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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Des. Orlando de Almeida Perri REPRESENTAÇÃO PELA DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA E PELA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO N. 121010/2017 [APRESENTADA NOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL N. 87132/2017] REPRESENTANTE: ANA CRISTINA FELDNER, DELEGADA DE POLÍCIA Vistos, etc. Cuida-se de Representação apresentada por Ana Cristina Feldner, autoridade policial responsável pela condução, dentre outras, das investigações no Inquérito Policial n. 87132/2017, no qual representam pela decretação de prisão preventiva de diversos investigados, assim como pela expedição de mandados de busca e apreensões e conduções coercitivas. Eis a síntese do necessário. Decido. A despeito da ausência de prévia manifestação ministerial, convém salientar que, nos termos do art. 311 do CPP: Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Não desconheço o entendimento doutrinário capitaneado, dentre outros, por Odone Sanguiné que sustenta a

REPRESENTAÇÃO PELA DECRETAÇÃO DE PRISÃO … · 3 sua representação” [Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos. Salvador: Editora Juspodivm,

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ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA Des. Orlando de Almeida Perri

REPRESENTAÇÃO PELA DECRETAÇÃO DE PRISÃO

PREVENTIVA E PELA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E

APREENSÃO N. 121010/2017 [APRESENTADA NOS AUTOS DO

INQUÉRITO POLICIAL N. 87132/2017]

REPRESENTANTE: ANA CRISTINA FELDNER, DELEGADA DE

POLÍCIA

Vistos, etc.

Cuida-se de Representação apresentada por Ana

Cristina Feldner, autoridade policial responsável pela condução, dentre

outras, das investigações no Inquérito Policial n. 87132/2017, no qual

representam pela decretação de prisão preventiva de diversos investigados,

assim como pela expedição de mandados de busca e apreensões e

conduções coercitivas.

Eis a síntese do necessário.

Decido.

A despeito da ausência de prévia manifestação

ministerial, convém salientar que, nos termos do art. 311 do CPP:

“Em qualquer fase da investigação policial ou do

processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz,

de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do

Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por

representação da autoridade policial”.

Não desconheço o entendimento doutrinário –

capitaneado, dentre outros, por Odone Sanguiné – que sustenta a

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imprescindibilidade da prévia manifestação ministerial, em se tratando de

representação por parte da autoridade policial.

No entanto, sem embargo do respeitável

posicionamento sufragado pelo conspícuo doutrinador, a norma é clara

quanto à possibilidade de a autoridade policial representar pela prisão

preventiva.

O que a lei veda, peremptoriamente, é a decretação da

prisão preventiva de ofício, durante a fase inquisitorial.

Ainda que a autoridade policial não figure como

“parte” no processo penal, e, portanto, não possa exercer o duplo grau de

jurisdição, a lei confere a ela o poder de, diretamente, representar pela

prisão preventiva, quando entender presentes os pressupostos que a

autorizem.

Nesse sentido é o posicionamento de Rogério Sanches

Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

“A prisão pode ser também provocada por

representação policial e é comum que seja assim.

‘Representação’, como já dito antes, trata-se de uma exposição

de motivos, ainda que sucinta, na qual a autoridade indicará as

razões que justificam a medida. Apenas não se utiliza a

expressão ‘requerimento’ em virtude de que a autoridade

policial não atua no processo crime, exercendo apenas função

(relevante) no âmbito administrativo. Tanto que, indeferido o

requerimento de prisão preventiva, a parte que o requereu

poderá se valer do recurso em sentido estrito para reforma da

decisão (art. 581, inc. V, do CPP), possibilidade que não se

defere ao delegado de polícia, na hipótese de não acolhimento de

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sua representação” [Código de Processo Penal e Lei de

Execução Penal Comentados por Artigos. Salvador: Editora

Juspodivm, 2017, p. 831/832].

Ainda que se venha a alegar a imprescindibilidade de

prévia manifestação ministerial, acerca da representação apresentada pela

autoridade policial, porquanto uma de suas funções institucionais é o

exercício do controle externo da atividade policial, certo é que, no caso em

apreço, em razão da sua excepcionalidade e urgência, o conhecimento ao

órgão de acusação – e sua manifestação – será diferida por duas razões

concretas.

A primeira delas, e talvez a mais óbvia, é no sentido de

assegurar sigilo total e absoluto das diligências, sobretudo em face de

possível envolvimento de promotor[es] de justiça na organização

criminosa.

De acordo com depoimento prestado pela testemunha

Ten.-Cel. Soares, ao que parece, não cuidava de um único membro do

Ministério Público Estadual, e, sim, que haveria um “grupo do Ministério

Público” interessado em meu afastamento das investigações.

Por esta razão, as próprias autoridades policiais

pleitearam, em sua representação, a manifestação postergada do órgão

ministerial, sob o argumento de não possuir, ainda, nome de todos “os

membros cooptados pela ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”, cujo

requerimento reputo, no caso em apreço, de todo plausível.

O segundo ponto, e não menos importante, refere-se ao

fato de que o Ministério Público Estadual tem levado em média sete dias

para se manifestar sobre pedidos deste jaez, o que, no caso concreto, em

razão de sua urgência, poderá prejudicar o cumprimento das diligências,

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colocando em risco, inclusive, a integridade física e moral da

testemunha José Henrique Costa Soares, como também a do seu filho,

também ameaçado por membro da organização criminosa.

Ademais, conquanto importante e necessária a

manifestação do Ministério Público na análise de medidas cautelares

reclamadas pela autoridade policial, certo é que não há nulidade alguma em

se colher a manifestação ministerial a posteriori, em razão das

peculiaridades do caso concreto, especialmente quando houver

circunstâncias excepcionais que imprimam urgência no deferimento delas,

como no caso concreto, onde a sobredita testemunha e seu filho se

encontram em risco real de vida.

Depois, qualquer que seja o parecer, o juiz não se

vincula a ele, tendo a liberdade de acolhê-lo ou refutá-lo livremente,

conforme escólio de Eduardo Luiz Santos Cabette:

“Afirmar que o Juiz fica adstrito à manifestação

ministerial em caso de pedido de cautelares mediante

representação da Autoridade Policial equivale a manietar a

atuação do Judiciário, aí sim, afetando gravemente o Sistema

Acusatório. Ora, se, por exemplo, em matéria de provas, o Juiz

não fica vinculado ao laudo pericial (artigo 182, CPP), mesmo

sendo o perito detentor de conhecimentos que o magistrado não

tem, o que dizer da questão da manifestação ministerial,

versando sobre matéria de Direito na qual tanto Promotor, como

Juiz ou Delegado de Polícia são pessoas com a mesma formação

técnica? Por que o magistrado deveria ficar adstrito à

manifestação ministerial? Se ele não fica preso ao laudo do

perito, que detém conhecimentos estranhos ao Bacharel em

Direito, é porque caso contrário o mister de julgar acabaria

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sendo passado sub-repticiamente aos peritos. O mesmo

acontecerá se prosperar o entendimento de que o julgador fica

atrelado ao parecer (mero parecer, simples opinião não dotada

de carga decisória) do Ministério Público. Afinal, quem deve

julgar, quem deve decidir, o Promotor ou o Juiz? Onde ficaria

nesse quadro a característica da jurisdicionalidade das

cautelares? Na verdade o magistrado se tornaria um

‘carimbador maluco’, homologador despersonalizado das

‘decisões’ do Ministério Público e, neste caso, seria um ator

absolutamente dispensável ao menos no bojo do procedimento

cautelar. Como ficaria o Sistema Acusatório a partir do

momento em que o titular da ação penal, justamente por isso,

passasse a dar todas as cartas quanto às medidas cautelares, já

que sua mera opinião, na verdade se transmudaria em

manifestação com carga decisória a atrelar o suposto julgador?

A adoção de uma teoria ou solução para determinado

problema deve passar também por suas consequências, as quais

devem ser aferidas em seus reflexos práticos, de modo a evitar

que a exacerbação ou aplicação indevida de uma garantia ou

princípio acabe prejudicando a promoção de seu emprego

razoável e proporcional (‘Princípio da

Consequencialidade’). Admitir que o Juiz não possa deferir

cautelares por representação direta da Autoridade Policial

porque somente com o aval do Ministério Público isso pode

ocorrer, justamente pelo fato de este ser o titular da ação penal

e ser o único com legitimidade para aferir se haverá ou não

ação penal, levaria, por via de consequência a deslegitimar

também a avaliação judicial quanto ao cabimento ou não de

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uma ação penal. Será que o Juiz não poderia mais rejeitar uma

denúncia? Não poderia mais indeferir uma cautelar encampada

pelo Ministério Público partindo da Autoridade Policial ou

requerida diretamente por aquele? Ora, se é o Ministério

Público quem dá a palavra final sobre o futuro Processo Penal,

sendo defeso ao magistrado qualquer atuação que o contrarie,

tudo isso é consequência natural.

Também é descabido afirmar que a atuação da

Autoridade Policial no Inquérito deve reduzir-se a coletar

informes para o Ministério Público (polo acusador). Isso é,

infelizmente, um dos reflexos do pauperismo ou indigência do

estudo do Inquérito Policial no Brasil. Essa falta de

conhecimento acerca da real abrangência da investigação

criminal é responsável por uma visão deturpada porque

reducionista e parcial desse importante instrumento da

persecução criminal. O Inquérito Policial não é e jamais será

instrumento a serviço do Ministério Público ou do Querelante

somente, mas sim da busca da verdade processualmente

possível de forma imparcial, dentro da legalidade. O Delegado

de Polícia não deve produzir ou colher provas e indícios somente

voltados para a acusação, mas sim de forma genérica, primando

pela total apuração dos fatos, venha isso a beneficiar a defesa do

suspeito ou a incriminá-lo. E se os estudiosos nacionais

costumam descurar do devido estudo da investigação criminal,

apresentando normalmente uma visão simplista do Inquérito

Policial, Roxin afirma que ‘a instrução preliminar deve

estruturar-se de forma a possibilitar não somente a

comprovação de culpabilidade do imputado, mas também a

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exoneração do inocente’. Nesse passo, por mais que se

considere a atuação escorreita dos membros do Ministério

Público, primando por uma posição de fiscalização da

legalidade (aliás, uma de suas funções institucionais), não é

desejável que todo o poder de decisão acerca do cabimento ou

não de uma cautelar fique concentrado nesse órgão que, quer

se queira ou não, atuará eventualmente no polo acusador do

futuro processo. Vedar a representação pela Autoridade

Policial (uma Autoridade que pode e deve ser imparcial,

exatamente porque jamais postulará ou sustentará defesa ou

acusação em juízo) ou mesmo condicionar sua validade ao

parecer ministerial é, isso sim, violar não somente o Sistema

Acusatório, mas também de um só roldão a ampla defesa e a

isonomia processual. É justamente o fato de ser o Ministério

Público o titular da ação penal pública que indica que sua

atuação deve ser sempre opinativa ou de requerimento e jamais

deve subordinar de qualquer forma (positiva ou negativa) a

decisão judicial. Aliás, ‘decisão’ é somente a Judicial, cabe ao

Ministério Público e demais atores processuais opinar e pedir.

Não se podem confundir as funções jurisdicionais com as

funções ministeriais. Ao Ministério Público cabe, nas palavras

de Binder, a chamada ‘função requerente’ e não a decisória.

Outro equívoco em atrelar a representação da

Autoridade Policial ao parecer ministerial consiste em uma

confusão entre a titularidade da ação penal pelo órgão

ministerial (Ministério Público) e a titularidade por parte de

determinado membro da instituição (Promotor de Justiça). O

titular da ação penal pública é o órgão ministerial, não o

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Promotor X ou Y, de modo que pode perfeitamente ocorrer que

determinado Promotor considere não haver elementos para a

ação penal, enquanto o órgão venha a entender de forma

diferente, podendo ser instado a isso pelo Juiz por força do

artigo 28, CPP, caso em que será a denúncia ofertada pelo

Procurador Geral de Justiça ou por outro membro do Ministério

Público especialmente designado para agir em nome do

Procurador. Então, o fato de que o Promotor X ou Y entenda que

inexiste base para um Processo Penal futuro não significa a

palavra final da instituição, de forma que isso jamais poderia ter

o condão de influenciar de forma definitiva na decisão judicial

de concessão ou não da cautelar a pedido do Delegado de

Polícia. Inclusive há cautelares que são típicas de investigação,

tais como as interceptações telefônicas, a busca e apreensão, a

prisão temporária, dentre outras. Nesses casos a atuação do

Ministério Público não pode ser referente à formulação ou não

da acusação em juízo, mesmo porque as próprias medidas visam

ainda apurar se existem ou não elementos para tanto. Ora,

tirante os casos de investigações encetadas diretamente pelo

Ministério Público, quem preside as investigações é o Delegado

de Polícia, de modo que é a ele precipuamente que cabe a

avaliação da necessidade ou não da representação pelas

cautelares. Nada impede, até recomenda, que o Ministério

Público opine, inclusive na condição de fiscal da lei e de

controlador externo da atividade policial. Mas, não se pode

admitir que esse órgão se imiscua de forma decisiva no

deferimento ou não da medida, usurpando ao mesmo tempo

funções policiais e judiciais. Se há indiscutivelmente uma

titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público,

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também há de forma inarredável uma titularidade da condução

e presidência do Inquérito Policial por parte do Delegado de

Polícia, a quem incumbe o exercício das funções de Polícia

Judiciária (artigo 144, CF). Isso é bem visível ao verificar-se

que quando há alguma omissão ou irregularidade no Inquérito

Policial a Autoridade que é chamada a prestar contas (criminal,

administrativa e civilmente) é o Delegado de Polícia e ninguém

mais, nem o Juiz, muito menos o Promotor de Justiça. Nessa

hora ninguém se arvora a assumir as responsabilidades, muito

embora, diga-se de passagem, todo Inquérito Policial seja

continuamente controlado tanto pelo Judiciário como pelo

Ministério Público (v.g. pedidos de prazo, correições, visitas

mensais do Ministério Público na função de controle externo

etc.). Ao que se saiba, sempre corresponde a um poder, um

dever, uma obrigação, em suma, uma responsabilidade. Mas,

parece que se pretende muitas vezes angariar poderes sem os

ônus dos deveres e responsabilidades. Infelizmente isso tem sido

comum na sociedade em geral e até mesmo nas suas mais

conceituadas instituições. Como bem aduz Bruckner, a

legalidade não se sustenta quando se transforma em ‘sinônimo

de dispensa’, configurando-se como uma ‘máquina de

multiplicar direitos, eterna e principalmente sem contrapartida’.

Finalmente é destacável que a ligação entre a

titularidade da ação penal pelo Ministério Público e a

impossibilidade de deferimento de cautelares por representação

policial sem sua oitiva ou concordância é totalmente artificiosa

porque parte de um falso pressuposto que contraria mesmo a

natureza das medidas cautelares. Afirma-se inclusive que a

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acessoriedade, enquanto característica insofismável das

cautelares estaria a impedir seu deferimento sem a anuência

daquele que detém a titularidade da ação principal. É realmente

inegável a acessoriedade das cautelares, mas sua ligação com a

ação principal não é de certeza, mas de mera probabilidade.

Nem o deferimento de uma cautelar, inclusive com

concordância ou o pedido ministerial torna necessária e

inafastável a ação penal futura; nem o indeferimento torna

impraticável essa mesma ação. As cautelares são acessórias a

uma ação penal principal em perspectiva, dentro de um critério

de ‘probabilidade hipotética’ e não de certeza. Por isso é

espúria qualquer ligação que condicione o deferimento

cautelar a uma situação de convicção prévia do órgão

ministerial em forma de certeza quanto ao intentar futuro da

ação penal. Além disso, conforme já destacado, há muitas

medidas cautelares que são deferidas exatamente para buscar

provas e indícios para a formação do convencimento quanto à

existência ou inexistência de elementos suficientes para o

intentar de uma ação penal que por hora é vista tão somente em

perspectiva hipotética provável. Usando uma expressão

popular, condicionar o deferimento da cautelar a uma

manifestação do Ministério Público na qualidade de titular da

futura ação penal, exigindo para isso a formulação de um juízo

de certeza da postulação em perspectiva é ‘colocar o carro na

frente dos bois’, simplesmente porque esse não é o momento

nem a circunstância adequada para esse tipo de manifestação.

Por todas essas razões, embora respeitando o

entendimento diverso, considera-se que o Juiz pode sim deferir

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cautelares mediante representação direta da Autoridade

Policial quando a lei assim o prevê, ainda que sem ouvir o

Ministério Público ou mesmo contra sua manifestação. Não se

pode perder de vista a função de decisão que somente cabe ao

Juiz de forma indelegável e isenta de influências externas por

mais bem intencionadas que sejam. Acaso o Promotor discorde

da decisão Judicial lhe cabe a via recursal para reformar o

‘decisum’. No entanto, jamais poderá o órgão ministerial e nem

mesmo a lei ter a pretensão de ‘conduzir’ o Juiz tal qual um cego

ou transformar-lhe não em um ator destacado do processo penal,

mas em um simples figurante. Um figurante que interpreta o

personagem de uma Rainha da Inglaterra de Toga” [CABETTE,

Eduardo Luiz Santos. A representação autônoma do delegado de

polícia pelas medidas cautelares. In: Âmbito Jurídico, Rio

Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em:

<http://www.ambito -

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&ar

tigo_id=10883>. Acesso em jul 2017].

Fechando o colchete neste tema, nada impede que os

argumentos do Ministério Público venham a ser acolhidos e até

acrescentados na decisão que ora se profere, revogando, corroborando,

ampliando ou estendendo as medidas cautelares postuladas pela autoridade

policial, como deixa ver o art. 282, § 5º, do CPP.

Inclusive, a própria lei ressalva as situações de

“urgência” [CPP, art. 282, § 3º] no deferimento de medidas cautelares,

excepcionando a manifestação prévia das partes.

Forte em tais razões, passo à análise da representação

apresentada pela autoridade policial.

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Antes de tudo, convém enfatizar que o Inquérito

Policial n. 87132/2017 – instaurado para apuração de crimes comuns

praticados por militares e por civis, em especial, o delito de organização

criminosa e o de interceptação telefônica ilegal – originou-se a partir do

desmembramento do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, que, por

sua vez, foi deflagrado para investigar, exclusivamente, crimes militares.

Para bem contextualizar a questão sub oculis, convém

rememorar os fatos apurados no IPM.

Segundo levantado, até a atual fase das investigações, o

Cel. PM Zaqueu Barbosa, em meados de setembro de 2014, quando

exercia a função de Subchefe do Estado-Maior Geral da PMMT, decidiu

estruturar um escritório que ficou denominado “Núcleo de Inteligência”.

Partiu dele, portanto, a ideia da criação e, também, a

função de arregimentar os operadores do plano.

Em virtude de sua experiência no GAECO, e por

conhecer diversos policiais militares com habilidades no assunto de

inteligência e, em especial, em interceptação telefônica, o Cel. PM Zaqueu

requereu ao então Ten.-Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco – à

época, Diretor de Inteligência do GAECO – a apresentação do Cb. PM

Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, com o propósito de estruturar o tal

“Núcleo de Inteligência”.

Situação idêntica ocorreu com o Cb. PM Euclides

Luiz Torezan, que foi, por ordem de seu comandante [Cel. PM Evandro

Lesco] se apresentar ao Cel. PM Zaqueu.

Portanto, pelo menos aparentemente, temos a

participação do Cel. PM Zaqueu, responsável pela criação do

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Escritório/Núcleo de Inteligência, e, também, não há a menor dúvida da

efetiva e direta participação do Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz

Lesco e do Cel. PM Ronelson Jorge de Barros, cuja função foi apresentar

ao Cel. PM Zaqueu dois de seus comandados, Cb. PM Gerson e Cb. PM

Euclides Torezan.

Consta dos autos, ainda, que a parte operacional ficou a

cargo do Cb. PM Gerson, que teria acionado o Cb. PM Euclides Torezan

para verificar a viabilidade técnica de funcionamento das placas entregues

pelo Cel. PM Zaqueu, que, segundo custos apresentados pela Empresa

Wytron, montaria a importância de R$ 12.000,00 [doze mil reais].

Não há, contudo, informação de quem foi o

responsável pelo investimento para implantação do aludido projeto, pois,

segundo o Encarregado do IPM, o Cel. PM Zaqueu não quis arcar com o

custo. Não se sabe como os referidos graduados conseguiram sobreditos

recursos.

De acordo com o que foi apurado, o Cb. PM Gerson

instalou o equipamento assessorado pelo Cb. PM Euclides Torezan, e

passou praticamente todo mês de setembro ouvindo diversas conversas,

em uma sala comercial alugada no Edifício Master Center.

O Cb. PM Gerson apresentava os resultados do seu

trabalho, por meio de relatórios, ao Cel. PM Zaqueu, demonstrando,

assim, de forma incontestável, o envolvimento e a ligação de ambos na

prática delituosa.

Ocorre que, no mês de outubro, o Cb. PM Gerson se

dirigiu até o Cel. PM Zaqueu e solicitou reforço, porque não tinha

condições de ouvir todos os áudios. Tantas já eram as interceptações

telefônicas clandestinas, que um só homem não podia mais realizá-las.

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Por esta razão, a 3ª Sgt. PM Andrea Pereira de

Moura Cardoso, que trabalhava no Centro Integrado de Operações

Aéreas, foi informada por seu comandante, no caso, o então Ten.-Cel.

Airton Benedito de Siqueira Júnior, para procurar a pessoa do Cel.

Zaqueu no Quartel do Comando-Geral da PMMT, pois teria um serviço

para ela na atividade de inteligência.

Apesar de não denunciado pela prática dos crimes

militares, há indícios fortíssimos da participação do Cel. PM Airton

Benedito de Siqueira Júnior na organização criminosa.

Consoante destaquei no voto proferido nos autos da

Ação Penal n. 87031/2017 – durante o recebimento da peça acusatória –, a

situação do Cel. PM Siqueira Júnior se afigura idêntica à do Ten.-Cel.

PM Januário Antônio Edwiges Batista, uma vez que foi ele quem

arregimentou a 3º Sgt. PM Andrea Pereira de Moura Cardoso para atuar no

fictício Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, onde serviu por um ano.

Enfatizo, também, que a referida graduada – quando

chamada para atuar na inteligência da Polícia Militar, sob a chefia do Cel.

PM Zaqueu Barbosa e orientação do Cb. PM Gerson Luiz Ferreira

Correa Júnior –, exercia suas funções no CIOPAER (Centro Integrado de

Operações Aéreas), sob o comando e subordinação do Cel. PM Siqueira,

que a convocou para a missão.

Há nos autos, ainda, indícios seguros de que o Cel. PM

Siqueira Júnior não apenas sabia da existência do inventado Núcleo de

Inteligência da Polícia Militar, como dele participou com a cessão da Sgt.

Andrea, para ficarmos no mínimo dos mínimos.

Esse fato tem indicação nas palavras da própria

Sargento Andrea, ao revelar que, sendo recrutada para o Núcleo de

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Inteligência ainda no ano de 2014, nele permaneceu até novembro de 2015,

“quando recebeu uma ligação de Gerson e este disse para a declarante se

apresentar na CASA MILITAR, na pessoa do Cel. PM Siqueira Júnior,

então Secretário-Chefe da Casa Militar; que após a apresentação, o Cel.

PM Siqueira Júnior disse à mesma que o serviço que a mesma estava

desenvolvendo, de inteligência, estava encerrado, e iria designar para

trabalhar internamente na Casa Militar” [fls. 885/888 dos autos do

Inquérito Policial Militar n. 66673/2017].

Essa contundente afirmação mostra, a quem quiser ver,

que o Cel. PM Siqueira não apenas sabia da existência do Núcleo, como

dele participou com a cessão da militar que estava sob suas ordens e

subordinação.

Daí a afirmação da Sgt. Andrea, no sentido de que ele

[Cel. PM Siqueira] lhe disse que “o serviço que a mesma estava

desenvolvendo, de inteligência, estava encerrado, e iria designá-la para

trabalhar internamente na Casa Militar”.

E mantendo-a sob suas asas, poderia controlá-la, como,

aliás, fizeram com a Cap. PM Cláudia Rodrigues Gusmão, ouvida às fls.

2214/2215 do IPM n. 66673/2017, que serviu na Casa Militar no período

de janeiro a outubro ou novembro de 2015, e que foi interceptada

ilegalmente entre os meses de julho, agosto e setembro de 2015 – logo

após a saída do Cel. PM Ribeiro Leite da Chefia da Casa Militar, ocorrida

em agosto de 2015 –, com a finalidade de saber se ela tinha conhecimento

do esquema de grampos ou se ela estava repassando informações sigilosas

para terceiros.

Temos, ainda, a situação da Maj. PM Valéria Fleck

[fls. 2216/2218 – IPM n. 66673/2017], que trabalhou no GAECO no

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período de dezembro de 2011 a fevereiro de 2016, e foi interceptada em

setembro de 2015. Ela trabalhou diretamente com o Cb. PM Gerson e

com o Cb. PM Torezan de 2014 até sua saída, e seu “pecado” – para ser

interceptada clandestinamente – ao que parece, foi apontar erros grosseiros

na documentação produzida pelo Cb. PM Gerson e, de modo

peremptório, ter aludido à diversas faltas ao trabalho do Cb. PM Gerson,

que nessa época se dedicava, em tempo integral, ao serviço do fictício

Núcleo de Inteligência da PMMT.

Não podemos olvidar, ainda, que a cessão da Sgt.

Andrea deu-se para atender a demanda do refalsado Núcleo de

Inteligência.

E sabia ele que os serviços foram suspensos, porque

houve necessidade de se desmontar o Sistema, em razão de o esquema

criminoso haver sido descoberto, como veremos adiante.

O interessante, para não dizer surreal, é que foi o Cb.

Gerson quem determinou que a Sgt. Andrea se apresentasse à Casa

Militar – já comandada pelo Cel. Siqueira Júnior –, e não mais à

CIOPAER, onde estava originariamente lotada.

