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28 Reologia da farinha de pescado (Rachycentron canadum) Gilberto Arcanjo Fagundes PPGECA/FURG Miriam Zanoletti DEFENS/UNIMI Mauro Marengo DEFENS/UNIMI Maria Ambrogina Pagani DEFENS/UNIMI Myriam Salas-Mellado PPGECA/FURG 10.37885/210203179

Reologia da farinha de pescado (Rachycentron canadum)

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“28

Reologia da farinha de pescado (Rachycentron canadum)

Gilberto Arcanjo FagundesPPGECA/FURG

Miriam ZanolettiDEFENS/UNIMI

Mauro MarengoDEFENS/UNIMI

Maria Ambrogina PaganiDEFENS/UNIMI

Myriam Salas-MelladoPPGECA/FURG

10.37885/210203179

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Palavras-chave: Farinha de Pescado, Viscoamilografia, Farinografia, Reofermento-grafia, Glutopeak

RESUMO

O abastecimento de nutrientes para a humanidade é um desafio constante. O trigo, assim como os demais cereais, não é capaz de prover todos os aminoácidos essenciais, devido a isso, tornou-se hábito, em diversos países, enriquecer farinhas brancas com nutrientes não presentes naturalmente ou que estejam em baixas concentrações. O objetivo deste trabalho foi avaliar reologicamente (farinografia, viscoamilografia, reofermentografia, glutopeak) as farinhas de trigo (FT) e seu mix com farinha de bijupirá integral (FBI, 10%) e desengordurada (FBD, 10%). Os mix FBI e FBD absorveram 7,3 e 13,3% (respectiva-mente) a mais de água que a FT, em função da maior quantidade de proteína e menor de lipídios (FBD), tornando a farinha mais hidrofílica. Os mix FBI e FBD apresentaram menores valores de retrogradação, comparado à FT. A fermentação na massa de FT foi mais prolongada que nas demais amostras, pelo fato de possuir maior quantidade de ami-do, e por isso o fermento poder agir por mais tempo. O maior desenvolvimento de massa foi visualizado na amostra FT, que também apresentou maior coeficiente de retenção de CO2. Os mix obtiveram boa capacidade de retenção de CO2 durante a fermentação, e consequentemente o desenvolvimento da massa.

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INTRODUÇÃO

O abastecimento de nutrientes para a humanidade é um desafio constante, e o supri-mento de proteínas é um problema vital, tanto em quantidade quanto em qualidade. Por isso, existe a necessidade pela busca de fontes alternativas de proteínas e de novos processos de obtenção (MOSCATTO et al., 2004).

A desnutrição proteico-calórica é um grave problema em populações cujas dietas con-sistem principalmente de cereais ou alimentos ricos em amidos, e em alguns países em desenvolvimento onde o crescimento populacional não é acompanhado com o suprimento de alimentos com proteínas de alta qualidade nutricional (KRISTINSSON; RASCO, 2000).

O trigo por si só, assim como os demais cereais, não é capaz de prover todos os ami-noácidos essenciais necessários para um desenvolvimento adequado, pois é deficiente em alguns destes, por exemplo, a lisina (PALLARÉS; LÉON; ROSELL, 2007; COSTANDACHE, 2007). Devido a isso, tornou-se hábito, em diversos países, enriquecer as farinhas bran-cas com nutrientes não presentes naturalmente ou que estejam em baixas concentrações (COSTANDACHE, 2007; CAUVAIN, 2009; KEIKO et al., 2011).

O bijupirá apresenta uma alta taxa de crescimento, com taxas de conversão alimentar próximas a 1,1:1 (WEBB et al., 2007). Esses peixes atingem até 2 m de comprimento e podem pesar até 70kg (SHAFFER; NAKAMURA, 1989). Devido à essas importantes características, o bijupirá é um pescado versátil para utilização em diversos produtos.

