278
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADECATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Adriano Alves dos Reis Santos Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da Subprefeitura Sé MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo 2014

Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

  • Upload
    dophuc

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADECATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Adriano Alves dos Reis Santos

Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da Subprefeitura Sé

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

São Paulo

2014

Page 2: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADECATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Adriano Alves dos Reis Santos

Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da Subprefeitura Sé

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em Psicologia Social sob a orientação do

Prof. Dr. Salvador Antônio Mireles

Sandoval.

São Paulo

2014

Page 3: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

__________________________________

Page 4: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

Ao moço que me ensina

todos os dias o significado da

vida e do amor.

Te amo filho, muito.

Page 5: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

AGRADECIMENTOS

A jornada até aqui foi longa, dolorida, cheia de mudanças e dúvidas. Completar

este processo é muito especial para mim, nem tenho palavras para a descrição deste

momento.

Primeiro, agradeço a minha família! Ao meu pai e a minha mãe, por me

mostrarem, a seu modo, o mundo, numa simplicidade de quem veio de longe. Aos meus

irmãos, o apoio da vida toda. Tudo que fiz teve o apoio incondicional de vocês. Allan

lhe agradeço a ajuda especial neste processo ao emprestar sua casa, fundamental nos

momentos mais tensos.

Ao Salvador meu agradecimento especial porque, como disse, o processo foi

longo. O projeto mudou muitas vezes, o sonho nunca. E essa concretização vem das

conversas, das provocações, dos cafés e da amizade que criamos. Seu incentivo

fortaleceu nos momentos difíceis deste processo. E seu pragmatismo me fez concluir o

mestrado. Valeu meu caro orientador.

Agradeço também aqueles que me guiaram para a gestão pública e me

incentivaram a adentrar neste universo, até então desconhecido para mim. Em especial a

Gabi, por me mostrar o mundo da gestão pública e incentivar meu mestrado (sua

vibração ainda pulsa em mim). A Fatinha pela primeira oportunidade de trabalho na

gestão pública e confiar uma área importante. E aos amigos de Diadema, em especial o

Kleber, que me ajudou a compreender o universo dos dados e fontes públicas e leu

muitas vezes meus rabiscos iniciais.

Aos amigos que discutiram comigo sobre gestão pública. Nestas trocas, mesmo

nas acaloradas, eu aprendo a olhar sob outras perspectivas. Há muita mudança pela

frente e são nestas conversas que as ideias nascem, que convicções se revisam e que eu,

sobretudo, aprendo.

A Isa e ao Gerd, por serem parceiros e presentes na vida do meu filho e na

minha. Sem esses avós o caminho teria sido muito mais difícil. Nos momentos de

Page 6: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

tensão e dedicação exigidos, meu filho estava em boas mãos, descobrindo o mundo e

todas as formas de amor.

Aos Cines a presença! Vocês estiveram comigo nos momentos mais diversos

deste processo, sobretudo nos tristes. Nossas meditações, jornais e o “sai do meu

caminho” me fortaleceram na caminhada. Sempre voltei em paz e fortalecido de nossos

encontros.

Aos meus amigos do Núcleo de Psicologia Política a companhia, a amizade, as

conversas e provocações. Cada projeto tem meu respeito e minha curiosidade.

Aos servidores da Subprefeitura Sé a acolhida, o respeito e o compromisso. Em

especial aos entrevistados pela coragem, abertura e sinceridade. Aprendi a respeitar

ainda mais as pessoas da gestão pública. O trabalho é árduo e o reconhecimento

pequeno, só amor mesmo pra dar conta dos desafios.

A turma do oitavo por refletirem e acreditarem no projeto de Subprefeitura.

Com vocês tenho a convicção de que é possível, mesmo o caminho sendo longo.

Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo

conhecimento. As aulas, todas, fizeram sentido, provocaram, me fizeram refletir.

Aos professores da Banca de Qualificação Prof. Antonio Ciampa e Soraia

Ansara pelas preciosas orientações e, em especial, ao apoio moral nesta empreitada.

Marlene Camargo valeu pelo incentivo no final do segundo tempo. Sua

dedicação por nós, alunos, é incrível.

Para agradecer a CAPES, antes devo agradecer a Natália Menhem. Foi ela quem

ajudou a colocar as ideias no roteiro para que a bolsa viesse. Sem a força desta figura a

bolsa não teria vindo: obrigado.

Agradeço a CAPES pela bolsa concedida para realização deste trabalho.

Page 7: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

RESUMO

SANTOS, Adriano Alves dos Reis. Representações sociais de servidores públicos: o

caso da Subprefeitura Sé. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

O objetivo desta dissertação é compreender as representações sociais dos

servidores públicos lotados na Subprefeitura Sé. Para isto, se descreve os desafios da

cidade e a importância das Subprefeituras como zeladorias e promotoras do

desenvolvimento local, da participação popular e da equidade. O trabalho, por meio de

entrevistas, capta como os servidores, a partir de sua própria experiência, são visto de

fora, se percebem e quais são as funcionalidades de desfuncionalidades existentes no

ambiente de trabalho, construídos sobretudo a partir desta imagem criada.

Palavras-chave: Psicologia Política. Representação Social. Servidores Públicos.

Subprefeitura.

Page 8: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

Abstract

SANTOS, Adriano Alves dos Reis. The social representation of public servants:

Representações sociais de servidores públicos: the case of Subprefeitura Sé. Dissertação

(Mestrado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São

Paulo, 2014.

This dissertation aims to understand the social representations of public servants who

work in the municipal government of Sé (Subprefeitura Sé). In this context I describe

the challenges of the city and the importance of municipal administrative bodies as both

the caretakers and promoters of local development, popular participation and equity.

Based on interviews conducted in Subprefeitura Sé I describe the mechanisms through

which public servants, in their own experience, are seen from the outside. I then

examine how these individuals understand functional and dysfunctional aspects of their

work in direction relationship to their perceptions of the public image of municipal

administrators.

Key words: Political Psychology, Social Representation, Public Servants, Municipal

Government, Subprefeitura

Page 9: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. Tabela com número de municípios 23

2. Mapa das Subprefeituras 34

3. Mapa dos distritos da Subprefeitura Sé 39

4. Mapa do distrito Sé 40

5. Mapa do distrito República 41

6. Mapa do distrito Bela Vista 42

7. Mapa do distrito Bom Retiro 43

8. Mapa do distrito Cambuci 44

9. Mapa do distrito Consolação 45

10. Mapa do distrito Liberdade 46

11. Mapa do distrito Santa Cecília 47

12. Gráfico da População em situação de rua 50

13. Mapa dos Cortiços 50

Page 10: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1. Capítulo 1 – Da ideia de município à Subprefeitura 15

1.1 O município como ente federativo 16

1.2 A importância do Município 17

1.3 As características do Município Brasileiro 21

1.4 São Paulo: cidade de contrastes 25

1.5 Reformas e Percursos 27

1.6 Das Administrações Regionais as Subprefeituras 30

1.7 A criação das Subprefeituras 32

2. Capítulo 2 – A Subprefeitura Sé: território de Contrastes 39

2.1 Caracterização do Território 39

2.2 Populações Vulneráveis 49

2.3 Zeladoria 53

2.4 Centralização e Descentralização 55

3. Capítulo 3 – Referencial Teórico e Metodologia 61

3.1 As representações Sociais 62

3.2 As Representações Sociais e Esfera Pública 65

3.3 Objetivo Revisado 66

Page 11: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

3.4 Perfil dos Entrevistados 67

3.5 Procedimentos Metodológicos 68

4. Capítulo 4 – Análise das Entrevistas 70

4.1 Como são vistos de fora? 70

4.2 Como eles se percebem? 78

4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura 83

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 88

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 93

ANEXOS 97

Page 12: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

10

INTRODUÇÃO

Meus últimos três anos têm sido dedicados à Administração Pública. Contar como este

processo se iniciou é importante para entendermos como cheguei a propor esta dissertação. O

caminho até aqui é longo, mas o descreverei em pequenos trechos nos parágrafos a seguir.

Trabalhei alguns anos em organizações sociais que desenvolviam projetos, sobretudo

no ramo de empreendedorismo, na parte estratégica de desenvolvimento e geração de

emprego, trabalho e renda, área em que os governos têm muitas dificuldades na efetivação de

políticas eficazes e duradouras.

Depois de anos dedicados a este tipo de atividade, comecei a estabelecer relações com

governos, apresentando propostas de trabalho, conhecendo projetos e assim por diante. Foi

então que, em 2011, ganhei uma bolsa para fazer um curso focado em planejamento, no qual o

público principal eram pessoas da gestão pública.

A partir desse ano comecei a fazer trabalhos de moderação em planejamento

estratégico para os mais diversos atores: empresas, governos, terceiro setor e grupos auto-

organizados, sobretudo com foco na temática racial, direitos humanos e desenvolvimento

social. Diante desta experiência adquirida e da rede de relações que se formou, recebi o

convite para assumir a Diretoria de Planejamento e Gestão Pública na Secretaria de

Planejamento e Gestão Pública, no município de Diadema, região metropolitana do Estado de

São Paulo.

Observando segundo a perspectiva de um consultor em planejamento, passei a me

sentir intrigado diante do fato de que planos bem elaborados de trabalho perdiam-se no

cotidiano, quando se tratava de governos.

Descobri que, quase sempre, o maior valor de um planejamento consistia em alinhar

equipes de acordo com seus principais desafios, positivos e negativos e estabelecer um norte

de trabalho para a gestão. A prática tem demonstrado que aquilo que se planeja sofre

profundas alterações, fundamentalmente porque as prioridades se invertem, as equipes

mudam e sofrem para lidar com as intempéries de seus governos e gestores. Ir para Diadema

era, portanto, um grande desafio: entender estas dificuldades e atuar sobre elas.

A cidade de Diadema ensinou-me muito em um ano e dois meses, período em que

trabalhei lá. Mesmo sendo uma cidade pequena os desafios, porém, são comuns aos de outras

Page 13: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

11

cidades brasileiras. E foi essa observação que me inspirou o presente trabalho, conforme

relatarei adiante.

Como diretor de planejamento, pude observar que havia muitas inconsistências na

administração da cidade, e que, com a experiência de consultor de planejamento, é possível

observar tal fato em outros níveis de governo e em outras prefeituras. Por exemplo, a intensa

luta por poder e recurso que cada secretaria promove para si é, sem dúvida, um dos maiores

problemas para administrar uma cidade, sobretudo a partir da perspectiva de planejamento.

Isto se torna ainda mais difícil porque envolve a governabilidade com o legislativo.

A respeito deste primeiro problema, a governabilidade, tem-se uma clara fragmentação

no governo, ou seja, as secretarias pequenas têm pouca possibilidade de atuação e nos cortes

dos recursos são mais gravemente afetadas. Não possuem fôlego suficiente para aplicar suas

políticas; faltam recursos humanos (em números e em qualificação), materiais e equipamentos

adequados. Além disso, dependem muito da colaboração de outras secretarias, que detêm os

recursos financeiros.

As grandes secretarias (Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Finanças),

tocam seus projetos e têm muitas dificuldades de serem orientadas. Cada uma age por si

própria, criando poucos canais de diálogo com outros órgãos da administração municipal.

Essa fragmentação faz com que cada uma construa suas próprias políticas e formas de

atuação. O resultado é uma sobreposição absurda de políticas e ações, em muitos casos,

contraditórias. Para exemplificar, enquanto uma secretaria atua no combate ao uso de

substâncias químicas enfocando a redução de danos, a outra visa à repressão ao uso. Ou é

possível observar a criação de projetos por parte de uma secretaria, enquanto outra teria

conhecimento suficiente e adequado para apoiar. Por exemplo: a Secretaria da Educação

desenvolve seu próprio projeto de geração de renda, quando esta atribuição deveria contar

com a experiência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

O que podemos notar é que um dos desafios existentes atualmente consiste em tentar

eliminar o isolamento, a fragmentação e a sobreposição da ação governamental no território e

também internamente, pois isto traz consigo enormes prejuízos ao município e a sua

população. Este é um dos motivos que emperram a descentralização dos governos, pois o

modelo “cada um faz ao seu modo” não gera transparência, eficácia ou participação.

Como se estes problemas não fossem suficientes, o governo trabalha com foco

limitado e de olho em sua popularidade, o que leva as prioridades, ao menos na experiência da

qual participei, a se inverterem constantemente. As energias dispersam-se e os recursos, além

Page 14: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

12

de escassos, são também mal distribuídos, o que tem impacto direto na administração, porque

os investimentos na gestão e modernização não são prioridade. Tal impacto pode ser sentido

na baixa capacidade técnica das equipes, na falta de técnicos qualificados e atualizados e nas

próprias ferramentas de gestão presentes nas prefeituras. Sem ferramentas de gestão,

acompanhamento e participação, o governo vai perdendo-se na sua capacidade de realização.

É comum observarmos obras de viário atrasarem anos para serem entregues, comprometendo

o orçamento, assim como podemos ver repetidamente nas mídias erros que exigem reformas

caríssimas para a administração pública e/ou casos de corrupção e favorecimento. Há, além

disto, a precariedade de alguns próprios municipais1, em péssimas condições de conservação e

com equipamentos desatualizados e quebrados, sem levar em conta todos os que estão em

falta. Tal fator tem impacto direto na produtividade dos servidores municipais e na qualidade

do atendimento ao munícipe.

Estes desafios são os principais fatores que prejudicam qualquer planejamento e

gestão, mas há um muito importante a ser considerado: os recursos humanos. São eles,

constituídos pelos servidores do serviço público, que estão no cotidiano das políticas

municipais.

Tais servidores estão sujeitos, a cada quatro anos, a um novo prefeito que, com sua

equipe, imprime novos projetos e rumos ao município, processo este que costuma ser

acompanhado de muitas rupturas e mudanças nos quadros e formas de se criar e executar

políticas. Os servidores, por seu lado, perpassam gestões e desenvolvem crenças, valores e

alianças, que permeiam seu trabalho ao longo dos anos.

Prosseguindo o relato sobre minha trajetória, em janeiro de 2013 me transferi para São

Paulo, a fim de trabalhar no gabinete da subprefeitura Sé. De todas as subprefeituras, a Sé

conta com algumas particularidades que a tornam a mais importante da cidade. Comparada às

outras, é a que se encontra em melhores condições quanto à estrutura e equipe, inclusive

porque está menos sujeita a intervenções parlamentares e seu executivo costuma ter apoio e

anuência do prefeito da cidade. Dentre os fatores que a tornam importante está o fato de ser

central e ter oito distritos por onde circulam diariamente milhares de pessoas, tornando-a a

vitrine da cidade. Mas, ao chegar a esta subprefeitura, pude deparar com todos os problemas

vividos na outra administração, em proporções maiores, já que a Sé conta com uma população

maior que a cidade de Diadema e está em constante exposição midiática.

1 Consideram-se aqui os prédios públicos onde funcionam serviços de qualquer natureza.

Page 15: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

13

Resumindo, a falta de investimentos na modernização administrativa, a falta de

quadros técnicos, a ausência de uma política efetiva de carreira, a cultura de centralização

política, administrativa e orçamentária e a descontinuidade de projetos são fatores

fundamentais no centralismo que existe nas gestões municipais, onde quer que esteja.

Estas dificuldades também estão presentes nas Subprefeituras, projeto político de

descentralização da administração da cidade de São Paulo, sobre as quais dedicarei meu

estudo. O projeto de descentralização, que previa forte incidência local e políticas focadas no

território, aliado à participação e acompanhamento dos munícipes na gestão, nunca conseguiu

concretizar-se efetivamente, como previa o projeto original. Ora por falta de articulação, ora

por falta de interesse em dar continuidade ao projeto, nenhuma gestão deu conta realmente do

projeto previsto. Isto causou forte impacto à cidade, pois esta não conseguiu efetivar canais de

comunicação e participação, além de se tornar frágil a diversas formas de corrupção nos

estratos mais baixos da administração local. Também se consolidaram o sucateamento e o

apadrinhamento parlamentar, aliados a uma burocracia enlouquecedora, confusa, dúbia e que

se sobrepõe o tempo todo.

No meio deste cenário encontram-se os servidores públicos, sujeitos às mais diversas

intempéries e mudanças que, ao longo de todos os anos, foram produzidas. Em algumas

gestões as subprefeituras tiveram mais ação, poder e prestígio; em outras foram relegadas ao

papel de zeladoria e barganha política.

Diante deste quadro nos perguntamos: como o funcionário reage a tudo isto? Como

executa seu trabalho? Ele é consultado? Como percebe a visão do munícipe em relação a ele?

E a mídia? E os políticos aos quais ele está sujeito a cada quatro anos? Os funcionários são

consultados na construção de políticas ou na forma de implantá-los? O que os motiva ao

trabalho? Sentem-se valorizados? De que forma?

Este estudo é dedicado a entender o servidor público, sujeito fundamental na execução

das políticas pensadas pelo Executivo e criadas no Legislativo. Ainda que possa parecer que

parta de um olhar fatalista sobre a administração pública, é fundamental ressaltar a

importância desses homens e mulheres que produzem, executam e acompanham a política na

cidade. São indivíduos que, em muitas ocasiões, levam o governo a não cometer ações

arbitrárias em relação aos munícipes em situações-limite (limpeza de área, desocupação,

reintegração de posse etc.). São milhares os casos em que esses agentes públicos lutam

bravamente para que um projeto tenha sucesso e alcance. Afinal, só a gestão pública tem

Page 16: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

14

condição de afetar todos os seus cidadãos com políticas, projetos e programas, além de mediar

as diversas tensões existentes em seu território.

Esta dissertação tem, portanto, a intenção de contribuir com a literatura de

administração pública, bem como a de psicologia social, ao compreender a representação

social dos servidores públicos. Com isso, compreender as ações que possam efetivar práticas

que contribuam para a melhora da cidade e da administração.

Para isso, percorreremos brevemente a história da descentralização, que significa

passar pela construção do município no Brasil e seus desdobramentos, para entender o

município de São Paulo. Em seguida, procuraremos entender os desafios da cidade e a

importância das Subprefeituras por meio de sua história. Por fim, adentraremos no caso da

Subprefeitura Sé, onde descreveremos os desafios enfrentados, tentando entender o

funcionalismo neste contexto e a representação que criou de si.

Page 17: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

15

1. Da ideia de município à Subprefeitura

Os anos 80 foram marcados por intensas disputas políticas no campo internacional,

como decorrência da consolidação de forças distintas: capitalismo, comunismo e socialismo.

Ao mesmo tempo, nos países latino-americanos, eram cada vez maiores as pressões pelo fim

da opressão imposta por regimes militares ditatoriais.

Além dos limites impostos e da excessiva violência, eram tempos de intensas crises

econômicas e sociais, gerando inflação, estagnação, desemprego e miséria, principalmente nas

regiões mais carentes do Brasil. O milagre econômico já não existia, o gasto público

incontrolável e as dívidas externas cresciam em larga escala. Aliado a isto, o aparelho

burocrático já não respondia aos desafios impostos aos tempos correspondentes. Era

imperativo o desejo de mudança, que culminaria na queda do regime ditatorial e na

construção da nova Constituição Federal de 1988, que tinha como anseio não só perpetuar os

direitos humanos e a não possibilidade de novos golpes, mas também dirimir as

desigualdades, descentralizar e promover participação popular no acompanhamento da gestão

pública nascente. Por isso, é possível dizer que era preciso, na visão dos constituintes,

reformar o Estado com enfoque na universalização de acessos aos serviços e à participação, o

que só faria sentido ao transferir aos municípios essa responsabilidade, cabendo ao governo

federal o financiamento e a regulação dos serviços no que tangesse ao município

(ARRETCHE, 2002).

A República Federativa do Brasil é, conforme descreve nossa constituição, a união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado

Democrático de Direito (art. 1°, CF)2. Cada um destes entes possui, portanto, autonomia sobre

seu território. Por ser um país federativo, os governos têm prerrogativas invioláveis, que

conferem a eles autonomia, ainda que possam legislar sobre a mesma população e território.

A União é regida por sua Constituição Federal, que atribui a este órgão o dever de

implantar políticas de desenvolvimento nacional, distribuindo recursos, criando e orientando

políticas, além de garantir a segurança nacional. Também tem como objetivo assegurar o

desenvolvimento nacional, em todas as perspectivas, além de garantir o acesso à justiça,

2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

Page 18: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

16

liberdade e desenvolvimento, garantindo equidade no que se refere à distribuição de recursos

e diminuição de mazelas sociais.

1.1O Município como ente federativo

A trajetória da redemocratização concretiza-se em 1988, na promulgação da nova

Constituição, reconfigurando a atuação dos municípios e garantindo-lhes autonomia, o que, na

prática, significou maior distribuição dos recursos e, portanto, independência financeira e

política, que se refere a criar suas próprias leis e administrar seu território. Além da escolha de

seus governantes, sem quaisquer restrições, os municípios também ampliaram sua base

tributária (SIQUERA, 2003), além das transferências constitucionais da União e do Estado.

Para Pinto (2003),

ao Município foi atribuída a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e a competência dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ação por essas esferas. (PINTO, 2003, p. 40)

Ainda que os municípios já existissem no Brasil, sua autonomia só passa a ser

garantida nessa constituição. Este processo, de construção de Constituições republicanas, não

se iniciou recentemente. Segundo Siqueira (2003), o Brasil já havia passado, até a

promulgação de 1988, por mais três processo de descentralização. Estas constituições (1891,

1934 e 1946), de algum modo trataram do tema de descentralização e, por diversos

impeditivos, não avançaram. Para o autor, na Constituição de 1891, a dificuldade concreta

para a viabilização da autonomia municipal foi a escassez de recursos colocados à disposição,

como também a função atribuída aos estados, quais sejam, o controle administrativo,

financeiro e a fiscalização. Siqueira confirma que:

a autonomia municipal era praticamente inexistente, permanecendo os municípios sob tutela dos Executivos estaduais, que garantiam a sua base de apoio político através da manipulação exercida sobre os governos locais (SIQUEIRA, 2003, p. 18).

Já a Constituição de 1934, que permitiu a eleição de vereadores e prefeitos e incluía a

participação dos municípios na arrecadação tributária, tornava nula a autonomia municipal,

Page 19: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

17

pois permitia que os Executivos estaduais controlassem administrativa e politicamente os

municípios, por meio dos departamentos de municipalidade.

A conhecida Constituição Municipalista, de 1946, retomou a discussão do

fortalecimento dos municípios e o rearranjo financeiro e tributário. Previa, com favorecimento

aos municípios mais pobres, o repasse de 10% das receitas de Imposto de Renda e a

devolução do excesso de arrecadação de impostos de rendas locais de qualquer natureza

(SIQUEIRA, 2003). Na implantação e cumprimento desta Constituição, houve, porém,

impeditivos determinantes, que impuseram insucesso a esta tentativa de garantir autonomia

municipal. Para Siqueira, os principais pontos foram: irregularidades nas transferências de

tributos por parte da União e dos estados, a baixa capacidade dos municípios de explorarem

seu potencial de arrecadação, a constante intervenção nos municípios por parte dos estados,

por conta de empréstimos ou dívida fundada e, por fim, as restrições às eleições para prefeito

nas capitais e outros pontos considerados importantes para defesa nacional.

1.2 A importância do Município

Com a aprovação da Constituição de 1988, põe-se fim ao modelo burocratizado e

centralizado da gestão brasileira, dando aos municípios a responsabilidade de serem os

indutores da criação e implantação de políticas de desenvolvimento local. Desta forma,

deixam de ser apenas zeladores que regulam a ocupação das vias públicas, construções,

trânsito e medidas relativas a feiras, espetáculos públicos e conservação de logradouros.

Vamos compreender essa descentralização, definindo-a como um processo pelo qual

os níveis periféricos, no nosso caso o município, se tornaram detentores de poder. Isto para

transformá-lo em eficaz e ágil, ao estreitar as relações entre a sociedade e o estado. Nesta

constituição, portanto, o governo municipal passou a prestar os serviços públicos diretamente

aos munícipes. Posto desta forma, nas palavras de Junqueira (2003):

O poder municipal, no Brasil, tem como competência organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O exercício dessas competências tem relação direta com a garantia dos direitos sociais do cidadão. (JUNQUEIRA, 2003, p. 50 )

Page 20: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

18

Significa dizer que nesta constituição, que se refere ao espaço local, o município, enxerga os

usuários como capazes de explicitar suas necessidades não satisfeitas e aprender a se colocar

diante dos serviços como cidadãos. Essa descentralização implica que cada município pode

levar em consideração as diferenças econômicas, técnico-financeiras, administrativas e

políticas para desenvolver suas ações.

No Brasil, com suas dimensões continentais caracterizadas por intensas desigualdades

sociais, econômicas, políticas e administrativas, além das características territoriais de cada

uma de suas regiões, a existência de municípios parecia imprescindível, pois estes espaços

deveriam permitir aos munícipes a tomada de decisões sobre assuntos de seus interesses. Na

visão de Pinto (2002),

não só como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico e simbólico que se transforma em um campo de respostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais de nossa época. (PINTO, 2002, p 52.)

Ora, a importância do governo local é justamente ser local, ou seja, um ente que

possibilita oportunidade de participação e assegura a distribuição eficiente dos serviços, além

de melhores condições de alocar os recursos públicos, atendendo às necessidades dos

cidadãos, justamente por estar mais próximo das localidades onde estão implantadas. É essa

capacidade de aproximação, de troca entre governo e localidade, que lhe permite criar uma

visão privilegiada do território. Mesmo dentro destes espaços existem disputas por interesses

antagônicos, com pequenos grupos articulados tentando impor sua vontade à maioria. Mas é

no território que essas disputas podem se tornar evidentes e que pressões podem ser exercidas

no sentido de atender às necessidades citadas. Também o estado, em sua posição privilegiada,

pode mediar os conflitos existentes.

Quando falamos sobre a importância do município como ente federativo e toda a luta

promovida durante as constituições pelos emancipadores municipalistas3, as perguntas são a

respeito do que exatamente defendem e sobre o que legisla o município que o torna tão

importante. Cada município tem sua própria Lei Orgânica Municipal e, respeitadas as

condições e necessidades de cada localidade, é certo que temas como os listados abaixo sejam

atribuições do município:

3 Aqueles que defendiam a existência dos municípios.

Page 21: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

19

• Delimitação do Perímetro Urbano: descrição das áreas do município, criando zonas

urbanas e rurais e definindo impostos, condições de usos dos terrenos e edificações.

• Controle do Parcelamento do Solo: lotear e desmembrar terrenos, garantindo

condições mínimas indispensáveis ao seu uso em habitação. Garante áreas para

construção de praças e equipamentos urbanos, como postos de saúde, escola, parques

etc. Além disso, regulamenta as áreas para o tamanho das ruas e calçadas.

• Zoneamento de Uso e Ocupação: neste quesito cabe ao governo municipal orientar a

localização de diversas atividades que possam existir numa determinada região

delimitada no município. Sobretudo nos municípios de médio e grande porte, a

discussão se torna essencial, para gerenciar conflitos entre os diversos interesses.

Alguns dos recortes delimitados são: áreas para habitação, comércio, indústria e

serviços. Há preocupação com ventilação, trânsito, insolação e área livre em cada

terreno. Com isso, é possível dimensionar e prever as necessidades destes locais.

• Estrutura viária: também mais comum para os municípios de médio e grande porte,

aqui se define quais são as vias principais e toda logística de trânsito, para gerar

conforto e segurança. Também separa o trânsito local do tráfego pesado, como

caminhões. Regulamenta ruas, redes semafóricas, dentre outras, como a pavimentação

e conservação.

• Localização dos Equipamentos Púbicos: Conforme as necessidades do município,

este deverá instalar equipamentos públicos que dêem conta das necessidades locais.

Por exemplo, se uma área ganha novas moradias, precisa prever áreas para a

construção de creches, escolas, posto policial, bancos, postos de saúde.

• Controle de Edificações: também são municipais os critérios que estabelecem a

permissão de reformas e ampliações de edificações residenciais, comerciais e

industriais, considerando, evidentemente, os critérios já citados acima. Aqui devem ser

previstos impactos que se referem a escoamento das águas pluviais, rede de esgoto e a

capacidade do terreno para sustentar as alterações.

• Saneamento Básico: Este ainda é um problema em quase todos os municípios

brasileiros, dado que menos da metade do país conta com saneamento básico, que é

fundamental para a preservação da saúde e diminuição do risco de doenças. Quase

sempre, por serem obras onerosas e não expostas, não são prioridades dos governos

municipais. Mas, de qualquer modo, cabe ao município cuidar da limpeza urbana, que

significa designar a coleta e disposição dos esgotos.

Page 22: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

20

• Limpeza Urbana: regulamenta a limpeza das ruas, residências e espaços públicos,

além de regulamentar leis que levem grandes estabelecimentos a destinarem seus

próprios resíduos aos lugares devidos, conforme o ramo de atividade. Em alguns

municípios já existem leis que regulam o lixo doméstico.

• Transportes Urbanos: segundo o artigo 37 do DECRETO Nº 62.926, DE 28 DE

JUNHO DE 1968, é responsabilidade do município conceder, autorizar e permitir a

exploração dos serviços de transporte coletivo. Por isso, percursos, paradas, horários e

linhas são pensados no conjunto da cidade e devem considerar os pontos acima,

principalmente no que se refere à disposição das pessoas. Nas médias e grandes

cidades este serviço é quase sempre privatizado.

• Educação: sobretudo na primeira infância, no que se refere a creches, pré-escola e

ensino fundamental o município tem papel preponderante. Obedece a leis federais,

mas tem autonomia sobre implantação e gerência.

• Saúde: a saúde é atribuição, como a educação, das três esferas de governo. Sobretudo

por seus custos onerosos, os atendimentos de baixa complexidade são quase

exclusivos dos municípios. Assim, as UBSs e UPASs são quase sempre de

responsabilidade dos municípios. Quando os casos envolvem tratamento de média e

alta complexidade, sobretudo os segundos, passam a ser responsabilidade do Estado/

União. Por exemplo: o tratamento de câncer é quase sempre responsabilidade do

estado.

• Assistência Social: Aqui se devem garantir as condições mínimas de sobrevivência e,

além disso, implantar projetos de apoio e desenvolvimento da infância, juventude e

velhice.

• Outros Serviços Urbanos: serviços funerários e cemitérios, iluminação pública,

abastecimento: feiras livres e mercados, preservação do patrimônio histórico e Ordem

Pública.

Pelos quesitos acima é possível entender como, sob seu território, o município tem total

gerência4 e grandes responsabilidades. Vejamos, por exemplo, o caso da Educação.

Respeitadas as leis federais segundo as quais os municípios necessitam orientar-se, cabe ao

município aderir ou não às políticas de desenvolvimento da educação. Ou seja, ainda que

existam regras a serem cumpridas, com o risco de sanções, o município continua com o poder 4 Exceção feita a leis de instâncias superiores, que podem sobrepor-se à municipal. Ou seja, se houver duas legislações sobre um mesmo tema, prevalece a do ente superior.

Page 23: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

21

sobre a implantação e a gerência. Portanto, cabe ao município atribuir suas regras de

contratação de professores, a escolha do material didático e sua compra, a gestão da escola e a

política municipal, a merenda e o transporte escolar, respeitando as leis que regem estes

processos e determinam diretrizes. Da mesma forma, também funciona a política de saúde e

outros programas, de impacto direto sobre a população.

Vale dizer que a descentralização, como projeto político de diminuição da distância entre

governo e sociedade infelizmente não se efetivou da forma como a pensavam os

municipalistas. Os grandes temores da corrente contrária a este pensamento municipalista

eram, principalmente, a continuidade (ou o aumento) das desigualdades, por exemplo, na

distribuição dos recursos5 entre os entes e o coronelismo, característico da política brasileira,

sobretudo em áreas rurais – espaço onde ocorreu a maior quantidade de emancipações e

desmembramentos de municípios. Cabe aqui ressaltar que a média da população nos

municípios brasileiros é de aproximadamente 30 mil pessoas.

Além das dificuldades citadas, outras duas preocupações se tornaram presentes na

municipalização. Uma delas é o fato de alguns municípios não se comprometerem com

políticas nacionais importantes, mesmo recebendo recursos para isto6. A outra é que ainda não

se vê a participação efetiva dos munícipes na gestão dos municípios, com exceção de alguns

casos pontuais. E este é um dos pilares fundamentais do projeto municipalista. Nas palavras

de Lobo (1990):

Ora, a transferência de poder para agentes governamentais mais próximos da população só se justifica quando a mesma for acionada para participar do processo. Não há porque descentralizar se se quiser manter intacto o poder absoluto do Estado, mesmo em sua manifestação regional ou local. Governos estaduais e municipais, como mostra a experiência, podem ser tão centralizadores como o governo federal. (LOBO, 1990, p.10)

Vimos até o presente a importância dos municípios para a gestão do território; ao

mesmo tempo, o fato de se criarem municípios não significou que as mudanças necessárias

aconteceram de fato e, com elas, a tradução desta importância. Este ainda é um debate presete.

1.3. As características do Município brasileiro

5 Para alguns dos estudiosos o aumento de municípios também foi um artifício notadamente político para haver mais acesso a recursos e construção de hegemonia política. 6 Atualmente já existem mecanismos que comprometem e responsabilizam o município pela garantia da execução do projeto conforme previsto.

Page 24: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

22

A União é composta por um conjunto de 5565 municípios7, distribuídos em 26

estados, além de contar com o Distrito Federal. Com mais de 190 milhões de pessoas,

segundo dados do IBGE, somos um país de extrema população urbana, aproximadamente

84%, e concentramos grande parte dela em algumas capitais do país, sendo as principais São

Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

O Brasil tem um caso bem peculiar de federação, pois sua municipalização não é

decorrente de processos de urbanização; houve, portanto, uma fragmentação de cidades para

melhor gerenciamento. Em nosso território, os municípios resultam quase sempre da

fragmentação de pequenos municípios espalhados por regiões interioranas. Em parte este

fenômeno se explica pela explosão de municípios nascidos após a CF de 1988: são cerca de

30% do total existente.

Conforme dados do IBGE, é possível observar que os municípios com população de

até 50 mil habitantes representam 89% de todos os municípios. Em números, isto significa

4958 municípios, porém, o total de habitantes representa apenas 37% da população. Os

grandes municípios, a efeito de comparação, não representam 1% do total dos 5565, mas

possuem uma população de 21% do total de 190 milhões de habitantes.

Em especial, no estado de São Paulo, há o maior município: a capital São Paulo, que

conta com 6% de toda população brasileira e é o único município com população acima de 10

milhões de habitantes. Além disso, dos 15 municípios com população acima de 1 milhão,

podemos citar quatro: Campinas, Ribeirão Preto, Guarulhos e o já citado São Paulo.

Esta característica dos municípios brasileiros, imensamente localizados em regiões não

urbanas, é característico do nosso processo emancipacionista, como observou Tomio (2005):

com exceção das regulamentações sobre a criação de municípios em cada estado brasileiro, não existe qualquer planejamento centralizado nas esferas superiores de governo sobre a fragmentação territorial e o funcionamento destes. Em síntese, comparada à ocorrência de processos similares em outros países, as emancipações municipais no Brasil distinguem-se porque são muito mais numerosas, concentram-se em áreas pouco urbanizadas e não são ordenadamente planejadas pelos níveis de governos mais abrangentes (TOMIO, 2005, p. 8).

Abaixo, em tabela feita por mim, podemos observar números mais gerais sobre os

municípios, no que se refere à classe de tamanho e população em cada um deles.

7 IBGE

Page 25: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

23

Número de Municípios

Brasil: Classes de Tamanho da População

Total 5565

Até 10 000 2515

De 10 001 a 50 000 2443

De 50 001 a 100 000 324

De 100 001 a 500 000 245

De 500 001 a 1 000 000 23

De 1 000 001 a 2 000 000 9

De 2 000 001 a 5 000 000 4

De 5 000 000 a 10 000 000 1

Acima de 10 000 000 1

População dos Municípios

Total 190.732.694

Até 10 000 12.939.483

De 10 001 a 50 000 51.123.648

De 50 001 a 100 000 22.263.598

De 100 001 a 500 000 48.567.489

De 500 001 a 1 000 000 15.703.132

De 1 000 001 a 2 000 000 12.505.516

De 2 000 001 a 5 000 000 10.062.422

De 5 000 000 a 10 000 000 6.323.037

Acima de 10 000 000 11.244.369

De maneira geral, com exceção de alguns de grande porte, a maior parte dos

municípios possui baixa capacidade de arrecadação e sofre com os precatórios, que são

pagamentos determinados pela Justiça e estão inclusos no orçamento. O outro agravo é sua

limitada condição de investimentos. Portanto, é evidente a dependência ao FPM (Fundo de

Participação Municipal) e aos repasses de recursos do governo federal e dos estados para a

implantação de programas, políticas e projetos.

Outra característica enfrentada por quase todos os municípios brasileiros se refere à

gestão do município. Em maior ou menor escala, os principais desafios que enfrentam se

relacionam ao crescimento desorganizado da cidade, falta de estratégia para o aumento da

Page 26: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

24

arrecadação, leis mal elaboradas e sobrepostas, atendimento ao munícipe, planejamento e

gestão de médio e longo prazo, quadro de servidores e a condição político-eleitoral.

Quando nos referimos ao atendimento, além da falta de qualidade do serviço, há

também falta de processos organizados e padronizados e postura inadequada de servidores,

muitos deles desmotivados e com baixos salários, além da baixa ou inexistente capacitação

para exercício da função etc. Podemos citar, por exemplo, as centrais de atendimento ao

cidadão, que são, nas grandes cidades, o principal canal de comunicação entre o governo e o

munícipe. Em São Paulo, por exemplo, é notório o desconhecimento dos servidores sobre os

sistemas ou mesmo dos serviços que estes locais oferecem8.

O quadro de servidores também se tornou um grande desafio para as gestões

municipais, em todo o país. Além de não conseguir oferecer os salários competitivos, os

municípios também deixaram de ser alternativa atrativa para a estabilidade, dada a lenta

progressão salarial e na carreira. Isto, dentre as diversas consequências, atrai quadros ruins9,

aumenta a carência de servidores para áreas nevrálgicas, atenua a cisão entre políticos e

técnicos, além do desconhecimento da gestão orçamentária etc.

Na dimensão político eleitoral é notória, por exemplo, a descontinuidade entre os

diversos sucessores. Em cidades pequenas a cisão costuma ser contundente: interrompem-se

os projetos anteriores para iniciar novos. Em São Paulo, por exemplo, leis que foram criadas

em governos anteriores e que foram revogadas ou ignoradas são incontáveis. As mais

contundentes dizem respeito ao Conselho de Representantes e às Subprefeituras, que tiveram

amplo apoio da população, mas foram automaticamente abandonadas nas gestões posteriores.

Outro caso comum são as ações impetradas pelo Ministério Público, que interferem

diretamente sobre programas, políticas e processos criados por governos municipais. Pra

prosseguir com o caso de São Paulo, leis que regulam a permissão de comércio ambulante, as

TPUs10, foram desarticuladas por incontáveis liminares. Ainda dentro desta dimensão estão as

disputas políticas acirradas e constantes, muitas vezes entre o executivo e o legislativo, mas

também dentro das bases de sustentação que compõem um governo. Hajam vista as disputas

impostas, por exemplo, pela administração das subprefeituras, que, no passado, recebiam a

8 Num levantamento recente coordenado pela Assessoria do Gabinete da Subprefeitura Sé, descobriu-se aproximadamente 150 serviços oferecidos pela Praça de Atendimento. Porém, é claro, há o desconhecimento por parte dos servidores sobre estes serviços, além de saber qual sistema se usa para cada um deles. 9 Para dar esta dimensão, o último concurso para engenheiro da prefeitura de São Paulo, abriu 150 vagas, porém, apenas 80 candidatos obtiveram as notas mínimas. Certamente, destes, os primeiros assumirão, mas, bem provavelmente irão deixar os cargos assim que passarem em outros concursos que porventura tenham prestado e sejam melhores no que se refere a salários. 10Termo de Permissão de Uso (TPU)

Page 27: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

25

pejorativa alcunha de “cabide de emprego”. Como consequência direta, faltam mecanismos

efetivos de controle e participação popular sobre as ações no município.

Em Planejamento e Gestão, há também muitas dificuldades que emperram a máquina

pública. Ainda usando São Paulo como exemplo, é possível notar falta de foco e objetivo da

gestão do município, dificuldade de implantar projetos e captar recursos, baixa qualidade dos

projetos, morosidade nos serviços e burocracia excessiva, falta de integração entre as áreas e o

território, fragmentação de políticas, falta de padrão e processo, descompasso entre as

demandas sociais e as políticas públicas etc. São incontáveis os desafios no que se refere a

planejamento.

Dada a importância de São Paulo, mostrar suas dificuldades como cidade nos permite

dimensionar a situação brasileira de modo geral, como também os desafios a serem

enfrentados para melhorar a gestão destes e também a vida de seus munícipes. Com isso, não

queremos ignorar que cada município conta com sua própria engenharia, formada por fatores

como tamanho, população, condição econômica e história.

Nesta linha, vamos adentrar um pouco mais no município de São Paulo, que tem, ao

longo do tempo, tentado, por suas condições, desenvolver mecanismos de gestão que sejam

mais descentralizados e participativos. Não que outros municípios não considerem isto, mas o

tamanho de São Paulo e seus contrastes nos permitem usá-lo como referência.

1.4. São Paulo: cidade de contrastes

A Prefeitura Municipal de São Paulo é uma das mais importantes entre as cidades do

mundo e, para termos ideia disto, podemos usar como exemplo os seus números, que

impressionam e demonstram o gigantismo desta metrópole. São Paulo tem a maior população

do país, como já dissemos, com mais de 11 milhões de habitantes11. Além disso, os

municípios limítrofes que compõem a região metropolitana de São Paulo são 38, que elevam a

população para pouco mais de 19 milhões de pessoas12. Estima-se, inclusive, que grande parte

desta população, dos municípios vizinhos, entre diariamente em São Paulo para os mais

diversos fins, sobretudo trabalho.

11 Dados do IBGE 12 Dados do IBGE

Page 28: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

26

Mas o que torna São Paulo centro de elevada importância no mundo são também seus

indicadores econômicos: a sexta maior bolsa de valores do mundo encontra-se nesta cidade.

Além de 17 dos 20 maiores bancos13, São Paulo ocupa a décima segunda posição dos destinos

para feiras internacionais. Por conta disto, entram pouco mais de, segundo dados da

SPTURIS14, 11 milhões de turistas, sendo a maior parte destes brasileiros. No total, 56% vêm

para negócios. No que se refere a emprego, 38% das maiores empresas nacionais15 e 63% das

multinacionais em território brasileiro16 possuem, no mínimo, escritórios no município de São

Paulo.

Mas a mesma São Paulo de extremas riquezas, que a tornam esta metrópole

importante, é também uma cidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e

ambientais. Por exemplo, 10% da população vivem em favelas ou cortiços. Um contingente

enorme de pessoas vive em situação de risco eminente, sobretudo em encostas, beira de

córregos e outras áreas que oferecem risco à vida, principalmente em períodos de chuva. A

população em situação de rua é de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo dados da

SMADS17 e tem crescido nos últimos anos sem que se consiga reverter o quadro. Outros

índices, como saúde, também apresentam graves discrepâncias. Enquanto uma consulta pode

levar até 16 dias para ser marcada na rede particular, segundo dados da RNSP18, uma mesma

consulta pode levar até 66 dias na rede pública. E se olharmos a marcação de exames de

média complexidade em diante, esta discrepância aumenta ainda mais, sendo na rede

particular 44 dias e na pública até 178 dias. Além disso, compõe as desigualdades o

desemprego, que atinge mais pessoas pobres e jovens, moradoras de periferia. Por fim, esta

desigualdade é sentida também nos homicídios cometidos, sobretudo na juventude, que se

eleva a patamares epidêmicos, notadamente na periferia.

Já do ponto de vista geopolítico, a cidade de São Paulo é um passo importante para

qualquer partido que tenha anseios de administrar o Estado ou ocupar a Presidência da

República. A administração desta cidade é uma verdadeira vitrine, pois existe uma exposição

midiática grande. Isto se deve à posição estratégica, ou seja, a soma dos 38 municípios ao seu

redor, que faz com que tenha aproximadamente 10% da população do país e, ainda, o terceiro

13 Dados colhidos do site da SPTURIS 14 Empresa Municipal de Turismo (São Paulo Turismo – SPTURIS) 15Ibidem 16Ibidem 17 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social 18Rede Nossa São Paulo - http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf

Page 29: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

27

maior orçamento do país. Em orçamento, por exemplo, estimado este ano para pouco mais de

42 bilhões19fica atrás apenas da União e do Estado de São Paulo.

Administrar esta cidade, porém, não tem sido uma tarefa fácil. Desde a nova

Constituição de 1988, a prefeitura de São Paulo já passou por seis diferentes prefeitos, sendo

reeleito apenas Gilberto Kassab (DEM)20. Além disso, diferentes partidos já estiveram à

frente do Executivo Municipal: por duas vezes PT, PPB e DEM; e PSDB uma vez.

1.5. Reformas e Percursos

Conquistada a liberdade e a democracia e instalada a nova Constituição, viria assim a

primeira eleição direta pós-constituinte. Caberia ao então governo eleito o desafio de

reescrever suas Leis Orgânicas Municipais. Estas leis, evidentemente, deveriam ter como

norte a Constituição e incluir, na sua construção, aquilo que inspirara todo o processo de

municipalização do território brasileiro e que representava, inclusive, os anseios da população

desta cidade.

Por conta disto, a Câmara adotou práticas, segundo Whitaker (2002), diferentes de

outros municípios, tanto pela quantidade de vereadores, como também pela dada relevância

do município. Para ele,

Por ser uma tarefa difícil, a maioria das câmaras optaram por uma saída mais fácil: copiar os textos disponíveis. Em muitos municípios, foram copiadas as antigas leis orgânicas de nível estadual ou as que estavam sendo feitas em cidades maiores. Houve também muitos escritórios de advocacia que se propuseram a elaborar e levar para as câmaras municipais propostas de Lei Orgânica, que foram simplesmente adotadas com maiores ou menores modificações. (WHITAKER, 2002, p. 36.)

Para o autor, a importância do município e o elevado número de vereadores foi o que

possibilitou a elaboração da Lei Orgânica de forma tão elaborada, mesmo diante de intensas

disputas.

Evidentemente, este processo de construção da LOM não fora um processo fácil,

havendo muitos embates e confrontos em defesa dos mais diversos interesses, travando a

discussão no Legislativo. Assim, a saída, segundo Whitaker, era estabelecer o mínimo 19Terceiro maior orçamento público país

20Considero reeleito porque ele era o vice-prefeito na gestão de José Serra. Este saiu para assumir o estado de São Paulo, sendo, portanto,

dois anos de administração de Kassab, permitindo a sua reeleição no pleito seguinte.

Page 30: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

28

consenso, que seria incorporado à Lei Orgânica pelo seguinte procedimento: colocava-se o

princípio genérico consensual, complementando-o com a frase: “na forma da lei” (Whitaker,

2002).

Este contexto é importante porque, como veremos, este recurso “na forma da lei”

atrasaria futuramente a implantação da LOM em seu conjunto, fazendo com que algumas

coisas tardassem demais ou nunca saíssem do papel. Os principais motivos versam sobre o

desinteresse de alguns temas para os vereadores e/ou prefeito ou mesmo a constante falta de

consenso persistente. A emergência de certos temas e, portanto, a ordem de importância que

ganhavam, também foram impeditivos importantes. Mas, é evidente, o maior deles,

relacionava-se com a desconcentração de poder. Para muitos, descentralizar mexe diretamente

com o poder adquirido por aqueles que o têm, os agentes políticos. Para usarmos um exemplo,

previam-se as obras de recursos elevados e consideráveis impactos ambientais a necessidade

de plebiscito, o que, na prática, nenhum prefeito deseja. Assim, observa Whitaker (2002),

sobre a dificuldade de implantação da LOM:

É este motivo pelo qual as subprefeituras, os conselhos de representantes, o plano diretor, previstos na Lei Orgânica, “na forma da lei” (tardaram a sair do papel – A.S)21... A desconcentração de poder via subprefeitura e conselho de representantes, não corresponde aos interesses dos detentores de poder. A redefinição da forma de crescimento da cidade, por meio do plano diretor não interessa a quem se aproveita das regras vigentes. Para quem está dentro da máquina administrativa, por exemplo, a permanência do atual zoneamento da cidade, totalmente ultrapassado, possibilita que ele seja desrespeitado – através de decisões irregulares – ou mudando – através de alterações legislativas pontuais – se houver uma contrapartida22... (WHITAKER, 2002, p. 39)

Deste modo, gostaria de retomar o espírito já citado durante a criação da LOM, que

previa maior participação e controle social como prerrogativa. Assim, ao menos no artigo 2°,

é possível perceber a participação e controle social:

A organização do Município observará os seguintes princípios e

diretrizes:

I - a prática democrática; II - a soberania e a participação popular; III - a transparência e o controle popular na ação do governo;

IV - o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais;

V - a programação e o planejamento sistemáticos;

21Inclusão minha 22 Este texto é ilustrativo, pois hoje já está em votação o novo zoneamento da cidade.

Page 31: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

29

VI - o exercício pleno da autonomia municipal; VII - a articulação e cooperação com os demais entes federados;

VIII - a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX - a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X - a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município;

XI - a preservação dos valores históricos e culturais da população.

Dentre os muitos artigos, dois se destacam por seguirem as diretrizes que

consideramos fundamentais e estão presentes no artigo citado acima, sobretudo os cinco

primeiros. Para nosso estudo, ainda que apenas um deles seja foco de análise, vale citar

brevemente do que tratam. São eles: Subprefeituras e Conselho de Representantes. Nos dois é

possível observar a efetivação da participação e controle social. Vamos rapidamente passar

pelo artigo sobre Conselho de Representantes para, em seguida, nos aprofundarmos um pouco

mais sobre a Subprefeitura, objeto deste estudo. Assim, em seu artigo 4° define-se o Conselho

de Representantes:

“O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões”.

Não será nosso foco de análise e estudo, mas vale ressaltar que esta lei seria

estabelecida apenas em 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, sendo então alvo de uma

ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo Ministério Público, em 200523.

A outra lei à qual me refiro tinha como ponto as antigas administrações regionais. Em

seu artigo 77°, previa a criação de Subprefeituras, e tinha em seu bojo:

“A administração municipal será exercida, em nível local, através de Subprefeituras, na forma estabelecida em lei, que definirá suas atribuições, número e limites territoriais, bem como as competências e o processo de escolha do Subprefeito.”

23 A lei não entrou em vigor e está em análise no STF. A ação alega que o Ministério Publico Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (ADIN) contra a criação dos Conselhos sob o argumento de que somente o executivo tem a prerrogativa de criação de cargos na administração.

Page 32: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

30

É neste âmbito que nossa pesquisa se realiza. Foram mais de dez anos para que a lei

13.399/2002 fosse implementada e então surgissem as Subprefeituras. Os motivos pelos quais

elas tardaram a existir, compreenderemos mais a frente. Vale dizer que as Subprefeituras já

existiram no passado, mas não na forma em que este projeto de lei se propunha. Para tanto,

vamos conhecer um pouco mais seu processo de criação.

1.6 Das Administrações Regionais às Subprefeituras

Dado o crescimento econômico, sobretudo no período de Juscelino Kubitschek (1956-

1961), a intensa industrialização e o contingente migratório, São Paulo tornou-se uma cidade

de proporções gigantescas, a maior cidade do país e uma das maiores do mundo. Além disso,

em seu território foram registrando-se visíveis diferenças sociais, econômicas e ambientais.

Seu tamanho também ia afastando o governo da localidade e, com isso, as carências iam

aumentando, dada a demora da máquina pública em responder às demandas.

Em 1958, o então prefeito, Wladimir Toledo Piza, cria por meio de decreto 3.270/58

dezenove Subprefeituras, além de instituir a Subprefeitura de Santo Amaro, antigo município

anexado a São Paulo, em 1935 (FINATEC, 2002). Ainda que levasse o nome de

Subprefeitura, seu papel se assemelharia muito mais ao papel das Administrações Regionais.

Vale, porém, destacar que foi José Vicente Faria Lima, em 1960, quem institui por meio da lei

6.882/66 as Administrações Regionais (AR’s), criando sete delas: Sé, Vila Mariana,

Pinheiros, Santana, Penha, Mooca e Pirituba (FINATEC, 2002). Tinham, sobretudo, o dever

de cuidar da zeladoria local. Esses serviços sobremaneira tratavam de: limpeza e varrição das

ruas, manutenção de praças, fiscalização do funcionamento adequado dos estabelecimentos

comerciais, oficiais e ambulantes, autorização para construção e reforma de imóveis

(TEIXEIRA, 1999). Eram fortemente marcadas pela dependência da Prefeitura para quaisquer

ações. Este número também foi crescendo ao longo do tempo, sendo criadas mais quatro em

1972: Campo Limpo, Butantã, Vila Prudente e Itaquera, além de transformar a Subprefeitura

de Santo Amaro em AR (FINATEC, 2002).

As ARs chegaram a ter ao longo de todo o processo 33 unidades até o final do governo

Jânio Quadros. Este elevado número se devia ao desejo da população de contar com o poder

Page 33: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

31

público mais próximo e ver ampliado o atendimento de suas necessidades e anseios. Como

podemos ver, no texto de Finatec (2002):

As ARs foram criadas ao longo dos anos por demanda da própria população desejosa de que alguém cuidasse da manutenção de sua região, podasse árvore, tapasse buracos etc. Com todos os problemas existentes, principalmente em virtude de indicações, as Regionais eram o Estado disponível nesses setores da cidade. Embora tenha havido um componente de clientelismo ligado a políticos conservadores, as ARs respondiam à necessidade real da cidade que, por ter crescido, precisava manter o poder público mais próximo dos cidadãos. (FINATEC, 2004, p. 36-37)

Diante deste cenário, Jânio Quadros reintroduziu as Subprefeituras (5), mas como

órgão controlador das 33 ARs. Os subprefeitos já eram escolhidos pelo prefeito (FINATEC,

2004).

É neste cenário que ganha força o projeto de Subprefeitura, cuja retomada caberia à

então prefeita eleita Luiza Erundina. Este era um projeto claramente nascido do desejo de

aproximar o cidadão do poder público e, portanto, “dar maior poder de planejamento e

decisão às instâncias locais e melhorar significativamente a prestação do serviço à

população.” (FINATEC, 2004).

Para dar conta deste processo, segundo Martins (1997):

foi criada a Secretaria Especial da Reforma Administrativa, que deu, então, início a seus trabalhos, partindo de uma estrutura municipal que contava com dezessete Secretarias e vinte Administrações Regionais. A proposta a ser elaborada deveria atender aos propósitos de democratização e eficiência, com uma estrutura e modo de funcionamento organizados da ótica do usuário, a partir de suas necessidades, ou seja, estabelecendo a estrutura a partir dos serviços a serem produzidos e disponibilizados. (MARTINS, 1997, p. 1)

Na proposta apresentada pela prefeita Luiza Erundina (PT), seriam criadas treze

subprefeituras, entendidas “como unidades integradoras, com orçamento próprio e autonomia,

responsáveis pelo planejamento e execução do conjunto de serviços num território claramente

definido” (MARTINS, 1997). Mas o número de Subprefeituras foi o grande centro do debate

da descentralização, pois o número de habitantes nas divisões territoriais propostas variava

muito, entre 400 mil e 1,5 milhão de habitantes (FINATEC, 2004). Além disso, outro

problema estava relacionado à capacidade orçamentária dada a cada uma das Subprefeituras.

Essa equação era de difícil solução, como podemos ver nas palavras de Martins (1997):

Page 34: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

32

Assim, se por um lado, para assegurar a proximidade da Administração à população se mostrava necessário que as agregações fossem de pequeno porte em área e população, por outro, para que se viabilizassem Subprefeituras efetivamente consistentes e com poder de decisão e ação, elas deveriam ser em número reduzido. Nesses termos, para conciliar ambas as necessidades a proposta optou por subdivisões político-administrativas maiores e mais consistentes do que as Administrações Regionais (13 Subprefeituras), abrangendo módulos pequenos de organização do trabalho e prestação de serviço - equipes multidisciplinares. Isso lhes permitiria uma percepção ágil das demandas populares e atendimento mais adequado às características próprias de cada região. (MARTINS, 1997, p. 2)

Estas questões levaram a muitas dúvidas dentro do próprio governo. Pela demora na

criação do consenso, o projeto foi enviado somente no último ano de governo da então

prefeita para a Câmara. Lá, sem base de sustentação, não avançou. Portanto, ainda que se

tenha reduzido a 20 ARs as anteriores 33, não houve avanço na Lei das Subprefeituras.

Desta forma, eleito o novo governo, de Paulo Maluf, o projeto foi arquivado. E as ARs

continuaram como moeda de troca da base governista para compor sua base de sustentação.

Vale ressaltar que Paulo Maluf ainda criaria mais seis ARs, perfazendo ao todo 26 em seu

governo, aumentando ainda mais sua capacidade de articulação e troca de apoio.

Ainda que não tenham sido implantadas as Subprefeituras, houve sim alguns avanços

interessantes. Um deles é que as ARs recuperaram prestígios, pois passaram a controlar parte

do orçamento, com incorporação de serviços de coleta de lixo e pavimentação. Assim, por

exemplo, a AR de Capela do Socorro tinha um orçamento anual de 30 milhões de reais

(FINATEC, 2004).

1.7 A criação das Subprefeituras

Na gestão de Celso Pitta foi criada mais uma AR e, ao final de seu governo, proposta

uma nova tentativa de emplacar com a descentralização, prevista na Lei Orgânica. Era o

chamado Posto Avançado, no qual haveria quatro Subprefeituras (norte, sul, leste e oeste) que

as controlariam. Mas este projeto fracassou, sobretudo porque era absolutamente técnico e

desconsiderava fatores políticos, culturais ou mesmo diferenças regionais (FINATEC, 2004).

Além disso, desgastado com os casos de corrupção presentes em seu governo, faltava-lhe

sustentação política para a aprovação do projeto.

Page 35: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

33

Seria então no governo da Marta Suplicy que entraria em vigor a lei 13.399/02 que

instituiria a criação das Subprefeituras, determinando seus limites territoriais e definindo os

papeis dessas instâncias locais, como prevêem os artigos abaixo:

Art. 3º - A Administração Municipal, no âmbito das Subprefeituras, será exercida pelos Subprefeitos, a quem cabe a decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local, respeitada a legislação vigente e observadas as prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal.

Art. 4º - As Subprefeituras, órgãos da Administração Direta, serão instaladas em áreas administrativas de limites territoriais estabelecidos em função de parâmetros e indicadores socioeconômicos.

Para criação das 31 Subprefeituras existentes, era necessário definir critérios que

garantissem o desenvolvimento local e atendessem os anseios da população local. Ou seja,

considerar o universo característico de cada região e acompanhar diretamente cada uma delas

para potencializar seu dinamismo. O número de Subprefeituras gerou enormes críticas, mas

cada uma possui população aproximada de 400 mil habitantes, maior que a imensa maioria

dos municípios, como vimos anteriormente. Para definir cada Subprefeitura, foram

considerados os seguintes critérios:

nenhuma subprefeitura deveria ter população maior de 500 mil habitantes, salvo pequenas exceções, a necessidade de subprefeituras nas áreas periféricas e de exclusão social, respeito aos limites dos distritos, proximidade geográfica e existência de barreiras físicas, existência de pólo comercial e de serviços, respeito a identidade política e cultural; atenção às áreas de preservação e de mananciais e, finalmente, combinação de áreas desenvolvidas com áreas precárias, incentivando o desenvolvimento regional. (FINATEC, 2004, p. 45)

Desta forma, foram criadas, conforme o artigo 7°, as seguintes subprefeituras e seus

respectivos distritos:

Page 36: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

34

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=14894

Essas subprefeituras criadas e instituídas eram diferentes dos modelos anteriores,

porque previam mais descentralização e forte participação local, sobretudo porque as duas

gestões anteriores (Maluf e Pitta) foram marcadas pelo sucateamento das ARs e também pelos

escândalos de corrupção. Diante disto, as Subprefeituras, respeitando seus limites territoriais,

tinham o que se segue como atribuições definidas no artigo 5°:

I - constituir-se em instância regional de administração direta com âmbito intersetorial e territorial;

II - instituir mecanismos que democratizem a gestão pública e fortalecer as formas participativas que existam em âmbito regional;

Page 37: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

35

III - planejar, controlar e executar os sistemas locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central da administração;

IV - coordenar o Plano Regional e Plano de Bairro, Distrital ou equivalente, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico da Cidade;

V - compor com Subprefeituras vizinhas instâncias intermediárias de planejamento e gestão, nos casos em que o tema, ou o serviço em causa, exijam tratamento para além dos limites territoriais de uma Subprefeitura;

VI - estabelecer formas articuladas de ação, planejamento e gestão com as Subprefeituras e Municípios limítrofes a partir das diretrizes governamentais para a política municipal de relações metropolitanas;

VII - atuar como indutoras do desenvolvimento local, implementando políticas públicas a partir das vocações regionais e dos interesses manifestos pela população;

VIII - ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços locais, a partir das diretrizes centrais;

IX - facilitar o acesso e imprimir transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos;

X - facilitar a articulação intersetorial dos diversos segmentos e serviços da Administração Municipal que operam na região.

Parágrafo Único - As diretrizes mencionadas nos incisos III, IV, VI e VIII deste artigo serão fixadas pela instância central de governo, mediante elaboração de políticas públicas, coordenação de sistemas, produção de informações públicas e definição de política que envolva a região metropolitana, ouvidas as Subprefeituras.

Para dar conta de toda a nova dinâmica e da descentralização prevista, era necessária a

criação de uma nova estrutura organizacional, que desse dinamismo e pudesse ter autonomia

suficiente para alcançar os objetivos. Desta forma, ficavam as Secretarias existentes com o

papel de desenvolver políticas e acompanhar sua implementação, garantido uniformidade

nesta, e as Subprefeituras com o papel de garantir a execução no seu respectivo território.

Para tanto, em 2003, em dezembro, foi enviado um projeto complementar 13.682,

criando a estrutura da Subprefeitura. Foram criados, além do cargo de Subprefeito, os

seguintes: chefia de gabinete do subprefeito e assessores diretos; e as seguintes

coordenadorias: Assistência Social e Desenvolvimento, Planejamento e Desenvolvimento

Urbano, Manutenção da Infraestrutura Urbana, Projetos e Obras, Educação, Saúde e

Administração e Finanças.

Cada uma destas áreas, além do Subprefeito e seus assessores, recebeu destacadas

atividades para efetivar o poder local, como previa o projeto. Conforme lista elaborada a

partir da Finatec (2004) percebe-se a importância de cada uma destas Coordenadorias, além

do papel do Subprefeito, como veremos abaixo.

Page 38: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

36

Ao Subprefeito cabe a decisão, direção, a gestão e o controle dos assuntos municipais

em nível local. Ele deve representar política e administrativamente a prefeitura na região.

A Coordenadoria de Assistência Social e Desenvolvimento (CASD) responde pela

implantação e execução das políticas públicas de inclusão e promoção nas áreas de

Assistência Social, Trabalho, Segurança Alimentar, Habitação, Esporte, Lazer e Cultura;

coordena, propõe, articula e participa de projetos integrados de Ação Social e

Desenvolvimento no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (CPDU) é responsável

pela implantação e execução das políticas municipais e ações nas áreas de Controle e Uso do

Solo e Licenciamento, Fiscalização e Planos de Desenvolvimento Sustentável (Habitacionais,

Ambientais, de Transporte, Urbanísticos e de Uso do Solo) no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Manutenção e Infraestrutura Urbana cuida da implantação e

execução das políticas municipais e ações de Limpeza Pública e Manutenção e Reparos no

âmbito da Subprefeitura; coordena, propõe, articula e participa de ações integradas de

Manutenção da infraestrutura.

Cabe à Coordenadoria de Projetos e Obras responder pela implantação dos Projetos e

Novas Obras no âmbito da Subprefeitura; assegurar a execução e integração das atividades

das Divisões de Próprios e Edificações, Drenagem, de Viários e Urgências Urbanas de acordo

com a legislação, com as políticas públicas e diretrizes fixadas; assegurar a elaboração de

projetos e a implantação de obras em conformidade ao Plano Regional da subprefeitura.

À Coordenadoria de Educação cabe responder pela implementação da Política

Municipal de Educação no âmbito da Subprefeitura; elaborar o Plano Anual e o Plano

Plurianual da coordenadoria; assegurar a produção e disponibilização de informações sobre as

ações da coordenadoria internamente e ao conjunto da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Saúde é responsável pela implantação da Política Municipal de

Saúde no âmbito da Subprefeitura; elabora e implanta o Plano de Gestão Local da Saúde

(anual e plurianual); assegura a implantação e acompanhamento das ações de avaliação e

controle do SUS no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Administração e Finanças deve ser responsável por todas as áreas

de pessoal e orçamentária da Subprefeitura. Dessa forma, cabe a ela responder pela

implantação e execução das políticas municipais nas áreas de Administração, Gestão de

Pessoas, Suprimentos e Finanças no âmbito da Subprefeitura.

Page 39: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

37

Todo o processo de criação do projeto de Subprefeitura, como também toda a

arquitetura da descentralização e o envio das equipes para as Subprefeituras seriam dignos de

um estudo, mas foge ao escopo deste trabalho.

Vale ressaltar ainda que, novamente, o processo da descentralização e das

Subprefeituras perpassa de uma gestão para outra, em governos opositores. Com isso, imposta

a derrota na tentativa de reeleição da Prefeita Marta Suplicy, seu sucessor, José Serra e o

posterior, Gilberto Kassab, adotam outros caminhos para as Subprefeituras. Primeiro, tirando-

as da rota principal de seus governos e, segundo, tomando decisões e caminhos

diametralmente opostos aos que haviam sido criados com a então prefeita Marta Suplicy.

Para efeito de comparação, se Paulo Maluf e Celso Pitta ignoraram a necessidade de

criação das Subprefeituras e aumentaram as ARs e seu poderio de barganha política,

entregando-as a suas bases de apoio no legislativo. José Serra e Gilberto Kassab tomaram

outro caminho, mesmo com as Subprefeituras já instaladas: promoveram o esvaziamento das

Subprefeituras como instância de governo local e sua autonomia. Abaixo alguns dos

principais pontos que levaram ao desmonte da proposta original de Subprefeitura:

• Redução das Coordenadorias, sobretudo em Educação, Saúde e Assistência Social.

Para a primeira, foram, conforme decreto 45.787/05, de 31 para 13 e a segunda e

terceira para 5 das 31 existentes. Isto significou dividir a base territorial de cada

Subprefeitura, em relação às coordenadorias. Ou seja, cada coordenadoria teria um

recorte diferente, por sua conveniência. Assim, as coordenadorias de Saúde e

Assistência Social, cada uma com sua própria base geográfica, e que não se

comunicam entre si. Na Coordenadoria de Educação, por exemplo, encontram-se 4

subprefeituras (Vila Mariana, Sé, Vila Prudente e Ipiranga) das regiões leste, sul e

centro.

• Redução do poder de participação local nas Subprefeituras, fortalecida, sobretudo pela

ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

• Centralismo Orçamentário; o orçamento da prefeitura aumenta 154% de 2005 para

2012, mas as verbas para as subprefeituras tiveram um acentuado declínio, reduzidas

ao longo desse período (2005-2012) em 61%.

• Redução das Subprefeituras ao serviço de Zeladoria, com abandono de funções de

desenvolver as potencialidades locais. Ainda assim, o orçamento esteve concentrado

Page 40: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

38

em poucas Secretarias nos últimos anos: Infraestrutura e Obras, Desenvolvimento

Urbano, Planejamento e Coordenação das Subprefeituras.