Tudo isso ocorreu em ocasião próxima à suspensão do

funcionamento do Sistema Sentinela na Empresa Titânia – ocorrida em

outubro de 2015 – após o Promotor de Justiça Mauro Zaque anunciar ao

Cel. PM Siqueira e ao Cel. PM Zaqueu, em sua residência, saber da

existência da “grampolândia pantaneira”, quando pediu-lhes que

solicitassem exoneração de seus cargos em razão do envolvimento deles

nas interceptações telefônicas clandestinas.

Parece, entretanto, que havia um propósito claro e

inequívoco do grupo em não incriminar o Cel. Siqueira Júnior, que

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deveria permanecer não apenas fora de qualquer investigação, mas em

liberdade para que, como Secretário de Estado, homem forte do Governo

pela importância da pasta que ocupa, ficar com as mãos livres para articular

em nome e em favor da organização criminosa.

E isso transparece nitidamente no testemunho do Ten.-

-Cel. Soares, que revelou que o simples indiciamento do Cel. PM Siqueira,

iria “fragilizar o grupo”, e que a prisão dele “não poderia ocorrer de

forma alguma”, tanto que recebeu a seguinte ordem imperativa do Cel. PM

Lesco: “faça o que tiver que ser feito, mas não deixe acontecer”.

Tão evidente foi a participação do Cel. PM Siqueira

na organização criminosa que até o Ten.-Cel. Soares, iletrado no mundo

jurídico, viu efetivos elementos da participação dele na organização

criminosa.

Todos viram elementos para o indiciamento e

denúncia, inclusive o Cel. Catarino, Encarregado do IPM, que pediu ao

Ten.-Cel. Soares que formalizasse uma representação pela prisão do Cel.

PM Siqueira. Contudo, em razão da ordem enfática do coator Lesco, o

coagido “enrolou” e fez o pedido cair no esquecimento.

Todos viram, menos o Ministério Público.

A tudo isso acresce ainda o diálogo – gravado em

áudio – entre o Ten.-Cel. Soares e o Cel. Lesco, onde este, falando sobre o

inquérito suplementar, que aprofunda no recolhimento de provas no IPM,

diz abertamente que “ELE (Cel. Siqueira) tem participação e por isso

deve ficar... uma viagem muito psicodélica, né cara”, em referência ao

deslocamento do Cel. Catarino para Rondonópolis, onde auscultaria vários

policiais militares.

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Afora a participação dos militares na empreitada

delituosa, houve também a participação de civis na organização criminosa

que se formou.

Pelo menos até o atual estágio das investigações,

podemos citar quatro fatos concretos, quatro situações que ensejaram a

instauração de inquéritos policiais.

O primeiro deles, e o que podemos considerar a mola

propulsora de todas as investigações deflagradas [investigação-matriz], diz

respeito aos fatos ocorridos na Comarca de Cáceres, com a inclusão de

pessoas estranhas à investigação, introduzidas como se criminosas fossem,

para o fim de se quebrar sigilos telefônicos de forma oculta.

Esta situação veio à tona após veiculação de matéria

jornalística em rede nacional, em 14/5/2017, cujos grampos, ao que tudo

indica, eram praticados por meio do simulado Núcleo de Inteligência da

Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

Também podemos mencionar aqui a situação ocorrida

durante as eleições de 2016, no município de Lucas do Rio Verde, onde,

igualmente, há notícia da prática do crime de interceptação telefônica

clandestina, que também está sob apuração em procedimento investigatório

próprio [Inquérito Policial n. 87131/2017].

Há, ainda, segundo notícia-crime apresentada pela

OAB/MT, possível quebra de sigilo telefônico, na modalidade “barriga de

aluguel”, ocorrida na “Operação Ouro de Tolo”, processo código 414652,

onde foi incluído o terminal pertencente ao ex-governador Silval Barbosa,

mesmo ele não sendo investigado naqueles autos [Inquérito Policial n.

71814/2017].

19

Por derradeiro, citamos a prática do crime de

interceptação telefônica, com objetivos não autorizados em lei, por parte do

representado Paulo Taques, nas operações “Forti” e “Querubin”, onde

teria exigido o grampo do telefone de sua ex-amante e de sua ex-secretária,

apurado no Inquérito n. 78323/2017.

Vamos consignar aqui apenas estes quatro fatos

concretos, sem descurar os demais que estão em andamento e outros

possíveis que hão de ser descortinados ao longo das investigações.

O primeiro fato concreto, verificado na Comarca de

Cáceres, foi praticado mediante apresentação de relatório pelo espúrio

Núcleo de Inteligência da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso,

aparentemente criado pelo Cel. PM Zaqueu Barbosa, cujo principal

operador era o Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, contando

com a participação incisiva do ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, Cel.

PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, e de seu Adjunto Cel. PM

Ronelson Jorge de Barros, além do Cel. PM Airton Benedito de

Siqueira Júnior, como se viu alhures.

No atinente ao segundo fato, há indícios de

participação do Cel. PM Airton Benedito Siqueira Júnior, atual

Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, bem como há notícias

de envolvimento direto do escritório de advocacia de Paulo César Zamar

Taques, ainda que este insista em afirmar que na verdade figura como

vítima de trama criminosa.

Quanto ao terceiro fato, conquanto acontecido nas

barbas do GAECO, o relatório de inteligência que subsidiou a inclusão de

terminal telefônico do ex-governador Silval Barbosa – em procedimento

criminal em que não figurava como investigado –, foi subscrito pelo Cb.

20

PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, ou seja, o mesmo operador do

ilegítimo Núcleo de Inteligência, responsável pela escuta ilegal da ex-

amante do então Secretário-Chefe da Casa Civil, Paulo Taques, nas

interceptações levadas a efeito no juízo criminal de Cáceres.

Aliás, convém pontuar que o Cb. PM Gerson se

apresenta como uma das figuras centrais de quase todos os crimes em

apuração, especialmente aqueles ligados às escutas telefônicas clandestinas.

Ele foi o vaso comunicante entre muitos dos crimes em

apuração, visto ter sido o operador principal dos sistemas Wytron e

Sentinela, usado pelo Núcleo de Inteligência – bijuteria criada pela

organização para cometimento de crimes.

Por fim, o próprio Paulo Taques, apresentando uma

“história cobertura”, praticamente exigiu das autoridades responsáveis

pela segurança pública do Estado a interceptação telefônica de sua ex-

amante e de sua ex-secretária, situação essa apurada no Inquérito n.

78323/2017.

Outro acontecimento que evidencia, de modo

irretorquível, o elo entre Paulo Taques e a organização criminosa que se

instalou no seio da cúpula da Polícia Militar de Mato Grosso, diz respeito

ao fato de que, nas eleições estaduais de 2014, o Núcleo de Inteligência da

Polícia Militar, espuriamente formado, efetuou a escuta, dentre outros, de

dois advogados.

Os alvos em questão foram os causídicos José Antônio

Rosa e José Patrocínio de Brito Júnior.

O detalhe de suma relevância é que ambos, assim como

Paulo Taques, atuaram na campanha eleitoral de 2014, patrocinando,

21

contudo, candidatos adversários do atual Governador do Estado, Pedro

Taques.

José Antônio Rosa era advogado da candidata Janete

Riva, e José Patrocínio de Lúdio Cabral, enquanto Paulo Taques

representava os interesses de Pedro Taques, principais candidatos ao

Governo do Estado de Mato Grosso.

Ocorre que, por meio do inventado Núcleo de

Inteligência, na operação policial realizada na Comarca de Cáceres, a partir

da qual foi produzida a matéria jornalística que ensejou a instauração de

todas as investigações atinentes aos grampos ilegais, os dois advogados,

que trabalhavam para candidatos adversários ao defendido por Paulo

Taques, foram grampeados.

Dentre os principais candidatos ao Governo, a única

banca que não teve advogado grampeado foi justamente a do Paulo

Taques.

Ademais, não podemos olvidar, ainda, que o nome da

Deputada Estadual Janaíva Riva, filha da então candidata ao Governo do

Estado, Janete Riva, e opositora declarada do grupo ligado ao atual

Chefe do Poder Executivo Estadual, também foi alvo de interceptação

telefônica clandestina realizada na comarca de Cáceres.

Mera coincidência?

Tudo isso são assomos a mostrar que podemos mesmo

estar frente a uma organização criminosa voltada – a partir de escutas

telefônicas clandestinas – a cometer outros crimes.

E assim parece ser porque, pelos levantamentos já

efetuados, as motivações das interceptações não eram unicamente políticas,

22

por simples bisbilhotices do que faziam ou diziam os adversários políticos

e críticos do governo.

Na extensa lista dos alvos interceptados estão médicos,

desembargador, contador, servidores públicos, empresários, professor,

estudante e, acreditem se quiser, até agente funerário.

O registro desses fatos, feitos ad colorandum [porque

já expostos em decisão anterior que decretou a prisão do investigado Paulo

Cesar Zamar Taques] prestam a confirmar que, inicialmente, a trama

delituosa sempre girava em torno de alguns nomes: Paulo Cesar Zamar

Taques, Cel. Zaqueu, Cel. Lesco, Cel. Barros e o Cb. Gerson.

Entrementes, com o depoimento do Ten.-Cel. José

Henrique Costa Soares, desvelou-se novos participantes do grupo

criminoso: o Delegado Rogers Elizandro Jarbas, o Major Michel

Ferronato e o Sgt. Soler, dentre outros, como se verá à frente.

Não há base empírica, até este momento, para afirmar,

com segurança, a individualização da conduta [e seus lugares na hierarquia]

dos principais integrantes da possível organização criminosa que se

instalou no coração do Governo do Estado de Mato Grosso, nem as suas

finalidades principais, visto que as interceptações telefônicas clandestinas,

certamente, era meio para a prática de outros crimes.

O que se pode afirmar, contudo, é que, diante do

volume de recursos aplicados na possível organização criminosa –

inclusive para aquisição de sistema próprio de escuta telefônica, de todo

aparato tecnológico necessário, da instalação do escritório em sala

comercial alugada e das despesas ordinárias mensais –, dúvidas não há de

que o grupo possuía um mantenedor abastado, alguém que investiu

financeiramente na criação e na manutenção dele.

23

A princípio, a suspeita recai sobre o Cel. PM Lesco,

que foi o responsável por repassar o cheque no valor de R$ 24.000,00

[vinte e quatro mil reais] ao Cb. PM Gerson, para aquisição do Sistema

Sentinela, e que ainda contribuiu alguns meses para o pagamento do

aluguel da aludida sala comercial.

Aliás, abro um parêntese para consignar, ainda, que

este fato foi motivo de entrevero entre o Cel. PM Lesco e sua esposa

Helen, em 18/9/2017, conforme asseverado pela testemunha presencial,

Ten.-Cel. Soares, que, em seu depoimento colhido pelo sistema de

gravação audiovisual, assim declarou:

“Durante a conversa eu menciono dos procedimentos

que foram adotados até então, da oitiva de nove policiais em

Rondonópolis, ele pede informações a respeito do andamento

das investigações, de que de novo existe, e teve um certo

momento em que ele entra em atrito com, atrito assim, o

ambiente fica meio pesado, porque a Helen questiona o Lesco

do porquê ele comprou o equipamento, e a nota fiscal do

equipamento foi emitida em nome dele. Porque que ele, porque

motivo ele emitiu um cheque, ele poderia ter pago em dinheiro.

Ele poderia ter essa nota emitida em nome até de um falecido né,

de um defunto, palavras dela. Ela não sabe dizer porque isso

aconteceu, e ela supõe, vocês estavam fazendo isso porque

achavam que não ia acontecer nada, só pode, porque para dar

uma bobeira dessa, só podia ser isso”.

Porém, este ponto – identidade do(s) mantenedor(es)

do grupo criminoso – ainda há de ser esclarecido.

24

Com o caminhar das investigações e a madelenização

do Ten.-Cel. Soares, descobriu-se a figura relevante do atual Secretário de

Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, que, valendo-se de seu

cargo e de sua influência, vem reiteradamente interferindo nas

investigações atinentes à prática do crime de interceptação telefônica ilegal,

seja tentando obter documentos sigilosos, seja constrangendo autoridades

policiais e oficiais militares.

Em primeiro lugar, causa espécie o comportamento do

Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso em apurar,

sponte sua – sem a instauração de qualquer procedimento administrativo

ou judicial –, a conduta da delegada de polícia Alana Derlene Sousa

Cardoso, que, em tese, teve envolvimento nos supostos grampos ilegais

ocorridos nas Operações Forti e Querubin.

E, o mais curioso, foi a tentativa de o Secretário de

Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, investigar, por

via transversa, seu antecessor, o Promotor de Justiça Mauro Zaque de

Jesus, autoridade esta que trouxe à tona a existência do malsinado grupo

criminoso.

Parece evidente que o ato foi voltado a desmoralizar e

a desacreditar quem acusou o Governador do Estado, que se conseguiria

com a implicação do Dr. Mauro Zaqueu nas “barrigas de aluguel”

operacionalizadas por meio das Delegadas Alana e Alessandra, logradas

pelo suspeito Paulo Taques, com uma “história cobertura” de que a vida do

Governador estava em risco.

Não se pode olvidar, ainda, o fato ocorrido envolvendo

o ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, e primo do Governador do Estado,

Paulo Cesar Zamar Taques, que, com a finalidade de tomar conhecimento

25

sobre a existência de investigação contra sua pessoa, “peticionou”

diretamente ao Secretário de Estado de Segurança Pública, Rogers

Elizandro Jarbas, pedindo cópia do procedimento que tramitava sob sigilo.

Com o pedido em mãos, o Secretário de Segurança

Pública, sem nenhuma competência para o ato, diga-se de passagem,

simplesmente, “proferiu decisão”, determinando o fornecimento de cópias

ao peticionante, mesmo sabendo que os fatos eram sigilosos.

E não foi apenas em prol do escritório de advocacia de

Paulo Cesar Zamar Taques que o Secretário de Segurança Pública

interveio.

Chegou ao meu conhecimento, por intermédio do

Ofício n. 1260/2017/PJC/MT, de 31/7/2017, subscrito pelo Delegado de

Polícia Flávio Henrique Stringueta, que o Secretário de Estado de

Segurança Pública de Mato Grosso também acolheu “requerimento”

deduzido por seu chefe, o Governador do Estado de Mato Grosso, José

Pedro Gonçalves Taques, determinando o fornecimento de fotocópia de

autos sigilosos.

Portanto, não resta a menor dúvida de que o

representado vinha se valendo do cargo ocupado, agindo de maneira

incisiva e direta no sentido de beneficiar seus aliados, determinando o

fornecimento de documentos até então sigilosos, em detrimento das

investigações levadas a efeito pelas autoridades policiais.

Estas foram as razões que motivaram seu afastamento

cautelar do cargo de Secretário de Segurança e de suas funções de

Delegado de Polícia, decretada no Inquérito Policial n. 91285/2017.

Contudo, a partir das provas trazidas pelo Ten.-Cel.

26

Soares, outro quadro – de muito maior gravidade – se apresenta, fazendo

exsurgir a necessidade de adoção de medidas mais drásticas.

De fato, a partir dos depoimentos prestados pelo

Policial Militar, Ten.-Cel. PM José Henrique Costa Soares, em 16, 18 e

22/9/2017, descortinou-se um sórdido e inescrupuloso plano no intuito

não apenas de interferir nas investigações policiais, mas, principalmente, de

macular minha reputação em todos os inquéritos instaurados para se

investigar os crimes de interceptação telefônica, com o nítido propósito de

me afastar da condução dos respectivos feitos.

E o mais lamentável, para não se dizer repugnante, é

que para colocar em prática o ardiloso projeto, o grupo criminoso contou

não apenas com a participação de seus integrantes já revelados, mas,

também, de outras pessoas, dentre elas, advogado, esposa de investigado

em prisão domiciliar, policiais militares e, segundo eles próprios, até

mesmo de promotor de justiça, que teria aderido ao pérfido e

maquiavélico plano.

Faço questão de registrar, aqui, excertos do

depoimento prestado pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, até

então Escrivão do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, prestado em

16/9/2017, aos delegados Ana Cristina Feldner e Flávio Henrique

Stringuetta:

“DECLAROU QUE após assumir o cargo de escrivão

para atuar no Inquérito Policial Militar foi procurado pelo

advogado do CEL. LESCO e do CB. GERSON, DR.

MARCIANO, na Corregedoria da Polícia Militar, e disse que a

esposa do CEL. LESCO, HELEN, gostaria de falar com o

depoente em razão de já ter informações a respeito do depoente

27

e que a SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA já teria

essas informações [...]”.

Apenas para deixar sublinhado, depois de assumir o

encargo de Escrivão no Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, o Ten.-

-Cel. Soares foi procurado pelo advogado Marciano Xavier das Neves –

responsável pela defesa do Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco e do

Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior – dizendo que Helen Christy

Carvalho Dias Lesco gostaria de falar com ele, pois ela teria informações

a respeito do Escrivão, que também era de conhecimento da “Secretaria de

Segurança Pública” – leia-se: Rogers Elizandro Jarbas.

Percebe-se, portanto, que o advogado Marciano

Xavier das Neves, longe de suas funções profissionais, agiu ativamente em

prol do grupo criminoso, funcionou como ponte para chegar até o Escrivão

do IPM, Ten.-Cel. Soares, surgindo, assim, duas novas figuras na

organização criminosa: Marciano e Helen.

Outro ponto curioso, é que Marciano revelou ao Ten.-

-Cel. Soares que Helen teria informações a seu respeito, e que tais

informações teriam sido repassadas pela Secretaria de Segurança

Pública, cuja pasta é capitaneada justamente por Rogers Elizandro

Jarbas, aquele mesmo que estava agindo ativamente em prol da

organização criminosa, valendo-se do cargo por ele ocupado.

Prossegue o Ten.-Cel. Soares na sua inquirição

extrajudicial:

“Que isso aconteceu na primeira semana que assumiu

as funções de escrivão; QUE então o depoente ligou para

HELEN, via WhatsApp, no mesmo dia, e já combinaram de

encontrar no POSTO DE GASOLINA BOM CLIMA; QUE o

28

encontro ocorreu, salvo engano, no dia seguinte; QUE o

depoente esclarece que conhece o CEL. LESCO por serem da

mesma turma, porém não tinha amizade com HELEN; QUE

neste contato já desconfiou que o assunto fosse relacionado a

sua atuação no Inquérito Policial Militar; QUE encontraram no

POSTO BOM CLIMA, sendo que o depoente foi em seu veículo

Cross Fox branco, e HELEN em um veículo tipo SUV; QUE ao

estacionarem no pátio o depoente entrou no veículo da HELEN;

QUE então o depoente foi bastante receptivo, dizendo que

estaria disposto a ajudar, porém, precisava saber o que ela tinha

contra o mesmo; QUE então ela disse que a SECRETARIA DE

SEGURANÇA PÚBLICA tinha posse de interceptações e

vídeos dos quais revelam sua dependência química; QUE

também mencionou que haveria outras situações supostamente

criminosas, das quais PAULO TAQUES tinha conhecimento;

QUE o depoente supõem que seriam referentes a situação de

uma empresa que o depoente teria tido sociedade e que PAULO

TAQUES foi seu advogado, tendo conhecimento de todos os

fatos, inclusive sua dependência química foi revelada a PAULO

TAQUES nessa oportunidade; Que naquele momento o depoente

apenas pensou o quanto essa informação referente a sua

condição de usuário o iria expô-lo na Corporação, encerrando

definitivamente sua carreira, bem como da sua preocupação

com eventuais crimes militares por ter mantido a sociedade,

todos de conhecimento do advogado PAULO TAQUES, a quem

confidenciou referidos fatos”.

Chama atenção o fato de a abordagem ao Ten.-Cel.

Soares já haver sido realizada “na primeira semana que assumiu as

29

funções de escrivão”.

Significa dizer que, tão logo tomaram conhecimento de

sua nomeação, usaram de informações que já tinham em mãos.

E quem as detinha?

Ninguém mais, ninguém menos que o Dr. Paulo

Cesar Zamar Taques, que as recebeu da própria língua do Ten.-Cel.

Soares, quando advogou seus interesses numa demanda contra seu irmão.

Certo é que essas informações não eram do

conhecimento geral, dessas que facilmente podem ser levantadas, do

contrário, ele já teria sofrido severas sanções na Polícia Militar, quiçá

excluído das fileiras da corporação.

Essa situação foi bem posta no depoimento que

prestou:

“[...] QUE também mencionou que haveria outras

situações supostamente criminosas, das quais PAULO TAQUES

tinha conhecimento; QUE o depoente supõem que seriam

referentes a situação de uma empresa que o depoente teria tido

sociedade e que PAULO TAQUES foi seu advogado, tendo

conhecimento de todos os fatos, inclusive sua dependência

química foi revelada a PAULO TAQUES nessa oportunidade;

Que naquele momento o depoente apenas pensou o quanto essa

informação referente a sua condição de usuário o iria expô-lo na

Corporação, encerrando definitivamente sua carreira, bem como

da sua preocupação com eventuais crimes militares por ter

mantido a sociedade, todos de conhecimento do advogado

PAULO TAQUES, a quem confidenciou referidos fatos”.

30

Detalhe de suma importância é que nessa época, ou

seja, quando Helen procurou pelo Ten.-Cel. Soares, seu esposo, Cel. PM

Evandro Alexandre Ferraz Lesco, encontrava-se cautelarmente

segregado.

Por esta razão, não há falar que seu papel foi

secundário, ou de menor relevância, uma vez que Helen foi a responsável

pela coação do então Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares.

Asseverou, ainda, o Ten.-Cel. PM Soares:

“QUE esclarece o depoente que a SECRETARIA DE

SEGURANÇA, assim como a POLÍCIA MILITAR, não sabia

dessa sua situação pessoal, do contrário já teria aberto

procedimento contra si, nem teria lhe conferido a missão de

atuar na Corregedoria e Ouvidoria da Polícia Militar, bem

como escrivão no IPM; QUE desse modo, o depoente acredita

que essas informações possam ter sido passadas por PAULO

TAQUES, para que fossem usadas para coagi-lo”.

De fato, é inconcebível admitir que alguém ligado à

Secretaria de Segurança Pública, ou à Polícia Militar, sabendo dos

problemas pessoais enfrentados pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa

Soares, não tivesse adotado nenhuma providência, em especial a abertura

de procedimento para apuração dos fatos.

Ad hunc modo, tudo aponta para uma única e provável

direção: a de que as informações provieram mesmo do representado Paulo

Cesar Zamar Taques.

Cabe gizar o lugar de destaque do investigado Paulo

Cesar Zamar Taques na provável organização criminosa, com quem o

31

grupo tinha preocupações redobradas com a manutenção da prisão que se

decretou contra ele, como se vê nesta passagem do depoimento:

“Que também eles diziam da importância da soltura

do Paulo Taques, do quanto era necessário para o grupo que

Paulo Taques continuasse solto”.

É incontestável mesmo que o investigado Paulo Cesar

Zamar Taques se apresenta – pelo menos diante dos elementos

informativos até agora obtidos – como um dos principais protagonistas do

grupo criminoso, e maior beneficiário das escutas telefônicas clandestinas.

Basta lembrar que – as provas assim indicam – foi ele

o responsável por interceptar ilegalmente a sua ex-amante Tatiana Sangalli,

o jornalista Muvuca, a sua ex-secretária Carolina e, provavelmente, os

advogados José do Patrocínio e José Antônio Rosa, além da Deputada

Janaína Riva, dentre outros.

As provas coligidas até este instante das investigações

mostram que Paulo Taques foi quem mais se serviu do falseado Núcleo de

Inteligência, cujo contexto o coloca como um dos prováveis líderes da

organização criminosa.

Não estamos simplesmente repetindo os argumentos

expendidos na decisão anterior que se lhe decretou a custódia preventiva.

A invocação tem por finalidade chamar a atenção para

a importância dele para a provável organização criminosa, a ponto de o

“grupo” reconhecer a imprescindibilidade de ele “continuar solto”.

Todas as circunstâncias apontam no sentido de que as

situações que fragilizavam o coagido, Ten.-Cel. Soares, foram mesmo

passadas por Paulo Taques, cujos segredos – da sabença de ninguém –,

32

recebeu quando patrocinou-lhe a defesa de uma causa na justiça.

Aí encontram-se suas digitais. Do contrário, como o

grupo criminoso tomou conhecimento dos segredos?

Conhecendo-os, fácil foi subjugar o Ten.-Cel. Soares,

um homem cuja situação de dependência química – que busca superar – o

fragilizava e o colocava de joelhos.

Sabiam eles do seu estado emocional delicado,

franzino nas circunstâncias de quem lutava para se reerguer. A própria

abstinência de drogas já o debilitava emocionalmente.

Conhecendo seu calcanhar de Aquiles, tornou-se presa

fácil do grupo, tanto que acreditou na provável invencionice de a Secretaria

de Segurança Pública ter “posse de interceptações e vídeos que revelavam

sua dependência química”.

Totalmente dominado e constrangido, aquiesceu ao

diabólico plano que ele próprio revelou no seu depoimento, verbis:

“QUE então HELEN disse que CEL. LESCO estava

preso e que precisava resolver essa questão; QUE então

HELEN pediu para o depoente avisar todo o ocorrido que

acontecesse no curso do inquérito policial militar, bem como

que monitorasse todos os passos do DESEMBARGADOR

ORLANDO PERRI; QUE então o depoente, sentindo-se

coagido e receoso do vazamento dessas informações pessoais,

aceitou ajudar HELEN; QUE passados alguns dias desse

encontro com HELEN, o CEL. CATARINO o convidou para

participar de uma reunião com o DESOR ORLANDO PERRI;

QUE o depoente não tinha conhecimento dessa reunião

33

previamente; QUE o CEL. CATARINO o convidou e foram para

essa reunião; QUE então o depoente gravou em seu celular

toda a reunião; QUE estavam presentes nessa reunião, além do

depoente, o CEL. CATARINO, DESOR ORLANDO PERRI, A

DELEGADA ANA CRISTINA FELDNER e o assessor do

DESEMBARGADOR; QUE tratou-se de uma reunião de

trabalho, para o depoente ser apresentado para o

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE, então,

aproveitou a oportunidade para gravar a reunião em áudio,

atendendo as exigências que lhe foram feitas; QUE foram 2hs

de gravação em seu celular; QUE o segundo encontro com o

grupo se deu na casa da HELEN, e o CEL LESCO continuava

preso; QUE encontraram-se novamente no POSTO BOM

CLIMA, sendo que o depoente deixou seu veículo naquele local e

entrou no veículo de HELEN e dirigiram-se à sua residência;

QUE na residência de HELEN entregou via bluetooth todo o

conteúdo da reunião para o celular do advogado do CEL.

