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RENATO NUNES MESTRADO EM DIREITO Pontifícia Universidade Católica São Paulo – 2005 IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR NÃO- RESIDENTES NO BRASIL: Regime Analítico e Critérios de Conexão

RENATO NUNES - PUC-SP

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RENATO NUNES

MESTRADO EM DIREITO

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo – 2005

IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR NÃO-RESIDENTES NO BRASIL: Regime Analítico e Critériosde Conexão

Page 2: RENATO NUNES - PUC-SP

RENATO NUNES

SÃO PAULO2005

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IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR NÃO-RESIDENTES NO BRASIL: Regime Analítico e Critériosde Conexão

Dissertação apresentada no Curso de pós-graduação em Direito doSetor de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do grau deMestre em Direito Tributário (Direito do Estado), sob a orientação doProfessor Doutor Heleno Taveira Tôrres.

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BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________

___________________________________________________

___________________________________________________

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Esta obra é dedicada aos meus pais, RenatoGuilherme Lebrão Nunes e Maria HelenaMachado Nunes (in memoriam), minha esposa,amiga e companheira, Camila Pinheiro Flaquer,e à maior obra da minha vida, Helena FlaquerNunes.

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AGRADECIMENTOS

A elaboração do trabalho foi mais penosa do que o inicialmente imaginado. Pontos

já definidos “na cabeça” tornaram-se polêmicos, novas questões surgiram ao longo do

caminho. Tudo isso me motiva ainda mais a agradecer aqueles que me incentivaram e

apoiaram.

Há anos almejo a chegada desse momento, e agora que consegui, as palavras

entalam em minha garganta (ou melhor, em meus dedos). Agora tenho a oportunidade de

fazer por escrito e publicamente algo que desejo desde meados 1997, o que seja, agradecer

ao amigo e mestre Professor Heleno Taveira Tôrres pelo que há de mais valioso na vida

acadêmica e profissional: as oportunidades. Não só. Mas também por ter me permitido

assistir às suas aulas em cursos de graduação e pós-graduação ao longo desses últimos

oito anos, as quais contribuíram decisivamente para minha formação. Obrigado, amigo.

Agradeço à minha mulher, Camila Pinheiro Flaquer, e à minha filha querida,

Helena Flaquer Nunes, por tanto terem me inspirado, e aproveito também para me

desculpar pelos momentos que tive que me ausentar espiritualmente, para que pudesse dar

cabo ao trabalho. Amo muito vocês.

Gostaria de agradecer, também, ao meu bom e velho pai, Renato Guilherme Lebrão

Nunes, minha irmã Sheila e meus sobrinhos Carol e Henrique. Apesar de às vezes parecer

meio distante, amo todos vocês.

Agradeço ao Professor Paulo de Barros Carvalho, cujas obras fizeram minha

paixão pelo Direito Tributário virar amor.

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Não posso esquecer dos grandes amigos Aristóteles Moreira Filho, Alessandra

Okuma, Daniel Bellan, Edson Corazza, Eduardo Borges, Fábio Clasen, Fábio Ramos,

Gustavo Valverde, Marcelo Jatobá, Marcelo Knopfelmacher, Mariana Guerreiro,

Mariângela Azevedo, Maurício Zockun, Ricardo Saliba, Sidney Apocalypse, Tatiana Ide e

Virgínia Leal.

E, por fim, gostaria de agradecer a Luiz Rogério Sawaya Batista, meu irmão de

coração, por ter suprido minha ausência espiritual no escritório, durante o período em que

me dediquei à elaboração do trabalho. Sem você, as idéias não teriam sido vertidas em

linguagem competente.

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RESUMO

A Constituição Federal determina sejam passíveis de tributação somente fatos queguardem relação com o território da pessoa política correspondente. A relação entre umdado fato e o território de uma dada pessoa política é vislumbrada por meio de critério deconexão, cujas possibilidades encontram-se previstas no texto constitucional. Esse critériopode ser de cunho pessoal ou objetivo. Sob o ponto de vista constitucional, pelo fato depessoa não-residente não se relacionar com o território brasileiro, somente podem sertributadas pela União as rendas auferidas nos limites desse. Isso se verifica quando afonte de produção da renda localize-se em território brasileiro. No chamado regimeanalítico de tributação, a renda de pessoa não-residente é verificada em função de cadafonte de produção isoladamente considerada. Ao lado do requisito constitucional queexige seja a fonte de produção localizada em território brasileiro, para que a renda depessoa não-residente possa ser tributada pela União, determina a legislaçãoinfraconstitucional que a fonte de pagamento deve ser brasileira, exceto quando tratar-sede renda decorrente de ganho de capital. O imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente se sujeita, via de regra, ao sistema de substituição tributária, em que a pessoaresidente no Brasil que pague, entregue, credite, empregue ou remeta a renda deve reter erecolher aquele imposto. Essa sistemática não se coaduna com ganho de capital, vez quenesse caso não se tem pagamento, entrega, crédito, emprego ou remessa de renda, mas simde preço, valor de reembolso ou valor de liquidação de direito real ou pessoal.

Palavras-chave: Imposto sobre a renda. Pessoa não-residente. Direito tributário.Critérios de conexão e regime analítico.

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ABSTRACT

The Federal Constitution establishes that only events related to the territory of therespective political entity are subject to taxation. The connection between a certain factand an the territory of a political entity is analyzed through connection criteria set forth inthe Constitution. These criteria can be of personal nature or objective. According to theConstitution, because a non-resident does not relate to the Brazilian territory, FederalGovernment can only tax income earned within its limits, when the source of income islocated in the Brazilian territory. In accordance with the taxation analytical system, theincome of a non-resident is calculated according to each source of income separately. Inaddition to the constitutional rule that a non-resident can only be taxed by the FederalGovernment when the income source is located within Brazilian territory, theinfraconstitutional legislation establishes that the income source must be Brazilian, exceptwhen the income results from capital gains. The computation of income tax due by non-residents is usually subject to a “tax substitution system”, according to which theindividual who is resident in Brazil who pays, files, credits, uses in favor of or remit theincome must withhold and pay that tax. This system does not apply to capital gains, oncein this case, there is no payment, filing, credit, using in favor of or remittance of income,but only price, reimbursement value, settlement values of real or personal right.

Key words: Income tax. Non-resident. Tax law. Connection criteria and analyticalsystem.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 11

2 DIREITO NO ESPAÇO............................................................................................................. 192.1 Considerações iniciais...................................................................................................... 192.2 Território........................................................................................................................... 222.3 Territorialidade................................................................................................................. 23

2.3.1 Territorialidade formal tributária............................................................................. 262.3.2 Territorialidade material tributária.......................................................................... 282.3.3 A territorialidade material tributária no ordenamento brasileiro............................ 312.3.3.1 Motivação constitucional e a territorialidade material tributária......................... 36

2.4 Critérios de conexão......................................................................................................... 472.4.1 Considerações gerais............................................................................................... 47

2.4.2 Definição de critério de conexão.................................................................... 492.4.3 Relação entre critério de conexão e a regra-matriz de incidência.................. 50

3 CRITÉRIOS DE CONEXÃO FACE À RIGIDEZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL ............BRASILEIRO.................................................................................................................................... 56

3.1 Considerações gerais........................................................................................................ 563.2 Rigidez e exclusividade das competências tributárias..................................................... 59

3.2.1 Competência tributária e a forma do Estado brasileiro........................................... 593.2.2 Competência tributária e os direitos fundamentais................................................. 62

3.3 Rigidez e os critérios de conexão..................................................................................... 633.4 Lei complementar tributária............................................................................................. 65

3.4.1 Lei complementar tributária e critérios de conexão................................................ 72

4 TRIBUTAÇÃO DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-RESIDENTE................... 754.1 Conceito de pessoa não-residente..................................................................................... 75

4.1.1 Considerações gerais............................................................................................... 754.1.2 Pessoas físicas.......................................................................................................... 804.1.3 Pessoas jurídicas...................................................................................................... 83

4.2 Conceito de renda............................................................................................................. 844.2.1 Considerações gerais............................................................................................... 844.2.2 Do conceito em si.................................................................................................... 904.2.2.1 Conceito de renda e princípios constitucionais.................................................... 964.2.2.2 Período como condição inexorável para apuração de renda.............................. 1004.2.2.3 Contraponto entre renda e rendimento............................................................... 1014.2.3 O artigo 43 do Código Tributário Nacional.......................................................... 1024.2.3.1 Disponibilidade econômica e jurídica................................................................ 105

4.3 Renda auferida por pessoa não-residente....................................................................... 1084.3.1 Critério de conexão possível.................................................................................. 1084.3.1.1 Momento de ocorrência do fato e critério de conexão....................................... 1134.3.2 Regime analítico.................................................................................................... 1144.3.2.1 Período................................................................................................................ 117

4.3.3 Critério de conexão no regime analítico e a jurisprudência do Supremo TribunalFederal 120

4.3.3.1 Juros - primeira fase............................................................................................ 1204.3.3.2 Juros - segunda fase............................................................................................ 121

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4.3.3.3 Serviços - primeira fase...................................................................................... 1244.3.3.4 Serviços - segunda fase....................................................................................... 1264.3.3.5 Nossa avaliação acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.......... 127

5 CATEGORIAS DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-RESIDENTE................. 1285.1 Considerações gerais...................................................................................................... 1285.2 Ganho de capital............................................................................................................. 1285.3 Juros................................................................................................................................ 1335.4 Dividendos...................................................................................................................... 137

5.4.1 Juros sobre capital próprio..................................................................................... 1415.5 "Royalty"......................................................................................................................... 1425.6 Serviços........................................................................................................................... 146

6 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR PESSOANÃO-RESIDENTE......................................................................................................................... 152

6.1 Considerações gerais...................................................................................................... 1526.2 Hipótese.......................................................................................................................... 154

6.2.1 Critério material..................................................................................................... 1546.2.2 Critério temporal.................................................................................................... 1556.2.2.1 Crédito contábil.................................................................................................. 1586.2.2.2 Ganho de capital................................................................................................. 1596.2.2.3 Serviços técnicos e de assistência técnica - Decreto-lei n.º 1.418/75................ 1606.2.3 Critério espacial..................................................................................................... 1616.2.3.1 Ganho de capital - Lei n.º 10.833/03, artigo 26.................................................. 1626.2.4 Critério pessoal...................................................................................................... 164

6.3 Conseqüente.................................................................................................................... 1666.3.1 Critério quantitativo............................................................................................... 1676.3.1.1 Base de cálculo................................................................................................... 167

6.3.1.1.1 Ganho de capital em alienação, liquidação ou reembolso de investimento - custo de aquisição.............................................................................................................. 169

6.3.1.2 Alíquota.............................................................................................................. 1736.3.1.2.1 Países com tributação favorecida.................................................................... 1766.3.2 Critério pessoal...................................................................................................... 1786.3.2.1 Sujeito ativo........................................................................................................ 1786.3.2.2 Sujeito passivo.................................................................................................... 1796.3.2.2.1 Contribuinte..................................................................................................... 1806.3.2.2.2 Retenção na fonte............................................................................................ 1836.3.2.2.3 Retenção na fonte na legislação interna (pessoas não-residentes).................. 195

6.3.2.2.4 Incompatibilidade entre retenção na fonte e ganho de capital - Lei n.º 10.833/03,artigo 26.............................................................................................................................. 196

CONCLUSÕES............................................................................................................................... 200

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................. 210

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto a análise do fundamento constitucional e do

regime jurídico do imposto sobre a renda devido por não-residentes. O interesse pelo tema

deu-se em função das indagações surgidas no exercício profissional, cujas soluções, dada

a escassez de investigação científica, foram encontradas, no mais das vezes, à luz de

análises eminentemente pragmáticas, sob o argumento de ser este o caminho mais

eficiente no trato de problemas empresariais. Não podemos deixar de mencionar, também,

as meditações sobre o assunto nas aulas do curso de direito tributário internacional,

ministradas pelo Professor Heleno Taveira Tôrres, no programa de pós-graduação da

PUC/SP.

Outro ponto que nos despertou interesse pelo tema foi o fato de a maior parte da

produção doutrinária, cujos principais expoentes no Brasil são Gilberto de Ulhôa Canto e

Alberto Xavier, datar dos anos 60, 70 e 80; e, apesar do intenso fluxo de capital

estrangeiro no País, iniciado nos anos 90, poucos autores se debruçaram com afinco sobre

o tema, dentre os quais se destaca Heleno Taveira Tôrres. O mesmo se pode dizer das

principais manifestações jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto,

datadas estas, das mesmas décadas 60, 70 e 80.

Imaginamos ser a principal razão desse fenômeno o fato de as discussões sobre o

tema terem ficado restritas ao meio advocatício, criando, assim, enigmas de que o seu

estudo dependeria de outras técnicas que não jurídicas. Ao longo dos anos, isso provocou

um efeito extremamente nocivo, qual seja, a condução de problemas relativos à tributação

de não-residentes com extrema superficialidade. Todos perderam e continuam a perder

com isso: a Ciência do Direito, a Fazenda Pública, o meio empresarial, a Sociedade.

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Afinal, aplicando-se aqui a máxima de Heleno Taveira Tôrres1: “Não há boa prática sem

uma teoria que lhe dê supedâneo e sustentação” 2.

Nossa proposta objetivou analisar o fundamento constitucional e o regime jurídico

do imposto sobre a renda devido por não-residentes com base na teoria do normativismo

jurídico, mediante uso de um método descritivo do direito positivo vigente, à luz da

ciência jurídica, e seguindo as lições da escola analítica do direito. Isso porque tomamos o

direito como um objeto cultural, constituído, portanto, em linguagem específica (função

prescritiva). Ressaltamos que a experiência estrangeira sobre o tema foi devidamente

sopesada, não tendo sido utilizada doutrina alienígena sem prévia análise de

compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro.

As proposições normativas que dispõem sobre o tema são escassas. Objetivamente,

determina a Constituição que compete à União instituir o imposto sobre a renda, o qual

deve ser informado pelos princípios da progressividade, generalidade e universalidade3; e

a legislação infraconstitucional que os ganhos e rendimentos auferidos no País, pagos,

creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte brasileira, a não-residentes,

sujeitam-se ao imposto sobre a renda.

A crescente complexidade dos negócios internacionais, em que mutações

patrimoniais realizam-se ao redor do mundo em frações de segundos, vem dificultando

cada vez mais o trabalho dos operadores do direito tributário, à míngua, estes, de

subsídios teóricos sólidos para verificar se há incidência, ou não, de imposto sobre renda

1 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2ª ed., São Paulo: RT,2001, p. 38.2 São valiosas, também, as palavras de Pontes de Miranda, no seu importante estudo sobre “o problema fundamentaldo conhecimento”: “Não há diferença entre a teoria e prática. Aquilo que existe é o conhecimento do objeto: ou seconhece o objeto ou não se conhece o objeto”. apud in TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional –planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 15.3 Tais princípios são meros desdobramentos da repartição de competências políticas. “Daí que, como corolário dessaordem constitucional, três primados básicos hão de informar as respectivas condutas fiscais: i) esgotamento dascompetências atribuídas constitucionalmente; ii) restrita concessão de isenções e benefícios fiscais (restrição àrenúncia de receitas); e iii) fiscalização efetiva sobre todos os contribuintes e com o maior alcance possível, numaespécie de exercício de poder de polícia sobre o patrimônio público a realizar”. TÔRRES, Heleno Taveira. DireitoTributário e Direito Privado – autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003, p. 12.

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auferida por não-residentes. Procuramos direcionar a pesquisa de modo a avançar na

busca de critério seguro para identificar se e quando o não-residente deve contribuir para a

formação de receita pública brasileira. Certamente daqui não sairá a última palavra sobre

o assunto. Nosso objetivo é trazer à discussão alguns pressupostos teóricos até hoje não

explorados pela doutrina, que, a nosso ver, podem contribuir com a evolução do

pensamento sobre o tema.

Primeiramente, analisamos os fundamentos e os limites constitucionais da

tributação das rendas auferidas por não-residentes. Num segundo momento, procedemos à

análise do regime jurídico do imposto sobre essas rendas, mediante a utilização do modelo

teórico proposto por Paulo de Barros Carvalho acerca da norma tributária, que nele teve

seu maior expositor na literatura hispano-lusitana. Com relação a este modelo, divergimos

deste autor quanto aos critérios formadores da hipótese. Paulo de Barros Carvalho entende

não ser necessária a existência de um critério pessoal na hipótese, posicionamento com o

qual não concordamos, consoante demonstramos no item 2.4.2. do presente trabalho.

Julgamos por bem realizar um corte temático e analisar somente as normas de

Direito Tributário Internacional, assim entendido o grupo de normas de direito interno

relativas ao imposto sobre a renda, dotadas de elemento de estraneidade4. Assim, em

nenhum momento foi feita referência ao conjunto de normas denominado Direito

Internacional Tributário, cuja fonte de produção – acordos entre duas ou mais nações

soberanas - é externa ao ordenamento jurídico brasileiro, o que esperamos fazer em outra

oportunidade.

Iniciamos o estudo com a análise da questão do direito no espaço, definindo o

conceito de território, sua relação com a soberania e com a regulação das condutas

intersubjetivas, mais especificamente os limites desta. Nesse tópico, verificamos que a

validade, vigência e eficácia do sistema jurídico sempre se referem a um território e que,4 Critério pessoal referente à pessoa não-residente no Brasil ou critério espacial que localize fatos ocorridos fora doslimites territoriais deste País.

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portanto, é prática comum os ordenamentos regularem apenas fatos que guardem relação

com o território que lhes corresponda, o que, em sede de teoria geral do direito, não pode

ser tomado como uma condição inexorável, sob pena de incorrermos num fundamento

óbvio5. A existência ou não dessa condição dependerá de como cada ordenamento

disponha sobre o assunto, haja vista não existirem limitações externas à atividade

legislativa do Estado.

No tocante à tributação dos fatos dotados de elementos de estraneidade, foi

analisada, ainda, a impossibilidade de os critérios de conexão serem considerados

enunciados prescritivos ou mesmo normas para resolução de conflitos entre nações

soberanas, em função da impossibilidade de existência destes em matéria tributária –

apoiados sobretudo na doutrina de Heleno Taveira Tôrres, Manuel Pires e Carlo

Garbarino.

Compreendido o papel do território na regulação das condutas intersubjetivas,

aplicamos essas considerações na análise da repartição das competências tributárias,

identificando o território como limite objetivo ao exercício destas. Verificado que, no

Brasil, a discriminação de competências tributárias é rígida e exaustiva, procuramos

demonstrar que, em qualquer tributo, deve obrigatoriamente haver conexão entre o fato

que enseje sua cobrança e o território. O critério para tanto, deve ser verificado a partir

das próprias classes de notas constitutivas da hipótese da respectiva regra-matriz,

construídas com base na Constituição Federal e nas normas gerais de direito tributário.

É certo que, se não há limites externos à atividade legislativa para regulação de

fatos dotados de elementos de estraneidade, há limitação constitucional para tanto. A

conexão entre um dado fato e o território brasileiro é fundamental para determinar se há,

ou não, incidência tributária. O critério para determinação dessa conexão deve ser

5 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 11.

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vislumbrado a partir das classes de notas em causa, sob pena de afronta à rigidez e

exaustividade da discriminação de competências tributárias.

Por essa razão, se em outros países, nos quais a repartição de competências não se

dá de forma rígida e exaustiva, é possível identificar o critério de conexão a partir de

elementos estranhos à hipótese tributária, ou, até mesmo, regular fatos que sequer relação

com o território do ordenamento que lhe corresponda possuam, no Brasil, não.

Dividimos as notas constitutivas da hipótese da regra-matriz em quatro critérios6, a

saber: (i) material, que descreve o comportamento ou estado do indivíduo, abstraídas as

circunstâncias de tempo e espaço; (ii) temporal, que permite identificar o momento de

ocorrência do fato jurídico tributário; (iii) espacial, que permite identificar o local de

ocorrência do fato jurídico tributário; (iv) pessoal, que permite identificar o sujeito direta

e pessoalmente relacionado à ação ou estado previsto no critério material, e em alguns

casos, também o sujeito indiretamente relacionado a essa ação ou estado.

Demonstramos que os critérios de conexão podem ser identificados a partir de dois,

e somente dois, dos critérios da regra-matriz acima indicados: pessoal e espacial. Vale

dizer, a conexão com o território dá-se, ou porque o sujeito direta e pessoalmente

relacionado ao fato jurídico tributário é residente no Brasil, ou porque esse fato ocorre em

território nacional. Não há outra possibilidade. Não entendemos como Alberto Xavier7, no

sentido de que exista uma soberania territorial e outra pessoal. A soberania sempre se

materializa num dado território. A relação com este é que pode ser subjetiva ou objetiva.

Analisamos o conceito de renda, mais especificamente as notas constitutivas do

critério material da regra-matriz de incidência do respectivo imposto. Renda é acréscimo

patrimonial ocorrido num determinado intervalo de tempo (período), acréscimo este

6 Seguindo, nesse tocante, as orientações de Sacha Calmon Navarro Coêlho. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro.Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 382-385.7 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 13.

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verificado em função dos bens, direitos e obrigações existentes aos “olhos” do

ordenamento jurídico brasileiro (linguagem competente). São mutações dos elementos do

patrimônio ou dele em sua inteireza que, quando confrontadas, dão origem a decréscimo

ou acréscimo patrimonial - renda. São, portanto, mutações patrimoniais a fonte da renda,

e, para serem assim consideradas, devem necessariamente guardar relação com os critérios

de conexão vislumbrados na hipótese da regra-matriz do imposto em causa.

À vista das considerações acerca do conceito acima, concluímos que o critério de

conexão entre a renda e o território nacional deve ser verificado a partir das mutações de

elementos do patrimônio cujo confronto lhe (renda) tenha dado origem. Assim, para que

possa haver tributação de renda no País, nos dias atuais, essas mutações, ou devem dar-se

por conta de atos ou fatos praticados por pessoas aqui residentes, independentemente do

seu local de ocorrência, ou devem ocorrer em território brasileiro. Nessa última hipótese,

serão legítimos critérios de conexão os atos ou fatos que tenham motivado essas mutações

patrimoniais.

A Constituição Federal, portanto, autoriza a tributação de rendas de não-residentes

unicamente quando os atos ou fatos motivadores de mutações patrimoniais ocorram em

território brasileiro.

Dois são os regimes de apuração de imposto aplicáveis às rendas auferidas por não-

residentes: (i) sintético, em que se confrontam todas as mutações patrimoniais – positivas

e negativas – relacionadas com o território brasileiro, praticadas num dado período (de no

mínimo um ano); (ii) analítico, em que se confrontam as mutações patrimoniais –

positivas e negativas – atinentes a um determinado conjunto de mutações de elementos de

patrimônio - fonte de renda -, assim considerado isoladamente. Tendo em vista no regime

sintético serem aplicáveis as mesmas regras dirigidas a pessoas jurídicas domiciliadas no

Brasil, deixamos de analisá-lo, optando por concentrar nossos esforços quanto ao regime

analítico.

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Procuramos, nesse tocante (regime analítico), demonstrar a improcedência do

fundamento óbvio8 de que não existe período quando se trata de renda de não-residentes.

Esse fundamento, nunca enfrentado pela doutrina, se verdadeiro, implicaria ausência de

fundamento constitucional para aplicação do regime analítico na tributação de rendas

auferidas por não-residentes, o que, como procuramos demonstrar, não procede de forma

alguma.

Analisamos a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca de

critério de conexão que permita a tributação de rendas auferidas por não-residentes, o que

ocorreu em relação a duas categorias destas, quais sejam, juros e remuneração decorrente

da prestação de serviços.

Elegemos algumas categorias de rendas dentre as comumente auferidas por não-

residentes, a saber, ganho de capital, juros, dividendos “royalty”, remuneração decorrente

da prestação de serviços e, em seguida, identificamos e analisamos os possíveis critérios

de conexão entre estas e o território brasileiro, os quais possibilitam sua tributação pela

União. Foi analisada, também, a questão da existência de período em cada uma delas.

Em seguida, passamos à análise de todo o regime jurídico do imposto sobre a renda

devido por não-residentes, e o fizemos mediante a utilização da regra-matriz de

incidência, instrumental criado pelo Professor Paulo de Barros Carvalho, representativo da

estrutura da norma padrão de incidência dos tributos, acrescentando a este modelo um

critério pessoal na hipótese, conforme consignamos acima.

Na análise da hipótese, retomamos as considerações tecidas na primeira parte do

trabalho, abordando-as de maneira mais sintética.

8 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 11.

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Page 18: RENATO NUNES - PUC-SP

No que tange ao conseqüente, tecemos comentários sobre as peculiaridades da

apuração da base de cálculo do imposto em causa, à luz do regime analítico de incidência,

assim como das alíquotas aplicáveis, sobretudo tendo em conta o mandamento

constitucional que determina seja o imposto sobre a renda progressivo, bem como a

aplicação de alíquotas diferenciadas quando se cuidam de contribuintes residentes ou

domiciliados em países com tributação favorecida.

Analisamos a questão do recolhimento do imposto na modalidade fonte, cuja

adoção se faz possível quanto praticamente à totalidade das categorias de rendas auferidas

por não-residentes, exceto ganho de capital, em que o beneficiário não recebe renda, mas

sim preço, valor de liquidação ou valor de reembolso.

A nosso ver, o sistema de “fonte” configura o que a doutrina vulgarmente

denomina “substituição tributária”. Não se trata o retentor de mero agente de arrecadação,

que cumpre obrigação em nome alheio, nem muito menos responsável tributário, haja

vista este, segundo as melhores lições de teoria geral do direito, responder pelo dever

quando não cumprido por quem de direito.

Não nos apegamos ao fiel conteúdo semântico do vocábulo “substituição”. O

substituto não substitui o contribuinte. Este último nunca se afasta do pólo passivo da

obrigação tributária, sob pena de distorção da própria materialidade do tributo, em afronta

à Constituição Federal, mormente à rigidez da discriminação de competências tributárias,

da tipicidade e do republicano.

2. DIREITO NO ESPAÇOSumário: 2.1 Considerações iniciais – 2.2 Território – 2.3 Territorialidade: 2.3.1

Territorialidade formal tributária – 2.3.2 Territorialidade material tributária – 2.3.3 A

territorialidade material no ordenamento brasileiro: 2.3.3.1 Motivação constitucional e a

territorialidade tributária - 2.4 Critério de conexão: 2.4.1 Considerações gerais – 2.4.2

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Page 19: RENATO NUNES - PUC-SP

Definição de critério de conexão – 2.4.3 Relação entre critério de conexão e a regra-matriz

de incidência.

2.1 Considerações iniciais

Os ordenamentos jurídicos são sistemas e como tais se diferenciam de outros

sistemas sociais por serem vertidos em linguagem prescritiva e dotados de eficácia

reforçada (coercitividade)9. Consiste o sistema jurídico num conjunto de normas

agrupadas em torno de um ponto de convergência comum, a norma fundamental, o que

lhe confere foros de unidade e uniformidade sintática10.

Existem tantos ordenamentos jurídicos quantos Estados houver. E haverá

Estado onde existir uma ordem soberana, ou seja, com poder para se organizar

juridicamente e de fazer valer a ordem jurídica por ela estatuída11.

“Estado” e “soberania” são institutos analisados por diversos ramos das

ciências sociais, em cada uma delas sob ângulos distintos. Dado que elegemos como

método de trabalho o normativismo jurídico, não nos interessa outro conceito que não o

normativo, a fim de que não promovamos uma análise sociológica, política, histórica ou

sob a ótica de qualquer outra ciência social que não a do direito12 13.

A soberania, ao conferir ao Estado a prerrogativa de se auto-organizar

(aspecto interno), confere a este foros de independência em relação a outros Estados

9 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 10ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 66.10 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 45 e seguintes.11 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 68.12 BURDEAU, Georges. Traité de science politique. Paris: Librarie générale de droit et de jurisprudence, vol. IV,1956, n. 16.13 VILANOVA, Lourival. O problema do objeto da teoria geral do Estado. Recife: Imprensa Oficial, 1953, p. 69.

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(aspecto externo)14. Permite a soberania vislumbrar a existência de diversas ordens

estatais, que se relacionam exclusivamente em bases de coordenação, nunca de

subordinação15.

Não admite, pois, a soberania qualquer interferência ou limitação

internacional no direito ou no ordenamento jurídico estatal, como um todo16, a menos que

tal intromissão seja expressamente consentida pelo próprio Estado, na forma prevista na

Constituição (mormente por meio de acordos internacionais)17 18.

Se a soberania política que motivou a formação do poder constituinte

originário pode ser tida como absoluta, a soberania jurídica, não. Esta é limitada tanto pela

Constituição - limitações internas – quanto pelas normas de Direito Internacional

Consuetudinário.

14 Segundo leciona Bobbio: “Se é verdade que um ordenamento jurídico é definido através da soberania, é tambémverdade que a soberania em uma determinada sociedade se define através do ordenamento jurídico. Poder soberano eordenamento jurídico são dois conceitos que se referem um ao outro”. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamentojurídico, 10ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 25.15 São as palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “A soberania é o reflexo necessário de um Estado autônomo”.COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Noções da fiscalidade internacional. Movimento editorial da faculdade de direitoda Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de MinasGerais, 1998, p. 3.16 São as lições de Francisco Rezek: “(...) o Estado tem jurisdição geral e exclusiva. A generalidade da jurisdiçãosignifica que o Estado exerce no seu domínio territorial todas as competências de ordem legislativa, administrativa ejurisdicional. A exclusividade significa que, no exercício de tais competências, o Estado local não enfrenta aconcorrência de qualquer outra soberania. Só ele pode, destarte, tomar medidas de constrição contra pessoas,detentor que é do monopólio do uso legítimo da força pública”. REZEK, Francisco. Direito internacional público, 7ªed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 161.17 ARAÚJO, Jackson Borges de. Limitações internacionais à aplicação de normas tributárias nacionais. Recife:Bagaço, 1999, p. 13.18 Como apregoa Alberto Xavier: “Por outro lado, o dogma de que no Direito Tributário Internacional (ao contráriodo Direito Privado Internacional) nunca se aplicam leis tributárias estrangeiras não resiste, por exemplo, àconstatação de que, para aplicação das convenções contra a dupla tributação, pelo país do foro, torna-se necessárioaplicar leis estrangeiras (até tributárias) que regulam os pressupostos de aplicação de norma convencional”.XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 10.

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O poder de tributar19 - que daqui em diante denominaremos competência

tributária - é uma das manifestações da soberania20 21, o qual confere ao Estado Brasileiro

autonomia e independência para eleger os fatos tributáveis e regular a forma de

arrecadação e fiscalização dos tributos, tudo dentro das balizas fixadas pela Constituição

Federal, sobretudo os direitos fundamentais, bem como pelos acordos de vontades

firmados com outros Estados22. No Brasil, em virtude da forma de Estado preconizada

pela Constituição Federal23, a competência tributária é repartida entre a União, os Estados

e os Municípios.

Em matéria tributária, a soberania não se manifesta apenas internamente, sob

a forma de competências, mas também externamente. Confere ao Estado atributos de

independência e autonomia em face dos demais e isso se estende também ao âmbito

tributário24. Heleno Taveira Tôrres25 fere o assunto com precisão quando assevera que

“(...) a soberania tributária, tomando em conta sua vertente de princípio fundamentador da

própria existência jurídica do Estado, propõe-se como motivo da articulação das relações

entre os Estados, que se trata de uma articulação de soberanias e não de poderes de

tributar, cujas conotações se aperfeiçoam e lhe ofertam concretização”.19 Por ser a soberania una e indivisível, não deve se entender o poder de tributar como uma espécie de soberania.Essa expressão apenas denota, exclusivamente para fins didáticos, o poder de o Estado instaurar e fazer valer normasdireta ou indiretamente atinentes às atividades de instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.20 Não podemos concordar com as colocações de Roque Antonio Carrazza e Sacha Calmon Navarro Coêlho, paraquem não se cuida a competência tributária de poder tributário, haja vista, num Estado democrático como o Brasil,aquela decorrer do auto-consentimento do povo. Por serem o Estado e, consequentemente, as pessoas políticasfiguras institucionais representativas da soberania popular - consoante determina a Constituição Federal, artigo 1º,parágrafo único - a competência tributária nada mais é do que um poder do povo devidamente institucionalizado, istoé, racionalizado e limitado. Para tanto ver: CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário,9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 287; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Noções da fiscalidade internacional.Movimento editorial da faculdade de direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998, p. 4.21 Devidamente prevenidos pelas lições de Alfredo Augusto Becker, não assumimos o poder tributário enquantomanifestação da soberania como mero fundamento óbvio. O poder tributário consiste em poder para criar normas quedigam respeito à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Se assim o é, dado que a soberania consiste nopoder do Estado para criar e fazer uma ordem jurídica, fácil verificar que o poder tributário cuida-se de uma dasfacetas desta.22 TÔRRES, Heleno Taveira. A pluritributação internacional. In: UCKMAR, Victor (Coord.), Corso di dirittotributario internazionale, 2ª ed. Padova: Cedam, 2002, p. 187.23 Constituição Federal, artigo 1º.24 A soberania, na ordem externa, é exercida pela República Federativa do Brasil, nesse tocante, representada pelaUnião, nos termos da Constituição Federal, artigo 21, I.25 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 67.

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2.2 Território

Desde o advento do conceito de Estado, pode-se dizer, há discussão acerca

dos seus componentes. Ponto pacífico entre os mais diversos posicionamentos é o de que

território e povo são elementos essenciais do Estado. Um, território, dado conhecido.

Outro, povo, dado indefinido, identificável a partir da relação com o território.

Sem território não há povo. O Estado tem como referência primordial o

território26. E por essa razão, é possível existirem (valerem) simultaneamente várias

ordens soberanas, absolutamente independentes umas das outras27 28.

Bem observa Paulo de Barros Carvalho29 que “é sobre o espaço territorial

juridicamente recortado que o Estado se organiza e, ao mesmo tempo, se estabelece como

unidade jurídica”.

É errônea a noção de que o território corresponda apenas a uma porção de

terra. Território é um espaço tridimensional. O que está acima e abaixo do plano de

superfície terrestre também pertencem ao Estado, e neles pode ser exercida a soberania30.

26 SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 304,1989.27 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 273. 28 Em sentido contrário, ver, sobretudo: BURDEAU, Georges. Droit constitutionnel et institutions politiques. Paris:Libr. Générale de Droit et de Jurisprudence, 1966, p. 16-18; JELLINEK, Georg. Teoria general del Estado. BuenosAires: Albatroz, 1954, p. 295-301.29 CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da territorialidade no regime de tributação da renda mundial(universalidade). Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.669.30 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 312.

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Assim como o Estado é uma criação jurídica, o território, como seu

elemento, também o é. Território, então, como afirma com propriedade Heleno Taveira

Tôrres é o “(...) espaço físico juridicamente qualificado e delimitado”.31

A legislação brasileira e os acordos internacionais firmados pelo Brasil,

sobretudo os para evitar a dupla tributação, definem o território brasileiro, assim como

estabelecem seus limites.

2.3 Territorialidade

O ordenamento jurídico, como corpo de linguagem prescritiva32, é

condicionado por coordenadas de tempo e espaço, sendo essa última, tanto em relação aos

âmbitos de validade, vigência e eficácia33 quanto – nos países que contemplem a chamada

territorialidade material - ao de incidência espacial.

A característica da soberania, mediante a qual o Estado somente pode

instaurar e fazer valer uma ordem jurídica nos limites do seu território, corresponde ao

conceito de territorialidade formal. Nessa esteira, significa dizer que o âmbito de eficácia

das normas, salvo eventual acordo de vontades em sentido contrário, está adstrito ao

limites do território do Estado que lhes corresponda34.31 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 72.32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 3.33 Validade, em nossa perspectiva, é a relação de pertinência entre a norma e o ordenamento que lhe corresponda.Afirmar que uma norma vale, é afirmar que ela pertence a um dado ordenamento. De predicado da norma, portanto,validade não se trata.Já vigência, sim, cuida-se de atributo da norma. Corresponde à força desta para regular as condutas intersubjetivas.Eficácia, tal qual vigência, também atributo da norma. Trata-se de qualidade da norma que se refere à possibilidadede produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para suaaplicação.Para um maior detalhamento do assunto, ver: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentosjurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 49 e seguintes. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introduçãoao estudo do direito, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 196 e seguintes.34 A doutrina italiana foi a que primeiro apontou sobre a distinção entre a territorialidade formal e a material. Paratanto, ver: BERLIRI, Antonio. Principi di diritto tributario, 2ª ed. Milão: Giuffrè, vol. I, 1967, p. 103; CROXATTO,Giancarlo. La imposizione delle imprese con attività internazionale. Padova: Cedam, 1965, p. 21 e 39; GIANNINI,

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Por um lado, a territorialidade formal assegura ao Estado a prerrogativa de

agir soberanamente no seu campo de ação (significação positiva), e, por outro, exclui a

possibilidade de outros Estados nele interferirem (significação negativa)35, salvo se

eventual acordo de vontades com outra nação igualmente soberana assim permitir36. O

contrariu sensu dessa significação negativa da territorialidade formal consiste na

impossibilidade de um Estado fazer valer normas de seu ordenamento, mediante a prática

de atos de império, no território de outro Estado, sob pena de violação de soberania

alheia37.

Diferentemente, se é certo que hoje existe um padrão de política legislativa

dos Estados de se regular somente fatos que guardem relação com os territórios que lhes

correspondam, não se pode tomar isso como característica da soberania38, tal qual a

territorialidade formal, sob pena de incorrermos num fundamento óbvio39. Pode haver,

como no Brasil, em matéria tributária, limitação interna que prescreva limitação à

atividade legislativa, no sentido de que as normas só sejam vigentes quanto a fatos que

guardem relação com o território que lhes corresponda40. Porém, não é possível

identificarmos isso como predicado da soberania, o que a faria presente em todo e

qualquer ordenamento jurídico. A limitação em causa corresponde à territorialidade

material, questão que analisaremos com maior acuidade em tópico próprio.

A.D. I concetti fondamentali del diritto tributario. Torino: Utet, 1956, p. 52.35 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 76-77;TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001,p. 85; KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 301; SACCHETTO,Claudio. Tutela all’estero dei crediti tributari dello Stato. Padova: Cedam, 1978, p. 89.36 Há que se notar que é pressuposto do acordo que as nações sejam soberanas e cada qual possua seu território.37 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 26; UDINA,Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 84. MANGANO, Vincenzo Sampieri.L’imposta di ricchezza móbile – società commerciali per azioni. Milão: Società Editrice Libraria, 1935, p. 684.38 Devidamente prevenidos pelas lições do Mestre José Souto Maior Borges, refutamos a possibilidade de utilizaçãodo método indutivo. Ou seja, não é só porque normalmente os Estados regulam apenas fatos que guardem relaçãocom seu território é que sempre será assim. Não há limite heterônomo à atividade legislativa, por isso essa práticapode ser mudada a qualquer tempo. Isso está dentro da esfera de autonomia de cada Estado. BORGES, José SoutoMaior. Obrigação tributária: uma introdução metodológica, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 69.39 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p.11.40 CROXATTO, Giancarlo La imposizione delle imprese con attività internazionale. Padova: Cedam, 1965, p. 27;TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas das empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001,p. 129-130.

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A territorialidade, então, determina necessariamente os âmbitos de validade,

vigência, e eficácia do ordenamento jurídico (o que inclui as normas de cunho tributário41)

– acepção formal -, e, a depender do ordenamento que se esteja analisando, seu conteúdo

também – acepção material.

A territorialidade - tanto em sua acepção formal quanto in totum (formal e

material) - irradia efeitos sobre todas as normas de um dado ordenamento, o que nos faz

crer com absoluta segurança estarmos diante de um princípio jurídico por excelência42. E

fundamentamos nossa conclusão numa das mais belas páginas da ciência jurídica, da lavra

de Celso Antônio Bandeira Mello43: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de

um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema

normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.

E sendo ainda mais precisos, seguindo as lições de Paulo de Barros

Carvalho44, entendemos ser a territorialidade um princípio na acepção limite objetivo45.

2.3.1 Territorialidade formal tributária

41 Alfredo Augusto Becker tece comentários lapidares sobre o tema: “Modernamente, para a tranqüilidade de todos,chegou-se a conclusão, tão verdadeira quanto simples, que as leis tributárias são regras jurídicas com estrutura lógicae atuação dinâmica idênticas às demais regras jurídicas e, portanto, interpretam-se como qualquer outra lei, admitemtodos os métodos de interpretação jurídica e não existe qualquer peculiar princípio de interpretação das leistributárias”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 111.42 SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 304,1989.43 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.544-545.44 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 142.45 O referido Autor distingue os princípios em valores ou limites objetivos. Na acepção “valores”, o intérprete deparacom um mundo de subjetividades, mesmo porque eles se entrelaçam formando redes cada vez mais complexas, quedificultam a percepção da hierarquia e tornam a análise uma função das ideologias dos sujeitos cognoscentes. Quantoaos limites objetivos, nada disso entra em jogo, ficando muito mais simples a construção do sentido dos enunciados.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 143.

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O direito, como dissemos, é um sistema, e, como tal, uno e incindível,

de tal sorte que todas as classificações que se façam quanto às normas que o compõem

têm serventia exclusivamente didática. E é com esse espírito que invocaremos a

classificação do direito entre público e privado, para analisarmos o princípio da

territorialidade formal.

Entre nós, Pontes de Miranda foi quem melhor estabeleceu critérios

para se classificar as normas como de um ou outro ramo do direito. Segundo ele: “O

direito privado existe se e enquanto há regras jurídicas que tratam dos homens somente

como indivíduos em relações uns com os outros. Desde que o interesse geral, ou algo que

se tem como tal, passa à frente, o direito é público, porque admite a situação de poder dos

entes coletivos que correspondem àqueles interesses” 46. E arrematando o assunto com

precisão, afirma o citado autor que: “(...) as regras que se dizem de direito público são

regras jurídicas cujo sujeito ou cujo objeto está em relação imediata com Estado. As duas

classes são exaustivas: o que não é direito público é direito privado”47. E não por outra

razão, a única fonte das relações de direito público é a lei, ao passo que as de direito

privado podem derivar de acordo de vontades.

Nas relações jurídicas decorrentes de acordo de vontades dotadas de

elemento de estraneidade, é prática tradicional os países outorgarem às partes de um

negócio jurídico a faculdade de elegerem a norma aplicável a estas relações. Referida

norma poderá ser aplicada em território de Estado diverso do de sua origem48. Como

exemplo, podemos citar o caso em que uma empresa brasileira adquira produtos de

empresa com sede na Alemanha, em que o contrato estabeleça que a norma aplicável seja

46 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller,1999, t. I, p. 121.47 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller,1999, t. I, p. 122.48 RODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privado brasileiro relativamente àsobrigações contratuais. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em homenagem aos ProfessoresManuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, p. 19-21.

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a alemã, mas o foro, o brasileiro49. Nessa situação, em caso de controvérsia, o Poder

Judiciário Brasileiro aplicaria a lei alemã.

Claudio Sacchetto50 apontou bem que, a despeito dessa ser uma

prática comumente aceita pelos países, isso deve ser autorizado pelo ordenamento onde se

pretenda aplicar a norma alienígena – lex fori. Ainda assim, não se cuida de prática de atos

de império em território alheio. A relação se constitui e é exigida por particulares e

havendo necessidade de prática de ato coercitivo este não é praticado por outro que não a

própria autoridade indicada pelo ordenamento em cujo território se perfez a dita relação.

Em nenhum momento se trata de um Estado aplicando seu direito no território de outro.

A obrigação tributária, típica relação jurídica de direito público, em

última instância, decorre de lei (ex lege51) e por essa razão o respectivo crédito tributário é

constituído e exigido (atos de coerção e preparatórios) mediante a prática de atos de

império52.

Como atributo do Estado que lhe permite se autodeterminar em face

de outras nações, a soberania, como já visto, não admite que um Estado exerça atos de

império no território de Estado alheio, salvo este se este assim permitir. É, a priori,

vedada a prática de atos atinentes à constituição e exigência do crédito tributário em

território de ordenamento jurídico diverso do que lhe corresponda53, sob pena de ofensa à

soberania alheia. Significa dizer que a territorialidade formal limita o âmbito de eficácia

das normas de cunho tributário ao território do Estado ao qual se refiram.

52 XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, 2ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 1998, p. 566-575; BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário, 2ª ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 111-116.53 SACCHETTO, Claudio. Tutela all’estero dei crediti tributari dello Stato. Padova: Cedam, 1978, p. 57; UDINA,Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 155 e 345.

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2.3.2 Territorialidade material tributária

A territorialidade material condiciona a fixação do âmbito espacial de

incidência das normas, o qual não necessariamente se confunde com o seu âmbito de

validade, vigência e eficácia. A força do ordenamento para regular fatos por este

selecionados é limitada ao território que lhe corresponda e por ele definido54. Trata-se de

limitação imposta pela soberania. Isso é um aspecto.

Outro, totalmente distinto, é a possibilidade de a norma localizar fatos

e lhes atribuir efeitos55, sejam aqueles ocorridos extraterritorialmente, ou também os

ocorridos territorialmente, mas que se refiram a sujeitos que com o respectivo território

não guardem relação pessoal (residência ou domicílio). Isso não significa ofensa de

soberania alheia, vez que os efeitos em causa serão produzidos nos limites do território do

ordenamento que lhes corresponda.

Mas não é só. A territorialidade material consiste em critério de

outorga de competência tributária, limitando a ação legislativa quanto à seleção de fatos

aos quais serão atribuídos efeitos jurídicos. A competência refere-se, então, somente aos

fatos que guardem relação com o território do ordenamento que lhes corresponda56.

Essa limitação, diferentemente da territorialidade formal, não decorre

da soberania, portanto, cumpre a cada ordenamento adotá-la, ou não. Pode acontecer de

não haver limite interno à ação legislativa obrigando-a a pautar-se pela territorialidade

material, mas em sua prática isso dever ser observado simplesmente para assegurar a

54 Segundo Kelsen: “O chamado território do Estado apenas pode ser definido como o domínio espacial de vigênciade uma ordem jurídica do Estado”. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991,p. 304.55 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 257.56 GIANNINI, A.D. I concetti fondamentali del diritto tributario. Torino: Utet, 1956, p. 51.

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efetividade da norma de tributação57. De mais a mais, por serem os Estados soberanos, não

cabe cogitar a existência de limites externos à sua atividade legislativa, inclusive na seara

tributária58 59. Conquanto haja falta de relação do fato com o território da norma que o

regula, isso certamente poderá constituir obstáculo à efetividade do comando nela

previsto, o que variará de acordo com cada caso60. No entanto, a nosso ver, essa

dificuldade não resulta em invalidade dessa norma61 62. Seria uma limitação de ordem

prática63, estranha ao nosso objeto de estudo.

