comercial. O BRICS encontra-se, atualmente, em uma posição difícil para liderar e não tem sido muito ativo

nas questões comerciais.

O MTS enfrenta grandes desafios e não tem liderança, apesar dos esforços do DG19 Roberto Azevêdo. A con-

clusão da Rodada de Doha continua a não ser compreendida pelos negociadores comerciais. A agenda de ne-

gociação da OMC está sendo subjugada pelos desdobramentos atuais. Um processo de reforma para preparar

a OMC para o século XXI parece ainda mais difícil. Se os mega-acordos forem bem-sucedidos – o que é um

19 Roberto Azevêdo é o atual diretor-geral (DG) da OMC (N.T.).

Page 39: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

37

grande “se” –, a OMC deparar-se-ia com um enorme obstáculo para integrar seus resultados, mesmo que mais

limitados do que se esperava inicialmente, ao MTS. Nesse cenário, o MTS poderia tornar-se uma espécie de

denominador mínimo comum das regras a serem aplicadas a uma proporção decrescente do comércio mundial.

Nesse contexto, há a necessidade de revitalizar a Rodada de Doha e reformar a OMC, e o Brasil deve participar,

juntamente com outros países emergentes, como a China e a Índia, a fim de ganhar liderança em Genebra.

As dificuldades atuais indicam que seria difícil concluir a Rodada com um alto nível de ambição, algo que tem

escapado aos negociadores comerciais há uma década e que tem sido inatingível em condições econômicas

melhores. Abandonar a Rodada e concentrar-se em uma visão sobre o futuro deixaria uma ferida aberta. Um

consenso sobre a reforma da OMC, necessário para dar legitimidade às reformas, seria ainda mais difícil de con-

seguir, e a OMC poderia envolver-se em uma negociação de divisão interminável que acabaria enfraquecendo-a

ainda mais. Obviamente, é possível analisar as duas questões ao mesmo tempo, e os últimos discursos do DG

parecem indicar que ele está considerando essa abordagem. Esta abordagem, entretanto, pode causar mais

complexidades, pois engendra um novo equilíbrio na agenda da Rodada e reabre a Agenda Doha de Desenvol-

vimento (ADD). Também devemos ter em mente que as reformas necessitam de tempo para amadurecer e ser

negociadas e que sua discussão provavelmente sairia ganhando com um melhor cenário econômico. Sempre

é possível olhar para diferentes combinações e abordagens, mas eu preferiria fazer uma última tentativa e

concluir a Rodada antes de entrar no processo de reforma. O Brasil tem interesses estratégicos em ambas as

questões: a conclusão da Rodada e o futuro da OMC.

A conclusão da Rodada é o primeiro passo para o sucesso, do qual a nova agenda depende. Para o Brasil, prin-

cipal exportador de produtos agrícolas e um país que tem níveis muito baixos de subsídios domésticos e não

utiliza subsídios de exportação, a Rodada, desde o início, representa a oportunidade de integrar totalmente a

agricultura às disciplinas do MTS, limitando os abusos dos grandes subsídios. As negociações dessas disciplinas

apenas podem ser feitas no âmbito multilateral, pois este requer um equilíbrio complexo entre um grande número

de participantes, em particular os EUA e a UE, e uma abordagem técnica complexa das diferentes formas de

apoio doméstico e um equilíbrio entre as reduções nos níveis de subsídios e a abertura do mercado. Também

é necessário que exista um equilíbrio complexo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, incluindo

segurança alimentar na agricultura e concessões no Acesso ao Mercado para os Produtos Não Agrícolas (Non-

Agricultural Market Access ou NAMA) e serviços. As dificuldades relacionadas a esses tópicos impossibilitaram

chegar a um equilíbrio que pudesse levar à conclusão da Rodada de Doha e, mais recentemente, quase levaram

ao fracasso da conferência ministerial de Bali e ao colapso do pacote de Bali.

O acordo finalmente conseguiu resolver esses últimos impasses, abrindo espaço para um consenso na questão

dos estoques públicos de alimentos até o final de 2015. Em vista da segurança alimentar em muitos países em

termos de seus interesses ofensivos ou defensivos, essa data de final de 2015 pode oferecer a oportunidade de

construir um pacote final para a Rodada. Para chegar a um acordo sobre segurança alimentar, seria necessário

incluir outros tópicos importantes para os países desenvolvidos e em desenvolvimento e lidar com o equilí-

brio central na ADD entre agricultura e NAMA. Evidentemente, os países podem simplesmente concordar em

criar outra data-limite, como têm feito há anos. Porém, sob essas circunstâncias, isso poderia ser um erro de

estratégia. Os países não se reúnem em Genebra para decretar o fracasso de uma rodada comercial, mas isso

poderia ocorrer em consequência da omissão e do tácito consenso para estabelecer negociações em outro lugar.

Concluir a rodada exigiria um esforço conjunto por parte de todos os membros da OMC para engajar, negociar

com seriedade e fazer concessões a fim de se chegar a um possível pacote que não seria ideal ou um pacote

que poderia ter sido instituído há alguns anos, mas que seria equilibrado e aceitável para todos. A principal res-

Page 40: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

38

ponsabilidade em obter esse resultado é dos principais parceiros comerciais e dos países em desenvolvimento

emergentes. Tal resultado somente pode ser obtido se os principais envolvidos valorizarem o MTS e a OMC.

E esse é o cerne da questão. Ao lermos um artigo de Michael Froman20, temos a impressão de que os EUA não

apenas reduziram a importância das negociações multilaterais em sua agenda comercial, mas, na verdade, eli-

minaram a Rodada de Doha e a OMC de suas prioridades. Outro aspecto claramente apresentado pelo artigo

é a relação entre comércio e considerações estratégicas. De acordo com o texto:

Os três objetivos comerciais estratégicos do governo de Obama — estabelecer e

aplicar as diretrizes a serem seguidas, fortalecer parcerias e promover o desenvolvi-

mento — têm o objetivo maior de revitalizar a arquitetura econômica internacional.

O estabelecimento e a aplicação das diretrizes a serem seguidas garantirão que

o sistema comercial de amanhã esteja de acordo com os valores e interesses dos

EUA. O fortalecimento das parcerias e alianças dos EUA com outros países pro-

tegerá esse sistema e determinará as bases para a busca de interesses comuns. A

promoção de um desenvolvimento de base ampla e inclusivo expandirá esse sis-

tema para que seus benefícios sejam maiores e mais amplamente compartilhados.

A base econômica da agenda comercial da administração do presidente Obama é

sólida, e os riscos estratégicos de prosseguir com essa agenda não poderiam ser

maiores. Devido às restrições atuais às políticas fiscal e monetária, não há fonte

de crescimento melhor que o comércio. À medida que as tensões aumentam na

Ásia e nas regiões periféricas da Europa, os méritos estratégicos do TTP e TTIP

tornam-se ainda mais claros (FROMAN, 2014, p. 5).

Se os objetivos de negociação dos EUA, juntamente com os objetivos de seus parceiros estratégicos nos me-

ga-acordos, forem os de construir uma nova arquitetura e definir uma nova agenda de negociação focada em

transações plurilaterais com vistas a torná-las multilaterais após a conclusão das negociações, então a conclu-

são da Rodada de Doha perderia o sentido ou seria obtida às custas dos objetivos de negociação dos outros

participantes. Esse seria um resultado difícil de justificar, pois significaria que o custo de salvar a rodada e

manter o sistema multilateral de comércio dependeria apenas daqueles que não participam dos mega-acordos.

1.6 OS MEGA-ACORDOS

Os mega-acordos em negociação podem definir os novos padrões nas regras comerciais e estabelecer seus

próprios mecanismos para a solução de disputas. O segredo por detrás dessas negociações, especialmente no

caso do TTP, contrasta com o processo multilateral da OMC e levanta questionamentos sobre seus objetivos.

Certamente eles respondem a preocupações geopolíticas e constituem parte de uma estratégia global dos

EUA, em que o papel do pivô para a Ásia ocupa uma posição central, como reiterado na Nova Estratégia de

Segurança Nacional21, recém-publicada. Essas mudanças implicam que os mega-acordos possuem uma impor-

20 FROMAN, M. B. (2014). The strategic logic of trade: new rules of the road for the global market. Foreign Affairs, Nov-Dec. Disponível em: <http://goo.gl/upKoxE>. Acesso em: 10/03/2015.

21 National Security Strategy, ou NSS (N.T.).

Page 41: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

39

tância que transcende a dimensão comercial e podem representar o passo final na mudança da estratégia de

negociação comercial dos EUA, passando do âmbito multilateral para o regional. Olhemos com atenção para

os mega-acordos sob a ótica de algumas questões horizontais: simetria, agenda, CGVs, parâmetros societários,

transparência e orientação geopolítica. Nesse contexto, haverá, também, questões acerca da relação entre

multilateralismo e regionalismo e entre o Atlântico e o Pacífico.

A simetria está presente em qualquer negociação. Nas negociações comerciais, as dimensões do tamanho de

mercado e o grau de abertura da economia são de especial relevância. A simetria explica a preferência por

negociações multilaterais como uma forma de equilibrar melhor o poder dos principais parceiros comerciais

por meio de coalizões.

Nos mega-acordos, a questão de simetria está presente principalmente no TTP e nos países que não têm

acordos com os EUA. A entrada do Japão nas negociações conferiu um equilíbrio melhor e possibilitou uma

agenda de negociação mais aberta e complexa, haja vista o tamanho da economia japonesa, sua presença nos

mercados asiáticos e as divergências entre o Japão e os EUA quanto a assuntos importantes como agricultura

e indústria automotiva.

O TTIP parece ser uma negociação mais equilibrada. No entanto, mesmo em um acordo entre as duas principais

economias mundiais, a questão da falta de simetria encontra-se presente. Como apontado por Pierre Defraigne22,

“a assimetria das negociações entre duas potências políticas e econômicas muito diferentes, uma América de

ferro e uma Europa de argila, resulta de suas respectivas características e orientações de política”. E, ainda:

O sucesso do TTIP, longe de ser garantido, certamente prejudicaria ainda mais

a parceria já assimétrica da Europa com a América. Ao adicionarmos o domínio

econômico dos EUA à liderança estratégica, o sonho de unificação da Europa

diluir-se-ia. Isso certamente levaria o relativo declínio econômico da Europa, que

é um fato estatístico, à decadência, o que é uma escolha política (DEFRAIGNE,

2014, p. 3).

A agenda de negociações reflete a intenção de ultrapassar as barreiras tradicionais ao comércio e abranger a

área de políticas internas, a fim de estabelecer uma igualdade de condições para o funcionamento das CGVs.

No caso do TTIP, estima-se que 80% dos ganhos em termos de crescimento do PIB e o aumento do comércio

venham de medidas de liberalização na área de regulamentação. Questões mais tradicionais de acesso ao

mercado são importantes no TTP, mas a importância de medidas reguladoras é essencial. Esses acordos estão

sendo vendidos como acordos do século XXI, pois suas agendas indicariam as novas prioridades em termos de

negociações comerciais. No caso do TTIP, a ênfase tem sido na capacidade de estabelecer regras e padrões

globais, fazendo dos dois participantes “criadores de padrões”, e não “seguidores de padrões”23.

Outro assunto que é crucial nas negociações é o tratamento do investimento como um componente indispen-

sável para o estabelecimento e funcionamento das CGVs. Ligada ao tratamento do investimento estrangeiro

está a questão do estabelecimento de um novo mecanismo para solução de disputas com a participação de

investidores privados. O caráter crucial da regulação e do investimento nos mega-acordos tem sido motivo

22 DEFRAIGNE, P. (2014). Departing from TTIP and going plurilateral. Madariaga Paper, v. 7, n. 9, Oct. Disponível em: <http://goo.gl/JKN92H>. Acesso em: 10/03/2015.

23 No inglês, respectivamente, standard makers e standard takers (N.T.).

Page 42: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

40

de grande preocupação por parte de movimentos sociais e opositores da globalização. Porém, mesmo um

negociador comercial experiente como Pierre Defraigne defende que:

As regulamentações internas ao comércio internacional são muito diferentes das

barreiras tarifárias. Elas têm impacto sobre o comércio, mas seu propósito principal

não é conter importações, mas proteger o meio ambiente e valores da sociedade.

Isso inclui produção doméstica e importações. Por um lado, elas refletem prefe-

rências coletivas; por outro lado, refletem diferenças técnicas que são, às vezes,

utilizadas como artifícios protecionistas. Nos EUA e na UE, as preferências coletivas

diferem consideravelmente em questões como o princípio da precaução, ilustrado

pela disputa judicial envolvendo hormônios em carne bovina, frango com cloro,

OGMs, proteção à privacidade de dados ou pela preferência por regulamentação ex

ante sobre o litígio ex post e ação judicial coletiva. Em tais casos, a harmonização

das regras e padrões já não é mais apenas uma negociação comercial. Trata-se de

um verdadeiro processo legal. O TTIP está centrado na convergência reguladora

que implica harmonização ou reconhecimento mútuo (DEFRAIGNE, 2014, p. 4).

O Electronic Code of Federal Regulations (e-CFR, ou Código Eletrônico de Regulamentos Federais, em por-

tuguês) realizou um estudo do TTIP24 e concluiu que o acordo seria do interesse da UE. Mesmo essa análise

favorável das negociações reconhece a crescente resistência a algumas das disposições e sugere a remoção

das questões mais controversas, como investimento e o novo mecanismo para solução de disputas. O docu-

mento declara que:

Em razão da oposição pública, a UE deve renovar sua busca por apoio ao TTIP.

Ela deve procurar, rapidamente, estabelecer um acordo estreito que vise à elimi-

nação das tarifas remanescentes no lugar das barreiras não tarifárias. Deve buscar

fazer do TTIP um “acordo vivo” que possa harmonizar gradativamente as normas

e padrões e possibilite compartilhar o fardo entre as entidades reguladoras no

futuro. A resolução de disputas entre investidor e Estado não deve ser aplicada

ao mercado transatlântico (DULLIEN, GARCIA & JANNING, 2015, p. 1).

Este é um ponto interessante a ser realçado em algumas das principais questões suscitadas por essas nego-

ciações: questões de parâmetros societários e transparência. Quando as negociações comerciais passam das

barreiras liberalizantes na fronteira e de outras restrições específicas ao produto para regras e regulamenta-

ções domésticas, elas tendem a incorporar aspectos mais amplos, que têm a ver com diferentes valores em

diferentes sociedades. Essa expansão do conceito de comércio e negociações comerciais está em andamento

há algum tempo. Até certo ponto, esse movimento está por trás de algumas das dificuldades enfrentadas pelo

sistema multilateral de comércio. Agora, estamos entrando em uma nova fase dessa expansão, na tentativa

de harmonizar e simplificar as regulamentações, além de incluir políticas de investimento e tratamento de

investidores. Isso seria coerente com o progresso da globalização e com a expansão das CGVs. Isso explica

a resistência a essas mudanças sob o pretexto de preservação dos valores e das preferências nacionais e de

tentativa de evitar um “nivelamento por baixo”.

24 DULLIEN, S.; GARCIA, A.; JANNING, J. (2015). A fresh start for TTIP. [S.l.]: e-CFR, Feb. (e-CFR Policy Brief). Disponível em: <http://goo.gl/xxuHJV>. Acesso em: 10/03/2015.

Page 43: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

41

Atrelada à questão dos parâmetros societários está a questão da transparência. Levantaram-se continuamen-

te dúvidas sobre a falta de transparência dessas negociações. Existe uma clara suspeita de que esta falta de

transparência justifique-se pela natureza das questões em pauta. Uma questão diz respeito aos chamados

Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e às profundas diferenças entre as sociedades europeia e

estadunidense em relação ao tratamento do tema.

Conforme descrito, o elemento que dá consistência às agendas de negociações é o conceito de CGVs. Se os

principais objetivos dessas negociações são rebalancear os padrões comerciais atuais, conter o crescimento

da China e recuperar a área do Atlântico Norte, o conceito de CGVs é um instrumento valioso para fazê-lo.

Este rebalanceamento tem duas dimensões: o reposicionamento dos EUA na área do Pacífico, com o fortale-

cimento do Japão como seu principal aliado na região, e a contenção da China; e a recuperação da vitalidade

econômica do Atlântico Norte por meio de um elo econômico mais robusto entre os dois lados do oceano. A

OTAN25 teria no TAFTA um braço econômico.

Se considerarmos as três “fábricas mundiais” – EUA, Alemanha e Japão, polos das CGVs –, os dois acordos

recolocariam a importância da área do Atlântico no centro da globalização como criadora de padrões globais,

enquanto, no Pacífico, contrapesariam a ascensão da China e de seu crescente comércio e as relações de in-

vestimento no Leste Asiático com o ressurgimento do Japão.

Podemos, agora, ater-nos à orientação geopolítica dos mega-acordos. Como discutido, existem dois fatores

principais nessa dimensão: a exclusão da China e o uso do TTP como instrumento de contenção, como braço

econômico dos EUA no Pacífico, e como movimento paralelo para recuperar a dimensão do Atlântico, cola-

borando para dar um novo impulso ao Ocidente por meio do TTIP. Nas palavras de Charles A. Kupchan26, em

seu texto sobre as implicações geopolíticas do TTIP:

O TTIP seria, portanto, um passo importante para a renovação da vitalidade política

do ocidente, possibilitando que ele continue atuando como âncora da democra-

cia liberal em meio a um mundo em transformação. A recuperação do ocidente

também reestabeleceria o fascínio pelo modelo ocidental, que assume especial

importância à medida que as potências emergentes traçam seu percurso para os

próximos anos. (...) O TTIP tem, portanto, o potencial de consolidar o elo político

entre os EUA e a Europa em um período em que os laços de segurança podem

estar afrouxando-se. Todavia, como a próxima seção indica, seria uma ilusão, e

talvez perigoso, considerar a expansão comercial como substituto da parceria

estratégica (KUPCHAN, 2014, p. 4).

Essa preocupação com o uso geopolítico das negociações comerciais não é nenhuma novidade. O lançamen-

to das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) levantou questões sobre a verdadeira

natureza da iniciativa, e estas questões finalmente causaram o fracasso das negociações. No TTP, a tentativa

dos EUA de usar esquemas para equilibrar o poder a fim de conter a expansão da China e criar dificuldades

em sua vizinhança vem provocando contra-ataques da China e um aumento da tensão na região. A ascensão

da China e seu comportamento em relação às disputas territoriais também contribuem muito para as tensões.

25 Organização do Tratado do Atlântico Norte (N.T.).

26 KUPCHAN, C. A. (2014). TTIP’s geopolitical implications. Baltimore: John Hopkins University, Jun.

Page 44: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

42

No TTIP, a questão é se faz sentido a UE entrar nesse jogo. Em ambos os casos, a questão, em termos simples,

é se estamos lidando com uma opção inevitável entre os EUA e a China em uma disputa por hegemonia ou se

podemos vislumbrar uma conciliação, o que os chineses gostam de chamar de uma nova relação entre grandes

potências e uma situação em que todos saem ganhando. Os países asiáticos não querem uma situação em

que deverão optar entre os EUA e a China. Na Europa, a resposta pode ser semelhante, e Defraigne sugere a

inclusão da China nas negociações como uma solução:

A UE e os EUA devem tomar mais cuidado ao unirem-se contra a China. Essa

aliança será percebida como duas potências hegemônicas em declínio tentando

ditar suas regras para as potências emergentes. Em vez de engajar-se na cons-

trução de uma nova ordem econômica mundial, o TTIP está tentando prolongar

a velha ordem. Ainda há tempo para interromper o arriscado processo do TTIP

ou, ainda, deixá-lo chafurdar nas areias movediças da contestação popular. Uma

colheita precoce serviria como uma maneira de salvar as aparências. A “multila-

teralização” do TTIP com a inclusão da China seria, portanto, o melhor desfecho

possível (DEFRAIGNE, 2014, p. 16).

1.7 A POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA E O CENÁRIO

INTERNACIONAL EM TRANSFORMAÇÃO

O Brasil não estava bem preparado para as mudanças que vêm ocorrendo no mundo. Em um exercício de pla-

nejamento de políticas no Itamaraty em 1993, no qual meu amigo, o embaixador Gelson Fonseca, e eu olhamos

para as mudanças que estavam acontecendo no mundo e como o Brasil deveria reagir a elas, praticamente não

existia um espaço para a China. O documento intitulado “Reflexões sobre a Política Externa Brasileira” identifi-

cava a tendência à multipolaridade no cenário pós-Guerra Fria e a necessidade de um maior aggiornamento27

de nossa política externa. Três cenários foram considerados: expansão da globalização, o cenário básico, e

regionalização e fragmentação. Porém, pouca atenção foi dada ao que estava ocorrendo do outro lado do mun-

do e que impacto essas mudanças teriam no Brasil. As dimensões Ocidente e Atlântico ainda monopolizavam

nossa atenção. É interessante mencionar que, em um trecho, o documento sugeria a crescente importância de

um grupo de países continentais, tais como Brasil, China, Índia e Rússia, e identificava seus interesses comuns

em relação a uma reforma da ordem mundial que não levava totalmente em conta seus pesos e interesses. Isso

moldou a base para uma crescente coordenação entre aqueles países e para uma articulação política conjunta

mais sistemática entre os quatro países.

Na esfera comercial, a atenção continuou a privilegiar a área multilateral, a integração regional concentrada

no MERCOSUL e na América do Sul, o hemisfério ocidental, com a ALCA, o Atlântico, a Europa e a África. O

Pacífico raramente era mencionado, e, na Ásia, as atenções eram dirigidas ao Japão e à Índia.

27 O termo poderia ser traduzido, do italiano, como “atualização” ou “modernização” (N.T.).

Page 45: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

43

Recentemente, o Itamaraty lançou um exercício semelhante, em um formato um tanto diferente, intitulado Diá-

logos sobre a Política Externa28, para o qual fui convidado para duas mesas-redondas: uma sobre a Ásia e outra

sobre a política comercial. O debate sobre a Ásia foi dominado pela China e seu impacto no Brasil. Em 2000,

ninguém aventava a possibilidade de a China tornar-se o primeiro parceiro comercial do Brasil e um grande

investidor em nosso país e na América Latina. Agora, as oportunidades e desafios da crescente relação com a

China estão no centro do debate. Mas, a discussão também revelou uma falta de experiência sobre a Ásia e a

China e o fato de que a atenção dirigida a essa área no Brasil está ainda engatinhando, um fato apontado por

David Shambaugh quando nos encontramos em Pequim, em 2009, para discutir a crescente presença da China

na América Latina. Apesar da ascensão da China e sua crescente influência no exterior e a possibilidade de

que o Pacífico desbanque o Atlântico como centro de globalização, ainda não reconhecemos completamente

a importância desses desdobramentos para o Brasil.

O debate sobre comércio foi o mais polêmico e animado durante a série de seminários que se estendeu por

um mês. De um lado, estavam os proponentes de uma grande revisão da política comercial brasileira e de sua

agenda de negociações. Do outro, os defensores do status quo e das prioridades do mercado doméstico, do

MERCOSUL e da integração regional e da OMC. Este grupo estava basicamente preocupado com o que viu

como defesa do mercado interno brasileiro e os perigos da integração na economia mundial.

Como resultado de minha intervenção no debate, escrevi um artigo29, publicado como parte de uma série

sobre a política comercial e a diplomacia comercial na Revista do Comércio Exterior. Naquele artigo, defendo

algumas ideias básicas: a política comercial do Brasil está desatualizada, não é funcional e necessita de uma

revisão completa; esta reforma deve ser realizada no contexto de uma revisão da política macroeconômica

brasileira, juntamente com algumas políticas setoriais, em especial a taxa de câmbio e políticas industriais; esta

reforma deve ser acompanhada por grandes esforços para simplificar procedimentos burocráticos e reduzir

as barreiras ao comércio e ao investimento.

Também proponho uma vasta reorientação de nossa estratégia de negociação comercial, mas advirto para o

fato de que as negociações não podem comandar o processo de reforma. Na ausência de mudanças internas

na política que possam mudar o foco, passando de uma abordagem defensiva para uma ofensiva, seria inútil

desenvolver uma agenda ambiciosa de negociação. A política comercial atual não favorece o engajamento nas

negociações comerciais com seu viés em relação à proteção do mercado interno, o uso de instrumentos que

datam da época áurea da substituição da importação e sua defesa das margens de preferência do MERCOSUL

como uma espécie de bastião contra a integração hemisférica liderada pelos EUA.

Esse duplo condicionamento da nossa estratégia de negociação comercial é parte integrante de uma visão

negativa da globalização e do papel que a liberalização comercial tem no crescimento e no desenvolvimento.

Também justifica a preferência pela abordagem multilateral, para que, na OMC, os interesses de defesa, que

são prioridade, possam ser salvaguardados. Esses posicionamentos deram origem, ao longo dos anos, a uma

série de interesses que apoiam uma agenda de negociação focada na OMC e no MERCOSUL e contra as ne-

gociações com os principais parceiros comerciais. Mais recentemente, acharam argumentos em defesa de sua

abordagem no chamado custo Brasil, uma extensa lista de problemas que conspiram contra a competitividade

do Brasil e para a deterioração do setor industrial.

28 Ver página do evento no Itamaraty: <http://goo.gl/w1bdcE>. Acesso em: 10/03/2015.

29 HUGUENEY, C. (2014). Brazilian trade policy: old questions, new challenges. Revista Brasileira de Comércio Exterior – RBCE, n. 119, p. 4-9, Apr-Jun. Disponível em: <http://goo.gl/GBdvWR>. Acesso em: 10/03/2015.

Page 46: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

44

A essas orientações, devemos acrescentar a competitividade do Brasil no setor agrícola e a queda da produtivi-

dade no setor de transformação como um obstáculo para um engajamento bem-sucedido. Nas últimas décadas,

o Brasil tornou-se um grande produtor e exportador de produtos agrícolas e um concorrente sério dos EUA.

Em consequência desses desdobramentos, o setor agrícola assumiu uma posição de liderança em favor da

liberalização comercial, da eliminação de todas as medidas distorcivas de apoio à agricultura e da proposição de

uma agenda de negociação comercial mais agressiva. Um resultado equilibrado em uma negociação comercial

para o Brasil exigiria a abertura de mercado na agricultura e a proteção dos produtos industriais. Essa não é

uma combinação muito favorável para se produzirem negociações comerciais bem-sucedidas.

Mais recentemente, devido à deterioração de nosso comércio e dos saldos em conta corrente, estamos pre-

senciando um interesse renovado na reforma das políticas comerciais e um nível maior de apoio à mudança

no setor de negócios, incluindo o setor industrial. Esse não é o melhor momento para realizar um exercício

de reforma e abertura, e a política comercial é, na melhor das hipóteses, uma política auxiliar. Internamente,

a economia está entrando em recessão, e a conta externa está piorando. Em termos mundiais, a recuperação

ainda é incerta e a agenda de negociação enfrenta dificuldades e envolve outros países e assuntos que não

são prioridade para o Brasil. Em termos regionais, o MERCOSUL não é funcional e as poucas iniciativas na ne-

gociação comercial excluem o Brasil e o MERCOSUL. O centro da globalização está mudando para o Pacífico,

e as iniciativas que ainda restaram para o Atlântico, isto é, a negociação com os EUA e a cooperação com a

África, estão, na melhor das hipóteses, estagnadas. O acordo UE-MERCOSUL, depois de mais de dez anos de

um processo intermitente, agora está praticamente abandonado, vítima de um interesse reduzido na UE e da

paralisia do MERCOSUL. Na África, a presença crescente da China, juntamente com as dificuldades econômicas

do Brasil e a redução de gastos na área de política externa, acabou reduzindo a presença do Brasil na África.

Por outro lado, se o momento não é o mais propício para instituir novas políticas, é um daqueles momentos

em que há um crescente reconhecimento de que políticas anteriores falharam, que a necessidade de explo-

rar novos caminhos é inevitável e que o País pode desistir da oportunidade de seguir um novo curso. Isso se

aplica especialmente à esfera comercial, onde os resultados negativos de nossas exportações de manufatu-

rados, combinados ao final do superciclo de commodities, levaram a um reconhecimento crescente de que

não existe espaço para complacência. A desvalorização do real dá um pouco de alento ao setor industrial e

oferece a oportunidade de explorar a viabilidade de um trade-off entre a redução das barreiras ao comércio e

a desvalorização da moeda, conforme proposto por Edmar Bacha30. Em seu artigo, Bacha (2014), partindo da

abertura limitada da economia brasileira e concluindo que as chances para retomar o crescimento requerem

um aumento significativo na participação das exportações no PIB, propõe um programa para a integração da

economia brasileira à economia mundial. Como pilar central deste programa, ele sugere a substituição das

barreiras ao comércio por uma taxa de câmbio desvalorizada. Outras sugestões surgiram, e todas parecem

partilhar da preocupação com a necessidade de o Brasil “reformar e abrir” sua política comercial.

Como este artigo ressalta a dimensão externa e como a maior parte da minha experiência como diplomata

concentra-se na área de negociações comerciais, eu teço, agora, alguns comentários e recomendações acerca

da estratégia brasileira de negociação comercial, precedidos por uma breve tergiversação sobre a dimensão

do desenvolvimento de nossa política comercial externa.

30 BACHA, E. (2014). Integrate to grow: Brazil in the world economy. Revista Brasileira de Comércio Exterior – RBCE, n. 118, p. 4, Jan-Mar. Disponível em: <http://goo.gl/OqbkXV>. Acesso em: 10/03/2015.

Page 47: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

45

Como indicado anteriormente, a visão de um mundo dividido em Norte e Sul vem perdendo sua capacidade de

mobilizar e estruturar negociações. No âmbito comercial, esta concepção enfrentou dificuldades desde o início,

conforme mencionado. Mas, agora, estamos enfrentando um problema diferente. Os países emergentes ou

economias de mercado são, finalmente, uma combinação de diferenciação e graduação que parece encontrar

apoio na evolução econômica de um grupo de países em desenvolvimento e na aceitação entre os países que

são graduados. A China é, atualmente, a segunda maior economia mundial e o principal exportador, mas um

país em desenvolvimento. A Rússia é uma economia de mercado emergente, mas não um país em desenvol-

vimento. O Brasil, a Índia e outros países são rotulados como países emergentes e concordam que precisam

assumir mais responsabilidades. E esse é o “x” da questão: partilha de encargos. Estamos presenciando uma

mudança que cria uma camada superior de países em desenvolvimento, como vimos, no início, com a criação

de uma camada inferior – os Países Menos Desenvolvidos (Least Developed Countries, ou LDCs).

O desenvolvimento continua sendo uma questão global crucial, mas, por razões de negociação, a visão do

mundo dividido em Norte e Sul perdeu sua capacidade de mobilizar e levar a uma reforma. O diálogo substituiu

o embate, a ofensiva liberal das últimas décadas do século XX, juntamente com o fracasso de muitos experi-

mentos heterodoxos e o fato de que muito poucos países foram graduados, transformou as certezas anteriores

em dúvidas. O impacto da globalização e o sucesso de países como a China, que acolheram a globalização,

mudaram a visão das relações comerciais mundiais. Precisamos repensar todo o processo de como conduzir

as negociações comerciais na OMC e de como integrar a dimensão de desenvolvimento às regras de comér-

cio. O tratamento especial e diferenciado precisa dar lugar ao desenvolvimento sustentável, e o impacto do

comércio na distribuição e na desigualdade de renda intra e internacionalmente precisa ser levado em conta.

O Brasil continua sendo um país em desenvolvimento, e, como tal, os problemas de desenvolvimento têm uma

influência maior em sua posição acerca de questões internas e externas. O que este trabalho sugere é que a

agenda de desenvolvimento deve ser reavaliada com vistas a adaptá-la aos desdobramentos internos no Brasil

e em outros países em desenvolvimento que agora são países emergentes e aos desdobramentos no mundo,

com os primeiros passos em direção à multipolaridade, à ascensão da China e à nova geografia econômica do

comércio e da cooperação Sul-Sul.

Essas mudanças devem levar a uma diplomacia econômica mais pragmática, aceitando a globalização como

uma realidade e desenvolvendo uma maior integração do Brasil à economia mundial. Parte dessa reforma

seria ampliar a agenda de negociação comercial, levando em conta, mais abertamente, seus novos tópicos.

Nesse caso, o Brasil deve diversificar seu “menu” de negociações, preservando a importância da abordagem

multilateral, mas explorando outras possibilidades em âmbitos regional, multilateral e bilateral. Essas mudanças

devem reconhecer, também, que o Brasil estaria preparado para assumir maiores responsabilidades. Agora,

precisamos analisar cada um dos diferentes cenários de negociação, a fim de identificar novos caminhos para

a agenda comercial brasileira.

1.8 O MTS E A OMC

No presente momento, a Rodada de Doha tem três alternativas: fracasso por predefinição; uma negociação

demorada em busca de um resultado ambicioso para o qual não há claramente nenhuma apetência e que,

provavelmente, após mais um tempo perdido, levaria à primeira alternativa; e uma última tentativa de concluir

a rodada até o final de 2015 com um pacote viável e equilibrado. O Brasil deveria privilegiar esta última alter-

Page 48: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

46

nativa, pois tem interesses estratégicos em risco na Agenda Doha de Desenvolvimento e no futuro da OMC.

Se for esse o caso, o Brasil deve retomar sua participação em Genebra e nas capitais dos principais parceiros

comerciais e exercer sua liderança para concluir a Rodada de Doha. Nesse contexto, a mobilização do G-20 e

o fortalecimento da coordenação com a China e a Índia devem ser prioridades.

Para o Brasil, a conclusão da Rodada oferece, também, a oportunidade de revisar sua política comercial e ins-

tituir as mudanças internas necessárias que poderiam contribuir para a rodada, além de ampliar sua agenda

de negociação. Com a queda nos preços das commodities, alguns dos efeitos de distorção dos programas de

subsídios, especialmente nos EUA, estão tornando-se mais aparentes. As negociações na OMC oferecem uma

oportunidade de abordar essas questões e concordar com mudanças que podem ser instituídas gradualmente.

Por outro lado, alguns dos programas brasileiros no setor industrial estão sob análise, e as negociações do

NAMA são uma saída, já que a reforma nesses programas pode ser apresentada como parte da contribuição

brasileira para a Rodada. A conclusão da rodada pode injetar um pouco de dinamismo na economia mundial

e, ao mesmo tempo, revitalizar o apoio ao sistema multilateral de comércio e à OMC, abrindo caminho para a

reforma. Mas, não se pode pedir que o Brasil pague o preço de sustentar o MTS e a OMC.

Nas circunstâncias atuais, parece muito difícil obter apoio para a reforma da OMC, com a atenção focada em

outro lugar em termos de problemas internos e negociações comerciais e um compromisso cada vez menor

com os sistemas multilaterais de comércio. Isso não é um problema da OMC. As reformas das instituições de

Bretton Woods encontram-se inacabadas. As pessoas falam muito pouco da reforma do Conselho de Segurança

da ONU. Se ainda não adentramos um mundo com gravidade zero ou um período de caos, estamos em um

momento em que alguns defendem o status quo e veem o futuro sempre da mesma forma, enquanto outros

têm interesse em algo diferente, mas são incapazes de articular completamente suas propostas de mudança,

ou, ainda, são incapazes de instituí-las. Alguns sinais iniciais do que esse novo multilateralismo possa ser po-

dem ser encontrados na decisão do BRICS de estabelecer o Novo Banco de Desenvolvimento e na criação do

Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

As negociações comerciais sempre ocorreram em diferentes formatos e incluíram diferentes agendas. Mas,

quando olhamos para acordos que correspondem a 50% do comércio mundial e temos uma agenda que trata

de assuntos que estão fora do escopo da OMC ou encontramos apenas um tratamento limitado sob suas dis-

ciplinas, é possível concluir que o que estamos presenciando é a criação de uma estrutura multilateral paralela

semelhante àquelas mencionadas anteriormente, mas com um significado bem maior. Todas essas iniciativas

são parte do que podemos denominar de novo multilateralismo de um mundo multipolar. Contudo, os me-

ga-acordos enfrentam, como a Rodada de Doha, grandes obstáculos para sua conclusão. Algumas destas

dificuldades são semelhantes e precisam dar conta da situação econômica atual e da reação à globalização.

Outras são específicas dos mega-acordos e relacionam-se a tópicos da agenda tais como investimento e novas

regras para a solução de disputas e à falta de transparência nas negociações.

A globalização requer uma estrutura regulatória multilateral, e a importância do sistema multilateral de comér-

cio tenderá a crescer em proporção à integração de um número maior de países na economia global, com as

mudanças em andamento no PIB e no comércio favorecendo os países em desenvolvimento, com o surgimento

de novos tópicos, como as CGVs e suas necessidades em termos de um campo de atuação global. Todos esses

aspectos favorecem uma reflexão sobre o futuro da OMC e do MTS. Essa discussão já se iniciou e, na verdade,

não é nova. Durante a existência do GATT e após a criação da OMC, vimos mudanças e adaptações, algumas

delas resultantes de um consenso multilateral e outras decididas politicamente pelos principais participantes.

Essa linha de ação sempre é possível e pode evitar um amplo debate acerca da agenda de reforma. Uma alter-

Page 49: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

47

nativa seria iniciar uma discussão em Genebra sobre uma agenda de reformas e sobre o tipo de organização

e sistema que cumpriria os requisitos das mudanças em andamento na economia mundial.

A transformação gradual não irá resultar em uma OMC para o século XXI. Faltariam dois ingredientes básicos:

legitimidade e equilíbrio. A OMC tem condições melhores para reformar-se, modernizar-se e continuar sendo

o pilar do MTS. A globalização exige regras multilaterais, ainda tem apoio e prestígio, mas principalmente

porque a regulamentação e a liberalização do comércio não mexem em pontos nevrálgicos do poder, como a

reforma do Conselho de Segurança ou as instituições de Bretton Woods. A redistribuição do poder no setor

do comércio está a caminho e é irreversível. A Rodada de Doha vivenciou uma redistribuição de poder na for-

ça de decisão em Genebra, com maior transparência e com os países emergentes e em desenvolvimento no

centro das atenções. Novamente, as reformas estão a caminho, e seria um erro tentar ignorá-las ou revertê-las.

Concluo esta seção com breves sugestões para uma possível agenda para a reforma da OMC. O primeiro ponto

deveria lidar com a ampla perspectiva do comércio e suas relações com o desenvolvimento. Muitas questões

poderiam fazer parte desse debate, mas eu selecionaria duas como as mais relevantes: a correlação entre li-

beralização do comércio e distribuição dos benefícios do comércio; e as regras que dizem respeito aos países

em desenvolvimento. Estas duas questões estão interligadas.

A relação entre comércio e distribuição, agora, é uma questão que diz respeito aos países desenvolvidos e em

desenvolvimento, como demonstrado pela reação contra a globalização e contra os mega-acordos. A partir de

uma nova visão sobre o papel da liberalização do comércio no crescimento e no desenvolvimento, podemos

obter uma nova abordagem em relação ao desenvolvimento no MTS que iria além das disposições de trata-

mento especial e diferenciado31. Essa nova abordagem em relação ao desenvolvimento e ao comércio faria com

que a abordagem Norte-Sul em relação às negociações comerciais se tornasse coisa do passado. A relação

entre comércio e desenvolvimento não seria vista como a consequência natural da liberalização do comércio

e da integração à economia mundial, mas como o resultado de uma interação complexa de políticas em que a

liberalização do comércio pode assumir um papel como instrumento para o crescimento e o desenvolvimento.

O segundo ponto da agenda lidaria com a questão da OMC como uma forma de negociação. Novamente, há

dois aspectos relevantes: as negociações em rodadas baseadas no princípio do compromisso único e a relação

entre negociações multilaterais e plurilaterais.

O terceiro ponto trataria da agenda da OMC. Esta agenda vem evoluindo desde os primórdios do GATT, e a

OMC incluiu várias novas áreas importantes, como serviços, direitos de propriedades intelectuais e investimen-

to, estas duas últimas sujeitas a uma abordagem limitada. A questão da agenda é difícil de negociar, porque

traz à tona a questão do equilíbrio e a questão de onde estabelecer um limite em termos da abrangência das

negociações comerciais. A solução dos dois pontos anteriores poderia facilitar a aceitação de uma nova agen-

da, pois o desenvolvimento seria crucial e as negociações plurilaterais e uma agenda contínua de negociações

poderiam ser aprovadas.

O quarto ponto refere-se a duas questões interligadas mas separadas: os métodos de trabalho da OMC e o

formato do processo de coalizões e de criação de consenso. Quanto aos métodos de trabalho, poderíamos

explorar novas formas de articulação entre grupos pequenos e informais, abordagens plurilaterais e o formato

31 No original, S&P: Special and Differential Treatment (N.T.).

Page 50: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

48

multilateral. Quanto às coalizões, a divisão Norte-Sul, já não muito presente nas negociações comerciais, seria

substituída por grupos temáticos como o G-20, o Cairns e o G-33. Estes grupos concentram-se em problemas

específicos e, pela sua filiação, que inclui países com diferentes interesses e perspectivas, podem ser vistos

como peças naturais para a construção de uma abordagem multilateral para o consenso.

O último ponto trataria dos procedimentos para a solução de disputas e investigaria novamente algumas

questões gerais, tais como observância e represália, além de questões práticas como tamanho e composição

do Órgão de Apelação para facilitar a participação no processo de litígio.

1.9 NEGOCIAÇÕES PLURILATERAIS E BILATERAIS

A nova agenda de negociações comerciais, com os mega-acordos e outras iniciativas e com a proliferação de

acordos bilaterais, deve ser analisada cuidadosamente pelo Brasil, por diversas razões. A primeira tem a ver com

o possível impacto destas negociações no MTS e na OMC, um assunto que foi discutido anteriormente. Nova-

mente, o texto de Defraigne, mencionado antes, discorre claramente sobre essa questão: “O multilateralismo

de Bretton-Woods forneceu ao mundo 30 anos de crescimento econômico após a Segunda Guerra Mundial”. E:

Todavia, a globalização orientada para o mercado assumiu o controle e obteve

sucesso em produzir certa convergência Norte-Sul através da ascensão da Ásia,

liderada pelo renascimento da China. Essa mudança no equilíbrio de poder entre

economias emergentes e avançadas deve traduzir-se em um novo tipo de gover-

nança. Esse modelo de governança deve ser construído sobre os pilares de Bret-

ton-Woods e deve reter seu caráter multilateral, mas com o rebalanceamento dos

direitos de voto e flexibilidade suficiente que permitam a diversidade dos modelos

de desenvolvimento em economias que estão tentando recuperar o atraso. O TTIP

vai em uma direção oposta, substituindo a pressão por negociação e impondo um

modelo de referência do tipo “universal” (DEFRAIGNE, 2014, p. 9).

A segunda é o impacto que as negociações podem ter sobre o acesso do Brasil aos mercados. Vários estudos

foram realizados sobre esse tema; a maioria de autoria de Vera Thorstensen e Lucas Ferraz32. Estes estudos

indicam que o impacto sobre o Brasil em termos de crescimento do PIB e do comércio seria importante no

caso de reduções ou, até mesmo, eliminação de tarifas. Entretanto, se forem incluídas as barreiras não tarifárias,

o impacto aumentará consideravelmente, corroborando as avaliações de que os principais resultados dessa

negociação viriam da harmonização regulatória. A principal conclusão do estudo é que:

(...) a conclusão do TTIP e TPP representará uma séria ameaça ao Brasil. O país

não apenas perderá espaço no mercado internacional, mas também será deixado

para trás nas negociações das regras internacionais de comércio, reduzindo seu

papel atual como uma relevante entidade regulamentadora global, passando a

um papel secundário de um tomador passivo de regras. Em tempos de CGVs, a

32 THORSTENSEN, V.; FERRAZ, L. (2014) The impact of TTP and TTIP on Brazil. São Paulo: FGV, Janeiro. Disponível em: <http://goo.gl/K7L2Lu>. Acesso em: 10/03/2015.

Page 51: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

49

integração do Brasil às principais economias é fundamental para a sobrevivência

da indústria (THORSTENSEN & FERRAZ, 2014, p. 7).

E os autores recomendam, ainda:

(...) a negociação de um acordo entre o Brasil e a UE, agora em sua fase final, é

um passo importante e deve ser concluída rapidamente, antes da finalização da

negociação do TTIP. Porém, um segundo passo também precisa ser considerado

seriamente – aquele que diz respeito a um acordo com os EUA. Não há “lógica

comercial” em um acordo com a UE sem um acordo com os EUA no caso de um

TTIP bem-sucedido. Com o TTIP e TPP, surge uma nova oportunidade para o

Brasil. É hora de revisar as prioridades e reavaliar perdas e ganhos. Os custos do

isolamento do Brasil no mundo por causa das dificuldades do MERCOSUL devem

ser reavaliados com cautela (THORSTENSEN & FERRAZ, 2014, p. 8).

Como apontado por Otaviano Canuto33 em um artigo recente, não devemos considerar essas negociações de

forma leviana, pois existem outros fatores relevantes que podem afetar o Brasil. Ele assevera que:

(...) o potencial impacto dos mega-acordos comerciais transcende a forma como

eles afetam o comércio, uma vez que a exposição a um aumento na concorrência

interna e o impacto desses acordos nos destinos das exportações e em terceiros

mercados podem elevar a produtividade e melhorar a concorrência. Isso se aplica

não só aos setores comercializáveis, mas também a atividades não comercializáveis

nas economias participantes (CANUTO, 2015).

A terceira razão diz respeito à menor capacidade de o Brasil integrar as CGVs. O Brasil não pode competir

com produtores de trabalho de baixo custo e integrar as CGVs na extremidade inferior. Sem a reforma de seu

comércio e da política industrial, o Brasil também enfrentaria grandes dificuldades na integração de CGVs na

extremidade superior.

Esses problemas têm um impacto direto, conforme mencionado por Baldwin, nos principais países emergen-

tes, como Brasil, China e Índia. A China, entretanto, já apresenta abertura e integração e está empreendendo

grandes reformas com a intenção, dentre muitos outros objetivos, de mudar sua posição nas CGVs e migrar

de uma economia quantitativa para uma qualitativa. O Brasil e a Índia têm uma tarefa mais árdua. De qualquer

forma, esses países, no caso de uma conclusão bem-sucedida dos mega-acordos, teriam que tomar uma de-

cisão drástica, aceitando estes acordos e estando em conformidade com os novos padrões ou os rejeitando e

ficando ainda mais isolados. De acordo com Baldwin34, a OMC era tradicionalmente o primeiro pilar do MTS e

os acordos comerciais regionais teriam que seguir suas disposições. Com os mega-acordos, a situação pode

ser revertida se a negociação central ocorrer no plano regional e os resultados forem multilateralizados.

33 CANUTO, O. (2015). Are mega-agreements a threat to Brazil? The World Post, 28 Apr. 2015. Disponível em: <http://goo.gl/QhPyWE>. Acesso em: 10/03/2015.

34 BALDWIN, R. (2014). Trade and flag: the changing balance of power in the MTS. Monograph (Graduate) – Institute Geneva, Geneva, Abril.

Page 52: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

50

O fato de o Brasil não fazer parte de muitas CGVs é enfatizado por Canuto et al.35:

A extraordinária falta de abertura do Brasil e seu pequeno número de exportadores

estão intimamente ligados ao fato de que as empresas brasileiras encontram-se

pouco integradas às cadeias de valor internacionais. Isso pode ser observado na

porcentagem bem elevada do valor agregado doméstico das exportações brasilei-

ras, o que implica que tais exportações incorporam poucos componentes e bens

intermediários importados de outros países. (...) Mesmo nas exportações brasileiras

de manufaturados (em torno de 25% do total de exportações), o valor agregado

doméstico ainda é extremamente alto (93%). Na verdade, é o maior dentre todas

as economias para as quais existem dados disponíveis.

Ademais,

...esse alto índice do valor agregado doméstico demonstra que a fragmentação

global dos processos de produção nas cadeias de valor internacionais, uma parte

muito importante da segunda onda de globalização, manteve-se bem longe do

Brasil. Vários são os fatores por detrás disso. Esses fatores incluem logística pobre

e altos custos de transação relacionados ao comércio internacional, bem como

decisões deliberadas de políticas em prol do conteúdo local em detrimento da

integração internacional (CANUTO, FLEISCHHAKER e SCHELLEKENS, 2015).

Citando novamente Baldwin, o que é importante perceber é que a nova geração de acordos comerciais vem

tentando empreender reformas de disciplinas a fim de obter sustentação para o comércio, investimentos, ser-

viços, relações de direito de propriedade intelectual (DPI). Países não contemplados por estes acordos não só

enfrentariam dificuldades em termos de acesso ao mercado e desvio de comércio, mas também a possibilidade

de redução nos fluxos de investimentos estrangeiros.

A quarta razão é o efeito das negociações ao estabelecerem novas regras e padrões e o impacto destas nas

políticas internas no Brasil. Quanto às regras e padrões, dois pontos são relevantes: primeiro, quais regras tor-

nam-se a norma e abrangem a maior fatia do comércio; e, segundo, a natureza assimétrica das negociações com

a negociação entre os EUA e a UE no centro das atenções em termos da criação de normas e padrões globais.

Três são as respostas a essas mudanças: primeiro, o Brasil precisa reformar suas políticas comerciais e industriais,

a fim de estimular a produtividade e a concorrência e promover maior abertura e favorecer as negociações.

Conforme discutido por Harsha Vardhana Singh36 em vários de seus artigos, a necessidade de repensar a po-

lítica comercial da Índia, a nova agenda de negociação comercial e as respostas que os países, em especial a

China, estão adotando para enfrentar essas mudanças “trarão consequências quanto ao grau de flexibilidade

que o país terá para aceitar as disciplinas industriais em evolução”. Isso indica a necessidade de uma análise das

relações entre reforma interna e negociações comerciais internacionais. Isso resume bem a situação do Brasil.

Precisamos ter uma agenda de reformas e estabelecer as relações entre as reformas internas e o ambiente

externo, a fim de desenvolver uma nova agenda de negociação.