O enriquecimento de alimentos é considerado uma boa técnica para solução de pro-blemas nutricionais, e no Brasil, programas institucionais vêm promovendo campanhas de complementação alimentar para populações carentes, procurando minimizar suas deficiên-cias nutricionais.

Dessa forma, o bijupirá pelas características mencionadas, e através de suas proteí-nas, podem complementar o perfil aminoacídico de farinhas de trigo e melhorar o estado nutricional principalmente de populações com carência proteico-calórica.

MATERIAL E MÉTODOS

Matérias-primas, ingredientes e reagentes:

Os espécimes de bijupirá foram fornecidos pela Estação Marinha de Aquicultura (EMA), da Universidade Federal do Rio Grande (FURG/Brasil). A FT (tipo I) foi fornecida pelo moi-nho Quaglia S.p.A. (Vighizzolo d’Este/VE, Italia), sendo todas as análises realizadas nos Laboratórios do Departamento de Alimentos, Nutrição e Ambiente (DeFENS) da Universidade de Milão (UNIMI/Itália).

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Procedimento experimental

A obtenção da farinha de bijupirá (FB) foi realizada de acordo com Fagundes et al. (2018), com modificações. Os pescados, inteiros e congelados, foram transportados em caixa térmica apropriada da Estação Marinha de Aquicultura até o Mercado Público Municipal da cidade de Rio Grande/RS, onde foram eviscerados e filetados.

Após o beneficiamento inicial, os filés foram levados à Unidade de Processamento de Pescados do Laboratório de Tecnologia de Alimentos (LTA-FURG), onde foram processados em despolpadeira (marca High Tech, modelo HT/250C, Brasil) para remoção de resíduos e sobras de pele e espinhos, e obtenção da polpa.

A polpa foi lavada 3 vezes na proporção de 1:1,5 (polpa/água), utilizando água destila-da como solvente, com duração de 5 minutos cada ciclo, sob agitação constante. A massa foi centrifugada em hidroextrator (marca Anko Food Machine, modelo YL/15, Taiwan) para remoção do excesso de água, congelada em ultrafrezzer (Indrel Ultrasilence line IVLT 90-D, Brasil) em pequenos blocos, a -80°C por 48 horas e após liofilizada (marca Liotop, modelo L108, Brasil). A polpa seca resultante foi triturada em moinho de facas (marca Tecnal, mo-delo TE-633 TecMill, Brasil) e peneirada em malha de 42 mesh, obtendo-se assim a polpa em pó, a qual foi denominada FB (FB).

Para a realização das análises reológicas da FB, foram elaboradas duas misturas de FT e FB, na proporção 9:1, respectivamente. Uma mistura contendo FB desengordurada (FBD) e outra farinha integral (FBI). A extração dos lipídeos da FB foi realizada em extrator Soxhlet, utilizando hexano como solvente. Após a extração, a FB foi deixada em estufa para eliminação dos resíduos do solvente.

Viscoamilografia

O micro-viscoamilógrafo é um instrumento que permite avaliar as variações da viscosi-dade de amostras durante o processo de aquecimento e resfriamento, avaliando, portanto, as propriedades de gelatinização e retrogradação do amido. O teste viscoamilográfico foi conduzido mediante o uso do Micro Visco-Amylo-Graph (Brabender, Alemanha), conectado a um computador para o controle da análise através de software específico (Viscograph, Microsoft Windows; Brabender, Alemanha). As análises foram feitas com 15 g de farinha e 100 mL de água, corrigida para 14% de umidade.

Farinografia

O teste farinográfico foi conduzido utilizando o equipamento Brabender modello SEW (Brabender, Alemanha), nas condições propostas no método ISO 5530-1. O teste padrão foi

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feito com 50g de farinha a 14% de umidade; a velocidade de rotação da lâmina mais lenta foi de 63 giros/minuto e da lâmina mais rápida de 92 giros/minutos, e consiste de duas provas: teste de absorção ou titulação da farinha e o registro do farinograma verdadeiro.