LESCO, Dr. MARCIANO; QUE nessa gravação havia a

informação de que o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI

manifestou que estava pensando em soltar o CEL. LESCO e

CEL. BARROS; QUE então HELEN agradecia ao depoente e o

incentivava dizendo: ‘isso aí! Assim vai dar tudo certo! O

LESCO vai ficar contente’; QUE neste contexto ficava entendido

que nada aconteceria contra o depoente; QUE as informações

que o desabonavam continuariam sendo guardadas”.

Extrai-se deste trecho a direta e incisiva participação

tanto de HELEN CHRISTY [esposa do Cel. PM Lesco], quanto do

advogado MARCIANO XAVIER NEVES, no grupo criminoso.

34

Contudo, por incrível que pareça, o estratagema

montado foi mais longe, pois, não satisfeitos com a escuta ambiental ilegal

captada pelo Ten.-Cel. Soares, o grupo queria mais, queria o

monitoramento audiovisual deste Relator:

“QUE então o CEL LESCO foi solto; QUE então

HELEN ligou para o depoente solicitando um encontro do

mesmo com o CEL. LESCO, dizendo ‘LESCO quer te ver’;

QUE o depoente dirigiu-se à residência deles, sendo adotado o

mesmo procedimento, de deixar o veículo do depoente no

POSTO BOM CLIMA e então ia no veículo da HELEN; QUE

nesse encontro LESCO agradeceu e voltaram a reafirmar sua

parceria; QUE LESCO perguntou sobre a prisão do CEL.

SIQUEIRA; QUE também LESCO solicitou que não houvesse

novos indiciamentos, que dizia que isso iria ‘fragilizar o

grupo’; QUE o depoente disse que o CEL. CATARINO havia

pedido para começar a fazer essa representação de prisão, tendo

LESCO dito que essa prisão não poderia ocorrer de forma

alguma; QUE dizia ‘faça o que tiver que ser feito, mas não

deixe acontecer’; QUE o depoente acredita que há nos autos

elementos para requerer a prisão do CEL. SIQUEIRA, porém

em razão dessa coação sofrida não concluiu essa representação

da prisão; QUE depois voltou a encontrar com o CEL LESCO

por mais umas 03 vezes, sendo utilizado o mesmo procedimento,

de deixar seu veículo em algum lugar e sempre sendo conduzido

por HELEN, esposa do CEL. LESCO; QUE HELEN sempre

participava das conversas e sabia de tudo, além de ajudar com

os recados e conduções; QUE então num dos encontros, com o

mesmo procedimento, porém não recorda a data, o CEL. LESCO

35

solicita que o depoente faça o monitoramento audiovisual do

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE diziam

claramente que queria que o depoente gravasse qualquer parte

de uma conversa, que pudesse comprometer o

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE dizia que o

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI estava atrapalhando

o grupo; QUE insistiam que queria desacreditar a pessoa do

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, que queria qualquer

tipo de expressão que eventualmente o DESEMBARGADOR

ORLANDO PERRI falasse; QUE a intenção era utilizar de

qualquer frase ou palavra para solicitarem a suspeição do

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE deixavam

claro que queria o afastamento do mesmo; QUE o depoente

acredita que essas reuniões que tiveram foram gravadas por

eles; QUE acredita que eles sejam capazes de utilizar trechos,

partes fragmentadas, dessas conversas para poderem utilizar em

seu favor; QUE então em uma das reuniões, na terceira ou

quarta, o SGTO SOLER aparece com um equipamento em

mãos; QUE o SGTO SOLER é investigado nos autos do

INQUÉRITO POLICIAL MILITAR; QUE então o depoente é

comunicado que aquele equipamento deve ser colocado em sua

farda, pois precisava de uma imagem do DESEMBARGADOR

ORLANDO PERRI; QUE reforça que esse encontro foi também

na casa do CEL. LESCO; QUE diziam que apenas o áudio

gravado pelo depoente não era suficiente; QUE então o SGTO

SOLER ensinou o depoente a manusear o equipamento; QUE

então combinaram do depoente levar suas duas fardas para que

o SGTO SOLER verificasse qual das duas seria melhor para

instalar o equipamento; QUE após esse encontro na casa do

36

CEL. LESCO, o depoente passou em sua residência e levou suas

duas fardas para o SGTO SOLER, encontrando-o no POSTO

GOLD, ao lado do MOTEL PLAZA; QUE o SGTO SOLER

estava em um veículo Corola e levou as fardas para sua

residência, para verificar e instalar o equipamento que capta

áudio e imagem; QUE depois de umas 48hs o CEL LESCO

manda mensagem via WhatsApp da HELEN dizendo que ‘o

peixe está pronto’; QUE esse foi o código para avisar que a

farda com o equipamento estava pronta; QUE isso ocorreu no

dia 12/09; QUE inclusive apresenta seu celular para exibição

dessas mensagens; QUE então o depoente manteve contato com

o SGTO SOLER pelo número informado e marcaram de

encontrar no estacionamento da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA,

no último nível, porque assim teriam a visão de tudo, pois tinham

receio de estarem sendo monitorados; QUE SGTO SOLER

chegou num carro UNO, azul, com películas nos vidros; QUE

então o depoente entrou no veículo dele, tendo então o SGTO

SOLER mostrado como foi feita a instalação do equipamento na

farda; QUE justificou que só foi possível instalar em uma das

fardas em razão da costura da outra e dos breves serem

metálicos; QUE ele ensinou como funciona, entregou também o

carregador; QUE foi informado que a bateria tem autonomia

para 3h ininterruptas de gravação e orientou a realizar como

fazer o carregamento; QUE ainda disse que caso o depoente

fosse pego que não era para delatá-lo; QUE nesse dia o SGTO

SOLER contou que seria transferido da CASA MILITAR para o

BOPE, pois queria ficar ‘esquecido’; QUE esse encontro

ocorreu por volta de 19h; QUE após essa entrega não houve

nenhum encontro com o DESEMBARGADOR ORLANDO

37

PERRI, por isso não foi possível utilizá-lo”.

Surge, aqui, mais uma figura importante no seio da

organização criminosa, no caso, o 2º Sgt. PM João Ricardo Soler.

O 2º Sgt. PM Soler, como bem salientou o Ten.-Cel.

Soares em seu depoimento, figura como investigado nos autos do

Inquérito Policial Militar, pois, em razão do seu conhecimento na área de

inteligência, ele teve acesso ao Sistema Sentinela, nele atuando nas escutas

telefônicas ilegais.

Porém, a despeito da representação apresentada pelo

Encarregado do IPM, Cel. PM Jorge Catarino Morais Ribeiro, não houve a

decretação da prisão preventiva do 2º Sgt. Soler nos autos do IPM, porque

não visualizei presentes, naquele momento, indícios suficientes de autoria,

na prática dos crimes militares. Sua situação se identificava com a do Cb.

PM Euclides Luiz Torezan.

No entanto, agora, após a inquirição do Ten.-Cel. José

Henrique Costa Soares ficou evidenciado, às escâncaras, seu

envolvimento com o grupo criminoso, e, consoante destaquei naquela

ocasião, aquela conclusão poderia ser modificada se, no curso das

investigações, adviessem novos fatos a evidenciar sua participação direta e

incisiva no propalado esquema criminoso, o que, de fato, ocorreu.

A participação do 2º Sgt. Soler mostra a

hierarquização da provável organização criminosa. Como sói acontecer nas

empresas, figurava ele como operador do grupo, dado sua expertise em

espionagem, angariada nos longos anos que serviu no GAECO.

Nos autos do Inquérito Policial Militar há provas

exuberantes – e inconteste de dúvidas –, de que o Sgt. Soler participou

38

ativamente das escutas telefônicas clandestinas, sendo ele um dos

integrantes do falso Núcleo de Inteligência da Polícia Militar.

Agora, sua atuação se confirmou na tropelia de instalar

– a mando do grupo – na gandola do Ten.-Cel. Soares, o equipamento de

gravação audiovisual, que captaria minhas imagens e falas – se preciso

editadas –, que tanto necessitavam para assestar a bateria de escândalos

contra este Relator.

Tamanha felonia, fosse em tempos de guerra, a pena

seria o paredão.

Além dos envolvidos já descobertos, surge outro

participante importante do grupo criminoso, até então desconhecido nos

autos, o Maj. PM Ferronato:

“QUE ainda no último dia que esteve na casa do CEL.

LESCO, quando entregou sua farda para instalação do

equipamento, o CEL. LESCO disse expressamente que ‘o

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria

determinar que alguém o procurasse', e que era para o

depoente ser bastante solícito e atender as orientações que

fossem recebidas; QUE nesta oportunidade CEL. LESCO disse

que o plano seria que o depoente deveria seguir todas as

orientações passadas pela pessoa enviada pelo SECRETÁRIO

DE SEGURANÇA PÚBLICA; QUE haviam decidido que o

plano seria o seguinte: ‘que o depoente iria se apresentar

como se insurgindo contra a atuação do

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, dizendo que o

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI estava fazendo

ingerências na investigação e que não estaria sendo

39

imparcial, e que então, o depoente não estaria concordando

com isso e iria denunciar’; QUE então o CEL. LESCO disse

que essa pessoa encaminhada pelo SECRETÁRIO DE

SEGURANÇA PÚBLICA iria passar todas as informações para

que esse plano fosse executado; QUE no dia que o depoente

recebeu a farda do SGTO SOLER, 12/09, foi jantar na

PEIXARIA LELIS; QUE tem por hábito frequentar aquele

restaurante; QUE naquela noite viu algumas pessoas da

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA naquele mesmo

restaurante; QUE o depoente estava sozinho na mesa, quando o

MAJOR FERRONATO se dirigiu até sua mesa e disse para o

depoente que no dia seguinte, de manhã, iria fazer uma

caminhada no Parque Mãe Bonifácia e que era para o depoente

o encontrar lá; QUE naquele instante o depoente deduziu que o

MAJOR FERRONATO seria a pessoa enviada pelo

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA, uma vez que não

tem intimidade com o mesmo para ter sido ‘convidado’ para

caminhar juntos; QUE então na manhã do dia seguinte, o

depoente encontrou na praça central do Parque Mãe Bonifácia

com o Maj. FERRONATO; QUE o MAJOR FERRONATO

iniciou a abordagem com o depoente questionando o mesmo a

respeito de como estaria sua promoção para o cargo de

coronel; QUE dizia o quanto era injusta a situação de que às

vezes o policial militar recebia boa pontuação, mas não era

promovido, uma vez que no final quem decide é o

GOVERNADOR; QUE então o Major Ferronato começou a

questioná-lo mais contundente sobre o andamento das

investigações; QUE dizia que sabia da gravação feita pelo

depoente e que o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA

40

iria precisar utilizar dessa gravação; Que o depoente percebeu

que inicialmente foi cooptado para agir em favor dos militares,

porém houve um avanço nas investigações e nessa semana o

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA ficou exposto, em

razão da denúncia feita na imprensa da irregularidade do

SECRETÁRIO no curso CSP e do avanço nas investigações

conduzidas pela Delegada ANA CRISTINA FELDNER; QUE

o depoente acredita que passou a ser útil para ajudar também o

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA; QUE inclusive o

Major FERRONATO voltou a dizer que essa gravação seria

importante para afastar o DESEMBARGADOR ORLANDO

PERRI; QUE o MAJOR FERRONATO questionou também

sobre a prisão do CEL. SIQUEIRA, bem como se havia indícios

de ser feita a delação por parte do CEL. ZAQUEU; QUE

depois, no mesmo dia, o MAJOR FERRONATO ligou para o

depoente e marcou outra caminhada, no mesmo local, no dia

seguinte; QUE nesse segundo encontro o MAJOR

FERRONATO ofereceu a promoção de CORONEL para o

depoente, em razão dos serviços que estaria prestando para o

grupo; QUE esse oferecimento foi explícito, perguntando

inclusive ao depoente, qual seria a garantia que o depoente

queria; QUE o depoente afirma com veemência que ficou

caracterizado dois momentos de cooptação do depoente; QUE

no primeiro momento foi abordado mediante coação cabendo

ao depoente proteger os policiais militares; QUE, em troca, a

sua situação de dependente químico e eventuais crimes

militares permaneceriam em segredo (em razão de ter mantido

uma sociedade empresarial), sem comprometimento de sua

carreira profissional; QUE num segundo momento, percebendo

41

a utilidade do depoente, o procuraram para ajudar o

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA, oferecendo neste

momento a sua promoção ao cargo de CORONEL DA

POLÍCIA MILITAR; QUE então nesse segundo encontro com

o MAJ. FERRONATO foi questionado especificamente sobre o

que ele sabia a respeito das investigações conduzidas pela

POLÍCIA CIVIL em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS

JARBAS; QUE o MJ FERRONATO disse que a situação em

desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS estaria indo

longe demais; QUE o MJ FERRONATO perguntou se o

depoente tinha conhecimento se alguma medida estava sendo

feita em desfavor do SECRETÁRIO e orientou o depoente

perguntar diretamente a delegada ANA CRISTINA FELDNER

essa informação; QUE o depoente respondeu que acreditava que

teria uma medida vindo por parte da Delegada, em razão da sua

postura profissional, de ser séria, porém não tinha conhecimento

de qual medida seria; QUE o MJ FERRONATO disse que

precisaria resolver tudo nessa próxima semana; QUE informou

que deveriam prosseguir com o plano de gravar qualquer frase

do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI para afastá-lo das

investigações; QUE inclusive o depoente teria a missão de

provocar o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI a falar

qualquer coisa, caso o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI

se mantivesse calado; QUE então o MAJ. FERRONATO informa

que na segunda-feira próxima, dia 18/09, deveria haver nova

reunião entre o depoente, MAJ. FERRONATO e UM

PROMOTOR DE JUSTIÇA; QUE então foi explicado que seria

designado um promotor de justiça para ajudar na blindagem do

grupo; QUE o MAJ. FERRONATO então disse que esse

42

Promotor de Justiça iria receber a ‘denúncia’ do depoente e

instrui-lo de como deveria falar, como falar, o que falar e de

quem falar; QUE assim, o promotor de justiça é quem iria

instruir o depoente quanto a denúncia contra o

DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI no sentido: que o

depoente iria se apresentar como denunciante, se insurgindo

contra a inventada interferência do DESEMBARGADOR

ORLANDO PERRI para afastá-lo das investigações; QUE o

MAJ. FERRONATO disse que referido promotor de justiça teria

uma conduta proativa, pois iria instruir o depoente sobre como

proceder; QUE o MAJ. FERRONATO dizia que seria

designado um ‘promotor de justiça de confiança do grupo’;

QUE ficou claro que a escolha desse promotor de justiça seria

para ajudar no plano, pois não foi dito para procurar o

Ministério Público e sim, que era para aguardar o nome de um

Promotor de Justiça específico; QUE inicialmente eles queriam

a captação da imagem do DESEMBARGADOR ORLANDO

PERRI com outras falas, mesmo sendo provocadas; QUE no

entanto, como as investigações em desfavor do SECRETARIO

DE SEGURANÇA PÚBLICA haviam avançado, eles teriam que

agir ainda nessa semana, apresentando a gravação clandestina

realizada pelo depoente com imagens que fossem obtidas no

decorrer da semana”.

Temos aqui, portanto, uma segunda situação.

Na primeira, o Ten.-Cel. Soares foi aliciado pelo

grupo criminoso para favorecer os militares, em especial, o Cel. PM

Airton Benedito de Siqueira Júnior, cuja prisão, conforme palavras do

Cel. PM Lesco, não poderia ocorrer de forma alguma, e que era para

43

fazer o que tivesse que ser feito para impedi-la, pois, com ela, o grupo

ficaria enfraquecido. Em troca, sua condição de dependente químico e a

prática de crimes supostamente praticados, permaneceriam em segredo.

No segundo momento, a intenção do grupo foi,

deliberadamente, blindar o Secretário de Estado de Segurança Pública de

Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, pois, com o avançar das

investigações no inquérito policial contra ele instaurado, haveria o risco de

ele sofrer alguma medida judicial, e que deveria “resolver tudo na

próxima semana”, ou seja, teria que entregar a captação de minha

imagem, no intuito de suscitar minha suspeição, prometendo, em

contrapartida, sua promoção ao cargo de Coronel da Polícia Militar.

Provavelmente, tomou ele conhecimento de que a

Delegada condutora do Inquérito, Ana Cristina Feldner, havia

representado pelo afastamento dele do cargo de Secretário de Segurança

Pública e das funções de Delegado.

Daí a pressa em se “resolver tudo na próxima

semana”. Depois, segundo dissera o Major Ferronato, “a situação em

desfavor do Secretário Rogers Jarbas estava indo longe demais”.

A intenção era excepcionar o relator antes que os autos

lhe fossem conclusos para decisão sobre a representação da Delegada, já

em andamento.

Era preciso apertar o passo.

Havia mesmo o risco iminente de o Secretário de

Segurança Pública sofrer medidas cautelares, como de fato veio a suceder.

A preocupação do Maj. PM Ferronato era com a

situação do Secretário Rogers Elizandro Jarbas, a quem representava na

44

corrupção do Ten.-Cel. Soares.

O grupo de militares e o Secretário de Segurança

Pública tinham um ponto de interesse comum: expulsar-me das

investigações, desonrosamente, diga-se de passagem, porque – aforante a

pecha de corrupção – nada mais ofensivo ao juiz do que libelá-lo de

parcial.

O conluio entre eles parece insofismável, do contrário,

como o Maj. PM Ferronato tomou conhecimento da gravação já em poder

do grupo? Como sabia ele da bernardice que estavam por realizar por meio

do aparelho espião?

As gravações, disse o Maj. PM Ferronato, “seria

importante para afastar o Desembargador ORLANDO PERRI”.

Dirão que é mentira, pura invencionice do Ten.-Cel.

Soares.

De qualquer forma, o instrumento espião, colocado no

fardamento do Ten.-Cel. Soares [e apreendido pela autoridade policial],

prova a intenção criminosa.

Porém, o mais aterrorizante na declaração prestada pela

da testemunha, Ten.-Cel. PM José Henrique Costa Soares, é a afirmação

de que um PROMOTOR DE JUSTIÇA foi designado para “ajudar na

blindagem do grupo”, que seria, inclusive, “de confiança do grupo”.

Realmente, segundo afirmações da provável

organização criminosa, os tentáculos dela alcançaram um grupo do

Ministério Público, que tinha o interesse de também afastar-me das

investigações.

A afirmação avulta em importância na medida em que

45

ela proveio da língua do Cel. Lesco, gravada em áudio pelo bagaxa que

julgavam estar a tratar, segundo se depreende de excerto da degravação

feita pelos investigadores de polícia:

“Ten.-Cel. Soares: Hein Lesco? É ainda bem que tem

o Ministério Público do nosso lado, por que, porra, se não

tivesse, tava fodido né [risadas].

Cel. Lesco: ... coisa grande.

Ten.-Cel. Soares: Aí tava pior ainda né.

Cel. Lesco: [nome do promotor] enfrentou só que é um

contra trinta é foda né, ele falando sozinho.

Ten.-Cel. Soares: É uma desleal

Cel. Lesco: Desleal, desleal...

Ten.-Cel. Soares: É uma briga desleal.

Cel. Lesco: E é bom que o [nome de procurador de

justiça] já comprou a briga de novo né.

Ten.-Cel. Soares: Ham, ham.

[...]

Ten.-Cel. Soares: Hum, deixa eu te falar, dessa época

aí meu irmão eu bati de frente com o Ministério Público. Assim,

eu falei: “cadê oh”, fala que houve enriquecimento ilícito, tudo

bem, mas cadê?

Cel. Lesco: Agora não, agora o Ministério Público é

nosso aliado”.

46

Assim, é um próprio integrante da provável

organização criminosa quem anunciou a adesão de membros do

Ministério Público na sesquipedal deslealdade contra um integrante do

Tribunal do Justiça, voltada a descartar-me da frente das investigações

envolvendo as escutas telefônicas clandestinas no Estado de Mato Grosso.

E não seria qualquer membro do Ministério Público, a

quem pudesse apresentar a febricitante e façanhosa assacadilha. Tratava-se,

segundo o confessante, de um membro que representava um grupo do

Ministério Público interessado no meu afastamento dos processos.

A denúncia é muito grave.

Em sua primeira declaração à autoridade policial,

embora não registrado no depoimento escrito, as gravações de trechos dela

mostram as falas do Ten.-Cel. Soares, que merecem reprodução:

“Não passaram o nome [do Promotor de Justiça], mas

falaram que seria alguém do Ministério Público. Segundo eles, a

conversa que tive com ele, haveria um grupo do Ministério

Público ligado aos interesses deles. Um grupo. E aí a gente

deduz quem seja. Por dedução a gente sabe quem possa ser.

Então, por isso, haveria a necessidade de indicação de qual

promotor deveria procurar.

[...]

Nessa última conversa ele fala que no próximo

encontro – que seria na semana que vem, né –, haveria a

indicação do membro do Ministério Público que eu deveria

contatar para fazer a denúncia, formalizar a denúncia, passar

esses fatos – diga-se de passagem, que não condizem com a

47

realidade, totalmente distorcidos –, e que eu apresentasse

também o áudio, a gravação que eu fiz de duas horas. Eu

assumiria essa postura”.

Noutros lances têm-se os seguintes diálogos entre a

autoridade policial e a testemunha:

“Delegada: Aí, esse segundo encontro, né? Como que

entra a parte do promotor de justiça?

Testemunha: O promotor de justiça, ele fala que na

segunda-feira, nessa semana, depois de amanhã, ele ia ligar

para mim, para marcarmos nova caminhada, no mesmo lugar,

que ele ia passar novas instruções, com a indicação do promotor

que eu deveria procurar.

Delegada: Vai ser dia 18, né? Segunda-feira?

Delegado: Segunda-feira.

Testemunha: Devia procurar, que esse promotor ia

me passar, me orientar no depoimento, o que eu deveria falar,

como eu deveria falar, de quem eu deveria falar.

[...]

Delegada: Major Ferronato que falou que havia um

grupo dentro dos promotores de justiça e eles iriam designar,

como que foi, como seria essa designação?

Testemunha: Não, ele falou que iria indicar na

segunda-feira, ia passar o nome do promotor, não do grupo, do

promotor que iria formalizar a denúncia e orientar no

conteúdo.

48

Delegada: E aí, ia ajudar na blindagem do grupo?

Testemunha: Sim, sim. E que deveria ir em mãos já

com o celular para fazer exibição para o promotor, com a

gravação.

Delegado: Essa nova gravação, que essa outra que o

senhor já fez será que ainda está com o promotor?

Testemunha: Não sei falar para o senhor, porque eu

entreguei para eles, então, pode ser que esteja.

Delegada: Acho que eles não tem como fazer a

exibição, né?

Testemunha: É, direta, exatamente, precisava de

alguém para fazer.

Delegada: Não tem como formalizar.

Testemunha: Olha, com certeza, com certeza, senão

eles não falariam isso. Eles poderiam fazer, vai no ministério

Público e denuncia.

Delegado: Procura qualquer um.

Testemunha: É, eles falaram, vamos indicar na

segunda-feira o promotor que você vai procurar, não é todo,

não é qualquer promotor que você vai procurar, o promotor da

nossa confiança, como se existe o promotor da confiança dele,

vai existir outros promotores, né? Então?

Delegado: E vai estar aguardando certo, né?

Testemunha: Aguardando para receber”.

49

A participação do membro do Ministério Público foi

ratificada pela testemunha Ten.-Cel. Soares durante depoimento prestado

pelo sistema de gravação audiovisual, em 18/9/2017, onde afirma ter

gravado o diálogo mantido com o Cel. PM Lesco:

“Testemunha: Estava no banheiro, acionei o gravador

do celular, e voltei já falando da novidade que tinha acontecido,

que informação muito aguardada, que o grupo sempre esperava.

Todos sempre esperavam isso.

Delegado: Para conversar...

Testemunha: Pra conversar, reunião...

Delegado: Conversar com o desembargador?

Testemunha: E a utilização do equipamento. Então,

momento no qual quando eu saio eu falo isso, tá na gravação

que tá contido no arquivo no celular, na memória do celular, que

fiz a exibição.

Nesse momento, ele fala não é, eu falo que há

novidade, a grande novidade, que é a reunião que foi marcada

para segunda-feira, hoje à tarde, com o desembargador Orlando

Perri.

Delegado: E a reação dele?

Testemunha: A reação foi de euforia, bom. Em

seguida, eu menciono, ainda bem que o Ministério Público tá do

nosso lado, né? Seria difícil sem ele. E ele [Cel. PM Lesco] fala,

comenta do, que o é doutor Promotor [...] estava do lado, estava

participando, estava colaborando com o grupo.

50

Delegado: E ele chega também a dizer o nome de

outros promotores, ou fica só no [...]?

Testemunha: Ele fica só no [...], ele não menciona

outro nome. Ele menciona o nome do também promotor [...], fala

que esse promotor tá na ação de improbidade administrativa, e

que eles temem enormemente, há um temor.

Delegado: Quanto ao [...] não é do grupo?

Testemunha: Não é do grupo, mas há a intenção de se

adotar procedimentos de aliciamento do mesmo, para que o

melhor resultado aconteça depois disso tudo”.

O grupo criminoso é tão bem estruturado e articulado,

que iriam se valer até mesmo da imprensa para colocar seu plano em

prática, conforme asseverado pelo Ten.-Cel. Soares:

“QUE, também foi revelado ao depoente que um

repórter iria procurá-lo para produzir uma matéria sobre a

suspeição do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, para

desmoralizá-lo para a opinião pública”.

Vejam bem!

O repórter não procuraria o Ten.-Cel. Soares para

simplesmente publicar a reportagem, mas, sim, para PRODUZIR A

MATÉRIA, demonstrando, com isso, tratar de grupo com ramificações,

inclusive, na imprensa.

Podemos mencionar, ainda, a presença de outras duas

importantes figuras na provável organização criminosa, e que foram

mencionados pelo Ten.-Cel. Soares no seu depoimento.