35 CANUTO, O.; FLEISCHHAKER, C.; SCHELLEKENS, P. (2015). The curious case of Brazil’s closedness to trade. [S.l.]: World Bank Group, Apr. 2015 (Policy Research Working Paper, n. 7228). Disponível em: <http://goo.gl/xLcKSh>. Acesso em: 10/03/2015.

36 Harsha Vardhana Singh é indiano e atuou como subdiretor geral da OMC entre 2005 e 2013 (N.T.).

Page 53: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

51

O segundo ponto tem a ver com as possíveis respostas face ao impacto de grandes negociações que excluem

o Brasil. Estas respostas devem incluir um maior diálogo e cooperação com outros países em situação seme-

lhante, em especial a China e a Índia. Aqui, duas questões são fundamentais: Em que direção a China irá? A

Índia fará uma reforma e terá mais abertura? A China vem promovendo iniciativas paralelas para transpor os

obstáculos no setor de comércio. Estas iniciativas incluem a nova rota da seda, o banco de investimento em

infraestrutura e a criação de um Acordo para Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). A China é o país

que mais se beneficiou com a globalização. Está, agora, na fase intermediária de instituição de reformas para

transformar sua integração à economia mundial. É muito difícil conceber que a China, exceto no caso de um

grande revés no seu processo de reforma e de uma queda brusca em sua taxa de crescimento, não se envolva

e aceite os novos parâmetros das negociações comerciais. A discussão de um novo tratado sobre investimento

com os EUA aponta para essa direção. A Europa também deseja negociar tal tratado com a China. Se esse for

o caso e a China se mover, eventualmente, em direção à maior abertura aos investimentos e à aceitação da

nova agenda de negociação, o Brasil e a Índia enfrentariam um cenário ainda mais difícil.

Outra variante dessa abordagem seria envolver o BRICS e outras economias de mercado emergente na explo-

ração de alternativas para a agenda atual de comércio.

Finalmente, o Brasil, como a China e a Índia vêm fazendo, deveria explorar outras iniciativas, principalmente

em âmbito regional. Isso poderia incluir o lançamento de negociações bilaterais com parceiros importantes e

o relançamento do MERCOSUL e outras iniciativas de integração.

Essas negociações são difíceis, como demonstrado pelo descumprimento do prazo para sua conclusão e pela

dificuldade de aprovação no Congresso dos EUA de uma nova autoridade para a promoção do comércio.

Mas, apostar no fracasso dos mega-acordos e ignorá-los seria um erro fatal. Além das questões mencionadas

anteriormente que poderiam ter um impacto no Brasil, eu chamaria a atenção para o crescente isolamento

do Brasil e a crescente dificuldade de sua participação nos setores mais dinâmicos da exportação. Sem uma

base regional crível em termos de mercados e integração de cadeias de valor e sendo excluído das principais

negociações comerciais, as opções do Brasil para a construção de uma nova agenda de negociação serão redu-

zidas consideravelmente. Isso pode levar a uma maior concentração de nossas exportações nas commodities,

contribuindo para um maior enfraquecimento das indústrias de transformação e de serviços.

Finalmente, em relação aos acordos bilaterais, o Brasil e o MERCOSUL deixaram passar o período das ALCs.

Isso trouxe várias consequências: o maior isolamento do Brasil e do MERCOSUL; a marginalização das CGVs;

a separação regional de países que optaram por uma política comercial mais aberta; a reconcentração das

exportações nas commodities; e a exclusão dos setores mais dinâmicos do comércio internacional. Parte

dessa estratégia tratava da prioridade do MERCOSUL, algo que se tornou anacrônico quando o mecanismo

de integração não conseguiu evoluir e os países participantes adotaram políticas nacionais que violavam os

objetivos da integração. Outra parte reflete o uso de políticas industriais ultrapassadas baseadas em ideias

como a constituição de campeões nacionais e a exigência de conteúdo local.

Incontestavelmente, o Brasil precisa revisar sua estratégia de negociação comercial, sendo que parte desta

revisão tem de incluir uma agenda crível em termos de negociações bilaterais com parceiros que já têm ou

podem ter o potencial de comércio significativo com o Brasil. Isso poderia incluir uma nova geração de ALCs,

com países como o Canadá, a Coreia do Sul e a Turquia, com acordos de integração, tais como ASEAN, e

com países-membros do BRICS. Isso também poderia incluir acordos que tratem de alguns dos novos tópicos

presentes na agenda de negociações comerciais, como concorrência, investimento e simplificação e harmo-

nização de medidas regulatórias. Finalmente, poderia incluir, também, na área das commodities, acordos de

Page 54: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

52

longo prazo em que o fornecedor e o consumidor possam negociar o acesso aos mercados, compromissos de

fornecimento de longo prazo e preços. Também poderíamos explorar o uso crescente de moedas nacionais

em alguns desses acordos.

1.10 O PLANO REGIONAL

A crescente importância do regionalismo e de potências regionais em um mundo mais multipolar impõe maio-

res responsabilidades ao Brasil. Em qualquer revisão da política comercial brasileira, a questão de integração

regional deve ser uma prioridade. A agenda é vasta e complexa, mas, na verdade, é bem conhecida e não mu-

dou muito na última década. No ano de 2002, coordenei uma série de debates sobre o futuro do MERCOSUL.

O relatório final37 identifica as questões centrais e propõe algumas ações, que, em geral, continuam válidas.

Infelizmente, o que faltou foi decisão e instituição.

Gostaria, simplesmente, no contexto deste artigo, tecer três comentários sobre as prioridades atuais do Brasil

no que diz respeito ao seu ambiente regional. O primeiro está relacionado com o MERCOSUL e a necessidade

de encarar seus problemas atuais. Isso exigiria um novo consenso político por parte dos parceiros para se

buscar um mercado integrado, com a adoção de um programa de trabalho e o comprometimento de respeitar

este programa na íntegra, bem como as decisões tomadas e as regras e disciplinas em comum. Em caso de

fracasso, os parceiros ficariam livres para buscar suas próprias estratégias no plano comercial.

O segundo ponto refere-se à ampliação do processo de integração na América do Sul. Precisamos considerar

se ainda é possível, haja vista a falta de progresso no MERCOSUL, vislumbrar um processo de expansão fo-

cado nele. Nas circunstâncias atuais e pelo fato de os países na região terem adotado estratégias comerciais

completamente diferentes, parece muito difícil ver o MERCOSUL como um polo de integração da América

do Sul. Na verdade, precisamos questionar se esse objetivo ainda é atingível. De qualquer modo, devemos

abrir mão da velha ideia de usarmos a redução nas barreiras comerciais como força motriz do processo de

integração. Dois outros instrumentos poderiam ser priorizados: integração das cadeias de valor regionais e

desenvolvimento de infraestrutura.

Finalmente, precisamos trabalhar para evitar uma separação e uma segmentação completas da América do Sul,

da América Latina e do Caribe. Aqui, duas questões parecem relevantes: a relação entre as costas do Atlântico

e do Pacífico do continente e o Norte-Sul, além da necessidade de considerar uma abordagem nova e moderna

para a integração dos países da América Latina e do Caribe.

Quanto à primeira questão, o Brasil teria que desenvolver uma nova estratégia para o Atlântico Sul e para

as relações entre suas regiões sul e norte. Isso poderia incluir a negociação de ALCs com países africanos na

costa do Atlântico, juntamente com uma diplomacia de cooperação ativa e a melhoria nas comunicações e

nas rotas de navegação.

37 HUGUENEY, C.; CARDIM, C. H. (eds.) (2003). Reflexion group on the prospects for Mercosur. Funag.

Page 55: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

53

Um esforço sério para concluir as negociações com a UE no formato original, com flexibilidade para acomodar

diferentes cronogramas de instituição, ou individualmente, seria importante para salvaguardar nossos interesses

de acesso ao mercado, em especial no setor agrícola, em caso de uma conclusão bem-sucedida de um TAFTA,

e para promover a dimensão do Atlântico. Uma possibilidade que poderia ser explorada é uma expansão na

agenda de negociações com a UE para contemplar alguns dos novos tópicos, tais como investimento e al-

guns aspectos das medidas regulatórias, como, por exemplo, no caso das medidas sanitárias e fitossanitárias.

Precisamos, também, aventar a possibilidade de cooperação com o outro lado do Atlântico, o que poderia

incluir a exploração do comércio e iniciativas de investimento com os EUA e o Canadá, bem como acordos

em algumas áreas específicas. Nesse contexto, o Brasil, os EUA e o Canadá, como três principais produtores

agrícolas, poderiam trabalhar juntos para desenvolver estratégias a fim de enfrentar os crescentes desafios na

área de segurança alimentar.

Sobre a segunda questão, uma renovação do relacionamento com o México parece uma prioridade em duas

áreas: como elemento fundamental em uma nova abordagem em relação à integração de países da América

Latina e do Caribe; e no desenvolvimento de cadeias de valor regionais como passo importante para uma nova

relação no hemisfério. É inconcebível tentar negar ou rejeitar essa dimensão crucial do nosso contexto geográfico.

1.11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um ensaio sobre a estratégia de política externa atual dos EUA, Rosa Brooks38 procura solucionar as dificul-

dades de definir uma estratégia sob condições de incerteza. A opacidade do período atual torna as previsões

extremamente arriscadas. Nessa situação, tende-se naturalmente a recorrer a formulações gerais e a evitar

recomendações específicas.

É interessante notar que o artigo recente de Francis Fukuyama39 sobre a disfuncionalidade da política e do

governo americanos inicia com uma análise das virtudes do Serviço Florestal Nacional desde seus primórdios.

A época era mais simples, os valores eram compartilhados e a relação entre formas, meios e objetivos era mais

direta. Há, claramente, uma nostalgia em relação a um período em que as prioridades eram mais consensuais,

os comandos eram seguidos e a máquina do Estado partilhava um sentimento de orgulho e propósito. Agora,

verdades diferentes competem pela supremacia, os valores são aviltados e a superioridade do Ocidente é

posta em xeque.

O presente artigo não pretende dar instruções claras atinentes ao período atual de transição aberta. Ele ten-

ta incorporar incerteza e questões para possíveis linhas de evolução e tenta evitar a generalização, focando

no plano comercial e fazendo algumas recomendações específicas sobre a política comercial brasileira. As

sugestões de mudança dificilmente podem ser seguidas, dada a incerteza que o Brasil enfrenta no presente

momento, a fim de ter uma boa chance de obter o apoio necessário para que sejam instituídas. Não se trata

de um artigo acadêmico, mas de uma tentativa de utilizar uma longa experiência nas negociações comerciais e

38 BROOKS, R. (2014). Embrace the chaos. Foreign Policy, Nov. Disponível em: <http://goo.gl/sYjRGb>. Acesso em: 10/03/2015.

39 FUKUYAMA, F. (2014). America in decay: the sources of political disfunction. Foreign Affairs, Sept-Oct. Disponível em: <https://goo.gl/yNRjeX>. Acesso em: 10/03/2015.

Page 56: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

54

tentar contribuir para um debate em andamento sobre o caminho a ser seguido pelo Brasil na área de Política

Comercial. A perspectiva, como mencionado no início, é diplomática.

Se a multipolaridade veio para ficar e irá mudar permanentemente a estrutura da ordem mundial atual e o

domínio dos EUA e do Ocidente, ou se isso será apenas um momento passageiro, é uma pergunta ainda sem

resposta. Existem indícios de que a multipolaridade vem ganhando terreno e que o mundo está operando de

acordo com uma dinâmica mais multipolar, mas também existem indícios de que a resistência à mudança para

um mundo mais multipolar vem crescendo e que os EUA parecem determinados a combater o desenvolvi-

mento de um modelo multipolar, com sua nova agenda nas áreas estratégica e de comércio, e defender seu

papel hegemônico.

O Brasil é um ator importante nessas mudanças, pode influenciar seu curso e, também, ser afetado por elas.

Infelizmente, a consciência sobre o que está ocorrendo no mundo é ofuscada pelos problemas internos do

Brasil. Todavia, esses universos não podem ser separados: o que está acontecendo no mundo influenciará as

escolhas internas do Brasil, e estas escolhas determinarão a posição do Brasil no mundo.

No plano comercial, o texto busca indicar alguns dos conflitos que poderiam moldar o novo sistema comercial:

multilateralismo versus regionalismo, defesa do status quo contra as tentativas de mudança; a crescente dimen-

são geopolítica das negociações comerciais e as respostas que esses movimentos suscitam; as possibilidades

de uma grande convergência e um grande rebalanceamento e falta de liderança e direção no sistema multila-

teral; um novo sistema multilateral de comércio para refletir uma crescente multipolaridade ou a prevalência

de regionalismo e fragmentação.

A capacidade de o Brasil influenciar essas mudanças existe, mas é limitada. Por essa razão, o Brasil deveria, ao

mesmo tempo, concentrar-se em seu desenvolvimento e colocar a casa em ordem, acompanhando de perto

o que está ocorrendo no exterior e tentando influenciar os acontecimentos em parceria com outros países

com posições semelhantes, a fim de facilitar as mudanças e preservar o seu espaço no sistema internacional

de comércio.

O texto parte da necessidade de reformas internas no Brasil e, então, apresenta uma série de recomendações

acerca de nosso posicionamento em termos de integração à economia mundial, reação aos mega-acordos e

desenvolvimento de uma nova agenda regional. Como resultado dessas ações, propõe-se uma nova estratégia

de negociação, com o objetivo duplo de aumentar a participação do Brasil na economia mundial e diversificar

suas exportações.

No decorrer de todo o texto, a ideia de uma nova abordagem multilateral para promover uma grande conver-

gência e um grande rebalanceamento e controlar a globalização, ao mesmo tempo promovendo sua expansão

de acordo com regras multilaterais estabelecidas de comum acordo, é um desfecho desejável. Nesse sentido,

o texto é fiel à tradição multilateralista do Brasil, reconhecendo, ao mesmo tempo, a necessidade de revisar

alguns dos ícones do passado, como a divisão Norte-Sul. No entanto, o texto reconhece, também, que um com-

promisso exclusivo com o multilateralismo não vai mais ao encontro dos interesses do Brasil. Uma estratégia

mais complexa e diversificada, além de uma agenda de negociação, faz-se necessária. Algumas das propostas

feitas são polêmicas e terão muitos opositores. Este é o propósito do texto: levantar questões para discussão

mais do que fornecer soluções prontas. Afinal, a incerteza faz parte da equação.

Page 57: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

55

Page 58: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 59: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

2. A DIMENSÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

Page 60: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 61: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

59

O presente capítulo tem por objetivo principal analisar a dimensão internacional do agronegócio brasileiro, isto

é, avaliar de que formas atividades econômicas envolvidas no sistema agroindustrial nacional encontram-se

inseridas no contexto mundial do comércio de bens e investimentos.

Nesse âmbito, procura-se destacar não somente a importância do agronegócio para a economia brasileira, mas,

sobretudo, entender como a dinâmica externa do setor tem evoluído nos últimos anos. Para tanto, o capítulo

inclui um mapeamento detalhado do agronegócio no Brasil, com foco no desempenho recente de algumas

variáveis de interesse tanto interna, quanto externamente. No plano internacional, em particular interessa ao

estudo avaliar de que forma as relações comerciais entre Brasil e China têm evoluído com referência à pauta

de produtos do agronegócio.

2.1 AGRONEGÓCIO: CONCEITOS, DIMENSÕES E ESPECIFICIDADES

O emprego de termos específicos em estudos teóricos e empíricos ligados a certas atividades econômicas

carece, muitas vezes, de precisão e reflexão criteriosas, necessárias para explicitar seus significados e/ou

lançar luz sobre fenômenos específicos de uma realidade. Esse problema se torna tão relevante quanto mais

dinâmica e complexa é a realidade sobre a qual se procura delimitar fronteiras conceituais, agregar atividades

ou impor categorizações40.

Debates em torno de temas como doença holandesa, desindustrialização (reprimarização) ou hipertrofia do

setor terciário, por exemplo, dependem fundamentalmente da forma como são classificados os diferentes

segmentos da economia. Além disso, a correta avaliação da natureza dos vínculos intersetoriais da economia

se prova fundamental para o correto dimensionamento da importância de cada um dos setores de uma matriz

econômica, seja na geração de riquezas, postos de trabalho ou contribuição para a balança comercial do País.

No caso específico da agropecuária – ou, de forma genérica, das atividades desenvolvidas no meio rural41 –, as

transformações estruturais verificadas nas economias nacionais ao longo do século XX, entre as quais se destaca

o intenso processo de urbanização, industrialização e avanço tecnológico, implicam a necessidade de repensar

as fronteiras da classificação tradicional dos sistemas econômicos, originalmente proposta por Colin Clark42.

Segundo esta abordagem, qualquer economia nacional poderia ser organizada em três grandes (macro) se-

tores, dotados de relativa autonomia em relação aos demais: (a) o setor primário, composto pelas atividades

relacionadas à agricultura, à pecuária e aos extrativismos vegetal, animal e mineral; (b) o setor secundário,

40 Em particular, a importância de um setor ou atividade na economia, medida em termos de participação no PIB, depende essencialmente da adequada construção de tais fronteiras. Por exemplo, a produção de açúcar deveria ser registrada como produção agrícola ou industrial? Todo bem que sofra qualquer processo de manufatura é considerado um produto industrial. Isso significa que a produção de cana é uma atividade agrícola, porém a produção de açúcar ou etanol é uma atividade industrial. O mesmo acontece, por exemplo, com a produção de soja e de seu farelo ou da laranja e de seu suco concentrado. Diante disso, muitos atores envolvidos com o setor argumentam que os critérios utilizados para determinar o que pertence à indústria ou à agricultura acabam subestimando a participação da última no PIB.

41 Agropecuária esta que é definida aqui como o cultivo de plantas (agricultura) e a criação de animais (pecuária) para o consumo humano ou para o fornecimento de matérias-primas para outros segmentos econômicos.

42 Ver CLARK, C. (1940). The conditions of economic progress. London: Macmillan.

Page 62: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

60

liderado pela indústria e pelos segmentos da construção civil; e (c) o setor terciário, responsável por abarcar

o “restante” das atividades econômicas – os serviços43.

Esta tipologia, que ainda inspira a classificação oficial das contas e estatísticas nacionais em muitos países,

como é o caso do Brasil, destaca o setor primário como um conjunto de unidades produtivas relacionadas ao

fornecimento de matéria-prima bruta, in natura, alimentar e não alimentar, para as atividades de transforma-

ção industrial e/ou para o consumo final. Nessa chave, mesmo quando os produtos de origem agropecuária

atravessam algum grau de beneficiamento (com adição de valor, seja para conservação ou transporte), tais

estágios são considerados ora como mera extensão das atividades da fazenda, ora como decisões externas ao

setor primário – obedecendo, nesse caso, à lógica decisória dos setores secundário e terciário.

Como já antecipado, graças ao processo de modernização da agropecuária – viabilizado, em grande medida,

pela mecanização do campo, pela incorporação de progresso técnico e pela especialização produtiva –, os

produtores rurais passaram a demandar, cada vez mais, infraestrutura, insumos, máquinas e equipamentos,

tecnologias e serviços de outros setores da economia, seja para produzir matéria-prima, para processá-la

em produto de consumo final ou distribuí-la nos diferentes mercados. É correto, portanto, admitir que essa

reorganização da cadeia de valor dos produtos de origem agropecuária transformou a natureza dos enlaces

econômicos entre os diferentes setores, diluindo as fronteiras até então prevalecentes entre estas atividades.

Ao longo desse processo, a produção agrocupecuária propriamente dita (entendida, lato sensu, como pre-

paro de solos, tratos culturais, irrigação, colheita, criações e outras atividades “dentro da porteira”44) passou

a se integrar, cada vez mais, em um sistema articulado de diferentes etapas que se inicia com a produção e a

oferta de suprimentos (sementes, fertilizantes, defensivos) e inclui fornecedores especializados (máquinas e

equipamentos), infraestrutura de armazenamento, indústrias de processamento e transformação (a chamada

agroindústria45) e serviços de distribuição dos produtos agropecuários (frigoríficos, empacotadores, super-

mercados e distribuidores de alimentos e exportadores).

Para abarcar esse complexo de subsistemas produtivos, em 1957, John H. Davis e Ray A. Goldberg46 propuseram

o conceito de agribusiness47. Segundo os autores, o agronegócio – como viria a ser disseminado no Brasil48 –

deve ser entendido como a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas;

das operações de produção na fazenda; do armazenamento, do processamento e da distribuição dos produtos

agrícolas e itens produzidos a partir deles. Com efeito, a expressão “agronegócio” ou “complexo agroindustrial”

tornou-se comumente empregada para expressar a etapa mais evoluída do processo de modernização das

atividades do campo, gerando ganhos de eficiência, escala e escopo.

O conceito congrega a coletividade de agentes, empresas e instituições que coordenam a produção, o pro-

cessamento e a distribuição de produtos alimentares, fibras e produtos energéticos provenientes da biomassa,

43 Em uma palestra de 1938, Clark inclui no setor terciário “todas as formas de atividades econômicas não incluídas na classificação de primárias e secundárias”.

44 Fornecedores de insumos e serviços, máquinas, implementos, defensivos, fertilizantes, corretivos, sementes, tecnologia e financiamento.

45 A justante da atividade agropecuária, a agroindústria inclui o conjunto de atividades relacionadas à transformação e ao processamento de matérias-primas provenientes da agricultura, pecuária, aquicultura ou silvicultura em produtos mais elaborados.

46 DAVIS I. H.; GOLDBERG, R.A, (1957). A Concept of Agribusiness. Boston: Havard University.

47 O termo “agribusiness”, entretanto, aparece pela primeira vez em uma conferência em Boston, em 1955.

48 No Brasil, a partir de meados da década de 1970, surgem as primeiras formulações ou defesas de novas propostas analíticas para o setor agropecuário brasileiro (por exemplo, o termo “complexo agroindustrial brasileiro”).

Page 63: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

61

incluindo os fornecedores de insumos e fatores de produção e todos os serviços de apoio, crédito e comer-

cialização49. Em termos de pauta, incluem-se neste campo os produtos primários vegetais e animais (inclusive

pescados e moluscos), os produtos agroindustriais (alimentos, bebidas, fumo, gorduras, óleos e ceras vegetais,

peles, couros, fibras, fios e tecidos naturais), além da borracha natural, das madeiras e da celulose.

Por meio dessa reorganização produtiva, o agronegócio desloca o centro de análise para “fora da porteira”,

substituindo a análise parcial (agropecuária) por uma visão sistêmica e, comumente, verticalizada do processo

produtivo na qual prevalece o fluxo de matérias-primas e produtos ao longo de cadeias produtivas – desde

“antes da porteira” (a montante da produção agropecuária) até “após a porteira” (a jusante da produção

agropecuária).

Para tratar desse universo de agentes, produtos e etapas produtivas do agronegócio, portanto, é interessante

dispor de diferentes óticas e espaços de análise. Servem, nesse caso, os conceitos de complexo agroindustrial

(tendo como referência determinada matéria-prima de base, i.e., complexo soja, complexo leite, complexo

cana-de-açúcar, complexo café) e cadeia de produção agroindustrial (definida a partir da identificação de

determinado produto final, i.e., cadeia sucroalcooleira)50. De forma geral, entretanto, a literatura costuma

empregar o conceito de cadeia produtiva (ou cadeia de valor) com pequenas diferenças teórico-analíticas

para tratar dos diferentes estágios e encadeamentos produtivos, tenha ele como referência a matéria-prima

(cana-de-açúcar) ou o produto final (açúcar e álcool).

A proposta de tratar o agronegócio representa um avanço teórico e metodológico importante para compre-

ender a importância estratégica deste setor na economia, bem como para avaliar de que forma os diferentes

estágios das cadeias produtivas têm se organizado nacional e internacionalmente de sorte a ordenar tanto a

produção doméstica, quanto os fluxos comerciais e de investimento entre os países.

2.2 PARORAMA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro vivenciou um período particularmente positivo, favorecido pela alta

nos preços internacionais e pela expansão generalizada da produção agropecuária. Esta forte expansão, além

de dinamizar a economia do interior do País, impulsionou as exportações brasileiras, contribuindo de forma

decisiva para a ampliação das reservas internacionais brasileiras e o financiamento do déficit em transações

correntes. Esse processo, entretanto, foi permeado por mudanças significativas na pauta produtiva do agro-

negócio nacional, bem como pela construção de novas parcerias no plano internacional.

Por assim dizer, a melhor forma de retratar esse período de grande prosperidade, marcado pela maior inserção

internacional do agronegócio brasileiro, é apresentar dados e informações de números que dão a dimensão

49 É oportuno incluir nesse arcabouço produtivo outros agentes que afetam e coordenam o fluxo dos produtos ao longo dos elos, notadamente o Estado, outros mercados, as entidades comerciais, as instituições financeiras e de serviços de apoio.

50 Esse referencial originou a abordagem feita por Goldberg denominada Commodity System Approach (CSA), em que se analisam as relações das atividades e das organizações ligadas diretamente a uma matéria-prima – ponto de partida da análise. O autor salienta a concepção inicial de seu trabalho com o intuito de estudar as administrações pública e privada e o desenvolvimento efetivo de políticas e estratégias relacionadas às commodities analisadas, além da busca pelo entendimento da interação entre os agentes participantes na produção destes produtos. A formulação de políticas públicas ligadas a um determinado setor deve passar pelo entendimento das políticas e pelo entendimento das implicações.

Page 64: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

62

da intensidade da expansão do agronegócio e dos impactos positivos gerados sobre a economia nacional,

aspectos que influenciam decisivamente o desempenho exportador do País.

Com efeito, a presente seção é resultado de uma sistematização de indicadores, dados e informações mais

relevantes do agronegócio no Brasil, tanto no âmbito da produção doméstica, quanto do ponto de vista do

comércio exterior.

2.3 BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DO SETOR

O setor agropecuário ocupou, desde o início da história do País, um papel estratégico na economia brasileira.

Além de representar um vetor do processo de ocupação e exploração do território nacional, a sucessão de

diferentes ciclos de culturas agrícolas foi responsável pela articulação dos primeiros centros dinâmicos do

Brasil Colônia (cana-de-açúcar, algodão e tabaco), que fundamentaram a base econômica e mercantil do País

ao longo do Império e da República Velha (café, cacau)51.

As transformações do País são pautadas, em boa medida, como reflexto da forma como ele se insere no co-

mércio internacional. A partir do final do século XIX, o chamado setor “agroexportador” – como fica conhecida

a importante parcela do setor agropecuário cuja produção é direcionada essencialmente para a geração de

excedentes exportáveis – forneceu condições inéditas para acumulação de capital.

Em paralelo, essas atividades contribuem decisivamente para a constituição de um mercado consumidor in-

terno (com a adoção da mão de obra assalariada e do incentivo à imigração), o desenvolvimento mercantil

(casas de exportação e na rede bancária) e a instalação de infraestrutura moderna de transporte (ferrovias),

essencial para o escoamento dos produtos primários para o mercado externo. Não por acaso, é no esteio (como

apêndice) do setor agroexportador que se desenvolvem alguns dos segmentos pioneiros da então nascente

indústria nacional, como é o caso da indústria têxtil e da indústria de bens de consumo não duráveis.

Já no início do século XX, a migração de capitais do setor agroexportador brasileiro passa a financiar a impor-

tação de máquinas e equipamentos essenciais para a instalação da indústria de bens de capital leves no País.

Incluem-se, nesse escopo, por exemplo, uma pequena indústria de aço, construção (por exemplo, cimento),

máquinas e equipamentos (máquinas para as indústrias do açúcar e têxtil) e indústria elétrica (motores elé-

tricos). Com efeito, pode-se afirmar que, ao menos até a década de 1930, estabelece-se uma relação direta

entre o setor industrial e o desempenho do setor agroexportador nacional, colaborando para a diversificação

produtiva do País52.

A partir de então, entretanto, o processo de industrialização e a urbanização – impulsionada, dessa vez, por

choques e pela sequência de desequilíbrios externos – modificam progressivamente o papel desempenhado

pela agropecuária no âmbito da dinâmica interna da economia brasileira, colaborando para o deslocamento

do eixo de acumulação de capital do setor agroexportador para o industrial.

51 FURTADO, A. (1970). Formação econômica da América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Lia Editor.

52 Ver, a respeito, SUZIGAN, W. (1986). Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense; SAES, F. A. M. (1989). A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República. Estudos Avançados, 3(7), p. 20-39.

Page 65: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

63

De fato, a identificação da indústria com o desenvolvimento socioeconômico torna-se, no Brasil, a base para

a promoção de políticas direcionadas a novos setores da economia (Política de Substituição de Importações

– PSI), dotados de maior potencial para a geração de encadeamentos para frente e para trás na economia na-

cional. A agropecuária, nesse cenário, além do eforço exportador, necessário para gerar divisas ao País, passa

a assumir papel fundamental na regulação do custo de vida e do trabalho nas cidades (isto é, o preço da mão

de obra), uma vez que a produção codetermina os preços dos alimentos e, portanto, o salário real.

Por outro lado, a atividade agropecuária ainda é apresentada53, nesse contexto, como um setor relativamente

autônomo da economia nacional (em termos de encadeamentos para frente e para trás), tendo como base téc-

nicas tradicionais e baixa mecanização, o que limita sua produtividade. De forma diversa, a indústria – símbolo da

modernidade – é representada por cadeias produtivas mais longas (há um número maior de subsetores envolvidos)

e mais densas (cada subsetor envolve um número maior de agentes). Com efeito, as novas teorias de desenvolvi-

mento econômico relegavam às chamadas atividades primárias um papel dinamizador das economias nacionais.

Esse cenário modifica-se radicalmente a partir da década de 1960, quando o processo de modernização eco-

nômica avança sobre as atividades do campo no Brasil. Este período marca a instalação de um setor industrial

produtor de bens de produção (máquinas e implementos) voltado para a agricultura, seguido, nas décadas de

1970 e 1980, pela entrada de novos setores fabricantes de insumos agrícolas (fertilizantes, indústria química), o

que favoreceria a expansão da fronteira agrícola (sobretudo na região Centro-Oeste) e os saltos de produtividade.

Consistuem-se, nos âmbitos federal e estadual, de instituições de ensino, pesquisa e extensão rural (caso, no-

tadamente, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa –, em 1973), bem como instrumentos

de política econômica (política de crédito rural para custeio e investimento, política de preços mínimos), com

o objetivo de impusionar a produtividade do setor e reforçar as condições de financiamento das safras.

Com efeito, a ampliação do crédito subsidiado para o setor, aliada à expansão dos mercados domésticos de

insumos modernos e da área plantada (fronteira agrícola), fornece condições necessárias para ampliar a produ-

ção e a produtividade do setor, que se pauta cada vez mais pela abertura ao mercado internacional – em franca

expansão – a partir da mudança progressiva da pauta na direção de culturas modernas, notadamente a soja.

Graças à redução no aporte de recursos públicos no setor agropecuário, a partir da década de 1980, a estratégia

de modernização da agropecuária – ancorada no papel ativo do Estado na articulação dos investimentos e no

avanço do modelo de substituição de importações – mostra sinais de esgotamento. De fato, coube à agropecuá-

ria, nesse momento de crise, a responsabilidade pela geração de superávits comerciais para equalizar o balanço

de pagamentos, agravado pela crise da dívida externa e pelas sucessivas tentativas de combater a inflação.

A partir da década de 1990, adicionam-se novos desafios, decorrentes das transformações que afetaram ne-

gativamente todos os setores da economia doméstica. A ampliação da abertura econômica, com redução do

nível de proteção tarifária e maior exposição à concorrência internacional, associada à promoção de novas

políticas macroeconômicas (câmbio valorizado) e à redefinição do papel do Estado na economia, estabelece

novos desafios para o setor agropecuário.

53 A análise da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), por exemplo, baseava-se em uma dualidade nas economias latino-americanas, ora organizadas em torno de um setor urbano-industrial moderno (composto por atividades modernas e dinâmicas), ora de um setor rural-agrícola, marcado por atividades atrasadas e tradicionais, sem dinamismo econômico.

Page 66: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

64

Contando com menos aporte de políticas e subsídios, redução da competitividade externa (câmbio valorizado)

e maior concorrência no mercado doméstico (importação e produtos industrializados), o agronegócio é um

dos setores mais penalizados no período. Como resposta ao cenário desfavorável, entretanto, a agropecuária

apresentou resultados satisfatórios, em grande medida por conta da maior produtividade (eficiência do se-

tor), dos aportes tecnológicos e da melhoria nos preços relativos. O setor, portanto, adentra o século XXI com

uma posição competitiva fortalecida no mercado internacional, graças ao período de provação ao longo das

décadas de 1980 e 1990.

A partir de 2001, o agronegócio brasileiro passou por um período de expressivo crescimento, com aumento

de produção e preços elevados. Este bom desempenho ocorreu devido a uma combinação de fatores tanto

internos, como externos ao País. Com relação aos fatores externos, todos eles estão associados ao forte cres-

cimento da economia mundial no período, principalmente dos mercados emergentes, com especial destaque

para China e Índia.

O crescimento destas economias aqueceu a demanda por alimentos e outros produtos agropecuários, criando

uma formidável oportunidade para o Brasil aumentar a sua produção e a sua exportação destes bens. Do lado

interno, o País conseguiu aproveitar essa oportunidade criada pela economia mundial por meio da expansão

da produção, alicerçada no aumento da área plantada e da produtividade das principais culturas.

2.4 CARACTERÍSTICAS E SINGULARIDADES

DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

De forma geral, é possível afirmar que o Brasil dispõe de um conjunto de características e fatores que favorecem o

desempenho do agronegócio e a competitividade internacional dos produtos do setor, colaborando para alavancar

sua posição de liderança internacional em diversas cadeias produtivas, incluindo soja (em grãos), suco de laranja,

carnes de frango e bovina, açúcar, café e fumo. Além de ser o líder em tecnologia e produção de energia renová-

vel (álcool), o País firmou-se, também, entre os maiores fornecedores mundiais de milho, algodão e carne suína.

Dentre as principais características, é necessário destacar as dotações naturais do País, que incluem: (i) a

extensão territorial, com ampla disponibilidade de terras agricultáveis e baratas, com potencial para double

crop54 e solos aptos à correção de fertilidade; (ii) variabilidade climática (tropical e subtropical), permitindo a

diversificação produtiva, bem como a obtenção de duas ou mais safras ao ano; (iii) oferta abundante de recur-

sos hídricos (cerca de 13% das reservas de água doce do mundo); e (iv) topografia favorável à mecanização,

na maioria das regiões de plantio.

Para explorar as oportunidades oferecidas por esse quadro natural, agentes públicos55 e privados têm investido

fortemente na conversão de terras para expansão da fronteira agrícola; na consolidação do setor (produção

em larga escala e integração agroindustrial, com verticalização da cadeia, aprimoramento das operações de

campo-fábrica e aproveitamento de economias de escala); na reorganização produtiva (gestão profissional,

54 Produção de dois grãos diferentes na mesma área durante a mesma safra, permitindo expansão da produção sem expansão da área cultivada.

55 É importante reconhecer, nesse ponto, o papel estratégico de diversas instituições, tais como Embrapa, Instituto Agronômico de Campinas (IAC), universidades, laboratórios privados etc.

Page 67: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

65

formação de cooperativas); na adoção de métodos modernos e novas tecnologias de cultivo tropical, via pes-

quisa e desenvolvimento (inovação em fertilização do solo, sementes e variedades genéticas mais produtivas,

adaptadas e/ou resistentes a condições de seca, solos ácidos, pragas e doenças); e na utilização intensiva de

insumos agropecuários, como fertilizantes, adubos e corretivos agrícolas.

No âmbito externo, o setor foi favorecido, competitivamente, pela exposição à concorrência internacional

(com a abertura na década de 1990), pela expansão do crédito agrícola56 e pelo ciclo positivo das commodities

agrícolas, marcado pela forte elevação dos preços destas nos mercados internacionais57. Quando combinados,

os investimentos do setor e as dotações naturais permitiram ao Brasil assegurar aumentos generalizados na

escala de produção e na produtividade, alcançando a liderança internacional na produção e na exportação dos

principais produtos do agronegócio mundial.

2.5 A DIMENSÃO DO AGRONEGÓCIO NO PIB BRASILEIRO

De forma geral, além de ser um importante setor econômico na geração de emprego e renda, pode-se afirmar

que as atividades agropecuárias cumprem funções decisivas para o desenvolvimento socioeconômico de

qualquer país, entre as quais se pode destacar:

n Garantir minimamente a oferta de alimentos: a segurança alimentar é considerada um objetivo estra-

tégico de qualquer nação, de forma que países alocam frações significativas do seu Produto Interno

Bruto (PIB) justamente para tentar manter uma oferta mais estável de alimentos para a sua população;

n Favorecer a maior estabilidade nos preços: com oferta mais abundante ou mais estável de alimentos e

de insumos agrícolas para as atividades industriais, o setor agrícola contribui positivamente para manter

a inflação sob controle, com impactos sensíveis no custo de vida e no salário real dos trabalhadores;

n Conferir maior liberdade para a política monetária: em diversos países, as exportações agrícolas têm

participação decisiva na formação das reservas. Estas reservas são fundamentais para permitir que o

Governo tenha melhores instrumentos para controlar os movimentos da taxa de câmbio, conferindo

maior liberdade para a política monetária;

n No caso brasileiro, há que se destacar, também, o papel estratégico da agropecuária como base na

produção dos chamados biocombustíveis ou agrocombustíveis, como alternativas aos combustíveis

fósseis na matriz energética. Entre os exemplos mais conhecidos, cita-se o álcool de cana (etanol), a

biomassa, o bioetanol, o biodiesel e o biogás.

Historicamente, em decorrência das modificações observáveis na organização econômica dos países e do

comércio mundial, as atividades nucleares do agronegócio (isto é, “dentro da porteira”) têm ocupado uma

56 Em termos reais, isto é, já descontando a inflação medida pelo IGP-DI, a oferta de crédito agrícola cresceu 217,7% entre 2000 e 2012, passando de R$ 36,1 bilhões para R$ 114,7 bilhões.

57 Como essa alta de preços dá-se de forma praticamente generalizada, ao longo dessa fase do ciclo econômico atual, o nível das cotações das commodities agrícolas permitiu elevar a margem de diversas cadeias do setor, tornando economicamente viável a produção (i) em áreas mais afastadas dos principais centros de distribuição, (ii) apoiada por uma infraestrutura mais deficiente e, às vezes, (iii) em terras menos férteis.

Page 68: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

66

participação cada vez menor no PIB dos países desenvolvidos e emergentes, cedendo espaço progressivamente

à atividade industrial e ao setor de serviços. Isso vale, inclusive, para países com notável produção agrícola,

como Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos, em que o setor não corresponde a mais de 7,0% do PIB.

O Brasil não foge desse paradigma58. Segundo dados do IBGE, apresentados no Quadro 1, a agropecuária –

compreendida como produção agrícola, pecuária e extrativista vegetal – respondeu por apenas 5,6% do PIB

brasileiro de 2014 (ou R$ 262,2 bilhões, em valores correntes de 2014). Acompanhando a tendência verificada

na maior parte dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a fatia do setor de Serviços já corresponde

a mais de 70% do total do PIB (R$ 3,45 trilhões, em valores correntes de 2014), enquanto a Indústria mantém

sua participação em cerca de um quarto da produção nacional.

Quadro 1

PARTICIPAÇÃO DO PIB DA AGROPECUÁRIA – 2014 (%)

AGROPECUÁRIA

5,6% 23,4% 71,0%

INDÚSTRIA SERVIÇOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE (contas trimestrais).

Mesmo considerando a metodologia alternativa, proposta pelo Centro de Estudos Avançados em Economia

Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo59 (Esalq/

USP), a participação da agropecuária no PIB manteve-se entre 5,4% e 7,0% entre 2000 e 2013. Como exposto

no Quadro 2, no último ano da série (2013) calculada pelo Cepea, o PIB da agropecuária respondeu por 6,5%

do PIB, sendo 3,7% derivados das atividades agrícolas e 2,8% da pecuária.

58 Ver, a respeito, BRUGNARO, R. & BACHA, C. J. C. (2009). Análise da participação da agropecuária no PIB do Brasil de 1986 a 2004. Estudos Econômicos (São Paulo), 39(1), p. 127-159.

59 O IBGE reporta seus cálculos pelo critério de preços constantes, isto é, entre dois anos consecutivos, as produções de ambos são avaliadas a preços do primeiro ano. O Cepea, por sua vez, calcula o PIB da agropecuária e de outros segmentos do agronegócio pela ótica do valor adicionado, a preços de mercado, computando-se os impostos indiretos líquidos de subsídios. A quantificação dessa medida reflete a evolução do setor em termos de renda real, a qual se destina à remuneração dos fatores de produção: trabalho (salários e equivalentes), capital físico (juros e depreciação), terra (aluguel e juros) e lucros. Considera-se, portanto, no cômputo do PIB do agronegócio tanto o crescimento do volume produzido, como dos preços, já descontada a inflação.

Page 69: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

67

Quadro 2

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO PIB DA AGROPECUÁRIA ENTRE 2000 E 2013 (%)

5,6 5,8

6,3

7,0 6,5

5,7 5,4

5,7

6,2 5,7 5,9

6,5 6,2

6,5

2,9 3,1 3,6

4,1 3,9

3,2 3,0 3,2 3,6

3,2 3,4 3,8 3,7 3,7

2,6 2,6 2,7 2,8 2,7 2,5 2,3 2,5 2,6 2,5 2,5 2,7

2,5 2,8

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

AGROPECUÁRIA AGRICULTURA PECUÁRIA

Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.

Apesar de responder por uma pequena parcela do PIB, nos últimos anos, a agropecuária foi o setor econô-

mico de melhor desempenho na economia brasileira. Segundo dados apresentados no Quadro 3, no período

compreendido entre 2000 e 2014, a agropecuária cresceu, em média, 3,6% ao ano, ao passo que a indústria

e o setor de serviços apresentaram uma taxa média de crescimento de 2,5% e 3,3% ao ano, respectivamente.

Cabe ressaltar que esse também foi um período em que a economia brasileira registrou seu melhor desem-

penho nos últimos trinta anos, com uma taxa média de crescimento de 3,0% ao ano. Se forem considerados

apenas os anos pré-crise internacional (2000-2008), o crescimento médio do PIB foi de 3,2% ao ano, sendo

que o desempenho médio da agropecuária superou 4,0% ao ano. Em todo caso, considerando o desempenho

global do PIB entre 2000 e 2014, trata-se de uma variação superior à observada na década 1990, período em

que o PIB cresceu, em média, 1,7% ao ano e a agropecuária, 2,5% ao ano.

Page 70: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

68

Quadro 3

VARIAÇÃO ANUAL DO PIB BRASILEIRO, TOTAL E ABERTO POR SETOR

ANO AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA SERVIÇOS PIB

2000 2,7% 4,4% 3,8% 4,4%

2001 5,3% -0,8% 1,9% 1,3%

2002 8,0% 3,9% 3,1% 3,1%

2003 8,0% 0,0% 1,2% 1,2%

2004 2,0% 8,0% 4,9% 5,7%

2005 0,7% 2,0% 3,6% 3,1%

2006 4,8% 2,0% 4,4% 4,0%

2007 3,2% 6,0% 5,8% 6,0%

2008 5,5% 3,9% 4,8% 5,0%

2009 -3,8% -4,8% 1,9% -0,2%

2010 6,8% 10,4% 5,8% 7,6%

2011 5,6% 4,1% 3,4% 3,9%

2012 -2,5% 0,1% 2,4% 1,8%

2013 7,9% 1,8% 2,5% 2,7%

2014 0,4% -1,2% 0,7% 0,1%

Média anual 3,6% 2,5% 3,3% 3,2%

Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE.

Quando se adota a ótica expandida do agronegócio60, a relevância do setor para a economia ganha novas dimen-

sões, uma vez que se incluem no cálculo não somente as atividades “dentro da porteira” (agrícola e pecuária),

mas também as atividades “antes” (produção de insumos) e “depois da porteira” (indústria e distribuição).

Segundo cálculos do Cepea, dispostos no Quadro 4, a renda do agronegócio nacional, estimada para o ano de

2013, foi de R$ 1,092 trilhão, sendo R$ 759,6 bilhões (69,5%) referentes ao ramo agrícola e R$ 332,6 bilhões

(30,5%), ao ramo pecuário. Tendo como referência o PIB de 2013, o agronegócio foi responsável por quase

um quarto (22,5%) da produção nacional – consolidando sua posição como um dos setores mais importantes

da matriz econômica brasileira.

60 O Cepea desenvolve uma metodologia para calcular o PIB do agronegócio considerando-o como a soma de quatro segmentos: (a) insumos para a agropecuária; (b) produção agropecuária básica ou, como também é chamada, primária ou “dentro da porteira”; (c) agroindústria (processamento); e (d) distribuição. A análise deste conjunto de segmentos é feita para o setor agrícola (vegetal) e para o pecuário (animal), cuja soma resulta no agronegócio.

Page 71: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

69

Quadro 4

EVOLUÇÃO DO VALOR E DA PARTICIPAÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO PIB

750 763 830

884 907 865 869

937 1.013

954 1.026

1.081 1.051 1.092

23,5 23,6 25,0

26,3 25,5 23,6 22,8 23,2 23,8

22,5 22,5 23,1 22,2 22,5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

0

200

400

600

800

1.000

1.200

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

%

Va

lor

(bil

es

R$

de

20

13)

VALOR PARTICIPAÇÃO NO PIB (%)

Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.

Ao separarmos esta contribuição por atividade, é possível analisar como as atividades “dentro” e “fora” da

porteira têm contribuído para o agronegócio. De acordo com dados apresentados nos Quadros 5 e 6, apenas

29% do PIB do agronegócio (R$ 317,2 bilhões) referem-se às atividades nucleares do agronegócio (“dentro da

porteira”, isto é, a atividade agropecuária), ao passo que os 71% restantes são atribuídos às atividades “fora

da porteira”, especificamente àquelas desenvolvidas “antes da porteira” (produção de insumos, com 11,7% do

total) e “depois da porteira” (indústria e distribuição, respectivamente, com 28,1% e 31,2% do total).

Quadro 5

EVOLUÇÃO DO PIB DO AGRONEGÓCIO, TOTAL E POR SEGMENTO (EM MILHÕES R$)

248,9 252,6 272,0 283,0 292,6 282,9 285,8 305,3 321,3 307,7 328,3 340,8 330,9 340,4

248,2 246,3 260,6 268,1 281,6 282,0 289,9 302,5 310,4 298,5 318,3 313,9 301,8 306,8

178,4 186,6 208,8 233,5 231,5 208,9 204,4

229,3 263,0

243,0 269,6 302,6 294,5 317,2

74,5 77,5 88,8

99,9 101,3 91,0 88,6

100,1 117,9

105,0 110,1

124,1 123,8 127,8

749,9 763,0 830,2

884,4 907,0 864,8 868,7

937,2 1.012,6

954,3 1.026,2

1.081,4 1.051,1 1.092,2

0

200

400

600

800

1.000

1.200

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

INSUMOS AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA DISTRIBUIÇÃO

Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.

Page 72: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

70

Quadro 6

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS SEGMENTOS NO PIB DO AGRONEGÓCIO (%)

33,2 33,1 32,8 32,0 32,3 32,7 32,9 32,6 31,7 32,2 32,0 31,5 31,5 31,2

33,1 32,3 31,4 30,3 31,0 32,6 33,4 32,3 30,7 31,3 31,0 29,0 28,7 28,1

23,8 24,5 25,1 26,4 25,5 24,2 23,5 24,5 26,0 25,5 26,3 28,0 28,0 29,0

9,9 10,2 10,7 11,3 11,2 10,5 10,2 10,7 11,6 11,0 10,7 11,5 11,8 11,7

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

INSUMOS AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA DISTRIBUIÇÃO

Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea.

É possível, também, comparar o comportamento dos segmentos do agronegócio ao resultado médio da eco-

nomia brasileira ao longo do tempo. Como se pode notar no Quadro 7, ao agregar segmentos da agroindústria

(processamento) e dos serviços (distribuição), o agronegócio apresentou um desempenho inferior ao núcleo

da atividade (“dentro da porteira”), o qual cresceu, em média, 4,2% a.a. entre 2000 e 2013 – patamar superior

ao da economia nacional (3,0% a.a.).

O segmento que menos cresceu no intervalo foi o industrial (1,6% a.a.), com desempenho quase três vezes in-

ferior ao verificado nas atividades agropecuárias (4,5% a.a.) e metade do observado no conjunto da economia

brasileira no período selecionado (3,3% a.a).

Quadro 7

TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL MÉDIA – 2000 A 2013 (%)

2,9

4,2 4,5

1,6

2,4

3,3

Agronegócio Insumos

Agropecuária Indústria

Distribuição Brasil

AGRONEGÓCIO

Elaboração: Think Agro. Fonte: Cepea; IBGE.

Page 73: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

71

Essa trajetória justifica o fato de a agroindústria ter reduzido sua participação no conjunto do agronegócio de

33,1%, em 2000, para 28,1%, em 2013; mesmo período em que as atividades-núcleo da agropecuária ampliaram

sua fatia de 23,8% para 29,0% do PIB do agronegócio.

A partir dos dados apresentados, é possível constatar que, não obstante as atividades dentro da porteira corres-

pondam a apenas cerca de 6,0% do PIB nacional, a dimensão expandida do agronegócio – que inclui segmentos

da indústria e dos serviços – merece um lugar de destaque na matriz econômica brasileira, respondendo por

quase um quarto do PIB nacional. Não por acaso, algumas empresas e grupos mais ativos do setor – como BRF,

Bunge, Cargill e JBS – constam entre as quinze maiores empresas do ranking elaborado pela Revista Exame61.

Por outro lado, o desempenho do agronegócio como um todo, ao longo do período, foi ligeiramente inferior

ao da economia nacional, em boa parte graças ao desempenho relativamente inferior da indústria do agrone-

gócio no período destacado. Ademais, é possível sugerir que a expansão do setor, nos últimos anos, tem se

pautado por produtos não processados, dotados de menor valor adicionado (por exemplo, grãos in natura).