Reofermentografia

A análise reofermentográfica foi feita através do Reofermentômetro F3 Chopin (Chopin SA, França). Este instrumento permite estudar a evolução na fase de fermentação de uma massa colocada em um cesto de fermentação e sob determinadas condições previamente escolhidas (temperatura = 30ºC, tempo = 180 minutos; quantidade de água = conforme a capacidade de absorção, segundo o teste farinográfico).

GlutoPeak Test – GPT

As propriedades de agregação do glúten das farinhas foram avaliadas através do GlutoPeak (Brabender, Alemanha). Uma alíquota de amostra, igual a 9g foi dispersa em 10mL de água destilada a 35ºC. A temperatura da suspensão foi mantida constante. A velocidade de rotação e a duração da análise foram fixadas em 3.000 giros/min e 5 min, respectivamente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil viscoamilográfico

A viscosidade é uma das propriedades mais importantes dos materiais amiláceos. A cur-va de viscosidade demonstra como o material amiláceo funciona durante o aquecimento e com isso é possível dimensionar o tipo de alteração na estrutura desse amido, tanto quanto no resfriamento, devido ao processo de retrogradação (MENEGASSI et al., 2007). Contudo, vários fatores interferem na viscosidade de um produto, como por exemplo a quantidade de fibras, proteínas, lipídios, etc. (BRASILEIRO, 2013).

A Tabela 1 apresenta os dados referentes à análise viscoamilográfica das FT e da mistura entre a FT (90%) e a FB (10%), na forma integral (FBI) e desengordurada (FBD), e as curvas obtidas mostradas na Figura 1.

Tabela 1. Perfil viscoamilográfico das farinhas de trigo (FT) e de bijupirá (FB).

PontoTempo (min) Viscosidade (UB) Temperatura (°C)

FT FBD FBI FT FBD FBI FT FBD FBI

A 9,97 10,27 10,02 19 ± 1 17,5 ± 0,5 16,5 ± 0,5 59,7 60,8 59,6

B 19,3 19,35 19,38 636,5 ± 10,5 477 ± 13,5 477,5 ± 6,5 88,4 88,4 88,3

C 21,67 21,67 21,67 407 ± 2 329 ± 3 312,5 ± 4,5 94,9 94,3 94,6

D 41,67 41,67 41,67 323,5 ± 0,5 253,5 ± 3,5 255,5 ± 4,5 94,9 95 95

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PontoTempo (min) Viscosidade (UB) Temperatura (°C)

FT FBD FBI FT FBD FBI FT FBD FBI

E 63,33 63,33 63,33 1063,5 ± 18,5 884 ± 14 899 ± 27 31,7 31,5 31,5

F 64,33 64,33 64,33 1094 ± 3 906 ± 28,5 922 ± 18 29,9 30 30

BD Breakdown 313 ± 11 224 ± 10 222 ± 2

ED Setback 740 ± 18 630 ± 10,5 643,5 ± 22,5

Pontos: A=início da gelatinização; B=viscosidade máxima; C=início do tempo de detenção; D=início do resfriamento; E=fim do resfriamento; F=final do tempo de detenção; BD=quebra da viscosidade; ED=retrogradação. FT=farinha de trigo; FBD=mix de 90% de FT e 10% de FBD (farinha de bijupirá desengordurada; FBI=mix de 90% de FT e 10% de FBI (farinha de bijupirá integral); BU=unidades Brabender.

Observou-se que a adição de 10% de FB não alterou significativamente o tempo, a temperatura e a viscosidade das pastas no início da gelatinização (ponto A), contudo a pasta obtida com as FB, tanto sob a forma integral quanto a desengordurada, apresentaram redução de 25% na viscosidade máxima (ponto B), comparada com a pasta obtida com a FT. Essa diferença foi reduzida para 15% quando a pasta chegou ao final do resfriamento (ponto E), observando então aumento na viscosidade das pastas das farinhas.