51

A primeira delas diz respeito a José Marilson da

Silva, ex-sócio-proprietário da Empresa SIMPLES IP.

José Marilson, apenas a título de informação, foi o

responsável pelo desenvolvimento do Sistema Sentinela, ao que tudo

indica, adquirido pelo Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, e

utilizado pelo postiço Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, para prática

de interceptações telefônicas clandestinas.

Porém, ao que consta dos autos, máxime pelo

depoimento prestado pelo então Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares, a

participação de José Marilson da Silva não se restringiu apenas a

desenvolver e a comercializar o Sistema Sentinela com a organização

criminosa, e, sim, em princípio, ele integrava o próprio grupo.

Seu papel não era meramente secundário, de

coadjuvante, até mesmo porque o Cel. PM Lesco disse ao Ten.-Cel.

Soares que “o equipamento WYTRON estaria guardado com o

MARILSON, ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP”.

Além disso, há documento que comprova que o rack

do Sistema Sentinela – cujo paradeiro, até o presente momento, é

desconhecido – foi retirado da empresa Titânia justamente por José

Marilson da Silva, havendo fortes indícios de que a parafernália esteja sob

sua responsabilidade.

Não bastassem tais fatos, a autoridade policial relatou

que há indícios de que José Marilson da Silva tem frequentado a

Secretaria de Estado de Segurança Pública, o que corrobora sua provável

ligação com o grupo criminoso.

Por fim, temos a participação da advogada Samira

52

Martins.

Na primeira inquirição do Ten.-Cel. Soares, a

participação de Samira Martins não ficou evidenciada de modo iniludível,

porquanto ela somente abordou o Escrivão do IPM com os seguintes

dizeres: “você é amigo do LESCO, né? A gente sabe o que você fez”.

Apesar de o Ten.-Cel. PM Soares ter afirmado que

“ela estava falando que sabia de tudo, de sua dependência química, da

situação o envolvendo na empresa e até da gravação”, isto é, “parecendo

estar querendo dizer ao depoente que era do mesmo ‘grupo’, que ele

poderia confiar nela”, não há elemento suficiente, até este instante, a

demonstrar seu envolvimento com a organização, não a ponto de se tomar

contra ela medidas cautelares drásticas, como prisão, por exemplo.

Com o avançar das investigações, constatou-se que

Samira Martins, ao que parece, possui estreita – para não se dizer

estreitíssima – ligação com Helen Christy Carvalho Dias Lesco [esposa

do Cel. PM Lesco e também investigada no presente inquérito policial],

tanto que a acompanhou até à residência do Ten.-Cel. Soares no domingo

à noite [17/9/2017], chegando a emprestar seu aparelho celular para que

Helen pudesse conversar com o Escrivão do IPM.

Segundo asseverado pelo Ten.-Cel. Soares, em seu

segundo depoimento, a investigada Helen, sob o pretexto de saber se havia

esquecido o celular no seu carro, dirigiu-se até à residência dele. Antes,

porém, a advogada Samira, do celular dela, ligou ao depoente, conforme

depreende deste trecho da sua narrativa:

“Testemunha: Saindo de lá passei, fui pegar alguma

coisa para comer, porque eu não comi muito bem, até fiquei com

receio. Então eu não comi muito bem, então eu passei no

53

Japidinho e peguei, fiz um prato e fui comer em casa. Por volta

das, senão me engano, se não me falha a memória, tá tudo no

celular, porque tem todas as ligações que eu recebo, tem todas

as mensagens que eu recebo, inclusive que eu recebi também,

mostrei, tudo mais, ela [Helen] fala que o celular dela ficou no

meu carro. Não é ela que me liga. Quem me liga é a doutora

Samira. Ela manda mensagem, e liga via WhatsApp, se não me

engano, tá tudo no celular.

Ela fala que o celular da Helen provavelmente estava

no meu carro. Eu falei, meu carro tá aqui, vou dar uma olhada e

retorno.

Delegada: Mas seria possível o celular dela ter ficado

lá? Ela entrou no seu carro?

Testemunha: Não, porque ela não entrou no meu

carro, eu entrei no carro dela. Segundo depois, lá em casa já ela

fala que provavelmente ficou na, eu estava portando uma bolsa

térmica, eu levei minha bebida, uma cerveja né.

Então, neste momento, voltando um pouco no diálogo

com a doutora Samira, ela pergunta, isso já deduzi que ela

estivesse já com a Helen, porque a Helen também manda um

áudio pelo WhatsApp da Doutora Samira, falando de que não

conseguiu encontrar minha casa, que me ajudasse, que

ajudasse Helen a encontrar minha casa, porque ela queria ver

se o celular dela havia ficado no meu carro. Eu prontamente

franqueei a entrada da Helen em casa.

Delegado: A doutora Samira entrou também?

54

Testemunha: Não, a doutora Samira permaneceu no

carro”.

A despeito do “apoio” prestado pela advogada Samira

Martins à sua amiga Helen, e em que pese ela ter conhecimento da

situação do Ten.-Cel. Soares, estas circunstâncias, por si sós, não

demonstram, efetivamente, sua concreta ligação com a organização

criminosa que se formou.

Obviamente que, com o decorrer das investigações,

surgindo novos fatos, esta conclusão poderá ser modificada.

Porém, pelo menos por ora, não vejo elementos hábeis

a confirmar o envolvimento de Samira Martins com a organização

criminosa, salvo, repito, sua amizade íntima com a investigada Helen.

De outro giro, sobejam provas e indícios da autoria

e/ou participação dos demais envolvidos no enredo criminoso,

especialmente a do atual Secretário de Estado de Segurança Pública de

Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, do Secretário de Estado de

Justiça e Direitos Humanos, Cel. PM Airton Benedito de Siqueira

Júnior, do ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, Paulo Cesar Zamar

Taques, do ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, Cel. PM Evandro

Alexandro Ferraz Lesco, de sua esposa Helen Christy Carvalho Dias

Lesco, do advogado Marciano Xavier das Neves, do 2º Sgt. PM João

Ricardo Soler, do Major Michel Ferronato, e do empresário José

Marilson da Silva.

Resta ainda confirmar possível participação de

membro[s] do Ministério Público, que, por certo, será apurado pelo próprio

órgão, conforme dispõe nossa Lei de regência, segundo a qual “quando no

curso da investigação, houver indício da prática de infração penal por

55

parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou

militar, remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os

respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar

prosseguimento à apuração” [Lei n. 8625/93, art. 41, parágrafo único, e

Lei Complementar Estadual n. 27/1993, art. 76, parágrafo único].

Importante destacar que, em termos de medidas

cautelares, não se exige prova segura e inconteste de dúvidas quanto à

autoria do[s] delito[s], contentando-se a lei com simples indícios, não da

ordem daqueles referidos no artigo 239 do CPP.

Sobre o tema, ninguém tratou melhor a questão do que

Odone Sanguiné, que colocou no mercado uma das melhores obras sobre

prisão cautelar, ad verbum:

“A expressão ‘indício suficiente de autoria’ contida no

art. 312 do CPP possui significado técnico diverso do conceito

de ‘indícios’ pertencente à concepção clássica da prova, como

prova indiciária lógica ou indireta contida no art. 239 do CPP

(que indica o procedimento lógico mediante o qual de um fato

conhecido se deduz a existência de um fato a provar mediante a

aplicação de máximas de experiência ou leis científicas), não

exigindo a univocidade e a convergência, ou seja, a pluralidade

dos dados indiciários, mas somente a gravidade de qualquer

fonte de prova que possua um significado de ‘culpabilidade

provável’. A nota comum aos dois conceitos de indícios é a

imperfeição, embora de natureza diversa. Enquanto os indícios

como prova indireta podem desempenhar as funções somente se

‘completados’ mediante uma operação lógica consistente em

combinar os dados indiciários com outros dados da mesma

espécie, o ‘indício’ cogitado para formar o fumus commissi

56

delicti é ‘incompleto’ em uma sentido diverso: não pode ser

considerado prova porque formado de maneira unilateral, sem

observar a oralidade, faltando uma operação jurídica de

formação da prova no contraditório. Trata-se, portanto, de

incompletude somente na perspectiva do juízo de culpabilidade.

A expressão ‘indício suficiente de autoria’ significa um

elemento cognoscitivo de natureza lógica adquirido durante a

investigação no sentido de prova incompleta ou semiplena da

autoria, prova leve com menor valor persuasivo, ainda em

evolução à espera de receber uma confirmação plena por meio

do contraditório e suscetíveis de acrescentar-se e modificar-se

com a aportação de posteriores informações que estimulam a

contínua verificação da capacidade acusatória de resistir à

hipóteses alternativas. A expressão significa, assim, um quantum

(ou standard) de prova que serve para legitimar a medida

cautelar. Com base nele, o juiz deve formular um juízo

prognóstico delibatório funcional concernente não à certeza,

nem à mera possibilidade, mas à probabilidade (elevado grau de

credibilidade) da autoria ou participação criminal e

razoabilidade de culpabilidade e consequente condenação.

Destarte, o legislador utiliza a expressão ‘indício

suficiente de autoria’ aos efeitos de decretar a prisão preventiva

com relação a elementos cognoscitivos de natureza diversa, de

per si idôneos a concretizar somente uma situação de fumus

commissi delicti, mas não dotados de eficácia probatória plena,

tendo em conta também a fase do procedimento em que são

valorados e, todavia, potencialmente suscetíveis de desenvolver-

se em verdadeira e própria prova. Assim, ‘indício’ significa aqui

57

uma probatio minor incompleta ou provisória, pois obtida

durante a fase de investigação preliminar, indicando um

prognóstico ou grau de probabilidade suficiente para considerar

subsistente o fumus commissi delicti, mas inidôneo para

justificar uma plena afirmação de responsabilidade, seja pela

‘qualidade inferior’ àquela que é necessária para uma sentença

condenatória sobre a culpabilidade do imputado, seja em

relação ao ‘momento cronológico’ no qual se aplicam as

medidas cautelares pessoais. Em suma, trata-se de manter

separado no plano lógico dois estados epistemológicos: juízo de

certeza necessário para condenar e juízo de probabilidade de

culpabilidade como suporte das medidas cautelares pessoais.

O indício como pressuposto para a aplicação da

prisão provisória altera a própria função, porque serve como um

instrumento cognitivo de eficácia provisória, dirigido a

satisfazer exigências conexas ao desenvolvimento do processo

penal, e não à fixação do fato objeto do mesmo, de maneira que

não se pode aprioristicamente saber se, no âmbito do processo

cautelar, a sua utilização será para a verificação da res iudicata.

Não há necessidade de pluralidade de indícios. Basta

um único indício ou elemento probatório de gravidade

suficiente para legitimar a decretação da prisão cautelar. Não

obstante, a suficiência ou gravidade do indício exige uma

valoração global de todos os elementos coligidos, de modo que é

inadmissível uma valoração fracionada e atomística da

pluralidade de elementos indiciários obtidos” [Prisão Cautelar,

Medidas Alternativas e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro:

Forense, 2014, p. 121/123].

58

Com base em tais razões, podemos afirmar, com

segurança, que estão presentes a prova da materialidade e indícios

suficientes de autoria em relação a vários tipos penais distintos, a saber:

corrupção ativa [art. 333, CP], com pena de dois a doze anos de reclusão e

multa; coação no curso do processo [art. 344, CP], que prevê a

reprimenda de um a quatro anos de reclusão e multa; integrar organização

criminosa [art. 2º, Lei n. 12.850/2012], com pena de três a oito anos de

reclusão; embaraçar investigação de infração penal que envolva

organização criminosa [art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/2013], com pena de

três a oito anos de reclusão; e do delito de prevaricação [art. 319, CP],

cuja pena é de três meses a um ano de detenção; e de denunciação

caluniosa, em sua modalidade tentada [art. 339, c.c. art. 14, inciso II,

ambos do CP], com reprimenda de dois a oito anos de reclusão.

Some-se a isso, a prática do delito de violação do

segredo profissional cometido, em tese, por Paulo César Zamar Taques,

cuja apuração está condicionada à representação [art. 154, CP],

configurando, assim, o pressuposto do fumus commissi delicti.

Apenas a título de informação, somente pelos crimes

acima mencionados, os representados podem sofrer reprimenda de trinta e

sete anos e quatro meses de reclusão e um ano de detenção.

Passo, agora, à análise do periculum libertatis.

A autoridade policial justificou a imprescindibilidade

da custódia cautelar para garantia da ordem pública e para conveniência

da instrução criminal.

DA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

A expressão ordem pública, tendo caráter aberto e

59

indeterminado, tem se prestado às mais diversas e disparatadas

interpretações.

A pouca compreensão do conteúdo jurídico do que seja

“ordem pública” tem levado juízes e tribunais a desnaturar a finalidade da

prisão, que não é outra senão “evitar a prática de infrações penais” [CPP,

art. 282, IV].

Sobre o tema, desponta, como doutrinador de primeira

ordem, Gustavo Henrique Badaró, que o abordou nestes termos:

“A prisão para garantia da ordem pública não tem a

finalidade de assegurar a ‘instrução criminal’ nem a ‘aplicação

da lei penal’, até mesmo porque tais escopos são expressamente

previstos no próprio caput do art. 312, ao lado da garantia da

ordem pública. Portanto, a única interpretação que, de maneira

menos imperfeita, poderia compartilhar o art. 282, caput, I, com

o caput do art. 312 é considerar que a prisão preventiva para

‘garantia da ordem pública’ representa um dos ‘casos

expressamente previstos’ em que a medida, por exemplo, a

prisão, é decretada para evitar a prática de infrações penais. Ou

seja, mesmo para aqueles que admitem a constitucionalidade da

prisão para garantia da ordem pública, sua aplicação tem que

ficar restrita aos casos em que se busca evitar a reiteração

criminosa” [Processo Penal, Ed. RT, 2015, p. 979/981].

Reputo, ainda, conveniente trazer à baila o pensamento

de outros doutrinadores, a respeito do conceito de ordem pública.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

60

“A garantia da ordem pública é a hipótese de

interceptação mais ampla e flexível na avaliação da necessidade

da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a

indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que,

como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for

grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e

traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam

conhecimento da sua realização um forte sentimento de

impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o

recolhimento do agente.

A garantia da ordem pública pode ser visualizada por

vários fatores dentre os quais: gravidade concreta da infração +

repercussão geral + periculosidade do agente. Um simples

estelionato, por exemplo, cometido por pessoa primária, sem

antecedentes, não justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um

latrocínio repercute negativamente no seio social, demonstrando

que as pessoas honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo,

pela perda da vida, diante de um agente interessado no seu

patrimônio, elementos geradores, por certo, de intranquilidade.

Nota-se, ainda, que a afetação da ordem pública

constitui importante ponto para a própria credibilidade do

Judiciário, como vêm decidindo os tribunais pátrios. Apura-se o

abalo à ordem pública também, mas não somente, pela

divulgação que o delito alcança nos meios de comunicação –

escrito ou falado. Não se trata de dar crédito único ao

sensacionalismo de certos órgãos da imprensa, interessados em

vender jornais, revistas, ou chamar audiência para seus

programas, mas não é menos correto afirmar que o juiz, como

61

outra pessoa qualquer, toma conhecimento dos fatos dia a dia

acompanhando as notícias veiculadas pelos órgãos de

comunicação. Por isso é preciso apenas bom senso para

distinguir quando há estardalhaço indevido sobre um

determinado crime, inexistindo abalo real à ordem pública, da

situação de divulgação real da intranquilidade da população,

após o cometimento de grave infração penal. Outro fator

responsável pela repercussão social que a prática de um crime

adquire é a periculosidade (probabilidade de tornar a cometer

delitos) demonstrada pelo indiciado ou réu e apurada pela

análise de seus antecedentes pela maneira de execução do crime.

Assim, é indiscutível que pode ser decretada a prisão preventiva

daquele que ostenta, por exemplo, péssimos antecedentes,

associando a isso a crueldade particular com que executou o

crime. Em suma, um delito grave – normalmente são todos os

que envolvem violência ou grave ameaça à pessoa – associado à

repercussão causada em sociedade, gerando intranquilidade,

além de se estar diante de uma pessoa reincidente ou com

péssimos antecedentes, provoca um quadro legitimador da

prisão preventiva. Mas não se pode pensar nessa medida

exclusivamente com união necessária do trinômio aventado. Por

vezes, pessoa primária, sem qualquer antecedente, pode ter sua

preventiva decretada porque cometeu delito muito grave,

chocando a opinião pública (ex.: planejar meticulosamente e

executar o assassinato dos pais). Logo, a despeito de não

apresentar periculosidade (nunca cometeu crime e, com grande

probabilidade, não tornará a praticar outras infrações penais),

gerou enorme sentimento de repulsa por ferir as regras éticas

mínimas de convivência, atentando contra os próprios genitores.

62

A não decretação da prisão pode representar malfadada

sensação de impunidade, incentivadora da violência e da prática

de crimes em geral, razão pela qual a medida cautelar pode

tornar-se indispensável. Outros dois elementos, que vêm sendo

considerados pela jurisprudência, atualmente, dizem respeito à

particular execução do crime (ex.: premeditados

meticulosamente, com percurso criminoso complexo; utilização

da extrema crueldade etc.) e o envolvimento com organização

criminosa. Portanto, cabe ao juiz verificar todos os pontos de

afetação da ordem pública, buscando encontrar, pelo menos, um

binômio para a sua decretação (ex.: gravidade concreta do

crime + péssimos antecedentes do réu; envolvimento com

organização criminosa + repercussão social; particular

execução do delito + gravidade concreta da infração penal

etc.)” [Manual de Processo Penal e Execução Penal, Forense,

2014, 11ª ed., fls. 553/555].

Outro não é o posicionamento de Paulo Rangel:

“Por ordem pública, devem-se entender a paz e a

tranquilidade social, que devem existir no seio da comunidade,

com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que

haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em

sociedade. Assim, se o indiciado ou acusado em liberdade

continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da

ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem

presentes os demais requisitos legais.

Ordem pública não é conceito vago. A vagueza, muitas

vezes, está na decisão e não no conceito de ordem pública.

Quando o juiz diz que 'decreta a prisão para a garantia da

63

ordem pública', a vagueza e a imprecisão não estão no conceito

de ordem pública, mas na decisão do magistrado que não

demonstra onde a ordem pública está ameaçada e agredida com

a liberdade do acusado. Não pode haver paz e ordem possíveis

em um Estado de Direito se o acusado, meliante contumaz,

continuar livre cometendo crimes e desafiando a paz a que todos

têm direito. Não há, em nosso sentir, inconstitucionalidade na

expressão 'ordem pública'. Em nenhum país civilizado o réu que

ameaça a ordem pública permanece solto. Muito pelo contrário.

O CPP português, por exemplo, autoriza a medida de coação se

houver 'fuga ou perigo de fuga; perigo, em razão da natureza e

das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de

perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de

continuação da actividade criminosa ' (art. 204)” [Direito

Processual Penal, Atlas, 2013, 21ª ed., fl. 796].

E, por fim, cito, ainda, doutrina de Heráclito Antônio

Mossim:

“Ordem pública é a paz, a tranquilidade no meio

social. Assim, a prisão preventiva deve ser decretada para

garantir a paz coletiva. São exemplos alusivos a essa hipótese

quando o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações

penais; se estiver fazendo apologia ao crime; reunindo-se em

quadrilha ou bando. Por outro lado, não caracteriza a situação

sublinhada quando estiver o indiciado ou réu ameaçado por

familiares da vítima, pela própria vítima, pela população. Assim,

ao invés de decretar a prisão preventiva do autor do fato

punível, é dever do Estado dar-lhe proteção. A garantia da

ordem pública, por não guardar nenhum interesse de ordem

64

processual, não deveria constituir-se em hipótese autorizadora

dessa medida cautelar. A função da coação nessa circunstância

somente atende ao interesse coletivo e jamais processual, uma

vez que em nada interferirá quanto à eficácia do resultado final

do processo penal de natureza condenatória. Doutrinando a

respeito da matéria enfocada, Jose Frederico Marques defende a

pertinência da prisão preventiva na seguinte construção mental:

'Desde que a permanência do réu, livre ou solto, possa dar

motivo a novos crimes, ou cause repercussão danosa e

prejudicial ao meio social, cabe ao juiz decretar a prisão

preventiva como garantia da ordem pública. Nessa hipótese a

prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar,

constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira

medida de segurança. A potesta coercendi do Estado atua, então,

para tutelar não mais o processo condenatório a que está

instrumentalmente conexa, e sim, como fala o texto do art. 312, a

própria ordem pública. No caso, o periculum in mora deriva dos

prováveis danos que a liberdade do réu possa causar – com a

dilação do desfecho do processo – dentro da vida social e em

relação aos bens jurídicos que o Direito Penal tutela'”

[Comentários ao Código de Processo Penal, Manole, 2005, fl.

626].

Em suma: a decretação da prisão preventiva, para

garantia da ordem pública, exige, precipuamente, a presença de elementos

concretos de que os investigados, em liberdade, voltarão a delinquir.

Colho da jurisprudência:

“[...] 2. O conceito jurídico de ordem pública não se

confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art.

65

144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem

jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo

personalizado com que se dá a concreta violação da integridade

das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da

saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e

drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como

descrição do delito nem da cominação de pena, porém como

pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa

necessidade de acautelar o meio social contra fatores de

perturbação que já se localizam na gravidade incomum da

execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata

desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na

perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que,

solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional

entre necessidade de preservação da ordem pública e

acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública

que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do

patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública),

mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do

meio social. 3. É certo que, para condenar penalmente alguém, o

órgão julgador tem de olhar para trás e ver em que medida os

fatos delituosos e suas coordenadas dão conta da culpabilidade

do acusado. Já no tocante à decretação da prisão preventiva, se

também é certo que o juiz valora esses mesmos fatos e vetores,

ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente.

Não propriamente da culpabilidade. Logo, o quantum da pena

está para a culpabilidade do agente assim como o decreto de

prisão preventiva está para a periculosidade, pois é tal

periculosidade que pode colocar em risco o meio social quanto à

66

possibilidade de reiteração delitiva (cuidando-se, claro, de

prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem

pública). 4. Na concreta situação dos autos, o fundamento da

garantia da ordem pública, tal como lançado, basta para

validamente sustentar a prisão processual do paciente. Prisão

que se lastreia no concreto risco de reiteração criminosa. Pelo

que não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem

pública se o caso em análise evidencia a necessidade de

acautelamento do meio social quanto àquele risco da reiteração

delitiva. Situação que atende à finalidade do art. 312 do CPP. 5.

Não há que se falar em inidoneidade do decreto de prisão, se

este embasa a custódia cautelar a partir do contexto empírico da

causa. Contexto revelador da incomum gravidade da conduta

protagonizada pelo paciente, caracterizada pela exacerbação de

meios. A evidenciar, portanto, periculosidade envolta em

atmosfera de concreta probabilidade de sua reiteração; até

mesmo pela consideração de que o paciente já foi condenado

definitivamente por outro crime de roubo. Precedentes: HCs

92.735, da relatoria do ministro Cezar Peluso; 96.977, da

relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; 96.579 e 98.143, da

relatoria da ministra Ellen Gracie; bem como 85.248, 98.928 e

94.838-AgR, da minha relatoria. 6. Em suma, sempre que a

maneira da perpetração do delito revelar de pronto a extrema

periculosidade do agente, abre-se ao decreto prisional a

possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus

operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública.

Precedentes: HCs 93.012 e 90.413, da relatoria dos ministros

Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, respectivamente. 7.

Ordem denegada. [STF, HC 104877, Relator(a): Min. AYRES

67

BRITTO, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe-116

DIVULG 16-06-2011 PUBLIC 17-06-2011 EMENT VOL-

02546-01 PP-00168].

No caso dos autos, dúvidas não há quanto à

imprescindibilidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública.

Não se pode menosprezar o poderio do grupo

criminoso formado, em sua grande maioria, por autoridades pertencentes à

alta cúpula do Governo do Estado de Mato Grosso, e responsável por

arregimentar policiais, advogado, membro ou membros do Ministério

Público Estadual, dentre outros participantes, diuturnamente desvendados

com o andamento das investigações, não sendo possível, neste momento,

conjeturar, com precisão, a extensão da ramificação ou das ramificações da

suposta organização criminosa.

Contudo, o que não se discute, é a desfaçatez, a

ousadia com a qual a provável organização criminosa vem agindo, que

chegou ao absurdo de aliciar servidor público, no caso, o Escrivão do

IPM, cooptando-o para obtenção de favores, informações e provas

indevidas, mediante coação e suborno.

E o pior de tudo isso.

A atitude do grupo criminoso de exigir dele a obtenção

de gravações, inclusive visual, com o propósito de suscitar minha

suspeição nos inquéritos policiais instaurados, assim como na ação penal

deflagrada, demonstra, indene de dúvidas, atrevimento e destemor,

indicativo da periculosidade dos seus integrantes.

Não podemos olvidar, ainda, que dois dos membros da

provável organização criminosa, a saber, Paulo Cesar Zamar Taques e

68

Cel. Evandro Alexandre Ferraz Lesco, já estiveram presos

provisoriamente em outros inquéritos policiais, e mesmo depois de

colocados em liberdade, continuaram, em tese, a praticar infrações

penais, demonstrando, com tais comportamentos, que possuem

personalidades distorcidas e voltadas a cometimento reiterados de delitos.

Vale destacar, ainda, que nem mesmo estando em

prisão domiciliar, o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco deixou,

ao que tudo indica, de praticar infrações penais em prol do grupo,

demonstrando, nitidamente, propensão à prática de atos criminosos.

A firme vigilância e severas restrições que se impôs a

ele – com a fixação de diversas medidas cautelares – não arrefeceu o ânimo

criminoso.

Como colega de turma do Ten.-Cel. Soares, não se

enrubesceu em colocá-lo como ponta de lança na façanha criminosa

arquitetada.

Quando ainda recolhido no cárcere da Polícia Militar,

usou sua esposa, Helen Christy Carvalho Dias Lesco, para

desencadeamento do plano infernal.