2.6 GERAÇÃO DE EMPREGO

Em termos de emprego, o setor enfrenta uma situação dual: por um lado, atravessou um longo período de

transformações associadas à mordenização e à mecanização do campo, com progressiva substituição do tra-

balho manual por maquinário, adoção de tecnologias poupadoras de trabalho e introdução de novas técnicas

de plantio; por outro lado, uma parcela considerável do setor ainda se mantém atrelada a condições mais

tradicionais de produção e cultivo, seja por questões de porte, seja por limitações técnicas e geográficas62.

A esse respeito, informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do IBGE, dão conta que a

agropecuária – entendida como atividades relacionadas a agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e

aquicultura, isto é, à Seção A da CNAE63 – foi responsável por cerca de 1,5 milhão de empregos formais em

2013, ou 3,1% do estoque nacional64. Como se pode notar no Quadro 8, apesar da tendência de crescimento

observada desde 2006 (aumento de 6,4% no período), a participação do emprego formal da agropecuária

vem reduzido-se paulatinamente para o conjunto da economia brasileira.

61 O ranking de maiores empresas de 2013 encontra-se disponível para consulta em: <http://exame.abril.com.br/negocios/melhores-e-maiores/>.

62 Adicionamente, cabe destacar as transformações em curso na sociedade e na relação entre o urbano e rural: se, em 1950, 63,8% da população residiam no meio rural, em 2010, esta parcela reduziu-se para 15,6% da população total do País.

63 A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) é uma classificação estruturada de forma hierarquizada em cinco níveis, com 21 seções, 87 divisões, 285 grupos, 672 classes e 1.318 subclasses. O quinto nível hierárquico, o das subclasses, é definido para uso da administração pública.

64 O emprego formal pode ser definido a partir de uma condição em que os trabalhadores estão protegidos por contratos de trabalho e por legislação, que lhes garantem alguns direitos, tais como: décimo terceiro salário, abono de férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) etc.

Page 74: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

72

Quadro 8

EVOLUÇÃO DO EMPREGO FORMAL DA AGROPECUÁRIA ENTRE 2006 E 2013

1,409

1,435

1,463 1,461 1,450

1,523

1,493 1,499

4,01 3,81 3,71

3,55 3,29 3,29

3,15 3,06

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

1,38

1,40

1,42

1,44

1,46

1,48

1,50

1,52

1,54

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Pa

rtic

ipa

çã

o n

o e

mp

reg

o f

orm

al

n

a e

co

no

mia

(%

)

Em

pre

go

s fo

rma

is (

em

milh

õe

s)

EMPREGO FORMAL % NO EMPREGO FORMAL TOTAL

Nota: considerando a Seção A65 da CNAE 2.0. Elaboração: Think Agro.

Fonte: RAIS-IBGE.

Em termos de distribuição por atividades (Quadro 9), a maior parte do emprego formal do setor estava vincu-

lada à criação de bovinos (23,7%), ao cultivo de cana-de-açúcar (10,9%) e soja (7,5%), criação de aves (7,2%),

atividades de apoio (6,6%), cultivo de café (5,7%) e cereais (4,7%). Demais atividades corresponderam a 33,8%

do emprego formal da agropecuária.

Quadro 9

DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO FORMAL NA AGROPECUÁRIA (SEÇÃO A DA CNAE 2.0)

23,7%

10,9%

7,5%

7,2% 6,6% 5,7%

4,7%

33,8%

CRIAÇÃO DE BOVINOS

CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR

CULTIVO DE SOJA

CRIAÇÃO DE AVES

ATIVIDADES DE APOIO À AGRICULTURA

CULTIVO DE CAFÉ

CULTIVO DE CEREAIS

OUTROS

Elaboração: Think Agro. Fonte: RAIS-IBGE.

65 De acordo com a classificação do IBGE, a Seção A abrange as atividades de cultivo agrícola; de criação e produção animal; de cultivo de espécies florestais para produção de madeira, celulose e para proteção ambiental; de extração de madeira em florestas nativas; de coleta de produtos vegetais e de exploração de animais silvestres em seus hábitats naturais; de pesca extrativa de peixes, crustáceos e moluscos e coleta de produtos aquáticos; e de aquicultura – criação e cultivo de animais e produtos do meio aquático.

Page 75: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

73

Considerando o conceito expandido de agronegócio, as estimativas de participação do setor no emprego

total costumam variar entre 25% e 37% do total do País, percentual que inclui os empregos gerados em outras

atividades da economia – como é o caso da indústria de transformação (Seção C da CNAE) e do comércio

(Seção G da CNAE), vinculadas aos segmentos conhecidos como agroindustriais.

O número de trabalhadores reportados pela RAIS, entretanto, subestima a realidade do emprego neste se-

tor. Isso porque a agropecuária ainda se apresenta como um dos setores com informalidade mais elevada da

economia. Estima-se que aproximadamente 65% dos trabalhadores assalariados no meio rural não dispõem

de carteira assinada66. Embora seja uma condição partilhada por outros setores, caso dos serviços (em geral)

e construção civil, trata-se de um patamar de informalidade superior à média brasileira (em torno de 50%,

segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, de agosto de 2014).

A informalidade decorre de várias especificidades históricas, sociais e econômicas das atividades rurais, sendo

associada, por exemplo, ao trabalho familiar de pequenas propriedades67, às lavouras temporárias68, a culturas

tradicionais e/ou com baixo potencial ou baixo grau de mecanização.

Esse cenário é corroborado por estudo recente69 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-

econômicos (DIEESE), cujos resultados são reproduzidos nos Quadros 10, 11 e 12, a seguir. Com base em dados

da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), o DIEESE avaliou que 60,0% dos 4,1 milhões de

empregados assalariados rurais (isto é, cerca de 2,4 milhões de pessoas) não possuíam carteira assinada em 2013.

Quadro 10

OCUPADOS NO SETOR AGRÍCOLA SEGUNDO POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO (2013)

POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO Nº ABSOLUTO % DO TOTAL

TOTAL DE OCUPADOS 13.981.907 100

EMPREGADOS (ASSALARIADOS) 4.059.507 29,0

COM CARTEIRA DE TRABALHO ASSINADA 1.647.023 11,8

SEM CARTEIRA DE TRABALHO ASSINADA 2.412.484 17,3

CONTA PRÓPRIA 3.961.704 28,3

EMPREGADOR 267.451 1,9

TRABALHADOR NA PRODUÇÃO PARA O PRÓPRIO CONSUMO 4.236.217 30,3

NÃO REMUNERADO 1.457.028 10,4

TAXA DE ASSALARIAMENTO (ASSALARIADOS / TOTAL) 29,0%

TAXA DE INFORMALIDADE ENTRE ASSALARIADOS 59,4%

Elaboração: Think Agro. Fonte: DIEESE; PNAD/IBGE.

66 BARBOSA FILHO, F. H.; MOURA, R. L. (2012). Evolução recente da informalidade no Brasil: Uma análise segundo características da oferta e demanda de trabalho. São Paulo: IBRE/FGV, ago. 2012.

67 Estima-se que o número de camponeses que são parte da agricultura familiar totalizou 9,6 milhões de pessoas em 2013.

68 Um aspecto singular do mercado de trabalho assalariado no meio rural é dado pela sazonalidade da produção. O fato de as culturas terem seus períodos de plantio, tratos e colheita diferenciados faz com que grande parte dos trabalhadores seja contratada para etapas diferentes desse processo, o que torna as contratações temporárias ou de curta duração algo comum ao mercado de trabalho rural.

69 DIEESE (2014). O mercado de trabalho assalariado rural brasileiro. Estudos e Pesquisas, n. 74, outubro.

Page 76: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

74

Esse número corresponde a quase 20% do total de ocupados no setor agrícola70, que inclui, ainda, um número

relevante de trabalhadores por conta própria (28,3%) e trabalhadores na producão para o próprio consumo

(30,3%).

Segundo dados expostos no Quadro 11, disposto a seguir, a maior parte dos empregados assalariados temporários

permanece na informalidade, ao passo que pouco mais da metade dos trabalhadores permanentes é celetista.

Quadro 11

ASSALARIADOS RURAIS SEGUNDO TIPO DE CONTRATAÇÃO (2013)

POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO

EMPREGADOS RURAISCOM CARTEIRA

ASSINADASEM CARTEIRA ASSINADA

Nº ABSOLUTO

EM %Nº

ABSOLUTOEM %

Nº ABSOLUTO

EM %

EMPREGADO PERMANENTE 2.764.643 68,1 1.490.023 90,5 1.274.620 52,8

EMPREGADO TEMPORÁRIO 1.294.864 31,9 157.000 9,5 1.137.864 47,2

TOTAL 4.059.507 100,0 1.647.023 100,0 2.412.484 100,0

Nota: pessoas de dez anos ou mais de idade. Elaboração: Think Agro.

Fonte: DIEESE.

Em termos de distribuição da informalidade por grupo de atividade econômica (Quadro 12), a maior parte dos

trabalhadores rurais sem carteira assinada está vinculada a lavouras temporárias (31%) e produções mistas

(22%), também as atividades mais empregadoras do meio rural.

70 As diferentes posições incluem: empregado – pessoa que trabalha para um empregador (pessoa física ou jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo, em contrapartida, uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou benefícios (moradia, comida, roupas etc.); conta própria – pessoa que trabalha explorando o próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não remunerado; trabalhador na produção para o próprio consumo – pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, na produção de bens do ramo que compreende as atividades da agricultura, da silvicultura, da pecuária, da extração vegetal, da pesca e da piscicultura, para a própria alimentação e de pelo menos um membro da unidade domiciliar; empregador – pessoa que trabalha explorando o próprio empreendimento, com pelo menos um empregado; não remunerado – pessoa que trabalha sem remuneração durante pelo menos uma hora na semana, em ajuda a membro da unidade domiciliar que era: empregado na produção de bens primários (atividades da agricultura, da silvicultura, da pecuária, da extração vegetal ou mineral, da caça, da pesca e da piscicultura), conta própria ou empregador.

Page 77: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

75

Quadro 12

ASSALARIADOS RURAIS SEGUNDO GRUPOS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS (2013)

GRUPO DE ATIVIDADES

ECONÔMICAS

EMPREGADOS RURAISCOM CARTEIRA

ASSINADASEM CARTEIRA ASSINADA

Nº ABSOLUTO

EM %Nº

ABSOLUTOEM %

Nº ABSOLUTO

EM %

LAVOURA TEMPORÁRIA 1.250.297 30,8 526.438 32,0 723.859 30,0

PRODUÇÃO MISTA: LAVOURA E PECUÁRIA

886.640 21,8 355.243 21,6 531.397 22,0

LAVOURA PERMANENTE 664.286 16,4 261.390 15,9 402.896 16,7

SERVIÇOS 518.846 12,8 242.384 14,7 276.462 11,5

CRIAÇÃO DE AVES 221.393 5,5 55.034 3,3 166.359 6,9

HORTICULTURA / FLORICULTURA

239.090 5,9 68.334 4,1 170.756 7,1

PECUÁRIA 211.059 5,2 120.342 7,3 90.717 3,8

PESCA / AQUICULTURA 60.903 1,5 12.215 0,7 48.688 2,0

SILVICULTURA E EXPLORAÇÃO FLORESTAL

4.315 0,1 3.765 0,2 550 –

CULTIVOS AGRÍCOLAS MAL ESPECIFICADOS

2.678 0,1 1.878 0,1 800 –

TOTAL 4.059.507 100,0 1.647.023 100,0 2.412.484 100,0

Nota: pessoas de dez anos ou mais de idade. Elaboração: Think Agro.

Fonte: DIEESE.

Segundo informa o DIEESE, embora a taxa de informalidade do setor agropecuário tenha se reduzido ao longo

dos anos (entre 2004 e 2013, por exemplo, ela diminuiu 13,2%, ou 1,6% ao ano), ela se mantém entre uma das

mais altas do mercado de trabalho brasileiro.

2.7 ÁREA, PRODUÇÃO E PRODUTIVIDADE

Graças à sua dotação territorial, o Brasil também dispõe de uma imensa área agricultável: do total de 851 milhões de

hectares, cerca de 330 milhões (39%) encontram-se aptos às atividades agropecuárias71. Com a expansão da fronteira

agrícola desde a década de 1960, a ocupação do território por culturas e pastos cresceu de forma considerável, alcan-

çando 74,1% do total.

Atualmente, a maior parte da área disponível para o cultivo é ocupada por pastagens (172 milhões de hectares,

ou 52,1% da área agricultável), enquanto a área ocupada com lavouras perenes, lavouras temporárias e florestas

plantadas corresponde a 24,3% do total. O cultivo de soja ocupa a maior área dentre as culturas, com 31,5 milhões

71 O dado varia de acordo com o estudo e a fonte. Segundo os dados do relatório Alcance territorial da legislação ambiental e a consolidação do uso agropecuário de terras no Brasil, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), por exemplo, o potencial de área para agropecuária no Brasil varia entre 303 milhões de hectares e 366 milhões de hectares, ou seja, de 36% a 43% do território nacional.

Page 78: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

76

de hecares (6,7% da área total e 9,5% do terreno agricultável), seguido pelos cultivos de milho (15,2 milhões

de hectares) e cana-de-açúcar (9,8 milhões de hectares) e pelas florestas plantadas (7,6 milhões de hectares).

Com isso, o País ainda dispõe de uma área agricultável estimada da ordem de 80 milhões de hectares.

Quadro 13

OCUPAÇÃO E USO DA TERRA NO BRASIL

DIVISÃO TERRITÓRIALÁREA (MILHÕES DE HECTARES)

% DA ÁREA TOTAL

% DA ÁREA AGRICULTÁVEL

ÁREA TOTAL (1) 851,0 100,0 –

ÁREA AGRICULTÁVEL (4) 330,0 38,8 100,0

ÁREA AGRICULTÁVEL UTILIZADA 244,0 28,7 74,1

ÁREA AGRICULTÁVEL DISPONÍVEL 85,0 10,0 25,9

ÁREA PLANTADA (PERENE E TEMPORÁRIA) (1) 72,4 8,5 22,0

GRÃOS (2) 57,1 6,7 17,3

SOJA 31,5 3,7 9,5

MILHO 15,2 1,8 4,6

FEIJÃO 3,2 0,4 1,0

ARROZ 2,3 0,3 0,7

ALGODÃO 1,0 0,1 0,3

OUTRAS 4,2 0,5 1,3

CANA-DE-AÇÚCAR (2) 9,8 1,1 3,0

CAFÉ (2) 2,0 0,2 0,6

LARANJA (2) 0,8 0,1 0,2

OUTRAS 2,8 0,3 0,9

ÁREA COM FLORESTA PLANTADA (3) 7,6 0,9 2,3

EUCALIPTO 5,5 0,6 1,7

PÍNUS 1,6 0,2 0,5

OUTRAS FLORESTAS 0,6 0,1 0,2

ÁREA DE PASTAGEM (1) 172,0 20,2 52,1

Elaboração: Think Agro. Fonte: (1) IBGE (Censo Agropecuário, Pesquisa Pecuária Municipal e Pesquisa Agrícola Municipal); (2) Conab; (3) SFB; (4) GV Agro.

Embora a atividade agropecuária não seja um setor homogêneo, é válido ressaltar que a forte expansão do

setor nos últimos anos não foi isolada em poucas culturas, mas generalizou-se nos principais produtos ofertados

pelo agronegócio nacional: grãos (soja, milho, trigo, arroz), açúcar, etanol, carnes e café.

Page 79: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

77

Como já dito, essa trajetória produtiva excepcional do agronegócio deveu-se a um conjunto de fatores, dentre

os quais se destacam:

n A disponibilidade de área para a expansão da fronteira agrícola;

n O desenvolvimento de tecnologias que permitiram a expansão da área plantada; e

n O apoio dos instrumentos de política agrícola, sobretudo do crédito agrícola, para financiar esta

expansão.

O crescimento do agronegócio seria impossível sem a expansão da fronteira agrícola, com especial destaque

para a conquista do Cerrado. Embora não tenha sido observado grande avanço na área plantada das lavouras

permanentes (principalmente café e laranja), as áreas destinadas às lavouras temporárias, com especial des-

taque para grãos, cresceram fortemente no período.

Segundo dados do IBGE, entre 2000 e 2013, a área ocupada pelas lavouras temporárias passou de cerca de

46 milhões para mais de 66 milhões de hectares, uma expansão da ordem de 45%. Trata-se de um avanço

inédito no período, sobretudo quando se compara à evolução da área plantada entre países conhecidos como

grandes produtores, como Estados Unidos e China.

Quadro 14

EVOLUÇÃO DA ÁREA PLANTADA: LAVOURAS PERMANENTES E TEMPORÁRIAS

7,2 7,0 6,9 6,3 6,1 5,9 5,6 5,9 6,1 6,2 6,2 6,3 6,4 6,4 6,4 6,4 6,5 6,5 6,5 6,3 6,3 6,3 6,2 6,0

46,0 44,8 45,4 43,0

46,8 46,0

41,2 42,4 42,4 44,5 45,6 45,4

48,1

52,1

56,7 58,0 56,1 55,9

59,0 59,4 59,1 61,8 63,0

66,4

0

10

20

30

40

50

60

70

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Milh

ões

de h

ecta

res

PERMANENTES TEMPORÁRIAS

Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE (Produção Agrícola Municipal).

No caso específico de grãos, a área ocupada para plantio expandiu-se em 50,8% no período, atingindo 57,1

milhões de hectares na safra 2013/14; em paralelo, a produtividade (associada à conjunção de novos métodos

Page 80: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

78

de produção, melhoramentos em sementes, uso de fertilizantes, condições financeiras e climáticas favoráveis72)

elevou-se de 2,6 toneladas por hectare para 3,4 toneladas por hectare, um aumento de 28,1% (1,8% a.a.).

Como resultado dessa combinação, entre a safra de 2000/01 e a safra de 2013/14, a produção de grãos avan-

çou de 100,3 milhões de toneladas para 193,6 milhões de toneladas, um aumento de 93,1% (4,8% a.a.), exposto

no Quadro 15, a seguir.

Quadro 15

EVOLUÇÃO DA ÁREA PLANTADA, DA PRODUÇÃO E DA PRODUTIVIDADE (GRÃOS)

40,4 39,1 37,9 37,9 37,8 40,2 43,9 47,4 49,1 47,9 46,2 47,4 47,7 47,4 49,9 50,9 53,6 57,1 57,3

52,2 57,9

100,3 96,8

123,2 119,1 114,7 122,5

131,8 144,1

135,1 149,3

162,8 166,2

188,7 193,6 200,7

1,3 1,4

1,5

2,6

2,4

2,8

2,5

2,3

2,6

2,9

3,0

2,8

3,1 3,3 3,3

3,5 3,4

3,5

1980

/81

...

1990/9

1 ...

2000/0

1

2001/

02

2002/

03

2003/

04

2004/0

5

2005/

06

2006/0

7

2007/

08

2008/

09

2009/1

0

2010

/11

2011/

12

2012

/13

2013

/14

2014

/15*

ÁREA PLANTADA (MIL HECTARES) PRODUÇÃO (MIL TONELADAS) PRODUTIVIDADE (TONELADAS/HECTARES)

Nota: * previsão. Elaboração: Think Agro.

Fonte: Conab.

Uma das características da produção nacional de grãos é a concentração em poucos produtos (Quadro 16). Ao

menos desde a safra de 1980/81, cerca de 90% da pauta produtiva de grãos têm se concentrado em apenas

três produtos: soja, milho e arroz. Na safra de 2013/14, por exemplo, prevaleceram os cultivos da soja (44,5%)

e do milho (41,3%), que ganharam espaço frente ao arroz, produto que teve sua participação na produção

nacional reduzida de 16,5% para 6,3% entre as safras de 1980/81 e 2013/14.

72 Boa parte deste avanço nos níveis de produtividade que o setor registou ao longo da última década deve-se ao papel estratégico desempenhado por diversas instituições de pesquisa e apoio, como é o caso da Embrapa, do IAC, das universidades, dos laboratórios privados etc. Os instrumentos de política agrícola também exerceram um papel importante nesse processo ao dar suporte e viabilizar a produção agropecuária em diversas regiões, sobretudo via expansão do crédito rural no período.

Page 81: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

79

Quadro 16

DISTRIBUIÇÃO DA PRODUÇÃO DE GRÃOS POR CULTURA (SAFRAS SELECIONADAS)

1980/81 2000/01 2013/14

Soja29,7%

Milho40,8%

Arroz16,5% Trigo

4,2%Feijão4,6%Algodão

2,1%Outros2,0%

Soja38,3%

Milho42,2% Arroz

10,4%Trigo3,2%Feijão2,6%Algodão

1,5%Outros

1,8%

Trigo3,1%Feijão1,8%

Algodão1,4%

Outros1,7%

Soja44,5%

Milho41,3%

Arroz6,3%

Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab.

A prevalência da produção de grãos reflete a concentração da área de plantio em algumas poucas culturas.

Ao compararmos a distribuição da área plantada com grãos entre 1980/81 e 2013/14, nota-se que a área an-

teriormente ocupada pelo plantio de cinco grãos (milho, soja, arroz, feijão e algodão) destina-se, atualmente,

a apenas duas culturas (soja e milho). A soja, isoladamente, respondeu por pouco mais da metade (52,9%) da

área plantada com grãos na última safra.

Quadro 17

EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DA ÁREA PLANTADA COM GRÃOS (SAFRAS SELECIONADAS)

Soja52,9%

Milho27,7% Feijão

5,9%Trigo4,8%

Arroz4,2%

Algodão2,0%

Outros2,5%

Trigo3,4%

Algodão2,2%

Soja32,7%

Milho28,3%

Feijão9,9%

Arroz8,1%

Outros15,4%

Milho30,1%

Soja21,5%

Arroz 16,4%

Feijão14,1% Algodão

1980/81 2000/01 2013/14

10,2%

Trigo5,2%

Outros2,4%

Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab.

Em termos de produtividade, o crescimento foi generalizado entre as diferentes culturas, particularmente ao

longo das décadas de 1980 e 1990, quando alguns dos principais grãos (algodão, milho e soja) apresentaram

ganhos excepcionais na relação tonelada por hectare. A partir da safra de 2000/01, os ganhos observados,

embora positivos, foram menores.

Page 82: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

80

Cabe notar a particularidade da produtividade da soja: embora tenha ampliado sua área produtiva, a produ-

tividade da cultura manteve-se praticamente inalterada desde 2000/01 (em torno de 2,7 toneladas/hectare).

Em comparação, no mesmo período, o milho e o arroz apresentaram crescimento da produtividade de 3,2%

e 3,4%, respectivamente.

Quadro 18

EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE DA PRODUÇÃO DE GRÃOS (CULTURAS SELECIONADAS)

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

1980/81 1990/91 2000/01 2002/03 2004/05 2006/07 2008/09 2010/11 2012/13 2014/15*

To

ne

lad

as

po

r h

ec

tare

ALGODÃO

(CAROÇO)

ARROZ FEIJÃO MILHO SOJA TRIGO BRASIL

(MÉDIA)

Nota: * estimativa em abril de 2015. Elaboração: Think Agro.

Fonte: Conab.

Quadro 19

CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DA PRODUTIVIDADE DOS PRINCIPAIS GRÃOS, POR PERÍODO (%)

9,8

6,0

3,9 4,6

2,2 3,1

4,2

10,4

3,1 2,7

6,2 5,7

2,7

5,7

-1,2

3,4 3,1 3,2

0,3 1,1 1,8

Algodão(caroço)

Arroz Feijão Milho Soja Trigo Brasil(média)

ENTRE 1980 E 1990 ENTRE 1990 E 2000 ENTRE 2000 E 2014

Nota: estimativa em abril de 2015. Elaboração: Think Agro.

Fonte: Conab.

Page 83: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

81

Além da produção de grãos, o Brasil destina uma área de 9,8 milhões de hectares ao cultivo de cana-de-açúcar:

trata-se de uma área plantada significativa, somente inferior à área destinada à soja e ao milho. Este cresci-

mento do cultivo da cana, ainda que originado ao longo das décadas de 1980 e 1990, teve grande impulso na

última década.

De fato, a área ocupada pela cana dobrou entre as safras de 2001/02 e 2013/14 (99,8%, ou 5,5% ao ano), fato

que, aliado aos ganhos de produtividade (11,6%, ou 0,8% ao ano) no período, possibiltou elevar a produção

nacional de 293,0 milhões de toneladas para 653,5 milhões (123,0%, ou 6,4% ao ano) do produto.

Com a expansão da cultura, foi possível, também, duplicar a produção de açúcar e triplicar a produção de eta-

nol no período destacado (Quadro 20), fortalecendo o papel do agronegócio também na geração de energia

renovável73. Outras culturas relevantes para a produção agrícola nacional incluem o café, que expandiu sua

produção em 57% no período, e a laranja, que permaneceu praticamente inalterada entre as safras de 2001/02

e 2013/14.

Quadro 20

EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE CULTURAS SELECIONADAS (EM MILHÕES DE TONELADAS)

293,0

19,2 11,5 31,3 17,0

653,5

37,7 27,5 49,2 16,3

Cana-de-açúcar(milhões em toneladas)

Açúcar(milhões de toneladas)

Etanol(bilhões de litros)

Café(milhões de sacas)

Laranja(milhões de toneladas)

2001/02 2013/14

Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab.

Além dos grãos, da cana-de-açúcar, do café e da laranja, o País aloca, também, uma parcela importante da

área agricultável com florestas plantadas, em sua maior parte em sistema de monocultura. O setor tem grande

importância como fornecedor de energia ou matéria-prima para o setor industrial, e o Brasil, com uma das

maiores coberturas florestais do mundo, tem desenvolvido seu potencial produtivo e exportador de madeira

reflorestada74. Destacam-se, nesse âmbito, as plantações de eucalipto (Eucalyptus spp.) e de pínus (Pinus spp.),

que ocupam a maior parte dos 7,6 milhões de hectares destinados ao plantio comercial de florestas.

73 Vale ressaltar que a liderança tecnológica e produtiva do complexo sucroalcooleiro brasileiro cumpre papel essencial na oferta interna de energia, incluindo para fins de autoprodução. Segundo o Balanço Energético de 2014, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), os produtos derivados da cana respondem por cerca de 40,0% da oferta interna de energia renovável e 16,1% da oferta interna total. Em termos de consumo final, o bagaço de cana e o etanol responderam, respectivamente, por 11,3% e 4,8% do total nacional.

74 A cadeia produtiva do setor florestal pode ser dividida em: extração vegetal ou produção florestal em florestas nativas, incluindo borrachas, ceras, fibras, tanantes, oleaginosos, alimentícios, aromáticos e madeiras; e silvicultura de florestas plantadas, cujos produtos incluem carvão vegetal, lenha, madeira em tora e resinas. Ambos os ramos de atividade têm ligações com diversos setores da indústria: os produtos madeireiros geralmente com a indústria de celulose ou madeira processada; e os produtos não madeireiros com as indústrias química ou alimentícia, para citar alguns exemplos.

Page 84: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

82

Quadro 21

ÁREAS DE FLORESTAS PLANTADAS, POR ANO E ESPÉCIE (EM MILHÕES DE HECTARES)

0,46 0,49 0,52 0,56 1,89 1,87 1,83 1,79

1,76 1,64 1,56 1,57

3,86 4,08 4,46 4,66 4,90 5,05 5,30 5,47

5,75 5,95 6,29 6,45 7,12 7,18 7,39 7,60

0

1

2

3

4

5

6

7

8

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Milh

ões

de

hect

ares

EUCALIPTO PÍNUS OUTRAS CULTURAS*

Nota: * outras espécies incluem seringueira, acácia, teca, paricá, araucária e pópulo. Elaboração: Think Agro.

Fonte: SNIF.

O Brasil também ganhou destaque pela sua produção pecuária, sobretudo no que se refere à avicultura (or-

ganizada, majoritariamente, no sistema de cooperativas integradas) e à bovinocultura75. Segundo dados do

IBGE, entre 1980 e 2013, o efetivo de rebanhos, em número de cabeças, cresceu 183% (3,2% a.a.), no caso das

aves, e 78% (1,8% a.a.), no caso dos bovinos.

Quadro 22

EVOLUÇÃO DO EFETIVO DE REBANHOS, EM ANOS SELECIONADOS (EM MILHÕES DE CABEÇAS)

441

119 34 33

546

147 34 42

843

170

32 37

1.239

210

39 46

1.249

212

37 51

0

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

Aves Bovino Suíno Outros

Milh

õe

s d

e c

ab

eça

s

1980 1990 2000 2010 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE (Pesquisa Pecuária Municipal).

75 As cadeias produtivas associadas ao setor de criação e produção animal, como bovinos, suínos e aves, organizam-se de forma similar à agricultura. Os insumos, nesses casos, incluem terra, plantas forrageiras, rações, máquinas e produtos veterinários usados na criação dos animais até que cheguem ao tamanho ideal e sejam comercializados em suas várias formas. Completam a cadeia produtiva: os abatedouros, que extraem as carnes e seus subprodutos (os diferentes cortes) e os distribuem geralmente no mercado interno apenas; e a indústria processadora-integradora, que, além de carnes e subprodutos, também produz processados e carne tipo exportação, com vistas à distribuição no mercado interno e à exportação.

Page 85: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

83

Com o aumento dos rebanhos e as melhorias nas práticas de criação, a produção animal (em peso das carcaças)

cresceu de forma excepcional. Especificamente desde 1997, a produção de carnes no Brasil cresceu 188,7% no total,

crescimendo este que foi particularmente forte no caso das aves (221,7%), dos suínos (215,9%) e dos bovinos (141,8%).

Quadro 23

EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO ANIMAL (PESO TOTAL DAS CARCAÇAS)

3,9 4,2 4,7

5,1 5,6

6,1 6,2 7,0

7,9 8,2 9,0

10,2 9,9 10,7

11,4 11,5 12,0

12,5

3,3 3,4 3,8 3,9

4,3 4,7 5,0

5,9 6,3

6,9 7,0 6,6 6,7 7,0 6,8

7,4 8,2 8,1

1,0 1,1 1,2 1,3 1,6 1,9 1,9 1,9 2,2 2,3 2,5 2,6 2,9 3,1 3,4 3,1 3,1 3,2

0

2

4

6

8

10

12

14

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Mil

tonela

das

AVES BOVINOS SUÍNOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal.

A expansão da produção verificou-se, também, na oferta de produtos de origem animal. A produção na cadeia

de laticínios, por exemplo, cresceu 206,9% desde 1980 (3,5% a.a.), enquanto a de ovos de galinha elevou-se

em 177,5% (3,1% a.a.).

Quadro 24

EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL: LEITE E OVOS DE GALINHA

11.162

1.304

14.484

2.051

19.767

2.516

30.715

3.247

34.255

3.619

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

Leite (milhões de litros) Ovos de galinhas (milhões de dúzias)

1980 1990 2000 2010 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal.

Page 86: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

84

Com o fenômeno de expansão generalizada da produção agropecuária no Brasil, observa-se, também, uma

expansão do valor bruto da produção. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

(MAPA), entre 2000 e 2014, o valor bruto da produção agropecuária cresceu 237,2% – cerca de 6,3% ao ano,

alcançando, ao final, R$ 472,5 bilhões em 2014. Segundo projeções do MAPA e do IBGE, o valor bruto da pro-

dução agropecuária deverá atingir a cifra recorde de R$ 477,5 bilhões em 2015.

Quadro 25

EVOLUÇÃO DO VALOR DA PRODUÇÃO DA AGROPECUÁRIA BRASILEIRA

126,1 136,1 150,9 179,8

203,9 202,4 171,5 172,6

194,7 223,3 212,1 220,2

255,5 274,1

299,1 297,1 293,0

0,0

65,1 69,4 74,1 79,5 86,3 89,4 87,5 99,7 109,3 108,3 113,1 125,5 134,7 157,0

175,4 184,6

126,1

201,2 220,3

253,9 283,4 288,6

260,9 260,1 294,4

332,6 320,4 333,2

381,0 408,7

456,1 472,5 477,5

0

100

200

300

400

500

600

1990 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

2010

2011 2012 2013 2014 2015*

Bilh

ões

R$

LAVOURAS PECUÁRIA TOTAL

* Projeção. Nota: valores deflacionados pelo IGP-DI da FGV (janeiro de 2015).

Elaboração: Think Agro. Fonte: MAPA.

É possível constatar, também, que a distribuição do valor bruto da produção agropecuária modificou-se no

período 2000-2014. Segundo dados expostos no Quadro 26, a soja (em grãos) assumiu a dianteira da produção

nacional também em valor (18,9%), superando a pecuária bovina (13,5%). O cultivo de milho em grãos (7,5%),

por sua vez, foi superado pela produção de frangos (12,9%) e pelo cultivo da cana-de-açúcar (9,5%).

Quando agregados, estes cincos itens corresponderam a mais de 60% do valor bruto da produção agropecuária

brasileira em 2014, percentual 6,9 p.p. superior ao verificado para o conjunto dos mesmos produtos em 2000.

Page 87: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

85

Quadro 26

DISTRIBUIÇÃO DO VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA, POR PRODUTO (ANOS SELECIONADOS)

Soja18,9%

Bovinos13,5%

Frango12,9%

Cana-de-açúcar

9,5%

Milho7,5%

Leite5,9%

Laranja4,1%

Café3,6%

Suínos2,6%

Outros21,6%

2014

Bovinos14,2%

Soja14,0%

Milho9,7%

Cana-de-açúcar

9,1%Frango

7,8%

Café7,8%

Leite5,6%

Laranja3,5%

Suínos2,6%

Outros25,9%

2000

Nota: valores deflacionados pelo IGP-DI da FGV (janeiro de 2015). Elaboração: Think Agro.

Fonte: MAPA.

Em suma, a presente seção permitiu compreender a dinâmica essencialmente positiva da agropecuária nas

últimas décadas, com expansão das áreas cultivadas e do rebanho, da produtividade e da produção. Esse

processo, entretanto, não se deu de forma equânime entre as culturas, o que se evidencia pela concentração

da área plantada e da pauta produtiva, o que levou à concentração do valor bruto da produção brasileira em

alguns poucos produtos.

2.8 O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO E O SETOR EXTERNO

Como já explicitado, a produção do agronegócio brasileiro tem desempenhado um papel singular no equilí-

brio das contas externas brasileiras. Nesse âmbito, o aumento da produção e da produtividade dos principais

produtos, aliado ao atendimento da crescente demanda internacional, permitiu ao setor a geração consecutiva

de superávits, atraindo as divisas necessárias para financiar o déficit em transações correntes – importações

de bens e serviços.

O aumento da inserção externa do agronegócio pode, também, ser analisado pelo coeficiente de abertura do

setor, medido pela relação entre fluxo comercial (exportações e importações) e PIB.

Page 88: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

86

Quadro 27

EVOLUÇÃO DA BALANÇA COMERCIAL DA AGROPECUÁRIA(EM US$ BILHÕES)

ANOPIB TOTAL

(US$ BILHÕES)

PIB DO AGRONEGÓCIO (US$ BILHÕES)

FLUXO COMERCIAL –

BRASIL (US$ BILHÕES)

FLUXO COMERCIAL –

AGRONEGÓCIO (US$ BILHÕES)

GRAU DE ABERTURA DA

ECONOMIA BRASILEIRA

(%)

GRAU DE ABERTURA DO AGRONEGÓCIO

(%)

GRAU DE ABERTURA DO RESTANTE DA

ECONOMIA (%)

1996 840,3 210,0 101,1 30,1 12,0 14,3 11,3

1997 871,3 208,7 112,7 31,6 12,9 15,1 12,3

1998 844,0 203,3 108,9 29,6 12,9 14,6 12,4

1999 586,8 143,6 97,3 26,2 16,6 18,2 16,0

2000 645,0 151,5 111,0 26,4 17,2 17,4 17,1

2001 553,8 130,6 113,9 28,7 20,6 22,0 20,1

2002 504,4 126,1 107,7 29,3 21,4 23,2 20,7

2003 553,6 145,8 121,5 35,4 22,0 24,3 21,1

2004 663,8 169,5 159,5 43,9 24,0 25,9 23,4

2005 882,4 208,3 192,1 48,7 21,8 23,4 21,3

2006 1.088,8 248,4 229,2 56,2 21,0 22,6 20,6

2007 1.366,5 317,0 281,3 67,2 20,6 21,2 20,4

2008 1.650,9 393,4 370,9 83,7 22,5 21,3 22,8

2009 1.625,6 366,3 280,7 74,7 17,3 20,4 16,4

2010 2.143,9 483,1 383,7 89,8 17,9 18,6 17,7

2011 2.475,1 572,1 482,3 112,5 19,5 19,7 19,4

2012 2.247,3 499,7 465,8 112,2 20,7 22,5 20,2

2013 2.243,1 505,7 481,8 117,0 21,5 23,1 21,0

2014 2.346,1 500,9 454,2 113,4 19,4 22,6 18,5

MÉDIA 1.270,1 293,9 245,0 60,9 19,3 20,0 18,9

Elaboração: Think Agro. Fonte: IBGE; Cepea; Banco Central; SECEX/MDIC.

Como se pode observar nos dados expostos no Quadro 27, o grau de abertura do setor elevou-se conside-

ravelmente no período avaliado (entre 1996 e 2014), passando de 14,3% a 22,6% – tendo atingido seu pico

em 2004 (25,9%). A trajetória de abertura do setor acompanha a nacional, mas mantém-se em um patamar

praticamente estável desde o início do século XXI.

Todavia, em uma ótica comparativa, o coeficiente confere ao Brasil a posição de um dos países mais fechados

ao comércio internacional (para China, Índia e Rússia – parceiros do Brasil no BRICS –, o grau de abertura é

de cerca de 50%).

Page 89: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

87

Como se pode observar no Quadro 28, apresentado a seguir, entre 1989 e 2014, as exportações do setor passa-

ram de US$ 13,9 bilhões para US$ 96,7 bilhões, o equivalente a um aumento de 7,7% ao ano. No mesmo período,

as importações evoluíram de US$ 3,1 bilhões para US$ 16,6 bilhões, crescendo a taxas anuais de 6,7% ao ano76.

Como resultado desse desempenho excepcional, o saldo da balança comercial do agronegócio elevou-se de

US$ 10,8 bilhões, em 1989, para cerca de R$ 80 bilhões, em 2014, ano em que o setor movimentou 25% do

fluxo comercial brasileiro (exportações e importações). No último ano da série, o Brasil exportou cerca de seis

vezes mais do que importou em produtos agropecuários.

Quadro 28

EVOLUÇÃO DA BALANÇA COMERCIAL DA AGROPECUÁRIA (EM US$ BILHÕES)

13,9 13,0 12,4 14,5 15,9 19,1 20,9 21,1 23,4 21,6 20,5 20,6 23,9 24,8 30,7

39,0 43,6 49,5

58,4

71,8 64,8

76,4

95,0 95,8 100,0 96,7

-3,1 -3,2 -3,6 -3,0 -4,2 -5,7 -8,6 -8,9 -8,2 -8,0 -5,7 -5,8 -4,8 -4,5 -4,8 -4,8 -5,1 -6,7 -8,7 -11,9 -9,9 -13,4 -17,5 -16,4 -17,1 -16,6

10,8 9,8 8,8 11,5 11,8 13,4 12,3 12,2 15,2 13,5 14,8 14,8 19,1 20,4 25,9

34,2 38,5 42,8 49,7

60,0 54,9

63,0

77,5 79,4 82,9 80,1

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC; Conab.

Desde 1989, as exportações do agronegócio nacional têm representado, em média, 40,4% das exportações e

8,9% das importações do País (Quadro 29). Isso significa que, não fosse o esforço exportador do agronegócio

nacional, o Brasil teria acumulado, desde 2007, um déficit de cerca de US$ 390 bilhões na balança comercial –

US$ 84,1 bilhões somente em 2014. Nesse cenário, o comprometimento das reservas cambiais nacionais teria

aumentado sensivelmente a vulnerabilidade do País às oscilações do mercado internacional.

76 Nestas importações não estão apenas os bens finais, como trigo e seus derivados, mas também máquinas, equipamentos, peças, partes e componentes necessários para o processo produtivo ao longo das cadeias agroindustriais e que passaram ser importados em volumes cada vez maiores. Por outro lado, o crescimento das importações do setor pode ser explicado pela especialização crescente nas etapas do processo produtivo associadas à produção da matéria-prima, geralmente com menor valor agregado.

Page 90: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

88

Quadro 29

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO AGRONEGÓCIO NAS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES TOTAIS (%)

40,5 41,4 39,2

40,4 41,3 43,9 44,9 44,3 44,1

42,1 42,7

37,4

40,9 41,1 41,9 40,4

36,8 35,9 36,4 36,3

42,3

37,9 37,1 39,5

41,3 43,0

16,9 15,4

17,3

14,4 16,5 17,2 17,2 16,8

13,7 13,9 11,6

10,3 8,6 9,4 9,8

7,7 6,9 7,3 7,2 6,9 7,8 7,4 7,7 7,4 7,1 7,3

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

PARTICIPAÇÃO NAS EXPORTAÇÕES PARTICIPAÇÃO NAS IMPORTAÇÕES

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.

Quadro 30

EVOLUÇÃO DA BALANÇA COMERCIAL DE OUTROS SETORES (EM US$ BILHÕES)

20,5 18,4 19,2 21,3 22,6 24,4 25,6 26,6 29,6 29,6 27,5 34,5 34,4 35,6 42,6 57,6

74,9 88,3

102,2 126,1

88,2

125,5

161,1 146,8 142,2

128,4

-15,2 -17,5 -17,4 -17,6 -21,1 -27,4 -41,4 -44,4 -51,6 -49,7 -43,6 -50,1 -50,8 -42,8 -43,6

-58,0 -68,5

-84,7

-111,9

-161,1

-117,8

-168,4

-208,7 -206,8

-222,6 -212,4

5,3 0,9 1,8 3,7 1,5 -3,0 -15,7 -17,8 -21,9 -20,1 -16,1 -15,6 -16,4 -7,2 -1,0 -0,4 6,4 3,7

-9,7

-35,0 -29,6 -42,9 -47,7

-60,0 -80,3 -84,1

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC; Conab.

Page 91: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

89

Em termos de pauta de exportação, tomando como referência o ano de 2000, constata-se como o agronegócio

brasileiro respondeu às mudanças no cenário internacional no período. Destaca-se, neste período, a evolução

da participação de produtos do complexo da soja, carne, produtos do complexo sucroalcooleiro e cereais,

farinhas e preparações; ao passo que produtos florestais, couros, sucos, fibras e produtos têxteis, café e fumo

perderam espaço relativamente aos demais (Quadro 31).

Quadro 31

VARIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NO VALOR TOTAL DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO – 2000 E 2014 (EM PONTOS PERCENTUAIS)

12,10

8,52

4,71 4,49

0,74 0,29 0,06

-0,02 -0,03 -0,03 -0,05 -0,08 -0,11 -0,13 -0,16 -0,44 -0,95 -1,01 -1,32 -1,50 -1,77 -2,19 -3,05

-6,90

-11,16

C

om

ple

xo

so

ja

C

arn

es

Co

mp

lexo

su

cro

alc

oo

leir

o C

ere

ais

, fa

rin

has

e p

rep

ara

çõ

es

An

imais

viv

os

(exceto

pesc

ad

os)

L

ácte

os

Pro

du

tos

ap

íco

las

Pro

du

tos

ole

ag

ino

sos

(exceto

so

ja)

Dem

ais

pro

du

tos

de o

rig

em

an

imal

Pla

nta

s viv

as

e p

rod

uto

s d

e

flo

ricu

ltu

ra

Raçõ

es

para

an

imais

C

há, m

ate

e e

specia

rias

Pro

du

tos

alim

en

tício

s d

ivers

os

Dem

ais

pro

du

tos

de o

rig

em

veg

eta

l

PR

rod

uto

s h

ort

íco

las,

leg

um

ino

sas,

ra

ízes

e t

ub

érc

ulo

s C

acau

e s

eu

s p

rod

uto

s

Pesc

ad

os

Fru

tas

(in

clu

sas

no

zes

e c

ast

an

has)

B

eb

idas

Fu

mo

e s

eu

s p

rod

uto

s C

afé

F

ibra

s e p

rod

uto

s tê

xte

is

Su

co

s

Co

uro

s, p

rod

uto

s d

e c

ou

ro e

p

ele

teri

a

Pro

du

tos

flo

rest

ais

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.

De fato, como se nota no Quadro 32, a participação conjunta de produtos do complexo soja e de carnes subiu

de 29,9% para 50,5% da pauta exportadora do agronegócio, no período.

Page 92: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

90

Quadro 32

COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO, EM 2000 E 2014

Produtosflorestais

21,4%

Complexo soja20,4%

Couros, produtosde couro epeleteria

10,5%

Carnes9,5%

Café8,7%

Complexosucroalcooleiro

6,0%Sucos5,3%

Fibras e produtostêxteis

4,1%

Fumo e seusprodutos

4,1%

1,9%

Frutas (inclusas nozes e castanhas)

Outros8,2%

2000

Complexo soja32,5%

Carnes18,0%

Complexosucroalcooleiro

10,7%

Produtosflorestais

10,3%Café6,9%

Cereais, farinhas e preparações

4,8%Couros, produtos

de couro e peleteria3,6%

Fumo e seusprodutos

2,6%Sucos2,2%

Fibras eprodutos têxteis

1,9%Outros6,5%

2014

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.

A análise dos dez produtos mais exportados do agronegócio (em valor) oferece detalhes adicionais sobre o

fenômeno. Como se pode notar no Quadro 33, a expansão da exportação de soja em grãos (18,4% ao ano) foi

resultado de uma combinação entre expansão do volume exportado (10,4%) e do preço internacional (7,3%),

fenômeno compartilhado pela maior parte dos demais produtos. As exceções, no período, ficaram por conta

da celulose, que, apesar da expansão do volume (8,9%), apresentou ligeira queda no preço entre 2000 e 2014

(-0,8%), e do milho, que, apesar de apresentar queda no preço (-1,7%), praticamente dobrou o volume expor-

tado no período.

Page 93: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

91

Quadro 33

VARIAÇÃO MÉDIA ANUAL DO VALOR, DO VOLUME E DO PREÇO DOS DEZ PRINCIPAIS PRODUTOS EXPORTADOS, DE 2000 A 2014

18,4

17,7

10,9

16,6

10,2

19,1

8,9

98,7

8,2

11,5

10,4

11,2

2,8

10,5

5,3

14,3

9,7

102,2

1,7

6,0

7,3

5,8

7,9

5,5

4,6

4,2

-0,7

-1,7

6,4

5,2

Soja em grãos

Açúcar de cana bruto

Farelo de soja

in natura Carne de frango

Café verde

in natura Carne bovina

Celulose

Milho

Fumo não manufaturado

Açúcar refinado

VALOR VOLUME PREÇO

10º

24,1%

7,7%

7,2%

7,1%

6,2%

6,0%

5,5%

4,0%

2,4%

2,1%

PARTICIPAÇÃO*RANKING*

Nota: * 2014. Elaboração: Think Agro.

Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.

Com base no desempenho do setor, suficiente para abastecer o mercado interno e gerar excedentes expor-

táveis, o Brasil consolidou-se como um dos mais importantes ofertantes de bens agropecuários no mercado

internacional. Além de ampliar sua participação no comércio mundial, o agronegócio brasileiro firmou-se,

também, como o principal player em diversas cadeias.

Como é possível notar nos Quadros 34 e 35, enquanto, na safra 2000/01, o Brasil respondia por apenas 8,2%

de todo o milho transacionado no comércio internacional; na safra 2013/14, esta participação saltou para 16,5%.

Algo semelhante foi observado para a soja, registrando um salto de 28,7% para 41,1% no mesmo período, para

o açúcar (de 20,1% para 46,9%), para o café (de 21,7% para 28,3%), para a carne bovina (de 12,6% para 21,3%)

e para a carne de frango (de 22,4% para 33,5%).

Page 94: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

92

Quadro 34

PARTICIPAÇÃO (%) E POSIÇÃO BRASILEIRAS NO COMÉRCIO MUNDIAL DE BENS AGRÍCOLAS SELECIONADOS

% Rank % Rank % Rank % Rank

00/01 20,1 1° 1,2 18° 21,7 1° 8,2 4°

01/02 27,4 1° 2,3 7° 28,1 1° 2,8 4°

02/03 29,7 1° 1,6 13° 31,3 1° 6,0 4°

03/04 32,7 1° 2,9 6° 27,6 1° 5,8 4°

04/05 38,4 1° 4,4 5° 29,8 1° 0,9 6°

05/06 34,5 1° 4,4 5° 26,2 1° 5,6 3°

06/07 41,1 1° 3,5 6° 27,9 1° 11,5 3°

07/08 38,5 1° 5,7 5° 27,8 1° 7,9 3°

08/09 47,9 1° 9,1 5° 31,2 1° 8,5 3°

09/10 50,3 1° 5,6 5° 29,0 1° 12,0 3°

10/11 47,9 1° 5,7 5° 30,9 1° 9,2 3°

11/12 44,8 1° 10,4 4° 26,1 1° 20,8 3°

12/13 50,7 1° 9,2 4° 26,3 1° 26,2 3°

13/14 46,9 1° 5,4 5° 28,3 1° 16,5 2°

SAFRA

AÇÚCAR ALGODÃO CAFÉ MILHO

% Rank

28,7 2°

27,4 2°

32,0 2°

36,4 2°

31,1 2°

40,6 1°

33,0 2°

32,4 2°

38,8 2°

31,3 2°

32,7 2°

39,3 2°

41,7 1°

41,1 1°

SOJA

% Rank % Rank % Rank % Rank

78,2 1° 2001 12,6 3° 22,4 2° 10,5 4°

83,0 1° 2002 13,5 3° 28,1 2° 15,8 4°

88,7 1° 2003 17,8 2° 31,6 2° 14,5 4°

89,1 1° 2004 23,9 1° 39,8 1° 13,2 4°

86,0 1° 2005 25,0 1° 40,0 1° 15,3 4°

86,2 1° 2006 27,5 1° 38,3 1° 12,2 4°

84,5 1° 2007 28,7 1° 40,0 1° 14,2 4°

82,1 1° 2008 23,7 1° 38,8 1° 10,1 4°

82,4 1° 2009 21,4 1° 38,2 1° 12,6 4°

81,0 1° 2010 19,9 1° 36,9 1° 10,3 4°

78,1 1° 2011 16,6 2° 36,1 1° 8,4 4°

80,0 1° 2012 18,7 1° 34,8 1° 9,1 4°

76,3 1° 2013 20,2 1° 34,0 1° 8,3 4°

78,6 1° 2014 21,3 1° 33,5 1° 8,4 4°

CARNE DE FRANGO CARNE SUÍNASUCO DE LARANJA

ANO

CARNE BOVINA

Elaboração: Think Agro. Fonte: USDA.