• Alguns dos serviços devolvidos ou mesmo executados por Subprefeituras não

possuem recursos para execução, por exemplo, o emplacamento de ruas.

• Outro dado importante refere-se às equipes presentes nas Subprefeituras. Além do

desinteresse dos servidores, dada a intensa descontinuidade de políticas, há também a

falta de quadros pelos mais diversos motivos, sendo baixos salários e aposentadoria os

principais. Com isto, há uma enorme carência de quadros competentes, sem reposição

há alguns anos. Para ilustrar, podemos usar como exemplo os Agentes Vistores. Em

1992 eram aproximadamente 1200 para a cidade toda; atualmente resumem-se ao

número de 320 pessoas em atividade24.

Destas observações acima podemos concluir que os Subprefeitos possuem menos poder

do que na época das Administrações Regionais da prefeita Luiza Erundina. Com os recursos

bloqueados e escassos e com as coordenadorias suprimidas, as subprefeituras são apenas (e

péssimas) zeladorias.

O assunto Subprefeitura continua, porém, a suscitar debates importantes sobre a

descentralização, participação e as formas de governo da cidade. Como vimos, as

Subprefeituras foram instituídas como instâncias que pudessem lidar com desafios locais que

necessitam de ações concretas e singulares em cada região.

Por isto, no próximo capítulo, adentraremos a Subprefeitura Sé, entendendo suas

particularidades e desafios, internos e externos, que a justificam como a subprefeitura mais

importante da cidade.

24 Informações do Sindicato dos Agentes Vistores da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Page 41: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

39

2. A Subprefeitura Sé: território de Contrastes

2.1 Caracterização do Território

A Subprefeitura Sé foi criada em 1973, quando seu nome ainda era Administração

Regional (AR), até ser alterado em 2003. Esta Subprefeitura é das mais importantes da cidade,

por concentrar a maior parte dos bens culturais do município25. Possui em toda sua extensão

26,2 km² de área. Além disto, é também no centro que grande parte da população se desloca

cotidianamente, para o trabalho ou à procura dele, ao comércio, eventos culturais e uma

infinidade de serviços prestados pelos mais diversos órgãos ali presentes. Não à toa que em

sua localidade encontram-se 17 linhas de metrô e circulam aproximadamente 3,5 milhões de

pessoas/dia.

Os distritos componentes da Subprefeitura Sé são oito: Bela Vista, Bom Retiro,

Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Sé e República, como podemos ver no mapa

abaixo:

Fonte:http://www.encontrahigienopolis.com.br/higienopolis/

25Aqui entendidos como produção simbólica e material produzida ao longo do tempo

Page 42: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

40

O distrito Sé é onde se encontra o centro velho da cidade e de onde a cidade se

expandiu para o novo centro, a República - como é possível perceber pela figura acima-, e aos

seus demais distritos, ao longo do século XIX. Como áreas importantes do distrito Sé,

podemos citar: área do Mercado Municipal, onde também se encontram a zona cerealista e a

25 de março, uma das principais áreas de comércio do centro e do país. Além disso, há o

Parque Dom Pedro, a Catedral da Sé, o Pátio do Colégio, o Triângulo histórico26 e outras

áreas como, por exemplo: Largo do São Bento e Largo do São Francisco. É uma área rica em

bens materiais tombados; existem atualmente 26, sem levar em conta os que estão em

processo de tombamento27.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21547

26 Compreendem-se as ruas: XV de novembro, Direita e São Bento. E como referências de vértices estão as igrejas: Sé, do Carmo, São Bento e São Francisco. 27 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras.

Page 43: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

41

A República, centro expandido a partir da inauguração do primeiro viaduto do Chá,

em 1892, comporta o chamado centro novo e possui características mais diversas. Coexistem

moradias e comércios e estão inseridos em seu território: Câmara Municipal, Palácio dos

Correios, Teatro Municipal, Praça da República, Avenidas Ipiranga e São João e o boêmio

Largo do Arouche. Além disso, a Rua Santa Ifigênia, que se especializou no comércio de

produtos eletrônicos.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=29255

Os outros bairros, expansão do centro (velho e novo), também foram construindo a sua

história ao longo do tempo e cada um com suas particularidades, como poderemos

acompanhar nas descrições que seguem sobre eles.

Page 44: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

42

O distrito da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que, segundo o DPH28,

ainda guarda inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do

solo29, ou seja, preserva características originais iniciadas no período de expansão do centro,

ao final do século XIX. Por conta disto, estas localidades são tombadas, por ser caracterizado,

segundo documento de tombamento, “o grande número de edificações de inegável valor

histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo” e, continua, “mescla dos usos residencial,

cultural, comercial e de serviços especializados”. Além disso, observam-se neste distrito

inumeráveis cantinas e teatros, que fazem parte da história local. Este bairro é considerado,

segundo o mesmo documento, um bairro de elevado potencial turístico no âmbito nacional.

Neste distrito está a Av. Paulista um dos principais centros econômicos da cidade e do país.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=22398

28 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras 29http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/49c99_22_T_Bairro_da_Bela_Vista.pdf

Page 45: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

43

O distrito do Bom Retiro é atualmente conhecido como complexo das artes, por ter em

seus limites o bairro da Luz, que concentra diversos pontos de interesse, como: Pinacoteca,

Museu da Língua Portuguesa, Sala São Paulo, Orquestra Sinfônica e o Jardim da Luz. O

distrito é também famoso pelo comércio de moda. Estão ali confecções e tecelagem,

sobretudo, nos tempos atuais, dominadas por coreanos. A história deste distrito começa pela

concentração de indústrias que, ao longo dos anos, foram dando lugar às atuais confecções. É

ainda um bairro permanentemente de população árabe, ainda que agora estejam presentes

também os coreanos.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=35594

O Cambuci talvez seja o distrito que menos preserve características centrais e tenha

características mais parecidas com as de bairro (e neste sentido se aproximaria muito mais dos

distritos da Subprefeitura Vila Mariana). Aqui existe uma pequena área de concentração, onde

se encontram comércios e serviços, localizadas, sobretudo nos arredores do Largo do

Cambuci, Rua dos Lavapés, Independência e Avenida Lins de Vasconcelos. Recentemente,

por conta desta característica, o bairro passou por uma supervalorização imobiliária, sendo

tomado por incorporadoras.

Page 46: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

44

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21962

A Consolação é o distrito de melhores condições econômicas e sociais de todos os

citados. Lá estão localizados bairros como a Vila Buarque, Pacaembu e o famoso

Higienópolis, bairro criado no início do século XIX, que obedecia a ideais higienistas30. Suas

ruas são arborizadas e largas. Além disso, conta com “diversidade estética das edificações,

inspiradas em modelos europeus, representa novas formas de morar da burguesia urbana”.

Conta também com algumas das mais importantes universidades brasileiras, como a

Universidade Mackenzie, a Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), a Pontifícia

Universidade Católica (PUC) e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Dos

equipamentos públicos localizados neste distrito sobressaem-se o estádio do Pacaembu e as

bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além deles, dos 39 imóveis tombados,

destacam-se: Fundação Escola de Sociologia e Política, Cemitério da Consolação, Instituto

Mackenzie e o teatro Cultura Artística.

30 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras

Page 47: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

45

Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=26765

Na Liberdade está concentrada a colônia japonesa, que ocupou o bairro com maior

intensidade a partir de 1970. É um bairro misto entre moradias modestas e comércios. Nos

tempos atuais há outras colônias orientais, compostas de chineses e coreanos. Também se

encontram neste distrito a baixa do Glicério, área pouco mais degradada e a Aclimação31,

pouco mais conservada e com características de bairro. Vale ressaltar que no Glicério

concentraram-se alguns empreendimentos fabris em tempos não muito longínquos. Existem

também alguns patrimônios tombados, sendo dos dez existentes, a Capela dos Aflitos a mais

conhecida.

31A Aclimação é geralmente ligada ao distrito do Cambuci, mas como aponta o mapa, pertence ao distrito da Liberdade.

Page 48: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

46

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=20429

Em Santa Cecília, distrito nascido no período industrial, encontramos diversidade de

ocupação e uso. Em seu território é possível observar residências de médio e grande porte,

sobretudo nos Campos Elíseos. Além disso, caracterizou-se como bairro fabril e operário,

com pequenas manufaturas e grandes fábricas, sobretudo na várzea da Barra Funda. Por fim, o

distrito caracterizou-se, no bairro de Santa Cecília, por moradias modestas, unifamiliares e

coletivas. Dos dezesseis imóveis tombados, destacam-se como mais conhecidos o DOPS e a

Estação Júlio Prestes.

Page 49: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

47

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=28611

Como se pode observar, cada um destes distritos possuí uma diversidade enorme no

que se refere a sua caracterização, formação, condição econômica e geográfica, além da sua

riqueza material e simbólica. Ainda que diversas, estas características os aproximam,

tornando-os distritos centrais. Ao mesmo tempo em que existem estas diversas riquezas

citadas, existem também os enormes desafios sociais que coexistem e que demandam um

olhar atento e minucioso. Por isso, neste sentido, vale analisar um pouco mais outros aspectos

característicos desta subprefeitura e destes distritos.

Nesta região moram, segundo dados do último senso do IBGE, 435 mil pessoas32,

divididas nos distritos da seguinte maneira: Bela Vista (16%), Bom Retiro (8%), Cambuci

(9%), Consolação (13%), Liberdade (16%), República (13%), Santa Cecília (19%), Sé (5%).

Se olharmos o perfil do público por faixa etária, temos a seguinte configuração: de 0 aos 9

anos (9%), dos 10 aos 14 anos (5%), dos 15 aos 19 anos (5%), dos 20 aos 29 anos (21%), dos

30 aos 59 anos (44%) e dos 60 anos em diante (16%). Como podemos ver é uma população 32 IBGE, Senso 2010

Page 50: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

48

eminentemente adulta e jovem, que compõe o perfil dos moradores desta região, ou seja, 65%

da população têm idade entre 15 e 59 anos de idade. Mas, ao mesmo tempo, é considerável a

população idosa dessa localidade e que demanda atenção e cuidados especiais.

A área central concentra grande parte dos equipamentos culturais, particulares e

públicos. Por exemplo, há no centro 53das 332 salas de cinema da cidade, 136 das 254 salas

de teatro, 33 de 93 Centros Culturais, Casas de Cultura e Espaços Culturais, 38 dos 124

museus33. Por estes dados é possível observar não só a concentração dos equipamentos, mas

também a distribuição desigual, em relação à cidade. Com esta concentração, é possível

perceber a efervescência do centro e toda a ocupação que se dá nesta região por grupos e

coletivos que expressam suas manifestações culturais e artísticas. Além disso, outras áreas do

centro, como o Vale do Anhangabaú e Avenida Paulista, recebem os grandes eventos da

cidade aberto ao público. Dentre estes eventos podemos citar, por exemplo, o Réveillon, a a

Virada Cultural, a Parada Gay e a corrida de São Silvestre.

Neste território também se encontram alguns dados sobre trabalho, emprego e renda

interessantes. Por exemplo, 17,8% dos empregos da cidade se localizam nos distritos desta

Subprefeitura34. Isto significa, em números, pouco mais de 712 mil empregos formais35, sendo

a área que mais emprega na cidade, acompanhada apenas por Pinheiros, que emprega

aproximadamente cem mil pessoas a menos. A terceira, para dar ideia do abismo, aproxima-se

de 490 mil pessoas. Nem é preciso citar o impacto disto, qual seja, a concentração das pessoas

durante o dia na região. Ainda neste universo temos como dados: 20% do total de empregos

formais pagam entre meio e um salário mínimo e meio, e na outra ponta, 22% recebem entre

quinze e vinte salários mínimos. Estes números demonstram o quanto esta região é

economicamente rica.

Outro fator importante é que no centro se localizam quase todas as secretarias

municipais, além de inúmeras autarquias, empresas públicas e secretarias estaduais. Ora, isto

é um fator determinante na valorização e ocupação do centro, mas também um agente

facilitador na construção de políticas, programas e projetos, já que se podem acessar

prontamente outros órgãos, entes e pessoas em poucos minutos, acelerando tomadas de

decisões importantes bem como o início de novos processos e operações.

33Estes dados colhidos em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br

34 IBGE, Senso 2010. 35Exclusive Administração Pública

Page 51: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

49

2.2 Populações Vulneráveis

Vimos até agora os atrativos do centro, sua concentração cultural e de algum modo sua

riqueza e importância financeira. Mas não é só disto que ele é feito. Ao olharmos

detidamente a população no território, nos extratos mais pobres, os números também

impressionam, mas negativamente. Há uma população que quase escapa aos números do

IBGE e, em muitos casos, da própria política municipal. Para mostrar a dimensão do que

falamos, basta tomar conhecimento da população na região central que vive em extrema

adversidade. Pouco mais de 7 mil pessoas recebe até meio salário mínimo36, segundo dados

do Senso/IBGE 2010. Estão distribuídos da seguinte forma, por número de pessoas: Bela

Vista (819), Bom Retiro (1243), Cambuci (636), Consolação (530), Liberdade (939),

República (1375), Santa Cecília (958) e Sé (670).

Os moradores em situação37 de rua, acolhidos e não acolhidos, também estão presentes

nessa região da cidade, compondo 55% de todo o contingente no município. Constituem-se

por: pessoas em situação de rua e em situação de rua com uso de substâncias químicas,

migrantes e imigrantes, egressas do sistema prisional, vítimas de violência doméstica, sexual e

de tráfico de pessoas. São ao todo 6832 pessoas, segundo o último senso realizado em 201138.

Destes atuais, pouco menos da metade está acolhida por algum programa (3747 pessoas).

Vale dizer que as novas modalidades de abrigo das pessoas em situação de rua criam tensão

entre as associações de moradores e a Subprefeitura, mas não trataremos disto agora. Apenas

para registro, os moradores em situação de rua não se cobrem apenas com papelões e

cobertores velhos, como se costumava registrar. Atualmente uma nova modalidade de abrigo

tem sido disseminada, que é o uso de barracas de camping. Portanto, além dos lugares

tradicionais - baixa de viadutos e marquises-, estas pessoas têm montado suas barracas

também em praças, canteiros centrais e áreas verdes, deixando, em muitos casos, essas

barracas armadas o dia todo. Além disso, o próprio perfil do morador de rua alterou-se ao

longo dos anos. Nos últimos anos não é a falta de emprego que leva as pessoas à rua, mas a

quebra do vínculo familiar e o uso de substâncias químicas, e nessa população tem-se

infiltrado o tráfico de drogas. Para se ter ideia, um levantamento feito pela SMADS aponta 24

pontos viciados na região, ou seja, em que as barracas ficam montadas quase que

36 Dados do Senso/IBGE, 2010 – Fontes retiradas de SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) 37Definição dada por SMADS: pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de

viadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, assim como aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em centros de acolhida ou abrigos. 38 Este senso é realizado a cada dois anos, no segundo semestre. Foi realizado, em 2011, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).

Page 52: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

concentra a maior parte dos moradores em situaçã

Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

coletivas multifamiliares, presente

Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

desejo do proprietário. Ainda que exista a Lei Moura

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

abaixo:

Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

39 Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

concentra a maior parte dos moradores em situação de rua, predominantemente não acolhidos

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

presentes nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura

Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de habitação

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

inda que exista a Lei Moura39 e tenham-se reconfigurado as suas

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive,

Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços 50

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

, predominantemente não acolhidos.

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura

ção, higiene, ventilação,

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

se reconfigurado as suas

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, uma

Page 53: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

51

Ao todo são 657 cortiços na Subprefeitura Sé em funcionamento, distribuídos da

seguinte forma: Bela Vista (158), Bom Retiro (77), Cambuci (51), Liberdade (131), República

(62), Santa Cecília (143) e Sé (41). Estima-se que, segundo dados da SMADS40, 7706 pessoas

encontram-se nas condições já citadas: precárias e insalubres.

Ainda no que se refere às condições de moradia no centro, podemos citar as

ocupações, entendidas como espaços vazios e/ou abandonados, sobretudo prédios públicos

e/ou particulares, ocupados pelos movimentos de moradia na região central. São

aproximadamente 49 prédios ocupados, com aproximadamente 50 famílias em cada um

deles41, perfazendo um total de 2450 famílias. São aproximadamente 8300 pessoas em

moradias sem as condições adequadas de habitação. Além disso, muitas delas estão ocupando

locais que oferecem risco à vida, por problemas elétricos e estruturais nos prédios. Ainda é

possível observar que muitas delas estão em risco eminente de reintegração de posse.

Por fim, existe na área central a Favela do Moinho, a única do centro e que abriga

atualmente 450 famílias. O terreno é uma antiga fábrica de farinha e é cortada por um viaduto

e a linha de trem. Existe hoje um impasse entre população e governo municipal no que se

refere à ocupação local. A prefeitura pretende remover as famílias para programas

habitacionais e uma parte da comunidade pretende a urbanização da área.

Na área da Saúde os números são ainda mais controversos, como citava anteriormente.

Na Sé existem 34 hospitais e ao todo 5763 leitos, destinados para sua população residente,

uma média considerada positiva na distribuição população x leitos (coeficiente de leitos gerais

13,08). Porém, apenas dois destes hospitais são públicos e oferecem nos leitos 277 vagas42.

Para dar uma ideia do déficit em saúde no centro, ainda em equipamentos de saúde, faltam,

para a Atenção Básica, 17 UBS43. Há ainda a ausência de UBS em dois distritos: Liberdade e

Consolação44.

Ainda na Saúde existem outros desafios que compõem este diagnóstico. Por exemplo,

a população idosa45 do centro gira em torno de 16%46 de toda a população. Para esta faltam

políticas claras na região central e também há a ausência de programas que possam atender

esta demanda de forma devida. São apenas, a título de exemplo, três equipes no PAI

40 SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) 41 Projeções feitas por técnicos urbanistas da Prefeitura Municipal de São Paulo 42 Não considero que alguns destes hospitais particulares tenham convênios e atenda a população de forma gratuita. Isso aumentaria a quantidade de leitos considerados públicos, mas ainda assim será, seguramente, aquém do necessário. Importante dizer que por ter dificuldade de acesso a estes dados não foi possível precisar o dado. 43 Unidade Básica de Saúde (UBS): local onde se realizam atendimentos básicos e gratuitos e faz encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. 44 São ao todo 9 UBS na Subprefeitura Sé. 45 Consideramos conforme define o Estatuto do Idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 46 Projeção Populacional por Faixa Etária e Sexo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU- Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.

Page 54: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

52

(Programa de Acompanhamento ao Idoso) e não há, outro exemplo, transporte sanitário para

esta população. Ora, o sofrimento mental, álcool e drogas e violência são desafios que estão

presentes, perfazendo em torno de 10% de toda população de rua da cidade; estão presentes

massivamente no centro.

Por fim, outros segmentos populacionais presentes no centro oferecem desafios e

precisam de tratamentos diferenciados, como a população imigrante, migrante e os egressos

do sistema prisional. E da mesma forma as pessoas vítimas da violência e exploração sexual e

tráfico de pessoas.

Na educação os números também são consideráveis. Existem na região

aproximadamente 60 instituições de ensino entre conveniadas e próprias da prefeitura, desde

creche ao ensino de jovens e adultos, passando pelo ensino fundamental. São ao todo,

oferecidas 12.559 vagas, tendo aproximadamente um total de sobra de vagas de 10%. Ao

detalharmos um pouco mais as vagas existentes, percebe-se que destes 10% há uma parte

considerável que se refere ao ensino de jovens e adultos, mas também é possível ver vagas em

ensino fundamental em certas regiões, como na Bela Vista, Sé e Liberdade. Nestas regiões a

soma total de vagas em aberto chega a 414. A região possui em cadastro 384 pessoas:

portanto, ainda sobrariam 30 vagas. Existe um problema de distribuição das vagas nessa

região e também de alternativas que possam dirimir esta diferença. Ou seja, algumas escolas

têm vacância, enquanto outras sofrem por falta de vagas. Mas a maior demanda por vagas está

nas creches. Existem hoje, 2.676 vagas para este modalidade de ensino e seu preenchimento é

superior a 97%. A demanda, ou seja, o número de cadastros existentes chega a 1.625 até o

último registro considerado para este estudo. É impossível dar conta desta demanda sem a

construção de novos convênios e a instalação de novas creches. Vale dizer que, por haver

carência de equipamentos em certas regiões, as mães não fazem cadastro de seus filhos e, por

isso, há uma demanda reprimida, que aumentaria ainda mais o contingente reserva.

Os dados de segurança do centro também demandam atenção, pois são alarmantes e

apontam alguns desafios a serem enfrentados. Certamente as apreensões por comércio

irregular e ambulante são os que mais evidenciam a Sé, mas não é só isso o que configura a

região. No último julho de 2013, foram registrados seis estupros num total de 72 na cidade.

Evidentemente, imagina-se um número maior de ocorrências por toda cidade, sem que as

vítimas prestem queixas. Ainda assim, estes seis ocorridos colocam a Sé entre as

Subprefeituras com maiores índices, representando quase dez por cento dos crimes ocorridos

na cidade. Quando o assunto é crime contra o patrimônio, a Sé toma a liderança. Os números

Page 55: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

53

para Roubos Outros são 1.725 registrados. Furtos Outros chegam a 4274 e Furto de Veículos

foram 434 nesta região. Há de se registrar que o fato de as delegacias não respeitarem os

limites dos distritos e Subprefeituras dificulta o levantamento exato dos crimes, mas ainda

assim a variação para alguns crimes é pequena, não alterando, por exemplo, a liderança da

Subprefeitura Sé, para algumas ocorrências no rearranjo das delegacias.

Além dessas áreas de forte incidência no território, no que se refere aos temas sociais

de predominância das secretarias de assistência e desenvolvimento social, saúde, educação,

segurança e habitação, há outras atividades de forte impacto na vida dessa Subprefeitura.

2.3 Zeladoria

O centro também é caracterizado pela presença de inúmeras áreas verdes, entendidas

aqui como: praças, canteiros centrais e áreas gramadas/ajardinadas. Além destas, ainda que

não componham áreas verdes, estão os largos e as áreas sob os viadutos, sendo que estas

últimas exigem outra complexidade de tratamento. Excluindo estas últimas, temos na região

central 159 áreas verdes, incluindo os largos, e, portanto, 131 praças. Os distritos com mais

praças são: Consolação e República, com 17 cada uma e Sé com 15. Aqui não estão

consideradas as árvores, que se estimam acima de 30 mil, sendo que, pela mesma estimativa,

a maior parte delas está em risco eminente de queda, necessitando de poda ou remoção.

Por fim, na conservação há ainda os baixos de viadutos, que são áreas sob viadutos,

pontes e elevados e que precisam ser limpos, conservados e vistoriados regularmente. Na

região central existem ao todo 7247 estruturas com estas características, sendo ocupáveis

aproximadamente 4948. Um exemplo é a Ponte Orestes Quércia, conhecida como mini

Estaiada, ocupada por, no último levantamento feito até este estudo49, 150 famílias. O baixo

do viaduto não é um tema de fácil solução, pois nessas áreas constam, por exemplo,

cooperativas de recicláveis, estacionamentos, pontos de tráfico, pessoas em situação de rua e

em uso de químicos, escolas de samba, sacolões etc. Além do precário estado de conservação

da maior parte, estes ainda trazem muita insegurança à população do entorno. Vale dizer que,

47 Levantamento realizados pelos técnicos do Gabinete da Subprefeitura Sé 48As não ocupáveis referem-se a áreas onde passam rios ou córregos. 49 Levantamento feito para cadastramento das famílias a serem inclusas e programas sociais da Secretaria Municipal de Habitação.

Page 56: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

54

conforme o decreto 48.378/200750, que regulamenta o uso de baixo do viadutos, algumas das

atividades realizadas são irregulares.

Dentre todas estas questões há ainda os canais de comunicação com o munícipe, que

são os serviços 156, feito por central de atendimento telefônico, as Praças de Atendimento e

Portal da Internet, que oferecem meios para solicitar serviços. O primeiro canal, o 156, é

eminentemente procurado para busca de informações sobre itinerário de ônibus. Já os outros

dois canais oferecem, como mostramos no capítulo anterior, uma gama infinita de serviços:

são mais de 150 serviços mapeados e estima-se que exista outra gama diversa feita por

voluntarismo dos servidores. Na Praça de Atendimento os serviços são, na maioria, abertura

de protocolo para realização de eventos, segunda via de IPTU e CCM51, além de outros

pequenos serviços, como carteira de trabalho, por exemplo. O Portal de Internet também

recebe solicitações dos munícipes, dos mais diversos assuntos, mas, sobretudo, verificam-se

pedidos de melhorias locais e reclamações sobre serviços prestados pela prefeitura. Portanto,

estes três canais compõem o SAC, Sistema de Atendimento ao Cidadão. Num levantamento

realizado pela equipe da Subprefeitura Sé encontramos alguns dados interessantes. Esta

Subprefeitura recebe aproximadamente 1.400 solicitações por mês para os mais diversos

assuntos: desde reforma do calçadão a pedido de limpeza em ruas, de denúncia a comércio

irregular e/ou ambulante a moradores em situação de rua ocupando áreas públicas. Nos

últimos cinco anos, dos pedidos realizados, estão sem respostas aproximadamente 22 mil,

sendo 12 mil no último ano. Para a demora desses serviços há uma gama de justificativas,

desde a impossibilidade de realização52 até a não abertura, pelos servidores, da solicitação

enviada pelo munícipe. Existem também os casos em que o trabalho foi realizado, mas por

falta de equipe, não houve baixa da solicitação. Enfim, essas incorreções fragilizam o dado,

mas o que se observa é o déficit entre receber solicitações de serviços e a baixa capacidade em

atendê-las de forma adequada.

Como vimos, o papel da Subprefeitura também é o de fiscalização dos

estabelecimentos comerciais e o acompanhamento e fiscalização de obras, observando os

limites que cabem a ela, previsto em lei. Isto inclui, por exemplo, os equipamentos culturais

em seus limites territoriais. A rigidez das leis e o tamanho das equipes impedem o devido

acompanhamento e fiscalização, e, como consequência, permite as mais diversas ilegalidades,

além da deslegitimação da prefeitura.

50Regulamenta as Leis nº 11.623, de 14 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.775, de 4 de fevereiro de 2004, e nº 13.426, 5 de setembro de 2002, que dispõem sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais. 51 Cadastro do Contribuinte Mobiliário 52 Por exemplo, é proibida a supressão de raízes das árvores, mas havia a possibilidade de entrar com o pedido.

Page 57: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

55

Até aqui quisemos mostrar uma fotografia do território que compõe a Subprefeitura

Sé, com uma população superior a mais da metade dos municípios brasileiros e que enfrenta

os mais variados desafios: desde a preservação do patrimônio histórico até a população

vulnerável e em situação de risco, além dos desafios de zeladoria destas áreas, repletas de

desafios e em quantidade considerável.

2.4 Centralização e Descentralização

A Subprefeitura, como vimos, é um espaço de integração das diversas unidades da

prefeitura, que tem como objetivo acabar com a sobreposição de papéis, a imprecisão de

responsabilidades e aproximar os responsáveis pela tomada de decisão, dando agilidade e

rapidez ao processo. Portanto, é possível afirmar que seu papel seja de autoridade técnica e

administrativa, por possuir (ou deveria possuir) conhecimento detalhado do território que lhe

permite coordenar e executar políticas, considerando suas especificidades e particularidades,

priorizando-as.

Como vimos até agora, porém, o que se planejou e não se aplicou na prática trouxe

algumas consequências de forte impacto sobre o local. Por exemplo, espalham-se os casos de

corrupção cometidos por agentes públicos lotados em Subprefeituras, em grande parte, pela

dificuldade de acompanhamento dos mesmos, além do excesso de trâmite e burocracia a que

estão sujeitos os cidadãos que dependem de serviços municipais, que agilizam pagamento de

propinas para “pular” a lentidão a que seu processo está sujeito. Além disso, a desarticulação

e a falta de coordenação entre entes do governo agravam problemas.

Por exemplo, é possível que a Secretaria de Saúde precise de um terreno para a

construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não consiga encontrá-lo sem ajuda

da Subprefeitura. Assim como a Secretaria de Educação pode precisar para a construção de

creches, mas sem o mesmo conhecimento local, não o encontre com facilidade. No centro,

pela ocupação intensa da área, encontrar terreno para suprir demandas é uma tarefa difícil. Ou

seja, sem articulação interna, pode-se adiar, quando não abortar a construção de um

equipamento público. Ou é possível observar o que ocorreu na Aclimação, onde existe uma

rua famosa pela quantidade de comércios especializados em espetinhos de carne. Nesta área

dois problemas foram denunciados pelos munícipes: irregularidade na ocupação destes locais

e crime ambiental. Um problema de atribuição da Subprefeitura e outro da SVMA53.

53 Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SMVA)

Page 58: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

56

Motivados pelo mau cheiro, excesso de barulho noturno e congestionamento, a população

local pediu às autoridades o fechamento desses estabelecimentos – a área é considerada

residencial. Por falta de coordenação, a Subprefeitura e a Secretaria de Verde e Meio

Ambiente não atuam de forma conjunta. Ocorreu então que a Secretaria do Verde aplicou

multas contra crimes ambientais, porém, sem ir conjuntamente com a Subprefeitura, que

poderia lacrar o local e é a única que tem competência legal para isto. O resultado disto não

poderia ter sido pior. Os estabelecimentos investiram na adequação de seus espaços, conforme

exigiam as multas aplicadas. Diante disso, quando a Subprefeitura atuou os estabelecimentos,

eles entraram com recursos na justiça, alegando alto investimento na adequação, conforme

exigência referida. Ou seja, de ilegal, passaram a ser legais e os pedidos da população ficaram

inócuos, insolúveis a médio prazo. A Secretaria de Verde e Meio Ambiente acabou

legalizando indiretamente esses locais, gerando forte sentimento de revolta na população.

A não descentralização tem forte impacto também sobre as políticas sociais realizadas

no território. Primeiro, porque parte do desenho territorial das Secretarias engloba, como

dissemos, mais de uma Subprefeitura. Quase sempre desconhece o todo e especifico de cada

local. Segundo, porque acabam atuando sozinhas na implantação de suas políticas, o que não

é necessariamente efetivo. Aliás, é possível afirmar o contrário: é pouco efetiva a superação

dos desafios. Um exemplo disso é a DRE54 Ipiranga. Esta Delegacia abrange ao todo 16

distritos e 4 Subprefeituras. Portanto, escolas de Heliópolis ao centro fazem parte deste

recorte. Possuem 233 instituições de ensino sob seu guarda-chuva, num território

populacional de 1,4 mil pessoas. Existem, atualmente, segundo dados da própria Secretaria,

pouco mais de 60 mil alunos regulares. Com este tamanho, algumas lacunas saltam e

necessitam de intervenções. Por exemplo, na região central faltam vagas em creches. Alguns

equipamentos não oferecem conforto e segurança necessários para as crianças; há políticas

salariais discrepantes nas conveniadas e mais uma gama de outras implicações provenientes

da política educacional, mas também do abismo que há entre estas e as outras escolas, no que

se refere ao território.

Fica claro que é preciso reunir os diversos atores para que se possam superar os

problemas e estes coexistem com interesses conflitantes e antagônicos, em muitos casos. Por

isso precisam de espaços de diálogos e intermediação para lidar com os conflitos,

solucionando-os quando possível. É impossível, sem as Subprefeituras, que associações

locais, conselho de segurança, coletivos culturais, sindicatos e grupos organizados apresentem

54 Delegacia Regional de Ensino.

Page 59: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

57

as suas pautas de reivindicações e possibilidades para a localidade e mesmo para a cidade.

Sem isso, a dimensão de esfera pública como lugar de todos fica extremamente prejudicada,

pois não promove espaços concretos de experiências. O poder público tem condições de

promover espaços para que essa diversidade e pluralidade possam aparecer. Como vemos nas

palavras de Jovchelovitch:

É, de fato, na experiência da pluralidade e na diversidade de perspectiva diferentes, que ainda assim podem levar a um consenso entre o público, que o sentido profundo da esfera pública se encontra. De acordo com Arendt (1983), o termo público significa dois fenômenos relacionados, mas não idênticos: em primeiro lugar, ele quer dizer que o que é público pode ser visto e escutado por todos e possui maior publicidade possível; segundo, o termo se refere ao próprio mundo enquanto algo que é comum a todos os seres humanos e se diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele. (JOVCHELOVITCH, 2000, pg 49)

Como exemplo, abordaremos algumas políticas sociais em execução na Subprefeitura

Sé e que poderão mostrar os desafios aos quais nos referimos e que claramente precisam de

uma coordenação mais articulada para que sejam mais efetivas, eficazes e eficientes. Abaixo

traremos um exemplo concreto que se refere à população em situação de rua e que, nos

últimos anos, tem chamado a atenção, dado o seu vertiginoso crescimento, mesmo com certa

estabilidade econômica e crescimento dos empregos formais.

Um estudo levantado pela Subprefeitura Sé indicou que havia entre oito a dez ações

voltadas para a população de rua, realizadas por diversas secretarias, como segurança urbana,

assistência social e saúde. Ao olharmos para a Assistência Social, é possível perceber mais de

55 serviços específicos para a população em situação de rua realizados por sua rede de

conveniada com um investimento mensal próximo a 6 milhões de reais ao mês. Da mesma

forma, a Saúde tem seus mais de quatro programas e ainda é possível citar a Habitação, que

usa o Programa Moradia Social, destinado a esta população.

Ao olharmos mais detidamente os números, no entanto, percebemos que a saída das

pessoas em condição de rua é muito baixa, sobretudo porque faltam programas mais

integrados e que dependam obrigatoriamente de uma ação articulada de várias secretarias,

mas com recorte territorial. Ou seja, é preciso pensar em como “tirar” a pessoa da condição de

rua. E isto envolve obrigatoriamente formas de empregabilidade, moradia, educação e

formação profissional, acesso a crédito e outros pequenos serviços. Para que os resultados

lograssem êxito, seria necessária a participação efetiva de outras secretarias, numa ação

conjunta, como por exemplo, Secretaria de Trabalho e Educação, além da própria

Page 60: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

58

Subprefeitura. Isso sem contar entre as próprias secretarias citadas como executoras de ações.

Quer dizer, sem que elas atuem conjuntamente, é difícil pensar na superação da pessoa em

situação de rua. Evidentemente, existem exemplos bem sucedidos, mas eles quase sempre são

específicos, e não generalizados, como deveriam.

Ainda é possível observar o completo desconhecimento das secretarias sobre os dados

regionalizados de outras secretarias. Por exemplo, sobre a primeira infância, as secretarias de

assistência e saúde não acessam com facilidade dados sobre educação, e vice-versa, tampouco

atuam de forma conjunta para superação dos desafios. E isto se estende a outros temas, nos

quais a articulação por parte da Subprefeitura e mesmo a coordenação seria de vital

importância para obtenção de resultados mais satisfatórios. Estes problemas citados se devem,

em maior parte, ao recorte territorial de cada secretaria, que não promove espaços de troca

dentro do governo entre esses servidores. Como dissemos até agora, a Subprefeitura deveria

ser o espaço de articulação e coordenação desses serviços.

Para terminar com um exemplo, podemos citar o caso dos cortiços irregulares, cuja

política habitacional cabe à secretaria de habitação, mas as multas cabem à Subprefeitura. Se

um cortiço se estivesse adequando à Lei Moura, não faria sentido multá-lo, porém, por falta

de articulação, a Subprefeitura aplica a multa e liquida-se a possibilidade de adequação do

mesmo. Evidentemente, outros problemas decorrem deste; por exemplo, a expulsão de

algumas famílias dos agora não mais cortiços, e que integrarão o contingente em situação de

rua. Ainda sobre o cortiço, as famílias possuem o mesmo cadastramento em lugares

diferentes, ou seja, para a Saúde, Educação, Assistência Social e Habitação. Portanto, há

informações que uma secretaria necessita, mas só a outra possui. E em alguns casos, nenhuma

delas fez tal registro. Nenhuma destas secretarias faz o recorte racial no questionário,

impossibilitando a SMPIR55 de ter dados específicos sobre a população negra, por exemplo.

Por fim, neste caso, a Habitação cria a sua própria equipe de Assistência Social e após a

realização da melhoria do cortiço dá por encerrada a sua participação com os moradores dos

cortiços. Vale dizer também que para esta Secretaria persiste ainda a visão de que o morador

em situação de rua é um problema de Assistência Social e não seu.

Outro reflexo ocorre na morosidade da atuação conjunta entre áreas. Por exemplo,

comentou-se há pouco que a SVMA56 e a Subprefeitura Sé atuaram em tempos distintos na

Aclimação, não solucionando o problema e, inclusive, atenuando-o. Mas existem outros

problemas nesta articulação. Vejamos o serviço de poda e remoção de árvores que pertence à

55 Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) 56 Secretaria Municipal do Verde e meio Ambiente

Page 61: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

59

Subprefeitura, a executora do serviço. Em seus limites, como vimos, existem muitos móveis

tombados, que exigem, por lei, um processo específico para intervenções, mesmo para poda e

remoção de árvores. O ideal seria uma articulação entre Patrimônio Histórico, Subprefeitura e

SVMA, que seria muito mais ágil se as duas últimas fossem integradas e articuladas no

território.

Quis mostrar até aqui como a Subprefeitura tem dificuldade de lidar com as tensões de

seu território e de como esta desarticulação traz os mais variados impactos negativos para a

cidade. Vimos, indiretamente, que a centralização excessiva das Secretarias e o recorte

arbitrário de cada uma sobre o que considera seu território de atuação não poderiam trazer

resultados diferentes, a não ser os já citados: desconhecimento do território, falta de clareza na

política, falta de gestão política e administrativa e morosidade processual.

Por outro lado, fica evidente a importância da Subprefeitura como projeto político-

administrativo, olhando para a Subprefeitura Sé. Vimos também que essa é uma região rica e

também uma das mais desiguais ao colocar nos mesmos espaços pessoas com condições de

vida tão díspares, tendo numa ponta as de elevado poder econômico e na outra as que se

encontram em extrema pobreza e fragilidade social.

Além disso, a região oferece diversas atrações culturais e artísticas, pagas e gratuitas,

mas que nem de longe estão acessíveis a todos que estão presentes no território, apartando

deste direito um contingente considerável de pessoas. É assim no que se refere aos leitos

hospitalares, que se comparam aos padrões internacionais, mas são quase todos particulares,

não sendo acessíveis a todas as pessoas. Para alcançar um padrão mínimo internacional em

saúde, precisariam ser construídas mais nove UBS.

O desafio é grande quando nos referimos, por exemplo, à manutenção de áreas verdes

e baixos dos viadutos. Seja por falta de quadros técnicos, centralização de gestão, supressão

de recursos financeiros e excesso de burocracia, alguns serviços demoram meses a serem

realizados, quando não o são de fato. Portanto, é notória a falta de padrão de zeladoria e que

possam ser proativos e não somente reativos, como a maioria dos serviços hoje. A falta de

transparência na execução dos serviços também gera muitas arbitrariedades, como a

priorização de um pedido feito por vereadores ou mesmo o pagamento de propina para a

execução de um serviço, que normalmente, no atual estágio, levaria meses para ser realizado.

Ora, o desafio flagrante para as Subprefeituras realizarem seus serviços, conforme

previa seu projeto de criação, passa por devolver a esta a sua importância, descentralizando

novamente o poder das Secretarias, recriando as coordenadorias e respeitando os limites

Page 62: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

60

geográficos de cada Subprefeitura, para que estas possam ter o conhecimento aprofundado do

território e assim aplicar as políticas, considerando as especificidades locais e de forma

conjunta.

Se observarmos a demanda por vagas nas creches, é preciso pensar uma ação conjunta

no território, para que se possa dar conta deste desafio. Assim, nas particularidades do centro,

seria possível pensar em áreas para as creches nas ocupações que entram para programas

habitacionais e buscar nas áreas da Subprefeitura potenciais locais para a construção de

creches. Além disso, nas vagas em vacância, desenvolver estratégias para ocupação por

famílias atendidas por Assistência Social e que não encontram onde matricular seus filhos.

Por sinal, há dificuldades para a Assistência Social em inserir jovens em liberdade assistida

nas escolas, por exemplo. Ou seja, outra necessidade de uma ação conjunta mais próxima e

mediada.

Na cultura, além da valorização da local também poderia atuar de forma mais

contundente nas escolas, usando seus espaços culturais mais ociosos. Mesmo que já existam

programas de valorização e visitação destes espaços, eles são pontuais e não fazem parte de

uma política mais ampla. Também, e ainda na Cultura, seria possível pensar a reintegração do

morador de rua pelo viés cultural ou do esporte e tantas outras contribuições, como o uso dos

baixos dos viadutos e das praças e parques existente na Subprefeitura Sé.

Evidentemente, pensar na manutenção e aplicação destas políticas todas e na

manutenção em sua região requer, sem dúvida, maior aporte de recursos humanos e

financeiros, a criação de padrões de zeladoria e a participação de mecanismos de controle e

acompanhamento das mesmas.

Page 63: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

61

3. Referencial teórico da Pesquisa

Observamos, nos capítulos anteriores, que as Subprefeituras sofreram significativas

mudanças ao longo do tempo, que ora contribuíam para seu desenvolvimento e fortalecimento

institucional, ora não, desconstruindo este papel e esvaziando sua importância como projeto

político. Essas intempéries produziram saberes e conhecimentos que contribuem para a

formação simbólica deste espaço para a população, bem estudado por alguns dos intelectuais

brasileiros. Mas também, ao mesmo tempo, para o funcionalismo público, sobretudo daqueles

que ocupam estes espaços e para quem, dentro de nossos limites, é foco de nosso estudo.

Segundo Jovchelovitch (2008, p. 95):

o que pode parecer irracional ou errado ao observador faz sentido aos agentes do conhecimento. É também neste sentido, ainda que não apenas, que um sistema de conhecimento deve ser avaliado: em relação ao significado e realidade psicológica que ele possui para aqueles que concretamente o produzem. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 95)

Desta forma, analisar o espaço público institucional, na perspectiva de seus atores, os

servidores públicos57, passa a ser elemento fundamental no estudo das Subprefeituras, porque

nos permitirá, dentre outras coisas, perceber como esse servidor se engaja no trabalho e como

percebe a importância de seu trabalho para o munícipe. Para tal, é preciso entender como

constrói seu mapa de significados e elabora e reelabora os registros de suas experiências

cotidianas em espaços de interações com outros servidores, mídias, munícipes e partidos

políticos. O objetivo é captar a realidade construída a partir de lógicas inconscientes inscritas

no contexto em que se encontra, no tempo e na história.

O modelo referencial para nosso estudo será a Teoria das Representações Sociais,

procurando compreender as questões arroladas acima com os servidores da Subprefeitura Sé.

57 Conforme explicitam os artigos Art. 2º e 3°, do Estatuto dos Funcionários públicos define que os funcionários públicos são aqueles que legalmente ocupam cargo público e são remunerados pelos cofres municipais, além de outras especificidades que legitimam o cargo.

Page 64: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

62

3.1 A Teoria das Representações Sociais

A Teoria das Representações Sociais foi apresentada em 1961 por Serge Moscovici

que, por meio de sua tese58, destacava os conceitos gerados na psicanálise e usados no

cotidiano da população francesa de modo geral (FARR, 1995). Seu estudo baseou-se na

concepção de Representação Coletiva de Durkheim, para quem o indivíduo era um fenômeno

psíquico e irredutível a sua atividade cerebral, ou seja, sem influência no fenômeno social.

Isto é, estático e tradicional (GUARECHI, 1994). Nas palavras de Durkheim (1970, p. 39),

(...) o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que na fusão da qual ele resulta, todas as características individuais, sendo divergentes por definição, neutralizam-se e apagam-se mutuamente. (DURKHEIM,1970, p. 39)

Ao fazer esta afirmação, Durkheim deixa claro que o fato social59 era exterior aos

indivíduos e, portanto, capaz de condicionar e determinar suas ações, independente das

manifestações individuais que pudessem ocorrer. Em contraponto, Moscovici, como refere

Guareschi (1994), vai olhar as sociedades modernas como fluídas e dinâmicas, substituindo o

conceito de coletivo por social. Em poucas palavras, significa dizer que o indivíduo é tanto

produto da sociedade, mas também, como afirma Moscovici (1978), agente de mudança dela.

Desta forma, ao distanciar-se do conceito de Durkheim, propõe as Representações Sociais

como modelo. Para Moscovici, a diferença entre os conceitos é explicada da seguinte forma:

(...) as representações coletivas são um mecanismo e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), enquanto para nós são fenômenos que precisam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que se relacionam com uma forma particular de entender e comunicar: um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Para destacar esta diferença, usarei o termo social em vez do termo coletivo (MOSCOVICI apud ÁLVARO E GARRIDO, 2006, p. 287-8).

Entendido o percurso que diferencia a virada de pensamento de Moscovici sobre

Durkheim, o que seriam as representações sociais como teoria para explicar o fenômeno das

58 La Psychanalyse, son image et son public 59 Fato social para o Durkheim possuía três características: coercitividade, exterioridade e generalidade. O primeiro refere-se à força que os fatos exercem sobre as pessoas, os quais são transmitidos a estas na maneira de pensar, agir e sentir. O segundo refere-se à exterioridade, ou seja, existe independente da vontade ou consciência dos sujeitos, sendo inclusive, que estes tenham nascido antes de nascermos. Por fim, o terceiro conceito para o autor é aquele que se aplica, no mínimo, a maior parte da sociedade, ou seja, é geral por ser coletivo.

Page 65: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

63

relações do (e no) cotidiano? A sensibilidade de sua teoria está justamente no entendimento

do cotidiano como fenômeno que explica o senso comum, ou seja, o modo como se dão as

formas de apropriação do conhecimento nos espaços coletivos e na relação com o outro. A

construção do simbólico se dá na dinâmica da vida, nos arranjos institucionais e nas

comunidades nas quais os sujeitos estão inseridos. Assim, Moscovici entende por

representações sociais:

(...) entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana nos cursos de comunicação interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 26).

Existem muitas representações sociais, pois seu ideário é justamente o de explicar as

diferenças de nossa sociedade, tornar o desconhecido em conhecido e ressignificá-lo para

atuar novamente sobre a realidade. E é justamente neste processo dialético que o sujeito

detém poder de transformação, quer dizer, é parte ativa deste processo. É importante observar

que, para Moscovici (1978, p. 25), toda representação é composta de expressões socializadas

e, continua, “conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e

linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam

comuns”. Ou seja, os indivíduos irão agir em consonância com os elementos das

representações sociais que eles mesmos construíram. Afinal, como um sistema de valores,

noções e práticas, as representações guiam e influenciam o comportamento dos indivíduos nos

diversos contextos inseridos. Portanto,

as representações oferecem padrões de conhecimento e reconhecimento, disposições e orientações e conduta, que transformam ambientes sociais em lares para atores individuais e lhes permite entender as regras do jogo (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).

Evidencia-se desta forma, que as ações comunicativas e as práticas sociais presentes

no diálogo, na linguagem, nos processos produtivos, nas artes e mesmo nos padrões culturais,

produzem e conferem estrutura à vida social. É a mediação social que permitirá compreender

o mundo. Para isto, dois elementos integrantes da teoria das representações sociais, são

necessários: ancoragem e objetivação.

Page 66: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

64

Na ancoragem ocorre a integração cognitiva do objeto representado e, desta forma, é

possível categorizar, associar e nomear, portanto, localizar o objeto referido e dar a ele

sentido, compreensão. Os objetos são, segundo Jovchelovitch (2008), representados em

condições que pressupõem que tenham estoque prévio; afinal, em algum momento já foram

representados, ligados com o passado e suas significações. Moscovici (2003) define como o

“processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema

particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos

ser apropriada”.

Na objetivação, o conceito, para se tornar perceptível, é então traduzido em imagens

pelos sujeitos, quer dizer, é estruturante, tangível e concreto. Para Moscovici (2003, p.71-2),

“objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impresso; é reproduzir um

conceito em uma imagem”. Assim, estas imagens selecionadas formam o que Moscovici

(2003) denominou núcleo figurativo, que formam o complexo de ideias. Três fatores estão

envolvidos neste processo: a descontextualização, a criação de um núcleo figurativo e a

materialização dos elementos deste núcleo. Para o primeiro, ocorre a partir de critérios

culturais e normativos; o segundo reproduz a estrutura conceitual e, por fim, o terceiro,

transforma as figuras em elementos da realidade.

Para ambos, ancoragem e objetivação, há um elemento em comum e fundante: a

memória. É a partir dela que ocorre a elaboração e reelaboração e, assim, são reproduzidos os

conceitos e imagens para o mundo exterior. Em ambos os processos os elementos de

avaliação e captação serão forjados nos valores sociais presentes em cada sujeito. Como bem

lembrou Jovchelovitch (2008), a visão que os sujeitos desenvolvem acontece na interação

social e, portanto, a estrutura social na qual estão inseridos é fator preponderante.

Como exemplo do que citamos acima, podemos usar o seguinte trecho de

Jovchelovitch (2008, p. 189):

O conteúdo das primeiras representações sobre a Aids definiu o então novo fenômeno como uma peste, revelando em um único tema a gama de medos e práticas que se seguiram ao aparecimento da doença. Dizer que a Aids era uma peste foi um meio de ligá-la à história das epidemias e às práticas, ideias e sentimentos relacionados às suas trajetórias. Importa muito se as representações são sobre a paz, ou sobre a Aids, se são sobre a amizade, ou sobre o conflito Israel-Palestina. Em cada um destes objetos existe uma realidade a revelar: esta é feita de saberes, comunidades e práticas que vieram antes e que, gradualmente, se solidificam na estrutura e na realidade do objeto. É a isto que chamamos de objetivação.

Page 67: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

65

3.2 As Representações Sociais e a Esfera Pública

Os trabalhos de Sandra Jovchelovitch, estudiosa brasileira das representações sociais,

têm considerado a esfera pública como seu tema de atenção e foco. A sucessão de eventos

vividos cotidianamente na esfera pública irá condicionar as formas e personalidades, sem

tornar os sujeitos estáticos. Para Jovchelovitch (2008), a vida pública não é uma estrutura

externa influenciando a vida privada, mas um de seus elementos constituintes. Desta forma,

seus estudos são dedicados a entender como o espaço público influencia e molda o

comportamento das pessoas. Ou seja, os sujeitos constroem a realidade para, em seguida,

atuar sobre ela. Para ela, as representações estão radicadas nos espaços públicos, ao afirmar

que:

(...) as representações estão radicadas na esfera pública e se, ao mesmo tempo, nos processos de sua constituição, elas criam um saber sobre a esfera pública, investigar sua forma e conteúdo assume uma importância crucial para toda a perspectiva intelectual preocupado com as possibilidades de uma vida em comum que vá além do puramente privado, sem desconsiderar o sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68)

A autora, em seu livro As Representações Sociais Na Esfera Pública, estabelece

uma relação entre alteridade e esfera pública. Desta forma, demonstra como ocorrem as

construções simbólicas radicadas na experiência desse viver coletivo, de duas maneiras:

primeiro, define a importância de espaços públicos a partir de Hannah Arendt e Jürgen

Habermas. Em seguida, aponta as representações sociais, com base em três aspectos: a

formação da atividade simbólica, as representações sociais sobre a atividade representacional

e a criação da realidade simbólica compartilhada. Para isto, ela vai buscar em Piaget a ideia de

espaço potencial, em Winnicott, a atividade simbólica e em Mead, o Outro Generalizado.

A esfera púbica, do ponto de vista histórico, produz permanência, já que o passado

fornece bases ao presente e ao futuro (Jovchelovitch, 2008). Mas é também no espaço público

que a partilha ocorre e onde se constrói o sentimento e o sentido de realidade. Isto produz,

portanto, o que será o bem comum, pois transcende as pessoas. Nesse espaço de pluralidade,

na visão de Arendt (apud Jovchelovitch, 2008), as diferenças e similaridades, entendimentos e

consensos produzem o viver coletivo. Além disso, com base nas ideias de Habermas, a esfera

pública permite o encontro dos cidadãos e também a gestão destes mesmos, ou seja, o espaço

Page 68: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

66

público. Além disso, permite a criação de um saber sobre si mesma e formas de opinião

pública. Isto acontece porque, ao garantir a abertura e transparência e trazer as preocupações

comuns, garantida a posição de igualdade, é possível tomar decisão conjunta e coletiva

(Jovchelovitch, 2008).

Esta autora reafirma, a partir desses autores, a importância da esfera pública e é sobre

ela que mora nosso interesse. O viver em comunidade significa necessariamente, ao menos no

Brasil, estar circunscrito a um município e, portanto, de algum modo, ser afetado por este. Se,

como se diz, o viver solitário é impossível, também o é, da mesma forma, o viver sem um

governo instituído. E se é fato que estamos sujeitos a uma gestão, a um governo instituído,

como compreendê-lo e atuar sobre (e com) ele?

Ora, para ficar no exemplo de São Paulo, seu quadro funcional conta com mais de cem

mil servidores, que, nas mais diversas funções, afetam direta ou indiretamente a população em

seu território.

3.3 Objetivo Revisado

O livro citado60 estudou a construção das representações que as pessoas fazem dos

espaços não institucionais coletivos, mostrando como a formação simbólica é impossível sem

uma rede de significados constituídos. Ou seja, segundo Jovchelovitch, o sujeito é autor da

construção mental e ele pode transformar-se na medida em que se desenvolve. Além disso,

demonstrou a importância do espaço público como construto da alteridade, num processo em

que um desenvolve o outro.

Dentre os muitos lugares onde a vida pública se constitui, um deles é o espaço

institucional, onde parte das necessidades humanas é gerenciada, no sentido de regulação,

demanda e oferta para todos e onde os conflitos podem ser gerenciados. Compreendê-lo passa

a ser fundamental, já que é nesses espaços que os serviços prestados à população se

constituem e aqui também suas demandas são apreciadas, levadas adiante e solucionadas.

Poder pensar as representações que os servidores públicos da Subprefeitura Sé, no

município de São Paulo, fazem sobre si mesmos e todas as implicações já citadas, sobretudo

como eles se percebem e como vêem a importância de seu trabalho para o munícipe, nos

60 Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil

Page 69: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

67

permitem captar como isto, ao se realizar, infere na sua forma de trabalho e, direta ou

indiretamente, interfere na qualidade e na condição do serviço prestado aos munícipes e à

gestão da cidade.

Aprofundar-se nesta representação social pode trazer novos significados à valorização

dos servidores públicos e ajudar a compreender a multiplicidade de desafios presentes nas

estruturas da subprefeitura e nas relações que estes estabelecem com atores importantes como

os munícipes, por exemplo.

A escolha desta Subprefeitura leva em consideração a sua importância para a cidade,

permitindo que fosse gerida de forma mais autônoma e destacada em relação às outras. Como

dissemos ao longo do trabalho, esta Subprefeitura também sofreu poucas ingerências políticas

e administrativas, contou com certa autonomia financeira e o maior orçamento entre as

existentes. Teve a sua frente gestores ligados diretamente aos prefeitos e prefeitas da cidade.

O fato de este pesquisador trabalhar na assessoria direta do gabinete também fez parte da

escolha.

Outro motivo importante, como vimos ao longo do trabalho, se deve ao fato de esse

órgão estar muito próximo ao munícipe, sendo um dos seus principais canais de entrada. É

nas subprefeituras que muito dos serviços iniciam seu processo até que sejam concluídos.

3.4 Perfil dos Entrevistados

Os entrevistados desta pesquisa são sujeitos que ao longo dos anos de prefeitura

construíram um conhecimento sobre a gestão, sobre os servidores e sobre as Subprefeituras,

portanto, conseguem ter uma visão do todo.

Estas pessoas foram selecionadas pelo tempo de prefeitura - no mínimo dez anos -,

pois tiveram a oportunidade de passar por prefeitos e prefeitas de partidos diferentes e,

portanto, conviveram com visões ideológicas e projetos distintos. Além disso, os cargos

ocupados por elas também foram considerados para as entrevistas. As pessoas que

coordenaram equipes, ou foram chefes de secção, departamentos ou possuíram DAS61,

produziram conhecimento sobre a equipe e se relacionaram mais proximamente do Executivo,

neste caso dos Subprefeitos ou dos assessores de sua confiança.

61 DAS (Direção e Assessoramento Superiores) incorporação de salário por exercer função considerada importante pela Direção.

Page 70: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

68

Por fim, foram consideradas a partir de sua capacidade de trânsito na própria

Subprefeitura ou prefeitura, quer dizer, são pessoas que se relacionam com os mais diversos

departamentos, seja pela capacidade de relacionamento ou pela necessidade que seu

departamento exige para que determinado trabalho possa ser realizado.

3.5 Procedimentos Metodológicos

Para compreender as significações e os saberes produzidos pelos servidores

selecionados, escolhemos como procedimento metodológico entrevistas semiestruturadas, que

permitissem adentrar mais em alguns temas do que em outros, explorar o conhecimento e as

particularidades do entrevistado e garantir um ambiente seguro já que, pela posição do

pesquisador, alguns temas poderiam gerar desconforto ou insegurança por parte do

entrevistado.

Estas entrevistas foram gravadas para que pudessem ser transcritas, comparadas,

analisadas e categorizadas posteriormente na análise a ser descrita no próximo capítulo.

Os entrevistados foram escolhidos nas mais diversas áreas da Subprefeitura, sendo as

seguintes: na área de fiscalização, recursos humanos, assessoria direta do gabinete,

atendimento e administração. A escolha de pessoas de áreas diferentes tinha como objetivo

captar de forma mais precisa e diversa as impressões geradas nos servidores. Primeiro, porque

áreas diferentes permitem certas perspectivas de análise e, segundo, porque parte destas

pessoas já esteve em outras áreas da Subprefeitura, o que permite fazer comparações e

análises, descritas nas entrevistas.

Outra consideração importante é que, a partir do roteiro de entrevistas (anexo 1),

separamos três grandes grupos para análise, sendo eles: como são vistos de fora, como se

percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão. A ideia central

desses três grandes grupos é compreender como as experiências do dia-a-dia vão-se

elaborando, solidificando ou transformando estas imagens. Para isto, no roteiro de entrevistas

consideramos como eixos norteadores: Subprefeituras, Funcionalismo Público, Munícipe e

história de vida.

Para o primeiro, Subprefeituras, o objetivo principal era compreender como eles

captam a importância deste órgão, suas funções e como, ao longo dos anos, elas foram

Page 71: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

69

tratadas e retratadas. Eles a compreendem como moeda de troca, como largamente se lê por

aí? Que relação estabelecem com os políticos e assessores de livre-nomeação do Executivo?

O segundo, o Funcionalismo busca captar as imagens que constroem sobre o servidor

público, tentando entender como são compreendidos pela mídia e partidos políticos, como

constroem e desenvolvem as carreiras e o próprio trabalho diário. E também como lidam com

demandas e pressões constantes presente no cotidiano?

Para o terceiro, o munícipe, o principal objetivo é compreender como esta relação

ocorre e, sobretudo, qual a percepção que eles têm. O que vimos, quase sempre, são as

imagens que a população faz sobre o servidor público, mas não sobre a forma como o servidor

percebe, a forma como a imagem dele é construída. Como isto se constrói no cotidiano?

Por fim, é preciso compreender como no cotidiano o trabalho se desenvolve e como se

tornam mais fáceis a implantação de projetos, leis e outras determinações gerais, vindas do

Executivo e do Legislativo. Isto tem grande importância, já que são eles, servidores públicos

lotados nos órgãos de contato direto com a população, que irão implantá-los.

Page 72: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

70

4. Capítulo – Análise das Entrevistas

As entrevistas com os servidores da Subprefeitura Sé foram realizadas a partir de três

grandes temas, os quais exploraremos nesta análise. Estes temas são: como eles são vistos de

fora, como eles se percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão

pública ou da Subprefeitura que afetam diretamente seu cotidiano e impactam a qualidade do

serviço percebido e prestado pela mesma aos munícipes. Atores como a mídia, o próprio

munícipe, o partido político e eles mesmos, são os principais norteadores desta análise como

poderemos observar.

4.1 Como eles são vistos de fora

Ao iniciar o processo de análise das entrevistas, separamos três grandes eixos para

realizá-la, como dissemos. Uma destas é a imagem construída fora dos espaços da

subprefeitura, ou seja, como eles são vistos por aqueles que são de fora, na sua perspectiva?

Ao nos referirmos a estas “pessoas de fora”, falamos sobre três atores importantes e com os

quais eles mantêm um contato diário direto: a mídia, o munícipe e o partido político. Os três

exercem forte impacto na formação e na construção da imagem que os servidores criam sobre

si mesmos e, evidentemente, nas estratégias e na forma como eles desenvolverão seus

trabalhos.

Evidentemente, os munícipes constroem esta imagem, na perspectiva dos servidores

públicos, ao fazerem solicitações de serviços de zeladoria ou outros. Por exemplo, os

prestados pela Praça de Atendimento, como nos referimos no capítulo anterior. Por isso, ao

perguntarmos, por exemplo, como o munícipe percebe o servidor público, observa-se que, de

maneira geral, essa imagem não é muito positiva. O que podemos observar é que esta

imagem, do ponto de vista dos servidores públicos, se constrói a partir de três temas

importantes: a morosidade e a burocracia na solicitação e realização dos serviços, a falta de

recursos humanos e financeiros e o desencontro de informações na prefeitura como um todo,

que vão reverberar também na forma caricata que a mídia constrói.

Page 73: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

71

Por exemplo, quando se fala da morosidade dos serviços públicos, nota-se na fala,

inclusive, que o próprio munícipe desconhece o processo burocrático aos quais alguns

serviços estão sujeitos e que irão tornar mais morosa a realização do serviço. Desta forma, por

exemplo, a poda ou remoção de uma árvore, que precisa tramitar por processos mais

complexos se estiver em área envoltória de bem tombado, pode demorar mais de noventa

dias. Evidentemente, esta tramitação só reafirma na cabeça do munícipe a lentidão que há nos

serviços públicos e o servidor público não demonstra o menor interesse em fazê-lo caminhar

prontamente. Nem é preciso dizer que estes trâmites burocráticos se não respeitados podem

gerar processos administrativos contra os servidores envolvidos. No trecho abaixo, o

entrevistado fala claramente sobre essa morosidade no serviço público e, precisamente, sobre

como os munícipes os vêem por conta disto.

Ai... Uns molengas entendeu? Não quer saber nada de nada. Já, várias vezes, ouvi

isso... Entendeu, mesmo estando aqui na administração. Como várias vezes ouvi munícipe

falando do pessoal da praça de atendimento. (...)

O pessoal vê a gente uns acomodados. Entendeu? Que não quer nada com nada e estão nem

aí, eu entro com processo hoje, 2013, Outubro de 2013... lá para Outubro de 2020, eu vou

estar tendo resposta do meu processo... Então é essa imagem que a gente passa e por mais

que você tente mostrar que não é e que tem uma agilidade, mas também tem uma morosidade

que não é nossa, não é do servidor, é da própria burocracia, tem tempos para o processo

andar, essa coisa toda nem tem... entendeu?

Outra fala que ilustra bem a morosidade e a descrença que eles entendem haver por

parte dos munícipes é sobre a demora no atendimento dos serviços. Os próprios servidores

entendem que a escassez de recursos (materiais e humanos) a que foram submetidas as

subprefeituras, impede a realização dos serviços de forma satisfatória. E isto é atenuado pela

forma como foram feitos alguns dos contratos de zeladoria. Como podemos observar na fala

do entrevistado abaixo:

Do atendimento da demora né? (...) pro munícipe é agilizar e a única coisa, eu acho o que

tem que fazer é agilizar, resposta. O que tem que fazer é agilizar, ele quer resposta; não quer

saber se foi bem atendido. Pode até reclamar se ele não tiver um atendimento adequado. Ele

quer o problema dele resolvido. Eu vim aqui tratar que eu quero que tire a árvore que está lá

Page 74: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

72

quebrando a minha calçada. Eu vou falar, olha meu senhor, eu não posso atendê-lo agora

porque eu estou sem minha equipe de árvore, não sei o quê. Ele fala, eu não quero saber, tira

a árvore; eu não quero saber se tem dinheiro, se não tem. Ele que ser bem atendido então, o

que você vê? E realmente a questão do atendimento da demanda. Na demora da resposta do

serviço que ele pediu.

Por fim, a sobreposição de informações causadas por interpretações diferentes de leis,

normas e procedimentos sobre um determinado assunto, que só reforçam a imagem que os

munícipes constroem sobre o servidor público, como podemos acompanhar na leitura do

trecho abaixo:

Quando você dá o retorno a pessoa a pessoa fala assim.. Nem acredito que a Sra. me

retornou...Não...eu falei que iria retornar, mas eu já falei com 5 ou 6 setores e ninguém

retorna...

Sabe...? Que elas acham um absurdo quando são bem tratadas. Você entende o que eu

estou dizendo? Porque assim, o serviço no geral; não estou falando da Sé, eu já precisei de

informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava

levando canseira de ligar e não aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7

telefones e eu falando que eu não era a colega e que eu era daqui... Você imagina uma

pessoa de fora o que ela não passa!

É possível observar que a imagem que eles constroem sobre a forma como os

munícipes os percebem tem muita relação com os entraves com os quais eles lidam

cotidianamente e dos quais, talvez pela posição que ocupam, possuem pouca capacidade de

mudança e gerência. Outro fator, que será tratado mais à frente aponta para a maneira como

esses servidores percebem, inclusive, a atuação de alguns de seus colegas de trabalho que, de

muitos modos, reforçam o modo como os munícipes chegam a este perfil de servidor descrito.

Por fim, numa das entrevistas, é possível perceber que a própria atividade de algumas

áreas da Subprefeitura, a de fiscalização, por exemplo, gera um sentimento dual nos

munícipes. Se para uns ela beneficia, é certo também que em alguns casos as pessoas se

prejudicam com sua ação. Em casos como apreensões feitas ao comércio irregular e

ambulante ou o recolhimento de mesa e cadeira costuma gerar desconforto nos que

presenciam. Como podemos notar na fala abaixo:

Page 75: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

73

Agora fiscalização, ninguém gosta não. Porque 90% das vezes que a gente vai, ou 100% das

vezes que a gente vai é provocado por conta de alguma reclamação. Então se a gente vai e

resolve aquela reclamação, que foi provocada por alguém... É, esse alguém pelo menos,

quando é solucionado ele vai ficar satisfeito, mas o cara que tomou intimação e multa, com

certeza não vai ficar. Então há uma dualidade aí...

Outro ator importante na vida dos servidores públicos é a mídia, que perpetua, na

visão deles, o imaginário de alguém que é encostado, preguiçoso e corrupto. Diariamente os

principais jornais, sejam eles rádio, impresso ou televisão, mostram casos em que serviços da

prefeitura foram mal prestados, não realizados e, comumente, denunciam os desvios de

conduta por partes dos servidores, como o pagamento de propinas. Assim, na fala de um dos

entrevistados, a mídia os vê da seguinte forma:

O funcionário público de maneira geral eu não sei, pelo o que eu vejo na mídia... É

tudo vagabundo, né? Não trabalha. Agora se eles viessem aqui vê o que a gente faz, eles não

iriam achar que é assim não.

Ainda, para eles, a mídia não os diferencia, mostrando, por exemplo, casos positivos,

bons serviços prestados etc. Afirmam, ao contrário, que são sempre acusados mesmo antes da

prova cabal; mais à frente, observaremos outro exemplo em que não há a devida diferenciação

sobre quais cargos ou áreas ocupam, tratando todos da mesma forma. Um bom exemplo é

este:

Acabou! Então a mídia, ela tá lá, ela tá lá, para detonar né? Cai lá, falou que é

corrupção, é funcionário público.

Eu acho que a mídia ela pega, É... ela é louca para pegar um caso de corrupção né?