E teve ela papel relevantíssimo na construção da

perversa armadilha. Foi obreira do mal urdido.

No que tange ao investigado Paulo Cesar Zamar

Taques, sua participação na organização criminosa é ainda agravada

porque vem se valendo de segredos que lhe foram confiados em razão de

sua profissão, em benefício próprio, bem como em favor do grupo

criminoso formado, e do qual, tudo leva a crer, faça parte.

69

Este fato, aliás, foi muito bem retratado pelo Ten.-Cel.

José Henrique Costa Soares, em seu substancioso depoimento, que vale

repetir:

“QUE esclarece que no ano de 2015, o depoente teve

como Advogado o Dr. PAULO TAQUES em uma ação de

reconhecimento de sociedade de fato e dissolução sobre uma

empresa, ação essa que movia contra o seu irmão, IVAN COSTA

SOARES; QUE o depoente, na ocasião, confidenciou ao Dr.

PAULO TAQUES que era dependente químico, pois achava

que isso poderia prejudicá-lo na ação e até porque lhe implicar

em crime militar, o que lhe prejudicaria em sua carreira; QUE,

o depoente esclarece que administrava a empresa, o que é

proibido pelo Código Militar; QUE o depoente está contando

isso porque acredita que o próprio PAULO TAQUES pode ter

levado essa situação de sua dependência química e a

administração da empresa ao tal ‘grupo’, conforme acima dito e

revelado pela HELEN e o CEL. PM LESCO, mesmo porque o

depoente não conhece ninguém na polícia militar que sabia, ou

sabe, dessas situações, o que reforça sua suspeita”.

Embora não haja prova direta de que foi Paulo Taques

quem repassou ao grupo segredos recebidos na sua profissão de advogado,

é alta a probabilidade de eles terem sido por ele revelados.

Já o disse aliunde.

Nesse ponto, a testemunha é enfática em asseverar que

ninguém, especialmente na Polícia Militar [e na Secretaria de Segurança

Pública, por óbvio], sabia de seus pecados morais e profissionais.

70

Em termos de prisão preventiva, o juiz não trabalha

com certezas, mas com probabilidades, que é mais do que a mera

possibilidade e menos que a certeza, esta exigida apenas para juízo

condenatório.

E há mesmo, repito, grandes probabilidades de que as

transgressões do Ten.-Cel. Soares, os seus erros e faltas, foram desvelados

pelo correr do reposteiro que guarda segredos profissionais.

Fossem eles do conhecimento da Segurança Pública –

e assim reconhece a testemunha – já teria sido, há tempos, punido

exemplarmente, uma vez que não se trata de pecados tolerados em certas

profissões.

Mais interessante foi o uso dos segredos tão logo foi

nomeado Escrivão do IPM.

Não pode haver coincidência nesse caso. Aliás, nem

tudo pode ser levado e considerado em nível de coincidência.

Assim, se afigura forte a probabilidade do investigado

Paulo Taques haver repassado ao grupo os segredos recolhidos no tribunal

de penitência dos advogados.

Se não agiu diretamente na coação do Ten.-Cel.

Soares, provavelmente foi quem carregou e forneceu o fuzil que abateria

até gigantes.

Destarte, são fortes os indícios de que o investigado

Paulo Taques, faça parte da organização criminosa, assim conceituada nos

termos da Lei:

“Considera-se organização criminosa a associação de

4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e

71

caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,

com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de

qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas

penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam

de caráter transnacional” [Lei n. 12850/2013, art. 1º, § 1º].

E nem se diga que a ligação de Paulo Taques com o

ficto Núcleo de Inteligência é mera ilação ou conjectura, desprovida de

plausibilidade.

Muito pelo contrário.

Embora repetitivo, reafirmo a altíssima probabilidade

da existência de elos entre Paulo Taques com a refalsado Núcleo de

Inteligência da Polícia Militar, usado na implantação – com aparência de

legalidade –, de escutas telefônicas de sua ex-amante Tatiane Sangalli

Padilha, de advogados [que atuaram em situações opostas a ele nas eleições

de 2014], de jornalista e parlamentar que faziam ferrenhas e ardentes

críticas ao Governo, quando ocupou o poderosíssimo cargo de Chefe da

Casa Civil.

Não, não pode ser mera coincidência o aparecimento

dos mesmos nomes que insistiu colocar sob escuta na situação envolvida

nas Operações Forti e Querubim.

Estou a me referir, evidentemente, a Tatiane Sangalli e

o jornalista José Marcondes dos Santos Neto, conhecido por Muvuca.

Quanto aos advogados José Antônio Rosa e José do

Patrocínio, trabalharam eles para Janete Riva e Lúdio Cabral,

respectivamente, adversários do candidato José Pedro Taques, para quem o

representado Paulo Taques prestou serviços na campanha eleitoral de 2014.

72

E torno a asseverar: coincidentemente ou não, o único

advogado – dos principais candidatos ao Governo do Estado – que

trabalhou na campanha eleitoral de 2014 e que não foi interceptado, foi,

justamente, Paulo Taques, razão pela qual é fácil concluir indícios de sua

ligação com o grupo criminoso instalado para realização de grampos

ilegais.

Há ainda um elemento a ser colocado na balança, e que

não pode ser desprezado: os fortes laços que o irmana ao Cel. Zaqueu e ao

Cel. Siqueira, de sabença pública e notória.

Verdade é que circunstâncias indicam que não estamos

diante de mera reunião de pessoas para a prática de crimes, mas,

provavelmente, de uma organização muito bem articulada, inclusive com

aporte financeiro considerável, pois, segundo levantamento feito pelo

Encarregado do IPM, o investimento inicial foi de R$ 24.000,00 [vinte e

quatro mil reais], que, acrescentadas as despesas de aluguel [R$ 1.500,00],

luz, água, telefone, internet e o “colocation” [R$ 1.000,00], fora as

despesas com combustível, viaturas e efetivo, chega-se a um valor

considerável, não se sabendo ao certo quem era o principal mantenedor.

Seria apenas o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz

Lesco? Ao que tudo indica não, uma vez que este adquiriu o Sistema

Sentinela e ajudou a pagar o aluguel do imóvel, ou seja, ele arcou com

parte das despesas, mas não sua totalidade.

Certa é a existência latente de risco real de reiteração

delitiva, até porque – ao que se descortinou até o presente momento –, os

fatos criminosos vêm se sucedendo na linha do tempo, o que indica a

alta probabilidade de o grupo, pelo poder [inclusive, hierárquico], continuar

73

com os grampos ilegais, máxime porque, repita-se à exaustão, não se

localizou a parafernália que os instrumentalizava.

Destarte, há sérios e fundados indícios de que Paulo

Taques tenha participação incisiva no grupo criminoso formado, inclusive

sendo um [ou, quiçá, o mais importante] de seus mantenedores.

Não menos grave, ou de somenos importância, é a

participação dos demais envolvidos na trama delituosa.

Conforme algures salientado, a investigada Helen

Christy Carvalho Dias Lesco e o advogado Marciano Xavier das Neves

tiveram papel determinante no sucesso da empreitada delituosa, pois ela

foi a responsável por cabalar o Escrivão do IPM para atuar em prol dos

interesses da organização criminosa, enquanto o causídico Marciano não

apenas serviu de ponte entre Helen e o Ten.-Cel. PM Soares, como

também recebeu o conteúdo gravado em uma reunião realizada em meu

gabinete, ilegalmente captado pelo aludido militar.

Enfatize-se que a investigada Helen Christy Carvalho

Dias Lesco assumiu o protagonismo com a prisão de seu marido, o Cel.

PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, não só no sentido de cooptar e de

ameaçar o Escrivão do Inquérito Policial Militar, Ten.-Cel. Soares, como,

também, de orquestrar o plano, e dirigindo as reuniões em sua residência,

no período de recolhimento de seu cônjuge.

Não custa lembrar que o arquivo da reunião gravada

pelo Ten.-Cel. Soares, em meu Gabinete, foi entregue para o advogado

Marciano Xavier das Neves, cujo encontro ocorreu, justamente, na

residência de Helen Lesco, contando, por óbvio, com sua participação.

74

Por esta razão, é expressiva a probabilidade [e não

mera possibilidade] de que, em liberdade, a investigada Helen Christy

Carvalho Dias Lesco continuará agindo em prol do grupo, inclusive,

mediante a prática de infrações penais, ou no intuito de prejudicar as

investigações policiais.

Digno de elogio é a coragem e o desprendimento de

Helen Lesco em trabalhar em prol do grupo, chegando ao ponto de se

dirigir até à residência do Ten.-Cel. Soares, altas horas da noite, para

recuperar dois celulares que ele havia surrupiado, momentos antes, de sua

residência, conforme narrado em sua terceira inquirição:

“[...] momentos depois a Helen fala que está

procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está

sendo perseguida, ela entra e eu fico pensando naquele

momento: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’

Eu tava sob, realmente, ali perigo de acontecer

alguma coisa com meu filho, a ameaça que ele fez me deixou

numa situação muito complicada, então quando ela vem de

frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já

mostro que está na parte do carro, na parte do banco do

passageiro né, tem aquele, onde você coloca as coisas. Ela pega

e coloca no short, e, pergunta se por acaso eu não peguei mais

nada por engano, em tom irônico”.

Não bastasse sua atuação ativa em benefício do grupo

criminoso, em determinado momento da conversa gravada entre o Ten.-

-Cel. Soares e o Cel. Lesco, este assevera de modo insofismável que Helen

tem conhecimento de tudo que se passa, apesar de ela não gostar de tocar

neste assunto:

75

“Cel. Lesco: Não sei, mas é um assunto...

Ten.-Cel. Soares: Aí transcende a nossa, a nossa, o

nosso entendimento, né?

Cel. Lesco: É assunto tenso... a minha Preta (Helen

Christy) fica zangada, ela não gosta de ficar zangada...

Ten.-Cel. Soares: Não, hein, oh, não fica zangada não

(Soares falando para Helen).

Helen: Eu não gosto desse assunto, eu fico nervosa”.

No dizente aos atuais Secretários de Estado de

Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, e de Justiça e Direitos

Humanos, Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, a prisão se

patenteia imprescindível para garantia da ordem pública, pois,

permanecendo no exercício dos seus cargos, por certo continuarão a

praticar os mesmos e outros delitos.

“A necessidade combina os homens e os reúne”

(Montaigne).

Não é por outra razão a preocupação do grupo com

uma provável prisão do Cel. PM Siqueira, que, como já salientado algures,

precisa livrar-se solto para atuar em favor dos integrantes que estão com a

liberdade de locomoção cerceada ou limitada, conforme seguinte

passagem, que torno reproduzir:

“QUE LESCO perguntou sobre a prisão do CEL

SIQUEIRA; QUE também LESCO solicitou que não houvesse

novos indiciamentos, que dizia que isso iria ‘fragilizar o grupo’;

QUE o depoente disse que o CEL CATARINO havia pedido para

começar a fazer essa representação de prisão, tendo LESCO

76

dito que essa prisão não poderia ocorrer de forma alguma;

QUE dizia: ‘faça o que tiver que ser feito, mas não deixe

acontecer’ [...]; QUE o depoente se recorda que, em uma das

conversas que teve com o CEL. LESCO, ele deixou bem claro

que não poderia sair a prisão do CEL. PM SIQUEIRA, que o

depoente deveria fazer o que pudesse para evitar essa prisão,

dando a entender que o CEL. SIQUEIRA também fazia parte

do grupo [...]”.

A toda a evidência, a expressão “enfraquecer o

grupo” somente pode ser compreendida como perda do poder, da

influência exercida pelo Cel. PM Siqueira, que, como Secretário de

Estado, diretamente ligado ao Governador do Estado, teria toda liberdade e

poder para determinar os rumos da organização criminosa, blindando-a de

possíveis represálias que possam vir a sofrer, inclusive, a partir de

investigações policiais.

A propósito, pelo que se extraem dos documentos

encartados aos autos, o Cel. PM Siqueira incorporou o cargo ostentado,

chegando a dizer, em determinada situação, que, por “ser” do Governo,

estaria imune a qualquer tipo de penalidade ou de represália, consoante se

infere do depoimento prestado pelo Ten.-Cel. Aluísio Metelo Júnior:

“QUE com relação ao noticiado na imprensa de Barra

do Garças referente a uma notícia onde ‘DOIS OFICIAIS DE

ALTA PATENTE DA POLÍCIA MILITAR TERIA SE

ESTRANHADO’, esclarece que o fato ocorreu entre CEL.

AIRTON SIQUEIRA e o depoente [...] QUE CEL. SIQUEIRA

insistia em dizer que o depoente deveria procurar seu irmão e

conversar para que eles alinhassem os depoimentos, pois temia

que essa investigação [Lucas do Rio Verde] pudesse não acabar

77

bem; QUE o depoente pedia para ele se afastar pois CEL.

SIQUEIRA conversava de forma próxima ao depoente; QUE o

depoente insistia que não tinha conhecimento dos fatos e que não

iria se envolver; QUE o CEL SIQUEIRA começou a se exaltar

dizendo: ‘a gente vai se dar mal nessa história, mas eu sou do

Governo e vocês vão quebrar a cara’; QUE o depoente

respondeu que também fazia parte do Governo, e que não estava

entendendo o que ele estava dizendo com ‘EU SOU DO

GOVERNO’; Que neste momento o depoente percebendo que o

CEL. SIQUEIRA estava se exaltando, pediu para que ele ligasse

diretamente para seu irmão quando o mesmo respondeu que

‘VOCÊ NÃO ESTÁ ENTENDENDO, EU ESTOU NO

GOVERNO, É ELE QUEM DEVE ME PROCURAR, SENÃO

EU VOU FUDER ELE [...]” [doc. 5].

Não pertencesse ele ao grupo, por certo que não

haveria tamanha preocupação em livrá-lo até do indiciamento no IPM.

Percebe-se que a posição ocupada pelo Cel. PM

Airton Benedito de Siqueira Júnior é estratégica para o sucesso da

organização criminosa, uma vez que está à frente de uma das principais

pastas do alto escalão do Governo do Estado, no caso, a Secretaria de

Justiça e Direitos Humanos.

Seria mesmo trágico para o grupo que a Justiça

manietasse o Cel. PM Siqueira, o que provavelmente impossibilitaria ou

dificultaria as suas ações, inclusive aquelas relacionadas à obstrução da

justiça.

Daí a importância e a preocupação que continuasse, a

qualquer custo, em liberdade.

78

Afinal, por que tamanha preocupação – que o grupo

demonstrava – com a possibilidade do seu indiciamento ou prisão?

Tudo indica mesmo que o grupo criminoso tem

buscado utilizar todo tipo de artifício para evitar a aplicação de qualquer

medida contrária aos interesses do Secretário de Estado de Segurança

Pública, Rogers Elizandro Jarbas.

Tanto é que foi designado um de seus homens de

confiança, no caso, o Major PM Michel Ferronato, assessor da Secretaria

Adjunta de Inteligência e responsável pela Escola Superior de Inteligência

de Mato Grosso (Esimat), para arregimentar o Ten.-Cel. José Henrique

Costa Soares, a fim de que este atuasse em prol dos interesses de Rogers

Elizandro Jarbas, repassando-lhe informações sigilosas, além de provas

que pudessem me comprometer, afiançando-lhe, em troca, sua promoção

para o coronelato. Prontificaram até dar-lhe garantias do prêmio.

Apenas usaram de outra artimanha, igualmente

deplorável: a corrupção.

Ao invés da coação, ofereceram-lhe, como recompensa

da deslealdade e traição, o posto de coronel.

Vale consignar, ainda, porque importante e necessário,

que tão próximas são as relações entre o Secretário Rogers Elizandro Jarbas

e o Major Ferronato, que este foi arrolado como sua testemunha na exceção

de suspeição que levantou contra a Delegada Ana Cristina Feldner, já

rejeitada por este juízo diante da sua manifesta improcedência.

Relembro ainda a informação do Cel. Lesco, no

sentido de que “o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria

79

determinar que alguém o procurasse, e que era para o depoente [Ten.-Cel.

Soares] ser bastante solícito e atender as orientações que fosse recebidas”.

O intermediador não foi outro senão o Major PM

Ferronato, que, já seguindo seus passos, o abordou na PEIXARIA LÉLIS

– que costuma frequentar –, quando o convidou para uma caminhada, no

dia seguinte, no Parque Mãe Bonifácia, consoante asseverado pelo Ten.-

-Cel. Soares, em sua terceira inquirição:

“A minha rotina diária era, antes de pegar meu filho

na escola, por volta de umas sete horas, ficar ali na Lélis, na

parte externa, quem passasse ali na frente poderia me ver. De

costume sempre ficava ali na frente da Lélis, esperando meu

filho sair da escola, que ele saí da escola ia para academia, por

volta de oito e meia ele estava pronto, pegava na escola ou na

academia e levava para casa. Era minha rotina diária, essa era

minha rotina. Não todos os dias eu ia lá, mas com frequência,

quase todos os dias da semana, essa era minha rotina.

Nesse dia, se não me engano, o encontro que eu tive

com o Maj. Ferronato, se não me engano o meu filho foi de

Uber, porque ele não conseguiu contato comigo, normalmente

quando acontece isso ele pega o Uber e vai embora.

Eu fiquei um pouco até mais tarde. Eu fiquei até umas

onze horas mais ou menos. É fácil até pegar os registros das

câmaras da Lélis para confirmar o que eu estou falando.

A primeira abordagem que aconteceu nesse dia, no

encontro com o Maj. Ferronato, foi ele mesmo que me abordou,

no primeiro plano, primeiro momento. No local estava ele, o

Maj. Alessandro, e o atual Secretário de Segurança Pública,

80

Dr. Gustavo. Então, no dia lá, ele era Secretário-Adjunto, senão

me engano.

Quem me fez a primeira abordagem foi o Ferronato.

Na segunda abordagem, o Maj. Ferronato, na presença

também do Maj. Alessandro. A gente começa a falar do

inquérito, das coisas que estão acontecendo com o Secretário e

tudo mais.

Essa conversa dura em torno de uns vinte minutos,

mais ou menos [...]. Na mesma ocasião, depois dessa segunda

abordagem, já com o Major Ferronato e o Major Alessandro,

por último, já ele saindo, o Major Ferronato também me

aborda pela última vez, e ele fala desse encontro lá no Parque

Mãe Bonifácia, uma caminhada que a gente faz no dia

seguinte”.

Era óbvio que o próprio Secretário, Rogers Elizandro

Jarbas, não iria, a cara aberta, procurar a alma já seduzida e prostrada pela

coação.

Não é assim que funciona nas organizações criminosas,

onde o peão, no mais das vezes, nunca viu sequer a silhueta do rei ou da

rainha.

No tabuleiro de xadrez, movimentou-se um bispo, que

fez a oferenda do coronelato ao peão que se sacrificaria para o lance do

xeque-mate.

O próprio Ten.-Cel. Soares, inquirido pela autoridade

policial, afirma, com convicção, que o Maj. PM Ferronato falava em nome

do Secretário de Segurança Pública:

81

“Delegada: Restou alguma dúvida, só reforçando

aqui, que o Maj. Ferronato estaria a mando do Secretário de

Segurança Pública?

Testemunha: Com certeza, ficou evidente que ele

estava ali como mediador, até para proteger a figura do

Secretário de Segurança, até para proteger, porque era a forma

de fazer uma blindagem, para que ele não aparecesse.

Então, todas as vezes que ele falava comigo dava a

entender, levava a crer que ele estava falando em nome do

Secretário de Segurança”.

Neste ponto, convém transcrever excerto da

representação policial apresentada, onde os delegados de polícia tratam

com perspicácia da presente situação:

“ROGERS JARBAS: utiliza-se do MAJOR

FERRONATO para tratar de seus interesses, inclusive a

promoção para o posto de CORONEL DA POLÍCIA MILITAR,

que jamais poderia ser garantida pelo FERRONATO, vez que

este é assessor do ROGERS, não detendo de nenhum poder nessa

escolha, mesmo porque se trata de um MAJOR, patente inferior

à do denunciante. Vale esclarecer que a promoção se dá através

de uma avaliação interna (realizada por coronéis da polícia

militar), onde são avaliados por notas, no entanto, ao final,

quem escolhe é o GOVERNADOR DO ESTADO, não ficando

adstrito às notas dadas. Fica clara aqui a promessa de vantagem

indevida ao TC SOARES. Sabemos que na praxe é o

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA quem faz as

82

indicações para o GOVERNADOR, vez que são promoções de

cargos afetos diretamente à sua pasta”.

Assim, o espírito do Ten.-Cel. Soares foi trabalhado

sob duas forças: a da coação e o da corrupção; uma representando a

violência, outra a recompensa.

De qualquer sorte, cumprida a missão, livrar-se-ia da

exposição de suas desditas e ainda ascenderia o último degrau da sua

carreira, sonho ou quimera de todo militar.

Sabiam que tinham a frente um homem fragilizado por

sua dependência química, e aterrorizado pela possibilidade de ter,

prematuramente, encerrada sua carreira militar, provavelmente com uma

expulsão desonrosa.

A sagacidade do grupo prova também a

periculosidade dele, pela capacidade de aliciamento de pessoas, máxime

quando, pelas posições ocupadas em postos-chaves da segurança

pública, trabalham com informações privilegiadas.

Por fim, em relação à situação do Promotor de Justiça,

conforme dito em outro lugar, uma das prerrogativas conferidas aos

membros do Ministério Público é que, havendo indícios da prática de

infração penal, a autoridade policial remeterá os autos ao Procurador-Geral

de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.

As circunstâncias indicam ainda que a periculosidade

do grupo criminoso, aparentemente se espraia sobre a cúpula da Gloriosa

Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.

Estou a me referir à estranhíssima situação de o atual

Corregedor-Geral da Polícia Militar, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da

83

Silva, um dia após a instalação do apetrecho espião na gandola do

Ten.-Cel. Soares, haver alterado a farda dos policiais com funções no

órgão.

Por que alterou-se o fardamento, que, segundo o Cel.

PM Jorge Catarino Morais Ribeiro – Encarregado do IPM – sempre foi o

de passeio?

Por que, de uma hora para outra, sem qualquer

explicação, se o mudou para o de operações?

A situação parece ter resposta no depoimento do Ten.-

-Cel. Soares, que, revelando a exigência do grupo em obter imagens e

áudios que pudessem comprometer ou colocar em dúvidas a imparcialidade

deste Relator, dele exigiu duas fardas, que seriam analisadas pelo Sgt.

Soler, sobre qual melhor se acomodaria o aparelho espião.

Por lazeira, o dispositivo somente pode ser instalado na

farda de operações, “em razão da costura da outra e dos breves serem

metálicos”.

Na vida em caserna, o uso de fardamento diferente do

determinado pelo comandante pode resultar na prática de transgressão

militar, ou mesmo, do crime de desobediência, previsto no art. 301 do

Código Penal Militar.

Por isso a necessidade que houve, da noite para o dia,

em se mudar o fardamento toda vida utilizado na Corregedoria da Polícia

Militar, do de passeio para o de operações.

De outro modo, como poderia o Ten.-Cel. Soares

utilizar a ferramenta espiã?

84

Este ponto – substituição do fardamento – foi

explorado pelo Ten.-Cel. Soares, em seu depoimento:

“Delegada: Gostaria também de esclarecer sobre a

troca da farda, realizada na Corregedoria.

TC Soares: A situação acontece muito sutil e muito

visível. O que acontece. No dia doze, senão me engano, está nos

autos também, no momento em que recebo a farda já com o

material, o equipamento instalado na farda, no dia treze há

mudança de farda na corregedoria. Antes utilizava-se o

agasalho e o uniforme de representação. Na doutrina, na vida

administrativa da Corregedoria, o uniforme de instrução

utilizado pelo policiamento ostensivo fardado, normalmente é o

fardamento que não se utiliza na Corregedoria, a não ser no

plantão. Nesse dia houve a determinação verbal do Corregedor,

e depois inserida na escala de serviço de que, a partir daquele

dia, o uniforme seria o uniforme de instrução, justamente o

uniforme que foi instalado o equipamento de monitoramento

audiovisual, que foi colocado na farda.

[...]

Delegada: Essa determinação para troca da farda é de

responsabilidade do Corregedor-Geral?

TC Soares: Atribuição dele. É atribuição do

Comandante.

Delegada: Quem é o atual...

TC Soares: Cel. Pinheiro.

Delegada: Ele tem ligação com algum outro Coronel?

85

TC Soares: Da investigação, que nós conhecemos, ele

é muito amigo e tem muita proximidade com o Cel. Siqueira

Júnior, que é um dos investigados no nosso inquérito.

Delegada: É uma amizade íntima?

TC Soares: Não digo íntima, mas próxima. Eles são

colegas de turma.

Delegada: O conhecimento que se tem, existe uma

relação de amizade, ou relação de coleguismo, por ser colega de

turma?

TC Soares: Amizade. Amizade”.

Neste ponto, transcrevo excerto da representação

apresentada, onde as autoridades policiais abordam a questão:

“Assim, o denunciante apresentou suas duas fardas (a

de instrução e a de expediente) para o SGTO PM SOLER, tendo

o sargento ficado responsável por implantar o equipamento de

captação de áudio e imagem, o que foi feito e entregue para o

denunciante na noite do dia 12/09, no pátio da ASSEMBLEIA

LEGISLATIVA, no último patamar do estacionamento, pois

assim teriam a visão completa para evitar que alguém se

aproximasse (contramedida adotada), o que demonstra mais

uma vez a enorme capacidade de articulação dessa

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

No dia seguinte, 13/09, por razões ainda não

apuradas, em razão da incrível ‘coincidência’ (pra não falar de

mais uma ação do braço operacional), que podem desnudar

ainda mais o poderio e o alcance do poder dessa

86

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, a CORREGEDORIA DA

POLÍCIA MILITAR, através de seu Corregedor CEL PINHEIRO,

por motivos até o momento desconhecidos, determinou que a

farda de instrução passasse a ser a farda do expediente comum.