Quadro 35

EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO BRASILEIRA NO COMÉRCIO MUNDIAL DE BENS AGRÍCOLAS SELECIONADOS

26,8

12,3

11,1

8,7

8,4

6,6

4,2

0,4

-2,0

Açúcar

Soja

Carne de frango

Carne bovina

Milho

Café

Algodão

Suco de laranja

Carne suína

20,1% (1°)

28,7% (2°)

22,4% (2°)

12,6% (3°)

8,2% (4°)

21,7% (1°)

1,2% (18°)

78,2% (1°)

10,5% (4°)

46,9% (1°)

41,1% (1°)

33,5% (1°)

21,3% (1°)

16,5% (2°)

28,3% (1°)

5,4% (5°)

78,6% (1°)

8,4% (4°)

2000/01 2013/14

Variação da participação brasileira nas exportações mundiais, de 2000 a 2014 (em pontos percentuais)

PARTICIPAÇÃO (POSIÇÃO)

Elaboração: Think Agro. Fonte: USDA.

Page 95: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

93

Outra ótica interessante para avaliar o desempenho externo do agronegócio brasileiro é o grau de industrializa-

ção dos produtos exportados. Como antecipado, um fator importante para explicar a evolução do agronegócio

foi a especialização crescente nas etapas do processo produtivo associadas à produção da matéria-prima,

geralmente com menor valor agregado. Por outro lado, além dos impostos incidentes sobre o produto indus-

trializado no Brasil, é conhecida a dificuldade de comercializar produtos com maior grau de industrialização,

uma vez que sua competitividade é afetada, também, pelas diferenças nos tratamentos tarifário e não tarifário

dos países importadores77.

Como se pode notar no Quadro 36, a maior parte das exportações de soja, carnes e café, em 2014, estava

relacionada a produtos in natura, isto é, com baixo ou sem qualquer tipo de processamento (soja em grãos,

esmagada ou em farelo, carne in natura e café em grãos).

Quadro 36

GRAU DE INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS EXPORTADOS (SOJA, CARNE E CAFÉ), EM 2014

SOJA EM GRÃOS FARELO DE SOJA

ÓLEO DE SOJA

74,1%

22,3%

3,6%

COMPLEXOSOJA

CARNE IN NATURA CARNE INDUSTRIALIZADA

81,9%

18,1%

CARNES

CAFÉ EM GRÃOS CAFÉ SOLÚVEL

91,5%

8,5%

CAFÉ

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; Conab; SECEX/MDIC.

De fato, em uma depuração da pauta segundo o grau de processamento dos produtos do agronegócio, é

possível afirmar que cerca de 70% da pauta de exportação nacional, em 2014, eram constituídos por produtos

com baixo valor agregado (soja em grãos; açúcar de cana bruto; farelo de soja; carne de frango in natura; café

verde; carne bovina in natura; celulose; milho; e fumo não faturado).

Na comparação da pauta de exportação do agronegócio entre 2000 e 2014, segundo diversas óticas (setores

de contas nacionais, fator agregado e grau de industrialização), é possível constatar como o crescimento das

exportações do setor concentrou-se em bens intermediários, produtos básicos e produtos não industriais

(Quadro 37).

77 O caso icônico é o café, produto com histórica liderança do Brasil na produção e na exportação. Embora detenha tal posição, a maior parte do comércio exterior do Brasil é de café em grãos – produto, não por acaso, isento de tarifas em países da União Europeia e no Japão. O café processado (por exemplo, grãos torrados) enfrenta adicionais tarifários de 9% e 12%, respectivamente, nestes importadores.

Page 96: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

94

Quadro 37

COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO POR SETOR DAS CONTAS NACIONAIS, FATOR AGREGADO E INTENSIDADE TECNOLÓGICA

2000 2014 VARIAÇÃO

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) % VALOR (US$) %MÉDIA

ANUAL (%)P.P.

SE

TO

R D

E C

ON

TA

S

NA

CIO

NA

IS

TOTAL 20.604.688.422 100 96.747.832.957 100 11,7% –

BENS DE CAPITAL 2.464.946 0,0 50.616.287 0,1 24,1% 0,04

BENS INTERMEDIÁRIOS 13.181.873.868 64,0 70.109.590.695 72,5 12,7% 8,5

BENS DE CONSUMO 7.418.847.649 36,0 26.585.474.610 27,5 9,5% -8,5

COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES

1.501.959 0,0 2.151.365 0,0 2,6% -0,01

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) % VALOR (US$) % % %

FA

TO

R A

GR

EG

AD

O

TOTAL 20.604.688.422 100 96.747.834.468 100 11,7% –

PRODUTOS BÁSICOS (1) 8.823.558.359 42,8 63.474.990.342 65,6 15,1% 22,8

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (A+B) (2)

11.781.130.063 57,2 33.272.844.126 34,4 7,7% -22,8

PRODUTOS MANUFATURADOS (A) (3)

7.499.508.106 36,4 15.294.104.035 15,8 5,2% -20,6

PRODUTOS SEMIMANUFATURADOS (B) (4)

4.281.621.957 20,8 17.978.740.091 18,6 10,8% -2,2

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) % VALOR (US$) % % %

INT

EN

SID

AD

E

TE

CN

OL

ÓG

ICA

TOTAL 20.604.688.422 100 96.747.834.468 100 11,7% –

PRODUTOS NÃO INDUSTRIAIS 5.376.248.447 26,1 40.635.382.477 42,0 15,5% 15,9

PRODUTOS INDUSTRIAIS 15.228.439.975 73,9 56.112.451.991 58,0 9,8% -15,9

MÉDIA-ALTA (5) 190.908.213 0,9 870.215.367 0,9 11,4% -0,03

MÉDIA-BAIXA (6) 3.582.407 0,0 1.495.144 0,0 -6,1% -0,02

BAIXA (7) 15.033.949.355 73,0 55.240.741.480 57,1 9,7% -15,9

Conforme notas explicativas do MDIC: (1) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, como, por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.;

(2) Produtos industrializados: dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; (3) Manufaturados: produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como, por exemplo, televisor, chip de computador,

automóvel, CD com programa de computador etc. – classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003; conforme notas explicativas do MDIC; (4) Semimanufaturados: produtos que passaram por alguma transformação,

como, por exemplo, suco de laranja congelado, couro; (5) Incluem: aparatos e máquinas elétricas; veículos a motor, trailers e semitrailers; Química (excetuando a Farmacêutica); equipamentos ferroviários e de transporte; máquinas e equipamentos. (6) Construção e reparo

naval; produtos de plástico e borracha; coque, refino de petróleo e combustível; nuclear; outros minerais não metálicos; metais básicos e fabricação de produtos de metal; (7) Manufatura e reciclagem; fabricação de papel e demais derivados de madeira; publicação e impressão

produtos alimentícios; bebidas e fumo; têxteis e derivados; couros e calçados. Elaboração: Think Agro.

Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Em termos de principais parceiros comerciais, a China, a União Europeia, os países do Oriente Médio e os

Estados Unidos foram responsáveis, juntos, em 2014, por 78,4% de todo o valor exportado pelo agronegócio

brasileiro. Esse cenário contrasta com o observado em 2000, quando mais da metade do valor das exporta-

ções do agronegócio era direcionado à União Europeia e aos Estados Unidos. Nesse período, a participação

do MERCOSUL reduziu-se de 7,7% para 2,4% do valor exportado.

Page 97: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

95

Quadro 38

PRINCIPAIS DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ENTRE 2000 E 2014

China41,7%

União Europeia 22,2%

Oriente Médio7,5%

Estados Unidos7,0%

África (excetoOriente Médio)

6,8%

América Latinae Caribe

(exceto MERCOSUL) 6,6%

MERCOSUL2,4%

Rússia2,1%

Outros países3,8%

2014

UniãoEuropeia

41,0%

Estados Unidos18,0%

MERCOSUL7,7%

América Latinae Caribe

(exceto MERCOSUL) 5,2%

Oriente Médio4,6%

África (excetoOriente Médio)

3,0%China 2,7%

Rússia2,0%

Outros países15,7%

2000

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Como se nota no Quadro 39, embora as relações comerciais (medidas em valor exportado) tenham crescido

com todos os parceiros e blocos parceiros, o aumento do fluxo comercial com a China (35,7%), o continente

africano (18,5%) e o Oriente Médio (15,6%) foi superior ao estabelecido com os parceiros mais tradicionais do

Brasil, caso da União Europeia (6,9%), dos Estados Unidos (4,4%) e do MERCOSUL (0,8%).

Quadro 39

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS DESTINOS NO TOTAL DAS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO ENTRE 2000 E 2014 (P.P.)

35,7

18,5 15,6 13,6 6,9 4,4 2,7 0,8

11,9

39,0

3,9 5,0 1,4

-12,0 -11,0

0,1

-5,3

8,7

Ch

ina

Áfr

ica (

exceto

Ori

en

te M

éd

io)

Ori

en

te M

éd

io

Am

éri

ca L

ati

na

e C

ari

be

(exceto

Merc

osu

l)

Un

ião

Eu

rop

eia

Est

ad

os

Un

ido

s

ssia

Merc

osu

l

Ou

tro

s

VARIAÇÃO NO VALOR DAS EXPORTAÇÕES (%) VARIAÇÃO NA PARTICIPAÇÃO NAS EXPORTAÇÕES (P.P.)

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; MDIC.

Page 98: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

96

Como resultado das mudanças no cenário comercial, os países desenvolvidos reduziram sua participação en-

tre os destinos dos produtos do agronegócio brasileiro: de 68,4%, o conjunto dos países classificados como

“economias avançadas” (caso, por exemplo, da maior parte dos membros da Organização para a Cooperação

e Desenvolvimento Econômico – OCDE) passou a importar 40,1% das exportações do setor. Considerados

individualmente, o Brasil aumentou o leque de parceiros comerciais: o número de destinos das exportações

do agronegócio brasileiro subiu de 193, em 2000, para 211, em 2014.

Quadro 40

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS ECONOMIAS AVANÇADAS* NAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS

31,6 34,7 31,7 29,8 35,9 35,4 36,8 39,8 42,7 44,8 43,9 48,2 53,5 56,5 57,3 57,9 59,2 59,9

68,4 65,3 68,3 70,2 64,1 64,6 63,2 60,2 57,3 55,2 56,1 51,8 46,5 43,5 42,7 42,1 40,8 40,1

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

ECONOMIAS AVANÇADAS* DEMAIS PAÍSES

Nota: * inclui 36 países destacados pelo Fundo Monetário Internacional como “economias avançadas”. Elaboração: Think Agro.

Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Com relação a 2014, a China se tornou o maior comprador do chamado “complexo soja”, com importações que

ultrapassaram os US$ 17 bilhões. No caso da União Europeia, destacaram-se o farelo de soja, a soja em grão e

a celulose como alguns dos principais produtos do agronegócio exportados.

Os Estados Unidos são reconhecidos, historicamente, como um importante parceiro comercial e grande concor-

rente do agronegócio brasileiro. Em 2014, as importações americanas totalizaram US$ 27 bilhões em produtos

brasileiros, dos quais 26% (cerca de US$ 7 bilhões) foram compras em produtos do agronegócio. Celulose,

madeira, papel e café corresponderam a mais de US$ 3,4 bilhões em exportações.

A Rússia foi o quarto maior importador individual de produtos agropecuários brasileiros em 2014, conquistando

espaço significativo na pauta exportadora brasileira, graças às sanções impostas às importações de alimentos

(carnes, leite e derivados e frutas, principalmente) provenientes dos Estados Unidos, da União Europeia, do

Canadá, da Austrália e da Noruega.

Como se pode notar no Quadro 41, apesar da elevada participação das exportações do agronegócio brasileiro

no comércio mundial, a produção doméstica tem sido suficiente para garantir o suprimento interno da maior

parte dos produtos comercializados (exceto no caso do trigo, majoritariamente importado).

Page 99: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

97

Quadro 41

RELAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO INTERNA, EXPORTAÇÃO E CONSUMO APARENTE, EM PRODUTOS SELECIONADOS

43,2

9,9 1,9

32,1

53,1 48,4

18,0 0,9

31,0 22,5

14,6

49,9

90,3 98,8

64,6 47,2 50,0

79,3

206,5

69,0 78,4

85,9 88,1

10,0 1,9

48,9

114,4

94,6

23,4

0,4

45,0 28,7

17,0

Algodãoem pluma

Arroz emcasca

Feijão Milho Soja emgrãos

Farelo desoja

Óleo desoja

Trigo Carne deaves

Carnebovina

Carnesuína

EXPORTAÇÃO/PRODUÇÃO INTERNA CONSUMO APARENTE/PRODUÇÃO INTERNA EXPORTAÇÃO/CONSUMO APARENTE

Elaboração: Think Agro. Fonte: Conab; SECEX/MDIC.

A partir do exposto, é possível afirmar que a inserção externa do agronegócio brasileiro tem se pautado, em

grande medida, pelo atendimento da demanda mundial de alguns produtos selecionados (sobretudo grãos

e carnes de aves e bovina), ao mesmo tempo em que, no plano interno, garante-se a provisão de uma gama

diversa de produtos da cesta de consumo do brasileiro, como arroz, feijão e milho. Do ponto de vista das

parcerias comerciais, o estreitamento das relações sino-brasileiras no período ofuscou o desempenho das

exportações brasileiras em outros mercados, como Estados Unidos, União Europeia e o próprio MERCOSUL.

2.9 A ASCENSÃO DA CHINA COMO PARCEIRA

COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO78

Como explicitado anteriromente, ao longo dos últimos anos, as relações econômicas entre Brasil e China pas-

saram por mudanças significativas, sobretudo no que se refere ao intercâmbio comercial entre os dois países.

Em boa medida, tais transformações devem-se ao desempenho econômico excepcional da China no período

e ao consequente deslocamento do eixo econômico e comercial mundial para a Ásia.

No caso das relações sino-brasileiras, o estreitamento das relações pode ser explicado pela complementaridade

entre cadeias produtivas das duas economias, exarcerbada pelos limites da China em prover as matérias-primas,

recursos naturais e outros bens necessários para impulsionar sua própria indústria, bem como alimentar uma

população cada vez mais urbanizada. Nesse cenário, o Brasil passa a ocupar um papel crescente no suprimento

de produtos do agronegócio e da extração mineral para o mercado chinês. Coroando esse processo, desde

78 Uma análise complementar com foco na China é desenvolvida ao longo do terceiro e do quarto capítulos desta publicação.

Page 100: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

98

2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações brasilei-

ras, superando os Estados Unidos, a despeito dos efeitos da crise internacional sobre o comércio internacional.

Como se nota no Quadro 42, o fluxo comercial entre os dois países cresceu 26,4% ao ano entre 2000 e 2014,

ao passo que o comércio brasileiro com os demais países do mundo evoluiu, em média, 8,6% ao ano. O agro-

negócio foi um dos pilares do aumento das relações comerciais entre os países, crescendo a uma taxa média

de 27,6% ao ano no mesmo período.

Quadro 42

EVOLUÇÃO DOS FLUXOS COMERCIAIS BRASIL-CHINA E BRASIL-MUNDO (ÍNDICE BASE 100 = 2000)

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

4.500

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

FLUXO COMERCIAL COM A CHINA FLUXO COMERCIAL COM DEMAIS PAÍSES

FLUXO COMERCIAL COM A CHINA (AGRONEGÓCIO)

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Como resultado do fortalecimento da parceria, a participação da China no fluxo comercial total e no comér-

cio do agronegócio evoluiu de forma substancial no período, alcançando, respectivamente, 17,2% e 21,0% do

comércio entre o Brasil e o mundo em 2014 (Quadro 43).

Page 101: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

99

Quadro 43

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA CHINA NOS FLUXOS COMERCIAIS TOTAL E DO AGRONEGÓCIO (%)

2,1 2,8 3,8

5,5 5,7 6,3 7,2

8,3 9,9

13,2 14,7

16,0 16,2 17,3 17,2

2,3 3,3 4,8

6,5 6,9 6,6 7,2 7,5

10,4

12,8 13,6

16,3 17,7

21,2 21,0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

PARTICIPAÇÃO NO FLUXO TOTAL PARTICIPAÇÃO NO FLUXO DO AGRONEGÓCIO

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Somente em 2014, o Brasil exportou US$ 40,6 bilhões em mercadorias para o mercado chinês, colaborando

para a manutenção de um pequeno superávit na balança comercial.

Quadro 44

EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES, DAS IMPORTAÇÕES E DO SALDO COMERCIAL COM A CHINA (EM US$ BILHÕES)

1,1 1,9 2,5 4,5 5,4 6,8 8,4 10,7 16,5

21,0

30,8

44,3 41,2 46,0

40,6

-1,2 -1,3 -1,6 -2,1 -3,7 -5,4 -8,0 -12,6

-20,0 -15,9

-25,6 -32,8 -34,3 -37,3 -37,3

-0,1 0,6 1,0 2,4 1,7 1,5 0,4 -1,9 -3,5

5,1 5,2 11,5

7,0 8,7 3,3

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Page 102: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

100

De fato, boa parte do valor do fluxo comercial (26,5%) e das exportações brasileiras (45%) entre os dois países

está associada ao intercâmbio de produtos do agronegócio (Quadro 45).

Quadro 45

EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES, DAS IMPORTAÇÕES E DO SALDO COMERCIAL COM A CHINA –AGRONEGÓCIO (EM US$ BILHÕES)

0,6 0,9 1,4 2,3 3,0 3,1 3,8

4,7

7,9 8,9

11,0

16,5 18,0

22,9 22,1

0,0 0,0 -0,1 0,0 -0,1 -0,1 -0,3 -0,4 -0,8 -0,7 -1,2 -1,8 -1,8 -1,9 -1,7

0,5 0,8 1,3 2,2 2,9 2,9 3,5 4,3

7,1 8,2

9,8

14,7 16,1

20,9 20,4

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

O fato de as importações do agronegócio representarem menos de 5,0% das importações totais brasileiras da

China torna o agronegócio um dos fundamentos para que o Brasil financie as importações crescentes de ou-

tros setores da economia (por exemplo, produtos eletrônicos, vestuários etc.). Essa importância é ressaltada a

partir da análise da composição do saldo comercial do Brasil com a China entre produtos básicos79 e produtos

industrializados80 (manufaturados e semimanufaturados).

Como se nota no Quadro 46, o superávit no âmbito dos produtos primários (US$ 33,6 bilhões) é responsável por

financiar a importação líquida de produtos industrializados de origem chinesa (US$ 30,4 bilhões) e pela geração

de um superávit de US$ 3,3 bilhões em 2014. Vale ressaltar, nesse ponto, que o agronegócio é responsável por

60,6% do saldo positivo do comércio biletaral de produtos básicos (US$ 20,4 bilhões dos US$ 33,6 bilhões).

79 Incluem produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações. Por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.

80 Considerando o grau de transformação, incluem produtos semimanufaturados (produtos que passaram por alguma transformação, como suco de laranja congelado e couros) e manufaturados (produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como é o caso de televisor, chip de computador, automóvel, CD com programa de computador etc.).

Page 103: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

101

Quadro 46

EVOLUÇÃO DO SALDO COMERCIAL ENTRE BRASIL E CHINA SEGUNDO FATOR AGREGADO (EM US$ BILHÕES)

33,6

-30,4

3,3

-40

-30

-20

-10

0

10

20

30

40

50

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

PRODUTOS BÁSICOS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS TOTAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT, SECEX/MDIC.

Tal fato implica reconhecer que a composição recente da pauta de exportações para a China está concentrada

em produtos de menor valor agregado (básicos e, dentre os industrializados, produtos semimanufaturados),

ao passo que as importações brasileiras são praticamente todas relacionadas a produtos com grau elevado

de industialização (manufaturados).

Page 104: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

102

Quadro 47

EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO DA PAUTA BRASILEIRA DE EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO COM A CHINA

68,2 60,7 61,5

50,0 59,4

68,4 73,9 73,8 77,7 77,7 83,7 85,0 82,8 84,7 84,4

31,7 38,8 38,2

49,7 40,4

31,4 25,6 26,1 22,3 22,3 16,3 15,0 17,1 15,2 15,5

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Exp

ort

açõ

es

Básicos Industrializados 8,2 10,5 14,6 15,2 10,5 4,6

2,5 2,5 4,3

1,6 2,1 2,7 2,1 2,3 1,8

91,8 89,5 85,4 84,8 89,5 95,4 97,5 97,5 95,7 98,4 97,9 97,3 97,9 97,7 98,2

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Imp

ort

açõ

es

PRODUTOS BÁSICOS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Mais precisamente, comparando-se a composição das exportações entre 2000 e 2014, é possível notar, no

Quadro 48, que, embora o crescimento no valor exportado tenha sido generalizado, ele ocorreu de forma mais

intensa entre os chamados bens intermediários e combustíveis e lubrificantes (entre os setores das contas

nacionais); produtos básicos (em termos de valor agregado); e produtos não industriais (em termos de inten-

sidade tecnológica).

São, exatamente, bens classificados nestas categorias que ocupam a maior parte da pauta exportadora brasileira

para a China em 2014. Se, em parte, esta concentração reflete a complementaridade entre as economias dos

países; por outro lado, ela também é uma consequência do signficiativo diferencial competitivo da produção

industrial sediada na China.

Page 105: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

103

Quadro 48

COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO PARA A CHINA, POR SETOR DAS CONTAS NACIONAIS, FATOR AGREGADO E INTENSIDADE TECNOLÓGICA

2000 2014

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /

BRASIL (%)VALOR (US$) %

CHINA / BRASIL (%)

SE

TO

R D

E C

ON

TA

S

NA

CIO

NA

IS

TOTAL 1.085.301.597 100,0 2,0 40.616.107.869 100,0 18,2

BENS DE CAPITAL 72.677.656 6,7 0,7 474.471.261 1,2 2,2

BENS INTERMEDIÁRIOS 954.292.023 87,9 3,0 35.971.625.977 88,6 25,4

BENS DE CONSUMO 21.899.639 2,0 0,2 668.684.505 1,6 1,9

COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES

36.222.787 3,3 4,2 3.473.583.798 8,6 17,0

DEMAIS OPERAÇÕES 209.492 0,0 0,0 27.742.328 0,1 0,6

NÃO DECLARADA – – – – – –

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /

BRASIL (%)VALOR (US$) %

CHINA / BRASIL (%)

FA

TO

R A

GR

EG

AD

O

TOTAL 1.085.301.597 100,0 2,0 40.616.094.871 100,0 18,2

PRODUTOS BÁSICOS (1) 739.772.864 68,2 5,9 34.291.878.256 84,4 31,9

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (A+B) (2)

345.319.241 31,8 0,8 6.296.474.287 15,5 5,7

PRODUTOS MANUFATURADOS (A) (3)

204.533.404 18,8 0,6 1.628.688.797 4,0 2,0

PRODUTOS SEMIMANUFATURADOS (B) (4)

140.785.837 13,0 1,7 4.667.785.490 11,5 16,1

CONSUMO DE BORDO 17.882 0,0 0,0 7.111.862 0,0 0,2

TRANSAÇÕES ESPECIAIS 191.610 0,0 0,5 20.630.466 0,1 27,7

 CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /

BRASIL (%)VALOR (US$) %

CHINA / BRASIL (%)

INT

EN

SID

AD

E

TE

CN

OL

ÓG

ICA

TOTAL 1.085.301.597 100,0 2,0 40.616.107.869 100,0 18,2

PRODUTOS NÃO INDUSTRIAIS 712.734.560 65,7 7,8 33.719.312.310 83,0 39,8

PRODUTOS INDUSTRIAIS 372.567.037 34,3 0,8 6.896.795.559 17,0 5,0

ALTA(5) 54.123.564 5,0 0,8 308.864.211 0,8 3,2

MÉDIA-ALTA(6) 95.949.262 8,8 0,8 692.355.283 1,7 2,0

MÉDIA-BAIXA(7) 48.528.351 4,5 0,5 1.176.190.834 2,9 3,2

BAIXA(8) 173.965.860 16,0 1,1 4.719.385.231 11,6 8,2

Conforme notas explicativas do MDIC: (1) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, como por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.;

(2) Produtos industrializados: dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; (3) Manufaturados: produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como, por exemplo, televisor, chip de computador,

automóvel, CD com programa de computador etc. – classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003; conforme notas explicativas do MDIC; (4) Semimanufaturados: produtos que passaram por alguma transformação,

como, por exemplo, suco de laranja congelado, couro; (5) Incluem: Aeronáutica e Aeroespacial; Farmacêutica; Computação e materiais para escritório; equipamentos de comunicação, rádio e TV; equipamentos óticos, médicos e de precisão; (6) Incluem: aparatos e máquinas

elétricas; veículos a motor, trailers e semitrailers; Química (excetuando a Farmacêutica); equipamentos ferroviários e de transporte; máquinas e equipamentos; (7) Construção e reparo naval; produtos de plástico e borracha; coque, refino de petróleo e combustível; Nuclear; outros minerais não metálicos; metais básicos e fabricação de produtos de metal; (8) Manufatura e reciclagem; fabricação de papel e demais

derivados de madeira; publicação e impressão de produtos alimentícios; bebidas e fumo; têxteis e derivados; couros e calçados. Elaboração: Think Agro.

Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Page 106: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

104

No que se refere à pauta do agronegócio, o Quadro 49, apresentado a seguir, expõe que a maior parte das

exportações do agronegócio brasileiro para a China era formada, em 2014, por bens com baixo nível de pro-

cessamento industrial e/ou nível tecnológico, incluindo: soja em grãos (75,3%); celulose (7,7%); açúcar de cana

bruto (4,0%); outros couros curtidos/peles de bovinos (2,4%); e carne de frango in natura (2,4%).

Quadro 49

COMPARATIVO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO PARA A CHINA, POR SETOR DAS CONTAS NACIONAIS,

FATOR AGREGADO E INTENSIDADE TECNOLÓGICA

 2000 2014

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /

BRASIL (%)VALOR (US$) %

CHINA / BRASIL (%)

SE

TO

R D

E C

ON

TA

S

NA

CIO

NA

IS

TOTAL 561.787.520 51,8 2,7 22.066.246.752 54,3 22,8

BENS DE CAPITAL 17.388 0,0 0,7 – – –

BENS INTERMEDIÁRIOS 543.816.227 50,1 4,1 21.441.482.305 52,8 30,6

BENS DE CONSUMO 17.953.905 1,7 0,2 624.764.447 1,5 2,4

COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES

– – – – – –

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /

BRASIL (%)VALOR (US$) %

CHINA / BRASIL (%)

FA

TO

R A

GR

EG

AD

O

TOTAL 561.787.520 51,8 2,7 22.066.246.752 54,3 22,8

PRODUTOS BÁSICOS (1) 415.951.146 38,3 4,7 17.913.055.237 44,1 28,2

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (A+B) (2)

145.836.374 13,4 1,2 4.153.191.515 10,2 12,5

PRODUTOS MANUFATURADOS (A) (3)

21.524.838 2,0 0,3 292.972.900 0,7 1,9

PRODUTOS SEMIMANUFATURADOS (B) (4)

124.311.536 11,5 2,9 3.860.218.615 9,5 21,5

CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO VALOR (US$) %CHINA /

BRASIL (%)VALOR (US$) %

CHINA / BRASIL (%)

INT

EN

SID

AD

E

TE

CN

OL

ÓG

ICA

TOTAL 561.787.520 100,0 2,7 22.066.246.752 100,0 22,8

PRODUTOS NÃO INDUSTRIAIS 388.041.577 69,1 7,2 17.340.093.900 78,6 42,7

PRODUTOS INDUSTRIAIS 173.745.943 30,9 1,1 4.726.152.852 21,4 8,4

MÉDIA-ALTA (5) 1.124.678 0,2 0,6 68.059.123 0,3 7,8

MÉDIA-BAIXA (6) – – – – – –

BAIXA (7) 172.621.265 30,7 1,1 4.658.093.729 21,1 8,4

Conforme notas explicativas do MDIC: (1) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivos em mão de obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, como, por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura etc.; (2)

Produtos industrializados: dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; (3) Manufaturados: produtos normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, como, por exemplo, televisor, chip de computador,

automóvel, CD com programa de computador etc. – classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003; conforme notas explicativas do MDIC; (4) Semimanufaturados: produtos que passaram por alguma transformação,

como, por exemplo, suco de laranja congelado, couro; (5) Incluem: aparatos e máquinas elétricas; veículos a motor, trailers e semitrailers; Química (excetuando a Farmacêutica); equipamentos ferroviários e de transporte; máquinas e equipamentos; (6) Construção e reparo

naval; produtos de plástico e borracha; coque, refino de petróleo e combustível; Nuclear; outros minerais não metálicos; metais básicos e fabricação de produtos de metal; (7) Manufatura e reciclagem; fabricação de papel e demais derivados de madeira; publicação e impressão

de produtos alimentícios; bebidas e fumo; têxteis e derivados; couros e calçados. Elaboração: Think Agro.

Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Page 107: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

105

Segundo o Quadro 50, é possível evidenciar que, entre 2000 e 2014, a pauta de exportação do agronegócio

brasileiro para a China concentrou-se nos produtos do complexo soja (soja em grãos) e do complexo sucroal-

cooleiro (açúcar de cana bruto), além de produtos florestais (celulose). Combinadas, estas categorias respon-

dem, atualmente, por cerca de 90% do valor das exportações do agronegócio em 2014 (em 2010, o mesmo

agrupamento respondia por uma parcela menor, ainda que significativa, de 83,7%).

Quadro 50

PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO PARA A CHINA, EM 2000 E 2014

Complexo soja 66,0%

Produtos florestais 16,9%

Fumo e seus produtos

8,9% Couros, produtos de couro e peleteria

4,3%

Carnes 2,1%

Pescados 0,5%

Outros 1,2%

2000

77,1%

Complexosucroalcooleiro

4,0%

Couros, produtos decouro e peleteria

3,8%

Carnes2,4%

Fibras eprodutos têxteis

1,7%Fumo e

seus produtos1,5%

Sucos0,3%

Outros 0,7%

2014

Complexo soja

Produtosflorestais

8,6%

Elaboração: Think Agro. Fonte: AGROSTAT; SECEX/MDIC.

Com base na análise dos dez produtos mais exportados do agronegócio para a China (em valor), disponível

no Quadro 51, é possível evidenciar, por exemplo, que a maioria dos produtos apresentou expansão no volu-

me e no preço de exportação, ao passo que ao menos três produtos destacados entre eles (açúcar de cana

bruto, algodão não cardado nem penteado e couros/peles de bovinos prepardos) não constavam na pauta

de exportação em 2000.

Page 108: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

106

Quadro 51

VARIAÇÃO MÉDIA ANUAL DO VALOR, DO VOLUME E DO PREÇO DOS DEZ PRINCIPAIS PRODUTOS EXPORTADOS PARA A CHINA, DE 2000 A 2014

29,7

25,9

36,2

29,3

21,9

13,4

18,8

21,4

26,6

produto não era exportado

35,0

18,0

14,6

6,6

produto não era exportado

produto não era exportado

14,2

6,8

-0,6

0,9

9,5

6,3

6,4

4,0

Soja em grãos

Celulose

Açúcar de cana bruto

Outros couros/peles de bovinos, curtido

Carne de frango in natura

Óleo de soja bruto

Fumo não manufaturado

Algodão não cardado nem penteado

Couros/peles de bovinos, preparados

Papel

10º

75,3%

7,7%

4,0%

2,4%

2,4%

1,5%

1,5%

1,5%

1,2%

0,4%

PARTICIPAÇÃO* RANKING* VALOR VOLUME PREÇO

Nota: * 2014. Elaboração: Think Agro.

Fonte: AGROSTAT; MDIC; Conab.

Pelo exposto, é possível entender que o agronegócio brasileiro tem se aproveitado das oportunidades abertas

por uma China em transformação para ocupar um papel fundamental no suprimento de recursos naturais e

produtos do agronegócio, fato que lhe garante a liderança na produção e na exportação mundial em alguns

dos mais importantes mecados agrícolas.

Todavia, esse mesmo cenário – marcado pelo aumento significativo do fluxo comercial entre os dois países –

tem se pautado por uma clara divisão entre as atividades de maior e menor valor agregado, resultante, por um

lado, dos diferenciais competitivos entre os dois países e seus setores produtivos e, por outro, do ajustamento

passivo do Brasil frente às transformações em curso na China. Neste último ponto, é importante destacar outras

variáveis e obstáculos de ordem geopolítica e diplomática, focalizados na redução das restrições de comércio

externo impostas pelos dois países.

Page 109: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

107

2.10 INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO

NO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

Em termos de investimento estrangeiro direto, dados do Banco Central, apresentados no Quadro 54, dão

conta de que o Brasil recebeu, entre 2001 e 2014, aproximadamente US$ 517 bilhões. Apesar de o ingresso de

recursos ter oscilado sensivelmente no período, o bom desempenho em 2004 e nos biênios 2007/08 e 2010/11

garantiu que a taxa média de crescimento do IED ficasse em torno de 7,2% ao ano.

Quadro 52

EVOLUÇÃO DO INGRESSO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) ENTRE 2001 E 2014

-10,1% -31,0%

57,0%

7,3% 3,3%

50,8% 29,5%

-28,7%

66,0%

32,2%

-12,9% -18,5%

13,6%

21,1 19,0 13,1

20,5 22,0 22,8

34,3

44,5

31,7

52,6

69,5

60,5

49,3 56,1

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

VARIAÇÃO VALOR (US$ BILHÕES)

Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil apud ALVIM & MORAES (2013).

Quatro países concentraram metade do volume de recursos ingressados no período, quais sejam: Países Baixos

(18,6%); Estados Unidos (16,6%); Luxemburgo (7,9%) e Espanha (7,4%).

Page 110: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

108

Quadro 53

INGRESSO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) POR PAÍS DE ORIGEM, ENTRE 2001 E 2014 (US$ BILHÕES)

96,2 85,5

40,9 38,2 28,5 26,7 21,6 16,4 15,7 15,1

132,2

P

aís

es

Baix

os

Est

ad

os

Un

ido

s L

uxem

bu

rgo

E

span

ha

Jap

ão

F

ran

ça

Su

íça

Ilh

as

Caym

an

Ale

man

ha

Can

ad

á

Dem

ais

país

es

Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil.

Em termos setoriais, o segmento de agricultura, pecuária, produção florestal e atividades relacionadas rece-

beu, anualmente, apenas uma pequena parcela do montante total. Tal como se pode constatar no Quadro 54,

comparando as atividades agropecuárias aos valores recebidos pelo setor de indústria e extração mineral e

pelo setor de serviços, o percentual alcançou 1,2% no acumulado entre 2001 e 2014, totalizando US$ 6,3 bilhões

no período.

Quadro 54

PANORAMA DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) ENTRE 2001 E 2014

Agricultura, pecuária e

serviços relacionados 1,2

Serviços48,1%

DISTRIBUIÇÃO (%)

Indústria eextração mineral

50,7%

6,3

261,4 247,8

Agricultura, pecuária eserviços relacionados

Indústria e extraçãomineral

Serviços

VALOR ACUMULADO (US$ BILHÕES)

Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil.

Page 111: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

109

Quadro 55

EVOLUÇÃO DO INGRESSO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NA AGROPECUÁRIA

26,3%

108,4%

40,0%

8,5% 30,2%

44,8%

8,7%

-31,9%

66,7%

28,3%

-48,0%

65,4%

-33,8%

75,6 95,4 198,8

278,3 301,9 393,1

569,1 618,5

421,2

702,0

900,3

467,7

773,7

512,4

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

VARIAÇÃO ANUAL (%) AGRICULTURA, PECUÁRIA E SERVIÇOS RELACIONADOS (US$ MILHÕES)

Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil.

Parte deste resultado pode ser explicada pelas restrições legais e pelos entraves burocráticos impostos aos

investimentos estrangeiros em atividades do campo, a exemplo da aquisição de áreas próprias ou o arrenda-

mento de terras por estrangeiros no País81. Por outro lado, considerando a participação limitada da agropecuária

no âmbito do agronegócio, é de se esperar que a maior parte do IED no agronegócio brasileiro concentre-se

nos segmentos fora da porteira, sobretudo na indústria, na distribuição e nos serviços de apoio (financeiros).

Tal tese é corroborada pelos dados do Banco Central: entre 2001 e 2014, as atividades industriais associadas

à produção de (i) alimentos e bebidas, (ii) celulose, papel e produtos de papel e (iii) produtos de madeira

responderam, conjuntametnte, pelo ingresso de US$ 41,5 bilhões, o equivalente a 15,6% do IED do setor de

indústria e extração mineral e 8,1% do IED total no período. O valor recebido em 2011 por este agrupamento de

atividades (US$ 8 bilhões) foi superior ao recebido pela agropecuária em todo o período analisado.

Infelizmente, a abertura dos dados disponível na série de ingresso de IED do Banco Central (por CNAE 1.0, entre

2001 e 2005, e por CNAE 2.0, entre 2006 e 2014) não permite uma segmentação suficiente para discriminar

todos os segmentos do agronegócio, tampouco realizar cruzamentos entre país e setores específicos. Nesse

caso, o valor anteriormente informado subestima o total dos investimentos no agronegócio, uma que vez que

não inclui comércio, distribuição e setor financeiro, por exemplo.

81 Parecer de 2010 da Advocacia-Geral da União (AGU) impôs restrição à compra de terras agrícolas por empresas brasileiras com controle estrangeiro. Pelo documento, estas companhias não podem ter mais de 25% do território de um município e comprar ou arrendar mais de 100 módulos, o que varia de 100 a 10 mil hectares, dependendo da região.

Page 112: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

110

Entretanto, estudo disponibilizado pelo Banco Central (2009)82 com foco nos investimentos estrangeiros no

agronegócio brasileiro relata que as atividades do agronegócio nacional receberam um total US$ 46,9 bilhões

dos ingressos entre 2003 e 2008, o equivalente a 29,5% do IED total líquido do período.

De fato, embora as atividades de agropecuária e de serviços diretos na agropecuária tenham apresentado

uma reduzida participação no montante total, os valores totais recebidos de investimentos por estes setores

cresceram de forma significativa no período, passando de US$ 44,8 milhões, em 2002, para US$ 772,8 milhões,

em 2014. Isso indica, entre outros aspectos, que o movimento de “internacionalização” do agronegócio brasi-

lerio vinculou-se a parcerias e operações entre empresas brasileiras e estrangeiras, parte das quais associada

à aquisição de imóveis rurais para produção de commodities e matérias-primas de interesse.

Exemplos podem ser encontrados na lista de maiores empresas de produção agropecuária do Brasil, cuja

liderança é assegurada por multinacionais de controle estrangeiro: Louis Dreyfus (França) e ADM (Estados

Unidos), sem considerar empresas com espectro amplo de atuação no agronegócio, como a Bunge (Países

Baixos) e a Cargill (Estados Unidos). Por outro lado, empresas brasileiras do agronegócio, com importante

inserção internacional, também se destacam nas vendas, caso da BRF, da JBS e da Copersucar.

Quadro 56

DISTRIBUIÇÃO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) NO AGRONEGÓCIO POR ATIVIDADE, DE 2003 A 2008

Indústriaa jusante

44,4%

Setorfinanceiro

32,3% Comérciovarejista

12,4%

Indústria a montante4,1%

Agropecuária2,9%

Comércio atacadista2,0%

Restaurantes e serviçosde alimentação

0,8%

Serviços diretos naagropecuária

0,8%

Intermediação comercial0,1%

Pesca e aquicultura0,1%

Elaboração: Think Agro. Fonte: Banco Central do Brasil (2009) apud ALVIM & MORAES (2013).

Especificamente, o estudo do Banco Central constata que os investimentos foram aportados em um grupo

reduzido de produtos, como algodão, carnes, soja, óleo, etanol, açúcar e sucos de frutas, cuja participação no

82 Apud ALVIM, A. M.; MORAES, S. L. (2013). Os investimentos estrangeiros diretos no agronegócio brasileiro — 2002-08. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 40, n. 3, p. 105-120.

Page 113: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

111

comércio internacional é relevante. Fatores como abundância de terras, competitividade e produtividade do

agronegócio colaboraram para atrair o capital estrangeiro.

Segundo dados expostos no Quadro 56, as atividades de indústria responderam pela maior parte dos inves-

timentos no agronegócio brasileiro (sobretudo, a jusante), com destaque para as seguintes atividades: aba-

tedouro e indústria de carnes, álcool e biocombustíveis, beneficiamento de madeira, fumo, laticínios, malte,

cerveja e chope, óleos vegetais, papel e celulose, suco de frutas e usinas de açúcar. Além disso, destacam-se

os investimentos no setor de serviços, financiador de grande parte das atividades do agronegócio brasileiro,

e no comércio atacadista e varejista.

Em termos de investimento, é válido ressaltar que uma parcela relevante do total está associada, por um lado,

à internacionalização (patrimonial e comercial) do setor e, por outro, à aquisição e às fusões de empresas que

já operavam no agronegócio, sobretudo no campo de processamento e no varejo de alimentos.

Apesar de a China ter assumido a posição de principal parceiro comercial do Brasil, os investimentos diretos

originados naquele país totalizaram apenas US$ 1,93 bilhão no período, valor inferior a 0,4% do total. O fluxo,

entretanto, teve incremento significativo a partir de 2010, destacando-se o volume de recursos recebidos em

2014: US$ 1,1 bilhão, ou 50,5% do total no período analisado.

Segundo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China83, o aumento dos investimentos chineses no Brasil

está associado aos efeitos negativos da crise internacional sobre mercados mais tradicionais, caso dos Esta-

dos Unidos e da União Europeia. Como resultado, os investidores chineses têm procurado novos mercados,

sobretudo no chamado mundo emergente.

O interesse e a distribuição setorial do IED ressaltam a predominância de projetos que tenham como alvo o

aprofundamento da integração entre as economias, sobretudo na expansão e na facilitação do comércio bila-

teral. Assim, além de responder à demanda crescente da China por recursos naturais (minérios, petróleo e gás,

produtos agropecuários), os investimentos chineses têm atuado em prol da instalação de empresas chinesas

em território nacional.

2.11 OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

Ainda que os números do agronegócio brasileiro, tanto no que se refere ao mercado doméstico (22,5% do

PIB, em 2013), quanto à sua inserção internacional (43,0% das exportações brasileiras, em 2014; além de um

superávit comercial de US$ 80,1 bilhões), atestem a trajetória excepcional do setor nas últimas duas décadas

(expansão da área, da produção e da produtividade), é possível destacar uma série de fatores, entre obstáculos

e desafios, que impedem que um quadro melhor seja consumado no futuro, por exemplo, por meio de uma

maior diversificação da produção e dos mercados atendidos ou, ainda, com base na produção e na comercia-

lização de produtos de maior valor agregado – incluindo matérias-primas com algum grau de processamento,

alimentos congelados etc.

83 CEBC, Conselho Econômico Brasil-China (2013). Chinese investments in Brazil from 2007-2012: A review of recent trends.

Page 114: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

112

De fato, como já explicitado anteriormente, o setor do agronegócio nacional é favorecido por uma combinação

única de fatores e características que garantem as vantagens competitivas da produção brasileira, incluindo:

(i) Aqueles de ordem natural (ampla oferta de terras agricultáveis; topografia favorável à mecanização

na maioria das regiões; variedade climática e de solos; disponibilidade de água etc.);

(ii) Aqueles de ordem tecnológica (pesquisa, desenvolvimento e adoção de tecnologias de cultura

tropical; variedades genéticas adaptadas ao solo e às condições climáticas brasileiras; adoção de

técnicas modernas de cultivo – como double cropping);

(iii) Aqueles de ordem empresarial-corporativa (presença de grandes grupos empresariais nacionais

e internacionais; investimentos e operações em larga escala; integração produtiva; otimização de

operação campo-fábrica; investimentos em infraestrutura e P&D etc.); e

(iv) Aqueles de ordem institucional (suportes de agentes públicos à pesquisa e ao desenvolvimento

de novas variedades genéticas; baixo nível de protecionismo, comparado ao de outros países,

como Estados Unidos e União Europeia; elevada exposição do setor à concorrência internacional;

apoio de instrumentos de política agrícola, sobretudo crédito; baixo nível relativo de intervenção

do Estado no setor via subsídios e preços mínimos etc.).

Aliado à conjuntura externa favorável no período, marcada pela ascensão chinesa e pela elevação do preço e

da demanda de commodities agrícolas no mercado internacional, e por um mercado doméstico em expansão,

esse conjunto virtuoso colaborou para a diversificação da produção nacional, para o atendimento do merca-

do interno (incluindo o âmbito energético), mas, sobretudo, para posicionar o Brasil como um dos maiores

produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas do mundo (destacando-se: soja, açúcar, café, suco

de laranja, carnes bovina e de frango).É importante ressaltar, também, o aproveitamento das oportunidades

abertas pela emergência da China no âmbito da economia mundial e como parceiro comercial (respondendo

por 21% do fluxo comercial externo do agronegócio e 41,7% das exportações do agronegócio), ainda que isso

tenha significado o direcionamento e a concentração da atividade agropecuária no Brasil nos produtos mais

demandados pelo mercado consumidor e pela indústria chineses. É válido afirmar, nesse sentido, que o de-

sempenho excepcional do agronegócio brasileiro deu-se a despeito de inúmeros obstáculos e ameaças, dentre

os quais podem ser destacados:

(i) A pobreza de nutrientes de boa parte dos solos cultiváveis, exigindo grande dependência e inves-

timentos em fertilizantes e outros insumos, boa parte dos quais é importada;

(ii) Questões e dificuldades fitossanitárias, associadas ao monitoramento, ao controle e à erradicação

de pragas e doenças;

(iii) Dificuldades no acesso a financiamento e seguros no País (encarecimento do crédito e do acesso

ao capital);

(iv) Burocracia e manutenção de um sistema tributário complexo e ineficiente, que penaliza a produção

e as atividades agroexportadoras;

(v) Deficiências em logística, sobretudo no que se refere à baixa capacidade de armazenagem/esto-

cagem nas propriedades;

Page 115: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

113

(vi) Deficiências da infraestrutura de escoamento da produção (rodovias, ferrovias e portos), aliadas

à priorização/dependência do modal rodoviário;

(vii) Baixa oferta de mão de obra qualificada;

(viii) Elevada informalidade do trabalho no campo;

(ix) Questões institucionais pendentes, relativas a movimentos sociais (MST), aplicação e regulamen-

tação do Código Florestal, questões trabalhistas e ambientais, acesso de terras para estrangeiros,

entre outras;

(x) Incertezas e riscos derivados do cenário macroeconômico e do ambiente de negócios, sobretudo

no que se refere aos seus efeitos sobre a taxa de câmbio, a taxa de juros (custo do crédito) e a

política energética (por exemplo: mistura álcool-gasolina); e

(xi) Carência de políticas públicas articuladas com foco nas cadeias de valor do agronegócio.

No que se refere à conjuntura internacional, as transformações ocorridas no período pós-crise internacional (a

partir de 2008) associam-se ao arrefecimento no crescimento e no consumo mundial que afeta indiretamente

a produção brasileira via variabilidade no preço das commodities agrícolas.

Adicionalmente, a prevalência de políticas protecionistas nos principais mercados, incluindo barreiras tarifá-

rias e não tarifárias (técnicas e fitossanitárias), combinada com as posições prevalecentes na política externa

brasileira, que priorizam grandes acordos multilaterais (entre blocos, ou via OMC) em detrimento de acordos

comerciais bilaterais e regionais com os principais parceiros (Estados Unidos, União Europeia e China), enfra-

quece a posição externa do agronegócio brasileiro, sobretudo no que se refere à abertura de novos mercados.

Ao lidar com esses problemas, o Brasil poderá explorar de forma mais contundente as oportunidades geradas

por um mercado doméstico em expansão; pela contínua disponibilização de novas e inovativas formas de

cultivo, via adoção de práticas agrícolas inovativas (caso do plantio direto e da integração de sistemas); pela

substituição de pastagens e áreas de baixa produtividade por culturas de alta produtividade; pela importância

crescente de combustíveis renováveis e novas tecnologias em biocombustíveis no âmbito da matriz energéti-

ca nacional; e pela consolidação das empresas do setor no Brasil, com maior integração da cadeia produtiva.

Page 116: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 117: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

3. TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NO CENÁRIO

INTERNACIONAL

Page 118: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 119: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

117

O presente capítulo tem por objetivo principal apresentar alguns dos principais fatores que têm influenciado

e condicionado a trajetória e os padrões do comércio internacional nas últimas décadas, bem como analisar

algumas das tendências e fatos estilizados que emergem da reconfiguração recente dos fluxos de bens e in-

vestimentos e da produção mundial.

Esse esforço colabora para contextualizar alguns fenômenos, tais como a ascensão da economia chinesa e o

curso excepcional do agronegócio brasileiro, assim como compreender algumas das dinâmicas que têm pre-

valecido no âmbito das negociações e dos acordos comerciais, incluindo a proliferação de acordos regionais

e barreiras não tarifárias, além de novos fatores que influenciam a capacidade dos países em alavancar a com-

petitividade de seus produtos e serviços, caso da logística e da infraestrutura de transportes.