Os valores de viscosidade da retrogradação das amostras foram: 740; 630 e 643 UB para FT, FBD e FBI, respectivamente. As duas amostras obtidas de FB (FBD e FBI) não apre-sentaram diferenças entre si. As misturas de farinhas adicionadas com 10% de FB, tanto na forma integral quanto na forma desengordurada, apresentaram menores índices de re-trogradação, comparado à amostra de FT. Pães com taxa de retrogradação menor preser-vam suas características tecnológicas por mais tempo, pois a sinérese (liberação da água), acontece de forma mais lenta.

Figura 1. Perfil viscoamilográfico da FT e do mix entre a FT/FBI e FT/FBD.

Pessina (2009), estudou a reologia de uma farinha enriquecida com fibras de diversas fontes, e obteve uma viscosidade máxima de 640 UB e um breakdown de 287 UB para

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a FT utilizada como controle, valores estes bastante próximos aos obtido neste estudo, 636,5 e 313 UB, respectivamente. Para a farinha enriquecida, o autor obteve valores de 951 e 518 UB para viscosidade máxima e breakdown, respectivamente, demonstrando um aumento de 50 e 80% na viscosidade máxima e sua quebra. Os valores encontrados pelo autor indicam um aumento superior a 100% na viscosidade na farinha enriquecida com fibra, quando comparada à FB, rica em proteínas.

Análise farinográfica

Estas curvas consistem tipicamente de um aumento na resistência-à-extensão, visua-lizado através de um pico identificável e seguido por um declínio que reflete uma diminuição na resistência-à-extensão. Como pode ser esperado, as curvas de farinhas fortes e fracas apresentam diferenças acentuadas (NDSU, 2014).

A Tabela 2 apresenta os valores dos parâmetros obtidos na análise farinográfica das farinhas de trigo e do mix da FT com FBI e FBD. A Figura 2 mostra os farinogramas. Os mix FBI e FBD absorveram 7,3 e 13,3% (respectivamente) a mais de água que a FT. Pode-se creditar o fato da maior absorção de água pela mistura FBD, em função da extração prévia dos lipídios, tornando a farinha mais hidrofílica.

O parâmetro ‘absorção’ representa a quantidade de água necessária para desenvolver uma massa de consistência padrão igual a 500 UF no pico da curva. Com muita absorção, o centro da curva ficaria abaixo da linha deste valor, enquanto que uma menor absorção, o centro da curva ultrapassaria a linha. Segundo a NDSU (2014), além da quantidade de água, o teor de proteína da farinha também afeta a altura da curva.

Tabela 2. Análise farinográfica das amostras de farinhas.

Farinha

Parâmetro FT FBD FBI

Umidade (%) 12,8 12,5 13,3

Consistência (UF) 511 506 505

Absorção de água (%) 60 68 64,4

Desenvolvimento (min) 10,2 6,4 10,5

Estabilidade (min) 13,9 11,9 16,9

NQF 158 130 200

FT=Farinha de Trigo; FBD=mistura de 90% de FT e 10% de farinha desengordurada de bijupirá; FBI=mistura de 90% de FT e 10% de farinha integral de bijupirá; UF=unidades farinográficas; NQF=número de qualidade farinográfica

Apesar da maior absorção de água, a mistura FBD apresentou o menor tempo de estabilidade da pasta (11,9 minutos), dois minutos menos que a pasta obtida por FT. A mis-tura FBI apresentou uma estabilidade de pasta (16,9 minutos) superior em 3 minutos a pasta da FT (13,9 minutos). O número de qualidade farinográfica (NQF) seguiu a mesma

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tendência do parâmetro estabilidade, com valores de 158, 130 e 200 para a FT, FBD e FBI, respectivamente.

Figura 2. Farinograma da farinha de trigo (FT) e dos mix com FBI e FBD.