Ocorre que tal fato não guarda muita lógica, porque a

farda de INSTRUÇÃO é uma vestimenta mais policial, enquanto

a farda de expediente tem características sociais, até mesmo pela

função da CORREGEDORIA, de se identificar com a sociedade,

evitando a intimidação de eventuais denunciantes, além do fato

de que a farda do expediente é composta por um sapato social,

enquanto a de instrução é o coturno, de notório desconforto

comparado ao sapato social e as atividades desenvolvidas pela

CORREGEDORIA. Importante mencionar que, segundo

informações, inclusive colhidas no áudio captado pelo

denunciante com CEL. LESCO, este deixa evidenciado que o

CORREGEDOR CEL PINHEIRO é amigo do CEL.

SIQUEIRA”.

De fato, informações obtidas pela autoridade policial

dão conta que são mesmo próximas as relações entre o atual Corregedor-

Geral da Polícia Militar, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, e o

Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, que são, inclusive, da mesma

turma.

Além do risco concreto de reiteração da prática de

delitos, entendo que a prisão preventiva dos envolvidos se patenteia

igualmente imprescindível para assegurar a integridade física e moral

não só da testemunha, Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, como

também de seu filho, porquanto há base empírica a comprovar que o

“grupo” sabe que ela não está mais interessada em dar continuidade ao

87

plano outrora arquitetado, consoante se extrai de seu depoimento gravado

pelo sistema áudio visual, em 18/9/2017:

“Delegado: A partir do sábado, do término do seu

depoimento, qual foi o desenrolar dessa situação?

Testemunha: No mesmo sábado, na mesma data, no

sábado, à noite, eu recebi uma mensagem do Major Ferronato,

convidando para fazer uma caminhada, como de costume, no

Parque Mãe Bonifácia, na parte ali principal, de cima, onde tem

o bebedouro.

Depois daí, com a intenção de captar a conversa, eu

utilizei meu celular para fazer a captação da conversa, mas não

tive sucesso porque o áudio saiu com ruído.

Delegado: Isso já no domingo?

Testemunha: Isso já no domingo pela manhã, algo em

torno, por volta das, senão me engano, dez horas, se não me

falha a memória. E nessa conversa, ele mencionava, começou a

conversa falando da garantia da promoção, que a previsão era

de que haveria com certeza três vagas, em abril, e uma delas

seria minha, caso eu fizesse nessa semana como se pretendia

fazer, a exibição e a exposição da imagem do desembargador.

Delegado: Seria feita por meio daquele equipamento?

Testemunha: Seria feita por meio do equipamento que

foi instalado pelo Sgt. Soler, na minha farda, na farda de

instrução.

88

Delegado: No momento em que o senhor foi se

encontrar com o Major Ferronato, ele percebeu alguma coisa

que deixou desconfortável?

Testemunha: Percebeu, porque eu estava com o

celular. E já havia combinado que não poderia ter o celular.

Diante disso ele começou a ficar desconfiado, e desconversou,

começou a desconversar a respeito do assunto.

[...]

Delegado: Ele cita novamente a pessoa do

Secretário?

Testemunha: Ele menciona, menciona a pessoa do

Secretário.

Delegado: Secretário de Segurança Pública?

Testemunha: Secretário de Segurança Pública”.

Na intenção de captar áudio que comprovasse a

corrupção, intermediada pelo Maj. PM Ferronato, o Ten.-Cel. Soares

acabou por denunciar a si próprio quando levou consigo, na caminhada, o

seu celular, o que despertou desconfianças da sua companhia, tanto que,

falando sobre a promoção, imediatamente desconversou sobre o assunto

quando o viu portando o aparelho telefônico.

Foi aí que a pulga se colocou atrás da orelha do grupo.

Esse fato se passou no domingo [17/9/2017], pela

manhã, um dia após o Ten.-Cel. Soares haver procurado a autoridade

policial para revelar a maquinação, a conspiração engendrada.

89

Na mesma data, o Ten.-Cel. PM Soares foi almoçar na

residência do Cel. PM Lesco, com a finalidade de repassar informações

sobre os últimos acontecimentos das investigações.

Esse encontro era, por certo, do conhecimento de

outros integrantes do grupo, até porque nele se faria as tratativas finais do

complô, visto que entravam em semana decisiva, especialmente para os

interesses do Secretário de Segurança, Rogers Elizandro Jarbas.

Segundo narrado pelo Ten.-Cel. PM Soares, no

começo do encontro o comportamento do Cel. PM Lesco foi amistoso.

Posteriormente, após o Cel. PM Lesco receber uma ligação – ao que tudo

indica – do Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas,

o tratamento, que antes era cordial, modificou-se radicalmente, verbis:

“Delegado: Entraram no condomínio, a partir daí o

que aconteceu?

Testemunha: Eu entrei no condomínio, e cumprimento

que eu tive com o Lesco foi como de normal, amistoso, sempre

sorridente e tal, e eu fui justamente para almoçar e conversar

com ele a respeito de tudo que estava acontecendo.

[...]

Delegado: Essa ligação que ele recebe, ele menciona

quem é a pessoa que liga?

Testemunha: Ele menciona o nome do Secretário de

Segurança Pública, Sr. Rogers.

[...]

90

Ele atende essa ligação e aí já tem um comportamento

totalmente contrário.

[...]

Delegado: Teve um encontro agradável até o

momento...

Testemunha: Que ele recebeu a ligação, né? Nessa

situação já tava quase indo embora. Já tinha almoçado, já tinha

conversado. E eu já estava indo embora. Então o que eu fiz, eu

resolvi ir ao banheiro novamente e parar a gravação. Já estou

indo embora, né? Peguei, fiz, desliguei a gravação, salvei o

arquivo que havia gravado.

Neste momento, quando saio do banheiro, volto pra

mesa; neste momento, passado algo em torno de três minutos,

mais ou menos, algo em torno disso, ou menos que isso, ele

recebe essa ligação. Recebe essa ligação, eu não ouvi o teor da

conversa, eles falaram rápido, e o Lesco só com o gesto de

“uhum”, foi bem rápido neste diálogo, só mencionou: ‘pois não

Secretário, pode falar Rogers”, nestes termos. E por meio deste

diálogo, desta conversa, desta fala dele, eu identifiquei como

sendo o Secretário de Segurança Pública.

A partir deste momento, ele já desligou o telefone, a

ligação encerrou, ele já me tratou de maneira muito diferente.

Muito diferente. Já seco, falou que eu deveria sair do ambiente

porque ele iria receber uma outra pessoa.

Apertou minha mão de maneira bem seca, e fui

embora. Eu achei muito esquisito”.

91

A mudança brusca de comportamento por parte do Cel.

PM Lesco em relação ao Ten.-Cel. Soares tem explicação.

Consoante acima assinalado, naquele mesmo dia, pela

manhã, o Ten.-Cel. Soares se encontrou com o Maj. PM Ferronato no

Parque Mãe Bonifácia, e, durante a caminhada, o Maj. PM Ferronato

percebeu que o Ten.-Cel. Soares portava celular, e havia um prévio acordo

entre eles de que nenhum dos dois poderia utilizar tal aparelho.

Provavelmente, o Maj. PM Ferronato passou esta

informação, por si ou por terceiros, ao Secretário de Estado de Segurança

Pública, Rogers Elizandro Jarbas, levantando suspeitas quanto ao

comportamento do Ten.-Cel. Soares, que, por sua vez, as transmitiu ao Cel.

PM Lesco, ainda durante o almoço que estava tendo com o Ten.-Cel.

Soares, em sua residência.

Daí a razão da mudança súbita do comportamento e

tratamento.

Imediatamente, e de modo protocolar, convidou-o a se

retirar da sua casa, ao pretexto de que “iria receber outra pessoa”.

Esta foi a sequência dos fatos.

Outro importante acontecimento ainda estava

reservado para a domingueira.

Ainda no propósito de colher elementos de provas que

confirmassem a conspirata, o Ten.-Cel. Soares ousou, atreveu-se e

arriscou-se ao se apoderar dos celulares do Cel. Lesco e de sua esposa

Helen.

A partir de então, aquilo que era desconfiança, tornou-

se certeza: o Ten.-Cel. Soares havia mudado de lado.

92

Preocupados com a situação, especialmente com o que

os celulares surrupiados poderiam revelar se levados à autoridade policial,

Helen – diante da prisão domiciliar do seu marido, controlado por

tornozeleira eletrônica – assumiu a missão de recuperá-los.

Entrou em cena a sua amiga Samira, que não apenas

emprestou a ela o seu celular para ligar ao Ten.-Cel. Soares, como também

a conduziu até a residência dele, para reaver os celulares.

Estes fatos foram pormenorizadamente narrados pelo

Ten.-Cel. Soares, em sua terceira inquirição:

“Delegada: O senhor nos informou também que

gostaria de acrescentar, esclarecer a ida da Sra. Helen na sua

residência após o encontro que o senhor teve na casa do Cel.

Lesco.

Testemunha: Logo depois do encontro, pouco antes de

terminar o encontro, o almoço que eu tive com o Cel. Lesco

juntamente com sua esposa, o pai da Helen também estava no

momento, mas tava na parte superior, nos quartos, então ele não

participou das conversas.

No final, quando eu percebo que, senão me engano o

Lesco devia estar na cozinha, com outro celular que não sei qual

é, não era nenhum dos celulares que eles habitualmente

manipulavam, mas ele tava com um celular e atende a ligação e

fala o nome do Secretário e fala Rogers.

Eu percebo a partir daquele momento, eu não sei o

conteúdo, o que eles falam, mas naquele momento fiquei

apavorado, fiquei em desespero, porque eu imaginei que o

93

Rogers falou para ele ‘a casa caiu, esse cara mudou de lado,

manda ele embora, vê aí se ele não tá gravando alguma coisa’.

[...]

Depois que ele atendeu a ligação fala que eu tenho que

ir embora, a Helen nesse momento tava descendo as escadarias,

tava descendo da parte superior porque ela veio tomar banho, e

eu no sentido de criar provas, de ter provas para apresentar do

que eu tava falando, do que eu estou falando é verdade, e

acrescentar mais provas ainda, eu pego o celular do Lesco e

coloco no bolso, sem que ele percebesse.

Nesse momento, quando ele fala que eu tenho que ir

embora, há esse lapso, que a Helen tá descendo, nesse momento

eu pego, ele vira de costas, ele se distrai, vai fazer outra coisa,

eu pego também o celular dele e coloco no bolso. E aí eu entro

no carro com a Helen. Ele se despede de mim com aquela voz já

embargada, fora do normal, como ele me cumprimenta, bem

seco mesmo, bem estranho, aí eu fico mais apavorado ainda,

porque eu queria sair dali de qualquer maneira, eu já tava

correndo risco de estar ali.

Nesse momento, a Helen já desce as escadas e ela me

leva para onde está meu carro estacionado, próximo, numa rua

que dá acesso à entrada principal do condomínio.

Ao descer do carro, quando ela desce do carro, eu

estou com minha bolsa térmica, também no intuito de produzir

provas, também pego o celular dela sem que ela perceba. Pego e

coloco no bolso também.

94

A partir daí vou para casa. Passo no Japidinho, para

fazer um lanche e volto para casa.

Delegada: Depois dessa ligação que teria tido do

Rogers com o Lesco o senhor chegou a sentir que seria o último

encontro com o Lesco?

Testemunha: Com certeza, esta seria a última

oportunidade que eu teria para estar ali na casa dele. Por isso

que me veio de intuitivamente, eu tomei essa medida. Falei, o

único momento que eu tenho para colher mais provas possíveis

para provar, demonstrar que eu estou falando a verdade do que

aconteceu.

[...]

Momento depois [...] eles ligam do telefone da Dra.

Samira. Primeiro a Samira liga, conversa comigo, depois a

Helen, eles pedem a localização de casa, pergunta se estou casa,

pede a localização, ato contínuo também o Lesco liga para mim

e fala: ‘olha, não sei se você pegou meu celular, porque só pode

ter sido você, os dois celulares daqui sumiram, eu não sei se foi

você, mas só pode ter sido você, porque só você esteve aqui. Eu

não sei se você pegou por má-fé ou se você pegou por distração.

Eu só quero saber o seguinte, devolva, porque seu filho está

correndo risco de vida’.

Nesse momento eu já estava preocupado com minha

segurança, como os senhores perceberam dias anteriores que eu

cheguei aqui depondo.

95

Eu fiquei apavorado, eu não sabia se pegava os

celulares, eu simplesmente termino a conversa, não dou

continuidade à conversa. Momentos depois a Helen fala que está

procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está

sendo perseguida, ela entra e eu fico naquele momento eu fico

pensando: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’.

Eu tava sob, realmente, ali perigo de acontecer

alguma coisa com meu filho, a ameaça que ele fez me deixou

numa situação muito complicada, então quando ela vem de

frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já

mostro que está na parte do carro, na parte do banco do

passageiro né, tem aquele, onde você coloca as coisas. Ela pega

e coloca no short, e pergunta se por acaso eu não peguei mais

nada por engano, de tom irônico.

Eu falo não, não peguei mais nada, é só isso mesmo

que eu peguei, mas me desculpei na hora.

Percebe-se, portanto, que o Ten.-Cel. Soares somente

devolveu os celulares em virtude da ameaça direta e séria proferida pelo

Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco contra a vida de seu filho.

Pelo que se depreende dos autos, em especial, por força

da periculosidade do grupo criminoso, o Ten.-Cel. Soares afirmou, com

segurança, que a ameaça era real:

“Delegada: A ameaça que eles fizeram, da vida do seu

filho, ela foi uma ameaça real? O senhor se sentiu realmente

ameaçado.

96

Testemunha: Mais que real. Agora, nesse momento,

desde o momento em que foi cooptado, que fui ameaçado, que eu

estou tendo contato com eles, eu sei com quem eu estou me

dando, este pessoal é perigoso, este pessoal é muito perigoso”.

Por volta das dez horas, após a testemunha entregar o

arquivo contendo a gravação da conversa mantida com o Cel. PM Lesco, a

investigada Helen liga para o Ten.-Cel. Soares, de seu próprio celular –

aquele mesmo que estava até então desaparecido –, e, diante da rejeição

da ligação, “o Cel. Lesco faz um joia, do celular da Helen”.

Preocupado, o Ten.-Cel. Soares resolveu retornar a

ligação e a Helen perguntou se ele estava em casa e se estava sozinho, no

que a testemunha respondeu que sim para as duas indagações.

Neste momento, Helen diz que “eles precisavam do

uniforme com o equipamento. E ao fundo o Lesco no tom numa voz, deu

pra ouvir, num tom bem áspero: ‘devolve’. Eu entendi ali como uma coisa

que já tinham desconfiado, já tinha desconfiança enorme do que estava

acontecendo. A partir daí ele liga mais umas vezes e eu não atendo mais”.

A testemunha Ten.-Cel. PM Soares deixa

transparecer, inequivocamente, sua preocupação ao asseverar, na parte final

de seu depoimento:

“Testemunha: Só uma questão doutor, eu estou

abatido assim, porque eu não consegui dormir à noite. Só para

deixar bem claro [...]. Tive proteção, mas eu não dormi [...].

Delegada: O senhor tem receio de sua integridade?

Testemunha: Com certeza, com certeza.

97

Delegada: Do que o senhor os conhece, que o senhor

teve ao lado deles...

Testemunha: Capaz de tudo, capaz de tudo. Sou um

arquivo vivo, que para eles tem que está morto. A partir de

agora, com certeza. Não tenho garantia, a não ser que o Estado

me dê garantias de que essa segurança vai acontecer, inclusive

eu peço que me inclua no sistema de proteção à testemunha”.

Por fim, o Ten.-Cel. Soares, em sua derradeira ouvida,

afirmou, categoricamente, que não pode permanecer mais no Estado de

Mato Grosso, porque a situação envolve o poder atual:

“Então eu fico muito preocupado com a segurança do

meu filho, eu estou muito preocupado com a segurança dele.

Depois dele a minha. Eu não posso permanecer no Estado. Eu

não posso permanecer no Estado de Mato Grosso, a situação

envolve o poder atual. Eu peço, inclusive, minha inclusão neste

programa de proteção à testemunha. Não tenho mais vida na

Polícia Militar, profissionalmente falando”.

Por esta razão, dúvidas não há de que a prisão cautelar

se patenteia indispensável também para assegurar a integridade física do

Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares e de seu filho, em face da

periculosidade concreta demonstrada pelo grupo criminoso.

CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Somados aos fundamentos que autorizam a prisão

cautelar para garantia da ordem pública, a medida extrema também se

afigura imprescindível para a conveniência da instrução criminal.

98

De tudo o quanto visto e fundamentado acima, este

pressuposto da prisão cautelar, até pela própria natureza dos crimes

imputados aos investigados, ora representados, dispensa maiores

digressões.

Se os crimes agora praticados objetivavam atrapalhar

as investigações de outros em apuração, salta aos olhos a

imprescindibilidade da custódia cautelar.

Nesse desígnio, não titubearam, nem tremelicaram, um

segundo sequer, em coagir e corromper o Ten.-Cel. Soares no abominável

e ignominioso plano de alijar-me das investigações a golpes de espada.

A estultice engendrada pôs em relevo e destaque a

capacidade de atrevimento do grupo criminoso.

Se ele se mostra com destemor para achacar, acovardar

e constranger um membro desta Corte de Justiça, que dizer dos cidadãos

comuns, das pessoas que foram suas vítimas, como as interceptadas

ilegalmente?

O terror que implantam é sentido até no meio policial.

É público e notório que incontáveis Delegados de

Polícia se recusaram, com veemência, a participar das investigações.

Foi mesmo árdua a tarefa de encontrar valorosos

Delegados, como os que estão hoje à frente das investigações.

Houve até ameaças em se processar delegados por

usurpação de função pública e improbidade administrativa se não

atendessem, em 24 horas, o pedido de “avocação” dos inquéritos, que

foram abertos por ordem e determinação deste Relator.

99

Quiseram passar até por cima da autoridade do

Tribunal.

É neste estado de ânimo e forças que caminham os

procedimentos que apuram a grampolândia pantaneira.

Todo cuidado com a instrução processual faz-se

necessário.

As tresloucadas ações do grupo não deixam menor

fiapo de dúvidas quanto à capacidade dele em atuar contra os interesses do

processo, seja no aliciamento de testemunhas, na coação de pessoas e na

destruição de provas.

O episódio descortinado pelo Ten.-Cel. Soares revela

a desfaçatez, própria dos atrevidos e destemidos.

Constrangeram e coagiram um militar de alta patente

da Polícia Militar.

Que dizer do Zé da Ruelas, que sequer tem trancas na

sua porta?

Se entram no espírito das pessoas, não podem invadir o

recesso do lar das vítimas e testemunhas?

Importante destacar que muitas das testemunhas já

declararam o temor e receio por suas vidas, como o Cb. PM Torezan, a

Sgt. Andrea, e agora, mais recentemente, o próprio Ten.-Cel. Soares.

Por certo, e com maior razão, as testemunhas e vítimas

não sentirão mesmo confortável em revelar os fatos dos quais tem

conhecimento, se os suspeitos estiverem em liberdade.

100

Não se pode perder de vista que se tratam de pessoas

com grande poder de influência dentro das forças do Estado, uma vez

que ocupam, por si e por longa manus, cargos de maior relevância no

atinente à segurança pública.

Estamos a falar de Secretário de Segurança Pública,

de Secretário de Justiça e Direitos Humanos, ex-Secretário-Chefe da

Casa Militar, ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, ex-Comandante da

Polícia Militar, pessoas ligadas ao GAECO, etc.

A força de intimidação é clara e manifesta.

Veja o exemplo do Major Barros e do Cabo

Raphael, que foram intimidados e ameaçados porque depuseram contra

os interesses do Cel. Siqueira e de Paulo César Zamar Taques, no

episódio em Lucas do Rio Verde.

Bastou prestar seus depoimentos para sofrerem

represálias.

Tão logo tomaram conhecimento do teor das

declarações que os comprometiam, saíram a esparrinhar que eles, sim,

teriam cometido crimes nas eleições de Lucas do Rio Verde. Além de

importunarem o trabalho do escritório do representado Paulo Taques,

acusaram que o Maj. PM Barros e o Cb. PM Raphael, por R$ 20.000,00

[vinte mil reais], colocaram escutas clandestinas no candidato Otaviano

Pivetta, para o qual a banca de advocacia atuava.

Apesar de o suposto fato ter acontecido em 28/9/2016,

o trataram como avant-première.

Por que guardaram segredo sobre o fato criminoso por

tão longo tempo? Por que somente o denunciou após os depoimentos do

101

Maj. PM Barros e do Cb. PM Raphael no Inquérito que apura

interceptações clandestinas nas eleições de Lucas do Rio Verde? Terá sido

por conta do teor das declarações que prestaram, nas quais levantam

suspeitas sobre o Cel. PM Siqueira e Paulo Taques?

Por isso, há indicações fortes no sentido de que agiram

em desforra e ameaça às declarações que o Maj. PM Barros e o Cb. PM

Raphael prestaram no Inquérito n. 87131/2017.

E mais uma vez, formularam a denúncia diretamente

ao Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas – e não à

Corregedoria-Geral da Polícia Militar de Mato Grosso –, que

determinou a apuração dos fatos.

A presente situação – sindicância determinada pelo

Secretário de Segurança Pública – foi confirmada pelo Cel. PM Everson

Cezar Gomes Metelo, durante sua ouvida nos autos do Inquérito Policial

n. 87131/2017:

“QUE, o depoente tem se sentido ameaçado,

constrangido e prejudicado em sua carreira profissional; QUE

inclusive está respondendo SINDICÂNCIA instaurada pela

CORREGEDORIA DA PM, após representação do escritório

de PAULO TAQUES, protocolada na SESP junto com o

Secretário de Segurança ROGERS JARBAS; QUE o fato é tão

aberrante que sequer o declarante esteve na cidade de Lucas do

Rio Verde/MT durante o ano de 2016 [...] QUE estava afastado

de suas funções em razão de gozo por recompensa e também em

razão da troca de comando da PMMT, sendo que no dia que foi

apresentar-se no COMANDO GERAL foi justamente no dia em

que o CEL. SIQUEIRA JÚNIOR apresentou-se espontaneamente

102

prestando as declarações acima dita no IPM; QUE nessa

ocasião o depoente ouviu que deveria aguardar um

posicionamento do COMANDO GERAL, uma vez que havia

‘UMA RESTRIÇÃO DE LUCAS’ [...] QUE, sente que há uma

perseguição velada por parte do CEL SIQUEIRA JÚNIOR em

prejudicar o depoente; QUE não sabe precisar a motivação

dessa perseguição, porém informa que participou da equipe

técnica do Secretário de Segurança MAURO ZAQUE [...].”

O propósito escancarado foi o de intimidação.

Por que o Secretário de Segurança Pública não ordenou

também a investigação de provável prevaricação do Cel. PM Siqueira, que,

mesmo sabendo do cometimento do suposto crime, não o denunciou à

autoridade competente?

E tem ainda a contumélia, a patranha, a pantomima

farfalhada no Inquérito Policial Militar, onde o Cel. PM Siqueira lançou-

-me a assacadilha de também haver feito “barriga de aluguel” na minha

passagem pela Corregedoria-Geral de Justiça.

A intenção foi claramente provocar minha suspeição

no processo, quando não, constranger-me a continuar na direção das

investigações.

Referidos doestos, estou a respondê-los na Sindicância

n. 1/2014 – CIA 0089726-12.2017.811.00000, aberta pela Presidência do

Tribunal de Justiça, a meu requerimento.

O comportamento do Cel. PM Siqueira é bem retratado

pela autoridade policial na sua representação, verbis:

103

“Ainda, logo após esse episódio, durante oitiva no

Inquérito Policial Militar, o investigado CEL. AIRTON

BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR lança diversas acusações

em relação a terceiros, inclusive no intuito de macular imagem

do Desembargador ORLANDO PERRI, tentando imputar-lhe

um fato criminoso. E mais, lança mão de expediente no intuito

de desacreditar policiais militares, particularmente o MAJ.

BARROS, o qual trouxe elementos a uma suposta interceptação

clandestina que teria ocorrido durante as últimas eleições

municipais em Lucas do Rio Verde, também ressaltamos que tais

fatos são objeto de outro inquérito policial. Ressalta-se, aqui, o

advogado do CEL. SIQUEIRA, à época desse depoimento, era

PAULO TAQUES, que inclusive o acompanhou nessa oitiva.

Nesse episódio, não é demais trazer à baila o ocorrido

no município de Barra do Garças, onde CEL. SIQUEIRA teria

tentado recrutar o CEL. PM ALOÍSIO METELLO, dizendo

que ele (SIQUEIRA) e o irmão de ALOÍSIO [CÉSAR GOMES

METELLO] deveriam ‘alinhar’ os depoimentos, momento em

que teria surgido um atrito entre ambos em razão do CEL. PM

ALOÍSIO METELLO demonstrar não comungar de referido

expediente”.

Outro ponto que demonstra o poderio e a influência do

grupo criminoso, é a relação de proximidade entre o Cel. PM Siqueira e o

atual Corregedor da PM, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, já

destacada linhas atrás.

Não estou afirmando que o Corregedor-Geral da

PMMT faça parte do grupo criminoso que se formou.

104

Absolutamente.

Ainda que repetitivo – e longe de pretender levantar

falsas suspeitas – intrigou-me mesmo a situação da mudança repentina do

fardamento na Corregedoria-Geral da Polícia Militar, por meio de uma

ordem emanada, ao que tudo indica, de inopino e extraordinariamente.

Coincidências à parte, segundo declaração do próprio

Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, a vestimenta que melhor se

adaptou ao equipamento de gravação instalado pelo Sgt. Soler, foi a farda

de instrução, verbis:

“Delegada: Após eles terem instalado o equipamento

na farda do senhor, houve alguma modificação regulamentar,

alguma que chamou atenção?

Testemunha: Olha, você fala em termos de...

Delegada: Pro uso do uniforme, a determinação. Eles

colocaram o equipamento de gravação na farda que seria

utilizada?

Testemunha: Como eu falei no depoimento anterior, a

farda que foi utilizada, ela foi escolhida – porque tinha a farda

de grafite e esta farda de instrução –, então não se sabia qual

destas duas fardas iria receber melhor o equipamento [qual] ia

ficar mais discreto, menos ostensivo. Então, pelo laboratório

que o Sgt. Soler fez, a farda apresentada foi a de instrução, né?