Assentadas as devidas premissas, fácil concluir, mesmo quanto aos

ordenamentos que contemplem a territorialidade material, pela absoluta legitimidade de os

57 SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 305,1989; MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, HelenoTaveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 345.58 Alfredo Augusto Becker denunciou, pioneiramente, tratando na seara tributária, a falsidade da tese daterritorialidade material da lei como característica da soberania. Ao analisar a questão do âmbito de incidência dasleis (que o autor trata como âmbito de eficácia jurídica), indica que a lei tributária pode atribuir efeitos a negóciorealizado entre não-residentes, fora do território que lhe corresponda, sem nenhuma relação com este. Para o autor, “adoutrina tradicional costuma aceitar como fundamento ‘óbvio’ a tese da territorialidade da lei tributária, isto é, a leitributária teria sua eficácia jurídica limitada a um determinado território”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geraldo direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 282 e seguintes. Ver também: TÔRRES, Heleno Taveira.Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 69; BERLIRI, Antonio.Principi di diritto tributario, 2ª ed. Milão: Giuffrè, vol. I, 1967, p. 103; CROXATTO, Giancarlo La imposizionedelle imprese con attività internazionale. Padova: Cedam, 1965, p. 49, 123 e 151; GIANNINI, A.D. I concettifondamentali del diritto tributario. Torino: Utet, 1956, p. 55; TIXIER, Gilbert e GEST, Guy. Droit fiscalinternational, 2ª ed. Paris: PUF, 1990, p. 45.59 Em sentido contrário, entre outros, ver: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional, 5ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2000, p. 13; SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão:Giuffrè, v. XLIV, p. 321, 1989; MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto tributario. Torino: Utet, 1989, p. 94 eseguintes; UDINA, Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 57 e seguintes; LUPI,Raffaello. Territorialità del tributo. Enciclopedia giuridica. Roma: v. XXXI, p. 3; UCKMAR, Victor. La tassazionedegli stranieri in Italia. Padova: Cedam, 1955, p. 22; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente oudomiciliado no Brasil a vendedor de bens no exterior, em virtude de concessão de financiamento pelo própriovendedor. Produção e realização do rendimento: local onde deve ser tributado. Territorialidade. Estudos e pareceresde direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 20-21.60 LUPI, Raffaello. Territorialità del tributo. Enciclopedia giuridica. Roma: v. XXXI, p. 1.61 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, 2ª ed. São Paulo:Atlas, 1994, p. 198.62 Em sentido contrário, para quem o mínimo de eficácia é condição da validade da norma, ver: KELSEN, Hans.Teoria pura do direito, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 231.63 JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p.212.

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Estados, por exemplo, tributarem as rendas auferidas no exterior (bases universais) por

pessoas residentes ou domiciliadas em seu território64 65.

A possibilidade de existir obrigação tributária tendo como

contribuinte pessoa que não guarde relação pessoal (cidadania, residência, domicílio, sede

administrativa, etc.) com o território correspondente, mas cujo fato jurídico tributário

tenha neste ocorrido66, fundamenta-se na própria soberania do Estado sobre fatos

ocorridos em seus limites territoriais. Face às considerações acerca da territorialidade

material, fácil verificar que sujeito que não guarde a dita relação pessoal com o território

do Estado somente pode ser tributado por fatos ocorridos nos limites deste território.

Daqui por diante denominaremos as situações em que a matéria

tributável ocorra no exterior ou em que, ocorrendo no território do ordenamento

correspondente, o sujeito a esta relacionado não guarde relação pessoal (residência ou

domícílio) com esse território, como fatos dotados de elementos de estraneidade67,

reguláveis por um dado ordenamento se e somente guardarem relação com seu território.

64 São as palavras de Heleno Tôrres: “Como se vê, este princípio (da universalidade) não exclui, obviamente, oprincípio da territorialidade, antes, o pressupõe. Ambos, entre si, não são antitéticos; pelo contrário, o princípio dauniversalidade funciona apenas como um critério possibilitador de atribuição de alcance ultraterritorial às normastributárias de localização dos rendimentos tributáveis pelo poder tributário estatal, mantendo-se, de modo subjacente,o princípio da territorialidade, até porque a conexão entre a pessoa e o território é fundamental, para justificarplenamente a localização ultraterritorial da produção de rendimentos”. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributaçãointernacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 89. Ver também: CARVALHO, Paulo deBarros. O princípio da territorialidade no regime de tributação da renda mundial (universalidade). Justiça Tributária.São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 672.65 Sampaio Dória, já em 1964, época em que no Brasil vigorava o princípio da territorialidade “pura”, advogava aplena legitimidade da tributação da renda em bases universais: “O princípio da territorialidade, enquanto delimitar aeficácia da regra jurídica em sua possibilidade de atuação prática, é aceitável. E o princípio da extraterritorialidade,enquanto justificar a tributação de objeto ou pessoa ligados de alguma forma ao Estado, independentemente de suasituação física, também o é”. E arremata com refino e precisão: “Dois critérios usualmente se propõem para legitimartal competência, o da origem da renda (teoria da fonte) e o do domicílio do beneficiário. Em ambos os casos,autoriza-se a tributação. Tomando por base a fórmula da origem da renda, o Estado pode tributá-la até o limite emque foi produzida em seu território. Ao passo que, se se tratar do Estado do domicílio do contribuinte, a tributaçãopode alcançar todas as rendas aí recebidas, independentemente do lugar de onde provieram”. SAMPAIO DÓRIA,Antônio Roberto. Direito constitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 108-109.66 UDINA, Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 83.67 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 47.

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Concentraremos nossos esforços nos próximos tópicos e capítulos

para demonstrar que a territorialidade material, no ordenamento brasileiro, é princípio

constitucional, e quais as implicações disso na tributação das rendas auferidas por sujeitos

que não guardem relação pessoal (cidadania, residência, domicílio, sede administrativa,

etc.) com o território deste País.

2.3.3 A territorialidade material tributária no ordenamento

brasileiro

O Estado Brasileiro, cuja forma é a federativa68, é formado por três

espécies de pessoas políticas, designadamente, União, Estados e Municípios69, todas com

competência fundamentada na própria Constituição. Não há, dessa forma, relações de

subordinação entre essas pessoas políticas. Umas são autônomas com relação às outras,

existindo tão somente campos de atuação próprios, devidamente delineados pela

Constituição Federal70. Disso se conclui que não deve haver espaço para conflitos de

competência entre uma pessoa política e outra. Não deve, mas é possível existir.

Em matéria tributária, prevê a Constituição toda uma aparelhagem

para que não haja conflitos de competência entre pessoas políticas de diferentes espécies.

Nas taxas e contribuição de melhoria, relacionando a competência para sua instituição à

competência administrativa de cada pessoa política - devidamente distribuída pela Carta

Magna71 –; nos impostos, indicando nominalmente as materialidades que podem ser

68 Em que os Municípios são autônomos.69 Não fizemos menção ao Distrito Federal, por este confundir-se com Estado e com Município.70 São as palavras do Mestre José Souto Maior Borges: “É portanto um princípio que informa toda a estrutura daConstituição brasileira a isonomia das pessoas constitucionais. Não há desníveis hierárquicos entre as pessoasconstitucionais, que juridicamente são iguais entre si, posto sociológica, econômica e politicamente não o sejam”.BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 10.71 Aliás, por essa razão, deixaremos de tratar o tema de territorialidade quanto às taxas e contribuição de melhoria,vez que isso nos faria remeter à seara do direito administrativo, já que as incidências dos tributos em causa estãodiretamente relacionadas às competências administrativas das pessoas políticas. Nossa análise, então, versará o temasomente com relação a impostos. ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT,1968, p. 144; FALCÃO, Amílcar de Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965,p. 49.

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utilizadas pelo legislador na instituição dessas exações72; nas contribuições e empréstimos

compulsórios, indicando os fins que podem motivar sua instituição, o que, indiretamente,

circunscreve as materialidades sobre as quais podem incidir e contribuintes possíveis, e,

em algumas contribuições, não só os fins, mas também expressamente suas

materialidades.

À lei complementar cumpre, dentro dos limites constitucionais,

aclarar eventuais “zonas cinzentas” atinentes às materialidades, assim como as respectivas

coordenadas de tempo e espaço que lhes condicionam, de modo a prevenir possíveis

conflitos de competência entre pessoas políticas73 74.

Aliás, outra não é a inteligência do artigo 146 da Constituição

Federal, o qual prescreve competência do legislador ordinário para instituição de normas

gerais de direito tributário, mediante lei complementar, visando prevenir conflitos de

competência, definindo sobretudo em matéria de impostos os respectivos fatos geradores,

bases de cálculo e contribuintes.

O fato gerador, ou melhor dizendo, a hipótese da norma tributária

geral e abstrata, não consiste somente na classe de notas denominada materialidade. Não.

72 Sacha Calmon é muito preciso quando afirma que, face à forma do Estado Brasileiro, fez-se necessário aConstituição distribuir as competências para instituição de impostos indicando expressamente as materialidadespassíveis de tributação: “No concernente aos impostos, não é suficiente às pessoas políticas a previsão do art. 145.Com esforço nele, não lhes seria possível instituir os seus respectivos impostos. O art. 145 não declina os fatosjurígenos genéricos que vão estar na base fática dos impostos que, precisamente, cada pessoa política recebe daConstituição. É que, no caso dos impostos, a competência para instituí-los é dada de forma privativa sobre fatosespecíficos determinados (...) Como corolário lógico temos que os impostos são enumerados pelo nome ediscriminados na Constituição um a um”. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 –sistema tributário, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 29.73 Constituição Federal, artigo 146.74 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p. 83; BALEEIRO, Aliomar.Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Anotado por Misabel de Abreu Machado Derzi. Rio deJaneiro: Forense, 2001, p. 105. BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC,1975, p. 199; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 207–209; JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 70; PONTES DEMIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.º 1, de 1969, 2ª ed. SãoPaulo: RT, 1970, t. II, p. 383; TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funçõesdas leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo:Dialética, 2001, p. 98.

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A hipótese consiste em classes de notas relativas à materialidade, ao sujeito que a pratica,

à coordenada de espaço e à coordenada de tempo. Sem isso, não há hipótese, e não

havendo hipótese, não há meios de existir fato jurídico.

Mas não somente conflitos entre pessoas políticas de espécies

distintas. Podem também ocorrer múltiplas incidências de impostos sobre um único e

mesmo fato, em função deste guardar relação com o território de mais de uma pessoa

política. E essa possibilidade, no Brasil, decorre da própria Constituição que, ao indicar

uma materialidade, como veremos, indica também as coordenadas de tempo e espaço

possíveis. Como se sabe, o compartilhamento de território de um mesmo Estado por várias

esferas de poder político (que não são soberanas entre si, e sim autônomas) é inerente à

federação, sobretudo quando o sistema jurídico contemple também a autonomia dos

municípios. Disso decorre que a exclusividade da competência não diz respeito somente à

materialidade do fato jurídico – que, isoladamente, previne apenas conflitos entre pessoas

políticas de diferentes espécies, mas também à coordenada de espaço que lhe condiciona.

Sejamos mais claros. Veremos adiante que a Constituição distribui a

competência para a instituição de impostos mediante a indicação de materialidades a essa

ou aquela pessoa política. Essas materialidades, devidamente condicionadas por

coordenadas de tempo e espaço, somente dão origem a obrigações tributárias se

guardarem relação com o território da pessoa política correspondente.

Não há mandamento constitucional que impeça a norma (aqui

entendida numa acepção ampla), ao identificar um fato relacionado com seu território,

qualificá-lo como fato jurídico tributário e atribuir-lhe como conseqüência o nascimento

de uma obrigação tributária.

É fundamento óbvio afirmar-se que a norma tributária de uma dada

pessoa política somente incide sobre fatos ocorridos nos limites do seu território, com o

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que, face à linha de argumentação até aqui exposta, não podemos concordar de modo

algum75.

Vimos afirmando ao longo do presente trabalho que um dado fato

pode se relacionar com o território de uma pessoa política por razões diversas, de tal sorte

que é possível que este implique o nascimento de mais de uma obrigação tributária.

Quando se tratam de obrigações nascidas sob o bojo de ordenamentos de Estados

distintos, não há nenhum problema quanto a isso.

A soberania legitima plenamente esse concurso de imposições fiscais.

No entanto, se no âmbito internacional é dessa forma, no interno, não. As pessoas

políticas não são soberanas, e sim autônomas, tendo todas elas, igualmente, fundamento

de validade na Constituição. Por essa razão, é determinação constitucional que uma, e

somente uma delas (exceto no caso do “imposto de guerra”), tribute um dado fato76.

Exemplos disso são a tributação de um mesmo serviço por mais de um Município ou a

tributação de transmissão por doação por mais de um Estado77.

Caso haja possibilidade de mais de uma pessoa política tributar o

mesmo fato, não se trata de mero concurso de imposições, mas sim potencial conflito de

competências homogêneas78. Contra esse mal, previu a Constituição seja editada norma

geral de direito tributário, mediante lei complementar, de modo a dar cabo aos princípios

75 Em sentido contrário ao nosso posicionamento, ver especialmente: ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber.Territorialidade da lei tributária estadual. Revista de direito tributário, n.º 40. São Paulo: RT, 1987, p. 44-53;BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 264; CARRAZZA, RoqueAntonio. Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 356; GIARDINO, Cléber.ISS – Competência municipal. O Estado de São Paulo. Edição de 16.12.1984, p. 68; JUSTEN FILHO, Marçal. Oimposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 75.76 ATALIBA, Geraldo. Sistema tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 27-28; FALCÃO, Amílcar de Araújo.Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 37-38; JUSTEN FILHO, Marçal.Imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 72.77 Sobre a possibilidade de conflitos de competência homogênea, ver: SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Direitoconstitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 98; JUSTEN FILHO, Marçal.O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 73.78 Em sentido contrário ao entendimento ora esposado, ver: TÔRRES, Heleno Taveira. Município competente paraexigência do ISS – Local da prestação do serviço e residência do prestador? Repertório de Jurisprudência IOB -jurisprudência comentada. São Paulo: IOB, 2002, nº 9, 1/17148, p. 316-14.

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do federativo e do republicano. Não se cuida de tirar ou outorgar a uma outra pessoa

política uma “faixa” de competência, mas sim de definição precisa da discriminação de

rendas, o que em nada foge ao espírito constitucional sobre o assunto. Pelo contrário, o

prestigia. Não fosse assim, cairiam por terra os princípios do federativo e da autonomia

municipal e com eles todo o ordenamento jurídico brasileiro79.

Com base nisso, podemos concluir de imediato que, ao menos quanto

a Estados e Municípios, a territorialidade material é princípio dos mais caros. Estados e

Municípios somente podem instituir impostos sobre os fatos que lhes foram indicados pela

Carta Magna e que guardem relação com seus respectivos territórios. Como um dado fato

pode guardar relação com o território de mais de uma pessoa política, cumpre à lei

complementar determinar que atributo do fato o tornará passível de tributação por esta ou

aquela80.

Não é somente isso, em nosso pensar, que justifica a territorialidade

material como cânone constitucional em matéria tributária. Se sua presença é facilmente

percebida no tocante a Estados e Municípios, o mesmo não se pode dizer quanto à União,

já que sua competência para a instituição de impostos, a priori81, não concorre com a de

nenhuma outra pessoa política.

A maior complexidade da tarefa não nos permite refutar a idéia de

que, além da razão acima para a configuração da territorialidade material como princípio

constitucional informador da atividade legislativa de Estados e Municípios, há outra que

79 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.546.80 TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funções das leis complementares eposição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo: Dialética, 2001, p. 98;MOURA, Fabio Clasen de. O ISS e o princípio da territorialidade. In: BELLAN, Daniel Vitor e MOURA, FabioClasen (Coords.), Imposto sobre serviços: de acordo com a Lei Complementar n.º 116/03. São Paulo: Quartier Latin,2003. p. 153-154.81 Exceto no que tange ao denominado “imposto de guerra”, em que é outorgada competência à União para instituirexação dessa natureza sobre materialidades indicadas a outras pessoas políticas.

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permite vislumbrar a plena aplicabilidade deste princípio não somente quanto a essas

políticas, mas também relativamente à União.

2.3.3.1 Motivação constitucional e a territorialidade material

tributária

Diferentemente de outros países, a Constituição brasileira determina

pressupostos para a instituição de toda e qualquer espécie de tributo, outros que não

somente atinentes a procedimento, autoridade competente e observância da matéria

tributável constitucionalmente indicada.

Seja por conta do princípio do republicano e do pacto federativo, seja

por conta dos direitos fundamentais assegurados aos cidadãos, com especial destaque aos

de propriedade e liberdade, tratou o constituinte originário de regular a matéria tributária

com extrema minúcia, de forma não encontrada em nenhum outro ordenamento jurídico82.

Não só no capítulo atinente ao Sistema Tributário Nacional, mas em toda a Constituição,

verificam-se valores e limites objetivos que orientam a atividade estatal em matéria de

tributação (desde a instituição do tributo até a constituição e exigência do respectivo

crédito tributário).

Da análise sistemática do texto constitucional, é possível vislumbrar

que o exercício da competência tributária não é legitimado tão somente pela observância

do procedimento (no que se inclui a autoridade competente) e da matéria indicada a uma

dada pessoa política. Num Estado Democrático de Direito, tal qual a República Federativa

do Brasil, a atividade legislativa não deixa de ser arbitrária tão somente por se ter

82 Para tanto, ver o ainda atual quadro comparativo elaborado por Geraldo Ataliba. ATALIBA, Geraldo. Sistemaconstitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 89 e seguintes.

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observado os requisitos em causa, sobretudo nas matérias que tocam diretamente os

direitos de liberdade e propriedade dos cidadãos, como a tributária83.

A tributação, pode-se dizer, é a transferência compulsória de parcela

da riqueza individual para os cofres públicos, daí sua relação com a propriedade. Consiste,

também, em estímulo ou desestímulo de comportamentos, quando não praticamente

compulsão, pelo que surte efeitos na esfera de liberdade das pessoas.

Nas constituições modernas, dentre as quais se inclui a brasileira, que

contemplam direitos e garantias fundamentais84, consagrou-se a necessidade de os meios

guardarem proporção com os fins almejados – princípio da proporcionalidade85 86 -, razão

pela qual é possível concluir que as atividades de produção de todas e quaisquer normas,

quer gerais e abstratas, quer individuais e concretas, devem ter uma motivação, uma

finalidade87. Do contrário, restaria prejudicada a verificação de observância desse

princípio (proporcionalidade).

Em sede de doutrina de direito administrativo essa é lição das mais

básicas. Com efeito, esse ramo da ciência do direito verificou na relação entre o ato

administrativo e a coisa pública a necessidade de haver uma finalidade para a realização

daquele88. Num Estado Democrático de Direito, vimos que não somente a atividade da

administração para produção de normas atinentes à coisa pública, mas toda e qualquer83 Ricardo Lobo Torres tece comentários preciosos sobre o assunto: “Com maior precisão, o poder de tributar fincasuas raízes nos incisos XXII e XXIII do art. 5º, que proclamam o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa,fornecendo o substrato econômico por excelência para a imposição fiscal”. LOBO TORRES, Ricardo. Tratado dedireito constitucional financeiro e tributário - os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio deJaneiro: Renovar, 1999, vol. III, p. 21-22.84 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 10.85 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 91.86 O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a existência desse princípio no ordenamento jurídico brasileiro.Ação declaratória de inconstitucionalidade n.º 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.1993.87 Heleno Taveira Tôrres encampou valiosíssimo estudo sobre a questão da motivação (causa) dos acordos devontades, na investigação dogmática das normas jurídicas tributárias e suas relações com as normas de direitoprivado, mormente as criadas mediante exercício da autonomia privada. TÔRRES, Heleno Taveira. DireitoTributário e Direito Privado – autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003, p. 141 eseguintes.88 Por todos, ver BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 8ª ed. São Paulo:Malheiros, 1996, p. 228.

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atividade de produção de normas. O poder de regulação de condutas emana do próprio

destinatário dessa regulação, o povo89. O povo tem, portanto, a prerrogativa de controlar a

proporcionalidade entre meios e fins da atividade de produção normativa, cuja finalidade

última é o bem comum90. A necessidade de se motivar os atos de produção normativa dá-

se pelo fato de que o controle sobre essa atividade terá como referência o motivo que lhe

tenha ensejado.

O exercício da competência tributária deve, portanto, ter uma

motivação prevista implícita ou explicitamente pela Constituição Federal. Em alguns

tributos, tais como as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de

interesse das categorias profissionais ou econômicas, e os empréstimos compulsórios, essa

determinação é expressa. Noutros, ainda que implicitamente, em nosso pensar, essa

exigência é aplicável com igual rigor.

Em trabalho pontual, cujo objeto, numa breve passagem de olhos,

parece consistir simplesmente na análise da denominada CIDE Royalties, Heleno Taveira

Tôrres trouxe valiosa contribuição à ciência do direito constitucional tributário. O

Professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, cuidando dos pressupostos

do exercício da competência tributária, assentou a premissa de que “(...) a

discricionariedade do legislador é limitada, pela consagração da vinculação do ato

legislativo às normas e fins (materiais) da Constituição, para efeito de compatibilidade e

congruência vertical do sistema de normas jurídicas em nosso sistema”91. E prossegue o

Professor, ao tratar do assunto no que toca à matéria tributária: “A própria Constituição

89 São as palavras de Geraldo Ataliba: “Assim – sistematicamente considerados a partir do princípio republicano –surgem a representatividade, o consentimento dos cidadãos, a segurança dos direitos, a exclusão do arbítrio, alegalidade, a relação de administração, a previsibilidade da ação estatal e a lealdade informadora da ação pública,como expressões de princípios básicos lastreadores necessários e modeladores de todas as manifestações estatais”.ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 180.90 Basta verificar que até em sede direito privado, ramo do qual essas diretrizes sempre pareceram distantes, o CódigoCivil atualmente vigente determina que o contrato sempre tem uma função social a cumprir, e que, diante da suainobservância, o negócio jurídico restará fulminado pelo vício de nulidade. Código Civil, artigo 421.91 TÔRRES, Heleno Taveira. Pressupostos constitucionais das contribuições de intervenção no domínio econômico.A CIDE-Tecnologia. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Grandes questões atuais de direito tributário, 7º vol.São Paulo: Dialética, 2003, p. 119.

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Federal já demarcou em angustas fronteiras os limites da ação legiferante, formal e

materialmente, porque os motivos para a instituição de um ou outro tributo já estão

objetivamente definidos como sendo os critérios necessários para a qualificação da

tipologia do tributo que se queira instituir, dentre os tantos possíveis no elenco

constitucional (imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório,

contribuição ou imposto extraordinário), conforme os procedimentos adequados”92 93.

Nas taxas, a motivação constitucional para sua instituição consiste na

obtenção de recursos para fazer frente à prestação ou colocação à disposição de serviços

públicos específicos e divisíveis, e o exercício do poder de polícia. Na contribuição de

melhoria, a recuperação do custo de obra pública que tenha propiciado a valorização dos

imóveis adjacentes. No empréstimo compulsório e nas contribuições, o atendimento de

finalidades pré-estabelecidas, como criação de previdências, investimentos relevantes,

intervenção no domínio econômico. E nos impostos, salvo com relação aos vulgarmente

denominados “extrafiscais”, a formação do orçamento, para fazer frente às despesas gerais

do Estado.

É salutar que deixemos mais do que claro que a motivação, finalidade

constitucional, não é da norma tributária, é da ação legislativa. A norma tributária tem

como única finalidade a constituição de obrigações tributárias. Nada mais! Tal distinção

faz-se imprescindível, haja vista nossa orientação não se fundamentar nas lições - já há

longa data superadas - acerca da causa dos tributos – causa impositionis -, propagadas por

Enno Becker, Griziotti e seus discípulos. A se admitir o contrário, restariam flexibilizados

os direitos fundamentais assegurados aos cidadãos no tocante à matéria tributária, uma

vez que a interpretação finalística da norma pode dar lugar ao princípio da legalidade

92 TÔRRES, Heleno Taveira. Pressupostos constitucionais das contribuições de intervenção no domínio econômico.A CIDE-Tecnologia. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Grandes questões atuais de direito tributário, 7º vol.São Paulo: Dialética, 2003, p. 119-120. 93 Desse mesmo autor, ver também: O regime constitucional da não-cumulatividade das contribuições sobrefaturamento e receita (PIS e COFINS) e a incidência sobre importações de mercadorias e serviços. Repertório deJurisprudência IOB. São Paulo: IOB, 2004, nº 10, vol. 1, p. 382.

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material ou tipicidade94, o que, à luz do Sistema Constitucional Brasileiro é

terminantemente proibido95. Limita-se a motivação a autorizar o exercício da competência

e a orientar o legislador, em maior ou menor medida, quanto ao conteúdo da norma, a

depender do tributo que se está tratando.

Face aos comentários acima, cabe fazer um aparte, a fim de que não

sejamos mal compreendidos.

O cânone da igualdade é princípio constitucional, mais do que isso, é

a própria Constituição, nos dizeres de José Souto Maior Borges96. As normas, em última

análise, nada mais fazem do que discriminar situações.

Se assim é, no que consiste então o comando do princípio da

igualdade? Seguindo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, entendemos que esse

princípio consiste em proibição de desequiparações fortuitas ou injustificadas, o que pode

ser medido mediante a investigação de três fatores: i) critério discriminatório; ii) relação

entre este e a discriminação – justificativa; iii) fundamento da justificativa em valores

constitucionalmente protegidos97. Existindo critério discriminatório, relação lógica entre

este e a discriminação e afinamento desta relação/justificativa com os valores

constitucionalmente protegidos, observado está o princípio da igualdade.

94 Este princípio, que no Brasil foi acuradamente analisado por Alberto Xavier e Misabel Abreu Machado Derzi, temcomo destinatários tanto o legislador quanto os agentes administrativos. Ao legislador, à medida que, para instituir otributo, deve prever todos elementos essenciais à incidência tributária, quer da hipótese, quer do conseqüente (tese)da norma geral e abstrata. Aos agentes administrativos, que somente podem constituir normas individuais e concretasmediante a subsunção de fatos que guardem total e absoluta correspondência à descrição (notas) prevista na hipóteseda norma tributária geral e abstrata, oportunidade em que a respectiva obrigação também deverá ser constituída nosestritos termos do conseqüente (tese) da norma geral e abstrata. DERZI, Misabel de Abreu Machado. In:BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 134-135; XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 86.95 Constituição Federal, artigo 60, § 4º.96 BORGES, José Souto Maior. A isonomia tributária na Constituição Federal de 1988. Revista de direito tributário,n.º 64. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 14.97 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 18-22.

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À luz das considerações acima, temos que a motivação constitucional

do exercício da competência tributária pode ser legítimo critério discriminatório98 entre

contribuintes em sede de quaisquer tributos, exceto nos impostos cuja motivação do

exercício da respectiva competência seja o fomento de despesas gerais do Estado. Nestes,

por força constitucional (Constituição Federal, artigo 145, § 1º), a distinção

(discriminação) entre contribuintes somente pode ser promovida em função da capacidade

contributiva.

No caso dos impostos vulgarmente denominados “extrafiscais”, a

discriminação deixa de basear-se na capacidade contributiva e passa a ser na motivação

constitucional do exercício da competência (controle de saída de divisas do País, por

exemplo). Humberto Ávila lembra bem que, nesse caso, o dever de observância da

capacidade contributiva ainda remanesce, não como critério de diferenciação, mas como

contraponto e parâmetro de ponderação entre finalidades e bens dialeticamente

implicados. A finalidade extrafiscal, destaca este autor, “(...) só justifica o tratamento

desigual se atingir casos excepcionais ou muitos casos mas com intensidade mínima” 99.

Feitos os devidos esclarecimentos, continuemos centrando nossas

atenções nos impostos. A Constituição determina seja a motivação/finalidade primeira da

instituição (ação legiferante) destes a formação do orçamento para fazer frente às despesas

gerais do Estado. Outras pode haver, mas fiquemos somente com esse caso. Na situação

em causa não há espaço para a motivação orientar a ação legislativa quanto à

materialidade dos impostos já previstos pelo texto constitucional. Pode haver com relação

a impostos instituídos pela União mediante exercício da competência residual. No entanto,

em análise acurada das materialidades indicadas na Constituição, verificamos somente

uma possibilidade não prevista, qual seja, a cessão onerosa de direitos, desde que não

atinentes a bens imóveis. Com isso, no caso em tela, podemos afirmar que praticamente

98 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 23. 99 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 110-111.

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não há meios de a motivação constitucional orientar o legislador a instituir a materialidade

desta ou daquela forma. As possibilidades já se encontram previstas no texto

constitucional.

Se isso ocorre com a materialidade dos impostos em geral, o mesmo

não se dá com a eleição dos contribuintes. A finalidade que legitima a instituição (ação

legislativa) do imposto é a geração de recursos para que o Estado possa fazer frente às

despesas necessárias ao exercício de sua função maior – propiciar o bem comum. Somente

podem ser chamados a contribuir com a formação das receitas para esse fim aqueles que

participem de alguma forma da vida do Estado e, portanto, possam gozar as vantagens que

este propicia. Ou seja, são elegíveis a praticarem o fato jurídico tributário de um dado

imposto, aqueles que de alguma forma sejam beneficiários da ação estatal.

Ao que nos parece, Alfredo Augusto Becker100 seguiu essa mesma

orientação quando cuidou do conceito de Estado. Segundo esse autor, o Estado é uma

relação constitucional, formada por outras duas relações: uma, de administração; outra, de

tributação. Na primeira o Estado ocupa o pólo negativo e o administrado o positivo, ao

passo que, na segunda, vice-versa, destacando que somente pode existir essa segunda

relação se e somente se existir a primeira.

São as palavras de Becker: “Logicamente, não pode haver Direito

sem correlativo Dever e vice-versa. Também na relação constitucional isto ocorre: os

deveres tributários têm como correlativos os direitos administrativos”. E arremata o

raciocínio esclarecendo a questão da correlação entre direitos administrativos e direitos

tributários: “Na relação constitucional jurídica a correlação entre os deveres tributários e

os direitos administrativos é regida pelo princípio da igualdade geométrica. Em todas as

demais relações jurídicas a correlação entre os seus respectivos deveres e direitos é regida

pelo princípio da igualdade aritmética. Por isto, foi demonstrado que na relação

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constitucional haverá, sempre e necessariamente, uma aritmética desigualdade entre o

montante dos tributos (deveres tributários) pagos por um indivíduo e o montante de sua

participação na partilha do Bem Comum (direitos administrativos)”.

Irretocável o raciocínio do citado autor. Somente é possível se

instaurar deveres tributários quanto a sujeitos que possam gozar os frutos da atuação

administrativa. Conquanto uma coisa não se relacione com a outra em termos de

quantificação, é possível até que um dado sujeito goze ou possa gozar os frutos dessa

atuação, mas não seja chamado a contribuir com a formação da receita pública.

A obrigação tributária decorre do fato eleito pela lei para lhe dar

ensejo, fato este cujo arquétipo possível é previsto na Constituição, e não do fato de o

respectivo contribuinte gozar as vantagens propiciadas pela atuação estatal. Daí porque a

dívida tributária ser calculada não em função da atividade administrativa101, mas sim do

fato eleito pelo legislador para dar origem à obrigação tributária102. Se prestação de

serviços, o preço destes, se venda de mercadoria, o valor desta operação, e assim por

diante.

Mais uma vez, com essa postura, nos mantemos completamente

afastados do modelo teórico de Griziotti e Enno Becker. Por não terem feito essa

distinção, doutrinadores como Claudio Sacchetto103 104fulminaram a possibilidade de a

atividade estatal justificar a territorialidade. Segundo essa corrente, a se adotar a

orientação por nós indicada, a capacidade contributiva não seria mais aferida por meio do

101 Nas taxas e na contribuição de melhoria, há uma especificação e individualização da atividade administrativa, detal sorte que a base de cálculo daquelas exações guarda estreita relação com esta última. Com efeito, nas taxas, a basede cálculo possível é o custo do serviço, ou de sua colocação à disposição do contribuinte, ou, ainda, o custo doexercício do poder de polícia. Na contribuição de melhoria, a valorização do bem imóvel, limitada ao custo da obraque lhe compete.102 MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto tributario. Torino: Utet, 1989, p. 17.103 O autor considera a territorialidade material, à luz do ordenamento italiano, um primado constitucional, todavia,por razões diversas das nossas. SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopadia del diritto.Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 315-317, 1989.104 Em sentido análogo ao nosso, mas tendo por escopo o ordenamento italiano, ver: LUPI, Raffaello. Territorialitàdel tributo. Enciclopedia giuridica. Roma: v. XXXI, p. 3.

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fato descrito, mas sim em função do benefício que a atuação estatal propicia ao

contribuinte. Compreende-se a preocupação do citado autor, mas esta não se justifica face

aos argumentos ora esposados.

Utilizando-se, aqui, de instrumental lógico, pode-se dizer que, nos

impostos, há uma relação condicional entre a respectiva motivação constitucional de sua

instituição e o contribuinte eleito. Se contribuinte de imposto, então beneficiário efetivo

ou potencial da atuação estatal. Ou seja, ser contribuinte é condição necessária de ser

beneficiário efetivo ou potencial da atuação estatal, que assumiria foros de condição

suficiente.

Como dissemos anteriormente, o Estado tem como referência

primordial para a regulação das condutas intersubjetivas o território que lhe corresponda.

E não é diferente com relação à sua atuação.

Pode-se afirmar que os sujeitos direta e pessoalmente relacionados a

fatos que guardem algum tipo de conexão com o território do Estado é que são, de alguma

forma, os beneficiários efetivos ou potenciais de sua atuação e, portanto, potenciais

titulares de deveres tributários. Sujeitos nessa situação estão aptos a praticar fatos que

denotem capacidade contributiva e serem intitulados contribuintes de impostos.

Os vínculos de cidadania, nacionalidade ou naturalidade, a nosso ver,

não podem, no ordenamento jurídico brasileiro, ser utilizados como parâmetros para a

verificação de existência ou não de relação da pessoa com o território. Isso porque, em

alguns casos, a pessoa pode romper todo e qualquer laço com o território ao qual se refira

o ordenamento e mesmo assim continuar a ter a cidadania, nacionalidade ou naturalidade.

Aliás, apenas a título ilustrativo, poucos países adotam a cidadania como parâmetro para

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se identificar existência relação com o Estado (não com o território)105, dentre os quais se

destaca os Estados Unidos da América.

A residência ou domicílio, por pressuporem vínculo com o território,

seja mediante presença física - corpus, seja mediante animus, são critérios apropriados

para se verificar a existência ou não de relação subjetiva com um dado território106. A

possibilidade de aplicação desses critérios deve ser avaliada em função de cada tributo

especificamente e de sua motivação constitucional.

No caso do imposto sobre a propriedade de bem imóvel localizado

em perímetro urbano – IPTU -, os benefícios propiciados ao seu proprietário são

motivados pelo imóvel e não em função de sua condição pessoal. Mais, esses benefícios,

por serem motivados pelo imóvel, materializam-se no território do município onde este se

localize. Destarte, é nosso entendimento que é indiferente a qualificação do proprietário

do imóvel para se determinar o município competente, que será aquele onde o imóvel

estiver localizado.

Pelas razões acima expostas, no Brasil, a motivação constitucional

para a instituição de impostos determina que somente possam ser tributados fatos que

guardem algum tipo de relação com o território da pessoa política correspondente,

independentemente de qual se esteja tratando107. Em outras palavras, entendemos, com

convicção, que a territorialidade material, no Brasil, é limite objetivo previsto no texto

constitucional ao exercício da competência tributária.

105 Consistiria, então, não mais numa relação territorial, mas sim política. SACCHETTO, Claudio. Territorialità –diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 313-314, 1989.106 Constatamos que essas condições – residência e domicílio – são os critérios preponderantemente utilizados pelosEstados como meio para se aferir a existência de laços entre pessoas e seus respectivos territórios, para fins detributação da renda.107 São as palavras de Sampaio Dória: “Pouco importa que de tributação assim legitimada resulte duplicidade deimposições. O que se busca, com a restrição pelo direito interno da competência tributária no campo internacional,não é tanto prevenir a ocorrência de bitributações (para o que existem os tratados), mas sim a incidência fiscal sobrematérias ou pessoas totalmente alheias ao Estado que as grava”. SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Direitoconstitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p.108.

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Face aos comentários até agora tecidos, no tocante às rendas dos não-

residentes, especificamente, veremos ao longo do presente trabalho somente podem ser

tributadas pelo Estado Brasileiro aquelas que tenham sua fonte de produção no território

correspondente, restando afastada, por força constitucional, a possibilidade de a União

tributar, por exemplo, renda auferida por sujeito residente na China, produzida em

território chinês.

2.4 Critério de conexão

2.4.1 Considerações gerais

O critério de conexão, muito provavelmente por influência dos

estudos de direito internacional privado, tradicionalmente foi considerado como

enunciado prescritivo ou mesmo norma indicativa do ordenamento que deve regular uma

dada relação jurídica108. Vale dizer, seja sob a forma de mero enunciado, seja sob a forma

de norma, o critério de conexão, à luz da doutrina de direito internacional privado, teria

como função precípua a resolução de conflito de leis no espaço, orientação esta

extensível, na visão de muitos autores109, às normas de direito tributário internacional e

direito internacional tributário.

Só há conflito de normas no espaço quando há possibilidade de

discussão acerca de norma de que Estado aplicar-se numa dada situação. Se a norma do

próprio Estado incumbido de praticar o ato coercitivo ou se a de outro.

No direito privado, em matéria de fatos dotados de elementos de

estraneidade, é possível tomar como regra a possibilidade de uma norma de um Estado

108 STRENGER, Irineu. Direito internacional privado: parte geral, 2ª ed. São Paulo: RT, 1991, vol. I, p. 286.109 Por todos, ver: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,p. 65-84.

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produzir efeitos no território de outro, bastando que as partes da relação jurídica assim

acordem. Teríamos nessa situação, então, a possibilidade de haver conflitos de normas no

espaço.

Pelo fato de, no que tange a normas de direito público, a orientação

ser em sentido absolutamente oposto, em nosso pensar, não há espaço para conflitos de

normas nessa seara. O que existe é tão somente a verificação de que um fato guarda

conexão somente com um ordenamento e, portanto, somente por este possa ser regulado;

ou não, que guarda com mais de um e, portanto, por mais de um assim possa ser. Em

matéria tributária é fácil a percepção desse espírito, mormente em sede de direito

internacional tributário. Os acordos de vontades para evitar a dupla não resolvem conflitos

de normas, tão-somente indicam a que ordenamento deve se submeter um dado fato

dotado de elemento de estraneidade que guarde conexão com mais de um dos Estados

contratantes. Nem de longe cuida-se essa situação de produção de efeitos de norma

(constituição e exigência do crédito tributário mediante a constituição de uma norma

jurídica individual e concreta) de um Estado no domínio territorial de outro110 111.

Concurso de pretensões impositivas, sim. Conflito de normas, jamais.

110 Por essa razão, acompanhamos, sem qualquer ressalva, o entendimento de Heleno Taveira Tôrres sobre o tema,que aproveitamos para transcrever: “Não prestigia o bom rigor metodológico quem trata o concurso de pretensõesimpositivas como espécie de ‘conflito de normas’. O concurso de pretensões fiscais, plasmado em normas individuaise concretas, não cria qualquer ‘conflito’ de normas. O concurso de pretensões sobre uma matéria sujeita à tributação,para, ulteriormente, a atividade tributária interna (de cada um dos Estados) constituir os respectivos créditostributários, não gera nenhum conflito impositivo, de dúvida sobre qual disciplina adotar ou sobre qual norma deva seraplicável, ser decidida pelos critérios de uma dada ‘norma de conflito’. Por todas essas razões, concluímos nãoexistir, para o Direito Tributário Internacional ou para o Direito Internacional Tributário, qualquer hipótese deaplicação de norma estrangeira que venha a ser decidida por uma norma de conflito, para a resolução de concursos depretensões impositivas”. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ªed. São Paulo: RT, 2001, p. 116-117. Ver também: PIRES, Manuel. Da dupla tributação jurídica internacionalsobre o rendimento. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1987, p. 80; GARBARINO, Carlo. La tassazione del redittotransnazionale. Padova: Cedam, 1990, p. 441-443.111 Em sentido contrário, ver especialmente: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Riode Janeiro: Forense, 2002, p. 75.

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Afastada, então, a possibilidade de se tomar o critério de conexão

como norma ou enunciado prescritivo indicativo da norma de qual Estado ser aplicável a

uma determinada relação jurídica, nos resta, então, identificar que acepção assume esse

vocábulo em matéria tributária112.

2.4.2 Definição de critério de conexão

Utilizando-se a experiência brasileira para fazermos nossas

considerações, restou demonstrado que determina o ordenamento jurídico brasileiro

somente um fato relacionado ao seu território pode subsumir-se a uma norma deste e

implicar o nascimento de uma obrigação tributária. A partir desse modelo, aplicável a todo

e qualquer ordenamento que adote a territorialidade material como limite objetivo ao

exercício da competência tributária, tem-se o critério de conexão como notas

informadoras do conteúdo da norma geral e abstrata que, quando configuradas

concretamente, localizam um dado fato no espaço e deflagram relação deste com o

território de um dado ordenamento113.

Segundo Alberto Xavier: “Os elementos de conexão consistem nas

relações ou ligações existentes, os objetos e os fatos com os ordenamentos tributários,

distinguindo-se em subjetivos, se se reportam às pessoas (como a nacionalidade ou a

112 LONGO, Caterina. La territorialità iva delle prestazioni di servizi tra modello comunitario e nazionale. Bologna:Università degli studi di Bologna, p. 4.113 Essa definição, a nosso ver, por já tomar em conta o processo de construção de sentido pronto e acabado, isto é, anorma jurídica, é mais preciso do que o adotado por alguns autores que identificam o critério de conexão comoenunciado prescritivo, assim considerado anteriormente à articulação com outros enunciados, processo final daconstrução da norma. É pouco preciso dizer que de enunciado prescritivo cuida-se o critério de conexão. Dado queeste último é elemento da norma, não há mais como identificá-lo como enunciado prescritivo. As notas que formam anorma decorrem da articulação de enunciados prescritivos devidamente saturados de conteúdo de significação, mascom estes não se confundem Em sentido favorável ao nosso, ver: MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios deconexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacionalaplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 346. Sobre o processo de construção de sentido, ver as lições de Paulode Barros Carvalho. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 109-110.Como principal expoente da corrente com a qual não concordamos, ver: GARBARINO, Carlo. La tassazione delreddito transnazionale. Padova: Cedam, 1990, p. 143 e seguintes.

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residência), ou objetivos, se se reportam às coisas e aos fatos (como a fonte de produção

ou pagamento da renda, o lugar do exercício da atividade, o lugar da situação dos bens, o

lugar do estabelecimento permanente, o lugar de celebração de um contrato)”114.

O conceito do citado jurista elucida as notas que podem corresponder

ao critério de conexão, o que nos permite verificar que a relação entre um fato e um

território pode dar-se, ou em função do sujeito que o pratique, ou em função desse fato

poder ser considerado ocorrido nesse território115. Como bem demonstrado por Alberto

Xavier116, nessa última circunstância – ocorrência do fato no território -, o critério de

conexão varia em função do tributo que se está tratando. Assim, o critério de conexão

pode assumir apenas duas feições: uma pessoal; outra, objetiva ou material.

2.4.3 Relação entre critério de conexão e a regra-matriz de

incidência

A norma jurídica em sentido estrito é proposição que prescreve

comandos que regulam condutas intersubjetivas mediante a ocorrência de um fato por ela

previsto. Para que corresponda a uma unidade de manifestação do deôntico117, carece a

norma de mínimas informações para a regulação das condutas intersubjetivas. Em matéria

tributária, especificamente, necessita-se identificar o fato que desencadeia a obrigação,

quem e a quem se deve pagar a dívida tributária, e quanto se deve pagar. Em sede de

normas gerais e abstratas essas informações correspondem a notas que permitirão realizar-

se a subsunção do fato que possua as propriedades por elas indicadas, bem como o

surgimento da respectiva obrigação tributária.

114 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 218.115 BRADLEY ALVES, Taciana Stanislau Afonso. O princípio da renda mundial no direito brasileiro. In: TÔRRES,Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 608.116 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 269-273.117 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 57-76.

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Concordamos em gênero, número e grau com Sacha Calmon Navarro

Coêlho118, para quem o estudo da estrutura da norma jurídica tributária na literatura

hispano-lusitana encontrou em Paulo de Barros Carvalho seu maior expositor119. Este

último autor analisou e dissecou os elementos mínimos formadores da norma-padrão de

incidência tributária, convencionando denominá-la “regra-matriz de incidência tributária”,

terminologia que passaremos a utilizar daqui por diante. A despeito de o modelo teórico

aplicar-se quer a normas gerais e abstratas, quer a individuais e concretas, o utilizaremos

no presente trabalho somente com referência à primeira categoria.

Em sua análise120, Paulo de Barros Carvalho identificou que a regra-

matriz de incidência, de qualquer tributo que seja, possui a seguinte estrutura:

Critério MaterialHIPÓTESE Critério Espacial

Critério Temporal

Critério Pessoal:- sujeito ativo- sujeito passivo

118 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.382.119 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998; Curso de direitotributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000; Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo:Saraiva, 1998.120 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 124 a 171.

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CONSEQÜENTE Critério Quantitativo- base de cálculo- alíquota

Hipótese e conseqüente121 são relacionados (relação condicional) por

meio de um functor deôntico, que caracteriza a imputação jurídico-normativa122. Vale

dizer, se a hipótese, então o conseqüente123.

A hipótese corresponde a notas124 mínimas, mediante as quais se

descreve um fato de possível ocorrência, que, se ocorrido, resultará numa conseqüência –

obrigação tributária. Para Paulo de Barros Carvalho, as notas mínimas para identificação

de um fato ocorrido concretamente referem-se ao comportamento ou estado de uma

pessoa, condicionado no tempo e no espaço, e podem ser agrupadas em classes, ou

melhor, critérios, designadamente material, temporal e espacial.

Já o conseqüente corresponde a notas mínimas125 que, mediante a

subsunção de um dado fato à hipótese, permitirão o nascimento da relação jurídica pela

qual o sujeito ativo terá o direito subjetivo público de exigir do sujeito passivo uma dada

121 Os critérios, quer da hipótese, quer do conseqüente, serão analisados um a um e com maior detalhamento quandotratarmos da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda devido por não-residentes.122 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 236.123 Segundo Lourival Vilanova: “É a norma mesma, é o Direito positivo que institui o relacionamento entre odescritor (hipótese) e o prescritor (tese). Agora, uma vez posta a relação, uma vez normativamente constituída, arelação de implicação, como relação lógico-formal, obedece às leis lógicas. Assim, se se dá a hipótese, segue-se aconseqüência; se não se dá a conseqüência, necessariamente não se dá a hipótese (“se p, então q”, “se não-q, entãonão-p”)”. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad,1997, p. 97. Ver também: BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária: uma introdução metodológica, 2ª ed.São Paulo: Malheiros, 1999, p. 20.124 Tais notas são selecionadas pelo legislador ao instituir um tributo, seleção esta cujos limites encontram-serigidamente fixados na Constituição Federal, quando compartilha e delineia a competência tributária das pessoaspolíticas, bem como nas normas gerais de direito tributário, mormente no Código Tributário Nacional, na sua funçãode sistematização de todo o esquema dos procedimentos de tributação, a coordenação dos distintos tributos e aregulação dos direitos dos contribuintes no campo dos procedimentos. Sobre a questão das normas de direitotributário nesse tocante, ver: TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funçõesdas leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo:Dialética, 2001, p. 87.125 Assim como no caso da hipótese, o legislador somente pode selecionar as classes de notas do conseqüente daregra-matriz de incidência dentro dos estritos limites previstos pela Constituição, ainda que esses limites estejamimplícitos no texto constitucional.

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quantia a título de tributo - obrigação tributária126. Para tanto, segundo Paulo de Barros

Carvalho, as notas devem permitir pelo menos a identificação dos sujeitos (ativo e

passivo) da relação em causa, bem como a apuração do montante da dívida (base de

cálculo e alíquota), e podem ser acomodadas em critérios, designadamente pessoal e

quantitativo.

Conquanto somente mediante a configuração no mundo real das notas

correspondentes ao critério de conexão127 faz-se possível haver incidência tributária

(subsunção do fato à hipótese da regra-matriz de incidência), sobretudo nos impostos

cujos fatos jurídicos tributários sejam dotados de elemento de estraneidade128, entendemos

ser esta informação essencial à existência da norma. Sem ela, resta prejudicada a

manifestação do deôntico e, portanto, a existência da norma jurídica. Não por outra razão,

entendemos que, por força constitucional, a regra-matriz de incidência deve, em sua

hipótese, possuir notas (critério de conexão) que permitam subsumam-se à ela somente

fatos que guardem relação com o território da pessoa política que a tenha editado129.

