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Reportagem exemplo

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Page 1: Reportagem exemplo

Movimento social resiste à demolição do Museu do Índio no RJPublicado em Terça, 15 Janeiro 2013 15:12

Por Eduardo Sá

Especial para Caros Amigos

PoliciPoliciais da tropa de choque fortemente armados na porta do Museu. (Foto: Tânia Rego/ABr)

RIO DE JANEIRO - Cerca de 600 pessoas defenderam o

antigo Museu do Índio, ao lado do Maracanã, zona norte do Rio, das demolições do governo do Estado previstas para as obras

da Copa do Mundo de 2014. Além dos indígenas, que ocupam o terreno batizado de Aldeia Maracanã desde 2006,

movimentos sociais, parlamentares e advogados, dentre outros setores da sociedade, se solidarizaram com a causa. O local

foi cercado no último sábado (12) durante mais de 11 horas com forte aparato policial do Batalhão de Choque da Polícia Militar

e houve momentos de tensão na negociação, apesar de ninguém sair ferido ou preso. A demolição, junto com a derrubada de

uma escola municipal e de equipamentos esportivos no entorno, como o estádio Célio de Barros e o Parque Aquático Julio

Delamare, faz parte do projeto de modernização do estádio.

Lideranças estimam a circulação de até 300 pessoas diariamente no local desde o fim de semana, e cerca

de 200 acampados na resistência. Aproximadamente 80 dos 150 indígenas registrados como moradores do terreno estão

resistindo à demolição, de acordo com o movimento. A ausência de representantes de entidades indígenas importantes como a

APIB e COIAB foram sentidas. Outras organizações estão presentes e ocorre o mutirão em solidariedade. Parlamentares do

PSOL, como o deputado federal Marcelo Freixo, que participou do processo de negociação com a polícia, foram citados.

Fernando Gabeira, ex-candidato a prefeito e governador do Rio, também passou na manhã de ontem (14) pela Aldeia

Maracanã.

Defensores públicos e parlamentares estranham a motivação do poder público em demolir o imóvel, uma vez que órgãos como

o Crea, Inepac e Iphan, ainda que este não tenha tombado o casarão centenário, se posicionaram contra a destruição. Alguns

deles, inclusive, comprovam a não interferência da livre circulação de pessoas, caso o prédio seja reformado. O Conselho

Municipal do Patrimônio Cultural do Rio também se posicionou contra a obra. Outro fator de estranhamento foi a Fifa desmentir

publicamente o Governo Estadual, ao afirmar que é contrária à demolição.

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Uma das lideranças da Aldeia Maracanã, Urutau Guajajara, que é mestrando em linguística na Uerj e dá aulas de Tupi na

ocupação, destacou a importância da rápida divulgação pela internet dos comunicadores independentes, que atraiu muitos

apoiadores e jornalistas e inibiu a truculência policial. Clamando apoio à sociedade, disse que fica muito pesada a resistência

só com os indígenas locais. Ele espera do governo o mesmo tratamento dado por eles em caso de um possível confronto: o

maracá, cantorias e religiosidade.

“Eles pensaram que tinha poucos indígenas e conseguiriam entrar facilmente para retirar as pessoas. Não. Acionamos a

equipe de informação, com jovens muito bons e rápidos, e mais apoiadores e indígenas vieram. Tentaram entrar, mas

colocamos barricadas e fechamos por dentro. O comandante falou que se chegasse a liminar de reintegração de posse com a

ordem superior, ia entrar. Mas estamos na legalidade defendendo um patrimônio da humanidade e nacional. Conseguimos por

enquanto, porque o próprio comandante disse que se afastaria para conseguir esse papel da justiça federal”, afirmou.

A liderança se refere ao mandado de reintegração de posse, que os policias não possuíam para executar a remoção dos

ocupantes. O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, conseguiu no

plantão judiciário de sábado uma decisão que impede a remoção dos índios sob pena de multa diária, até segunda ordem. O

entendimento foi de que o caso é de âmbito da Justiça Estadual, pois esbarra na Lei Estadual 2898/98, que trata dos desalojos

coletivos. Mas a Empresa Estadual de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP), responsável pela reforma do

Maracanã, dará entrada em um novo pedido de reintegração de posse e os policiais podem retornar a qualquer momento. A

Procuradoria Regional da 2ª Região, por sua vez, entrou com uma ação tentando reverter a decisão do Tribunal Regional

Federal (TRF), que cassou uma liminar que impedia a demolição.

Os índios pedem o apoio de fotógrafos e jornalistas, já que não têm condições de instalar câmeras no local, para evitar

qualquer excesso policial. Criticaram, no entanto, uma matéria da Globo News que marginalizava os ocupantes, dizendo que

havia tráfico de drogas no local, mas a própria emissora se retratou.  Para Guajajara, a situação já ultrapassou o âmbito

jurídico, e é uma questão de os compradores do imóvel estarem cobrando o espaço ao governo. Ele lembrou ainda que pode

ocorrer algo semelhante à reintegração de posse no Pinheirinho, em São Paulo, ou no Iaserj, quando houve forte repressão

policial à noite, e por isso estão com uma programação cultural noturna para toda a semana e com pessoas de vigília. A

sensação ainda é de medo e insegurança.