Já para arregaçar, né? E se não for ela já vai dizer que é sim, e depois... É que nem nós

tivemos um caso aqui de um Engenheiro, que saiu no jornal, e que nossa, ele teve problemas

com o filho na escola não sei o quê...Depois foi retratar, saiu um texto! E depois que viram

que o cara não tinha nada com aquilo, eles fizeram uma linhazinha de nada, falando que

aquele caso, não tinha sido daquele jeito. Mas e aí? E a vida do cara?

Page 76: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

74

Podemos observar este caso ilustrativo, no qual um dos sindicatos ligados a prefeitura

resolveu criar uma estrutura interna para lidar com a mídia e todas as acusações às quais eles

são sujeitados. Por exemplo, ao perguntar sobre como eles são vistos pela mídia, a resposta é

taxativa. Para eles todos (a mídia) os vêem como vagabundos.

Todos... E agora que eu estou há ano e meio no sindicato, eu vejo que é uma briga

incomensurável por parte nossa, de tentar mostrar para eles o que o funcionário público,

principalmente o agente vistor, faz. E a própria administração também, quando fala alguma

coisa de corrupção, joga a culpa em cima da fiscalização. E a prova mais concreta disso é

agora na época do Aref, em que o secretário anterior, ele dizia... “Não, nós vamos resolver o

problema da corrupção é implantando o SG), que é um sistema de gerenciamento da

fiscalização”. Só que esse Aref e outros que foram pegos, não têm nada a ver com

fiscalização, são de Aprovação, então a fiscalização sempre foi o bode expiatório.

A Subprefeitura Sé, ao longo dos anos, talvez pela sua posição estratégica e

importância para a cidade, costuma estar presente na mídia para as mais diversas matérias,

sobretudo sobre zeladoria e fiscalização. Ainda, é importante ressaltar os anos 90, na transição

entre Administração Regional e a criação de Subprefeituras. Este período foi marcado por

escândalos que abalaram a confiança da população em relação aos agentes públicos,

sobretudo os das Subprefeituras. A fala da entrevistada é ilustrativa neste sentido:

Mas... É eu vivi aqui na Sé na época do Hanna Gharib, que teve a máfia dos fiscais, a

questão toda... Eu vi funcionário sair daqui de dentro algemado, de camburão, sabe? Foi

uma coisa, assim totalmente constrangedora para a gente, sabe? Amigos de trabalho

chegando e a investigadora na sala... Era na época administrador regional, quando a pessoa

chegava, você falava veio pegar alguém. Entrava na sala do administrador e falava, chama

fulano aqui... O cara entrava na sala e já saía conduzido por ela e ia. Tem funcionário que

ficou dentro do camburão lá, uma hora fora e tal, sabe? A gente viu isso aqui, foi realidade

pra gente, né? Ah, eu ouvi dizer que tem corrupção, não! Nós vimos isso acontecer, né? Os

servidores saírem daqui de dentro dessa maneira e foi uma época muito triste, né? Porque eu

não tinha coragem de falar que eu trabalhava na Subprefeitura da Sé.

Page 77: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

75

Outros atores presente para o servidor são os políticos, entendidos como aqueles que

ocupam os cargos de livre provimento (indicados) e eletivos, como é o caso do prefeito e dos

vereadores. Esses atores são fundamentais porque criam, orientam e acompanham a execução

das leis, programas e projetos que serão executados nos mais diversos setores da

administração municipal, por um período determinado. O que podemos observar é que eles

sentem diferenças entre as diversas administrações (ou grupos políticos que dirigem a cidade).

E esta diferença, no modo como cada grupo trabalha gera diferenças de trato, mas é comum

também a distância entre a realidade e os objetivos entre os eletivos e os servidores de carreira

e a desvalorização dos servidores da casa e as condições de trabalho. E a reclamação comum

é que se voltam os olhares sempre para o externo, sem olhar para o que está dentro, sem

perceber as condições de trabalho às quais estão submetidos os servidores.

Quando alguém parar e realmente sair da sua cadeira e for conhecer cada

subprefeitura e não é... ouvir falar, certo? Quando o Chico levantar da cadeira e for

conhecer cada subprefeitura, talvez caia a ficha dele, porque ele está num, num, num...

prédio, super legal, né?... Ar condicionado moderno, tudo encapetado, elevador que

funciona, né? Ele tem o que... 8 elevadores que funcionam, né? Então, ele está uma

maravilha... Agora a Sé, a gente ainda conseguiu, se manter a trancos e barrancos, porque a

gente tem uma equipe de manutenção ponta firme. E as outras lá? Ele levantou, ele foi vê

como está São Miguel, como é que tá Santana... Então tem que sair e levantar a bundinha da

cadeira ir lá e conhecer, vê como que é que está a situação, talvez de um pouco mais de

valor.

Outro fator comum nessa relação é o sentimento de descontinuidade presente em

alguns momentos. Pelo fato de não haver conversas e escuta sobre o que já foi realizado, os

servidores apontam que os gestores não os escutam, afirmando, por exemplo, como no

exemplo abaixo, que cada um imprime seu estilo e projetos, ignorando, na maior parte das

vezes, o que já havia sido realizado. Ou mesmo não os consultam para fazer uma avaliação ou

pensar sobre possibilidades a serem consideradas antes da execução.

Se eles percebem... Não! Eles só percebem quando eles precisam de alguma coisa.

Aí, eles lembram que a gente existe, caso contrário eles não percebem e uma das coisas que

eu fico ... né? E a cada mudança do governo eu fico muito brava, porque são pessoas novas

Page 78: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

76

que vêm e não ouvem as pessoas que já estão na casa. Então vem com ideias novas e

atropelam aquelas que já estão dando certo. Ninguém senta para perguntar... Olha o que está

dando certo? Olha está dando certo, assim, assim e assado, feito. Então isso nós vamos

manter, vamos fazer algumas modificações, porque não é essa minha proposta de gerência,

mas vamos fazer pequenas modificações...Mas vamos fazer dar certo, tá?...Não, já chega já

passando o trator derruba e não valoriza quem já está na casa. E Isso eu falo para todo

mundoooo...O Marcus fez isso certo? Ahn ... Nevoral fez isso, Dra Andrea fez isso. Todo

mundo faz! (...)

É do meu jeito! Então você para tudo do que estava funcionando e começa de novo. E

quando a coisa começa a dar certo...Muda de novo porque já deu os 4 anos. Vereador só

lembra dos servidores quando a gente vai bater na porta deles, apitar, fazer apitar ou fazer

bater porta de panela, ou quando eles precisam de alguma coisa.

Outro comentário muito presente nos discursos refere-se à ocupação dos cargos

estratégicos por parte das nomeações políticas que o executivo promove. Para alguns elas

ocorrem justamente porque se trata de cargos de extrema confiança, na qual o Subprefeito

responderá em última instância (política ou juridicamente) pelos atos dos mesmos, portanto, o

que justifica sua escolha e seus critérios. Para outros, estas nomeações, promovidas em alguns

casos, sem que o ocupante tenha o conhecimento ou experiência que eles julgam necessário, é

que fazem existir este sentimento de desconfiança e desvalorização. Além disso, observa-se

durante as falas que o fato de as Subprefeituras serem moeda de troca para a base governista,

só ratifica esse sentimento de loteamento e manipulação que sentem em relação à

Subprefeitura, como observa um entrevistado ao afirmar:

Eles não privilegiam o cara que já está lá e tem o conhecimento. Eles privilegiam os

caras que vêm de fora (risos), entendeu? É, mas isso tudo é uma configuração que existe é...

Por conta de todos os partidos e... na minha opinião também não é errado. Se eu fosse chefe

de alguém desconhecido, eu iria levar o pessoal da minha confiança também, que aí eu sei o

que vai acontecer, não preciso ficar com os olhos grudados o tempo todo, já que a pessoa é

de minha confiança.

Em outras palavras, esse loteamento ou apadrinhamento e as trocas constantes sempre

que chegam novos quadros trazidos pelo executivo geram desconforto e necessidade de

Page 79: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

77

proteção entre eles. Criam, então, estratégias para lidar com esses servidores nomeados pelo

executivo, como podemos ver na fala abaixo:

Quem tá na casa não presta, então eu só vou ouvir os meus (--), quem eu trouxe, esses

são da minha confiança, porque toda vez que muda a gente se arma. Porque a gente sabe que

vem paulada. Então a gente já se arma... E facas e dentes e vamos que vamos, porque se

gritar... Pera aí, neguinho, tu tá chegando agora, nós já estamos aqui então não adianta

dizer que você vai por uma escada rolante de lá até o quinto andar, que você não vai dá... É,

é por isso, entendeu? Ninguém ouve a gente.

A relação entre esses dois grupos (livre nomeação e carreira) em muitos momentos é

marcada por uma intensa demarcação de posição e tensão. Como vimos na fala acima, os

servidores de carreira criam estratégias para lidar com o Executivo e sua equipe. Mas há

outros elementos que tornam essa relação ainda mais tensa. Por exemplo, nos períodos de

transição, são os servidores de carreiras que fazem esse processo transitório e, portanto,

repassam informações para os novos ocupantes dos postos de trabalho. A insegurança

presente neste processo, a lentidão burocrática, aliada ao histórico que o local por ventura

carrega como ponto de corrupção e incapacidade reforça ainda mais esta dificuldade. Um caso

ilustrativo segue abaixo:

Nós tivemos gestões que o chefe de gabinete falava para a gente, aqui só tem bandido

e vagabundo. Você entendeu? Por quê? Porque foi depois do que aconteceu. Por que...

Porque eu vou falar para você, que não é assim que funciona, ah tá... Mas sabe, a gente tem

que ouvir isso na cara? Tirar a gente por todos, né? Tirar a gente por todos pelo que

aconteceu, né? A gente passou isso!

Para os servidores de carreira a imagem que vêem representada melhorou nos últimos

anos, sendo capazes, inclusive nos dias de hoje, de afirmarem que são servidores públicos,

justamente porque trabalham muito, por exemplo. Por outro lado, ainda sentem que a mídia

perpetua a imagem do servidor de carreira aproveitador, preguiçoso e interesseiro, quando não

corrupto, como observaremos na análise posterior. Os políticos, como observamos, têm

mantido uma relação de dificuldade, sobretudo nos períodos de transição, pois sempre que se

Page 80: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

78

muda a gestão, grande parte das equipes sofre alterações. Evidentemente, isto tem impacto

direto na forma como o munícipe vai receber e perceber o serviço.

4.2 Como os funcionários públicos se percebem

Outro aspecto da análise que faremos dos funcionários públicos é compreender a

forma como se percebem no espaço de trabalho e quais estratégias constroem para realizarem

suas tarefas e enfrentar as demais adversidades presentes. Isto inclui compreender a percepção

que fazem dos outros servidores, quais são as ações que reafirmam ou desconstroem esta

imagem e quais as consequências que isto traz para o trabalho.

Como podemos observar durante as entrevistas, são muitos fatores que permeiam a

imagem que eles fazem sobre si. A falta de um plano de carreira, a presença de servidores

“corruptos” e “preguiçosos” e que justificam a criação, por parte dos munícipes, da figura

caricatural presente nos programas humorísticos são alguns dos ingredientes desse ambiente.

Mas, além deles, o sucateamento do ambiente de trabalho, a morosidade e/ou a inexistência de

acompanhamento, disciplina e punição, a falta de critérios nas escolhas e nas promoções dos

servidores são outros fatores presentes e perceptíveis nas falas dos entrevistados.

Para compreender este cenário, é preciso analisar a forma como os funcionários

compreendem seu papel e isto é importante, pois, como veremos, esta imagem ajudará a

separar aqueles bons servidores dos outros. Os entrevistados de maneira geral compreendem o

servidor público como aquele que está ali para atender o munícipe com zelo e decência. Nas

palavras de uma entrevistada “é aquele que cuida de toda necessidade que a população tem,

ou seja, resolve os problemas que eles te trazem”. Entre os entrevistados, grande parte deles

encontrou na carreira pública uma forma de melhorar e contribuir para a gestão da cidade e,

por conseguinte, na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como afirma outra

entrevistada “o funcionário é aquele grande sonhador, que a gente acha que a gente vai

prestar o concurso e a gente vai passar e que a gente vai poder ajudar a cidade a melhorar, a

crescer desenvolver”.

Para eles, os maus exemplos de servidores públicos são maioria no ambiente de

trabalho, sendo em todas as entrevistas, superiores aos quinze por cento, quando questionado

o percentual de péssimos servidores. Consideram maus servidores quem perpetua a imagem

Page 81: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

79

preconceituosa existente no imaginário da mídia e dos munícipes. O relato da entrevistada é

esclarecedor sobre como existe essa divisão entre os servidores, quando diz que os que

trabalham e os outros “que levam nome e falam, eles falam que não trabalham mesmo, então

vamos lá... Tem outros que viram e falam, olha eu sou funcionário publico, filha, você quer

que eu trabalhe?”

A consequência deste comportamento apresentado, ou seja, de que por ser servidor

público não se trabalha mesmo tem parte da sua origem na falta de acompanhamento das

chefias imediatas. Falaremos mais detidamente sobre isto posteriormente, mas é importante

ressaltar que este comportamento vai impactar o trabalho dos demais. Um dos

comportamentos comuns percebido é descrito na fala abaixo:

Então aquele que deveria estar fazendo nove horas de serviço com uma hora de

almoço, ou seja, oito horas de trabalho. É, ele entra pela catraca, certo? Passa lá, existe uma

possibilidade de a gente pedir um relatório, de todo mundo que entra, com um horário que

entrou bonitinho... Ele sobe, não sei se assina ponto, quando você vê, o neguinho está na

praça de atendimento e vai embora. Ou seja, ele ficou aqui exatos 10 minutos que foi o tempo

dele pegar o elevador, subir na sessão, fazer um auê, para todo mundo ver e, ó, tô indo ali na

esquina. Ó, e você só vai vê-lo amanhã.

Ainda é possível observar que a falta de critério e a diferença de tratamento entre as

chefias imediatas reforçam a imagem do servidor que não trabalha ou que vem quando deseja

e conta, neste caso, com a complacência dos demais. E, ainda, é o beneficiário de certas

regalias, por exemplo, de horas complementares. Assim o servidor considerado correto

assume responsabilidades alheias e tem um tratamento considerado desigual, como aponta a

fala abaixo:

Aí você vira e fala, poxa vida, você não pode faltar, você tem que me trazer um

atestado médico ali. Tô te dando um exemplo, você tem que trazer um atestado médico, se

você não trazer, eu vou ter que corta seu ponto...Então você fala, poxa vida, o fulano não vem

a semana inteira trabalhar e ainda ganha horas complementares, então como é que faço?

Page 82: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

80

Este processo demonstra como os privilégios que alguns detêm sobre outros terão forte

impacto no ambiente de trabalho e também no externo, já que os considerados certinhos não

são promovidos ou reconhecidos pela própria administração pública nem pelos atores

externos, sobretudo a mídia. Neste sentido a fala de uma das entrevistadas é ilustrativa:

Olha, é bem o Mendonça mesmo! O Lineu é o que quer as coisas tudo certinho, que

piriri, papapá...! E que nunca é promovido... E o Mendonça que faz, faz o auê, faz a meia

onda por ali e acaba sendo promovido e isso é uma das coisas que você sempre vai ouvir por

aqui é assim... Quem faz merda, cai pra cima, quem anda certinho cai para baixo, né? E a

mídia acaba contemplando isso, né? Você vê, eles sempre falam do fiscal que deixou a obra

cair, e que embargou e sumiu e o outro que leva propina não sei de onde, piriri, papapá...

Mas eles não procuram um servidor, né, que fez a coisa certinha, bonitinha, que embargou a

obra, que deu sequência naquilo (...).

Por fim, outra fala ilustrativa neste sentido é observada ao dizer que o serviço público

no geral tem essa característica de pouco compromisso e desinteresse dos seus servidores.

Porque assim, o serviço no geral; Não estou falando da Sé, eu já precisei de

informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava

levando canseira de ligar e não é aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7

telefones e eu falando que eu era colega e que eu era daqui... Você imagina uma pessoa de

fora o que ela não passa!

Outro tema presente é a corrupção. Para todos eles é inegável a presença de corruptos

nas subprefeituras, que ocorre justamente por estar próxima ao cidadão, como aponta a fala da

entrevistada “a corrupção vamos dizer assim. Entendeu? É o local que faz o quê? Que

fiscaliza, que tem obra...”. Ou seja, é lá que a maioria das permissões é dada para a realização

de serviços por parte dos munícipes.

Para eles, o não acompanhamento e a própria morosidade nas investigações e sanções,

são responsáveis diretas. Para se ter ideia, nos últimos dez anos, apenas duas pessoas foram

exoneradas do serviço público na Subprefeitura. A maior parte, ao saber que o processo está

em curso, antecipa a saída e, com isso, o processo tende a não ter continuidade ou perder

força ao longo do tempo. Atrelado a esta condição, os baixos salários estimulam estes

Page 83: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

81

acontecimentos. É o que diz uma das entrevistadas ao afirmar, por exemplo, que acaba sendo

quase natural que, devido os custos de vida, alguns se entreguem ao suborno.

Você não tem um salário digno, que está aí fora no mercado, olha meu filho, se você

me oferece uma graninha por baixo... É obvio que todo mundo vai aceitar e você pode ver

que a grande parte, aonde, acontece os subornos, são aqueles que são ligados diretamente à

população! Então você tem os dinheiros, você tem os fiscais, você tem as pessoas que estão

de frente com a população...

Outro problema evidenciado nas entrevistas é a falta de um plano de carreira na

prefeitura, que vai culminar nas enormes disparidades salariais existentes e, na maioria dos

casos, fará com que estas diferenças de formação e valorização não sejam contempladas,

pareçam inexistentes, como afirma uma das entrevistadas ao dizer “a subida na carreira

também não significa muito! Determinados cargos, assim 50 a 80 reais a mais”. Assumir

mais responsabilidades ou ter formação superior, neste contexto significa muito pouco, como

observa “você não tem progressão, progressão, mesmo na carreira, você não tem um salário

digno”. Portanto, assumir cargos de maiores responsabilidades em relação ao anterior não traz

ganhos salariais compatíveis às novas responsabilidades na visão deles.

Ainda no que se refere ao sentimento de desvalorização atrelado à falta de uma

política salarial é possível observar que nos últimos anos o orçamento anual da Prefeitura

aumentou progressivamente, mas isto não significou para os servidores qualquer aumento real

e significativo. Na fala de uma das entrevistadas é possível ter esta percepção quando diz

sobre o aumento de 0,01%, realizado há alguns anos atrás: “chegava a ser humilhante um

aumento desses, pra que publicar? Pra que dar esse aumento?”. E, mais ainda, têm clareza

de que não existe progressão na carreira desestimulando a maior parte em se capacitar, por

exemplo.

As condições nas quais os servidores realizam seu trabalho também influenciam a

forma como se sentem e aumentam esse sentimento de desvalorização e impotência à qual

estão sujeitos. Se existem os servidores que não atendem as expectativas esperadas de sua

função, também é notório, para eles, que existem situações nas quais o serviço não pode ser

realizado por falta de recursos materiais e financeiros. Os recursos nas Subprefeituras nos

últimos anos diminuíram e, consequentemente, a capacidade de atender as solicitações de

forma mais rápida e efetiva também. Assim, pequenos reparos são feitos de forma

Page 84: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

82

improvisada ou com extrema lentidão, expondo ainda mais a imagem negativa da

subprefeitura. A fala é ilustrativa:

Se você vê aí, o outro dia, por exemplo, a gente precisou fazer aí duas ou três vias da

Brigadeiro Luiz Antonio que o cara quebrou para fazer um rebaixamento para entrar o

carro, e a gente aciona o pessoal de obra para fazer isso. O cara ficou um mês ou dois sem

poder ir porque não tinha saco de cimento. Então precisa ter a vontade e ter os argumentos,

né?

Evidentemente, este sentimento de desvalorização também está relacionado às

condições do trabalho. Para dar uma ideia sobre isto, a Praça de Atendimento da

Subprefeitura Sé, passou por um longo período, aproximadamente cinco meses, sem material

básico necessário ao trabalho, como clips, para manter as folhas de um processo unidas. Ou,

como ainda é possível presenciar, cadeiras quebradas, seja roda solta, encostos desajustados e

assim por diante. Não se compram materiais permanentes, ao menos nas Subprefeituras, desde

2010. Numa das entrevistas estas condições estão apontadas:

Olha, nós estamos largado ao relento. Você vê corte de orçamento? O Haddad

começou cortando, congelando todo o orçamento. E aí sai aos pingos, ou seja, tudo que

estava programado foi engavetado, tem que se começar do zero. A gente não tem dinheiro

para nada. Quando aparece alguma coisa, sai todo mundo estapeando, porque o meu é

prioritário, o meu é prioritário.

(...) e aqui dentro acaba ficando a Deus dará... Nós não temos dinheiro para comprar

telefone, nós não temos dinheiro para comprar mesa e nós estamos nessa situação... Já em

2010 a gente vinha sofrendo essa situação, a gente vinha solicitando melhorias internas, tá?

Você tem que concordar comigo, quando você tem um ambiente bom de trabalho, você

trabalha com pique, certo?

O que podemos perceber é que existe uma relação intrínseca entre a representação que

eles fazem de si mesmos, com aquelas que são representadas pelos outros atores; munícipes,

imprensa e políticos. Em parte, esta imagem se constrói e é reforçada pelas condições

Page 85: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

83

adversas de trabalho, pela escassez de recursos de toda natureza e por não haver, por parte do

Executivo, um investimento objetivo para modernizar a gestão.

4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura

Vimos até o momento como os servidores públicos se percebem em duas

perspectivas: como são vistos de fora e como eles mesmo se vêem e isto tem impacto na

forma como o trabalho se organiza e se realiza. Evidentemente, as condições a que estão

submetidos facilita ou dificulta a realização do trabalho e é sobre esta perspectiva que faremos

a análise.

Primeiro, é preciso compreender como estes servidores entendem o papel da

Subprefeitura, como eles a definem e entendem sua importância para a municipalidade. Como

pudemos observar, a atribuição de serviços de zeladoria e as autorizações para a realização de

obras e serviços passam necessariamente por elas e, portanto, a aproximam dos munícipes.

Mas não é só isto que a define e os motivos por quais elas foram criadas. A ideia da

descentralização carrega em si o anseio de um governo participativo, próximo e ágil, como

poderemos observar na fala da entrevistada:

Quando ela foi criada, ela foi criada com uma boa ideia, é de descentralizar todo o

poder... Que é o que a atual administração está tentando fazer, é trazer de volta que é a

descentralização e acho que fica mais fácil para o Munícipe chegar, aonde ele pode cobrar

suas reedificações. E tem que ser assim, se você tem só um órgão para atender toda uma

cidade, fica difícil essas demandas serem atendidas com certa rapidez, né? Agora se você tem

vários órgãos para atender uma população menor, acho que o atendimento fica mais rápido

e até corpo a corpo. Se você está na subprefeitura Sé e vem o cara aqui, da Aclimação

reclamar aqui com você, você já esta mantendo... Você já é vizinho dele praticamente. Agora

se ele vem de lá e tem que vir aqui no palácio do governo, já é uma distância maior. Não

geográfica, mas a nível de hierarquia. Você não consegue chegar ao prefeito. Você chega aos

assessores só, mas se você chegar.

Page 86: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

84

Porém, é claro que o papel das Subprefeituras ao longo dos anos foi perdendo seu

objetivo principal de organização e articulação territorial, de mediador de disputas e promotor

do desenvolvimento, sobretudo as populações mais vulneráveis, para se tornar um órgão de

zeladoria com serviços pontuais e limitados. O reordenamento dos últimos anos, com a

supressão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além das coordenadorias, só

diminuiu a autonomia e a capacidade real de intervenção, como podemos observar abaixo:

Era legal para caramba! Porque se sentava todo mundo. Educação, saúde, assistência

social, esportes, cultura... Sentávamos todos e discutimos o que seria bom, para subprefeitura

da Sé como um todo. O que é bom para o Centro, não é bom para o Cambuci, como não é

bom para o Bom Retiro. Então se ouvia todas as áreas, o social como sempre esteve em

todas... A educação e a saúde eram muito ouvidas e a gente direcionava planos de atuação e

de melhorias para esses distritos. Então, a subprefeituras para mim, na verdade era uma mini

prefeitura, um mini gabinete do prefeito, onde a gente podia decidir para o bem da

população.

Essas supressões fizeram com que ações prioritárias locais fossem remetidas às

secretarias. O papel reduziu-se a participar da logística, quase sempre, limpeza e remoção de

objetivos em vias públicas. Como exemplo, podemos observar as ações realizadas na região

da Luz, conhecida como Cracolândia. Estas aconteceram de forma pontual, coordenada por

alguma secretaria e à Subprefeitura coube o papel de limpeza, remoção de barracos e

interdição de imóveis. Não é preciso dizer que ações pontuais como estas têm efeito de curto

prazo e rapidamente a situação volta ao que era. O envolvimento dos atores locais, o papel da

PM e da GCM e as ações posteriores necessárias à manutenção da área não são gerenciados

por quem teria capacidade e atribuição legal para aproximar atores locais. A fala abaixo é

expressiva neste sentido:

Qual é o poder de decisão que a gente tem hoje? De definir aqui para nós que seria

melhor a gente... Ter uma atuação mais presente, tá discutindo com os moradores, os

comerciantes da Cracolândia... Estar ouvindo pessoal que está ali na Cracolândia... O que

seria melhor para gente estar revitalizando naquela? Hoje a gente tem apenas assim, limpa!

A PM está lá, a GCM está lá, a Saúde faz uma açãozinha aqui e outra por lá(...)

Page 87: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

85

Outra consequência está relacionada ao não investimento na gestão das

Subprefeituras, com forte impacto sobre o trabalho. Apontamos anteriormente as condições

das instalações das Subprefeituras, precárias e prejudiciais à produção e à qualidade do

trabalho. Assim, a própria capacidade de criação, renovação e ação das subprefeituras foi

atingida profundamente, pois se perdeu a capacidade de dar respostas adequadas às

solicitações dos munícipes. Faltam desde materiais considerados simples até os mais

complexos, sem os quais não é possível precisar o impacto de um vazamento de água e que

pode fazer desmoronar casas. A ausência desses equipamentos de avaliação, por exemplo,

pode atenuar o problema. Esta precariedade é apontada na fala da entrevistada:

Agora, quando você não tem as condições... Você vem empurrando, você caba não

conservando. Ah, para que eu vou conservar essa mesa, se ela já está toda arrebentada? Eu

acabo ajudando arrebentar, né? Terminar de arrebentar o bicho né? Então, para mim

esqueceram que a gente tem funções, que a gente tem atividades a serem desenvolvidas, não

só internamente, como externamente, nós estamos relegados ao segundo plano.

Outro ponto do problema é a gestão dos recursos humanos. O primeiro impacto se

refere diretamente à incapacidade em monitorar projetos e obras, a fiscalizar os serviços das

terceirizadas ou mesmo o trabalho de seus servidores. A consequência disto são os

incontáveis casos de corrupção apontados cotidianamente nas subprefeituras ou a ausência

delas com relação às denúncias feitas pelos munícipes. Esta desfuncionalidade é uma das vias

que vai gerar no munícipe a percepção de morosidade e incapacidade da prefeitura. O

segundo impacto se refere à falta de política de recursos humanos, atuando sobre a reposição

de quadros técnicos. Estudos realizados pela área de recursos humanos da subprefeitura

apontam que, em 2014, aproximadamente 150 servidores poderão entrar com o pedido de

aposentadoria, diminuindo em até 30% o atual quadro de servidores. Profissionais como

Engenheiros, Arquitetos e outros técnicos de qualificação especializada importante para as

Subprefeituras estão em falta e muitos próximos da aposentadoria. Já dissemos anteriormente

que muitos quadros deixaram o serviço público atraído por melhores condições na iniciativa

privada, atenuando o problema. Outro exemplo é possível observar na área de fiscalização,

onde anualmente há decréscimo de servidores, enquanto os serviços aumentam.

Page 88: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

86

Muita gente, é que dos 1200 agentes vistores, vamos colocar uns 400 na ativa, faltam

uns 800 servidores. Isso porque, esses 1200, vêm desde o ano de 86 (...) e a cidade espichou,

cresceu verticalmente, horizontalmente, os problemas aumentaram e vamos falar por década

e cada década aparecem coisas novas. Hoje o que está ai é pancadão entre outras coisas, né?

E o número de fiscal, de agente vistor fica reduzido.

Durante a análise que fizemos anteriormente pudemos observar dois grupos distintos

de servidores públicos: aqueles que são considerados trabalhadores e toda a outra gama, que

inclui preguiçosos, folgados, corruptos etc. A existência deste segundo grupo deve-se, em

parte, porque não há um acompanhamento das chefias imediatas e, por isso o servidor, nas

palavras de uma entrevistada “se conforma como as coisas estão e, portanto, se contenta com

o que recebe no final do mês. A pessoa não produz, acha que está fazendo um favor. Isto tem

um impacto negativo no trabalho.”. Ou como observa outra entrevistada sobre a

complacência com os desvios “Aí eu já vou incorporar, aí você vai ser o chefe entendeu?

Então vamos lá, eu não estou sabendo de nada! Não estou sabendo de nada!”.

A fala acima mostra duas questões importantes: uma delas se refere justamente à

política de ocupação de cargos de chefia. Como existe na prefeitura a incorporação da

gratificação paga pelo DAS (Direção e Assessoramento Superior) após cinco anos, é comum a

troca dos cargos de chefia entre os membros da áreas. Essa troca é uma das permissionárias

dos desvios de conduta existentes entre os servidores para que possam fazer seus horários

especiais, acumular outros serviços, fazer uso abusivo da máquina pública, ou seja, usar o

carro para serviços particulares, fazer ligações interurbanas com o celular e mesmo fazer vista

grossa sobre propinas. A outra se refere à morosidade, como já apontada, na conclusão de

processos administrativos. Um exemplo é o caso de dois servidores investigados pela CGM

(Controladoria Geral do Município) presos em flagrante. Os mesmos voltaram às suas

funções até que a prefeitura conclua o processo de exoneração, sem previsão de data.

Por fim, entre suprir uma dada unidade e o investimento necessário para uma praça,

acaba-se, quase sempre, fazendo a escolha pela segunda, por se considerarem os impactos

políticos. É evidente que o trabalho do servidor tem como finalidade o munícipe, mas essa

orientação por “abandonar” a subprefeitura como órgão importante fez com o problema se

atenuasse.

Outro problema está relacionado à distancia estabelecida entre o Legislativo,

Executivo e os servidores das Subprefeituras. Primeiro, porque muitas leis são criadas sem

Page 89: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

87

que se efetive uma estrutura para que ela possa de fato “pegar”. A segunda questão se refere

ao fato de que muitas leis não consideram pontos importantes dos quais os agentes vistores,

aqueles que estão nas ruas, poderiam opinar e aprimorar os processos. E terceiro, refere-se à

ingerência promovida pelo legislativo. Os vereadores pressionam as subprefeituras para a

realização de determinados serviços (pular a fila), para benefício de suas bases eleitorais ou

pedem a retificação de multas, de processos ou literalmente fazem vista grossa sobre

determinadas inconformidades. A fala abaixo demonstra a ingerência e a dificuldade sobre a

aplicação de certas leis, como podemos ver:

Então era melhor você intimar e esperar o cara se regularizar, ou você multar o cara

e esperar ele se regularizar? Primeiro o cara não tem grana para pagar a multa, se ele paga

a multa não sobra a grana para ele fazer a calçada, então é esse tipo de lei que fica meio

confusa. Tanto fica confusa para a população, pra gente que em Pirituba ocorreu o episódio

bem interessante. Se eu não me engano foi a Globo que reclamou de uma, de um local, que

tinha um degrau na calçada, só que a rua era assim... Era declínio, ai o agente vistor de

Pirituba foi lá e falou, mas poxa, eu vou multar um cara só, se a rua toda está assim? Aí ela

começou, né? Aí tem um vereador que é coligado a vocês e falou. Pô, mas isso aqui é um

absurdo. Vocês estão querendo ferrar tudo aqui, porque essa lei está errada e ele próprio

não tinha conhecimento da lei, apesar de ele ter assinado, e que era uma lei que todos os

vereadores assinaram.

Como podemos observar, as funcionalidades e desfuncionalidades da Subprefeitura

estão relacionadas ao fato de que elas, ao serem deixadas como projeto prioritário do

Executivo, com constantes mudanças ao longo do tempo, tornaram-na um espaço para que se

estabelecessem certas anomalias apontadas ao longo da análise pelos servidores, sendo as

principais: uso indevido da máquina pública, suborno, sucateamento do próprio e escassez dos

mais diversos recursos. Entre os impactos mais sentidos estão a desvalorização do trabalho

funcional e, sobretudo, a qualidade e a capacidade de execução dos serviços para os

munícipes.

Page 90: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

88

5. Considerações Finais

Como vimos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de criação de instâncias de

governos locais ao final dos anos sessenta, com o intuito de atender mais rapidamente a

população. Seu papel principal era a realização de serviços de zeladoria, dentre eles: poda,

remoção e limpeza de rua. Evidentemente, esse processo de criação acompanhou o

crescimento da cidade, tendo aumentado o número desta instância ao longo dos anos, porém,

isto não trazia consigo o debate sobre descentralização administrativa.

Assim, nos anos oitenta, por conta dos anseios da descentralização advindos da

redemocratização, projetos de governos locais ganhariam força e, instituído no artigo 77° da

Lei Orgânica do Município, nascia o projeto de Subprefeituras cujos objetivos principais eram

desenvolvimento local e fortalecimento dos canais de participação.

Porém, ao longo de sua existência, as Subprefeituras, ou as antigas Administrações

Regionais passaram por alguns períodos importantes e que impactam diretamente na forma

como o servidor criou a representação social detalhada nas análises das entrevistas.

Primeiro, refere-se aos anos noventa, quando a então prefeita Luiza Erundina (PT),

reorienta a organização geográfica e inicia o processo de descentralização. Esse período foi

marcado por intensas disputas, mas aqui vale ressaltar que elas passam a ter nova importância

no mapa político; por conta da derrota do candidato à sucessão, o projeto se interrompe.

Segundo, refere-se ao período Maluf-Pitta (PPB), com oito anos de gestão, nos quais

se destacam dois processos importantes: o engavetamento do projeto de criação das

Subprefeituras (encaminhado pela prefeita anterior) e o uso das mesmas como barganha para

a coalizão de governo, ou seja, como moeda de troca para manter a base governista. Neste

período também, sobretudo na gestão Pitta, eclodiram os maiores escândalos envolvendo as

Subprefeituras, sendo a máfia dos fiscais a mais conhecida. Este período será importante,

porque dará novamente força à recuperação do projeto de Subprefeitura.

Após esse período, vem Marta Suplicy (PT) e implanta as Subprefeituras, cria as

coordenações de Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde e Educação, redistribui

o orçamento e inicia o processo de criação do Conselho Participativo. Evidentemente, o

processo demorou e contou com enormes entraves, dentre eles a dificuldade das Secretarias

em ceder recursos humanos e materiais e o orçamento. Imposta a derrota, novamente as

Subprefeituras passam por nova orientação.

Page 91: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

89

Com José Serra (PSDB), as Subprefeituras são reordenadas e as secretarias retomam

as coordenadorias, iniciando um processo de centralização e perda de poder. Também é um

período nos quais os Subprefeitos ex-prefeitos do interior sem mandatos (e candidatos

derrotados), ligados, evidentemente, ao prefeito. Ainda que tivessem experiência política,

essas pessoas não necessariamente conheciam as regiões das quais eram representantes no

Executivo.

Por fim, Gilberto Kassab (DEM) assume e inicia um processo de centralização

financeira, concentrando os recursos para a Secretaria de Subprefeitura e iniciando uma

gestão menos participativa, comandada por coronéis reformados. O prestígio que as

Subprefeituras tiveram num curto período decreta-se aqui. A linha dura e conservadora de

alguns coronéis impactou profundamente os canais de diálogos com os munícipes e grupos da

sociedade civil.

Relembramos estes apontamentos porque causam profundo impacto sobre a

representação que o servidor público na Sé constrói em relação à forma como é visto e como

se vê e, consequentemente, como podemos observar as funcionalidades e desfuncionalidades

presentes neste processo. Em grande parte, porque, para cada gestão as Subprefeituras têm um

valor diferente. Se com algumas ganham mais poder e autonomia, com outras o processo

contrário se aplica. Se algumas gestões aspiraram a ter um papel de desenvolver as

potencialidades locais, outras reafirmam o papel de mera zeladoria.

Na análise das entrevistas, os servidores captam como são vistos de fora, de forma

parecida com os velhos jargões existentes em relação a eles e difundidos na mídia e, também,

a forma como eles vêem parte do grupo de servidores, e como se relacionam com estes

estereótipos.

Em relação à forma como são vistos, é possível perceber uma imagem negativa, de um

servidor pouco interessado no trabalho. Ainda que não tenham dito nomes como Barnabés ou

expressões como “marajás” ou “aspones”, expressões chulas que definem servidores como

preguiçosos, fica evidente, para eles, durante as entrevistas, algumas destas características.

Palavras como encostados, molengas, descompromissados, dentre outras, mostram claramente

este ponto. Em parte, essa imagem é reforçada pela morosidade da máquina pública em

responder às solicitações e pelo desconhecimento sobre como se organiza a gestão pública.

De um lado estão aqueles para quem a burocracia precisa ser obedecida e, de outro, aqueles

cujas necessidades são quase sempre urgentes. A escassez de recursos aliada à depreciação

que sofreram as Subprefeituras só trabalhou para reforçar essa imagem, como vimos em falas

Page 92: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

90

sobre a falta do mínimo necessário para atender uma demanda. Um adendo importante é que a

falta de clareza sobre o passo a passo de certos procedimentos e a não explicitação dos

mesmos para o público fazem parte deste processo de construção. Ou seja, existe uma cultura

estabelecida dentro das repartições públicas: a necessidade em dificultar o acesso a certas

informações. Para muitos, o acesso imprime mais trabalho e se torna perigoso para alguns

casos. Um exemplo para ilustrar é o uso de áreas públicas. Qualquer cidadão tem direito a

requerer o uso de uma área pública para os mais diversos usos e, embora existam leis que

regulem, não há critérios objetivos para que escolha seja feita. E, dependendo do tipo de uso,

há um processo enorme a ser percorrido. Por fim, ainda dentro disto, os prazos entre a entrada

do pedido e o deferimento ou indeferimento podem levar mais de cinco anos.

A mídia tem um papel importante neste processo de construção e reforço da imagem

negativa do servidor público. O uso calculado de imagem, reportagens, textos, discursos

eufêmicos entre outros recursos associa os mesmos à corrupção, abuso de poder e negligência.

É comum serem associados à morosidade e à demora em oferecer respostas. Como é possível

ver nos telejornais e nas rádios, o problema está sempre associado à demora da prefeitura em

responder àquela demanda, quer se trate de buraco na calçada, praça mal conservada etc.

Os políticos também têm uma imagem parecida com a da mídia e dos munícipes,

quando afirmam que, se fossem os Subprefeitos, também trariam seus homens de confiança

para o trabalho. Estes servidores determinam pouco e estão completamente assujeitados,

exceção àqueles apadrinhados por políticos (durante certo período no qual seu vereador é da

base governista) e às intempéries das mudanças de gestor e de gestão. Em relação ainda aos

políticos, é possível compreender um sentimento de manipulação, poder e ingerência. Para

eles as escolhas nos quadros técnicos respondem a interesses pessoais (as suas bases políticas)

e partidários e, também a realização dos serviços obedece em primeira ordem à determinação

destes.

Quanto à forma como eles se percebem há algumas contradições interessantes. Os

servidores separam dois grupos distintos de trabalhadores: aqueles que entendem os motivos

por estarem ali e a quem servem (em referência aos munícipes) e, outro grupo, o oposto,

aqueles que se beneficiam da máquina pública de diversas maneiras. No primeiro grupo, onde

se encaixaram todos os entrevistados, estão aqueles que trabalham, são honestos, cumprem a

carga diária e trabalham pelos outros. Entre os demais estão os que se beneficiam da máquina

pública; são aqueles descritos da mesma forma que a mídia e os munícipes retratam. A

contradição é esta: por um lado eles entendem serem equivocadas as imagens que a mídia e o

Page 93: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

91

munícipe constroem da gestão, por outro, eles mesmos são capazes de enxergar este tipo de

servidor.

A existência de privilégios de uns sobre outros e os pactos velados que se

estabeleceram nas equipes são os principais motivadores disto. A presença destes impacta

diretamente na implantação de mudanças gerenciais porque geram fortes resistências. Os

servidores sentem-se pouco valorizados pela gestão e sabem, porque viram ao longo dos anos,

que não há sinais de mudanças.

O que queremos apontar com isso é que as condições nas quais o trabalho dos

servidores se realiza encontram muitas barreiras, que vão além da escassez. As condições a

que foram impostas as Subprefeituras, no sentido de perder a capacidade gerencial sobre seu

território, os fazem perceberem-se impotentes. O papel das Subprefeituras nas reintegrações

de posse limita-se a acompanhar a Polícia Militar e a promover o emparedamento do local. A

Subprefeitura não pode, sequer, cadastrar famílias nos programas de benefícios. Essa

dependência de outras secretarias tem impacto extremamente negativo. Pode ser que as

famílias fiquem literalmente na rua, o que causa forte impacto no emocional dos servidores.

Outro fator importante refere-se ao que se propõe uma Subprefeitura. As mudanças

ocorridas ao longo do tempo apontam que seu papel estratégico de mediador e coordenador de

desenvolvimento local é impreciso e vago. Não há o menor movimento nos últimos anos que

caminhe neste sentido. As ações estratégicas foram tiradas das Subprefeituras e a demanda de

serviço não vem acompanhada de recursos humanos, o que atenua a demora e, inclusive, a

não realização do serviço. Por exemplo, a ida de alguns serviços para as Subprefeituras nem

sempre é acompanhada da estrutura necessária para a realização.

É preciso reafirmar que não se trata de um discurso fatalista, que não prevê soluções

para as Subprefeituras. O importante é atuar em frentes distintas, para que se possa reconstruir

o papel das Subprefeituras e a representação presente nos tempos atuais.

Nossa análise procura apontar para a necessidade de rever a política de recursos

humanos e aperfeiçoar as formas de acompanhamento do serviço, como já apontamos

anteriormente. Evidentemente, isto precisa vir acompanhado de recursos humanos, materiais e

financeiros, para que o serviço possa ser realizado dentro das conformidades: tempo, prazo e

qualidade. E, isto passa também por reconsiderar a descentralização como um projeto político,

retomando-o e fortalecendo esta instância de governo.

Construir processos de escuta e considerar os servidores na elaboração de leis e

projetos é outro fator fundamental: pela experiência adquirida na rua e ao longo dos anos, os

Page 94: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

92

servidores conhecem bem as incoerências presentes. A quantidade excessiva de leis é um dos

grandes problemas, porque, ao mesmo tempo em que facilita, por um lado, pune por outro.

Assim, para exemplo, podemos usar as cooperativas de recicláveis. A prefeitura cria

programas e, ao mesmo tempo, pode autuar cada uma delas por inumeráveis inconformidades.

Todo fiscal lotado em Subprefeitura sabe que, sem o uso do bom senso, nenhum

estabelecimento comercial estaria aberto hoje na cidade de São Paulo. Por isso, compreender

e encontrar meios conjuntamente é a melhor solução na busca preventiva, e não punitiva em

relação aos munícipes e demais segmentos.

É importante ressaltar a importância do servidor público, pois é ele quem vai atender

as demandas dos munícipes: ele é o representante do poder público naquela região. A forma

como ele enxerga a gestão pública tem forte impacto sobre a maneira como realizará seu

trabalho. Por isto, é importante criar mecanismos que possam ajudar as Subprefeituras a se

organizarem para reivindicar mudanças necessárias, como também ajudar o governo a rever

decisões que impactam diretamente as Subprefeituras.

Também é fundamental destacar a importância das Subprefeituras como instâncias de

governo, que podem promover o desenvolvimento, mediar os conflitos no território e

promover a participação local. A cidade de São Paulo, por suas dimensões, não pode ser

gerida apenas por um governo central. Esse centralismo promove apatia em grande parte dos

servidores, o que reverbera na qualidade dos serviços.

Finalmente, é preciso ressaltar a valentia desses profissionais, que cotidianamente

fazem a cidade acontecer.

Page 95: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

93

6. Bibliografia

AFFONSO, Lígia M. F. e ROCHA, Henrique M. - Fatores organizacionais que geram

insatisfação no servidor e comprometem a qualidade dos serviços prestados - VII SEGeT

- Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia

AMARAL, Helerna K. do - Revista do Serviço Público - Brasília - 57 (4): 549-563 Out/Dez 2006

ARRETCHÊ, Marta. Relações Federativas nas Políticas Sociais. Educ. Soc., Campinas, v.

23, n. 80, setembro/ 2002, p. 25-48

BLUMM, Márcia. Possibilidades e Constrangimentos à autonomia política dos

municípios brasileiros: o caso de Salvador (1993 - 1996).

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma

gerencial brasileira na perspectiva internacional - São Paulo: Ed. 34; Brasília: Enap, 1998.

368 p.

FUNDAÇÃO EMPREENDIMENTOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS (FINATEC); Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSP). 2004. Descentralização e Poder Local. A experiência das Subprefeituras no município de São Paulo. Editora HUCITEC. São Paulo.

GESTÃO MUNICIPAL: Descentralização e Participação Popular. Calderón, Adolfo I.,Chaia,

Vera. (organizadores); prefácio Wanderley, Luiz Eduardo. - São Paulo: Cortez, 2002.

GRIN, Eduardo José. Gestão do Território da cidade em São Paulo: a berlinda entre a

democracia representativa e os mecanismo de controle local. XVII Congresso Internacional

del CLAD sobre la Reforma del Estado y de laAdministración Pública, Cartagena, Colombia,

30 out. – 2 nov. 2012

GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs). Textos em Representações

Sociais. 2° ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

INFOCIDADE. <infocidade.prefeitura.sp.gov.br>

Page 96: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

94

JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações Sociais e esfera pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. ___________, Os contextos do saber: representações, comunidades e cultura; tradução de

Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008

JUNQUEIRA, Luciano A. Prates. Descentralização e inter-setorialidade na gestão pública

municipal - http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/textostecnicos/textec4.htm

JUNQUEIRA, Luciano A. Prates; INOJOSA, Rose M.; KOMATSU, Suely.

Descentralização e Intersetorialidade na Gestão Pública Municipal no Brasil: a

Experiência de Fortaleza. XI Concurso de Ensayosdel CLAD “El Tránsito de la Cultura

Burocrática al Modelo de la Gerencia Pública : Perspectivas, Posibilidades y Limitaciones”.

Caracas, 1997

KOWARICK, L.; MARQUES, E. (orgs.). 2011. São Paulo: Novos Percursos e atores.

Sociedade, cultura e política. Editora 34. INCT – Institutos Nacionais de Ciência e

Tecnologia. CEM – Centro de Estudos da Metrópole. FAPESP.

LEITA, Cristiane K. da Silva e Fonseca, Francisco. Federalismo e Políticas Sociais no

Brasil: Impasses da descentralização pós-1988. O&S - Salvador, v. 18 - n.85, p. 99-117 -

janeiro/março –2011

LEGISLAÇÃO - LEI Nº 13.399, DE 1º DE AGOSTO DE 2002. Prefeitura do Município de São Paulo.

LOBO, Thereza. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental - Caderno de

Pesquisas, São Paulo (74): 5-10, agosto 1990.

LUBAMBO, Cátia W. Desempenho da Gestão Pública: que variáveis compõem a

aprovação popular em pequenos municípios? Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n 16, jul/dez

2006, p. 86-125

Page 97: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

95

Martins, Maria Lúcia Refinetti (1997). Descentralização e Subprefeituras em São Paulo:

experiência da gestão 1989-1992: prefeitura Luiza Erundina. Dísponível em:

http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/martins_descentralizaerundina.pdf

MOSCOVICI, Serge. A representação social da Psicanálise. Zahar: São Paulo, 1978.

NUNES, Edson. A gramática política no Brasil: clientelismo e insulamento burocrático - 3

ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Brasília, DF: Enap. 2003.

PLANEJASAMPA. < http://programademetas.info/>

PERTES, B. Guy e PIERRE, Jon (orgs.). Administração Pública: coletânea/tradução Sonia

Midori Yamamoto, Miriam Oliveira. - São Paulo: Editora UnesP; Brasília, DF: ENAP, 2010

PINTO, Mara B. F., GONÇALVES, Marcos Flávio R. e NEVES, Maria da G. R das.

Pensando a Autonomia Municipal: dilemas e perspectivas. Revista de Administração

Municipal - Municípios IBAM NOV/DEZ 03 ANO 48 n° 244

PINTO, Geroges J. Municípios, descentralização e democratização do governo. Caminhos

da Geografia - Revista online do Programa de Pós-Graduação em Geografia - Caminhos da

Geografia 3 (6), Jun/2002 - Pg 1 – 21

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (PMSP); Secretaria Municipal de Cultura (SMC); Departamento do Patrimônio Histórico – Divisão de Preservação (DPH). 2012. Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras. Coletânea em CD com dados dos 8 Distritos da Subprefeitura Sé.

RODRIGUES, Marta M. Assunpção: Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2011. (Folha

Explica).

SÁ, Celso Pereira de. Sobre o Núcleo de Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1996.

SIQUEIRA, Cláudia Gomes de. Emancipação municipal pós Constituição de 1988: um

estudo sobre o processo de criação dos novos municípios paulistas. Campinas, SP: s.n. 2003.

Page 98: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

96

Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas.

SOUZA, Celina. A nova gestão Pública - in Cadernos Flem Gestão Pública

TOMIO, Fabricio Ricardo de L. Instituições, Processos Decisórios e Relações Executivo-

Legislativo nos Estados: Estudo comparativo sobre o Processo de Criação dos Municípios

após a Constituição de 1988. Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao

Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Unicamp.

WHITAKER, F. Temos muito caminho para andar in Gestão Municipal: descentralização e

participação popular. A. I. Calderón e Vera Chaia (eds.). São Paulo: São Paulo: Cortez,

2002.

Page 99: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

97

ANEXOS

I

Subprefeitura

O que é subprefeitura para você? E para o que ela serve?

Como vocês veem a situação geral das subprefeituras hoje em dia?

Quais são as causas principais desta situação?

E há possibilidades de mudança? Se sim, quais e como? Se não, por que não?

Fala-se muito em corrupção e suborno nas Subprefeituras. Isto procede ou não?

Se não, por quais motivos circulam estas impressões?

Se sim, quais são as principais causas da corrupção e falta de respeito as leis?

Você conhece os distritos da Subprefeitura?

Funcionalismo Público

Em sua opinião o que seria um funcionário público?

Como os munícipes vêem os servidores da Subprefeitura?

Em sua opinião como os partidos políticos percebem o funcionário público?

Em sua opinião, como a mídia define o funcionário público?

Como você acha que os servidores públicos se percebem?

Quais tipos de servidores existem em sua opinião? (descrever em percentual)

Quais políticas ou projetos são mais facilmente implantados pelos servidores?

O que facilita? O que dificulta?

Você acredita que os gestores sabem da importância dos servidores de carreira para

implantação de políticas? Você sente que escutam uma demanda sua ou não? Como você lida

com isso? E como os outros lidam?

Munícipe

Na sua opinião, quais são as principais reclamações dos munícipes sobre as subprefeituras?

Na sua opinião como o munícipe percebe o funcionário público?

A subprefeitura atende as solicitações do munícipe com satisfação? Se não, por quê?

Page 100: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

98

História de vida

Por que você se tornou funcionário público?

Quais fatores pesam para o funcionário (você) implantar os projetos da Prefeitura?

Page 101: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

10

INTRODUÇÃO

Meus últimos três anos têm sido dedicados à Administração Pública. Contar como este

processo se iniciou é importante para entendermos como cheguei a propor esta dissertação. O

caminho até aqui é longo, mas o descreverei em pequenos trechos nos parágrafos a seguir.

Trabalhei alguns anos em organizações sociais que desenvolviam projetos, sobretudo

no ramo de empreendedorismo, na parte estratégica de desenvolvimento e geração de

emprego, trabalho e renda, área em que os governos têm muitas dificuldades na efetivação de

políticas eficazes e duradouras.

Depois de anos dedicados a este tipo de atividade, comecei a estabelecer relações com

governos, apresentando propostas de trabalho, conhecendo projetos e assim por diante. Foi

então que, em 2011, ganhei uma bolsa para fazer um curso focado em planejamento, no qual o

público principal eram pessoas da gestão pública.

A partir desse ano comecei a fazer trabalhos de moderação em planejamento

estratégico para os mais diversos atores: empresas, governos, terceiro setor e grupos auto-

organizados, sobretudo com foco na temática racial, direitos humanos e desenvolvimento

social. Diante desta experiência adquirida e da rede de relações que se formou, recebi o

convite para assumir a Diretoria de Planejamento e Gestão Pública na Secretaria de

Planejamento e Gestão Pública, no município de Diadema, região metropolitana do Estado de

São Paulo.

Observando segundo a perspectiva de um consultor em planejamento, passei a me

sentir intrigado diante do fato de que planos bem elaborados de trabalho perdiam-se no

cotidiano, quando se tratava de governos.

Descobri que, quase sempre, o maior valor de um planejamento consistia em alinhar

equipes de acordo com seus principais desafios, positivos e negativos e estabelecer um norte

de trabalho para a gestão. A prática tem demonstrado que aquilo que se planeja sofre

profundas alterações, fundamentalmente porque as prioridades se invertem, as equipes

mudam e sofrem para lidar com as intempéries de seus governos e gestores. Ir para Diadema

era, portanto, um grande desafio: entender estas dificuldades e atuar sobre elas.

A cidade de Diadema ensinou-me muito em um ano e dois meses, período em que

trabalhei lá. Mesmo sendo uma cidade pequena os desafios, porém, são comuns aos de outras

Page 102: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

11

cidades brasileiras. E foi essa observação que me inspirou o presente trabalho, conforme

relatarei adiante.

Como diretor de planejamento, pude observar que havia muitas inconsistências na

administração da cidade, e que, com a experiência de consultor de planejamento, é possível

observar tal fato em outros níveis de governo e em outras prefeituras. Por exemplo, a intensa

luta por poder e recurso que cada secretaria promove para si é, sem dúvida, um dos maiores

problemas para administrar uma cidade, sobretudo a partir da perspectiva de planejamento.

Isto se torna ainda mais difícil porque envolve a governabilidade com o legislativo.

A respeito deste primeiro problema, a governabilidade, tem-se uma clara fragmentação

no governo, ou seja, as secretarias pequenas têm pouca possibilidade de atuação e nos cortes

dos recursos são mais gravemente afetadas. Não possuem fôlego suficiente para aplicar suas

políticas; faltam recursos humanos (em números e em qualificação), materiais e equipamentos

adequados. Além disso, dependem muito da colaboração de outras secretarias, que detêm os

recursos financeiros.

As grandes secretarias (Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Finanças),

tocam seus projetos e têm muitas dificuldades de serem orientadas. Cada uma age por si

própria, criando poucos canais de diálogo com outros órgãos da administração municipal.

Essa fragmentação faz com que cada uma construa suas próprias políticas e formas de

atuação. O resultado é uma sobreposição absurda de políticas e ações, em muitos casos,

contraditórias. Para exemplificar, enquanto uma secretaria atua no combate ao uso de

substâncias químicas enfocando a redução de danos, a outra visa à repressão ao uso. Ou é

possível observar a criação de projetos por parte de uma secretaria, enquanto outra teria

conhecimento suficiente e adequado para apoiar. Por exemplo: a Secretaria da Educação

desenvolve seu próprio projeto de geração de renda, quando esta atribuição deveria contar

com a experiência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

O que podemos notar é que um dos desafios existentes atualmente consiste em tentar

eliminar o isolamento, a fragmentação e a sobreposição da ação governamental no território e

também internamente, pois isto traz consigo enormes prejuízos ao município e a sua

população. Este é um dos motivos que emperram a descentralização dos governos, pois o

modelo “cada um faz ao seu modo” não gera transparência, eficácia ou participação.

Como se estes problemas não fossem suficientes, o governo trabalha com foco

limitado e de olho em sua popularidade, o que leva as prioridades, ao menos na experiência da

qual participei, a se inverterem constantemente. As energias dispersam-se e os recursos, além

Page 103: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

12

de escassos, são também mal distribuídos, o que tem impacto direto na administração, porque

os investimentos na gestão e modernização não são prioridade. Tal impacto pode ser sentido

na baixa capacidade técnica das equipes, na falta de técnicos qualificados e atualizados e nas

próprias ferramentas de gestão presentes nas prefeituras. Sem ferramentas de gestão,

acompanhamento e participação, o governo vai perdendo-se na sua capacidade de realização.

É comum observarmos obras de viário atrasarem anos para serem entregues, comprometendo

o orçamento, assim como podemos ver repetidamente nas mídias erros que exigem reformas

caríssimas para a administração pública e/ou casos de corrupção e favorecimento. Há, além

disto, a precariedade de alguns próprios municipais1, em péssimas condições de conservação e

com equipamentos desatualizados e quebrados, sem levar em conta todos os que estão em

falta. Tal fator tem impacto direto na produtividade dos servidores municipais e na qualidade

do atendimento ao munícipe.

Estes desafios são os principais fatores que prejudicam qualquer planejamento e

gestão, mas há um muito importante a ser considerado: os recursos humanos. São eles,

constituídos pelos servidores do serviço público, que estão no cotidiano das políticas

municipais.

Tais servidores estão sujeitos, a cada quatro anos, a um novo prefeito que, com sua

equipe, imprime novos projetos e rumos ao município, processo este que costuma ser

acompanhado de muitas rupturas e mudanças nos quadros e formas de se criar e executar

políticas. Os servidores, por seu lado, perpassam gestões e desenvolvem crenças, valores e

alianças, que permeiam seu trabalho ao longo dos anos.

Prosseguindo o relato sobre minha trajetória, em janeiro de 2013 me transferi para São

Paulo, a fim de trabalhar no gabinete da subprefeitura Sé. De todas as subprefeituras, a Sé

conta com algumas particularidades que a tornam a mais importante da cidade. Comparada às

outras, é a que se encontra em melhores condições quanto à estrutura e equipe, inclusive

porque está menos sujeita a intervenções parlamentares e seu executivo costuma ter apoio e

anuência do prefeito da cidade. Dentre os fatores que a tornam importante está o fato de ser

central e ter oito distritos por onde circulam diariamente milhares de pessoas, tornando-a a

vitrine da cidade. Mas, ao chegar a esta subprefeitura, pude deparar com todos os problemas

vividos na outra administração, em proporções maiores, já que a Sé conta com uma população

maior que a cidade de Diadema e está em constante exposição midiática.

1 Consideram-se aqui os prédios públicos onde funcionam serviços de qualquer natureza.

Page 104: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

13

Resumindo, a falta de investimentos na modernização administrativa, a falta de

quadros técnicos, a ausência de uma política efetiva de carreira, a cultura de centralização

política, administrativa e orçamentária e a descontinuidade de projetos são fatores

fundamentais no centralismo que existe nas gestões municipais, onde quer que esteja.

Estas dificuldades também estão presentes nas Subprefeituras, projeto político de

descentralização da administração da cidade de São Paulo, sobre as quais dedicarei meu

estudo. O projeto de descentralização, que previa forte incidência local e políticas focadas no

território, aliado à participação e acompanhamento dos munícipes na gestão, nunca conseguiu

concretizar-se efetivamente, como previa o projeto original. Ora por falta de articulação, ora

por falta de interesse em dar continuidade ao projeto, nenhuma gestão deu conta realmente do

projeto previsto. Isto causou forte impacto à cidade, pois esta não conseguiu efetivar canais de

comunicação e participação, além de se tornar frágil a diversas formas de corrupção nos

estratos mais baixos da administração local. Também se consolidaram o sucateamento e o

apadrinhamento parlamentar, aliados a uma burocracia enlouquecedora, confusa, dúbia e que

se sobrepõe o tempo todo.

No meio deste cenário encontram-se os servidores públicos, sujeitos às mais diversas

intempéries e mudanças que, ao longo de todos os anos, foram produzidas. Em algumas

gestões as subprefeituras tiveram mais ação, poder e prestígio; em outras foram relegadas ao

papel de zeladoria e barganha política.

Diante deste quadro nos perguntamos: como o funcionário reage a tudo isto? Como

executa seu trabalho? Ele é consultado? Como percebe a visão do munícipe em relação a ele?

E a mídia? E os políticos aos quais ele está sujeito a cada quatro anos? Os funcionários são

consultados na construção de políticas ou na forma de implantá-los? O que os motiva ao

trabalho? Sentem-se valorizados? De que forma?

Este estudo é dedicado a entender o servidor público, sujeito fundamental na execução

das políticas pensadas pelo Executivo e criadas no Legislativo. Ainda que possa parecer que

parta de um olhar fatalista sobre a administração pública, é fundamental ressaltar a

importância desses homens e mulheres que produzem, executam e acompanham a política na

cidade. São indivíduos que, em muitas ocasiões, levam o governo a não cometer ações

arbitrárias em relação aos munícipes em situações-limite (limpeza de área, desocupação,

reintegração de posse etc.). São milhares os casos em que esses agentes públicos lutam

bravamente para que um projeto tenha sucesso e alcance. Afinal, só a gestão pública tem

Page 105: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

14

condição de afetar todos os seus cidadãos com políticas, projetos e programas, além de mediar

as diversas tensões existentes em seu território.

Esta dissertação tem, portanto, a intenção de contribuir com a literatura de

administração pública, bem como a de psicologia social, ao compreender a representação

social dos servidores públicos. Com isso, compreender as ações que possam efetivar práticas

que contribuam para a melhora da cidade e da administração.

Para isso, percorreremos brevemente a história da descentralização, que significa

passar pela construção do município no Brasil e seus desdobramentos, para entender o

município de São Paulo. Em seguida, procuraremos entender os desafios da cidade e a

importância das Subprefeituras por meio de sua história. Por fim, adentraremos no caso da

Subprefeitura Sé, onde descreveremos os desafios enfrentados, tentando entender o

funcionalismo neste contexto e a representação que criou de si.

Page 106: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

15

1. Da ideia de município à Subprefeitura

Os anos 80 foram marcados por intensas disputas políticas no campo internacional,

como decorrência da consolidação de forças distintas: capitalismo, comunismo e socialismo.

Ao mesmo tempo, nos países latino-americanos, eram cada vez maiores as pressões pelo fim

da opressão imposta por regimes militares ditatoriais.

Além dos limites impostos e da excessiva violência, eram tempos de intensas crises

econômicas e sociais, gerando inflação, estagnação, desemprego e miséria, principalmente nas

regiões mais carentes do Brasil. O milagre econômico já não existia, o gasto público

incontrolável e as dívidas externas cresciam em larga escala. Aliado a isto, o aparelho

burocrático já não respondia aos desafios impostos aos tempos correspondentes. Era

imperativo o desejo de mudança, que culminaria na queda do regime ditatorial e na

construção da nova Constituição Federal de 1988, que tinha como anseio não só perpetuar os

direitos humanos e a não possibilidade de novos golpes, mas também dirimir as

desigualdades, descentralizar e promover participação popular no acompanhamento da gestão

pública nascente. Por isso, é possível dizer que era preciso, na visão dos constituintes,

reformar o Estado com enfoque na universalização de acessos aos serviços e à participação, o

que só faria sentido ao transferir aos municípios essa responsabilidade, cabendo ao governo

federal o financiamento e a regulação dos serviços no que tangesse ao município

(ARRETCHE, 2002).

A República Federativa do Brasil é, conforme descreve nossa constituição, a união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado

Democrático de Direito (art. 1°, CF)2. Cada um destes entes possui, portanto, autonomia sobre

seu território. Por ser um país federativo, os governos têm prerrogativas invioláveis, que

conferem a eles autonomia, ainda que possam legislar sobre a mesma população e território.

A União é regida por sua Constituição Federal, que atribui a este órgão o dever de

implantar políticas de desenvolvimento nacional, distribuindo recursos, criando e orientando

políticas, além de garantir a segurança nacional. Também tem como objetivo assegurar o

desenvolvimento nacional, em todas as perspectivas, além de garantir o acesso à justiça,

2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

Page 107: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

16

liberdade e desenvolvimento, garantindo equidade no que se refere à distribuição de recursos

e diminuição de mazelas sociais.

1.1O Município como ente federativo

A trajetória da redemocratização concretiza-se em 1988, na promulgação da nova

Constituição, reconfigurando a atuação dos municípios e garantindo-lhes autonomia, o que, na

prática, significou maior distribuição dos recursos e, portanto, independência financeira e

política, que se refere a criar suas próprias leis e administrar seu território. Além da escolha de

seus governantes, sem quaisquer restrições, os municípios também ampliaram sua base

tributária (SIQUERA, 2003), além das transferências constitucionais da União e do Estado.

Para Pinto (2003),

ao Município foi atribuída a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e a competência dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ação por essas esferas. (PINTO, 2003, p. 40)

Ainda que os municípios já existissem no Brasil, sua autonomia só passa a ser

garantida nessa constituição. Este processo, de construção de Constituições republicanas, não

se iniciou recentemente. Segundo Siqueira (2003), o Brasil já havia passado, até a

promulgação de 1988, por mais três processo de descentralização. Estas constituições (1891,

1934 e 1946), de algum modo trataram do tema de descentralização e, por diversos

impeditivos, não avançaram. Para o autor, na Constituição de 1891, a dificuldade concreta

para a viabilização da autonomia municipal foi a escassez de recursos colocados à disposição,

como também a função atribuída aos estados, quais sejam, o controle administrativo,

financeiro e a fiscalização. Siqueira confirma que:

a autonomia municipal era praticamente inexistente, permanecendo os municípios sob tutela dos Executivos estaduais, que garantiam a sua base de apoio político através da manipulação exercida sobre os governos locais (SIQUEIRA, 2003, p. 18).

Já a Constituição de 1934, que permitiu a eleição de vereadores e prefeitos e incluía a

participação dos municípios na arrecadação tributária, tornava nula a autonomia municipal,

Page 108: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

17

pois permitia que os Executivos estaduais controlassem administrativa e politicamente os

municípios, por meio dos departamentos de municipalidade.

A conhecida Constituição Municipalista, de 1946, retomou a discussão do

fortalecimento dos municípios e o rearranjo financeiro e tributário. Previa, com favorecimento

aos municípios mais pobres, o repasse de 10% das receitas de Imposto de Renda e a

devolução do excesso de arrecadação de impostos de rendas locais de qualquer natureza

(SIQUEIRA, 2003). Na implantação e cumprimento desta Constituição, houve, porém,

impeditivos determinantes, que impuseram insucesso a esta tentativa de garantir autonomia

municipal. Para Siqueira, os principais pontos foram: irregularidades nas transferências de

tributos por parte da União e dos estados, a baixa capacidade dos municípios de explorarem

seu potencial de arrecadação, a constante intervenção nos municípios por parte dos estados,

por conta de empréstimos ou dívida fundada e, por fim, as restrições às eleições para prefeito

nas capitais e outros pontos considerados importantes para defesa nacional.

1.2 A importância do Município

Com a aprovação da Constituição de 1988, põe-se fim ao modelo burocratizado e

centralizado da gestão brasileira, dando aos municípios a responsabilidade de serem os

indutores da criação e implantação de políticas de desenvolvimento local. Desta forma,

deixam de ser apenas zeladores que regulam a ocupação das vias públicas, construções,

trânsito e medidas relativas a feiras, espetáculos públicos e conservação de logradouros.