Já demonstramos que são duas as possibilidades de critério de

conexão, a saber, pessoal e objetiva/material. Diante dessa constatação, a fim de que não

seja a primeira possibilidade tolhida, o que, se acontecesse, representaria afronta à

Constituição, imperioso concluir que a regra-matriz deve possuir um critério pessoal, de

tal sorte que seja possível a adoção do critério de conexão subjetivo correspondente130.126 A conduta objeto das relações jurídicas em geral, necessariamente, é modalizada por um dos três operadoresdeônticos, a saber: obrigatório (O), permitido (P) ou proibido (V). Por razões lógicas, não há um quarto modal, de talsorte que a conduta objeto da relação jurídica somente pode assumir uma dessas três feições. O functor deôntico queliga hipótese normativa e conseqüente normativo, conhecido como operador intranormativo, é neutro, enquanto que ooperador intra-relacional é necessariamente modalizado.127 Por determinação do princípio da territorialidade material.128 E por ser a territorialidade material limite objetivo ao exercício da competência tributária, o critério de conexãoacaba por ser critério de outorga desta. Ver: MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura danorma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo:Quartier Latin, 2003, p. 345.129 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 98-99.130 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.382-385; Noções da fiscalidade internacional. Movimento editorial da faculdade de direito da Universidade Federalde Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998, p. 3;JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985. p. 50-52; QUEIROZ,

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Page 53: RENATO NUNES - PUC-SP

Nos fatos ocorridos fora dos limites territoriais do Estado Brasileiro,

estes só ganham sentido se conotados com certas qualidades das pessoas. É o caso da

tributação da renda em bases universais, em que isso somente se faz possível mediante a

qualificação do sujeito que a aufere. Sendo o contribuinte qualificado como residente

neste País, tem-se a possibilidade de suas rendas auferidas ultraterritorialmente serem

tributadas no Brasil.

Em outras situações os atributos ou qualificações da pessoa direta e

pessoalmente relacionada ao fato jurídico tributário são determinantes para a delimitação

da regra-matriz de incidência. Aristóteles Moreira Filho expõe alguns exemplos dessa

natureza. Segundo este autor: “Não menos demonstrativos da necessidade do critério

pessoal no antecedente normativo são os enunciados que compõem negativamente a regra-

matriz de incidência tributária, especialmente aqueles resultado da projeção de imunidades

(enunciados competenciais, constitucionais) e isenções (enunciados legais, de norma de

conduta), quando se dirigem a determinada classe de pessoas (v.g. entidades

assistenciais). Decerto, estas modalidades de desoneração tributária, por operarem

preventivamente à incidência normativa, não podem constar do conseqüente da norma

impositiva; somente a retirada dos fatos ou pessoas do antecedente pode prevenir a

incidência e viabilizar a desoneração implicada por imunidade e isenções, porque se

preenchidas as condições da hipótese, fatalmente serão imputados os efeitos da tese”.

A ausência do critério pessoal, na hipótese, implica inexistência da

norma, por lhe faltarem requisitos mínimos de incidência, razão pela qual discordamos do

posicionamento de Paulo de Barros Carvalho acerca do tema.

Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 169 e seguintes; MOREIRAFILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.),Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 337-339.

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Verificamos que o critério de conexão informa a regra-matriz de

incidência, todavia não como uma classe autônoma. Deveras, as notas correspondentes ao

critério de conexão ora acomodam-se no critério pessoal da regra-matriz – conexão

subjetiva -, ora no critério espacial – conexão material.

Independentemente do critério de conexão que se esteja tratando,

subjetivo ou material, este sempre informará o alcance do critério espacial da regra-

matriz. Já não se pode dizer que a recíproca seja verdadeira, isto é, que o critério de

conexão material sempre qualificará o critério pessoal. Nos impostos sobre a propriedade

de bem imóvel, por exemplo, o critério de conexão será a localização do respectivo bem.

O critério pessoal mantém-se intacto nesse caso.

No caso de uma conexão pessoal com o território, a verificação in

concreto das notas qualificadoras do contribuinte é que deflagará a relação entre o fato

jurídico tributário e aquele. É o caso que ilustramos acima, da tributação no Brasil da

renda auferida fora de seus limites territoriais. Mediante a qualificação do contribuinte

como residente, essa propriedade deflagra relação sua com o território, autorizando a

tributação de sua renda em bases mundiais. Ou seja, no critério pessoal da regra-matriz

acomodar-se-ia o critério de conexão. Mas não só. O critério de conexão informa o

critério espacial da regra-matriz ora tratada, determinando a possibilidade de o fato

ocorrer ultraterritorialmente.

Cuidando-se de uma conexão objetiva, material, a verificação in

concreto das notas configurará a ocorrência do fato no território, autorizando o

ordenamento que lhe corresponda a regulá-lo (fato). Nesse caso, a nota da hipótese que

permite a localização do fato seria o critério de conexão, a qual se acomodaria no critério

espacial da regra-matriz. É porque o fato ocorreu no território do ordenamento que há

relação entre eles. Esse é justamente o caso de não-residente que aufere renda em

território brasileiro, que analisaremos especificamente a partir do Capítulo 3 do presente

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Page 55: RENATO NUNES - PUC-SP

trabalho. A fonte da respectiva renda permite identificar seu local de ocorrência, de modo

que, localizando-se a fonte em território brasileiro, este País está autorizado a gravar as

rendas obtidas por não-residentes. O critério de conexão objetivo, material, neste caso,

qualifica o critério pessoal – sujeito não-residente.

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Page 56: RENATO NUNES - PUC-SP

3. CRITÉRIOS DE CONEXÃO FACE À RIGIDEZ DO SISTEMA

CONSTITUCIONAL BRASILEIROSumário: 3.1 Considerações gerais – 3.2 Rigidez e exclusividade das competências

tributárias: 3.2.1 Competência tributária e a forma do Estado Brasileiro; 3.2.2

Competência tributária e os direitos fundamentais – 3.3 Rigidez e critérios de conexão –

3.4 Lei complementar tributária: 3.4.1 Lei complementar tributária e critérios de conexão.

3.1 Considerações gerais

O Estado necessita de recursos para que possa desempenhar as funções que

motivam sua existência. Um dos instrumentos para tanto é a cobrança de tributos. Com o

Estado Constitucional nasce a modalidade do Estado Fiscal, que realiza despesas públicas

em favor de um patrimônio público, suportado num orçamento, tudo consentido pelo povo

por meio de seus representantes. Nesses termos, limitando a liberdade e a propriedade,

deve a cobrança de tributos ser feita mediante um procedimento devidamente aprovado

pela sociedade – due process of law. Estado e contribuinte, com isso, encontram-se no

mesmo patamar, isto é, ambos submetidos à lei e à jurisdição.

Falar-se em instituição e regulação da fiscalização e arrecadação de tributos

é falar de competência legislativa (soberania popular institucionalizada). E é disso que

trataremos nesse Capítulo, das características dessa competência legislativa131 no Sistema

Constitucional Brasileiro, denominada pela dogmática jurídica competência tributária, e

de suas implicações quanto à eleição de critérios de conexão que possibilitem a tributação

de um dado fato por um ordenamento, sobretudo os dotados de elemento de estraneidade.

Já tecemos algumas considerações sobre o tema ao longo do trabalho, e a elas

retornaremos, todavia, com maior profundidade, já que se cuida de tópico próprio para

analisarmos o assunto.

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No Brasil, um Estado Democrático de Direito, sob a forma de República

Federativa, federalismo (descentralização de poder) e república (coisa pública)

encontram-se no direito de o Estado instituir tributos (autonomia financeira) e no respeito

aos direitos fundamentais. Por essa razão, não haveria alternativa, senão o próprio texto

constitucional dispor sobre competências tributárias. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira

de Mello132: “Qualquer que seja, porém, o processo histórico pelo qual se originou um

Estado federal, os seus poderes emanam de constituição que, promulgada em nome do

Estado federal, constitui a lei fundamental da nova organização política. A distribuição de

competências em tal forma de Estado é sempre feita na própria Carta Federal”.

A Constituição não institui este ou aquele tributo, mas tão só outorga

competências legislativas, o que se convencionou denominar “discriminação

constitucional de rendas”, que, para nós, se configura como discriminação de

competências tributárias133.

Nessa discriminação, pois, é dado que o constituinte brasileiro tratou do

Sistema Tributário de maneira rígida, procedendo a uma exaustiva enunciação de

dispositivos tendentes a disciplinar a ação de tributar através de outorgas de competência,

vedações ou limitações. A rigidez constitucional é critério sombranceiro para o

atingimento do ideal republicano, razão pela qual faz-se obrigatória a transcrição das

lições de Geraldo Ataliba134, que nortearão todo o espírito do presente Capítulo: “(...) em

contraste com os sistemas constitucionais tributários francês, italiano ou norte-americano,

por exemplo, o constituinte brasileiro esgotou a disciplina da matéria tributária, deixando

à lei, simplesmente a função regulamentar. Nenhum arbítrio e limitadíssima esfera de

discrição foi outorgada ao legislador ordinário. A matéria tributária é minuciosamente

132 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A natureza jurídica do Estado Federal. São Paulo: Prefeitura doMunicípio de São Paulo, 1948, p. 74.133 APOCALYPSE, Sidney Saraiva. O município e o imposto sobre o solo criado. Revista de estudos tributários, n.º1. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 29.134 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 18.

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tratada pela Constituição Federal, sendo o nosso sistema tributário todo moldado pelo

próprio constituinte, que não abriu à lei a menor possibilidade de criar coisa alguma – se

não expressamente prevista – ou mesmo introduzir variações não, prévia e explícitamente

(sic), contempladas. Assim, nenhuma contribuição pode a lei dar à feição do nosso

sistema tributário. Tudo foi feito e acabado pelo constituinte”. E nem poderia ser de outra

forma. Como bem nos ensina Aliomar Baleeiro135: “O sistema tributário movimenta-se sob

complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso

detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais”.

Antes de adentrarmos em nossa análise, mister registrar que não será

cuidada, aqui, da rigidez da Constituição, mas sim da discriminação de competências

tributárias, que, como veremos, é garantida por aquela. As constituições rígidas,

estabelecendo limites aos poderes governamentais, restringem a órbita dentro da qual

estes devem agir, e proclamam a superioridade dos dispositivos constitucionais sobre

todos os demais elementos do ordenamento jurídico, aos quais estes precisam ser

conformes136. Discriminação rígida de competências significa esta ser feita

separadamente, em termos expressos, unívocos e inconfundíveis, a cada uma das pessoas

políticas, de tal sorte que para cada uma destas se configure uma área nítida e definida137.

Contrapõe-se a esta última, a discriminação elástica, feita por meio de princípios

genéricos, cabendo ao legislador infraconstitucional circunscrevê-la138.

135 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Anotado por Misabel de AbreuMachado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 2.136 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A teoria das constituições rígidas. São Paulo: José Bushatsky, 1934,p. 35-36; ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 110.137 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 24.138 É o caso típico dos Estados Unidos da América.

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3.2 Rigidez e exclusividade das competências tributárias

3.2.1 Competência tributária e a forma do Estado Brasileiro

Já asseveramos anteriormente que a forma do Estado Brasileiro é a

federação com autonomia dos municípios139. Cada pessoa política integrante do Estado

Brasileiro é autônoma, ou seja, encontra fundamento de validade na Constituição. Mas

não é suficiente a autonomia política sem que haja também autonomia financeira. Aquela

inexiste sem a última. O único remédio contra isso é prever-se fontes de receitas às

pessoas políticas, dentre as quais, historicamente, a tributária tem sido a principal delas140.

Conquanto coexistam na federação competências partilhadas entre

ordens jurídicas parciais141, essas competências são caracterizadas pela

incomunicabilidade das áreas respectivas142. Constata-se, pois, que, a rigor, a outorga de

competência tributária a uma ou outra pessoa política, inibe, por conseguinte, exercício,

por outra, da nomeação àquela atribuída, salvo nos casos expressamente indicados no

próprio texto constitucional.

Significa dizer que, a priori, as competências tributárias são

exclusivas143. Dizemos a priori, pois esse não pode ser um atributo considerado universal,

ao menos quanto às materialidades dos impostos. Isso porque a Constituição Federal,139 Importante registrar que, dentro de nossa perspectiva, o federalismo no Brasil é formado exclusivamente pelosEstados membros, não se incluindo aí quer a União, quer os Municípios. Tanto é assim, que não há representação dosMunicípios no Congresso Nacional. O Senado representa os Estados e a Câmara dos Deputados, o povo.140 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário, 8ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 1999, p. 27.141 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 434.142 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 24; FALCÃO, Amílcarde Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 17.143 Importante mencionar que nos referimos à exclusividade ao invés de privatividade, não por mero capricho, massim rigor terminológico. Apoiados nas robustas lições de José Afonso da Silva, temos que a competência privativa éaquela que é delegável, ao passo que a exclusiva, não. Ora, se o constituinte repartiu as competências de forma a nãodar origem a conflitos, claro está ser atributo daquela a indelegabilidade. Por essa razão, não se cuida deprivatividade o atributo das competências tributárias, e sim exclusividade. SILVA, José Afonso da. Curso de direitoconstitucional positivo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 420. Ver também sobre essa questão: SALIBA,Ricardo Berzosa. Fundamentos do direito tributário ambiental. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC/SP, 2004,p. 99.

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artigo 154, II, outorga à União competência para instituir essa espécie de exação, inclusive

sobre materialidades reservadas às outras pessoas políticas, na iminência ou no caso de

guerra externa, razão pela qual acompanhamos o posicionamento de Paulo de Barros

Carvalho sobre a questão144 145, qual seja, de que, quanto à matéria tributável, somente a

competência da União é absolutamente exclusiva.

No entanto, temos que as ditas competências residual e comum (taxas

e contribuição de melhoria) são exclusivas. Na primeira, somente a União pode instituir

impostos sobre materialidades outras que não as referidas na Carta Magna. Na segunda, a

exclusividade se equaciona em outro plano, a saber, administrativo. A taxa ou

contribuição de melhoria somente poderá ser instituída pela pessoa política competente

para prestar ou colocar à disposição o serviço público, exercer o poder de polícia ou

realizar a obra pública.

A fim de que a exclusividade das competências fosse relativizada tão

somente quanto ao “imposto de guerra”, fez-se necessário a Constituição proceder à

repartição de competências de maneira rígida e exaustiva. E assim foi feito. Em

observância aos princípios do federativo e da autonomia municipal146 foram eliminadas ao

máximo as possibilidades de conflito de competência147.

No campo dos impostos, deu-se nominalmente a repartição das

competências, mediante indicação de fatos signos presuntivos de riqueza; nas taxas e

contribuições de melhoria, vinculando-as às competências administrativas (é dizer, a

competência administrativa precede a tributária e a determina); nas contribuições e

empréstimos compulsórios, indicando expressamente sua motivação constitucional, o que,

147 Nunca é demais invocar as lições de Rubens Gomes de Sousa, pelo que as transcreveremos: “A delimitação decompetências tributárias é um imperativo do regime federal (...)”. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio delegislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 189.

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indiretamente, circunscreve as materialidades sobre as quais podem incidir, e, em algumas

contribuições, não só essa motivação, mas também expressamente suas materialidades.

E por ser tão minuciosa, a Constituição praticamente não deixou

margem de ação ao legislador. No texto constitucional, não só é possível identificar a

materialidade dos tributos, como também as coordenadas de tempo e espaço possíveis, o

sujeito passivo possível, o sujeito ativo possível, a base de cálculo possível e a alíquota

possível148.

Tão rígida é a discriminação de competências tributárias, pode-se

dizer, a Constituição traçou o arquétipo dos tributos, a regra-matriz possível destes. Todos

os critérios da regra-matriz estabelecida pelo legislador ordinário, sem nenhuma exceção,

devem conformar-se ao arquétipo previsto na Constituição Federal149.

Isso se torna mais claro ainda à medida que, não só a discriminação,

mas também a própria Constituição é rígida, ou seja, não pode ser alterada pelo legislador

infraconstitucional e, muitas vezes, sequer pelo legislador constitucional, salvo mediante a

instauração de uma nova ordem jurídica. A rigidez da discriminação de competências é

garantida pela rigidez da Constituição, sobretudo se termos em mente que, no que diga

respeito àquela matéria, sequer o constituinte pode alterá-la.

3.2.2 Competência tributária e os direitos fundamentais

148 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 32-33;CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 297-298; GIARDINO, Cléber. ISS – Competência municipal. O Estado de São Paulo. Edição de 16.12.1984, p. 68.149 LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros,1997, p. 98.

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A Constituição brasileira, num nítido processo de evolução

histórica150, incorporou ao seu texto inúmeros direitos fundamentais dos cidadãos,

sobretudo, e não somente, os de previsibilidade quanto à ação estatal e de proteção da

liberdade, da propriedade e da família151. Valiosas são as lições de Ricardo Lobo Torres152

sobre o assunto: “O poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por

eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente

limitação dos direitos fundamentais e suas garantias constitucionais”.

É possível vislumbrar, pois, o Capítulo Do Sistema Tributário

Nacional como mera decorrência do rol de direitos fundamentais previstos ao longo do

texto constitucional, pelo que se faz necessário, mais uma vez, invocarmos as lições de

Ricardo Lobo Torres153, a fim de reforçarmos essa inteligência: “O poder de tributar surge

na Constituição Tributária, especialmente no art. 145, que desenha o sistema de tributos e

nos arts. 153 a 156, que outorgam a competência tributária à União, aos Estados e aos

Municípios. Mas como o poder de tributar nasce no espaço aberto pela liberdade, a sua

verdadeira sede está na Declaração dos Direitos Fundamentais (art. 5º do texto de 1988) e

no seu contraponto fiscal que é a Declaração dos Direitos do Contribuinte e de suas

garantias (art. 150 a 152)”.

Ao lado da forma do Estado Brasileiro, temos que a repartição de

competências deu-se de forma rígida e exaustiva, pelo fato de o povo, através do

constituinte originário, ter se auto-assegurado os direitos de proteção da propriedade e da

liberdade. Como a tributação afeta diretamente esses direitos, o próprio constituinte

originário previu uma série de mecanismos de freios e contrapesos, determinando

detalhadamente em que hipóteses pode haver transferência de patrimônio do povo em prol

150 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 30.151 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p.110; DERZI, Misabel de AbreuMachado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2001, p. 14.152 LOBO TORRES, Ricardo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário - os direitos humanos e atributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, vol. III, p. 4.153 LOBO TORRES, Ricardo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário - os direitos humanos e atributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, vol. III, p. 20.

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dos cofres públicos, o que permite seja a ação legiferante absolutamente previsível. Isso

tudo nos leva a crer que o federalismo e a república encontram-se no direito de o Estado

instituir tributos e no respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Mais do que isso, contempla a Constituição brasileira, como vimos, a

obrigatoriedade de haver motivação constitucional para o exercício das competências

tributárias. Decorrência de mais um direito fundamental, próprio do Estado Democrático

de Direito, é o princípio da proporcionalidade, orientador das condutas de agentes

públicos de todas as espécies. Todos seus atos, sejam estes legiferantes, executivos ou

jurisdicionais, devem ser motivados. A Constituição não tolera o arbítrio e ao se exigir a

obrigatoriedade de motivação, prevista explícita ou implicitamente no texto

constitucional, asseguram-se aos cidadãos meios para controlar a proporcionalidade da

atividade de produção de normas.

3.3 Rigidez e os critérios de conexão

As considerações acima nos levam a crer que praticamente tudo que diga

respeito à tributação está previsto pela própria Constituição. Decorre a rigidez do sistema,

quer em função da forma do Estado Brasileiro, quer porque a Constituição incorporou

uma série de direitos fundamentais em seu texto, que definem como e em que medida

pode dar-se o exercício da competência tributária.

O arquétipo dos tributos, isto é, as notas mínimas necessárias para sua

instituição pelo legislador ordinário, designadamente a materialidade, coordenadas de

tempo e espaço, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota possível, tudo

isso é previsto, implícita ou explicitamente, no próprio texto constitucional. E por serem

tanto a discriminação de rendas quanto a própria Constituição rígidas, é inteiramente

descabida, por conseguinte, a busca de critérios ou parâmetros definidores das

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competências tributárias em normas que não sejam desse próprio diploma154. Nos dizeres

de Humberto Ávila155: “O importante é que a Constituição não apenas define hipóteses de

incidência, mas também predetermina o conteúdo material para o exercício da

competência”.

O critério de conexão é, juntamente com outros, informação mínima que

carece a norma para existir. Sem ele, já registramos, resta prejudicada a manifestação do

deôntico e, portanto, a existência da norma jurídica.

Face às peculiaridades do Sistema Constitucional Brasileiro, a própria

Constituição previu, ainda que implicitamente, todas as informações mínimas de que

necessita o legislador ordinário para instituir um tributo. É por isso que afirmamos tantas

vezes ao longo do texto que o arquétipo dos tributos, no Brasil, é eminentemente

constitucional. A liberdade de escolha pelo legislador ordinário restringe-se às

possibilidades indicadas no texto da Constituição. Poderia ser aventado em oposição à

nossa assertiva que, expressamente, a Carta Magna só indica a materialidade. Mero

recurso de desespero.

O direito, por ser sistema, é uno, de tal sorte que o arquétipo constitucional

dos tributos deve ser construído não só com base em sua materialidade, mas sim mediante

a compreensão sistemática dos dispositivos constitucionais (constantes do próprio texto ou

por absorção156) que expressa ou implicitamente, imediata ou mediatamente, digam

respeito à ação de tributar157.

154 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 25.155 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 111.156 Segundo Humberto Ávila: “A Constituição Brasileira está expressamente aberta para outras normas implícitas quesão incluídas no Sistema Tributário, sem, porém, delimitar abstratamente seu conteúdo. Essa abertura significa que oSistema Tributário protege a esfera privada intensamente, seja porque prevê a dedução de direitos fundamentais egarantias indeterminadas (art. 150 e §2º do art. 5º), seja porque assegura aplicação imediata das normas decorrentesdos direitos e garantias fundamentais (§1º do art. 5º)”. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. SãoPaulo: Saraiva, 2004, p. 108. Sobre o assunto, ver também: AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro,4ª ed. São Paulo. Saraiva, 1999, p. 104-107.157 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 104.

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Isso tudo para deixar claro que o critério de conexão não pode ser escolhido

pelo legislador ordinário ao seu bel prazer. As possibilidades já estão reservadas pela

Constituição e devem ser identificadas mediante a conjugação da materialidade com

outros dispositivos constitucionais. Qualquer informação obtida que não através desse

método é juridicamente imprestável para fins de eleição de critério de conexão.

3.4 Lei complementar tributária

Tema espinhoso é a análise do regime jurídico da lei complementar em

matéria tributária, antes de mais nada, em razão desta ter mais de uma função nesta seara

do direito. No entanto, dado que, como veremos, isso toca o objeto do presente trabalho,

não podemos nos eximir da tarefa.

A lei complementar caracteriza-se por possuir pressupostos materiais e

formais diversos dos demais veículos introdutores de normas no ordenamento jurídico158.

Pressupostos materiais (competência), pois lhe compete regular apenas matérias

delimitadas previamente pela Constituição. Pressupostos formais, à medida que deve ser

observado quorum específico para sua aprovação159.

Como função precípua, à lei complementar compete integrar e conter a

eficácia de dispositivos constitucionais – lei complementar nacional160. Frise-se, integrar e

158 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p. 28; ÁVILA, Humberto. Sistemaconstitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131; BORGES, José Souto Maior. Lei complementartributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 54; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed.São Paulo: Saraiva, 2000, p. 203; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistematributário, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 67; TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoriada codificação, funções das leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista Dialética de DireitoTributário, n.º 71. São Paulo: Dialética, 2001, p. 93.159 Constituição Federal, artigo 69.160 “Parece-nos necessário discriminar ainda mais, a fim de fazer-se uma separação de certas normas que prevêemuma legislação futura mas não podem ser enquadradas entre as de eficácia limitada. Em vez, pois, de dividir asnormas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado considerá-las sobtríplice característica, discriminando-as em três categorias: I – normas constitucionais de eficácia plena; II – normas

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conter, jamais emendar a Constituição161. Mas além dessa função, serve a lei

complementar de instrumento para o exercício de competências da União – lei

complementar federal162 -, o que não corresponde à integração ou contenção de eficácia de

dispositivos constitucionais. Exemplo disso, em matéria tributária, é a competência para

instituição de empréstimos compulsórios163, a qual somente pode ser exercida mediante o

veículo em causa.

Da análise do Sistema Constitucional Tributário, podemos vislumbrar dois

campos (âmbitos materiais de validade164) em que a introdução de normas no sistema

jurídico deve dar-se mediante lei complementar:

exercício de competência da União, a qual se divide em165: i) exercício

de competências privativas; ii) exercício de competência residual. edição de normas gerais de direito tributário, as quais se prestam a166: i)

regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; ii) dispor

sobre conflitos de competência; iii) dispor sobre fatos geradores, bases

de cálculo e contribuintes dos impostos; iv) dispor sobre os

procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de

obrigação, lançamento e crédito; v) dispor os prazos de decadência e

constitucionais de eficácia contida; III – normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida. Na primeiracategoria incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitosessenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque estecriou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhesconstitui objeto. O segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente e produzem (ou podemproduzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida emcertos limites, dadas certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem,com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquermotivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legisladorordinário ou a outro órgão do Estado”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 3ª ed.São Paulo: Malheiros, 1999, p. 82-83.161 “A lei complementar tem por função – como o nome indica – complementar o sistema federal de governo, não ade emendar a Constituição”. BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC,1975, p. 55.162 Por determinação constitucional, possui o Congresso Nacional três funções: i) constituinte derivado; ii) legisladornacional; iii) legislador federal.163 Constituição Federal, artigo 148.164 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 72.165 Constituição Federal, artigos 148; 153, VII; 154, I; 195, § 6º.166 Constituição Federal, artigos 146, I, II e III; 150, VI, “c”; 155, § 2 º, XII; 156, III e § 3º; 195 § 7º.

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prescrição; vi) dispor sobre adequado tratamento tributário ao ato

cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Quanto às funções acima, quais sejam, exercício de competência (âmbito

federal) e edição de normas gerais (âmbito nacional) 167, não registramos polêmica

doutrinária, mesmo porquê, salvo melhor juízo, inexiste motivo para tanto. O embate

teórico dá-se historicamente em torno das funções das chamadas normas gerais de direito

tributário.

O tema é de dificílimo trato, como bem registrou Sacha Calmon168, face à

estrutura do Estado Brasileiro, em que há três espécies de pessoas políticas, cada qual,

obviamente, autônoma política e financeiramente, e ao fato de a Constituição, ao mesmo

tempo, prever uma série de matérias a serem cuidadas pela União, em âmbito nacional.

Para uma primeira corrente, denominada dicotômica, liderada por Geraldo

Ataliba169, as normas gerais que disponham sobre as matérias acima arroladas somente

têm caráter nacional - isto é, União, Estados e Municípios como destinatários de seus

comandos - quando disponham sobre conflitos de competência ou quando regulem

limitações constitucionais ao poder de tributar. No tocante à definição da regra-matriz do

tributo, dada à rigidez e exaustividade do texto constitucional, nenhuma informação mais167 Apesar de entendermos que a classificação das normas em de conduta e de estrutura peca por precisão, uma vezque as normas necessariamente regulam condutas, esta classificação ilustra bem a diferença entre as funções da leicomplementar em matéria tributária. Com efeito, no caso de exercício de competência para instituição de tributo, a leicomplementar teria como função a introdução de normas de conduta no ordenamento jurídico, ao passo que, nahipótese de normas gerais, a função deste veículo seria a de introduzir normas sobre como produzir normas noordenamento, dirigidas à conduta do legislador – normas de estrutura. As lições de Paulo de Barros Carvalho tornammais claras nossas considerações: “Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em doisgrandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura. As primeiras estão diretamente voltadas para aconduta das pessoas, nas relações de intersubjetividade; as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, oscomportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas, motivo pelo qual dispõem sobreórgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema”.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 136-137.168 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário, 8ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 1999, p. 67.169 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar em matéria tributária. Revista de direito tributário, n.º 48. São Paulo:Malheiros, 1989, p. 84-106. Ver também: CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário,9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 474 e seguintes; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário,13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 207-209.

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necessitam as pessoas políticas para instituí-la. Quanto às questões de arrecadação e

fiscalização, face à autonomia das pessoas políticas e condição de absoluta igualdade de

umas com relação às outras, cada qual pode dispor da forma que melhor lhe convenha

sobre as matérias em questão. As normas gerais, que não as que disponham sobre

limitações constitucionais ao poder de tributar ou conflitos de competência, são

simplesmente normas federais, ou seja, dirigem-se somente à União.

Para uma segunda, denominada tricotômica170, as normas gerais têm as

funções acima arroladas, pouco importando se isso diga respeito ou não, quer a conflitos

de competência, quer a limitações constitucionais ao poder de tributar. Defende-se, nesta,

uma necessidade de harmonia de definição das matérias atinentes à instituição,

arrecadação e fiscalização dos tributos, sob pena de instauração do caos.

Não obstante, em nosso pensar, se é certo ser preciso atribuir aos

dispositivos constitucionais um mínimo significado normativo171, por outro lado, nunca

pode se perder de vista o pacto federativo na interpretação das prerrogativas das normas

gerais de direito tributário172.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior173 fornece subsídios sólidos para uma tomada

de posição: “Em termos de segurança, esta é tanto maior, para o sistema material, quanto

mais uniformemente certos forem os conteúdos; para o sistema formal, o importante é a

uniforme e não conflitiva discriminação geral das competências, a fim de prevenir

decisões contraditórias que valessem, desigualdade, para uns e para outros. É óbvio, no

entanto, que a segurança, nos dois casos, não é necessariamente a mesma, posto que a

170 Ver sobretudo: ULHÔA CANTO, Gilberto de. Lei complementar tributária. Caderno de pesquisas tributárias.São Paulo: Resenha Tributária, 1990, p.7-8; SOUZA, Hamilton Dias de. Comentários ao Código Tributário Nacional– arts 1º e 2º. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Comentários ao Código Tributário Nacional, 3ª ed. SãoPaulo: Saraiva, 2002, p. 11 e seguintes; MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do art. 43 do CTN. In:MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Estudos sobre o imposto de renda, em memória de Henry Tilbery. SãoPaulo: Resenha Tributária, 1994, p. 110.171 Vale aqui invocar a máxima de que a Constituição não possui palavras inúteis.172 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004 p. 136.173 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Segurança jurídica – normas gerais tributárias. Revista de direito tributário,n.º 17-18. São Paulo: RT, 1981, p. 52.

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certeza dos conteúdos sistematizados favorece mais a imposição de diretrizes

centralizadas quanto ao comportamento prescrito aos cidadãos, enquanto a discriminação

das competências assegura a ordem de subordinação funcional das autoridades, sendo

mais livres os conteúdos (e, pois, os comportamentos prescritos). Ora, deste ponto de

vista, a segurança obtida pela sistematização pode estar a serviço de interesses distintos.

Quando se enfatiza a certeza, a segurança se torna tributária de um poder centralizador.

Quando se enfatiza a isonomia, a segurança será tributária de uma maior liberdade de

conteúdos, exigindo-se apenas a correta uniformidade na discriminação de competências,

favorecendo, pois, a livre iniciativa”. Nomearemos a primeira vertente função-certeza e a

segunda, função-igualdade, acompanhando a terminologia do referido autor.

Não se cuida de paradoxo entre a função-certeza e função-igualdade das

normas constitucionais, e sim de mecanismo de freio e contrapeso. A Constituição

brasileira, em matéria tributária, assegura o pacto federativo e também previsibilidade

quanto à ação estatal, seja quanto ao conteúdo das normas – instituição dos tributos -, ou

no que tange ao procedimento de positivação do direito tributário (fiscalização e

arrecadação)174. Mediante a repartição rígida de competências às pessoas políticas

prestigiada está a função-igualdade, e, concomitantemente, assegurando previsibilidade

quanto ao conteúdo das normas relativas à instituição, arrecadação e fiscalização de

tributos, prestigia-se a função-certeza.

No caso específico das normas atinentes à instituição de tributos, à lei

complementar que oriente essa atividade mediante a definição de tributo e suas espécies

não é permitido qualificar particularizadamente específicas situações com exclusões de

outras; ou que se afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a pormenores

ou detalhes e que impliquem interferências nas competências alheias175.

174 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 26-27.175 TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funções das leis complementares eposição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo: Dialética, 2001, p. 98.

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Detalhamento de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, somente

quando se tratar de possível conflito de competência, relativamente a impostos já

identificados na Carta Magna, tendo sempre como limite o arquétipo constitucional

destes. Já vimos anteriormente que, mesmo com toda a aparelhagem prevista pela

Constituição quanto à repartição das competências tributárias, em algumas situações há

espaço para a existência de conflitos, tanto heterogêneos (pessoas políticas de espécies

diferentes) quanto homogêneos (pessoas políticas da mesma espécie). Cumpre à lei

complementar, aqui, aparar arestas. Diante dessa situação, compete ao legislador dispor

sobre o conflito, de modo que possa o pacto federativo operar plenamente.

Lembramos que, nesse caso, a norma geral não criará nada. Em matéria de

competência, todas as possibilidades já estão previstas pela Carta Magna. Reina nessa

seara de forma absoluta a rigidez da discriminação de competências tributárias. Caberá ao

legislador ordinário simplesmente eleger um critério dentre as opções determinadas no

texto constitucional ou aclarar eventuais zonas cinzentas entre materialidades intituladas

por pessoas políticas de natureza diversa. Vislumbra-se, nessa hipótese, prestígio à

função-igualdade a ser desempenhado pelas normas gerais.

Já a função-certeza resta prestigiada quando deparamo-nos com a

competência para definir tributos e suas espécies, dispor sobre obrigação, lançamento,

crédito tributário, prescrição, decadência e adequado tratamento ao ato cooperativo.

Cumpre à norma geral uniformizar e harmonizar essas questões reduzindo o campo de

incertezas quanto à regulação dessas matérias.

Por tudo que foi exposto, filiamo-nos à posição de Heleno Taveira Tôrres

sobre o assunto. Assevera o Professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo,

quanto às funções da lei complementar em matéria tributária, que: “Desse modo,

apreciando as hipóteses de lei complementar em matéria tributária, temos que, no

ordenamento constitucional vigente, são matérias de reserva de lei complementar, em duas

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das funções legislativas do Congresso Nacional: 1) O exercício de competência da União

(lei complementar federal), a qual se subdivide em: i) exercício de competências

privativas específicas – arts. 148; 153, VII, CF; e ii) exercício de competência residual –

arts. 154, I; 195, § 6º, CF; 2) A criação das normas gerais em matéria de legislação

tributária (lei complementar nacional – art. 24, I e 146, CF), as quais se encontram

expressas nas seguintes possibilidades: i) regular as limitações constitucionais ao poder

de tributar, restritamente àquelas que exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II;

150, VI, ‘c’, 195, § 7º, 156, § 3º, CF); ii) evitar eventuais conflitos de competência entre

as pessoas tributantes, quando deverá dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e

contribuintes dos impostos já identificados na Constituição (art. 146, I e III, ‘a’; 156, III;

155, § 2º, XII, CF); iii) definir os tributos e suas espécies (art. 146, III, ‘a’, CF); iv)

harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de

obrigação, lançamento e crédito (redução de divergências) – art. 146, III, ‘b’, 155, § 2º,

XII, CF); v) uniformizar os prazos de decadência e prescrição – art. 146, III, ‘b’, CF –

podendo estipular suas exceções; vi) fomentar, de modo harmonizado, adequado

tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”.

A não edição de lei complementar quanto às matérias que devam ser objeto

de normas gerais de direito tributário não impede que as pessoas políticas as regulem. No

entanto, sobrevindo lei complementar competente, esta prevalece sobre a legislação de

cada pessoa política que lhe contrarie.

Há que se frisar que a lei complementar tem como destinatários os

legisladores das pessoas políticas, e não os jurisdicionados nem muito menos os agentes

administrativos de cada uma delas. A superveniência da lei complementar, nesse caso,

suspende a eficácia técnica da lei tributária “local” que lhe seja contrária. Por força do

princípio da legalidade e do pacto federativo, a matéria objeto da lei complementar

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somente surtirá efeitos com relação aos jurisdicionados e agentes administrativos quando

for editada lei “local” dela cuidando176.

3.4.1 Lei complementar tributária e critérios de conexão

Por vigorar no Sistema Constitucional Brasileiro o princípio da

territorialidade material, vimos que a regra-matriz de todo e qualquer tributo deve

contemplar notas que, quando deflagradas concretamente, permitam vislumbrar relação

entre o fato jurídico tributário e o território da pessoa política que deseje atribuir-lhe

efeitos – obrigação tributária.

No fato gerador, entendido como hipótese da regra-matriz de

incidência tributária, é que se localizam as notas correspondentes ao critério de conexão

que, como vimos, ora acomodam-se no critério pessoal, ora no espacial.

Dentre o rol de matérias que podem ser objeto de normas gerais de

direito tributário, é possível concluir que a possibilidade destas tratarem de critério de

conexão reduz-se à de dispor sobre fatos geradores de impostos já previstos no texto

constitucional, visando prevenir a ocorrência de conflitos de competência.

Dois fatores podem dar origem a conflitos de competência nos

impostos, a materialidade (i.e. industrialização versus serviço) e as formas com que um

fato possa relacionar-se com um território.

O critério de conexão, como vimos, tem o condão de deflagrar

relação entre um dado o fato e um dado território, razão pela qual, quanto aos fatos que

comportem diversidade de possibilidades de critério de conexão, haverá sempre176 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 60-62.

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possibilidade de existência de conflito de competência. Nessas situações, caberá a edição

de lei complementar, definindo o critério de conexão que pode ser eleito pelas pessoas

políticas.

Interessante notar que, a par dessas considerações, somente os

impostos de competência dos Estados membros e dos Municípios é que podem dar origem

a esse tipo de conflito de competência. E sempre impostos de mesma natureza, frise-se.

Um imposto municipal, tal qual o imposto sobre serviços de qualquer natureza, pode

relacionar-se com o território de mais de um Município. Um imposto estadual, tal qual o

imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de comunicação e

transportes intermunicipais ou interestaduais, pode relacionar-se com o território de mais

de um Estado membro. É impossível que esse conflito dê-se entre pessoas políticas de

diferentes espécies, por ser a materialidade comum pressuposto de sua existência.

No que se refere à União, a possibilidade de conflitos desta com

outras pessoas políticas retringe-se à materialidade. Isso porque não há meios de uma

materialidade tributável pela União assim ser também por outra pessoa política, em função

de relação fato-território. A União, mormente quanto ao imposto sobre a renda, pode

concorrer com outros países, mas aí não se trataria de conflito de competência, e sim

concurso de pretensões impositivas.

Por tudo isso, entendemos que somente podem ser objeto de

regulação por normas gerais de direito tributário critérios de conexão referentes a

impostos de competência dos Estados membros e dos Municípios. Para o imposto sobre a

renda, não há razão para que o critério de conexão, especificamente, seja definido por

normas gerais de direito tributário.

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4. TRIBUTAÇÃO DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-

RESIDENTESumário: 4.1 Conceito de pessoa não-residente: 4.1.1 Considerações gerais; 4.1.2

Pessoas físicas; 4.1.3 Pessoas jurídicas - 4.2 Conceito de renda: 4.2.1 Considerações

gerais; 4.2.2 Do conceito em si: 4.2.2.1 Conceito de renda e princípios

constitucionais; 4.2.2.2 Período como condição inexorável para apuração de renda;

4.2.2.3 Contraponto entre renda e rendimento; 4.2.3 O artigo 43 do Código

Tributário Nacional: 4.2.3.1 Disponibilidade econômica e jurídica – 4.3 Renda

auferida por pessoa não-residente: 4.3.1 Critério de conexão possível: 4.3.1.1

Momento de ocorrência do fato e critério de conexão; 4.3.2 Regime analítico: 4.3.2.1

Período; 4.3.3 Critério de conexão no regime analítico e a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal: 4.3.3.1 Juros – primeira fase; 4.3.3.2 Juros – segunda

fase; 4.3.3.3 Serviços – primeira fase; 4.3.3.4 Serviços – segunda fase; 4.3.3.5 Nossa

avaliação acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

4.1 Conceito de pessoa não-residente

4.1.1 Considerações gerais

Compete-nos agora conceituar o que seja pessoa não-residente, para

que seja possível investigarmos o regime jurídico do imposto sobre a renda sobre essa

espécie de contribuinte, que, como veremos, possui peculiaridades com relação ao

aplicável às pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil.

No Brasil, já assinalamos, vigora o princípio da territorialidade

material, razão pela qual entendemos que o critério nacionalidade não pode ser eleito

como forma de atribuir-se este ou aquele regime de incidência de imposto sobre a renda

sobre esta ou aquela categoria de sujeitos. O vínculo de nacionalidade é eminentemente

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político e prescinde vínculo do sujeito com o território para que este seja qualificado como

“nacional”177.

Coadunam-se com o Sistema Constitucional Brasileiro os critérios de

residência e domicílio para fins de verificação de que tipo de relação é relevante para

eleger este ou aquele regime de tributação, se pessoal (pessoa residente)178, ou se

material/objetivo (fato ocorrido nos limites do território).

Residente ou domiciliado no Brasil será aquele que guardar relação

pessoal com seu território, relação esta identificada a partir de critérios determinados pelo

direito positivo, a saber179: permanência física - corpus, nuns casos, animus, noutros, se

pessoas naturais; local da sede estatutária, quanto a pessoas jurídicas180.

No caso de pessoas físicas, como veremos, difere o conceito de

residência e domicílio, para fins de imposto sobre a renda, daquele adotado por outros

ramos do direito, e até pelo próprio Código Tributário Nacional181. Curiosamente, a

177 “Mentre la residenza esprime una relazione tra una persona ed un determinato territorio, la cittadinanza e lanazionalità, al contrario, sono degli status Che esprimono uma relazione di appartenenza ad un determinato grupposociale in virtù della quale in capo al soggetto sorgono una serie di dirriti e di doveri”. MARINO, Giuseppe. Laresidenza. In: UCKMAR, Victor (Coord.), Corso di diritto tributario internazionale, 2ª ed. Padova: Cedam, 2002, p.235.178 Em sede de imposto sobre a renda, adotam a nacionalidade como critério de conexão objetivo para fins detributação de pessoas físicas somente os Estados Unidos da América e as Filipinas.179 “(...) o direito brasileiro acolheu uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramenteobjetiva, que contenta com o simples corpus, e a noção subjetiva, que exige a presença cumulativa dos doisrequisitos, o corpus e o animus”. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2002, p. 257.180 “Diz-se que as pessoas físicas são pessoas naturais, ao passo que as pessoas jurídicas são artificiais, só existindoem função do sistema jurídico que as congrega. Num primeiro momento, sim, mas não podemos esquecer que tantoas físicas como as jurídicas são criações do direito, são feixes de normas incidindo num ponto de confluência e,portanto, nesse sentido, ambas artificiais”. CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da territorialidade no regimede tributação da renda mundial (universalidade). Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 670.“Pessoa física ou natural é o ser humano. A pessoa a que não corresponde tão-só ser humano diz-se pessoa jurídica.A expressão ‘jurídica’ esta, aí, empregada em sentido estrito, porquanto pessoas físicas e jurídicas são igualmentejurídicas”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas:Bookseller, 1999, t. I, p. 209-210.181 “Note-se que não existe contradição alguma em ser-se considerado residente no Brasil para certos efeitos, e, paraoutros, residente em Portugal, dado que o conceito de domicílio – como tantos conceitos jurídicos – pode sermodelado diversamente por vários ramos do direito, em razão dos princípios e dos interesses que os inspiram”.XAVIER, Alberto. Tributação da remuneração de administradores com dupla residência. Direito tributário eempresarial – pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 184.

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conceituação de domicílio fiscal estabelecida por este Diploma nada tem a ver com a

conceituação para fins de incidência de imposto sobre a renda. Restringe-se o Código

Tributário Nacional a conceituar domicílio para fins de cumprimento da obrigação

tributária, principal ou acessória. Não é este critério relevante para se aferir qual regime

jurídico de imposto sobre a renda aplicar.

Vimos afirmando ao longo do presente trabalho que toda a

sistemática de freios e contrapesos reguladoras da tributação, desde a instituição das

exações até a constituição e exigência do respectivo crédito tributário, fundamenta-se na

forma jurídica do Estado Brasileiro e também no rol de direitos fundamentais garantidos

aos cidadãos.

Uma leitura isolada do artigo 5º da Constituição Federal poderia

direcionar o intérprete à conclusão de que toda a aparelhagem constitucional atinente à

tributação não seria aplicável com igual rigor aos contribuintes não-residentes estrangeiros

(sim, estrangeiros, pois pode haver brasileiros não-residentes no Brasil), por não terem

sido estes indicados no rol de destinatários dos direitos e garantias fundamentais arrolados

pelo dispositivo em causa, desde o caput até seus últimos parágrafos. Senão, vejamos:

Constituição Federal, “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

”. (grifamos)

Certamente não é essa a inteligência do sistema. A se chegar a uma

conclusão dessa natureza, todo esforço despendido até o momento teria sido em vão.

Todo o mecanismo de freios e contrapesos constitucionais à atividade

tributária (instituição, fiscalização e arrecadação, a grosso modo) aplicam-se in totum aos

não-residentes estrangeiros, em função da vedação constitucional de existência de

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discriminação entre estes, quer em relação aos nacionais não-residentes, quer, sobretudo,

quanto aos nacionais residentes.

A vedação de tratamento discriminatório, seja em função da

residência, seja por conta da nacionalidade, de fato, não se fundamenta no artigo 5º da

Constituição Federal – princípio da igualdade. A vedação desse tipo de conduta respalda-

se nos artigos 3º, IV182; 145, § 1º183; 150, II184, todos da Carta Magna185.

Como bem nos ensina Alessandra Okuma186: “Esse princípio está

positivado em nosso ordenamento jurídico com feições de limite objetivo. Impede que

seja dado tratamento mais gravoso, injustificadamente, aos sujeitos nacionais do outro

Estado contratante do que aos brasileiros que se encontrem em situação equivalente”.

E prossegue a citada autora187: “Tratando especificamente de matéria

tributária, o artigo 150, II, da Constituição Federal traz outro princípio-valor, que impede

a concessão de benefícios e a imposição de ônus mais gravosos, a quaisquer contribuintes

em uma mesma situação”.

Complementando o raciocínio de Alessandra Okuma, entendemos

que determina também o dispositivo ora citado que todos os mecanismos de freios e182 Constituição Federal: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV –promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminação”.183 Constituição Federal: “Art. 145. (...) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serãograduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.184 Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que seencontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função poreles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.185 Quanto à nacionalidade especificamente, o comando é didaticamente explicitado pela Lei n.º 4.131/62, artigo 2º.Isto sem falar dos Tratados assinados pelo Brasil, para evitar a dupla tributação, que contemplam, sem exceção, essaorientação, comumente denominada princípio da não-discriminação.186 OKUMA, Alessandra. Princípio da não-discriminação e a tributação das rendas de não-residentes no Brasil. In:TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.263.187 OKUMA, Alessandra. Princípio da não-discriminação e a tributação das rendas de não-residentes no Brasil. In:TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.268.

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contrapesos constitucionalmente estabelecidos aplicam-se igualmente aos sujeitos não-

residentes, nacionais ou estrangeiros.