Por conta dessa adequação, da implantação do equipamento,

ficou melhor nesta farda.

[...]

105

Delegada: Houve uma mudança regulamentar da

utilização da farda?

Testemunha: Ah sim, houve uma mudança na

Corregedoria, senão me engano um ou dois dias depois, de que

a farda que deveria ser utilizada pela Corregedoria seria a de

instrução.

Delegada: A farda que antes era de instrução, que

colocaram o equipamento, após a instalação de equipamento,

ficou como padrão...

Testemunha: Ficou padrão, ficou como aquele

uniforme de expediente. Eu não estou fazendo nenhuma ilação

aqui, mas isso aconteceu.

Delegado: Quem baixou esta instrução?

Testemunha: O Corregedor.

Delegada: Foi dado alguma justificativa?

Testemunha: A determinação. O Comandante tem esta

liberdade, no exercício de suas atribuições”.

A medida adotada pelo Corregedor da PMMT

justificaria o Ten.-Cel. PM Soares usar a farda de instrução, o que abriria

as portas para obtenção do resultado criminoso pretendido, que não era

outra senão a captação de imagens e áudios deste Relator, para provocação

da abjeta suspeição.

Contudo, o plano, como se sabe, restou infrutífero,

dado o arrependimento do Ten.-Cel. Soares, como se vê neste trecho do

seu depoimento:

106

“Testemunha: Situação em que eu me senti coagido a

participar desse evento. Quando eu descobri, eu percebi...

Delegado: Já havia promessa da promoção?

Testemunha: Ainda não. A promessa da promoção

acontece nessa segunda fase, em que haveria exposição direta

do desembargador Orlando Perri, incluindo a minha também.

Que eu deveria fazer a denúncia, momento no qual eu percebi

que eu estava, a coisa não tava certa. Porque o doutor Orlando

Perri nunca se comportou de maneira tendenciosa, parcial, de

condução de nada, sempre se mostrou um juiz decente,

imparcial. Então seria injusto eu expô-lo dessa maneira, me

expor, expor o Presidente do Inquérito, que é o Cel. Catarino, a

Dra. Ana Cristina, que tava participando com a gente, nessas

investigações, eu achei, tive como impróprio. Não havia uma

causa justa por trás disso tudo. Eu resolvi falar”.

Além do Cel. PM Airton Benedito de Siqueira

Júnior, outra figura emblemática no seio da suposta organização criminosa

é o Delegado de Polícia Rogers Elizandro Jarbas, Secretário de Estado de

Segurança Pública de Mato Grosso, afastado temporariamente de suas

funções, conforme medida cautelar por mim imposta na representação

promovida dentro do Inquérito Policial n. 91285/2017.

O Secretário de Segurança Pública, ao que parece,

demonstra ser personagem ativo no grupo criminoso. Basta lembrar que o

Major PM Michel Ferronato, homem de confiança de Rogers Elizandro

Jarbas, foi o interlocutor designado para cooptar o Ten.-Cel. PM Soares,

prometendo, em troca de provas e informações sigilosas sobre o andamento

das investigações contra si, a promoção do Ten.-Cel. Soares ao coronelato,

107

uma vez que, segundo declarações da testemunha: “o MJ FERRONATO

disse que a situação em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS

estaria indo longe demais”.

Portanto, ainda que afastado – temporariamente – do

exercício de suas funções, por motivos outros, dentre eles o de investigar

por via oblíqua o Promotor de Justiça Mauro Zaque de Jesus –

responsável por denunciar o esquema de grampos ilegais no Estado de

Mato Grosso –, e o de determinar o fornecimento de peças sigilosas para

Paulo Cesar Zamar Taques e para o Governador do Estado de Mato

Grosso, no caso em tela, a prisão se patenteia imprescindível para o fim de

assegurar total lisura na apuração dos fatos, em virtude da enorme

influência por ele demonstrada.

Trago à memória que, por interferência direta do

Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, foi determinada

a instauração de procedimento disciplinar contra os policiais Maj. Barros,

Cb. Raphael e Cel. Cesar Metelo, testemunhas em um dos casos

envolvendo a “grampolândia pantaneira”.

Destaque-se, em adendo, que, aparentemente, o

afastamento de Rogers Elizandro Jarbas, do cargo de Secretário de Estado

de Segurança Pública, não foi suficiente para abalar sua influência e sua

credibilidade no meio policial, pois o sindicato dos policiais civis, ao invés

de apoiar o trabalho policial, ou a apuração dos fatos, o que seria natural,

até por seu próprio mister, resolveu marcar uma sessão extraordinária para

deliberar sobre “a postura da categoria perante as medidas decretadas em

face do Delegado de Polícia, Rogers Elizandro Jarbas”.

Outro fato que demonstra o comando de Rogers

Elizandro Jarbas sobre parte da classe de delegados foi visto, de forma

108

transparente, no dia de 20/9/2017, onde, antes mesmo do cumprimento da

ordem por mim proferida, determinando o afastamento do Secretário de

Segurança Pública, cerca de quarenta delegados, que deveriam estar

participando de um curso, “marcharam” até o Tribunal de Justiça, em

solidariedade ao seu “colega”.

Sua atitude, uma vez mais, demonstrou ousadia em

querer afrontar o Tribunal de Justiça, expondo sua força e prestígio perante

os Delegados de Polícia do Estado.

Embora se tratando de um ato circense – mambembe,

diga-se de passagem –, expôs ele sua influência no meio policial,

mostrando que, em liberdade – ainda que com medidas restritivas – pode

alongar seus braços sobre as investigações.

Outro nome de peso no grupo criminoso é,

indubitavelmente, o de Paulo Cesar Zamar Taques, que, valendo-se de

informações confidenciais obtidas profissionalmente, no exercício da

advocacia, vem trabalhando em prol do grupo criminoso do qual faz parte.

Assim mostram as circunstâncias, como dito anteriormente.

Pelo que ficou apurado, somente foi possível o

aliciamento do Ten.-Cel. Soares – recrutado pela força da coação e

corrupção exercida pelo grupo criminoso –, a partir das informações

repassadas por Paulo Taques, que atuou como seu patrono em determinada

causa na esfera cível.

Como se vê, mesmo preso preventivamente, por outro

crime, em outra investigação, e libertado por conta de liminar concedida

pelo STJ, nos autos do Habeas Corpus n. 410.767, Paulo Cesar Zamar

Taques continua atuando ativamente em benefício da possível organização

109

criminosa, o que põe em destaque que a segregação cautelar outrora

imposta não inibiu o ímpeto criminoso.

Outras razões existem para mantê-lo segregado

cautelarmente.

Afora todas as situações já demonstradas – que, de per

si, justificariam a aplicação da medida cautelar extrema – sua força e sua

influência no alto escalão do Governo é inconteste, até pela condição de

primo do Chefe do Poder Executivo e de ter exercido o poderosíssimo

cargo de Secretário-Chefe da Casa Civil.

Prova disso são as incontáveis visitas à sua residência

de pessoas e autoridades do Governo que lá estiveram após ter deixado a

Casa Civil.

Segundo provam os registros de entrada e saída do

Condomínio Florais Cuiabá Residencial, recolhidos nos autos do Inquérito

n. 78323/2017, desde 11/5/2017 até 9/8/2017, somente o atual Secretário-

Chefe da Casa Civil, José Adolpho de Lima Avelino Vieira, lá esteve por

quatro vezes, sem falar no Superintendente de Assuntos Estratégicos da

Casa Civil, Sérgio Walmir Monteiro Salles [três vezes]; no assessor

especial da Casa Civil, Selmo Antônio [três vezes]; na Secretária-Adjunta

de Gestão Integrada da Casa Civil, Ana Paula Cardoso; no assessor

parlamentar Jorge Luiz Lisboa, Oficial e Graduado da PM, investigador de

polícia, etc.1

Pelo que se descortinou até este momento, todos os

investigados, repito, todos, sem exceção, contribuíram, de maneira direta

ou indireta no sentido de interferir nas investigações criminais,

1 As informações sobre os cargos foram obtidas no Google.

110

prejudicando, sobremaneira, os trabalhos policiais, a começar pelo

advogado Marciano Xavier das Neves, responsável por ser a ponte, o elo,

entre o Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares com a suposta organização

criminosa, e foi a pessoa responsável por ficar com o arquivo do diálogo

ilegalmente gravado em reunião realizada em meu gabinete.

De igual, ou quiçá, maior relevância, é a contribuição

de Helen Christy Carvalho Dias Lesco para o prejuízo das investigações,

pois partiu dela o primeiro contato com o Ten.-Cel. Soares.

Foi ativa a sua participação no episódio.

Por estar preso o seu marido, Cel. Lesco, teve a

incumbência de granjear peça importante nas investigações: o Ten.-Cel.

Soares, o escrivão do IPM. Foi dela quem partiu as ameaças a ele, dizendo-

-lhe “que a Secretaria de Segurança Pública tinha posse de interceptações

e vídeos que revelavam a sua dependência química [...]” como também de

“outras situações supostamente criminosas, das quais Paulo Taques tinha

conhecimento”.

Assim, Helen Christy agiu direta e deliberadamente

no intuito de prejudicar as investigações policiais, razão pela qual sua

prisão é imprescindível para conveniência da instrução criminal.

Porém, a participação de Helen não para por aí.

Pelo que ficou apurado, até este momento das

investigações policiais, ela é uma das integrantes mais ativas do grupo e

tem o domínio de tudo que acontece, inclusive, ela visitou o Cb. PM

Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, principal operador do Núcleo de

Inteligência, nos primeiros dias de sua prisão, na ROTAM.

111

Constatou-se, ainda, que a representada Helen

Christy, ao desconfiar que o Ten.-Cel. PM Soares desistiu de levar

adiante o plano sórdido de desqualificar minha pessoa, ligou para ele

exigindo a devolução da farda com o equipamento acoplado, com a

finalidade de destruir a materialidade do fato criminoso.

O Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco – que

cumpre prisão domiciliar, continua agindo de maneira deliberada e

escancarada em prol da organização criminosa, nomeadamente no que

tange ao ardiloso esquema de desmoralização pública da minha pessoa,

voltado ao meu afastamento das investigações.

Ou seja: mesmo monitorado eletronicamente,

cumprindo prisão domiciliar, o Cel. PM Lesco continua trabalhando

incansavelmente para favorecer o grupo e prejudicar as investigações.

No mesmo sentido, a prisão do 2º Sgt. João Ricardo

Soler é indispensável para conveniência da instrução criminal, pois, pelo

que se depreende dos autos, ele é o integrante do grupo criminoso detentor

do conhecimento de equipamentos de espionagem e de inteligência, e, em

liberdade, continuará operando para o grupo criminoso, podendo, com isso,

causar embaraço à lisura na apuração dos fatos.

Do mesmo modo, é necessária a prisão cautelar do

Major Michel Ferronato, por ter sido ele a figura utilizada pelo grupo

para cooptar, num segundo momento, o Ten.-Cel. Soares, oferecendo a ele

a promoção ao cargo de coronelato, em troca de informações e provas que

beneficiavam o grupo criminoso.

Por derradeiro, temos a figura de José Marilson da

Silva, antigo sócio da empresa Simples IP, e responsável pelo

112

desenvolvimento do Sistema Sentinela, utilizado pelo grupo criminoso

para a prática criminosa de interceptação telefônica.

O nome de José Marilson, aliás, foi citado também

pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, porquanto o Cel. PM Lesco

disse a este que “o equipamento WYTRON estaria guardado com o

MARILSON, ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP”, o que

demonstra, de maneira concreta, o seu envolvimento com a organização

criminosa, de modo que a necessidade de sua prisão é inconteste.

Tudo isso são sintomas que demonstram a

probabilidade de atuarem contra a lisura do processo, especialmente, da

instrução processual.

Que o grupo age também na destruição de provas,

nisso não se põe dúvidas.

Lembro a situação em que o Dr. Mauro Zaque, então

Secretário de Segurança Pública, chamou, em outubro de 2015, os

Coronéis Siqueira e Zaqueu em sua residência, revelando a eles saber da

existência do grupo criminoso que atuava em interceptações telefônicas

clandestinas. Na ocasião, exigiu deles pronto e imediato pedido de

exoneração, acusando-os de integrarem a organização.

Bastou a revelação para que o grupo, com a rapidez

dos neutrinos, fizesse desaparecer o Sistema Sentinela, que estava instalado

nas dependências da empresa Titânia Telecom.

No dia 8 de outubro daquele ano, sumiu-se com a

parafernália.

Testemunhas auscultadas sobre esse fato ora descreve a

participação do Cb. PM Euclides Luiz Torezan, ora relatam, pelas

113

características físicas, a presença do Cb. PM Gerson na retirada do

equipamento da empresa Titânia.

Agora, como num jogo de empurra-empurra, vem a

informação de que é Marilson – ex-sócio proprietário da empresa

SIMPLES IP –, quem abriga, a sete chaves, o equipamento Sentinela, onde

se guardam provas e informações preciosíssimas quanto aos crimes

cometidos.

Outro fato grave que demonstra que evidencia a

imprescindibilidade da prisão cautelar de José Marilson da Silva, por

conveniência da instrução criminal, diz respeito ao seu comportamento, no

mínimo, insólito, durante as investigações policiais, ao afirmar que

subscreveu o documento que comprova a retirada do equipamento

Sentinela, mas que não estava no local:

“Que mostrado a testemunha o documento que consta

a assinatura de retirada de um equipamento no dia 08 de

outubro de 2015, da empresa Titânia, a testemunha confirma a

assinatura é sua, no entanto, não esteve nesse local, nesta data e

horário e que assinou posteriormente, para comprovar o período

de locação daquele espaço; Que o equipamento que se refere a

sua assinatura não era o Sentinela e sim um servidor de um

cliente da Simples IP; Que coincidiu a retirada daquele local do

Sistema Sentinela com o dia em que foi retirado o servidor de um

cliente da Simples IP” [doc. 14].

Este fato demonstra a capacidade do grupo em destruir

e ocultar provas.

Ainda no terreno dos fatos, os olhos se acomodam na

afirmação do Ten.-Cel. Soares de que o Ten.-Cel. Óttoni conseguiu,

114

“enquanto estava secretariando os trabalhos do IPM, impedir que a prisão

do Cel. PM Siqueira saísse, e também sequer saiu o seu indiciamento”.

Parece mesmo que forças ocultas trabalham para, a

qualquer custo, blindar o Cel. PM Siqueira.

Os elementos probatórios e indiciários levam mesmo à

conclusão que o Cel. PM Siqueira faz parte do grupo, tanto que foi essa a

forte impressão que o Cel. PM Lesco passou ao Ten.-Cel. Soares, quando

cuidava das tratativas de como “proteger o grupo”.

E mais: a preocupação do grupo se estende às

eleições de 2018, como relevou a sobredita testemunha nesta passagem do

seu depoimento:

“Que ele [Cel. Lesco] disse que o grupo estava

preocupado com o andamento dos trabalhos de investigação,

pois poderia refletir na eleição do ano que vem”.

A afirmação permite várias interpretações, dentre elas,

a referente à utilização de escutas ilegais, como se viu na eleição de 2014,

quando os advogados dos principais oponentes foram interceptados em

momento crucial da campanha.

Essa possibilidade também recomenda e impõe a

manutenção dos investigados sob custódia cautelar, até porque – insisto em

lembrar – o Sistema Sentinela não foi apreendido, e pode operar de

qualquer lugar do Brasil, desde que disponha de internet, e de cúmplices,

claro, muito fácil de cooptar.

Percebe-se, portanto, que todos os envolvidos na trama

delituosa, cada um à sua maneira, tem participação incisiva na condução do

plano arquitetado pela organização criminosa, com o propósito não

115

apenas de prejudicar as investigações, como, principalmente, de me

afastar da condução delas, razão pela qual a decretação da prisão, também

por conveniência da instrução criminal, é medida que se impõe.

Segundo profícuo escólio de Odone Sanguiné:

“O ‘risco de interferência no curso da justiça’,

incluído, inter alia, o risco de conluio ou de obscurecimento da

prova (v.g., informar outras pessoas que podem também estar

sob investigação, conluio com outras pessoas envolvidas no

caso, a destruição de documentos e outras espécies de provas), é

um motivo da prisão preventiva admitido pela legislação da

grande maioria dos países da União Europeia, bem como pela

jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, do

Tribunal Constitucional Alemão e do Tribunal Constitucional

Espanhol.

[...]

Por outro lado, a prisão cautelar somente é compatível

com a Constituição Federal quando decretada com a função de

‘proteção passiva’ das fontes de prova e do processo,

direcionada a impedir atividades ilícitas de destruição ou

alteração do material probatório pelo imputado (v.g., os

vestígios do crime, elementos que constituem o corpo de delito,

um possível testemunho sobre os fatos, reconhecimento pessoal,

intimidação de terceiros para que não declarem a verdade, etc.),

privando de efetividade ao processo penal, por seu caráter

estritamente ‘endoprocessual’” [Prisão Cautelar, Medidas

Alternativas e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense,

2014, p. 240, 245 e 246].

116

Tudo mostra e confirma que o culto dos atrevidos

desconhece limites.

No propósito de conspurcar a honra, a honorabilidade e

credibilidade de quem se postou como “pedra no sapato”, atrapalhando os

“interesses do grupo” –, com a cólera vingativa de Caifás e trombeteando o

halali, saíram à caça da presa adrede escolhida.

Não podendo atuar senão embiocados, homiziados,

correram em esbaforida azáfama, à cata de alguém que pudesse se

servilizar, um lacaio capaz de felonias.

Evidentemente que, não fosse alguém que pudessem

corromper, haveria de ser quem conseguissem constranger, coagir e

dominar, alguém com fragilidade ética e moral que pudesse prestar à

vilanagem.

Com a nomeação do Ten.-Cel. Soares para atuar como

escrivão no Inquérito Policial-Militar, viram a oportunidade de intimidá-lo

e subjugá-lo com as informações que o Dr. Paulo César Zamar Taques

recolheu no confessionário de advogado, quando patrocinou seus interesses

na ação de dissolução de sociedade de fato que debateu com seu irmão Ivan

Costa Soares.

Tendo na algibeira uma arma mortal contra o Ten.-Cel.

Soarez, renderam-no à cochinada, à pravidade e à traição.

Tocado em suas fibras mais sensíveis – o amor à farda

e à sua Instituição –, premido pelas ameaças não lhe restou alternativa

senão anuir à trampolinagem, ao ardil, e à astúcia.

117

Mal sabiam que estavam a tratar com homem que

guardava e professava princípios rigorosos, esculpidos a buril no seio de

sua família de sangue e da castrense.

Ainda obnubilado pela coação irresistível que se lhe

espingardearam, cedeu-se inicialmente a ela, gravando o primeiro encontro

que teve com este relator quando levado pelo Coronel Catarino –

Encarregado do IPM – para apresentação como novo escrivão.

Cumpriu-se a contento a primeira missão. Com isso,

angariou-lhes confiança.

Mas ainda era pouco, muito pouco o material obtido.

Precisavam de mais.

Necessitavam de imagens, que valem mais que mil

palavras.

Exigiram-lhe, então, fosse gravado, em vídeo, falas

minhas – mesmo provocadas – que pudessem, de alguma forma, atiçar-me

a pecha de parcialidade.

Como as investigações se voltaram também contra o

Secretário de Segurança Pública, e temendo que alguma medida cautelar

fosse deferida contra ele no decorrer da semana que passou, ordenaram

pressa no cumprimento da tarefa conferida. Não tardaram a colocar os

rosários a trabalhar.

Chegaram, inclusive, a combinar uma reunião na

segunda-feira (18/9), onde se faria presente o Ten.-Cel. Soares, o Major

Ferronato e um Promotor de Justiça, que estaria conluiado com o grupo, ao

menos no propósito de afastar-me da condução do processo e dos

procedimentos relacionados com a “grampolândia pantaneira”.

118

Tudo, entretanto, veio por água abaixo.

Um exame de consciência fez com que seus rígidos

princípios morais e éticos rompessem a crosta da coação, que chegou a

movimentar ações em favor da organização criminosa.

A lavra ardente de sua dignidade fez cair a escama que

lhe deitou nos olhos.

Ao contrário do homúnculo, do sabujo que julgavam

estar a tratar, exsurgiu, vibrante e atuante, o brioso homem/militar, que tem

em sua honra e em sua dignidade valor maior do que sua própria vida.

Emergindo do pego de esterco que o confinaram, da

diabrura que o meteram, procurou a Justiça como quem procura um padre,

para conforto de sua alma levada, a fórceps, nos confins do inferno.

A confissão, naquela altura, era o bálsamo que seu

atormentado espírito reclamava e implorava.

A peito aberto, revelou à autoridade policial toda a

putredinosidade da inaudita trama criminosa, que estava a atentar não

apenas contra o Relator dos procedimentos, mas contra o Estado de Direito

e a própria democracia.

Rui Barbosa, ao seu tempo, já dizia que “a audácia é a

alavanca das grandes aventuras do mal”.

Caiu a máscara, desarmou-se a esparrela.

No propósito de afastar-me da ação penal e dos demais

procedimentos sob minha direção, era preciso movimentar a opinião

pública. Por isso urdiram colocar as infâmias nas asas falconídeas da

119

imprensa, certamente a teúda e manteúda – pagas para disseminar maldades

e destruir reputações ilibadas.

É evidente que estou a falar de uma minoria absoluta

da imprensa, porque, de modo geral, nossos veículos de comunicações são

sérios e ilibados, e jamais se prestariam a desserviços contra a democracia e

a cidadania.

Com isso, fariam pirotecnias e grande estendal com a

esquizofrênica acusação de parcialidade do condutor dos procedimentos.

Sabiam que a fulmínea pasquinagem provocaria

alvoroço e zaragalhada na sociedade.

Lançadas as venéficas plumas ao vento, recolhê-las

assemelharia ao suplício de Sísifo, figura da mitologia grega, condenado

por Zeus a empurrar, eternamente, ladeira acima, uma pedra que rolava de

novo ao atingir o topo de uma colina.

A intenção era levar-me à rendição.

Nessa história, o mais surreal e estarrecedor é a

possível participação do Ministério Público nesse enredo criminoso,

Instituição à qual devoto o maior apreço, admiração e respeito, pelo fato de

ter sido amamentado, embalado e criado dentro dessa família.

Tenho dito, vezes reiteradas, que as instituições não

são melhores umas que as outras. Constituídas por homens pecadores,

sempre haverá necessidade de expungir, de defenestrar aqueles que as

enodoam e que, por isso, não se mostram dignos de integrá-las.

O problema é que algumas instituições, porque detêm o

estilingue nas mãos e trabalham sempre como pedra, acham,

120

equivocadamente, que em suas fileiras se encastelam homens mais

virtuosos que outras.

No caso em exame, há denúncia de que um Promotor

de Justiça – representando um grupo do Ministério Público interessado em

alijar-me dos processos –, estaria aliado à organização criminosa, cujo

mister seria o de dar forma e conteúdo a uma exceção de suspeição,

inclusive com instruções ao Ten.-Cel. Soares de “como deveria falar, como

falar, o que falar e de quem falar”.

É preciso que o Ministério Público, em procedimento

criminal instaurado no Tribunal de Justiça – e não a quatro paredes,

como se costuma fazer –, assim como no âmbito administrativo – em

averiguação interna –, apure com seriedade e rapidez a informação

trazida, provada por áudio captado pelo Ten.-Cel. Soares, que gravou falas

do Cel. Lesco nesse sentido.

É preciso compreender que, neste mundo, nada se

constrói senão à custa de uma destruição equivalente. E até as pedras

sabem que, quando se trata de investigar os seus, o Ministério Público de

Mato Grosso não tem a mesma eficiência quando os investigados são reles

mortais. Ninguém pode se bater no peito e arvorar-se no direito de

vassourar a casa alheia se, antes, não limpar sua própria soleira e testada.

Que dizer da “cutilada” de dias atrás, que a imprensa

chamou de “alfinetada”?

Grande alvoroço e estardalhaço também se fez com o

afastamento das funções do Secretário de Segurança Pública, Rogers

Elizandro Jarbas.

121

Promoveu-se até uma manifestação governamental, na

qual trombetearam e matraquearam, a mais não poder, a parcialidade

deste Relator.

Com a boca cheia de probidade para nodoar o nome

alheio, anunciou-se que vão questioná-la no Conselho Nacional de Justiça.

Pensa meu detrator que pode corrigir-me a palmatórias.

Mal sabe o cadinho no qual minha personalidade foi

forjada.

Fica dito que respeito se paga na mesma proporção que

se recebe.

O tom apostólico da desazada acusação de

parcialidade, que me querem encangalhar, não impressiona nem as almas

de estrumeira.

Mas, “a água que cai gota a gota cava a pedra”

(Lucrécio).

A ideia sempre foi simples, mas maquiavélica.

Desacreditando-se e desmoralizando-se o Relator,

estariam comprometidas todas as provas coligidas, como também as

decisões proferidas e por se proferir, porque retirado o que se apresenta de

mais caro e essencial à Justiça, que é a credibilidade e a confiança do

cidadão.

“O cálice não tem valor pelas pedras preciosas que o

adornam, mas pelas mãos que o erguem” (Geovanni Papine).

Esta a vilanagem urdida.

122

Captado qualquer indício – por menor que fosse –, que

pudesse sugerir a iniquidade do Relator, bem trabalhado na imprensa, na

opinião pública – que abertamente planejavam utilizar – o elevaria à

condição de prova incontestável da parcialidade deste julgador, o que poria

a pique até as prisões já decretadas, porque ditadas por quem nunca

guardou ânimo de imparcialidade.

Uma vez cimentados e assoalhados os malsins na

opinião pública, faltaria apenas o ato final da histrionice: a exceção de

suspeição.

E pelo que apontam as provas recentemente colhidas,

entraria em cena o Ministério Público com seus bambus embebidos no

sangue da Hidra de Lerna, que me flechariam mortalmente na exceção de

suspeição que promoveriam.

Entretanto, meu espírito se recusa a acreditar que

qualquer membro do Ministério Público possa ter se aliado à trama

criminosa.

E não há como negar que a pretensão tinha mesmo

efeitos de carmim, que embutia o propósito de alijar-me da relatoria do

procedimento, quando não, da vigilância do Tribunal e da própria

OAB/MT.