Vamos compreender essa descentralização, definindo-a como um processo pelo qual

os níveis periféricos, no nosso caso o município, se tornaram detentores de poder. Isto para

transformá-lo em eficaz e ágil, ao estreitar as relações entre a sociedade e o estado. Nesta

constituição, portanto, o governo municipal passou a prestar os serviços públicos diretamente

aos munícipes. Posto desta forma, nas palavras de Junqueira (2003):

O poder municipal, no Brasil, tem como competência organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O exercício dessas competências tem relação direta com a garantia dos direitos sociais do cidadão. (JUNQUEIRA, 2003, p. 50 )

Page 109: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

18

Significa dizer que nesta constituição, que se refere ao espaço local, o município, enxerga os

usuários como capazes de explicitar suas necessidades não satisfeitas e aprender a se colocar

diante dos serviços como cidadãos. Essa descentralização implica que cada município pode

levar em consideração as diferenças econômicas, técnico-financeiras, administrativas e

políticas para desenvolver suas ações.

No Brasil, com suas dimensões continentais caracterizadas por intensas desigualdades

sociais, econômicas, políticas e administrativas, além das características territoriais de cada

uma de suas regiões, a existência de municípios parecia imprescindível, pois estes espaços

deveriam permitir aos munícipes a tomada de decisões sobre assuntos de seus interesses. Na

visão de Pinto (2002),

não só como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico e simbólico que se transforma em um campo de respostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais de nossa época. (PINTO, 2002, p 52.)

Ora, a importância do governo local é justamente ser local, ou seja, um ente que

possibilita oportunidade de participação e assegura a distribuição eficiente dos serviços, além

de melhores condições de alocar os recursos públicos, atendendo às necessidades dos

cidadãos, justamente por estar mais próximo das localidades onde estão implantadas. É essa

capacidade de aproximação, de troca entre governo e localidade, que lhe permite criar uma

visão privilegiada do território. Mesmo dentro destes espaços existem disputas por interesses

antagônicos, com pequenos grupos articulados tentando impor sua vontade à maioria. Mas é

no território que essas disputas podem se tornar evidentes e que pressões podem ser exercidas

no sentido de atender às necessidades citadas. Também o estado, em sua posição privilegiada,

pode mediar os conflitos existentes.

Quando falamos sobre a importância do município como ente federativo e toda a luta

promovida durante as constituições pelos emancipadores municipalistas3, as perguntas são a

respeito do que exatamente defendem e sobre o que legisla o município que o torna tão

importante. Cada município tem sua própria Lei Orgânica Municipal e, respeitadas as

condições e necessidades de cada localidade, é certo que temas como os listados abaixo sejam

atribuições do município:

3 Aqueles que defendiam a existência dos municípios.

Page 110: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

19

• Delimitação do Perímetro Urbano: descrição das áreas do município, criando zonas

urbanas e rurais e definindo impostos, condições de usos dos terrenos e edificações.

• Controle do Parcelamento do Solo: lotear e desmembrar terrenos, garantindo

condições mínimas indispensáveis ao seu uso em habitação. Garante áreas para

construção de praças e equipamentos urbanos, como postos de saúde, escola, parques

etc. Além disso, regulamenta as áreas para o tamanho das ruas e calçadas.

• Zoneamento de Uso e Ocupação: neste quesito cabe ao governo municipal orientar a

localização de diversas atividades que possam existir numa determinada região

delimitada no município. Sobretudo nos municípios de médio e grande porte, a

discussão se torna essencial, para gerenciar conflitos entre os diversos interesses.

Alguns dos recortes delimitados são: áreas para habitação, comércio, indústria e

serviços. Há preocupação com ventilação, trânsito, insolação e área livre em cada

terreno. Com isso, é possível dimensionar e prever as necessidades destes locais.

• Estrutura viária: também mais comum para os municípios de médio e grande porte,

aqui se define quais são as vias principais e toda logística de trânsito, para gerar

conforto e segurança. Também separa o trânsito local do tráfego pesado, como

caminhões. Regulamenta ruas, redes semafóricas, dentre outras, como a pavimentação

e conservação.

• Localização dos Equipamentos Púbicos: Conforme as necessidades do município,

este deverá instalar equipamentos públicos que dêem conta das necessidades locais.

Por exemplo, se uma área ganha novas moradias, precisa prever áreas para a

construção de creches, escolas, posto policial, bancos, postos de saúde.

• Controle de Edificações: também são municipais os critérios que estabelecem a

permissão de reformas e ampliações de edificações residenciais, comerciais e

industriais, considerando, evidentemente, os critérios já citados acima. Aqui devem ser

previstos impactos que se referem a escoamento das águas pluviais, rede de esgoto e a

capacidade do terreno para sustentar as alterações.

• Saneamento Básico: Este ainda é um problema em quase todos os municípios

brasileiros, dado que menos da metade do país conta com saneamento básico, que é

fundamental para a preservação da saúde e diminuição do risco de doenças. Quase

sempre, por serem obras onerosas e não expostas, não são prioridades dos governos

municipais. Mas, de qualquer modo, cabe ao município cuidar da limpeza urbana, que

significa designar a coleta e disposição dos esgotos.

Page 111: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

20

• Limpeza Urbana: regulamenta a limpeza das ruas, residências e espaços públicos,

além de regulamentar leis que levem grandes estabelecimentos a destinarem seus

próprios resíduos aos lugares devidos, conforme o ramo de atividade. Em alguns

municípios já existem leis que regulam o lixo doméstico.

• Transportes Urbanos: segundo o artigo 37 do DECRETO Nº 62.926, DE 28 DE

JUNHO DE 1968, é responsabilidade do município conceder, autorizar e permitir a

exploração dos serviços de transporte coletivo. Por isso, percursos, paradas, horários e

linhas são pensados no conjunto da cidade e devem considerar os pontos acima,

principalmente no que se refere à disposição das pessoas. Nas médias e grandes

cidades este serviço é quase sempre privatizado.

• Educação: sobretudo na primeira infância, no que se refere a creches, pré-escola e

ensino fundamental o município tem papel preponderante. Obedece a leis federais,

mas tem autonomia sobre implantação e gerência.

• Saúde: a saúde é atribuição, como a educação, das três esferas de governo. Sobretudo

por seus custos onerosos, os atendimentos de baixa complexidade são quase

exclusivos dos municípios. Assim, as UBSs e UPASs são quase sempre de

responsabilidade dos municípios. Quando os casos envolvem tratamento de média e

alta complexidade, sobretudo os segundos, passam a ser responsabilidade do Estado/

União. Por exemplo: o tratamento de câncer é quase sempre responsabilidade do

estado.

• Assistência Social: Aqui se devem garantir as condições mínimas de sobrevivência e,

além disso, implantar projetos de apoio e desenvolvimento da infância, juventude e

velhice.

• Outros Serviços Urbanos: serviços funerários e cemitérios, iluminação pública,

abastecimento: feiras livres e mercados, preservação do patrimônio histórico e Ordem

Pública.

Pelos quesitos acima é possível entender como, sob seu território, o município tem total

gerência4 e grandes responsabilidades. Vejamos, por exemplo, o caso da Educação.

Respeitadas as leis federais segundo as quais os municípios necessitam orientar-se, cabe ao

município aderir ou não às políticas de desenvolvimento da educação. Ou seja, ainda que

existam regras a serem cumpridas, com o risco de sanções, o município continua com o poder 4 Exceção feita a leis de instâncias superiores, que podem sobrepor-se à municipal. Ou seja, se houver duas legislações sobre um mesmo tema, prevalece a do ente superior.

Page 112: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

21

sobre a implantação e a gerência. Portanto, cabe ao município atribuir suas regras de

contratação de professores, a escolha do material didático e sua compra, a gestão da escola e a

política municipal, a merenda e o transporte escolar, respeitando as leis que regem estes

processos e determinam diretrizes. Da mesma forma, também funciona a política de saúde e

outros programas, de impacto direto sobre a população.

Vale dizer que a descentralização, como projeto político de diminuição da distância entre

governo e sociedade infelizmente não se efetivou da forma como a pensavam os

municipalistas. Os grandes temores da corrente contrária a este pensamento municipalista

eram, principalmente, a continuidade (ou o aumento) das desigualdades, por exemplo, na

distribuição dos recursos5 entre os entes e o coronelismo, característico da política brasileira,

sobretudo em áreas rurais – espaço onde ocorreu a maior quantidade de emancipações e

desmembramentos de municípios. Cabe aqui ressaltar que a média da população nos

municípios brasileiros é de aproximadamente 30 mil pessoas.

Além das dificuldades citadas, outras duas preocupações se tornaram presentes na

municipalização. Uma delas é o fato de alguns municípios não se comprometerem com

políticas nacionais importantes, mesmo recebendo recursos para isto6. A outra é que ainda não

se vê a participação efetiva dos munícipes na gestão dos municípios, com exceção de alguns

casos pontuais. E este é um dos pilares fundamentais do projeto municipalista. Nas palavras

de Lobo (1990):

Ora, a transferência de poder para agentes governamentais mais próximos da população só se justifica quando a mesma for acionada para participar do processo. Não há porque descentralizar se se quiser manter intacto o poder absoluto do Estado, mesmo em sua manifestação regional ou local. Governos estaduais e municipais, como mostra a experiência, podem ser tão centralizadores como o governo federal. (LOBO, 1990, p.10)

Vimos até o presente a importância dos municípios para a gestão do território; ao

mesmo tempo, o fato de se criarem municípios não significou que as mudanças necessárias

aconteceram de fato e, com elas, a tradução desta importância. Este ainda é um debate presete.

1.3. As características do Município brasileiro

5 Para alguns dos estudiosos o aumento de municípios também foi um artifício notadamente político para haver mais acesso a recursos e construção de hegemonia política. 6 Atualmente já existem mecanismos que comprometem e responsabilizam o município pela garantia da execução do projeto conforme previsto.

Page 113: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

22

A União é composta por um conjunto de 5565 municípios7, distribuídos em 26

estados, além de contar com o Distrito Federal. Com mais de 190 milhões de pessoas,

segundo dados do IBGE, somos um país de extrema população urbana, aproximadamente

84%, e concentramos grande parte dela em algumas capitais do país, sendo as principais São

Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

O Brasil tem um caso bem peculiar de federação, pois sua municipalização não é

decorrente de processos de urbanização; houve, portanto, uma fragmentação de cidades para

melhor gerenciamento. Em nosso território, os municípios resultam quase sempre da

fragmentação de pequenos municípios espalhados por regiões interioranas. Em parte este

fenômeno se explica pela explosão de municípios nascidos após a CF de 1988: são cerca de

30% do total existente.

Conforme dados do IBGE, é possível observar que os municípios com população de

até 50 mil habitantes representam 89% de todos os municípios. Em números, isto significa

4958 municípios, porém, o total de habitantes representa apenas 37% da população. Os

grandes municípios, a efeito de comparação, não representam 1% do total dos 5565, mas

possuem uma população de 21% do total de 190 milhões de habitantes.

Em especial, no estado de São Paulo, há o maior município: a capital São Paulo, que

conta com 6% de toda população brasileira e é o único município com população acima de 10

milhões de habitantes. Além disso, dos 15 municípios com população acima de 1 milhão,

podemos citar quatro: Campinas, Ribeirão Preto, Guarulhos e o já citado São Paulo.

Esta característica dos municípios brasileiros, imensamente localizados em regiões não

urbanas, é característico do nosso processo emancipacionista, como observou Tomio (2005):

com exceção das regulamentações sobre a criação de municípios em cada estado brasileiro, não existe qualquer planejamento centralizado nas esferas superiores de governo sobre a fragmentação territorial e o funcionamento destes. Em síntese, comparada à ocorrência de processos similares em outros países, as emancipações municipais no Brasil distinguem-se porque são muito mais numerosas, concentram-se em áreas pouco urbanizadas e não são ordenadamente planejadas pelos níveis de governos mais abrangentes (TOMIO, 2005, p. 8).

Abaixo, em tabela feita por mim, podemos observar números mais gerais sobre os

municípios, no que se refere à classe de tamanho e população em cada um deles.

7 IBGE

Page 114: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

23

Número de Municípios

Brasil: Classes de Tamanho da População

Total 5565

Até 10 000 2515

De 10 001 a 50 000 2443

De 50 001 a 100 000 324

De 100 001 a 500 000 245

De 500 001 a 1 000 000 23

De 1 000 001 a 2 000 000 9

De 2 000 001 a 5 000 000 4

De 5 000 000 a 10 000 000 1

Acima de 10 000 000 1

População dos Municípios

Total 190.732.694

Até 10 000 12.939.483

De 10 001 a 50 000 51.123.648

De 50 001 a 100 000 22.263.598

De 100 001 a 500 000 48.567.489

De 500 001 a 1 000 000 15.703.132

De 1 000 001 a 2 000 000 12.505.516

De 2 000 001 a 5 000 000 10.062.422

De 5 000 000 a 10 000 000 6.323.037

Acima de 10 000 000 11.244.369

De maneira geral, com exceção de alguns de grande porte, a maior parte dos

municípios possui baixa capacidade de arrecadação e sofre com os precatórios, que são

pagamentos determinados pela Justiça e estão inclusos no orçamento. O outro agravo é sua

limitada condição de investimentos. Portanto, é evidente a dependência ao FPM (Fundo de

Participação Municipal) e aos repasses de recursos do governo federal e dos estados para a

implantação de programas, políticas e projetos.

Outra característica enfrentada por quase todos os municípios brasileiros se refere à

gestão do município. Em maior ou menor escala, os principais desafios que enfrentam se

relacionam ao crescimento desorganizado da cidade, falta de estratégia para o aumento da

Page 115: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

24

arrecadação, leis mal elaboradas e sobrepostas, atendimento ao munícipe, planejamento e

gestão de médio e longo prazo, quadro de servidores e a condição político-eleitoral.

Quando nos referimos ao atendimento, além da falta de qualidade do serviço, há

também falta de processos organizados e padronizados e postura inadequada de servidores,

muitos deles desmotivados e com baixos salários, além da baixa ou inexistente capacitação

para exercício da função etc. Podemos citar, por exemplo, as centrais de atendimento ao

cidadão, que são, nas grandes cidades, o principal canal de comunicação entre o governo e o

munícipe. Em São Paulo, por exemplo, é notório o desconhecimento dos servidores sobre os

sistemas ou mesmo dos serviços que estes locais oferecem8.

O quadro de servidores também se tornou um grande desafio para as gestões

municipais, em todo o país. Além de não conseguir oferecer os salários competitivos, os

municípios também deixaram de ser alternativa atrativa para a estabilidade, dada a lenta

progressão salarial e na carreira. Isto, dentre as diversas consequências, atrai quadros ruins9,

aumenta a carência de servidores para áreas nevrálgicas, atenua a cisão entre políticos e

técnicos, além do desconhecimento da gestão orçamentária etc.

Na dimensão político eleitoral é notória, por exemplo, a descontinuidade entre os

diversos sucessores. Em cidades pequenas a cisão costuma ser contundente: interrompem-se

os projetos anteriores para iniciar novos. Em São Paulo, por exemplo, leis que foram criadas

em governos anteriores e que foram revogadas ou ignoradas são incontáveis. As mais

contundentes dizem respeito ao Conselho de Representantes e às Subprefeituras, que tiveram

amplo apoio da população, mas foram automaticamente abandonadas nas gestões posteriores.

Outro caso comum são as ações impetradas pelo Ministério Público, que interferem

diretamente sobre programas, políticas e processos criados por governos municipais. Pra

prosseguir com o caso de São Paulo, leis que regulam a permissão de comércio ambulante, as

TPUs10, foram desarticuladas por incontáveis liminares. Ainda dentro desta dimensão estão as

disputas políticas acirradas e constantes, muitas vezes entre o executivo e o legislativo, mas

também dentro das bases de sustentação que compõem um governo. Hajam vista as disputas

impostas, por exemplo, pela administração das subprefeituras, que, no passado, recebiam a

8 Num levantamento recente coordenado pela Assessoria do Gabinete da Subprefeitura Sé, descobriu-se aproximadamente 150 serviços oferecidos pela Praça de Atendimento. Porém, é claro, há o desconhecimento por parte dos servidores sobre estes serviços, além de saber qual sistema se usa para cada um deles. 9 Para dar esta dimensão, o último concurso para engenheiro da prefeitura de São Paulo, abriu 150 vagas, porém, apenas 80 candidatos obtiveram as notas mínimas. Certamente, destes, os primeiros assumirão, mas, bem provavelmente irão deixar os cargos assim que passarem em outros concursos que porventura tenham prestado e sejam melhores no que se refere a salários. 10Termo de Permissão de Uso (TPU)

Page 116: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

25

pejorativa alcunha de “cabide de emprego”. Como consequência direta, faltam mecanismos

efetivos de controle e participação popular sobre as ações no município.

Em Planejamento e Gestão, há também muitas dificuldades que emperram a máquina

pública. Ainda usando São Paulo como exemplo, é possível notar falta de foco e objetivo da

gestão do município, dificuldade de implantar projetos e captar recursos, baixa qualidade dos

projetos, morosidade nos serviços e burocracia excessiva, falta de integração entre as áreas e o

território, fragmentação de políticas, falta de padrão e processo, descompasso entre as

demandas sociais e as políticas públicas etc. São incontáveis os desafios no que se refere a

planejamento.

Dada a importância de São Paulo, mostrar suas dificuldades como cidade nos permite

dimensionar a situação brasileira de modo geral, como também os desafios a serem

enfrentados para melhorar a gestão destes e também a vida de seus munícipes. Com isso, não

queremos ignorar que cada município conta com sua própria engenharia, formada por fatores

como tamanho, população, condição econômica e história.

Nesta linha, vamos adentrar um pouco mais no município de São Paulo, que tem, ao

longo do tempo, tentado, por suas condições, desenvolver mecanismos de gestão que sejam

mais descentralizados e participativos. Não que outros municípios não considerem isto, mas o

tamanho de São Paulo e seus contrastes nos permitem usá-lo como referência.

1.4. São Paulo: cidade de contrastes

A Prefeitura Municipal de São Paulo é uma das mais importantes entre as cidades do

mundo e, para termos ideia disto, podemos usar como exemplo os seus números, que

impressionam e demonstram o gigantismo desta metrópole. São Paulo tem a maior população

do país, como já dissemos, com mais de 11 milhões de habitantes11. Além disso, os

municípios limítrofes que compõem a região metropolitana de São Paulo são 38, que elevam a

população para pouco mais de 19 milhões de pessoas12. Estima-se, inclusive, que grande parte

desta população, dos municípios vizinhos, entre diariamente em São Paulo para os mais

diversos fins, sobretudo trabalho.

11 Dados do IBGE 12 Dados do IBGE

Page 117: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

26

Mas o que torna São Paulo centro de elevada importância no mundo são também seus

indicadores econômicos: a sexta maior bolsa de valores do mundo encontra-se nesta cidade.

Além de 17 dos 20 maiores bancos13, São Paulo ocupa a décima segunda posição dos destinos

para feiras internacionais. Por conta disto, entram pouco mais de, segundo dados da

SPTURIS14, 11 milhões de turistas, sendo a maior parte destes brasileiros. No total, 56% vêm

para negócios. No que se refere a emprego, 38% das maiores empresas nacionais15 e 63% das

multinacionais em território brasileiro16 possuem, no mínimo, escritórios no município de São

Paulo.

Mas a mesma São Paulo de extremas riquezas, que a tornam esta metrópole

importante, é também uma cidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e

ambientais. Por exemplo, 10% da população vivem em favelas ou cortiços. Um contingente

enorme de pessoas vive em situação de risco eminente, sobretudo em encostas, beira de

córregos e outras áreas que oferecem risco à vida, principalmente em períodos de chuva. A

população em situação de rua é de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo dados da

SMADS17 e tem crescido nos últimos anos sem que se consiga reverter o quadro. Outros

índices, como saúde, também apresentam graves discrepâncias. Enquanto uma consulta pode

levar até 16 dias para ser marcada na rede particular, segundo dados da RNSP18, uma mesma

consulta pode levar até 66 dias na rede pública. E se olharmos a marcação de exames de

média complexidade em diante, esta discrepância aumenta ainda mais, sendo na rede

particular 44 dias e na pública até 178 dias. Além disso, compõe as desigualdades o

desemprego, que atinge mais pessoas pobres e jovens, moradoras de periferia. Por fim, esta

desigualdade é sentida também nos homicídios cometidos, sobretudo na juventude, que se

eleva a patamares epidêmicos, notadamente na periferia.

Já do ponto de vista geopolítico, a cidade de São Paulo é um passo importante para

qualquer partido que tenha anseios de administrar o Estado ou ocupar a Presidência da

República. A administração desta cidade é uma verdadeira vitrine, pois existe uma exposição

midiática grande. Isto se deve à posição estratégica, ou seja, a soma dos 38 municípios ao seu

redor, que faz com que tenha aproximadamente 10% da população do país e, ainda, o terceiro

13 Dados colhidos do site da SPTURIS 14 Empresa Municipal de Turismo (São Paulo Turismo – SPTURIS) 15Ibidem 16Ibidem 17 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social 18Rede Nossa São Paulo - http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf

Page 118: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

27

maior orçamento do país. Em orçamento, por exemplo, estimado este ano para pouco mais de

42 bilhões19fica atrás apenas da União e do Estado de São Paulo.

Administrar esta cidade, porém, não tem sido uma tarefa fácil. Desde a nova

Constituição de 1988, a prefeitura de São Paulo já passou por seis diferentes prefeitos, sendo

reeleito apenas Gilberto Kassab (DEM)20. Além disso, diferentes partidos já estiveram à

frente do Executivo Municipal: por duas vezes PT, PPB e DEM; e PSDB uma vez.

1.5. Reformas e Percursos

Conquistada a liberdade e a democracia e instalada a nova Constituição, viria assim a

primeira eleição direta pós-constituinte. Caberia ao então governo eleito o desafio de

reescrever suas Leis Orgânicas Municipais. Estas leis, evidentemente, deveriam ter como

norte a Constituição e incluir, na sua construção, aquilo que inspirara todo o processo de

municipalização do território brasileiro e que representava, inclusive, os anseios da população

desta cidade.

Por conta disto, a Câmara adotou práticas, segundo Whitaker (2002), diferentes de

outros municípios, tanto pela quantidade de vereadores, como também pela dada relevância

do município. Para ele,

Por ser uma tarefa difícil, a maioria das câmaras optaram por uma saída mais fácil: copiar os textos disponíveis. Em muitos municípios, foram copiadas as antigas leis orgânicas de nível estadual ou as que estavam sendo feitas em cidades maiores. Houve também muitos escritórios de advocacia que se propuseram a elaborar e levar para as câmaras municipais propostas de Lei Orgânica, que foram simplesmente adotadas com maiores ou menores modificações. (WHITAKER, 2002, p. 36.)

Para o autor, a importância do município e o elevado número de vereadores foi o que

possibilitou a elaboração da Lei Orgânica de forma tão elaborada, mesmo diante de intensas

disputas.

Evidentemente, este processo de construção da LOM não fora um processo fácil,

havendo muitos embates e confrontos em defesa dos mais diversos interesses, travando a

discussão no Legislativo. Assim, a saída, segundo Whitaker, era estabelecer o mínimo 19Terceiro maior orçamento público país

20Considero reeleito porque ele era o vice-prefeito na gestão de José Serra. Este saiu para assumir o estado de São Paulo, sendo, portanto,

dois anos de administração de Kassab, permitindo a sua reeleição no pleito seguinte.

Page 119: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

28

consenso, que seria incorporado à Lei Orgânica pelo seguinte procedimento: colocava-se o

princípio genérico consensual, complementando-o com a frase: “na forma da lei” (Whitaker,

2002).

Este contexto é importante porque, como veremos, este recurso “na forma da lei”

atrasaria futuramente a implantação da LOM em seu conjunto, fazendo com que algumas

coisas tardassem demais ou nunca saíssem do papel. Os principais motivos versam sobre o

desinteresse de alguns temas para os vereadores e/ou prefeito ou mesmo a constante falta de

consenso persistente. A emergência de certos temas e, portanto, a ordem de importância que

ganhavam, também foram impeditivos importantes. Mas, é evidente, o maior deles,

relacionava-se com a desconcentração de poder. Para muitos, descentralizar mexe diretamente

com o poder adquirido por aqueles que o têm, os agentes políticos. Para usarmos um exemplo,

previam-se as obras de recursos elevados e consideráveis impactos ambientais a necessidade

de plebiscito, o que, na prática, nenhum prefeito deseja. Assim, observa Whitaker (2002),

sobre a dificuldade de implantação da LOM:

É este motivo pelo qual as subprefeituras, os conselhos de representantes, o plano diretor, previstos na Lei Orgânica, “na forma da lei” (tardaram a sair do papel – A.S)21... A desconcentração de poder via subprefeitura e conselho de representantes, não corresponde aos interesses dos detentores de poder. A redefinição da forma de crescimento da cidade, por meio do plano diretor não interessa a quem se aproveita das regras vigentes. Para quem está dentro da máquina administrativa, por exemplo, a permanência do atual zoneamento da cidade, totalmente ultrapassado, possibilita que ele seja desrespeitado – através de decisões irregulares – ou mudando – através de alterações legislativas pontuais – se houver uma contrapartida22... (WHITAKER, 2002, p. 39)

Deste modo, gostaria de retomar o espírito já citado durante a criação da LOM, que

previa maior participação e controle social como prerrogativa. Assim, ao menos no artigo 2°,

é possível perceber a participação e controle social:

A organização do Município observará os seguintes princípios e

diretrizes:

I - a prática democrática; II - a soberania e a participação popular; III - a transparência e o controle popular na ação do governo;

IV - o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais;

V - a programação e o planejamento sistemáticos;

21Inclusão minha 22 Este texto é ilustrativo, pois hoje já está em votação o novo zoneamento da cidade.

Page 120: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

29

VI - o exercício pleno da autonomia municipal; VII - a articulação e cooperação com os demais entes federados;

VIII - a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX - a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X - a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município;

XI - a preservação dos valores históricos e culturais da população.

Dentre os muitos artigos, dois se destacam por seguirem as diretrizes que

consideramos fundamentais e estão presentes no artigo citado acima, sobretudo os cinco

primeiros. Para nosso estudo, ainda que apenas um deles seja foco de análise, vale citar

brevemente do que tratam. São eles: Subprefeituras e Conselho de Representantes. Nos dois é

possível observar a efetivação da participação e controle social. Vamos rapidamente passar

pelo artigo sobre Conselho de Representantes para, em seguida, nos aprofundarmos um pouco

mais sobre a Subprefeitura, objeto deste estudo. Assim, em seu artigo 4° define-se o Conselho

de Representantes:

“O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões”.

Não será nosso foco de análise e estudo, mas vale ressaltar que esta lei seria

estabelecida apenas em 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, sendo então alvo de uma

ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo Ministério Público, em 200523.

A outra lei à qual me refiro tinha como ponto as antigas administrações regionais. Em

seu artigo 77°, previa a criação de Subprefeituras, e tinha em seu bojo:

“A administração municipal será exercida, em nível local, através de Subprefeituras, na forma estabelecida em lei, que definirá suas atribuições, número e limites territoriais, bem como as competências e o processo de escolha do Subprefeito.”

23 A lei não entrou em vigor e está em análise no STF. A ação alega que o Ministério Publico Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (ADIN) contra a criação dos Conselhos sob o argumento de que somente o executivo tem a prerrogativa de criação de cargos na administração.

Page 121: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

30

É neste âmbito que nossa pesquisa se realiza. Foram mais de dez anos para que a lei

13.399/2002 fosse implementada e então surgissem as Subprefeituras. Os motivos pelos quais

elas tardaram a existir, compreenderemos mais a frente. Vale dizer que as Subprefeituras já

existiram no passado, mas não na forma em que este projeto de lei se propunha. Para tanto,

vamos conhecer um pouco mais seu processo de criação.

1.6 Das Administrações Regionais às Subprefeituras

Dado o crescimento econômico, sobretudo no período de Juscelino Kubitschek (1956-

1961), a intensa industrialização e o contingente migratório, São Paulo tornou-se uma cidade

de proporções gigantescas, a maior cidade do país e uma das maiores do mundo. Além disso,

em seu território foram registrando-se visíveis diferenças sociais, econômicas e ambientais.

Seu tamanho também ia afastando o governo da localidade e, com isso, as carências iam

aumentando, dada a demora da máquina pública em responder às demandas.

Em 1958, o então prefeito, Wladimir Toledo Piza, cria por meio de decreto 3.270/58

dezenove Subprefeituras, além de instituir a Subprefeitura de Santo Amaro, antigo município

anexado a São Paulo, em 1935 (FINATEC, 2002). Ainda que levasse o nome de

Subprefeitura, seu papel se assemelharia muito mais ao papel das Administrações Regionais.

Vale, porém, destacar que foi José Vicente Faria Lima, em 1960, quem institui por meio da lei

6.882/66 as Administrações Regionais (AR’s), criando sete delas: Sé, Vila Mariana,

Pinheiros, Santana, Penha, Mooca e Pirituba (FINATEC, 2002). Tinham, sobretudo, o dever

de cuidar da zeladoria local. Esses serviços sobremaneira tratavam de: limpeza e varrição das

ruas, manutenção de praças, fiscalização do funcionamento adequado dos estabelecimentos

comerciais, oficiais e ambulantes, autorização para construção e reforma de imóveis

(TEIXEIRA, 1999). Eram fortemente marcadas pela dependência da Prefeitura para quaisquer

ações. Este número também foi crescendo ao longo do tempo, sendo criadas mais quatro em

1972: Campo Limpo, Butantã, Vila Prudente e Itaquera, além de transformar a Subprefeitura

de Santo Amaro em AR (FINATEC, 2002).

As ARs chegaram a ter ao longo de todo o processo 33 unidades até o final do governo

Jânio Quadros. Este elevado número se devia ao desejo da população de contar com o poder

Page 122: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

31

público mais próximo e ver ampliado o atendimento de suas necessidades e anseios. Como

podemos ver, no texto de Finatec (2002):

As ARs foram criadas ao longo dos anos por demanda da própria população desejosa de que alguém cuidasse da manutenção de sua região, podasse árvore, tapasse buracos etc. Com todos os problemas existentes, principalmente em virtude de indicações, as Regionais eram o Estado disponível nesses setores da cidade. Embora tenha havido um componente de clientelismo ligado a políticos conservadores, as ARs respondiam à necessidade real da cidade que, por ter crescido, precisava manter o poder público mais próximo dos cidadãos. (FINATEC, 2004, p. 36-37)

Diante deste cenário, Jânio Quadros reintroduziu as Subprefeituras (5), mas como

órgão controlador das 33 ARs. Os subprefeitos já eram escolhidos pelo prefeito (FINATEC,

2004).

É neste cenário que ganha força o projeto de Subprefeitura, cuja retomada caberia à

então prefeita eleita Luiza Erundina. Este era um projeto claramente nascido do desejo de

aproximar o cidadão do poder público e, portanto, “dar maior poder de planejamento e

decisão às instâncias locais e melhorar significativamente a prestação do serviço à

população.” (FINATEC, 2004).

Para dar conta deste processo, segundo Martins (1997):

foi criada a Secretaria Especial da Reforma Administrativa, que deu, então, início a seus trabalhos, partindo de uma estrutura municipal que contava com dezessete Secretarias e vinte Administrações Regionais. A proposta a ser elaborada deveria atender aos propósitos de democratização e eficiência, com uma estrutura e modo de funcionamento organizados da ótica do usuário, a partir de suas necessidades, ou seja, estabelecendo a estrutura a partir dos serviços a serem produzidos e disponibilizados. (MARTINS, 1997, p. 1)

Na proposta apresentada pela prefeita Luiza Erundina (PT), seriam criadas treze

subprefeituras, entendidas “como unidades integradoras, com orçamento próprio e autonomia,

responsáveis pelo planejamento e execução do conjunto de serviços num território claramente

definido” (MARTINS, 1997). Mas o número de Subprefeituras foi o grande centro do debate

da descentralização, pois o número de habitantes nas divisões territoriais propostas variava

muito, entre 400 mil e 1,5 milhão de habitantes (FINATEC, 2004). Além disso, outro

problema estava relacionado à capacidade orçamentária dada a cada uma das Subprefeituras.

Essa equação era de difícil solução, como podemos ver nas palavras de Martins (1997):

Page 123: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

32

Assim, se por um lado, para assegurar a proximidade da Administração à população se mostrava necessário que as agregações fossem de pequeno porte em área e população, por outro, para que se viabilizassem Subprefeituras efetivamente consistentes e com poder de decisão e ação, elas deveriam ser em número reduzido. Nesses termos, para conciliar ambas as necessidades a proposta optou por subdivisões político-administrativas maiores e mais consistentes do que as Administrações Regionais (13 Subprefeituras), abrangendo módulos pequenos de organização do trabalho e prestação de serviço - equipes multidisciplinares. Isso lhes permitiria uma percepção ágil das demandas populares e atendimento mais adequado às características próprias de cada região. (MARTINS, 1997, p. 2)

Estas questões levaram a muitas dúvidas dentro do próprio governo. Pela demora na

criação do consenso, o projeto foi enviado somente no último ano de governo da então

prefeita para a Câmara. Lá, sem base de sustentação, não avançou. Portanto, ainda que se

tenha reduzido a 20 ARs as anteriores 33, não houve avanço na Lei das Subprefeituras.

Desta forma, eleito o novo governo, de Paulo Maluf, o projeto foi arquivado. E as ARs

continuaram como moeda de troca da base governista para compor sua base de sustentação.

Vale ressaltar que Paulo Maluf ainda criaria mais seis ARs, perfazendo ao todo 26 em seu

governo, aumentando ainda mais sua capacidade de articulação e troca de apoio.

Ainda que não tenham sido implantadas as Subprefeituras, houve sim alguns avanços

interessantes. Um deles é que as ARs recuperaram prestígios, pois passaram a controlar parte

do orçamento, com incorporação de serviços de coleta de lixo e pavimentação. Assim, por

exemplo, a AR de Capela do Socorro tinha um orçamento anual de 30 milhões de reais

(FINATEC, 2004).

1.7 A criação das Subprefeituras

Na gestão de Celso Pitta foi criada mais uma AR e, ao final de seu governo, proposta

uma nova tentativa de emplacar com a descentralização, prevista na Lei Orgânica. Era o

chamado Posto Avançado, no qual haveria quatro Subprefeituras (norte, sul, leste e oeste) que

as controlariam. Mas este projeto fracassou, sobretudo porque era absolutamente técnico e

desconsiderava fatores políticos, culturais ou mesmo diferenças regionais (FINATEC, 2004).

Além disso, desgastado com os casos de corrupção presentes em seu governo, faltava-lhe

sustentação política para a aprovação do projeto.

Page 124: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

33

Seria então no governo da Marta Suplicy que entraria em vigor a lei 13.399/02 que

instituiria a criação das Subprefeituras, determinando seus limites territoriais e definindo os

papeis dessas instâncias locais, como prevêem os artigos abaixo:

Art. 3º - A Administração Municipal, no âmbito das Subprefeituras, será exercida pelos Subprefeitos, a quem cabe a decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local, respeitada a legislação vigente e observadas as prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal.

Art. 4º - As Subprefeituras, órgãos da Administração Direta, serão instaladas em áreas administrativas de limites territoriais estabelecidos em função de parâmetros e indicadores socioeconômicos.

Para criação das 31 Subprefeituras existentes, era necessário definir critérios que

garantissem o desenvolvimento local e atendessem os anseios da população local. Ou seja,

considerar o universo característico de cada região e acompanhar diretamente cada uma delas

para potencializar seu dinamismo. O número de Subprefeituras gerou enormes críticas, mas

cada uma possui população aproximada de 400 mil habitantes, maior que a imensa maioria

dos municípios, como vimos anteriormente. Para definir cada Subprefeitura, foram

considerados os seguintes critérios:

nenhuma subprefeitura deveria ter população maior de 500 mil habitantes, salvo pequenas exceções, a necessidade de subprefeituras nas áreas periféricas e de exclusão social, respeito aos limites dos distritos, proximidade geográfica e existência de barreiras físicas, existência de pólo comercial e de serviços, respeito a identidade política e cultural; atenção às áreas de preservação e de mananciais e, finalmente, combinação de áreas desenvolvidas com áreas precárias, incentivando o desenvolvimento regional. (FINATEC, 2004, p. 45)

Desta forma, foram criadas, conforme o artigo 7°, as seguintes subprefeituras e seus

respectivos distritos:

Page 125: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

34

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=14894

Essas subprefeituras criadas e instituídas eram diferentes dos modelos anteriores,

porque previam mais descentralização e forte participação local, sobretudo porque as duas

gestões anteriores (Maluf e Pitta) foram marcadas pelo sucateamento das ARs e também pelos

escândalos de corrupção. Diante disto, as Subprefeituras, respeitando seus limites territoriais,

tinham o que se segue como atribuições definidas no artigo 5°:

I - constituir-se em instância regional de administração direta com âmbito intersetorial e territorial;

II - instituir mecanismos que democratizem a gestão pública e fortalecer as formas participativas que existam em âmbito regional;

Page 126: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

35

III - planejar, controlar e executar os sistemas locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central da administração;

IV - coordenar o Plano Regional e Plano de Bairro, Distrital ou equivalente, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico da Cidade;

V - compor com Subprefeituras vizinhas instâncias intermediárias de planejamento e gestão, nos casos em que o tema, ou o serviço em causa, exijam tratamento para além dos limites territoriais de uma Subprefeitura;

VI - estabelecer formas articuladas de ação, planejamento e gestão com as Subprefeituras e Municípios limítrofes a partir das diretrizes governamentais para a política municipal de relações metropolitanas;

VII - atuar como indutoras do desenvolvimento local, implementando políticas públicas a partir das vocações regionais e dos interesses manifestos pela população;

VIII - ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços locais, a partir das diretrizes centrais;

IX - facilitar o acesso e imprimir transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos;

X - facilitar a articulação intersetorial dos diversos segmentos e serviços da Administração Municipal que operam na região.

Parágrafo Único - As diretrizes mencionadas nos incisos III, IV, VI e VIII deste artigo serão fixadas pela instância central de governo, mediante elaboração de políticas públicas, coordenação de sistemas, produção de informações públicas e definição de política que envolva a região metropolitana, ouvidas as Subprefeituras.

Para dar conta de toda a nova dinâmica e da descentralização prevista, era necessária a

criação de uma nova estrutura organizacional, que desse dinamismo e pudesse ter autonomia

suficiente para alcançar os objetivos. Desta forma, ficavam as Secretarias existentes com o

papel de desenvolver políticas e acompanhar sua implementação, garantido uniformidade

nesta, e as Subprefeituras com o papel de garantir a execução no seu respectivo território.

Para tanto, em 2003, em dezembro, foi enviado um projeto complementar 13.682,

criando a estrutura da Subprefeitura. Foram criados, além do cargo de Subprefeito, os

seguintes: chefia de gabinete do subprefeito e assessores diretos; e as seguintes

coordenadorias: Assistência Social e Desenvolvimento, Planejamento e Desenvolvimento

Urbano, Manutenção da Infraestrutura Urbana, Projetos e Obras, Educação, Saúde e

Administração e Finanças.

Cada uma destas áreas, além do Subprefeito e seus assessores, recebeu destacadas

atividades para efetivar o poder local, como previa o projeto. Conforme lista elaborada a

partir da Finatec (2004) percebe-se a importância de cada uma destas Coordenadorias, além

do papel do Subprefeito, como veremos abaixo.

Page 127: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

36

Ao Subprefeito cabe a decisão, direção, a gestão e o controle dos assuntos municipais

em nível local. Ele deve representar política e administrativamente a prefeitura na região.

A Coordenadoria de Assistência Social e Desenvolvimento (CASD) responde pela

implantação e execução das políticas públicas de inclusão e promoção nas áreas de

Assistência Social, Trabalho, Segurança Alimentar, Habitação, Esporte, Lazer e Cultura;

coordena, propõe, articula e participa de projetos integrados de Ação Social e

Desenvolvimento no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (CPDU) é responsável

pela implantação e execução das políticas municipais e ações nas áreas de Controle e Uso do

Solo e Licenciamento, Fiscalização e Planos de Desenvolvimento Sustentável (Habitacionais,

Ambientais, de Transporte, Urbanísticos e de Uso do Solo) no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Manutenção e Infraestrutura Urbana cuida da implantação e

execução das políticas municipais e ações de Limpeza Pública e Manutenção e Reparos no

âmbito da Subprefeitura; coordena, propõe, articula e participa de ações integradas de

Manutenção da infraestrutura.

Cabe à Coordenadoria de Projetos e Obras responder pela implantação dos Projetos e

Novas Obras no âmbito da Subprefeitura; assegurar a execução e integração das atividades

das Divisões de Próprios e Edificações, Drenagem, de Viários e Urgências Urbanas de acordo

com a legislação, com as políticas públicas e diretrizes fixadas; assegurar a elaboração de

projetos e a implantação de obras em conformidade ao Plano Regional da subprefeitura.

À Coordenadoria de Educação cabe responder pela implementação da Política

Municipal de Educação no âmbito da Subprefeitura; elaborar o Plano Anual e o Plano

Plurianual da coordenadoria; assegurar a produção e disponibilização de informações sobre as

ações da coordenadoria internamente e ao conjunto da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Saúde é responsável pela implantação da Política Municipal de

Saúde no âmbito da Subprefeitura; elabora e implanta o Plano de Gestão Local da Saúde

(anual e plurianual); assegura a implantação e acompanhamento das ações de avaliação e

controle do SUS no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Administração e Finanças deve ser responsável por todas as áreas

de pessoal e orçamentária da Subprefeitura. Dessa forma, cabe a ela responder pela

implantação e execução das políticas municipais nas áreas de Administração, Gestão de

Pessoas, Suprimentos e Finanças no âmbito da Subprefeitura.

Page 128: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

37

Todo o processo de criação do projeto de Subprefeitura, como também toda a

arquitetura da descentralização e o envio das equipes para as Subprefeituras seriam dignos de

um estudo, mas foge ao escopo deste trabalho.

Vale ressaltar ainda que, novamente, o processo da descentralização e das

Subprefeituras perpassa de uma gestão para outra, em governos opositores. Com isso, imposta

a derrota na tentativa de reeleição da Prefeita Marta Suplicy, seu sucessor, José Serra e o

posterior, Gilberto Kassab, adotam outros caminhos para as Subprefeituras. Primeiro, tirando-

as da rota principal de seus governos e, segundo, tomando decisões e caminhos

diametralmente opostos aos que haviam sido criados com a então prefeita Marta Suplicy.

Para efeito de comparação, se Paulo Maluf e Celso Pitta ignoraram a necessidade de

criação das Subprefeituras e aumentaram as ARs e seu poderio de barganha política,

entregando-as a suas bases de apoio no legislativo. José Serra e Gilberto Kassab tomaram

outro caminho, mesmo com as Subprefeituras já instaladas: promoveram o esvaziamento das

Subprefeituras como instância de governo local e sua autonomia. Abaixo alguns dos

principais pontos que levaram ao desmonte da proposta original de Subprefeitura:

• Redução das Coordenadorias, sobretudo em Educação, Saúde e Assistência Social.

Para a primeira, foram, conforme decreto 45.787/05, de 31 para 13 e a segunda e

terceira para 5 das 31 existentes. Isto significou dividir a base territorial de cada

Subprefeitura, em relação às coordenadorias. Ou seja, cada coordenadoria teria um

recorte diferente, por sua conveniência. Assim, as coordenadorias de Saúde e

Assistência Social, cada uma com sua própria base geográfica, e que não se

comunicam entre si. Na Coordenadoria de Educação, por exemplo, encontram-se 4

subprefeituras (Vila Mariana, Sé, Vila Prudente e Ipiranga) das regiões leste, sul e

centro.

• Redução do poder de participação local nas Subprefeituras, fortalecida, sobretudo pela

ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

• Centralismo Orçamentário; o orçamento da prefeitura aumenta 154% de 2005 para

2012, mas as verbas para as subprefeituras tiveram um acentuado declínio, reduzidas

ao longo desse período (2005-2012) em 61%.

• Redução das Subprefeituras ao serviço de Zeladoria, com abandono de funções de

desenvolver as potencialidades locais. Ainda assim, o orçamento esteve concentrado

Page 129: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

38

em poucas Secretarias nos últimos anos: Infraestrutura e Obras, Desenvolvimento

Urbano, Planejamento e Coordenação das Subprefeituras.

• Alguns dos serviços devolvidos ou mesmo executados por Subprefeituras não

possuem recursos para execução, por exemplo, o emplacamento de ruas.

• Outro dado importante refere-se às equipes presentes nas Subprefeituras. Além do

desinteresse dos servidores, dada a intensa descontinuidade de políticas, há também a

falta de quadros pelos mais diversos motivos, sendo baixos salários e aposentadoria os

principais. Com isto, há uma enorme carência de quadros competentes, sem reposição

há alguns anos. Para ilustrar, podemos usar como exemplo os Agentes Vistores. Em

1992 eram aproximadamente 1200 para a cidade toda; atualmente resumem-se ao

número de 320 pessoas em atividade24.

Destas observações acima podemos concluir que os Subprefeitos possuem menos poder

do que na época das Administrações Regionais da prefeita Luiza Erundina. Com os recursos

bloqueados e escassos e com as coordenadorias suprimidas, as subprefeituras são apenas (e

péssimas) zeladorias.

O assunto Subprefeitura continua, porém, a suscitar debates importantes sobre a

descentralização, participação e as formas de governo da cidade. Como vimos, as

Subprefeituras foram instituídas como instâncias que pudessem lidar com desafios locais que

necessitam de ações concretas e singulares em cada região.

Por isto, no próximo capítulo, adentraremos a Subprefeitura Sé, entendendo suas

particularidades e desafios, internos e externos, que a justificam como a subprefeitura mais

importante da cidade.

24 Informações do Sindicato dos Agentes Vistores da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Page 130: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

39

2. A Subprefeitura Sé: território de Contrastes

2.1 Caracterização do Território

A Subprefeitura Sé foi criada em 1973, quando seu nome ainda era Administração

Regional (AR), até ser alterado em 2003. Esta Subprefeitura é das mais importantes da cidade,

por concentrar a maior parte dos bens culturais do município25. Possui em toda sua extensão

26,2 km² de área. Além disto, é também no centro que grande parte da população se desloca

cotidianamente, para o trabalho ou à procura dele, ao comércio, eventos culturais e uma

infinidade de serviços prestados pelos mais diversos órgãos ali presentes. Não à toa que em

sua localidade encontram-se 17 linhas de metrô e circulam aproximadamente 3,5 milhões de

pessoas/dia.

Os distritos componentes da Subprefeitura Sé são oito: Bela Vista, Bom Retiro,

Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Sé e República, como podemos ver no mapa

abaixo:

Fonte:http://www.encontrahigienopolis.com.br/higienopolis/

25Aqui entendidos como produção simbólica e material produzida ao longo do tempo

Page 131: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

40

O distrito Sé é onde se encontra o centro velho da cidade e de onde a cidade se

expandiu para o novo centro, a República - como é possível perceber pela figura acima-, e aos

seus demais distritos, ao longo do século XIX. Como áreas importantes do distrito Sé,

podemos citar: área do Mercado Municipal, onde também se encontram a zona cerealista e a

25 de março, uma das principais áreas de comércio do centro e do país. Além disso, há o

Parque Dom Pedro, a Catedral da Sé, o Pátio do Colégio, o Triângulo histórico26 e outras

áreas como, por exemplo: Largo do São Bento e Largo do São Francisco. É uma área rica em

bens materiais tombados; existem atualmente 26, sem levar em conta os que estão em

processo de tombamento27.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21547

26 Compreendem-se as ruas: XV de novembro, Direita e São Bento. E como referências de vértices estão as igrejas: Sé, do Carmo, São Bento e São Francisco. 27 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras.

Page 132: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

41

A República, centro expandido a partir da inauguração do primeiro viaduto do Chá,

em 1892, comporta o chamado centro novo e possui características mais diversas. Coexistem

moradias e comércios e estão inseridos em seu território: Câmara Municipal, Palácio dos

Correios, Teatro Municipal, Praça da República, Avenidas Ipiranga e São João e o boêmio

Largo do Arouche. Além disso, a Rua Santa Ifigênia, que se especializou no comércio de

produtos eletrônicos.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=29255

Os outros bairros, expansão do centro (velho e novo), também foram construindo a sua

história ao longo do tempo e cada um com suas particularidades, como poderemos

acompanhar nas descrições que seguem sobre eles.

Page 133: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

42

O distrito da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que, segundo o DPH28,

ainda guarda inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do

solo29, ou seja, preserva características originais iniciadas no período de expansão do centro,

ao final do século XIX. Por conta disto, estas localidades são tombadas, por ser caracterizado,

segundo documento de tombamento, “o grande número de edificações de inegável valor

histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo” e, continua, “mescla dos usos residencial,

cultural, comercial e de serviços especializados”. Além disso, observam-se neste distrito

inumeráveis cantinas e teatros, que fazem parte da história local. Este bairro é considerado,

segundo o mesmo documento, um bairro de elevado potencial turístico no âmbito nacional.

Neste distrito está a Av. Paulista um dos principais centros econômicos da cidade e do país.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=22398

28 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras 29http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/49c99_22_T_Bairro_da_Bela_Vista.pdf

Page 134: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

43

O distrito do Bom Retiro é atualmente conhecido como complexo das artes, por ter em

seus limites o bairro da Luz, que concentra diversos pontos de interesse, como: Pinacoteca,

Museu da Língua Portuguesa, Sala São Paulo, Orquestra Sinfônica e o Jardim da Luz. O

distrito é também famoso pelo comércio de moda. Estão ali confecções e tecelagem,

sobretudo, nos tempos atuais, dominadas por coreanos. A história deste distrito começa pela

concentração de indústrias que, ao longo dos anos, foram dando lugar às atuais confecções. É

ainda um bairro permanentemente de população árabe, ainda que agora estejam presentes

também os coreanos.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=35594

O Cambuci talvez seja o distrito que menos preserve características centrais e tenha

características mais parecidas com as de bairro (e neste sentido se aproximaria muito mais dos

distritos da Subprefeitura Vila Mariana). Aqui existe uma pequena área de concentração, onde

se encontram comércios e serviços, localizadas, sobretudo nos arredores do Largo do

Cambuci, Rua dos Lavapés, Independência e Avenida Lins de Vasconcelos. Recentemente,

por conta desta característica, o bairro passou por uma supervalorização imobiliária, sendo

tomado por incorporadoras.

Page 135: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

44

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21962

A Consolação é o distrito de melhores condições econômicas e sociais de todos os

citados. Lá estão localizados bairros como a Vila Buarque, Pacaembu e o famoso

Higienópolis, bairro criado no início do século XIX, que obedecia a ideais higienistas30. Suas

ruas são arborizadas e largas. Além disso, conta com “diversidade estética das edificações,

inspiradas em modelos europeus, representa novas formas de morar da burguesia urbana”.

Conta também com algumas das mais importantes universidades brasileiras, como a

Universidade Mackenzie, a Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), a Pontifícia

Universidade Católica (PUC) e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Dos

equipamentos públicos localizados neste distrito sobressaem-se o estádio do Pacaembu e as

bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além deles, dos 39 imóveis tombados,

destacam-se: Fundação Escola de Sociologia e Política, Cemitério da Consolação, Instituto

Mackenzie e o teatro Cultura Artística.

30 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras

Page 136: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

45

Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=26765

Na Liberdade está concentrada a colônia japonesa, que ocupou o bairro com maior

intensidade a partir de 1970. É um bairro misto entre moradias modestas e comércios. Nos

tempos atuais há outras colônias orientais, compostas de chineses e coreanos. Também se

encontram neste distrito a baixa do Glicério, área pouco mais degradada e a Aclimação31,

pouco mais conservada e com características de bairro. Vale ressaltar que no Glicério

concentraram-se alguns empreendimentos fabris em tempos não muito longínquos. Existem

também alguns patrimônios tombados, sendo dos dez existentes, a Capela dos Aflitos a mais

conhecida.

31A Aclimação é geralmente ligada ao distrito do Cambuci, mas como aponta o mapa, pertence ao distrito da Liberdade.

Page 137: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

46

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=20429

Em Santa Cecília, distrito nascido no período industrial, encontramos diversidade de

ocupação e uso. Em seu território é possível observar residências de médio e grande porte,

sobretudo nos Campos Elíseos. Além disso, caracterizou-se como bairro fabril e operário,

com pequenas manufaturas e grandes fábricas, sobretudo na várzea da Barra Funda. Por fim, o

distrito caracterizou-se, no bairro de Santa Cecília, por moradias modestas, unifamiliares e

coletivas. Dos dezesseis imóveis tombados, destacam-se como mais conhecidos o DOPS e a

Estação Júlio Prestes.

Page 138: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

47

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=28611

Como se pode observar, cada um destes distritos possuí uma diversidade enorme no

que se refere a sua caracterização, formação, condição econômica e geográfica, além da sua

riqueza material e simbólica. Ainda que diversas, estas características os aproximam,

tornando-os distritos centrais. Ao mesmo tempo em que existem estas diversas riquezas

citadas, existem também os enormes desafios sociais que coexistem e que demandam um

olhar atento e minucioso. Por isso, neste sentido, vale analisar um pouco mais outros aspectos

característicos desta subprefeitura e destes distritos.

Nesta região moram, segundo dados do último senso do IBGE, 435 mil pessoas32,

divididas nos distritos da seguinte maneira: Bela Vista (16%), Bom Retiro (8%), Cambuci

(9%), Consolação (13%), Liberdade (16%), República (13%), Santa Cecília (19%), Sé (5%).

Se olharmos o perfil do público por faixa etária, temos a seguinte configuração: de 0 aos 9

anos (9%), dos 10 aos 14 anos (5%), dos 15 aos 19 anos (5%), dos 20 aos 29 anos (21%), dos

30 aos 59 anos (44%) e dos 60 anos em diante (16%). Como podemos ver é uma população 32 IBGE, Senso 2010

Page 139: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

48

eminentemente adulta e jovem, que compõe o perfil dos moradores desta região, ou seja, 65%

da população têm idade entre 15 e 59 anos de idade. Mas, ao mesmo tempo, é considerável a

população idosa dessa localidade e que demanda atenção e cuidados especiais.

A área central concentra grande parte dos equipamentos culturais, particulares e

públicos. Por exemplo, há no centro 53das 332 salas de cinema da cidade, 136 das 254 salas

de teatro, 33 de 93 Centros Culturais, Casas de Cultura e Espaços Culturais, 38 dos 124

museus33. Por estes dados é possível observar não só a concentração dos equipamentos, mas

também a distribuição desigual, em relação à cidade. Com esta concentração, é possível

perceber a efervescência do centro e toda a ocupação que se dá nesta região por grupos e

coletivos que expressam suas manifestações culturais e artísticas. Além disso, outras áreas do

centro, como o Vale do Anhangabaú e Avenida Paulista, recebem os grandes eventos da

cidade aberto ao público. Dentre estes eventos podemos citar, por exemplo, o Réveillon, a a

Virada Cultural, a Parada Gay e a corrida de São Silvestre.

Neste território também se encontram alguns dados sobre trabalho, emprego e renda

interessantes. Por exemplo, 17,8% dos empregos da cidade se localizam nos distritos desta

Subprefeitura34. Isto significa, em números, pouco mais de 712 mil empregos formais35, sendo

a área que mais emprega na cidade, acompanhada apenas por Pinheiros, que emprega

aproximadamente cem mil pessoas a menos. A terceira, para dar ideia do abismo, aproxima-se

de 490 mil pessoas. Nem é preciso citar o impacto disto, qual seja, a concentração das pessoas

durante o dia na região. Ainda neste universo temos como dados: 20% do total de empregos

formais pagam entre meio e um salário mínimo e meio, e na outra ponta, 22% recebem entre

quinze e vinte salários mínimos. Estes números demonstram o quanto esta região é

economicamente rica.

Outro fator importante é que no centro se localizam quase todas as secretarias

municipais, além de inúmeras autarquias, empresas públicas e secretarias estaduais. Ora, isto

é um fator determinante na valorização e ocupação do centro, mas também um agente

facilitador na construção de políticas, programas e projetos, já que se podem acessar

prontamente outros órgãos, entes e pessoas em poucos minutos, acelerando tomadas de

decisões importantes bem como o início de novos processos e operações.

33Estes dados colhidos em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br

34 IBGE, Senso 2010. 35Exclusive Administração Pública

Page 140: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

49

2.2 Populações Vulneráveis

Vimos até agora os atrativos do centro, sua concentração cultural e de algum modo sua

riqueza e importância financeira. Mas não é só disto que ele é feito. Ao olharmos

detidamente a população no território, nos extratos mais pobres, os números também

impressionam, mas negativamente. Há uma população que quase escapa aos números do

IBGE e, em muitos casos, da própria política municipal. Para mostrar a dimensão do que

falamos, basta tomar conhecimento da população na região central que vive em extrema

adversidade. Pouco mais de 7 mil pessoas recebe até meio salário mínimo36, segundo dados

do Senso/IBGE 2010. Estão distribuídos da seguinte forma, por número de pessoas: Bela

Vista (819), Bom Retiro (1243), Cambuci (636), Consolação (530), Liberdade (939),

República (1375), Santa Cecília (958) e Sé (670).

Os moradores em situação37 de rua, acolhidos e não acolhidos, também estão presentes

nessa região da cidade, compondo 55% de todo o contingente no município. Constituem-se

por: pessoas em situação de rua e em situação de rua com uso de substâncias químicas,

migrantes e imigrantes, egressas do sistema prisional, vítimas de violência doméstica, sexual e

de tráfico de pessoas. São ao todo 6832 pessoas, segundo o último senso realizado em 201138.

Destes atuais, pouco menos da metade está acolhida por algum programa (3747 pessoas).

Vale dizer que as novas modalidades de abrigo das pessoas em situação de rua criam tensão

entre as associações de moradores e a Subprefeitura, mas não trataremos disto agora. Apenas

para registro, os moradores em situação de rua não se cobrem apenas com papelões e

cobertores velhos, como se costumava registrar. Atualmente uma nova modalidade de abrigo

tem sido disseminada, que é o uso de barracas de camping. Portanto, além dos lugares

tradicionais - baixa de viadutos e marquises-, estas pessoas têm montado suas barracas

também em praças, canteiros centrais e áreas verdes, deixando, em muitos casos, essas

barracas armadas o dia todo. Além disso, o próprio perfil do morador de rua alterou-se ao

longo dos anos. Nos últimos anos não é a falta de emprego que leva as pessoas à rua, mas a

quebra do vínculo familiar e o uso de substâncias químicas, e nessa população tem-se

infiltrado o tráfico de drogas. Para se ter ideia, um levantamento feito pela SMADS aponta 24

pontos viciados na região, ou seja, em que as barracas ficam montadas quase que

36 Dados do Senso/IBGE, 2010 – Fontes retiradas de SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) 37Definição dada por SMADS: pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de

viadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, assim como aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em centros de acolhida ou abrigos. 38 Este senso é realizado a cada dois anos, no segundo semestre. Foi realizado, em 2011, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).

Page 141: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

concentra a maior parte dos moradores em situaçã

Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

coletivas multifamiliares, presente

Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

desejo do proprietário. Ainda que exista a Lei Moura

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

abaixo:

Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

39 Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

concentra a maior parte dos moradores em situação de rua, predominantemente não acolhidos

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

presentes nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura

Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de habitação

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

inda que exista a Lei Moura39 e tenham-se reconfigurado as suas

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive,

Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços 50

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

, predominantemente não acolhidos.

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura

ção, higiene, ventilação,

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

se reconfigurado as suas

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, uma

Page 142: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

51

Ao todo são 657 cortiços na Subprefeitura Sé em funcionamento, distribuídos da

seguinte forma: Bela Vista (158), Bom Retiro (77), Cambuci (51), Liberdade (131), República

(62), Santa Cecília (143) e Sé (41). Estima-se que, segundo dados da SMADS40, 7706 pessoas

encontram-se nas condições já citadas: precárias e insalubres.

Ainda no que se refere às condições de moradia no centro, podemos citar as

ocupações, entendidas como espaços vazios e/ou abandonados, sobretudo prédios públicos

e/ou particulares, ocupados pelos movimentos de moradia na região central. São

aproximadamente 49 prédios ocupados, com aproximadamente 50 famílias em cada um

deles41, perfazendo um total de 2450 famílias. São aproximadamente 8300 pessoas em

moradias sem as condições adequadas de habitação. Além disso, muitas delas estão ocupando

locais que oferecem risco à vida, por problemas elétricos e estruturais nos prédios. Ainda é

possível observar que muitas delas estão em risco eminente de reintegração de posse.

Por fim, existe na área central a Favela do Moinho, a única do centro e que abriga

atualmente 450 famílias. O terreno é uma antiga fábrica de farinha e é cortada por um viaduto

e a linha de trem. Existe hoje um impasse entre população e governo municipal no que se

refere à ocupação local. A prefeitura pretende remover as famílias para programas

habitacionais e uma parte da comunidade pretende a urbanização da área.

Na área da Saúde os números são ainda mais controversos, como citava anteriormente.

Na Sé existem 34 hospitais e ao todo 5763 leitos, destinados para sua população residente,

uma média considerada positiva na distribuição população x leitos (coeficiente de leitos gerais

13,08). Porém, apenas dois destes hospitais são públicos e oferecem nos leitos 277 vagas42.

Para dar uma ideia do déficit em saúde no centro, ainda em equipamentos de saúde, faltam,

para a Atenção Básica, 17 UBS43. Há ainda a ausência de UBS em dois distritos: Liberdade e

Consolação44.

Ainda na Saúde existem outros desafios que compõem este diagnóstico. Por exemplo,

a população idosa45 do centro gira em torno de 16%46 de toda a população. Para esta faltam

políticas claras na região central e também há a ausência de programas que possam atender

esta demanda de forma devida. São apenas, a título de exemplo, três equipes no PAI

40 SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) 41 Projeções feitas por técnicos urbanistas da Prefeitura Municipal de São Paulo 42 Não considero que alguns destes hospitais particulares tenham convênios e atenda a população de forma gratuita. Isso aumentaria a quantidade de leitos considerados públicos, mas ainda assim será, seguramente, aquém do necessário. Importante dizer que por ter dificuldade de acesso a estes dados não foi possível precisar o dado. 43 Unidade Básica de Saúde (UBS): local onde se realizam atendimentos básicos e gratuitos e faz encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. 44 São ao todo 9 UBS na Subprefeitura Sé. 45 Consideramos conforme define o Estatuto do Idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 46 Projeção Populacional por Faixa Etária e Sexo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU- Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.

Page 143: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

52

(Programa de Acompanhamento ao Idoso) e não há, outro exemplo, transporte sanitário para

esta população. Ora, o sofrimento mental, álcool e drogas e violência são desafios que estão

presentes, perfazendo em torno de 10% de toda população de rua da cidade; estão presentes

massivamente no centro.

Por fim, outros segmentos populacionais presentes no centro oferecem desafios e

precisam de tratamentos diferenciados, como a população imigrante, migrante e os egressos

do sistema prisional. E da mesma forma as pessoas vítimas da violência e exploração sexual e

tráfico de pessoas.

Na educação os números também são consideráveis. Existem na região

aproximadamente 60 instituições de ensino entre conveniadas e próprias da prefeitura, desde

creche ao ensino de jovens e adultos, passando pelo ensino fundamental. São ao todo,

oferecidas 12.559 vagas, tendo aproximadamente um total de sobra de vagas de 10%. Ao

detalharmos um pouco mais as vagas existentes, percebe-se que destes 10% há uma parte

considerável que se refere ao ensino de jovens e adultos, mas também é possível ver vagas em

ensino fundamental em certas regiões, como na Bela Vista, Sé e Liberdade. Nestas regiões a

soma total de vagas em aberto chega a 414. A região possui em cadastro 384 pessoas:

portanto, ainda sobrariam 30 vagas. Existe um problema de distribuição das vagas nessa

região e também de alternativas que possam dirimir esta diferença. Ou seja, algumas escolas

têm vacância, enquanto outras sofrem por falta de vagas. Mas a maior demanda por vagas está

nas creches. Existem hoje, 2.676 vagas para este modalidade de ensino e seu preenchimento é

superior a 97%. A demanda, ou seja, o número de cadastros existentes chega a 1.625 até o

último registro considerado para este estudo. É impossível dar conta desta demanda sem a

construção de novos convênios e a instalação de novas creches. Vale dizer que, por haver

carência de equipamentos em certas regiões, as mães não fazem cadastro de seus filhos e, por

isso, há uma demanda reprimida, que aumentaria ainda mais o contingente reserva.

Os dados de segurança do centro também demandam atenção, pois são alarmantes e

apontam alguns desafios a serem enfrentados. Certamente as apreensões por comércio

irregular e ambulante são os que mais evidenciam a Sé, mas não é só isso o que configura a

região. No último julho de 2013, foram registrados seis estupros num total de 72 na cidade.

Evidentemente, imagina-se um número maior de ocorrências por toda cidade, sem que as

vítimas prestem queixas. Ainda assim, estes seis ocorridos colocam a Sé entre as

Subprefeituras com maiores índices, representando quase dez por cento dos crimes ocorridos

na cidade. Quando o assunto é crime contra o patrimônio, a Sé toma a liderança. Os números

Page 144: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

53

para Roubos Outros são 1.725 registrados. Furtos Outros chegam a 4274 e Furto de Veículos

foram 434 nesta região. Há de se registrar que o fato de as delegacias não respeitarem os

limites dos distritos e Subprefeituras dificulta o levantamento exato dos crimes, mas ainda

assim a variação para alguns crimes é pequena, não alterando, por exemplo, a liderança da

Subprefeitura Sé, para algumas ocorrências no rearranjo das delegacias.

Além dessas áreas de forte incidência no território, no que se refere aos temas sociais

de predominância das secretarias de assistência e desenvolvimento social, saúde, educação,

segurança e habitação, há outras atividades de forte impacto na vida dessa Subprefeitura.

2.3 Zeladoria

O centro também é caracterizado pela presença de inúmeras áreas verdes, entendidas

aqui como: praças, canteiros centrais e áreas gramadas/ajardinadas. Além destas, ainda que

não componham áreas verdes, estão os largos e as áreas sob os viadutos, sendo que estas

últimas exigem outra complexidade de tratamento. Excluindo estas últimas, temos na região

central 159 áreas verdes, incluindo os largos, e, portanto, 131 praças. Os distritos com mais

praças são: Consolação e República, com 17 cada uma e Sé com 15. Aqui não estão

consideradas as árvores, que se estimam acima de 30 mil, sendo que, pela mesma estimativa,

a maior parte delas está em risco eminente de queda, necessitando de poda ou remoção.

Por fim, na conservação há ainda os baixos de viadutos, que são áreas sob viadutos,

pontes e elevados e que precisam ser limpos, conservados e vistoriados regularmente. Na

região central existem ao todo 7247 estruturas com estas características, sendo ocupáveis

aproximadamente 4948. Um exemplo é a Ponte Orestes Quércia, conhecida como mini

Estaiada, ocupada por, no último levantamento feito até este estudo49, 150 famílias. O baixo

do viaduto não é um tema de fácil solução, pois nessas áreas constam, por exemplo,

cooperativas de recicláveis, estacionamentos, pontos de tráfico, pessoas em situação de rua e

em uso de químicos, escolas de samba, sacolões etc. Além do precário estado de conservação

da maior parte, estes ainda trazem muita insegurança à população do entorno. Vale dizer que,

47 Levantamento realizados pelos técnicos do Gabinete da Subprefeitura Sé 48As não ocupáveis referem-se a áreas onde passam rios ou córregos. 49 Levantamento feito para cadastramento das famílias a serem inclusas e programas sociais da Secretaria Municipal de Habitação.

Page 145: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

54

conforme o decreto 48.378/200750, que regulamenta o uso de baixo do viadutos, algumas das

atividades realizadas são irregulares.