Significa dizer, dentre outras importantes conclusões, que os tributos

devidos por não-residentes, mormente o imposto sobre renda, possuem seu arquétipo, sua

regra-matriz de incidência possível, previstos na Constituição Federal. Não só. A

territorialidade material, assim entendida como limite objetivo ao exercício das

competências tributárias, é aplicável com igual rigor aos tributos devidos por não-

residentes.

Da conjugação dos princípios da isonomia tributária e da não-

discrimação (desdobramento daquele), temos que a residência da pessoa, muito menos sua

nacionalidade, não pode, nesta seara, servir como critério de discriminação188. Em sede de

impostos, o único critério, a priori189, legítimo para se instituir tratamentos diferenciados é

a capacidade contributiva.

4.1.2 Pessoas físicas

188 “Ao partirmos da premissa, falsa, por evidência, de que todo e qualquer ‘não-residente’ não está em situação‘equivalente’ em relação a todo e qualquer ‘residente’, caímos numa generalidade fácil de argumentar, mas nunca nosdomínios do direito tributário”. TÔRRES, Heleno Taveira. Capital estrangeiro e princípio da não-discriminaçãotributária no direito interno e nas convenções internacionais. Revista dialética de direito tributário, n.º 87. São Paulo:Dialética, 2003, p. 37.Em sentido contrário, ver: COSTA, Alcides Jorge. Os acordos para evitar a bitributação e a cláusula de não-discriminação. Revista dialética de direito tributário, n.º 6. São Paulo: Dialética, 1996, p. 10; SAMPAIO DÓRIA,Antônio Roberto. Direito constitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 217e seguintes; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.246.189 Dizemos a priori, pois pode a capacidade contributiva dar lugar a outros critérios de discriminação, desde quepara atender valores constitucionalmente prestigiados.

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Da análise da legislação aplicável190, é possível identificar a condição

de não-residente em três situações, a saber: i) estrangeiros que no Brasil nunca tiveram

residência; ii) estrangeiros que adquiriram residência e depois a perderam; iii) nacionais

que perderam a condição de residentes.

Os critérios para se definir as situações acima ora priorizam o animus,

ora a permanência física neste País – corpus, como bem sublinhado por Alberto Xavier191.

Os estrangeiros que nunca tiveram a condição de residentes são não-

residentes por excelência. Ainda que tenham estado em território brasileiro, ou sua estada

não cumpriu o período mínimo exigido pela legislação brasileira, ou não possuíam animus

de residir no Brasil.

São também não-residentes os estrangeiros ou nacionais que tenham

perdido a condição de residentes, o que ocorre mediante:

saída definitiva do País, independentemente de período de

ausência, configurada por ocasião do requerimento de certidão

negativa de tributos federais192 193 - transferência de residência;

190 Apenas ilustrativo, as orientações da legislação brasileira coadunam-se com que estabelecem países comoAlemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, França, Holanda, Inglaterra, Japão e Suécia. Ver: AVERY-JONES, John F.;BERG, Charles J.; DEPRET, Henri-Rober; FONTANEAU, Pierre; KEULEN, A. Van; LENZ, Raoul; MIYATAKE,Toshio; ROBERTS, Sidney I.; SANDELS, Claes; STROBL, Jakob; WARD, David A. The Idea of resident.MARTINS, Ives Gandra da Silva e XAVIER, Alberto (Coords.), Estudos jurídicos sobre investimento internacional.São Paulo: 1980, RT, p. 151-179. Aliás, outras também não são as orientações previstas nos Tratados assinados peloBrasil para evitar a dupla tributação.191 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002 p. 257.192 Lei n.º 3.740/58, artigo 17, caput e § 3º.193 Na data da saída deverá o contribuinte, entregar declaração indicando seus bens e direitos por ocasião dorequerimento da certidão negativa, bem como os ganhos e rendimentos auferidos de 1º de janeiro até esta data.Apurando-se valor de imposto devido, deve este ser recolhido na data da entrega da declaração em causa. Caso estadeclaração seja apresentada antes da declaração de imposto de renda da pessoa física referente ao ano-calendárioanterior, deverá ser esta última entregue juntamente com aquela, bem como recolhido eventual imposto devido. Lein.º 3.740/58, artigo 17.

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ausência do Pais por mais de doze meses ininterruptos194 195,

independentemente de apresentação quer de declaração de saída,

quer de certidão negativa de tributos federais196 - regime de

ausência.

No primeiro caso, mister sublinhar que a certidão negativa de tributos

federais não atesta a perda da condição de residente. Isto ocorre em razão do animus de

transferência de residência para o exterior, cuja manifestação sob o ponto de vista jurídico

(linguagem competente) dá-se por ocasião do requerimento da certidão em causa197.

A pessoa que saia do País sem cumprir a formalidade acima tem seu

status de residente mantido durante doze meses. Ou seja, ainda que adquira, nesse

período, condição de residente em outra nação, será tratada como tal no Brasil e alhures. É

o que Manuel Pires chama de residência sucessiva198. Na eventualidade de o Brasil e o

país onde o sujeito adquira condição de residente não possuírem tratamento de

reciprocidade199, este sujeito poderá sofrer com elevada carga tributária sobre suas rendas,

posto que estas continuarão sujeitas à tributação no Brasil em bases universais, sem que

seja possível compensar-se o imposto sobre elas pago no exterior.

194 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 97, “b”.195 As pessoas físicas domiciliadas no Brasil, ausentes no exterior a serviço do País, que recebam rendimentos dotrabalho assalariado, em moeda estrangeira, de autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior,têm seu status de residente mantido, independentemente do tempo que fiquem ausentes. O imposto devido porpessoas nessa situação possui critério específico de apuração, consoante dispõe a Lei nº 9.250/95, artigos 4º e 5º. Oimposto retido na fonte, assim como o devido na declaração, tem como base de cálculo 25% das rendas cuja fontesejam as remunerações recebidas do Governo brasileiro ou suas autarquias. Além disso, do valor obtido mediante aaplicação do referido percentual poderão ser deduzidas despesas nos mesmos moldes de pessoa física residente noBrasil, sujeita à apuração ordinária do imposto sobre a renda. 196 A Secretaria da Receita Federal, sem embasamento legal, exige, mesmo para o regime de ausência, a apresentaçãode declaração de saída definitiva em até 30 dias após decorridos doze meses ininterruptos da saída da pessoa do País.Vide Instrução Normativa deste Órgão, de número 425/04.197 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001 p. 136.198 PIRES, Manuel. Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento. Lisboa: Centro de EstudosFiscais, 1987, p. 231.199 No que tange a pessoas físicas, a legislação brasileira somente admite a compensação de imposto sobre a rendapago no exterior na hipótese deste tê-lo sido em país que permita sujeito nele residente compensar imposto sobre arenda cobrado no Brasil com imposto dessa mesma natureza lá devido. Lei n.º 4.862/65, artigo 5º.

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Por outro giro, são residentes no País, via de regra200, os nacionais ou

naturalizados que não incorram em nenhum dos eventos outrora analisados, mediante os

quais se adquire a condição de não-residente.

Não-residente estrangeiro adquire a condição de residente nas

seguintes situações201 202:

com visto temporário: i) para trabalhar com vínculo empregatício,

a partir da data de sua chegada - animus; ii) por qualquer outro

motivo, se permanecer por período superior a cento e oitenta e

três dias, consecutivos ou não, contado, dentro de um intervalo de

doze meses, da data primeira chegada dentro desse intervalo -

corpus;

com visto permanente, a partir de sua chegada - animus.

Volta a ter o status de não-residente aquele que incorrer numa das

duas situações de perda de residência, anteriormente comentadas.

No caso de nacionais não-residentes, estes adquirem a condição de

residentes se retornarem a este País em caráter definitivo – animus - ou se, num período

de doze meses ininterruptos, permanecerem no Brasil por período superior a cento e

200 Sendo filho de pai ou mãe brasileiro, é possível alguém, mesmo tendo nascido no exterior, ter nacionalidadebrasileira. Isto é, a pessoa pode ser brasileira e nunca ter ingressado no Brasil, hipótese em que, para fins fiscais, seráconsiderada não-residente.201 Lei n.º 9.718/98, artigo 12.202 Servidores diplomáticos de governos estrangeiros, servidores de organismos internacionais de que o Brasil façaparte e servidores estrangeiros de embaixada, consulado e repartições oficiais de outros países no Brasil não perdema condição de não-residentes. Quanto às rendas cuja fonte seja o trabalho nesses organismos, estas são isentas detributação, salvo se o sujeito optar por residir permanentemente no Brasil. As demais são tributadas normalmente, deacordo com a sistemática de não-residentes (regime analítico). Lei n.º 4.506/64, artigo 5º; Lei n.º 7.713, de 1988,artigo 30; Convenção de Viena - Decreto n.º 56.435/65.

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oitenta e três dias, consecutivos ou não, contado a partir da primeira chegada ocorrida

dentro daquele período de doze meses203 - corpus.

4.1.3 Pessoas jurídicas

Diferentemente das pessoas físicas, não dispõe a legislação tributária

de um conceito de residência para fins de tributação das pessoas jurídicas.

São diversos os critérios que podem ser utilizados para se determinar

a residência de uma pessoa jurídica, tais como seu local de constituição, local de sua sede

social, local de sua direção efetiva, local onde é exercida sua atividade principal. São

critérios também utilizados para determinação da nacionalidade das pessoas jurídicas, que

não necessariamente confunde-se com sua residência.

No Brasil, para que uma sociedade possa ser considerada como

nacional, deve esta atender cumulativamente a duas condições: i) ser constituída em

conformidade com a legislação brasileira; ii) aqui estar localizada a sede de sua

administração. É a inteligência conjunta da Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 11, e

do Decreto-lei n.º 2.627/40, artigo 60204, que nos remete a essa conclusão205 206.

Domicílio ou residência, no ordenamento brasileiro, não se

confundem com nacionalidade. Diferentemente das pessoas físicas, não há determinação

específica acerca da residência ou domicílio das pessoas jurídicas para fins de tributação,

203 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 61; Lei n.º 9.718/98, artigo 12.204 “Antiga Lei das S/A”, que teve a validade de seus artigos 59 a 73 expressamente mantida pela Lei n.º 6.404/76,artigo 300.205 Apenas a título ilustrativo, essa distinção, até 1995, era feita pela própria Constituição Federal, artigo 171, que foitotalmente revogado pela Emenda Constitucional n.º 06/95.206 Heleno Taveira Tôrres encampou valioso estudo comparativo dos critérios adotados por diversos países para aatribuição de nacionalidade às pessoas jurídicas. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre asrendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 149-170.

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razão pela qual deve ser utilizado o critério previsto no Código Civil, artigo 75207, isto é,

local de sua sede estatutária208.

Pessoa jurídica não-residente, portanto, é aquela cuja sede estatutária

não se localize no território brasileiro. A despeito de não ser nacional ou domiciliada no

Brasil, reconhece o direito brasileiro a personalidade de pessoa jurídica não-residente,

pelo que pode realizar negócios jurídicos neste País209.

4.2 Conceito de renda

4.2.1 Considerações gerais

Dado que o presente trabalho tem como um de seus objetivos a

análise dos fundamentos constitucionais da tributação das rendas auferidas por não-

residentes, mister debruçarmo-nos sobre o conceito de renda no ordenamento jurídico

brasileiro, levando em conta as premissas até agora traçadas.

207 “Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é: (...) IV – das demais pessoas jurídicas o lugar ondefuncionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegeram domicílio especial no seu estatuto ou atosconstitutivos”.208 OKUMA, Alessandra. Princípio da não-discriminação e a tributação das rendas de não-residentes no Brasil. In:TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.275; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 23;TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001,p. 169; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 263.209 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 11.

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Procuramos demonstrar ao longo do presente trabalho que a

discriminação de competências tributárias no Brasil é rígida e exaustiva. É mínima,

portanto, a margem de discricionariedade do legislador infraconstitucional para compor a

regra-matriz de incidência dos tributos. Seja por conta da forma do Estado Brasileiro, seja

em razão dos direitos fundamentais, a própria Constituição, como afirmamos linhas atrás,

já prevê o arquétipo do tributo, ou como quer Roque Antonio Carrazza210, a regra-matriz

de incidência possível dos tributos.

No tocante aos impostos, à lei complementar é reservada a

incumbência de “clarear zonas cinzentas” relativamente aos fatos geradores, bases de

cálculo e contribuintes dessa espécie tributária, assim como definir o critério de conexão

aplicável, quando na eminência de possíveis conflitos de competência. Nessa esfera,

compete à lei complementar somente elucidar o que já prevê a Constituição, explícita ou

implicitamente.

Foi outorgada à União competência211 para instituir imposto sobre a

renda e proventos de qualquer natureza. Significa dizer, pois, que o imposto deve recair

sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Nada além disso212. Parece até infantil

essa primeira premissa, mas decorre da rigidez da discriminação de competências

tributárias. E o imposto é sempre o mesmo, independentemente de quem seja o

contribuinte, se pessoa física, se pessoa jurídica ou se pessoa não-residente. Pouco

importa que o imposto em causa possa assumir feições peculiares em função do

contribuinte. Sempre será imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

210 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.297-298.211 Constituição Federal, artigo 153, III.212 Segundo Ricardo Mariz de Oliveira: “Um primeiro princípio, que se confunde com a própria competênciaconstitucional tributária da União Federal advinda do art. 153, inciso III, da Constituição, consiste em que o impostoem questão incide sobre a renda e os proventos de qualquer natureza, vale dizer, somente pode ser cobrado quandohouver renda ou provento de qualquer natureza”. MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Princípios fundamentais doimposto de renda. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.), Direito tributário –estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 201.

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Importante fixarmos, desde já, que, a nosso ver, proventos de

qualquer natureza, por corresponderem à remuneração recebida por uma pessoa em razão

do trabalho, mas depois que ela já deixou de trabalhar, por motivo de doença ou idade213,

nada mais são do que ingressos que integram positivamente o patrimônio, portanto,

mutação patrimonial que deve ser considerada na apuração da renda. O recebimento dos

proventos, em si, não indica capacidade contributiva para fins do imposto aqui analisado,

senão quando confrontado com outras mutações patrimoniais, sobretudo às necessárias à

aquisição, produção e manutenção da renda e do patrimônio, como veremos a seguir. Por

essa razão, trataremos o imposto em causa simplesmente como imposto sobre a renda.

Se assim é, mister investigarmos o conteúdo semântico214 do vocábulo

renda, tal como empregado pela Constituição Federal, artigo 153, III, a fim de que seja

possível identificar a materialidade do respectivo imposto e a partir desta sua regra-matriz

de incidência possível.

Uma coisa é certa, na aferição do conceito em comento, renda não se

confunde com faturamento, lucro, receita nem com quaisquer outras materialidades

previstas no texto constitucional, na discriminação de competências. Por ser rígida essa

discriminação, a Constituição não outorga a mesma competência duas vezes. Cada

materialidade indicada pela Carta Magna corresponde a um conceito próprio, que não se

confunde com outros215.

213 ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo:Malheiros, 1994, p. 58. Para uma exaustiva análise do significado da expressão proventos de qualquer natureza, ver:MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza – o imposto e o conceito constitucional.São Paulo: Dialética, 1996, p. 59-67.214 O ordenamento jurídico, por se constituir em linguagem, caracteriza-se pela existência de três planos básicos: i)sintático; ii) semântico; iii) pragmático. No seu aspecto sintático, interessam especificamente as interconexões entreos signos normativos. O plano semântico diz respeito à relação entre o signo normativo – palavra – e sua significação(aspecto conotativo), ou à relação entre o signo normativo e os objetos ou situações objetivas a que se refere. Porfim, o plano pragmático evidencia o relacionamento entre os signos – palavras e seus utentes. Sobre o assunto, ver:CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 97-99; NEVES,Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 21-22.215 Ver, dentre outros: ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista de direito tributário, n.º 63.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 22; JUSTEN FILHO, Marçal. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista dedireito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 17; LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre arenda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, 176-177.

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Além disso, a rigidez da discriminação das competências tributárias,

cuja efetividade é garantida pela rigidez da Constituição Federal, impede que o intérprete

identifique o conteúdo semântico das materialidades dos impostos a partir da legislação

infraconstitucional, sob pena de afronta ao pacto federativo e aos direitos fundamentais216.

Os dispositivos previstos em normas gerais de direito tributário quando muito servem

somente para conferir clareza à Constituição ou definir o que deve ser considerado pelo

legislador na instituição de tributos, quando a própria Constituição oferecer mais de uma

possibilidade. Esse é o caso típico dos critérios de conexão em sede de competência

homogênea.

Como vimos asseverando, o direito positivo é uno, por conseguinte, a

interpretação de uma norma pressupõe a do sistema do qual ela faz parte. Conquanto

assim seja, há sincronia na interpretação das normas, devendo-se interpretar uma ao

mesmo tempo que se analisa as demais217. As normas, unidades do sistema jurídico,

relacionam-se vertical (relações de subordinação) e horizontalmente (relações de

coordenação), como bem nos ensina Paulo de Barros Carvalho218. Mais do que isso,

cuidando-se de investigação de norma de competência tributária, a interpretação deve ser

feita mediante a integração de normas previstas no próprio texto constitucional, salvo

quando este se refira expressamente a conceitos previstos na legislação

infraconstitucional, sobretudo em sede de direito privado, desde que tais conceitos já

existissem por ocasião da promulgação da Constituição.

O direito tributário comumente faz uso de conceitos de outros ramos

do direito, mormente quando se trata de instituição de tributos. Em diversas passagens da

216 São as palavras de José Artur Lima Gonçalves: “Admitindo-se que é a Constituição que confere ao legisladorinfraconstitucional as competências tributárias impositivas, os âmbitos semântico dos veículos lingüísticos por elaadotados para traduzir o conteúdo dessas regras de competências não pode ficar à disposição de quem recebe aoutorga de competência.” LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais.São Paulo: Malheiros, 1997, 170.217 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 105.218 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 14.

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Constituição verifica-se que a repartição das competências dá-se por meio de remissão a

conceitos de direito privado. É o caso do imposto sobre transmissão “causa mortis” e

doação, por exemplo. Noutros, não é assim. O texto constitucional faz referência a fatos

com conteúdo econômico, mas que não possuem uma “pré-roupagem” jurídica. Fique

claro que, a despeito disso, o fato regulado sempre é jurídico219. Por vezes este pode já ter

sofrido a incidência de outras normas, mormente de direito privado, por vezes, não220.

Como objeto cultural que é, o direito positivo verte-se

necessariamente em linguagem. E não poderia ser diferente com a Constituição, haja vista

esta ser parte daquele.

As palavras, signos que compõem o texto constitucional, não são

vazias de conteúdo. Ali onde houver um signo, sempre haverá um conteúdo semântico,

ainda que mínimo. Segundo Luis Alberto Warat221: “Dentro da linguagem natural

podemos distinguir dois níveis, que compreendem: o léxico, que é produto espontâneo da

comunidade, e o técnico, que é produzido por estipulações convencionais em uma área

particular da atividade humana, como, por exemplo, a linguagem jurídica”. Com base

nessas lições, temos que o conteúdo semântico das palavras empregadas no texto

constitucional, quando não determinado pelo próprio sistema jurídico, é produto da

comunidade, sobretudo dos ambientes social e econômico. A palavra, quando incorporada

ao direito, tem um conteúdo semântico, o qual pode ser amoldado ou mesmo alterado

mediante sua contextualização no sistema jurídico.

semântico. Na segunda, os problemas semântico-pragmáticos.

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São as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello222: “Regras

jurídicas expressam-se em palavras. Palavra é um signo, o que quer dizer significante: que

abriga o significado. Quando não há um significado, não há significante e portanto não há

signo; logo, não há palavra. A menos que se queira abraçar o absurdo, o ‘happening’,

como critério de análise jurídica, tem-se que admitir que as palavras, vasadas na Carta do

País, são efetivamente palavras e por isso contêm um significado cognoscível, o qual

serve de inadversável limite para o legislador e para o intérprete. Assim, salvo

disparatando, é forçoso concluir que as expressões constitucionais têm um conteúdo, isto

é, abrigam conceitos que não podem ser manipulados pelo legislador ou pelo intérprete, a

seus gostos”.

Nesse mesmo sentido são as lições de Luís Cesar Souza de

Queiroz223: “É fundamental reiterar que a Constituição da República se apresenta em

forma de texto, que, por sua vez, é composto por palavras. As palavras são signos

simbólicos que exprimem um significado. As palavras são a expressão verbal de

conceitos. Portanto, para que seja possível considerar que a Constituição da República

apresenta um texto com algum sentido, é necessário compreender que as palavras que o

integram representam conceitos, os quais apresentam limites máximos”.

E dessa mesma forma já se pronunciou o Pleno do Supremo Tribunal

Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 166.772-9/RS224, em

que ficou decidido que: “O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao

desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao técnico, considerados

institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita

linguagem, possuindo os institutos, as expressões, os vocábulos que a revelam conceito

222 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.Imposto sobre a renda – depósitos bancários – sinais exteriores deriqueza. Revista de direito tributário, n.º 23/24. São Paulo: RT, 1983, p. 92. Ver também: AMARO, Luciano.Periodicidade do imposto de renda 1. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 27.223 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a renda – requisitos para uma tributação constitucional. Rio deJaneiro: Forense, 2003, p. 218.224 Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 16.12.1994.

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estabelecido com a passagem do tempo, quer por força dos estudos acadêmicos quer, no

caso do Direito, pela atuação dos Pretórios”.

4.2.2 Do conceito em si

Da análise das diferentes acepções do vocábulo “renda” no texto

constitucional225, verificamos que este apresenta muitas ambigüidades, o que acaba por

dificultar o processo de construção de seu conteúdo semântico. Mesmo considerando o

contexto constitucional, procedimento fundamental para essa tarefa, não conseguimos

chegar próximo a um conceito claro de “renda tributável”226.

Nada obstante, quando utilizada pelos constituintes originários a

expressão “renda” já possuía um sentido, ainda que “bruto”, de tal sorte que este deve ser

o ponto de partida para verificação desse conceito, o qual, certamente, deve ser adequado

ao contexto constitucional, que prevê uma série de mecanismos de freios e contrapesos à

atividade de tributação.

Como bem leciona Humberto Ávila227: “A concretização da relação

obrigacional tributária (que tem por objeto o pagamento do imposto sobre a renda)

provoca, necessariamente, a incidência de determinadas normas jurídicas: de um lado, das

normas, princípios e regras que protegem os bens jurídicos cuja realização é por ela

restringida (...)”.

225 Constituição Federal (incluindo alterações promovidas por emendas constitucionais), artigos 7º, XII; 30, III; 43, §2º, IV; 48, I; 150 VI, “a”, “c”, § 2º, § 3º, § 4º; 151, II; 153, III, § 2º, II; 157, II; 158, I; 159, I, § 1º; 192, VII; 201, II,III. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigos 72, I, II, V, § 5º; 79.226 Nossa conclusão é a mesma a que chegou Luís Cesar Souza de Queiroz. QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Impostosobre a renda – requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 215-216.227 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 105.

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Há mais de duzentos anos estuda-se o que significa renda, havendo

dezenas de teorias sobre o assunto, quer de cunho econômico, quer de cunho jurídico228.

Da análise das teorias mais relevantes sobre o tema, parece-nos possível agrupá-las em

três classes229: i) teoria da renda-produto; ii) teoria da renda-acréscimo patrimonial230; iii)

teoria legalista231, que se subdivide em duas correntes: iii.a) em sentido estrito232; iii.b) em

sentido amplo233.

228 Nossos comentários baseiam-se no apanhado realizado por Horacio Belsunce, em estudo publicado em meadosdos anos 60. BELSUNCE, Horacio. El concepto de redito en la doctrina y en el derecho tributario. Buenos Aires:Depalmas, 1967.229 Os representantes da doutrina brasileira de modo geral, com uma ou outra variante, enquadram-se ou na correnterenda-acréscimo patrimonial, ou na corrente legalista, uns em sentido estrito, outros em sentido amplo, excetoAliomar Baleeiro, José Luiz Bulhões Pedreira e Sidney Saraiva Apocalypse, para os quais o conceito constitucionalcorresponde ao da teoria renda-produto. Para tanto, ver: APOCALYPSE, Sidney Saraiva. Doação recebida porpessoa jurídica – imposto de renda. Revista dialética de direito tributário, n.º 48. Dialética: São Paulo, 1999, p. 176;BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.183; PEDREIRA, JoséLuiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 175-176. 230 Teoria renda-acréscimo patrimonial: i) AMARO, Luciano. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista dedireito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 27; ii) ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto derenda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 58; iii) ÁVILA, Humberto. A hipótesede incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revista de direito tributário, n.º 77. SãoPaulo: Malheiros, 2000, p. 13-114; iv) BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência.São Paulo: Dialética, 2001, p. 93; v) DERZI, Misabel de Abreu Machado. Periodicidade do imposto de renda 2.Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 45; v) ELBE QUEIROZ, Mary. Imposto sobre arenda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole, 2004, p. 84; vii) LIMA GONÇALVES, José Artur.Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 170-198; viii) MARIZ DEOLIVEIRA, Ricardo. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: RT, 1977, p. 22; ix) MOSQUERA, RobertoQuiroga. Renda e proventos de qualquer natureza – o imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética,1996, p. 71-116; x) QUEIROZ, Luís Cesar de Queiroz. Imposto sobre a renda – requisitos para uma tributaçãoconstitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.239; xi) ROLIM, João Dácio.O conceito jurídico de renda eproventos de qualquer natureza: alguns casos concretos – adições e exclusões ao lucro real. In: ROCHA, Valdir deOliveira (Coord.), Imposto de renda – questões atuais e emergentes. São Paulo: Dialética, 1995, p. 93.231 Dentre aqueles que se filiam à corrente legalista, em quaisquer de suas acepções, uns entendem que norma geralbrasileira (Código Tributário Nacional, artigo 43) adotou a teoria renda-produto, outros a teoria-acréscimopatrimonial.232 Teoria legalista em sentido estrito (todos os autores identificados entendem que o Código Tributário Nacional,artigo 43, adotou a teoria renda-produto: i) CARVALHOSA, Modesto. Imposto de renda – conceituação no sistematributário da Carta Constitucional. Revista de direito público, n.º 1. São Paulo: RT, 1967, p. 188-196; ii) MARTINS,Ives Gandra da Silva. Inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei n.º 7.713/88. In: ROCHA, Valdir de Oliveira(Coord.), Imposto de renda – questões atuais e emergentes. São Paulo: Dialética, 1995, p. 63; iii) SOUSA, RubensGomes de: O fato gerador do imposto de renda. Revista de direito administrativo – seleção histórica. Rio de Janeiro:Renovar, 1991, p. 167-187; A evolução do conceito de rendimento tributável. Revista de direito público, n.º 14. SãoPaulo: RT, 1970, p. 339-353; Imposto de renda e seguro dotal. Revista de direito administrativo, n.º 27. Rio deJaneiro: FGV, 1952, p. 12-33; Imposto de renda – amortização das ações das sociedades anônimas. Revista dedireito administrativo, n.º 49. Rio de Janeiro: FGV, 1957, p. 475-493; iv) TILBERY, Henry: Comentários ao CódigoTributário Nacional – arts 43, 44 e 45. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Comentários ao CódigoTributário Nacional, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 312-336; A tributação dos ganhos de capital. São Paulo:Resenha Tributária, 1977, p. 12-17; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Imposto sobre a renda. Tributação das mais-valias em geral, e, especialmente, das realizadas por pessoas residentes ou domiciliadas no exterior. Estudos epareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p.298.233 Teoria legalista em sentido amplo: ii) JUSTEN FILHO, Marçal. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista dedireito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 18; iii) LEMKE, Gisele. Imposto de renda – os conceitos de

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Essa terceira corrente pouquíssimo oferece em termos de proposta de

conteúdo semântico do vocábulo renda, haja vista, para esta, competir à lei a definição em

causa. Num sentido estrito, teria o legislador infraconstitucional ampla liberdade para

definir o que seja renda. Num sentido amplo, o legislador infraconstitucional teria

liberdade para definir o que seja renda, todavia respeitando os parâmetros constitucionais,

tal qual a delimitação negativa, isto é, outras materialidades já indicadas no texto

constitucional.

Já as teorias renda-produto e renda-acréscimo patrimonial não

divergem quanto ao vocábulo renda corresponder a acréscimo a um patrimônio. O ponto

fundamental que diferencia uma teoria da outra é a fonte de produção da renda. Para a

primeira corrente – teoria renda-produto – a renda tem como fonte uma atividade ou fluxo

de “riqueza” em certo período de tempo. Para a segunda – teoria renda-acréscimo

patrimonial, a renda consiste em riqueza nova, derivada ou não da própria atividade ou

patrimônio da pessoa. Pouco importa para essa última vertente qual seja a fonte da renda,

se interna ou externa ao patrimônio.

Nessa esteira, temos que o conteúdo semântico do vocábulo renda

que deve ser tomado como partida para sua verificação no contexto constitucional é o de

acréscimo patrimonial, riqueza nova. Confrontando isso com os princípios constitucionais,

mais o que dispõem as normas gerais de direito tributário presentes no Código Tributário

Nacional, vislumbraremos o conteúdo semântico da materialidade utilizada na

discriminação de competências tributárias234.

renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998, p. 30; iv) MACHADO, Hugo de Brito.A tributação do lucro e a compensação de prejuízos. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Imposto de renda –questões atuais e emergentes. São Paulo: Dialética, 1995, p. 52-54; v) PAIVA, Ormezindo Ribeiro. Periodicidade doimposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 41-42; TÔRRES, HelenoTaveira. Pluritributação internacional das rendas das rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 123;XAVIER, Alberto. Transmissão de imóvel situado na França por residentes no Brasil. Direito tributário eempresarial - pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 148.234 ELBE QUEIROZ, Mary. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole, 2004, p.84.

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Page 92: RENATO NUNES - PUC-SP

Por se tratar de acréscimo patrimonial, verifica-se, desde já, que com

o conceito de patrimônio não se confunde o de renda235. Mas não necessariamente é

preciso haver patrimônio para existir renda. As pessoas, físicas ou jurídicas, podem ter

nenhum patrimônio. Quando passam a ter, isto será produto de um acréscimo, mas não

acréscimo a um patrimônio, e sim de um patrimônio.

Patrimônio é a universalidade de direitos reais e pessoais, e

obrigações economicamente avaliáveis, intitulada por uma pessoa236 237. Por

economicamente avaliáveis entendam-se direitos reais e pessoais, e obrigações,

mensuráveis em moeda.

Modesto Carvalhosa238 inclui nesse conceito a capacidade intelectual

ou laborativa, com o que, ao menos para fins tributários, não podemos concordar. Esta

capacidade não é avaliável economicamente, salvo quando exercida mediante

remuneração. Mas, nesse caso, não será a capacidade mensurável economicamente, e sim

sua remuneração, o que sem sombra de dúvidas poderá corresponder a um direito real ou

pessoal.

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Page 93: RENATO NUNES - PUC-SP

Como elemento do ordenamento jurídico, o patrimônio também deve

ser vertido em linguagem competente para existir juridicamente. A referência para o

direito, para se verificar se houve acréscimo ou não a um dado patrimônio, são direitos

reais ou pessoais e obrigações, vertidos em linguagem competente239.

Por vezes, como demonstraremos, deixa o patrimônio de ser aferido

exclusivamente em função da pessoa, mas também por força de circunstâncias em torno

das quais existam conjuntos de direitos pessoais ou reais, e obrigações240. Isto é, o

ordenamento jurídico pode determinar a segregação de patrimônio em função de critérios

previstos pelo próprio ordenamento.

Quando uma pessoa relacione-se pessoalmente com o território de um

dado ordenamento, de fato, há somente um patrimônio, a saber, a universalidade de

direitos reais ou pessoais, e obrigações, por ela intitulados. Por outro lado, quando essa

relação dá-se em função de atos ou fatos ocorridos nos limites territoriais de um dado

sistema jurídico, é possível haver segregação do patrimônio. A pessoa nunca deixa de ser

referência. Mas a esse critério podem ser adicionados outros, de tal sorte que seja possível

identificar diferentes patrimônios intitulados por uma única pessoa.

Renda, então, quer para a teoria renda-acréscimo patrimonial, quer

para a teoria renda-produto, consiste no acréscimo a um dado patrimônio (vertido em

linguagem competente), obtido mediante o confronto de mutações patrimoniais positivas e

negativas, ambas as espécies de mutações mensuráveis em moeda241. Outrossim, a adoção

239 Leciona Paulo de Barros Carvalho que: “De ver está que o discurso prescritivo do direito posto indica, fato porfato, os instrumentos credenciados para constituí-los, de tal sorte que os acontecimentos do mundo social que nãopuderem ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por maisevidentes que sejam”. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 98.240 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1955, p. 154;SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, vol. VI, p. 70.241 O pleno do Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unanimidade no sentido de que renda possui um significadomínimo, independentemente da teoria que se adote, se renda-produto, ou se renda-acréscimo patrimonial. RecursoExtraordinário n.º 117.887-6/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 23.04.1993. Ver também Recurso Extraordinário n.º89.791/RS, Rel. Min. Cunha Peixoto, DJ 20.10.1978.

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desta ou daquela teoria implicará tão-somente ampliação ou restrição das mutações

patrimoniais que devem ser levadas em conta em função de sua origem.

Por mutações patrimoniais positivas entendam-se ingressos de

direitos pessoais ou reais242 que se incorporem positivamente ao patrimônio, ou liquidação

de obrigações sem que estas tenham sido satisfeitas243.

Mutações patrimoniais negativas, pode-se dizer, equivalem às

assunções de obrigações que não tenham como contrapartida a aquisição de um bem ou

direito, assim como os dispêndios de direitos reais ou pessoais que impliquem

descréscimo patrimonial.

242 Não é correto efetuar-se a contraposição entre bens e direitos. É errôneo afirmar-se que uma pessoa possui umbem. O que existe, na verdade, é uma relação jurídica entre um sujeito conhecido e a universalidade de pessoas –erga omnes -, mediante a qual aquele tem o direito de não ser impedido de exercer os direitos de uso, gozo edisposição sobre algum bem. São os chamados “direitos reais”. Quando se diz que uma pessoa possui um bem, naverdade cuida-se de um direito real, direito de propriedade. 243 Para pessoas jurídicas, receitas, por exemplo, correspondem a mutações patrimoniais positivas.

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4.2.2.1 Conceito de renda e princípios constitucionais

É necessário contextualizar o conceito anteriormente formulado junto

aos princípios constitucionais que lhe permeiam diretamente. O conceito proposto, por si

só, não fornece subsídios para saber como deve ser considerado o acréscimo patrimonial,

se separadamente, em função da natureza de cada mutação patrimonial, ou se

conjuntamente, deduzindo-se toda e qualquer mutação patrimonial negativa ou somente

aquelas necessárias à manutenção do patrimônio.

As respostas a essas questões somente podem ser obtidas mediante

análise dos princípios constitucionais que informam diretamente o imposto sobre a renda,

a saber, igualdade, capacidade contributiva (objetiva e subjetiva), universalidade e direito

de propriedade.

Determina o princípio da igualdade, como vimos, que a discriminação

entre pessoas por meio de normas jurídicas somente pode ocorrer se houver correlação

lógica entre o discrímen e a situação discriminada, bem como fundamentação desta

correlação nos valores constitucionalmente prestigiados.

Regular relações intersubjetivas sempre é uma forma de

discriminação, e, mesmo quando essa regulação diga respeito à transferência de dinheiros

para os cofres públicos a título de tributo, não é diferente. Quando esta transferência der-

se por meio de impostos, será norteada pelo princípio da capacidade contributiva. Este, a

priori, é o discrímen constitucionalmente eleito para a instituição e cobrança de exações

dessa natureza. Exige o princípio da igualdade à observância da capacidade contributiva

em sede de instituição e exigência de impostos.

No plano legislativo, o princípio da capacidade contributiva tem a

função de servir como limite à escolha da matéria factual para compor a hipótese da regra-

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matriz de incidência (capacidade contributiva objetiva). No plano da aplicação da regra-

matriz – instituição da norma individual e concreta – funciona como critério de graduação

individual do quanto pode o contribuinte suportar em termos de carga fiscal244.

A capacidade contributiva, seja objetiva, ou subjetiva, não deve ser

considerada globalmente, tendo em conta todo o patrimônio do contribuinte. Deve,

outrossim, ser aferida em função de cada imposto especificadamente245. Do contrário,

restaria desvirtuada sua função de princípio norteador dessa espécie de exação, para ser de

todo e qualquer tributo, o que certamente não guardaria consonância com o texto

constitucional.

Não podem servir como critério de gradação da capacidade

contributiva as mutações negativas que não as necessárias à aquisição, produção e

manutenção da própria renda e do patrimônio246. Toda e qualquer mutação negativa que

não o seja para esses fins é supérflua.

Admitindo-se que toda e qualquer mutação negativa possa ser

deduzida na apuração da renda, o critério de discriminação entre um contribuinte e outro,

relativamente ao montante a se pagar de imposto, seria, em última análise, o volume de

gastos, e não mais capacidade contributiva.

244 Ver sobretudo: GIARDINA, Emilio. Le basi teoriche del principio della capacità contributiva. Milão: Giuffrè,1961, 477 p.; COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.26; TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado – autonomia privada, simulação, elusãotributária. São Paulo: RT, 2003, p. 262; 245 BECKER, Alfredo Augusto.Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 496-497;COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 55-58; DERZI,Misabel de Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2001, p. 694-695. Em sentido contrário, ver: BARRETO, Aires Fernandino. Base de cálculo,alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 135-136; COÊLHO, Sacha CalmonNavarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46-47.LIMA GONÇALVES, José Artur. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 64-65; OLIVEIRA,José Marcos Domingues de. Direito tributário – capacidade contributiva, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 91e seguintes.246 O mínimo vital a que se referem muitos autores corresponde às despesas necessárias à aquisição, produção emanutenção da renda e do patrimônio, razão pela qual não fizemos uso dessa expressão. Pode-se dizer que nãosomente o direito de propriedade justifica isso, mas também, no caso de pessoas físicas, o princípio da dignidadehumana.

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Distorcendo-se o discrímen, distorce-se a correlação lógica entre este

e a situação discriminada, o que implica afronta ao princípio da igualdade. Por força do

princípio da capacidade contributiva objetiva, deve o legislador determinar que sejam

consideradas na apuração de acréscimo patrimonial somente as mutações negativas

necessárias à aquisição, produção e manutenção da própria renda e do patrimônio247.

E por ser o imposto sobre a renda tributo nitidamente pessoal, as

mutações negativas necessárias à manutenção do patrimônio devem ser aferidas caso a

caso, norteando-se pela capacidade contributiva subjetiva248.

A consideração das mutações negativas necessárias à aquisição,

produção e manutenção da renda e do patrimônio é corolário do direito de propriedade.

Não admiti-las seria uma forma de relativização do direito a possuir um patrimônio249.

Como nos ensina Misabel de Abreu Machado Derzi250: “O que se

tributa por meio da renda não é o próprio patrimônio, de modo algum, mas o algo novo

que é acrescido ao patrimônio ou algo novo como excedente e, portanto, é preciso não

atingir aquele mínimo dispensável à manutenção do próprio patrimônio, sob pena de

confundirmos renda com imposto sobre patrimônio”.

Se há restrições quanto à consideração das mutações patrimoniais

negativas, o mesmo não se pode dizer das positivas. Além da imposição de critérios para

247 Por essa razão, entendemos ser incorreto cogitar-se, para fins de tributação, a hipótese de renda consumida.Consome-se renda depois que esta é verificada. Antes disso, o que se tem é apuração de renda, cujo processoconsistirá no confronto entre todas as mutações patrimoniais positivas e as mutações negativas necessárias àaquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio.248 Apenas a título ilustrativo, estabelece a legislação infraconstitucional do imposto sobre a renda devido por pessoasjurídicas que, via de regra, são dedutíveis da apuração deste imposto somente as despesas usuais, normais enecessárias à consecução das atividades da empresa – Lei n.º 4.506/64, artigo 47.249 ELBE QUEIROZ, Mary. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole, 2004, p.76.250 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Periodicidade do imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 45.

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se realizar discriminações, estabelece o princípio da igualdade251 que todos que se

encontrem na mesma situação devem ser tratados igualmente.

A pretensão de eficácia do princípio da igualdade exige que todas as

mutações patrimoniais positivas252 dos contribuintes sejam computadas na apuração de

acréscimo patrimonial253. O princípio da universalidade254, outrossim, nada mais é que

mero desdobramento do princípio da igualdade255. Mas para serem consideradas, deve

haver critério de conexão legítimo entre as mutações patrimoniais, cujo confronto dá

origem à renda, e o território brasileiro, haja vista vigorar, por força constitucional, o

princípio da territorialidade material.

Tendo em conta essas premissas, fácil verificar que o acréscimo

patrimonial não é aferido em função dessa ou daquela mutação patrimonial positiva, tal

como recebimento de salário, de juros etc. Face ao princípio da igualdade, deve a renda

corresponder ao saldo positivo obtido mediante o confronto de todas256 as mutações

patrimoniais positivas e as negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da

própria renda e do patrimônio.

251 Constituição Federal, artigo 5º, caput.252 Significa dizer que é indiferente o fato ou ato jurídico motivador da mutação patrimonial positiva dar-se a títulooneroso ou a título gratuito.253 MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Princípios fundamentais do imposto de renda. In: SCHOUERI, Luís Eduardo;ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.), Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo:Dialética, 1998, p. 214.254 Constituição Federal, artigo 153, § 2º, I.255 São desdobramentos do princípio da igualdade, também, o da generalidade e progressividade (ConstituiçãoFederal, artigo 153, § 2º, I). Determina o princípio da generalidade que todos os contribuintes que aufiram rendadevem ser gravados pelo respectivo imposto. E o da progressividade que a alíquota do imposto em causa sermajorada quanto maior for o valor da renda. Dado que estes princípios não informam diretamente o conceito derenda, deixaremos de tratá-los com maiores detalhes.256 Ver, dentre outros: PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro:Justec, 1979, p. 179; ULHÔA CANTO, Gilberto de. A aquisição de disponibilidade e o acréscimo patrimonial noimposto sobre a renda. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva, Estudos sobre o imposto de renda, em memória deHenry Tilbery. São Paulo: Resenha Tributária, 1994, p. 33-40.Em sentido contrário: COSTA, Alcides Jorge. Imposto sobre a renda – a aquisição da disponibilidade jurídica oueconômica como seu fato gerador. Limite de sua incidência. Revista de direito tributário, n.º 40. São Paulo: RT,1987, p. 103-107; FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1971,vol. II, p. 66; MARTINS, Ives Gandra da Silva. A hipótese de imposição do imposto sobre a renda e proventos dequalquer natureza. A convivência de regimes jurídicos distintos para a apuração do “quantum debeatur” concernenteao referido tributo. Opinião legal, imposto de renda – estudos, n.º 37. São Paulo: Resenha Tributária, 1993, p. 09-25.

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Por tudo que foi exposto, entendemos que o conceito constitucional

de renda coaduna-se com as orientações da teoria renda-acréscimo patrimonial.

4.2.2.2 Período como condição inexorável para apuração de renda

Não requer muito esforço verificar que a idéia de acréscimo somente

pode ser vislumbrada a partir de um dado pré-estabelecido. O acréscimo ou decréscimo

patrimonial nada mais é do que uma comparação entre o patrimônio numa data e em outra.

Período é o lapso de tempo compreendido entre um dado marco

inicial e um marco final. O confronto de mutações patrimoniais positivas e negativas

dentro de um dado período, se resultar saldo positivo, corresponde a acréscimo

patrimonial.

Isso chega até ser intuitivo. Sem cortes temporais para se verificar o

resultado de confrontos de mutações patrimoniais restaria impossível a verificação de

ocorrência ou não de acréscimo patrimonial. Imperioso, portanto, admitir que é

essencial257 a existência de período para que se possa cogitar em renda258.257 Em sentido contrário, ver: FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: ResenhaTributária, 1971, vol. II, p. 66; MARTINS, Ives Gandra da Silva. A hipótese de imposição do imposto sobre a rendae proventos de qualquer natureza. A convivência de regimes jurídicos distintos para a apuração do “quantumdebeatur” concernente ao referido tributo. Opinião legal, imposto de renda – estudos, n.º 37. São Paulo: ResenhaTributária, 1993, p. 09-25.258 Qual é o período necessário para apuração de renda? Por ser ínsito ao conceito de renda, entendemos que afixação de período não pode ficar à disposição do legislador infraconstitucional. Deve ser pesquisado critérioconstitucional indicativo do período a ser considerado na apuração de renda tributável e, a nosso ver, duas são aspossibilidades. Para os residentes e domiciliados no Brasil, bem como os não-residentes sujeitos ao regime sintéticode tributação, esse período deve ser de um ano. A Constituição consagra a anualidade do exercício financeiro, peloque deve este critério ser aplicado não só ao imposto sobre a renda, como também aos impostos sobre a propriedade,enfim, aqueles que necessitam de fixação de um período para que possam ocorrer seus respectivos fatos jurídicotributários. No caso dos não-residentes sujeitos ao regime analítico de tributação, isso não se aplica. A forma deapuração da renda nesse caso não se coaduna com uma periodização pré-determinada. Com efeito, o período variaráem função de cada espécie de fonte de produção de renda, assim como em função de cada caso concreto. Sobre aquestão da periodização anual, ver, dentre outros: ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto de renda 1. Revistade direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 20-21; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Periodicidadedo imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 52; DERZI, Misabel deAbreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2001, p. 160-161; LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais.

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Por tudo que foi exposto até o presente momento, temos que renda é

acréscimo patrimonial, decorrente do confronto entre todas as mutações patrimoniais

positivas e as mutações negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da

própria renda e do patrimônio, ocorridas num determinado período. Para tanto, devem ser

consideradas somente as mutações patrimoniais, quer positivas, quer negativas, que

guardem relação com o território brasileiro, o que é vislumbrado mediante a existência de

um legítimo critério de conexão.

4.2.2.3 Contraponto entre renda e rendimento

Os vocábulos rendimento e renda são tradicionalmente tratados como

sinônimos, quando na verdade não o são. A própria Constituição, assim como faz com

proventos, refere-se a rendimentos na grande maioria das vezes259 como mutação

patrimonial positiva.

Ensina-nos Misabel de Abreu Machado Derzi260 que: “Nós sabemos

muito bem que rendimento é só retribuição ou remuneração no sentido de contra-

prestação de atividade qualquer ou de um fator que produza riqueza. (...) O conceito de

rendimento, de fato, independe do tempo, mas não significa renda”.

São Paulo: Malheiros, 1997, p. 186. Entendem pela necessidade de período, mas não necessariamente anual, dentreoutros: AMARO, Luciano. Imposto sobre a renda. Revista de direito tributário, n.º 60. São Paulo: Malheiros, 1993,p. 210-220; APOCALYPSE, Sidney Saraiva. Imposto de renda. Período-base deve ser anual? Revista de direitotributário, n.º 60. São Paulo: Malheiros, 1993, p.106-108.259 Constituição Federal (incluindo alterações promovidas por emendas constitucionais), artigos 145, § 1º; 150, II;153, § 2º, II; 155, II; 157, I; 158, I; 195, I; 201, § 5º, 239, § 3º. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,artigos 53, II; 81, § 1º. O único artigo que não usa o vocábulo “rendimento” com essa conotação é o artigo 217, II, daConstituição Federal.260 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Periodicidade do imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 44-45. Ver também: QUEIROZ, Luís Cesar de Queiroz. Imposto sobre a renda –requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 194.

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Ainda que possa ser vislumbrado lapso de tempo para a verificação

de rendimento, dado que a noção deste prescinde o confronto com outras mutações

patrimoniais, sobretudo as negativas necessárias à sua obtenção, não há como confundi-lo

com o conceito de renda proposto no presente trabalho.