3.1 ASPECTOS E PRINCIPAIS VETORES DA GLOBALIZAÇÃO

Pode-se afirmar que as últimas quatro décadas foram marcadas pelo aprofundamento do fenômeno conhecido

como ‘globalização’. Na literatura, o termo é empregado comumente para identificar a crescente interdepen-

dência entre as economias nacionais, por meio da intensificação dos fluxos migratórios e de bens, serviços,

capitais e informações através de suas fronteiras84.

Tomando como referência o intercâmbio de bens e serviços, a dimensão do fenômeno recente de abertura e

integração entre as diferentes nações do globo pode ser evidenciada a partir da comparação entre a evolução

do valor dos fluxos comerciais e a renda e a produção mundiais. De fato, segundo dados do Banco Mundial,

apresentados no Quadro 57, ao longo dos últimos cinquenta anos, as exportações do mundo cresceram a uma

taxa média anual de 5,1%, ao passo que o PIB mundial expandiu-se, em média, 3,5% ao ano.

84 Ver, a respeito, definição dada pelo The International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank (2000). Beyond economic growth: Meeting the Challenges of Global Development. Disponível em: <http://www.worldbank.org/depweb/beyond/global/chapter12.html>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 120: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

118

Quadro 57

EVOLUÇÃO DO VALOR REAL DO PIB E DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS (ÍNDICE BASE 100 = 1960)

299

611

421

1.407

100

300

500

700

900

1.100

1.300

1.500

19

60

19

62

196

4

196

6

196

8

1970

19

72

1974

19

76

19

78

19

80

19

82

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

13

PRODUTO INTERNO BRUTO MUNDIAL EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS MUNDIAIS

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Como resultado dessas trajetórias, a parcela da produção mundial direcionada para o comércio internacional

quase dobrou no período. Dados apresentados no Quadro 58, disposto a seguir, evidenciam que esse percen-

tual, correspondente a 12,8% do PIB Mundial em 1960, elevou-se para 29,9% em 201385.

Quadro 58

VALOR DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS COMO PROPORÇÃO DO PIB MUNDIAL (%)

18,0

29,9

10

15

20

25

30

35

19

60

19

62

196

4

196

6

196

8

1970

19

72

1974

19

76

19

78

19

80

19

82

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

13

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

85 Segundo dados do Banco Mundial, em valores correntes, o PIB mundial foi de US$ 75,6 trilhões em 2013, ao passo que as exportações de bens e serviços somaram US$ 18,3 trilhões, patamar similar ao período pré-crise internacional.

Page 121: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

119

Segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a maior

parte desse fluxo está associada à exportação de bens e mercadorias, que responderam por cerca de 80% do

valor transacionado internacionalmente em 2013 (US$ 18,6 trilhões). Apesar da menor participação, a comer-

cialização de serviços no âmbito internacional expandiu-se a uma velocidade média relativamente maior: entre

1980 e 2013, comparada aos fluxos comerciais de bens e serviços, que cresceram a uma taxa média de 8,4%

ao ano, a expansão anual média dos serviços foi de 11% ao ano.

É importante destacar, também, que esse quadro não se restringiu a apenas algumas regiões do mundo. Como

mostra o Quadro 59, apresentado na sequência, todas as regiões do mundo apresentaram uma elevação da

participação das exportações em relação à economia doméstica entre 1960 e 2013, contribuindo para uma

maior interdependência mundial na produção e no consumo de mercadorias e serviços.

Quadro 59

VALOR DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS COMO PROPORÇÃO DO PIB REGIONAL (%)

5,9 12,1

19,3 19,4 18,2 24,3

15,4 11,5 12,7 14,7

24,6

41,5 41,4

52,3

29,9 32,7 27,4 29,9

Am

éri

ca d

o

No

rte

Am

éri

ca L

ati

na e

C

ari

be

Un

ião

Eu

rop

eia

Eu

rop

a &

Ási

a

Cen

tral

Ori

en

te M

éd

io e

N

ort

e d

a Á

fric

a*

Áfr

ica

Su

bsa

ari

an

a

Ási

a d

o L

est

e e

P

acífi

co

País

es

da O

CD

E

Mu

nd

o

1960 2013

Nota: * para Oriente Médio e Norte da África, dados de 1965 e 2013. Elaboração: Think Agro.

Fonte: World Bank.

Fenômeno similar pode ser verificado no tocante ao movimento internacional de capitais. Segundo dados da

UNCTAD, apresentados no Quadro 60, entre 1970 e 2013, o fluxo internacional de Investimentos Estrangeiros

Diretos (IED) expandiu-se a uma taxa média de 7,0% ao ano. Às vésperas da crise internacional mundial, em

2007, o fluxo de IED atingiu o patamar recorde de US$ 2,28 trilhões, a preços de 2015, recuando posteriormente.

Page 122: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

120

Quadro 60

EVOLUÇÃO DO FLUXO INTERNACIONAL DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO – IED (EM US$ TRILHÕES DE 2015)

0,12 0,28

2,28

1,48

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

1970

1972

1974

1976

1978

198

0

198

2

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

13

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD).

Diversos vetores – tecnológicos, geopolíticos e econômicos – colaboraram para que vínculos e parcerias comer-

ciais, produtivas e financeiras entre as nações fossem fortalecidos e aprofundados nos últimos cinquenta anos.

Em primeiro lugar, é possível destacar um conjunto de fatores responsáveis por reduzir os obstáculos e aumen-

tar os vínculos comerciais e produtivos entre as nações, firmas e pessoas. Nesse âmbito, é possível sublinhar:

(i) a oferta de infraestrutura, os custos de transporte (as chamadas “barreiras naturais” ao comércio) e de

telecomunicação; (ii) as barreiras e restrições comerciais (tarifárias e não tarifárias) e os custos de transação

(custos de informação, custos de enforcement de contratos, custos legais e regulatórios, custos alfandegários

e administrativos, red tape86 etc.); e (iii) o grau de internacionalização das empresas e da produção mundial.

Como pré-condição para expansão do intercâmbio internacional, a oferta adequada de infraestrutura a custo

baixo, incluindo transporte (aéreo, marítimo e terrestre) e telecomunicações (transmissão eletrônica de infor-

mações, incluindo redes corporativas e acesso à internet, serviços de intermediação financeira e seguros), foi

essencial para permitir a ampliação do intercâmbio internacional de bens e serviços87. Nesse âmbito, a economia

mundial contou com rápidos desenvolvimento e difusão das chamadas tecnologias de informação e comuni-

cação, bem como com a redução significativa dos custos de transporte de cargas e passageiros, associada à

expansão das infraestruturas modais, à automação e à ampliação do número e da capacidade da frota mundial

de veículos, aeronaves e embarcações88.

86 Refere-se ao excesso de formalidades, burocracia, excesso de regras e regulamentos que impõem obstáculos às transações internacionais.

87 Evidências a respeito são apresentadas por NORDÅS, H. K.; PIERMARTINI, R. (2004). Infrastructure and trade. WTO Staff Working Papers ERSD-2004-04, World Trade Organization (WTO), Economic Research and Statistics Division. Disponível em: <https://ideas.repec.org/p/zbw/wtowps/ersd200404.html>. Acesso em: 14/06/2015.

88 Ver, a respeito, relatório da OMC, entitulado World Trade Report 2008: Trade in a Globalizing World. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/world_trade_report08_e.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 123: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

121

No caso específico do transporte internacional de cargas e passageiros, alguns dos marcos tecnológicos inclu-

íram, por exemplo: (i) o desenvolvimento da propulsão a jato, no caso da aviação de carga e passageiros; (ii)

a adoção e a disseminação da “conteinerização” e o aumento da capacidade de transporte das embarcações

e de fluxo portuário, no caso do transporte marítimo; e (iii) os investimentos maciços na expansão das malhas

rodoviária e ferroviária, combinados à expansão da indústria automobilística, nos modais terrestres.

Para evidenciar esse conjunto de inovações, o Quadro 61, exposto a seguir, apresenta a expansão significativa

da frota mercante mundial entre 1980 e 2015, com destaque para as embarcações de grãos e combustíveis.

Já o Quadro 62, na sequência, destaca a evolução positiva do número mundial de decolagens de aeronaves

no mundo entre 1970 e 2013.

Quadro 61

EVOLUÇÃO DA CAPACIDADE DA FROTA MERCANTE MUNDIAL (EM MILHÕES DE TONELADAS*)

11,1% 4,4%

13,0%

28,0%

43,5%

0,68 0,69 0,67 0,63 0,62 0,65 0,68 0,72 0,76 0,79 0,80 0,84 0,91

1,04

1,19

1,42

1,63 1,75

0,0

0,4

0,8

1,2

1,6

2,0

198

0

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

20

15

GRANELEIROS PETROLEIROS NAVIOS PORTA-CONTÊINERES NAVIOS DE CARGA EM GERAL OUTRAS EMBARCAÇÕES

Nota: * no âmbito náutico, o porte – deadweight tonnage (DWT), ou “toneladas de peso morto” – é definido como a somatória dos pesos do combustível, da água, dos mantimentos, dos consumíveis, dos tripulantes, dos passageiros, das bagagens e da carga embarcados.

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Page 124: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

122

Quadro 62

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE DECOLAGENS DE AERONAVES REGISTRADAS (EM MILHÕES)

31,1

5

10

15

20

25

30

35

1970

19

72

1974

19

76

19

78

19

80

19

82

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

13

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Já no âmbito das tecnologias de informação e comunicação, é necessário citar o desenvolvimento revolucio-

nário dos microprocessadores, dos computadores pessoais, das redes de telecomunicação sem fio (caso da

telefonia celular) e da rede mundial de computadores – a Internet. A expansão e a difusão recente do uso de

tecnologias de informação e comunicação, como computadores pessoais, telefonia móvel e banda larga (fixa

e móvel), podem ser observadas, respectivamente, nos Quadros 63 e 64, apresentados a seguir.

Quadro 63

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE COMPUTADORES PESSOAIS EM USO NO MUNDO (EM MILHÕES)

0 2 33 100 225

529

910

1.425

2.165

1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015*

Nota: * estimativa. Elaboração: Think Agro.

Fonte: eTForecasts.

Page 125: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

123

Quadro 64

EVOLUÇÃO DA PENETRAÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (POR 100 HABITANTES)

95,5

40,4

15,8

32,0

9,8

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014*

INDIVÍDUOS UTILIZANDO INTERNET

ASSINATURAS ATIVAS DE BANDA LARGA MÓVEL

ASSINATURAS DE TELEFONIA MÓVEL

ASSINATURAS DE TELEFONIA FIXA

ASSINATURAS ATIVAS DE BANDA LARGA FIXA

Nota: * estimativa. Elaboração: Think Agro.

Fonte: International Telecommunication Union (ITU).

Além dos fatores vinculados ao progresso tecnológico e da redução de custo nos transportes e nas comuni-

cações, as transformações no cenário geopolítico mundial, no Pós-guerra, desempenharam um papel decisivo,

por um lado, para reorganizar e reconstruir o sistema econômico mundial e, por outro, para harmonizar as

regras de intercâmbio comercial entre os países. Como resultado dessa nova ordem mundial, o sistema mun-

dial foi dotado de coesão e coerência institucionais necessárias para reduzir sensivelmente os entraves legais

e burocráticos ao comércio internacional.

No primeiro grupo, vale destacar dois pilares do sistema monetário e financeiro da nova ordem mundial: o

Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD,

posteriormente chamado Banco Mundial). Criadas em 1944 como resultado da conferência de Bretton Woods,

convertidos em agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU), estas instituições ofereceram

mecanismos para financiar a reconstrução da economia dos países destruídos pela Guerra; a estabilidade das

taxas de câmbio e a conversibilidade entre as moedas; a assistência na correção e no financiamento de dese-

quilíbrios de balança de pagamentos; e a facilitação dos pagamentos nas transações correntes internacionais.

Ao estruturar o sistema monetário e fornecer instrumentos de cooperação financeira, estes novos pilares insti-

tucionais forneceram condições essenciais para o comércio mundial, seja via estabilidade do sistema mundial,

seja para ampliação da liquidez internacional.

Já no que se refere às regras do comércio internacional, destaca-se a promoção de políticas econômicas e

instituições voltadas para a regulação, a redução ou a eliminação gradual das barreiras aduaneiras e outras

restrições normativas ao comércio e ao investimento entre as nações. O marco, nesse caso, é a assinatura do

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade, ou GATT), em 1947.

Page 126: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

124

Sobrevivendo ao fracasso no estabelecimento da Organização Internacional do Comércio (OIC)89, que seria

responsável por organizar institucionalmente o sistema de comércio multilateral, as negociações do GATT,

iniciadas a partir dos primeiros 23 países signatários, contemplaram o combate a práticas protecionistas até

então em voga, implicando importantes concessões dos integrantes, como é o caso do tratamento não discri-

minatório no comércio internacional (a chamada cláusula de nação mais favorecida (NMF, ou “Regra de Não

Discriminação entre as Nações”), a partir do qual um país não pode conceder a outro tratamento privilegiado

em relação aos demais, salvo as exceções previstas, como é o caso de tratados de integração regional.

Além disso, o GATT incluiu a regra de tratamento nacional (“Regra de Não Discriminação entre Produtos”),

que impediu a discriminação no tratamento de produtos de fabricação doméstica e aqueles importados no

que se refere a impostos internos e outros encargos, leis, regulamentações e requerimentos. A “cláusula de

transparência”, por sua vez, obrigou a publicação de todos os regulamentos e as informações relacionados ao

comércio exterior.

Além disso, os países signatários do GATT comprometeram-se a eliminar as barreiras quantitativas ao comér-

cio, tornando as tarifas aduaneiras o único instrumento de proteção permitido em trocas comerciais. Embora

quotas e barreiras não tarifárias fossem proibidas, regras especiais foram criadas para lidar com os produ-

tos agrícolas. Por fim, o acordo contemplava, também, as chamadas “cláusulas de escape” (ou de exceção),

acordadas pelos países signatários, que salvaguardam certos interesses domésticos no curso do processo de

liberalização comercial90.

Ao todo, foram realizadas oito rodadas de negociações no âmbito do GATT, ao longo das quais os dispositivos

e as regras do sistema foram sendo adequados às novas práticas do comércio (temática), ao mesmo tempo

em que se aumentou o número de participantes, o alcance e o escopo dos acordos. Em ordem cronológica,

as negociações foram celebradas em Genebra, na Suíça (1947); Annecy, na França (1949); Torquay, no Reino

Unido (1951); Genebra (1956); “Dillon”, em Genebra (1960-61); “Kennedy”, em Genebra (1963-67); Tóquio, no

Japão, (1973-79); e a Rodada Uruguai (Punta del Este, 1986-94).

Uma síntese da evolução institucional, participativa e temática do GATT é apresentada no Quadro 65, exposto

a seguir.

89 A proposta da Organização Internacional do Comércio (OIC), a partir da Conferência da ONU em Havana (Cuba), em 1947, foi rejeitada pelos Estados Unidos.

90 Segundo aponta o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE), o exemplo clássico de cláusula de escape é o das salvaguardas, que possibilitam a adoção de restrições às importações por meio de diversos mecanismos. As salvaguardas são medidas de proteção adotadas pelos governos e podem consistir em elevações de tarifas acima do nível consolidado, bem como na imposição de restrições quantitativas (quotas), a fim de limitar a importação de um determinado produto, embora, em condições normais, a utilização de tais mecanismos seja proibida. Conforme previsto no Acordo sobre Salvaguardas da OMC, são necessárias algumas condições para a aplicação de salvaguardas: (i) aumento das importações de determinado produto, podendo ser este aumento tanto em termos absolutos, como em termos relativos (à produção doméstica); (ii) ocorrência de grave prejuízo ou ameaça de grave prejuízo à indústria doméstica que produza produtos similares ou diretamente concorrentes ao produto importado. Além disso, as salvaguardas só podem ser impostas após uma investigação por autoridades competentes do país onde elas são realizadas, devendo, ainda, ser aplicadas a todas as importações de determinado produto, independentemente de sua origem (não podem funcionar como um instrumento seletivo).

Page 127: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

125

Quadro 65

CRONOLOGIA INSTITUCIONAL E TEMÁTICA DAS RODADAS DO GATT/OMC

PERÍODO LOCAL PAÍSES TEMÁTICA

19471º encontro

(Genebra, Suíça)23 Tarifas

19492º encontro

(Annecy, França)13 Tarifas

19513º encontro

(Torquay, Reino Unido)38 Tarifas

19564º encontro

(Genebra, Suiça)26 Tarifas, admissão do Japão

1960-1961Rodada Dillon

(Genebra, Suiça)26 Tarifas

1963-1967Rodada Kennedy(Genebra, Suiça)

62 Tarifas e antidumping

1973-1979Rodada Tóquio(Tóquio, Japão)

102 Tarifas, barreiras não tarifárias e acordo-quadro (framework*)

1986-1994Rodada Uruguai

(Punta del Este, Uruguai)123

Tarifas, barreiras não tarifárias e outros temas, como serviços, propriedade intelectual, solução de

controvérsias, têxteis, agricultura, e a criação da OMC

2001-PRESENTERodada de Doha

(Doha, Catar)161

Admissão da China, tarifas, barreiras não tarifárias, agricultura, serviços, meio ambiente,

concorrência, investimentos, propriedade intelectual, transparência, facilitação de comércio, etc.

Nota: * o acordo-quadro é uma tentativa de desbloquear as negociações multilaterais, regionais e bilaterais, fornecendo diretrizes às negociações em três temas fundamentais: agricultura, bens não agrícolas e serviços.

Elaboração: Think Agro. Fonte: MDIC; OMC.

Em termos de temática, as cinco primeiras oportunidades (isto é, até 1961) trataram quase exclusivamente de

reduções tarifárias sobre produtos industrializados comercializados pelos países desenvolvidos, desmantelando

barreiras protecionistas erigidas nas décadas anteriores. A sexta rodada de negociações, denominada Rodada

Kennedy (1963-1967), marcou a primeira negociação em bloco dos países da Comunidade Europeia, a adoção

da redução linear da tarifa proposta desde a Rodada Dillon (redução de 35% na tarifa média dos produtos

industrializados), além de ter sido concluído o primeiro acordo antidumping no GATT.

Na mesma oportunidade, foram contemplados interesses dos países em desenvolvimento, a partir da introdução

da Quarta Parte do GATT, a criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD), em 1964, e regras de tratamento diferenciado e mais favorável para estes países. Entre as reivindi-

cações dos países em desenvolvimento, incluíam-se os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio dos

principais produtos da pauta de exportação (commodities primárias, sobretudo bens agropecuários). Alega-

va-se, nesse caso, que o GATT não oferecia condições recíprocas de liberalização comercial, impedindo ou

dificultando (por exemplo, por meio de subsídios aos produtores nacionais) o acesso competitivo dos países

em desenvolvimento aos mercados dos países centrais.

Diante da série de transformações em curso no cenário mundial (por exemplo, o abandono do padrão dólar-ou-

ro, substituído pelo dólar flexível), a Rodada Tóquio (1973-1979) incluiu discussões a respeito da proliferação

do uso de barreiras não tarifárias como mecanismos protecionistas, culminando na elaboração do Código de

Normas sobre as Barreiras Técnicas, o de Valoração Aduaneira, o de Licenciamento das Importações, o de

Compras Governamentais, o de Subsídios e Medidas Compensatórias, além de uma nova versão do Código

Page 128: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

126

Antidumping. Todos estes dispositivos, entretanto, eram aplicáveis somente aos países que os subscrevessem

individualmente, impedindo a generalização das novas regras.

Por fim, a última rodada (Uruguai) incluiu nas negociações os chamados “novos temas” (serviços, investimen-

to e propriedade intelectual), além de produtos agrícolas (subsídios) e produtos têxteis. Comparativamente,

os termos originais do acordo de 1947 foram substituídos por um conjunto de regras muito mais abrangente,

aplicável a um conjunto ampliado de produtos e que seria administrado por uma nova organização internacio-

nal que passaria a se responsabilizar pelo monitoramento, a regulação e a solução de conflitos no âmbito do

comércio internacional: a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao contrário do GATT, a OMC passou a

constituir um órgão permanente, com base legal e maior autoridade (enforcement), uma vez que suprimia as

possíveis contradições entre a legislação local e a legislação internacional dos signatários.

A OMC inicia suas atividades em um cenário econômico e político completamente diferente daquele observado

na gênese do GATT (década de 1940), destacando-se: a nova relação de forças no cenário geopolítico; a maior

participação e proeminência do mundo em desenvolvimento (incluindo, nesse âmbito, a emergência da China

como nova potência política e econômica); uma nova e ampla agenda temática a ser contemplada (agricultura,

serviços, investimentos, propriedade intelectual, antidumping, acordos regionais, concorrência, transparência

em compras governamentais, comércio eletrônico, meio ambiente); e muitas controvérsias, decorrentes dos

impasses e da rigidez das posições dos países desenvolvidos e a formação/sobreposição de complexos blocos

de interesse (caso da União Europeia, dos BRICS, do G-20 etc.).

Para tratar desse novo cenário, foi iniciada a chamada Rodada do Desenvolvimento de Doha (Doha Development

Round) ou, simplesmente, Rodada de Doha, cujas negociações, ainda em curso, apresentam um futuro incerto

diante de impasses e divergências entre os países signatários, como, por exemplo, quanto ao fim dos subsídios

agrícolas. Atualmente, a OMC conta com 161 países admitidos, sendo o último deles o Tadjiquistão, em 201391.

Vale ressaltar, adicionalmente, que, em paralelo à instituição do GATT/OMC, diversos países introduziram

reformas comerciais autonomamente (com a progressiva abertura de suas economias), bem como estabele-

ceram acordos comerciais bilaterais e regionais (com reciprocidade no tratamento comercial entre dois ou

mais parceiros) ou preferenciais (unilaterais). Exemplos da emergência do regionalismo incluem a Comunidade

Econômica Europeia (CEE), em 1957, e, mais recentemente, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na

sigla em inglês), em 1960, bem como o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), em 1991, o Tratado Norte-Ameri-

cano de Livre Comércio (NAFTA, na sigla em inglês), em 1992, e a formação da União Europeia (UE), em 1993.

Além dos avanços tecnológicos, das novas instituições e formas de integração político-econômica, a expansão

do comércio internacional foi marcada por novos padrões de organização produtiva e geográfica das empresas

e da produção mundial. Nesse sentido, a aplicação do termo “globalização” deve ser qualificada não só pelo

aumento quantitativo do fluxo internacional de bens e capitais – fenômeno que se repete em outros perío-

dos históricos – mas, sobretudo, pela emergência de novos padrões de produção e de integração produtiva,

conduzidos em escala global. Para avaliar esse fenômeno, a literatura tem empregado comumente o termo

“Cadeias Globais de Valor” ou CGV (Global Chains of Value, ou GVC)92.

91 Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>. Acesso em: 26/06/2015.

92 Ver, a respeito, GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. (1994). Commodity Chains and Global Capitalism; Westport: Praeger; GEREFFI, G. (1994). The Organisation of Buyer-driven Global Commodity Chains: How U.S. Retailers Shape Overseas Production Networks, in: GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. (eds.). Commodity Chains and Global Capitalism. Westport, CT: Praeger, p. 95-122; ELMS, D.; LOW, P. (2013). Global Value Chains in a changing world. World Trade Organization Publications. Geneva: WTO.

Page 129: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

127

No berço das CGVs, a significativa redução dos custos de transporte e comunicação, aliada às menores restri-

ções internacionais para comércio e investimentos, criou condições inéditas, inicialmente, para que as empre-

sas coordenassem suas atividades em diferentes espaços competitivos do globo, levando à consolidação de

sistemas de governança global por grandes corporações transnacionais (transnational corporations, ou TNC).

Aproveitando-se dos processos de desregulação e privatização em voga no mundo emergente, bem como da

consolidação de um mercado consumidor internacional, as empresas passaram a controlar a produção e dis-

putar mercados tanto nos países-sede, onde se localizavam as matrizes, como nos países em desenvolvimento,

por meio do aumento do fluxo líquido de IED93. Como se pode notar nos Quadros 66 e 67, apresentados na

sequência, desde a década de 1970, a maior parte do fluxo líquido de IED originado nas economias desenvol-

vidas teve como destino países da Ásia e da América.

Quadro 66

ACUMULADO DO FLUXO LÍQUIDO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED) POR GRUPO DE PAÍSES (EM US$ TRILHÕES DE 2015)

5,2

-6,0

-8

-6

-4

-2

0

2

4

6

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

198

0

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

US

$ t

rilh

ões

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO ECONOMIAS DESENVOLVIDAS

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁFRICA) ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (AMÉRICA)

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁSIA)

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

93 Ver, a respeito, UNCTAD (2013). World Investment Report 2013. Global Value Chains: Investment And Trade For Development. Nova York e Geneva. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013overview_en.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 130: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

128

Quadro 67

DISTRIBUIÇÃO DOS INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS DIRETOS (IED) RECEBIDOS ENTRE 1970 E 2013 – PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

E EM TRANSIÇÃO (EM US$ TRILHÕES DE 2015)

8,6%

7,2%

29,6%

54,2%

0,3%

ECONOMIAS EM TRANSIÇÃO

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁFRICA)

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (AMÉRICA)

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (ÁSIA)

ECONOMIAS EM DESENVOLVIMENTO (OCEANIA)

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Aliada a políticas de desenvolvimento e industrialização nacionais, a entrada de investimentos externos diretos

colaborou diretamente para a formação de capital bruto nas economias das regiões, proporcionando aumento

da capacidade produtiva e modernização do parque produtivo e da infraestrutura destes países (Quadro 68).

Quadro 68

ÍNDICE DE FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (FBCF) (BASE 100 = 1970)

2.471

428

100

600

1.100

1.600

2.100

2.600

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

198

0

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

ÁSIA (EXCETO JAPÃO) AMÉRICA (EXCETO EUA E CANADÁ)

Elaboração: Think Agro. Fonte: United Nations Statistics Division (UN Stats).

Page 131: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

129

Esse processo foi mediado por modalidades como offshoring (realocação de estruturas ou processos produti-

vos em outros países) e outsourcing (terceirização ou subcontratação de parte ou de toda produção), a partir

da identificação de vantagens comparativas locais (presença de recursos especiais e insumos, infraestrutura,

preço e disponibilidade de fatores, incentivos fiscais, polos de exportação etc.).

Além da dispersão dos escritórios e das plantas industriais em diferentes regiões do globo, as circunstâncias

tecnológicas, produtivas e institucionais criaram condições inéditas para a fragmentação e a dispersão geo-

gráfica das diferentes etapas produtivas de criação de valor (unbundling), incluindo as atividades vinculadas

à produção de matérias-primas e insumos, inovação, pesquisa & desenvolvimento, manufatura, montagem,

logística, design & branding, marketing e comercialização. Para conectar as diferentes etapas, o comércio in-

ternacional passou a incluir não somente bens finais e serviços entre corporações, mas também portfólios de

investimento e mercados distintos, para contemplar uma “linha de montagem” global, a partir da qual insumos,

partes, componentes e produtos semiacabados são transacionados por meio de uma rede internacional de

fornecedores (supply chains), constituindo um verdadeiro mercado global. Com efeito, como mostra o Quadro

69, a produção manufatureira global foi progressivamente redistribuída entre as regiões do globo, marcando

a emergência de novos países na produção manufatureira mundial.

Quadro 69

EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL DA PRODUÇÃO MANUFATUREIRA ENTRE 1970 E 2013 (%)

2,0

1,6

6,0

46,4

28,7

15,2

1,81,8

7,9

45,4

24,7

18,4

1,51,8

6,6

41,3

24,0

24,7

1,41,6

7,1

36,3

28,0

25,5

1,01,6

6,0

27,9

21,4

41,9

0,91,7

5,9

26,7

20,3

44,4

1970 1980 1990 2000 2010 2013

ÁSIA

AMÉRICA DO NORTE

EUROPA

AMÉRICA LATINA E CARIBE

ÁFRICA

OCEANIA

Elaboração: Think Agro. Fonte: UN Stats.

Page 132: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

130

A fragmentação e a dispersão das cadeias produtivas pelo mundo traduzem-se no aumento do fluxo interna-

cional de bens intermediários (partes e componentes), vis-à-vis bens finais, fenômeno mediado pelo aumento

do comércio intrafirmas. Em uma ótica de valor agregado, mais apropriada para avaliar o comércio entre os

países, é possível destacar a parcela significativa do valor adicionado das exportações mundiais representada

por partes, componentes e insumos importados (Quadro 70).

Quadro 70

ORIGEM DO VALOR ADICIONADO BRUTO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS, TOTAL E POR TIPO DE PRODUTO, EM 2009

16,4%

38,9%

44,7%

TOTAL

MANUFATURADOS

SERVIÇOS

PRODUTOS PRIMÁRIOS

72,4%

27,6%

PRODUTOSPRIMÁRIOS

DOMÉSTICOS

ESTRANGEIROS

76,3%

23,7%

MANUFATURADOS

DOMÉSTICOS

ESTRANGEIROS

23,3%

76,7%

SERVIÇOS

DOMÉSTICOS

ESTRANGEIROS

Elaboração: Think Agro. Fonte: OCDE.

Esse processo tem afetado, particularmente, três países da Ásia (China, Coreia do Sul e Índia), considerada a

nova “fábrica do mundo”94. Como mostra o Quadro 71, de acordo com dados da OCDE, a participação doméstica

no valor adicionado das exportações destes países caiu de 84,5% para 66,8% entre 1995 e 2009.

94 Ver, a respeito, WTO-IDE-JETRO (2011). Trade patterns and global value chains in East Asia: From trade in goods to trade in tasks. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2013overview_en.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 133: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

131

Quadro 71

VARIAÇÃO NA PARTICIPAÇÃO DOMÉSTICA NO VALOR ADICIONADO DAS EXPORTAÇÕES (EM P.P.) – PAÍSES SELECIONADOS, DE 1995 A 2009

12,09

3,99

3,98

3,78

3,41

2,37

1,79

0,67

-0,14

-0,68

-1,20

-2,93

-3,22

-3,79

-3,89

-4,49

-4,68

-5,30

-5,83

-6,91

-7,94

-7,95

-12,27

-16,93

-20,76

Hong Kong

Canadá

Bélgica

Federação Russa

Reino Unido

Malásia

Itália

Brasil

Espanha

Austrália

Holanda

Estados Unidos

Cingapura

México

Irlanda

Áustria

Tailândia

Suíça

Suécia

França

Japão

Alemanha

Índia

Coreia do Sul

China

Elaboração: Think Agro. Fonte: OCDE.

Na esteira desses processos, países como China, Índia e Brasil expandiram suas operações portuárias acima

de 400% desde 2000.

Page 134: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

132

Quadro 72

EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO PORTUÁRIO ENTRE 2000 E 2013 (EM MILHÕES DE CONTÊINERES)

0

50

100

150

200

250

País

es

da O

CD

E

Un

ião

Eu

rop

eia

Est

ad

os

Un

ido

s

Ale

man

ha

Fra

nça

Jap

ão

Ch

ina

Co

reia

do

Su

l

Índ

ia

Am

éri

ca L

ati

na e

Cari

be

Bra

sil

Milh

ões

de c

on

têin

ere

s* d

e 2

0 p

és

2000 2013

Nota: * medida-padrão em TEU (unidades de contêineres de 20 pés). Elaboração: Think Agro.

Fonte: World Bank.

Esse fenômeno de integração econômica das empresas e países – pautado pela especialização e por uma nova

modalidade de divisão internacional do trabalho – avança com mais rapidez em alguns setores tipicamente

industriais, como é o caso dos equipamentos eletrônicos e da indústria automobilística. Paulatinamente, entre-

tanto, as CGVs passam a abarcar serviços (como logística e tecnologia da informação), agronegócio e indústria

de alimentos (separação entre matéria-prima bruta e industrializada/processada). Os produtos finais, portanto,

passam a ser classificados como “made in the world”.

Como resultado dessas mudanças, bem como de políticas de industrialização levadas a cabo pelos países

em desenvolvimento (a exemplo da Política de Substituição de Importações, na América Latina, e do milagre

asiático do Japão e dos chamados Tigres Asiáticos), tanto a produção como a exportação de produtos manu-

faturados foram redistribuídas no mapa global, reduzindo a distância entre os chamados países desenvolvidos

e em desenvolvimento.

Com base nesses fatores, a próxima seção busca destacar algumas das tendências verificadas para o comér-

cio internacional, com destaque para temas relevantes ao agronegócio: segurança alimentar; a emergência

da China e do mundo em desenvolvimento; a nova agenda de negociações; e a importância de novos fatores

competitivos no comércio global.

Page 135: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

133

3.2 TENDÊNCIAS E CONSEQUÊNCIAS

PARA O COMÉRCIO MUNDIAL

A partir dos fatores estruturais anteriormente elencados, é possível destacar uma série de tendências e fenô-

menos relacionados ao cenário econômico mundial com reflexos relevantes sobre a forma e o padrão interna-

cional do comércio entre os países.

Segundo o relatório anual da OMC de 2014 (World Trade Report 2014 – Trade and development: recent trends

and the role of the WTO)95, quatro tendências têm relacionado o comércio e o desenvolvimento desde os anos

2000, mais especificamente: (i) a aceleração do crescimento econômico dos países em desenvolvimento; (ii)

a crescente integração da produção global em grandes cadeias de fornecimento (supply chains); (iii) o novo

ciclo econômico das commodities agrícolas e dos recursos naturais; e (iv) o aumento da integração e da inter-

dependência entre as economias do mundo.

Em relação à crescente importância das economias em desenvolvimento no cenário global, o relatório destaca

que o período foi marcado pela aceleração do crescimento econômico dos países em desenvolvimento, cola-

borando para a convergência do PIB per capita dos mundos desenvolvido e em desenvolvimento, fenômeno

que transcorreu a despeito da manutenção da distância entre países ricos e pobres (Quadro 73).

Quadro 73

EVOLUÇÃO DO PIB PER CAPITA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO COMO PROPORÇÃO DO PIB PER CAPITA DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

5,1

%

8,3

%

4%

5%

6%

7%

8%

9%

19

70

19

72

1974

19

76

19

78

19

80

19

82

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

13

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

95 Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/world_trade_report14_e.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 136: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

134

Como parte da abertura e da integração crescente à economia mundial, os países em desenvolvimento têm se

comprometido com a redução significativa das barreiras tarifárias impostas ao comércio internacional, além

de ampliar a sua participação no intercâmbio comercial mundial.

Como se pode notar no Quadro 74, segundo dados da UNCTAD, a participação das exportações de países em

desenvolvimento no comércio mundial evoluiu significativamente em todos os grupos de produtos entre 1995

e 2013, tanto no âmbito das commodities primárias (de 39,6% para 49,9%), quanto no que se refere aos bens

manufaturados (de 25,3% para 43,4%).

Quadro 74

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS ENTRE 1995 E 2013, POR CATEGORIA DE PRODUTO

27,9%

39,6%

30,8% 31,0% 28,7%

31,8%

57,7%

25,3%

44,8%

49,9%

39,7% 39,0% 37,1%

42,2%

57,4%

43,4%

Todos osprodutos

Commoditiesprimárias

Commodities primárias, exceto

combustíveis

Alimentos Matérias-primas agrícolas

Metais eminérios

Combustíveis Bensmanufaturados

1995 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Os dados corroboram a tendência recente de aprofundamento das CGVs, responsáveis por oferecer novas

oportunidades de integração dos países em desenvolvimento ao comércio mundial, por meio da fragmentação

e da dispersão geográfica das atividades e tarefas produtivas.

Com efeito, apesar da redução na participação total de produtos manufaturados na pauta de exportação dos

países em desenvolvimento, sua composição passou a contar com maior peso de produtos de alta e média

intensidades tecnológicas. Como se pode notar no Quadro 75, os produtos intensivos em trabalho e recursos

naturais, tradicionalmente prevalecentes no mundo em desenvolvimento, tiveram sua participação reduzida

de 28,8% para 18,2% entre 1995 e 2013, ao passo que combustíveis ocuparam um espaço relativamente maior

da pauta. Ao mesmo tempo, a participação dos países em desenvolvimento nas exportações totais de partes

e componentes eletroeletrônicos saltou de 34,4% para 68,3% (Quadro 76).

Page 137: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

135

Quadro 75

COMPOSIÇÃO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

17,0% 12,2%

15,4% 24,0%

67,6% 63,8%

1995 2013

BENS

MANUFATURADOS

COMBUSTÍVEIS

COMMODITIES

PRIMÁRIAS,

EXCETO

COMBUSTÍVEIS

28,8% 18,2%

9,8% 10,0%

22,5% 26,8%

39,0% 45,0%

1995 2013

ALTA INTENSIDADE

TECNOLÓGICA

MÉDIA INTENSIDADE

TECNOLÓGICA

BAIXA INTENSIDADE

TECNOLÓGICA

INTENSIVO EM TRABALHO E

RECURSOS NATURAIS

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Quadro 76

PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE PARTES E COMPONENTES DE PRODUTOS ELETROELETRÔNICOS*

34,4%

68,3%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

55%

60%

65%

70%

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

TODOS OS PRODUTOS PRODUTOS MANUFATURADOS PARTES E COMPONENTES DE PRODUTOS ELETROELETRÔNICOS

Nota: * inclui os produtos de código 759, 764, 772 e 776 da Standard International Trade Classification (SITC). Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Além de mudanças na pauta de exportação, o fenômeno das CGVs tem como implicação a expansão do

comércio entre países em desenvolvimento. Como destaca o Quadro 77, o intercâmbio comercial de bens e

serviços entre países em desenvolvimento cresceu cerca de duas vezes mais do que o da média mundial. Como

resultado desse processo, sua participação no comércio mundial passou de 11,7%, em 1995, para mais de um

quarto do total (26,2%), em 2013 (Quadro 78).

Page 138: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

136

Quadro 77

EVOLUÇÃO DO FLUXO COMERCIAL ENTRE PAÍSES, DE ACORDO COM O NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO (ÍNDICE BASE 100 = 1995)

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

COMÉRCIO MUNDIAL COMÉRCIO ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E O MUNDO

COMÉRICO ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Quadro 78

PARTICIPAÇÃO DO COMÉRCIO ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO EM RELAÇÃO AO FLUXO COMERCIAL MUNDIAL

11,7%

15,5% 12,9% 12,4%

13,9% 13,6%

20,7%

11,1%

26,2%

30,4%

24,5% 23,0% 23,5%

28,0%

34,7%

24,7%

Todos osprodutos

Commoditiesprimárias

Commoditiesprimárias, exceto

combustíveis

Alimentos Matérias-primasagrícolas

Metais eminérios

Combustíveis Bensmanufaturados

1995 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Nesse sentido, o relatório da OMC destaca a maior abertura e o maior o nível de integração dos países em

desenvolvimento – como destacado no Quadro 79 – como um dos fatores importantes para o crescimento

econômico e comercial dos países, apesar dos riscos associados à especialização e à maior exposição do País

às volatilidades da produção e da demanda mundiais.

Page 139: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

137

Quadro 79

VALOR DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS COMO PROPORÇÃO DO PIB (%)

19,6 18,8 24,2

29,5 31,3 25,8 25,0

34,3 35,7 35,9

19,2 17,8 21,0

26,0 28,3

1980 1990 2000 2010 2013

MUNDO PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PAÍSES DESENVOLVIDOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Em relação ao “novo ciclo” das commodities agrícolas e dos recursos naturais, o relatório destaca a tendência

de crescimento no comércio e nos preços verificada a partir dos anos 2000, fenômeno que impulsionou a

economia de muitos países (Quadro 80). Não obstante os efeitos deletérios da crise internacional em 2008,

o relatório aponta que o patamar elevado do preço e a volatilidade desse mercado devem permanecer como

características do atual ciclo.

Por outro lado, o relatório da OMC destaca que as barreiras tarifárias e os subsídios nos países desenvolvidos conti-

nuam a afetar negativamente o acesso a seus mercados pelas exportações agrícolas de países em desenvolvimento.

Quadro 80

EVOLUÇÃO DOS PREÇOS REAIS DAS COMMODITIES AGRÍCOLAS, MINERAIS E METÁLICAS (ÍNDICE BASE 100 = 2000)

0

50

100

150

200

250

300

196

0

196

2

196

4

196

6

196

8

1970

1972

1974

1976

1978

198

0

198

2

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

14

AGRÍCOLAS MINERAIS E METAIS

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Page 140: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

138

Por fim, o relatório destaca como uma das tendências prevalecentes nos últimos tempos a crescente sincroni-

zação da economia mundial, sobretudo no que se refere à volatilidade dos mercados e à resposta aos choques

macroeconômicos (crise de 2008). Nesse sentido, o relatório destaca, ainda, que a eclosão da crise de 2008

evidenciou os efeitos sistêmicos da crescente integração das economias mundiais nas CGVs pelo comércio,

cujo fluxo foi severamente impactado pela retração da atividade econômica nos países centrais.

Diante do cenário e das tendências prevalecentes no cenário comercial mundial atual, é possível identificar um

conjunto de novos fatores e condicionantes capazes de modificar as vantagens comparativas e, com isso, co-

laborar para modificar o padrão do comércio entre os países nas próximas décadas. Segundo o relatório anual

da OMC de 2013 (World Trade Report 2013: Factors shaping the future of world trade)96, é possível destacar a

importância das seguintes esferas:

nMudanças demográficas, incluindo envelhecimento da população, urbanização, migração, avanços em

escolaridade, renda e equidade entre os gêneros, com efeitos sobre a demanda global, o padrão de

consumo e o mercado de trabalho dos países;

n Investimento em infraestrutura, associado a Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), como fator-chave

tanto para nortear a acumulação de capital, como para ampliar a integração de novos players nas CGVs;

n A geração e a difusão de conhecimento e inovação (progresso tecnológico), por meio de investimentos

em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), como fonte do crescimento econômico e da inserção qualifi-

cada dos países nas CGVs e no comércio mundial;

n As mudanças nos padrões de produção e consumo de energia dos diferentes países, bem como a

escassez de recursos naturais (sobretudo água) em algumas regiões do mundo em desenvolvimento,

com efeitos sobre a produção e o comércio de alimentos no mundo;

n Novas oportunidades, em nível nacional e multilateral, para a redução dos custos de transporte e a

qualidade da infraestrutura, possibilidade de expansão da quantidade de bens e mercadorias transa-

cionados, bem como do número de rotas de comércio internacionais;

nMelhorias no ambiente institucional, como enforcement de contratos, entendido como instrumento

para melhorar as vantagens comparativas e reduzir os custos de transação no comércio.

Alguns dos fatores ressaltados anteriormente têm particular influência sobre o comércio internacional do agro-

negócio, afetando, de diferentes maneiras, a dinâmica dos países exportadores e importadores desses produtos.

A seguir, analisam-se em maior detalhe: (i) aspectos demográficos: crescimento populacional e urbanização;

(ii) ascensão da China e seus impactos no comércio internacional; (iii) os acordos comerciais e a nova agenda

das negociações; e (iv) os novos fatores de competitividade, sobretudo em logística.

96 Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/publications_e/wtr13_e.htm>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 141: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

139

3.3 ASPECTOS DEMOGRÁFICOS: CRESCIMENTO

POPULACIONAL E URBANIZAÇÃO

Segundo as Nações Unidas97, entre 1950 e 2015, a população mundial cresceu a uma taxa média anual de 1,7%,

atingindo, em 2015, a marca de 7,324 trilhões de pessoas. Como mostra o Quadro 81, a seguir, os países em

desenvolvimento concentram, atualmente, a maior parte da população mundial, a exemplo da China (19,1% do

total) e da Índia (17,5%). Com efeito, a Ásia consolidou-se como continente com maior número de habitantes,

respondendo por cerca de 60% da população global.

Quadro 81

EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL, POR GRUPO DE PAÍSES

0

2

4

6

8

10

12

0,8

1,7

2,5

1950

0,9

2,1

3,0

1960

1,0

2,7

3,7

1970

1,1

3,4

4,4

1980

1,1

4,2

5,3

1990

1,2

4,9

6,1

2000

1,2

5,7

6,9

2010

1,3

6,1

7,3

2015*

1,3

6,4

7,7

2020*

1,3

7,1

8,4

2030*

1,3

7,7

9,0

2040*

1,3

8,2

9,6

2050*

Bilh

ões

PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PAÍSES DESENVOLVIDOS

Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

As décadas futuras reservam profundas mudanças no tamanho e na distribuição das populações ao redor do

mundo, sobretudo no hemisfério Sul98. Segundo dados expostos nos Quadros 82 e 83, até 2050, a expectativa

é de que a população mundial cresça a uma taxa média de 0,8% ao ano, totalizando 9,550 trilhões de pessoas.

Assim, futuramente, o mundo em desenvolvimento acomodará 86,4% das pessoas, a maior parte concentrada

na Ásia e na África. Somente os países africanos aumentarão sua participação na população total dos atuais

15,1% para 25,1%, em 2050.

97 United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2014). World Urbanization Prospects: The 2014 Revision. Methodology Working Paper No. ESA/P/WP.237. Disponível em: <http://esa.un.org/unpd/wup/Highlights/WUP2014-Highlights.pdf>. Acesso em 02/04/2015.

98 United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2013). Human Development Report 2013. The Rise of the South: Human Progress in a Diverse World. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/2013-report>. Acesso em: 02/06/2015.

Page 142: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

140

Quadro 82

EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIA DA POPULAÇÃO, POR PERÍODO E GRUPO DE PAÍSES

-0,5%

0,0%

0,5%

1,0%

1,5%

2,0%

2,5%

3,0%

Mundo Países desenvolvidos

Países em desenvolvimento

África Ásia Europa América Latinae Caribe

América doNorte

Oceania

1950/60 1960/70 1970/80 1980/90 1990/00 2000/10 2010/15* 2015/20* 2020/30* 2030/40* 2040/50*

Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

Quadro 83

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NA POPULAÇÃO, POR GRUPO DE PAÍSES E REGIÕES

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Paísesdesenvolvidos

Países emdesenvolvimento

África Ásia Europa América Latinae Caribe

América doNorte

Oceania

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2015* 2020* 2030* 2040* 2050*

Nota (*): a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

Em paralelo ao crescimento populacional, há outras mudanças importantes no perfil demográfico e socioe-

conômico da população mundial. Boa parte delas (como aspectos vinculados à transição demográfica e ao

envelhecimento da população) está correlacionada ao aumento da urbanização e da renda média per capita,

que condicionam, por sua vez, outros fenômenos importantes, como padrão de consumo, escolaridade, lon-

gevidade, participação da mulher no mercado de trabalho e aspectos migratórios.

No que se refere ao grau de urbanização, os dados disponibilizados pelas Nações Unidas permitem avaliar como

a população urbana evoluiu desde 1950, passando de 29,6% para os atuais 54,0%. Como mostra o Quadro 84,

a maior parte deste incremento na média mundial está associada à crescente urbanização da população nos

Page 143: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

141

países em desenvolvimento, fenômeno expresso na taxa média de crescimento anual de 3,6% – superior à dos

países desenvolvidos (1,2% ao ano).

Quadro 84

EVOLUÇÃO DA PARCELA URBANA DA POPULAÇÃO, POR NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL (%)

29

,6

33

,7

36

,6

39

,3

42,9

46

,6

51,

6

54

,0

56

,2

60

,0

63

,2

66

,4

54

,6

61,

0

66

,7

70

,2

72,4

74

,2

77,1

78

,3

79

,3

81,

5

83

,5

85

,4

17,6

21,

9

25

,3

29

,4

34

,8

39

,9

46

,1

49

,0

51,

6

56

,2

59

,8

63

,4

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2015* 2020* 2030* 2040* 2050*

MUNDO PAÍSES DESENVOLVIDOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

Como é possível evidenciar no Quadro 85, a população rural no mundo tem permanecido praticamente está-

vel desde a década passada. A estimativa das Nações Unidas é de que a população rural decresça a partir de

2020, ao passo que a população urbana mantenha taxas de crescimento positivas, ainda que declinantes, ao

longo do período destacado.

Page 144: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

142

Quadro 85

TAXA MÉDIA ANUAL DE CRESCIMENTO DAS POPULAÇÕES RURAL E URBANA MUNDIAIS

3,11

3,1

2

2,9

9

2,6

3

2,5

6

2,6

2

2,7

1

2,6

3

2,3

4

2,1

3

2,2

7

2,2

0

2,0

5

1,8

4

1,6

3

1,4

4

1,29

1,16

1,0

7

1,0

0

1,20

1,20

1,3

4 1,75

1,6

0

1,25

1,16

1,19

0,8

9

0,6

1

0,2

6

0,1

8

0,1

3

0,0

7

-0,0

1

-0,0

6

-0,1

0

-0,1

6

-0,2

8

-0,4

0

19

50

-19

55

19

55

-19

60

19

60

-19

65

19

65

-19

70

19

70

-19

75

19

75

-19

80

19

80

-19

85

19

85

-19

90

19

90

-19

95

19

95

-20

00

20

00

-20

05

20

05

-20

10

20

10-2

015

* 20

15-2

020

* 20

20

-20

25

* 20

25

-20

30

* 20

30

-20

35

* 20

35

-20

40

* 20

40

-20

45

* 20

45

-20

50

*

URBANA RURAL

Nota: * após 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

A urbanização está, em boa medida, associada ao processo de industrialização dos países. Cidades são conheci-

das como importantes loci do desenvolvimento e da redução da pobreza, sobretudo pelo fato de concentrarem

boa parte da atividade econômica e dos empregos, dos órgãos governamentais, do comércio e dos transportes,

além de servir de eixo de ligação entre regiões rurais, outras cidades e outros países (portos). Não por acaso, a

vida nas cidades é associada a maiores níveis de escolaridade e educação, melhores condições de saúde, maior

poder aquisitivo e acesso a serviços sociais, além de maiores oportunidades de participação política e cultural.

Com efeito, é possível destacar, também, a evolução da renda per capita no mundo, com destaque para o

conjunto de países em desenvolvimento. Como se pode notar no Quadro 86, tais países atravessam, desde

o início da década passada, um período de aceleração na renda per capita, vis-à-vis ao mundo desenvolvido.