Dentre todas estas questões há ainda os canais de comunicação com o munícipe, que

são os serviços 156, feito por central de atendimento telefônico, as Praças de Atendimento e

Portal da Internet, que oferecem meios para solicitar serviços. O primeiro canal, o 156, é

eminentemente procurado para busca de informações sobre itinerário de ônibus. Já os outros

dois canais oferecem, como mostramos no capítulo anterior, uma gama infinita de serviços:

são mais de 150 serviços mapeados e estima-se que exista outra gama diversa feita por

voluntarismo dos servidores. Na Praça de Atendimento os serviços são, na maioria, abertura

de protocolo para realização de eventos, segunda via de IPTU e CCM51, além de outros

pequenos serviços, como carteira de trabalho, por exemplo. O Portal de Internet também

recebe solicitações dos munícipes, dos mais diversos assuntos, mas, sobretudo, verificam-se

pedidos de melhorias locais e reclamações sobre serviços prestados pela prefeitura. Portanto,

estes três canais compõem o SAC, Sistema de Atendimento ao Cidadão. Num levantamento

realizado pela equipe da Subprefeitura Sé encontramos alguns dados interessantes. Esta

Subprefeitura recebe aproximadamente 1.400 solicitações por mês para os mais diversos

assuntos: desde reforma do calçadão a pedido de limpeza em ruas, de denúncia a comércio

irregular e/ou ambulante a moradores em situação de rua ocupando áreas públicas. Nos

últimos cinco anos, dos pedidos realizados, estão sem respostas aproximadamente 22 mil,

sendo 12 mil no último ano. Para a demora desses serviços há uma gama de justificativas,

desde a impossibilidade de realização52 até a não abertura, pelos servidores, da solicitação

enviada pelo munícipe. Existem também os casos em que o trabalho foi realizado, mas por

falta de equipe, não houve baixa da solicitação. Enfim, essas incorreções fragilizam o dado,

mas o que se observa é o déficit entre receber solicitações de serviços e a baixa capacidade em

atendê-las de forma adequada.

Como vimos, o papel da Subprefeitura também é o de fiscalização dos

estabelecimentos comerciais e o acompanhamento e fiscalização de obras, observando os

limites que cabem a ela, previsto em lei. Isto inclui, por exemplo, os equipamentos culturais

em seus limites territoriais. A rigidez das leis e o tamanho das equipes impedem o devido

acompanhamento e fiscalização, e, como consequência, permite as mais diversas ilegalidades,

além da deslegitimação da prefeitura.

50Regulamenta as Leis nº 11.623, de 14 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.775, de 4 de fevereiro de 2004, e nº 13.426, 5 de setembro de 2002, que dispõem sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais. 51 Cadastro do Contribuinte Mobiliário 52 Por exemplo, é proibida a supressão de raízes das árvores, mas havia a possibilidade de entrar com o pedido.

Page 146: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

55

Até aqui quisemos mostrar uma fotografia do território que compõe a Subprefeitura

Sé, com uma população superior a mais da metade dos municípios brasileiros e que enfrenta

os mais variados desafios: desde a preservação do patrimônio histórico até a população

vulnerável e em situação de risco, além dos desafios de zeladoria destas áreas, repletas de

desafios e em quantidade considerável.

2.4 Centralização e Descentralização

A Subprefeitura, como vimos, é um espaço de integração das diversas unidades da

prefeitura, que tem como objetivo acabar com a sobreposição de papéis, a imprecisão de

responsabilidades e aproximar os responsáveis pela tomada de decisão, dando agilidade e

rapidez ao processo. Portanto, é possível afirmar que seu papel seja de autoridade técnica e

administrativa, por possuir (ou deveria possuir) conhecimento detalhado do território que lhe

permite coordenar e executar políticas, considerando suas especificidades e particularidades,

priorizando-as.

Como vimos até agora, porém, o que se planejou e não se aplicou na prática trouxe

algumas consequências de forte impacto sobre o local. Por exemplo, espalham-se os casos de

corrupção cometidos por agentes públicos lotados em Subprefeituras, em grande parte, pela

dificuldade de acompanhamento dos mesmos, além do excesso de trâmite e burocracia a que

estão sujeitos os cidadãos que dependem de serviços municipais, que agilizam pagamento de

propinas para “pular” a lentidão a que seu processo está sujeito. Além disso, a desarticulação

e a falta de coordenação entre entes do governo agravam problemas.

Por exemplo, é possível que a Secretaria de Saúde precise de um terreno para a

construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não consiga encontrá-lo sem ajuda

da Subprefeitura. Assim como a Secretaria de Educação pode precisar para a construção de

creches, mas sem o mesmo conhecimento local, não o encontre com facilidade. No centro,

pela ocupação intensa da área, encontrar terreno para suprir demandas é uma tarefa difícil. Ou

seja, sem articulação interna, pode-se adiar, quando não abortar a construção de um

equipamento público. Ou é possível observar o que ocorreu na Aclimação, onde existe uma

rua famosa pela quantidade de comércios especializados em espetinhos de carne. Nesta área

dois problemas foram denunciados pelos munícipes: irregularidade na ocupação destes locais

e crime ambiental. Um problema de atribuição da Subprefeitura e outro da SVMA53.

53 Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SMVA)

Page 147: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

56

Motivados pelo mau cheiro, excesso de barulho noturno e congestionamento, a população

local pediu às autoridades o fechamento desses estabelecimentos – a área é considerada

residencial. Por falta de coordenação, a Subprefeitura e a Secretaria de Verde e Meio

Ambiente não atuam de forma conjunta. Ocorreu então que a Secretaria do Verde aplicou

multas contra crimes ambientais, porém, sem ir conjuntamente com a Subprefeitura, que

poderia lacrar o local e é a única que tem competência legal para isto. O resultado disto não

poderia ter sido pior. Os estabelecimentos investiram na adequação de seus espaços, conforme

exigiam as multas aplicadas. Diante disso, quando a Subprefeitura atuou os estabelecimentos,

eles entraram com recursos na justiça, alegando alto investimento na adequação, conforme

exigência referida. Ou seja, de ilegal, passaram a ser legais e os pedidos da população ficaram

inócuos, insolúveis a médio prazo. A Secretaria de Verde e Meio Ambiente acabou

legalizando indiretamente esses locais, gerando forte sentimento de revolta na população.

A não descentralização tem forte impacto também sobre as políticas sociais realizadas

no território. Primeiro, porque parte do desenho territorial das Secretarias engloba, como

dissemos, mais de uma Subprefeitura. Quase sempre desconhece o todo e especifico de cada

local. Segundo, porque acabam atuando sozinhas na implantação de suas políticas, o que não

é necessariamente efetivo. Aliás, é possível afirmar o contrário: é pouco efetiva a superação

dos desafios. Um exemplo disso é a DRE54 Ipiranga. Esta Delegacia abrange ao todo 16

distritos e 4 Subprefeituras. Portanto, escolas de Heliópolis ao centro fazem parte deste

recorte. Possuem 233 instituições de ensino sob seu guarda-chuva, num território

populacional de 1,4 mil pessoas. Existem, atualmente, segundo dados da própria Secretaria,

pouco mais de 60 mil alunos regulares. Com este tamanho, algumas lacunas saltam e

necessitam de intervenções. Por exemplo, na região central faltam vagas em creches. Alguns

equipamentos não oferecem conforto e segurança necessários para as crianças; há políticas

salariais discrepantes nas conveniadas e mais uma gama de outras implicações provenientes

da política educacional, mas também do abismo que há entre estas e as outras escolas, no que

se refere ao território.

Fica claro que é preciso reunir os diversos atores para que se possam superar os

problemas e estes coexistem com interesses conflitantes e antagônicos, em muitos casos. Por

isso precisam de espaços de diálogos e intermediação para lidar com os conflitos,

solucionando-os quando possível. É impossível, sem as Subprefeituras, que associações

locais, conselho de segurança, coletivos culturais, sindicatos e grupos organizados apresentem

54 Delegacia Regional de Ensino.

Page 148: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

57

as suas pautas de reivindicações e possibilidades para a localidade e mesmo para a cidade.

Sem isso, a dimensão de esfera pública como lugar de todos fica extremamente prejudicada,

pois não promove espaços concretos de experiências. O poder público tem condições de

promover espaços para que essa diversidade e pluralidade possam aparecer. Como vemos nas

palavras de Jovchelovitch:

É, de fato, na experiência da pluralidade e na diversidade de perspectiva diferentes, que ainda assim podem levar a um consenso entre o público, que o sentido profundo da esfera pública se encontra. De acordo com Arendt (1983), o termo público significa dois fenômenos relacionados, mas não idênticos: em primeiro lugar, ele quer dizer que o que é público pode ser visto e escutado por todos e possui maior publicidade possível; segundo, o termo se refere ao próprio mundo enquanto algo que é comum a todos os seres humanos e se diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele. (JOVCHELOVITCH, 2000, pg 49)

Como exemplo, abordaremos algumas políticas sociais em execução na Subprefeitura

Sé e que poderão mostrar os desafios aos quais nos referimos e que claramente precisam de

uma coordenação mais articulada para que sejam mais efetivas, eficazes e eficientes. Abaixo

traremos um exemplo concreto que se refere à população em situação de rua e que, nos

últimos anos, tem chamado a atenção, dado o seu vertiginoso crescimento, mesmo com certa

estabilidade econômica e crescimento dos empregos formais.

Um estudo levantado pela Subprefeitura Sé indicou que havia entre oito a dez ações

voltadas para a população de rua, realizadas por diversas secretarias, como segurança urbana,

assistência social e saúde. Ao olharmos para a Assistência Social, é possível perceber mais de

55 serviços específicos para a população em situação de rua realizados por sua rede de

conveniada com um investimento mensal próximo a 6 milhões de reais ao mês. Da mesma

forma, a Saúde tem seus mais de quatro programas e ainda é possível citar a Habitação, que

usa o Programa Moradia Social, destinado a esta população.

Ao olharmos mais detidamente os números, no entanto, percebemos que a saída das

pessoas em condição de rua é muito baixa, sobretudo porque faltam programas mais

integrados e que dependam obrigatoriamente de uma ação articulada de várias secretarias,

mas com recorte territorial. Ou seja, é preciso pensar em como “tirar” a pessoa da condição de

rua. E isto envolve obrigatoriamente formas de empregabilidade, moradia, educação e

formação profissional, acesso a crédito e outros pequenos serviços. Para que os resultados

lograssem êxito, seria necessária a participação efetiva de outras secretarias, numa ação

conjunta, como por exemplo, Secretaria de Trabalho e Educação, além da própria

Page 149: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

58

Subprefeitura. Isso sem contar entre as próprias secretarias citadas como executoras de ações.

Quer dizer, sem que elas atuem conjuntamente, é difícil pensar na superação da pessoa em

situação de rua. Evidentemente, existem exemplos bem sucedidos, mas eles quase sempre são

específicos, e não generalizados, como deveriam.

Ainda é possível observar o completo desconhecimento das secretarias sobre os dados

regionalizados de outras secretarias. Por exemplo, sobre a primeira infância, as secretarias de

assistência e saúde não acessam com facilidade dados sobre educação, e vice-versa, tampouco

atuam de forma conjunta para superação dos desafios. E isto se estende a outros temas, nos

quais a articulação por parte da Subprefeitura e mesmo a coordenação seria de vital

importância para obtenção de resultados mais satisfatórios. Estes problemas citados se devem,

em maior parte, ao recorte territorial de cada secretaria, que não promove espaços de troca

dentro do governo entre esses servidores. Como dissemos até agora, a Subprefeitura deveria

ser o espaço de articulação e coordenação desses serviços.

Para terminar com um exemplo, podemos citar o caso dos cortiços irregulares, cuja

política habitacional cabe à secretaria de habitação, mas as multas cabem à Subprefeitura. Se

um cortiço se estivesse adequando à Lei Moura, não faria sentido multá-lo, porém, por falta

de articulação, a Subprefeitura aplica a multa e liquida-se a possibilidade de adequação do

mesmo. Evidentemente, outros problemas decorrem deste; por exemplo, a expulsão de

algumas famílias dos agora não mais cortiços, e que integrarão o contingente em situação de

rua. Ainda sobre o cortiço, as famílias possuem o mesmo cadastramento em lugares

diferentes, ou seja, para a Saúde, Educação, Assistência Social e Habitação. Portanto, há

informações que uma secretaria necessita, mas só a outra possui. E em alguns casos, nenhuma

delas fez tal registro. Nenhuma destas secretarias faz o recorte racial no questionário,

impossibilitando a SMPIR55 de ter dados específicos sobre a população negra, por exemplo.

Por fim, neste caso, a Habitação cria a sua própria equipe de Assistência Social e após a

realização da melhoria do cortiço dá por encerrada a sua participação com os moradores dos

cortiços. Vale dizer também que para esta Secretaria persiste ainda a visão de que o morador

em situação de rua é um problema de Assistência Social e não seu.

Outro reflexo ocorre na morosidade da atuação conjunta entre áreas. Por exemplo,

comentou-se há pouco que a SVMA56 e a Subprefeitura Sé atuaram em tempos distintos na

Aclimação, não solucionando o problema e, inclusive, atenuando-o. Mas existem outros

problemas nesta articulação. Vejamos o serviço de poda e remoção de árvores que pertence à

55 Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) 56 Secretaria Municipal do Verde e meio Ambiente

Page 150: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

59

Subprefeitura, a executora do serviço. Em seus limites, como vimos, existem muitos móveis

tombados, que exigem, por lei, um processo específico para intervenções, mesmo para poda e

remoção de árvores. O ideal seria uma articulação entre Patrimônio Histórico, Subprefeitura e

SVMA, que seria muito mais ágil se as duas últimas fossem integradas e articuladas no

território.

Quis mostrar até aqui como a Subprefeitura tem dificuldade de lidar com as tensões de

seu território e de como esta desarticulação traz os mais variados impactos negativos para a

cidade. Vimos, indiretamente, que a centralização excessiva das Secretarias e o recorte

arbitrário de cada uma sobre o que considera seu território de atuação não poderiam trazer

resultados diferentes, a não ser os já citados: desconhecimento do território, falta de clareza na

política, falta de gestão política e administrativa e morosidade processual.

Por outro lado, fica evidente a importância da Subprefeitura como projeto político-

administrativo, olhando para a Subprefeitura Sé. Vimos também que essa é uma região rica e

também uma das mais desiguais ao colocar nos mesmos espaços pessoas com condições de

vida tão díspares, tendo numa ponta as de elevado poder econômico e na outra as que se

encontram em extrema pobreza e fragilidade social.

Além disso, a região oferece diversas atrações culturais e artísticas, pagas e gratuitas,

mas que nem de longe estão acessíveis a todos que estão presentes no território, apartando

deste direito um contingente considerável de pessoas. É assim no que se refere aos leitos

hospitalares, que se comparam aos padrões internacionais, mas são quase todos particulares,

não sendo acessíveis a todas as pessoas. Para alcançar um padrão mínimo internacional em

saúde, precisariam ser construídas mais nove UBS.

O desafio é grande quando nos referimos, por exemplo, à manutenção de áreas verdes

e baixos dos viadutos. Seja por falta de quadros técnicos, centralização de gestão, supressão

de recursos financeiros e excesso de burocracia, alguns serviços demoram meses a serem

realizados, quando não o são de fato. Portanto, é notória a falta de padrão de zeladoria e que

possam ser proativos e não somente reativos, como a maioria dos serviços hoje. A falta de

transparência na execução dos serviços também gera muitas arbitrariedades, como a

priorização de um pedido feito por vereadores ou mesmo o pagamento de propina para a

execução de um serviço, que normalmente, no atual estágio, levaria meses para ser realizado.

Ora, o desafio flagrante para as Subprefeituras realizarem seus serviços, conforme

previa seu projeto de criação, passa por devolver a esta a sua importância, descentralizando

novamente o poder das Secretarias, recriando as coordenadorias e respeitando os limites

Page 151: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

60

geográficos de cada Subprefeitura, para que estas possam ter o conhecimento aprofundado do

território e assim aplicar as políticas, considerando as especificidades locais e de forma

conjunta.

Se observarmos a demanda por vagas nas creches, é preciso pensar uma ação conjunta

no território, para que se possa dar conta deste desafio. Assim, nas particularidades do centro,

seria possível pensar em áreas para as creches nas ocupações que entram para programas

habitacionais e buscar nas áreas da Subprefeitura potenciais locais para a construção de

creches. Além disso, nas vagas em vacância, desenvolver estratégias para ocupação por

famílias atendidas por Assistência Social e que não encontram onde matricular seus filhos.

Por sinal, há dificuldades para a Assistência Social em inserir jovens em liberdade assistida

nas escolas, por exemplo. Ou seja, outra necessidade de uma ação conjunta mais próxima e

mediada.

Na cultura, além da valorização da local também poderia atuar de forma mais

contundente nas escolas, usando seus espaços culturais mais ociosos. Mesmo que já existam

programas de valorização e visitação destes espaços, eles são pontuais e não fazem parte de

uma política mais ampla. Também, e ainda na Cultura, seria possível pensar a reintegração do

morador de rua pelo viés cultural ou do esporte e tantas outras contribuições, como o uso dos

baixos dos viadutos e das praças e parques existente na Subprefeitura Sé.

Evidentemente, pensar na manutenção e aplicação destas políticas todas e na

manutenção em sua região requer, sem dúvida, maior aporte de recursos humanos e

financeiros, a criação de padrões de zeladoria e a participação de mecanismos de controle e

acompanhamento das mesmas.

Page 152: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

61

3. Referencial teórico da Pesquisa

Observamos, nos capítulos anteriores, que as Subprefeituras sofreram significativas

mudanças ao longo do tempo, que ora contribuíam para seu desenvolvimento e fortalecimento

institucional, ora não, desconstruindo este papel e esvaziando sua importância como projeto

político. Essas intempéries produziram saberes e conhecimentos que contribuem para a

formação simbólica deste espaço para a população, bem estudado por alguns dos intelectuais

brasileiros. Mas também, ao mesmo tempo, para o funcionalismo público, sobretudo daqueles

que ocupam estes espaços e para quem, dentro de nossos limites, é foco de nosso estudo.

Segundo Jovchelovitch (2008, p. 95):

o que pode parecer irracional ou errado ao observador faz sentido aos agentes do conhecimento. É também neste sentido, ainda que não apenas, que um sistema de conhecimento deve ser avaliado: em relação ao significado e realidade psicológica que ele possui para aqueles que concretamente o produzem. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 95)

Desta forma, analisar o espaço público institucional, na perspectiva de seus atores, os

servidores públicos57, passa a ser elemento fundamental no estudo das Subprefeituras, porque

nos permitirá, dentre outras coisas, perceber como esse servidor se engaja no trabalho e como

percebe a importância de seu trabalho para o munícipe. Para tal, é preciso entender como

constrói seu mapa de significados e elabora e reelabora os registros de suas experiências

cotidianas em espaços de interações com outros servidores, mídias, munícipes e partidos

políticos. O objetivo é captar a realidade construída a partir de lógicas inconscientes inscritas

no contexto em que se encontra, no tempo e na história.

O modelo referencial para nosso estudo será a Teoria das Representações Sociais,

procurando compreender as questões arroladas acima com os servidores da Subprefeitura Sé.

57 Conforme explicitam os artigos Art. 2º e 3°, do Estatuto dos Funcionários públicos define que os funcionários públicos são aqueles que legalmente ocupam cargo público e são remunerados pelos cofres municipais, além de outras especificidades que legitimam o cargo.

Page 153: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

62

3.1 A Teoria das Representações Sociais

A Teoria das Representações Sociais foi apresentada em 1961 por Serge Moscovici

que, por meio de sua tese58, destacava os conceitos gerados na psicanálise e usados no

cotidiano da população francesa de modo geral (FARR, 1995). Seu estudo baseou-se na

concepção de Representação Coletiva de Durkheim, para quem o indivíduo era um fenômeno

psíquico e irredutível a sua atividade cerebral, ou seja, sem influência no fenômeno social.

Isto é, estático e tradicional (GUARECHI, 1994). Nas palavras de Durkheim (1970, p. 39),

(...) o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que na fusão da qual ele resulta, todas as características individuais, sendo divergentes por definição, neutralizam-se e apagam-se mutuamente. (DURKHEIM,1970, p. 39)

Ao fazer esta afirmação, Durkheim deixa claro que o fato social59 era exterior aos

indivíduos e, portanto, capaz de condicionar e determinar suas ações, independente das

manifestações individuais que pudessem ocorrer. Em contraponto, Moscovici, como refere

Guareschi (1994), vai olhar as sociedades modernas como fluídas e dinâmicas, substituindo o

conceito de coletivo por social. Em poucas palavras, significa dizer que o indivíduo é tanto

produto da sociedade, mas também, como afirma Moscovici (1978), agente de mudança dela.

Desta forma, ao distanciar-se do conceito de Durkheim, propõe as Representações Sociais

como modelo. Para Moscovici, a diferença entre os conceitos é explicada da seguinte forma:

(...) as representações coletivas são um mecanismo e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), enquanto para nós são fenômenos que precisam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que se relacionam com uma forma particular de entender e comunicar: um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Para destacar esta diferença, usarei o termo social em vez do termo coletivo (MOSCOVICI apud ÁLVARO E GARRIDO, 2006, p. 287-8).

Entendido o percurso que diferencia a virada de pensamento de Moscovici sobre

Durkheim, o que seriam as representações sociais como teoria para explicar o fenômeno das

58 La Psychanalyse, son image et son public 59 Fato social para o Durkheim possuía três características: coercitividade, exterioridade e generalidade. O primeiro refere-se à força que os fatos exercem sobre as pessoas, os quais são transmitidos a estas na maneira de pensar, agir e sentir. O segundo refere-se à exterioridade, ou seja, existe independente da vontade ou consciência dos sujeitos, sendo inclusive, que estes tenham nascido antes de nascermos. Por fim, o terceiro conceito para o autor é aquele que se aplica, no mínimo, a maior parte da sociedade, ou seja, é geral por ser coletivo.

Page 154: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

63

relações do (e no) cotidiano? A sensibilidade de sua teoria está justamente no entendimento

do cotidiano como fenômeno que explica o senso comum, ou seja, o modo como se dão as

formas de apropriação do conhecimento nos espaços coletivos e na relação com o outro. A

construção do simbólico se dá na dinâmica da vida, nos arranjos institucionais e nas

comunidades nas quais os sujeitos estão inseridos. Assim, Moscovici entende por

representações sociais:

(...) entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana nos cursos de comunicação interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 26).

Existem muitas representações sociais, pois seu ideário é justamente o de explicar as

diferenças de nossa sociedade, tornar o desconhecido em conhecido e ressignificá-lo para

atuar novamente sobre a realidade. E é justamente neste processo dialético que o sujeito

detém poder de transformação, quer dizer, é parte ativa deste processo. É importante observar

que, para Moscovici (1978, p. 25), toda representação é composta de expressões socializadas

e, continua, “conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e

linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam

comuns”. Ou seja, os indivíduos irão agir em consonância com os elementos das

representações sociais que eles mesmos construíram. Afinal, como um sistema de valores,

noções e práticas, as representações guiam e influenciam o comportamento dos indivíduos nos

diversos contextos inseridos. Portanto,

as representações oferecem padrões de conhecimento e reconhecimento, disposições e orientações e conduta, que transformam ambientes sociais em lares para atores individuais e lhes permite entender as regras do jogo (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).

Evidencia-se desta forma, que as ações comunicativas e as práticas sociais presentes

no diálogo, na linguagem, nos processos produtivos, nas artes e mesmo nos padrões culturais,

produzem e conferem estrutura à vida social. É a mediação social que permitirá compreender

o mundo. Para isto, dois elementos integrantes da teoria das representações sociais, são

necessários: ancoragem e objetivação.

Page 155: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

64

Na ancoragem ocorre a integração cognitiva do objeto representado e, desta forma, é

possível categorizar, associar e nomear, portanto, localizar o objeto referido e dar a ele

sentido, compreensão. Os objetos são, segundo Jovchelovitch (2008), representados em

condições que pressupõem que tenham estoque prévio; afinal, em algum momento já foram

representados, ligados com o passado e suas significações. Moscovici (2003) define como o

“processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema

particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos

ser apropriada”.

Na objetivação, o conceito, para se tornar perceptível, é então traduzido em imagens

pelos sujeitos, quer dizer, é estruturante, tangível e concreto. Para Moscovici (2003, p.71-2),

“objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impresso; é reproduzir um

conceito em uma imagem”. Assim, estas imagens selecionadas formam o que Moscovici

(2003) denominou núcleo figurativo, que formam o complexo de ideias. Três fatores estão

envolvidos neste processo: a descontextualização, a criação de um núcleo figurativo e a

materialização dos elementos deste núcleo. Para o primeiro, ocorre a partir de critérios

culturais e normativos; o segundo reproduz a estrutura conceitual e, por fim, o terceiro,

transforma as figuras em elementos da realidade.

Para ambos, ancoragem e objetivação, há um elemento em comum e fundante: a

memória. É a partir dela que ocorre a elaboração e reelaboração e, assim, são reproduzidos os

conceitos e imagens para o mundo exterior. Em ambos os processos os elementos de

avaliação e captação serão forjados nos valores sociais presentes em cada sujeito. Como bem

lembrou Jovchelovitch (2008), a visão que os sujeitos desenvolvem acontece na interação

social e, portanto, a estrutura social na qual estão inseridos é fator preponderante.

Como exemplo do que citamos acima, podemos usar o seguinte trecho de

Jovchelovitch (2008, p. 189):

O conteúdo das primeiras representações sobre a Aids definiu o então novo fenômeno como uma peste, revelando em um único tema a gama de medos e práticas que se seguiram ao aparecimento da doença. Dizer que a Aids era uma peste foi um meio de ligá-la à história das epidemias e às práticas, ideias e sentimentos relacionados às suas trajetórias. Importa muito se as representações são sobre a paz, ou sobre a Aids, se são sobre a amizade, ou sobre o conflito Israel-Palestina. Em cada um destes objetos existe uma realidade a revelar: esta é feita de saberes, comunidades e práticas que vieram antes e que, gradualmente, se solidificam na estrutura e na realidade do objeto. É a isto que chamamos de objetivação.

Page 156: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

65

3.2 As Representações Sociais e a Esfera Pública

Os trabalhos de Sandra Jovchelovitch, estudiosa brasileira das representações sociais,

têm considerado a esfera pública como seu tema de atenção e foco. A sucessão de eventos

vividos cotidianamente na esfera pública irá condicionar as formas e personalidades, sem

tornar os sujeitos estáticos. Para Jovchelovitch (2008), a vida pública não é uma estrutura

externa influenciando a vida privada, mas um de seus elementos constituintes. Desta forma,

seus estudos são dedicados a entender como o espaço público influencia e molda o

comportamento das pessoas. Ou seja, os sujeitos constroem a realidade para, em seguida,

atuar sobre ela. Para ela, as representações estão radicadas nos espaços públicos, ao afirmar

que:

(...) as representações estão radicadas na esfera pública e se, ao mesmo tempo, nos processos de sua constituição, elas criam um saber sobre a esfera pública, investigar sua forma e conteúdo assume uma importância crucial para toda a perspectiva intelectual preocupado com as possibilidades de uma vida em comum que vá além do puramente privado, sem desconsiderar o sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68)

A autora, em seu livro As Representações Sociais Na Esfera Pública, estabelece

uma relação entre alteridade e esfera pública. Desta forma, demonstra como ocorrem as

construções simbólicas radicadas na experiência desse viver coletivo, de duas maneiras:

primeiro, define a importância de espaços públicos a partir de Hannah Arendt e Jürgen

Habermas. Em seguida, aponta as representações sociais, com base em três aspectos: a

formação da atividade simbólica, as representações sociais sobre a atividade representacional

e a criação da realidade simbólica compartilhada. Para isto, ela vai buscar em Piaget a ideia de

espaço potencial, em Winnicott, a atividade simbólica e em Mead, o Outro Generalizado.

A esfera púbica, do ponto de vista histórico, produz permanência, já que o passado

fornece bases ao presente e ao futuro (Jovchelovitch, 2008). Mas é também no espaço público

que a partilha ocorre e onde se constrói o sentimento e o sentido de realidade. Isto produz,

portanto, o que será o bem comum, pois transcende as pessoas. Nesse espaço de pluralidade,

na visão de Arendt (apud Jovchelovitch, 2008), as diferenças e similaridades, entendimentos e

consensos produzem o viver coletivo. Além disso, com base nas ideias de Habermas, a esfera

pública permite o encontro dos cidadãos e também a gestão destes mesmos, ou seja, o espaço

Page 157: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

66

público. Além disso, permite a criação de um saber sobre si mesma e formas de opinião

pública. Isto acontece porque, ao garantir a abertura e transparência e trazer as preocupações

comuns, garantida a posição de igualdade, é possível tomar decisão conjunta e coletiva

(Jovchelovitch, 2008).

Esta autora reafirma, a partir desses autores, a importância da esfera pública e é sobre

ela que mora nosso interesse. O viver em comunidade significa necessariamente, ao menos no

Brasil, estar circunscrito a um município e, portanto, de algum modo, ser afetado por este. Se,

como se diz, o viver solitário é impossível, também o é, da mesma forma, o viver sem um

governo instituído. E se é fato que estamos sujeitos a uma gestão, a um governo instituído,

como compreendê-lo e atuar sobre (e com) ele?

Ora, para ficar no exemplo de São Paulo, seu quadro funcional conta com mais de cem

mil servidores, que, nas mais diversas funções, afetam direta ou indiretamente a população em

seu território.

3.3 Objetivo Revisado

O livro citado60 estudou a construção das representações que as pessoas fazem dos

espaços não institucionais coletivos, mostrando como a formação simbólica é impossível sem

uma rede de significados constituídos. Ou seja, segundo Jovchelovitch, o sujeito é autor da

construção mental e ele pode transformar-se na medida em que se desenvolve. Além disso,

demonstrou a importância do espaço público como construto da alteridade, num processo em

que um desenvolve o outro.

Dentre os muitos lugares onde a vida pública se constitui, um deles é o espaço

institucional, onde parte das necessidades humanas é gerenciada, no sentido de regulação,

demanda e oferta para todos e onde os conflitos podem ser gerenciados. Compreendê-lo passa

a ser fundamental, já que é nesses espaços que os serviços prestados à população se

constituem e aqui também suas demandas são apreciadas, levadas adiante e solucionadas.

Poder pensar as representações que os servidores públicos da Subprefeitura Sé, no

município de São Paulo, fazem sobre si mesmos e todas as implicações já citadas, sobretudo

como eles se percebem e como vêem a importância de seu trabalho para o munícipe, nos

60 Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil

Page 158: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

67

permitem captar como isto, ao se realizar, infere na sua forma de trabalho e, direta ou

indiretamente, interfere na qualidade e na condição do serviço prestado aos munícipes e à

gestão da cidade.

Aprofundar-se nesta representação social pode trazer novos significados à valorização

dos servidores públicos e ajudar a compreender a multiplicidade de desafios presentes nas

estruturas da subprefeitura e nas relações que estes estabelecem com atores importantes como

os munícipes, por exemplo.

A escolha desta Subprefeitura leva em consideração a sua importância para a cidade,

permitindo que fosse gerida de forma mais autônoma e destacada em relação às outras. Como

dissemos ao longo do trabalho, esta Subprefeitura também sofreu poucas ingerências políticas

e administrativas, contou com certa autonomia financeira e o maior orçamento entre as

existentes. Teve a sua frente gestores ligados diretamente aos prefeitos e prefeitas da cidade.

O fato de este pesquisador trabalhar na assessoria direta do gabinete também fez parte da

escolha.

Outro motivo importante, como vimos ao longo do trabalho, se deve ao fato de esse

órgão estar muito próximo ao munícipe, sendo um dos seus principais canais de entrada. É

nas subprefeituras que muito dos serviços iniciam seu processo até que sejam concluídos.

3.4 Perfil dos Entrevistados

Os entrevistados desta pesquisa são sujeitos que ao longo dos anos de prefeitura

construíram um conhecimento sobre a gestão, sobre os servidores e sobre as Subprefeituras,

portanto, conseguem ter uma visão do todo.

Estas pessoas foram selecionadas pelo tempo de prefeitura - no mínimo dez anos -,

pois tiveram a oportunidade de passar por prefeitos e prefeitas de partidos diferentes e,

portanto, conviveram com visões ideológicas e projetos distintos. Além disso, os cargos

ocupados por elas também foram considerados para as entrevistas. As pessoas que

coordenaram equipes, ou foram chefes de secção, departamentos ou possuíram DAS61,

produziram conhecimento sobre a equipe e se relacionaram mais proximamente do Executivo,

neste caso dos Subprefeitos ou dos assessores de sua confiança.

61 DAS (Direção e Assessoramento Superiores) incorporação de salário por exercer função considerada importante pela Direção.

Page 159: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

68

Por fim, foram consideradas a partir de sua capacidade de trânsito na própria

Subprefeitura ou prefeitura, quer dizer, são pessoas que se relacionam com os mais diversos

departamentos, seja pela capacidade de relacionamento ou pela necessidade que seu

departamento exige para que determinado trabalho possa ser realizado.

3.5 Procedimentos Metodológicos

Para compreender as significações e os saberes produzidos pelos servidores

selecionados, escolhemos como procedimento metodológico entrevistas semiestruturadas, que

permitissem adentrar mais em alguns temas do que em outros, explorar o conhecimento e as

particularidades do entrevistado e garantir um ambiente seguro já que, pela posição do

pesquisador, alguns temas poderiam gerar desconforto ou insegurança por parte do

entrevistado.

Estas entrevistas foram gravadas para que pudessem ser transcritas, comparadas,

analisadas e categorizadas posteriormente na análise a ser descrita no próximo capítulo.

Os entrevistados foram escolhidos nas mais diversas áreas da Subprefeitura, sendo as

seguintes: na área de fiscalização, recursos humanos, assessoria direta do gabinete,

atendimento e administração. A escolha de pessoas de áreas diferentes tinha como objetivo

captar de forma mais precisa e diversa as impressões geradas nos servidores. Primeiro, porque

áreas diferentes permitem certas perspectivas de análise e, segundo, porque parte destas

pessoas já esteve em outras áreas da Subprefeitura, o que permite fazer comparações e

análises, descritas nas entrevistas.

Outra consideração importante é que, a partir do roteiro de entrevistas (anexo 1),

separamos três grandes grupos para análise, sendo eles: como são vistos de fora, como se

percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão. A ideia central

desses três grandes grupos é compreender como as experiências do dia-a-dia vão-se

elaborando, solidificando ou transformando estas imagens. Para isto, no roteiro de entrevistas

consideramos como eixos norteadores: Subprefeituras, Funcionalismo Público, Munícipe e

história de vida.

Para o primeiro, Subprefeituras, o objetivo principal era compreender como eles

captam a importância deste órgão, suas funções e como, ao longo dos anos, elas foram

Page 160: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

69

tratadas e retratadas. Eles a compreendem como moeda de troca, como largamente se lê por

aí? Que relação estabelecem com os políticos e assessores de livre-nomeação do Executivo?

O segundo, o Funcionalismo busca captar as imagens que constroem sobre o servidor

público, tentando entender como são compreendidos pela mídia e partidos políticos, como

constroem e desenvolvem as carreiras e o próprio trabalho diário. E também como lidam com

demandas e pressões constantes presente no cotidiano?

Para o terceiro, o munícipe, o principal objetivo é compreender como esta relação

ocorre e, sobretudo, qual a percepção que eles têm. O que vimos, quase sempre, são as

imagens que a população faz sobre o servidor público, mas não sobre a forma como o servidor

percebe, a forma como a imagem dele é construída. Como isto se constrói no cotidiano?

Por fim, é preciso compreender como no cotidiano o trabalho se desenvolve e como se

tornam mais fáceis a implantação de projetos, leis e outras determinações gerais, vindas do

Executivo e do Legislativo. Isto tem grande importância, já que são eles, servidores públicos

lotados nos órgãos de contato direto com a população, que irão implantá-los.

Page 161: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

70

4. Capítulo – Análise das Entrevistas

As entrevistas com os servidores da Subprefeitura Sé foram realizadas a partir de três

grandes temas, os quais exploraremos nesta análise. Estes temas são: como eles são vistos de

fora, como eles se percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão

pública ou da Subprefeitura que afetam diretamente seu cotidiano e impactam a qualidade do

serviço percebido e prestado pela mesma aos munícipes. Atores como a mídia, o próprio

munícipe, o partido político e eles mesmos, são os principais norteadores desta análise como

poderemos observar.

4.1 Como eles são vistos de fora

Ao iniciar o processo de análise das entrevistas, separamos três grandes eixos para

realizá-la, como dissemos. Uma destas é a imagem construída fora dos espaços da

subprefeitura, ou seja, como eles são vistos por aqueles que são de fora, na sua perspectiva?

Ao nos referirmos a estas “pessoas de fora”, falamos sobre três atores importantes e com os

quais eles mantêm um contato diário direto: a mídia, o munícipe e o partido político. Os três

exercem forte impacto na formação e na construção da imagem que os servidores criam sobre

si mesmos e, evidentemente, nas estratégias e na forma como eles desenvolverão seus

trabalhos.

Evidentemente, os munícipes constroem esta imagem, na perspectiva dos servidores

públicos, ao fazerem solicitações de serviços de zeladoria ou outros. Por exemplo, os

prestados pela Praça de Atendimento, como nos referimos no capítulo anterior. Por isso, ao

perguntarmos, por exemplo, como o munícipe percebe o servidor público, observa-se que, de

maneira geral, essa imagem não é muito positiva. O que podemos observar é que esta

imagem, do ponto de vista dos servidores públicos, se constrói a partir de três temas

importantes: a morosidade e a burocracia na solicitação e realização dos serviços, a falta de

recursos humanos e financeiros e o desencontro de informações na prefeitura como um todo,

que vão reverberar também na forma caricata que a mídia constrói.

Page 162: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

71

Por exemplo, quando se fala da morosidade dos serviços públicos, nota-se na fala,

inclusive, que o próprio munícipe desconhece o processo burocrático aos quais alguns

serviços estão sujeitos e que irão tornar mais morosa a realização do serviço. Desta forma, por

exemplo, a poda ou remoção de uma árvore, que precisa tramitar por processos mais

complexos se estiver em área envoltória de bem tombado, pode demorar mais de noventa

dias. Evidentemente, esta tramitação só reafirma na cabeça do munícipe a lentidão que há nos

serviços públicos e o servidor público não demonstra o menor interesse em fazê-lo caminhar

prontamente. Nem é preciso dizer que estes trâmites burocráticos se não respeitados podem

gerar processos administrativos contra os servidores envolvidos. No trecho abaixo, o

entrevistado fala claramente sobre essa morosidade no serviço público e, precisamente, sobre

como os munícipes os vêem por conta disto.

Ai... Uns molengas entendeu? Não quer saber nada de nada. Já, várias vezes, ouvi

isso... Entendeu, mesmo estando aqui na administração. Como várias vezes ouvi munícipe

falando do pessoal da praça de atendimento. (...)

O pessoal vê a gente uns acomodados. Entendeu? Que não quer nada com nada e estão nem

aí, eu entro com processo hoje, 2013, Outubro de 2013... lá para Outubro de 2020, eu vou

estar tendo resposta do meu processo... Então é essa imagem que a gente passa e por mais

que você tente mostrar que não é e que tem uma agilidade, mas também tem uma morosidade

que não é nossa, não é do servidor, é da própria burocracia, tem tempos para o processo

andar, essa coisa toda nem tem... entendeu?

Outra fala que ilustra bem a morosidade e a descrença que eles entendem haver por

parte dos munícipes é sobre a demora no atendimento dos serviços. Os próprios servidores

entendem que a escassez de recursos (materiais e humanos) a que foram submetidas as

subprefeituras, impede a realização dos serviços de forma satisfatória. E isto é atenuado pela

forma como foram feitos alguns dos contratos de zeladoria. Como podemos observar na fala

do entrevistado abaixo:

Do atendimento da demora né? (...) pro munícipe é agilizar e a única coisa, eu acho o que

tem que fazer é agilizar, resposta. O que tem que fazer é agilizar, ele quer resposta; não quer

saber se foi bem atendido. Pode até reclamar se ele não tiver um atendimento adequado. Ele

quer o problema dele resolvido. Eu vim aqui tratar que eu quero que tire a árvore que está lá

Page 163: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

72

quebrando a minha calçada. Eu vou falar, olha meu senhor, eu não posso atendê-lo agora

porque eu estou sem minha equipe de árvore, não sei o quê. Ele fala, eu não quero saber, tira

a árvore; eu não quero saber se tem dinheiro, se não tem. Ele que ser bem atendido então, o

que você vê? E realmente a questão do atendimento da demanda. Na demora da resposta do

serviço que ele pediu.

Por fim, a sobreposição de informações causadas por interpretações diferentes de leis,

normas e procedimentos sobre um determinado assunto, que só reforçam a imagem que os

munícipes constroem sobre o servidor público, como podemos acompanhar na leitura do

trecho abaixo:

Quando você dá o retorno a pessoa a pessoa fala assim.. Nem acredito que a Sra. me

retornou...Não...eu falei que iria retornar, mas eu já falei com 5 ou 6 setores e ninguém

retorna...

Sabe...? Que elas acham um absurdo quando são bem tratadas. Você entende o que eu

estou dizendo? Porque assim, o serviço no geral; não estou falando da Sé, eu já precisei de

informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava

levando canseira de ligar e não aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7

telefones e eu falando que eu não era a colega e que eu era daqui... Você imagina uma

pessoa de fora o que ela não passa!

É possível observar que a imagem que eles constroem sobre a forma como os

munícipes os percebem tem muita relação com os entraves com os quais eles lidam

cotidianamente e dos quais, talvez pela posição que ocupam, possuem pouca capacidade de

mudança e gerência. Outro fator, que será tratado mais à frente aponta para a maneira como

esses servidores percebem, inclusive, a atuação de alguns de seus colegas de trabalho que, de

muitos modos, reforçam o modo como os munícipes chegam a este perfil de servidor descrito.

Por fim, numa das entrevistas, é possível perceber que a própria atividade de algumas

áreas da Subprefeitura, a de fiscalização, por exemplo, gera um sentimento dual nos

munícipes. Se para uns ela beneficia, é certo também que em alguns casos as pessoas se

prejudicam com sua ação. Em casos como apreensões feitas ao comércio irregular e

ambulante ou o recolhimento de mesa e cadeira costuma gerar desconforto nos que

presenciam. Como podemos notar na fala abaixo:

Page 164: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

73

Agora fiscalização, ninguém gosta não. Porque 90% das vezes que a gente vai, ou 100% das

vezes que a gente vai é provocado por conta de alguma reclamação. Então se a gente vai e

resolve aquela reclamação, que foi provocada por alguém... É, esse alguém pelo menos,

quando é solucionado ele vai ficar satisfeito, mas o cara que tomou intimação e multa, com

certeza não vai ficar. Então há uma dualidade aí...

Outro ator importante na vida dos servidores públicos é a mídia, que perpetua, na

visão deles, o imaginário de alguém que é encostado, preguiçoso e corrupto. Diariamente os

principais jornais, sejam eles rádio, impresso ou televisão, mostram casos em que serviços da

prefeitura foram mal prestados, não realizados e, comumente, denunciam os desvios de

conduta por partes dos servidores, como o pagamento de propinas. Assim, na fala de um dos

entrevistados, a mídia os vê da seguinte forma:

O funcionário público de maneira geral eu não sei, pelo o que eu vejo na mídia... É

tudo vagabundo, né? Não trabalha. Agora se eles viessem aqui vê o que a gente faz, eles não

iriam achar que é assim não.

Ainda, para eles, a mídia não os diferencia, mostrando, por exemplo, casos positivos,

bons serviços prestados etc. Afirmam, ao contrário, que são sempre acusados mesmo antes da

prova cabal; mais à frente, observaremos outro exemplo em que não há a devida diferenciação

sobre quais cargos ou áreas ocupam, tratando todos da mesma forma. Um bom exemplo é

este:

Acabou! Então a mídia, ela tá lá, ela tá lá, para detonar né? Cai lá, falou que é

corrupção, é funcionário público.

Eu acho que a mídia ela pega, É... ela é louca para pegar um caso de corrupção né?

Já para arregaçar, né? E se não for ela já vai dizer que é sim, e depois... É que nem nós

tivemos um caso aqui de um Engenheiro, que saiu no jornal, e que nossa, ele teve problemas

com o filho na escola não sei o quê...Depois foi retratar, saiu um texto! E depois que viram

que o cara não tinha nada com aquilo, eles fizeram uma linhazinha de nada, falando que

aquele caso, não tinha sido daquele jeito. Mas e aí? E a vida do cara?

Page 165: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

74

Podemos observar este caso ilustrativo, no qual um dos sindicatos ligados a prefeitura

resolveu criar uma estrutura interna para lidar com a mídia e todas as acusações às quais eles

são sujeitados. Por exemplo, ao perguntar sobre como eles são vistos pela mídia, a resposta é

taxativa. Para eles todos (a mídia) os vêem como vagabundos.

Todos... E agora que eu estou há ano e meio no sindicato, eu vejo que é uma briga

incomensurável por parte nossa, de tentar mostrar para eles o que o funcionário público,

principalmente o agente vistor, faz. E a própria administração também, quando fala alguma

coisa de corrupção, joga a culpa em cima da fiscalização. E a prova mais concreta disso é

agora na época do Aref, em que o secretário anterior, ele dizia... “Não, nós vamos resolver o

problema da corrupção é implantando o SG), que é um sistema de gerenciamento da

fiscalização”. Só que esse Aref e outros que foram pegos, não têm nada a ver com

fiscalização, são de Aprovação, então a fiscalização sempre foi o bode expiatório.

A Subprefeitura Sé, ao longo dos anos, talvez pela sua posição estratégica e

importância para a cidade, costuma estar presente na mídia para as mais diversas matérias,

sobretudo sobre zeladoria e fiscalização. Ainda, é importante ressaltar os anos 90, na transição

entre Administração Regional e a criação de Subprefeituras. Este período foi marcado por

escândalos que abalaram a confiança da população em relação aos agentes públicos,

sobretudo os das Subprefeituras. A fala da entrevistada é ilustrativa neste sentido:

Mas... É eu vivi aqui na Sé na época do Hanna Gharib, que teve a máfia dos fiscais, a

questão toda... Eu vi funcionário sair daqui de dentro algemado, de camburão, sabe? Foi

uma coisa, assim totalmente constrangedora para a gente, sabe? Amigos de trabalho

chegando e a investigadora na sala... Era na época administrador regional, quando a pessoa

chegava, você falava veio pegar alguém. Entrava na sala do administrador e falava, chama

fulano aqui... O cara entrava na sala e já saía conduzido por ela e ia. Tem funcionário que

ficou dentro do camburão lá, uma hora fora e tal, sabe? A gente viu isso aqui, foi realidade

pra gente, né? Ah, eu ouvi dizer que tem corrupção, não! Nós vimos isso acontecer, né? Os

servidores saírem daqui de dentro dessa maneira e foi uma época muito triste, né? Porque eu

não tinha coragem de falar que eu trabalhava na Subprefeitura da Sé.

Page 166: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

75

Outros atores presente para o servidor são os políticos, entendidos como aqueles que

ocupam os cargos de livre provimento (indicados) e eletivos, como é o caso do prefeito e dos

vereadores. Esses atores são fundamentais porque criam, orientam e acompanham a execução

das leis, programas e projetos que serão executados nos mais diversos setores da

administração municipal, por um período determinado. O que podemos observar é que eles

sentem diferenças entre as diversas administrações (ou grupos políticos que dirigem a cidade).

E esta diferença, no modo como cada grupo trabalha gera diferenças de trato, mas é comum

também a distância entre a realidade e os objetivos entre os eletivos e os servidores de carreira

e a desvalorização dos servidores da casa e as condições de trabalho. E a reclamação comum

é que se voltam os olhares sempre para o externo, sem olhar para o que está dentro, sem

perceber as condições de trabalho às quais estão submetidos os servidores.

Quando alguém parar e realmente sair da sua cadeira e for conhecer cada

subprefeitura e não é... ouvir falar, certo? Quando o Chico levantar da cadeira e for

conhecer cada subprefeitura, talvez caia a ficha dele, porque ele está num, num, num...

prédio, super legal, né?... Ar condicionado moderno, tudo encapetado, elevador que

funciona, né? Ele tem o que... 8 elevadores que funcionam, né? Então, ele está uma

maravilha... Agora a Sé, a gente ainda conseguiu, se manter a trancos e barrancos, porque a

gente tem uma equipe de manutenção ponta firme. E as outras lá? Ele levantou, ele foi vê

como está São Miguel, como é que tá Santana... Então tem que sair e levantar a bundinha da

cadeira ir lá e conhecer, vê como que é que está a situação, talvez de um pouco mais de

valor.

Outro fator comum nessa relação é o sentimento de descontinuidade presente em

alguns momentos. Pelo fato de não haver conversas e escuta sobre o que já foi realizado, os

servidores apontam que os gestores não os escutam, afirmando, por exemplo, como no

exemplo abaixo, que cada um imprime seu estilo e projetos, ignorando, na maior parte das

vezes, o que já havia sido realizado. Ou mesmo não os consultam para fazer uma avaliação ou

pensar sobre possibilidades a serem consideradas antes da execução.

Se eles percebem... Não! Eles só percebem quando eles precisam de alguma coisa.

Aí, eles lembram que a gente existe, caso contrário eles não percebem e uma das coisas que

eu fico ... né? E a cada mudança do governo eu fico muito brava, porque são pessoas novas

Page 167: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

76

que vêm e não ouvem as pessoas que já estão na casa. Então vem com ideias novas e

atropelam aquelas que já estão dando certo. Ninguém senta para perguntar... Olha o que está

dando certo? Olha está dando certo, assim, assim e assado, feito. Então isso nós vamos

manter, vamos fazer algumas modificações, porque não é essa minha proposta de gerência,

mas vamos fazer pequenas modificações...Mas vamos fazer dar certo, tá?...Não, já chega já

passando o trator derruba e não valoriza quem já está na casa. E Isso eu falo para todo

mundoooo...O Marcus fez isso certo? Ahn ... Nevoral fez isso, Dra Andrea fez isso. Todo

mundo faz! (...)

É do meu jeito! Então você para tudo do que estava funcionando e começa de novo. E

quando a coisa começa a dar certo...Muda de novo porque já deu os 4 anos. Vereador só

lembra dos servidores quando a gente vai bater na porta deles, apitar, fazer apitar ou fazer

bater porta de panela, ou quando eles precisam de alguma coisa.

Outro comentário muito presente nos discursos refere-se à ocupação dos cargos

estratégicos por parte das nomeações políticas que o executivo promove. Para alguns elas

ocorrem justamente porque se trata de cargos de extrema confiança, na qual o Subprefeito

responderá em última instância (política ou juridicamente) pelos atos dos mesmos, portanto, o

que justifica sua escolha e seus critérios. Para outros, estas nomeações, promovidas em alguns

casos, sem que o ocupante tenha o conhecimento ou experiência que eles julgam necessário, é

que fazem existir este sentimento de desconfiança e desvalorização. Além disso, observa-se

durante as falas que o fato de as Subprefeituras serem moeda de troca para a base governista,

só ratifica esse sentimento de loteamento e manipulação que sentem em relação à

Subprefeitura, como observa um entrevistado ao afirmar:

Eles não privilegiam o cara que já está lá e tem o conhecimento. Eles privilegiam os

caras que vêm de fora (risos), entendeu? É, mas isso tudo é uma configuração que existe é...

Por conta de todos os partidos e... na minha opinião também não é errado. Se eu fosse chefe

de alguém desconhecido, eu iria levar o pessoal da minha confiança também, que aí eu sei o

que vai acontecer, não preciso ficar com os olhos grudados o tempo todo, já que a pessoa é

de minha confiança.

Em outras palavras, esse loteamento ou apadrinhamento e as trocas constantes sempre

que chegam novos quadros trazidos pelo executivo geram desconforto e necessidade de

Page 168: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

77

proteção entre eles. Criam, então, estratégias para lidar com esses servidores nomeados pelo

executivo, como podemos ver na fala abaixo:

Quem tá na casa não presta, então eu só vou ouvir os meus (--), quem eu trouxe, esses

são da minha confiança, porque toda vez que muda a gente se arma. Porque a gente sabe que

vem paulada. Então a gente já se arma... E facas e dentes e vamos que vamos, porque se

gritar... Pera aí, neguinho, tu tá chegando agora, nós já estamos aqui então não adianta

dizer que você vai por uma escada rolante de lá até o quinto andar, que você não vai dá... É,

é por isso, entendeu? Ninguém ouve a gente.

A relação entre esses dois grupos (livre nomeação e carreira) em muitos momentos é

marcada por uma intensa demarcação de posição e tensão. Como vimos na fala acima, os

servidores de carreira criam estratégias para lidar com o Executivo e sua equipe. Mas há

outros elementos que tornam essa relação ainda mais tensa. Por exemplo, nos períodos de

transição, são os servidores de carreiras que fazem esse processo transitório e, portanto,

repassam informações para os novos ocupantes dos postos de trabalho. A insegurança

presente neste processo, a lentidão burocrática, aliada ao histórico que o local por ventura

carrega como ponto de corrupção e incapacidade reforça ainda mais esta dificuldade. Um caso

ilustrativo segue abaixo:

Nós tivemos gestões que o chefe de gabinete falava para a gente, aqui só tem bandido

e vagabundo. Você entendeu? Por quê? Porque foi depois do que aconteceu. Por que...

Porque eu vou falar para você, que não é assim que funciona, ah tá... Mas sabe, a gente tem

que ouvir isso na cara? Tirar a gente por todos, né? Tirar a gente por todos pelo que

aconteceu, né? A gente passou isso!

Para os servidores de carreira a imagem que vêem representada melhorou nos últimos

anos, sendo capazes, inclusive nos dias de hoje, de afirmarem que são servidores públicos,

justamente porque trabalham muito, por exemplo. Por outro lado, ainda sentem que a mídia

perpetua a imagem do servidor de carreira aproveitador, preguiçoso e interesseiro, quando não

corrupto, como observaremos na análise posterior. Os políticos, como observamos, têm

mantido uma relação de dificuldade, sobretudo nos períodos de transição, pois sempre que se

Page 169: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

78

muda a gestão, grande parte das equipes sofre alterações. Evidentemente, isto tem impacto

direto na forma como o munícipe vai receber e perceber o serviço.

4.2 Como os funcionários públicos se percebem

Outro aspecto da análise que faremos dos funcionários públicos é compreender a

forma como se percebem no espaço de trabalho e quais estratégias constroem para realizarem

suas tarefas e enfrentar as demais adversidades presentes. Isto inclui compreender a percepção

que fazem dos outros servidores, quais são as ações que reafirmam ou desconstroem esta

imagem e quais as consequências que isto traz para o trabalho.

Como podemos observar durante as entrevistas, são muitos fatores que permeiam a

imagem que eles fazem sobre si. A falta de um plano de carreira, a presença de servidores

“corruptos” e “preguiçosos” e que justificam a criação, por parte dos munícipes, da figura

caricatural presente nos programas humorísticos são alguns dos ingredientes desse ambiente.

Mas, além deles, o sucateamento do ambiente de trabalho, a morosidade e/ou a inexistência de

acompanhamento, disciplina e punição, a falta de critérios nas escolhas e nas promoções dos

servidores são outros fatores presentes e perceptíveis nas falas dos entrevistados.

Para compreender este cenário, é preciso analisar a forma como os funcionários

compreendem seu papel e isto é importante, pois, como veremos, esta imagem ajudará a

separar aqueles bons servidores dos outros. Os entrevistados de maneira geral compreendem o

servidor público como aquele que está ali para atender o munícipe com zelo e decência. Nas

palavras de uma entrevistada “é aquele que cuida de toda necessidade que a população tem,

ou seja, resolve os problemas que eles te trazem”. Entre os entrevistados, grande parte deles

encontrou na carreira pública uma forma de melhorar e contribuir para a gestão da cidade e,

por conseguinte, na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como afirma outra

entrevistada “o funcionário é aquele grande sonhador, que a gente acha que a gente vai

prestar o concurso e a gente vai passar e que a gente vai poder ajudar a cidade a melhorar, a

crescer desenvolver”.

Para eles, os maus exemplos de servidores públicos são maioria no ambiente de

trabalho, sendo em todas as entrevistas, superiores aos quinze por cento, quando questionado

o percentual de péssimos servidores. Consideram maus servidores quem perpetua a imagem

Page 170: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

79

preconceituosa existente no imaginário da mídia e dos munícipes. O relato da entrevistada é

esclarecedor sobre como existe essa divisão entre os servidores, quando diz que os que

trabalham e os outros “que levam nome e falam, eles falam que não trabalham mesmo, então

vamos lá... Tem outros que viram e falam, olha eu sou funcionário publico, filha, você quer

que eu trabalhe?”

A consequência deste comportamento apresentado, ou seja, de que por ser servidor

público não se trabalha mesmo tem parte da sua origem na falta de acompanhamento das

chefias imediatas. Falaremos mais detidamente sobre isto posteriormente, mas é importante

ressaltar que este comportamento vai impactar o trabalho dos demais. Um dos

comportamentos comuns percebido é descrito na fala abaixo:

Então aquele que deveria estar fazendo nove horas de serviço com uma hora de

almoço, ou seja, oito horas de trabalho. É, ele entra pela catraca, certo? Passa lá, existe uma

possibilidade de a gente pedir um relatório, de todo mundo que entra, com um horário que

entrou bonitinho... Ele sobe, não sei se assina ponto, quando você vê, o neguinho está na

praça de atendimento e vai embora. Ou seja, ele ficou aqui exatos 10 minutos que foi o tempo

dele pegar o elevador, subir na sessão, fazer um auê, para todo mundo ver e, ó, tô indo ali na

esquina. Ó, e você só vai vê-lo amanhã.

Ainda é possível observar que a falta de critério e a diferença de tratamento entre as

chefias imediatas reforçam a imagem do servidor que não trabalha ou que vem quando deseja

e conta, neste caso, com a complacência dos demais. E, ainda, é o beneficiário de certas

regalias, por exemplo, de horas complementares. Assim o servidor considerado correto

assume responsabilidades alheias e tem um tratamento considerado desigual, como aponta a

fala abaixo:

Aí você vira e fala, poxa vida, você não pode faltar, você tem que me trazer um

atestado médico ali. Tô te dando um exemplo, você tem que trazer um atestado médico, se

você não trazer, eu vou ter que corta seu ponto...Então você fala, poxa vida, o fulano não vem

a semana inteira trabalhar e ainda ganha horas complementares, então como é que faço?

Page 171: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

80

Este processo demonstra como os privilégios que alguns detêm sobre outros terão forte

impacto no ambiente de trabalho e também no externo, já que os considerados certinhos não

são promovidos ou reconhecidos pela própria administração pública nem pelos atores

externos, sobretudo a mídia. Neste sentido a fala de uma das entrevistadas é ilustrativa:

Olha, é bem o Mendonça mesmo! O Lineu é o que quer as coisas tudo certinho, que

piriri, papapá...! E que nunca é promovido... E o Mendonça que faz, faz o auê, faz a meia

onda por ali e acaba sendo promovido e isso é uma das coisas que você sempre vai ouvir por

aqui é assim... Quem faz merda, cai pra cima, quem anda certinho cai para baixo, né? E a

mídia acaba contemplando isso, né? Você vê, eles sempre falam do fiscal que deixou a obra

cair, e que embargou e sumiu e o outro que leva propina não sei de onde, piriri, papapá...

Mas eles não procuram um servidor, né, que fez a coisa certinha, bonitinha, que embargou a

obra, que deu sequência naquilo (...).

Por fim, outra fala ilustrativa neste sentido é observada ao dizer que o serviço público

no geral tem essa característica de pouco compromisso e desinteresse dos seus servidores.

Porque assim, o serviço no geral; Não estou falando da Sé, eu já precisei de

informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava

levando canseira de ligar e não é aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7

telefones e eu falando que eu era colega e que eu era daqui... Você imagina uma pessoa de

fora o que ela não passa!

Outro tema presente é a corrupção. Para todos eles é inegável a presença de corruptos

nas subprefeituras, que ocorre justamente por estar próxima ao cidadão, como aponta a fala da

entrevistada “a corrupção vamos dizer assim. Entendeu? É o local que faz o quê? Que

fiscaliza, que tem obra...”. Ou seja, é lá que a maioria das permissões é dada para a realização

de serviços por parte dos munícipes.

Para eles, o não acompanhamento e a própria morosidade nas investigações e sanções,

são responsáveis diretas. Para se ter ideia, nos últimos dez anos, apenas duas pessoas foram

exoneradas do serviço público na Subprefeitura. A maior parte, ao saber que o processo está

em curso, antecipa a saída e, com isso, o processo tende a não ter continuidade ou perder

força ao longo do tempo. Atrelado a esta condição, os baixos salários estimulam estes

Page 172: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

81

acontecimentos. É o que diz uma das entrevistadas ao afirmar, por exemplo, que acaba sendo

quase natural que, devido os custos de vida, alguns se entreguem ao suborno.

Você não tem um salário digno, que está aí fora no mercado, olha meu filho, se você

me oferece uma graninha por baixo... É obvio que todo mundo vai aceitar e você pode ver

que a grande parte, aonde, acontece os subornos, são aqueles que são ligados diretamente à

população! Então você tem os dinheiros, você tem os fiscais, você tem as pessoas que estão

de frente com a população...

Outro problema evidenciado nas entrevistas é a falta de um plano de carreira na

prefeitura, que vai culminar nas enormes disparidades salariais existentes e, na maioria dos

casos, fará com que estas diferenças de formação e valorização não sejam contempladas,

pareçam inexistentes, como afirma uma das entrevistadas ao dizer “a subida na carreira

também não significa muito! Determinados cargos, assim 50 a 80 reais a mais”. Assumir

mais responsabilidades ou ter formação superior, neste contexto significa muito pouco, como

observa “você não tem progressão, progressão, mesmo na carreira, você não tem um salário

digno”. Portanto, assumir cargos de maiores responsabilidades em relação ao anterior não traz

ganhos salariais compatíveis às novas responsabilidades na visão deles.

Ainda no que se refere ao sentimento de desvalorização atrelado à falta de uma

política salarial é possível observar que nos últimos anos o orçamento anual da Prefeitura

aumentou progressivamente, mas isto não significou para os servidores qualquer aumento real

e significativo. Na fala de uma das entrevistadas é possível ter esta percepção quando diz

sobre o aumento de 0,01%, realizado há alguns anos atrás: “chegava a ser humilhante um

aumento desses, pra que publicar? Pra que dar esse aumento?”. E, mais ainda, têm clareza

de que não existe progressão na carreira desestimulando a maior parte em se capacitar, por

exemplo.

As condições nas quais os servidores realizam seu trabalho também influenciam a

forma como se sentem e aumentam esse sentimento de desvalorização e impotência à qual

estão sujeitos. Se existem os servidores que não atendem as expectativas esperadas de sua

função, também é notório, para eles, que existem situações nas quais o serviço não pode ser

realizado por falta de recursos materiais e financeiros. Os recursos nas Subprefeituras nos

últimos anos diminuíram e, consequentemente, a capacidade de atender as solicitações de

forma mais rápida e efetiva também. Assim, pequenos reparos são feitos de forma

Page 173: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

82

improvisada ou com extrema lentidão, expondo ainda mais a imagem negativa da

subprefeitura. A fala é ilustrativa:

Se você vê aí, o outro dia, por exemplo, a gente precisou fazer aí duas ou três vias da

Brigadeiro Luiz Antonio que o cara quebrou para fazer um rebaixamento para entrar o

carro, e a gente aciona o pessoal de obra para fazer isso. O cara ficou um mês ou dois sem

poder ir porque não tinha saco de cimento. Então precisa ter a vontade e ter os argumentos,

né?

Evidentemente, este sentimento de desvalorização também está relacionado às

condições do trabalho. Para dar uma ideia sobre isto, a Praça de Atendimento da

Subprefeitura Sé, passou por um longo período, aproximadamente cinco meses, sem material

básico necessário ao trabalho, como clips, para manter as folhas de um processo unidas. Ou,

como ainda é possível presenciar, cadeiras quebradas, seja roda solta, encostos desajustados e

assim por diante. Não se compram materiais permanentes, ao menos nas Subprefeituras, desde

2010. Numa das entrevistas estas condições estão apontadas:

Olha, nós estamos largado ao relento. Você vê corte de orçamento? O Haddad

começou cortando, congelando todo o orçamento. E aí sai aos pingos, ou seja, tudo que

estava programado foi engavetado, tem que se começar do zero. A gente não tem dinheiro

para nada. Quando aparece alguma coisa, sai todo mundo estapeando, porque o meu é

prioritário, o meu é prioritário.

(...) e aqui dentro acaba ficando a Deus dará... Nós não temos dinheiro para comprar

telefone, nós não temos dinheiro para comprar mesa e nós estamos nessa situação... Já em

2010 a gente vinha sofrendo essa situação, a gente vinha solicitando melhorias internas, tá?

Você tem que concordar comigo, quando você tem um ambiente bom de trabalho, você

trabalha com pique, certo?

O que podemos perceber é que existe uma relação intrínseca entre a representação que

eles fazem de si mesmos, com aquelas que são representadas pelos outros atores; munícipes,

imprensa e políticos. Em parte, esta imagem se constrói e é reforçada pelas condições

Page 174: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

83

adversas de trabalho, pela escassez de recursos de toda natureza e por não haver, por parte do

Executivo, um investimento objetivo para modernizar a gestão.

4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura

Vimos até o momento como os servidores públicos se percebem em duas

perspectivas: como são vistos de fora e como eles mesmo se vêem e isto tem impacto na

forma como o trabalho se organiza e se realiza. Evidentemente, as condições a que estão

submetidos facilita ou dificulta a realização do trabalho e é sobre esta perspectiva que faremos

a análise.

Primeiro, é preciso compreender como estes servidores entendem o papel da

Subprefeitura, como eles a definem e entendem sua importância para a municipalidade. Como

pudemos observar, a atribuição de serviços de zeladoria e as autorizações para a realização de

obras e serviços passam necessariamente por elas e, portanto, a aproximam dos munícipes.

Mas não é só isto que a define e os motivos por quais elas foram criadas. A ideia da

descentralização carrega em si o anseio de um governo participativo, próximo e ágil, como

poderemos observar na fala da entrevistada:

Quando ela foi criada, ela foi criada com uma boa ideia, é de descentralizar todo o

poder... Que é o que a atual administração está tentando fazer, é trazer de volta que é a

descentralização e acho que fica mais fácil para o Munícipe chegar, aonde ele pode cobrar

suas reedificações. E tem que ser assim, se você tem só um órgão para atender toda uma

cidade, fica difícil essas demandas serem atendidas com certa rapidez, né? Agora se você tem

vários órgãos para atender uma população menor, acho que o atendimento fica mais rápido

e até corpo a corpo. Se você está na subprefeitura Sé e vem o cara aqui, da Aclimação

reclamar aqui com você, você já esta mantendo... Você já é vizinho dele praticamente. Agora

se ele vem de lá e tem que vir aqui no palácio do governo, já é uma distância maior. Não

geográfica, mas a nível de hierarquia. Você não consegue chegar ao prefeito. Você chega aos

assessores só, mas se você chegar.

Page 175: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

84

Porém, é claro que o papel das Subprefeituras ao longo dos anos foi perdendo seu

objetivo principal de organização e articulação territorial, de mediador de disputas e promotor

do desenvolvimento, sobretudo as populações mais vulneráveis, para se tornar um órgão de

zeladoria com serviços pontuais e limitados. O reordenamento dos últimos anos, com a

supressão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além das coordenadorias, só

diminuiu a autonomia e a capacidade real de intervenção, como podemos observar abaixo:

Era legal para caramba! Porque se sentava todo mundo. Educação, saúde, assistência

social, esportes, cultura... Sentávamos todos e discutimos o que seria bom, para subprefeitura

da Sé como um todo. O que é bom para o Centro, não é bom para o Cambuci, como não é

bom para o Bom Retiro. Então se ouvia todas as áreas, o social como sempre esteve em

todas... A educação e a saúde eram muito ouvidas e a gente direcionava planos de atuação e

de melhorias para esses distritos. Então, a subprefeituras para mim, na verdade era uma mini

prefeitura, um mini gabinete do prefeito, onde a gente podia decidir para o bem da

população.