A estabilidade é a diferença no tempo entre o ponto onde o topo da curva intercepta pela primeira vez as 500 unidades Brabender, também chamado de tempo de chegada, e o ponto onde o topo da curva decresce das 500 UF (tempo de partida). O tempo de esta-bilidade é correlacionado com a força de farinha (NDSU, 2014). A estabilidade fornece um indicativo da resistência que a massa possui ao tratamento mecânico e ao tempo do processo fermentativo na fabricação de pão.

Farinhas que apresentem valores menores a 12 minutos de estabilidade suportam tempos de batimento menores e, caso este tempo seja ultrapassado, a rede de glúten for-mada irá se quebrar, deixando a massa pegajosa e levando ao seu descarte. Farinhas que apresentam valores de estabilidade maiores que 12 minutos geram massas que resistem a um maior tempo de batimento, contudo, este excesso de batimento pode causar um possível aumento na temperatura final da massa (ICTA, 2015).

Em produtos fermentáveis, o aumento da temperatura da massa no final do batimento é indesejável, pois gera um menor tempo de fermentação, que é traduzido em um menor volume específico final (BECKER; BARATTO; GELINSKI, 2009) e às vezes pode acarretar na perda das propriedades organolépticas do produto, já que esta etapa é a principal res-ponsável pelo desenvolvimento destas propriedades.

Mohamed et al. (2014) estudaram a fortificação de biscoitos com adição de concentra-dos proteicos de pescados (carpa e tubarão) em concentrações de 1, 2 e 3% e verificaram

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que a mistura contendo CPT (concentrado proteico de tubarão) apresentou maior absorção de água devido a um maior teor de proteína presente nesse pescado. Da mesma forma, o desenvolvimento da massa foi mais elevado em ambos os mix em comparação com controle.

Segundo Gutkoski et al. (2008), citado por Becker; Baratto; Gelinski (2009), este parâ-metro indica a qualidade da farinha refletida pela capacidade de intumescimento do glúten e o teor de amido, que irá determinar a consistência da massa, pois a água reforça a união de gliadina e glutenina, originando o glúten.

Pode-se classificar a mistura MFBI como sendo uma farinha ‘muito forte’, tanto pelo seu tempo de desenvolvimento (10,5 min) quanto pela sua estabilidade (16,9 min), valores esses melhores que os apresentados pela farinha controle (FT). Essa melhora pode ser atribuída ao aumento de proteínas e lipídeos, que auxiliam na maleabilidade da massa.

Análise Reofermentográfica

O teste reofermentográfico é o único teste reológico que avalia a capacidade da massa em reter CO2 durante a fermentação (PESSINA, 2009). A Tabela 3 apresenta os resultados dos parâmetros obtidos na análise reofermentográfica da FT e de FB, e a Figura 3 mostra a curva de desenvolvimento da massa e liberação de gás.

Tabela 3. Análise reofermentográfica das massas obtidas da FT, FBD e FBI.

Curva Parâmetro FT FBD FBI

Liberação de gás

H (mm) 22,5 27,3 31,7

T’1 (h) 02:55:30 02:34:30 02:24:00

Volume total de CO2 (mL) 531 612 732

Volume de CO2 perdido (mL) 4 8 12

Volume retido (mL) 527 604 720

Coeficiente de retenção (%) 99,2 98,6 98,4

Desenvolvimento da massa h (mm) 14,5 9,6 12,9

T1 (horas): tempo correspondente ao ponto de desenvolvimento máximo da massa; H (mm): desenvolvimento máximo da massa em altura; h (mm): desenvolvimento em altura da massa no final do teste.

Dos parâmetros apresentados na Tabela 3, e de suas combinações, se obtém indica-ções úteis para avaliação da qualidade da massa e do glúten (ŠVEC; HRUŠKOVÁ, 2004; BANU et al, 2011), como a altura (Hm) que pode ser relacionada ao volume do pão.