De acordo com Mônica Bello, atriz de 27 anos que já trabalhou em filme indígena e está acampada no local com sua filha

pequena, isso tudo é jogo de interesse das empreiteiras que financiam as campanhas dos governantes, que agora estão sendo

cobrados. Ela ressaltou a importância histórica e cultural do antigo Museu do Índio, e criticou a ação da polícia no último

sábado.

“Os policiais vieram de toca, sem mandado e sem identificação. Foi um momento de muita tensão. E a criação do Parque do

Xingu, a demarcação de terras indígenas, tudo saiu daqui desse prédio. Esse lugar é um marco do reconhecimento indígena

mundial. O governo está burlando as leis, vendendo o Maracanã, e esse prédio faz parte dessa onda de privatização do nosso

patrimônio. Aqui poderia ser uma referência cultural e turística”, observou.

Desde dezembro o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro abriu um Inquérito Civil Público (ICP) para investigar supostas

irregularidades no processo de concessão do Maracanã. O BNDES está custeando as obras, que serão entregues à iniciativa

privada. Um dos questionamentos é o fato de a empresa IMX, do milionário Eike Batista, concorrer à concessão apesar de ter

feito o estudo de viabilidade econômica da mesma, além de ter ajudado o edital de concorrência que definirá o futuro

administrador do estádio. O Maracanã está fechado desde 2010, e deve ser reinaugurado no dia 28 de fevereiro para a Copa

das Confederações.

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"Pedimos ao governador do Estado, chefe máximo da polícia do Rio, para usar as mesmas armas: maracá, o canto e religiosidade", afirma Urutau Guajajara, uma das lideranças da Aldeia. (Foto: Eduardo Sá)

Defesa dos indígenas

O que permitiu a venda do terreno da Conab para o governo estadual do Rio de janeiro foi a doação do imóvel em 1995, feita

pelo Ministério da Agricultura, que é, segundo o advogado defensor dos indígenas, um meio que os gestores públicos utilizam

para alienar o patrimônio público. Arão da Providência, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB), disse que como em parte do terreno funciona um Lanagro (Laboratório Nacional Agropecuário) com trabalho de

sementes, atividade essencial à segurança alimentar, e o Museu, é uma ilegalidade demoli-lo e vendê-lo por causa do seu

patrimônio histórico e cultural, além de sua destinação para um fim público. Segundo ele, cinco ações em relação à doação,

compra e venda do imóvel estão tramitando na Justiça Federal.

“O Estado nunca teve a posse. Aquela escritura não lhe dá o direito, porque não considera a posse com destinação pública nos

últimos anos. Temos duas ações de usucapião, duas de tombamento do imóvel, e uma que ainda não foi apreciada de direitos

dos indígenas, que

envolve o ato de doação, compra e venda do imóvel. Estão correndo nas 7ª, 8ª e 12ª varas federais. Entramos hoje (14) com

uma

representação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para apurar infração disciplinar envolvendo atos de intolerância

racial contidos na decisão da presidente do TRF, Maria Helena Cisnbe, que cassou as nossas liminares”, afirmou.

De acordo com o advogado, o Ministério Público tem que ser ouvido. A imoralidade em relação à concessão do Maracanã, que

desrespeita os atletas, sobretudo os mais pobres das favelas da região, professores e alunos, na sua opinião, deveria ser

discutida em fóruns locais competentes. Todo esse processo, afirma, demonstra o comprometimento dos gestores públicos

com os empresários e seus métodos arbitrários de implementar seus projetos. A Comissão de Direitos Humanos da OAB

entrou, desde 2006, com diversos processos administrativos de regularização fundiária do imóvel para interesse social,

conforme é previsto na lei 11.418 da Constituição Federal.

Posição do governo

O governo do Estado informou, por meio de sua assessoria, que o objetivo da demolição “é transformar o complexo do

Maracanã em uma área de entretenimento para atender às necessidades de escoamento e circulação do público, de acordo

com os padrões internacionais”. O projeto final do imóvel será especificado no edital de licitação da concessão do Complexo

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Maracanã a ser publicado ainda em janeiro, segundo o governo estadual. A empresa vencedora responderá pela gestão,

operação, manutenção e readequação da área. Movimentos da sociedade civil falam da construção de um estacionamento

para 10 mil carros, um museu do futebol ou shopping, e questionam a justificativa de acessibilidade ao estádio para obra, pois

sua capacidade será reduzida a mais da metade do projeto original.

Em 20 de dezembro foi realizada pela EMOP a licitação para a demolição do Museu, e a empresa Compec Construções e

Locações vai receber R$ 586.058,95 pelo serviço. O prazo para demolição será de 30 dias, após a assinatura do contrato. A

EMOP informou em nota que seus representantes e da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos

“estiveram hoje (14) no local para atualizar os contatos com as pessoas do prédio de forma que, durante a semana, seja

finalizado o cadastro social e haja remoção das pessoas e, logo que possível, demolição do prédio”. A empresa aguarda a

conclusão das negociações, e todos os órgãos estaduais estão plenamente envolvidos para a demolição do ex-museu do

índio, complementou a assessoria da empresa.

A Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, por sua vez, informou que hoje (15) deve começar o

cadastro e ser feita uma escuta das demandas no local. Os índios serão levados para algum abrigo, com seus pertences

devidamente recolhidos, ou incluídos no aluguel social, de acordo com a lei, informou o órgão. A possibilidade de incorporação

das pessoas ao programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, também está em estudo