Rendimento corresponde, pois, à mutação patrimonial positiva.

Conceito inconciliável com o de renda. Rendimento integra a apuração da última, mas

com esta não se confunde.

4.2.3 O artigo 43 do Código Tributário Nacional

O Estado Brasileiro, como já vimos, é formado por três espécies de

pessoas políticas, União, Estados e Municípios, todas iguais entre si, cada qual com

competências legislativas próprias, inclusive de cunho tributário.

Por ser assim, a própria Constituição encarregou-se de discriminar as

competências para instituição de impostos indicando a materialidade destes, o que previne

duas ou mais pessoas políticas recorrerem a uma mesma hipótese (fato gerador) para

instituírem mais de um imposto.

Dada a possibilidade de haver “zonas cinzentas” entre um e outro

conceito utilizado na discriminação de competências tributárias, remeteu a Constituição à

lei complementar a tarefa de veicular normas gerais definindo com maior precisão os

fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos nela já previstos.

O Código Tributário Nacional, recepcionado pela atual Carta Magna

como lei complementar, exerce a função acima indicada com relação a alguns impostos,

dentre estes o sobre a renda, conforme dispõe seu artigo 43:

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“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e

proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade

econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da

combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os

acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita

ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem

e da forma de percepção.

§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a

lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins

de incidência do imposto referido neste artigo”.

Esse dispositivo, salvo com relação à conceituação do que sejam

proventos de qualquer natureza, elucida bem o conceito de renda constitucionalmente

pressuposto.

Quanto a proventos de qualquer natureza, é extremamente infeliz a

redação do dispositivo em causa, dado que a Constituição os define como remuneração

decorrente do trabalho recebida por quem já deixou de trabalhar, quer por motivo de

doença, quer de aposentadoria, e não como acréscimos patrimoniais que não decorrentes

do trabalho, do capital ou da combinação de ambos.

Além disso, a noção de proventos de qualquer natureza ofertada pelo

dispositivo acima colacionado distorce o conceito de renda, confundido-o com mera

mutação patrimonial positiva.

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Renda, materialidade da regra-matriz de incidência do imposto em

causa, equivale a acréscimo decorrente do confronto entre mutações patrimoniais

positivas e negativas num determinado período. Conceito inconciliável com o de mutação

patrimonial positiva, a qual corresponde a ingresso de direito pessoal ou real,

economicamente mensurável, que se integre positivamente ao patrimônio, ou liquidação

de obrigação sem que esta tenha sido satisfeita.

Note-se que, a se adotar o tratamento sugerido pelo inciso II do

dispositivo em análise, chegar-se-ia ao cúmulo de se ter a tributação de uma mutação

patrimonial positiva como se renda fosse, sem a dedução da ou das mutações negativas

necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio,

garantida constitucionalmente. Por óbvio não é essa a orientação do Sistema Jurídico

Brasileiro, haja vista recair o imposto sobre renda, e não sobre mutações patrimoniais

positivas pura e simplesmente, tais como rendimentos.

Nada obstante, a despeito do inciso II apontado, o inciso I e

parágrafos do artigo 43 interpretados sistematicamente permitem vislumbrar que a

referência é ao conceito constitucional de renda em sua inteireza.

Em consonância com nossas considerações acerca da impossibilidade

de, em sede de impostos de competência da União, norma geral dispor sobre critérios de

conexão, assim é o tratamento dispensado pelo Código Tributário Nacional. Em nenhuma

de suas passagens é determinado que este ou aquele deva ser o critério de conexão para

fins de rendas, quer auferidas por residentes ou domiciliados neste País, quer por não-

residentes. O conceito constitucional por si só, elucidado pelo que dispõe o dispositivo em

análise, permite ao legislador identificar os critérios de conexão possíveis para dar lugar à

incidência do imposto sobre a renda.

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4.2.3.1 Disponibilidade econômica e jurídica

É determinado pelo caput do artigo 43 do Código Tributário Nacional

que o imposto aqui analisado tem como fato gerador a disponibilidade econômica ou

jurídica da renda. Somos da opinião que o dispositivo anteriormente colacionado não trata

dos possíveis critérios temporais do imposto sobre a renda, mas sim de elemento atinente

à sua própria materialidade261.

Deveras, a disponibilidade é elemento da propriedade262, que consiste

no poder de dispor sobre algo, ou seja, gozar da livre faculdade de dar ao bem ou direito a

utilidade que desejar o seu titular263 264. Falar em ingresso de direito real ou pessoal que se

incorpore positivamente ao patrimônio (uma das possibilidades de mutação patrimonial

positiva) é assumir que estes sejam de titularidade daquele que os adquire e, para tanto,

imperioso haver disponibilidade.

Mais uma razão para se refutar a tese de que disponibilidade

econômica ou jurídica da renda corresponde a possíveis critérios temporais do imposto

261 “Portanto, as aquisições de disponibilidade econômica ou jurídica de rendas e proventos não correspondemexatamente ao elemento temporal do fato gerador, mas se constituem em fatos participantes do próprio aumentopatrimonial, indicadores da circunstância de que cada um desses fatos está completo, tendo produzido aumentopatrimonial”. MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Princípios fundamentais do imposto de renda. In: SCHOUERI, LuísEduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.), Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado.São Paulo: Dialética, 1998, p. 225.“Quindi, pertettamente d’accordo che la realizzazione sia condizione indispensable perchè il reddito siaassoggettabile al tributo, ma in quanto essa costituisce un momento della produzione, per cui dicendo redditoprodotto si dice che il reddito è stato anche realizzato”. ZAPPALA, Lelio e LANZA, Francesco. L’imposta suiredditi mobiliari. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Joveven, 1964, p. 51.262 O Código Civil brasileiro não define o que seja propriedade, mas indica notas (poderes do proprietário) quepermitem identificá-la: “Artigo 524 - A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e dereavê-los do poder de quem quer que os injustamente possua”.263 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. IV, p. 70:“O ius abutendi, no sentido de disponendi, envolve a disposição material que raia pela destruição (De Page) como ajurídica, isto é, o poder de alienar a qualquer título – doação, venda, troca; quer dizer ainda consumir a coisa,transformá-la, alterá-la; significa ainda destruí-la, mas somente quando não implique em procedimento anti-social.264 “O direito de dispor, o mais importante dos três, consiste no poder de consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-lade ônus e de submetê-la ao serviço de outrem”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direitodas coisas, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 93.Ver PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a Renda – Pessoas Jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, vol.I, p. 196: “O direito de dispor é um dos elementos da propriedade e assegura ao proprietário o poder jurídico de dar àcoisa, objeto do domínio, o destino que lhe aprouver – usando-a, consumindo-a ou transferindo-a a terceiros”.

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em causa é o fato de que a disponibilidade não se refere à renda, mas sim a um de seus

elementos formadores, a saber, os ingressos de direitos pessoais ou reais que se

incorporem positivamente ao patrimônio de alguém. Ainda que não houvesse

determinação expressa nesse sentido, a inteligência do conceito renda por si só já nos

remeteria a essa conclusão265.

Último ponto a ser tratado no presente tópico diz respeito à

diferenciação que é feita entre disponibilidade econômica e jurídica. Costuma-se

diferenciá-las indicando, a grosso modo, que: a primeira corresponde ao poder de dispor

efetivamente da renda – renda realizada -, isto é, ter a posse direta da renda (moeda, bens

ou direitos)266; a segunda, equivale à renda adquirida, a qual o beneficiário tem o poder de

possuir a posse direta, quando melhor lhe aprouver.

Não há razão para a distinção comentada267. Ambas as espécies de

disponibilidade são jurídicas. E, aliás, aproveitamos, mais uma vez para destacar que a

265 “Ligeira leitura do texto mostra que há nele palavras que, na verdade, não exercem nenhuma definitória. É aexpressão disponibilidade econômica ou jurídica, que, efetivamente, está na definição, mas pode dela ser retirada semqualquer prejuízo para sua inteligência. Fica difícil explicar uma disponibilidade econômica de acréscimo de direitos.Se o acréscimo é sempre de direitos, não há como conceber que possam estar economicamente disponíveis. Todoacréscimo de direitos (reais ou pessoais, portanto, patrimoniais) estará necessariamente disponível, pelo fato singularde que os direitos acrescem ao patrimônio”. MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do artigo 43 do CTN. In:MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Estudos sobre o imposto de renda, em memória de Henry Tilbery. SãoPaulo: Resenha Tributária, 1994, p. 115.266 “(...) a disponibilidade adquirida pode, nos termos da definição, ser ‘econômica’ ou ‘jurídica’ (CTN, art. 43,caput). A aquisição de ‘disponibilidade econômica’ corresponde ao que os economistas chamam ‘separação’ derenda: é a sua efetiva percepção em dinheiro ou outros valores (RIR, art. 498). A aquisição de ‘disponibilidadejurídica’ corresponde ao que os economistas chamam de ‘realização’ da renda: é o caso em que, embora orendimento não esteja ‘economicamente disponível’ (isto é, efetivamente percebido), entretanto o beneficiado játenha título hábil para percebê-lo (RIR, art. 95, § 1º)”. SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres – II1- imposto derenda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 277.“Disponibilidade econômica é poder de dispor efetivo e atual, de quem tem a posse direta da renda.(...)Disponibilidade jurídica é a presumida por força de lei, que define como fato gerador do imposto a aquisição virtual,e não efetiva, do poder de dispor de renda. A disponibilidade é virtual quando já ocorreram todas as condiçõesnecessárias para que se torne efetiva”. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas.Rio de Janeiro: Justec, 1979, vol. I, p. 119-120.267 “O que é criticável naquele enunciado normativo (art. 43, CTN) é apenas a terminologia adotada, porque não nosparece apropriado falar numa ‘disponibilidade econômica’ como contraposta a uma ‘disponibilidade jurídica’, porqueambas são plenamente jurídicas, sendo a primeira (dita econômica) apresentada, ainda mais, como materialmentedisponível. Como ‘renda’, para o direito, ambas são a mesma coisa, sendo a ‘disponibilidade jurídica’ adotada emfunção do regime de competência, ex vi legis. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre asrendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 325.

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disponibilidade não é da renda, mas dos direitos economicamente avaliáveis que lhe

tenham dado origem.

Pode ocorrer de, em relação a algumas espécies de direitos, dada a

natureza do ato ou fato que tenha motivado a respectiva mutação patrimonial positiva, esta

somente ser possível mediante a atribuição da posse direta desses direitos ao

beneficiário268. É o caso típico dos rendimentos obtidos mediante o exercício de atividade

ilícita.

A mutação patrimonial somente poderá ser considerada ocorrida

quando o beneficiário tiver a posse direta do produto dessa atividade (moeda, por

exemplo). Pode, ainda, o próprio legislador optar por considerar ocorrida uma mutação

patrimonial somente quando o beneficiário detenha a sua posse direta, a despeito de ser

possível aferir capacidade contributiva anteriormente a esse momento269.

4.3 Renda auferida por pessoa não-residente

4.3.1 Critério de conexão possível

A tributação de um dado fato por uma pessoa política brasileira

pressupõe haja relação entre aquele e o território dessa pessoa política. Existindo essa

relação, sobretudo por conta da própria ocorrência do fato nos limites territoriais do

Estado Brasileiro, sua tributação legitima-se pela soberania fiscal (devidamente

268 “Em suma, o problema não está em distinguir o econômico do jurídico, tarefa de resto impossível, se posta noplano do Direito, onde só se pode distinguir entre fatos jurídicos diversos, e não entre fatos jurídicos e fatoseconômicos”. AMARO, Luciano. Imposto de renda: regime jurídico. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.),Curso de direito tributário, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 279.269 “Nesta ótica, dá-se realização da renda, afastada, para a exigência do imposto, a necessidade do recebimentofinanceiro, salvo nos casos em que a lei expressamente previr o diferimento da tributação para quando ocorrer orecebimento da renda, e também nos casos de proventos oriundos de situação de fato”. MARIZ DE OLIVEIRA,Ricardo. Princípios fundamentais do imposto de renda. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio(Coords.), Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 225.

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institucionalizada, como vimos demonstrando ao longo do presente trabalho) sobre o

respectivo território270.

Por força da territorialidade material, somente é passível de tributação

renda relacionada ao território brasileiro. Essa relação, como vimos, é vislumbrada por

meio de um critério de conexão, que, quando verificado concretamente, desencadeia

relação entre o fato jurídico tributário auferir renda e o território brasileiro.

As notas mínimas necessárias para a instituição de tributos pelo

legislador ordinário, designadamente a materialidade, coordenadas de tempo e espaço,

sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota possível, tudo isso é previsto,

implícita ou explicitamente, na própria Constituição, face às peculiaridades do Sistema

Jurídico Brasileiro.

Conquanto seja o critério de conexão, juntamente com outros,

informação mínima que carece a norma para existir, esse não pode ser escolhido pelo

legislador ordinário ao seu bel prazer. As possibilidades já estão reservadas pela

Constituição e devem ser identificadas mediante a conjugação da materialidade com

outros dispositivos constitucionais que digam respeito à ação de tributar.

A materialidade do imposto aqui analisado - auferir renda -, oferta

duas possibilidades conexão com o território brasileiro, quais sejam: i) sujeito que aufere a

renda ser pessoa física ou jurídica residente no Brasil – conexão pessoal; ou ii) o

auferimento da renda dar-se nos limites territoriais, independentemente de relação pessoal

– conexão material ou objetiva. Acomodam-se as notas correspondentes ao critério de

conexão pessoal no critério pessoal da hipótese da regra-matriz de incidência, ao passo

que as referentes ao critério de conexão objetivo, no critério espacial.

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Pessoas não-residentes, por não guardarem relação pessoal com o

território brasileiro, somente podem ser tributadas no Brasil quanto às rendas auferidas

nos limites daquele. Inexiste outra possibilidade.

Na situação em que o fato auferir renda somente possa ser tributado

pela União se ocorrido em território brasileiro, o critério de conexão configura-se como

típico enunciado de localização desse fato no espaço. Mas, afinal, que dado do fato

auferir renda pode cumprir essa tarefa?

As mutações patrimoniais, cujo confronto dá origem à renda,

correspondem à fonte dessa última. Não toda e qualquer mutação, mas tão somente as

positivas, vis a vis renda consistir num acréscimo patrimonial. Deveras, sem mutações

positivas não é possível existir renda. Se mutações negativas houver, é certo que as

necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio deverão

ser confrontadas com as positivas, pelo que é possível concluir que as mutações dessa

natureza conformam o conceito de renda, mas não dão origem a esta.

Seria possível afirmar, então, que o local de auferimento da renda é

aquele onde esteja localizada sua fonte de produção?

Devemos ter cuidado com resposta à indagação acima, haja vista

existirem diferenças entre os regimes de apuração de renda de pessoa residente e de

pessoa não-residente.

Tratando-se de pessoa residente no Brasil, como sabemos, em função

da relação pessoal que guarda com o território desse País, é indiferente a localização da

fonte da renda. É permitido ao legislador infraconstitucional determinar que mutações

patrimoniais positivas ocorridas quer em território brasileiro, quer alhures, devem ser

computadas na apuração da renda.

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Se é assim, a fonte de produção da renda, para pessoa residente, não é

critério consistente para localizá-la, conquanto seja perfeitamente possível haver mais de

uma fonte dessa natureza e, pior, fontes localizadas em territórios de países diferentes.

A importância da localização da renda de pessoa residente reduz-se à

necessidade de fixar um local de possível ocorrência do fato correspondente, de modo a

viabilizar sua subsunção à hipótese da regra-matriz de incidência. Há, nesse caso, ampla

liberdade do legislador para determinar que local será considerado como o de auferimento

da renda.

Diferentemente, tratando-se de pessoa não-residente, esta só pode ter

renda tributada no Brasil se no território deste País for auferida. Cuida-se de decorrência

do princípio da territorialidade material. Nesse caso, não há margem para o legislador

definir onde o fato ocorre. Deve ser identificado no próprio arquétipo constitucional do

imposto critério para se definir quando o respectivo fato jurídico tributário dá-se em

território brasileiro.

Renda de pessoa não-residente, por essa razão, somente pode ser

considerada auferida no Brasil e, portanto, por este País tributável, quando em seu

território localize-se a fonte de produção correspondente. É esse o critério de conexão que

possibilita a tributação em causa.

Mutações patrimoniais, dentre as quais as positivas – fonte da renda -

necessariamente resultam de um ato ou fato jurídico. A partir do momento que a

localização dessas mutações passa a ser juridicamente relevante, ingressam no

ordenamento jurídico também os fatos que as tenham motivado. Pode acontecer de

ocorrerem mutações patrimoniais em razão de atos ou fatos já regulados por outras searas

do Direito, tais como mútuo de recursos financeiros, compra e venda de bens, entre

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outros. Mas, mesmo nos casos em que isto não aconteça, o mero fato social passa a ser

fato jurídico, dado que sobre aquele incidirão regras atinentes à localização da renda271.

Importa dizer que o local de ocorrência do ato ou fato jurídico que

motive uma mutação patrimonial positiva corresponderá ao seu local de ocorrência. Se é

assim, o local de ocorrência desse ato ou fato jurídico, para fins de tributação de pessoa

não-residente, também será o de auferimento da renda.

A renda, portanto, tem como fonte atos ou fatos jurídicos que

motivem a ocorrência de mutações patrimoniais positivas. E isto é muito bem anotado

pelo Código Tributário Nacional, quando indica de maneira exemplificativa atos ou

fatos272 que podem dar lugar a mutações patrimoniais dessa natureza, designadamente o

trabalho e a exploração do capital, ou a combinação de ambos273.

Ainda tratando de Código Tributário Nacional, temos que o parágrafo

único do artigo 43 desse Diploma274 deve ser interpretado em harmonia com as conclusões

a que chegamos até o presente momento.

Pois bem, dentre outras coisas, prescreve esse comando que a

incidência do imposto aqui tratado independe da localização da fonte da renda. Sem

271 Os atos ilícitos, a despeito de serem contrários ao direito, são também “pré-juridicizados”. Aliás, o mero afirmarque estes sejam ilícitos implica reconhecê-los como fatos jurídicos. Como nos ensina Pontes de Miranda: “O suportefático, em que há o elemento ato humano, pode entrar no mundo jurídico como negócio jurídico, se esse ato humanoé negotium (= escolha de uma categoria jurídica: vender, trocar, casar-se, alugar), ou como ato jurídico não-negocial(ato jurídico stricto sensu), ou como ato-fato jurídico, ou como fato jurídico stricto sensu, ou como ato ilícito”.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller,1999, t. I, p. 125.272 O dispositivo em comento não limita a fonte da renda a esses dois casos. Pelo contrário, em estrita consonânciacom a Constituição Federal, estabelece que a renda é formada por mutações patrimoniais motivadas por quaisqueratos ou fatos.273 TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestações deserviços no exterior. Fonte de produção e fonte de pagamento. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direitotributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 90.274 “Art. 43. (...)§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condiçãojurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (...)”

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sombra de dúvida, essa é exatamente a orientação aplicável relativamente à renda de

pessoa residente. Aliás, cuida-se de determinação constitucional, apenas melhor

explicitada pelo dispositivo em comento.

Todavia, estamos convictos que é inaplicável o comando acima

mencionado quanto à renda de pessoa não-residente. Nessa situação, é imprescindível

localizar-se a fonte de produção da renda em território brasileiro.

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4.3.1.1 Momento de ocorrência do fato e critério de conexão

O critério de conexão, já vimos, consiste em notas constantes da

regra-matriz de incidência. Cuidando-se de imposto sobre a renda devido por não-

residentes, as notas descritivas de atos ou fatos jurídicos motivadores de mutações

patrimoniais positivas corresponderão ao critério de conexão que permitirá a tributação

daquela.

Pode a legislação infraconstitucional determinar seja considerado

ocorrido o fato jurídico tributário auferir renda por ocasião da realização em moeda da ou

das mutações patrimoniais positivas que lhe tenham dado origem.

Nada obstante, ainda que seja a renda considerada auferida por

ocasião de sua realização em moeda, para efeitos de sua localização no espaço e, portanto,

aferição da possibilidade de a União tributá-la ou não, o que continuará sendo

determinante para a verificação de conexão entre o fato auferir renda e o território

brasileiro serão os atos ou fatos motivadores de mutações patrimoniais positivas que

possam dar origem à renda275. Por tudo que analisamos até aqui, estamos convictos ser

esta uma determinação constitucional.

A realização da renda em moeda, por conseguinte, poderá ser

relevante para fins de determinação do momento de ocorrência do fato jurídico tributário

auferir renda, assim como possibilitar a atribuição de responsabilidade pela retenção e

275 São as lições de Gilberto de Ulhôa Canto: “Não se deve taxar um lucro apenas produzido mas ainda irrealizado.Entretanto, quando o problema se desdobra no espaço, não se há de reconhecer capacidade impositiva ao Estado darealização em detrimento do Estado da produção, quando uma e outra se verifiquem em lugares diversos”. ULHÔACANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente ou domiciliado no Brasil a vendedor de bens no exterior, em virtudede concessão de financiamento pelo próprio vendedor. Produção e realização do rendimento: local onde deve sertributado. Territorialidade. In: Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 26. Ver também:MANGANO, Sampiere. L’Imposta di ricchezza móbile e le società commerciali per azioni. Milão: Società EditriceLibreria, 1936, vol. I, p. 692-693; ZAPPALA, Lelio e LANZA, Francesco. L’imposta sui redditi mobiliari. Napoli:Casa Editrice Dott. Eugenio Joveven, 1964, p. 51.

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recolhimento do imposto à fonte pagadora, nunca para localização daquele fato no

espaço276. Nesse caso, deverão localizar-se em território brasileiro tanto a fonte de

produção da renda quanto sua fonte pagadora. Aliás, como veremos no Capítulo 6, esse é

o regime hoje adotado pela legislação infraconstitucional.

4.3.2 Regime analítico

Pessoas não-residentes não se submetem à soberania fiscal brasileira,

salvo quanto a fatos ocorridos no território do Brasil. Em sede de imposto sobre a renda,

somente quanto às mutações patrimoniais ocorridas em território brasileiro, bem como os

direitos reais e pessoais, e obrigações, mantidos neste território. Nos dizeres de Alberto

Xavier: “As pessoas domiciliadas no exterior, sejam pessoas físicas, sejam pessoas

jurídicas, apenas são tributáveis no Brasil pelos rendimentos que aqui tenham sido

produzidos, isto é, por rendimentos imputáveis a fontes nacionais”277.

A submissão de pessoa não-residente à soberania fiscal brasileira,

pois, pela sua própria condição, é casual, fortuita278. De posse dessa premissa, forçoso

concluir ser impossível obrigar pessoa não-residente, ao final de um dado período,

confrontar suas mutações patrimoniais ocorridas nos limites do território brasileiro e

276 Segundo Ricardo Mariz de Oliveira: “Por fontes nacionais deve-se entender corretamente fontes que exercem asatividades, e não fontes pagadoras”. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: RT, 1977, p. 267.277 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 387.278 “(...) seria inconcebível e inexeqüível, no caso das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, apurar o lucro realauferido por ela da fonte produtora no país, mediante escrituração mantida na sede delas no exterior – este já, por si,seria um argumento suficiente para justificar nossa tese que também as pessoas jurídicas – não só as físicas –residentes no exterior só podem ser tributadas pelo ‘rendimento’ (como definido na legislação aplicável às pessoasfísicas residentes no país) e não sobre o ‘lucro’ apurado pela contabilidade”. TILBERY, Henry. A tributação dosganhos de capital nas vendas de participações societárias pelas pessoas físicas. São Paulo: Resenha Tributária,1976, p. 94.“Não sendo possível qualificar a presença da pessoa não-residente como ‘estabelecimento permanente’, o tratamentoisolado justifica-se pelo próprio tipo de conexão que se forma entre o contribuinte e o território do Estado (ocasionale fortuito), sendo autônomos os rendimentos, por força das próprias circunstâncias do modo como são produzidos,sem um referencial que possa consolidá-los”. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre asrendas de empresas, 2.ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 335.

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Page 114: RENATO NUNES - PUC-SP

recolher imposto sobre a renda, se acréscimo patrimonial for verificado279, salvo se aquela

for equiparada à pessoa jurídica brasileira280.

Nem se diga que a instauração de obrigatoriedade de pessoa não-

residente outorgar poderes a pessoa residente no Brasil, responsabilizando este último

pelo controle das mutações patrimoniais por aquele realizadas em território nacional. Isso

porque o representante da pessoa não-residente somente pode ser responsabilizado pelo

controle de mutações patrimoniais decorrentes de atos ou fatos dos quais participe. Aliás,

essa limitação é didaticamente prevista pelo Código Tributário Nacional, artigo 128. Não

há meios de se exigir que o não-residente informe seu procurador acerca das mutações

patrimoniais decorrentes de ato ou fatos com os quais se relacione, salvo se houver

aplicação da lei brasileira no país onde aquele resida, o que somente pode ser feito se

existir acordo de vontades para tanto.

Caso se incumbisse à administração tributária realizar essa tarefa,

qual seja, verificação das mutações patrimoniais promovidas por pessoa não-residente,

apuração do imposto e sua cobrança, sua tamanha complexidade certamente implicaria

afronta ao princípio constitucional da praticidade, que determina não sejam editadas leis

cuja execução seja trabalhosa281, o que seria o caso. A se editar lei de difícil execução,

tem-se, por conseqüência, grande possibilidade de não ser aplicada igualmente a todos,

indo contra ao que determina o princípio da igualdade.

Por conseguinte, deve ser considerado patrimônio da pessoa não-

residente existente no ordenamento jurídico brasileiro o conjunto de direitos reais ou

279 “Estou fazendo remessa de dinheiro, remessa de juros, pagamento disto ou daquilo a um beneficiário do exterior;vou exigir que ele venha aqui no final do período para fazer uma declaração onde ele compute também o que elegastou lá com os filhos ou com a família e as demais rendas que ele teve, para dizer: ‘olha, meu caro, então a suarenda aqui é x nesse período e o senhor vai pagar imposto’? Ora, ele não está sujeito à minha soberania; se eu deixaro dinheiro sair não há nada que juridicamente o obrigue a vir ao Brasil pagar o imposto”. AMARO, Luciano.Periodicidade do imposto de renda 1. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 30.280 Hipótese que não será analisada no presente estudo, conforme ressalvado anteriormente.281 DERZI, Misabel de Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar,7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 789.

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pessoais referentes a uma dada fonte de produção de renda (ato ou fato jurídico),

isoladamente tomada.

Haverá tantos patrimônios, ou possibilidade de formação de

patrimônios, quantas fontes de produção de renda houver. A unicidade patrimonial revela-

se não em torno de seu titular, mas em torno da fonte de produção da renda. Cuida-se de

desdobramento da forma que pessoa não-residente submete-se à soberania brasileira.

Isso de modo algum fere o princípio da universalidade, pelo qual

devem ser tomadas em conta todas as mutações patrimoniais do contribuinte. No tocante a

uma dada fonte de produção de renda, devem ser levadas em conta todas as mutações

patrimoniais positivas e as negativas (estas últimas, somente as necessárias à aquisição,

manutenção e produção da renda e do patrimônio particularmente considerado).

Esse regime de tributação, em que o acréscimo é apurado em função

de cada fonte de produção isoladamente considerada282, denomina-se analítico, expressão

consagrada por Alberto Xavier283.

A despeito das peculiaridades relativamente ao patrimônio da pessoa

não-residente, o conceito constitucional de renda não pode de maneira alguma ser

desvirtuado, apenas para que seja possível a tributação de não-residentes, sob pena de

afronta à rigidez e exaustividade da discriminação das competências tributárias.

Admitindo-se que o não-residente pode ser contribuinte de imposto

sobre a renda, este tributo necessariamente incidirá sobre acréscimo patrimonial, só que

acréscimo a cada conjunto de direitos reais ou pessoais, e obrigações, referentes a uma

dada fonte de produção de renda isoladamente considerada.

282 GARBARINO, Carlo. La tassazione del reditto transnazionale. Padova: Cedam, 1990, p. 243; TÔRRES, HelenoTaveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 336.283 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 388.

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A atribuição de tratamento diferente em matéria de impostos somente

pode dar-se, via de regra, em função da capacidade contributiva. Pelo fato de pessoas não-

residentes e residentes denotarem capacidade contributiva de maneiras diferentes,

justifica-se plenamente diferença de regime de tributação de suas rendas, em estrita

consonância com o princípio da isonomia tributária.

Assim, se o patrimônio de não-residente, para fins de apuração de

renda, é cada conjunto de direitos reais ou pessoais, e obrigações, referentes a uma dada

fonte de produção isoladamente considerada, e não a universalidade de bens e direitos por

ele detidos, renda será o acréscimo a cada conjunto assim considerado.

Essas conclusões fundamentam-se na conjugação do artigo 153, III,

da Constituição Federal e os princípios informadores da tributação. Nada tem a ver com a

previsão de imposto sobre a renda na fonte, sobre rendimentos pagos, contida nos artigos

157 e 158 da Constituição Federal. Prestam esses artigos a possibilitar a antecipação de

imposto sobre a renda devido ao final do exercício, mediante a cobrança desse imposto

sobre rendimentos.

Incide o imposto devido por pessoas não-residentes sobre a renda, e

não rendimentos, conceitos, como vimos anteriormente, absolutamente distintos.

4.3.2.1 Período

É inconcebível haver renda sem a existência de período, assertiva que

se aplica com igual rigor às rendas auferidas por não-residentes. Admitir-se o contrário

implica negar que a União tenha competência para tributar as rendas de pessoas não-

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residentes segundo regime analítico, o que, como procuramos demonstrar, não procede de

forma alguma.

A consideração do conjunto de direitos pessoais ou reais, e

obrigações, em função de uma dada fonte de renda isoladamente considerada, não implica

abandono da necessidade da existência de período para verificação de acréscimo.

O que se tem é o estabelecimento do período em função de cada

categoria de renda. Não há uniformidade, diferentemente do que ocorre com as pessoas

residentes, em que, por força constitucional, as rendas devem ser apuradas num período de

no mínimo um ano, tal como registramos anteriormente.

No caso de pessoas não-residentes, em que não é possível determinar-

se um período uniforme, para que este exista, é necessário ocorrer um ato ou fato jurídico

que fundamente a ocorrência de outro ato ou fato jurídico que dê lugar a uma mutação

patrimonial positiva. Aquele primeiro ato ou fato corresponderá ao marco inicial do

período e o que motive a mutação patrimonial positiva, ao marco final.

Na maioria das vezes, consiste a renda auferida por pessoas não-

residentes em frutos do trabalho ou do capital aplicado. Nesses casos, a renda pode ser

reproduzível ao longo do tempo.

É certo que não pode sobre um determinado acréscimo patrimonial

recair imposto sobre a renda mais de uma vez. O fato jurídico tributário é um só e ocorre

num determinado espaço e tempo perfeitamente identificados. O fato auferir renda denota

capacidade contributiva uma única vez, cabendo uma e somente uma incidência do

respectivo imposto. Não há autorização constitucional para se exigir duas vezes a mesma

exação sobre o mesmo fato.

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Por essa razão, tratando-se de patrimônio que possa dar lugar à

mesma categoria de renda, mais de uma vez ao longo do tempo, não pode haver

sobreposição de período. A se entender de forma diferente, a tributação do segundo

acréscimo patrimonial, implicará mais uma tributação do primeiro; a tributação do

terceiro, nova incidência sobre o primeiro e o segundo, e assim sucessivamente.

Nas categorias de renda reproduzíveis ao longo do tempo, deve o

período do primeiro acréscimo patrimonial ter como marco inicial o ato ou fato jurídico

que tenha possibilitado a ocorrência do ato ou fato jurídico motivador de mutação

patrimonial positiva. No segundo acréscimo, o marco inicial do período será a data de

auferimento do acréscimo imediatamente anterior, e assim por diante.

Num contrato de mútuo de dinheiros com prazo de duração de doze

meses, por exemplo, em que fique estabelecida a incidência mensal de juros, o período

para apuração do primeiro acréscimo terá como marco inicial a data de concessão dos

recursos e como marco final, o vencimento da primeira parcela. Para a apuração do

segundo acréscimo, o marco inicial será o vencimento de juros imediatamente anterior e o

marco final, o vencimento da segunda parcela.

Na categoria de renda não reproduzível ao longo do tempo, isto é,

cuja fonte seja mutação patrimonial positiva decorrente da própria alienação, total ou

parcial, do patrimônio particularmente considerado, a situação é diferente. É o caso do

ganho de capital. Nessa situação, o período para apuração de renda terá como marco

inicial o ato ou fato jurídico (aquisição de direito real ou pessoal) que possibilite a

ocorrência de ato ou fato (alienação de direito real ou pessoal) motivador de mutação

patrimonial positiva. Já o marco final será a data deste último ato ou fato jurídico.

As situações acima, utilizadas para melhor elucidação de nossas

proposições, voltarão a ser analisadas no Capítulo 5 do presente trabalho.

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Page 119: RENATO NUNES - PUC-SP

4.3.3 Critério de conexão no regime analítico e a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal

O estudo da territorialidade material em sede de imposto sobre a

renda devido por pessoas não-residentes e, por conseqüência, das possibilidades de

critérios de conexão, tem como objeto o Sistema Constitucional Brasileiro. Dado que

compete ao Supremo Tribunal Federal a interpretação definitiva da Constituição,

imprescindível faz-se a análise do posicionamento deste Tribunal sobre os temas em

causa.

Manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, em diversas

oportunidades, com relação a duas categorias de rendas de pessoas não-residentes, a saber,

juros remuneratórios e a decorrente de prestação de serviços. Em ambas as categorias, a

nosso ver, o entendimento deste Tribunal pode ser dividido em duas fases.

4.3.3.1 Juros – primeira fase

Num primeiro momento, por ocasião do julgamento de Embargos

Infringentes, ocorrido em 06 de dezembro de 1963, em decisão proferida no Recurso

Extraordinário n.º 52.165/GB, firmou o Pleno do Supremo Tribunal Federal entendimento

de que era inconstitucional a incidência de imposto sobre a renda sobre juros remetidos ao

exterior, decorrentes de contrato de financiamento de bens firmado no exterior, lá

pagáveis.

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Page 120: RENATO NUNES - PUC-SP

Da análise do voto do Relator, Ministro Victor Nunes Leal284,

acompanhado unanimemente pelos demais Ministros, conclui-se era entendimento do

Supremo Tribunal Federal ser a territorialidade material limite objetivo (constitucional) ao

exercício de competências tributárias, mediante o qual somente seriam passíveis de

tributação as rendas auferidas por não-residentes produzidas ou pagas no Brasil.

A despeito dessa orientação, foi entendido que a fonte de produção

dos juros era o contrato de financiamento, e não o débito do financiado, de tal sorte que,

firmado o contrato no exterior e sendo este lá pagável, fora do campo de incidência do

imposto sobre a renda estariam os juros remetidos ao financiador285.

4.3.3.2 Juros – segunda fase

Em 1968 foi publicado o Decreto-lei n.º 401, cujo artigo 11 assim

dispõe: “Art. 11. Está sujeito ao desconto do imposto de renda, na fonte, o valor dos juros

remetidos para o exterior, devidos em razão da compra de bens a prazo, ainda quando o

beneficiário do rendimento for o próprio vendedor. Parágrafo único. Para os efeitos deste

artigo considera-se fato gerador do tributo a remessa para o exterior e contribuinte, a

remetente”.

284 “No mérito, entretanto, rejeito os embargos, que são cabíveis pelo regimento. O extenso relatório, que acabei defazer, me dispensa de mais ampla fundamentação, porque o voto do eminente Ministro Pedro Chaves foisuficientemente claro e convincente. S. Exa., data venia do eminente relator na Turma, demonstrou não ser devido oimposto de renda sôbre (sic) a remessa de juros para o exterior, em pagamento de preço da mercadoria, uma vez queos contratos de compra foram celebrados no estrangeiro, onde estão sediadas as vendedoras, que não operam noBrasil e, portanto, aqui não auferiram qualquer rendimento. O rendimento resultante dos financiamentos queconcederam à compradora escapa, assim, à incidência da nossa lei tributária”. Embargos Infringentes à decisãoproferida no Recurso Extraordinário n.º 52.165/GB, Relator Ministro Victor Nunes Leal, DJ 01.04.1964.285 Arnold Wald, à época, teceu interessante estudo sobre a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federalcom relação à tributação de juros auferidos por não-residentes. Nesse estudo, não chegou a ser analisada a decisãoproferida no Recurso Extraordinário n.º 71.758/GB, que, como veremos, representou mudança no entendimento daSuprema Corte sobre o assunto. WALD, Arnold. Evolução jurisprudencial sobre o imposto de renda referente a jurospagos a financiadores estrangeiros. Revista de direito público, n.º 17. São Paulo: RT, 1972, p. 347-351.

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Suscitada a inconstitucionalidade desse dispositivo junto ao Supremo

Tribunal Federal, manifestou-se a Primeira Turma (Recurso Extraordinário n.º 71.077/SP)

no sentido de que, com relação às remessas ocorridas anteriormente à sua publicação, este

seria inaplicável, e, quanto às posteriores, seria o dispositivo em causa inconstitucional.

Foi Relator deste julgamento o Ministro Luiz Galloti, tendo sido seu voto286 acompanhado

pelos demais Ministros presentes à sessão.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do

Recurso Extraordinário n.º 71.758/GB, em que mais uma vez foi discutida a

inconstitucionalidade do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, manifestou entendimento

diferente daquele da Primeira Turma, acima comentado.

Desse julgamento, cuja decisão não foi unânime, destacamos os votos

dos Ministros Oswaldo Trigueiro287 e Bilac Pinto288, seguidos, de uma maneira geral, pelos

demais Ministros289. A despeito de discordantes com relação à questão da

inconstitucionalidade, depreende-se dos votos em causa que o entendimento era de que

vigorava no ordenamento brasileiro o princípio da territorialidade material, que limitava a

286 “Examinei detidamente as decisões do Supremo Tribunal, notadamente a proferida no recurso extraordinário52.165, em grau de embargos. E por elas vejo que é irrelevante a distinção, com que argumenta a recorrente. OSupremo Tribunal Federal assentou que, no caso, não se trata de rendimentos auferidos no Brasil, e, assim, não podeincidir a lei tributária brasileira, pois a prerrogativa de tributar é inerente à soberania, só podendo incidir sôbre (sic)os nacionais ou sôbre (sic) negócios ocorridos em território nacional”. Recurso Extraordinário n.º 71.077/SP, RelatorMinistro Luiz Gallotti, DJ 24.03.1974.287 Ministro Djaci Falcão e Ministro Luiz Gallotti seguiram o voto do Ministro Oswaldo Trigueiro.288 Ministro Amaral Santos e Ministro Eloy da Rocha seguiram o voto do Ministro Bilac Pinto.289 Ministro Carlos Thompson Flores entendeu pela constitucionalidade do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, sejaporque pode ser considerado ter sido instituído um imposto sobre operações de crédito, seja porque, tratando-se deimposto sobre a renda, a fonte dos juros, por ser o capital aplicado, estaria localizada no Brasil, o que tornariaaqueles passíveis de tributação por este País. Quanto à questão do sujeito passivo, foi o único dos Ministros queasseverou haver impropriedade na redação do dispositivo em causa, de modo que onde estivesse escrito contribuinte,fosse entendido responsável. Contribuinte seria o beneficiário dos juros. Fundamentou Ministro Carlos ThompsonFlores essa conclusão acerca da sujeição passiva no Código Tributário Nacional, artigo 45.Ministro Antonio Neder também entendeu pela constitucionalidade do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, asseverando,tal como Ministro Carlos Thompson Flores, ser o capital aplicado a fonte dos juros. Sendo o devedor destes pessoajurídica domiciliada no Brasil, no território deste País estaria localizada a fonte de produção da renda, o que oautorizaria a tributá-la. Com relação ao contribuinte, entendeu, tal como Ministro Bilac Pinto, ser este o sujeitopessoal e diretamente relacionado ao fato jurídico tributário. Correspondendo este fato à remessa de juros, seriaabsolutamente legítimo indicar o remetente como seu contribuinte.

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incidência do imposto sobre rendas auferidas no território brasileiro ou pagas por fonte

aqui localizada, sobretudo quando se tratasse de contribuinte pessoa não-residente.

Ministro Oswaldo Trigueiro290 apontou a inconstitucionalidade do

Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, por determinar este dispositivo a incidência de imposto

sobre a renda sobre juros produzidos e pagáveis no exterior. Sustentou Ministro Oswaldo

Trigueiro que sequer se entendendo o dispositivo em causa como instituidor de outro

imposto que não sobre a renda, designadamente imposto sobre operações de crédito, tal

como pretendeu o Relator, Ministro Carlos Thompson Flores, seria impossível tomá-lo

como constitucional, haja vista o Código Tributário Nacional não permitir imprecisões

técnicas na definição dos fatos geradores e das bases de cálculo. Ministro Oswaldo

Trigueiro asseverou, ainda, que não seria cabível tratar o imposto previsto no Decreto-lei

401/68, artigo 11, como imposto inominado, instituído com base na competência residual

da União, por não terem sido previstos os critérios mínimos para sua exigência.

Em seu voto, Ministro Bilac Pinto trouxe novos subsídios para

apreciação da questão. Asseverou que legitimaria a tributação o simples fato de a fonte

pagadora ser brasileira, tal como disposto no Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11,

independentemente de onde tivesse sido firmado o contrato de financiamento. Um dado

interessante do voto é quando Ministro Bilac Pinto refere-se à competência para assinar

convenções para evitar a dupla tributação. Sustentou que os acordos assinados pelo Brasil

remetem ao país de fonte a competência para tributação de juros e que, a se negar isso,

invalidado estaria o acordo nesse tocante. Por fim, manifestou entendimento de que não

haveria qualquer problema em se indicar como contribuinte o remetente, posto ser este

290 Concluindo seu voto, asseverou Ministro Oswaldo Trigueiro: “O Supremo Tribunal Federal apenas entendeu, atéagora, que o impôsto (sic) de renda não incide sôbre (sic) a remessa de juros contratados e pagáveis no exterior,quando o credor não opera no Brasil. Mas, se o que se quer é cobrar do devedor brasileiro, essa pretensão me pareceinviável, em face de obstáculo de natureza constitucional. Exigir-se dêle (sic) que pague impôsto (sic) de renda seráato contrário ao Código Tributário Nacional. Cobrar-se o mesmo imposto (sic), sob outro rótulo, é igualmenteinadmissível, por falta de apoio em lei”. Recurso Extraordinário n.º 71.758/GB, Relator Ministro Carlos ThompsonFlores, DJ 29.08.1973.

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direta e pessoalmente relacionado ao fato jurídico tributário do imposto em causa, a saber,

remessa de juros.

Seguiram-se a este julgamento outros291 no mesmo sentido, o que

culminou na Súmula 586, que assim dispõe: “Incide imposto de renda sobre os juros

remetidos para o exterior, com base em contrato de mútuo”.

4.3.3.3 Serviços – primeira fase

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do

Recurso Extraordinário n.º 72.190/SP, em que foi discutida a inconstitucionalidade de

exigência de imposto sobre a renda sobre valores remetidos ao exterior, para pagamento

de empresa estrangeira por serviços contratados, prestados e pagos fora do Brasil,

manifestou-se no sentido de que não se aplica ao caso o Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11,

pelo fato deste cuidar da tributação de juros remetidos ao exterior.

Ministro Oswaldo Trigueiro, Relator do julgamento, cujo voto292 foi

seguido pelos demais Ministros presentes à sessão, entendeu que, por não serem os

serviços nem prestados nem pagáveis no Brasil, não haveria como se cogitar a tributação

da respectiva renda.

291 Recurso Extraordinário n.º 76.792/SP, Relator Ministro Xavier Albuquerque, DJ 11.10.1974; RecursoExtraordinário n.º 75.852/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, DJ 18.02.1975; Recurso Extraordinário n.º 77.608/SP,Relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ 08.01.1975; e outros.292 “Nestas condições, não há o que censurar na decisão recorrida que, de resto, se inspirou na doutrina da própriaadministração federal, tal como compendiada na Portaria 184, de 8.6.66. Neste ato está dito que, se os serviços sãovendidos por emprêsa domiciliada no exterior, e produzidos mediante atividade exercida exclusivamente no exterior,o preço pago na importação dos mesmos serviços não constitui rendimento sujeito à tributação do impôsto de renda”.Recurso Extraordinário n.º 72.190/SP, Relator Ministro Oswaldo Trigueiro, DJ 22.09.1971.

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Seguiram-se a este julgamento outros293 no mesmo sentido, o que

culminou na Súmula 585, que assim dispõe: “Não incide o imposto de renda sobre a

remessa de divisas para pagamento de serviços prestados no exterior, por empresa que não

opera no Brasil”.

Foi proferida outra decisão, também pelo Pleno, por ocasião do

julgamento do Recurso Extraordinário n.º 72.822/SP, em que foi discutida a

inconstitucionalidade de exigência de imposto sobre a renda sobre remuneração de

serviços prestados por empresa estrangeira em território brasileiro.

Ministro Oswaldo Trigueiro, Relator também desse caso, cujo voto294

foi acompanhado pelos demais Ministros presentes à sessão, entendeu que no caso de

serviços prestados no Brasil por empresa estrangeira, ainda que contratados no exterior, a

respectiva renda estaria sujeita ao imposto brasileiro. Com isso, infere-se que, para o

Supremo Tribunal Federal, a fonte de produção da renda, e não o seu local de pagamento,

era o critério idôneo para se determinar a incidência ou não do imposto em causa.

Seguiram-se a este julgamento outros295 no mesmo sentido, o que

culminou na Súmula 587, que assim dispõe: “Incide imposto de renda sobre o pagamento

de serviços técnicos contratados no exterior e prestados no Brasil”.

293 Recurso Extraordinário n.º 77.773/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, DJ 26.04.1974; Recurso Extraordinário n.º78.749/SP, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, DJ 18.02.1975; Recurso Extraordinário n.º 80.622/MG, RelatorMinistro Thompson Flores, DJ 15.08.1975; e outros.294 “Desejo observar, por último, que, com esse entendimento, não modifico os votos anteriores, que proferi, sobre acobrança do imposto de renda nas remessas para o exterior, particularmente quanto à transferência de numerário parapagamento de juros, após a vigência do Dl. 401, de 1968”. Recurso extraordinário n.º 72.822/SP, Relator MinistroOswaldo Trigueiro, DJ 16.06.1972.295 Recurso Extraordinário n.º 77.773/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, DJ 26.04.1974; Recurso Extraordinário n.º78.749/SP, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, DJ 18.02.1975; Recurso Extraordinário n.º 80.622/MG, RelatorMinistro Thompson Flores, DJ 15.08.1975; e outros.

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4.3.3.4 Serviços – segunda fase

Em 1975, foi publicado Decreto-lei de número 1.418, cujo artigo 6º

assim dispõe: “O imposto de 25% de que trata o artigo 77 da Lei n.º 3.470, de 28 de

novembro de 1958, incide sobre os rendimentos de serviços técnicos e de assistência

técnica, administrativa e semelhantes derivados do Brasil e recebidos por pessoas físicas

ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior, independentemente da forma de

pagamento e do local e data em que a operação tenha sido contratada, os serviços

executados ou a assistência prestada”.

Suscitada a inconstitucionalidade desse dispositivo junto ao Supremo

Tribunal Federal, manifestou-se o Pleno desta Corte no sentido de que, com relação às

remessas referentes a serviços prestados anteriormente à sua publicação, este seria

inaplicável, e, quanto às posteriores, seria o dispositivo absolutamente constitucional. Foi

o Relator deste julgamento o Ministro Oscar Corrêa, cujo voto foi acompanhado pelos

demais Ministros presentes à sessão.