Também não é possível esconder que a sociedade tem

acompanhado com desconfianças o comportamento de membro[s] do

Ministério Público no caso da “grampolândia pantaneira”. E tem razões

de sobras para isso.

123

Mas não podemos nem devemos perder nossa fé em

tão nobre e útil instituição da nossa sociedade, que tem prestado inauditos

serviços ao Brasil.

Prefiro acreditar que o comprometimento de

membro[s] do Ministério Público neste caso seja apenas fanfarronice,

bravatas e calúnia relapsa contra tão integérrima instituição, constituída de

homens íntegros e probos, que jamais associariam a tamanha

putredinosidade.

De qualquer forma, estando os fatos a desvelar a

possibilidade – anunciadas pelos próprios implicados nas ações delituosas –

de que um “grupo do Ministério Público” estaria a compactuar e a

coadjuvar tão ignóbil traição, faz-se imprescindível a rigorosa apuração

das sobreditas declarações, até, se for o caso, para punição exemplar dos

caluniadores.

E se deve mergulhar fundo nas investigações para que

não paire, ao final delas, qualquer nesga de dúvidas de que “alguém” do

Ministério Público possa ter consentido e transigido com tamanha

vilanagem contra um membro desta Corte de Justiça.

Conhecendo seus membros, especialmente os da alta

cúpula do Órgão, afianço e asseguro que tudo não passa de bazófias,

bravatas e fanfarronice dos membros do grupo, utilizados para cooptar o

Ten.-Cel. Soares, mostrando-lhe que tinha o apoio de uma instituição séria

e forte.

De qualquer sorte, é preciso afastar qualquer juízo de

valor negativo perante a sociedade.

124

Sabemos que não é fácil se desfazer de grandes

calúnias, que não se rende jamais e semeia até em areias.

É preciso desfazê-las, até porque determinadas

profissões reclamam normas de conduta diferenciadas, que, quando

inobservadas, emasculam a própria dignidade do cargo, função ou

profissão.

É Erasmo de Roterdã [Elogios à Loucura, Ed. Rideel,

p. 135] quem disse que os vícios e os crimes dos súditos são infinitamente

menos contagiosos dos que os do senhor [...], e que o príncipe, quando dá

maus exemplos, seu procedimento é uma peste que contagia rapidamente,

fazendo grandes estragos.

Por isso, é imprescindível investigar, não apenas em

sindicância, mas em procedimento criminal instaurado no âmbito do

Tribunal de Justiça, o que será determinado em ato próprio e específico.

Forte em tais razões, entendo presentes a prova da

materialidade e os indícios suficientes de autoria pela prática dos crimes

de organização criminosa [art. 2º, da Lei n. 12.850/2013], de embaraço à

investigação de infração penal que envolva organização criminosa [art. 2º,

§ 1º, da Lei n. 12.850/2013], de coação no curso do processo [art. 344, CP],

de corrupção ativa [art. 333, CP], de denunciação caluniosa, em sua

modalidade tentada [art. 339, CP], em relação aos representados PAULO

CÉSAR ZAMAR TAQUES, MARCIANO XAVIER DAS NEVES,

HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO, CEL. PM

EVANDRO ALEXANDRE FERRAZ LESCO, SGT. PM JOÃO

RICARDO SOLER, MAJOR PM MICHEL FERRONATO, ROGERS

ELIZANDRO JARBAS, CEL. PM AIRTON BENEDITO DE

SIQUEIRA JÚNIOR e de JOSÉ MARILSON DA SILVA, razão pela

125

qual, a meu sentir, a prisão se patenteia imprescindível para garantia da

ordem pública e por conveniência da instrução criminal.

Não visualizo, pelo menos por ora, indícios

suficientes de autoria ou de participação da advogada Samira Martins no

grupo criminoso, cuja conclusão poderá ser modificada, obviamente, no

decorrer das investigações, caso advenha algum fato novo que demonstre

seu envolvimento com o grupo criminoso formado.

DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA

PRISÃO FIXADAS AO INVESTIGADO MARCIANO XAVIER DAS

NEVES

A despeito da representação apresentada pelas

autoridades policiais, pela decretação da prisão cautelar do advogado

Marciano Xavier das Neves, não visualizo, pelo menos por ora, a

necessidade de imposição da medida extrema.

Segundo bem asseverado pelos representantes, o

investigado Marciano Xavier das Neves foi o responsável em passar o

primeiro recado da suposta organização criminosa para o Ten.-Cel. Soares,

e posteriormente recebe o áudio – captado de maneira clandestina – de uma

reunião realizada em meu Gabinete.

Não obstante o aparente envolvimento do advogado

Marciano Xavier das Neves com o grupo criminoso, entendo que – sem

descurar a gravidade de sua conduta –, sua participação na empreitada

delituosa pode ser reputada de somenos importância, dado que, em

princípio, ficou responsável por dar o “recado” ao Ten.-Cel. Soares, em

razão da facilidade de acesso ao Escrivão do IPM, bem como recepcionou

o áudio gravado clandestinamente em meu gabinete.

126

Por esta razão, entendo por bem, pelo menos no atual

estágio das investigações, aplicar ao advogado MARCIANO XAVIER

DAS NEVES medidas cautelares diversas da prisão, dentre elas: o

comparecimento periódico em juízo; a proibição de ausentar-se do País; e o

pagamento de fiança, no valor de R$ 9.370,00 [nove mil, trezentos e

setenta reais].

DA EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE BUSCA E

APREENSÃO

As autoridades policiais representaram, ainda, pela

expedição de mandados de busca e apreensão, justificando a necessidade da

medida para apreensão de documentos e aparelhos eletrônicos (celular,

notebook, HDs, pen drives, etc.), e de quaisquer outros objetos que tenham

interesse para a investigação.

Requerem, ainda, se deferida a apreensão, a

autorização para extração dos dados dos referidos aparelhos eletrônicos

apreendidos, principalmente os celulares, a fim de evitar futura alegação de

ilegalidade na obtenção de provas.

O art. 240 do CPP prescreve:

“Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando

fundadas razões a autorizarem, para:

[...]

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios

criminosos;

[...]

127

e) descobrir objetos necessários à prova de infração

ou à defesa do réu;

[...]

h) colher qualquer elemento de convicção”.

A despeito da excepcionalidade da medida pretendida

pelos representantes, entendo que, no caso concreto, ela se revela de todo

plausível e indispensável, sobretudo no intuito de obter elementos

informativos hábeis a contribuir para elucidação dos fatos.

As espécies dos crimes praticados, especialmente

aquele envolvendo escutas telefônicas ilegais, recomendam a medida

solicitada pela autoridade policial.

Afora as interceptações clandestinas, que podem ter

sido conservadas, há ainda o próprio Sistema Sentinela e as placas

Wytron, que não foram apreendidas, podendo estar em qualquer lugar,

principalmente na residência de suspeitos e insuspeitos, notadamente de

amigos e parentes.

Dentre os atuais insuspeitos, podemos citar a pessoal

do Coronel aposentado José Renato Martins da Silva.

Segundo Relatório de Inteligência n. 1/2017, “o

coronel aposentado JOSÉ RENATO MARTINS DA SILVA é da mesma

loja maçônica de Paulo Taques e que estaria dando todo apoio a

organização criminosa, inclusive guardando documento e provas para

proteger a organização criminosa em sua casa”.

A necessidade de buscas, também, se espraia para

qualquer tipo de provas que possam acrescentar ou corroborar as já

existentes.

128

Sempre pareceu-me mesmo indispensáveis as buscas e

apreensões, inclusive aquelas reclamadas no Inquérito Policial Militar, que

não foram deferidas em decorrência de vazamento de informações sobre

elas, o que as tornariam infrutíferas.

É preciso mesmo perscrutar provas que possam estar

em poder dos investigados e até mesmo de terceiros, importantes para as

investigações.

Até pela natureza dos delitos pelos quais se veem

increpados, impõe-se a relativização de direitos fundamentais, consoante

consignado com propriedade pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão

monocrática proferida pelo Ministro Luiz Fux, na Petição n. 7.220, a busca

e apreensão, “trata-se de medida que [...] possibilita. Consoante expressa

autorização do próprio legislador constitucional que se excepcione a

garantia da inviolabilidade de domicílio expressa no art. 5º, XI, da

Constituição Federal, a qual, por não possuir natureza absoluta, pode ser,

com a devida autorização judicial e em período diurno, relativizada em

nome do interesse público de colher elementos probatórios úteis e

necessários ao prosseguimento de investigação de fato de natureza penal”.

Sem desmerecer o sigilo profissional que recai sobre

documentos e instrumentos de trabalho que contenham informações sobre

clientes, protegidas pelo ordenamento jurídico vigente, há base empírica a

comprovar que nos escritórios de advocacia dos investigados Marciano

Xavier das Neves e Paulo Cesar Zamar Taques podem ser encontradas

peças, objetos e documentos relevantes para as investigações.

No mesmo sentido, é proporcional a medida de busca e

apreensão nas residências dos envolvidos, porquanto nelas, ao que tudo

indica, podem ser encontrados objetos relacionados aos delitos sob

129

apuração, bem como documentos que contribuam para o descortinamento

de outras infrações penais.

Neste ponto, convém salientar que, não visualizo, pelo

menos até o atual estágio das investigações, indícios suficientes de autoria

em relação à representada SAMIRA MARTINS, não havendo base

empírica, portanto, a autorizar a medida contra sua pessoa.

No atinente ao representado José Marilson da Silva, a

probabilidade de localizar equipamentos, ou informações relacionadas a

eles, utilizados pelo Núcleo da Polícia Militar, é concreta, o que autoriza a

concessão da ordem não apenas na empresa Simples IP, mas, também, na

residência, e na nova empresa constituída pelo investigado, qual seja, na

Empresa S3S TELECOM E TI.

No mesmo sentido, há fortes indícios de serem

localizados documentos e objetos ligados à prática de fatos criminosos na

Casa Militar, órgão que até bem pouco tempo era comandado pelo Cel.

PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, assim como nas dependências da

Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, conduzida pelo Cel.

PM Airton Benedito de Siqueira Júnior.

Neste particular, importa averiguar se o aparelho

espião, instalado na gandola do Ten.-Cel. Soares, pertence ou não à Casa

Militar.

A expedição da ordem de busca e apreensão no Auto

Posto Bom Clima e no Auto Posto Gold tem por finalidade a obtenção de

elementos probatórios a confirmar as declarações prestadas pelo Ten.-Cel.

José Henrique Costa Soares.

DA QUEBRA DE DADOS NOS APARELHOS

130

APREENDIDOS – EM ESPECIAL NOS CELULARES

Além da representação pela expedição do mandado de

busca e apreensão, os delegados de polícia requerem autorização para

extração dos dados dos aparelhos eletrônicos a serem apreendidos, em

especial, dos celulares.

A meu sentir, a situação retratada nos autos não está

protegida pela Lei n. 9.296/1996, nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista

não se tratar de quebra sigilo telefônico por meio de interceptação

telefônica.

Entretanto, apesar de não cuidar de violação da

garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso

XII, da CF, a jurisprudência atual, nomeadamente a do Superior Tribunal

de Justiça, entende que a extração de dados contidos no aparelho

celular, dentre eles, o acesso a mensagens de textos armazenadas, sem

autorização judicial devidamente motivada, configura violação à

inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso

X, da Constituição da República, passível de nulificação da prova obtida.

Colho da jurisprudência:

“[...] 1. Embora a situação retratada nos autos não

esteja protegida pela Lei n. 9.296/1996 nem pela Lei n.

12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico

por meio de interceptação telefônica, ou seja, embora não se

trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações,

prevista no art. 5º, inciso XII, da CF, houve sim violação dos

dados armazenados no celular do recorrente (mensagens de

texto arquivadas).

131

2. No caso, deveria a autoridade policial, após a

apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do

sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia, igualmente

constitucional, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada,

prevista no art. 5º, inciso X, da CF. Dessa forma, a análise dos

dados telefônicos constante do aparelho do recorrente, sem sua

prévia autorização ou de prévia autorização judicial

devidamente motivada, revela a ilicitude da prova, nos termos do

art. 157 do CPP [...]” [STJ, RHC 78.747/RS, Rel. Ministro

REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,

julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017].

Em contrapartida, não há nenhuma ilegalidade, ou

ofensa à garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da

honra e da imagem das pessoas, quando a quebra de sigilo de dados

telefônicos se revelar imprescindível para desvendar a prática de atos

criminosos, ou para a descoberta de novos envolvidos na trama delituosa,

consoante se infere no caso em apreço.

No caso dos autos, repita-se, as informações a serem

obtidas se afiguram de relevância ímpar para a elucidação dos fatos

apurados, nomeadamente para se conseguir elementos quanto ao

envolvimento de outras pessoas na trama delituosa, a fim de desvendar

outros integrantes da possível organização criminosa formada, bem como

para subsidiar as investigações policiais e robustecer os elementos

probatórios até então colhidos na fase inquisitorial.

DA CONDUÇÃO COERCITIVA

As autoridades policiais representaram, ainda, pela

condução coercitiva do Corregedor-Geral da Polícia Militar do Estado de

132

Mato Grosso, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, sob o pretexto

de que “a engenharia envolvendo a farda usada na Corregedoria em

questão seria peça fundamental, para que a trama arquitetada

prosperasse”.

Analisando com acuidade os argumentos aduzidos

pelos representantes, verifico que a medida pretendida é necessária,

sobretudo para evitar que investigados ou testemunhas combinem versões

com o intuito de prejudicar as investigações.

Apesar de não ser investigado como integrante da

organização criminosa, entendo relevante a oitiva do Corregedor-Geral

da PMMT, na condição de testemunha, nomeadamente para que possa

esclarecer a questão atinente à modificação do fardamento utilizado na

Corregedoria, conforme asseverado pelos promoventes da representação.

No mesmo sentido, as autoridades policiais, ora

representantes, entendem imprescindível a condução coercitiva da

advogada Samira Martins, em face da presença de indícios que

demonstram seu envolvimento com outros integrantes da provável

organização criminosa.

Consoante salientei em outra passagem desta decisão,

não obstante sua proximidade com a investigada Helen, e seu breve contato

com o Ten.-Cel. Soares, não há base empírica a demonstrar a necessidade

de sua condução coercitiva, razão pela qual indefiro a medida em relação

à aludida investigada.

À vista do exposto:

(i) ACOLHO a REPRESENTAÇÃO DA

AUTORIDADE POLICIAL e, com fundamento nos artigos 311 e 312,

133

ambos do Código de Processo Penal, DECRETO A PRISÃO

PREVENTIVA dos seguintes investigados:

(i.i) PAULO CESAR ZAMAR TAQUES, nascido

aos 15/11/1968, inscrito no CPF n. 469.178.881-68, filho de Vera Zamar

Taques e João José R. Taques, residente e domiciliado na Rua das

Camélias, n. 245, Condomínio Florais Cuiabá, nesta Capital;

(i.ii) CEL. PM AIRTON BENEDITO DE

SIQUEIRA JÚNIOR, nascido aos 24/2/1973, filho de Ana Antônia

Conceição de Siqueira e Airton Benedito de Siqueira, CI n. 878962

PMMT, residente e domiciliado na Rua dos Hibiscos, Lote 10, Quadra 9,

Condomínio Florais, nesta Capital;

(i.iii) ROGERS ELIZANDRO JARBAS, nascido aos

31/1/1974, inscrito no CPF n. 095.695.858-38, filho de Dalvina da Piedade

Jarbas e Jaime Correa Jarbas, residente e domiciliado na Rua Cuiabá, n. 45,

Jardim Itália, Condomínio Alphaville 2, nesta Capital;

(i.iv) CEL. PM. EVANDRO ALEXANDRE

FERRAZ LESCO, nascido aos 20/3/1973, CPF n. 569.677.481-49, filho

de Emiliana Ferraz Lesco e Cecílio Lesco, residente e domiciliado na Rua

Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom

Clima, nesta Capital;

(i.v) SGT. PM JOÃO RICARDO SOLER, nascido

aos 22/7/1978, CPF n. 801.907.661-15, filho de Ilza Maria da Silva Soler e

João Gonçalves Soler, residente e domiciliado na Rua Equador, Quadra 11,

Lote 2, bairro Ikaraí, Várzea Grande/MT;

(i.vi) MAJOR PM MICHEL FERRONATO,

nascido aos 6/5/1976, inscrito no CPF n. 569.474.701-10, filho de Ivone

134

Fernandes Ferronato, residente e domiciliado na Av. Vereador Juliano da

Costa Marques, n. 877, apto. 703, Torre 4, Residencial Bonavita, bairro

Jardim Aclimação, nesta Capital;

(i.vii) HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS

LESCO, nascida aos 11/11/1978, CPF n. 696.427.291-72, filha de Maria

da Conceição Carvalho dos Santos, residente e domiciliada na Rua

Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom

Clima, nesta Capital; e,

(i.viii) JOSÉ MARILSON DA SILVA, nascido aos

10/9/1966, filho de Josefa Rosa da Silva e Luiz João da Silva, residente e

domiciliado na Avenida Cuiabá, n. 480, Bairro Cohab Nova, nesta Capital.

(ii) ACOLHO EM PARTE A REPRESENTAÇÃO

APRESENTADA, FIXANDO AO REPRESENTADO MARCIANO

XAVIER DAS NEVES as seguintes medidas cautelares:

(ii.i) comparecimento em juízo, todo quinto dia útil de

cada mês, para informar e justificar suas atividades;

(ii.ii) proibição de ausentar-se do País, comunicando-

se as autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do

território nacional, devendo o paciente entregar o passaporte na

Secretaria do Departamento do Tribunal Pleno deste Sodalício,

no prazo de vinte e quatro horas.

(ii.iii) pagamento de fiança, no prazo de vinte e quatro

horas, no valor de R$ 9.370,00 [nove mil, trezentos e setenta

reais].

(iii) DEFIRO A EXPEDIÇÃO DOS MANDADOS

DE BUSCA E APREENSÃO a serem cumpridos nos seguintes locais:

135

(iii.i) residência de PAULO CESAR ZAMAR

TAQUES, situado na Rua das Camélias, n. 245, Condomínio Florais

Cuiabá, nesta Capital;

(iii.ii) escritório de advocacia de PAULO CESAR

ZAMAR TAQUES, situado na Rua Deputado Roberto Cruz, n. 216, bairro

Miguel Sutil, nesta Capital;

(iii.iii) escritório de advocacia de MARCIANO

XAVIER DAS NEVES, localizado na Avenida Historiador Rubens de

Mendonça, n. 1.894, Edifício Maruanã, nesta Capital;

(iii.iv) residência dos investigados HELEN

CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO e CEL. PM EVANDRO

ALEXANDRE FERRAZ LESCO, situada na Rua Minuano, Quadra 8, n.

165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom Clima, nesta Capital;

(iii.v) residência do 2º Sgt. JOÃO RICARDO

SOLER, situado na Rua Equador, Quadra 11, Lote 2, Bairro Ikaraí, Várzea

Grande/MT;

(iii.vi) residência do MAJOR PM MICHEL

FERRONATO, localizada na Avenida Vereador Juliano da Costa

Marques, n. 877, Apartamento 703, Torre 4, Residencial Bonavita, Bairro

Jardim Aclimação, nesta Capital;

(iii.vii) residência de ROGERS ELIZANDRO

JARBAS, situada na Rua Cuiabá, n. 45, Bairro Jardim Itália, Condomínio

Alphaville 2, nesta Capital;

(iii.viii) residência do CEL. PM AIRTON

BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR, localizada na Rua dos Hibiscos,

Lote 10, Quadra 9, Condomínio Florais, nesta Capital;

136

(iii.ix) residência de JOSÉ MARILSON DA SILVA,

situada na Avenida Cuiabá, n. 490, Bairro Cohab Nova, nesta Capital;

(iii.x) residência do Cel. PM JOSÉ RENATO

MARTINS DA SILVA, situada na Avenida Leônidas de Carvalho, n. 175,

Bairro Consil, nesta Capital;

(iii.xi) empresa SIMPLES IP, localizada na Avenida

Isaac Póvoas, n. 901, Sala 101, Edifício Mirante do Coxim, nesta Capital;

(iii.xii) empresa S3S TELECOM E TI, localizada na

Avenida Fernando Corrêa da Costa, n. 248, Sala 4, Bairro Poção, nesta

Capital;

(iii.xiii) dependências da CASA MILITAR, Palácio

Paiaguás, Centro Político e Administrativo;

(iii.xiv) Gabinete do Cel. PM SIQUEIRA, na

SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA E DIREITOS

HUMANOS, Rua Tenente Eulálio Guerra, n. 488, Bairro Quilombo, nesta

Capital;

(iii.xv) AUTO POSTO BOM CLIMA, situado na

Avenida República do Líbano, n. 1743-1875, Bairro Jardim Monte Líbano,

nesta Capital;

(iii.xvi) AUTO POSTO GOLD, situado na Avenida

Miguel Sutil, n. 4491, Bairro Despraiado, nesta Capital;

Ficam as autoridades policiais e demais agentes

responsáveis pelo cumprimento dos respectivos mandados, autorizados a

apreender documentos de qualquer natureza, inclusive agenda pessoal,

planilhas e quaisquer outros elementos de provas relacionados aos

ilícitos narrados na presente representação.

137

Defiro, ainda, a busca e apreensão de equipamentos

eletrônicos [aparelhos celulares, notebooks, HDs, pen drives, etc.], e

qualquer outro objeto que tenha interesse para a investigação, inclusive as

imagens do circuito interno de televisão existentes nos aludidos locais,

nomeadamente nos estabelecimentos comerciais Auto Posto Bom Clima e

Auto Posto Gold.

Estão autorizados, ainda, a apreender todo e qualquer

material utilizado para espionagem, para serviço de inteligência, em

especial de captação de áudio e imagens [óculos, chaveiros, canetas,

broches, etc.] ou utilizados para interceptações telefônicas, em especial, as

placas dos Sistemas Wytron e Sentinela.

Defiro, ainda, a busca e apreensão dos equipamentos

eletrônicos utilizados pelos investigados, em especial, dos aparelhos

celulares, ficando, desde já, autorizado o acesso ao conteúdo e os dados

armazenados, haja vista a possibilidade que contenha material probatório

relevante.

Os responsáveis pelo cumprimento dos mandados

deverão agir com cautela e discrição, apenas durante o dia, isto é, das 6 às

20 horas.

Ressalto, ainda, que no atinente ao[s] escritório[s] de

advocacia, o cumprimento do mandado de busca e apreensão deverá ser

cumprido na presença de representante da OAB, sendo vedada a

utilização de documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes

do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho

que contenham informações sobre clientes.

Contudo, a ressalva acima não se estende a clientes do

advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como

138

partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à

quebra da inviolabilidade [art. 7º, §§ 6º e 7º, do Estatuto da OAB].

Portanto, não se aplica a restrição contida no Estatuto

da OAB às mídias, aos objetos e aos documentos relacionados a clientes

suspeitos de integrarem a organização criminosa.

(iv) AUTORIZO a CONDUÇÃO COERCITIVA do

Corregedor-Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, CEL. PM

CARLOS EDUARDO PINHEIRO DA SILVA, para prestar os

esclarecimentos nos autos perante a autoridade policial.

(v) DEFIRO, por fim, o pedido de compartilhamento

de provas. Para tanto, determino a extração de fotocópia do Inquérito

Policial n. 87132/2017 e sua posterior remessa ao Encarregado do

Inquérito Policial Militar n. 66673/2017.

Da mesma forma, requisite-se ao Encarregado do IPM,

Cel. PM Jorge Catarino de Morais Ribeiro, fotocópia de tudo que foi

produzido [inclusive dos autos suplementares], encaminhando,

posteriormente, à Delegada de Polícia ANA CRISTINA FELDNER, para

providências necessárias.

(vi) INDEFIRO, por fim, a representação pela

expedição de mandado de busca e apreensão, e de condução coercitiva, em

relação à investigada SAMIRA MARTINS.

Expeçam-se os mandados de prisão e de busca e

apreensão, a serem entregues diretamente à delegada de polícia, ora

representante.

Cumpridos os mandados, os presos deverão ser,

imediatamente, apresentados – acompanhado do respectivo mandado de

139

prisão – ao Juízo da Décima Primeira Vara Criminal da Capital, para

realização da audiência de custódia, nos termos da Resolução CNJ n. 213.

Delego ao juízo da 11ª Vara Criminal da Capital,

todos os poderes para realização da audiência de custódia – em relação

aos investigados presos, bem como do ato processual para audiência

admonitória do investigado Marciano Xavier das Neves, advertindo-o das

medidas cautelares impostas, dentre elas, o pagamento da fiança, e da

possibilidade de decretação da prisão preventiva, em caso de

descumprimento.

Os presos militares deverão ser encaminhados para

Unidades Policiais Militares, enquanto os civis aos estabelecimentos

prisionais adequados, no caso, aqueles com formação superior, ao Centro

de Custódia da Capital.

Comunique-se à Ordem dos Advogados do Brasil,

Seccional Mato Grosso, consoante exigência contida no art. 7º, inciso IV,

da Lei n. 8.906/94, da prisão do advogado, e da necessidade de

acompanhamento do cumprimento do mandado de busca e apreensão nos

escritórios de advocacia.

Por fim, deverá a Diretora do Tribunal Pleno adotar as

medidas necessárias para resguardar o sigilo das diligências.

Cumpridas todas as diligências, dê-se imediata vista

dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para manifestação no prazo de

três dias úteis.

Antes, porém, autue-se como representação pela

decretação de prisão preventiva, expedição de mandados de busca e

apreensão e conduções coercitivas.

140

Serve a presente decisão como mandado de

condução coercitiva do Corregedor-Geral da Polícia Militar Cel.

PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, bem como de intimação do

advogado Marciano Xavier das Neves.

O advogado Marciano Xavier das Neves deverá

se apresentar ao Juízo da 11ª Vara Criminal da Capital, munido

da presente decisão, para realização da audiência admonitória.

Expeça-se o necessário.

Cumpra-se.

Cuiabá, 26 de setembro de 2017.

Desembargador ORLANDO DE ALMEIDA PERRI,

Relator.