Verificou-se que a fermentação na massa obtida com FT foi mais prolongada que nas demais amostras (Tabela 3), onde podemos creditar ao fato de a amostra FT possuir maior quantidade de amido, e por isso o fermento pôde agir por mais tempo. O maior desenvolvi-mento de massa foi visualizado na amostra FT (14,5 mm), a qual também apresentou um maior coeficiente de retenção de CO2 (99,2%).

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Figura 3. Curva da produção e liberação de CO2 durante a simulação do processo fermentativo das massas. DM=desenvolvimento da massa; PCO2=produção dióxido de carbono; LCO2=liberação dióxido de carbono.

As amostras FBI e FBD apresentaram desenvolvimento de massa igual a 12,9 e 9,6mm, respectivamente, com tempo de fermentação menor em 30 e 20 minutos, respectivamente, comparado à amostra FT. A amostra FBI também apresentou a maior produção de CO2, totalizando 732 mL, o que representa 38% a mais do que o volume produzido pela amostra controle (531mL).

As amostras FBI e FBD apresentaram maior volume de produção de CO2 comparadas com a amostra FT, porém, apresentaram maiores perdas, e consequentemente, menores taxas de retenção. Por não terem conseguido reter maiores quantidades de CO2 (redução da quantidade de glúten), as amostras FBD e FBI apresentaram desenvolvimento menor na altura final da massa.

Pessina (2009), estudou FT enriquecida com fibras solúveis de diversas fontes e ve-rificou que a massa de farinha mista necessitou de 3 horas de fermentação para obter os melhores resultados, e 2h:45min para a massa da FT, além de coeficientes de retenção de 84,3 e 87,7% para a farinha mista e de trigo.

A curva de liberação do gás permite determinar o coeficiente R de retenção (%), defini-do como a razão percentual entre o volume de gás retido na massa e o volume total de gás produzido durante o ensaio. Valores próximos a 100 deste coeficiente indicam que a farinha foi extraída do endosperma dos grãos, podendo cair para 50/60 em farinhas obtidas a partir das camadas externas do endosperma, ou para farinha extraída de grãos danificados ou mal conservados (PESSINA, 2009).

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Zaharia et al. (2014) estudaram o uso da análise dos componentes principais (PCA) na avaliação da relação entre os parâmetros reológicos e tecnológicos da FT e verificaram que a análise de correlação dos parâmetros do reofermentômetro revelou uma relação estreita entre a coeficiente de retenção de gás e o parâmetro extensibilidade utilizado na extenso-grafia de massa e entre o índice de deformação do glúten.

De acordo com Sroan et al. (2009), a estabilidade das células de gás durante a sua expansão depende de ambos (extensibilidade e força). A maior resistência à extensão da massa determinará o menor volume de gás retido, em função da ruptura da membrana do glúten, sob a pressão de gás.

GlutoPeak Test – GPT

O GlutoPeak é uma técnica baseada num elevado cisalhamento que fornece dois atri-butos de qualidade do glúten: a) o torque, que é uma indicação da força de glúten; e b) o tempo de pico, que é uma indicação da cinética de agregação do glúten (DIEZ-GONZALES, 2014). A Tabela 4 apresenta os índices obtidos na análise.

Tabela 4. Consistência máxima e tempo necessário pelo teste do GlutoPeak na farinhas de trigo (FT) e de mix de trigo e bijupirá, desengordurada e integral (MFBD e MFBI).

Farinha Tempo do maior pico (s) Consistência máxima (BE)

FT 107b ± 1,89 47,75b ± 1,26

MFBD 171a ± 2,65 73,25a ± 0,5

MFBI 82c ± 3,85 49,8b ± 1,48

FT = farinha de trigo; MFBD = mistura de farinha de trigo com 10% de farinha de bijupirá desengordurada; MFBI = mistura de farinha de trigo com 10% de farinha de bijupirá integral. Letras diferentes na mesma coluna indicam diferenças significativas entre os grupos pelo teste de Tukey (p≤0,05).