Apesar da manutenção das desigualdades entre estes dois grupos, o aumento da renda per capita, alinhado

ao aumento da população urbana nestes países, representa um significativo incremento no poder e no padrão

de consumo das famílias.

Page 145: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

143

Quadro 86

EVOLUÇÃO DO PIB PER CAPITA ENTRE 1970 E 2013 (BASE 100 = 1970)

100

150

200

250

300

350

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

198

0

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PAÍSES DESENVOLVIDOS MÉDIA MUNDIAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Entre os diferentes impactos que esses fenômenos representam, como o aumento da demanda por energia e

recursos hídricos, é possível destacar, no âmbito do comércio mundial, o tópico da segurança alimentar, isto é,

a capacidade dos diferentes países em responder a uma demanda crescente por alimentos, seja por meio do

aumento da produção nacional (via ganhos de produtividade, aumento da área plantada etc.), seja por meio

da importação. O Quadro 87, apresentado a seguir, evidencia como o atendimento desta demanda tem sido

conduzido ao longo dos últimos cinquenta anos e como os índices de produção de alimentos, grãos (crops) e

criação de gado (livestock) têm acompanhado o crescimento da população urbana global.

Page 146: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

144

Quadro 87

EVOLUÇÃO DE ÍNDICES RELACIONADOS À PRODUÇÃO E AO CONSUMO DE ALIMENTOS NO MUNDO (BASE 100 = 1961)

100

150

200

250

300

350

400

1961 1970 1980 1990 2000 2010 2013

ÍNDICE DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS ÍNDICE DE PRODUÇÃO DE GRÃOS ÍNDICE DE PRODUÇÃO DE CARNE

ÍNDICE DE POPULAÇÃO ÍNDICE DE POPULAÇÃO URBANA ÍNDICE DE RENDA PER CAPITA

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Quadro 88

EVOLUÇÃO DE ÍNDICES DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA E DE ALIMENTOS PER CAPITA (BASE 100 = 1961)

90

100

110

120

130

140

150

160

1961 1970 1980 1990 2000 2010 2013

AGRICULTURA GRÃOS CEREAIS CRIAÇÃO DE ANIMAIS ALIMENTOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), considerando a recomendação de três refeições diárias por

individuo, serão necessários mais de 28 milhões de refeições para alimentar a população mundial a cada dia,

sendo necessário quase duplicar a produção atual de alimentos, considerando que o padrão de alimentação e

nutricional deve crescer em boa parte do mundo, sobretudo nos países da Ásia e da África. Para a FAO, será

Page 147: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

145

necessário um incremento na oferta de alimentos da ordem de 60%, além de um aumento de 50% na disponi-

bilidade energética e 40% na disponibilidade de recursos hídricos.

A conversão de novas populações do globo para dietas nutricionais “ocidentais”, caracterizadas por maiores

ingestões calórica e proteica, ricas em laticínios, reflete-se na maior pressão sobre a produção de cereais

como soja e milho, seja para consumo humano, seja para alimentação do rebanho mundial. O atendimento

da demanda do consumo humano, por sua vez, faz-se não só pela disponibilidade de alimentos, mas também

pela sua acessibilidade (preço), qualidade e segurança. Some-se a isso o aumento da demanda por produtos

agropecuários, como soja e milho, para a criação de gados de corte e leiteiro.

Pelo lado da oferta, é possível destacar os volumes de investimento e inovação necessários para elevar a pro-

dução agropecuária e de alimentos, a ponto de atender a nova demanda, incluindo aumento da área plantada

e irrigada, aumento do uso de fertilizantes e pesticidas, melhorias nas sementes, novas variedades genéticas,

mecanização e novos métodos de produção e manejo sustentável da terra. Adicionalmente, considerando toda

a cadeia do agronegócio e da indústria agroalimentar, é necessário ampliar a infraestrutura de organização,

processamento e logística, sobretudo no âmbito das CGVs, aumentando a eficiência do uso de recursos cada

vez mais escassos e caros (como a água).

Como obstáculos, as incertezas e os riscos específicos aos quais está submetida a produção agropecuária, como

fenômenos climáticos (por exemplo, secas prolongadas) e desastres naturais, aliados a questões ambientais,

como escassez de recursos hídricos e de terra arável, e laborais, como a redução da população e de mão de

obra rural, oferecem restrições à capacidade de atender a crescente demanda mundial. Por fim, a demanda

crescente por fontes renováveis de bioenergia, derivadas de produtos agropecuários como a cana-de-açúcar,

impõe trade-offs competitivos adicionais sobre os caminhos a serem trilhados pela produção agropecuária na

indústria e no comércio (o que é evidenciado pelos debates “fuel versus food”)99.

Do ponto de vista do comércio internacional, o maior desafio imposto pela segurança alimentar é definido

pelas diferenças nacionais em termos de oferta e demanda de produtos agropecuários e alimentos no futuro,

isto é, pela capacidade de autossuficiência e geração de excedentes exportáveis.

A partir dos dados expostos no Quadro 89, a seguir, é possível evidenciar a evolução das exportações mun-

diais de produtos agropecuários desde 1961. Embora as exportações tenham perdido espaço na pauta de bens

comercializados mundialmente (de 23,7%, em 1961, para 7,3%, em 2012), o valor delas expandiu-se, em termos

reais, 3,4% ao ano no período selecionado. Em termos de produtos, trigo, soja, milho, açúcar, bebidas, óleos

vegetais, cevada, arroz e carnes ampliaram significativamente o volume comercializado internacionalmente

(Quadro 90).

99 Ver, a respeito, High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition (HLPE) (2013). Biofuels and food security. A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security. Roma. Disponível em: <http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/hlpe/hlpe_documents/HLPE_Reports/HLPE-Report-5_Biofuels_and_food_security.pdf>. Acesso em: 18/06/2015.

Page 148: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

146

Quadro 89

EVOLUÇÃO DO VALOR E DA PARTICIPAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS NO COMÉRCIO

INTERNACIONAL (EM US$ TRILHÕES DE 2015)

0,3 0,3

0,7 0,6 0,6

1,2

1,4

23,7%

16,5%

11,6% 9,3%

6,4% 7,1% 7,3%

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

1,2

1,4

1,6

1961 1970 1980 1990 2000 2010 2012

US

$ t

rilh

ões

VALOR DAS EXPORTAÇÕES PARTICIPAÇÃO NO COMÉRCIO DE BENS

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: FAO.

Quadro 90

EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE EXPORTADA DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS SELECIONADOS

39

,5

14,0

4,2

20

,1

7,8

3,0

7,2

6,3

3,5

164

,6

120

,4

96

,9

59

,3

66

,3

74

,5

28

,5

39

,8

42,8

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Trigo Milho Soja Açúcar Bebidas ÓleosVegetais

Cevada Arroz Carnes

Milh

ões

de t

on

ela

das

1961 1970 1980 1990 2000 2010 2012

Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.

Em grande parte, a oferta é dada pelas dotações naturais (área agricultável, clima, solo) e o desempenho do

agronegócio (produtividade, tecnologia etc.), ao passo que a demanda doméstica está vinculada à dinâmica

demográfica e socioeconômica da população de cada país. Além disso, devem ser consideradas as estratégias

nacionais de integração às CGVs – associadas à especialização produtiva em segmentos e etapas industriais.

Page 149: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

147

Esta inserção, aliada às condições de autossuficiência de alguns mercados, oferece aos grandes países produ-

tores e exportadores líquidos uma vantagem importante nas negociações comerciais futuras.

Como é possível evidenciar no Quadro 91, desde 1961, os países asiáticos ampliaram significativamente seu

déficit na balança comercial de produtos agropecuários, ao passo que os países americanos (sobretudo os

países latino-americanos, responsáveis por 65,7% do superávit regional) consolidaram-se como os maiores

exportadores líquidos mundiais destes produtos.

Quadro 91

EVOLUÇÃO DO SALDO COMERCIAL DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS, POR REGIÃO (EM US$ BILHÕES DE 2015)

29,8

108,3

11,2

56,6

16,0

41,8

-85,7

-8,2

17,4

-41,8

-9,0

-186,7

-250

-200

-150

-100

-50

0

50

100

150

1961 2012

US

$ b

ilhõ

es

AMÉRICA LATINA E CARIBE AMÉRICA DO NORTE OCEANIA EUROPA ÁFRICA ÁSIA

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: FAO.

A expectativa é de que se observe, nas próximas décadas, uma significativa expansão dos fluxos mundiais de

commodities agrícolas e alimentos, sobretudo no comércio entre países em desenvolvimento, nos quais se es-

peram maiores avanços demográficos e socioeconômicos. Diante das ameaças à segurança alimentar, diversos

países têm adotado políticas e estratégicas voltadas para a promoção da autossuficiência e a consolidação

de parcerias internacionais de comércio e investimento, com foco no abastecimento interno de alimentos e

produtos agropecuários. É o caso notável da China, analisada na próxima seção.

Page 150: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

148

3.4 A ASCENSÃO DA CHINA E SEUS IMPACTOS

NO COMÉRCIO INTERNACIONAL

A ascensão da China como potência econômica é um fenômeno mundial que se vincula, direta ou indiretamente,

a todos os fatores e tendências de aprofundamento recente da globalização, particularmente no que se refere

ao desenho e à consolidação das CGVs100.

Desde o início das reformas econômicas, em 1978, o país – então eminentemente agrário – passou por um

gradual processo de abertura e desenvolvimento econômico, calcado, no plano interno, em um plano de

reforma agrária (extinguindo-se as comunas agrárias e instalando, em seu lugar, um sistema de “contratos

de responsabilidade”, nova modalidade de organização coletiva a partir da qual as famílias poderiam dispor

livremente de 90% de sua produção, destinando o restante ao Estado) e liberalização de salários e preços; e,

no âmbito externo, pela gradual abertura de certas regiões e localidades do país a investimentos estrangeiros

e ao comércio internacional (“open door policy”). Entre seus objetivos, a estratégia colaboraria diretamente

para a industrialização e a geração de empregos do país, impulsionando as exportações chinesas e a geração

de saldos positivos na balança comercial.

Os resultados do programa chinês de reformas são evidenciados pelo excepcional desempenho da economia

chinesa entre 1980 e 2013, crescendo, em média, 9,9% ao ano. Dados do Quadro 92 indicam que o percentual

é mais de três vezes superior à média mundial no período.

Quadro 92

EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL MÉDIA DO PIB REAL, POR PERÍODO

3,9%

6,2%

9,3%

10,4% 10,5%

8,2%

9,9%

5,4%

3,8% 3,2% 2,8% 2,6% 2,4% 2,8%

1960/70 1970/80 1980/90 1990/00 2000/10 2010/13 1980/13

CHINA MÉDIA MUNDIAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

100 Uma análise mais apurada sobre o ambiente interno e as transformações em curso na China está disponível no quarto capítulo deste estudo.

Page 151: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

149

Em boa medida, esse processo, marcado pela progressiva transição do modelo econômico nacional para uma

economia de mercado, foi centrado em grandes ondas de investimento produtivo e em infraestrutura: dois

aspectos que, combinados, colaboraram para acelerar significativamente as mudanças estruturais no país, tanto

no que se refere ao grau de industrialização, quanto no que se refere ao perfil sociodemográfico e econômico

do país.

A evolução dos investimentos no país pode ser inferida a partir da expansão da taxa de Formação Bruta de

Capital Fixo (FBCF) ao longo de todo o período, cujos dados são expostos no Quadro 93, apresentado a seguir.

Em 2013, pico da série, a taxa de FBCF alcançou o patamar recorde de 47,3% do PIB chinês.

Quadro 93

EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (FBCF) COMO PROPORÇÃO AO PIB (%) NA CHINA

47,3

22,0

10

15

20

25

30

35

40

45

50

196

0

196

1 19

62

196

3

196

4

196

5

196

6

196

7

196

8

196

9

1970

19

71

1972

1973

19

74

19

75

19

76

19

77

1978

19

79

19

80

19

81

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1 19

92

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

CHINA MUNDO

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

O esforço industrializante foi reforçado pela entrada de capitais estrangeiros no país. De acordo com dados

da UNCTAD, apresentados no Quadro 94, embora o fluxo de IED tenha se tornado positivo a partir de 1979 –

primeiro ano em que as reformas entraram em vigor –, a entrada de capitais nesta modalidade ganhou impulso

importante a partir da década 1990, colaborando para tornar a China um dos maiores receptores de IED no

mundo. A partir dos anos 2000, com a maturação destes investimentos e a integração da China à OMC, o país

passa, também, a exportar capitais e investimentos para outros países.

Em boa medida, o influxo de capitais externos foi favorecido pelas vantagens comparativas e fiscais oferecidas

pelo governo chinês, sobretudo por meio das chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), condição pro-

gressivamente estendida a novas localidades do país (caso, por exemplo, da Ilha de Hainan e outras quatorze

cidades costeiras, ao longo dos anos 80).

Page 152: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

150

Quadro 94

EVOLUÇÃO DO FLUXO ANUAL DE IED NA CHINA (EM US$ BILHÕES DE 2015)

-150

-100

-50

0

50

100

150

19

79

19

80

19

81

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1 19

92

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

ENTRADA SAÍDA FLUXO LÍQUIDO

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Como principal resultado dos investimentos, a estrutura econômica chinesa sofreu grandes transformações

nas últimas décadas, passando de uma economia predominantemente agrária para uma das economias com

maior participação da indústria no PIB no mundo (Quadro 95), com 43,9% do seu valor adicionado derivado

da atividade industrial. Atualmente, a produção agropecuária é responsável por apenas 10,0% do valor adicio-

nado no PIB chinês.

Quadro 95

EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO DO PIB CHINÊS EM TERMOS DE VALOR ADICIONADO, DE 1961 A 2013 (%)

32,0 46,1

31,9

43,9

36,2

10,0

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

196

1 19

62

196

3

196

4

196

5

196

6

196

7

196

8

196

9

1970

19

71

1972

1973

19

74

19

75

19

76

19

77

1978

19

79

19

80

19

81

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1 19

92

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

AGRICULTURA INDÚSTRIA SERVIÇOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Page 153: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

151

Vale destacar, nesse âmbito, a mudança no padrão de especialização da produção manufatureira e das exportações

chinesas. Inicialmente associada à indústria têxtil e de vestuário, a China passou a se destacar, cada vez mais, em

setores mais inovativos e intensivos em tecnologia, voltados para a produção de equipamentos e componentes

eletrônicos, produtos de telecomunicações e circuitos integrados. O impacto deste novo padrão de especialização

da indústria chinesa reflete-se na evolução da participação da China nas exportações mundiais de produtos de alta

tecnologia, apresentada no Quadro 96, a seguir.

Quadro 96

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE PAÍSES SELECIONADOS NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

ESTADOS UNIDOS UNIÃO EUROPEIA JAPÃO CHINA

Nota: exportações de alta tecnologia são produtos com alta intensidade de P&D, como indústria aeroespacial, computadores, produtos farmacêuticos, instrumentos científicos e equipamentos elétricos.

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Como se pode notar, o processo de modernização econômica também implicou a expansão do setor de ser-

viços, que ganhou espaço crescente na economia chinesa desde meados da década de 1980. Em boa medida,

tal como na experiência pioneira de outros países asiáticos, como Japão e os Tigres Asiáticos (Coreia do Sul

e Cingapura), esse fenômeno encontra-se na esteira da rápida urbanização da população, propelida pela de-

manda crescente por mão de obra das novas indústrias e pela migração de trabalhadores do campo, em busca

de melhores salários.

De fato, como mostra o Quadro 97, mais da metade da população chinesa – 1,4 bilhão de pessoas (cerca de

20% dos habitantes do mundo) – vive atualmente em território urbano. Destacam-se, entre as cidades mais

populosas do mundo: Xangai (23,7 milhões), Pequim (20,2 milhões), Chongqing (13,3 milhões), Guangzhou

(12,5 milhões) e Tianjin (11,2 milhões).

Page 154: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

152

Quadro 97

EVOLUÇÃO DAS POPULAÇÕES CHINESA E MUNDIAL (EM BILHÕES DE PESSOAS)

2,0 2,4 2,9 3,5 4,2 4,8 5,6 5,9 6,3 7,0 7,6 8,2

0,5 0,7

0,8 1,0

1,2 1,3

1,4 1,4

1,4 1,5

1,4 1,4

2,5 3,0

3,7 4,4

5,3 6,1

6,9 7,3

7,7 8,4

9,0 9,6

0

2

4

6

8

10

12

195

0

196

0

1970

198

0

199

0

20

00

20

10

20

15*

20

20

*

20

30

*

20

40

*

20

50

*

CHINA RESTANTE DO MUNDO

Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

Ainda que permaneça abaixo do patamar dos países desenvolvidos (a média dos países da OCDE é 80%),

estimativas das Nações Unidas dão conta de que, até 2050, 75,8% dos chineses viverão em cidades – o equi-

valente a 1,05 bilhão de pessoas (Quadro 98).

Quadro 98

EVOLUÇÃO DA TAXA DE URBANIZAÇÃO DA POPULAÇÃO CHINESA ENTRE 1950 E 2050 (%)

11,8 16,2 17,4 19,4

26,4

35,9

49,2

55,6 61,0

68,7 72,8

75,8

0

10

20

30

40

50

60

70

80

195

0

196

0

1970

198

0

199

0

20

00

20

10

20

15*

20

20

*

20

30

*

20

40

*

20

50

*

Nota: * a partir de 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division.

Page 155: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

153

De toda forma, a conjunção do crescimento demográfico com o aumento da urbanização da população ex-

pandiu de forma considerável a oferta de mão de obra, a baixo custo, nas grandes cidades chinesas. A força

de trabalho chinesa, anteriormente concentrada nas atividades do campo (74,4%), passa a residir progressi-

vamente no meio urbano (Quadro 99).

Quadro 99

EVOLUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO NA CHINA, POR SETOR

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

198

0

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

Bilh

ões

TODOS OS SETORES AGRICULTURA

60,5% 74,4%

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

A partir dessas transformações, é possível, também, identificar a estratégia de integração da China na economia

internacional como duplo polo da economia mundial101. Nesse sentido, o conjunto de vantagens comparativas

radicadas no país, incluindo uma generosa e barata força de trabalho, aliado à disponibilidade de recursos e

incentivos concedidos pelo governo chinês, transformou a economia chinesa em uma grande nação industrial,

responsável por atrair para seu território e arredores uma parcela significativa da atividade manufatureira mundial.

O impacto da economia chinesa sobre o comércio internacional pode ser inferido, em primeiro lugar, a partir

do tamanho da economia chinesa e de sua participação nas exportações e importações mundiais, isto é, pela

capacidade da economia chinesa de influenciar a demanda e a oferta mundial de bens, serviços e ativos e, com

isso, os preços e os padrões de troca entre os países. Como se pode notar no Quadro 100, a participação do

PIB chinês na economia mundial, em termos de paridade de poder de compra, elevou-se de cerca de 4%, no

início da década de 1990, para 15,7%, em 2013. Em termos per capita (PPP), isso implica que a renda per capita

do chinês expandiu-se em sete vezes ao longo do período, atingindo, em 2013, 82,6% da média mundial (ou

cerca de US$ 11,9 mil).

101 Ver, a respeito, MEDEIROS, C. A. (2006). A China como um Duplo Polo na Economia Mundial e a Recentralização da Economia Asiática. Revista de Economia Política, v. 26, nº 3 (103), pp. 381-400. Jul-Set. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rep/v26n3/a04v26n3.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 156: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

154

Quadro 100

PARTICIPAÇÃO DO PIB CHINÊS NO PIB MUNDIAL, POR PARIDADE DE PODER DE COMPRA – PPP (%)

15,7

2

4

6

8

10

12

14

16

18

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Em termos de comércio exterior, as participações da China nas exportações e importações mundiais corres-

pondem, atualmente, a 9,7% e 10,4% do total, respectivamente; são percentuais significativos considerando-se

que, em 1982, a China respondia por menos de 1% do fluxo comercial mundial (Quadro 101).

Quadro 101

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO CHINESA NAS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES MUNDIAIS

-0,8%

-10,4%

0,6%

9,7%

-15%

-10%

-5%

0%

5%

10%

15%

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Page 157: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

155

Com a gradual liberalização da economia chinesa e sua integração na economia mundial, o grau de abertura

do país, medido como fluxo comercial em relação ao PIB, elevou-se de 15%, em 1982, para 50,3%, em 2013

(Quadro 102).

Quadro 102

EVOLUÇÃO DO GRAU DE ABERTURA DA ECONOMIA CHINESA (%)

50,3

0

10

20

30

40

50

60

70

80

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

EXPORTAÇÕES/PIB IMPORTAÇÕES/PIB COMÉRCIO/PIB

ADMISSÃO DA CHINA NA OMC CRISE INTERNACIONAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

De fato, a entrada da China na OMC, em 2001, trouxe significado crucial sobre os fluxos comerciais do país,

ampliando a parcela da produção chinesa destinada ao intercâmbio internacional. O grau de abertura recorde

foi registrado em 2006, previamente à eclosão da crise internacional, quando as importações e as exportações

chinesas corresponderam a cerca de 70% do valor do PIB chinês – patamar inédito para países deste porte.

O peso crescente da China na economia e no comércio mundiais impôs transformações importantes na relação

entre os países, seja do ponto de vista produtivo, a partir da reorganização e do aprofundamento das CGVs,

seja do ponto de vista dos fluxos internacionais, tendo como referência o grau de complementaridade do

padrão de troca dos países. Nesse sentido, países cuja pauta de exportação/importação é compatível com a

chinesa tendem a fortalecer seus laços internacionais, ao passo que países/setores que concorrem com pro-

dutos chineses tendem a enfrentar dificuldades para concorrer, seja no mercado interno ou no internacional.

Em primeiro lugar, é necessário considerar a expansão da demanda chinesa, derivada da necessidade de am-

pliar sua infraestrutura e abastecer o gigantesco parque industrial chinês, responsável, atualmente, por mais

de 20% da produção manufatureira mundial, segundo dados do Banco Mundial (Quadro 103).

Page 158: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

156

Quadro 103

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA CHINA NO VALOR ADICIONADO DA PRODUÇÃO MANUFATUREIRA MUNDIAL

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

ESTADOS UNIDOS UNIÃO EUROPEIA JAPÃO CHINA

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Nesse âmbito, destaca-se a demanda crescente por produtos primários no comércio internacional, ilustrada

pelo aumento do déficit comercial nesta categoria de produtos (Quadro 104). Em dólares de 2015, o saldo

deficitário da balança comercial de commodities primárias (combustíveis, metais e minérios e matérias-primas

agropecuárias) passou de US$ 10 bilhões para US$ 550 bilhões entre 1995 e 2013. O saldo total de alimentos

(comida e animais vivos; bebidas e tabaco; óleos e gorduras animais e vegetais; sementes, nozes e caroços

de oleaginosas) passou de um saldo positivo de cerca de US$ 4,8 bilhões para um déficit de US$ 39,3 bilhões

no mesmo período.

Isso ocorreu a despeito da China ter se tornado um dos maiores produtores mundiais de produtos agrícolas

(como arroz, trigo e milho), de minérios (ferro) e de combustíveis (petróleo), dado que os novos e crescen-

tes patamares de consumo doméstico excederam, em diversos casos, a capacidade produtiva e os recursos

disponíveis do país.

Page 159: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

157

Quadro 104

EVOLUÇÃO DO SALDO COMERCIAL CHINÊS, POR CATEGORIA DE PRODUTO, ENTRE 1995 E 2013 (EM US$ BILHÕES DE 2015)

56,2

-20,6

9,1

-11,8

0,4 4,8

-6,5 -4,3

0,3

450,7

209,4 174,1

130,2

-7,4 -39,3 -57,5

-206,4

-285,9 -400

-300

-200

-100

0

100

200

300

400

500

Manufaturasintensivas em

trabalho erecursosnaturais

Manufaturasde médiasintensidade

tecnológica equalificaçãodo trabalho

Manufaturasde baixas

intensidadetecnológica equalificaçãodo trabalho

Manufaturasde altas

intensidadetecnológica equalificaçãodo trabalho

Pérolas, pedraspreciosas

e ouronão monetário

Alimentos ebebidas

Matérias-primas agropecuárias

Minérios emetais

Combustíveis

US

$ b

ilhõ

es

1995 2013

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Como se pode observar no Quadro 105, parte dessa nova e crescente demanda refletiu-se no aumento do

preço das commodities primárias, sobretudo minérios e bens agropecuários não processados.

Quadro 105

EVOLUÇÃO DOS PREÇOS REAIS DAS COMMODITIES AGRÍCOLAS E DOS MINERAIS E METAIS (ÍNDICE BASE 100 = 2001)

50

100

150

200

250

300

198

0

198

1

198

2

198

3

198

4

198

5

198

6

198

7

198

8

198

9

199

0

199

1

199

2

199

3

199

4

199

5

199

6

199

7

199

8

199

9

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

AGRÍCOLAS MINERAIS E METAIS

ADMISSÃO DA CHINA NA

OMC

CRISE

INTERNACIONAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank.

Page 160: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

158

Em compensação, no mesmo período, a China expandiu o superávit no âmbito de bens manufaturados de US$

21, 2 bilhões para US$ 949,1 bilhões, o suficiente para contrapesar o valor das importações. Além de consolidar

a posição como exportadora de produtos manufaturados intensivos em trabalho e de baixa intensidade tec-

nológica, a China observou a contribuição de bens de média ou alta intensidade tecnológica converter-se de

um déficit de US$ 20,8 bilhões para um superávit de US$ 333,2 bilhões. Parte desta expansão deu-se à custa

da produção manufatureira de outros países, cujos parques industriais e condições de competitividade são

incapazes de competir em pé de igualdade com as manufaturas chinesas.

Segundo dados expressos no Quadro 106, o comércio de bens entre a China e o restante do mundo cresceu

13,4% ao ano, entre 1995 e 2013, desempenho quase três vezes superior ao verificado no comércio entre os

demais países do mundo (5,0% ao ano). Em destaque, os maiores crescimentos foram observados no comércio

entre China e países em transição (16,1% ao ano) e em desenvolvimento (15,1% ao ano), a exemplo dos países

africanos (21,9% ao ano) e com o Brasil (20,7% ao ano).

Quadro 106

COMPARATIVO DA TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIA ANUAL DO FLUXO COMERCIAL DE BENS ENTRE CHINA

E PARCEIROS SELECIONADOS, DE 1995 A 2013

5,4%

13,4%

5,0%

11,6%

15,1% 16,1%

7,5%

14,3%

21,9% 20,7%

12,5% 12,8%

16,8%

Co

mérc

io m

un

dia

l

Ch

ina-M

un

do

Co

mérc

io m

un

dia

l

(exceto

Ch

ina)

País

es

dese

nvo

lvid

os

País

es

em

dese

nvo

lvim

en

to

País

es

em

tra

nsi

ção

Á

sia

(dese

nvo

lvid

a)

Á

sia

(em

dese

nvo

lvim

en

to)

Áfr

ica

Bra

sil

Est

ad

os

Un

ido

s

Un

ião

Eu

rop

eia

Dem

ais

país

es

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Como resultado, dados dispostos no Quadro 107 evidenciam a recente reconfiguração nas parcerias regionais

da China: os países desenvolvidos perderam participação no intercâmbio de bens (de 54,0% para 40,3%), ao

passo que os países em desenvolvimento e em transição ampliaram sua fatia de 42,8% para 55,9% e de 2,5%

para 3,8%, respectivamente. Mais especificamente, consolidaram sua participação nos fluxos internacionais

de bens e mercadorias os países da Ásia em desenvolvimento (como Coreia do Sul, Cingapura, Índia, Malásia,

Filipinas, Tailândia, Indonésia etc.), ao passo que os países africanos e o Brasil ampliaram ligeiramente sua fatia

entre 1995 e 2013.

Page 161: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

159

Esse cenário (expansão do comércio Sul-Sul102), que corrobora o papel polarizador da China no aprofundamento

recente das CGVs, encontra-se atrelado à redução das barreiras tarifárias e à formação de acordos regionais.

Quadro 107

PARTICIPAÇÃO DE PAÍSES E REGIÕES NO FLUXO COMERCIAL COM A CHINA

54,0%

42,8%

2,5%

20,6%

39,2%

1,4% 0,7%

14,5% 15,0%

8,6%

40,3%

55,9%

3,8% 7,8%

44,5%

5,1% 2,2%

12,6% 13,4% 14,5%

1995 2013

País

es

dese

nvo

lvid

os

País

es

em

dese

nvo

lvim

en

to

País

es

em

tra

nsi

ção

Ási

a

(dese

nvo

lvid

a)

Ási

a

(em

dese

nvo

lvim

en

to)

Áfr

ica

Bra

sil

Est

ad

os

Un

ido

s

Un

ião

Eu

rop

eia

Dem

ais

país

es

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Em termos de pauta (Quadro 108), a expansão do fluxo comercial deu-se de forma similar entre commodities

primárias (crescimento de 13,3% ao ano) e bens manufaturados (12,4% ao ano). Mais especificamente, desta-

caram-se no intercâmbio comercial chinês: combustíveis (17,4% ao ano), minérios e metais (16,6% ao ano) e

bens de alta intensidade tecnológica (15,2% ao ano).

102 Ver, a respeito, UNCTAD (2008). South-South Trade in Asia: the Role of Regional Trade Agreements. Disponível em: <http://unctad.org/en/Docs/ditctabmisc20082_en.pdf>. Acesso em: 20/06/2015.

Page 162: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

160

Quadro 108

COMPARATIVO DA TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DO COMÉRCIO EXTERNO DE BENS DA CHINA, POR CATEGORIA, ENTRE 1995 E 2013

12,6% 13,3%

9,2% 9,0%

16,6% 17,4%

12,4%

15,2%

9,1% 10,4%

12,1% 12,6%

T

od

os

os

pro

du

tos

p

rim

ári

as

Co

mm

od

itie

s

Maté

rias-

pri

mas

ag

rop

ecu

ári

as

A

limen

tos

e b

eb

idas

Min

éri

os

e m

eta

is

C

om

bu

stív

eis

B

en

s m

an

ufa

tura

do

s A

lta in

ten

sid

ad

e

tecn

oló

gic

a

Méd

ia in

ten

sid

ad

e

tecn

oló

gic

a

Baix

a in

ten

sid

ad

e

tecn

oló

gic

a

In

ten

sivo

em

tra

balh

o/

recu

rso

s

D

em

ais

ben

s

Nota: valores deflacionados pelo Consumer Price Index – CPI. Elaboração: Think Agro.

Fonte: UNCTAD.

Sob uma ótica compositiva, a pauta do comércio da China difere no que se refere ao conjunto de países par-

ceiros. No intercâmbio com países desenvolvidos (Quadro 109), por exemplo, o fluxo comercial é dominado,

atualmente, por manufaturados (81,2%), com uma distribuição equitativa entre bens de baixa intensidade tec-

nológica/intensivos, bens de média intensidade tecnológica e bens de alta intensidade tecnológica.

Quadro 109

COMPOSIÇÃO DA PAUTA DE COMÉRCIO EXTERIOR DA CHINA COM PAÍSES DESENVOLVIDOS, ENTRE 1995 E 2013

3,9%

25,2%

26,7%

8,8%

23,1%

2,2% 2,8% 7,4% 3,3%

32,6%

26,4%

6,4%

15,9%

1,7% 6,5% 4,3% 2,4%

1995 2013

MATÉRIAS-PRIMAS AGROPECUÁRIAS

ALIMENTOS E BEBIDAS

MINÉRIOS E METAIS

COMBUSTÍVEIS

INTENSIVO EM TRABALHO/RECURSOS

BAIXA INTENSIDADE TECNOLÓGICA

MÉDIA INTENSIDADE TECNOLÓGICA

ALTA INTENSIDADE TECNOLÓGICA

OUTROS

83,7%

15,7%

81,2%

14,9%

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Page 163: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

161

Com relação ao fluxo comercial da China com países em desenvolvimento, a pauta inclui maior participação

das commodities primárias (22,4%), sobretudo combustíveis (11,7%) e minérios e metais (5,8%). Embora as

manufaturas representem três quartos do fluxo total, diferentemente da relação com os países desenvolvidos,

a maior parte do comércio está relacionada a bens de alta intensidade tecnológica.

Quadro 110

COMPOSIÇÃO DA PAUTA DE COMÉRCIO EXTERIOR DA CHINA COM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO, ENTRE 1995 E 2013

22,6%

16,2%

9,9%

29,8%

5,8% 3,3% 8,0% 3,4%

2,2%

43,4%

15,2%

6,1%

10,7%

11,7%

5,8% 3,6% 1,4%

1995 2013

MATÉRIAS-PRIMAS AGROPECUÁRIAS

ALIMENTOS E BEBIDAS

MINÉRIOS E METAIS

COMBUSTÍVEIS

INTENSIVO EM TRABALHO/RECURSOS

BAIXA INTENSIDADE TECNOLÓGICA

MÉDIA INTENSIDADE TECNOLÓGICA

ALTA INTENSIDADE TECNOLÓGICA

OUTROS

78,4%

20,5%

75,4%

22,4%

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Apesar de responderem por apenas uma pequena parcela do valor do fluxo comercial chinês, os produtos do

agronegócio (matérias-primas agropecuárias, alimentos e bebidas) desempenham um papel fundamental para

a economia chinesa.

Isso porque a segurança alimentar manteve-se como um dos pilares da agenda do governo chinês: ainda que as

metas de autossuficiência alimentar tenham sido relaxadas nas últimas duas décadas, o atendimento da crescente

demanda doméstica por commodities agropecuárias, seja para consumo humano, para criação de animais ou para

produção de energia (biocombustíveis), é constantemente reiterado como uma importante questão estratégica.

Por isso, o governo chinês mantém políticas ativas de autossuficiência em produtos como arroz, trigo e milho.

Por outro lado, diante dos crescentes padrão e poder de consumo do chinês (com impacto sobre a demanda

por carnes e laticínios) e das restrições de terras aráveis e irrigáveis no país, somados às mudanças climáticas

em curso, os últimos anos têm marcado uma maior mobilização do governo chinês em busca de parcerias co-

merciais, no sentido de ampliar a oferta interna destes produtos. O impacto do ingresso da China na OMC, em

2001, refletido na redução das tarifas e do protecionismo do setor agrícola, permitiu a formação de grandes

corredores de fornecimento, tendo à frente países como Brasil.

O Quadro 111, a seguir, apresenta a evolução recente da participação chinesa nas importações mundiais de

commodities primárias, em valor. Como se pode notar, o período recente marcou uma grande elevação nas

importações destes produtos, particularmente de matérias-primas agropecuárias (23,2% das importações

Page 164: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

162

mundiais) e minérios e metais (28,7%). É o caso, por exemplo, de produtos como soja, frutas tropicais, tabaco,

carnes e fibras têxteis (algodão).

Quadro 111

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA CHINA NAS IMPORTAÇÕES MUNDIAIS DE COMMODITIES E PRODUTOS PRIMÁRIOS, ENTRE 1995 E 2013

2,2% 4,6%

2,0% 3,1%

1,4%

11,6%

23,2%

6,8%

28,7%

9,5%

Commoditiesprimárias

Matérias-primasagropecuárias

Alimentos e bebidas Minérios e metais Combustíveis

1995 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: UNCTAD.

Com efeito, é possível afirmar que a emergência da China como um grande player mundial influenciou de for-

ma decisiva a distribuição e o volume dos fluxos internacionais de bens e serviços, tanto no que se refere às

commodities primárias, como às manufaturas.

O programa chinês de abertura limitada e gradual da economia chinesa, aliado à promoção ativa da indústria por

meio do tratamento preferencial para o ingresso de capital externo, colaborou para transformações estruturais

importantes, tanto no que se refere à economia doméstica, quanto às CGVs. Nesse âmbito, países e setores

que melhor se integraram ao novo perfil da dinâmica internacional foram favorecidos no âmbito do comércio

internacional, ao passo que setores e países que disputaram com a China a demanda global, sobretudo por

produtos industriais, reduziram sua participação na economia e no comércio mundial.

Page 165: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

163

3.5 OS ACORDOS COMERCIAIS E A NOVA

AGENDA DAS NEGOCIAÇÕES

Como explicitado anteriormente, as regras e as negociações comerciais no âmbito do GATT/OMC, realizadas

ao longo das últimas sete décadas, foram fundamentais para impulsionar o comércio mundial entre os países,

expandido as suas possibilidades de crescimento e desenvolvimento por meio do intercâmbio de bens e ser-

viços com nações parceiras.

Em síntese, esse processo deu-se por meio de três vias principais: (i) pela expressiva redução das barreiras

tarifas, com base em negociações multilaterais; (ii) pela fixação permanente de tarifas (tariff binding), pelo com-

promisso de não elevação futura das tarifas pelos países; e (iii) pela prevenção e pelo combate à proliferação

de barreiras não tarifárias, como as cotas à importação. Além do compromisso das partes integrantes, as regras

da OMC admitiram, também, a flexibilidade institucional necessária para que as regras de reciprocidade fossem

calibradas, especialmente no que se refere ao tratamento especial/diferenciado para países em desenvolvimento.

Como evidenciado no Quadro 112, a seguir, a partir da criação da OMC, ao final da Rodada Uruguai do GATT (1994),

as barreiras tarifárias aplicadas ao comércio foram sistematicamente reduzidas para todas as categorias de produtos

em todo o mundo, com base nos princípios de tratamento nacional e não discriminação (Nação Mais Favorecida).

Quadro 112

EVOLUÇÃO DAS TARIFAS MÉDIAS APLICADAS* ÀS IMPORTAÇÕES POR CATEGORIA DE PRODUTO (%)

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

1994 1995 2000 2005 2010 2013

TODOS OS PRODUTOS (MÉDIA PONDERADA) MATÉRIAS-PRIMAS BENS DE CAPITAL

BENS INTERMEDIÁRIOS BENS DE CONSUMO

Nota: * o sistema WITS utiliza o conceito de tarifa efetivamente aplicada (AHS – weighted average), definido a partir da menor tarifa aplicada (preferencial ou segundo o princípio da Nação Mais Favorecida).

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS) – World Bank.

Além do estabelecimento multilateral de regras tarifárias e da consequente harmonização do sistema internacio-

nal de comércio, a OMC foi fundamental para a criação de um foro permanente para solução de controvérsias

Page 166: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

164

e conflitos regulatórios entre os países-membros, referentes a uma gama temática cada vez mais complexa e

interdependente, que inclui assuntos como dumping, subsídios e outras práticas classificadas como irregulares103.

Segundo dados da OMC, o número de casos de disputa notificados desde a criação do sistema é de 495 (o

equivalente a uma média de aproximadamente 25 casos ao ano), ainda que possa ser evidenciada uma redução

nesta frequência em tempos recentes.

Quadro 113

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE CASOS DE DISPUTA NA OMC*

25

39

50

41

30 34

23

37

26

19

12

20

13

19 14

17

8

27

20

14

8

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Nota: * até julho de 2015. Elaboração: Think Agro.

Fonte: compilação a partir do site da OMC (requests for consultations).

Em termos de principais países notificados, dados expostos no Quadro 114 indicam que as solicitações de

abertura de solução de conflitos têm se dirigido, primordialmente, aos Estados Unidos, alvo de 124 casos (ou

25% do total), seguido por comunidades formadas por países europeus (65), China (33) e Argentina (22).

103 O sistema de solução de controvérsias da OMC ESC (Dispute Settlement Understanding – DSU, na sigla em inglês) foi criado ao final da Rodada do Uruguai, em 1994, por meio do Anexo 2 do Tratado de Marrakech.

Page 167: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

165

Quadro 114

PRINCIPAIS PAÍSES NOTIFICADOS EM CASOS DE DISPUTA NA OMC, DE 1995 A 2015

124

65

33 22 22 18 15 15 15 15 14 13 13 11

101

Est

ad

os

Un

ido

s

Co

mu

nid

ad

es

eu

rop

eia

s

Ch

ina

Arg

en

tin

a

Índ

ia

Can

ad

á

Au

strá

lia

Bra

sil

Jap

ão

Co

reia

do

Su

l

Méxic

o

Ch

ile

Ind

on

ési

a

Un

ião

Eu

rop

eia

Ou

tro

s

país

es

Elaboração: Think Agro. Fonte: compilação a partir do site da OMC.

Pela ótica dos solicitantes, o Quadro 115 indica que os Estados Unidos também lideram, atualmente, o ranking

da OMC, tendo protocolado individualmente a abertura de 104 casos (21%) contra outras nações e grupos de

países. Outros países que recorrem à OMC para a solução de controvérsias incluem: comunidades de países

europeus (79), Canadá (32) e Brasil (26).

Quadro 115

PRINCIPAIS PAÍSES SOLICITANTES DE ABERTURA DE CASOS DE DISPUTA NA OMC, DE 1995 A 2015

104

79

32 26 19 19 18 18 16 14 13 10 9 9

110

Est

ad

os

Un

ido

s

Co

mu

nid

ad

es

eu

rop

eia

s

Can

ad

á

Bra

sil

Arg

en

tin

a

Índ

ia

Méxic

o

Jap

ão

Co

reia

do

Su

l

Un

ião

E

uro

peia

Ch

ina

Tailâ

nd

ia

Ind

on

ési

a

Ch

ile

Ou

tro

s p

aís

es

Elaboração: Think Agro. Fonte: compilação a partir do site da OMC.

As rodadas do GATT/OMC foram caracterizadas por três tendências: (i) o aumento do número de países sig-

natários; (ii) o alongamento do período de negociação; e (iii) a expansão da agenda de temas, que excederam

a plataforma inicial do GATT (redução das barreiras tarifárias e fim das barreiras não tarifárias de produtos

industrializados) para incluírem, em seu programa, mais de vinte grupos temáticos, dentre eles: agricultura,

têxteis e vestuário, barreiras técnicas e fitossanitárias, regras de origem, subsídios e salvaguardas, serviços,

propriedade intelectual, investimentos, facilitação de comércio, transparência em compras públicas, acordos

regionais etc.

Page 168: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

166

O Quadro 116, apresentado a seguir, ilustra o aumento do número de países-membros (signatários) e a duração

(meses) entre 1947 e 2015.

Quadro 116

DURAÇÃO E NÚMERO DE PAÍSES PARTICIPANTES DE CADA RODADA DO GATT/OMC

7 5 8 5 11

37

74 87

166

23 13

38 26 26

62

102

123 141

161

1947Genebra

1949Annecy

1951Torquay

1956Genebra

1960RodadaDillon

1963RodadaKennedy

1973RodadaTóquio

1986RodadaUruguai

DURAÇÃO (MESES) NÚMERO DE PAÍSES-MEMBROS

2001 2015Rodada de

Doha*

Nota: * como ainda está em curso, a duração da Rodada de Doha foi calculada até julho de 2015. Elaboração: Think Agro.

Fonte: OMC.

Com o maior número de participantes e a diversidade de temas tratados, ampliaram-se de forma significativa a

complexidade e os obstáculos à evolução das negociações na Rodada de Doha, que já se estende por mais de

uma década. Nesse âmbito, a fórmula da proposta abrangente e consensual (single undertaking), inicialmente

aplicada com sucesso na Rodada Uruguai, tem esbarrado em uma série de questões técnicas e sensíveis aos

atuais 161 países membros, tornando-se o principal desafio para a produção de resultados efetivos na desman-

telação de tarifas, restrições administrativas e regimentais que ainda vigoram no comércio mundial.

É importante destacar, nesse âmbito, que a Rodada de Doha objetivava avançar na questão da liberalização

do comércio em temas caros tanto aos países desenvolvidos (bem representados, nesse caso, pelos Estados

Unidos e pela União Europeia), quanto àqueles em desenvolvimento. Nesse sentido, as barreiras tarifárias apli-

cadas aos produtos agropecuários (animais, vegetais e alimentos), em patamares muito superiores à média

geral (Quadro 117), bem como a manutenção de políticas de subsídios em alguns países e setores, permanecem

como alguns dos principais pontos de entrincheiramento dos países nas negociações.

Page 169: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

167

Quadro 117

EVOLUÇÃO DAS TARIFAS MÉDIAS APLICADAS* ÀS IMPORTAÇÕES DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS (%)

0

5

10

15

20

25

30

35

1994 1995 2000 2005 2010 2013

TODOS OS PRODUTOS (MÉDIA PONDERADA) ANIMAIS PRODUTOS ALIMENTÍCIOS VEGETAIS COUROS E PELES MADEIRA

Nota: * o sistema WITS utiliza o conceito de tarifa efetivamente aplicada (AHS – weighted average), definido a partir da menor tarifa aplicada (preferencial ou segundo o princípio da Nação Mais Favorecida).

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS) – World Bank.

O último episódio das negociações multilaterais deu-se na Conferência Ministerial de Bali, em dezembro de 2013,

momento em que os membros da OMC reforçaram a dimensão desenvolvimentista desta Rodada, por meio da

inclusão de um acordo de facilitação de comércio – o primeiro em um período de vinte anos – estabelecendo a

liberalização do comércio mediante um prazo para adequação dos programas de segurança alimentar de países

em desenvolvimento às regras da OMC. Mesmo nesse caso, o chamado “Pacote de Bali” não obteve êxito em

sua implantação, meses após ser celebrado, por conta da recusa de alguns países em ratificá-lo, pontificados

pela Índia (África do Sul, Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Namíbia e Zimbábue).

De fato, as regras atuais do sistema da OMC impõem uma série de vulnerabilidades em termos de possibilidades

de bloqueios e vetos por um pequeno número de países-membros. Em um cenário de diversidade e conflitantes

interesses nacionais, pontuado por oportunidades menos abrangentes de liberalização comercial, ao menos

duas tendências recentes podem ser destacadas: (i) a proliferação de acordos preferenciais e dos chamados

“mega-acordos” de comércio, em paralelo às negociações multilaterais da OMC; e (ii) o aumento do emprego

de barreiras não tarifárias como alternativa protecionista pelos países signatários104.

No primeiro caso, a dificuldade de se avançar nas negociações multilaterais no âmbito da OMC, aliada às opor-

tunidades disponíveis entre parceiros comerciais “naturais” (fronteiriços) ou mesmo com elevada complemen-

taridade no âmbito das CGVs, levou diversos países à formação de blocos e à costura de acordos comerciais

preferenciais. Amparados no Artigo XXIV do GATT, estes acordos são desobrigados em atender internamente o

princípio de Nação Mais Favorecida, permitindo reduções tarifárias apenas entre os países pactuados. Ademais,

104 Ver, a respeito, BALDWIN, R. (2011). 21st Century Regionalism: Filling the gap between Century Regionalism: Filling the gap between 21st century trade and 20st century trade rules. Staff Working Paper ERSD-2011-08.WTO. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/reser_e/ersd201108_e.htm>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 170: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

168

com menor número de partes envolvidas e maior grau de complementaridade econômica, política e comercial

entre os signatários, é maior a disposição em avançar em outros temas105.

Exemplos mais conhecidos destes acordos incluem a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), a

Associação Europeia de Comércio Livre (European Free Trade Association, ou EFTA), a União Europeia (UE), o

Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement, ou NAFTA) e o Mercado

Comum do Sul (MERCOSUL), entre outros. Outros acordos podem incluir, eventualmente, uma pauta temática

que inclui outras atividades econômicas e financeiras, como o TiSA106 (Trade in Services Agreement), o EGA

(Environmental Goods Agreement) e o ITA (Information Technology Agreement), cada qual comportando um

número específico de países signatários.

Além destes acordos, vale destacar a formação, nos últimos anos, dos chamados “mega-acordos” comerciais,

envolvendo países e grandes blocos econômicos de grande expressão econômica em uma perspectiva de

livre-comércio. Enquadram-se, nesta categoria, o Acordo de Parceria Econômica Estratégica Trans-Pacífico

(Trans-Pacific Partnership, ou TPP), recentemente firmado entre os principais países da América e da Ásia

(Estados Unidos, Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e

Vietnã); o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (Transatlantic Trade and Investment

Partnership, ou TTIP), proposta de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Estados Unidos; e a

proposta de livre-comércio entre o MERCOSUL e a União Europeia.

Como se pode notar no Quadro 118, o número de acordos regionais de comércio formados ao longo da déca-

da de 1960 permaneceu praticamente estável ao longo das décadas de 1970 e 1980, mas eles ganharam um

enorme impulso a partir do início da década de 1990, notadamente após a criação da OMC.

105 Para uma perspectiva desse cenário, do ponto de vista da política comecial brasileira, ver THORSTENSEN, V. et al. (2013). A multiplicação dos acordos preferenciais de comércio e o isolamento do Brasil. Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Disponível em: <http://retaguarda.iedi.org.br/midias/artigos/51d18e9168afa9d0.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

106 Acordo ainda em negociação.

Page 171: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

169

Quadro 118

CRONOLOGIA DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ARCS), DE ACORDO COM O STATUS ATUAL

0

5

10

15

20

25

30

194

9

195

1

195

4

195

6

195

8

196

0

196

2

196

4

196

6

196

8

1970

1972

1974

1976

1978

198

0

198

2

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

14 Nú

mero

de A

RC

s q

ue e

ntr

ara

m e

m v

igo

r p

or

an

o

ATIVOS INATIVOS

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.

Em termos de tipo de acordo, a maior parte dos acordos ativos na era OMC (pós-1994) refere-se a acordos de

livre-comércio e integração econômica, como fica evidente no Quadro 119, apresentado a seguir.

Quadro 119

CRONOLOGIA DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ARCS) ATUALMENTE EM VIGOR, DE ACORDO COM TIPO/CATEGORIA, DE 1949 A 2015

0

5

10

15

20

194

9

195

1

195

4

195

6

195

8

196

0

196

2

196

4

196

6

196

8

1970

1972

1974

1976

1978

198

0

198

2

198

4

198

6

198

8

199

0

199

2

199

4

199

6

199

8

20

00

20

02

20

04

20

06

20

08

20

10

20

12

20

14

mero

de A

RC

s q

ue e

ntr

ara

m e

m v

igo

r p

or

an

o

ACORDO DE ESCOPO PARCIAL ACORDO DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA ACORDO DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E UNIÃO ADUANEIRA

ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO ACORDO DE LIVRE-COMÉRCIO E INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.