Ministro Oscar Corrêa entendeu que a territorialidade da tributação

de rendas provenientes unicamente de serviços prestados por empresa estrangeira no

Brasil tinha como fundamento a Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 9º. Com a

edição do Decreto-lei n.º 1.418/75, artigo 6º, foi o dispositivo em causa da Lei de

Introdução ao Código Civil revogado, quanto à matéria regulada por aquele Decreto-lei,

pelo que deixou de ser aplicável a Súmula 586 com relação às rendas referentes a serviços

prestados posteriormente ao início da vigência do Decreto-lei n.º 1.418/75.

O entendimento ora esposado, apesar de ainda não ter sido objeto de

súmula, vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal até os dias atuais.

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Page 126: RENATO NUNES - PUC-SP

4.3.3.5 Nossa avaliação acerca da jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal

Na nossa avaliação, o Supremo Tribunal Federal, ao longo dos

últimos quarenta anos, vem entendendo que a territorialidade material é limite objetivo ao

exercício da competência da União com relação à tributação de rendas auferidas por não-

residentes.

No entanto, parece-nos que esse Tribunal não entende ser a

Constituição rígida quanto às possibilidades de critérios de conexão. Basta que a renda,

por alguma razão, guarde relação com o território brasileiro, o que acaba por conferir

ampla liberdade ao legislador infraconstitucional para eleger critérios de conexão que

permitam a tributação de rendas auferidas por não-residentes.

Como vimos, nas manifestações mais recentes, ficou consignado

entendimento de que, sendo a fonte pagadora da renda sujeito residente no Brasil, isso já

configura critério de conexão entre esta renda e o território brasileiro, o que legitima a

União a proceder à sua tributação.

Face às características do Sistema Constitucional Brasileiro,

mormente a rigidez da discriminação das competências tributárias, entendemos não ser o

atual posicionamento da Suprema Corte o que melhor atende às determinações da Carta

Magna.

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5. CATEGORIAS DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-

RESIDENTESumário: 5.1 Considerações gerais - 5.2 Ganho de capital – 5.3 Juros – 5.4

Dividendos: 5.4.1 Juros sobre capital próprio – 5.5 Royalty – 5.6 Serviços.

5.1 Considerações gerais

Neste tópico aplicaremos as considerações tecidas até o presente momento

na análise de algumas das categorias de rendas comumente auferidas por pessoas não-

residentes. Outras certamente existem, mas julgamos por bem proceder à análise daquelas

que julgamos mais relevantes.

Importante fixar que denominamos as categorias de rendas em função da

mutação patrimonial que permita sua existência. Assim, renda decorrente de ganho de

capital cuidar-se-á da categoria ganho de capital, aplicando-se essa tomada de posição

quanto aos demais casos analisados a seguir.

5.2 Ganho de capital

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Ganho de capital, pode-se dizer, é a diferença positiva entre o quanto se

gastou para possuir um direito real ou pessoal e o quanto se recebeu pela sua alienação296,

liquidação ou reembolso297 298, conceito este acolhido pelo direito pátrio299.

Duas mutações patrimoniais, pelo menos, são necessárias para se identificar

a realização ou não de ganho de capital: i) uma primeira que não aumenta nem diminui o

patrimônio, correspondente à apropriação do custo de aquisição do direito real ou pessoal;

ii) uma mutação positiva, relativa ao valor de alienação, liquidação ou reembolso do

direito real ou pessoal.

Quando se cuidar de direito real ou pessoal adquirido a título oneroso haverá

ainda uma terceira mutação patrimonial, de natureza negativa, referente à realização do

seu custo de aquisição.

Dada à necessidade de existir mutação patrimonial positiva, temos que

somente pode dar lugar a ganho de capital, nos termos aqui analisados, alienação,

liquidação ou reembolso a título oneroso, isto é, deve o alienante receber algo

economicamente avaliável como contrapartida de um desses atos.

No que tange a pessoas residentes no Brasil, a nosso ver, o conceito de

ganho de capital ora proposto pouco oferece300. Isso porque, como já asseveramos,296 Porque existe um conjunto de direitos reais ou pessoais vinculados a uma pessoa, há a necessidade de se assegurara transferibilidade de partes ou da totalidade desses direitos. Alienar significa transferir, transmitir. É gênero,composto de várias espécies, tais como a compra e venda, a permuta, a cessão de direitos pessoais etc.297 A mera valorização de um direito real ou pessoal não é suficiente para dar origem a um ganho de capital. Nãodenota capacidade contributiva a expectativa de uma pessoa ter seu patrimônio aumentado. A mais-valia só é certaquando realizada, vale dizer, por ocasião da alienação do direito real ou pessoal ao qual se refira. Em sentido análogoao nosso, ver: LEMKE, Gisele. Imposto de renda – os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica.São Paulo: Dialética, 1998, p. 70; MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. Notas sobre a tributação de ganhos de capital.Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1972, p. 75; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoasjurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 622. 298 Sobre o conceito de realização de ganho de capital, ver: TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital.São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 26 e 78.299 Lei n.º 7.713/88, artigo 3º, § 2º.300 Nos casos em que o legislador deseje dar cabo a valores constitucionalmente prestigiados, o conceito pode tervalia. Com efeito, a depender do critério de discriminação, pode ser determinada a exclusão de mutaçõespatrimoniais cujo confronto dê lugar a ganho de capital da apuração da renda. Nada mais que isso.

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determina a Constituição a possibilidade de instituição de imposto sobre a renda, ou seja,

sobre saldo positivo decorrente do confronto de mutações patrimoniais positivas e

negativas (estas últimas somente as necessárias à aquisição, manutenção e produção da

renda e patrimônio).

A competência para tributação de renda pressupõe, portanto, a consideração

de ganhos de capital na sua apuração301. Trata-se de corolário dos princípios da igualdade

e da universalidade. Por outro lado, não incide o imposto sobre esta ou aquela mutação

patrimonial positiva isoladamente considerada nem sobre o produto de um grupo

específico mutações patrimoniais, tal qual o ganho de capital302.

Ao contrário, com relação a pessoas não-residentes, tendo em vista o

peculiar regime de apuração de imposto sobre a renda devido por estas pessoas, analisado

no Capítulo 4 do presente trabalho, é possível vislumbrar o ganho de capital como

categoria de renda.

Pois bem, afirmamos linhas atrás que, quando se cuida de pessoa não-

residente, a renda deve ser apurada analiticamente, isto é, mediante o confronto de

mutações patrimoniais motivadas por ato ou fato jurídico (fonte) isoladamente

considerado.

Da análise do conceito de ganho de capital, verifica-se que este pode

corresponder a uma categoria de renda quando realizado por pessoa não-residente.

301 Para Henry Tilbery, mesmo que o Código Tributário Nacional, artigo 43, não estabelecesse o conceito deproventos da maneira ampla como o fez, a União Federal poderia tributar ganhos de capital, não mediante o exercícioda competência para instituição de imposto sobre a renda, mas mediante exercício da sua competência residual.Confira-se: “Nesta altura, é oportuno fazer uma observação à margem: A Lei Maior não somente autoriza a União atributar ganhos de capital dentro de sua competência privativa, mas a União pode, além disso, instituir impostossobre o patrimônio dentro da competência residual”. TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital. SãoPaulo: Resenha Tributária, 1977, p. 83.302 Com relação a pessoas físicas essa não é a orientação adotada pela legislação infraconstitucional. Para essacategoria de contribuintes, o ganho de capital é tributado separadamente, não sendo as mutações patrimoniais que lhedêem origem confrontadas com outras ocorridas num dado período, tais como as decorrentes do trabalho, deinvestimento no mercado financeiro e de capitais etc.

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Deveras, ganho de capital nada mais é do que acréscimo a um patrimônio – direito real ou

pessoal - isoladamente considerado. E este acréscimo é apurado mediante o confronto de

mutações patrimoniais positivas e negativas (necessárias à aquisição, manutenção e

produção da renda e do patrimônio) ocorridas entre a data de aquisição de um dado direito

real ou pessoal e a data de sua alienação, liquidação ou reembolso303.

A realização de ganho de capital pressupõe um período304. Com efeito,

alguém só pode alienar, ter liquidado ou ser reembolsado de direito real ou pessoal do

qual detenha a titularidade. Para que se possa alienar, ter um direito liquidado ou

reembolsado faz-se necessário primeiramente adquirir. Sempre haverá um intervalo

(período) entre um ato e outro, por conseqüência, possibilidade de ser apurado acréscimo

patrimonial.

Ganho de capital auferido por pessoa não-residente somente pode ser

tributado no Brasil quando for realizado neste País. Deve a localização dessa categoria de

renda ser realizada mediante critério previsto no próprio arquétipo constitucional do

imposto correspondente. Se se trata de renda de não-residente, mister identificar-se que

categoria se trata e, depois, sua fonte de produção.

Afirmamos anteriormente que fonte de produção de renda são os atos ou

fatos jurídicos que motivem mutações patrimoniais positivas. No caso específico do ganho

de capital, a única mutação possível dessa natureza é a correspondente ao recebimento do

valor pela alienação, liquidação ou reembolso de um dado direito real ou pessoal. O que a

motiva é o ato jurídico alienação, liquidação ou reembolso, razão pela qual entendemos

serem estes a fonte de produção do ganho de capital.

303 Lembrando que ambas as espécies de mutação patrimonial devem ocorrer em território brasileiro. A alienação,liquidação ou reembolso de direito real ou pessoal motiva tanto a mutação positiva quanto a negativa, de tal sorte queocorrida esta alienação no território brasileiro, quer a primeira espécie de mutação, quer a segunda, devem serconsideradas na apuração da categoria de renda em análise.304 TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 32.

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Serão passíveis, pois, de tributação no Brasil os ganhos de capital cujos atos

jurídicos que lhe tenham dado origem sejam praticados nos limites do território brasileiro.

O direito real ou pessoal objeto de alienação, liquidação ou reembolso é

dado absolutamente estranho ao arquétipo constitucional do imposto sobre a renda devido

por pessoa não-residente. Não dá direito real ou pessoal lugar a mutação patrimonial

positiva, o que afasta a possibilidade de este ser considerado fonte de produção de ganho

de capital.

Diante dessas considerações, temos que é indiferente a localização do direito

real ou pessoal no espaço, se em território brasileiro ou alhures. Ainda que situado no

Brasil o direito real ou pessoal, se sua alienação, liquidação ou reembolso operar-se fora

dos limites territoriais deste País, falecerá competência à União para tributar o ganho de

capital eventualmente realizado305.

Ainda que o adquirente seja pessoa residente no Brasil, sendo o ato jurídico

de alienação, liquidação ou reembolso praticado no exterior, continuará falecendo

competência à União para tributar o ganho de capital eventualmente realizado. Como

dissemos, o critério de conexão constitucionalmente estabelecido é a fonte de produção,

nunca a fonte pagadora. Mesmo porque sequer é possível afirmar-se ser a pessoa não-

residente fonte pagadora, vez que esta paga preço, valor de liquidação ou valor de

reembolso, e não ganho de capital306.

305 Recentemente, por meio da Lei n.º 10.833, artigo 26, foi prevista incidência de imposto sobre a renda sobre ganhode capital realizado em operação praticada entre não-residentes ou entre não-residente (alienante) e residente(adquirente). Caso a operação que dê lugar a ganho de capital não seja realizada nos limites do território brasileiro,temos que é inaplicável o dispositivo em causa. Essa é a única interpretação que possibilita sua conformação aosditames constitucionais.306 Voltaremos a tratar da questão da inexistência de fonte pagadora de ganho de capital, por ocasião da análise daregra-matriz de incidência do imposto sobre a renda devido por não-residentes.

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5.3 Juros

Juros são frutos (acessórios) decorrentes da utilização do capital alheio

(principal). Assim como o trabalho gera salário, a locação, o aluguel, o capital produz

juros.

Segundo Pontes de Miranda307, juros são: “Produtos do capital, seja

consistente em dinheiro, seja consistente em bem que não seja dinheiro, os juros entram

na classe dos frutos, o que deu ensejo à distinção entre ‘fructus naturales’ e ‘fructus

civiles’”.

Para Orlando Gomes308: “O uso do capital alheio pode ser remunerado

mediante o pagamento de quantia proporcional a seu valor e ao tempo da utilização. A

essa retribuição chama-se juro”.

Para fins do presente de trabalho, interessam-nos mais de perto os juros

remuneratórios convencionalmente estabelecidos, especificamente os atinentes a

operações de mútuo de recursos financeiros e de financiamento de bens e serviços.

A espécie de mútuo acima indicada consiste no empréstimo de dinheiro a

alguém, que tem a obrigação de restituir ao credor coisa (moeda) do mesmo gênero,

qualidade e quantidade, na data aprazada. Em outras palavras, se “A” emprestou a “B” R$

1.000,00, com vencimento em 30 dias, findo este prazo deverá o último restituir essa

quantia ao primeiro.

Financiamento de bens ou serviços é negócio jurídico mediante o qual uma

pessoa (financiador) adianta recursos a alguém (financiado), para que este possa adquirir

307 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, 3ª ed. São Paulo: RT,1984, t. XXXXII, p. 29.308 GOMES, Orlando. Obrigações, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 52.

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aqueles, entregando o financiador os respectivos dinheiros diretamente ao fornecedor.

Financiado deve restituir ao financiador coisa (moeda) do mesmo gênero, qualidade e

quantidade entregue ao fornecedor de bens ou serviços.

Podem as partes, quer no mútuo, quer no financiamento, estabelecer que

será devida remuneração – juros309 – proporcionalmente ao tempo de duração dos

negócios em causa.

Para o credor (mutuante ou financiador), a restituição do capital aplicado

representa mutação patrimonial que nem aumenta nem diminui o patrimônio. Já a

remuneração – juros -, incorpora-se positivamente ao patrimônio do credor,

correspondendo, pois, a mutação patrimonial positiva.

Juros darão lugar a acréscimo patrimonial – renda - à medida que for

possível vislumbrar um período durante o qual possa ser confrontado com outras

mutações patrimoniais relacionadas à sua fonte de produção. Não se pode perder de vista

que, na apuração de renda, deverão ser consideradas as mutações patrimoniais negativas

necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio

particularmente considerado310.

Para alguém receber juros em virtude de concessão de mútuo de recursos

financeiros ou financiamento, é necessário primeiro transferir a titularidade de

dinheiros311.

309 Pontes de Miranda ensina que outros tipos de negócios jurídicos podem dar a lugar a juros, tais como na compra evenda a prazo: “Os juros, êsses (sic), não só se estipulam no mútuo. São meio para que não se deixe de perceber –por exemplo, com a venda a prazo – o equivalente ao que provàvelmente (sic) se perceberia, durante o tempo em quese aguarda o pagamento, se noutro negócio se aplicasse o dinheiro”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de direito privado: parte especial, 3ª ed. São Paulo: RT, 1984, t. XXXXII, p. 30.310 Desde que ocorridas em território brasileiro. Por exemplo, despesa com honorários de advogado brasileiro paraorientação sobre procedimento para propositura de ação de cobrança dos juros, na eventualidade destes não serempagos no vencimento.311 “No direito brasileiro, o mútuo é, de regra, contrato real: exige, para ser, o elemento ‘entrega da coisa’. A entregada coisa aí, não é elemento necessário à validade do contrato nem à sua eficácia; é elemento necessário à suaexistência. Sem a entrega da coisa, não há ainda mútuo (...)”.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de direito privado: parte especial, 3ª ed. São Paulo: RT, 1984, t. XXXXII, p. 8.

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Page 134: RENATO NUNES - PUC-SP

Num mútuo ou financiamento em que seja devida uma única parcela de

juros, o período corresponderá ao intervalo entre a data da concessão dos recursos e a data

do vencimento daqueles. O patrimônio referência do não-residente corresponderá, por

conseguinte, aos recursos financeiros mutuados ou objeto do financiamento. Tudo que for

acrescido a esse patrimônio dentro do período indicado corresponderá à renda.

Por sua vez, num mútuo ou financiamento com prazo de duração de doze

meses, em que fique pactuado o pagamento de juros mensais, cada parcela destes,

individualmente considerada, poderá dar lugar a renda.

O período, nessa situação, terá uma peculiaridade. Na primeira parcela, ter-

se-á a mesma situação descrita acima, qual seja, período correspondente ao intervalo entre

a concessão dos recursos e o vencimento daquela, sendo o patrimônio referência para

apuração de renda o montante dos recursos concedidos. Diferentemente, as demais

parcelas terão como período o intervalo compreendido entre o seu vencimento e o da

parcela imediatamente anterior.

Dessa forma, o patrimônio referência deixará de ser tão somente o montante

dos recursos concedidos em mútuo ou financiamento312. Será este montante acrescido do

valor dos valores correspondentes às parcelas anteriormente vencidas. Assim, se foram

emprestados R$ 1.000,00 e pactuado o pagamento de R$ 10,00 mensais a título de juros

durante doze meses, o patrimônio referência para apuração de renda na quinta parcela, por

exemplo, serão os R$ 1.000,00 acrescidos das rendas apuradas na primeira, segunda,

terceira e quarta parcelas, ou seja, R$ 40,00313.

312 Sobre a questão do período no caso de renda reproduzível ao longo do tempo, remetemos o leitor ao Capítulo 4 dopresente trabalho, item 4.3.2.1.313 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.

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Page 135: RENATO NUNES - PUC-SP

A mutação patrimonial positiva correspondente aos juros, nas situações

objeto da presente análise, é motivada pelo fato de alguém deter capital alheio. De

harmonia com essa premissa, é possível concluir, então, que fonte de juros é o dever de se

restituir ao credor igual quantidade, espécie e qualidade da coisa mutuada – capital.

Juros devidos a pessoa não-residente somente podem ser tributados no

Brasil quando forem auferidos neste País, pelo que deve a localização daqueles ser

realizada mediante critério previsto no próprio arquétipo constitucional do imposto sobre

a renda. Se se trata de renda de não-residente, mister identificar-se de que categoria se

trata e, depois, sua fonte de produção.

Por ser o dever de restituir ao credor os dinheiros emprestados ou utilizados

em financiamento intitulado por alguém, temos que a residência ou domicílio do devedor

é o critério legítimo para se identificar o local da fonte de produção de juros, razão pela

qual nada oferece, para fins de localização de renda proveniente destes, o local de

firmamento dos respectivos contratos muito menos de seu pagamento314.

Diante disso, poderá dar lugar à renda tributável no Brasil juros devidos a

pessoa não-residente quando o devedor for pessoa residente ou domiciliada neste País.

Caso a dívida correspondente seja transferida a pessoa residente ou domiciliada em outro

país, os juros vencíveis a partir da data da assunção não serão mais tributáveis no Brasil.

A esta conclusão já havia chegado Gilberto de Ulhôa Canto315 há mais de

trinta anos: “É por isso que se entende, com toda propriedade, que os juros decorrentes de

mútuo feito por entidade do exterior a residente no Brasil são tão tributáveis como os

juros que devedor paga a credor, ambos aqui domiciliados. Se retomarmos a análise dos

314 Sobre o assunto, ver: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2002, p. 412.315 ULHÔA CANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente ou domiciliado no Brasil a vendedor de bens no exterior,em virtude de concessão de financiamento pelo próprio vendedor. Produção e realização do rendimento: local ondedeve ser tributado. Territorialidade. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 28.

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Page 136: RENATO NUNES - PUC-SP

elementos relevantes para determinar a qual Estado compete cobrar o imposto sobre a

renda, elementos esses que são, respectivamente, a produção e a realização, com nítido

relevo daquela sobre esta, facilmente chegaremos a concluir que no caso de mútuo o

rendimento dele resultante – o juro – é produzido no Estado onde se encontra o mutuário

(...)”.

5.4 Dividendos

Por dividendo entenda-se, a grosso modo, a parcela do lucro líquido316 da

sociedade a ser partilhada, via de regra em dinheiro, entre os respectivos sócios ou

acionistas317.

A grosso modo, pois, como prelecionam Egberto Lacerda Teixeira e José

Alexandre Tavares Guerreiro318, em sede de sociedade anônima, dividendo nem sempre

corresponde à distribuição de lucro líquido: “Com efeito, não é apenas o lucro líquido do

exercício que pode amparar o pagamento de dividendos: a sociedade pode não ter

registrado resultados positivos em determinado ano e, ainda assim, distribuir vantagens

pecuniárias aos acionistas. Para tanto, basta que disponha de lucros acumulados,

originados em exercícios anteriores, ou de reservas de lucros, cujo montante mediante

decisão da Assembléia, pode ser estornado com tal finalidade. Mas, mesmo nos casos de

indisponibilidade de lucros acumulados ou de inexistência de reservas de lucros, o

pagamento de dividendos ainda será possível, restrito embora à classe de dividendo

cumulativo. Sendo o lucro insuficiente para lhes permitir a vantagem em questão, autoriza

a lei que o dividendo respectivo seja pago à conta das reservas de capital (...)”.

316 Resultado positivo do exercício deduzido dos prejuízos acumulados, provisão para o imposto sobre a renda eparticipações de empregados, administradores e partes beneficiárias. Ver Lei n.º 6.404/76, artigos 189 a 191.317 TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direitobrasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 583.318 TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direitobrasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 583.

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Page 137: RENATO NUNES - PUC-SP

A despeito de confundirem-se substancialmente, por ambos constituírem

remuneração do capital aplicado, juros e dividendo não se confundem. Distinguem-se

juros de dividendo, sobretudo porque este último não constitui remuneração pela privação

do capital319.

A relação entre sócio/acionista e sociedade tem como característica

fundamental a independência de patrimônios. Cada qual, sócio/acionista e sociedade,

possuem personalidade jurídica própria320 e, portanto, capacidade para possuir patrimônios

distintos. Direito ao dividendo não significa que seja o sócio ou acionista titular do lucro

auferido pela sociedade. O lucro é de titularidade desta última. Por ocasião de sua

distribuição é que passará a ser detido pelo sócio ou acionista e, ainda assim, até o

montante objeto da distribuição.

Como muito bem observa Fábio Comparato321: “(...) enquanto o direito

genérico aos lucros sociais engendra a impugnação de contas e, eventualmente, a

pretensão de ver decretada a nulidade de lançamentos aprovados por assembléia geral, o

direito específico ao dividendo redunda numa pretensão de cobrança, como autêntico

crédito que é”.

Dividendo distribuído corresponde a ingresso que se incorpora

positivamente ao patrimônio do sócio ou acionista, isto é, uma mutação patrimonial

positiva. Cabe-nos verificar se, quando se tratar de sócio ou acionista não-residente no

Brasil, dividendo pode dar lugar à renda e, portanto, ser tributável pelo imposto

correspondente.

319 GOMES, Orlando. Obrigações, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 53.320 Código Civil, artigo 985.321 COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981,p. 153. Ver também: TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedadesanônimas no direito brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 589; XAVIER, Alberto. Pagamento parceladode dividendos com cláusula de correção monetária. Pareceres de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 14.

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Page 138: RENATO NUNES - PUC-SP

O patrimônio do não-residente corresponderá, nesses termos, à participação

no capital social da sociedade investida, avaliado de acordo com o quanto tenha sido gasto

na sua aquisição. Tudo que for acrescido a esse patrimônio dentro de um determinado

período corresponderá à renda. Para tanto, não se pode perder de vista que, na apuração

dessa, deverão ser consideradas as mutações patrimoniais negativas necessárias à

aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio particularmente

considerado322.

Deve ser analisado, ainda, se dividendo coaduna-se com a idéia de período.

Pensamos afirmativamente. Isso porque o recebimento de dividendo pressupõe um ato

jurídico anterior, a aquisição de quotas ou ações representativas do capital social de uma

sociedade323.

O intervalo compreendido entre a realização do investimento e a primeira

distribuição de dividendos será o período para primeira apuração da renda correspondente.

As demais terão como período o intervalo entre o seu vencimento e o da distribuição

imediatamente anterior.

Com isso, cada distribuição, individualmente considerada, poderá dar lugar

à renda.

O patrimônio referência deixará, então, de ser tão somente o montante

desembolsado na aquisição de participação no capital de sociedade. Será este montante

acrescido do valor dos valores correspondentes às distribuições de dividendos

anteriormente realizadas.

322 Desde que ocorridas em território brasileiro. Por exemplo, remunerações pagas a procurador no Brasil querepresente o sócio ou acionista não-residente junto à sociedade investida.323 Ato este que pode dar-se quer mediante subscrição de novas quotas ou ações, ou aquisição junto a terceiros dequotas ou ações já existentes.

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Page 139: RENATO NUNES - PUC-SP

Assim, se foram gastos R$ 1.000,00 na aquisição de um investimento dessa

natureza, em 30 de fevereiro de 2000, e nos anos seguintes tenham sido feitas três

distribuições de dividendos nos valores de, respectivamente, R$ 100,00, R$ 200,000 e R$

400,00, o patrimônio referência para apuração de renda na terceira distribuição, por

exemplo, serão os R$ 1.000,00 acrescidos das rendas apuradas na primeira e segunda

distribuições, ou seja, R$ 300,00324.

A mutação patrimonial positiva correspondente à distribuição de dividendos

é motivada, ou em razão de o contrato social ou estatuto prever a distribuição automática

de dividendos, ou por deliberação por quem seja competente para tanto (sócios ou

assembléia de acionistas)325.

Nessa esteira, entendemos que a fonte dos dividendos, no primeiro caso, é a

própria apuração de lucros, e, no segundo, ato (deliberação) que determine sejam estes

distribuídos.

Tanto a apuração de lucros quanto a deliberação de sua distribuição ocorrem

no local de domicílio da sociedade. Conquanto seja esta domiciliada no Brasil – ou seja,

aqui se localize sua sede estatutária326 -, tem a União competência para instituir e exigir

imposto sobre a renda decorrente de dividendos distribuídos a sócio ou acionista não-

residente327.

5.4.1 Juros sobre capital próprio

324 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.325 XAVIER, Alberto. Pagamento parcelado de dividendos com cláusula de correção monetária. Pareceres de direitotributário. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 16326 Código Civil, artigo 75.327 Atualmente, quer pessoas residentes, quer não-residentes, estão isentas de imposto sobre a renda sobre dividendosdistribuídos por sociedades domiciliadas no Brasil. Lei n.º 9.249/95, artigo 10.

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Page 140: RENATO NUNES - PUC-SP

É permitido às sociedades domiciliadas no Brasil pagar a seus sócios

juros sobre capital próprio, quer em razão do princípio da autonomia privada, ou da Lei

n.º 9.249/95, artigo 9º.

Apesar de se distinguirem como espécie328, pela circunstância de o

dividendo, a rigor, ser resultado da divisão do lucro líquido apurado pela empresa,

enquanto os juros representarem remuneração calculada sobre parcela do patrimônio

empresarial, em decorrência da privação do capital, têm tais mecanismos de remuneração

a investidores característica de representarem o produto de um capital aplicado na

sociedade329.

Diante disso, entendemos que pode o recebimento de juros sobre

capital próprio por pessoa não-residente dar lugar à renda tributável no Brasil, apurável

segundo os mesmos critérios aplicáveis a dividendo, analisados no item 5.3. do presente

trabalho.

5.5 “Royalty”

328 Em sentido contrário, assim apregoa Alberto Xavier: “O § 7º do art. 9º da Lei n.º 9.249 estabelece que ‘o valor dosjuros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração de capital próprio, poderá ser imputado aovalor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do dispostono § 2º’. Ora, se o valor dos ‘juros’ pode ser imputado ao dividendo obrigatório, isso significa que eles próprios têma natureza substancial de dividendo”. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002, p. 487.329 Conforme acima se verificou, enquanto dividendos representa parcela do lucro, juros sobre o capital própriosignifica remuneração calculada sobre o patrimônio. Enquanto, ainda, dividendos só possam ser pagos após absorçãode prejuízos acumulados (Lei nº 6.404/76, artigo 189), juros, que, como já se sublinhou, representa remuneraçãocalculada sobre o patrimônio, leva em conta a existência de prejuízos, mas não tem seu pagamento impedido, nahipótese de inexistência de lucro distribuível. A fórmula de cálculo dessa remuneração (aplicação da taxa de juros delongo prazo sobre as contas do patrimônio líquido), bem como a limitação de pagamento equivalente ao maior valorentre 50% dos lucros acumulados e o lucro do exercício, não se refere a pagamento dos juros, mas sim à suadedutibilidade para fins fiscais. Observar, ou não, tais orientações – cuja conseqüência pertine à dedutibilidade - édecisão consentida pelo Direito. Não é proibido à sociedade alguma pagar os juros em questão, caso o resultado dafórmula adotada não coincida com resultado que assegure a dedutibilidade de tal pagamento. A empresa pode pagar.A conseqüência será a indedutibilidade da despesa correspondente.

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Page 141: RENATO NUNES - PUC-SP

Dispõe a Lei n.º 4.506/64, artigo 22, que royalty corresponde a rendimentos

de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição e exploração de direitos:

“Art. 22 – Serão classificados como royalties os rendimentos de qualquer

espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:

a) direito de colhêr ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;

b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;

c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de

marcas de indústria e comércio;

d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou

criador do bem ou obra.

Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações pelo

atraso no pagamento dos "royalties" acompanharão a classificação destes”.

Concordamos com José Luiz Bulhões Pedreira330, para quem a enumeração

ofertada pelo dispositivo ora colacionado é exemplificativa, e não exaustiva. No entanto,

não podemos deixar de observar que as situações indicadas possuem notas comuns que

permitem a construção de um conceito de royalty no direito interno331.

Alberto Xavier, levando em conta as notas comuns às situações arroladas

pela Lei n.º 4.506/64, artigo 22, fornece o seguinte conceito: “À luz do direito interno, o

royalty é uma categoria de rendimentos que representa a remuneração pelo uso, fruição ou

exploração de determinados direitos, diferenciando-se assim dos aluguéis que representam

a retribuição do capital aplicado em bens corpóreos, e dos juros, que exprimem a

contrapartida do capital financeiro”332.

330 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 395.331 SAWAYA BATISTA, Luiz Rogério. A tributação das quantias pagas a título de licença de uso de software pelaCide. Revista dialética de direito tributário, n.º 85. São Paulo: Dialética, 2002, p. 85.332 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 617.

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Page 142: RENATO NUNES - PUC-SP

Note-se que a cessão é do direito de uso e gozo sobre determinados

direitos333 - identificáveis mediante contraposição a direitos sobre bens corpóreos e sobre

capital financeiro - e não do direito de propriedade sobre estes últimos. Quando se tratar

de cessão dos direitos em si, a respectiva remuneração não terá a natureza de royalty, mas

sim de preço, que poderá dar lugar à realização de ganho de capital334.

Bem observa Daniel Vitor Bellan que, em se tratando de cessão de direito de

uso de direito autoral, a respectiva remuneração não corresponde a royalty, mas sim a

rendimento do trabalho autônomo, no caso de pessoa física, ou receita operacional, se

pessoa jurídica. Confira-se: “Finalmente, também os valores recebidos a título de

pagamento pelo uso de direitos autorais (softwares, por exemplo) recebidos diretamente

pelos próprios autores ficam excluídos do citado conceito”335.

Diante das considerações tecidas acerca do conceito de royalty, temos que

este corresponde à mutação patrimonial positiva para o seu beneficiário, seja este pessoa

residente, ou não-residente no Brasil.

Compete-nos, então, verificar se royalty cujo beneficiário seja pessoa não-

residente, pode dar lugar à renda, nos termos estabelecidos ao longo do presente trabalho.

Por ser condição do surgimento do royalty a prévia cessão de direito de uso,

isto, a nosso ver, possibilita a existência de período dentro do qual possam ser

confrontadas mutações patrimoniais relacionadas à fonte de produção em causa.

Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 361.

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Page 143: RENATO NUNES - PUC-SP

Podem cedente e cessionário de direito de uso sobre algum direito

convencionar ser o royalty devido uma única vez ou periodicamente, em função do prazo

da cessão daquele direito.

Num negócio jurídico em que reste determinado o pagamento de royalty

uma única vez, o período corresponderá ao intervalo entre a data da cessão do direito de

uso sobre algum direito e a data do vencimento daquele.

Diferentemente, em negócio cujo prazo seja de doze meses e reste

determinado pagamento mensal de royalty, cada parcela destes, individualmente

considerada, poderá dar lugar à renda. Nesse caso, o primeiro royalty terá como período o

intervalo entre cessão do direito de uso e o vencimento daquele, sendo o patrimônio

referência para apuração de renda o valor do direito de uso. Já os demais royalties terão

como período o intervalo compreendido entre o seu vencimento e o do royalty

imediatamente anterior.

Nessa última situação, o patrimônio referência deixará de ser tão somente o

valor do direito de uso cedido336. Será este último acrescido dos valores correspondentes

aos royalties anteriormente vencidos. Assim, caso o direito de uso cedido valha R$

1.000,00 e seja pactuado o pagamento de R$ 10,00 mensais a título de royalty, durante

doze meses, o patrimônio referência para apuração de renda no quinto, por exemplo, serão

os R$ 1.000,00 acrescidos das rendas apuradas no primeiro, segundo, terceiro e quarto

royalties, ou seja, R$ 40,00337.

Com isso, cada royalty, individualmente considerado, poderá dar lugar à

renda. Ressaltamos que, na apuração desta, deverão ser consideradas as mutações

336 Sobre a questão do período no caso de renda reproduzível ao longo do tempo, remetemos o leitor ao Capítulo 4 dopresente trabalho, item 4.3.2.1.337 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.

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Page 144: RENATO NUNES - PUC-SP

patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e

do patrimônio particularmente considerado338.

Renda decorrente de royalty devido a pessoa não-residente somente pode ser

tributada no Brasil quando for auferida neste País, razão pela qual deve a localização

daquela ser realizada mediante critério previsto no próprio arquétipo constitucional do

imposto sobre a renda. Se se trata de renda de não-residente, mister identificar-se que

categoria se trata e, depois, sua fonte de produção.

Fonte da remuneração em causa é o direito de uso, cedido a alguém, sobre

direitos que não se refiram a bens corpóreos nem capital financeiro. A se entender dessa

forma, temos que o critério legítimo para se identificar essa fonte de produção é a

residência ou domicílio do cessionário. Onde tenha sido firmado o contrato de cessão,

muito menos onde deva dar-se o pagamento do royalty, são dados irrelevantes para fins de

localização de renda proveniente deste.

Dessa forma, sendo o cessionário de direito de uso sobre algum direito

pessoa residente ou domiciliada no Brasil, a renda originada por royalty decorrente do

negócio jurídico correspondente poderá ser tributada neste País.

5.6 Serviços

Pessoas podem realizar atividades em favor de terceiros, seja de forma

gratuita, seja de forma onerosa. Esse facere realizado em benefício de terceira pessoa

corresponde ao conceito de serviço339.

338 Desde que ocorridas em território brasileiro. Por exemplo, despesas com remuneração de representante do cedentenão-residente no Brasil, indicado junto à Secretaria da Receita Federal.339 Sobre o conceito de serviço, ver: BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo:Dialética, 2003, p. 29.

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Page 145: RENATO NUNES - PUC-SP

Serviço prestado de forma onerosa dá lugar à mutação patrimonial positiva

(preço) para o prestador, pelo que, quando se cuidar este de pessoa não-residente, deve ser

verificado se a referida mutação pode originar renda, segundo as premissas adotadas no

presente trabalho.

São em grande número as dificuldades para se efetuar a pretendida análise,

desde a questão do período até a fixação de critérios para localização da renda no espaço.

Primeiramente, deve ser sublinhado que o imposto objeto do presente estudo

não é o sobre prestação de serviços (cuja competência é dos Municípios340), e sim sobre a

renda que possa decorrer desta atividade. Não se deve confundir, portanto, os critérios

para localização do fato prestar serviços com os aplicáveis ao fato auferir renda

decorrente de serviço.

Não é condição à prestação de serviço a existência de um patrimônio da

pessoa não-residente em território brasileiro. Inexiste, a rigor, um patrimônio referência

que possibilite a aferição de acréscimo após um determinado intervalo de tempo.

Nada obstante, como vimos no Capítulo 4, item 4.2.2., do presente trabalho,

renda corresponde tanto a acréscimo a patrimônio pré-existente quanto acréscimo de

patrimônio. As pessoas não necessariamente surgem titulares de direitos reais ou pessoais

economicamente avaliáveis, de modo que, se no período entre seu surgimento e um marco

final qualquer, fixado pelo direito, houver mais mutações patrimoniais positivas do que

negativas, terão auferido renda.

Antes de se cogitar em prestação de serviços e, por conseqüência,

recebimento de preço, é necessária a contratação (ato jurídico) daquela. Por essa razão, o

direito a recebimento da remuneração em causa pressupõe um período, qual seja, o

340 Constituição Federal, artigo 156, III.

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Page 146: RENATO NUNES - PUC-SP

intervalo entre o firmamento do contrato de serviços e a entrega destes (momento em que

tem o prestador direito ao recebimento do preço). Nesse caso, pode a pessoa não-residente

sequer possuir patrimônio referência para apuração de renda, o que não constitui óbice a

esta tarefa, conforme verificamos.

Quando restar convencionado o fracionamento do serviço (isto se a sua

natureza assim permitir), existirão tantos períodos quantas frações de serviço houver. O

fracionamento pode consistir em etapas, fases, trechos ou, ainda, em intervalos de

tempo341.

O período da primeira fração de serviço terá como marco inicial a data de

firmamento do contrato e como marco final, a sua entrega . Já na segunda fração, o

período terá como marco inicial a entrega da fração anterior e como marco final, a sua

própria entrega, e assim por diante. Na primeira fração, não necessariamente haverá

patrimônio referência para apuração de renda. Na segunda, este patrimônio corresponderá

ao menos ao valor do preço342 referente à primeira fração.

Cada fração de serviço individualmente considerada, portanto, poderá dar

lugar à renda.

Somente serão passíveis de tributação no Brasil as rendas de serviços

auferidas nos limites do território deste País. A localização dessas rendas deverá ser

efetuada mediante critério de conexão identificado a partir da hipótese de sua respectiva

regra-matriz de incidência.

341 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 248.342 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.

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Page 147: RENATO NUNES - PUC-SP

Não temos dúvida que a fonte da mutação patrimonial positiva no presente

caso é o serviço. A localização deste, portanto, permitirá localizar a renda que porventura

tenha dado origem.

Quanto ao seu objeto, podem as obrigações ser de dar ou de fazer (que

compreende o não-fazer), Serviço, já dissemos, consiste num facere, típica obrigação de

fazer.

Mas não só. Segundo Washington de Barros Monteiro: “As obrigações

distinguem-se ainda em obrigações de meio e de resultado. Essa divisão, que se deve a

Demogue, representa progresso notável, no dizer de Mazeuad et Mazeaud, pois permite

precisar qual seja o exato objeto da obrigação, dando-lhe explicação lógica sobre o ônus

da prova”343.

E prossegue o citado autor: “Nas obrigações de resultado, obriga-se o

devedor a realizar um fato determinado, adstringe-se a alcançar certo objetivo. Por

exemplo, no contrato de transporte, obriga-se o transportador a conduzir o passageiro, são

e salvo, do ponto de embarque ao ponto de destino. Nas obrigações de meio, o devedor

obriga-se a empregar diligência, a conduzir-se com prudência, para atingir a meta

colimada pelo ato” 344.

Correspondem as obrigações de meio a uma atividade concreta do devedor,

por meio da qual este faz o possível para cumpri-las. Nas de resultado, o cumprimento só

se verifica se o resultado é atingido345.

343 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil direito das obrigações – 1ª parte, 28ª ed. São Paulo.Saraiva, 1995, vol. IV, p. 52.344 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil direito das obrigações – 1ª parte, 28ª ed. São Paulo.Saraiva, 1995, vol. IV, p. 52.345 GOMES, Orlando. Obrigações, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 16-17.

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Page 148: RENATO NUNES - PUC-SP

A obrigação ser de meio ou de resultado não diz respeito ao comportamento

do devedor, que consistirá sempre num dar, fazer ou não-fazer. Não se trata, portanto,

senão de agrupar obrigações tradicionalmente classificadas em certos planos346. Vale

dizer, um dar, assim como um facere, poderão ser de meio ou resultado, o que dependerá

da natureza da obrigação ou, quando houver opção, de como for acordado pelas partes.

A classificação em causa é muito utilizada no estudo da responsabilidade

civil, inclusive pelo Poder Judiciário347, e, a nosso ver, pode ser de grande serventia

também para fins de localização de renda decorrente de serviços.

Pois bem, sendo a obrigação na qual consista o serviço um fazer de meio, o

que se contrata é a atividade de execução deste, independentemente do seu resultado348, de

modo que esta corresponderá à fonte de mutação patrimonial positiva e, portanto, de

eventual renda eventualmente apurada.

Serviços advocatícios no patrocínio de demanda judicial são exemplo

clássico de fazer de meio. Deve o advogado empreender seus melhores esforços de modo

a lograr êxito para seu cliente, mas não há como se garantir a entrega do resultado

almejado. É o caso, também, de serviços médicos em geral e dos serviços prestados em

regime de relação de emprego.

Tratando-se de serviço de meio, no caso de prestador não-residente, renda

por este auferida somente será tributável no Brasil se aquele for executado nos limites do

território deste País.

346 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, Vol. II, p. 34.347 É o que se depreende da análise de acórdãos da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial n.º 594.962/RJ, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, DJ 17.12.2004, p.534; Recurso Especial n.º 196.306/SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 16.08.2004, p. 261.348 É certo, porém, que deve o prestador empreender seus melhores esforços para atingir o fim pretendido pelotomador. Ainda que a obrigação não seja de resultado, o tomador contrata um serviço para um determinado fim. Adiferença, nesse caso, é que a satisfação do objetivo do tomador não elide a entrega do serviço, que se perfazmediante a sua mera prestação.

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Por outro giro, se consistir o serviço num fazer de resultado, a fonte de

eventual renda será este último, mesmo porque, sem a sua concretização, sequer haverá

direito a recebimento de preço349. Exemplo desse tipo de serviço é o de reparo de

equipamento. Se não há conserto, ainda que empreendido esforço para tanto, não há

serviço.

Importa afirmar que o Brasil, nesse caso, poderá tributar a renda decorrente

de serviços prestados por não-residentes, conquanto o resultado contratado se dê nos

limites do território deste País. Deixa de ser relevante, pois, o local da realização dos

serviços350 se contratada uma obrigação de resultado.

Não há margem para dúvidas com relação ao que seja resultado do serviço.

Este corresponderá àquilo que for contratado pelas partes. Dificuldades certamente pode

haver para sua localização no espaço, o que, a nosso ver, não o invalida como critério de

conexão.

349 Apenas a título ilustrativo, essa classificação nada oferece para fins de determinação do local de incidência doimposto sobre serviços, já que este incide sobre o fato prestar serviços. Ou seja, independentemente da obrigação defazer ser meio ou de resultado, o facere é que será relevante.350 Em sentido contrário ao nosso, isto é, de que sendo o serviço prestado alhures, independentemente de serobrigação de meio ou de resultado, a respectiva renda não é tributável no Brasil, ver: TÔRRES, Heleno Taveira.Princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestações de serviços no exterior. Fonte deprodução e fonte de pagamento. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado.São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 71-108; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Imposto sobre a renda: serviços prestadosno estrangeiro, a empresas estabelecidas no Brasil, incidência. Territorialidade do tributo. Produção e realização dorendimento. Convenções internacionais definidoras da competência tributária, com o fito de evitar bitributação.Temas de direito tributário. Rio de Janeiro: Alba, 1963, Vol. I, p. 90-105; XAVIER, Alberto. O imposto de renda nafonte e os serviços internacionais – análise de caso de equivocada interpretação dos arts. 7º e 21 dos Tratados.Revista dialética de direito tributário, n.º 49. São Paulo: Dialética, 1999, p. 7-17.

- 149 -

Auferir rendadecorrente de

Page 150: RENATO NUNES - PUC-SP

6. REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A

RENDA DEVIDO POR PESSOA NÃO-RESIDENTESumário: 6.1 Considerações gerais – 6.2 Hipótese: 6.2.1 Critério material; 6.2.2

Critério temporal: 6.2.2.1 Crédito contábil; 6.2.2.2 Ganho de capital; 6.2.2.3 Serviços

técnicos e de assistência técnica – Decreto-lei n.º 1.418/75; 6.2.3 Critério espacial:

6.2.3.1 Ganho de capital – Lei n.º 10.833/03; 6.2.4 Critério pessoal - 6.3 Conseqüente:

6.3.1 Critério quantitativo: 6.3.1.1 Base de cálculo: 6.3.1.1.1 Ganho de capital em

alienação, liquidação ou reembolso de investimento – custo de aquisição; 6.3.1.2

Alíquota: 6.3.1.2.1 Países com tributação favorecida; 6.3.2 Critério pessoal: 6.3.2.1

Sujeito ativo; 6.3.2.2 Sujeito passivo: 6.3.2.2.1 Contribuinte; 6.3.2.2.2 Retenção na

fonte; 6.3.2.2.3 Retenção na fonte na legislação interna (pessoas não-residentes);

6.3.2.2.4 Incompatibilidade entre retenção na fonte e ganho de capital – a Lei n.º

10.833/03, artigo 26.

6.1 Considerações gerais

Regra-matriz de incidência, como dissemos, cuida-se de instrumental criado

por Paulo de Barros Carvalho, representativo da estrutura da norma geral e abstrata

instituidora dos tributos.

Esse instrumental, por permitir análise individualizada dos elementos

mínimos formadores da norma geral e abstrata, mostra-se extremamente útil na análise do

regime jurídico dos tributos.

Levando em conta que entendemos ser necessário um critério pessoal na

hipótese da regra-matriz de incidência (ver item 2.4.2.), temos que este instrumental pode

ser assim representado:

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Page 151: RENATO NUNES - PUC-SP

Critério MaterialHIPÓTESE Critério Temporal

Critério EspacialCritério Pessoal

Critério Pessoal:- sujeito ativo- sujeito passivo

CONSEQÜENTE Critério Quantitativo- base de cálculo- alíquota

Como dissemos anteriormente, hipótese e conseqüente são relacionados

(relação condicional) por meio de um functor deôntico, que caracteriza a imputação

jurídico-normativa.

Na hipótese, compreende-se a classe de fatos que, uma vez ocorridos

concretamente, desencadearão os efeitos previstos no conseqüente da regra-matriz.

Já no conseqüente, verifica-se a classe de notas que permitirão constituir a

relação jurídica entre sujeito ativo e sujeito passivo, e, principalmente, apurar o montante,

em pecúnia, da prestação devida pelo último ao primeiro.

Feitas essas breves considerações, passemos, então, à análise da regra-matriz

atualmente vigente do imposto sobre as categorias de rendas auferidas por não-residentes,

indicadas no Capítulo 5 do presente trabalho, primeiramente os critérios da hipótese,

depois, os do conseqüente.

- 151 -

Page 152: RENATO NUNES - PUC-SP

6.2 Hipótese

6.2.1 Critério material

No critério material identifica-se o núcleo da hipótese

normativa/classe de fatos a que faz referência a hipótese da regra-matriz, a descrição, aqui

entendida sob o ponto de vista conotativo, de comportamentos, não condicionados pelas

coordenadas de espaço e tempo, representados por um verbo e seu complemento351.

O isolamento do critério material é feito tão-somente para fins

didáticos, vez que somente com tal critério não se consegue descrever uma classe de fatos.

Tal critério está intrinsecamente relacionado aos critérios espacial, temporal e pessoal da

hipótese normativa.

O critério material do imposto devido por não-residentes, incidente

sobre as categorias de rendas analisadas no presente trabalho, corresponde a:

6.2.2 Critério temporal

351 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 252-253.