A mistura FBD apresentou a maior consistência máxima (73,25 BE) assim como levou mais tempo (171 segundos) para atingir tal valor, comparado com as demais.

A farinha de trigo e a mistura FBI não diferiram significativamente entre si quanto ao valor de consistência máxima, porém, a mistura FBI necessitou de menor tempo (quase 40% menos - 82s), para agregação das proteínas, comparado com a FT (107s).

Estes dados nos permitem deduzir que havendo menor quantidade de proteína pre-sente, e na presença de lipídios (que podem exercer função amaciante às proteínas), há favorecimento quanto ao tempo e a força de agregação do glúten.

Por outro lado, a ausência de lipídios presente na mistura (MFBD) fez com que o tempo necessário para a agregação máxima do glúten fosse próximo a 70% maior que a farinha de trigo e mais de 100% da mistura integral (não desengordurada).

Marti, Dreisoerner e Pagani, 2013, estudaram a caracterização de farinhas de trigo através do equipamento GlutoPeak e concluíram que de forma geral, as amostras com um teor de proteínas médio-baixo são caracterizadas por uma maior velocidade de agregação,

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ou seja, menor tempo para o aparecimento do pico, e por consequência uma menor consis-tência, quando comparadas com amostras teor de proteínas médio-alto.

O valor comercial do trigo geralmente é baseado em seu conteúdo de proteínas; en-quanto que a farinha tem seu valor baseado na qualidade dessas proteínas, um atributo mais difícil de medir ou quantificar (DIEGO-GONZALES, 2014).

Este autor analisou 32 variedades de trigo cultivadas em três ambientes diferentes (total de 128 amostras), utilizando o equipamento GlutoPeak e observou que este pode distinguir diferenças entre farinhas com teor de proteínas parecidos, com tempo de pico variando de 120 a 220 segundos e consistência máxima entre 34 e 43 BE.

CONCLUSÕES

As misturas de farinhas adicionadas com 10% de farinha de bijupirá, tanto na forma integral quanto na forma desengordurada, apresentaram maiores teores de absorção de água e menores valores de retrogradação, comparado à farinha de trigo. A mistura obtida de farinha integral de bijupirá com farinha de trigo resultou em uma amostra de classificação “muito forte”. As misturas também obtiveram boa capacidade de retenção de CO2 durante a fermentação, e consequentemente o desenvolvimento da massa.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo financiamento BEX No. 11284/13-7.

REFERÊNCIAS

1. BANU, I; STOENESCU, G; IONESCU, V; APRODU, I. Estimation of the baking quality of wheat flours based on rheological parameters of the mixolab curve. Czech Journal Food Science, 29: 35–44, 2011.

2. BECKER, N. B; BARATTO, C. M; GELINSKI, J. M. L. N. Propriedades das enzimas α-amilase e xilanase comerciais e sua influência na reologia da massa e na qualidade do pão de forma. Evidência, Joaçaba v. 9 n. 1-2, p. 67-82, 2009.

3. BRASILEIRO, O. L. Avaliação funcional e nutricional de um concentrado proteico e da farinha liofilizada obtidos de resíduos de camarão (Litopenaeus vannamei), 2013, 87f. Dissertação de mestrado, UFPB.

4. CAUVAIN, S. P. Tecnologia da Panificação. 2a. Edição, Ed. Manole, Barueri/SP, 2009.

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5. CONSTANDACHE, M. The influence of fortification of bread with exogenes proteins on the protein digestibility. Journal of Agroalimentary Processes and Technologies.V.13 (2), p. 461-466, 2007.

6. DIEZ-GONZALEZ, F. Evaluating a New Rapid Technique to Assess Spring Wheat Flour Per-formance, Dept. of Food and Nutrition, University of Minnesota, St. Paul. 85-90, 2014.

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