Essas supressões fizeram com que ações prioritárias locais fossem remetidas às

secretarias. O papel reduziu-se a participar da logística, quase sempre, limpeza e remoção de

objetivos em vias públicas. Como exemplo, podemos observar as ações realizadas na região

da Luz, conhecida como Cracolândia. Estas aconteceram de forma pontual, coordenada por

alguma secretaria e à Subprefeitura coube o papel de limpeza, remoção de barracos e

interdição de imóveis. Não é preciso dizer que ações pontuais como estas têm efeito de curto

prazo e rapidamente a situação volta ao que era. O envolvimento dos atores locais, o papel da

PM e da GCM e as ações posteriores necessárias à manutenção da área não são gerenciados

por quem teria capacidade e atribuição legal para aproximar atores locais. A fala abaixo é

expressiva neste sentido:

Qual é o poder de decisão que a gente tem hoje? De definir aqui para nós que seria

melhor a gente... Ter uma atuação mais presente, tá discutindo com os moradores, os

comerciantes da Cracolândia... Estar ouvindo pessoal que está ali na Cracolândia... O que

seria melhor para gente estar revitalizando naquela? Hoje a gente tem apenas assim, limpa!

A PM está lá, a GCM está lá, a Saúde faz uma açãozinha aqui e outra por lá(...)

Page 176: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

85

Outra consequência está relacionada ao não investimento na gestão das

Subprefeituras, com forte impacto sobre o trabalho. Apontamos anteriormente as condições

das instalações das Subprefeituras, precárias e prejudiciais à produção e à qualidade do

trabalho. Assim, a própria capacidade de criação, renovação e ação das subprefeituras foi

atingida profundamente, pois se perdeu a capacidade de dar respostas adequadas às

solicitações dos munícipes. Faltam desde materiais considerados simples até os mais

complexos, sem os quais não é possível precisar o impacto de um vazamento de água e que

pode fazer desmoronar casas. A ausência desses equipamentos de avaliação, por exemplo,

pode atenuar o problema. Esta precariedade é apontada na fala da entrevistada:

Agora, quando você não tem as condições... Você vem empurrando, você caba não

conservando. Ah, para que eu vou conservar essa mesa, se ela já está toda arrebentada? Eu

acabo ajudando arrebentar, né? Terminar de arrebentar o bicho né? Então, para mim

esqueceram que a gente tem funções, que a gente tem atividades a serem desenvolvidas, não

só internamente, como externamente, nós estamos relegados ao segundo plano.

Outro ponto do problema é a gestão dos recursos humanos. O primeiro impacto se

refere diretamente à incapacidade em monitorar projetos e obras, a fiscalizar os serviços das

terceirizadas ou mesmo o trabalho de seus servidores. A consequência disto são os

incontáveis casos de corrupção apontados cotidianamente nas subprefeituras ou a ausência

delas com relação às denúncias feitas pelos munícipes. Esta desfuncionalidade é uma das vias

que vai gerar no munícipe a percepção de morosidade e incapacidade da prefeitura. O

segundo impacto se refere à falta de política de recursos humanos, atuando sobre a reposição

de quadros técnicos. Estudos realizados pela área de recursos humanos da subprefeitura

apontam que, em 2014, aproximadamente 150 servidores poderão entrar com o pedido de

aposentadoria, diminuindo em até 30% o atual quadro de servidores. Profissionais como

Engenheiros, Arquitetos e outros técnicos de qualificação especializada importante para as

Subprefeituras estão em falta e muitos próximos da aposentadoria. Já dissemos anteriormente

que muitos quadros deixaram o serviço público atraído por melhores condições na iniciativa

privada, atenuando o problema. Outro exemplo é possível observar na área de fiscalização,

onde anualmente há decréscimo de servidores, enquanto os serviços aumentam.

Page 177: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

86

Muita gente, é que dos 1200 agentes vistores, vamos colocar uns 400 na ativa, faltam

uns 800 servidores. Isso porque, esses 1200, vêm desde o ano de 86 (...) e a cidade espichou,

cresceu verticalmente, horizontalmente, os problemas aumentaram e vamos falar por década

e cada década aparecem coisas novas. Hoje o que está ai é pancadão entre outras coisas, né?

E o número de fiscal, de agente vistor fica reduzido.

Durante a análise que fizemos anteriormente pudemos observar dois grupos distintos

de servidores públicos: aqueles que são considerados trabalhadores e toda a outra gama, que

inclui preguiçosos, folgados, corruptos etc. A existência deste segundo grupo deve-se, em

parte, porque não há um acompanhamento das chefias imediatas e, por isso o servidor, nas

palavras de uma entrevistada “se conforma como as coisas estão e, portanto, se contenta com

o que recebe no final do mês. A pessoa não produz, acha que está fazendo um favor. Isto tem

um impacto negativo no trabalho.”. Ou como observa outra entrevistada sobre a

complacência com os desvios “Aí eu já vou incorporar, aí você vai ser o chefe entendeu?

Então vamos lá, eu não estou sabendo de nada! Não estou sabendo de nada!”.

A fala acima mostra duas questões importantes: uma delas se refere justamente à

política de ocupação de cargos de chefia. Como existe na prefeitura a incorporação da

gratificação paga pelo DAS (Direção e Assessoramento Superior) após cinco anos, é comum a

troca dos cargos de chefia entre os membros da áreas. Essa troca é uma das permissionárias

dos desvios de conduta existentes entre os servidores para que possam fazer seus horários

especiais, acumular outros serviços, fazer uso abusivo da máquina pública, ou seja, usar o

carro para serviços particulares, fazer ligações interurbanas com o celular e mesmo fazer vista

grossa sobre propinas. A outra se refere à morosidade, como já apontada, na conclusão de

processos administrativos. Um exemplo é o caso de dois servidores investigados pela CGM

(Controladoria Geral do Município) presos em flagrante. Os mesmos voltaram às suas

funções até que a prefeitura conclua o processo de exoneração, sem previsão de data.

Por fim, entre suprir uma dada unidade e o investimento necessário para uma praça,

acaba-se, quase sempre, fazendo a escolha pela segunda, por se considerarem os impactos

políticos. É evidente que o trabalho do servidor tem como finalidade o munícipe, mas essa

orientação por “abandonar” a subprefeitura como órgão importante fez com o problema se

atenuasse.

Outro problema está relacionado à distancia estabelecida entre o Legislativo,

Executivo e os servidores das Subprefeituras. Primeiro, porque muitas leis são criadas sem

Page 178: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

87

que se efetive uma estrutura para que ela possa de fato “pegar”. A segunda questão se refere

ao fato de que muitas leis não consideram pontos importantes dos quais os agentes vistores,

aqueles que estão nas ruas, poderiam opinar e aprimorar os processos. E terceiro, refere-se à

ingerência promovida pelo legislativo. Os vereadores pressionam as subprefeituras para a

realização de determinados serviços (pular a fila), para benefício de suas bases eleitorais ou

pedem a retificação de multas, de processos ou literalmente fazem vista grossa sobre

determinadas inconformidades. A fala abaixo demonstra a ingerência e a dificuldade sobre a

aplicação de certas leis, como podemos ver:

Então era melhor você intimar e esperar o cara se regularizar, ou você multar o cara

e esperar ele se regularizar? Primeiro o cara não tem grana para pagar a multa, se ele paga

a multa não sobra a grana para ele fazer a calçada, então é esse tipo de lei que fica meio

confusa. Tanto fica confusa para a população, pra gente que em Pirituba ocorreu o episódio

bem interessante. Se eu não me engano foi a Globo que reclamou de uma, de um local, que

tinha um degrau na calçada, só que a rua era assim... Era declínio, ai o agente vistor de

Pirituba foi lá e falou, mas poxa, eu vou multar um cara só, se a rua toda está assim? Aí ela

começou, né? Aí tem um vereador que é coligado a vocês e falou. Pô, mas isso aqui é um

absurdo. Vocês estão querendo ferrar tudo aqui, porque essa lei está errada e ele próprio

não tinha conhecimento da lei, apesar de ele ter assinado, e que era uma lei que todos os

vereadores assinaram.

Como podemos observar, as funcionalidades e desfuncionalidades da Subprefeitura

estão relacionadas ao fato de que elas, ao serem deixadas como projeto prioritário do

Executivo, com constantes mudanças ao longo do tempo, tornaram-na um espaço para que se

estabelecessem certas anomalias apontadas ao longo da análise pelos servidores, sendo as

principais: uso indevido da máquina pública, suborno, sucateamento do próprio e escassez dos

mais diversos recursos. Entre os impactos mais sentidos estão a desvalorização do trabalho

funcional e, sobretudo, a qualidade e a capacidade de execução dos serviços para os

munícipes.

Page 179: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

88

5. Considerações Finais

Como vimos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de criação de instâncias de

governos locais ao final dos anos sessenta, com o intuito de atender mais rapidamente a

população. Seu papel principal era a realização de serviços de zeladoria, dentre eles: poda,

remoção e limpeza de rua. Evidentemente, esse processo de criação acompanhou o

crescimento da cidade, tendo aumentado o número desta instância ao longo dos anos, porém,

isto não trazia consigo o debate sobre descentralização administrativa.

Assim, nos anos oitenta, por conta dos anseios da descentralização advindos da

redemocratização, projetos de governos locais ganhariam força e, instituído no artigo 77° da

Lei Orgânica do Município, nascia o projeto de Subprefeituras cujos objetivos principais eram

desenvolvimento local e fortalecimento dos canais de participação.

Porém, ao longo de sua existência, as Subprefeituras, ou as antigas Administrações

Regionais passaram por alguns períodos importantes e que impactam diretamente na forma

como o servidor criou a representação social detalhada nas análises das entrevistas.

Primeiro, refere-se aos anos noventa, quando a então prefeita Luiza Erundina (PT),

reorienta a organização geográfica e inicia o processo de descentralização. Esse período foi

marcado por intensas disputas, mas aqui vale ressaltar que elas passam a ter nova importância

no mapa político; por conta da derrota do candidato à sucessão, o projeto se interrompe.

Segundo, refere-se ao período Maluf-Pitta (PPB), com oito anos de gestão, nos quais

se destacam dois processos importantes: o engavetamento do projeto de criação das

Subprefeituras (encaminhado pela prefeita anterior) e o uso das mesmas como barganha para

a coalizão de governo, ou seja, como moeda de troca para manter a base governista. Neste

período também, sobretudo na gestão Pitta, eclodiram os maiores escândalos envolvendo as

Subprefeituras, sendo a máfia dos fiscais a mais conhecida. Este período será importante,

porque dará novamente força à recuperação do projeto de Subprefeitura.

Após esse período, vem Marta Suplicy (PT) e implanta as Subprefeituras, cria as

coordenações de Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde e Educação, redistribui

o orçamento e inicia o processo de criação do Conselho Participativo. Evidentemente, o

processo demorou e contou com enormes entraves, dentre eles a dificuldade das Secretarias

em ceder recursos humanos e materiais e o orçamento. Imposta a derrota, novamente as

Subprefeituras passam por nova orientação.

Page 180: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

89

Com José Serra (PSDB), as Subprefeituras são reordenadas e as secretarias retomam

as coordenadorias, iniciando um processo de centralização e perda de poder. Também é um

período nos quais os Subprefeitos ex-prefeitos do interior sem mandatos (e candidatos

derrotados), ligados, evidentemente, ao prefeito. Ainda que tivessem experiência política,

essas pessoas não necessariamente conheciam as regiões das quais eram representantes no

Executivo.

Por fim, Gilberto Kassab (DEM) assume e inicia um processo de centralização

financeira, concentrando os recursos para a Secretaria de Subprefeitura e iniciando uma

gestão menos participativa, comandada por coronéis reformados. O prestígio que as

Subprefeituras tiveram num curto período decreta-se aqui. A linha dura e conservadora de

alguns coronéis impactou profundamente os canais de diálogos com os munícipes e grupos da

sociedade civil.

Relembramos estes apontamentos porque causam profundo impacto sobre a

representação que o servidor público na Sé constrói em relação à forma como é visto e como

se vê e, consequentemente, como podemos observar as funcionalidades e desfuncionalidades

presentes neste processo. Em grande parte, porque, para cada gestão as Subprefeituras têm um

valor diferente. Se com algumas ganham mais poder e autonomia, com outras o processo

contrário se aplica. Se algumas gestões aspiraram a ter um papel de desenvolver as

potencialidades locais, outras reafirmam o papel de mera zeladoria.

Na análise das entrevistas, os servidores captam como são vistos de fora, de forma

parecida com os velhos jargões existentes em relação a eles e difundidos na mídia e, também,

a forma como eles vêem parte do grupo de servidores, e como se relacionam com estes

estereótipos.

Em relação à forma como são vistos, é possível perceber uma imagem negativa, de um

servidor pouco interessado no trabalho. Ainda que não tenham dito nomes como Barnabés ou

expressões como “marajás” ou “aspones”, expressões chulas que definem servidores como

preguiçosos, fica evidente, para eles, durante as entrevistas, algumas destas características.

Palavras como encostados, molengas, descompromissados, dentre outras, mostram claramente

este ponto. Em parte, essa imagem é reforçada pela morosidade da máquina pública em

responder às solicitações e pelo desconhecimento sobre como se organiza a gestão pública.

De um lado estão aqueles para quem a burocracia precisa ser obedecida e, de outro, aqueles

cujas necessidades são quase sempre urgentes. A escassez de recursos aliada à depreciação

que sofreram as Subprefeituras só trabalhou para reforçar essa imagem, como vimos em falas

Page 181: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

90

sobre a falta do mínimo necessário para atender uma demanda. Um adendo importante é que a

falta de clareza sobre o passo a passo de certos procedimentos e a não explicitação dos

mesmos para o público fazem parte deste processo de construção. Ou seja, existe uma cultura

estabelecida dentro das repartições públicas: a necessidade em dificultar o acesso a certas

informações. Para muitos, o acesso imprime mais trabalho e se torna perigoso para alguns

casos. Um exemplo para ilustrar é o uso de áreas públicas. Qualquer cidadão tem direito a

requerer o uso de uma área pública para os mais diversos usos e, embora existam leis que

regulem, não há critérios objetivos para que escolha seja feita. E, dependendo do tipo de uso,

há um processo enorme a ser percorrido. Por fim, ainda dentro disto, os prazos entre a entrada

do pedido e o deferimento ou indeferimento podem levar mais de cinco anos.

A mídia tem um papel importante neste processo de construção e reforço da imagem

negativa do servidor público. O uso calculado de imagem, reportagens, textos, discursos

eufêmicos entre outros recursos associa os mesmos à corrupção, abuso de poder e negligência.

É comum serem associados à morosidade e à demora em oferecer respostas. Como é possível

ver nos telejornais e nas rádios, o problema está sempre associado à demora da prefeitura em

responder àquela demanda, quer se trate de buraco na calçada, praça mal conservada etc.

Os políticos também têm uma imagem parecida com a da mídia e dos munícipes,

quando afirmam que, se fossem os Subprefeitos, também trariam seus homens de confiança

para o trabalho. Estes servidores determinam pouco e estão completamente assujeitados,

exceção àqueles apadrinhados por políticos (durante certo período no qual seu vereador é da

base governista) e às intempéries das mudanças de gestor e de gestão. Em relação ainda aos

políticos, é possível compreender um sentimento de manipulação, poder e ingerência. Para

eles as escolhas nos quadros técnicos respondem a interesses pessoais (as suas bases políticas)

e partidários e, também a realização dos serviços obedece em primeira ordem à determinação

destes.

Quanto à forma como eles se percebem há algumas contradições interessantes. Os

servidores separam dois grupos distintos de trabalhadores: aqueles que entendem os motivos

por estarem ali e a quem servem (em referência aos munícipes) e, outro grupo, o oposto,

aqueles que se beneficiam da máquina pública de diversas maneiras. No primeiro grupo, onde

se encaixaram todos os entrevistados, estão aqueles que trabalham, são honestos, cumprem a

carga diária e trabalham pelos outros. Entre os demais estão os que se beneficiam da máquina

pública; são aqueles descritos da mesma forma que a mídia e os munícipes retratam. A

contradição é esta: por um lado eles entendem serem equivocadas as imagens que a mídia e o

Page 182: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

91

munícipe constroem da gestão, por outro, eles mesmos são capazes de enxergar este tipo de

servidor.

A existência de privilégios de uns sobre outros e os pactos velados que se

estabeleceram nas equipes são os principais motivadores disto. A presença destes impacta

diretamente na implantação de mudanças gerenciais porque geram fortes resistências. Os

servidores sentem-se pouco valorizados pela gestão e sabem, porque viram ao longo dos anos,

que não há sinais de mudanças.

O que queremos apontar com isso é que as condições nas quais o trabalho dos

servidores se realiza encontram muitas barreiras, que vão além da escassez. As condições a

que foram impostas as Subprefeituras, no sentido de perder a capacidade gerencial sobre seu

território, os fazem perceberem-se impotentes. O papel das Subprefeituras nas reintegrações

de posse limita-se a acompanhar a Polícia Militar e a promover o emparedamento do local. A

Subprefeitura não pode, sequer, cadastrar famílias nos programas de benefícios. Essa

dependência de outras secretarias tem impacto extremamente negativo. Pode ser que as

famílias fiquem literalmente na rua, o que causa forte impacto no emocional dos servidores.

Outro fator importante refere-se ao que se propõe uma Subprefeitura. As mudanças

ocorridas ao longo do tempo apontam que seu papel estratégico de mediador e coordenador de

desenvolvimento local é impreciso e vago. Não há o menor movimento nos últimos anos que

caminhe neste sentido. As ações estratégicas foram tiradas das Subprefeituras e a demanda de

serviço não vem acompanhada de recursos humanos, o que atenua a demora e, inclusive, a

não realização do serviço. Por exemplo, a ida de alguns serviços para as Subprefeituras nem

sempre é acompanhada da estrutura necessária para a realização.

É preciso reafirmar que não se trata de um discurso fatalista, que não prevê soluções

para as Subprefeituras. O importante é atuar em frentes distintas, para que se possa reconstruir

o papel das Subprefeituras e a representação presente nos tempos atuais.

Nossa análise procura apontar para a necessidade de rever a política de recursos

humanos e aperfeiçoar as formas de acompanhamento do serviço, como já apontamos

anteriormente. Evidentemente, isto precisa vir acompanhado de recursos humanos, materiais e

financeiros, para que o serviço possa ser realizado dentro das conformidades: tempo, prazo e

qualidade. E, isto passa também por reconsiderar a descentralização como um projeto político,

retomando-o e fortalecendo esta instância de governo.

Construir processos de escuta e considerar os servidores na elaboração de leis e

projetos é outro fator fundamental: pela experiência adquirida na rua e ao longo dos anos, os

Page 183: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

92

servidores conhecem bem as incoerências presentes. A quantidade excessiva de leis é um dos

grandes problemas, porque, ao mesmo tempo em que facilita, por um lado, pune por outro.

Assim, para exemplo, podemos usar as cooperativas de recicláveis. A prefeitura cria

programas e, ao mesmo tempo, pode autuar cada uma delas por inumeráveis inconformidades.

Todo fiscal lotado em Subprefeitura sabe que, sem o uso do bom senso, nenhum

estabelecimento comercial estaria aberto hoje na cidade de São Paulo. Por isso, compreender

e encontrar meios conjuntamente é a melhor solução na busca preventiva, e não punitiva em

relação aos munícipes e demais segmentos.

É importante ressaltar a importância do servidor público, pois é ele quem vai atender

as demandas dos munícipes: ele é o representante do poder público naquela região. A forma

como ele enxerga a gestão pública tem forte impacto sobre a maneira como realizará seu

trabalho. Por isto, é importante criar mecanismos que possam ajudar as Subprefeituras a se

organizarem para reivindicar mudanças necessárias, como também ajudar o governo a rever

decisões que impactam diretamente as Subprefeituras.

Também é fundamental destacar a importância das Subprefeituras como instâncias de

governo, que podem promover o desenvolvimento, mediar os conflitos no território e

promover a participação local. A cidade de São Paulo, por suas dimensões, não pode ser

gerida apenas por um governo central. Esse centralismo promove apatia em grande parte dos

servidores, o que reverbera na qualidade dos serviços.

Finalmente, é preciso ressaltar a valentia desses profissionais, que cotidianamente

fazem a cidade acontecer.

Page 184: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

93

6. Bibliografia

AFFONSO, Lígia M. F. e ROCHA, Henrique M. - Fatores organizacionais que geram

insatisfação no servidor e comprometem a qualidade dos serviços prestados - VII SEGeT

- Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia

AMARAL, Helerna K. do - Revista do Serviço Público - Brasília - 57 (4): 549-563 Out/Dez 2006

ARRETCHÊ, Marta. Relações Federativas nas Políticas Sociais. Educ. Soc., Campinas, v.

23, n. 80, setembro/ 2002, p. 25-48

BLUMM, Márcia. Possibilidades e Constrangimentos à autonomia política dos

municípios brasileiros: o caso de Salvador (1993 - 1996).

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma

gerencial brasileira na perspectiva internacional - São Paulo: Ed. 34; Brasília: Enap, 1998.

368 p.

FUNDAÇÃO EMPREENDIMENTOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS (FINATEC); Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSP). 2004. Descentralização e Poder Local. A experiência das Subprefeituras no município de São Paulo. Editora HUCITEC. São Paulo.

GESTÃO MUNICIPAL: Descentralização e Participação Popular. Calderón, Adolfo I.,Chaia,

Vera. (organizadores); prefácio Wanderley, Luiz Eduardo. - São Paulo: Cortez, 2002.

GRIN, Eduardo José. Gestão do Território da cidade em São Paulo: a berlinda entre a

democracia representativa e os mecanismo de controle local. XVII Congresso Internacional

del CLAD sobre la Reforma del Estado y de laAdministración Pública, Cartagena, Colombia,

30 out. – 2 nov. 2012

GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs). Textos em Representações

Sociais. 2° ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

INFOCIDADE. <infocidade.prefeitura.sp.gov.br>

Page 185: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

94

JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações Sociais e esfera pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. ___________, Os contextos do saber: representações, comunidades e cultura; tradução de

Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008

JUNQUEIRA, Luciano A. Prates. Descentralização e inter-setorialidade na gestão pública

municipal - http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/textostecnicos/textec4.htm

JUNQUEIRA, Luciano A. Prates; INOJOSA, Rose M.; KOMATSU, Suely.

Descentralização e Intersetorialidade na Gestão Pública Municipal no Brasil: a

Experiência de Fortaleza. XI Concurso de Ensayosdel CLAD “El Tránsito de la Cultura

Burocrática al Modelo de la Gerencia Pública : Perspectivas, Posibilidades y Limitaciones”.

Caracas, 1997

KOWARICK, L.; MARQUES, E. (orgs.). 2011. São Paulo: Novos Percursos e atores.

Sociedade, cultura e política. Editora 34. INCT – Institutos Nacionais de Ciência e

Tecnologia. CEM – Centro de Estudos da Metrópole. FAPESP.

LEITA, Cristiane K. da Silva e Fonseca, Francisco. Federalismo e Políticas Sociais no

Brasil: Impasses da descentralização pós-1988. O&S - Salvador, v. 18 - n.85, p. 99-117 -

janeiro/março –2011

LEGISLAÇÃO - LEI Nº 13.399, DE 1º DE AGOSTO DE 2002. Prefeitura do Município de São Paulo.

LOBO, Thereza. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental - Caderno de

Pesquisas, São Paulo (74): 5-10, agosto 1990.

LUBAMBO, Cátia W. Desempenho da Gestão Pública: que variáveis compõem a

aprovação popular em pequenos municípios? Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n 16, jul/dez

2006, p. 86-125

Page 186: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

95

Martins, Maria Lúcia Refinetti (1997). Descentralização e Subprefeituras em São Paulo:

experiência da gestão 1989-1992: prefeitura Luiza Erundina. Dísponível em:

http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/martins_descentralizaerundina.pdf

MOSCOVICI, Serge. A representação social da Psicanálise. Zahar: São Paulo, 1978.

NUNES, Edson. A gramática política no Brasil: clientelismo e insulamento burocrático - 3

ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Brasília, DF: Enap. 2003.

PLANEJASAMPA. < http://programademetas.info/>

PERTES, B. Guy e PIERRE, Jon (orgs.). Administração Pública: coletânea/tradução Sonia

Midori Yamamoto, Miriam Oliveira. - São Paulo: Editora UnesP; Brasília, DF: ENAP, 2010

PINTO, Mara B. F., GONÇALVES, Marcos Flávio R. e NEVES, Maria da G. R das.

Pensando a Autonomia Municipal: dilemas e perspectivas. Revista de Administração

Municipal - Municípios IBAM NOV/DEZ 03 ANO 48 n° 244

PINTO, Geroges J. Municípios, descentralização e democratização do governo. Caminhos

da Geografia - Revista online do Programa de Pós-Graduação em Geografia - Caminhos da

Geografia 3 (6), Jun/2002 - Pg 1 – 21

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (PMSP); Secretaria Municipal de Cultura (SMC); Departamento do Patrimônio Histórico – Divisão de Preservação (DPH). 2012. Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras. Coletânea em CD com dados dos 8 Distritos da Subprefeitura Sé.

RODRIGUES, Marta M. Assunpção: Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2011. (Folha

Explica).

SÁ, Celso Pereira de. Sobre o Núcleo de Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1996.

SIQUEIRA, Cláudia Gomes de. Emancipação municipal pós Constituição de 1988: um

estudo sobre o processo de criação dos novos municípios paulistas. Campinas, SP: s.n. 2003.

Page 187: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

96

Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas.

SOUZA, Celina. A nova gestão Pública - in Cadernos Flem Gestão Pública

TOMIO, Fabricio Ricardo de L. Instituições, Processos Decisórios e Relações Executivo-

Legislativo nos Estados: Estudo comparativo sobre o Processo de Criação dos Municípios

após a Constituição de 1988. Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao

Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Unicamp.

WHITAKER, F. Temos muito caminho para andar in Gestão Municipal: descentralização e

participação popular. A. I. Calderón e Vera Chaia (eds.). São Paulo: São Paulo: Cortez,

2002.

Page 188: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

97

ANEXOS

I

Subprefeitura

O que é subprefeitura para você? E para o que ela serve?

Como vocês veem a situação geral das subprefeituras hoje em dia?

Quais são as causas principais desta situação?

E há possibilidades de mudança? Se sim, quais e como? Se não, por que não?

Fala-se muito em corrupção e suborno nas Subprefeituras. Isto procede ou não?

Se não, por quais motivos circulam estas impressões?

Se sim, quais são as principais causas da corrupção e falta de respeito as leis?

Você conhece os distritos da Subprefeitura?

Funcionalismo Público

Em sua opinião o que seria um funcionário público?

Como os munícipes vêem os servidores da Subprefeitura?

Em sua opinião como os partidos políticos percebem o funcionário público?

Em sua opinião, como a mídia define o funcionário público?

Como você acha que os servidores públicos se percebem?

Quais tipos de servidores existem em sua opinião? (descrever em percentual)

Quais políticas ou projetos são mais facilmente implantados pelos servidores?

O que facilita? O que dificulta?

Você acredita que os gestores sabem da importância dos servidores de carreira para

implantação de políticas? Você sente que escutam uma demanda sua ou não? Como você lida

com isso? E como os outros lidam?

Munícipe

Na sua opinião, quais são as principais reclamações dos munícipes sobre as subprefeituras?

Na sua opinião como o munícipe percebe o funcionário público?

A subprefeitura atende as solicitações do munícipe com satisfação? Se não, por quê?

Page 189: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

98

História de vida

Por que você se tornou funcionário público?

Quais fatores pesam para o funcionário (você) implantar os projetos da Prefeitura?

Page 190: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

10

INTRODUÇÃO

Meus últimos três anos têm sido dedicados à Administração Pública. Contar como este

processo se iniciou é importante para entendermos como cheguei a propor esta dissertação. O

caminho até aqui é longo, mas o descreverei em pequenos trechos nos parágrafos a seguir.

Trabalhei alguns anos em organizações sociais que desenvolviam projetos, sobretudo

no ramo de empreendedorismo, na parte estratégica de desenvolvimento e geração de

emprego, trabalho e renda, área em que os governos têm muitas dificuldades na efetivação de

políticas eficazes e duradouras.

Depois de anos dedicados a este tipo de atividade, comecei a estabelecer relações com

governos, apresentando propostas de trabalho, conhecendo projetos e assim por diante. Foi

então que, em 2011, ganhei uma bolsa para fazer um curso focado em planejamento, no qual o

público principal eram pessoas da gestão pública.

A partir desse ano comecei a fazer trabalhos de moderação em planejamento

estratégico para os mais diversos atores: empresas, governos, terceiro setor e grupos auto-

organizados, sobretudo com foco na temática racial, direitos humanos e desenvolvimento

social. Diante desta experiência adquirida e da rede de relações que se formou, recebi o

convite para assumir a Diretoria de Planejamento e Gestão Pública na Secretaria de

Planejamento e Gestão Pública, no município de Diadema, região metropolitana do Estado de

São Paulo.

Observando segundo a perspectiva de um consultor em planejamento, passei a me

sentir intrigado diante do fato de que planos bem elaborados de trabalho perdiam-se no

cotidiano, quando se tratava de governos.

Descobri que, quase sempre, o maior valor de um planejamento consistia em alinhar

equipes de acordo com seus principais desafios, positivos e negativos e estabelecer um norte

de trabalho para a gestão. A prática tem demonstrado que aquilo que se planeja sofre

profundas alterações, fundamentalmente porque as prioridades se invertem, as equipes

mudam e sofrem para lidar com as intempéries de seus governos e gestores. Ir para Diadema

era, portanto, um grande desafio: entender estas dificuldades e atuar sobre elas.

A cidade de Diadema ensinou-me muito em um ano e dois meses, período em que

trabalhei lá. Mesmo sendo uma cidade pequena os desafios, porém, são comuns aos de outras

Page 191: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

11

cidades brasileiras. E foi essa observação que me inspirou o presente trabalho, conforme

relatarei adiante.

Como diretor de planejamento, pude observar que havia muitas inconsistências na

administração da cidade, e que, com a experiência de consultor de planejamento, é possível

observar tal fato em outros níveis de governo e em outras prefeituras. Por exemplo, a intensa

luta por poder e recurso que cada secretaria promove para si é, sem dúvida, um dos maiores

problemas para administrar uma cidade, sobretudo a partir da perspectiva de planejamento.

Isto se torna ainda mais difícil porque envolve a governabilidade com o legislativo.

A respeito deste primeiro problema, a governabilidade, tem-se uma clara fragmentação

no governo, ou seja, as secretarias pequenas têm pouca possibilidade de atuação e nos cortes

dos recursos são mais gravemente afetadas. Não possuem fôlego suficiente para aplicar suas

políticas; faltam recursos humanos (em números e em qualificação), materiais e equipamentos

adequados. Além disso, dependem muito da colaboração de outras secretarias, que detêm os

recursos financeiros.

As grandes secretarias (Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Finanças),

tocam seus projetos e têm muitas dificuldades de serem orientadas. Cada uma age por si

própria, criando poucos canais de diálogo com outros órgãos da administração municipal.

Essa fragmentação faz com que cada uma construa suas próprias políticas e formas de

atuação. O resultado é uma sobreposição absurda de políticas e ações, em muitos casos,

contraditórias. Para exemplificar, enquanto uma secretaria atua no combate ao uso de

substâncias químicas enfocando a redução de danos, a outra visa à repressão ao uso. Ou é

possível observar a criação de projetos por parte de uma secretaria, enquanto outra teria

conhecimento suficiente e adequado para apoiar. Por exemplo: a Secretaria da Educação

desenvolve seu próprio projeto de geração de renda, quando esta atribuição deveria contar

com a experiência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

O que podemos notar é que um dos desafios existentes atualmente consiste em tentar

eliminar o isolamento, a fragmentação e a sobreposição da ação governamental no território e

também internamente, pois isto traz consigo enormes prejuízos ao município e a sua

população. Este é um dos motivos que emperram a descentralização dos governos, pois o

modelo “cada um faz ao seu modo” não gera transparência, eficácia ou participação.

Como se estes problemas não fossem suficientes, o governo trabalha com foco

limitado e de olho em sua popularidade, o que leva as prioridades, ao menos na experiência da

qual participei, a se inverterem constantemente. As energias dispersam-se e os recursos, além

Page 192: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

12

de escassos, são também mal distribuídos, o que tem impacto direto na administração, porque

os investimentos na gestão e modernização não são prioridade. Tal impacto pode ser sentido

na baixa capacidade técnica das equipes, na falta de técnicos qualificados e atualizados e nas

próprias ferramentas de gestão presentes nas prefeituras. Sem ferramentas de gestão,

acompanhamento e participação, o governo vai perdendo-se na sua capacidade de realização.

É comum observarmos obras de viário atrasarem anos para serem entregues, comprometendo

o orçamento, assim como podemos ver repetidamente nas mídias erros que exigem reformas

caríssimas para a administração pública e/ou casos de corrupção e favorecimento. Há, além

disto, a precariedade de alguns próprios municipais1, em péssimas condições de conservação e

com equipamentos desatualizados e quebrados, sem levar em conta todos os que estão em

falta. Tal fator tem impacto direto na produtividade dos servidores municipais e na qualidade

do atendimento ao munícipe.

Estes desafios são os principais fatores que prejudicam qualquer planejamento e

gestão, mas há um muito importante a ser considerado: os recursos humanos. São eles,

constituídos pelos servidores do serviço público, que estão no cotidiano das políticas

municipais.

Tais servidores estão sujeitos, a cada quatro anos, a um novo prefeito que, com sua

equipe, imprime novos projetos e rumos ao município, processo este que costuma ser

acompanhado de muitas rupturas e mudanças nos quadros e formas de se criar e executar

políticas. Os servidores, por seu lado, perpassam gestões e desenvolvem crenças, valores e

alianças, que permeiam seu trabalho ao longo dos anos.

Prosseguindo o relato sobre minha trajetória, em janeiro de 2013 me transferi para São

Paulo, a fim de trabalhar no gabinete da subprefeitura Sé. De todas as subprefeituras, a Sé

conta com algumas particularidades que a tornam a mais importante da cidade. Comparada às

outras, é a que se encontra em melhores condições quanto à estrutura e equipe, inclusive

porque está menos sujeita a intervenções parlamentares e seu executivo costuma ter apoio e

anuência do prefeito da cidade. Dentre os fatores que a tornam importante está o fato de ser

central e ter oito distritos por onde circulam diariamente milhares de pessoas, tornando-a a

vitrine da cidade. Mas, ao chegar a esta subprefeitura, pude deparar com todos os problemas

vividos na outra administração, em proporções maiores, já que a Sé conta com uma população

maior que a cidade de Diadema e está em constante exposição midiática.

1 Consideram-se aqui os prédios públicos onde funcionam serviços de qualquer natureza.

Page 193: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

13

Resumindo, a falta de investimentos na modernização administrativa, a falta de

quadros técnicos, a ausência de uma política efetiva de carreira, a cultura de centralização

política, administrativa e orçamentária e a descontinuidade de projetos são fatores

fundamentais no centralismo que existe nas gestões municipais, onde quer que esteja.

Estas dificuldades também estão presentes nas Subprefeituras, projeto político de

descentralização da administração da cidade de São Paulo, sobre as quais dedicarei meu

estudo. O projeto de descentralização, que previa forte incidência local e políticas focadas no

território, aliado à participação e acompanhamento dos munícipes na gestão, nunca conseguiu

concretizar-se efetivamente, como previa o projeto original. Ora por falta de articulação, ora

por falta de interesse em dar continuidade ao projeto, nenhuma gestão deu conta realmente do

projeto previsto. Isto causou forte impacto à cidade, pois esta não conseguiu efetivar canais de

comunicação e participação, além de se tornar frágil a diversas formas de corrupção nos

estratos mais baixos da administração local. Também se consolidaram o sucateamento e o

apadrinhamento parlamentar, aliados a uma burocracia enlouquecedora, confusa, dúbia e que

se sobrepõe o tempo todo.

No meio deste cenário encontram-se os servidores públicos, sujeitos às mais diversas

intempéries e mudanças que, ao longo de todos os anos, foram produzidas. Em algumas

gestões as subprefeituras tiveram mais ação, poder e prestígio; em outras foram relegadas ao

papel de zeladoria e barganha política.

Diante deste quadro nos perguntamos: como o funcionário reage a tudo isto? Como

executa seu trabalho? Ele é consultado? Como percebe a visão do munícipe em relação a ele?

E a mídia? E os políticos aos quais ele está sujeito a cada quatro anos? Os funcionários são

consultados na construção de políticas ou na forma de implantá-los? O que os motiva ao

trabalho? Sentem-se valorizados? De que forma?

Este estudo é dedicado a entender o servidor público, sujeito fundamental na execução

das políticas pensadas pelo Executivo e criadas no Legislativo. Ainda que possa parecer que

parta de um olhar fatalista sobre a administração pública, é fundamental ressaltar a

importância desses homens e mulheres que produzem, executam e acompanham a política na

cidade. São indivíduos que, em muitas ocasiões, levam o governo a não cometer ações

arbitrárias em relação aos munícipes em situações-limite (limpeza de área, desocupação,

reintegração de posse etc.). São milhares os casos em que esses agentes públicos lutam

bravamente para que um projeto tenha sucesso e alcance. Afinal, só a gestão pública tem

Page 194: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

14

condição de afetar todos os seus cidadãos com políticas, projetos e programas, além de mediar

as diversas tensões existentes em seu território.

Esta dissertação tem, portanto, a intenção de contribuir com a literatura de

administração pública, bem como a de psicologia social, ao compreender a representação

social dos servidores públicos. Com isso, compreender as ações que possam efetivar práticas

que contribuam para a melhora da cidade e da administração.

Para isso, percorreremos brevemente a história da descentralização, que significa

passar pela construção do município no Brasil e seus desdobramentos, para entender o

município de São Paulo. Em seguida, procuraremos entender os desafios da cidade e a

importância das Subprefeituras por meio de sua história. Por fim, adentraremos no caso da

Subprefeitura Sé, onde descreveremos os desafios enfrentados, tentando entender o

funcionalismo neste contexto e a representação que criou de si.

Page 195: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

15

1. Da ideia de município à Subprefeitura

Os anos 80 foram marcados por intensas disputas políticas no campo internacional,

como decorrência da consolidação de forças distintas: capitalismo, comunismo e socialismo.

Ao mesmo tempo, nos países latino-americanos, eram cada vez maiores as pressões pelo fim

da opressão imposta por regimes militares ditatoriais.

Além dos limites impostos e da excessiva violência, eram tempos de intensas crises

econômicas e sociais, gerando inflação, estagnação, desemprego e miséria, principalmente nas

regiões mais carentes do Brasil. O milagre econômico já não existia, o gasto público

incontrolável e as dívidas externas cresciam em larga escala. Aliado a isto, o aparelho

burocrático já não respondia aos desafios impostos aos tempos correspondentes. Era

imperativo o desejo de mudança, que culminaria na queda do regime ditatorial e na

construção da nova Constituição Federal de 1988, que tinha como anseio não só perpetuar os

direitos humanos e a não possibilidade de novos golpes, mas também dirimir as

desigualdades, descentralizar e promover participação popular no acompanhamento da gestão

pública nascente. Por isso, é possível dizer que era preciso, na visão dos constituintes,

reformar o Estado com enfoque na universalização de acessos aos serviços e à participação, o

que só faria sentido ao transferir aos municípios essa responsabilidade, cabendo ao governo

federal o financiamento e a regulação dos serviços no que tangesse ao município

(ARRETCHE, 2002).

A República Federativa do Brasil é, conforme descreve nossa constituição, a união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado

Democrático de Direito (art. 1°, CF)2. Cada um destes entes possui, portanto, autonomia sobre

seu território. Por ser um país federativo, os governos têm prerrogativas invioláveis, que

conferem a eles autonomia, ainda que possam legislar sobre a mesma população e território.

A União é regida por sua Constituição Federal, que atribui a este órgão o dever de

implantar políticas de desenvolvimento nacional, distribuindo recursos, criando e orientando

políticas, além de garantir a segurança nacional. Também tem como objetivo assegurar o

desenvolvimento nacional, em todas as perspectivas, além de garantir o acesso à justiça,

2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

Page 196: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

16

liberdade e desenvolvimento, garantindo equidade no que se refere à distribuição de recursos

e diminuição de mazelas sociais.

1.1O Município como ente federativo

A trajetória da redemocratização concretiza-se em 1988, na promulgação da nova

Constituição, reconfigurando a atuação dos municípios e garantindo-lhes autonomia, o que, na

prática, significou maior distribuição dos recursos e, portanto, independência financeira e

política, que se refere a criar suas próprias leis e administrar seu território. Além da escolha de

seus governantes, sem quaisquer restrições, os municípios também ampliaram sua base

tributária (SIQUERA, 2003), além das transferências constitucionais da União e do Estado.

Para Pinto (2003),

ao Município foi atribuída a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e a competência dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ação por essas esferas. (PINTO, 2003, p. 40)

Ainda que os municípios já existissem no Brasil, sua autonomia só passa a ser

garantida nessa constituição. Este processo, de construção de Constituições republicanas, não

se iniciou recentemente. Segundo Siqueira (2003), o Brasil já havia passado, até a

promulgação de 1988, por mais três processo de descentralização. Estas constituições (1891,

1934 e 1946), de algum modo trataram do tema de descentralização e, por diversos

impeditivos, não avançaram. Para o autor, na Constituição de 1891, a dificuldade concreta

para a viabilização da autonomia municipal foi a escassez de recursos colocados à disposição,

como também a função atribuída aos estados, quais sejam, o controle administrativo,

financeiro e a fiscalização. Siqueira confirma que:

a autonomia municipal era praticamente inexistente, permanecendo os municípios sob tutela dos Executivos estaduais, que garantiam a sua base de apoio político através da manipulação exercida sobre os governos locais (SIQUEIRA, 2003, p. 18).

Já a Constituição de 1934, que permitiu a eleição de vereadores e prefeitos e incluía a

participação dos municípios na arrecadação tributária, tornava nula a autonomia municipal,

Page 197: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

17

pois permitia que os Executivos estaduais controlassem administrativa e politicamente os

municípios, por meio dos departamentos de municipalidade.

A conhecida Constituição Municipalista, de 1946, retomou a discussão do

fortalecimento dos municípios e o rearranjo financeiro e tributário. Previa, com favorecimento

aos municípios mais pobres, o repasse de 10% das receitas de Imposto de Renda e a

devolução do excesso de arrecadação de impostos de rendas locais de qualquer natureza

(SIQUEIRA, 2003). Na implantação e cumprimento desta Constituição, houve, porém,

impeditivos determinantes, que impuseram insucesso a esta tentativa de garantir autonomia

municipal. Para Siqueira, os principais pontos foram: irregularidades nas transferências de

tributos por parte da União e dos estados, a baixa capacidade dos municípios de explorarem

seu potencial de arrecadação, a constante intervenção nos municípios por parte dos estados,

por conta de empréstimos ou dívida fundada e, por fim, as restrições às eleições para prefeito

nas capitais e outros pontos considerados importantes para defesa nacional.

1.2 A importância do Município

Com a aprovação da Constituição de 1988, põe-se fim ao modelo burocratizado e

centralizado da gestão brasileira, dando aos municípios a responsabilidade de serem os

indutores da criação e implantação de políticas de desenvolvimento local. Desta forma,

deixam de ser apenas zeladores que regulam a ocupação das vias públicas, construções,

trânsito e medidas relativas a feiras, espetáculos públicos e conservação de logradouros.

Vamos compreender essa descentralização, definindo-a como um processo pelo qual

os níveis periféricos, no nosso caso o município, se tornaram detentores de poder. Isto para

transformá-lo em eficaz e ágil, ao estreitar as relações entre a sociedade e o estado. Nesta

constituição, portanto, o governo municipal passou a prestar os serviços públicos diretamente

aos munícipes. Posto desta forma, nas palavras de Junqueira (2003):

O poder municipal, no Brasil, tem como competência organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O exercício dessas competências tem relação direta com a garantia dos direitos sociais do cidadão. (JUNQUEIRA, 2003, p. 50 )

Page 198: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

18

Significa dizer que nesta constituição, que se refere ao espaço local, o município, enxerga os

usuários como capazes de explicitar suas necessidades não satisfeitas e aprender a se colocar

diante dos serviços como cidadãos. Essa descentralização implica que cada município pode

levar em consideração as diferenças econômicas, técnico-financeiras, administrativas e

políticas para desenvolver suas ações.

No Brasil, com suas dimensões continentais caracterizadas por intensas desigualdades

sociais, econômicas, políticas e administrativas, além das características territoriais de cada

uma de suas regiões, a existência de municípios parecia imprescindível, pois estes espaços

deveriam permitir aos munícipes a tomada de decisões sobre assuntos de seus interesses. Na

visão de Pinto (2002),

não só como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico e simbólico que se transforma em um campo de respostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais de nossa época. (PINTO, 2002, p 52.)

Ora, a importância do governo local é justamente ser local, ou seja, um ente que

possibilita oportunidade de participação e assegura a distribuição eficiente dos serviços, além

de melhores condições de alocar os recursos públicos, atendendo às necessidades dos

cidadãos, justamente por estar mais próximo das localidades onde estão implantadas. É essa

capacidade de aproximação, de troca entre governo e localidade, que lhe permite criar uma

visão privilegiada do território. Mesmo dentro destes espaços existem disputas por interesses

antagônicos, com pequenos grupos articulados tentando impor sua vontade à maioria. Mas é

no território que essas disputas podem se tornar evidentes e que pressões podem ser exercidas

no sentido de atender às necessidades citadas. Também o estado, em sua posição privilegiada,

pode mediar os conflitos existentes.

Quando falamos sobre a importância do município como ente federativo e toda a luta

promovida durante as constituições pelos emancipadores municipalistas3, as perguntas são a

respeito do que exatamente defendem e sobre o que legisla o município que o torna tão

importante. Cada município tem sua própria Lei Orgânica Municipal e, respeitadas as

condições e necessidades de cada localidade, é certo que temas como os listados abaixo sejam

atribuições do município:

3 Aqueles que defendiam a existência dos municípios.

Page 199: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

19

• Delimitação do Perímetro Urbano: descrição das áreas do município, criando zonas

urbanas e rurais e definindo impostos, condições de usos dos terrenos e edificações.

• Controle do Parcelamento do Solo: lotear e desmembrar terrenos, garantindo

condições mínimas indispensáveis ao seu uso em habitação. Garante áreas para

construção de praças e equipamentos urbanos, como postos de saúde, escola, parques

etc. Além disso, regulamenta as áreas para o tamanho das ruas e calçadas.

• Zoneamento de Uso e Ocupação: neste quesito cabe ao governo municipal orientar a

localização de diversas atividades que possam existir numa determinada região

delimitada no município. Sobretudo nos municípios de médio e grande porte, a

discussão se torna essencial, para gerenciar conflitos entre os diversos interesses.

Alguns dos recortes delimitados são: áreas para habitação, comércio, indústria e

serviços. Há preocupação com ventilação, trânsito, insolação e área livre em cada

terreno. Com isso, é possível dimensionar e prever as necessidades destes locais.

• Estrutura viária: também mais comum para os municípios de médio e grande porte,

aqui se define quais são as vias principais e toda logística de trânsito, para gerar

conforto e segurança. Também separa o trânsito local do tráfego pesado, como

caminhões. Regulamenta ruas, redes semafóricas, dentre outras, como a pavimentação

e conservação.

• Localização dos Equipamentos Púbicos: Conforme as necessidades do município,

este deverá instalar equipamentos públicos que dêem conta das necessidades locais.

Por exemplo, se uma área ganha novas moradias, precisa prever áreas para a

construção de creches, escolas, posto policial, bancos, postos de saúde.

• Controle de Edificações: também são municipais os critérios que estabelecem a

permissão de reformas e ampliações de edificações residenciais, comerciais e

industriais, considerando, evidentemente, os critérios já citados acima. Aqui devem ser

previstos impactos que se referem a escoamento das águas pluviais, rede de esgoto e a

capacidade do terreno para sustentar as alterações.

• Saneamento Básico: Este ainda é um problema em quase todos os municípios

brasileiros, dado que menos da metade do país conta com saneamento básico, que é

fundamental para a preservação da saúde e diminuição do risco de doenças. Quase

sempre, por serem obras onerosas e não expostas, não são prioridades dos governos

municipais. Mas, de qualquer modo, cabe ao município cuidar da limpeza urbana, que

significa designar a coleta e disposição dos esgotos.

Page 200: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

20

• Limpeza Urbana: regulamenta a limpeza das ruas, residências e espaços públicos,

além de regulamentar leis que levem grandes estabelecimentos a destinarem seus

próprios resíduos aos lugares devidos, conforme o ramo de atividade. Em alguns

municípios já existem leis que regulam o lixo doméstico.

• Transportes Urbanos: segundo o artigo 37 do DECRETO Nº 62.926, DE 28 DE

JUNHO DE 1968, é responsabilidade do município conceder, autorizar e permitir a

exploração dos serviços de transporte coletivo. Por isso, percursos, paradas, horários e

linhas são pensados no conjunto da cidade e devem considerar os pontos acima,

principalmente no que se refere à disposição das pessoas. Nas médias e grandes

cidades este serviço é quase sempre privatizado.

• Educação: sobretudo na primeira infância, no que se refere a creches, pré-escola e

ensino fundamental o município tem papel preponderante. Obedece a leis federais,

mas tem autonomia sobre implantação e gerência.

• Saúde: a saúde é atribuição, como a educação, das três esferas de governo. Sobretudo

por seus custos onerosos, os atendimentos de baixa complexidade são quase

exclusivos dos municípios. Assim, as UBSs e UPASs são quase sempre de

responsabilidade dos municípios. Quando os casos envolvem tratamento de média e

alta complexidade, sobretudo os segundos, passam a ser responsabilidade do Estado/

União. Por exemplo: o tratamento de câncer é quase sempre responsabilidade do

estado.

• Assistência Social: Aqui se devem garantir as condições mínimas de sobrevivência e,

além disso, implantar projetos de apoio e desenvolvimento da infância, juventude e

velhice.

• Outros Serviços Urbanos: serviços funerários e cemitérios, iluminação pública,

abastecimento: feiras livres e mercados, preservação do patrimônio histórico e Ordem

Pública.

Pelos quesitos acima é possível entender como, sob seu território, o município tem total

gerência4 e grandes responsabilidades. Vejamos, por exemplo, o caso da Educação.

Respeitadas as leis federais segundo as quais os municípios necessitam orientar-se, cabe ao

município aderir ou não às políticas de desenvolvimento da educação. Ou seja, ainda que

existam regras a serem cumpridas, com o risco de sanções, o município continua com o poder 4 Exceção feita a leis de instâncias superiores, que podem sobrepor-se à municipal. Ou seja, se houver duas legislações sobre um mesmo tema, prevalece a do ente superior.

Page 201: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

21

sobre a implantação e a gerência. Portanto, cabe ao município atribuir suas regras de

contratação de professores, a escolha do material didático e sua compra, a gestão da escola e a

política municipal, a merenda e o transporte escolar, respeitando as leis que regem estes

processos e determinam diretrizes. Da mesma forma, também funciona a política de saúde e

outros programas, de impacto direto sobre a população.

Vale dizer que a descentralização, como projeto político de diminuição da distância entre

governo e sociedade infelizmente não se efetivou da forma como a pensavam os

municipalistas. Os grandes temores da corrente contrária a este pensamento municipalista

eram, principalmente, a continuidade (ou o aumento) das desigualdades, por exemplo, na

distribuição dos recursos5 entre os entes e o coronelismo, característico da política brasileira,

sobretudo em áreas rurais – espaço onde ocorreu a maior quantidade de emancipações e

desmembramentos de municípios. Cabe aqui ressaltar que a média da população nos

municípios brasileiros é de aproximadamente 30 mil pessoas.

Além das dificuldades citadas, outras duas preocupações se tornaram presentes na

municipalização. Uma delas é o fato de alguns municípios não se comprometerem com

políticas nacionais importantes, mesmo recebendo recursos para isto6. A outra é que ainda não

se vê a participação efetiva dos munícipes na gestão dos municípios, com exceção de alguns

casos pontuais. E este é um dos pilares fundamentais do projeto municipalista. Nas palavras

de Lobo (1990):

Ora, a transferência de poder para agentes governamentais mais próximos da população só se justifica quando a mesma for acionada para participar do processo. Não há porque descentralizar se se quiser manter intacto o poder absoluto do Estado, mesmo em sua manifestação regional ou local. Governos estaduais e municipais, como mostra a experiência, podem ser tão centralizadores como o governo federal. (LOBO, 1990, p.10)

Vimos até o presente a importância dos municípios para a gestão do território; ao

mesmo tempo, o fato de se criarem municípios não significou que as mudanças necessárias

aconteceram de fato e, com elas, a tradução desta importância. Este ainda é um debate presete.

1.3. As características do Município brasileiro

5 Para alguns dos estudiosos o aumento de municípios também foi um artifício notadamente político para haver mais acesso a recursos e construção de hegemonia política. 6 Atualmente já existem mecanismos que comprometem e responsabilizam o município pela garantia da execução do projeto conforme previsto.

Page 202: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

22

A União é composta por um conjunto de 5565 municípios7, distribuídos em 26

estados, além de contar com o Distrito Federal. Com mais de 190 milhões de pessoas,

segundo dados do IBGE, somos um país de extrema população urbana, aproximadamente

84%, e concentramos grande parte dela em algumas capitais do país, sendo as principais São

Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

O Brasil tem um caso bem peculiar de federação, pois sua municipalização não é

decorrente de processos de urbanização; houve, portanto, uma fragmentação de cidades para

melhor gerenciamento. Em nosso território, os municípios resultam quase sempre da

fragmentação de pequenos municípios espalhados por regiões interioranas. Em parte este

fenômeno se explica pela explosão de municípios nascidos após a CF de 1988: são cerca de

30% do total existente.

Conforme dados do IBGE, é possível observar que os municípios com população de

até 50 mil habitantes representam 89% de todos os municípios. Em números, isto significa

4958 municípios, porém, o total de habitantes representa apenas 37% da população. Os

grandes municípios, a efeito de comparação, não representam 1% do total dos 5565, mas

possuem uma população de 21% do total de 190 milhões de habitantes.

Em especial, no estado de São Paulo, há o maior município: a capital São Paulo, que

conta com 6% de toda população brasileira e é o único município com população acima de 10

milhões de habitantes. Além disso, dos 15 municípios com população acima de 1 milhão,

podemos citar quatro: Campinas, Ribeirão Preto, Guarulhos e o já citado São Paulo.

Esta característica dos municípios brasileiros, imensamente localizados em regiões não

urbanas, é característico do nosso processo emancipacionista, como observou Tomio (2005):

com exceção das regulamentações sobre a criação de municípios em cada estado brasileiro, não existe qualquer planejamento centralizado nas esferas superiores de governo sobre a fragmentação territorial e o funcionamento destes. Em síntese, comparada à ocorrência de processos similares em outros países, as emancipações municipais no Brasil distinguem-se porque são muito mais numerosas, concentram-se em áreas pouco urbanizadas e não são ordenadamente planejadas pelos níveis de governos mais abrangentes (TOMIO, 2005, p. 8).

Abaixo, em tabela feita por mim, podemos observar números mais gerais sobre os

municípios, no que se refere à classe de tamanho e população em cada um deles.

7 IBGE

Page 203: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

23

Número de Municípios

Brasil: Classes de Tamanho da População

Total 5565

Até 10 000 2515

De 10 001 a 50 000 2443

De 50 001 a 100 000 324

De 100 001 a 500 000 245

De 500 001 a 1 000 000 23

De 1 000 001 a 2 000 000 9

De 2 000 001 a 5 000 000 4

De 5 000 000 a 10 000 000 1

Acima de 10 000 000 1

População dos Municípios

Total 190.732.694

Até 10 000 12.939.483

De 10 001 a 50 000 51.123.648

De 50 001 a 100 000 22.263.598

De 100 001 a 500 000 48.567.489

De 500 001 a 1 000 000 15.703.132

De 1 000 001 a 2 000 000 12.505.516

De 2 000 001 a 5 000 000 10.062.422

De 5 000 000 a 10 000 000 6.323.037

Acima de 10 000 000 11.244.369

De maneira geral, com exceção de alguns de grande porte, a maior parte dos

municípios possui baixa capacidade de arrecadação e sofre com os precatórios, que são

pagamentos determinados pela Justiça e estão inclusos no orçamento. O outro agravo é sua

limitada condição de investimentos. Portanto, é evidente a dependência ao FPM (Fundo de

Participação Municipal) e aos repasses de recursos do governo federal e dos estados para a

implantação de programas, políticas e projetos.

Outra característica enfrentada por quase todos os municípios brasileiros se refere à

gestão do município. Em maior ou menor escala, os principais desafios que enfrentam se

relacionam ao crescimento desorganizado da cidade, falta de estratégia para o aumento da

Page 204: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

24

arrecadação, leis mal elaboradas e sobrepostas, atendimento ao munícipe, planejamento e

gestão de médio e longo prazo, quadro de servidores e a condição político-eleitoral.

Quando nos referimos ao atendimento, além da falta de qualidade do serviço, há

também falta de processos organizados e padronizados e postura inadequada de servidores,

muitos deles desmotivados e com baixos salários, além da baixa ou inexistente capacitação

para exercício da função etc. Podemos citar, por exemplo, as centrais de atendimento ao

cidadão, que são, nas grandes cidades, o principal canal de comunicação entre o governo e o

munícipe. Em São Paulo, por exemplo, é notório o desconhecimento dos servidores sobre os

sistemas ou mesmo dos serviços que estes locais oferecem8.

O quadro de servidores também se tornou um grande desafio para as gestões

municipais, em todo o país. Além de não conseguir oferecer os salários competitivos, os

municípios também deixaram de ser alternativa atrativa para a estabilidade, dada a lenta

progressão salarial e na carreira. Isto, dentre as diversas consequências, atrai quadros ruins9,

aumenta a carência de servidores para áreas nevrálgicas, atenua a cisão entre políticos e

técnicos, além do desconhecimento da gestão orçamentária etc.

Na dimensão político eleitoral é notória, por exemplo, a descontinuidade entre os

diversos sucessores. Em cidades pequenas a cisão costuma ser contundente: interrompem-se

os projetos anteriores para iniciar novos. Em São Paulo, por exemplo, leis que foram criadas

em governos anteriores e que foram revogadas ou ignoradas são incontáveis. As mais

contundentes dizem respeito ao Conselho de Representantes e às Subprefeituras, que tiveram

amplo apoio da população, mas foram automaticamente abandonadas nas gestões posteriores.

Outro caso comum são as ações impetradas pelo Ministério Público, que interferem

diretamente sobre programas, políticas e processos criados por governos municipais. Pra

prosseguir com o caso de São Paulo, leis que regulam a permissão de comércio ambulante, as

TPUs10, foram desarticuladas por incontáveis liminares. Ainda dentro desta dimensão estão as

disputas políticas acirradas e constantes, muitas vezes entre o executivo e o legislativo, mas

também dentro das bases de sustentação que compõem um governo. Hajam vista as disputas

impostas, por exemplo, pela administração das subprefeituras, que, no passado, recebiam a

8 Num levantamento recente coordenado pela Assessoria do Gabinete da Subprefeitura Sé, descobriu-se aproximadamente 150 serviços oferecidos pela Praça de Atendimento. Porém, é claro, há o desconhecimento por parte dos servidores sobre estes serviços, além de saber qual sistema se usa para cada um deles. 9 Para dar esta dimensão, o último concurso para engenheiro da prefeitura de São Paulo, abriu 150 vagas, porém, apenas 80 candidatos obtiveram as notas mínimas. Certamente, destes, os primeiros assumirão, mas, bem provavelmente irão deixar os cargos assim que passarem em outros concursos que porventura tenham prestado e sejam melhores no que se refere a salários. 10Termo de Permissão de Uso (TPU)

Page 205: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

25

pejorativa alcunha de “cabide de emprego”. Como consequência direta, faltam mecanismos

efetivos de controle e participação popular sobre as ações no município.

Em Planejamento e Gestão, há também muitas dificuldades que emperram a máquina

pública. Ainda usando São Paulo como exemplo, é possível notar falta de foco e objetivo da

gestão do município, dificuldade de implantar projetos e captar recursos, baixa qualidade dos

projetos, morosidade nos serviços e burocracia excessiva, falta de integração entre as áreas e o

território, fragmentação de políticas, falta de padrão e processo, descompasso entre as

demandas sociais e as políticas públicas etc. São incontáveis os desafios no que se refere a

planejamento.

Dada a importância de São Paulo, mostrar suas dificuldades como cidade nos permite

dimensionar a situação brasileira de modo geral, como também os desafios a serem

enfrentados para melhorar a gestão destes e também a vida de seus munícipes. Com isso, não

queremos ignorar que cada município conta com sua própria engenharia, formada por fatores

como tamanho, população, condição econômica e história.

Nesta linha, vamos adentrar um pouco mais no município de São Paulo, que tem, ao

longo do tempo, tentado, por suas condições, desenvolver mecanismos de gestão que sejam

mais descentralizados e participativos. Não que outros municípios não considerem isto, mas o

tamanho de São Paulo e seus contrastes nos permitem usá-lo como referência.

1.4. São Paulo: cidade de contrastes

A Prefeitura Municipal de São Paulo é uma das mais importantes entre as cidades do

mundo e, para termos ideia disto, podemos usar como exemplo os seus números, que

impressionam e demonstram o gigantismo desta metrópole. São Paulo tem a maior população

do país, como já dissemos, com mais de 11 milhões de habitantes11. Além disso, os

municípios limítrofes que compõem a região metropolitana de São Paulo são 38, que elevam a

população para pouco mais de 19 milhões de pessoas12. Estima-se, inclusive, que grande parte

desta população, dos municípios vizinhos, entre diariamente em São Paulo para os mais

diversos fins, sobretudo trabalho.

11 Dados do IBGE 12 Dados do IBGE

Page 206: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

26

Mas o que torna São Paulo centro de elevada importância no mundo são também seus

indicadores econômicos: a sexta maior bolsa de valores do mundo encontra-se nesta cidade.

Além de 17 dos 20 maiores bancos13, São Paulo ocupa a décima segunda posição dos destinos

para feiras internacionais. Por conta disto, entram pouco mais de, segundo dados da

SPTURIS14, 11 milhões de turistas, sendo a maior parte destes brasileiros. No total, 56% vêm

para negócios. No que se refere a emprego, 38% das maiores empresas nacionais15 e 63% das

multinacionais em território brasileiro16 possuem, no mínimo, escritórios no município de São

Paulo.

Mas a mesma São Paulo de extremas riquezas, que a tornam esta metrópole

importante, é também uma cidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e

ambientais. Por exemplo, 10% da população vivem em favelas ou cortiços. Um contingente

enorme de pessoas vive em situação de risco eminente, sobretudo em encostas, beira de

córregos e outras áreas que oferecem risco à vida, principalmente em períodos de chuva. A

população em situação de rua é de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo dados da

SMADS17 e tem crescido nos últimos anos sem que se consiga reverter o quadro. Outros

índices, como saúde, também apresentam graves discrepâncias. Enquanto uma consulta pode

levar até 16 dias para ser marcada na rede particular, segundo dados da RNSP18, uma mesma

consulta pode levar até 66 dias na rede pública. E se olharmos a marcação de exames de

média complexidade em diante, esta discrepância aumenta ainda mais, sendo na rede

particular 44 dias e na pública até 178 dias. Além disso, compõe as desigualdades o

desemprego, que atinge mais pessoas pobres e jovens, moradoras de periferia. Por fim, esta

desigualdade é sentida também nos homicídios cometidos, sobretudo na juventude, que se

eleva a patamares epidêmicos, notadamente na periferia.

Já do ponto de vista geopolítico, a cidade de São Paulo é um passo importante para

qualquer partido que tenha anseios de administrar o Estado ou ocupar a Presidência da

República. A administração desta cidade é uma verdadeira vitrine, pois existe uma exposição

midiática grande. Isto se deve à posição estratégica, ou seja, a soma dos 38 municípios ao seu

redor, que faz com que tenha aproximadamente 10% da população do país e, ainda, o terceiro

13 Dados colhidos do site da SPTURIS 14 Empresa Municipal de Turismo (São Paulo Turismo – SPTURIS) 15Ibidem 16Ibidem 17 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social 18Rede Nossa São Paulo - http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf

Page 207: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

27

maior orçamento do país. Em orçamento, por exemplo, estimado este ano para pouco mais de

42 bilhões19fica atrás apenas da União e do Estado de São Paulo.

Administrar esta cidade, porém, não tem sido uma tarefa fácil. Desde a nova

Constituição de 1988, a prefeitura de São Paulo já passou por seis diferentes prefeitos, sendo

reeleito apenas Gilberto Kassab (DEM)20. Além disso, diferentes partidos já estiveram à

frente do Executivo Municipal: por duas vezes PT, PPB e DEM; e PSDB uma vez.

1.5. Reformas e Percursos

Conquistada a liberdade e a democracia e instalada a nova Constituição, viria assim a

primeira eleição direta pós-constituinte. Caberia ao então governo eleito o desafio de

reescrever suas Leis Orgânicas Municipais. Estas leis, evidentemente, deveriam ter como

norte a Constituição e incluir, na sua construção, aquilo que inspirara todo o processo de

municipalização do território brasileiro e que representava, inclusive, os anseios da população

desta cidade.

Por conta disto, a Câmara adotou práticas, segundo Whitaker (2002), diferentes de

outros municípios, tanto pela quantidade de vereadores, como também pela dada relevância

do município. Para ele,

Por ser uma tarefa difícil, a maioria das câmaras optaram por uma saída mais fácil: copiar os textos disponíveis. Em muitos municípios, foram copiadas as antigas leis orgânicas de nível estadual ou as que estavam sendo feitas em cidades maiores. Houve também muitos escritórios de advocacia que se propuseram a elaborar e levar para as câmaras municipais propostas de Lei Orgânica, que foram simplesmente adotadas com maiores ou menores modificações. (WHITAKER, 2002, p. 36.)

Para o autor, a importância do município e o elevado número de vereadores foi o que

possibilitou a elaboração da Lei Orgânica de forma tão elaborada, mesmo diante de intensas

disputas.

Evidentemente, este processo de construção da LOM não fora um processo fácil,

havendo muitos embates e confrontos em defesa dos mais diversos interesses, travando a

discussão no Legislativo. Assim, a saída, segundo Whitaker, era estabelecer o mínimo 19Terceiro maior orçamento público país

20Considero reeleito porque ele era o vice-prefeito na gestão de José Serra. Este saiu para assumir o estado de São Paulo, sendo, portanto,

dois anos de administração de Kassab, permitindo a sua reeleição no pleito seguinte.

Page 208: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

28

consenso, que seria incorporado à Lei Orgânica pelo seguinte procedimento: colocava-se o

princípio genérico consensual, complementando-o com a frase: “na forma da lei” (Whitaker,

2002).