- 152 -

Ganho de capital

Juros

Dividendos/Juros sobrecapital próprio

“Royalty”

Serviços

Page 153: RENATO NUNES - PUC-SP

No critério temporal da regra-matriz de incidência encontra-se a

classe de notas que permite identificar quando se dará por ocorrido o fato jurídico

tributário. Em outras palavras, mediante o critério temporal é possível identificar o

momento de ocorrência do fato jurídico tributário352.

A lei tributária pode estabelecer que um fato considera-se ocorrido

em momento posterior ao que efetivamente poderia assim ser. No caso do imposto sobre a

renda, ainda que já exista possibilidade de aferir que o beneficiário tenha disponibilidade

desta, por alguma conveniência pode o legislador determinar que o fato auferir renda

reputa-se ocorrido posteriormente, em função de algum ato jurídico, por exemplo.

É o que ocorre quanto à maioria das categorias de rendas auferidas

por pessoas não-residentes. Deveras, tem-se por auferida renda por essa espécie de

contribuinte, via de regra, por ocasião do seu pagamento, crédito, entrega, emprego ou

remessa353, prevalecendo o que ocorrer primeiro, nos termos do Decreto-lei n.º 5.844/43,

artigo 100.

No caso de renda decorrente de juros de financiamento concedido por

pessoa não-residente, o fato jurídico tributário é considerado ocorrido quando da remessa

daquela, por força do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11.

Os vocábulos pagamento, crédito, entrega, emprego e remessa

refletem, pois, a ocorrência do próprio fato jurídico tributário do imposto em causa,

genericamente definido no Código Tributário Nacional, artigo 43, como sendo a aquisição

da disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza.

352 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 252-258.353 É indiferente o local de ocorrência desses atos, se em território brasileiro ou alhures. Ainda que, por exemplo, sejafeito pagamento com recursos detidos na Inglaterra, desde que tenha sido a renda produzida no Brasil e seja a fontepagadora pessoa residente ou domiciliada neste último País, haverá incidência do imposto sobre a renda.

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Page 154: RENATO NUNES - PUC-SP

Qualquer outra situação, ainda que traduza, potencialmente, a

existência de renda, não é suficiente para incidência do respectivo imposto. O vencimento

de obrigação de pessoa residente ou domiciliada no Brasil pagar, por exemplo, juros ou

royalty, ao exterior, a priori, dariam lugar à incidência do respectivo imposto sobre a

renda. No entanto, face à determinação legal, isso não ocorre enquanto não houver

pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa daqueles354.

Dá-se, portanto, o fato jurídico tributário do imposto sobre a renda

devido por pessoas não-residentes de maneira qualificada, uma vez que somente ocorre

quando exteriorizado por meio dos atos acima mencionados.

Não se pode perder de vista que a ocorrência de qualquer um desses

atos não prescinde que anteriormente tenha sido possível verificar a existência de

disponibilidade da renda à pessoa não-residente. Ricardo Mariz de Oliveira355 faz

comentários elucidativos sobre o assunto, ainda que à luz do Código Tributário Nacional:

“Por ser assim, nenhuma infração ao Código Tributário Nacional ocorre quando a lei

define expressamente o momento do pagamento, crédito, emprego, remessa ou entrega

como o momento de ocorrência do fato gerador do imposto de fonte. Todavia, mesmo

assim, é preciso que tal momento seja contemporâneo ou posterior, nunca anterior, ao da

aquisição da disponibilidade econômica e jurídica de renda ou proventos”.

354 Segundo Gilberto de Ulhôa Canto: “(...) Quisesse a lei que o fato gerador da obrigação tributária surgisse com o sóvencimento do prazo contratual, tê-lo-ia dito, sem dúvida, de forma clara, sem condicionar a ocorrência do fatogerador a um ato positivo, um facere da fonte pagadora do rendimento.” ULHÔA CANTO, Gilberto de. Impostosobre a renda. Rendimentos (juros) auferidos por residentes no exterior, fato gerador. Prejuízos em câmbio,tratamento fiscal. Despesas deferidas. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 377.Nas são diferentes as lições de Alberto Xavier: “É importante frisar que a disponibilidade jurídica da renda não seconfunde com a aquisição nem com a exigibilidade do direito à renda. Pode ter-se constituído um direito e até ter-setornado exigível, sem que exista disponibilidade, pois esta pressupõe sempre um facere do devedor da renda, oufonte pagadora, que coloque o objeto da obrigação na livre disposição do beneficiário. Assim, por exemplo, sãoexistentes e exigíveis mas ainda não disponíveis os direitos a juros vencidos e não pagos ou o direito a lucrosdistribuíveis mas ainda não distribuídos”. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002, p. 402.355 MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: RT, 1977, p. 52.

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Page 155: RENATO NUNES - PUC-SP

A pessoa que realiza um dos atos acima enumerados é a denominada

fonte pagadora da renda. Todavia, como vimos demonstrando ao longo do presente

trabalho, não basta seja a fonte pagadora pessoa residente ou domiciliada no Brasil para

que este País possa tributar a renda356. Deve localizar-se em território brasileiro também,

por força constitucional, a sua fonte de produção, isto é, ato ou fato jurídico motivador de

mutação patrimonial positiva que dê lugar à renda357 358.

O que fez a legislação infraconstitucional foi tão-somente determinar

uma condição a mais para a tributação de rendas de pessoas não-residentes. Além de a

fonte de produção dever ser localizada em território brasileiro, deve também, na maioria

das categorias de rendas, ser a sua fonte pagadora pessoa residente ou domiciliada no

Brasil359.

6.2.2.1 Crédito contábil

356 MANGANO, Sampiere. L’Imposta di ricchezza móbile e le società commerciali per azioni. Milão: SocietàEditrice Libreria, 1936, vol. I, p. 692-693; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente ou domiciliadono Brasil a vendedor de bens no exterior, em virtude de concessão de financiamento pelo próprio vendedor.Produção e realização do rendimento: local onde deve ser tributado. Territorialidade. Estudos e pareceres de direitotributário. São Paulo: RT, 1975, p. 26; ZAPPALA, Lelio e LANZA, Francesco. L’imposta sui redditi mobiliari.Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Joveven, 1964, p. 51.357 Tratando-se de exigência constitucional, a despeito de não haver determinação legal expressa nesse sentido,entendemos que as leis que cuidam da tributação de não-residentes prevêem isso implicitamente. Tanto é assim, queo próprio Poder Executivo, no Regulamento do Imposto sobre a Renda, fez constar no artigo 682 deste Diploma quesão tributáveis no Brasil as rendas auferidas por pessoas não-residentes provenientes de fontes situadas neste País.Senão, vejamos: “Art. 682. Estão sujeitos ao imposto na fonte, de acordo com o disposto neste Capítulo, a renda e osproventos de qualquer natureza provenientes de fontes situadas no País, quando percebidos: I - pelas pessoas físicasou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea "a"); II - pelosresidentes no País que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses, salvo os mencionados no art. 17(Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea "b"); III - pela pessoa física proveniente do exterior, com vistotemporário, nos termos do § 1º do art. 19 (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea "c", e Lei nº 9.718, de 1998,art. 12); IV - pelos contribuintes que continuarem a perceber rendimentos produzidos no País, a partir da data em quefor requerida a certidão, no caso previsto no art. 879 (Lei nº 3.470, de 1958, art. 17, § 3º)”. Regulamento do Impostosobre a Renda, aprovado pelo Decreto n.º 3.000/99.358 Em sentido contrário, ver: GALHARDO, Luciana Rosanova. Serviços técnicos prestados por empresa francesa eimposto de renda na fonte. Revista dialética de direito tributário, n.º 31. São Paulo: Dialética, 1998, p. 39.359 Segundo Alberto Xavier: “Para que haja a incidência do imposto no Brasil, é necessário, repita-se, que no Brasilse localizem cumulativamente a fonte de produção e a fonte de pagamento”. XAVIER, Alberto. Direito tributáriointernacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 401.

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Page 156: RENATO NUNES - PUC-SP

Diante das premissas aqui adotadas, é bem de ver, portanto, que um

crédito feito em conta do passivo exigível, mercê de regime contábil de observância

compulsória não equivale ao crédito previsto na lei, cuja feitura deflagra o fato jurídico

tributário do imposto sobre a renda.

Com efeito, o crédito, para fins de incidência do imposto sobre a

renda, segundo a autorizada doutrina adiante referida, consiste no ato mediante o qual a

renda é formal e nominalmente colocada pela fonte pagadora à disposição do beneficiário,

seja em conta própria, seja de uma instituição financeira.

Segundo observa Gilberto de Ulhôa Canto360: “(...) é inviável a

inteligência dada à palavra crédito para compreender tanto o registro contábil como o

direito de haver prestação contratual, pois a lei fala em creditar e não em crédito; e, se o

substantivo poderia ter duplo sentido, o verbo não pode”.

Sob a ótica do beneficiário do rendimento/juros, é de se ver que a

provisão contábil da obrigação correspondente (juros ou royalty ao exterior, por exemplo)

não consubstancia título de aquisição da respectiva disponibilidade, isto é, não confere ao

beneficiário o poder de dispor do valor correspondente à obrigação provisionada, como

seu, que ficaria sendo, se se tratasse de um crédito nominal, incondicional, positivamente

feito em seu favor pela fonte pagadora, independentemente de ação judicial361.360 ULHÔA CANTO, Gilberto de. Imposto sobre a renda. Rendimentos (juros) auferidos por residentes no exterior,fato gerador. Prejuízos em câmbio, tratamento fiscal. Despesas deferidas. Estudos e pareceres de direito tributário.São Paulo: RT, 1975, p. 377.361 O entendimento da Primeira e Segunda Câmaras do E. Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério daFazenda, consoante se vê das ementas dos acórdãos a seguir transcritos, não diverge do entendimento doutrinárioacima destacado, até o amplia, como seja:“CRÉDITO EFETUADO NA CONTABILIDADE DE PESSOA JURÍDICA - Crédito efetuado na contabilidade depessoa jurídica em favor de sócio, sem comprovação do efetivo pagamento, não caracteriza o fato gerador doimposto da pessoa física beneficiária. Possibilidade de ter sido a despesa incorrida, mas não paga” (Acórdão104.17.291/00 – DOU 25/05/2000).“FATO GERADOR DO IR – A disponibilidade econômica ou jurídica ocorre quando os recursos estão à disposiçãodo beneficiário em moeda ou em crédito em conta corrente bancária não se assimilando a essa última o créditocontábil na empresa devedora” (Acórdão unanime nº 102-43.815, j. em 16/07/1999, Relator Conselheiro José ClóvisAlves).No voto do Relator José Clóvis Alves, da Segunda Câmara, lê-se que o fato gerador do imposto sobre a renda para apessoa física (que é o mesmo para a pessoa física ou jurídica não-residente) é o momento da efetiva entrega dos

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Page 157: RENATO NUNES - PUC-SP

6.2.2.2 Ganho de capital

Tratando-se de renda oriunda de ganho de capital, tem-se a ocorrência

do fato jurídico tributário por ocasião da alienação, liquidação ou reembolso de direito

real ou pessoal. Essa categoria de renda não se coaduna com a regra aplicável às demais.

O valor de alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou

pessoal pode ser pago, creditado, entregue, empregado ou remetido, o que não se sucede

com ganho de capital. Ainda que não haja intervalo temporal entre recebimento de preço,

valor de liquidação ou valor de reembolso, e apuração de ganho, há intervalo lógico. A

apuração é necessariamente posterior ao recebimento de uma das espécies indicadas.

Isso é, inclusive, o que determina a Lei n.º 9.249/95, artigo 18362,

quando estabelece que os ganhos de capital auferidos por não-residentes serão apurados e

arrecadados de acordo com as mesmas normas aplicáveis a pessoas físicas, sujeitas, nesse

particular, a regime de “auto-recolhimento”363.

Aliás, segundo regime aplicável a pessoas físicas residentes no Brasil,

extensível aos não-residentes, incide o imposto sobre a renda por ocasião da alienação,

liquidação ou reembolso do direito real ou pessoal, mas o pagamento deve ser realizado na

medida do recebimento do preço, do valor de liquidação ou do valor de reembolso364.

recursos ao beneficiário, seja por meio de pagamento direto, seja por crédito em conta corrente bancária dobeneficiário, certo que a legislação não equipara o crédito contábil na empresa devedora com o crédito bancário.362 O qual, a nosso ver, revogou tacitamente o artigo 33 da Lei n.º 7.713/88.363 Lei n.º 8.981/95, artigo 21.364 Lei n.º 7.713/88, artigo 21.

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Page 158: RENATO NUNES - PUC-SP

6.2.2.3 Serviços técnicos e de assistência técnica – Decreto-lei n.º

1.418/75

Determina o Decreto-lei n.º 1.418/75, artigo 6º que: “Art. 6º. O

imposto de 25% de que trata o artigo 77 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958,

incide sobre os rendimentos de serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e

semelhantes derivados do Brasil e recebidos por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou

domiciliadas no exterior, independentemente da forma de pagamento e do local e data em

que a operação tenha sido contratada, os serviços executados ou a assistência prestada”.

(grifamos)

O dispositivo já foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, como

vimos linhas atrás, que o considerou constitucional. A despeito de o entendimento deste

Tribunal ter sido firmado sob ordem constitucional diversa da atual, entendemos que seus

pressupostos são inteiramente aplicáveis no Sistema Jurídico atualmente vigente.

Entendemos ser o posicionamento deste Tribunal acertado somente

quando se cuidem de serviços cuja obrigação consista num fazer de resultado. Com efeito,

registramos anteriormente (Capítulo 5, item 5.6.) opinião de que, quando se cuida dessa

espécie de serviço, sendo o resultado, na forma que tenha sido contratado, ocorrido no

Brasil, independentemente do local onde tenha sido executado o serviço, a renda

correspondente pode ser tributada neste País. Isso porque o resultado, nessa situação, seria

a fonte de produção da renda.

Outrossim, no que tange a serviços consistentes em fazer de meio,

entendemos contrariamente ao Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, em nossa opinião,

se a sua execução der-se alhures, não restará localizada em território brasileiro a fonte da

renda correspondente.

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Page 159: RENATO NUNES - PUC-SP

É imposição constitucional ser a fonte de produção da renda, no caso

de tributação de pessoas não-residentes, localizada em território brasileiro a fim que se

faça possível a incidência do respectivo imposto. Sem o cumprimento desse requisito, é

indiferente que a fonte pagadora seja pessoa residente ou domiciliada no Brasil.

Por essa razão, entendemos ser o comando prescrito no Decreto-lei

n.º 1.418/75, artigo 6º, aplicável somente a serviços consistentes em fazer de resultado,

em que este ocorra no Brasil.

6.2.3 Critério espacial

O critério espacial na regra-matriz de incidência consiste em classe de

notas que permitem identificar os locais de possível ocorrência de fatos jurídicos

tributários365.

No caso de imposto sobre a renda devido por não-residentes, o

critério espacial genérico da respectiva regra-matriz de incidência tributária é

obrigatoriamente o território brasileiro.

Os critérios de conexão que permitem identificar relação entre as

categorias de rendas de não-residentes e o território brasileiro, isto é, notas

correspondentes à localização da fonte de produção dessas rendas, acomodam-se no

critério espacial da regra-matriz.

Nas categorias de renda analisadas no presente trabalho são os

seguintes os critérios de conexão:

365 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 254-255.

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Page 160: RENATO NUNES - PUC-SP

CATEGORIA DE RENDA CRITÉRIO DE CONEXÃOFONTE DE PRODUÇÃO FONTE DE PAGAMENTO

Ganho de capital Ato de alienação de direito real ou

pessoal

Não aplicável

Juros decorrentes de mútuo ou

financiamento

Débito do valor principal objeto

do mútuo ou financiamento

Pessoa residente ou domiciliada

no BrasilDividendos/juros sobre capital

próprio

Apuração de lucros ou

deliberação de distribuição de

dividendos ou juros sobre capital

próprio por sociedade

domiciliada no Brasil

Pessoa residente ou domiciliada

no Brasil

“Royalty” Direito de uso, cedido a pessoa

residente ou domiciliada no

Brasil, sobre algum outro direito

Pessoa residente ou domiciliada

no Brasil

Serviço Obrigação de meio – atividade

executada no Brasil

Obrigação de resultado –

Resultado contratado ocorrido no

Brasil

Pessoa residente ou domiciliada

no Brasil

6.2.3.1 Ganho de capital – Lei n.º 10.833/03, artigo 26

Em 29 de dezembro de 2003, foi editada lei de número 10.833, que

em seu artigo 26 define ser a fonte de produção de ganho de capital o bem objeto da

alienação que lhe tenha dado causa:

“Art. 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou

domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado

no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente

sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de

1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que

alienar bens localizados no Brasil”. (grifamos)

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Page 161: RENATO NUNES - PUC-SP

Trocando em miúdos, dentre outras coisas, determina o dispositivo

ora colacionado que é tributável no Brasil ganho de capital decorrente de alienação de

bens localizados neste País, auferido por pessoas não-residentes, ainda que a alienação

tenha se procedido no exterior.

Decerto não é vedado ao legislador alterar conceitos, o que é

didaticamente explicitado pelo Código Tributário Nacional em seus artigos 109 e 110. No

entanto, face à rigidez da discriminação de competências tributárias, não pode o legislador

infraconstitucional alterar conceitos utilizados pela Carta Magna nessa discriminação.

Pois bem, ao longo do presente trabalho procuramos demonstrar que

o critério de conexão que permite a tributação de rendas de não-residentes é elemento do

arquétipo constitucional do imposto correspondente. Fixamos a premissa de que, nesse

caso, o critério de conexão equivale à fonte de produção da renda, assim entendida como

os atos ou fatos motivadores de mutação patrimonial positiva que possa dar origem a esta

última.

No caso de ganho de capital auferido por pessoa não-residente,

demonstramos que é o ato de alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou pessoal

que motiva a mutação patrimonial que lhe dá origem, sendo este, então, o critério de

conexão constitucionalmente acolhido para tributação da respectiva renda pela União.

Diante dessa constatação, concluímos que é indiferente a localização do direito real ou

pessoal objeto da alienação, sendo relevante para fins de tributação no Brasil unicamente

ter sido neste País realizado o negócio jurídico em causa.

Face a todas essas considerações, não nos resta outra alternativa

senão reputarmos absolutamente inconstitucional a Lei n.º 10.833, artigo 26, no que tange

a ganho de capital auferido por pessoas não-residentes, em decorrência de alienação

praticada fora do território brasileiro.

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Page 162: RENATO NUNES - PUC-SP

Mais uma vez, o fato de o bem cuja alienação tenha dado lugar a

ganho de capital, por determinação da Constituição Federal, não é relevante para se

determinar se aquele ocorreu ou não no Brasil. Interessa tão-somente o local de ocorrência

do negócio jurídico sob análise – alienação onerosa de direito real ou pessoal.

Cuidando-se o beneficiário de pessoa não-residente, sendo o negócio

jurídico de alienação realizado no exterior, mesmo que o adquirente seja pessoa residente

ou domiciliada no Brasil, não tem a União competência para tributar o ganho de capital.

Isso porque fonte pagadora do preço pactuado não é fonte de produção do ganho.

6.2.4 Critério pessoal

No critério pessoal da hipótese da regra-matriz localiza-se a classe

notas que permitem identificar o contribuinte da exação tributária, isto é, o sujeito direta e

pessoalmente relacionado ao fato jurídico tributário366. No caso de impostos, essas notas

dirão respeito à pessoa que denota capacidade contributiva.

Mas não só. Pode o critério pessoal identificar, além do contribuinte,

pessoas outras indiretamente relacionadas ao fato jurídico tributário, que possam ser

chamadas a compor o pólo passivo da obrigação tributária, na qualidade de substitutos

tributários.

366 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.382-385; Noções da fiscalidade internacional. Movimento editorial da faculdade de direito da Universidade Federalde Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998, p. 3;JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985. p. 50-52; QUEIROZ,Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 169 e seguintes; MOREIRAFILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.),Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 337-339.

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Page 163: RENATO NUNES - PUC-SP

Tratando-se do imposto sob análise no presente trabalho, o critério

pessoal da respectiva regra-matriz faz referência à pessoa não-residente que aufere renda

no Brasil - contribuinte do imposto. Quando se cuida de categoria de renda passível de

pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa, poderá referir-se o critério pessoal

também à fonte pagadora, na eventualidade de se desejar que esta componha o pólo

passivo da respectiva obrigação tributária, na qualidade de substituta, responsável pela

retenção e recolhimento do imposto em causa.

Cuidando-se de imposto sobre a renda, ainda que o legislador, tal qual

o fez quando da edição do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, determine seja o contribuinte

a fonte pagadora da renda, não se transmuda a natureza jurídica dos sujeitos. Apenas

lembrando, determina este dispositivo que, no caso de renda decorrente de juros de

financiamento auferida por pessoa não-residente, o contribuinte é o remetente.

É determinação constitucional que somente pode ser contribuinte

imposto aquele que denota capacidade contributiva. Em sede de imposto sobre a renda,

quem a aufere; no presente caso, pessoa não-residente. A fonte pagadora, quando muito

poderá ser indicada como substituto tributário, responsável pela retenção e recolhimento

do imposto por ocasião do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa da renda, o

que será melhor analisado no item 6.3.2.2.2. do presente trabalho.

6.3 Conseqüente

No conseqüente são previstas as classes de notas que permitirão a

constituição de outro fato, jurídico também, mas um fato relacional367, denominado aqui

obrigação tributária.

367 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 130.

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Os critérios que acomodam as classes de notas que permitem constituir-se

uma obrigação tributária, no caso ocorrência do respectivo fato jurídico tributário, são

denominados “pessoal” e “quantitativo”.

Com base nas classes de notas acomodadas por tais critérios é possível

identificar os sujeitos da relação jurídica, bem como calcular o montante da prestação a

ser entregue ao Estado ou a alguém por ele designado, a título de tributo.

Assim como no caso da hipótese, o legislador somente pode selecionar as

classes de notas do conseqüente da regra-matriz de incidência dentro dos estritos limites

previstos implícita ou explicitamente pela Constituição Federal.

A conduta objeto das relações jurídicas em geral necessariamente é

modalizada por um dos três operadores deônticos368, a saber: obrigatório (O), permitido

(P) ou proibido (V). Por razões lógicas, não há um quarto modal, de tal sorte que a

conduta objeto da relação jurídica somente pode assumir uma dessas três feições.

Em razão disso, bem de ver que o direito tem a sua realização por excelência

no conseqüente normativo, já que é neste que as condutas intersubjetivas são reguladas.

6.3.1 Critério quantitativo

6.3.1.1 Base de cálculo

Como já visto anteriormente, o critério quantitativo da regra-matriz

de incidência é formado pela base de cálculo e pela alíquota, que, quando aplicada sobre a

primeira, permite a apuração do montante da dívida tributária.

368 Diferentemente do functor deôntico que liga hipótese normativa e conseqüente normativo, conhecido comooperador intranormativo, que é neutro, o operador intra-relacional é necessariamente modalizado.

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Page 165: RENATO NUNES - PUC-SP

É nosso entendimento que, diante do atual Sistema Constitucional

Tributário Brasileiro, todos os tributos, quando instituídos, devem possuir alíquota e base

de cálculo, do contrário, restarão desrespeitados os princípios da capacidade contributiva,

no caso das exações não vinculadas; da retributividade e do custeio do exercício do poder

de polícia, no caso das taxas; e da mais-valia imobiliária, para a contribuição de melhoria.

Dado que estamos analisando a estrutura de uma norma geral e

abstrata, forçoso concluir que, quando se diz “base de cálculo”, se faz referência à classe

de notas que permitem apurar a base de cálculo na norma individual e concreta.

Acompanhamos nesse ponto Aires Fernandino Barreto369, que denomina a classe de notas

contida na regra-matriz de “base de cálculo” e a expressão numérica contida na norma

individual e concreta, sobre a qual é aplicada a alíquota, de “base calculada”.

Com efeito, diferentemente do que entende grande parte da doutrina,

entendemos, como Aires Fernandino Barreto370 para quem, na regra-matriz de incidência,

a base de cálculo não é perspectiva dimensível de coisa alguma, haja vista não ser o

abstrato passível de mensuração. A “base calculada” comporta essa definição, todavia, a

base de cálculo, não.

Assim, dentre as funções da base de cálculo indicadas por Paulo de

Barros Carvalho371, - a saber: (i) mensuradora – medir as proporções reais do fato; (ii)

objetiva – compor a específica determinação da dívida; e (iii) comparativa – confirmar,

infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição de classe de fatos contida

na hipótese normativa; - entendemos que, na regra-matriz de incidência, fica prejudicada a

primeira.

369 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998,pp. 53 e 127.370 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998,pp. 53.371 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 324.

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Page 166: RENATO NUNES - PUC-SP

Base de cálculo do imposto sobre a renda devido por não-residentes,

então, corresponde a notas que permitem a mensuração em moeda do respectivo fato

jurídico tributário.

Estabelece a legislação372 que a base de cálculo do imposto sobre a

renda devido por pessoa não-residente consiste no valor da mutação patrimonial positiva

que tenha dado lugar à renda. Não é permitida a dedução de nenhuma mutação

patrimonial negativa, salvo com relação ao ganho de capital, cujo conceito, por si só,

pressupõe a dedução do custo de aquisição do direito real ou pessoal alienado.

Tal previsão, a nosso ver, é inconstitucional à medida que distorce a

materialidade do imposto. Falece competência à União para instituir imposto sobre mera

mutação patrimonial positiva promovida por pessoa não-residente. Deve a exação em

causa recair sobre renda. Se assim não for, trata-se de violação à Constituição Federal.

A base de cálculo, a fim de corresponder fielmente à materialidade do

imposto aqui estudado, deve corresponder ao resultado do confronto de mutação

patrimonial positiva fonte da renda com mutações patrimoniais negativas necessárias à

aquisição, manutenção e produção desta.

Tal qual a mutação positiva, somente pode ser tomada em

consideração mutação negativa que guarde relação com o território brasileiro, isto é, cujo

ato ou fato motivador neste ocorra.

372 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 97, § 3º.

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Page 167: RENATO NUNES - PUC-SP

Dado que, exceto quanto a ganho de capital, as rendas auferidas por

pessoa não-residente são tributadas mediante retenção e recolhimento pela fonte pagadora,

compete àquela informar e municiar a última de documentos comprobatórios de despesas

(mutações negativas) necessárias à aquisição, manutenção e produção da renda.

6.3.1.1.1 Ganho de capital em alienação, liquidação ou reembolso de

investimento – custo de aquisição

É permitido pessoas não-residentes realizarem investimentos no

Brasil. Segundo Alberto Xavier373 374: “Juridicamente, o investimento representa a

aquisição do direito a um rendimento, precisamente porque o capital é o ‘stock’ de que

brotam os frutos em que o rendimento se traduz”.

Fiquemos com três dos títulos sob os quais comumente pessoa não-

residente investe no Brasil, a saber: i) a título de constituição de uma sociedade, ou

aquisição dos direitos relativos a uma sociedade já existente; ii) a título de empréstimo ou

financiamento; iii) a título de transferência de tecnologia. A cada um deles corresponde

uma modalidade específica de investimento: o investimento societário, o investimento

financeiro e o investimento tecnológico375.

Investimentos tais quais os acima indicados podem ser realizados de

diversas formas, cada qual determinando a maneira que deve ser verificado seu custo de

aquisição, para fins de apuração da base de cálculo do imposto sobre renda decorrente de

ganho de capital.

373 XAVIER, Alberto. O conceito de capital estrangeiro. Direito tributário e empresarial – pareceres. Rio de Janeiro:Forense, 1982, p. 332.374 O citado autor contrapõe a noção de investimento à de haveres. Enquanto a primeira categoria caracteriza-se pelaaptidão de produzir rendimentos, a segunda não tem esse condão. XAVIER, Alberto. O conceito de capitalestrangeiro. Direito tributário e empresarial – pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 332.375 XAVIER, Alberto. O conceito de capital estrangeiro. Direito tributário e empresarial – pareceres. Rio de Janeiro:Forense, 1982, p. 334.

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Pode a pessoa não-residente realizar investimento no Brasil mediante

ingresso de moeda estrangeira neste País, segundo regime determinado pela Lei n.º

4.131/62. O valor ingressado nesses termos deverá ser registrado junto ao Banco Central

do Brasil, por meio eletrônico376, consoante disposto na Resolução Conselho Monetário

Nacional n.º 2.337/96 e Circulares Banco Central do Brasil n.º 2.731/99, 2.816/00 e

2.997/00377 378.

Na eventualidade de alienação, liquidação ou reembolso do

investimento deverá ser verificada a realização ou não de ganho de capital. Para tanto

devem ser comparados o valor pelo qual foi praticado o ato de alienação, liquidação ou

reembolso e o valor do custo de aquisição do investimento em moeda estrangeira.

Isso porque não se cuida de investimento em moeda nacional

referenciado em moeda estrangeira. Há ingresso de moeda estrangeira no Brasil, razão

pela qual o seu equivalente em Reais deve servir como custo de aquisição na apuração de

ganho de capital. Cuida-se, pois, de regime estabelecido pela Lei n.º 4.131/62379 380. O376 Através do módulo denominado: i) “RDE-IED”, no caso de investimento societário; ii) “ROF”, no caso deinvestimento financeiro; iii) simplesmente “RDE”, no caso de investimento tecnológico.377 O registro do capital estrangeiro é condição para o seu retorno, bem como remessa de dividendos, juros, “royalty”etc. Lei n.º 4.131/62, artigo 3º.378 O sistema financeiro e monetário brasileiro tem a sua estrutura básica prevista na Lei n.º 4.595/64, que criou,também, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil. O artigo 4º da Lei n.º 4.595/64 delegou aoCMN, dentre outras, competência para: (i) fixar as diretrizes e normas de política cambial, inclusive quanto à comprae venda de ouro e quaisquer operações em moeda estrangeira; (ii) outorgar ao Banco Central do Brasil o monopóliodas operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamento ou houver sérias razões paraprever tal situação; e (iii) baixar normas que regulem as operações de câmbio, inclusive "swaps", fixando limites,taxas, prazos e outras condições. O BACEN tem competência, ainda, conforme artigo 10 da Lei n.º 4.595/64, para:(i) exercer o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei; (ii) ser depositário das reservas oficiais de ouro ede moeda estrangeira; e (iii) conceder autorização para as instituições financeiras praticarem operações de câmbio.379 Determina o artigo 690, II, do Regulamento do Imposto sobre a Renda, aprovado pelo Decreto n.º 3.000/99, quenão se sujeitam ao imposto sobre a renda na fonte os valores, em moeda estrangeira, registrados no Banco Centraldo Brasil, como investimentos ou reinvestimentos, retornados ao seu país de origem. Não se cuida de isenção adeterminação desse dispositivo. Só se isenta aquilo que, sem a previsão de isenção, é passível de tributação. Se ocusto de aquisição é em moeda estrangeira, por óbvio que tudo aquilo que não exceda a isso, em moeda estrangeira,não estará sujeito a imposto sobre a renda. O dispositivo em tela, a despeito da ausência de referência expressa, anosso ver, tem como fundamento a Lei n.º 4.131/62.380 Luciana Rosanova Galhardo, Giarcarlo Chamma Matarazzo e Ricardo Mariz de Oliveira entendem também que,nesse caso, deve o custo de aquisição ser verificado em moeda estrangeira, todavia, por razões distintas das nossas.GALHARDO, Luciana Rosanova e MATARAZZO, Giancarlo Chamma. Ganho de capital – não residentes – garantiados investimentos estrangeiros no Brasil. Revista dialética de direito tributário, n.º 74. Dialética, 2001, p. 94;

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registro do investimento junto ao Banco Central do Brasil será elemento probatório desse

custo de aquisição381.

Pode acontecer de uma pessoa não-residente adquirir de outra,

também não-residente, investimento no Brasil, adquirido pela última mediante ingresso de

moeda estrangeira no País. Neste caso, o registro será transferido ao novo investidor, sem

qualquer alteração com relação ao nele reportado.

Segundo nos ensina Alberto Xavier382, comentando a questão quanto

a investimento societário especificamente: “Nesta hipótese, ocorre que o novo investidor

adquirente das participações societárias sucede nos direitos de natureza cambial que a lei

reconhecia ao investidor anterior, representados no certificado de registro, notadamente no

direito ao retorno de capital, de remessa de lucros e de reinvestimento”.

No entanto, deixará o custo de aquisição do investimento de equivaler

ao valor expressado pelo registro junto ao Banco Central do Brasil, o qual corresponderá

ao montante efetivamente desembolsado pelo novo investidor, demonstrável no Brasil, na

eventualidade de futura apuração de ganho de capital, mediante apresentação de

documento traduzido para a língua portuguesa por tradutor juramentado e registrado em

cartório de títulos e documentos383.

A se admitir que, para o novo investidor, o custo de aquisição

continuará correspondendo ao montante registrado no Banco Central do Brasil, raciocínio

dessa ordem conduziria ao absurdo do preço pago por um terceiro (investidor anterior) ser

a referência para apuração de ganho de capital em alienação promovida pelo novo

investidor, e não o valor pago por ele próprio.

MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Repatriamento de capital estrangeiro – outras formas de extinção – ganhos decapital em geral. Guia IOB – imposto de renda pessoa jurídica. São Paulo: IOB, 2001, Procedimento XIII.4.381 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional – planejamento tributário e operações transnacionais.São Paulo: RT, 2001, p. 569.382 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 440-441.383 Lei n.º 6.015/73, artigos 129, § 6º, e 148.

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Page 170: RENATO NUNES - PUC-SP

Mais uma vez aproveitamos para transcrever as lições de Alberto

Xavier384: “Isso significaria afrontoso atropelo ao próprio conceito de ganho de capital –

indissociavelmente ligado ao de acréscimo patrimonial, constante do art. 43 do Código

Tributário Nacional – na medida em que se compararia um acréscimo de valor, não com o

patrimônio próprio preexistente (preço de aquisição efetivo), mas com o patrimônio de um

terceiro , o anterior investidor (valor do certificado do registro). Por outras palavras: seria

transformar um simples meio de prova de um custo de aquisição (certificado de registro),

no próprio objeto da prova (a base de cálculo do imposto)”.

Pessoa não-residente pode, também, adquirir investimento no Brasil

mediante utilização de Reais detidos neste País385. Nesse caso, por óbvio, o custo de

aquisição não será aferido em moeda estrangeira, mas sim em Reais.

É possível uma pessoa não-residente adquirir de outra, também não-

residente, em moeda estrangeira, investimento no Brasil, adquirido pela última em Reais.

Neste caso, o custo de aquisição será aferido em moeda estrangeira, e não Reais.

Aplicando-se o raciocínio anteriormente averbado, o que valerá é o

preço pago pelo novo investidor. Se este foi em moeda estrangeira, em função de

aquisição ter se operado fora do Brasil, assim será a referência para apuração de eventual

ganho de capital. Tal custo pode ser demonstrado mediante apresentação de documento

traduzido para a língua portuguesa por tradutor juramentado, registrado em cartório de

títulos e documentos386, que comprove o montante desembolsado pelo novo investidor.

384 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 440-441-442. No mesmo sentido, ver: GALHARDO, Luciana Rosanova e MATARAZZO, Giancarlo Chamma. Ganho decapital – não residentes – garantia dos investimentos estrangeiros no Brasil. Revista dialética de direito tributário, n.º74. Dialética, 2001, p. 92.385 Apenas a título ilustrativo, é permitido pessoa não-residente possuir conta-corrente em Reais no Brasil, nos termosda Circular Banco Central do Brasil n.º 2.677/96.386 Lei n.º 6.015/73, artigos 129, § 6º, e 148.

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6.3.1.2 Alíquota

Alíquota é unidade matemática que, quando aplicada sobre a base

calculada, permite a apuração do montante da dívida tributária387.

Note-se que a alíquota e o sujeito ativo, como será visto logo adiante,

não consistem em classes de notas, mas indicação objetiva388, haja vista serem elementos

conhecidos antes mesmo da constituição da norma individual e concreta.

Determina a Constituição Federal artigo 153, § 2º, I, que o imposto

sobre a renda sujeita-se ao princípio da progressividade, o qual é desdobramento do

princípio da capacidade contributiva e, por conseqüência, da igualdade. Não basta ser o

imposto proporcional. Certamente, por tratar-se a alíquota, no caso de impostos, de um

percentual, ainda que seja esta uma só, aquele que aufere mais renda pagará mais imposto

do que aquele que aufere menos. Todavia, proporcionalmente arcarão com a mesma carga

tributária.

O mandamento constitucional é no sentido de que aquele que aufira

maior renda arque, não só quantitativamente, mas também proporcionalmente, com carga

tributária superior àquele que aufere menos. E isso se faz mediante previsão de alíquotas

progressivas, isto é, quanto maior a base de cálculo for, maior será a alíquota aplicável389.

Face ao regime analítico de tributação das rendas de pessoas não-

residentes, temos que não se aplica o princípio da progressividade. Isso porque, nessa

387 BARRETO, Aires Fernandino.Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: MaxLimonad, 1998, p. 59.388 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 172.389 LÔBO, Marcelo Jatobá. A progressividade fiscal do IPTU à luz do princípio hermenêutico da unidade daConstituição. In: MOREIRA FILHO, Aristóteles e LÔBO, Marcelo Jatobá (Coords.), Questões controvertidas emmatéria tributária – uma homenagem ao Professor Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.332-333.

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espécie, não se tributa acréscimo à universalidade de direitos reais ou pessoais e

obrigações, mas conjuntos agrupados em torno de uma fonte de produção de renda

isoladamente considerada.

A progressividade, no caso de rendas de pessoas não-residentes,

perderia seu sentido na medida que não mais corresponderia a desdobramento do princípio

da igualdade. Pode ocorrer de dois contribuintes auferirem o mesmo montante de renda,

um em decorrência de diversas fontes, outro, de uma única, e este último pagar mais

imposto do que o primeiro, por conta de ser a alíquota progressiva em função da

progressão da base de cálculo.

Ter-se-ia uma inversão de valores, haja vista a progressividade,

concebida para garantir efetividade ao princípio da igualdade, acabar por dar lugar a

tratamento desigual entre pessoas em idêntica situação.

Realizando-se balanceamento390 entre o comando que prescreve será

o imposto sobre a renda informado pela progressividade e o princípio da igualdade,

tratando-se de renda de pessoas não-residentes, temos que a alíquota sobre esta aplicável

não pode ser progressiva.

E assim determina a legislação infraconstitucional. Rendas em geral

auferidas por não-residentes estão sujeitas à incidência do respectivo imposto à alíquota

de 15%391. Nas rendas decorrentes de serviços, exceto técnicos, administrativos ou de

assistência técnica (em que a alíquota também é de 15%392), a alíquota aplicável é de

25%393.

390 “A Constituição é um pacto, um compromisso que funde valores e interesses antagônicos, muitas vezes énecessário balancear princípios, conceitos na busca da melhor solução”. DERZI, Misabel de Abreu Machado. In:BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 34.391 Lei n.º 9.249/95, artigos 18 e 28.392 Medida Provisória n.º 2.159-70/01, artigo 3º.393 Lei n.º 9.779/99, artigo 7º.

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Se andou bem o legislador infraconstitucional ao não estabelecer

alíquotas progressivas, o mesmo não podemos afirmar quanto à previsão de alíquota

superior - 25% - quando se trata de renda decorrente de serviços, que não técnicos,

administrativos ou de assistência técnica.

Consiste o critério de discriminação, nessa situação, na categoria de

renda. Não há, no entanto, como identificar correlação lógica entre este critério e a

desequiparação procedida – diferença na carga tributária. Inexiste justificativa para tanto.

De harmonia com as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello394, não podemos senão

reputar inconstitucional a previsão em tela, por afronta ao princípio da igualdade.

6.3.1.2.1 Países com tributação favorecida

Rendas auferidas no Brasil, inclusive as decorrentes de ganho de

capital, cujos beneficiários sejam pessoas residentes ou domiciliadas em países395 que não

tributem a renda ou o façam à alíquota máxima inferior a 20%396 397, vulgarmente394 “(...) a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre otratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fatordiferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinçãoestabelecida afronta o princípio da isonomia”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico doprincípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 39.395 São elucidativos os comentários de Ana Cláudia Akie Utumi sobre a inclusão de dependências de países, taiscomo jurisdições, neste conceito: “Com base na modificação trazida pela Lei n.º 10.451/2002, passou-se a considerarseparadamente a tributação do trabalho e do capital, bem como as dependências do país de residência oudomicílio. Esta modificação veio acomodar a necessidade da Secretaria da Receita Federal em incluir dependênciasde países como jurisdições de tributação favorecida, enquanto que as normas em vigor possibilitavam apenas acaracterização de países considerados como Estados soberanos”. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributaçãofavorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado.São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 233.396 Conceito previsto pela Lei n.º 9.430/96, artigo 24.397 Não se cuida de alíquota nominal de 20%, mas sim efetiva. Deve ser verificada a efetiva carga tributária. Aindaque se estabeleça percentual nominal de 20%, mecanismos tais como redução da base de cálculo ou do próprioimposto a pagar implicam alíquota efetiva diversa da nominalmente estabelecida. Como bem nos ensina HelenoTaveira Tôrres: “Para demonstrar a insuficiência da definição a partir de alíquotas nominais, basta lembrar a práxisadministrativa dos chamados rulings, que são acordos prévios firmados entre o contribuinte e o Fisco, vinculantespara este, para negociar a alíquota do imposto aplicável ou as regras de determinação da base de cálculo dosimpostos incidentes, quando requerida a consulta pelos investidores, para obter uma certeza jurídica sobre otratamento fiscal que lhes será aplicável numa determinada hipótese”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributáriointernacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 91-92. No mesmosentido, ver: UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES,

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denominados “paraísos fiscais”398 399, sujeitam-se ao imposto brasileiro à alíquota de

25%400 401.

Não é a progressividade, em nosso pensar, aplicável à renda de

pessoa não-residente, consoante registramos linhas atrás. Essa assertiva nada mais é do

que decorrência da impossibilidade de a base de cálculo do imposto sobre a renda devido

por pessoa não-residente servir como critério de discriminação para a previsão de

diferentes alíquotas.

De igual modo, pensamos não ser a categoria de renda critério

discriminador legítimo para previsão de alíquotas distintas quanto a esta ou aquela

situação, tal como ocorre hoje no caso de renda decorrente de serviço.

Conforme nos ensina Heleno Taveira Tôrres402: “Ninguém contesta o

fato de que a presença de uma certa competitividade entre os Estados é algo importante

para as economias, como fator de redução da pressão fiscal global, servindo de

estimulante para empregarem com mais eficiência a receita pública e otimizarem seus

orçamentos e serviços públicos”.

se arraigado na terminologia coloquial do Direito Tributário o jargão ‘paraíso fiscal’, tão ao gosto popular, paraidentificar as manifestações de concorrência fiscal prejudicial, cuja imprecisão é latente. Eis uma praga lingüísticamal importada dos imprecisos termos usados na doutrina do common law, disseminada em várias línguas, só nãodesagradável aos novidadeiros, que consideram manifestações de progresso a introdução de pragas léxicas, semqualquer compromisso com o conteúdo de significação que o termo possa representar”. TÔRRES, Heleno Taveira.Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 75-76.400 Lei n.º 9.779/99, artigo 7º; Lei n.º 10.833/03, artigo 47.401 A nosso ver essa alíquota é aplicável a todas as categorias de rendas auferidas por pessoas residentes oudomiciliadas em países com tributação favorecida, salvo quando a legislação prever exceção à norma sob análise.Perfilhamos, pois, idêntica conclusão a que chegou Ana Cláudia Akie Utumi. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países comtributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.) Direito tributário internacionalaplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 250.402 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais.São Paulo: RT, 2001, p. 68-69.

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E prossegue o citado autor403: “Contudo, paralelamente formou-se

uma espécie de concorrência fiscal internacional marcadamente agressiva, desprovida de

qualquer ética diplomática, praticada como forma de atração de investimentos, com erosão

fiscal das próprias receitas públicas, mediante subvenções públicas, financiamentos

vantajosos e todo tipo de incentivos fiscais, ressalvas quanto à importação desse conceito

do direito econômico. Pela série de malefícios que traz, essa é a concorrência fiscal

internacional ‘má’, ‘danosa’, ‘prejudicial’, ‘desleal’, ou ‘guerra fiscal internacional’, como

se queira, cuja forma mais grave é representada pelos chamados ‘paraísos fiscais’, ou

países com tributação favorecida”.

A “má” concorrência fiscal internacional, fazendo uso da expressão

adotada por Heleno Taveira Tôrres, é nitidamente danosa à cooperação entre os povos,

contrariando princípio constitucional404 norteador das relações internacionais mantidas

pela República Federativa do Brasil.

Por essa razão entendemos ser constitucional a eleição da residência

ou domicílio de uma pessoa que tenha auferido renda no Brasil como critério para se

diferenciar a alíquota aplicável do respectivo imposto405. Há correlação lógica entre o

critério discriminador – residência/domicílio do beneficiário da renda – e a

desequiparação procedida – majoração da carga tributária. Não só, fundamenta-se essa

correlação em valores constitucionalmente protegidos, conforme asseveramos acima.

6.3.2 Critério pessoal

6.3.2.1 Sujeito ativo

403 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais.São Paulo: RT, 2001, p. 69.404 Constituição Federal, artigo 4º, IX.405 Em sentido contrário, entendendo pela inconstitucionalidade da discriminação em causa, ver: MOSQUERA,Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais, 2ª ed. São Paulo: Dialética, 1999, p. 283.

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No critério pessoal, a indicação do sujeito ativo da obrigação

tributária já é feita objetivamente a partir da Constituição. A rigor, confunde-se o sujeito

ativo com a pessoa política competente para a instituição de um dado tributo, salvo nos

casos em que há delegação da capacidade tributária ativa406, por vezes promovida pelo

próprio texto constitucional, ou por opção407 da pessoa política competente para a

instituição de uma dada exação tributária.

No caso de imposto sobre a renda a pessoa política competente,

União, confunde-se com o sujeito ativo deste tributo.

6.3.2.2 Sujeito passivo

Em toda e qualquer relação jurídica, e com a tributária não é

diferente, existem, no mínimo, dois sujeitos em posições contrapostas, situação na qual

um deles, denominado sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir o cumprimento de

uma dada conduta por outro, denominado sujeito passivo.

Já vimos anteriormente que essa conduta pode assumir três, e

somente três feições, a saber, proibida, permitida ou obrigatória; e que, na hipótese de

descumprimento, o sujeito passivo está sujeito a um ato coativo como sanção,

designadamente a privação coercitiva da liberdade, a execução forçada da conduta

prescrita na norma primária principal, a reparação do dano408.

Na relação jurídica tributária não é diferente. Deveras, ocorrido um

fato previsto numa hipótese normativa, como desdobramento inexorável ter-se-á a

406 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 294.407 A pessoa política tem liberdade, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo sistema jurídico, de delegar acapacidade tributária ativa a outras pessoas, de direito público ou não.408 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 38.

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instauração de uma relação jurídica, pela qual o sujeito ativo terá o direito subjetivo de

exigir do sujeito passivo uma dada quantia a título de tributo.

Nesse sentido, a regra-matriz de incidência tributária deve indicar

classes de notas, construídas nos estritos termos dos ditames constitucionais e das normas

gerais de direito tributário, que permitam identificar o sujeito passivo da obrigação

tributária.

6.3.2.2.1 Contribuinte

A identificação do contribuinte não oferece maiores dificuldades,

pois, além de ser ponto exaustivamente analisado pela boa doutrina, a quantidade de

enunciados normativos explícitos sobre a matéria facilita em demasia a tarefa do

intérprete.

Já verificamos que é a partir da Constituição Federal e das normas

gerais de direito tributário que devem ser identificadas as classes de notas possíveis da

regra-matriz de incidência tributária.