Page 172: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

170

Segundo dados mais atualizados (julho de 2015), apresentados no Quadro 120, o sistema GATT/OMC havia recebido

um total de 503 notificações de acordos de comércio regionais (considerando conjuntamente bens e serviços),

dos quais quase 274 (54,5%) encontravam-se em vigor (in force), 38 (7,6%) anunciados e 191 (38,0%) inativos.

Quadro 120

DISTRIBUIÇÃO DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ARCS) NOTIFICADOS AO GATT/OMC, POR STATUS E ESCOPO

Inativos38,0%

Ativos54,5%

Anunciados(em negociação)

7,0%

Anunciados(assinados)

0,6%

STATUS

Somente bens67,7%

Bens e serviços31,9% Somente serviços

0,4%

ESCOPO

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.

No que se refere à categoria (tipo), o Quadro 121 destaca que a maior parte dos acordos ativos, em julho de

2015, referia-se a Acordos de Livre-comércio e Integração Econômica (44,5%) e Acordos de Livre-comércio

(40,5%). Em termos de escopo, a maior parte dos acordos regionais em vigor contemplavam somente bens

(52,2%), ao passo que bens e serviços eram favorecidos por 47,4% dos acordos assinados.

Quadro 121

DISTRIBUIÇÃO DOS ACORDOS REGIONAIS DE COMÉRCIO (ACRS) ATIVOS (IN FORCE) POR TIPO E ESCOPO

Somente serviços0,4%

Acordo de EscopoParcial5,5%

Acordo de IntegraçãoEconômica

0,4%

União Aduaneira6,2%

Acordo de IntegraçãoEconômica e União

Aduaneira

2,9%

Acordo deLivre-comércio

40,5%

Acordo deLivre-comércio e

Integração Econômica

44,5%

TIPO

Somente bens52,2%

Bens e serviços47,4%

ESCOPO

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC.

Page 173: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

171

Por fim, no que se refere aos acordos/arranjos preferenciais de comércio107, a OMC contabilizava um total de

27 esquemas, entre esquemas generalizados (GSP), esquemas de acesso preferencial para países menos de-

senvolvidos (LDC) e outros.

Em termos de regramento, o desenvolvimento de negociações regionais/bilaterais paralelas acarreta a sobrepo-

sição, nem sempre isenta de conflitos, de sistemas regulatórios distintos, tendo por base: (i) regras compatíveis

com as já vigentes na OMC, como redução das barreiras tarifárias (“OMC in”); (ii) temas compatíveis com a

agenda da OMC, porém em estágio mais avançado de desenvolvimento, como propriedade intelectual (“OMC

plus”); e (iii) temas emergentes, ainda não contemplados atualmente pela agenda OMC, como investimento,

concorrência, meio ambiente e padrões trabalhistas (“OMC extra”)108.

Se, por um lado, a fragmentação e a multiplicação da malha regulatória a partir de acordos de natureza distinta

tornou-se uma solução factível ao mecanismo de consenso-compromisso da OMC; por outro, elas reforçaram

a assimetria do comércio internacional (majoritariamente, por desvio do comércio), tendo como base o poder

de barganha das grandes economias mundiais, restringindo os esforços para desenvolvimento de um sistema

mais equilibrado e plural.

O desafio da OMC, nesse âmbito, inclui, portanto, não somente avanços nas discussões multilaterais, mas

compatibilizá-las com os inúmeros esquemas regionais estruturados ao longo das últimas décadas. Além dos

novos acordos, uma das tendências ressaltadas anteriormente é a proeminência de barreiras e medidas não

tarifárias, particularmente após a eclosão da crise internacional109. De fato, o declínio das barreiras tarifárias

entre os países, seja por meio das rodadas do GATT/OMC ou por acordos regionais e bilaterais, potencializou

a importância destes instrumentos como modalidade alternativa para controlar o livre fluxo de bens e servi-

ços através de suas fronteiras110. Segundo dados da OMC, apresentados no Quadro 122, a seguir, a evolução

recente do número de barreiras não tarifárias, iniciadas e ativas, notificadas à OMC, foi de cerca de 70% entre

2003 e 2014.

107 Diferentemente dos acordos regionais de comércio, para os quais a OMC considera a reciprocidade como característica fundamental, os acordos preferenciais de comércio (Preferential Trade Arrangements, ou PTAs) envolvem concessões unilaterais ao fluxo comercial. Eles incluem Sistema Generalizado de Preferências, esquema com base no qual os países desenvolvidos podem conceder tarifas preferenciais para as importações provenientes de países em desenvolvimento, bem como outros regimes preferenciais de não reciprocidades, tendo como aval um waiver do Conselho Geral da OMC.

108 IPEA (2014). Boletim de Economia e Política Internacional, n. 16. Jan-Abr.

109 UNCTAD (2012). Evolution of non-tariff measures: emerging cases from selected developing countries. Policy Issues In International Trade And Commodities Study Series, n. 52. Nova York e Genebra.

110 RAY, J. E. (1987). Changing Patterns of Protectionism: The Fall in Tariffs and the Rise in Non-Tariff Barriers Symposium: The Political Economy of International Trade Law and Policy. Northwestern Journal of International Law & Business, v. 8, issue 2 (fall). Disponível em: <http://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1229&context=njilb>. Acesso em: 14/06/2015; UNCTAD (2013). Non-tariff measures to trade: economic and policy issues for developing countries. Disponível em: <http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditctab20121_en.pdf>. Acesso em: 14/06/2015.

Page 174: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

172

Quadro 122

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS INICIADAS E ATIVAS ENTRE 2013 E 2014

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

RESTRIÇÕES QUANTITATIVAS

SALVAGUARDAS

MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

ANTIDUMPING

BARREIRAS TÉCNICAS

BARREIRAS SANITÁRIAS E

FITOSSANITÁRIAS

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC/ I-TIP Goods – 01/06/2015.

Diferentemente das barreiras tarifárias, as medidas não tarifárias incluem uma diversidade de instrumentos

regulatórios incidentes sobre a importação e a exportação de bens e serviços, seja no âmbito da política co-

mercial (caso de cotas e restrições quantitativas, medidas de salvaguarda e antidumping, licenças à importação

e à exportação; subsídios e medidas compensatórias111), seja no âmbito técnico (barreiras técnicas, sanitárias

e fitossanitárias).

Pelo fato de não se refletirem diretamente nos preços dos produtos e mercadorias, a proliferação do uso de

barreiras não tarifárias pode produzir resultados ainda mais negativos para o comércio internacional. Ademais,

a discricionariedade e a heterogeneidade na intenção, no escopo e na forma de implementação de barreiras não

tarifárias impõem grande diversidade e pouca transparência à aferição de seus impactos sobre o bem-estar.

Em geral, sua aplicação é justificada pelo interesse público em corrigir distorções e falhas de mercado (market

failures), que emergem da assimetria informacional, da seleção adversa e do risco moral associados ao comércio

(por exemplo, garantir a qualidade e a procedência de bens e produtos importados). Uma vez que as regras são

rotuladas e justificadas sob uma roupagem regulatória legítima no âmbito da OMC112, seu abuso pode ocultar

finalidades protecionistas, incluindo a defesa de interesses de produtores domésticos, que não se encontram

em condição de abraçar a competitividade do comércio internacional.

O Quadro 123, a seguir, apresenta a distribuição atual dos mais de 36 mil casos de barreiras não tarifárias no-

tificadas à OMC. Como se pode notar, esta tendência é particularmente preocupante no âmbito de barreiras

111 Segundo a OMC, podem ser estabelecidos “direitos compensatórios” para compensar subsídios concedidos, direta ou indiretamente, no país exportador, à fabricação, à produção, à exportação ou ao transporte de qualquer produto cuja exportação ao Brasil cause dano à indústria doméstica.

112 Como expõe o Artigo XX do GATT, é permitido que os governos nacionais instituam regras desta natureza para acesso aos mercados, a fim de preservar a vida animal/vegetal ou a saúde humana, desde que não introduzam discriminação injustificada (abuso com finalidade protecionista). Não por acaso, a recomendação básica da OMC é que os países adotem e convirjam para regulações internacionais mais homogêneas e menos arbitrárias e discriminatórias.

Page 175: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

173

técnicas (technical barriers to trade, ou TBT113) e medidas sanitárias e fitossanitárias (sanitary and phytosanitary

measures, ou SPS), considerando a diversidade de regulações internacionais, nacionais e privadas para um

incontável número de bens e serviços (incluindo partes e componentes, insumos etc.) que podem ser abarca-

dos e regulados.

Quadro 123

NÚMERO E DISTRIBUIÇÃO DE BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS INICIADAS E ATIVAS, POR CATEGORIA, EM 2015

Barreiras técnicas51,8%

Barreiras sanitárias efitossanitárias

36,8%

Antidumping4,9%

Restriçõesquantitativas

3,7%

Salvaguardas2,4%

Medidascompensatórias

0,3%

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.

Atualmente, os países com maior participação no número de barreiras não tarifárias, iniciadas ou ativas, são:

Estados Unidos, China, Brasil, Canadá, União Europeia, Coreia do Sul e Japão. Combinados, respondem por

35,4% do número total de medidas desta natureza, incluindo 87,4% das medidas compensatórias, 51,5% das

barreiras sanitárias e fitossanitárias, 43,8% das medidas antidumping, 34,9% das medidas de salvaguarda, 30,3%

das barreiras técnicas e 21,2% das restrições quantitativas (Quadro 124).

113 Segundo a OMC, as barreiras técnicas têm como objetivo assegurar que os procedimentos de regulamentação técnica, as normas, os ensaios e a certificação não criem obstáculos desnecessários ao comércio, ao mesmo tempo em que fornecem aos membros da OMC o direito de introduzir medidas para atingir objetivos políticos legítimos, tais como a proteção da saúde humana e do ambiente. Como as normas e regulamentações técnicas podem variar de país para país, as barreiras podem dificultar o acesso aos mercados.

Page 176: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

174

Quadro 124

PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES SELECIONADOS* NO NÚMERO TOTAL EM BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS, INICIADAS E ATIVAS, EM 2015

35,4%

87,3%

51,5% 43,8%

34,9% 30,3% 21,2%

Total de barreirasnão tarifárias

Medidascompensatórias

Barreiras sanitáriase fitossanitárias

Antidumping Salvaguardas Barreiras técnicas Restriçõesquantitativas

Nota: * Estados Unidos, China, Brasil, Canadá, União Europeia, Coreia do Sul e Japão. Elaboração: Think Agro.

Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.

Em uma ótica regional, entretanto, é possível evidenciar um padrão internacional de adoção de barreiras não

tarifárias. Como é possível evidenciar no Quadro 125, a maior parte das restrições quantitativas é empregada

por países da Ásia e da Oceania, ao passo que as medidas compensatórias (subsídios) prevalecem na América

do Norte. Já entre os países europeus, predomina o uso de salvaguardas (incluindo as “especiais”, direcionadas

à agricultura).

Quadro 125

PROPORÇÃO REGIONAL NA APLICAÇÃO E BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS NOTIFICADAS À OMC, EM 2015

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Antidumping Medidascompensatórias

Restriçõesquantitativas

Salvaguardas Barreiras sanitáriase fitossanitárias

Barreirastécnicas

ÁSIA E OCEANIA

AMÉRICA DO SUL, AMÉRICA CENTRAL E CARIBE

AMÉRICA DO NORTE

EUROPA

ORIENTE MÉDIO

ÁFRICA

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.

A imposição dessas medidas do país é uma das principais fontes de restrição no acesso de algus produtos a

alguns mercados. Segundo dados apresentados no Quadro 126, os produtos mais afetados pelas barreiras não

tarifárias, atualmente, são: (i) animais vivos e seus produtos; (ii) produtos vegetais; (iii) alimentos e bebidas.

Page 177: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

175

Quadro 126

DISTRIBUIÇÃO DE BARREIRAS NÃO TARIFÁRIAS INICIADAS E ATIVAS, POR CATEGORIA DE BENS, EM 2015

Animais vivos eseus produtos

11,8%

Produtosvegetais

10,2%

Alimentose bebidas

9,6%

Máquinas eequipamentos elétricos

7,1%

Produtos das indústrias químicas edas indústrias conexas

6,9%

Resinas, plásticos e obras;borracha e artigos

3,1%

Metais e artigos de base2,9%

Veículos, aeronaves eembarcações

2,2%

Artigos manufaturados(miscelânea)

2,2%Produtosminerais

2,1%

Outros42,0%

Elaboração: Think Agro. Fonte: OMC; I-TIP Goods – 01/06/2015.

Como se sabe, estas três categorias de produtos – vinculadas às cadeias do agronegócio – constituem uma parte

relevante da pauta de exportação dos países em desenvolvimento. Uma vez que estes países dispõem, em geral,

de significativas vantagens comparativas nestes mercados, a imposição de barreiras desta natureza termina

por discriminar sistematicamente certos parceiros comerciais, impondo custos adicionais aos seus produtos.

Segundo análise presente no relatório World Trade Report 2012 da OMC (World Trade Report 2012: Trade and

public policies: a closer look at non-tariff measures in the 21st century), o impacto negativo de medidas não

tarifárias na restrição do comércio global é muito maior do que aquele imposto pela via tarifária, sobretudo

no caso de setores ligados à agricultura. Com efeito, entendendo a necessidade de aprimorar as ferramentas

disponíveis para discernir objetivos legítimos daqueles protecionistas, o relatório afirma ser importante ava-

liar formas de compatibilizar o interesse público, consubstanciado nas políticas domésticas, com a regulação

internacional, menos discriminatória e mais transparente para orientar produtores e exportadores.

Page 178: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

176

3.6 A LOGÍSTICA E OS NOVOS FATORES DE COMPETITIVIDADE

Além da emergência das barreiras não tarifárias, uma consequência adicional do declínio das barreiras tarifá-

rias, do regionalismo dos novos acordos comerciais e da consolidação das CGVs é o aumento da importância

das questões logísticas e dos custos de transação a elas associados como determinantes da competitividade

dos países.

Não por acaso, tal como reconhece a OMC em relatório recente (World Trade Report 2013: Factors shaping

the future of world trade), o desempenho logístico – medido em termos de custos, atrasos e confiabilidade no

manejo e na entrega de bens – afeta o volume, a direção e o padrão de comércio entre os países ao longo do

tempo. Isso é particularmente válido na comercialização de commodities primárias e produtos agropecuários,

casos em que os custos de transporte podem representar uma parcela representativa do preço final.

Entre os fatores da maior conectividade internacional, podem-se elencar: aspectos geográficos (distância das

rotas e contiguidade das fronteiras); barreiras linguísticas e de comunicação entre os países; disponibilidade

e qualidade da infraestrutura (portos, estradas, ferrovias) e dos serviços de transporte (regulação, inovações

tecnológicas, grau de concorrência no setor); custo dos combustíveis; eficiência nos procedimentos e nas

formalidades no controle do fluxo de mercadorias (embarque, trânsito e desembaraço aduaneiro de mer-

cadorias); acordos de facilitação de comércio etc. A importância destes fatores deve ser mediada, também,

pelas características dos produtos comercializados pelos países, como densidade (relação volume-peso das

mercadorias) e grau de valor agregado, capacidade de conteinerização, exigências em termos de embalagem,

armazenagem e manuseio, perecibilidade etc.

Em um cenário de acirramento competitivo e maior integração da economia mundial, os componentes que

afetam esse sistema de trânsito internacional correspondem a uma parcela crescente do custo e, portanto,

do preço final das mercadorias. Apesar da substantiva redução dos custos de transporte, sobretudo no que

se refere ao já destacado aumento da eficiência e da capacidade mundial no transporte marítimo, a heteroge-

neidade existente entre os países, no que se refere aos fatores supracitados, tem como resultado um cenário

de grandes assimetrias.

Essas diferenças podem ser evidenciadas a partir dos resultados e indicadores do Projeto Doing Business, do

Grupo do Banco Mundial. O relatório, publicado e revisado anualmente, tem como proposta medir, analisar

e comparar as regulamentações aplicáveis às empresas e o seu cumprimento em 189 economias e cidades

selecionadas. O relatório, em seu estado atual, contempla onze conjuntos de indicadores, responsáveis por

classificar as diferentes economias de acordo com o impacto das regulamentações sobre as atividades em-

presariais ao redor do mundo.

Um dos indicadores busca medir exatamente o desempenho (eficiência) do país no comércio internacional

(trading across borders), incluindo número de documentos exigidos na expedição e no desembaraço (contratos,

regulamentos, formulários), tempo do procedimento (em dias) e custo de exportar e importar, em US$ por

contêiner (incluindo custo dos documentos, taxas administrativas para inspeção e liberação alfandegária, taxas

de corretagem alfandegária, encargos dos portos e custos do transporte terrestre). Como se pode notar nos

Quadros 127 e 128, dispostos a seguir, as diferenças regionais na burocracia, no custo e no tempo envolvidos

no comércio internacional são significativas.

Page 179: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

177

Quadro 127

COMPARATIVO DOS COMPONENTES DO INDICADOR DOING BUSINESS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL

0 5

10 15 20 25 30 35 40

Documentos para exportar(número)

Documentos para importar(número)

Tempo para exportar(em dias)

Tempo para importar(em dias)

EXTREMO ORIENTE E PACÍFICO OCDE ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA AMÉRICA LATINA E CARIBE

ÁSIA DO SUL EUROPA E ÁSIA CENTRAL ÁFRICA SUBSAARIANA

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank Group; Doing Business.

Quadro 128

COMPARATIVO REGIONAL DOS CUSTOS DE EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO (US$ POR CONTÊINER), EM 2014

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO

EXTREMO ORIENTE E PACÍFICO OCDE ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA AMÉRICA LATINA E CARIBE

ÁSIA DO SUL EUROPA E ÁSIA CENTRAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank Group; Doing Business.

Os três países mais bem classificados nestes indicadores são economias com expressiva participação na eco-

nomia e no comércio exterior da Ásia: Cingapura, Hong Kong e Coreia do Sul; seguidas por Suécia, Irlanda,

Estônia, Dinamarca, Emirados Árabes, Panamá e França. O Brasil ocupa uma posição intermediária (123º lugar)

no ranking internacional. Se fossem países, São Paulo e Rio de Janeiro, únicas cidades brasileiras avaliadas,

ocupariam, respectivamente, a 110ª e 138ª posições no ranking do indicador.

Os resultados confirmam evidências apresentadas em outra pesquisa recente do Banco Mundial, especializa-

da em logística comercial (Connecting to Compete 2014: Trade Logistics in the Global Economy). O trabalho

apresenta o Índice de Desempenho Logístico (Logistics Performance Index, ou LPI), calculado para 160 países.

Page 180: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

178

Mais abrangente do que o indicador do Doing Business, o LPI é baseado no cômputo de seis dimensões: (i)

eficiência nos processos aduaneiros pelas agências de controle de fronteira (velocidade, simplicidade, predi-

cabilidade das formalidades); (ii) qualidade das trocas e da infraestrutura relacionada ao transporte (portos,

ferrovias, estradas, tecnologia da informação); (iiii) facilidade na contratação de fretes a preços competitivos;

(iv) competência e qualidade dos serviços logísticos (por exemplo, operadores de transporte, oficiais da alfân-

dega); (v) capacidade de seguir e rastrear remessas; e (vi) pontualidade das remessas em chegar ao destinatário

na data programada ou esperada.

Segundo os últimos dados disponíveis para o LPI (2014), o ranking era liderado por Alemanha, Holanda, Bélgica,

Reino Unido, Cingapura, Suécia, Noruega, Luxemburgo, Estados Unidos e Japão. O Brasil ocupa, nesse caso,

a 65ª posição. O ordenamento, mais uma vez, destaca a persistência de um “logistic gap” entre os mundos

desenvolvido e em desenvolvimento, com as economias de alta renda no primeiro escalão – isso considerando

que diversos países em desenvolvimento (como China) avançaram em relação a revisões anteriores do LPI.

Quadro 129

COMPARATIVO DO SCORE DOS COMPONENTES DO LPI EM 2014 – GRUPOS DE PAÍSES

LPI (geral)

Alfândega

Infraestrutura

Remessasinternacionais

Qualidade e competêncialogísticas

Rastreamento

Pontualidade

ALEMANHA ( ) BENCHMARK

ALTA RENDA (OCDE)

ALTA RENDA (NÃO OCDE)

MÉDIA-ALTA RENDA

MÉDIA-BAIXA RENDA

BAIXA RENDA

Elaboração: Think Agro. Fonte: World Bank Group; Doing Business.

Ainda segundo o relatório, em um momento no qual as CGVs se tornaram a espinha dorsal do comércio e do

intercâmbio internacional, a logística assume papel determinante na promoção do crescimento e na diversi-

ficação das economias, motivo pelo qual o tema tem ganhado um espaço crescente na agenda de políticas

públicas direcionadas para o desenvolvimento econômico e a expansão do comércio internacional.

Page 181: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

179

3.7 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES

EM CURSO NO COMÉRCIO INTERNACIONAL

O presente capítulo procurou apresentar uma abordagem multidimensional para fundamentar uma série de

transformações em curso no comércio internacional. Em particular, procurou-se destacar fatores que pau-

taram o desenvolvimento socioeconômico, tecnológico e institucional dos países em um contexto de maior

integração mundial, bem como as consequências recentes da emergência de novas questões associadas ao

fluxo internacional de bens, serviços e capitais.

Embora o cenário atual seja resultado de um claro progresso no desenvolvimento econômico e no engajamento

das nações no intercâmbio e na formação de parcerias e acordos comerciais, seus benefícios têm se distribuído

de forma heterogênea no mundo, a partir da consolidação de novos laços e polos políticos e produtivos. Nesse

âmbito, procurou-se destacar o papel da China e das CGVs como vetores fundamentais tanto no que se refere

ao crescimento da economia mundial, quanto na composição de novos padrões de comércio internacional.

Em paralelo, novos desafios emergem no âmbito da OMC. Embora tenha colaborado de forma fundamental

para a redução das barreiras tarifárias, a harmonização das relações e a solução de controvérsias envolvendo

temas relativos ao comércio internacional, as regras e as limitações do modelo institucional de negociação

(multilateralismo) têm favorecido, por um lado, a formação flexível de acordos regionais, preferenciais e “me-

ga-acordos” entre países e blocos econômicos (regionalismo) e, por outro, a difusão de barreiras não tarifárias

como instrumentos implicitamente protecionistas.

Com efeito, os ganhos derivados da inserção de países e setores nesse novo cenário dependem da compreen-

são estratégica da trajetória de cada um dos fatores e das tendências apresentados, de sorte a aproveitar as

janelas de oportunidade disponíveis para ampliar as opções de integração e diversificação comercial, por um

lado, e criar e fortalecer parcerias estratégicas, por outro.

Page 182: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 183: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

4. TRANSFORMAÇÕES E OPORTUNIDADES DA ECONOMIA CHINESA

Page 184: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 185: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

183

Este capítulo tem por objetivo principal introduzir e analisar algumas das principais transformações e tendências

recentes da economia chinesa, sobretudo no que se refere às características da atividade agropecuária no país.

A China destaca-se, atualmente, tanto pela sua dimensão (geográfica, demográfica e econômica), quanto pelas

suas características peculiares do ponto de vista político-institucional, conjugando uma economia de mercado

altamente dinâmica com um Estado poderoso, intervencionista e centralizador. Como já antecipado no capítulo

anterior, o país de cerca de 9,6 milhões de quilômetros quadrados logrou conquistar uma posição especial no

âmbito mundial, cujas bases só podem ser investigadas a partir da observação das diversas reformas colocadas

em prática ao longo das últimas quatro décadas – com vistas à modernização e à liderança econômica mundial.

A manutenção da posição da China, entretanto, subordina-se a um conjunto de fatores cujo cerne encontra-se

fortemente dependente do seu setor agropecuário, bem como das complementaridades desenvolvidas no âm-

bito internacional com vistas à garantia do abastecimento interno do gigantesco mercado doméstico chinês.

É nessa órbita que a relação sino-brasileira pode ser criticamente analisada e aprimorada no futuro.

Para perseguir esses objetivos, essas transformações e seus impactos para o futuro da agricultura chinesa, são

apresentados alguns dos principais aspectos relativos às reformas institucionais e socioeconômicas promovidas

pelo Estado chinês nas últimas décadas. Afirma-se, nesse sentido, que a inserção e o protagonismo da China

no comércio internacional só podem ser entendidos, em sua totalidade, tendo como referência uma agenda

estratégica que contempla, entre outros aspectos, as mudanças no campo sociodemográfico e nos hábitos de

consumo da população chinesa, seus impactos na demanda por alimentos e produtos agrícolas e os objetivos

de segurança alimentar e abastecimento interno adotados pelo governo chinês.

Por fim, o capítulo aborda, também, as modalidades e o grau de participação do Brasil e dos produtores bra-

sileiros na economia chinesa.

4.1 PANORAMA DA ECONOMIA E DA AGRICULTURA CHINESAS

Como no caso brasileiro, o setor agropecuário desempenha um papel fundamental na economia chinesa. Em-

bora a produção setorial ainda tenha respondido nos últimos anos por cerca de 10% do Produto Interno Bruto

(PIB), o setor emprega um terço da população economicamente ativa (793 milhões de habitantes), sendo que

pouco menos da metade (46%) do 1,36 bilhão de chineses encontra-se ainda registrada, oficialmente, como

população rural. No Brasil, comparativamente, a participação da população rural é de 15%, segundo dados da

PNAD (2012).

Segundo dados do National Bureau of Statistics of China (2014), em 2013, o total da produção agropecuária

chinesa correspondia a cerca de 9,7 trilhões de renminbi114. Proporcionalmente, o cultivo agrícola correspondia

a 53%, a pecuária a 29%, a silvicultura a 4%, a pesca (incluindo a aquicultura) a 10%. Outros segmentos repre-

sentavam os 4% remanescentes115.

114 O renminbi (RMB, símbolo monetário ¥; código: CNY; também CN¥, yuan, 元 e CN元; chinês:人民币 Rénmínbì, a «moeda do povo») é a moeda oficial da República Popular da China, sendo distribuída pelo Banco Popular da China.

115 National Bureau of Statistics of China (2014). China Statistical Yearbook 2014.

Page 186: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

184

Apesar da qualidade limitada das terras cultiváveis e da escassez de água em certas áreas da China, a produ-

ção vem crescendo desde a década de 1970, de maneira que o país classifica-se, hoje, como o maior produtor

mundial de produtos como arroz, algodão, carne suína e ovo e responde por 18% da produção mundial de

cereais, 29% da produção de carne e quase 50% da produção mundial de frutas e verduras116.

Essa expansão deve-se, em grande parte, ao aumento substancial da produtividade por meio de melhorias

tecnológicas, o que possibilitou uma taxa de crescimento anual média de 2,5% entre 1970 a 2007. Além do

crescimento geral da produção, a composição também mudou ao longo do tempo, com notável incremento na

produção de hortaliças, carne e laticínios – ao mesmo tempo em que se observou uma queda de importância

relativa de culturas tradicionais, sobretudo grãos e tubérculos.

Com 135 milhões de hectares de terras aráveis, 9% do total do Planeta, a China alimenta 21% da população

mundial. Ainda assim, o setor é dominado por milhões de agricultores com pequena parcela de terra, com

uma média de apenas 0,6 hectare por unidade produtiva rural. O Quadro 130, apresentado a seguir, destaca a

participação da China na produção agropecuária mundial por produto.

Quadro 130

PARTICIPAÇÃO DA CHINA NA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA MUNDIAL (%)

4 5

10 13

17

21

26 27

39 40 42

47

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

So

ja e

m g

rão

Leit

e

Carn

e b

ovin

a

Fra

ng

o

Tri

go

Milh

o

Alg

od

ão

Arr

oz

Ovo

s

Fru

tas

e v

erd

ura

s

Tab

aco

Carn

e s

uín

a

Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO

Apesar das reformas da política agrícola, o governo chinês continua desempenhando um papel central no setor.

Desde 2004, o Estado tem ampliado seu apoio ao setor agrícola, com o intuito de reduzir as disparidades entre

a cidade e o campo e promover a harmonia social. Além do desenvolvimento do setor, a agenda estratégica

do governo chinês tem como principais objetivos a serem alcançados: a garantia do aumento da renda dos

produtores e a autossuficiência na produção doméstica de grãos.

116 CARTER, C. A. (2001). China’s Agriculture: Achievements and Challenges. Agricultural and Resource Economics Update 14(5): 5-7.

Page 187: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

185

Segurança alimentar e os desafios da autossuficiência chinesa

O termo “segurança alimentar” é traduzido literalmente em chinês como “segurança de grão” (粮食安全 – lê-se

liangshi anquan). Desde a Antiguidade, garantir a segurança alimentar sempre foi uma prioridade e um desafio

para o Estado chinês, motivo pelo qual o governo adota uma série de políticas voltadas para reduzir a depen-

dência externa do país para atender o elevado e crescente consumo nacional.

Esta política foi consagrada no início do período da República Popular (1949), que sempre destinou espaço

prioritário para autossuficiência na agenda nacional de segurança alimentar, de sorte a alimentar a maior po-

pulação do mundo e mitigar as calamidades naturais que afligem o país com alguma frequência (inundações,

por exemplo).

Recentemente, em dezembro de 2013, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais, realizada pelo governo

chinês, reafirmou a estratégia nacional de segurança alimentar baseada na “oferta doméstica e importação

moderada, garantia da capacidade produtiva com o apoio da ciência e tecnologia”. Segundo comunicado da

conferência117: “[e]m qualquer circunstância, a tigela de comida dos chineses deve permanecer firme em nos-

sas mãos e ser preenchida, sobretudo, com grãos da China. Só um país com elevado grau de autossuficiência

em alimentos poderá ter um papel ativo na segurança alimentar e dominar a conjuntura para o crescimento

econômico e social”.

A autossuficência é, portanto, um componente-chave da estratégia de segurança alimentar do governo chinês.

De acordo com o Plano Nacional de Médio e Longo Prazos para a Segurança Alimentar (2008-2020), lança-

do em novembro de 2008, logo após a alta mundial no preço dos grãos, o setor agrícola da China pretende

manter a produção na casa dos 540 milhões de toneladas, de forma a garantir uma taxa de autossuficiência

de grãos acima de 95% até 2020.

A pauta da autossuficência está centrada, fundamentalmente, na produção de grãos. Note-se que, na definição

desse documento, o termo “grãos” no sentido de segurança alimentar abrange trigo, arroz, milho, leguminosas

e tubérculos. Destacam-se, nesse contexto, o arroz e o trigo – dois produtos de que o governo exige um alto

grau de autossuficiência. O documento citado define o piso de 120 milhões de hectares de terra arável e 105

milhões de hectares de área de cultivo de grãos para o final do período e prevê que a produtividade deverá

crescer, em média, de 4,74 toneladas por hectare, em 2007, para 5,25 toneladas por hectare, em 2020.

O desempenho da China nesse setor é expressivo. Atualmente, o país asiático garante a alimentação de apro-

ximadamente 20% da população mundial com menos de 10% das terras aráveis e 6% dos recursos hídricos do

Planeta. Esse incremento foi possibilitado pelo crescimento verificado a partir do fim da década de 1970. Entre

1978 e 2014, a produção de grãos quase dobrou, de 305 milhões para 607 milhões de toneladas, alcançando,

então, um recorde histórico equivalente a uma disponibilidade per capita de 444 kg. Com isso, a produção de

grãos registrou aumento por onze anos seguidos a partir de 2003, ultrapassando a marca dos 500 milhões

por oito anos consecutivos.

117 Comunicado da Conferência Central sobre Assuntos Rurais, publicado em 24 de dezembro de 2013. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/politics/2013-12/24/c_118693228.htm> Acesso em 14/09/2015.

Page 188: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

186

Além da expansão da produção e da área plantada de grãos, que atingiu 112,7 milhões de hectares em 2014,

as últimas décadas foram marcadas por um crescimento excepcional na agropecuária chinesa: a produção de

carne expandiu-se dez vezes; a de pescado e a aquicultura, treze vezes; e a de frutas, 38 vezes. Mesmo com o

declínio de terra arável, a produtividade aumentou nas últimas três décadas, com uma média anual de 2,3% para

trigo, 1,7% para milho, 1,2% para arroz e 1,2% para soja118. O Quadro 131, disposto a seguir, apresenta a evolução

da produção dos principais produtos agropecuários da China desde 2000.

Quadro 131

PRODUÇÃO DOS PRINCIPAIS PRODUTOS AGROPECUÁRIOS NA CHINA (EM MILHÕES DE TONELADAS)

0

200

400

600

800

1.000

1.200

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

AQUICULTURA

LEITE

CARNES

FRUTAS

GRÃOS

Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos. Elaboração: Think Agro.

No tocante à estatística de segurança alimentar, a China define “grãos” como um conceito mais amplo, abar-

cando cereais (predominantemente arroz, trigo e milho e, por vezes, também sorgo e painço), leguminosas

(soja e feijão) e tubérculos (batata e batata-doce). Neste conceito expandido, a taxa de autossuficiência de

grãos (dada pela razão entre a produção doméstica e o abastecimento interno, que inclui importações) caiu

ao patamar de 89% em 2012, devido, sobretudo, ao crescimento da importação de grão de soja in natura (em

2001, a importação foi de 13,94 milhões de toneladas, e a cifra saltou para 58,38 milhões em 2012)119. Como

visto anteriormente, o Brasil é o um dos principais países responsáveis pelo abastecimento do mercado chinês.

No entanto, quando o conceito restringe-se aos cereais, a taxa de autossuficiência de 2012 atinge patamar próxi-

mo a 100%, ainda que a China tenha se tornado um importador líquido destes produtos em 2009 e a importação

líquida tenha saltado para 13,02 milhões de toneladas em 2012, em comparação a 1,83 milhão três anos antes120. A

evolução da produção e da importação dos principais grãos da China encontra-se disposta no Quadro 132, a seguir.

118 OECD/FAO (2013). OECD-FAO Agricultural Outlook 2013. OECD Publishing, Paris.

119 叶兴庆 [Ye Xingqing] (2014). 准确把握国家粮食安全战略的四个新变化 [Interpretando com precisão as quatro novas mudanças na estratégia nacional de segurança alimentar]. Disponível em: <http://theory.people.com.cn/n/2014/0117/c83865-24152538.html>. Acesso em 14/09/2015.

120 张启良 [Zhang Qiliang] (2014). “十连增”后我国粮食安全面面观 [Aspectos da segurança alimentar da China após dez aumentos consecutivos da safra]. Disponível em: <http://www.stats.gov.cn/tjzs/tjsj/tjcb/dysj/201407/t20140710_579579.html>. Acesso em 14/09/2015.

Page 189: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

187

Quadro 132

PRODUÇÃO E IMPORTAÇÃO DOS PRINCIPAIS GRÃOS DA CHINA (EM MILHÕES DE TONELADAS)

0

50

100

150

200

250

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

TRIGO (IMPORTAÇÃO) MILHO (IMPORTAÇÃO) SOJA (IMPORTAÇÃO) ARROZ (IMPORTAÇÃO)

TRIGO (PRODUÇÃO) MILHO (PRODUÇÃO) SOJA (PRODUÇÃO) ARROZ (PRODUÇÃO)

Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.

O governo chinês tem trabalhado no sentido de reajustar (ou melhor, flexibilizar) essa questionável taxa de

autossuficiência. Em vez de definir metas quantitativas, a Conferência Central sobre Assuntos Rurais de 2013

estabeleceu como diretriz manter a “autossuficiência básica de cereais e a segurança absoluta de grãos para

alimento (arroz e trigo)”, além de incluir, pela primeira vez, a “importação moderada” como elemento integrante

de sua estratégia de segurança alimentar.

O grau de autossuficiência deve ser determinado pela relação de preços e custos entre os mercados chinês e

internacional, e a China deve fazer todo o possível para manter a vantagem comparativa da sua produção de

arroz e trigo, por meio da melhoria da infraestrutura agrária, do avanço em ciência e tecnologia e da expansão

da escala de produção121.

121 叶兴庆兴庆 [Ye Xingqing] (2014). op. cit.

Page 190: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

188

A disponibilidade de terras aráveis

Manter a independência de grãos tende a se tornar cada vez mais difícil para a China. Embora se trate do ter-

ceiro maior país em termos de área total (sem as regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau),

com cerca de 9,6 milhões de quilômetros quadrados de área, o censo mais recente das terras aráveis na China

registrou cerca de 135,2 milhões de hectares de terras agrícolas, 14,3% do território nacional122.

Contudo, subtraindo-se as áreas reservadas para a restituição de florestas e pastagens, bem como os terrenos

considerados impróprios (poluídos) para o cultivo, a extensão das terras realmente agricultáveis fica apenas

pouco acima do nível mínimo defendido pelo governo de 120 milhões de hectares, o que equivale a menos de

0,1 hectare per capita, ou 40% da média mundial123. Este percentual continua diminuindo, devido à expansão

rápida da urbanização, bem como por conta dos inúmeros problemas ambientais, tais como inundações, ero-

são do solo e desertificação. Além disso, a população da China continuará a crescer até por volta de 2030.

Estima-se que, em 2050, a demanda total de terras aráveis supere a oferta em mais de 12%124.

A pressão sobre as terras agrícolas e a degradação do solo vêm intensificando-se desde 1978, devido, sobre-

tudo, à industrialização e à urbanização aceleradas. Entre 1996 e 2008, as terras cultivadas e as pastagens

diminuíram 6,4% e 0,59%, respectivamente. A extensão total de terra arável deverá recuar de 135 milhões de

hectares, em 2003, para 129 milhões, em 2030125. A área de produção de cereais diminuiu de 97 milhões de

hectares, em 1978, para 93 milhões, em 2013, em virtude da ocupação de terras de cultivo por construções,

estradas e outros desenvolvimentos. De acordo com o Bureau National of Statistics do país, em 2011, o número

de habitantes urbanos na China superou pela primeira vez o número de habitantes rurais, que correspondiam

a 82% da população em 1978. Desde 1990, mais de 8 milhões de hectares de terras agricultáveis desaparece-

ram e a terra arável per capita diminuiu de 0,18 hectare, na década de 1950, para menos de 0,10 hectare, em

tempos atuais126.

Enquanto a quantidade diminui, a qualidade da terra também se encontra sob enorme ameaça. A urbanização

tem agravado o grau de contaminação do solo, como decorrência tanto do tratamento inadequado de resíduos

domésticos e industriais, quanto da deposição ácida derivada da poluição do ar urbano. A esse respeito, cerca de

2,5% do total das terras aráveis (3,3 milhões ha) já se tornaram suficientemente poluídos para impedir o cultivo do

solo, sobretudo em casos de contaminação por metais pesados, como cádmio (Cd), chumbo (Pb) e arsênio (As).

Para evitar problemas graves de saúde pública, milhões de hectares de terra podem ser considerados impró-

prios e, eventualmente, descartados para o cultivo, por conta da poluição. Isso poderá acarretar sérios impactos

sobre a produção agrícola e a autossuficiência alimentar. Além disso, o uso maciço de fertilizantes químicos

também vem prejudicando a qualidade do solo.

122 Ministério da Terra e Recursos da China (2015). 2014中国国土资源公报 [Relatório sobre Terra e Recursos 2014].

123 Ministério da Terra e Recursos da China (2013). 关于第二次全国土地调查主要数据成果的公报 [Comunicado sobre os principais dados da segunda pesquisa nacional de terra].

124 CHINAFOLIO (2014). Agriculture and Food Security: A Long-Term Priority. Disponível em: <http://www.chinafolio.com/agriculture-and-food-security>. Acesso em: 11/09/2015.

125 GUANGHONG, Z. et al. (2012). China’s meat industry revolution: challenges and opportunities for the future. Meat Sci. 92: 188-196.

126 JIANHUA, Z (2011). China’s success in increasing per capita food production. J. Exp. Botany 32: 1-5.

Page 191: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

189

Em 1975, o total de fertilizantes usados foi de 5,5 milhões de toneladas, mas este número aumentou para 59,1

milhões em 2013. A saturação do solo com fertilizantes provocou o endurecimento e a perda de material orgâ-

nico dos solos bons ou excelentes, de maneira que o uso de fertilizantes está levando à queda do rendimento

das culturas, além de causar consideráveis problemas ambientais. Por fim, além da urbanização e da poluição,

casos ilegais de desapropriação de terras agricultáveis para fins comerciais também foram detectados ao longo

dos anos, ameaçando o piso de 120 milhões de hectares definido pelo governo.

Os Quadros 133 e 134, apresentados a seguir, destacam a distribuição do uso da terra na China e a evolução

das terras aráveis no país, respectivamente.

Quadro 133

O USO DA TERRA NA CHINA, EM 2012

Hortas1,5%

Outros usos agrícolas2,5%

Construção4,0%

Terraarável14,3%

Pastagens23,2%

Florestas26,7%

Sem uso27,9%

Elaboração: Think Agro. Fonte: Ministério da Terra e Recursos Naturais da China.

Page 192: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

190

Quadro 134

A EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE TERRA ARÁVEL NA CHINA (MILHÕES DE HECTARES)

135,385

135,268

135,239

135,159 135,163

2009 2010 2011 2012 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: Ministério da Terra e Recursos Naturais da China.

Disponibilidade de recursos hídricos

Além das restrições de terras próprias para o cultivo, a escassez e a poluição da água também podem limitar

a produção de grãos no futuro. Apesar de a China ser dotada do quarto lugar mundial em termos de oferta

total de recursos hídricos, a quantidade per capita era de 2.059 m3 em 2013, ou um quarto da média global.

De acordo com a WWF (World Wildlife Fund for Nature), 13% dos lagos da China desapareceram nos últimos

quarenta anos, assim como metade de suas zonas úmidas costeiras. Adicionalmente, as Nações Unidas iden-

tificaram a China como um dos treze países com problema de escassez extrema de recursos hídricos. Entre

as principais causas desta escassez, pode-se citar: a grande demanda gerada pela agricultura; o processo de

industrialização e urbanização; a distribuição desigual dos recursos hídricos; e o alto nível de poluentes de-

postos nas reservas hídricas chinesas127.

De fato, dados do National Bureau destacam que a indústria e a agricultura respondem por 86% de todo o

consumo de água na China. Deste total, 62% são usados na agricultura128. A disponibilidade adequada de água

é fundamental para incrementar a produtividade agrícola, mas o uso deste recurso na agricultura é extrema-

mente improdutivo: cerca de 45% da água perdem-se antes mesmo de chegar às culturas.

Segundo alguns especialistas, a produção de 1 tonelada de cereais consome cerca de 1.300 metros cúbicos de

água na China, e menos de 1.000 metros cúbicos em países desenvolvidos129. Por outro lado, o uso de água na

127 GHOSE, B. (2014). Food security and food self-sufficiency in China: from past to 2050.

128 National Bureau of Statistics of China (2014). China Statistical Yearbook 2014.

129 OECD/FAO (2013). op. cit.

Page 193: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

191

produção industrial é setenta vezes mais eficaz. À medida que a água se torna cada vez mais escassa, o setor

agrícola corre o risco de perder os recursos hídricos para a produção industrial, tendo em vista a alta de preços

da água130. Desde 2000, o déficit de água no sistema de irrigação agrícola foi de aproximadamente 40 bilhões

de metros cúbicos, o suficiente para produzir 30 milhões de toneladas de cereais, cerca de 5% da produção

atual131. A falta de água já afeta seriamente a produção de grãos, em especial nas regiões áridas e semiáridas

da planície do norte da China, área potencial para a expansão da produção de grãos no futuro.

Além da escassez, problemas com o sistema de irrigação também poderão complicar a capacidade produtiva

do agronegócio chinês. Isso porque a China usa tanto os rios como os aquíferos subterrâneos para irrigar suas

plantações. Metade das terras cultivadas na China é irrigada e produz cerca de 75% dos cereais e mais de 90%

da produção de algodão, frutas, legumes e outros produtos agrícolas132. No entanto, de acordo com o Ministério

de Recursos Hídricos, a China procura suplementar o uso da água dos rios, cada vez mais, com água de outras

reservas, incluindo aquíferos e lagos. As reservas subterrâneas são fonte de água potável para cerca de 70%

da população chinesa e respondem por 40% de irrigação das terras agrícolas.

O uso da água subterrânea quase dobrou desde os anos 70 e representa 18% do abastecimento total de água

na China. Os aquíferos têm especial importância no norte da China, onde são produzidos 40% dos grãos e o

acesso à água subterrânea é crucial para aumentar a produção. As fontes subterrâneas fornecem, hoje, dois

terços da água que abastece as megacidades do norte da China133. O Banco Mundial, no entanto, estima que, ao

ritmo atual de exploração, os aquíferos no norte da China podem secar em menos de trinta anos. Um panorama

da disponibilidade de recursos hídricos na China é apresentado no Quadro 135, a seguir.

130 CHINAFOLIO (2014). op. cit.

131 OECD/FAO (2013). op. cit.

132 陈雷[Chen Lei] (2012). 大力加强农田水利 保障国家粮食安全 [Incrementar a irrigação agrícola e garantir a segurança alimentar nacional]. Disponível em <http://cpc.people.com.cn/GB/64093/64102/17455322.html>. Acesso em: 12/09/2015.

133 Ministério da Proteção Ambiental da China (2011). 全国地下水污染防治规划(2011-2020年)[Plano Nacional de Prevenção e Controle da Poluição de Águas Subterrâneas (2011-2020)]. Disponível em: <http://www.gov.cn/gongbao/content/2012/content_2121713.htm>. Acesso em: 11/09/2015.

Page 194: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

192

Quadro 135

RECURSOS HÍDRICOS DA CHINA

1.500

1.700

1.900

2.100

2.300

2.500

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Per

cap

ita

(m

etr

os

bic

os)

Tota

l (t

rilh

ões

de m

etr

os

bic

os)

TOTAL DE RECURSOS HÍDRICOS RECURSOS HÍDRICOS PER CAPITA

Fonte: OCDE. Elaboração: Think Agro.

Força de trabalho e produtividade no campo

Depois de alcançar a alta histórica de 844 milhões de habitantes em 1992, a população rural na China diminuiu

para 695 milhões em 2012, com uma redução líquida de quase 150 milhões de pessoas. Projeções populacionais

feitas pelas Nações Unidas indicam uma redução de mais 100 milhões na população residente na zona rural

até 2022.

A dimensão dessa cifra trará enorme impacto sobre a força de trabalho agrícola, a estrutura de produção, a

gestão de terra e, especialmente, a economia rural. Além do processo de urbanização, a migração motivada

por melhores salários nas cidades reforça o fluxo migratório, contribuindo para a redução da força de trabalho

no campo, sobretudo entre os mais jovens e com maior escolaridade134. Dados do censo demográfico de 2010

contabilizaram os migrantes temporários – definidos como habitantes que vivem por mais de seis semanas

em uma cidade diferente daquela em que têm residência registrada – em cerca de 250 milhões, quase 19% do

total da população. Estima-se que este número crescerá para 400 milhões em 2025.

O Quadro 136, apresentado a seguir, destaca a queda na participação da população rural na China entre 2000

e 2014.

134 OECD/FAO (2013). op. cit.

Page 195: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

193

Quadro 136

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO RURAL (%)

64,1 62,9

61,6 60,2

58,9 57,5

56,1 54,8

53,5 52,1

50,8 49,4

48,1 46,8

45,6

40

45

50

55

60

65

70

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Elaboração: Think Agro. Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos.

Efetivamente, essa situação continuará privando o setor agrícola chinês da mão de obra necessária para as

operações agrícolas de escala de maior complexidade, como a utilizada para o manuseio de maquinaria e equi-

pamentos modernos, o diagnóstico de pestes e pragas, o uso de ferramentas de investimento e comercialização,

e a gestão eficaz de unidades operativas complexas. Isso poderá, no futuro, limitar a produtividade, reduzir o

potencial de oferta e restringir a competitividade do setor agrícola chinês – e ameaças que se impõem sobre

as diretrizes estratégicas do Estado chinês com relação à segurança alimentar no país.

O crescimento da produção poderá ser prejudicado, também, pela pequena extensão da área cultivada por cada

agricultor, em média menos de 1 hectare. Apesar de a descoletivização ter gerado, de início, um aumento da

produção, a segmentação das grandes terras comunais dificultará a expansão futura. Pequenas parcelas de terra

restringem o acesso dos agricultores à economia de escala obtida com maior mecanização, disseminação mais

eficaz de novas tecnologias de sementes e melhoria da manutenção das estruturas de irrigação. Estima-se que

a melhoria da fragmentação poderia aumentar a produção de grãos em até 70 milhões de toneladas por ano.

O arrendamento, como forma de uso da terra pelos agricultores, também desencoraja qualquer investimento

de longo prazo. Embora o prazo de contrato tenha sido estendido para trinta ou até cinquenta anos, muitas

aldeias continuam firmando acordos de arrendamento de curto prazo, de cinco a dez anos. De fato, a realidade

é que a situação dos direitos à terra na China é bastante complexa e tem se modificado de forma acelerada,

acompanhando novas diretrizes do governo chinês.

É o caso daa Lei sobre o Contrato de Terra Rural, em vigor desde 2003, que visa melhorar a segurança da posse

da terra, esclarecer os direitos de transferência e permuta de terra contratada e permitir que membros da fa-

mília herdem a terra durante o período do contrato. A lei reflete as tentativas do governo para permitir àqueles

que permanecem na agricultura ter acesso a terra cultivada adicional e aumentar sua renda e competitividade.

Alguns líderes acreditam, porém, que a agricultura familiar fornece, pelo menos, uma prova nominal de que a

China continua comunista, uma vez que a terra não é propriedade privada e é distribuída de forma relativa-

mente equitativa. Muitos líderes chineses acreditam, também, que a terra agrícola proporciona um sistema de

seguridade social para a população, uma vez que cada família rural é, em tese, capaz de se alimentar com a

própria safra. Nos cinco anos seguintes à promulgação da lei, foram registradas mais de 50.000 disputas sobre

Page 196: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

194

terra, e o governo respondeu com um novo projeto de lei em 2009, até hoje não aprovado. A elaboração de

uma emenda substancial está na pauta de trabalho de 2015 da Assembleia Popular Nacional.