Este contexto é importante porque, como veremos, este recurso “na forma da lei”

atrasaria futuramente a implantação da LOM em seu conjunto, fazendo com que algumas

coisas tardassem demais ou nunca saíssem do papel. Os principais motivos versam sobre o

desinteresse de alguns temas para os vereadores e/ou prefeito ou mesmo a constante falta de

consenso persistente. A emergência de certos temas e, portanto, a ordem de importância que

ganhavam, também foram impeditivos importantes. Mas, é evidente, o maior deles,

relacionava-se com a desconcentração de poder. Para muitos, descentralizar mexe diretamente

com o poder adquirido por aqueles que o têm, os agentes políticos. Para usarmos um exemplo,

previam-se as obras de recursos elevados e consideráveis impactos ambientais a necessidade

de plebiscito, o que, na prática, nenhum prefeito deseja. Assim, observa Whitaker (2002),

sobre a dificuldade de implantação da LOM:

É este motivo pelo qual as subprefeituras, os conselhos de representantes, o plano diretor, previstos na Lei Orgânica, “na forma da lei” (tardaram a sair do papel – A.S)21... A desconcentração de poder via subprefeitura e conselho de representantes, não corresponde aos interesses dos detentores de poder. A redefinição da forma de crescimento da cidade, por meio do plano diretor não interessa a quem se aproveita das regras vigentes. Para quem está dentro da máquina administrativa, por exemplo, a permanência do atual zoneamento da cidade, totalmente ultrapassado, possibilita que ele seja desrespeitado – através de decisões irregulares – ou mudando – através de alterações legislativas pontuais – se houver uma contrapartida22... (WHITAKER, 2002, p. 39)

Deste modo, gostaria de retomar o espírito já citado durante a criação da LOM, que

previa maior participação e controle social como prerrogativa. Assim, ao menos no artigo 2°,

é possível perceber a participação e controle social:

A organização do Município observará os seguintes princípios e

diretrizes:

I - a prática democrática; II - a soberania e a participação popular; III - a transparência e o controle popular na ação do governo;

IV - o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais;

V - a programação e o planejamento sistemáticos;

21Inclusão minha 22 Este texto é ilustrativo, pois hoje já está em votação o novo zoneamento da cidade.

Page 209: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

29

VI - o exercício pleno da autonomia municipal; VII - a articulação e cooperação com os demais entes federados;

VIII - a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX - a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X - a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município;

XI - a preservação dos valores históricos e culturais da população.

Dentre os muitos artigos, dois se destacam por seguirem as diretrizes que

consideramos fundamentais e estão presentes no artigo citado acima, sobretudo os cinco

primeiros. Para nosso estudo, ainda que apenas um deles seja foco de análise, vale citar

brevemente do que tratam. São eles: Subprefeituras e Conselho de Representantes. Nos dois é

possível observar a efetivação da participação e controle social. Vamos rapidamente passar

pelo artigo sobre Conselho de Representantes para, em seguida, nos aprofundarmos um pouco

mais sobre a Subprefeitura, objeto deste estudo. Assim, em seu artigo 4° define-se o Conselho

de Representantes:

“O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões”.

Não será nosso foco de análise e estudo, mas vale ressaltar que esta lei seria

estabelecida apenas em 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, sendo então alvo de uma

ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo Ministério Público, em 200523.

A outra lei à qual me refiro tinha como ponto as antigas administrações regionais. Em

seu artigo 77°, previa a criação de Subprefeituras, e tinha em seu bojo:

“A administração municipal será exercida, em nível local, através de Subprefeituras, na forma estabelecida em lei, que definirá suas atribuições, número e limites territoriais, bem como as competências e o processo de escolha do Subprefeito.”

23 A lei não entrou em vigor e está em análise no STF. A ação alega que o Ministério Publico Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (ADIN) contra a criação dos Conselhos sob o argumento de que somente o executivo tem a prerrogativa de criação de cargos na administração.

Page 210: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

30

É neste âmbito que nossa pesquisa se realiza. Foram mais de dez anos para que a lei

13.399/2002 fosse implementada e então surgissem as Subprefeituras. Os motivos pelos quais

elas tardaram a existir, compreenderemos mais a frente. Vale dizer que as Subprefeituras já

existiram no passado, mas não na forma em que este projeto de lei se propunha. Para tanto,

vamos conhecer um pouco mais seu processo de criação.

1.6 Das Administrações Regionais às Subprefeituras

Dado o crescimento econômico, sobretudo no período de Juscelino Kubitschek (1956-

1961), a intensa industrialização e o contingente migratório, São Paulo tornou-se uma cidade

de proporções gigantescas, a maior cidade do país e uma das maiores do mundo. Além disso,

em seu território foram registrando-se visíveis diferenças sociais, econômicas e ambientais.

Seu tamanho também ia afastando o governo da localidade e, com isso, as carências iam

aumentando, dada a demora da máquina pública em responder às demandas.

Em 1958, o então prefeito, Wladimir Toledo Piza, cria por meio de decreto 3.270/58

dezenove Subprefeituras, além de instituir a Subprefeitura de Santo Amaro, antigo município

anexado a São Paulo, em 1935 (FINATEC, 2002). Ainda que levasse o nome de

Subprefeitura, seu papel se assemelharia muito mais ao papel das Administrações Regionais.

Vale, porém, destacar que foi José Vicente Faria Lima, em 1960, quem institui por meio da lei

6.882/66 as Administrações Regionais (AR’s), criando sete delas: Sé, Vila Mariana,

Pinheiros, Santana, Penha, Mooca e Pirituba (FINATEC, 2002). Tinham, sobretudo, o dever

de cuidar da zeladoria local. Esses serviços sobremaneira tratavam de: limpeza e varrição das

ruas, manutenção de praças, fiscalização do funcionamento adequado dos estabelecimentos

comerciais, oficiais e ambulantes, autorização para construção e reforma de imóveis

(TEIXEIRA, 1999). Eram fortemente marcadas pela dependência da Prefeitura para quaisquer

ações. Este número também foi crescendo ao longo do tempo, sendo criadas mais quatro em

1972: Campo Limpo, Butantã, Vila Prudente e Itaquera, além de transformar a Subprefeitura

de Santo Amaro em AR (FINATEC, 2002).

As ARs chegaram a ter ao longo de todo o processo 33 unidades até o final do governo

Jânio Quadros. Este elevado número se devia ao desejo da população de contar com o poder

Page 211: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

31

público mais próximo e ver ampliado o atendimento de suas necessidades e anseios. Como

podemos ver, no texto de Finatec (2002):

As ARs foram criadas ao longo dos anos por demanda da própria população desejosa de que alguém cuidasse da manutenção de sua região, podasse árvore, tapasse buracos etc. Com todos os problemas existentes, principalmente em virtude de indicações, as Regionais eram o Estado disponível nesses setores da cidade. Embora tenha havido um componente de clientelismo ligado a políticos conservadores, as ARs respondiam à necessidade real da cidade que, por ter crescido, precisava manter o poder público mais próximo dos cidadãos. (FINATEC, 2004, p. 36-37)

Diante deste cenário, Jânio Quadros reintroduziu as Subprefeituras (5), mas como

órgão controlador das 33 ARs. Os subprefeitos já eram escolhidos pelo prefeito (FINATEC,

2004).

É neste cenário que ganha força o projeto de Subprefeitura, cuja retomada caberia à

então prefeita eleita Luiza Erundina. Este era um projeto claramente nascido do desejo de

aproximar o cidadão do poder público e, portanto, “dar maior poder de planejamento e

decisão às instâncias locais e melhorar significativamente a prestação do serviço à

população.” (FINATEC, 2004).

Para dar conta deste processo, segundo Martins (1997):

foi criada a Secretaria Especial da Reforma Administrativa, que deu, então, início a seus trabalhos, partindo de uma estrutura municipal que contava com dezessete Secretarias e vinte Administrações Regionais. A proposta a ser elaborada deveria atender aos propósitos de democratização e eficiência, com uma estrutura e modo de funcionamento organizados da ótica do usuário, a partir de suas necessidades, ou seja, estabelecendo a estrutura a partir dos serviços a serem produzidos e disponibilizados. (MARTINS, 1997, p. 1)

Na proposta apresentada pela prefeita Luiza Erundina (PT), seriam criadas treze

subprefeituras, entendidas “como unidades integradoras, com orçamento próprio e autonomia,

responsáveis pelo planejamento e execução do conjunto de serviços num território claramente

definido” (MARTINS, 1997). Mas o número de Subprefeituras foi o grande centro do debate

da descentralização, pois o número de habitantes nas divisões territoriais propostas variava

muito, entre 400 mil e 1,5 milhão de habitantes (FINATEC, 2004). Além disso, outro

problema estava relacionado à capacidade orçamentária dada a cada uma das Subprefeituras.

Essa equação era de difícil solução, como podemos ver nas palavras de Martins (1997):

Page 212: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

32

Assim, se por um lado, para assegurar a proximidade da Administração à população se mostrava necessário que as agregações fossem de pequeno porte em área e população, por outro, para que se viabilizassem Subprefeituras efetivamente consistentes e com poder de decisão e ação, elas deveriam ser em número reduzido. Nesses termos, para conciliar ambas as necessidades a proposta optou por subdivisões político-administrativas maiores e mais consistentes do que as Administrações Regionais (13 Subprefeituras), abrangendo módulos pequenos de organização do trabalho e prestação de serviço - equipes multidisciplinares. Isso lhes permitiria uma percepção ágil das demandas populares e atendimento mais adequado às características próprias de cada região. (MARTINS, 1997, p. 2)

Estas questões levaram a muitas dúvidas dentro do próprio governo. Pela demora na

criação do consenso, o projeto foi enviado somente no último ano de governo da então

prefeita para a Câmara. Lá, sem base de sustentação, não avançou. Portanto, ainda que se

tenha reduzido a 20 ARs as anteriores 33, não houve avanço na Lei das Subprefeituras.

Desta forma, eleito o novo governo, de Paulo Maluf, o projeto foi arquivado. E as ARs

continuaram como moeda de troca da base governista para compor sua base de sustentação.

Vale ressaltar que Paulo Maluf ainda criaria mais seis ARs, perfazendo ao todo 26 em seu

governo, aumentando ainda mais sua capacidade de articulação e troca de apoio.

Ainda que não tenham sido implantadas as Subprefeituras, houve sim alguns avanços

interessantes. Um deles é que as ARs recuperaram prestígios, pois passaram a controlar parte

do orçamento, com incorporação de serviços de coleta de lixo e pavimentação. Assim, por

exemplo, a AR de Capela do Socorro tinha um orçamento anual de 30 milhões de reais

(FINATEC, 2004).

1.7 A criação das Subprefeituras

Na gestão de Celso Pitta foi criada mais uma AR e, ao final de seu governo, proposta

uma nova tentativa de emplacar com a descentralização, prevista na Lei Orgânica. Era o

chamado Posto Avançado, no qual haveria quatro Subprefeituras (norte, sul, leste e oeste) que

as controlariam. Mas este projeto fracassou, sobretudo porque era absolutamente técnico e

desconsiderava fatores políticos, culturais ou mesmo diferenças regionais (FINATEC, 2004).

Além disso, desgastado com os casos de corrupção presentes em seu governo, faltava-lhe

sustentação política para a aprovação do projeto.

Page 213: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

33

Seria então no governo da Marta Suplicy que entraria em vigor a lei 13.399/02 que

instituiria a criação das Subprefeituras, determinando seus limites territoriais e definindo os

papeis dessas instâncias locais, como prevêem os artigos abaixo:

Art. 3º - A Administração Municipal, no âmbito das Subprefeituras, será exercida pelos Subprefeitos, a quem cabe a decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local, respeitada a legislação vigente e observadas as prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal.

Art. 4º - As Subprefeituras, órgãos da Administração Direta, serão instaladas em áreas administrativas de limites territoriais estabelecidos em função de parâmetros e indicadores socioeconômicos.

Para criação das 31 Subprefeituras existentes, era necessário definir critérios que

garantissem o desenvolvimento local e atendessem os anseios da população local. Ou seja,

considerar o universo característico de cada região e acompanhar diretamente cada uma delas

para potencializar seu dinamismo. O número de Subprefeituras gerou enormes críticas, mas

cada uma possui população aproximada de 400 mil habitantes, maior que a imensa maioria

dos municípios, como vimos anteriormente. Para definir cada Subprefeitura, foram

considerados os seguintes critérios:

nenhuma subprefeitura deveria ter população maior de 500 mil habitantes, salvo pequenas exceções, a necessidade de subprefeituras nas áreas periféricas e de exclusão social, respeito aos limites dos distritos, proximidade geográfica e existência de barreiras físicas, existência de pólo comercial e de serviços, respeito a identidade política e cultural; atenção às áreas de preservação e de mananciais e, finalmente, combinação de áreas desenvolvidas com áreas precárias, incentivando o desenvolvimento regional. (FINATEC, 2004, p. 45)

Desta forma, foram criadas, conforme o artigo 7°, as seguintes subprefeituras e seus

respectivos distritos:

Page 214: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

34

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=14894

Essas subprefeituras criadas e instituídas eram diferentes dos modelos anteriores,

porque previam mais descentralização e forte participação local, sobretudo porque as duas

gestões anteriores (Maluf e Pitta) foram marcadas pelo sucateamento das ARs e também pelos

escândalos de corrupção. Diante disto, as Subprefeituras, respeitando seus limites territoriais,

tinham o que se segue como atribuições definidas no artigo 5°:

I - constituir-se em instância regional de administração direta com âmbito intersetorial e territorial;

II - instituir mecanismos que democratizem a gestão pública e fortalecer as formas participativas que existam em âmbito regional;

Page 215: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

35

III - planejar, controlar e executar os sistemas locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central da administração;

IV - coordenar o Plano Regional e Plano de Bairro, Distrital ou equivalente, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico da Cidade;

V - compor com Subprefeituras vizinhas instâncias intermediárias de planejamento e gestão, nos casos em que o tema, ou o serviço em causa, exijam tratamento para além dos limites territoriais de uma Subprefeitura;

VI - estabelecer formas articuladas de ação, planejamento e gestão com as Subprefeituras e Municípios limítrofes a partir das diretrizes governamentais para a política municipal de relações metropolitanas;

VII - atuar como indutoras do desenvolvimento local, implementando políticas públicas a partir das vocações regionais e dos interesses manifestos pela população;

VIII - ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços locais, a partir das diretrizes centrais;

IX - facilitar o acesso e imprimir transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos;

X - facilitar a articulação intersetorial dos diversos segmentos e serviços da Administração Municipal que operam na região.

Parágrafo Único - As diretrizes mencionadas nos incisos III, IV, VI e VIII deste artigo serão fixadas pela instância central de governo, mediante elaboração de políticas públicas, coordenação de sistemas, produção de informações públicas e definição de política que envolva a região metropolitana, ouvidas as Subprefeituras.

Para dar conta de toda a nova dinâmica e da descentralização prevista, era necessária a

criação de uma nova estrutura organizacional, que desse dinamismo e pudesse ter autonomia

suficiente para alcançar os objetivos. Desta forma, ficavam as Secretarias existentes com o

papel de desenvolver políticas e acompanhar sua implementação, garantido uniformidade

nesta, e as Subprefeituras com o papel de garantir a execução no seu respectivo território.

Para tanto, em 2003, em dezembro, foi enviado um projeto complementar 13.682,

criando a estrutura da Subprefeitura. Foram criados, além do cargo de Subprefeito, os

seguintes: chefia de gabinete do subprefeito e assessores diretos; e as seguintes

coordenadorias: Assistência Social e Desenvolvimento, Planejamento e Desenvolvimento

Urbano, Manutenção da Infraestrutura Urbana, Projetos e Obras, Educação, Saúde e

Administração e Finanças.

Cada uma destas áreas, além do Subprefeito e seus assessores, recebeu destacadas

atividades para efetivar o poder local, como previa o projeto. Conforme lista elaborada a

partir da Finatec (2004) percebe-se a importância de cada uma destas Coordenadorias, além

do papel do Subprefeito, como veremos abaixo.

Page 216: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

36

Ao Subprefeito cabe a decisão, direção, a gestão e o controle dos assuntos municipais

em nível local. Ele deve representar política e administrativamente a prefeitura na região.

A Coordenadoria de Assistência Social e Desenvolvimento (CASD) responde pela

implantação e execução das políticas públicas de inclusão e promoção nas áreas de

Assistência Social, Trabalho, Segurança Alimentar, Habitação, Esporte, Lazer e Cultura;

coordena, propõe, articula e participa de projetos integrados de Ação Social e

Desenvolvimento no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (CPDU) é responsável

pela implantação e execução das políticas municipais e ações nas áreas de Controle e Uso do

Solo e Licenciamento, Fiscalização e Planos de Desenvolvimento Sustentável (Habitacionais,

Ambientais, de Transporte, Urbanísticos e de Uso do Solo) no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Manutenção e Infraestrutura Urbana cuida da implantação e

execução das políticas municipais e ações de Limpeza Pública e Manutenção e Reparos no

âmbito da Subprefeitura; coordena, propõe, articula e participa de ações integradas de

Manutenção da infraestrutura.

Cabe à Coordenadoria de Projetos e Obras responder pela implantação dos Projetos e

Novas Obras no âmbito da Subprefeitura; assegurar a execução e integração das atividades

das Divisões de Próprios e Edificações, Drenagem, de Viários e Urgências Urbanas de acordo

com a legislação, com as políticas públicas e diretrizes fixadas; assegurar a elaboração de

projetos e a implantação de obras em conformidade ao Plano Regional da subprefeitura.

À Coordenadoria de Educação cabe responder pela implementação da Política

Municipal de Educação no âmbito da Subprefeitura; elaborar o Plano Anual e o Plano

Plurianual da coordenadoria; assegurar a produção e disponibilização de informações sobre as

ações da coordenadoria internamente e ao conjunto da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Saúde é responsável pela implantação da Política Municipal de

Saúde no âmbito da Subprefeitura; elabora e implanta o Plano de Gestão Local da Saúde

(anual e plurianual); assegura a implantação e acompanhamento das ações de avaliação e

controle do SUS no âmbito da Subprefeitura.

A Coordenadoria de Administração e Finanças deve ser responsável por todas as áreas

de pessoal e orçamentária da Subprefeitura. Dessa forma, cabe a ela responder pela

implantação e execução das políticas municipais nas áreas de Administração, Gestão de

Pessoas, Suprimentos e Finanças no âmbito da Subprefeitura.

Page 217: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

37

Todo o processo de criação do projeto de Subprefeitura, como também toda a

arquitetura da descentralização e o envio das equipes para as Subprefeituras seriam dignos de

um estudo, mas foge ao escopo deste trabalho.

Vale ressaltar ainda que, novamente, o processo da descentralização e das

Subprefeituras perpassa de uma gestão para outra, em governos opositores. Com isso, imposta

a derrota na tentativa de reeleição da Prefeita Marta Suplicy, seu sucessor, José Serra e o

posterior, Gilberto Kassab, adotam outros caminhos para as Subprefeituras. Primeiro, tirando-

as da rota principal de seus governos e, segundo, tomando decisões e caminhos

diametralmente opostos aos que haviam sido criados com a então prefeita Marta Suplicy.

Para efeito de comparação, se Paulo Maluf e Celso Pitta ignoraram a necessidade de

criação das Subprefeituras e aumentaram as ARs e seu poderio de barganha política,

entregando-as a suas bases de apoio no legislativo. José Serra e Gilberto Kassab tomaram

outro caminho, mesmo com as Subprefeituras já instaladas: promoveram o esvaziamento das

Subprefeituras como instância de governo local e sua autonomia. Abaixo alguns dos

principais pontos que levaram ao desmonte da proposta original de Subprefeitura:

• Redução das Coordenadorias, sobretudo em Educação, Saúde e Assistência Social.

Para a primeira, foram, conforme decreto 45.787/05, de 31 para 13 e a segunda e

terceira para 5 das 31 existentes. Isto significou dividir a base territorial de cada

Subprefeitura, em relação às coordenadorias. Ou seja, cada coordenadoria teria um

recorte diferente, por sua conveniência. Assim, as coordenadorias de Saúde e

Assistência Social, cada uma com sua própria base geográfica, e que não se

comunicam entre si. Na Coordenadoria de Educação, por exemplo, encontram-se 4

subprefeituras (Vila Mariana, Sé, Vila Prudente e Ipiranga) das regiões leste, sul e

centro.

• Redução do poder de participação local nas Subprefeituras, fortalecida, sobretudo pela

ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

• Centralismo Orçamentário; o orçamento da prefeitura aumenta 154% de 2005 para

2012, mas as verbas para as subprefeituras tiveram um acentuado declínio, reduzidas

ao longo desse período (2005-2012) em 61%.

• Redução das Subprefeituras ao serviço de Zeladoria, com abandono de funções de

desenvolver as potencialidades locais. Ainda assim, o orçamento esteve concentrado

Page 218: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

38

em poucas Secretarias nos últimos anos: Infraestrutura e Obras, Desenvolvimento

Urbano, Planejamento e Coordenação das Subprefeituras.

• Alguns dos serviços devolvidos ou mesmo executados por Subprefeituras não

possuem recursos para execução, por exemplo, o emplacamento de ruas.

• Outro dado importante refere-se às equipes presentes nas Subprefeituras. Além do

desinteresse dos servidores, dada a intensa descontinuidade de políticas, há também a

falta de quadros pelos mais diversos motivos, sendo baixos salários e aposentadoria os

principais. Com isto, há uma enorme carência de quadros competentes, sem reposição

há alguns anos. Para ilustrar, podemos usar como exemplo os Agentes Vistores. Em

1992 eram aproximadamente 1200 para a cidade toda; atualmente resumem-se ao

número de 320 pessoas em atividade24.

Destas observações acima podemos concluir que os Subprefeitos possuem menos poder

do que na época das Administrações Regionais da prefeita Luiza Erundina. Com os recursos

bloqueados e escassos e com as coordenadorias suprimidas, as subprefeituras são apenas (e

péssimas) zeladorias.

O assunto Subprefeitura continua, porém, a suscitar debates importantes sobre a

descentralização, participação e as formas de governo da cidade. Como vimos, as

Subprefeituras foram instituídas como instâncias que pudessem lidar com desafios locais que

necessitam de ações concretas e singulares em cada região.

Por isto, no próximo capítulo, adentraremos a Subprefeitura Sé, entendendo suas

particularidades e desafios, internos e externos, que a justificam como a subprefeitura mais

importante da cidade.

24 Informações do Sindicato dos Agentes Vistores da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Page 219: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

39

2. A Subprefeitura Sé: território de Contrastes

2.1 Caracterização do Território

A Subprefeitura Sé foi criada em 1973, quando seu nome ainda era Administração

Regional (AR), até ser alterado em 2003. Esta Subprefeitura é das mais importantes da cidade,

por concentrar a maior parte dos bens culturais do município25. Possui em toda sua extensão

26,2 km² de área. Além disto, é também no centro que grande parte da população se desloca

cotidianamente, para o trabalho ou à procura dele, ao comércio, eventos culturais e uma

infinidade de serviços prestados pelos mais diversos órgãos ali presentes. Não à toa que em

sua localidade encontram-se 17 linhas de metrô e circulam aproximadamente 3,5 milhões de

pessoas/dia.

Os distritos componentes da Subprefeitura Sé são oito: Bela Vista, Bom Retiro,

Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Sé e República, como podemos ver no mapa

abaixo:

Fonte:http://www.encontrahigienopolis.com.br/higienopolis/

25Aqui entendidos como produção simbólica e material produzida ao longo do tempo

Page 220: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

40

O distrito Sé é onde se encontra o centro velho da cidade e de onde a cidade se

expandiu para o novo centro, a República - como é possível perceber pela figura acima-, e aos

seus demais distritos, ao longo do século XIX. Como áreas importantes do distrito Sé,

podemos citar: área do Mercado Municipal, onde também se encontram a zona cerealista e a

25 de março, uma das principais áreas de comércio do centro e do país. Além disso, há o

Parque Dom Pedro, a Catedral da Sé, o Pátio do Colégio, o Triângulo histórico26 e outras

áreas como, por exemplo: Largo do São Bento e Largo do São Francisco. É uma área rica em

bens materiais tombados; existem atualmente 26, sem levar em conta os que estão em

processo de tombamento27.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21547

26 Compreendem-se as ruas: XV de novembro, Direita e São Bento. E como referências de vértices estão as igrejas: Sé, do Carmo, São Bento e São Francisco. 27 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras.

Page 221: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

41

A República, centro expandido a partir da inauguração do primeiro viaduto do Chá,

em 1892, comporta o chamado centro novo e possui características mais diversas. Coexistem

moradias e comércios e estão inseridos em seu território: Câmara Municipal, Palácio dos

Correios, Teatro Municipal, Praça da República, Avenidas Ipiranga e São João e o boêmio

Largo do Arouche. Além disso, a Rua Santa Ifigênia, que se especializou no comércio de

produtos eletrônicos.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=29255

Os outros bairros, expansão do centro (velho e novo), também foram construindo a sua

história ao longo do tempo e cada um com suas particularidades, como poderemos

acompanhar nas descrições que seguem sobre eles.

Page 222: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

42

O distrito da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que, segundo o DPH28,

ainda guarda inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do

solo29, ou seja, preserva características originais iniciadas no período de expansão do centro,

ao final do século XIX. Por conta disto, estas localidades são tombadas, por ser caracterizado,

segundo documento de tombamento, “o grande número de edificações de inegável valor

histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo” e, continua, “mescla dos usos residencial,

cultural, comercial e de serviços especializados”. Além disso, observam-se neste distrito

inumeráveis cantinas e teatros, que fazem parte da história local. Este bairro é considerado,

segundo o mesmo documento, um bairro de elevado potencial turístico no âmbito nacional.

Neste distrito está a Av. Paulista um dos principais centros econômicos da cidade e do país.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=22398

28 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras 29http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/49c99_22_T_Bairro_da_Bela_Vista.pdf

Page 223: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

43

O distrito do Bom Retiro é atualmente conhecido como complexo das artes, por ter em

seus limites o bairro da Luz, que concentra diversos pontos de interesse, como: Pinacoteca,

Museu da Língua Portuguesa, Sala São Paulo, Orquestra Sinfônica e o Jardim da Luz. O

distrito é também famoso pelo comércio de moda. Estão ali confecções e tecelagem,

sobretudo, nos tempos atuais, dominadas por coreanos. A história deste distrito começa pela

concentração de indústrias que, ao longo dos anos, foram dando lugar às atuais confecções. É

ainda um bairro permanentemente de população árabe, ainda que agora estejam presentes

também os coreanos.

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=35594

O Cambuci talvez seja o distrito que menos preserve características centrais e tenha

características mais parecidas com as de bairro (e neste sentido se aproximaria muito mais dos

distritos da Subprefeitura Vila Mariana). Aqui existe uma pequena área de concentração, onde

se encontram comércios e serviços, localizadas, sobretudo nos arredores do Largo do

Cambuci, Rua dos Lavapés, Independência e Avenida Lins de Vasconcelos. Recentemente,

por conta desta característica, o bairro passou por uma supervalorização imobiliária, sendo

tomado por incorporadoras.

Page 224: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

44

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21962

A Consolação é o distrito de melhores condições econômicas e sociais de todos os

citados. Lá estão localizados bairros como a Vila Buarque, Pacaembu e o famoso

Higienópolis, bairro criado no início do século XIX, que obedecia a ideais higienistas30. Suas

ruas são arborizadas e largas. Além disso, conta com “diversidade estética das edificações,

inspiradas em modelos europeus, representa novas formas de morar da burguesia urbana”.

Conta também com algumas das mais importantes universidades brasileiras, como a

Universidade Mackenzie, a Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), a Pontifícia

Universidade Católica (PUC) e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Dos

equipamentos públicos localizados neste distrito sobressaem-se o estádio do Pacaembu e as

bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além deles, dos 39 imóveis tombados,

destacam-se: Fundação Escola de Sociologia e Política, Cemitério da Consolação, Instituto

Mackenzie e o teatro Cultura Artística.

30 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras

Page 225: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

45

Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=26765

Na Liberdade está concentrada a colônia japonesa, que ocupou o bairro com maior

intensidade a partir de 1970. É um bairro misto entre moradias modestas e comércios. Nos

tempos atuais há outras colônias orientais, compostas de chineses e coreanos. Também se

encontram neste distrito a baixa do Glicério, área pouco mais degradada e a Aclimação31,

pouco mais conservada e com características de bairro. Vale ressaltar que no Glicério

concentraram-se alguns empreendimentos fabris em tempos não muito longínquos. Existem

também alguns patrimônios tombados, sendo dos dez existentes, a Capela dos Aflitos a mais

conhecida.

31A Aclimação é geralmente ligada ao distrito do Cambuci, mas como aponta o mapa, pertence ao distrito da Liberdade.

Page 226: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

46

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=20429

Em Santa Cecília, distrito nascido no período industrial, encontramos diversidade de

ocupação e uso. Em seu território é possível observar residências de médio e grande porte,

sobretudo nos Campos Elíseos. Além disso, caracterizou-se como bairro fabril e operário,

com pequenas manufaturas e grandes fábricas, sobretudo na várzea da Barra Funda. Por fim, o

distrito caracterizou-se, no bairro de Santa Cecília, por moradias modestas, unifamiliares e

coletivas. Dos dezesseis imóveis tombados, destacam-se como mais conhecidos o DOPS e a

Estação Júlio Prestes.

Page 227: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

47

Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=28611

Como se pode observar, cada um destes distritos possuí uma diversidade enorme no

que se refere a sua caracterização, formação, condição econômica e geográfica, além da sua

riqueza material e simbólica. Ainda que diversas, estas características os aproximam,

tornando-os distritos centrais. Ao mesmo tempo em que existem estas diversas riquezas

citadas, existem também os enormes desafios sociais que coexistem e que demandam um

olhar atento e minucioso. Por isso, neste sentido, vale analisar um pouco mais outros aspectos

característicos desta subprefeitura e destes distritos.

Nesta região moram, segundo dados do último senso do IBGE, 435 mil pessoas32,

divididas nos distritos da seguinte maneira: Bela Vista (16%), Bom Retiro (8%), Cambuci

(9%), Consolação (13%), Liberdade (16%), República (13%), Santa Cecília (19%), Sé (5%).

Se olharmos o perfil do público por faixa etária, temos a seguinte configuração: de 0 aos 9

anos (9%), dos 10 aos 14 anos (5%), dos 15 aos 19 anos (5%), dos 20 aos 29 anos (21%), dos

30 aos 59 anos (44%) e dos 60 anos em diante (16%). Como podemos ver é uma população 32 IBGE, Senso 2010

Page 228: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

48

eminentemente adulta e jovem, que compõe o perfil dos moradores desta região, ou seja, 65%

da população têm idade entre 15 e 59 anos de idade. Mas, ao mesmo tempo, é considerável a

população idosa dessa localidade e que demanda atenção e cuidados especiais.

A área central concentra grande parte dos equipamentos culturais, particulares e

públicos. Por exemplo, há no centro 53das 332 salas de cinema da cidade, 136 das 254 salas

de teatro, 33 de 93 Centros Culturais, Casas de Cultura e Espaços Culturais, 38 dos 124

museus33. Por estes dados é possível observar não só a concentração dos equipamentos, mas

também a distribuição desigual, em relação à cidade. Com esta concentração, é possível

perceber a efervescência do centro e toda a ocupação que se dá nesta região por grupos e

coletivos que expressam suas manifestações culturais e artísticas. Além disso, outras áreas do

centro, como o Vale do Anhangabaú e Avenida Paulista, recebem os grandes eventos da

cidade aberto ao público. Dentre estes eventos podemos citar, por exemplo, o Réveillon, a a

Virada Cultural, a Parada Gay e a corrida de São Silvestre.

Neste território também se encontram alguns dados sobre trabalho, emprego e renda

interessantes. Por exemplo, 17,8% dos empregos da cidade se localizam nos distritos desta

Subprefeitura34. Isto significa, em números, pouco mais de 712 mil empregos formais35, sendo

a área que mais emprega na cidade, acompanhada apenas por Pinheiros, que emprega

aproximadamente cem mil pessoas a menos. A terceira, para dar ideia do abismo, aproxima-se

de 490 mil pessoas. Nem é preciso citar o impacto disto, qual seja, a concentração das pessoas

durante o dia na região. Ainda neste universo temos como dados: 20% do total de empregos

formais pagam entre meio e um salário mínimo e meio, e na outra ponta, 22% recebem entre

quinze e vinte salários mínimos. Estes números demonstram o quanto esta região é

economicamente rica.

Outro fator importante é que no centro se localizam quase todas as secretarias

municipais, além de inúmeras autarquias, empresas públicas e secretarias estaduais. Ora, isto

é um fator determinante na valorização e ocupação do centro, mas também um agente

facilitador na construção de políticas, programas e projetos, já que se podem acessar

prontamente outros órgãos, entes e pessoas em poucos minutos, acelerando tomadas de

decisões importantes bem como o início de novos processos e operações.

33Estes dados colhidos em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br

34 IBGE, Senso 2010. 35Exclusive Administração Pública

Page 229: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

49

2.2 Populações Vulneráveis

Vimos até agora os atrativos do centro, sua concentração cultural e de algum modo sua

riqueza e importância financeira. Mas não é só disto que ele é feito. Ao olharmos

detidamente a população no território, nos extratos mais pobres, os números também

impressionam, mas negativamente. Há uma população que quase escapa aos números do

IBGE e, em muitos casos, da própria política municipal. Para mostrar a dimensão do que

falamos, basta tomar conhecimento da população na região central que vive em extrema

adversidade. Pouco mais de 7 mil pessoas recebe até meio salário mínimo36, segundo dados

do Senso/IBGE 2010. Estão distribuídos da seguinte forma, por número de pessoas: Bela

Vista (819), Bom Retiro (1243), Cambuci (636), Consolação (530), Liberdade (939),

República (1375), Santa Cecília (958) e Sé (670).

Os moradores em situação37 de rua, acolhidos e não acolhidos, também estão presentes

nessa região da cidade, compondo 55% de todo o contingente no município. Constituem-se

por: pessoas em situação de rua e em situação de rua com uso de substâncias químicas,

migrantes e imigrantes, egressas do sistema prisional, vítimas de violência doméstica, sexual e

de tráfico de pessoas. São ao todo 6832 pessoas, segundo o último senso realizado em 201138.

Destes atuais, pouco menos da metade está acolhida por algum programa (3747 pessoas).

Vale dizer que as novas modalidades de abrigo das pessoas em situação de rua criam tensão

entre as associações de moradores e a Subprefeitura, mas não trataremos disto agora. Apenas

para registro, os moradores em situação de rua não se cobrem apenas com papelões e

cobertores velhos, como se costumava registrar. Atualmente uma nova modalidade de abrigo

tem sido disseminada, que é o uso de barracas de camping. Portanto, além dos lugares

tradicionais - baixa de viadutos e marquises-, estas pessoas têm montado suas barracas

também em praças, canteiros centrais e áreas verdes, deixando, em muitos casos, essas

barracas armadas o dia todo. Além disso, o próprio perfil do morador de rua alterou-se ao

longo dos anos. Nos últimos anos não é a falta de emprego que leva as pessoas à rua, mas a

quebra do vínculo familiar e o uso de substâncias químicas, e nessa população tem-se

infiltrado o tráfico de drogas. Para se ter ideia, um levantamento feito pela SMADS aponta 24

pontos viciados na região, ou seja, em que as barracas ficam montadas quase que

36 Dados do Senso/IBGE, 2010 – Fontes retiradas de SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) 37Definição dada por SMADS: pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de

viadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, assim como aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em centros de acolhida ou abrigos. 38 Este senso é realizado a cada dois anos, no segundo semestre. Foi realizado, em 2011, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).

Page 230: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

concentra a maior parte dos moradores em situaçã

Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

coletivas multifamiliares, presente

Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

desejo do proprietário. Ainda que exista a Lei Moura

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

abaixo:

Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

39 Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

concentra a maior parte dos moradores em situação de rua, predominantemente não acolhidos

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

presentes nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura

Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de habitação

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

inda que exista a Lei Moura39 e tenham-se reconfigurado as suas

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive,

Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços 50

diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de

rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se

, predominantemente não acolhidos.

Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias

nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura

ção, higiene, ventilação,

salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o

se reconfigurado as suas

condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380

Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, uma

Page 231: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

51

Ao todo são 657 cortiços na Subprefeitura Sé em funcionamento, distribuídos da

seguinte forma: Bela Vista (158), Bom Retiro (77), Cambuci (51), Liberdade (131), República

(62), Santa Cecília (143) e Sé (41). Estima-se que, segundo dados da SMADS40, 7706 pessoas

encontram-se nas condições já citadas: precárias e insalubres.

Ainda no que se refere às condições de moradia no centro, podemos citar as

ocupações, entendidas como espaços vazios e/ou abandonados, sobretudo prédios públicos

e/ou particulares, ocupados pelos movimentos de moradia na região central. São

aproximadamente 49 prédios ocupados, com aproximadamente 50 famílias em cada um

deles41, perfazendo um total de 2450 famílias. São aproximadamente 8300 pessoas em

moradias sem as condições adequadas de habitação. Além disso, muitas delas estão ocupando

locais que oferecem risco à vida, por problemas elétricos e estruturais nos prédios. Ainda é

possível observar que muitas delas estão em risco eminente de reintegração de posse.

Por fim, existe na área central a Favela do Moinho, a única do centro e que abriga

atualmente 450 famílias. O terreno é uma antiga fábrica de farinha e é cortada por um viaduto

e a linha de trem. Existe hoje um impasse entre população e governo municipal no que se

refere à ocupação local. A prefeitura pretende remover as famílias para programas

habitacionais e uma parte da comunidade pretende a urbanização da área.

Na área da Saúde os números são ainda mais controversos, como citava anteriormente.

Na Sé existem 34 hospitais e ao todo 5763 leitos, destinados para sua população residente,

uma média considerada positiva na distribuição população x leitos (coeficiente de leitos gerais

13,08). Porém, apenas dois destes hospitais são públicos e oferecem nos leitos 277 vagas42.

Para dar uma ideia do déficit em saúde no centro, ainda em equipamentos de saúde, faltam,

para a Atenção Básica, 17 UBS43. Há ainda a ausência de UBS em dois distritos: Liberdade e

Consolação44.

Ainda na Saúde existem outros desafios que compõem este diagnóstico. Por exemplo,

a população idosa45 do centro gira em torno de 16%46 de toda a população. Para esta faltam

políticas claras na região central e também há a ausência de programas que possam atender

esta demanda de forma devida. São apenas, a título de exemplo, três equipes no PAI

40 SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) 41 Projeções feitas por técnicos urbanistas da Prefeitura Municipal de São Paulo 42 Não considero que alguns destes hospitais particulares tenham convênios e atenda a população de forma gratuita. Isso aumentaria a quantidade de leitos considerados públicos, mas ainda assim será, seguramente, aquém do necessário. Importante dizer que por ter dificuldade de acesso a estes dados não foi possível precisar o dado. 43 Unidade Básica de Saúde (UBS): local onde se realizam atendimentos básicos e gratuitos e faz encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. 44 São ao todo 9 UBS na Subprefeitura Sé. 45 Consideramos conforme define o Estatuto do Idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 46 Projeção Populacional por Faixa Etária e Sexo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU- Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.

Page 232: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

52

(Programa de Acompanhamento ao Idoso) e não há, outro exemplo, transporte sanitário para

esta população. Ora, o sofrimento mental, álcool e drogas e violência são desafios que estão

presentes, perfazendo em torno de 10% de toda população de rua da cidade; estão presentes

massivamente no centro.

Por fim, outros segmentos populacionais presentes no centro oferecem desafios e

precisam de tratamentos diferenciados, como a população imigrante, migrante e os egressos

do sistema prisional. E da mesma forma as pessoas vítimas da violência e exploração sexual e

tráfico de pessoas.

Na educação os números também são consideráveis. Existem na região

aproximadamente 60 instituições de ensino entre conveniadas e próprias da prefeitura, desde

creche ao ensino de jovens e adultos, passando pelo ensino fundamental. São ao todo,

oferecidas 12.559 vagas, tendo aproximadamente um total de sobra de vagas de 10%. Ao

detalharmos um pouco mais as vagas existentes, percebe-se que destes 10% há uma parte

considerável que se refere ao ensino de jovens e adultos, mas também é possível ver vagas em

ensino fundamental em certas regiões, como na Bela Vista, Sé e Liberdade. Nestas regiões a

soma total de vagas em aberto chega a 414. A região possui em cadastro 384 pessoas:

portanto, ainda sobrariam 30 vagas. Existe um problema de distribuição das vagas nessa

região e também de alternativas que possam dirimir esta diferença. Ou seja, algumas escolas

têm vacância, enquanto outras sofrem por falta de vagas. Mas a maior demanda por vagas está

nas creches. Existem hoje, 2.676 vagas para este modalidade de ensino e seu preenchimento é

superior a 97%. A demanda, ou seja, o número de cadastros existentes chega a 1.625 até o

último registro considerado para este estudo. É impossível dar conta desta demanda sem a

construção de novos convênios e a instalação de novas creches. Vale dizer que, por haver

carência de equipamentos em certas regiões, as mães não fazem cadastro de seus filhos e, por

isso, há uma demanda reprimida, que aumentaria ainda mais o contingente reserva.

Os dados de segurança do centro também demandam atenção, pois são alarmantes e

apontam alguns desafios a serem enfrentados. Certamente as apreensões por comércio

irregular e ambulante são os que mais evidenciam a Sé, mas não é só isso o que configura a

região. No último julho de 2013, foram registrados seis estupros num total de 72 na cidade.

Evidentemente, imagina-se um número maior de ocorrências por toda cidade, sem que as

vítimas prestem queixas. Ainda assim, estes seis ocorridos colocam a Sé entre as

Subprefeituras com maiores índices, representando quase dez por cento dos crimes ocorridos

na cidade. Quando o assunto é crime contra o patrimônio, a Sé toma a liderança. Os números

Page 233: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

53

para Roubos Outros são 1.725 registrados. Furtos Outros chegam a 4274 e Furto de Veículos

foram 434 nesta região. Há de se registrar que o fato de as delegacias não respeitarem os

limites dos distritos e Subprefeituras dificulta o levantamento exato dos crimes, mas ainda

assim a variação para alguns crimes é pequena, não alterando, por exemplo, a liderança da

Subprefeitura Sé, para algumas ocorrências no rearranjo das delegacias.

Além dessas áreas de forte incidência no território, no que se refere aos temas sociais

de predominância das secretarias de assistência e desenvolvimento social, saúde, educação,

segurança e habitação, há outras atividades de forte impacto na vida dessa Subprefeitura.

2.3 Zeladoria

O centro também é caracterizado pela presença de inúmeras áreas verdes, entendidas

aqui como: praças, canteiros centrais e áreas gramadas/ajardinadas. Além destas, ainda que

não componham áreas verdes, estão os largos e as áreas sob os viadutos, sendo que estas

últimas exigem outra complexidade de tratamento. Excluindo estas últimas, temos na região

central 159 áreas verdes, incluindo os largos, e, portanto, 131 praças. Os distritos com mais

praças são: Consolação e República, com 17 cada uma e Sé com 15. Aqui não estão

consideradas as árvores, que se estimam acima de 30 mil, sendo que, pela mesma estimativa,

a maior parte delas está em risco eminente de queda, necessitando de poda ou remoção.

Por fim, na conservação há ainda os baixos de viadutos, que são áreas sob viadutos,

pontes e elevados e que precisam ser limpos, conservados e vistoriados regularmente. Na

região central existem ao todo 7247 estruturas com estas características, sendo ocupáveis

aproximadamente 4948. Um exemplo é a Ponte Orestes Quércia, conhecida como mini

Estaiada, ocupada por, no último levantamento feito até este estudo49, 150 famílias. O baixo

do viaduto não é um tema de fácil solução, pois nessas áreas constam, por exemplo,

cooperativas de recicláveis, estacionamentos, pontos de tráfico, pessoas em situação de rua e

em uso de químicos, escolas de samba, sacolões etc. Além do precário estado de conservação

da maior parte, estes ainda trazem muita insegurança à população do entorno. Vale dizer que,

47 Levantamento realizados pelos técnicos do Gabinete da Subprefeitura Sé 48As não ocupáveis referem-se a áreas onde passam rios ou córregos. 49 Levantamento feito para cadastramento das famílias a serem inclusas e programas sociais da Secretaria Municipal de Habitação.

Page 234: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

54

conforme o decreto 48.378/200750, que regulamenta o uso de baixo do viadutos, algumas das

atividades realizadas são irregulares.

Dentre todas estas questões há ainda os canais de comunicação com o munícipe, que

são os serviços 156, feito por central de atendimento telefônico, as Praças de Atendimento e

Portal da Internet, que oferecem meios para solicitar serviços. O primeiro canal, o 156, é

eminentemente procurado para busca de informações sobre itinerário de ônibus. Já os outros

dois canais oferecem, como mostramos no capítulo anterior, uma gama infinita de serviços:

são mais de 150 serviços mapeados e estima-se que exista outra gama diversa feita por

voluntarismo dos servidores. Na Praça de Atendimento os serviços são, na maioria, abertura

de protocolo para realização de eventos, segunda via de IPTU e CCM51, além de outros

pequenos serviços, como carteira de trabalho, por exemplo. O Portal de Internet também

recebe solicitações dos munícipes, dos mais diversos assuntos, mas, sobretudo, verificam-se

pedidos de melhorias locais e reclamações sobre serviços prestados pela prefeitura. Portanto,

estes três canais compõem o SAC, Sistema de Atendimento ao Cidadão. Num levantamento

realizado pela equipe da Subprefeitura Sé encontramos alguns dados interessantes. Esta

Subprefeitura recebe aproximadamente 1.400 solicitações por mês para os mais diversos

assuntos: desde reforma do calçadão a pedido de limpeza em ruas, de denúncia a comércio

irregular e/ou ambulante a moradores em situação de rua ocupando áreas públicas. Nos

últimos cinco anos, dos pedidos realizados, estão sem respostas aproximadamente 22 mil,

sendo 12 mil no último ano. Para a demora desses serviços há uma gama de justificativas,

desde a impossibilidade de realização52 até a não abertura, pelos servidores, da solicitação

enviada pelo munícipe. Existem também os casos em que o trabalho foi realizado, mas por

falta de equipe, não houve baixa da solicitação. Enfim, essas incorreções fragilizam o dado,

mas o que se observa é o déficit entre receber solicitações de serviços e a baixa capacidade em

atendê-las de forma adequada.

Como vimos, o papel da Subprefeitura também é o de fiscalização dos

estabelecimentos comerciais e o acompanhamento e fiscalização de obras, observando os

limites que cabem a ela, previsto em lei. Isto inclui, por exemplo, os equipamentos culturais

em seus limites territoriais. A rigidez das leis e o tamanho das equipes impedem o devido

acompanhamento e fiscalização, e, como consequência, permite as mais diversas ilegalidades,

além da deslegitimação da prefeitura.

50Regulamenta as Leis nº 11.623, de 14 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.775, de 4 de fevereiro de 2004, e nº 13.426, 5 de setembro de 2002, que dispõem sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais. 51 Cadastro do Contribuinte Mobiliário 52 Por exemplo, é proibida a supressão de raízes das árvores, mas havia a possibilidade de entrar com o pedido.

Page 235: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

55

Até aqui quisemos mostrar uma fotografia do território que compõe a Subprefeitura

Sé, com uma população superior a mais da metade dos municípios brasileiros e que enfrenta

os mais variados desafios: desde a preservação do patrimônio histórico até a população

vulnerável e em situação de risco, além dos desafios de zeladoria destas áreas, repletas de

desafios e em quantidade considerável.

2.4 Centralização e Descentralização

A Subprefeitura, como vimos, é um espaço de integração das diversas unidades da

prefeitura, que tem como objetivo acabar com a sobreposição de papéis, a imprecisão de

responsabilidades e aproximar os responsáveis pela tomada de decisão, dando agilidade e

rapidez ao processo. Portanto, é possível afirmar que seu papel seja de autoridade técnica e

administrativa, por possuir (ou deveria possuir) conhecimento detalhado do território que lhe

permite coordenar e executar políticas, considerando suas especificidades e particularidades,

priorizando-as.

Como vimos até agora, porém, o que se planejou e não se aplicou na prática trouxe

algumas consequências de forte impacto sobre o local. Por exemplo, espalham-se os casos de

corrupção cometidos por agentes públicos lotados em Subprefeituras, em grande parte, pela

dificuldade de acompanhamento dos mesmos, além do excesso de trâmite e burocracia a que

estão sujeitos os cidadãos que dependem de serviços municipais, que agilizam pagamento de

propinas para “pular” a lentidão a que seu processo está sujeito. Além disso, a desarticulação

e a falta de coordenação entre entes do governo agravam problemas.

Por exemplo, é possível que a Secretaria de Saúde precise de um terreno para a

construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não consiga encontrá-lo sem ajuda

da Subprefeitura. Assim como a Secretaria de Educação pode precisar para a construção de

creches, mas sem o mesmo conhecimento local, não o encontre com facilidade. No centro,

pela ocupação intensa da área, encontrar terreno para suprir demandas é uma tarefa difícil. Ou

seja, sem articulação interna, pode-se adiar, quando não abortar a construção de um

equipamento público. Ou é possível observar o que ocorreu na Aclimação, onde existe uma

rua famosa pela quantidade de comércios especializados em espetinhos de carne. Nesta área

dois problemas foram denunciados pelos munícipes: irregularidade na ocupação destes locais

e crime ambiental. Um problema de atribuição da Subprefeitura e outro da SVMA53.

53 Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SMVA)

Page 236: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

56

Motivados pelo mau cheiro, excesso de barulho noturno e congestionamento, a população

local pediu às autoridades o fechamento desses estabelecimentos – a área é considerada

residencial. Por falta de coordenação, a Subprefeitura e a Secretaria de Verde e Meio

Ambiente não atuam de forma conjunta. Ocorreu então que a Secretaria do Verde aplicou

multas contra crimes ambientais, porém, sem ir conjuntamente com a Subprefeitura, que

poderia lacrar o local e é a única que tem competência legal para isto. O resultado disto não

poderia ter sido pior. Os estabelecimentos investiram na adequação de seus espaços, conforme

exigiam as multas aplicadas. Diante disso, quando a Subprefeitura atuou os estabelecimentos,

eles entraram com recursos na justiça, alegando alto investimento na adequação, conforme

exigência referida. Ou seja, de ilegal, passaram a ser legais e os pedidos da população ficaram

inócuos, insolúveis a médio prazo. A Secretaria de Verde e Meio Ambiente acabou

legalizando indiretamente esses locais, gerando forte sentimento de revolta na população.

A não descentralização tem forte impacto também sobre as políticas sociais realizadas

no território. Primeiro, porque parte do desenho territorial das Secretarias engloba, como

dissemos, mais de uma Subprefeitura. Quase sempre desconhece o todo e especifico de cada

local. Segundo, porque acabam atuando sozinhas na implantação de suas políticas, o que não

é necessariamente efetivo. Aliás, é possível afirmar o contrário: é pouco efetiva a superação

dos desafios. Um exemplo disso é a DRE54 Ipiranga. Esta Delegacia abrange ao todo 16

distritos e 4 Subprefeituras. Portanto, escolas de Heliópolis ao centro fazem parte deste

recorte. Possuem 233 instituições de ensino sob seu guarda-chuva, num território

populacional de 1,4 mil pessoas. Existem, atualmente, segundo dados da própria Secretaria,

pouco mais de 60 mil alunos regulares. Com este tamanho, algumas lacunas saltam e

necessitam de intervenções. Por exemplo, na região central faltam vagas em creches. Alguns

equipamentos não oferecem conforto e segurança necessários para as crianças; há políticas

salariais discrepantes nas conveniadas e mais uma gama de outras implicações provenientes

da política educacional, mas também do abismo que há entre estas e as outras escolas, no que

se refere ao território.

Fica claro que é preciso reunir os diversos atores para que se possam superar os

problemas e estes coexistem com interesses conflitantes e antagônicos, em muitos casos. Por

isso precisam de espaços de diálogos e intermediação para lidar com os conflitos,

solucionando-os quando possível. É impossível, sem as Subprefeituras, que associações

locais, conselho de segurança, coletivos culturais, sindicatos e grupos organizados apresentem

54 Delegacia Regional de Ensino.

Page 237: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

57

as suas pautas de reivindicações e possibilidades para a localidade e mesmo para a cidade.

Sem isso, a dimensão de esfera pública como lugar de todos fica extremamente prejudicada,

pois não promove espaços concretos de experiências. O poder público tem condições de

promover espaços para que essa diversidade e pluralidade possam aparecer. Como vemos nas

palavras de Jovchelovitch:

É, de fato, na experiência da pluralidade e na diversidade de perspectiva diferentes, que ainda assim podem levar a um consenso entre o público, que o sentido profundo da esfera pública se encontra. De acordo com Arendt (1983), o termo público significa dois fenômenos relacionados, mas não idênticos: em primeiro lugar, ele quer dizer que o que é público pode ser visto e escutado por todos e possui maior publicidade possível; segundo, o termo se refere ao próprio mundo enquanto algo que é comum a todos os seres humanos e se diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele. (JOVCHELOVITCH, 2000, pg 49)

Como exemplo, abordaremos algumas políticas sociais em execução na Subprefeitura

Sé e que poderão mostrar os desafios aos quais nos referimos e que claramente precisam de

uma coordenação mais articulada para que sejam mais efetivas, eficazes e eficientes. Abaixo

traremos um exemplo concreto que se refere à população em situação de rua e que, nos

últimos anos, tem chamado a atenção, dado o seu vertiginoso crescimento, mesmo com certa

estabilidade econômica e crescimento dos empregos formais.

Um estudo levantado pela Subprefeitura Sé indicou que havia entre oito a dez ações

voltadas para a população de rua, realizadas por diversas secretarias, como segurança urbana,

assistência social e saúde. Ao olharmos para a Assistência Social, é possível perceber mais de

55 serviços específicos para a população em situação de rua realizados por sua rede de

conveniada com um investimento mensal próximo a 6 milhões de reais ao mês. Da mesma

forma, a Saúde tem seus mais de quatro programas e ainda é possível citar a Habitação, que

usa o Programa Moradia Social, destinado a esta população.

Ao olharmos mais detidamente os números, no entanto, percebemos que a saída das

pessoas em condição de rua é muito baixa, sobretudo porque faltam programas mais

integrados e que dependam obrigatoriamente de uma ação articulada de várias secretarias,

mas com recorte territorial. Ou seja, é preciso pensar em como “tirar” a pessoa da condição de

rua. E isto envolve obrigatoriamente formas de empregabilidade, moradia, educação e

formação profissional, acesso a crédito e outros pequenos serviços. Para que os resultados

lograssem êxito, seria necessária a participação efetiva de outras secretarias, numa ação

conjunta, como por exemplo, Secretaria de Trabalho e Educação, além da própria

Page 238: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

58

Subprefeitura. Isso sem contar entre as próprias secretarias citadas como executoras de ações.

Quer dizer, sem que elas atuem conjuntamente, é difícil pensar na superação da pessoa em

situação de rua. Evidentemente, existem exemplos bem sucedidos, mas eles quase sempre são

específicos, e não generalizados, como deveriam.

Ainda é possível observar o completo desconhecimento das secretarias sobre os dados

regionalizados de outras secretarias. Por exemplo, sobre a primeira infância, as secretarias de

assistência e saúde não acessam com facilidade dados sobre educação, e vice-versa, tampouco

atuam de forma conjunta para superação dos desafios. E isto se estende a outros temas, nos

quais a articulação por parte da Subprefeitura e mesmo a coordenação seria de vital

importância para obtenção de resultados mais satisfatórios. Estes problemas citados se devem,

em maior parte, ao recorte territorial de cada secretaria, que não promove espaços de troca

dentro do governo entre esses servidores. Como dissemos até agora, a Subprefeitura deveria

ser o espaço de articulação e coordenação desses serviços.

Para terminar com um exemplo, podemos citar o caso dos cortiços irregulares, cuja

política habitacional cabe à secretaria de habitação, mas as multas cabem à Subprefeitura. Se

um cortiço se estivesse adequando à Lei Moura, não faria sentido multá-lo, porém, por falta

de articulação, a Subprefeitura aplica a multa e liquida-se a possibilidade de adequação do

mesmo. Evidentemente, outros problemas decorrem deste; por exemplo, a expulsão de

algumas famílias dos agora não mais cortiços, e que integrarão o contingente em situação de

rua. Ainda sobre o cortiço, as famílias possuem o mesmo cadastramento em lugares

diferentes, ou seja, para a Saúde, Educação, Assistência Social e Habitação. Portanto, há

informações que uma secretaria necessita, mas só a outra possui. E em alguns casos, nenhuma

delas fez tal registro. Nenhuma destas secretarias faz o recorte racial no questionário,

impossibilitando a SMPIR55 de ter dados específicos sobre a população negra, por exemplo.

Por fim, neste caso, a Habitação cria a sua própria equipe de Assistência Social e após a

realização da melhoria do cortiço dá por encerrada a sua participação com os moradores dos

cortiços. Vale dizer também que para esta Secretaria persiste ainda a visão de que o morador

em situação de rua é um problema de Assistência Social e não seu.

Outro reflexo ocorre na morosidade da atuação conjunta entre áreas. Por exemplo,

comentou-se há pouco que a SVMA56 e a Subprefeitura Sé atuaram em tempos distintos na

Aclimação, não solucionando o problema e, inclusive, atenuando-o. Mas existem outros

problemas nesta articulação. Vejamos o serviço de poda e remoção de árvores que pertence à

55 Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) 56 Secretaria Municipal do Verde e meio Ambiente

Page 239: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

59

Subprefeitura, a executora do serviço. Em seus limites, como vimos, existem muitos móveis

tombados, que exigem, por lei, um processo específico para intervenções, mesmo para poda e

remoção de árvores. O ideal seria uma articulação entre Patrimônio Histórico, Subprefeitura e

SVMA, que seria muito mais ágil se as duas últimas fossem integradas e articuladas no

território.

Quis mostrar até aqui como a Subprefeitura tem dificuldade de lidar com as tensões de

seu território e de como esta desarticulação traz os mais variados impactos negativos para a

cidade. Vimos, indiretamente, que a centralização excessiva das Secretarias e o recorte

arbitrário de cada uma sobre o que considera seu território de atuação não poderiam trazer

resultados diferentes, a não ser os já citados: desconhecimento do território, falta de clareza na

política, falta de gestão política e administrativa e morosidade processual.

Por outro lado, fica evidente a importância da Subprefeitura como projeto político-

administrativo, olhando para a Subprefeitura Sé. Vimos também que essa é uma região rica e

também uma das mais desiguais ao colocar nos mesmos espaços pessoas com condições de

vida tão díspares, tendo numa ponta as de elevado poder econômico e na outra as que se

encontram em extrema pobreza e fragilidade social.

Além disso, a região oferece diversas atrações culturais e artísticas, pagas e gratuitas,

mas que nem de longe estão acessíveis a todos que estão presentes no território, apartando

deste direito um contingente considerável de pessoas. É assim no que se refere aos leitos

hospitalares, que se comparam aos padrões internacionais, mas são quase todos particulares,

não sendo acessíveis a todas as pessoas. Para alcançar um padrão mínimo internacional em

saúde, precisariam ser construídas mais nove UBS.

O desafio é grande quando nos referimos, por exemplo, à manutenção de áreas verdes

e baixos dos viadutos. Seja por falta de quadros técnicos, centralização de gestão, supressão

de recursos financeiros e excesso de burocracia, alguns serviços demoram meses a serem

realizados, quando não o são de fato. Portanto, é notória a falta de padrão de zeladoria e que

possam ser proativos e não somente reativos, como a maioria dos serviços hoje. A falta de

transparência na execução dos serviços também gera muitas arbitrariedades, como a

priorização de um pedido feito por vereadores ou mesmo o pagamento de propina para a

execução de um serviço, que normalmente, no atual estágio, levaria meses para ser realizado.

Ora, o desafio flagrante para as Subprefeituras realizarem seus serviços, conforme

previa seu projeto de criação, passa por devolver a esta a sua importância, descentralizando

novamente o poder das Secretarias, recriando as coordenadorias e respeitando os limites

Page 240: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

60

geográficos de cada Subprefeitura, para que estas possam ter o conhecimento aprofundado do

território e assim aplicar as políticas, considerando as especificidades locais e de forma

conjunta.

Se observarmos a demanda por vagas nas creches, é preciso pensar uma ação conjunta

no território, para que se possa dar conta deste desafio. Assim, nas particularidades do centro,

seria possível pensar em áreas para as creches nas ocupações que entram para programas

habitacionais e buscar nas áreas da Subprefeitura potenciais locais para a construção de

creches. Além disso, nas vagas em vacância, desenvolver estratégias para ocupação por

famílias atendidas por Assistência Social e que não encontram onde matricular seus filhos.

Por sinal, há dificuldades para a Assistência Social em inserir jovens em liberdade assistida

nas escolas, por exemplo. Ou seja, outra necessidade de uma ação conjunta mais próxima e

mediada.

Na cultura, além da valorização da local também poderia atuar de forma mais

contundente nas escolas, usando seus espaços culturais mais ociosos. Mesmo que já existam

programas de valorização e visitação destes espaços, eles são pontuais e não fazem parte de

uma política mais ampla. Também, e ainda na Cultura, seria possível pensar a reintegração do

morador de rua pelo viés cultural ou do esporte e tantas outras contribuições, como o uso dos

baixos dos viadutos e das praças e parques existente na Subprefeitura Sé.

Evidentemente, pensar na manutenção e aplicação destas políticas todas e na

manutenção em sua região requer, sem dúvida, maior aporte de recursos humanos e

financeiros, a criação de padrões de zeladoria e a participação de mecanismos de controle e

acompanhamento das mesmas.

Page 241: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

61

3. Referencial teórico da Pesquisa

Observamos, nos capítulos anteriores, que as Subprefeituras sofreram significativas

mudanças ao longo do tempo, que ora contribuíam para seu desenvolvimento e fortalecimento

institucional, ora não, desconstruindo este papel e esvaziando sua importância como projeto

político. Essas intempéries produziram saberes e conhecimentos que contribuem para a

formação simbólica deste espaço para a população, bem estudado por alguns dos intelectuais

brasileiros. Mas também, ao mesmo tempo, para o funcionalismo público, sobretudo daqueles

que ocupam estes espaços e para quem, dentro de nossos limites, é foco de nosso estudo.

Segundo Jovchelovitch (2008, p. 95):

o que pode parecer irracional ou errado ao observador faz sentido aos agentes do conhecimento. É também neste sentido, ainda que não apenas, que um sistema de conhecimento deve ser avaliado: em relação ao significado e realidade psicológica que ele possui para aqueles que concretamente o produzem. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 95)

Desta forma, analisar o espaço público institucional, na perspectiva de seus atores, os

servidores públicos57, passa a ser elemento fundamental no estudo das Subprefeituras, porque

nos permitirá, dentre outras coisas, perceber como esse servidor se engaja no trabalho e como

percebe a importância de seu trabalho para o munícipe. Para tal, é preciso entender como

constrói seu mapa de significados e elabora e reelabora os registros de suas experiências

cotidianas em espaços de interações com outros servidores, mídias, munícipes e partidos

políticos. O objetivo é captar a realidade construída a partir de lógicas inconscientes inscritas

no contexto em que se encontra, no tempo e na história.

O modelo referencial para nosso estudo será a Teoria das Representações Sociais,

procurando compreender as questões arroladas acima com os servidores da Subprefeitura Sé.

57 Conforme explicitam os artigos Art. 2º e 3°, do Estatuto dos Funcionários públicos define que os funcionários públicos são aqueles que legalmente ocupam cargo público e são remunerados pelos cofres municipais, além de outras especificidades que legitimam o cargo.

Page 242: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

62

3.1 A Teoria das Representações Sociais

A Teoria das Representações Sociais foi apresentada em 1961 por Serge Moscovici

que, por meio de sua tese58, destacava os conceitos gerados na psicanálise e usados no

cotidiano da população francesa de modo geral (FARR, 1995). Seu estudo baseou-se na

concepção de Representação Coletiva de Durkheim, para quem o indivíduo era um fenômeno

psíquico e irredutível a sua atividade cerebral, ou seja, sem influência no fenômeno social.

Isto é, estático e tradicional (GUARECHI, 1994). Nas palavras de Durkheim (1970, p. 39),

(...) o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que na fusão da qual ele resulta, todas as características individuais, sendo divergentes por definição, neutralizam-se e apagam-se mutuamente. (DURKHEIM,1970, p. 39)

Ao fazer esta afirmação, Durkheim deixa claro que o fato social59 era exterior aos

indivíduos e, portanto, capaz de condicionar e determinar suas ações, independente das

manifestações individuais que pudessem ocorrer. Em contraponto, Moscovici, como refere

Guareschi (1994), vai olhar as sociedades modernas como fluídas e dinâmicas, substituindo o

conceito de coletivo por social. Em poucas palavras, significa dizer que o indivíduo é tanto

produto da sociedade, mas também, como afirma Moscovici (1978), agente de mudança dela.

Desta forma, ao distanciar-se do conceito de Durkheim, propõe as Representações Sociais

como modelo. Para Moscovici, a diferença entre os conceitos é explicada da seguinte forma:

(...) as representações coletivas são um mecanismo e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), enquanto para nós são fenômenos que precisam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que se relacionam com uma forma particular de entender e comunicar: um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Para destacar esta diferença, usarei o termo social em vez do termo coletivo (MOSCOVICI apud ÁLVARO E GARRIDO, 2006, p. 287-8).

Entendido o percurso que diferencia a virada de pensamento de Moscovici sobre

Durkheim, o que seriam as representações sociais como teoria para explicar o fenômeno das

58 La Psychanalyse, son image et son public 59 Fato social para o Durkheim possuía três características: coercitividade, exterioridade e generalidade. O primeiro refere-se à força que os fatos exercem sobre as pessoas, os quais são transmitidos a estas na maneira de pensar, agir e sentir. O segundo refere-se à exterioridade, ou seja, existe independente da vontade ou consciência dos sujeitos, sendo inclusive, que estes tenham nascido antes de nascermos. Por fim, o terceiro conceito para o autor é aquele que se aplica, no mínimo, a maior parte da sociedade, ou seja, é geral por ser coletivo.

Page 243: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

63

relações do (e no) cotidiano? A sensibilidade de sua teoria está justamente no entendimento

do cotidiano como fenômeno que explica o senso comum, ou seja, o modo como se dão as

formas de apropriação do conhecimento nos espaços coletivos e na relação com o outro. A

construção do simbólico se dá na dinâmica da vida, nos arranjos institucionais e nas

comunidades nas quais os sujeitos estão inseridos. Assim, Moscovici entende por

representações sociais:

(...) entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana nos cursos de comunicação interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 26).

Existem muitas representações sociais, pois seu ideário é justamente o de explicar as

diferenças de nossa sociedade, tornar o desconhecido em conhecido e ressignificá-lo para

atuar novamente sobre a realidade. E é justamente neste processo dialético que o sujeito

detém poder de transformação, quer dizer, é parte ativa deste processo. É importante observar

que, para Moscovici (1978, p. 25), toda representação é composta de expressões socializadas

e, continua, “conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e

linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam

comuns”. Ou seja, os indivíduos irão agir em consonância com os elementos das

representações sociais que eles mesmos construíram. Afinal, como um sistema de valores,

noções e práticas, as representações guiam e influenciam o comportamento dos indivíduos nos

diversos contextos inseridos. Portanto,

as representações oferecem padrões de conhecimento e reconhecimento, disposições e orientações e conduta, que transformam ambientes sociais em lares para atores individuais e lhes permite entender as regras do jogo (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).

Evidencia-se desta forma, que as ações comunicativas e as práticas sociais presentes

no diálogo, na linguagem, nos processos produtivos, nas artes e mesmo nos padrões culturais,

produzem e conferem estrutura à vida social. É a mediação social que permitirá compreender

o mundo. Para isto, dois elementos integrantes da teoria das representações sociais, são

necessários: ancoragem e objetivação.

Page 244: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

64

Na ancoragem ocorre a integração cognitiva do objeto representado e, desta forma, é

possível categorizar, associar e nomear, portanto, localizar o objeto referido e dar a ele

sentido, compreensão. Os objetos são, segundo Jovchelovitch (2008), representados em

condições que pressupõem que tenham estoque prévio; afinal, em algum momento já foram

representados, ligados com o passado e suas significações. Moscovici (2003) define como o

“processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema

particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos

ser apropriada”.