No tocante à classe de notas para identificação do contribuinte, há

diversas disposições constitucionais e de normas gerais de direito tributário (em especial o

Código Tributário Nacional) que permitem ao intérprete identificar com precisão os

contribuintes possíveis dos tributos previstos na Constituição Federal, de tal sorte que não

é tarefa que demanda grande esforço de interpretação a identificação dos destinatários

constitucionais da carga tributária, utilizando aqui a terminologia empregada por Geraldo

Ataliba, Cléber Giardino409 e Marçal Justen Filho410.

409 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber. Responsabilidade Tributária (Lei Complementar, 44/83). Revista deDireito Tributário, n.º 34. São Paulo: RT, 1986, p. 216.410 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 344.

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Como primeiro critério, tem-se a relação que o sujeito passivo guarda

com o evento a que venha a se referir o fato jurídico tributário, critério este previsto pelo

artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional411. Deveras, tendo o

sujeito relação com o fato jurídico tributário, este é um primeiro passo para verificar se se

trata ou não de contribuinte412.

Não obstante, a identificação de relação de uma determinada pessoa e

o fato jurídico tributário não é suficiente para sabermos se estamos diante de contribuinte

de um dado tributo.

Com efeito, a Constituição Federal assegura às pessoas os direitos de

liberdade e propriedade, o que implica afirmar que, por conseqüência, somente podem ter

sua liberdade e seu patrimônio afetados pelo Estado nas hipóteses expressamente previstas

na Constituição.

Ensina-nos Geraldo Ataliba413 que toda vez que alguém esteja

colocado na contingência de ter o comportamento específico de dar dinheiro ao Estado

(ou a entidade dele delegada por lei), baseando-se exclusivamente no texto constitucional,

estará diante de uma dessas figuras: (i) multa; (ii) obrigação convencional; (iii)

indenização por dano; ou (iv) tributo.

Ou seja, no caso de retirada de dinheiro do particular, pelo Estado, a

Constituição permite que isso seja feito somente nas situações ora enumeradas.

411 “Art. 121 – Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidadepecuniária.Parágrafo único – O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa delei”.412 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 77.413 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34.

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Voltemos, então, ao contribuinte. Pois bem, no caso de tributo, a

pessoa somente poderá ter seu patrimônio afetado, ter de arcar com o ônus econômico do

tributo, na hipótese de guardar relação com uma das materialidades tributárias indicadas

no texto constitucional e revestir outra característica, que varia em função do princípio

informador do tributo que se está tratando.

No caso dos impostos, por exemplo, o princípio norteador é o da

capacidade contributiva. Nesse sentido, além de se aperfeiçoar uma relação entre o fato

jurídico tributário e uma dada pessoa, faz-se necessário que aludido fato se apresente

como signo presuntivo de riqueza, situação em que a Constituição permite ao Estado

exigir parcela em dinheiro do particular.

A Constituição, pois, autoriza às pessoas políticas exigirem parcela de

patrimônio, em dinheiro, a título de imposto, das pessoas que guardem relação com um

fato jurídico tributário e que denotem capacidade contributiva.

Somente aqueles que preencham tais requisitos podem, sob o prisma

constitucional, ter o patrimônio reduzido, sem direito a ressarcimento perante ninguém,

em razão de pagamento de imposto.

O contribuinte do imposto sobre a renda, então, é a pessoa que a

aufere. Tratando-se de imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente, por óbvio,

esta será o contribuinte da exação em causa, independentemente de que categoria de renda

se cuide.

No caso do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, a despeito deste

dispositivo estabelecer que o contribuinte de renda decorrente de juros de financiamento

de bens concedido por pessoa não-residente é o sujeito que promove a remessa dos juros,

há que se entender tratar-se impropriedade técnica.

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Não há como a lei mudar a natureza jurídica de algo quando isto é

previsto na própria Constituição. Contribuinte de imposto é quem denota capacidade

contributiva e no caso de imposto sobre renda decorrente de juros, este alguém é a pessoa

que recebe remuneração dessa natureza, não quem a remete ao exterior414.

6.3.2.2.2 Retenção na fonte

O recolhimento do imposto sobre a renda devido por pessoas não-

residentes, de uma maneira geral, sujeita-se à sistemática de recolhimento denominada

retenção na fonte. Isto é, a fonte pagadora da renda tem obrigação de reter e recolher o

imposto incidente sobre renda auferida por pessoa não-residente, por ocasião do seu

pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa.

Afigura-nos essa técnica o que a doutrina415 416 comumente denomina

substituição tributária, em que o tributo deve ser recolhido por pessoa diversa do

contribuinte – aquele que guarda relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário.

414 Segundo Alberto Xavier: “Ao designar a fonte remetente dos juros por ‘contribuinte’, ao invés de ‘responsável’, oart. 11 do Decreto-lei 401 não pretendeu subverter o esquema clássico da tributação sobre a renda consistente emjuros; limitou-se, isso sim, a seguir o modelo comum, tendo porém cometido impropriedade técnica, aliás explicávelnum domínio em que a flutuação terminológica ainda hoje é freqüente”. XAVIER, Alberto. Direito tributáriointernacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 412.415 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 134; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.423-430.416 Em sentido contrário, isto é, de que a técnica de retenção na fonte não configura substituição tributária ver:COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O sujeito passivo da obrigação tributária – contribuintes e responsáveis.www.sacha.adv.br/doutrina/sacha/Responsab.htm, 19/05/2004, p. 13-14.

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Em matéria tributária, pouca é a margem de discricionariedade

conferida ao legislador infraconstitucional. Tudo que diga respeito à ação de tributar é

quase que exaustivamente previsto pela própria Constituição Federal. Não vamos voltar a

tratar das razões disso, haja vista termos repisado essa questão ao longo de todo o presente

trabalho.

Se é assim, poderia simplesmente o legislador prever seja o tributo

pago por pessoa diversa do contribuinte? A autorização constitucional para tanto consiste

unicamente no princípio da praticidade? Isso porque já vimos o quão trabalhoso e, em

alguns casos, até impossível cobrar o imposto aqui analisado diretamente da pessoa não-

residente.

A Constituição Federal autoriza a instituição de tributos pelas pessoas

políticas, fornecendo fartamente subsídios que permitem identificar precisamente de quem

pode ser exigida transferência definitiva de patrimônio em prol dos cofres públicos.

Pois bem, nos impostos, daqueles que denotem capacidade

contributiva; nas taxas daqueles que tomem ou possam tomar serviços públicos

específicos e divisíveis, ou sujeitem-se ao exercício do poder de polícia; na contribuição

de melhoria, daqueles que tenham imóvel valorizado em razão de obra pública; nas

demais contribuições e no empréstimo compulsório, o sujeito pessoal e diretamente

relacionado ao respectivo fato jurídico tributário, que pode ser ou não vinculado a uma

atividade estatal417.

417 Não sendo, denotará capacidade contributiva. Sendo, corresponderá, ou a sujeito tomador ou possível tomador deserviço público específico e divisível ou destinatário do exercício do poder de polícia, ou a proprietário de imóvelvalorizado em decorrência de obra pública.

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Significa dizer que, ao se instituir um tributo, o contribuinte

necessariamente deverá compor o pólo passivo da obrigação tributária, do qual não se

afasta em nenhuma hipótese418 419, salvo no caso de morte de pessoa física ou extinção da

pessoa jurídica, em que o efeito sucessório supre a sua ausência.

Outras pessoas, contudo, podem ser eleitas como sujeito passivo de

tributos, ou seja, obrigadas, ao lado do contribuinte, ao seu pagamento. E da mesma forma

que os critérios para eleição deste último são previstos constitucionalmente, com os

terceiros que possam também responder pelo pagamento do tributo não é diferente.

Podem ser chamados a pagar tributo, sujeitos outros que não o

contribuinte, seja em função de sucessão420 ou por ausência de diligência quanto ao

pagamento do tributo pelo contribuinte, nas situações em que possam aqueles sujeitos ter

controle sobre essa atividade421, seja porque se relacionam de forma indireta com o fato

jurídico tributário (sim, pois o contribuinte é que, com este, se relaciona diretamente).

No primeiro caso, podem ser indicadas pessoas a responderem pela

dívida tributária no caso de não pagamento no prazo legal pelo contribuinte. Norma que

418 Como nos ensina Heleno Taveira Tôrres: “Vale advertir que mesmo nos casos de haver a atribuição deresponsabilidade, em todos, não há qualquer espécie de transferência do dever jurídico tributário com afastamento docontribuinte do vínculo obrigacional. O contribuinte nunca é afastado da relação jurídica tributária”. TÔRRES,Heleno Taveira. Substituição tributária – regime constitucional, classificação e relações jurídicas (materiais eprocessuais). Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 70. São Paulo: Dialética, 2001, p. 93.419 “Sabemos bien, por haberlo expuesto detenidamente en páginas precedentes, que en la obligación tributariaúnicamente es imprescindible en el lado pasivo de la relación el sujeto pasivo contribuyente. No hay obligacióntributaria sin contribuyente. El es el único sujeto pasivo auténticamente imprescindible. Puede existir una obligacióntributaria sin sustituto y sin responsable, pero nunca sin contribuyente”. GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos yretenedores en el ordenamiento tributário espanol. Madrid: Marcial Pons, 1992, p. 148.420 TÔRRES, Heleno Taveira. Substituição tributária – regime constitucional, classificação e relações jurídicas(materiais e processuais). Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 70. São Paulo: Dialética, 2001, p. 94.421 “Portanto, o destinatário da responsabilidade encontra-se em situação de poder sobre o sujeito passivo tributário,de molde a ser-lhe dado exigir ou verificar o cumprimento da prestação devida. Não se trata, evidentemente, dedescrever a conduta de um funcionário do fisco (embora até seja possível). Trata-se, isto sim, de alguém que está emsituação jurídica especial que lhe assegura, se o desejar, compelir o sujeito passivo a adimplir o dever tributário”.JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 295.

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disponha nesse sentido tem cunho sancionatório422, haja vista responsabilizar pessoa pelo

adimplemento de obrigação de terceiro, não cumprida no prazo legal.

Nesse caso, confunde-se a sanção com o próprio tributo. Não há,

pois, como distingui-los423. É incabível levantar contra essa assertiva o fato de tributo não

constituir sanção a ato ilícito, preceito didaticamente previsto no Código Tributário

Nacional, artigo 3º. Ora, a obrigação tributária é anterior ao dever do responsável; surge

não em razão de um ato ilícito, mas sim de um fato jurídico tributário (auferir renda, por

exemplo). Quando se estabelece que tributo não pode constituir sanção a ato ilícito, o

comando é no sentido de que ato ilícito não pode dar lugar à obrigação tributária.

Diversamente, passa o tributo a ser devido também pelo responsável em razão de ato

ilícito praticado pelo contribuinte, qual seja, o não pagamento daquele no prazo legal424.

Já na segunda situação, pode terceira pessoa ser compelida ao

pagamento no lugar do contribuinte, fenômeno este correspondente à substituição

tributária. Segundo Héctor B. Villegas425: “O substituto existe porque o legislador o criou

para possibilitar ou facilitar a melhor consecução da principal finalidade para qual o

tributo é criado (levar fundos ao tesouro público). Basta então caracterizá-lo devidamente

e assinalar suas diferenças em relação a contribuintes e responsáveis solidários. As

realidades legislativas compelem o jurista tributário a, não raro, assumir atitudes

pragmáticas”.

A Constituição ao determinar o arquétipo constitucional dos tributos,

além de prever o contribuinte possível, o qual servirá como referência para verificação do

422 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 317; QUEIROZ,Luís César Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 189.423 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, 293.424 “Em Teoria Geral do Direito a responsabilidade distingue-se da obrigação porque o responsável não pode evitar,com seu comportamento, a eventual aplicação de uma sanção de ato ilícito. Nada obstante, sobre ele recairá a sançãodecorrente de ato ilícito por outrem praticado. (...) O ‘responsável’ do Código Tributário Nacional não é apenas apessoa que suporta a sanção de ato ilícito. Ao contrário, ele responde pelo pagamento do tributo e eventualmente dapenalidade pecuniária”. BORGES, José Souto maior. Lançamento tributário, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999,p.154-155.425 VILLEGAS, Héctor B. Curso de direito tributário. São Paulo: RT, 1980, p. 113.

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regime jurídico aplicável e é quem deve suportar em definitivo o ônus tributário, prevê

também pessoas que possam relacionar-se com o fato jurídico tributário e, por

conseguinte, serem chamadas a compor o pólo passivo da obrigação tributária juntamente

com aquele426.

Por essa razão, quando a norma geral e abstrata preveja além do

contribuinte um substituto para compor o pólo passivo, é incabível cogitar-se distorção da

hipótese. Utilizaremos o vocábulo substituição sem fazer nenhuma referência ao seu

conteúdo semântico. Na realidade, o chamado substituto não substitui o contribuinte na

obrigação427. Não se cuida de eleição de pessoa diversa do contribuinte por ocasião da

instituição do tributo, hipótese em que, a rigor, também não haveria substituição

propriamente dita428. Fora de cogitação também é a proposta de que a obrigação tributária

nasce para o contribuinte, que, em seguida, dá lugar ao substituto429.

426 O que é didaticamente previsto pelo Código Tributário Nacional, artigo 128, que determina que a lei pode atribuirde modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador darespectiva obrigação. Sacha Calmon Navarro Coêlho tece comentários precisos sobre esse dispositivo: “O artigo 128é uma restrição ao poder de tributar. O destinatário da regra é o legislador. O intento é proteger o contribuinte semestorvar, contudo, a ação do Estado. O legislador, assim, não é livre na estatuição dos casos de responsabilidadetributária. Nessa área não se permite alvedrio, que poderia redundar em arbítrio e opressão”. COÊLHO, SachaCalmon Navarro. O sujeito passivo da obrigação tributária – contribuintes e responsáveis.www.sacha.adv.br/doutrina/sacha/Responsab.htm, 19/05/2004, p. 6.427 Como bem nos ensina Luis M. Alonso Gonzalez: “Pero, sobre todo, la desaparición del contribuyente como sujetopasivo supondría, con toda seguridad, un desafío al principio de capacidad econômica”. GONZALEZ, Luis M.Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributário espanol. Madrid: Marcial Pons, 1992, p. 186.428 A se entender dessa forma, não constando o contribuinte do pólo passivo da obrigação tributária, haveria distorçãoda própria materialidade do tributo, em afronta à rigidez da discriminação de competências tributárias, ao princípiodo republicano, e aos direitos de propriedade e liberdade. Precursor dessa corrente foi A.D. Giannini, o qual, noBrasil, foi seguido, dentre outros, por Alberto Xavier, Alfredo Augusto Becker, Geraldo Ataliba, Paulo de BarrosCarvalho, Rubens Gomes de Sousa e Sacha Calmon Navarro Coêlho. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidênciatributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 80; BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário,3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 553; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário,13ª ed. São Paulo:Saraiva, 2000, p. 297-299; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O sujeito passivo da obrigação tributária –contribuintes e responsáveis. www.sacha.adv.br/doutrina/sacha/Responsab.htm, 19/05/2004, p. 4; GIANNINI, A.D.Istituzioni di diritto tributario, 9ª ed. Milão: Giuffrè, 1974, p. 103-140; SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio delegislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 56; XAVIER, Alberto. Direito tributáriointernacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 424-426.429 ALLORIO, Enrico. Diritto processuale tributario. Milão: Giuffrè, 1942, p. 189; FALCÃO, Amílcar de Araújo.Introdução ao direito tributário. Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 98; LAPATZA, Jose Juan Ferreiro. Curso de derechofinanciero español, 12ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1990, p. 514-515.

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Ambos, contribuinte e substituto, podem estar referidos na hipótese

da regra-matriz de incidência, pelo que podem compor conjuntamente o pólo passivo da

obrigação tributária.

A se entender dessa forma, não há como haver descompasso entre

hipótese e conseqüente da regra-matriz. É a própria Constituição que autoriza a

substituição nos moldes acima comentados. E por ser assim, entendemos derivar o dever

do substituto da própria obrigação tributária, e não de outra com esta relacionada430.

Contribuinte e substituto serão devedores solidários do tributo, com

as peculiaridades que comentaremos a frente. Isso porque o fato de possível ocorrência

será o mesmo para ambos. No caso de um imposto, por exemplo, para um sujeito –

contribuinte - este fato denotará capacidade contributiva, para outro – substituto -, não.

Por ser o contribuinte quem manifesta capacidade contributiva, é este quem deverá

suportar em definitivo o encargo.

Aliás, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 124, deixa bem

clara essa situação quando determina que são solidariamente obrigadas as pessoas que

tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.

Interesse comum significa, a nosso ver, possibilidade de mais de um

sujeito guardar relação com o fato jurídico tributário por ocasião de sua ocorrência. Esse

interesse comum não pode ser criado pela própria hipótese da regra-matriz de incidência.

Esta se limita a descrever um fato de possível ocorrência, não tem o condão de constituir

absolutamente nada.

430 Em sentido contrário, ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 268;GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributário español. Madrid: MarcialPons, 1992, p. 159; PARLATO, Andrea. Il sostituto d’imposta. Padova: Cedam, 1969, p. 135 e seguintes.

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Por meio de situações alheias à regra-matriz de incidência é que deve

ser vislumbrado interesse comum no fato jurídico tributário de possível ocorrência. E

situações alheias que digam respeito à materialidade da hipótese da regra-matriz de

incidência.

Utilizemos mais uma vez o imposto para elucidarmos nosso

raciocínio. Pois bem, em algumas exações é possível um único fato denotar capacidade

contributiva de mais de um sujeito.

É o caso do imposto sobre propriedade territorial urbana, quando um

imóvel localizado em perímetro urbano é detido por duas pessoas em condomínio. Ambas

têm interesse comum na situação que constitui o fato jurídico tributário, por uma razão

alheia à respectiva regra-matriz de incidência, que diz respeito diretamente à sua

materialidade, qual seja, ser proprietário de bem imóvel localizado em perímetro urbano.

Os dois sujeitos serão solidariamente obrigados ao pagamento do

tributo na condição de contribuintes. Note-se que nesse caso não há opção ao legislador

para determinar seja a obrigação tributária constituída somente em relação a uma pessoa

quando as duas denotam capacidade contributiva exatamente da mesma forma. Do

contrário, restaria desrespeitado o princípio da igualdade.

Mas não só. Pode haver pessoa que tenha, ao lado do contribuinte,

interesse comum na situação que constitua o fato jurídico tributário, por razões alheias à

regra-matriz de incidência, mas que não preencha as características necessárias para ser

considerada como tal431.

Há uma premissa importante que deve ser relembrada antes de

darmos continuidade ao raciocínio. Deveras, a Constituição, no âmbito da regra-matriz de

431 GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributario español. Madrid: MarcialPons, 1992, p. 155-156; JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 192.

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incidência, determina que somente o contribuinte tenha o patrimônio onerado pela exação

tributária.

Para que possa a lei indicar pessoa a compor o pólo passivo da

obrigação tributária juntamente com o contribuinte deve o interesse comum consistir em

relação de poder mediante a qual este último encontra-se em posição de sujeição perante

àquela – substituto432. A fim de que seja respeitada a premissa outrora firmada, deve esta

relação consistir em poder que sujeite o gozo de riqueza do contribuinte à vontade do

substituto433 434.

Segundo Luciano Amaro435: “Porém, mais do que isso, deve-se dizer

que também não é qualquer tipo de vínculo com o fato gerador que pode ensejar a

responsabilidade de terceiro. Para que isso seja possível, é necessário que esse vínculo

seja de tal sorte que permita a esse terceiro, elegível como responsável, fazer com que o

tributo seja recolhido sem onerar seu próprio bolso”.

Com isso, resta assegurada ao substituto a faculdade de fazer uso ou

não de seu patrimônio para pagar o tributo. Tendo em suas mãos riqueza do contribuinte,

cuja transferência dependa de decisão sua, pode o substituto fazer uso de parcela dessa

riqueza para adimplir a obrigação tributária.

Não se pode perder de vista que a relação de poder deve guardar

referência com a materialidade da hipótese da regra-matriz de incidência. Assim,

utilizando o imposto objeto do presente trabalho como exemplo, no caso de o substituto

432 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 274 e seguintes.433 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 282.434 Segundo Luis M. Alonso Gonzalez, o ordenamento jurídico espanhol permite que o substituto faça uso depatrimônio próprio para pagar o tributo, desde que lhe reste assegurado direito de reembolso junto ao contribuinte.GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributario espanol. Madrid: MarcialPons, 1992, p. 155-156; JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 199.435 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 296. Ver também nessemesmo sentido: MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. A sujeição passiva da fonte pagadora de rendimento, quanto aoimposto de renda devido na fonte. Revista dialética de direito tributário, n.º 49. São Paulo: Dialética, 1999, p. 93;QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 200.

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dever juros à pessoa não-residente, é esta relação de poder que deve fundamentar a

instituição de substituição tributária para o pagamento do respectivo imposto sobre a

renda.

Concordamos com Marçal Justen Filho436, cuja linha de pensamento

no que tange à necessidade de existência de relação de poder acompanhamos, para quem,

por haver essa relação “(...) não há necessidade de a lei tributária instituir um direito de

regresso”.

Como dissemos, fica totalmente a cargo do substituto fazer uso ou

não da riqueza do contribuinte para adimplir a obrigação tributária437. Caso o substituto

não deseje fazer uso da riqueza do contribuinte ou assim convencione com este último,

esta será decisão consentida pelo Direito. Nessa hipótese, não haverá possibilidade de

regresso do substituto junto ao contribuinte.

Assim, conquanto haja sujeito que detenha poder sobre o gozo de

riqueza por parte do contribuinte, e esta relação possa guardar referência com a

materialidade de fato jurídico tributário que venha a ocorrer concretamente, é facultado ao

legislador indicar o sujeito em causa como substituto tributário, obrigado ao

adimplemento da obrigação tributária.

Para que exista substituição tributária, além do cumprimento das

condições até aqui analisadas, deve a lei instituí-la expressamente. Caso não o faça,

somente o contribuinte figurará no pólo passivo da obrigação tributária.

Ocorrido fato jurídico tributário cuja regra-matriz preveja a figura do

substituto, contribuinte e este último serão devedores solidários do tributo, nos termos do

Código Tributário Nacional, artigo 124. E nem poderia ser de outra maneira, já que como

436 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 283.437 LAPATZA, Jose Juan Ferreiro. Curso de derecho financiero español, 12ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1990, p. 516.

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bem assevera Pontes de Miranda438: “O que faz a solidariedade passiva não é a unidade de

dívida e, pois, de crédito, mas sim a comunidade do fim”.

E prossegue o citado autor439: “A vinculação é uma só. Uma só a

relação jurídica, de que aliás se irradia pretensão única a que correspondem obrigações

solidárias. Assim, a) a relação jurídica é uma só; b) o crédito é um só; c) a pretensão é

uma só; d) as obrigações são múltiplas”.

Quer o contribuinte, quer o substituto440 são responsáveis pela dívida

toda441. O pagamento do tributo por qualquer um deles extingue a obrigação tributária.

Aqui cabe fazer um aparte. Consoante as lições de Héctor B. Villegas

transcritas linhas atrás, a substituição é criada para facilitar a arrecadação do tributo.

Sendo assim, há que se entender que caberá primeiramente ao substituto responder pela

dívida, o que não fará com que a obrigação deixe de ser solidária. É da natureza da

substituição tributária que assim seja. Segundo Pontes de Miranda442: “Nada obsta a que se

dê certa ordem à exigibilidade a respeito de cada devedor solidário (e.g., primeiro, A;

depois, B, só após, C)”.

Vê-se que, a priori, a substituição tributária implica co-existência de

responsabilidades de substituto e contribuinte, respondendo este último pela obrigação

438 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Campinas:Bookseller, 2003, t. XXII, p. 375.439 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Campinas:Bookseller, 2003, t. XXII, p. 375.440 “O responsável é, então, alguém que não responde por débito tributário de terceiro. O dever de prestar – obrigaçãotributária – é dele, e não do substituído. Responde, portanto, por débito tributário próprio, e não por débito tributárioalheio”. BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 154.“O responsável sempre é devedor de débito próprio. O dever que figura como conteúdo da relação jurídica quevincula o Estado (sujeito ativo) ao responsável legal tributário (sujeito passivo) é dever jurídico do próprioresponsável tributário e não de outra pessoa”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed.São Paulo: Lejus, 1998, p. 558.441 Código Civil, artigo 264.442 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Campinas:Bookseller, 2003, t. XXII, p. 385.

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tributária em caráter subsidiário443. Vale dizer, não adimplindo o substituto, pode o sujeito

ativo cobrar diretamente do contribuinte444.

Nessa situação, o contribuinte terá direito de regresso contra o

substituto somente quanto a eventuais encargos cobrados em função do não cumprimento

da obrigação no prazo legal. Isso porque, com relação ao tributo em si, dado que o

contribuinte é quem deve arcar com seu ônus, não há que se falar em pedido de

ressarcimento junto ao substituto.

Esta situação coaduna-se com o que dispõe o Código Civil, artigo

285: “Se a dívida interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda

ela para com aquele que pagar”. Como contrario sensu dessa determinação entenda-se

quando quem paga é aquele a quem interessa a dívida, não cabe ressarcimento junto aos

demais devedores.

Há autores445 que rechaçam veementemente a possibilidade de

existência de obrigação dualista, em que se dissocia o débito da responsabilidade. Isto é,

em obrigações dessa natureza tem-se uma pessoa devedora e outra responsável pelo

adimplemento da obrigação.

Mas e se assim o Direito determinar, ou seja, que fica excluída a

responsabilidade do devedor, ficando esta a cargo de um terceiro, seria isto uma

anomalia? Poderia o Cientista simplesmente ignorar esse fenômeno?

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Pensamos, com convicção, que não. José Souto Maior Borges446,

analisando a questão de obrigação não necessariamente ter cunho patrimonial, demonstra

cabalmente que o método indutivo é inaplicável em sede de Direito Positivo.

Especificamente com relação à obrigação acessória, explica o citado autor que não é por

que normalmente a obrigação possui cunho patrimonial que sempre terá que ser assim.

Pode o Direito Positivo determinar que haja obrigação sem cunho patrimonial, e assim

será.

Aplicando o raciocínio do citado autor, temos que, ainda que

tradicionalmente assim não seja, o Direito Positivo pode sim determinar a possibilidade de

existir débito sem responsabilidade.

E isso é expressamente autorizado pelo Código Tributário Nacional,

quando determina a possibilidade de exclusão da responsabilidade do contribuinte, na

eventualidade de ser esta atribuída a terceiro vinculado ao fato gerador.

Dado que o contribuinte nunca se afasta do pólo passivo da obrigação

tributária, em nosso pensar, é possível indicar substituto tributário que seja único

responsável pelo adimplemento desta obrigação, de tal sorte que ambos serão devedores

em caráter solidário, mas somente um deles, o substituto, terá a responsabilidade447. Vale

dizer, a responsabilidade do contribuinte pode ser excluída, jamais sua condição de sujeito

passivo.

Nessa hipótese, o sujeito ativo não poderá reclamar o tributo junto ao

contribuinte448. Por outro lado, tanto o contribuinte quanto o substituto terão legitimidade

446 BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária: uma introdução metodológica, 2ª ed. São Paulo: Malheiros,1999, p. 69.447 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao direito tributário. Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 99; JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 191-192; LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro etributário, 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 217.448 Em sentido contrário, ver: MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Responsabilidade do contribuinte do imposto derenda na fonte e proponente de ação judicial afinal julgada improcedente. Revista dialética de direito tributário, n.º68. São Paulo: Dialética, 2001, p. 124-142.

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Page 192: RENATO NUNES - PUC-SP

para discutir a exigência do tributo, haja vista os dois serem devedores da exação em

nome próprio. Já no que tange à repetição, apenas o contribuinte terá legitimidade para

requerê-la administrativa ou judicialmente, salvo se restar demonstrado que o substituto

tenha arcado com o ônus do tributo ou este último ter sido autorizado pelo primeiro para

tanto, nos termos do Código Tributário Nacional, artigo 166449.

6.3.2.2.3 Retenção na fonte na legislação interna (pessoas não-

residentes)

Determina a legislação450 que o imposto sobre a renda auferida no

Brasil por pessoas não-residentes, de uma maneira geral451, deve ser retido e recolhido

pela fonte pagadora, por ocasião do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa

daquela.

Cuida-se a retenção acima indicada de substituição tributária, a nosso

ver, plenamente legítima, uma vez que há relação de poder entre a fonte pagadora e o

beneficiário, pela qual o gozo da renda pelo último se sujeita à vontade do primeiro. Há

possibilidade de o substituto fazer uso de riqueza do contribuinte para pagar o débito

tributário. Não só isso, a dita relação de poder guarda relação com a materialidade do

imposto aqui analisado, qual seja, auferir renda.

A substituição tributária em tela, nos termos da legislação aplicável, é

da espécie em que a responsabilidade do contribuinte é totalmente excluída, restando-lhe

449 “Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargofinanceiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido aterceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.450 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 100.451 No caso de renda decorrente de juros de financiamento, o imposto deve ser retido e recolhido por ocasião daremessa daquela, nos termos do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, parágrafo único.

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tão-somente o débito452. O substituto é quem responde ao sujeito ativo, não restando a este

possibilidade de reclamar o imposto junto ao contribuinte.

É permitido ao substituto arcar com ônus do imposto incidente sobre

renda auferida por pessoa não-residente, situação em que aquele deve ser incluído em sua

própria base de cálculo (gross up)453, exceto quando se tratar de juros decorrentes de

financiamento de bens454.

Quando restar demonstrado que o ônus do imposto sobre a renda

tenha sido arcado pelo substituto – fonte pagadora -, este terá legitimidade para requerer

sua restituição administrativa ou judicialmente, nos termos do Código Tributário

Nacional, artigo 166, caso o imposto em causa tenha sido pago indevidamente ou a maior.

Na hipótese de pagamento de renda a pessoa não-residente mediante

remessa de recursos ao exterior, a instituição contratada para o fechamento da respectiva

operação de câmbio deve verificar se houve recolhimento do imposto sobre a renda,

consoante disposto na Lei n.º 4.131/62, artigo 9º, parágrafo único.

6.3.2.2.4 Incompatibilidade entre retenção na fonte e ganho de

capital – a Lei n.º 10.833/03, artigo 26

É condição precípua da instituição de retenção na fonte - espécie de

substituição tributária - sobre uma determinada categoria de renda auferida por pessoa

não-residente a existência de relação de poder entre o agente retentor e o beneficiário, pela

qual o gozo da renda pelo último se sujeita à vontade do primeiro, de modo que haja

452 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 103.453 Lei n.º 4.154/62, artigo 5º.454 Decreto-lei 401/68, artigo 11, parágrafo único.

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Page 194: RENATO NUNES - PUC-SP

possibilidade de o substituto fazer uso de riqueza do contribuinte para pagar o débito

tributário.

Mas não só. Deve a mencionada relação de poder guardar relação

com a materialidade do imposto sobre a renda.

Pois bem, ganho de capital, já asseveramos anteriormente, é a

diferença positiva entre o valor de alienação, liquidação ou reembolso de um determinado

direito real ou pessoal e o respectivo de custo de aquisição.

Em qualquer uma das hipóteses de realização de ganho de capital,

jamais se tem o pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de renda dessa

categoria, tem-se, isto sim, preço, valor de liquidação ou valor de reembolso. Ainda que

não haja intervalo temporal entre a alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou

pessoal, não se pode olvidar haver intervalo lógico. A apuração do ganho é sempre

posterior a esses, e posterior, também, ao pagamento de preço, de valor de liquidação ou

de valor de reembolso. Não há meios, portanto, de existir fonte pagadora de ganho de

capital.

Certamente há entre a fonte pagadora de preço, valor de liquidação ou

valor de reembolso e o respectivo beneficiário relação de poder, pela qual o gozo de

riqueza pelo último se sujeita à vontade do primeiro. O mesmo não pode ser dito, todavia,

quanto à existência de referência entre esta relação de poder e a materialidade do imposto

sobre a renda decorrente de ganho de capital. Repetimos, a fonte paga preço, valor de

liquidação ou valor de reembolso, não paga ganho de capital. Por essa razão, não há como

se adotar a sistemática de retenção na fonte no caso de renda dessa categoria auferida por

pessoa não-residente.

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Além da impossibilidade jurídica em si, há óbice prático

intransponível para a grande maioria dos casos de alienação, liquidação ou reembolso de

direito real ou pessoal. Com efeito, a fonte pagadora do preço, valor de liquidação ou

valor de reembolso não tem conhecimento do custo de aquisição do direito real ou

pessoal, o que a impossibilita de verificar a realização ou não de ganho de capital.

Aliás, para os ganhos de capital em geral realizados até 31 de

dezembro de 2003 essa era a determinação legal aplicável - Lei n.º 9.249/95, artigo 18455

456, que estabelece sejam os ganhos dessa natureza auferidos por não-residentes apurados e

arrecadados de acordo com as mesmas normas aplicáveis a pessoas físicas, sujeitas, nesse

particular, a regime de “auto-recolhimento”457.

Com a edição da Lei n.º 10.833/03, alterou-se a sistemática até então

vigente, especificamente com relação a ganho de capital decorrente de alienação de bens

localizados no Brasil, cujo artigo 26 mais uma vez transcrevemos:

“Art. 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou

domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado

no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente

sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de

1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que

alienar bens localizados no Brasil”. (grifamos)

A realização de ganho de capital, por tudo que expusemos, não se

coaduna com a sistemática de fonte, pelo que entendemos ser o dispositivo acima

colacionado inconstitucional.

455 Mesmo sendo a determinação legal exatamente no mesmo sentido aqui exposto, lamentavelmente prevê oRegulamento do Imposto sobre a Renda, aprovado pelo Decreto n.º 3.000/99, artigo 685, que renda de ganho decapital sujeita-se à sistemática de fonte.456 O qual, a nosso ver, revogou tacitamente o artigo 33 da Lei n.º 7.713/88.457 Lei n.º 8.981/95, artigo 21.

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Ainda que assim não fosse, não pode ser responsabilizado pela

retenção e recolhimento do imposto o procurador do adquirente não-residente de bem

localizado no Brasil quando não participe do negócio jurídico que tenha dado lugar a

ganho de capital. Nesse caso, além da ausência de referência entre relação de poder e

materialidade do imposto sob análise, o suposto substituto não seria parte da dita relação

de poder.

Não há meios de se indicar alguém como substituto tributário sem

que este sequer tenha participado do negócio que tenha dado origem ao ganho de capital.

Essa vedação é didaticamente prevista pelo Código Tributário Nacional, artigo 128, que

determina deve haver relação entre o potencial substituto e o fato jurídico tributário, o que

definitivamente não existe na hipótese aventada.

De mais a mais, restaria, ainda, o óbice prático atinente ao custo de

aquisição. Mesmo que o procurador do adquirente tenha participado do negócio que tenha

dado lugar a ganho de capital, não há meios deste saber o custo de aquisição do bem. Esta

é uma informação detida pelo alienante.

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Page 197: RENATO NUNES - PUC-SP

CONCLUSÕES

1. É a soberania que permite vislumbrar a existência de diversas ordens estatais,

que se relacionam exclusivamente em bases de coordenação, nunca de

subordinação.

2. Em matéria tributária, a soberania não se manifesta apenas internamente, sob a

forma de competências, mas também confere ao Estado atributos de

independência e autonomia em face dos demais, inclusive nesta seara.

3. Território é um espaço tridimensional juridicamente qualificado e delimitado.

4. A característica da soberania, mediante a qual o Estado somente pode instaurar

e fazer valer uma ordem jurídica nos limites do seu território, corresponde ao

conceito de territorialidade formal.

5. A territorialidade material consiste em critério de outorga de competência

tributária limitando a ação legislativa quanto à seleção de fatos aos quais serão

atribuídos efeitos jurídicos àqueles que guardem relação com o território do

ordenamento que lhe corresponda.

6. Diferentemente da territorialidade formal, não decorre a territorialidade material

da soberania, cabendo, portanto, a cada ordenamento adotá-la, ou não.

7. À lei complementar cumpre, dentro dos limites constitucionais, aclarar

eventuais “zonas cinzentas” atinentes às materialidades, assim como as

respectivas coordenadas de tempo e espaço que lhes condicionam, de modo a

prevenir possíveis conflitos de competência entre pessoas políticas.

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8. Caso haja possibilidade de mais de uma pessoa política tributar o mesmo fato,

não se trata de mero concurso de imposições, mas sim potencial conflito de

competências.

9. Quanto a Estados e Municípios, a territorialidade material é princípio

constitucional.

10. O exercício da competência tributária deve ter uma motivação prevista implícita

ou explicitamente pela Constituição Federal.

11. A motivação constitucional do exercício da competência tributária pode ser

legítimo critério discriminatório entre contribuintes em sede de quaisquer

tributos, exceto nos impostos cuja finalidade do exercício da respectiva

competência seja o fomento de despesas gerais do Estado, em que somente a

capacidade contributiva pode servir como critério discriminatório.

12. A finalidade que legitima a instituição (ação legislativa) do imposto é a geração

de recursos para que o Estado possa fazer frente às despesas necessárias ao

exercício de sua função maior – propiciar o bem comum.

13. Somente é possível se instaurar deveres tributários quanto a sujeitos que possam

gozar os frutos da atuação administrativa.

14. Os sujeitos direta e pessoalmente relacionados a fatos que guardem algum tipo

de conexão com o território do Estado é que são, de alguma forma, os

beneficiários efetivos ou potenciais de sua atuação e, portanto, potenciais

titulares de deveres tributários.

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Page 199: RENATO NUNES - PUC-SP

15. A residência ou domicílio, por pressuporem vínculo com o território, seja

mediante presença física - corpus, seja mediante animus, são critérios

apropriados para se verificar a existência ou não de relação subjetiva com um

dado território.

16. A territorialidade material, no Brasil, é limite objetivo previsto no texto

constitucional ao exercício da competência tributária, inclusive pela União.

17. Critério de conexão corresponde a notas informadoras do conteúdo da norma

geral e abstrata que, quando configuradas concretamente, localizam um dado

fato no espaço e deflagram relação deste com o território de um dado

ordenamento.

18. Por força constitucional, a regra-matriz de incidência deve, em sua hipótese,

possuir notas (critério de conexão) que permitam subsumam-se à ela somente

fatos que guardem relação com o território da pessoa política que a tenha

editado.

19. Somente podem ser objeto de regulação por normas gerais de direito tributário

critérios de conexão referentes a impostos de competência dos Estados e dos

Municípios.

20. Coadunam-se com o sistema constitucional brasileiro os critérios de residência

e domicílio para fins de verificação de que tipo de relação é relevante para

eleger este ou aquele critério de tributação, se pessoal (pessoa residente), ou se

material/objetivo (fato ocorrido nos limites do território).

21. Residente ou domiciliado no Brasil será aquele que guardar relação pessoal com

seu território, relação esta identificada a partir de critérios determinados pelo

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direito positivo, a saber: permanência física - corpus, nuns casos, animus,

noutros, se pessoas naturais; local da sede estatutária, quanto a pessoas

jurídicas.

22. Renda não se confunde com faturamento, lucro, receita nem com quaisquer

outras materialidades previstas no texto constitucional na discriminação de

competências.

23. O conteúdo semântico do vocábulo renda que deve ser tomado como partida

para sua verificação no contexto constitucional é o de acréscimo patrimonial,

riqueza nova.

24. Patrimônio é a universalidade de direitos reais e pessoais, e obrigações

economicamente avaliáveis (mensuráveis em moeda), intitulada por uma

pessoa.

25. Por vezes deixa o patrimônio de ser aferido exclusivamente em função da

pessoa, mas também por força de circunstâncias em torno das quais existam

conjuntos de direitos pessoais ou reais e obrigações.

26. Renda consiste no acréscimo a um dado patrimônio (vertido em linguagem

competente), obtido mediante o confronto de mutações patrimoniais positivas e

negativas, ambas as espécies de mutações mensuráveis em moeda.

27. Mutações patrimoniais positivas correspondem a ingressos de direitos pessoais

ou reais que se incorporem positivamente ao patrimônio, ou liquidação de

obrigações sem que estas tenham sido satisfeitas.

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28. Mutações patrimoniais negativas equivalem às assunções de obrigações que não

tenham como contrapartida a aquisição de um bem ou direito, assim como os

dispêndios de direitos reais ou pessoais que impliquem descréscimo

patrimonial.

29. Determina o princípio da igualdade que a discriminação entre pessoas por meio

de normas jurídicas somente pode ocorrer se houver correlação lógica entre o

discrímen e a situação discriminada, bem como fundamentação desta correlação

nos valores constitucionalmente prestigiados.

30. A capacidade contributiva é, a priori, o discrímen constitucionalmente eleito

para a instituição e cobrança de impostos.

31. A consideração das mutações negativas necessárias à aquisição, produção e

manutenção da renda e do patrimônio é corolário do direito de propriedade.

32. A pretensão de eficácia do princípio da igualdade exige que todas as mutações

patrimoniais positivas dos contribuintes sejam computadas na apuração de

acréscimo patrimonial.

33. É essencial a existência de período para que se possa cogitar em renda.

34. Renda no Sistema Constitucional Brasileiro é acréscimo patrimonial, decorrente

do confronto entre todas as mutações patrimoniais positivas e as mutações

negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do

patrimônio, ocorridas num determinado período.

35. Rendimento corresponde à mutação patrimonial positiva, conceito inconciliável

com o de renda.

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Page 202: RENATO NUNES - PUC-SP

36. A idéia de disponibilidade não se refere à renda, mas sim a um de seus

elementos formadores, a saber, os ingressos de direitos pessoais ou reais que se

incorporem positivamente ao patrimônio de alguém.

37. Por força da territorialidade material, somente é passível de tributação renda

relacionada ao território brasileiro.

38. Não-residentes somente podem ser tributados no Brasil quanto às rendas

auferidas no território brasileiro.

39. Por ser renda acréscimo patrimonial, fonte desta são as mutações patrimoniais

positivas.

40. O local de ocorrência do ato ou fato jurídico que motive uma mutação

patrimonial positiva corresponderá ao seu local de ocorrência e, portanto, o de

auferimento da renda.

41. A submissão do não-residente à soberania fiscal brasileira, pela sua própria

condição, é casual, fortuita.

42. Deve ser considerado patrimônio da pessoa não-residente existente no

ordenamento jurídico brasileiro o conjunto de direitos reais ou pessoais

referentes a uma dada fonte de produção de renda (ato ou fato jurídico),

isoladamente tomada.

43. Haverá tantos patrimônios, ou possibilidade de formação de patrimônios,

quantas fontes de produção de renda houver.

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Page 203: RENATO NUNES - PUC-SP

44. Renda de pessoa não-residente corresponde acréscimo a cada conjunto de

direitos reais ou pessoais e obrigações, referentes a uma dada fonte de produção

isoladamente considerada.

45. Nas rendas auferidas por pessoas não-residentes o período varia em função de

cada categoria de renda, diferentemente do que ocorre com as pessoas

residentes, em que, por força constitucional, o período deve ser de no mínimo

um ano.

46. O marco inicial do período de apuração de rendas de pessoas não-residentes é o

momento de ocorrência de ato ou fato jurídico que fundamente a ocorrência de

outro ato ou fato jurídico que dê lugar a uma mutação patrimonial positiva.

47. O marco final do período de apuração de rendas de pessoas não-residentes é o

momento de ocorrência ato ou fato jurídico que dê lugar a uma mutação

patrimonial positiva.

48. Ganho de capital corresponde a uma categoria de renda quando realizado por

pessoa não-residente.

49. São passíveis de tributação no Brasil os ganhos de capital cujos atos jurídicos

que lhe tenham dado origem sejam praticados nos limites do território deste

País.

50. Pode dar lugar à renda tributável no Brasil juros devidos a pessoa não-residente

quando o devedor for pessoa residente ou domiciliada neste País.

51. Pode dar lugar à renda tributável no Brasil dividendos ou juros sobre capital

próprio recebidos por pessoa não-residente, conquanto seja a sociedade que

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Page 204: RENATO NUNES - PUC-SP

distribua essas remunerações domiciliada no Brasil – ou seja, aqui se localize

sua sede estatutária.

52. Pode dar lugar à renda tributável no Brasil “royalty” devido a pessoa não-

residente, desde que o cessionário do direito de uso sobre algum direito que lhe

tenha dado origem seja pessoa residente ou domiciliada no Brasil.

53. Remuneração de serviço de meio devida à pessoa não-residente pode dar lugar à

renda tributável no Brasil se aquele for executado no território deste País.

54. Remuneração decorrente de serviço consistente num fazer de resultado pode dar

lugar à renda tributável no Brasil se o resultado contratado se der nos limites do

território deste País.

55. O critério material da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda de

pessoa não-residente, nas categorias analisadas no presente trabalho,

corresponde a auferir renda decorrente de ganho de capital, juros, dividendos,

juros sobre capital próprio, “royalty” e prestação de serviços.

56. Nas rendas em geral auferidas por pessoa não-residente o critério temporal da

regra-matriz de incidência corresponde ao pagamento, crédito, entrega emprego

ou remessa daquelas.

57. No caso de renda auferida por pessoa não-residente, decorrente de juros de

financiamento, o critério temporal da regra-matriz de incidência corresponde à

remessa daquela.

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Page 205: RENATO NUNES - PUC-SP

58. O critério temporal da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda

decorrente de ganho de capital apurado por não-residente corresponde à

alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou pessoal.

59. O critério espacial genérico da regra-matriz de incidência do imposto sobre a

renda devido por pessoa não-residente é o território brasileiro.

60. O critério pessoal da hipótese da regra-matriz do imposto sobre a renda devido

por pessoa não-residente corresponde ao contribuinte.

61. Quando se cuida de categoria de renda passível de pagamento, crédito, entrega,

emprego ou remessa, poderá o critério pessoal corresponder também à fonte

pagadora, na eventualidade de se desejar que esta componha o pólo passivo da

respectiva obrigação tributária, na qualidade de substituta, responsável pela

retenção e recolhimento do imposto em causa.

62. A base de cálculo, a fim de corresponder fielmente à materialidade do imposto

aqui estudado, deve corresponder ao resultado do confronto de mutação

patrimonial positiva fonte da renda com mutações patrimoniais negativas

necessárias à aquisição, manutenção e produção desta.

63. Face ao regime analítico de tributação das rendas de pessoas não-residentes,

temos que não se aplica o princípio constitucional da progressividade.

64. É constitucional a eleição da residência ou domicílio de uma pessoa que tenha

auferido renda no Brasil como critério para se diferenciar a alíquota aplicável

do respectivo imposto.

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Page 206: RENATO NUNES - PUC-SP

65. O sujeito ativo do imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente é a

União Federal.

66. Contribuinte do imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente é ela

própria, independentemente de que categoria de renda se cuide.

67. Contribuinte e substituto podem estar referidos na hipótese da regra-matriz de

incidência, pelo que podem compor conjuntamente o pólo passivo da obrigação

tributária como devedores solidários.

68. A substituição tributária, a priori, implica co-existência de responsabilidades de

substituto e contribuinte, respondendo este último pela obrigação tributária em

caráter subsidiário.

69. O Direito Positivo pode determinar a possibilidade de existir débito sem

responsabilidade.

70. Não poderá o sujeito ativo reclamar o tributo junto ao contribuinte, na hipótese

da responsabilidade deste ter sido excluída.

71. O imposto sobre a maioria das categorias de rendas auferidas por pessoa não-

residente está sujeito à substituição tributária, na espécie em que é excluída a

responsabilidade do contribuinte, restando-lhe somente o débito.

72. Não há como se adotar a sistemática de retenção na fonte no caso de renda

auferida por pessoa não-residente decorrente de ganho de capital.

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Page 207: RENATO NUNES - PUC-SP

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