Além disso, a China necessitará integrar melhor à economia os egressos do setor agrícola. Apesar do aumento

significativo de trabalhadores migrantes rurais nas zonas urbanas, ainda existem barreiras fundamentais que

desencorajam a migração permanente de indivíduos e famílias do campo para a cidade; a mais importante delas

é o hukou, o sistema de registro de residência. Sem o hukou local, os migrantes têm pouco acesso a habitação,

saúde e educação para os filhos. Não é incomum os migrantes trabalharem longas jornadas sob condições de

segurança precárias e com baixa remuneração.

Crescimento demográfico e a expansão da demanda chinesa

País mais populoso do mundo, a China abriga um quinto da população global. Entre 2009 e 2012, a população

chinesa aumentou cerca de 2% (a uma média anual de 0,63%; durante o mesmo período, no Brasil, a média

anual foi de 0,9%)135, apesar da tendência de redução na taxa de crescimento populacional observada desde a

década de 1990 e que deve continuar nos próximos anos. Estima-se que o declínio deva acontecer em 2030,

quando a população terá crescido do atual 1,3 bilhão para a casa de 1,5 bilhão.

Dado o tamanho da população, cada pequeno aumento ou diminuição na demanda per capita de produtos ali-

mentares vai traduzir-se em uma grande cifra em nível nacional. A China permanecerá como um grande consu-

midor mundial de produtos agrícolas, e a demanda de grãos pode chegar a 700 milhões de toneladas em 2050136.

Esse impacto, contudo, não será tão importante quanto o da alteração estrutural na população137. Um dos

principais motivos da desaceleração do crescimento demográfico, a política de planejamento familiar em vigor

desde 1978 conduziu ao envelhecimento mais acelerado da população. Em 2000, a população com menos de

15 anos de idade era quase quatro vezes maior do que a parcela com mais de 65 anos, mas, até 2030, os dois

grupos terão praticamente o mesmo tamanho138.

A população chinesa já é mais velha do que a de outros países em desenvolvimento. Dados de 2014 mostram

que a idade média dos chineses é de 36 anos, em comparação com os 30 anos no Brasil e 27 anos na Índia139.

Dadas as diferenças na composição de alimentos demandados pelas populações idosa, adulta e jovem, o enve-

lhecimento da sociedade terá impacto sobre o consumo de vários gêneros alimentícios. Por exemplo, pode-se

reduzir o consumo de carne, especialmente carne vermelha, com a substituição por outros itens. Embora esse

impacto não tenha se manifestado, é uma área que merecerá atenção no futuro.

O Quadro 137, apresentado a seguir, descreve como a população chinesa evoluiu entre 1970 e 2010 de acordo

com a faixa etária, bem como inclui a projeção das Nações Unidas para 2050.

135 OECD (2014). OECD Factbook 2014: Economic, Environmental and Social Statistics.

136 WONG, J.; HUANG, Y. J. (2012). China’s Food Security and Its Global Implications. International Journal 10: 113-124.

137 ZHOU, Z.; TIAN, W.; WANG, J.; LIU, H.; CAO, L. (2012). Food Consumption Trends in China.

138 OECD (2014). op. cit.

139 CIA (2015). The World Factbook: China, India e Brazil, updated April 21, 2015.

Page 197: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

195

Quadro 137

POPULAÇÃO TOTAL CHINESA, POR FAIXA ETÁRIA (EM MILHÕES DE HABITANTES)

0

20

40

60

80

100

120

140

160

0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80+

1970 2010 2050

Nota: 1970 e 2010 – estimativa; 2050 – projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division (2015).

Mais do que o crescimento populacional, fatores como a urbanização e o aumento da renda desempenharão um

papel cada vez maior na configuração do lado da demanda da balança alimentar na China140. Como mostrado no

segundo capítulo, os padrões de consumo de alimentos na China passaram por mudanças significativas desde o

início dos anos 80, com a expansão da área urbana e de sua proporção populacional no total nacional. Em 1990,

pouco mais de um quarto dos chineses vivia na área urbana; em 2011, a proporção subiu para pouco mais de 50%

e, segundo projeções, deve chegar a mais de 68% em 2030. A urbanização traz, de modo geral, maior renda para

os novos residentes, que prontamente ficam expostos ao estilo de vida urbano, aí incluídos os hábitos de consumo.

Isso tende a influenciar e modificar a dieta do chinês. Nas últimas duas décadas, observaram-se a diminuição

do consumo direto de grãos per capita e o aumento da demanda por produtos de origem animal, tanto nas

cidades, como no campo. Especificamente nas áreas urbanas, o consumo per capita de alimentos já é maior

do que o da área rural em quase todos os itens, à exceção de grãos.

Diferenças significativas estão no consumo de ovos, pescado e laticínios. Em 2012, o consumo per capita destes

itens na área rural foi, respectivamente, metade, um terço e um quarto de suas contrapartes urbanas. A melhora

na renda dos residentes rurais potencializa uma maior redução no consumo humano de grãos e um aumento

na demanda por produtos animais.

140 HUANG, J.; YANG J.; ROZELLE, S. (2010). China’s Agriculture: Drivers of Change and Implications for China and the Rest of World. The American Journal of Agricultural Economics 41 (November 2010): 47-55.

Page 198: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

196

Quadro 138

EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA NA CHINA (%)

19,4 22,9

26,4 31,0

35,9

42,5

49,2

55,6

61,0 65,4

68,7 71,1 72,8 74,3 75,8

1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050

Nota: após 2015, projeção. Elaboração: Think Agro.

Fonte: United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division (2014).

Quadro 139

CONSUMO DE ALIMENTOS, POR CATEGORIA, RURAL VERSUS URBANO

  1990 1995 2000 2005 2010 2011 2012

RURAL (QUILO POR ANO/PESSOA)

GRÃOS (NÃO PROCESSADOS) 262,1 256,1 250,2 208,8 181,4 170,7 164,3

CARNES 12,6 13,1 17,2 20,8 20,0 20,9 20,9

LATICÍNIOS 1,1 0,6 1,1 2,9 3,6 5,2 5,3

PESCADOS 2,1 3,4 3,9 4,9 5,2 5,4 5,4

ÓLEOS VEGETAIS 3,5 4,3 5,5 4,9 5,5 6,6 6,9

OVO 2,4 3,2 4,8 4,7 5,1 5,4 5,9

VERDURAS 134,0 104,6 106,7 102,3 93,3 89,4 84,7

FRUTAS 5,9 13,0 18,3 17,2 19,6 21,3 22,8

URBANA (QUILO POR ANO/PESSOA)

GRÃOS (NÃO PROCESSADOS) 158,4 117,6 99,8 93,3 98,8 97,8 95,5

CARNES 25,2 23,7 25,5 32,8 34,7 35,2 35,7

LATICÍNIOS 4,6 4,6 9,9 17,9 14,0 13,7 14,0

PESCADOS 7,7 9,2 11,7 12,6 15,2 14,6 15,2

ÓLEOS VEGETAIS 6,4 7,1 8,2 9,3 8,8 9,3 9,1

OVO 7,3 9,7 11,2 10,4 10,0 10,1 10,5

VERDURAS 138,7 116,5 114,7 118,6 116,1 114,6 112,3

FRUTAS 41,1 45,0 57,5 56,7 54,2 52,0 56,1

Elaboração: Think Agro. Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos.

Page 199: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

197

O rápido crescimento econômico e a taxa moderada de crescimento populacional resultaram no aumento da renda

do consumidor na China. À medida que a renda cresce, o consumo de alimentos aumenta e assume novo padrão.

Entre 2000 e 2013, o consumo total de alimentos por pessoa, medido em calorias, conheceu um aumento de

11%. Neste período, a contribuição dos cereais para o consumo total de calorias diminuiu de 55% para cerca

de 46%, e também caiu a de leguminosas e tubérculos. O consumo de carne, que representava quase 13% da

ingestão de calorias, cresceu para próximo de 16%. Além disso, o consumo de frutas, legumes e leite também

conheceu aumento ao longo deste período141.

Quadro 140

EVOLUÇÃO DO CONSUMO DE CALORIAS NA CHINA (EM QUILOCALORIAS)

2.808 2.816 2.832 2.833

2.857 2.879 2.883

2.919

2.977 2.994

3.044

3.081 3.100 3.108

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.

Quadro 141

EVOLUÇÃO DO CONSUMO DE CALORIAS NA CHINA, POR CATEGORIA DE PRODUTO (%)

55,0 54,2 53,4 52,3 51,6 50,6 50,3 49,1 48,5 47,5 47,1 47,1 46,2 45,9

12,6 12,5 12,7 13,2 13,2 13,5 13,9 14,0 14,3 14,7 14,9 14,7 15,2 15,5

7,2 7,5 7,9 8,1 8,4 8,6 8,9 9,4 9,8 9,9 10,2 10,3 10,7 10,9

6,55 6,53 6,57 6,49 6,62 6,50 5,24 5,10 5,31 5,08 5,09 5,03 5,00 4,95

14,7 15,2 15,2 15,2 15,4 15,6 16,2 16,9 16,5 17,0 17,0 17,0 17,0 16,8

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

OUTROS

PESCADOS

LEITE

OVOS

TUBÉRCULOS

VERDURAS E FRUTAS

CARNES

CEREAIS

Elaboração: Think Agro. Fonte: FAO.

141 FAO (2014). ‘FAOSTAT’ [Food supply]. Food and Agriculture Organization of the United Nations: Rome. Disponível em: <http://faostat3.fao.org/>. Acesso em: 23/04/2014.

Page 200: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

198

Com a expansão da urbanização e o aumento da renda, o consumo direto de grãos tende a diminuir e o con-

sumo indireto tende a aumentar, em função da mudança estrutural da dieta, com preferência para a proteína

animal, os alimentos processados e o consumo alimentar fora do domicílio. Isso implica maior demanda de

rações e farelos proteicos, principal fator impulsionador da demanda de grãos na China nos próximos anos. O

Quadro 142, disponível na sequência, destaca a projeção de aumento da demanda de grãos na China até 2023.

Quadro 142

PROJEÇÃO DE DEMANDA DE GRÃOS, DE 2014 A 2023

258,6 256,5 254,4 252,3 250,3 248,2 246,2 244,2 242,2 240,2

227,4 231,7 235,9 240,3 244,8 249,3 253,9 258,6 263,4 268,3

142,1 146,7 151,4 156,2 161,2 166,3 171,6 177,1 182,8 188,6

641,2 647,8 654,7 661,7 669,1 676,6 684,5 692,6 701,0 709,7

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023

SEMENTES

INDUSTRIAL(PROCESSAMENTO)

RAÇÃO ANIMAL(FORRAGEM)

ALIMENTO (CONSUMODIRETO HUMANO)

DEMANDA TOTAL

Elaboração: Think Agro. Fonte: Relatório do Desenvolvimento, Centro de Pesquisa do Desenvolvimento do Conselho de Estado da China (DRC, na sigla em inglês).

Estima-se que, em 2023, a demanda total de grãos (incluindo soja em grãos para processamento) eleve-se

dos 628,76 milhões de toneladas verificados em 2012 para 709,71 milhões de toneladas – o equivalente a um

aumento de 13%. Deste total, o percentual de grãos utilizados para consumo direto humano cairá de 40% para

34%, enquanto o uso para ração (forragem) aumentará de 35% para 38%. Já no caso do consumo para uso

industrial, haverá um aumento de 22% para 27%142.

Estrutura de produção

O desenvolvimento agrícola na China foi alcançado, principalmente, pelo modelo de produção em pequena

escala, realizado em pequenas propriedades. A produção agrícola chinesa é dominada por cerca de 200 mi-

lhões de pequenos agricultores, distribuídos pelos diversos territórios do país.

Apesar do crescimento da produção pecuária em grande escala, as pequenas propriedades continuam desem-

penhando um papel importante na produção de suínos e laticínios. Na produção de grãos, a extensão média dos

terrenos é pequena e a terra cultivada é fragmentada. Quando a China concluiu a Reforma de Responsabilida-

142 秦中春[Qin Zhongchun] (2014). 到2023年中国农业增长趋势预测 [Perspectivas do crescimento agrícola da China até 2023]. In: 国务院发展研究中心调查研究报告[Relatório do Desenvolvimento do DRC] 54 (Abril 2014).

Page 201: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

199

de Familiar, em 1985, a terra das aldeias foi igualmente loteada para todas as famílias residentes e o tamanho

médio do terreno ficou sendo de apenas 0,7 hectare, recentemente reduzido para 0,6 hectare.

A região Central, a mais produtiva em agricultura, tem a maior propriedade rural per capita e por família, se-

guida pela região Oeste, enquanto a região Leste tem o menor índice, devido à alta densidade populacional e

ao rápido desenvolvimento econômico. Sob o princípio de equidade na distribuição, cada família recebe, em

média, seis lotes, variando em função da fertilidade do solo, das condições de irrigação, da localização etc. O

tamanho médio de cada lote é de apenas 0,085 ha; cerca de 60% têm menos de 0,1 ha, e quase um quarto tem

área superior a 0,15 ha143.

Sabe-se que a pequena extensão e a fragmentação dos terrenos impossibilitam o uso de equipamentos mecâ-

nicos avançados e, consequentemente, inibem o aumento da produtividade por falta de economia de escala.

Também tem resultados difíceis investir em obras de infraestrutura como estradas e sistemas de irrigação e

implementar políticas agrícolas regionais, como a atribuição de zonas específicas para a produção agrícola

comercial. Tudo isso tem como consequência um efeito negativo na produção regional ou nacional144.

Na década de 1980, os agricultores destinavam mais de 75% de suas terras à produção de grãos tanto para o

consumo doméstico, como para a venda comercial. No entanto, em virtude da alteração do padrão de consumo

para alimentos de maior valor, os agricultores estão substituindo a produção de grãos por outras culturas mais

rentáveis, como frutas e hortaliças. Em 2010, a percentagem caiu para dois terços.

As famílias rurais estão, ademais, cada vez mais focadas em atividades não agrícolas. Como os membros da

família são os principais envolvidos nas atividades em sua própria terra, quanto menor o tamanho do terreno,

menos tempo um membro da família passa na lavoura. Em famílias com menos de 0,07 hectare de terra de

cultivo, apenas 29% dos trabalhadores familiares trabalham em tempo integral na agricultura, e 54% estão

envolvidos principalmente em atividades não agrícolas145. A renda líquida per capita nas áreas rurais, medida a

preços constantes de 2000, mais do que triplicou, passando de 1.249 yuan, em 1985, para 4.606 yuan, em 2010.

A maior parte deste aumento veio do setor não agrícola, e a parcela de renda oriunda da agricultura diminuiu

rapidamente de 66,3%, em 1985, para 29,1%. em 2010146.

143 YAN, X. (2013). Land Tenure Arrangements, Factor Market Development and Agricultural Production in China: Evidence from Henan Province.

144 TAN, S.; HEERINK, N.; QU, F. (2006). Land fragmentation and its driving forces in China. Land Use Policy 3: 272-285.

145 DIAO, X.; ZHANG, Y.; SOMWARU, A. (2000). Farmland holdings, Crop planting structure and input usage: an analysis of China’s agricultural census. International Food Policy Research Institute.

146 HUANG, J; WANG, X; QUI, H. (2012). Small-scale farmers in China in the face of modernisation and globalisation. IIED/HIVOS: London/The Hague.

Page 202: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

200

4.2 AS POLÍTICAS CHINESAS PARA O

DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO

Uma breve apresentação sobre a reforma agrária

Imediatamente após a fundação da República Popular, em 1949, foi concedido aos camponeses o pleno direi-

to à terra como meio de acabar com os grandes latifúndios. Durante as décadas de 1950 e 1960, no entanto,

os agricultores perderam o direito à propriedade individual e passaram à coletivização agrícola na forma das

comunas populares.

Mais tarde, com o advento do período de Reforma e Abertura, o governo implementou o “sistema de responsabili-

dade familiar pela terra”, que deu a agricultores o “direito de uso” (apropriação e tomada de decisão temporárias)

sobre certas porções de terra por curtos períodos, com o objetivo de estimular o aumento da produção de grãos.

O governo central aprovou uma série de leis para fortalecer ainda mais o direito de uso da terra pelos agricul-

tores por meio da fixação de períodos de arrendamento. Em 2002, a Lei de Arrendamento de Terras Rurais da

China especificou mais claramente esses direitos e assegurou o prazo de contrato de trinta anos.

Em 2004, foi consagrado o conceito de propriedade privada na Constituição da China, que passou a distinguir

entre a terra, que só pode ser propriedade do Estado, e os edifícios e equipamentos sobre o terreno, que podem

ser de propriedade privada. Em 2007, a China adotou uma nova Lei de Propriedade, que substitui (mas não

revoga) a Lei de Terras de 2002. A Lei da Propriedade de 2007 esclareceu que os edifícios e os equipamentos

no terreno são propriedades separadas do terreno sobre o qual se assentam.

Principais políticas de desenvolvimento da agricultura na China

Conforme se expôs, a autossuficiência na produção de grãos, o aumento da renda dos camponeses e o desen-

volvimento rural e agrário são os principais objetivos políticos do governo chinês nos últimos anos.

Entre 2004 e 2015, o chamado “Documento nº 1” – que é publicado conjuntamente no início de cada ano pelo

Comitê Central do Partido Comunista e pelo governo central da China e que apresenta as diretrizes sobre as

prioridades do país nos doze meses seguintes – abordou a agricultura e o desenvolvimento rural. Especifica-

mente nos últimos anos, a publicação destacou, entre seus principais focos, a modernização, o desenvolvimento

sustentável da agricultura e a integração entre a cidade e o campo. Estes objetivos foram incorporados ao

Plano Nacional de Médio e Longo Prazos para a Segurança Alimentar (2008-2020) e ao 12º Plano Quinquenal

para a Economia Agrícola e Rural 2011-2015.

Page 203: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

201

Quadro 143

AS PRINCIPAIS METAS PARA A AGRICULTURA E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO RURAL (2011-2015)

INDICADOR / META 2010 2015AUMENTO MÉDIO

ANUAL (%)

CAPACIDADE DE OFERTA DE PRODUTOS AGRÍCOLAS

ÁREA PLANTADA DE GRÃOS (100 MILHÕES DE HECTARES) 1,099 >1,067 –

CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE GRÃOS (100 MILHÕES DE TONELADAS)

>5,0 >5,4 –

ALGODÃO (MILHÕES DE TONELADAS) 5,96 >7,00 >3,27

OLEAGINOSAS (MILHÕES DE TONELADAS) 32,30 35,00 1,62

AÇÚCAR (MILHÕES DE TONELADAS) 120,08 >140,00 >3,12

CARNES (MILHÕES DE TONELADAS) 79,25 85,00 1,41

OVOS (MILHÕES DE TONELADAS) 27,65 29,00 0,96

LEITE (MILHÕES DE TONELADAS) 37,80 50,00 5,75

AQUICULTURA (MILHÕES DE TONELADAS) 53,73 >60,00 >2,23

ESTRUTURA DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA

PRODUÇÃO PECUÁRIA / TOTAL DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA (%) 30 36 [6]

PRODUÇÃO PESQUEIRA / TOTAL DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA (%) 9,3 10,0 [0,7]

VALOR DA AGROINDÚSTRIA / TOTAL DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA 1,7 2,2 [0,5]

TECNOLOGIA E EQUIPAMENTOS PARA AGRICULTURA

TAXA DE CONTRIBUIÇÃO DO PROGRESSO TÉCNICO (%) 52 >55 >[3]

POTÊNCIA TOTAL DE EQUIPAMENTOS AGRÍCOLAS (100 MILHÕES DE QUILOWATTS)

9,20 10,00 1,68

MECANIZAÇÃO NA LAVOURA, NO PLANTIO E NA COLHEITA (%) 52 60 [8]

EFICIÊNCIA DO USO DA ÁGUA DE IRRIGAÇÃO 0,50 0,53 [0,03]

POPULAÇÃO RURAL QUALIFICADA (MILHÕES) 8,2 13,0 6,8

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA

NÚMERO DE FAMÍLIAS INTEGRADAS A ALGUMA ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO (100 MILHÕES)

1,07 1,30 3,97

PERCENTUAL DE GRADES FAZENDAS DE GADO LEITEIRO (%) (MAIS DE 100 CABEÇAS AO ANO)

28 >38 > [10]

PERCENTUAL DE GRANDES FAZENDAS DE SUÍNOS (%) (ABATE ANUAL ACIMA DE 500 CABEÇAS)

35 50 [15]

BENEFÍCIOS AGRÍCOLAS E RENDA DO AGRICULTOR

TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO DO VALOR ACRESCENTADO DA AGRICULTURA, DA SILVICULTURA, DA PECUÁRIA E DA PESCA

– – 5

RENDA PER CAPITA DA ÁREA RURAL (YUAN) 5.919 >8.310 >7

Nota: [...] indica o acumulado de cinco anos. Fonte: Ministério da Agricultura da China.

A China aumentou significativamente o apoio ao setor agrícola desde 2004, quando o governo central escolheu

o desenvolvimento rural como objetivo fundamental do 11º Plano Quinquenal (2006-2010), com metas de de-

senvolver a agricultura moderna, aumentar a renda dos camponeses e melhorar a infraestrutura na zona rural.

Page 204: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

202

Os programas do governo para a agricultura podem ser subdivididos, grosso modo, em quatro categorias: (i)

pagamentos diretos; (ii) apoio a preços; (iii) infraestrutura agrícola; e (iv) reformas regulatórias. Com exceção

das reformas regulatórias, todos estes programas destinam-se a aumentar diretamente a renda dos camponeses

ou diminuir o custo da produção.

De acordo com a OCDE, o apoio dado pelo governo chinês à agricultura é menor em comparação com o que se

vê em países desenvolvidos como Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Canadá e União Europeia. Encontra-se,

porém, no mesmo nível de economias em rápido crescimento como Brasil, México, Rússia e África do Sul.

No entanto, a participação de serviços gerais no conjunto do apoio agrícola é muito alta em relação a outros

países, principalmente por causa de grandes investimentos em pesquisa e extensão rural, agências de segu-

rança de alimentos e inteligência de preços agrícolas.

A seguir, são apresentadas em detalhe algumas das diretrizes do governo para o desenvolvimento agrário na

China.

(a) Isenção de impostos para produtos agrícolas selecionados

Até o início da década de 2000, os agricultores chineses enfrentavam uma ampla gama de impostos, encargos

e taxas formais e informais, que variavam de província para província. Em 2000, a carga tributária chegou a

representar mais de 10% da renda líquida anual dos camponeses da China.

Em 2003, foi implantada uma reforma tributária rural para melhorar a situação. A reforma começou por integrar

a maioria dos impostos, taxas e encargos agrícolas em um tributo único e, mais tarde, limitou uma alíquota

máxima de 8,4% do valor de produção agrícola anual. Em 2005, os agricultores de 28 províncias ficaram isentos

de impostos agrícolas. No início de 2006, estes impostos foram eliminados em todo o país.

(b) Isenção do imposto sobre valor agregado para produtos agrícolas

As isenções do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para o setor agrícola da China vigoram em vários está-

gios da cadeia produtiva no país. Em termos de insumos, a isenção incide em sementes, pesticidas, herbicidas,

máquinas agrícolas e alguns fertilizantes. A soma do custo destes insumos pode chegar a um terço do custo

de produção para agricultores.

Como todos os produtos dos produtores individuais são vendidos sem IVA, os compradores destes bens – como

processadores de alimentos, por exemplo – conseguem deduzir em até 13% do valor destes insumos no cálculo

do IVA que cobram no próximo ponto de venda. O efeito prático dessa política é que os produtos agrícolas

produzidos nacionalmente ganham vantagem no custo sobre os produtos importados.

As vendas de alimentos para animais produzidos nacionalmente também são isentas de IVA. Estes produtos

incluem ração mista, ração composta, pré-mistura, concentrado, farelo, grãos secos de destilaria com solúveis,

farinha de peixe e farinha de osso. De acordo com essa política, fábricas de rações e esmagadoras de oleagi-

nosas (com exceção de soja) também são isentas de IVA.

Page 205: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

203

(c) Preços mínimos

Na China, a política de preços mínimos é aplicada às compras feitas no campo de determinados grãos na China.

A medida foi anunciada para o arroz em 2004 e, mais tarde, estendida para o trigo e o milho. Quando o preço

de mercado destes grãos cai abaixo do piso definido, o governo designa armazéns estatais para comprar a

commodity pelo chamado “preço mínimo”.

Segundo a Administração Estatal de Grãos da China, a aquisição de trigo totalizou 41 milhões de toneladas

até setembro de 2006, o que representou cerca de 40% da produção total daquele ano. Para o milho, além

do piso, o governo também incentiva, por meio de subsídio, os usuários finais (principalmente produtores de

rações) e as tradings estatais a comprarem o produto das províncias produtoras no Nordeste.

O Quadro 144, apresentado a seguir, ilustra a evolução do preço mínimo para arroz, trigo e milho.

Quadro 144

EVOLUÇÃO DA POLÍTICA DE PREÇOS MÍNIMOS PARA GRÃOS (RENMINBI POR TONELADA)

1.980

2.300

2.600 2.820 2.900

1.760 1.960 2.040

2.240 2.360

1.800 1.980

2.120 2.240

2010 2011 2012 2013 2014

ARROZ TRIGO MILHO

Elaboração: Think Agro. Fonte: USDA, China: Grain and Feed; Annual 2014, Fev. 4, 2014.

(d) Pagamentos diretos

Desde 2004, o governo central da China proporciona a agricultores significativos pagamentos diretos, princi-

palmente para o plantio de grãos (milho, arroz e trigo), conforme a área usada para a produção. Além disso,

subsídios de sementes são fornecidos para grãos e oleaginosas (soja, amendoim e colza). Pagamentos para

compensar o aumento dos preços de fertilizantes e combustíveis iniciaram-se em 2006. Até 2009, o escopo de

pagamentos do governo foi ampliado para incluir outros custos de insumos agrícolas, aquisição de máquinas

e sementes, subsídios destinados à criação de gado leiteiro e porcas.

Page 206: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

204

Quadro 145

SUBSÍDIOS GOVERNAMENTAIS PARA A AGRICULTURA

15,1

21,75

107,1

15,1

20,0

107,8

15,1

22,0

17,5

86,0

15,1

20,4

14,49

83,5

15,1

19,85

13,0

75,6

15,1

12,074,0

63,8

2013 2012 2011 2010 2009 2008

PAGAMENTO DIRETO SUBSÍDIO EM SEMENTES SUBSÍDIO EM MAQUINARIA SUBSÍDIO EM COMBUSTÍVEL/FERTILIZANTE

Nota: dado indisponível para subsídio em sementes em 2012 e 2013. Elaboração: Think Agro.

Fonte: USDA, China: Grain and Feed; Annual 2014, Fev. 4, 2014.

(e) Reformas bancárias e práticas de empréstimos preferenciais

Até o final da década de 1990, empréstimos preferenciais na agricultura eram concedidos principalmente a

empresas estatais para financiar a compra e o armazenamento de certos produtos agrícolas, sobretudo grãos.

A partir de 2006, taxas preferenciais foram concedidas a empréstimos destinados ao desenvolvimento rural e

ao alívio da pobreza. Muitas vezes, no entanto, o fundo foi utilizado para complementar o orçamento subpro-

vincial ou beneficiar empresas industriais, em vez de agricultores.

Uma pesquisa nacional realizada em 2009 indicou que menos de 9% dos agricultores da China obtiveram

empréstimos de instituições estabelecidas. Como toda a terra é de propriedade do Estado e os agricultores

não possuem o terreno em que trabalham, quase não há ativos disponíveis para garantir o financiamento. Isso

restringiu o fluxo de verbas para investir no campo e melhorar a produtividade.

Dadas as limitações impostas pelas leis atuais de posse da terra, autoridades locais e provinciais estão expe-

rimentando uma variedade de programas e subsídios para elevar a consolidação, a eficiência e o nível de pro-

dução no setor. Esses projetos-piloto aumentam o número de credores rurais e permitem mais flexibilidade na

definição de taxas de juros, bem como na avaliação de crédito por vila, empréstimos conjuntos e mecanismos

de garantia pelo governo para aumentar o microcrédito, normalmente com valor inferior a US$ 1.000. Também

há tentativas de permitir que os agricultores utilizem como garantia de empréstimo seus limitados direitos de

uso da terra, como, por exemplo, direitos de exploração madeireira, pomares e contratos de comercialização.

(f) Infraestrutura e desenvolvimento rural

O investimento em infraestrutura específica para o desenvolvimento agrícola constitui um grande item de

despesas orçamentais do governo central chinês para alcançar as metas definidas nos planos.

Page 207: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

205

Esta infraestrutura inclui não apenas estradas, telecomunicações, energia e sistema de irrigação com impacto

direto nos custos da produção agrícola, mas também bens e serviços que melhoram indiretamente a produtivi-

dade do setor, tais como sistema educacional, atendimento médico, redes de informação, projetos de pesquisa

e serviços financeiros. Os gastos com a infraestrutura agrícola aumentaram de RMB 114,09 bilhões, em 2005,

para RMB 175,26 bilhões, em 2012, o último ano com dados disponíveis da OCDE.

(g) Incentivo ao investimento estrangeiro direto no setor agrícola

O Investimento Estrangeiro Direto (IED) na China é regido principalmente pelo Catálogo de Investimento Estrangeiro,

com a emenda mais recente feita em 2015. O documento classifica indústrias em categorias nas quais o investimento

é encorajado, restrito ou proibido. De modo geral, os projetos que se enquadram na categoria “encorajado” rece-

bem incentivos preferenciais do governo, enquanto qualquer outro fora do Catálogo é considerado “permitido”.

No setor agrícola, a China encoraja o IED para elevar a capacidade produtiva ou desenvolver tecnologia desti-

nada a reduzir a poluição. As restrições aplicam-se a desenvolvimento de sementes convencionais, venda por

atacado de grãos e algodão, processamento de sementes oleaginosas, beneficiamento de arroz, trigo, açúcar

bruto e milho, bem como produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel). O Catálogo proíbe o IED no de-

senvolvimento e na produção de plantas agrícolas e animais geneticamente modificados.

Existem políticas de incentivo ao IED em determinadas áreas relacionadas à agricultura, e as autoridades chi-

nesas têm enfatizado a importância da disseminação da tecnologia por meio do investimento em áreas rurais.

Varejistas modernos, consumidores de classe média e mercados de exportação, por exemplo, têm se tornado

cada vez mais exigentes quanto à qualidade e à segurança dos alimentos, fazendo aumentar a demanda dos

processadores de alimentos por melhores produtos e garantias de segurança dos fornecedores.

Os investimentos estrangeiros são bem-vindos e necessários para melhorar a infraestrutura e os equipamentos

de armazenamento, transporte e rede de frio para reduzir o desperdício decorrente da deterioração, manter a

qualidade de frutas e legumes frescos por um período mais longo e variar as opções de distribuição.

4.3 A INSERÇÃO DA AGRICULTURA

CHINESA NO CONTEXTO MUNDIAL

Até seu ingresso na OMC, em 2001, a participação da China no comércio internacional envolvia essencialmente

exportação (o país continua sendo o quarto maior exportador mundial de produtos do agronegócio). No entan-

to, as transformações radicais dos últimos dez anos alçaram a China à posição de segundo maior importador

mundial (atrás apenas dos EUA).

Como exposto, a urbanização acelerada da China (10 milhões deixam o campo a cada ano), a elevação da ren-

da, as mudanças nos hábitos alimentares (mais lácteos e mais carnes) e a insuficiente produção doméstica de

certos itens de demanda crescente levaram o país a assumir compromissos na OMC que ampliaram o acesso

a seu mercado. Apesar de as tradings estatais continuarem desempenhando um papel importante no merca-

do de algumas commodities, como grãos e algodão, o comércio de produtos agrícolas chineses exibiu novos

padrões nas categorias de matérias-primas, refletindo mudanças na estrutura de produção.

Page 208: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

206

Importação e exportação do agronegócio chinês

Desde 1994, quando foram disponibilizados os dados de comércio internacional pelo Sistema Harmonizado (SH),

até o início da década de 2000, é possível notar relativa estabilidade nos fluxos de exportações e importações

de produtos agropecuários da China, medidos em dólar americano.

O cenário do comércio agrícola e de produtos afins147 modifica-se rapidamente após o ingresso da China na

OMC, em 2001. Como mostra o Quadro 146, a seguir, as exportações e as importações aumentaram 353% e

407%, respectivamente, de 2001 a 2013, mesmo com a desvalorização do dólar, com exceção de 2009, pro-

vavelmente devido à crise econômica mundial. No entanto, o saldo do comércio agrícola da China evoluiu de

US$ 15,2 bilhões em superávit, no ano de pico de 2006, para US$ 18,5 bilhões em déficit, em 2013.

Quadro 146

EVOLUÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA CHINA (US$ BILHÕES)

-22 -28 -29 -31 -40 -52 -54 -60

-74 -93

-84

-114

-147 -163

-176

28 33 35 40 48 56

66 75

86 94 87

112

139 144 157

5,2 4,9 6,1 8,9 8,7 3,9 11,8 15,2 12,3 0,5 3,6 -1,8 -7,8

-19,0 -18,5

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES SALDO

Elaboração: Think Agro. Fonte: National Bureau of Statistics of China; China Statistical Yearbook – vários anos.

A balança comercial por categorias do Sistema Harmonizado (SH) proporciona uma melhor imagem da mu-

dança nos padrões de comércio. O superávit comercial (exportação líquida) aumentou significativamente

para mercadorias da Seção IV (alimentos industrializados, bebidas e tabaco) e da Seção VIII (peles, couros e

derivados), enquanto o déficit (importação líquida) concentra-se em produtos da Secção II (produtos vegetais)

e da Seção III (gorduras e óleos animais ou vegetais).

147 Produtos agrícolas e afins são definidos aqui como os estipulados nas Seções I-IV (Capítulos 1-24), Seções VIII-X (Capítulos 41-49) e nos primeiros quatro capítulos da Seção XI (Capítulos 50-53) do Sistema Harmonizado.

Page 209: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

207

Essa mudança é coerente com a vantagem comparativa da agricultura chinesa, uma vez que é vantajoso para

a China importar culturas e produtos com uso intensivo de terra, tais como sementes oleaginosas e óleos co-

mestíveis, e exportar produtos processados trabalho-intensivos, tais como alimentos industrializados, artigos

de couro, móveis e produtos têxteis.

A demanda chinesa por alimentos e o agronegócio internacional

Desde 1993, o crescimento econômico da China oscila entre 5% e 15% ao ano, com uma média anual de 9,6%.

Mesmo com uma projeção de crescimento desacelerado nos próximos anos, a renda per capita na China deve

dobrar até 2022. Com isso, aumentaria, obviamente, a pressão de demanda sobre o mercado de commodities

agrícolas da China.

Tendo em conta os objetivos da política atual, esta crescente demanda provavelmente requereria maiores im-

portações de grãos secundários e sementes oleaginosas para alimentar o setor pecuário em expansão, assim

como atender a produção de óleos comestíveis. Uma projeção feita pela OCDE e pela FAO indica que, em um

cenário otimista, com elevado crescimento do PIB até 2022, o consumo de carne pode subir 6% e a produção,

4,5%, induzindo um aumento de 65% na importação de carne em comparação com o nível de 2013. A alta na

produção de carne impulsiona a maior demanda de cereais forrageiros (ração), o que responde pelo incremento

de 14% na importação de grãos para este fim.

Nesse cenário, os preços mundiais de cereais secundários elevar-se-ão quase 4%, ao passo que os preços da

carne suína no Pacífico subirão 8%. Por outro lado, em um cenário de baixo crescimento até 2022, a produção

e o consumo de carne podem cair 6% e 7,5%, respectivamente, e a importação de carne reduzir-se-ia em 45%

em comparação ao nível de 2013. Os preços da carne suína do Pacífico teriam uma queda de 5%. Ainda que

extremas, essas hipóteses sobre o crescimento econômico ilustram a sensibilidade dos mercados mundiais

frente ao desempenho da economia chinesa148.

Conforme a economia chinesa integra-se à economia mundial, seu crescimento oferece mais oportunidades

do que desafios para o resto do mundo. Simulando um cenário em que a economia chinesa cresce 7,2% entre

2010 e 2015 e 6,3% entre 2016 e 2020, uma projeção mostra queda moderada no índice de autossuficiência

de todas as culturas com uso intensivo de terra, com exceção do arroz. Isso ocorre porque estas culturas têm

menor vantagem comparativa no mercado mundial.

Nesse mesmo cenário, o aumento mais significativo na importação é esperado entre as oleaginosas. Em 2020,

a autossuficiência de oleaginosas cairá para 45%, em comparação aos 70% de 2001. Isso não deveria ser sur-

preendente, dada a experiência da China com a importação de soja na década passada. Depois que a China

liberalizou o comércio de soja, eliminando quase todas as suas medidas tarifárias e não tarifárias, a importação

anual de soja saltou de praticamente zero, no final dos anos 90, para mais de 60 milhões de toneladas, em 2013.

Segundo projeções, a produção de algodão e de outras fibras vegetais deve expandir ao longo do tempo,

principalmente por causa do aumento da produtividade, mas continua aquém da demanda doméstica. Simi-

148 OECD/FAO (2013). op. cit.

Page 210: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

208

larmente ao que acontece em outras culturas, com a queda gradual do nível de autossuficiência, a importação

de fibras vegetais crescerá para acompanhar a rápida expansão do setor têxtil, que criou e continuará criando

emprego para milhões de chineses do campo.

Entre os cereais, os grãos forrageiros representam a maior parte das importações. Em 2020, a China vai im-

portar quase 20% de cereais secundários, principalmente milho, para atender a crescente demanda que se

dá com a expansão do setor pecuário. A importação do trigo será mínima, porque sua demanda per capita

deverá diminuir no futuro próximo. O arroz é o único grão que expandirá sua exportação, em ritmo moderado,

mantendo-se como mercadoria de exportação líquida de 2001 a 2020.

A produção doméstica de açúcar também vai ficar muito aquém da demanda interna, e seu nível de autossufi-

ciência será o segundo mais baixo, logo após as oleaginosas. A importação, apesar do valor menor em relação

a outras commodities, pode chegar a responder por 30% do consumo doméstico. Nessa esteira, o aumento

da importação desses produtos proporcionará oportunidades para a expansão da produção e da exportação

de muitos países em desenvolvimento da América do Sul e alguns países desenvolvidos. As exportações de

produtos agrícolas e alimentares provenientes das Américas do Sul e Central para a China, por exemplo, mais

do que duplicarão, passando de US$ 3,9 bilhões, em 2001, para US$ 8,5 bilhões, em 2020149.

As hortaliças constituem o grupo de produtos mais heterogêneos que a China tanto importará quanto expor-

tará em grande volume. Prevê-se um aumento significativo da importação de legumes e frutas produzidos na

China por países e regiões mais desenvolvidos, como Japão, Coreia do Sul, União Europeia e EUA. A China, por

outro lado, também importará substancialmente produtos hortícolas, sobretudo frutas tropicais e subtropicais,

do Sudeste Asiático, das Américas do Sul e Central, do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio),

da Austrália e da Nova Zelândia.

Já no setor pecuário, a China poderá aumentar as exportações de carne suína e de aves para a Ásia Oriental,

a União Europeia e o NAFTA, enquanto suas importações provenientes da Austrália, da Nova Zelândia, do

NAFTA e da América do Sul registrarão significativo crescimento.

Em suma, o padrão de comércio agrícola da China é coerente com sua vantagem comparativa e sua dotação de

recursos. Após a entrada na OMC, este padrão foi reforçado, em um sinal de que a China está aproximando-se

ainda mais da sua vantagem comparativa no agronegócio com o resto do mundo150.

O crescimento econômico e a liberalização do comércio facilitarão as mudanças estruturais da agricultura chine-

sa, que migrará dos setores intensivos em terra com menor vantagem comparativa para setores intensivos em

trabalho com maior vantagem. Isso deve gerar mais comércio e ganhos para quase todos os países e regiões.

O tamanho deste ganho dependerá, no entanto, da natureza da estrutura econômica de cada região. As eco-

nomias consideradas complementares em relação à da China sairão mais beneficiadas, ao passo que aquelas

que dispõem de estrutura econômica semelhante podem enfrentar efeitos adversos da concorrência chinesa151.

149 HUANG, J.; YANG, J.; ROZELLE, S. (2010). op. cit.

150 CHEN, C. (2006). Changing patterns in China’s agricultural trade after WTO accession. In: GARNAUT, R.; SONG, L. (2006). The Turning Point in China’s Economic Development. Asia Pacific Press.

151 Regional Office for Asia and the Pacific/FAO (2006). Rapid growth of selected Asian economies: Lessons and implications for agriculture and food security, China and India.

Page 211: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

209

Algumas questões relativas ao acesso ao mercado chinês

Considerando os possíveis efeitos negativos de importações a preços mais baixos sobre a renda dos produto-

res nacionais e as eventuais escassez e alta de preços de produtos-chave no mercado interno, decorrentes do

grande volume de exportações, o governo chinês impõe, estrategicamente, medidas tarifárias e não tarifárias

para aumentar ou diminuir o abastecimento de produtos agrícolas. Com isso, intervém direta e indiretamente

na oferta interna ou em resposta a desastres naturais.

Muitas tendências do comércio agrícola da China são, de fato, mais bem explicadas por iniciativas de política

interna e de comércio do que pela mudança de fatores associados a choques e oscilações de oferta e demanda.

A esse respeito, cabe ressaltar que a China utiliza contingentes pautais152 e outros mecanismos de comércio

para regular as importações de alimentos básicos.

Ademais, o país também vincula a imposição de medidas não tarifárias ao comportamento e aos objetivos das

demais políticas internas, relaxando estas barreiras sempre que necessário para que as importações possam

aliviar a inflação dos preços ou combater a escassez de alimentos.

(a) Medidas tarifárias

Como condição para sua adesão à OMC, a China reduziu significativamente as tarifas agrícolas, de 23,6%, em

1998, para uma média simples de pouco mais de 15% ad valorem. As tarifas médias, porém, variam conside-

ravelmente por categoria de produto/capítulos SH, mantendo a China altas tarifas sobre produtos que dizem

respeito à segurança alimentar ou que se encontram sujeitos a regulamentação rigorosa.

As tarifas são, por exemplo, mais elevadas para milho, trigo e arroz (65% ad valorem para tarifa extraquota);

tabaco (57%); açúcar de cana bruto e refinado (50% para tarifa extraquota); e algodão (40% para tarifa extra-

quota). Algumas dessas tarifas máximas são aplicadas a quantidades extraquota (relacionadas a contingentes

pautais, discutidos a seguir).

(b) As quotas tarifárias

As chamadas “quotas tarifárias” de importação constituem um dos principais mecanismos empregados pela

China para regular seu comércio153. A China converteu as quotas absolutas (restrições quantitativas) para quotas

tarifárias como pré-condição para sua adesão à OMC, aplicando-os para trigo, milho, arroz, algodão, açúcar e lã.

Essas quotas tarifárias representam pequenas parcelas do consumo interno chinês destes produtos, cujos graus

de utilização são, na maioria dos anos, muito baixos (à exceção do algodão e da lã), em um possível indicativo

da existência de uma barreira à importação.

152 As quotas tarifárias permitem a importação de mercadorias com taxas de direitos reduzidas ou nulas até determinada quantidade ou valor.

153 No âmbito das quotas tarifárias, é garantida a importação de determinadas quantidades de mercadorias a taxas preferenciais ou em condição de isenção.

Page 212: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

210

Um estudo indica que as principais razões para os baixos graus de utilização são o papel de empresas estatais

na administração das quotas tarifárias de grãos, o aumento do apoio governamental e da produção doméstica

de grãos, e a melhoria da qualidade doméstica de grãos.

No seu protocolo de adesão à OMC, a China concordou em reduzir as quotas tarifárias agrícolas administradas

por empresas estatais. A taxa continua relativamente alta para açúcar (70%) e milho (60%), e é caracterizada

como não transparente a administração dos contingentes pautais154. Considerando a importância destes itens

para alcançar a meta chinesa de segurança alimentar por meio da autossuficiência, essas práticas podem ser

interpretadas como esforços para regular o fluxo dos produtos-chave para a China.

(c) Medidas não tarifárias

Como exposto neste documento, as medidas não tarifárias têm impacto sobre o volume de comércio, os preços

ou ambos e podem elevar o custo das importações ou impedi-las completamente a um determinado mercado.

Enquanto as tarifas foram reduzidas por acordos internacionais, aumentou a proeminência de medidas não

tarifárias em alguns países.

Atualmente, os importadores de todos os produtos agrícolas na China são obrigados a obter uma Permissão de

Quarentena para Importação. Os importadores de certos produtos – como carnes bovina, suína e aviária, soja,

óleo de soja, açúcar e tabaco, entre outros – ainda precisam solicitar uma “licença automática”, que funciona

como um mecanismo de monitoramento das importações. Exige-se, ainda, uma grande variedade de outras

licenças e certificações. Além disso, requisitos desnecessários de rotulagem e aduana e políticas de imposto

sobre o valor agregado que colocam em desvantagem as importações frente à produção nacional são fatores

que complicam ou encarecem as importações.

(d) Restrições sanitárias e medidas fitossanitárias

Restrições sanitárias e fitossanitárias são instrumentos usados com frequência pelo governo chinês para con-

trolar o fluxo de importações agrícolas. No momento da sua adesão à OMC, em dezembro de 2001, a China

concordou em adequar seus regulamentos de sanidade aos termos do Acordo SPS.

No entanto, as medidas chinesas apresentam deficiências resultantes da estrutura do seu sistema regulatório,

tais como a falta de experiência por parte da burocracia que emite as normas, a escassez de recursos e a au-

sência de um procedimento nacional na aplicação destas normas. Porém, as restrições podem ser reduzidas

quando a demanda no mercado doméstico exigir mais importações que seriam barradas por causa da questão

sanitária. Muitos regulamentos chineses que restringem a importação de produtos agrícolas são mais rigorosos

do que os critérios internacionais comumente aceitos e foram promulgados sem nenhuma justificação cientí-

fica. Como em muitos países, algumas destas restrições impõem condições mais rigorosas do que as normas

exigidas internamente para produtos chineses.

154 USITC (2011). China’s Agricultural Trade.

Page 213: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

211

No tocante aos produtos de biotecnologia agrícola, ou Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), por

exemplo, os produtos importados devem, inicialmente, receber aprovação para o uso comercial no país de

origem antes de se apresentar o pedido às autoridades chinesas. Essa prática causa, naturalmente, atrasos no

processo de aprovação e retarda o acesso ao mercado chinês.

Atualmente, a China já emite autorizações para importação de OGMs de soja, milho, algodão e canola. Entre-

tanto, cada “evento” específico precisa ter uma aprovação, e isso inclui cada característica desenvolvida para

uma cultura e as combinações destas características, mesmo que estas tenham sido aprovadas individualmente.

Um certificado de aprovação de OGM tem validade de três anos. Embora a renovação deste documento não

tenha causado interrupção do comércio, o processo aumenta a incerteza no mercado. As autoridades chinesas

ainda exigem um certificado de segurança separado para cada carregamento de soja ou milho OGM, mesmo

que a característica ou o evento já tenha sido certificado. As medidas sanitárias e fitossanitárias da China criam

um elemento de incerteza que aumenta os riscos e, eventualmente, os custos para os exportadores, a exemplo

do ocorrido com a exportação de milho brasileiro, em que a primeira carga só foi liberada quase um ano depois

da assinatura do acordo no final de 2013.

Em março de 2006, durante a primeira reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concentração

e Cooperação (COSBAN), foi criado o Subcomitê de Inspeção e Quarentena entre a Administração Geral de

Supervisão de Qualidade, Inspeção e Quarentena (AQSIQ) da China e o Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento do Brasil (MAPA). O Subcomitê tem por objetivo buscar soluções para questões de saúde

animal, sanidade vegetal e segurança alimentar, no âmbito da COSBAN.

Page 214: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 215: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

SOBRE A FGV

Page 216: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 217: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

215

SOBRE A FGV

Criada em 1944, a FGV é uma entidade sem fins lucrativos que apresenta uma extensa folha de serviços pres-

tados à comunidade técnico-científico-empresarial e à sociedade como um todo. A tradição, aliada à eficácia

e à eficiência de sua atuação, constitui a marca registrada desta instituição.

No campo dos projetos, a FGV diferencia-se por agregar aos seus trabalhos o seu maior patrimônio: a credi-

bilidade, estabelecida ao longo do tempo pela segurança e pela competência em tudo o que faz. As rápidas e

eficientes formulações de grupos multidisciplinares de altíssima qualificação técnica permitem a prestação de

serviços em suas diversas áreas de conhecimento.

A rica vivência prática, nos setores público e privado, de seus especialistas detentores de sólida formação

acadêmica e os valores fundamentais que caracterizam e distinguem a instituição garantem resultados que só

uma organização como a Fundação Getulio Vargas pode atingir.

A FGV em números*:

3.6361.380

436524

127,8mil

295

2.910alunos de graduação

produções intelectuais de professores, pesquisadores e técnicos

544alunos de Mestrado

acordos internacionais de cooperação técnica, científica e acadêmica

310alunos de Doutorado

projetos de assessorias técnicas

381alunos graduados livros editados

428alunos em educação continuada

dissertações de Mestrado aprovadas

62estudos e pesquisas regulares

teses de Doutorado aprovadas

* Dados referentes ao ano de 2014

Page 218: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

Think Tank do Agronegócio Brasileiro

Page 219: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …
Page 220: RELATÓRIO COMPLETO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O …

Think Tank do Agronegócio Brasileiro

Rua Itapeva, 474 - 6° andar Tel.: +55 11 3799-3645

http://gvagro.fgv.br/

[email protected]