Na objetivação, o conceito, para se tornar perceptível, é então traduzido em imagens

pelos sujeitos, quer dizer, é estruturante, tangível e concreto. Para Moscovici (2003, p.71-2),

“objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impresso; é reproduzir um

conceito em uma imagem”. Assim, estas imagens selecionadas formam o que Moscovici

(2003) denominou núcleo figurativo, que formam o complexo de ideias. Três fatores estão

envolvidos neste processo: a descontextualização, a criação de um núcleo figurativo e a

materialização dos elementos deste núcleo. Para o primeiro, ocorre a partir de critérios

culturais e normativos; o segundo reproduz a estrutura conceitual e, por fim, o terceiro,

transforma as figuras em elementos da realidade.

Para ambos, ancoragem e objetivação, há um elemento em comum e fundante: a

memória. É a partir dela que ocorre a elaboração e reelaboração e, assim, são reproduzidos os

conceitos e imagens para o mundo exterior. Em ambos os processos os elementos de

avaliação e captação serão forjados nos valores sociais presentes em cada sujeito. Como bem

lembrou Jovchelovitch (2008), a visão que os sujeitos desenvolvem acontece na interação

social e, portanto, a estrutura social na qual estão inseridos é fator preponderante.

Como exemplo do que citamos acima, podemos usar o seguinte trecho de

Jovchelovitch (2008, p. 189):

O conteúdo das primeiras representações sobre a Aids definiu o então novo fenômeno como uma peste, revelando em um único tema a gama de medos e práticas que se seguiram ao aparecimento da doença. Dizer que a Aids era uma peste foi um meio de ligá-la à história das epidemias e às práticas, ideias e sentimentos relacionados às suas trajetórias. Importa muito se as representações são sobre a paz, ou sobre a Aids, se são sobre a amizade, ou sobre o conflito Israel-Palestina. Em cada um destes objetos existe uma realidade a revelar: esta é feita de saberes, comunidades e práticas que vieram antes e que, gradualmente, se solidificam na estrutura e na realidade do objeto. É a isto que chamamos de objetivação.

Page 245: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

65

3.2 As Representações Sociais e a Esfera Pública

Os trabalhos de Sandra Jovchelovitch, estudiosa brasileira das representações sociais,

têm considerado a esfera pública como seu tema de atenção e foco. A sucessão de eventos

vividos cotidianamente na esfera pública irá condicionar as formas e personalidades, sem

tornar os sujeitos estáticos. Para Jovchelovitch (2008), a vida pública não é uma estrutura

externa influenciando a vida privada, mas um de seus elementos constituintes. Desta forma,

seus estudos são dedicados a entender como o espaço público influencia e molda o

comportamento das pessoas. Ou seja, os sujeitos constroem a realidade para, em seguida,

atuar sobre ela. Para ela, as representações estão radicadas nos espaços públicos, ao afirmar

que:

(...) as representações estão radicadas na esfera pública e se, ao mesmo tempo, nos processos de sua constituição, elas criam um saber sobre a esfera pública, investigar sua forma e conteúdo assume uma importância crucial para toda a perspectiva intelectual preocupado com as possibilidades de uma vida em comum que vá além do puramente privado, sem desconsiderar o sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68)

A autora, em seu livro As Representações Sociais Na Esfera Pública, estabelece

uma relação entre alteridade e esfera pública. Desta forma, demonstra como ocorrem as

construções simbólicas radicadas na experiência desse viver coletivo, de duas maneiras:

primeiro, define a importância de espaços públicos a partir de Hannah Arendt e Jürgen

Habermas. Em seguida, aponta as representações sociais, com base em três aspectos: a

formação da atividade simbólica, as representações sociais sobre a atividade representacional

e a criação da realidade simbólica compartilhada. Para isto, ela vai buscar em Piaget a ideia de

espaço potencial, em Winnicott, a atividade simbólica e em Mead, o Outro Generalizado.

A esfera púbica, do ponto de vista histórico, produz permanência, já que o passado

fornece bases ao presente e ao futuro (Jovchelovitch, 2008). Mas é também no espaço público

que a partilha ocorre e onde se constrói o sentimento e o sentido de realidade. Isto produz,

portanto, o que será o bem comum, pois transcende as pessoas. Nesse espaço de pluralidade,

na visão de Arendt (apud Jovchelovitch, 2008), as diferenças e similaridades, entendimentos e

consensos produzem o viver coletivo. Além disso, com base nas ideias de Habermas, a esfera

pública permite o encontro dos cidadãos e também a gestão destes mesmos, ou seja, o espaço

Page 246: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

66

público. Além disso, permite a criação de um saber sobre si mesma e formas de opinião

pública. Isto acontece porque, ao garantir a abertura e transparência e trazer as preocupações

comuns, garantida a posição de igualdade, é possível tomar decisão conjunta e coletiva

(Jovchelovitch, 2008).

Esta autora reafirma, a partir desses autores, a importância da esfera pública e é sobre

ela que mora nosso interesse. O viver em comunidade significa necessariamente, ao menos no

Brasil, estar circunscrito a um município e, portanto, de algum modo, ser afetado por este. Se,

como se diz, o viver solitário é impossível, também o é, da mesma forma, o viver sem um

governo instituído. E se é fato que estamos sujeitos a uma gestão, a um governo instituído,

como compreendê-lo e atuar sobre (e com) ele?

Ora, para ficar no exemplo de São Paulo, seu quadro funcional conta com mais de cem

mil servidores, que, nas mais diversas funções, afetam direta ou indiretamente a população em

seu território.

3.3 Objetivo Revisado

O livro citado60 estudou a construção das representações que as pessoas fazem dos

espaços não institucionais coletivos, mostrando como a formação simbólica é impossível sem

uma rede de significados constituídos. Ou seja, segundo Jovchelovitch, o sujeito é autor da

construção mental e ele pode transformar-se na medida em que se desenvolve. Além disso,

demonstrou a importância do espaço público como construto da alteridade, num processo em

que um desenvolve o outro.

Dentre os muitos lugares onde a vida pública se constitui, um deles é o espaço

institucional, onde parte das necessidades humanas é gerenciada, no sentido de regulação,

demanda e oferta para todos e onde os conflitos podem ser gerenciados. Compreendê-lo passa

a ser fundamental, já que é nesses espaços que os serviços prestados à população se

constituem e aqui também suas demandas são apreciadas, levadas adiante e solucionadas.

Poder pensar as representações que os servidores públicos da Subprefeitura Sé, no

município de São Paulo, fazem sobre si mesmos e todas as implicações já citadas, sobretudo

como eles se percebem e como vêem a importância de seu trabalho para o munícipe, nos

60 Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil

Page 247: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

67

permitem captar como isto, ao se realizar, infere na sua forma de trabalho e, direta ou

indiretamente, interfere na qualidade e na condição do serviço prestado aos munícipes e à

gestão da cidade.

Aprofundar-se nesta representação social pode trazer novos significados à valorização

dos servidores públicos e ajudar a compreender a multiplicidade de desafios presentes nas

estruturas da subprefeitura e nas relações que estes estabelecem com atores importantes como

os munícipes, por exemplo.

A escolha desta Subprefeitura leva em consideração a sua importância para a cidade,

permitindo que fosse gerida de forma mais autônoma e destacada em relação às outras. Como

dissemos ao longo do trabalho, esta Subprefeitura também sofreu poucas ingerências políticas

e administrativas, contou com certa autonomia financeira e o maior orçamento entre as

existentes. Teve a sua frente gestores ligados diretamente aos prefeitos e prefeitas da cidade.

O fato de este pesquisador trabalhar na assessoria direta do gabinete também fez parte da

escolha.

Outro motivo importante, como vimos ao longo do trabalho, se deve ao fato de esse

órgão estar muito próximo ao munícipe, sendo um dos seus principais canais de entrada. É

nas subprefeituras que muito dos serviços iniciam seu processo até que sejam concluídos.

3.4 Perfil dos Entrevistados

Os entrevistados desta pesquisa são sujeitos que ao longo dos anos de prefeitura

construíram um conhecimento sobre a gestão, sobre os servidores e sobre as Subprefeituras,

portanto, conseguem ter uma visão do todo.

Estas pessoas foram selecionadas pelo tempo de prefeitura - no mínimo dez anos -,

pois tiveram a oportunidade de passar por prefeitos e prefeitas de partidos diferentes e,

portanto, conviveram com visões ideológicas e projetos distintos. Além disso, os cargos

ocupados por elas também foram considerados para as entrevistas. As pessoas que

coordenaram equipes, ou foram chefes de secção, departamentos ou possuíram DAS61,

produziram conhecimento sobre a equipe e se relacionaram mais proximamente do Executivo,

neste caso dos Subprefeitos ou dos assessores de sua confiança.

61 DAS (Direção e Assessoramento Superiores) incorporação de salário por exercer função considerada importante pela Direção.

Page 248: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

68

Por fim, foram consideradas a partir de sua capacidade de trânsito na própria

Subprefeitura ou prefeitura, quer dizer, são pessoas que se relacionam com os mais diversos

departamentos, seja pela capacidade de relacionamento ou pela necessidade que seu

departamento exige para que determinado trabalho possa ser realizado.

3.5 Procedimentos Metodológicos

Para compreender as significações e os saberes produzidos pelos servidores

selecionados, escolhemos como procedimento metodológico entrevistas semiestruturadas, que

permitissem adentrar mais em alguns temas do que em outros, explorar o conhecimento e as

particularidades do entrevistado e garantir um ambiente seguro já que, pela posição do

pesquisador, alguns temas poderiam gerar desconforto ou insegurança por parte do

entrevistado.

Estas entrevistas foram gravadas para que pudessem ser transcritas, comparadas,

analisadas e categorizadas posteriormente na análise a ser descrita no próximo capítulo.

Os entrevistados foram escolhidos nas mais diversas áreas da Subprefeitura, sendo as

seguintes: na área de fiscalização, recursos humanos, assessoria direta do gabinete,

atendimento e administração. A escolha de pessoas de áreas diferentes tinha como objetivo

captar de forma mais precisa e diversa as impressões geradas nos servidores. Primeiro, porque

áreas diferentes permitem certas perspectivas de análise e, segundo, porque parte destas

pessoas já esteve em outras áreas da Subprefeitura, o que permite fazer comparações e

análises, descritas nas entrevistas.

Outra consideração importante é que, a partir do roteiro de entrevistas (anexo 1),

separamos três grandes grupos para análise, sendo eles: como são vistos de fora, como se

percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão. A ideia central

desses três grandes grupos é compreender como as experiências do dia-a-dia vão-se

elaborando, solidificando ou transformando estas imagens. Para isto, no roteiro de entrevistas

consideramos como eixos norteadores: Subprefeituras, Funcionalismo Público, Munícipe e

história de vida.

Para o primeiro, Subprefeituras, o objetivo principal era compreender como eles

captam a importância deste órgão, suas funções e como, ao longo dos anos, elas foram

Page 249: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

69

tratadas e retratadas. Eles a compreendem como moeda de troca, como largamente se lê por

aí? Que relação estabelecem com os políticos e assessores de livre-nomeação do Executivo?

O segundo, o Funcionalismo busca captar as imagens que constroem sobre o servidor

público, tentando entender como são compreendidos pela mídia e partidos políticos, como

constroem e desenvolvem as carreiras e o próprio trabalho diário. E também como lidam com

demandas e pressões constantes presente no cotidiano?

Para o terceiro, o munícipe, o principal objetivo é compreender como esta relação

ocorre e, sobretudo, qual a percepção que eles têm. O que vimos, quase sempre, são as

imagens que a população faz sobre o servidor público, mas não sobre a forma como o servidor

percebe, a forma como a imagem dele é construída. Como isto se constrói no cotidiano?

Por fim, é preciso compreender como no cotidiano o trabalho se desenvolve e como se

tornam mais fáceis a implantação de projetos, leis e outras determinações gerais, vindas do

Executivo e do Legislativo. Isto tem grande importância, já que são eles, servidores públicos

lotados nos órgãos de contato direto com a população, que irão implantá-los.

Page 250: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

70

4. Capítulo – Análise das Entrevistas

As entrevistas com os servidores da Subprefeitura Sé foram realizadas a partir de três

grandes temas, os quais exploraremos nesta análise. Estes temas são: como eles são vistos de

fora, como eles se percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão

pública ou da Subprefeitura que afetam diretamente seu cotidiano e impactam a qualidade do

serviço percebido e prestado pela mesma aos munícipes. Atores como a mídia, o próprio

munícipe, o partido político e eles mesmos, são os principais norteadores desta análise como

poderemos observar.

4.1 Como eles são vistos de fora

Ao iniciar o processo de análise das entrevistas, separamos três grandes eixos para

realizá-la, como dissemos. Uma destas é a imagem construída fora dos espaços da

subprefeitura, ou seja, como eles são vistos por aqueles que são de fora, na sua perspectiva?

Ao nos referirmos a estas “pessoas de fora”, falamos sobre três atores importantes e com os

quais eles mantêm um contato diário direto: a mídia, o munícipe e o partido político. Os três

exercem forte impacto na formação e na construção da imagem que os servidores criam sobre

si mesmos e, evidentemente, nas estratégias e na forma como eles desenvolverão seus

trabalhos.

Evidentemente, os munícipes constroem esta imagem, na perspectiva dos servidores

públicos, ao fazerem solicitações de serviços de zeladoria ou outros. Por exemplo, os

prestados pela Praça de Atendimento, como nos referimos no capítulo anterior. Por isso, ao

perguntarmos, por exemplo, como o munícipe percebe o servidor público, observa-se que, de

maneira geral, essa imagem não é muito positiva. O que podemos observar é que esta

imagem, do ponto de vista dos servidores públicos, se constrói a partir de três temas

importantes: a morosidade e a burocracia na solicitação e realização dos serviços, a falta de

recursos humanos e financeiros e o desencontro de informações na prefeitura como um todo,

que vão reverberar também na forma caricata que a mídia constrói.

Page 251: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

71

Por exemplo, quando se fala da morosidade dos serviços públicos, nota-se na fala,

inclusive, que o próprio munícipe desconhece o processo burocrático aos quais alguns

serviços estão sujeitos e que irão tornar mais morosa a realização do serviço. Desta forma, por

exemplo, a poda ou remoção de uma árvore, que precisa tramitar por processos mais

complexos se estiver em área envoltória de bem tombado, pode demorar mais de noventa

dias. Evidentemente, esta tramitação só reafirma na cabeça do munícipe a lentidão que há nos

serviços públicos e o servidor público não demonstra o menor interesse em fazê-lo caminhar

prontamente. Nem é preciso dizer que estes trâmites burocráticos se não respeitados podem

gerar processos administrativos contra os servidores envolvidos. No trecho abaixo, o

entrevistado fala claramente sobre essa morosidade no serviço público e, precisamente, sobre

como os munícipes os vêem por conta disto.

Ai... Uns molengas entendeu? Não quer saber nada de nada. Já, várias vezes, ouvi

isso... Entendeu, mesmo estando aqui na administração. Como várias vezes ouvi munícipe

falando do pessoal da praça de atendimento. (...)

O pessoal vê a gente uns acomodados. Entendeu? Que não quer nada com nada e estão nem

aí, eu entro com processo hoje, 2013, Outubro de 2013... lá para Outubro de 2020, eu vou

estar tendo resposta do meu processo... Então é essa imagem que a gente passa e por mais

que você tente mostrar que não é e que tem uma agilidade, mas também tem uma morosidade

que não é nossa, não é do servidor, é da própria burocracia, tem tempos para o processo

andar, essa coisa toda nem tem... entendeu?

Outra fala que ilustra bem a morosidade e a descrença que eles entendem haver por

parte dos munícipes é sobre a demora no atendimento dos serviços. Os próprios servidores

entendem que a escassez de recursos (materiais e humanos) a que foram submetidas as

subprefeituras, impede a realização dos serviços de forma satisfatória. E isto é atenuado pela

forma como foram feitos alguns dos contratos de zeladoria. Como podemos observar na fala

do entrevistado abaixo:

Do atendimento da demora né? (...) pro munícipe é agilizar e a única coisa, eu acho o que

tem que fazer é agilizar, resposta. O que tem que fazer é agilizar, ele quer resposta; não quer

saber se foi bem atendido. Pode até reclamar se ele não tiver um atendimento adequado. Ele

quer o problema dele resolvido. Eu vim aqui tratar que eu quero que tire a árvore que está lá

Page 252: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

72

quebrando a minha calçada. Eu vou falar, olha meu senhor, eu não posso atendê-lo agora

porque eu estou sem minha equipe de árvore, não sei o quê. Ele fala, eu não quero saber, tira

a árvore; eu não quero saber se tem dinheiro, se não tem. Ele que ser bem atendido então, o

que você vê? E realmente a questão do atendimento da demanda. Na demora da resposta do

serviço que ele pediu.

Por fim, a sobreposição de informações causadas por interpretações diferentes de leis,

normas e procedimentos sobre um determinado assunto, que só reforçam a imagem que os

munícipes constroem sobre o servidor público, como podemos acompanhar na leitura do

trecho abaixo:

Quando você dá o retorno a pessoa a pessoa fala assim.. Nem acredito que a Sra. me

retornou...Não...eu falei que iria retornar, mas eu já falei com 5 ou 6 setores e ninguém

retorna...

Sabe...? Que elas acham um absurdo quando são bem tratadas. Você entende o que eu

estou dizendo? Porque assim, o serviço no geral; não estou falando da Sé, eu já precisei de

informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava

levando canseira de ligar e não aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7

telefones e eu falando que eu não era a colega e que eu era daqui... Você imagina uma

pessoa de fora o que ela não passa!

É possível observar que a imagem que eles constroem sobre a forma como os

munícipes os percebem tem muita relação com os entraves com os quais eles lidam

cotidianamente e dos quais, talvez pela posição que ocupam, possuem pouca capacidade de

mudança e gerência. Outro fator, que será tratado mais à frente aponta para a maneira como

esses servidores percebem, inclusive, a atuação de alguns de seus colegas de trabalho que, de

muitos modos, reforçam o modo como os munícipes chegam a este perfil de servidor descrito.

Por fim, numa das entrevistas, é possível perceber que a própria atividade de algumas

áreas da Subprefeitura, a de fiscalização, por exemplo, gera um sentimento dual nos

munícipes. Se para uns ela beneficia, é certo também que em alguns casos as pessoas se

prejudicam com sua ação. Em casos como apreensões feitas ao comércio irregular e

ambulante ou o recolhimento de mesa e cadeira costuma gerar desconforto nos que

presenciam. Como podemos notar na fala abaixo:

Page 253: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

73

Agora fiscalização, ninguém gosta não. Porque 90% das vezes que a gente vai, ou 100% das

vezes que a gente vai é provocado por conta de alguma reclamação. Então se a gente vai e

resolve aquela reclamação, que foi provocada por alguém... É, esse alguém pelo menos,

quando é solucionado ele vai ficar satisfeito, mas o cara que tomou intimação e multa, com

certeza não vai ficar. Então há uma dualidade aí...

Outro ator importante na vida dos servidores públicos é a mídia, que perpetua, na

visão deles, o imaginário de alguém que é encostado, preguiçoso e corrupto. Diariamente os

principais jornais, sejam eles rádio, impresso ou televisão, mostram casos em que serviços da

prefeitura foram mal prestados, não realizados e, comumente, denunciam os desvios de

conduta por partes dos servidores, como o pagamento de propinas. Assim, na fala de um dos

entrevistados, a mídia os vê da seguinte forma:

O funcionário público de maneira geral eu não sei, pelo o que eu vejo na mídia... É

tudo vagabundo, né? Não trabalha. Agora se eles viessem aqui vê o que a gente faz, eles não

iriam achar que é assim não.

Ainda, para eles, a mídia não os diferencia, mostrando, por exemplo, casos positivos,

bons serviços prestados etc. Afirmam, ao contrário, que são sempre acusados mesmo antes da

prova cabal; mais à frente, observaremos outro exemplo em que não há a devida diferenciação

sobre quais cargos ou áreas ocupam, tratando todos da mesma forma. Um bom exemplo é

este:

Acabou! Então a mídia, ela tá lá, ela tá lá, para detonar né? Cai lá, falou que é

corrupção, é funcionário público.

Eu acho que a mídia ela pega, É... ela é louca para pegar um caso de corrupção né?

Já para arregaçar, né? E se não for ela já vai dizer que é sim, e depois... É que nem nós

tivemos um caso aqui de um Engenheiro, que saiu no jornal, e que nossa, ele teve problemas

com o filho na escola não sei o quê...Depois foi retratar, saiu um texto! E depois que viram

que o cara não tinha nada com aquilo, eles fizeram uma linhazinha de nada, falando que

aquele caso, não tinha sido daquele jeito. Mas e aí? E a vida do cara?

Page 254: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

74

Podemos observar este caso ilustrativo, no qual um dos sindicatos ligados a prefeitura

resolveu criar uma estrutura interna para lidar com a mídia e todas as acusações às quais eles

são sujeitados. Por exemplo, ao perguntar sobre como eles são vistos pela mídia, a resposta é

taxativa. Para eles todos (a mídia) os vêem como vagabundos.

Todos... E agora que eu estou há ano e meio no sindicato, eu vejo que é uma briga

incomensurável por parte nossa, de tentar mostrar para eles o que o funcionário público,

principalmente o agente vistor, faz. E a própria administração também, quando fala alguma

coisa de corrupção, joga a culpa em cima da fiscalização. E a prova mais concreta disso é

agora na época do Aref, em que o secretário anterior, ele dizia... “Não, nós vamos resolver o

problema da corrupção é implantando o SG), que é um sistema de gerenciamento da

fiscalização”. Só que esse Aref e outros que foram pegos, não têm nada a ver com

fiscalização, são de Aprovação, então a fiscalização sempre foi o bode expiatório.

A Subprefeitura Sé, ao longo dos anos, talvez pela sua posição estratégica e

importância para a cidade, costuma estar presente na mídia para as mais diversas matérias,

sobretudo sobre zeladoria e fiscalização. Ainda, é importante ressaltar os anos 90, na transição

entre Administração Regional e a criação de Subprefeituras. Este período foi marcado por

escândalos que abalaram a confiança da população em relação aos agentes públicos,

sobretudo os das Subprefeituras. A fala da entrevistada é ilustrativa neste sentido:

Mas... É eu vivi aqui na Sé na época do Hanna Gharib, que teve a máfia dos fiscais, a

questão toda... Eu vi funcionário sair daqui de dentro algemado, de camburão, sabe? Foi

uma coisa, assim totalmente constrangedora para a gente, sabe? Amigos de trabalho

chegando e a investigadora na sala... Era na época administrador regional, quando a pessoa

chegava, você falava veio pegar alguém. Entrava na sala do administrador e falava, chama

fulano aqui... O cara entrava na sala e já saía conduzido por ela e ia. Tem funcionário que

ficou dentro do camburão lá, uma hora fora e tal, sabe? A gente viu isso aqui, foi realidade

pra gente, né? Ah, eu ouvi dizer que tem corrupção, não! Nós vimos isso acontecer, né? Os

servidores saírem daqui de dentro dessa maneira e foi uma época muito triste, né? Porque eu

não tinha coragem de falar que eu trabalhava na Subprefeitura da Sé.

Page 255: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

75

Outros atores presente para o servidor são os políticos, entendidos como aqueles que

ocupam os cargos de livre provimento (indicados) e eletivos, como é o caso do prefeito e dos

vereadores. Esses atores são fundamentais porque criam, orientam e acompanham a execução

das leis, programas e projetos que serão executados nos mais diversos setores da

administração municipal, por um período determinado. O que podemos observar é que eles

sentem diferenças entre as diversas administrações (ou grupos políticos que dirigem a cidade).

E esta diferença, no modo como cada grupo trabalha gera diferenças de trato, mas é comum

também a distância entre a realidade e os objetivos entre os eletivos e os servidores de carreira

e a desvalorização dos servidores da casa e as condições de trabalho. E a reclamação comum

é que se voltam os olhares sempre para o externo, sem olhar para o que está dentro, sem

perceber as condições de trabalho às quais estão submetidos os servidores.

Quando alguém parar e realmente sair da sua cadeira e for conhecer cada

subprefeitura e não é... ouvir falar, certo? Quando o Chico levantar da cadeira e for

conhecer cada subprefeitura, talvez caia a ficha dele, porque ele está num, num, num...

prédio, super legal, né?... Ar condicionado moderno, tudo encapetado, elevador que

funciona, né? Ele tem o que... 8 elevadores que funcionam, né? Então, ele está uma

maravilha... Agora a Sé, a gente ainda conseguiu, se manter a trancos e barrancos, porque a

gente tem uma equipe de manutenção ponta firme. E as outras lá? Ele levantou, ele foi vê

como está São Miguel, como é que tá Santana... Então tem que sair e levantar a bundinha da

cadeira ir lá e conhecer, vê como que é que está a situação, talvez de um pouco mais de

valor.

Outro fator comum nessa relação é o sentimento de descontinuidade presente em

alguns momentos. Pelo fato de não haver conversas e escuta sobre o que já foi realizado, os

servidores apontam que os gestores não os escutam, afirmando, por exemplo, como no

exemplo abaixo, que cada um imprime seu estilo e projetos, ignorando, na maior parte das

vezes, o que já havia sido realizado. Ou mesmo não os consultam para fazer uma avaliação ou

pensar sobre possibilidades a serem consideradas antes da execução.

Se eles percebem... Não! Eles só percebem quando eles precisam de alguma coisa.

Aí, eles lembram que a gente existe, caso contrário eles não percebem e uma das coisas que

eu fico ... né? E a cada mudança do governo eu fico muito brava, porque são pessoas novas

Page 256: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

76

que vêm e não ouvem as pessoas que já estão na casa. Então vem com ideias novas e

atropelam aquelas que já estão dando certo. Ninguém senta para perguntar... Olha o que está

dando certo? Olha está dando certo, assim, assim e assado, feito. Então isso nós vamos

manter, vamos fazer algumas modificações, porque não é essa minha proposta de gerência,

mas vamos fazer pequenas modificações...Mas vamos fazer dar certo, tá?...Não, já chega já

passando o trator derruba e não valoriza quem já está na casa. E Isso eu falo para todo

mundoooo...O Marcus fez isso certo? Ahn ... Nevoral fez isso, Dra Andrea fez isso. Todo

mundo faz! (...)

É do meu jeito! Então você para tudo do que estava funcionando e começa de novo. E

quando a coisa começa a dar certo...Muda de novo porque já deu os 4 anos. Vereador só

lembra dos servidores quando a gente vai bater na porta deles, apitar, fazer apitar ou fazer

bater porta de panela, ou quando eles precisam de alguma coisa.

Outro comentário muito presente nos discursos refere-se à ocupação dos cargos

estratégicos por parte das nomeações políticas que o executivo promove. Para alguns elas

ocorrem justamente porque se trata de cargos de extrema confiança, na qual o Subprefeito

responderá em última instância (política ou juridicamente) pelos atos dos mesmos, portanto, o

que justifica sua escolha e seus critérios. Para outros, estas nomeações, promovidas em alguns

casos, sem que o ocupante tenha o conhecimento ou experiência que eles julgam necessário, é

que fazem existir este sentimento de desconfiança e desvalorização. Além disso, observa-se

durante as falas que o fato de as Subprefeituras serem moeda de troca para a base governista,

só ratifica esse sentimento de loteamento e manipulação que sentem em relação à

Subprefeitura, como observa um entrevistado ao afirmar:

Eles não privilegiam o cara que já está lá e tem o conhecimento. Eles privilegiam os

caras que vêm de fora (risos), entendeu? É, mas isso tudo é uma configuração que existe é...

Por conta de todos os partidos e... na minha opinião também não é errado. Se eu fosse chefe

de alguém desconhecido, eu iria levar o pessoal da minha confiança também, que aí eu sei o

que vai acontecer, não preciso ficar com os olhos grudados o tempo todo, já que a pessoa é

de minha confiança.

Em outras palavras, esse loteamento ou apadrinhamento e as trocas constantes sempre

que chegam novos quadros trazidos pelo executivo geram desconforto e necessidade de

Page 257: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

77

proteção entre eles. Criam, então, estratégias para lidar com esses servidores nomeados pelo

executivo, como podemos ver na fala abaixo:

Quem tá na casa não presta, então eu só vou ouvir os meus (--), quem eu trouxe, esses

são da minha confiança, porque toda vez que muda a gente se arma. Porque a gente sabe que

vem paulada. Então a gente já se arma... E facas e dentes e vamos que vamos, porque se

gritar... Pera aí, neguinho, tu tá chegando agora, nós já estamos aqui então não adianta

dizer que você vai por uma escada rolante de lá até o quinto andar, que você não vai dá... É,

é por isso, entendeu? Ninguém ouve a gente.

A relação entre esses dois grupos (livre nomeação e carreira) em muitos momentos é

marcada por uma intensa demarcação de posição e tensão. Como vimos na fala acima, os

servidores de carreira criam estratégias para lidar com o Executivo e sua equipe. Mas há

outros elementos que tornam essa relação ainda mais tensa. Por exemplo, nos períodos de

transição, são os servidores de carreiras que fazem esse processo transitório e, portanto,

repassam informações para os novos ocupantes dos postos de trabalho. A insegurança

presente neste processo, a lentidão burocrática, aliada ao histórico que o local por ventura

carrega como ponto de corrupção e incapacidade reforça ainda mais esta dificuldade. Um caso

ilustrativo segue abaixo:

Nós tivemos gestões que o chefe de gabinete falava para a gente, aqui só tem bandido

e vagabundo. Você entendeu? Por quê? Porque foi depois do que aconteceu. Por que...

Porque eu vou falar para você, que não é assim que funciona, ah tá... Mas sabe, a gente tem

que ouvir isso na cara? Tirar a gente por todos, né? Tirar a gente por todos pelo que

aconteceu, né? A gente passou isso!

Para os servidores de carreira a imagem que vêem representada melhorou nos últimos

anos, sendo capazes, inclusive nos dias de hoje, de afirmarem que são servidores públicos,

justamente porque trabalham muito, por exemplo. Por outro lado, ainda sentem que a mídia

perpetua a imagem do servidor de carreira aproveitador, preguiçoso e interesseiro, quando não

corrupto, como observaremos na análise posterior. Os políticos, como observamos, têm

mantido uma relação de dificuldade, sobretudo nos períodos de transição, pois sempre que se

Page 258: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

78

muda a gestão, grande parte das equipes sofre alterações. Evidentemente, isto tem impacto

direto na forma como o munícipe vai receber e perceber o serviço.

4.2 Como os funcionários públicos se percebem

Outro aspecto da análise que faremos dos funcionários públicos é compreender a

forma como se percebem no espaço de trabalho e quais estratégias constroem para realizarem

suas tarefas e enfrentar as demais adversidades presentes. Isto inclui compreender a percepção

que fazem dos outros servidores, quais são as ações que reafirmam ou desconstroem esta

imagem e quais as consequências que isto traz para o trabalho.

Como podemos observar durante as entrevistas, são muitos fatores que permeiam a

imagem que eles fazem sobre si. A falta de um plano de carreira, a presença de servidores

“corruptos” e “preguiçosos” e que justificam a criação, por parte dos munícipes, da figura

caricatural presente nos programas humorísticos são alguns dos ingredientes desse ambiente.

Mas, além deles, o sucateamento do ambiente de trabalho, a morosidade e/ou a inexistência de

acompanhamento, disciplina e punição, a falta de critérios nas escolhas e nas promoções dos

servidores são outros fatores presentes e perceptíveis nas falas dos entrevistados.

Para compreender este cenário, é preciso analisar a forma como os funcionários

compreendem seu papel e isto é importante, pois, como veremos, esta imagem ajudará a

separar aqueles bons servidores dos outros. Os entrevistados de maneira geral compreendem o

servidor público como aquele que está ali para atender o munícipe com zelo e decência. Nas

palavras de uma entrevistada “é aquele que cuida de toda necessidade que a população tem,

ou seja, resolve os problemas que eles te trazem”. Entre os entrevistados, grande parte deles

encontrou na carreira pública uma forma de melhorar e contribuir para a gestão da cidade e,

por conseguinte, na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como afirma outra

entrevistada “o funcionário é aquele grande sonhador, que a gente acha que a gente vai

prestar o concurso e a gente vai passar e que a gente vai poder ajudar a cidade a melhorar, a

crescer desenvolver”.

Para eles, os maus exemplos de servidores públicos são maioria no ambiente de

trabalho, sendo em todas as entrevistas, superiores aos quinze por cento, quando questionado

o percentual de péssimos servidores. Consideram maus servidores quem perpetua a imagem

Page 259: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

79

preconceituosa existente no imaginário da mídia e dos munícipes. O relato da entrevistada é

esclarecedor sobre como existe essa divisão entre os servidores, quando diz que os que

trabalham e os outros “que levam nome e falam, eles falam que não trabalham mesmo, então

vamos lá... Tem outros que viram e falam, olha eu sou funcionário publico, filha, você quer

que eu trabalhe?”

A consequência deste comportamento apresentado, ou seja, de que por ser servidor

público não se trabalha mesmo tem parte da sua origem na falta de acompanhamento das

chefias imediatas. Falaremos mais detidamente sobre isto posteriormente, mas é importante

ressaltar que este comportamento vai impactar o trabalho dos demais. Um dos

comportamentos comuns percebido é descrito na fala abaixo:

Então aquele que deveria estar fazendo nove horas de serviço com uma hora de

almoço, ou seja, oito horas de trabalho. É, ele entra pela catraca, certo? Passa lá, existe uma

possibilidade de a gente pedir um relatório, de todo mundo que entra, com um horário que

entrou bonitinho... Ele sobe, não sei se assina ponto, quando você vê, o neguinho está na

praça de atendimento e vai embora. Ou seja, ele ficou aqui exatos 10 minutos que foi o tempo

dele pegar o elevador, subir na sessão, fazer um auê, para todo mundo ver e, ó, tô indo ali na

esquina. Ó, e você só vai vê-lo amanhã.

Ainda é possível observar que a falta de critério e a diferença de tratamento entre as

chefias imediatas reforçam a imagem do servidor que não trabalha ou que vem quando deseja

e conta, neste caso, com a complacência dos demais. E, ainda, é o beneficiário de certas

regalias, por exemplo, de horas complementares. Assim o servidor considerado correto

assume responsabilidades alheias e tem um tratamento considerado desigual, como aponta a

fala abaixo:

Aí você vira e fala, poxa vida, você não pode faltar, você tem que me trazer um

atestado médico ali. Tô te dando um exemplo, você tem que trazer um atestado médico, se

você não trazer, eu vou ter que corta seu ponto...Então você fala, poxa vida, o fulano não vem

a semana inteira trabalhar e ainda ganha horas complementares, então como é que faço?

Page 260: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

80

Este processo demonstra como os privilégios que alguns detêm sobre outros terão forte

impacto no ambiente de trabalho e também no externo, já que os considerados certinhos não

são promovidos ou reconhecidos pela própria administração pública nem pelos atores

externos, sobretudo a mídia. Neste sentido a fala de uma das entrevistadas é ilustrativa:

Olha, é bem o Mendonça mesmo! O Lineu é o que quer as coisas tudo certinho, que

piriri, papapá...! E que nunca é promovido... E o Mendonça que faz, faz o auê, faz a meia

onda por ali e acaba sendo promovido e isso é uma das coisas que você sempre vai ouvir por

aqui é assim... Quem faz merda, cai pra cima, quem anda certinho cai para baixo, né? E a

mídia acaba contemplando isso, né? Você vê, eles sempre falam do fiscal que deixou a obra

cair, e que embargou e sumiu e o outro que leva propina não sei de onde, piriri, papapá...

Mas eles não procuram um servidor, né, que fez a coisa certinha, bonitinha, que embargou a

obra, que deu sequência naquilo (...).

Por fim, outra fala ilustrativa neste sentido é observada ao dizer que o serviço público

no geral tem essa característica de pouco compromisso e desinteresse dos seus servidores.

Porque assim, o serviço no geral; Não estou falando da Sé, eu já precisei de

informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava

levando canseira de ligar e não é aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7

telefones e eu falando que eu era colega e que eu era daqui... Você imagina uma pessoa de

fora o que ela não passa!

Outro tema presente é a corrupção. Para todos eles é inegável a presença de corruptos

nas subprefeituras, que ocorre justamente por estar próxima ao cidadão, como aponta a fala da

entrevistada “a corrupção vamos dizer assim. Entendeu? É o local que faz o quê? Que

fiscaliza, que tem obra...”. Ou seja, é lá que a maioria das permissões é dada para a realização

de serviços por parte dos munícipes.

Para eles, o não acompanhamento e a própria morosidade nas investigações e sanções,

são responsáveis diretas. Para se ter ideia, nos últimos dez anos, apenas duas pessoas foram

exoneradas do serviço público na Subprefeitura. A maior parte, ao saber que o processo está

em curso, antecipa a saída e, com isso, o processo tende a não ter continuidade ou perder

força ao longo do tempo. Atrelado a esta condição, os baixos salários estimulam estes

Page 261: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

81

acontecimentos. É o que diz uma das entrevistadas ao afirmar, por exemplo, que acaba sendo

quase natural que, devido os custos de vida, alguns se entreguem ao suborno.

Você não tem um salário digno, que está aí fora no mercado, olha meu filho, se você

me oferece uma graninha por baixo... É obvio que todo mundo vai aceitar e você pode ver

que a grande parte, aonde, acontece os subornos, são aqueles que são ligados diretamente à

população! Então você tem os dinheiros, você tem os fiscais, você tem as pessoas que estão

de frente com a população...

Outro problema evidenciado nas entrevistas é a falta de um plano de carreira na

prefeitura, que vai culminar nas enormes disparidades salariais existentes e, na maioria dos

casos, fará com que estas diferenças de formação e valorização não sejam contempladas,

pareçam inexistentes, como afirma uma das entrevistadas ao dizer “a subida na carreira

também não significa muito! Determinados cargos, assim 50 a 80 reais a mais”. Assumir

mais responsabilidades ou ter formação superior, neste contexto significa muito pouco, como

observa “você não tem progressão, progressão, mesmo na carreira, você não tem um salário

digno”. Portanto, assumir cargos de maiores responsabilidades em relação ao anterior não traz

ganhos salariais compatíveis às novas responsabilidades na visão deles.

Ainda no que se refere ao sentimento de desvalorização atrelado à falta de uma

política salarial é possível observar que nos últimos anos o orçamento anual da Prefeitura

aumentou progressivamente, mas isto não significou para os servidores qualquer aumento real

e significativo. Na fala de uma das entrevistadas é possível ter esta percepção quando diz

sobre o aumento de 0,01%, realizado há alguns anos atrás: “chegava a ser humilhante um

aumento desses, pra que publicar? Pra que dar esse aumento?”. E, mais ainda, têm clareza

de que não existe progressão na carreira desestimulando a maior parte em se capacitar, por

exemplo.

As condições nas quais os servidores realizam seu trabalho também influenciam a

forma como se sentem e aumentam esse sentimento de desvalorização e impotência à qual

estão sujeitos. Se existem os servidores que não atendem as expectativas esperadas de sua

função, também é notório, para eles, que existem situações nas quais o serviço não pode ser

realizado por falta de recursos materiais e financeiros. Os recursos nas Subprefeituras nos

últimos anos diminuíram e, consequentemente, a capacidade de atender as solicitações de

forma mais rápida e efetiva também. Assim, pequenos reparos são feitos de forma

Page 262: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

82

improvisada ou com extrema lentidão, expondo ainda mais a imagem negativa da

subprefeitura. A fala é ilustrativa:

Se você vê aí, o outro dia, por exemplo, a gente precisou fazer aí duas ou três vias da

Brigadeiro Luiz Antonio que o cara quebrou para fazer um rebaixamento para entrar o

carro, e a gente aciona o pessoal de obra para fazer isso. O cara ficou um mês ou dois sem

poder ir porque não tinha saco de cimento. Então precisa ter a vontade e ter os argumentos,

né?

Evidentemente, este sentimento de desvalorização também está relacionado às

condições do trabalho. Para dar uma ideia sobre isto, a Praça de Atendimento da

Subprefeitura Sé, passou por um longo período, aproximadamente cinco meses, sem material

básico necessário ao trabalho, como clips, para manter as folhas de um processo unidas. Ou,

como ainda é possível presenciar, cadeiras quebradas, seja roda solta, encostos desajustados e

assim por diante. Não se compram materiais permanentes, ao menos nas Subprefeituras, desde

2010. Numa das entrevistas estas condições estão apontadas:

Olha, nós estamos largado ao relento. Você vê corte de orçamento? O Haddad

começou cortando, congelando todo o orçamento. E aí sai aos pingos, ou seja, tudo que

estava programado foi engavetado, tem que se começar do zero. A gente não tem dinheiro

para nada. Quando aparece alguma coisa, sai todo mundo estapeando, porque o meu é

prioritário, o meu é prioritário.

(...) e aqui dentro acaba ficando a Deus dará... Nós não temos dinheiro para comprar

telefone, nós não temos dinheiro para comprar mesa e nós estamos nessa situação... Já em

2010 a gente vinha sofrendo essa situação, a gente vinha solicitando melhorias internas, tá?

Você tem que concordar comigo, quando você tem um ambiente bom de trabalho, você

trabalha com pique, certo?

O que podemos perceber é que existe uma relação intrínseca entre a representação que

eles fazem de si mesmos, com aquelas que são representadas pelos outros atores; munícipes,

imprensa e políticos. Em parte, esta imagem se constrói e é reforçada pelas condições

Page 263: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

83

adversas de trabalho, pela escassez de recursos de toda natureza e por não haver, por parte do

Executivo, um investimento objetivo para modernizar a gestão.

4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura

Vimos até o momento como os servidores públicos se percebem em duas

perspectivas: como são vistos de fora e como eles mesmo se vêem e isto tem impacto na

forma como o trabalho se organiza e se realiza. Evidentemente, as condições a que estão

submetidos facilita ou dificulta a realização do trabalho e é sobre esta perspectiva que faremos

a análise.

Primeiro, é preciso compreender como estes servidores entendem o papel da

Subprefeitura, como eles a definem e entendem sua importância para a municipalidade. Como

pudemos observar, a atribuição de serviços de zeladoria e as autorizações para a realização de

obras e serviços passam necessariamente por elas e, portanto, a aproximam dos munícipes.

Mas não é só isto que a define e os motivos por quais elas foram criadas. A ideia da

descentralização carrega em si o anseio de um governo participativo, próximo e ágil, como

poderemos observar na fala da entrevistada:

Quando ela foi criada, ela foi criada com uma boa ideia, é de descentralizar todo o

poder... Que é o que a atual administração está tentando fazer, é trazer de volta que é a

descentralização e acho que fica mais fácil para o Munícipe chegar, aonde ele pode cobrar

suas reedificações. E tem que ser assim, se você tem só um órgão para atender toda uma

cidade, fica difícil essas demandas serem atendidas com certa rapidez, né? Agora se você tem

vários órgãos para atender uma população menor, acho que o atendimento fica mais rápido

e até corpo a corpo. Se você está na subprefeitura Sé e vem o cara aqui, da Aclimação

reclamar aqui com você, você já esta mantendo... Você já é vizinho dele praticamente. Agora

se ele vem de lá e tem que vir aqui no palácio do governo, já é uma distância maior. Não

geográfica, mas a nível de hierarquia. Você não consegue chegar ao prefeito. Você chega aos

assessores só, mas se você chegar.

Page 264: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

84

Porém, é claro que o papel das Subprefeituras ao longo dos anos foi perdendo seu

objetivo principal de organização e articulação territorial, de mediador de disputas e promotor

do desenvolvimento, sobretudo as populações mais vulneráveis, para se tornar um órgão de

zeladoria com serviços pontuais e limitados. O reordenamento dos últimos anos, com a

supressão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além das coordenadorias, só

diminuiu a autonomia e a capacidade real de intervenção, como podemos observar abaixo:

Era legal para caramba! Porque se sentava todo mundo. Educação, saúde, assistência

social, esportes, cultura... Sentávamos todos e discutimos o que seria bom, para subprefeitura

da Sé como um todo. O que é bom para o Centro, não é bom para o Cambuci, como não é

bom para o Bom Retiro. Então se ouvia todas as áreas, o social como sempre esteve em

todas... A educação e a saúde eram muito ouvidas e a gente direcionava planos de atuação e

de melhorias para esses distritos. Então, a subprefeituras para mim, na verdade era uma mini

prefeitura, um mini gabinete do prefeito, onde a gente podia decidir para o bem da

população.

Essas supressões fizeram com que ações prioritárias locais fossem remetidas às

secretarias. O papel reduziu-se a participar da logística, quase sempre, limpeza e remoção de

objetivos em vias públicas. Como exemplo, podemos observar as ações realizadas na região

da Luz, conhecida como Cracolândia. Estas aconteceram de forma pontual, coordenada por

alguma secretaria e à Subprefeitura coube o papel de limpeza, remoção de barracos e

interdição de imóveis. Não é preciso dizer que ações pontuais como estas têm efeito de curto

prazo e rapidamente a situação volta ao que era. O envolvimento dos atores locais, o papel da

PM e da GCM e as ações posteriores necessárias à manutenção da área não são gerenciados

por quem teria capacidade e atribuição legal para aproximar atores locais. A fala abaixo é

expressiva neste sentido:

Qual é o poder de decisão que a gente tem hoje? De definir aqui para nós que seria

melhor a gente... Ter uma atuação mais presente, tá discutindo com os moradores, os

comerciantes da Cracolândia... Estar ouvindo pessoal que está ali na Cracolândia... O que

seria melhor para gente estar revitalizando naquela? Hoje a gente tem apenas assim, limpa!

A PM está lá, a GCM está lá, a Saúde faz uma açãozinha aqui e outra por lá(...)

Page 265: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

85

Outra consequência está relacionada ao não investimento na gestão das

Subprefeituras, com forte impacto sobre o trabalho. Apontamos anteriormente as condições

das instalações das Subprefeituras, precárias e prejudiciais à produção e à qualidade do

trabalho. Assim, a própria capacidade de criação, renovação e ação das subprefeituras foi

atingida profundamente, pois se perdeu a capacidade de dar respostas adequadas às

solicitações dos munícipes. Faltam desde materiais considerados simples até os mais

complexos, sem os quais não é possível precisar o impacto de um vazamento de água e que

pode fazer desmoronar casas. A ausência desses equipamentos de avaliação, por exemplo,

pode atenuar o problema. Esta precariedade é apontada na fala da entrevistada:

Agora, quando você não tem as condições... Você vem empurrando, você caba não

conservando. Ah, para que eu vou conservar essa mesa, se ela já está toda arrebentada? Eu

acabo ajudando arrebentar, né? Terminar de arrebentar o bicho né? Então, para mim

esqueceram que a gente tem funções, que a gente tem atividades a serem desenvolvidas, não

só internamente, como externamente, nós estamos relegados ao segundo plano.

Outro ponto do problema é a gestão dos recursos humanos. O primeiro impacto se

refere diretamente à incapacidade em monitorar projetos e obras, a fiscalizar os serviços das

terceirizadas ou mesmo o trabalho de seus servidores. A consequência disto são os

incontáveis casos de corrupção apontados cotidianamente nas subprefeituras ou a ausência

delas com relação às denúncias feitas pelos munícipes. Esta desfuncionalidade é uma das vias

que vai gerar no munícipe a percepção de morosidade e incapacidade da prefeitura. O

segundo impacto se refere à falta de política de recursos humanos, atuando sobre a reposição

de quadros técnicos. Estudos realizados pela área de recursos humanos da subprefeitura

apontam que, em 2014, aproximadamente 150 servidores poderão entrar com o pedido de

aposentadoria, diminuindo em até 30% o atual quadro de servidores. Profissionais como

Engenheiros, Arquitetos e outros técnicos de qualificação especializada importante para as

Subprefeituras estão em falta e muitos próximos da aposentadoria. Já dissemos anteriormente

que muitos quadros deixaram o serviço público atraído por melhores condições na iniciativa

privada, atenuando o problema. Outro exemplo é possível observar na área de fiscalização,

onde anualmente há decréscimo de servidores, enquanto os serviços aumentam.

Page 266: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

86

Muita gente, é que dos 1200 agentes vistores, vamos colocar uns 400 na ativa, faltam

uns 800 servidores. Isso porque, esses 1200, vêm desde o ano de 86 (...) e a cidade espichou,

cresceu verticalmente, horizontalmente, os problemas aumentaram e vamos falar por década

e cada década aparecem coisas novas. Hoje o que está ai é pancadão entre outras coisas, né?

E o número de fiscal, de agente vistor fica reduzido.

Durante a análise que fizemos anteriormente pudemos observar dois grupos distintos

de servidores públicos: aqueles que são considerados trabalhadores e toda a outra gama, que

inclui preguiçosos, folgados, corruptos etc. A existência deste segundo grupo deve-se, em

parte, porque não há um acompanhamento das chefias imediatas e, por isso o servidor, nas

palavras de uma entrevistada “se conforma como as coisas estão e, portanto, se contenta com

o que recebe no final do mês. A pessoa não produz, acha que está fazendo um favor. Isto tem

um impacto negativo no trabalho.”. Ou como observa outra entrevistada sobre a

complacência com os desvios “Aí eu já vou incorporar, aí você vai ser o chefe entendeu?

Então vamos lá, eu não estou sabendo de nada! Não estou sabendo de nada!”.

A fala acima mostra duas questões importantes: uma delas se refere justamente à

política de ocupação de cargos de chefia. Como existe na prefeitura a incorporação da

gratificação paga pelo DAS (Direção e Assessoramento Superior) após cinco anos, é comum a

troca dos cargos de chefia entre os membros da áreas. Essa troca é uma das permissionárias

dos desvios de conduta existentes entre os servidores para que possam fazer seus horários

especiais, acumular outros serviços, fazer uso abusivo da máquina pública, ou seja, usar o

carro para serviços particulares, fazer ligações interurbanas com o celular e mesmo fazer vista

grossa sobre propinas. A outra se refere à morosidade, como já apontada, na conclusão de

processos administrativos. Um exemplo é o caso de dois servidores investigados pela CGM

(Controladoria Geral do Município) presos em flagrante. Os mesmos voltaram às suas

funções até que a prefeitura conclua o processo de exoneração, sem previsão de data.

Por fim, entre suprir uma dada unidade e o investimento necessário para uma praça,

acaba-se, quase sempre, fazendo a escolha pela segunda, por se considerarem os impactos

políticos. É evidente que o trabalho do servidor tem como finalidade o munícipe, mas essa

orientação por “abandonar” a subprefeitura como órgão importante fez com o problema se

atenuasse.

Outro problema está relacionado à distancia estabelecida entre o Legislativo,

Executivo e os servidores das Subprefeituras. Primeiro, porque muitas leis são criadas sem

Page 267: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

87

que se efetive uma estrutura para que ela possa de fato “pegar”. A segunda questão se refere

ao fato de que muitas leis não consideram pontos importantes dos quais os agentes vistores,

aqueles que estão nas ruas, poderiam opinar e aprimorar os processos. E terceiro, refere-se à

ingerência promovida pelo legislativo. Os vereadores pressionam as subprefeituras para a

realização de determinados serviços (pular a fila), para benefício de suas bases eleitorais ou

pedem a retificação de multas, de processos ou literalmente fazem vista grossa sobre

determinadas inconformidades. A fala abaixo demonstra a ingerência e a dificuldade sobre a

aplicação de certas leis, como podemos ver:

Então era melhor você intimar e esperar o cara se regularizar, ou você multar o cara

e esperar ele se regularizar? Primeiro o cara não tem grana para pagar a multa, se ele paga

a multa não sobra a grana para ele fazer a calçada, então é esse tipo de lei que fica meio

confusa. Tanto fica confusa para a população, pra gente que em Pirituba ocorreu o episódio

bem interessante. Se eu não me engano foi a Globo que reclamou de uma, de um local, que

tinha um degrau na calçada, só que a rua era assim... Era declínio, ai o agente vistor de

Pirituba foi lá e falou, mas poxa, eu vou multar um cara só, se a rua toda está assim? Aí ela

começou, né? Aí tem um vereador que é coligado a vocês e falou. Pô, mas isso aqui é um

absurdo. Vocês estão querendo ferrar tudo aqui, porque essa lei está errada e ele próprio

não tinha conhecimento da lei, apesar de ele ter assinado, e que era uma lei que todos os

vereadores assinaram.

Como podemos observar, as funcionalidades e desfuncionalidades da Subprefeitura

estão relacionadas ao fato de que elas, ao serem deixadas como projeto prioritário do

Executivo, com constantes mudanças ao longo do tempo, tornaram-na um espaço para que se

estabelecessem certas anomalias apontadas ao longo da análise pelos servidores, sendo as

principais: uso indevido da máquina pública, suborno, sucateamento do próprio e escassez dos

mais diversos recursos. Entre os impactos mais sentidos estão a desvalorização do trabalho

funcional e, sobretudo, a qualidade e a capacidade de execução dos serviços para os

munícipes.

Page 268: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

88

5. Considerações Finais

Como vimos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de criação de instâncias de

governos locais ao final dos anos sessenta, com o intuito de atender mais rapidamente a

população. Seu papel principal era a realização de serviços de zeladoria, dentre eles: poda,

remoção e limpeza de rua. Evidentemente, esse processo de criação acompanhou o

crescimento da cidade, tendo aumentado o número desta instância ao longo dos anos, porém,

isto não trazia consigo o debate sobre descentralização administrativa.

Assim, nos anos oitenta, por conta dos anseios da descentralização advindos da

redemocratização, projetos de governos locais ganhariam força e, instituído no artigo 77° da

Lei Orgânica do Município, nascia o projeto de Subprefeituras cujos objetivos principais eram

desenvolvimento local e fortalecimento dos canais de participação.

Porém, ao longo de sua existência, as Subprefeituras, ou as antigas Administrações

Regionais passaram por alguns períodos importantes e que impactam diretamente na forma

como o servidor criou a representação social detalhada nas análises das entrevistas.

Primeiro, refere-se aos anos noventa, quando a então prefeita Luiza Erundina (PT),

reorienta a organização geográfica e inicia o processo de descentralização. Esse período foi

marcado por intensas disputas, mas aqui vale ressaltar que elas passam a ter nova importância

no mapa político; por conta da derrota do candidato à sucessão, o projeto se interrompe.

Segundo, refere-se ao período Maluf-Pitta (PPB), com oito anos de gestão, nos quais

se destacam dois processos importantes: o engavetamento do projeto de criação das

Subprefeituras (encaminhado pela prefeita anterior) e o uso das mesmas como barganha para

a coalizão de governo, ou seja, como moeda de troca para manter a base governista. Neste

período também, sobretudo na gestão Pitta, eclodiram os maiores escândalos envolvendo as

Subprefeituras, sendo a máfia dos fiscais a mais conhecida. Este período será importante,

porque dará novamente força à recuperação do projeto de Subprefeitura.

Após esse período, vem Marta Suplicy (PT) e implanta as Subprefeituras, cria as

coordenações de Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde e Educação, redistribui

o orçamento e inicia o processo de criação do Conselho Participativo. Evidentemente, o

processo demorou e contou com enormes entraves, dentre eles a dificuldade das Secretarias

em ceder recursos humanos e materiais e o orçamento. Imposta a derrota, novamente as

Subprefeituras passam por nova orientação.

Page 269: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

89

Com José Serra (PSDB), as Subprefeituras são reordenadas e as secretarias retomam

as coordenadorias, iniciando um processo de centralização e perda de poder. Também é um

período nos quais os Subprefeitos ex-prefeitos do interior sem mandatos (e candidatos

derrotados), ligados, evidentemente, ao prefeito. Ainda que tivessem experiência política,

essas pessoas não necessariamente conheciam as regiões das quais eram representantes no

Executivo.

Por fim, Gilberto Kassab (DEM) assume e inicia um processo de centralização

financeira, concentrando os recursos para a Secretaria de Subprefeitura e iniciando uma

gestão menos participativa, comandada por coronéis reformados. O prestígio que as

Subprefeituras tiveram num curto período decreta-se aqui. A linha dura e conservadora de

alguns coronéis impactou profundamente os canais de diálogos com os munícipes e grupos da

sociedade civil.

Relembramos estes apontamentos porque causam profundo impacto sobre a

representação que o servidor público na Sé constrói em relação à forma como é visto e como

se vê e, consequentemente, como podemos observar as funcionalidades e desfuncionalidades

presentes neste processo. Em grande parte, porque, para cada gestão as Subprefeituras têm um

valor diferente. Se com algumas ganham mais poder e autonomia, com outras o processo

contrário se aplica. Se algumas gestões aspiraram a ter um papel de desenvolver as

potencialidades locais, outras reafirmam o papel de mera zeladoria.

Na análise das entrevistas, os servidores captam como são vistos de fora, de forma

parecida com os velhos jargões existentes em relação a eles e difundidos na mídia e, também,

a forma como eles vêem parte do grupo de servidores, e como se relacionam com estes

estereótipos.

Em relação à forma como são vistos, é possível perceber uma imagem negativa, de um

servidor pouco interessado no trabalho. Ainda que não tenham dito nomes como Barnabés ou

expressões como “marajás” ou “aspones”, expressões chulas que definem servidores como

preguiçosos, fica evidente, para eles, durante as entrevistas, algumas destas características.

Palavras como encostados, molengas, descompromissados, dentre outras, mostram claramente

este ponto. Em parte, essa imagem é reforçada pela morosidade da máquina pública em

responder às solicitações e pelo desconhecimento sobre como se organiza a gestão pública.

De um lado estão aqueles para quem a burocracia precisa ser obedecida e, de outro, aqueles

cujas necessidades são quase sempre urgentes. A escassez de recursos aliada à depreciação

que sofreram as Subprefeituras só trabalhou para reforçar essa imagem, como vimos em falas

Page 270: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

90

sobre a falta do mínimo necessário para atender uma demanda. Um adendo importante é que a

falta de clareza sobre o passo a passo de certos procedimentos e a não explicitação dos

mesmos para o público fazem parte deste processo de construção. Ou seja, existe uma cultura

estabelecida dentro das repartições públicas: a necessidade em dificultar o acesso a certas

informações. Para muitos, o acesso imprime mais trabalho e se torna perigoso para alguns

casos. Um exemplo para ilustrar é o uso de áreas públicas. Qualquer cidadão tem direito a

requerer o uso de uma área pública para os mais diversos usos e, embora existam leis que

regulem, não há critérios objetivos para que escolha seja feita. E, dependendo do tipo de uso,

há um processo enorme a ser percorrido. Por fim, ainda dentro disto, os prazos entre a entrada

do pedido e o deferimento ou indeferimento podem levar mais de cinco anos.

A mídia tem um papel importante neste processo de construção e reforço da imagem

negativa do servidor público. O uso calculado de imagem, reportagens, textos, discursos

eufêmicos entre outros recursos associa os mesmos à corrupção, abuso de poder e negligência.

É comum serem associados à morosidade e à demora em oferecer respostas. Como é possível

ver nos telejornais e nas rádios, o problema está sempre associado à demora da prefeitura em

responder àquela demanda, quer se trate de buraco na calçada, praça mal conservada etc.

Os políticos também têm uma imagem parecida com a da mídia e dos munícipes,

quando afirmam que, se fossem os Subprefeitos, também trariam seus homens de confiança

para o trabalho. Estes servidores determinam pouco e estão completamente assujeitados,

exceção àqueles apadrinhados por políticos (durante certo período no qual seu vereador é da

base governista) e às intempéries das mudanças de gestor e de gestão. Em relação ainda aos

políticos, é possível compreender um sentimento de manipulação, poder e ingerência. Para

eles as escolhas nos quadros técnicos respondem a interesses pessoais (as suas bases políticas)

e partidários e, também a realização dos serviços obedece em primeira ordem à determinação

destes.

Quanto à forma como eles se percebem há algumas contradições interessantes. Os

servidores separam dois grupos distintos de trabalhadores: aqueles que entendem os motivos

por estarem ali e a quem servem (em referência aos munícipes) e, outro grupo, o oposto,

aqueles que se beneficiam da máquina pública de diversas maneiras. No primeiro grupo, onde

se encaixaram todos os entrevistados, estão aqueles que trabalham, são honestos, cumprem a

carga diária e trabalham pelos outros. Entre os demais estão os que se beneficiam da máquina

pública; são aqueles descritos da mesma forma que a mídia e os munícipes retratam. A

contradição é esta: por um lado eles entendem serem equivocadas as imagens que a mídia e o

Page 271: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

91

munícipe constroem da gestão, por outro, eles mesmos são capazes de enxergar este tipo de

servidor.

A existência de privilégios de uns sobre outros e os pactos velados que se

estabeleceram nas equipes são os principais motivadores disto. A presença destes impacta

diretamente na implantação de mudanças gerenciais porque geram fortes resistências. Os

servidores sentem-se pouco valorizados pela gestão e sabem, porque viram ao longo dos anos,

que não há sinais de mudanças.

O que queremos apontar com isso é que as condições nas quais o trabalho dos

servidores se realiza encontram muitas barreiras, que vão além da escassez. As condições a

que foram impostas as Subprefeituras, no sentido de perder a capacidade gerencial sobre seu

território, os fazem perceberem-se impotentes. O papel das Subprefeituras nas reintegrações

de posse limita-se a acompanhar a Polícia Militar e a promover o emparedamento do local. A

Subprefeitura não pode, sequer, cadastrar famílias nos programas de benefícios. Essa

dependência de outras secretarias tem impacto extremamente negativo. Pode ser que as

famílias fiquem literalmente na rua, o que causa forte impacto no emocional dos servidores.

Outro fator importante refere-se ao que se propõe uma Subprefeitura. As mudanças

ocorridas ao longo do tempo apontam que seu papel estratégico de mediador e coordenador de

desenvolvimento local é impreciso e vago. Não há o menor movimento nos últimos anos que

caminhe neste sentido. As ações estratégicas foram tiradas das Subprefeituras e a demanda de

serviço não vem acompanhada de recursos humanos, o que atenua a demora e, inclusive, a

não realização do serviço. Por exemplo, a ida de alguns serviços para as Subprefeituras nem

sempre é acompanhada da estrutura necessária para a realização.

É preciso reafirmar que não se trata de um discurso fatalista, que não prevê soluções

para as Subprefeituras. O importante é atuar em frentes distintas, para que se possa reconstruir

o papel das Subprefeituras e a representação presente nos tempos atuais.

Nossa análise procura apontar para a necessidade de rever a política de recursos

humanos e aperfeiçoar as formas de acompanhamento do serviço, como já apontamos

anteriormente. Evidentemente, isto precisa vir acompanhado de recursos humanos, materiais e

financeiros, para que o serviço possa ser realizado dentro das conformidades: tempo, prazo e

qualidade. E, isto passa também por reconsiderar a descentralização como um projeto político,

retomando-o e fortalecendo esta instância de governo.

Construir processos de escuta e considerar os servidores na elaboração de leis e

projetos é outro fator fundamental: pela experiência adquirida na rua e ao longo dos anos, os

Page 272: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

92

servidores conhecem bem as incoerências presentes. A quantidade excessiva de leis é um dos

grandes problemas, porque, ao mesmo tempo em que facilita, por um lado, pune por outro.

Assim, para exemplo, podemos usar as cooperativas de recicláveis. A prefeitura cria

programas e, ao mesmo tempo, pode autuar cada uma delas por inumeráveis inconformidades.

Todo fiscal lotado em Subprefeitura sabe que, sem o uso do bom senso, nenhum

estabelecimento comercial estaria aberto hoje na cidade de São Paulo. Por isso, compreender

e encontrar meios conjuntamente é a melhor solução na busca preventiva, e não punitiva em

relação aos munícipes e demais segmentos.

É importante ressaltar a importância do servidor público, pois é ele quem vai atender

as demandas dos munícipes: ele é o representante do poder público naquela região. A forma

como ele enxerga a gestão pública tem forte impacto sobre a maneira como realizará seu

trabalho. Por isto, é importante criar mecanismos que possam ajudar as Subprefeituras a se

organizarem para reivindicar mudanças necessárias, como também ajudar o governo a rever

decisões que impactam diretamente as Subprefeituras.

Também é fundamental destacar a importância das Subprefeituras como instâncias de

governo, que podem promover o desenvolvimento, mediar os conflitos no território e

promover a participação local. A cidade de São Paulo, por suas dimensões, não pode ser

gerida apenas por um governo central. Esse centralismo promove apatia em grande parte dos

servidores, o que reverbera na qualidade dos serviços.

Finalmente, é preciso ressaltar a valentia desses profissionais, que cotidianamente

fazem a cidade acontecer.

Page 273: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

93

6. Bibliografia

AFFONSO, Lígia M. F. e ROCHA, Henrique M. - Fatores organizacionais que geram

insatisfação no servidor e comprometem a qualidade dos serviços prestados - VII SEGeT

- Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia

AMARAL, Helerna K. do - Revista do Serviço Público - Brasília - 57 (4): 549-563 Out/Dez 2006

ARRETCHÊ, Marta. Relações Federativas nas Políticas Sociais. Educ. Soc., Campinas, v.

23, n. 80, setembro/ 2002, p. 25-48

BLUMM, Márcia. Possibilidades e Constrangimentos à autonomia política dos

municípios brasileiros: o caso de Salvador (1993 - 1996).

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma

gerencial brasileira na perspectiva internacional - São Paulo: Ed. 34; Brasília: Enap, 1998.

368 p.

FUNDAÇÃO EMPREENDIMENTOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS (FINATEC); Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSP). 2004. Descentralização e Poder Local. A experiência das Subprefeituras no município de São Paulo. Editora HUCITEC. São Paulo.

GESTÃO MUNICIPAL: Descentralização e Participação Popular. Calderón, Adolfo I.,Chaia,

Vera. (organizadores); prefácio Wanderley, Luiz Eduardo. - São Paulo: Cortez, 2002.

GRIN, Eduardo José. Gestão do Território da cidade em São Paulo: a berlinda entre a

democracia representativa e os mecanismo de controle local. XVII Congresso Internacional

del CLAD sobre la Reforma del Estado y de laAdministración Pública, Cartagena, Colombia,

30 out. – 2 nov. 2012

GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs). Textos em Representações

Sociais. 2° ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

INFOCIDADE. <infocidade.prefeitura.sp.gov.br>

Page 274: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

94

JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações Sociais e esfera pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. ___________, Os contextos do saber: representações, comunidades e cultura; tradução de

Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008

JUNQUEIRA, Luciano A. Prates. Descentralização e inter-setorialidade na gestão pública

municipal - http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/textostecnicos/textec4.htm

JUNQUEIRA, Luciano A. Prates; INOJOSA, Rose M.; KOMATSU, Suely.

Descentralização e Intersetorialidade na Gestão Pública Municipal no Brasil: a

Experiência de Fortaleza. XI Concurso de Ensayosdel CLAD “El Tránsito de la Cultura

Burocrática al Modelo de la Gerencia Pública : Perspectivas, Posibilidades y Limitaciones”.

Caracas, 1997

KOWARICK, L.; MARQUES, E. (orgs.). 2011. São Paulo: Novos Percursos e atores.

Sociedade, cultura e política. Editora 34. INCT – Institutos Nacionais de Ciência e

Tecnologia. CEM – Centro de Estudos da Metrópole. FAPESP.

LEITA, Cristiane K. da Silva e Fonseca, Francisco. Federalismo e Políticas Sociais no

Brasil: Impasses da descentralização pós-1988. O&S - Salvador, v. 18 - n.85, p. 99-117 -

janeiro/março –2011

LEGISLAÇÃO - LEI Nº 13.399, DE 1º DE AGOSTO DE 2002. Prefeitura do Município de São Paulo.

LOBO, Thereza. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental - Caderno de

Pesquisas, São Paulo (74): 5-10, agosto 1990.

LUBAMBO, Cátia W. Desempenho da Gestão Pública: que variáveis compõem a

aprovação popular em pequenos municípios? Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n 16, jul/dez

2006, p. 86-125

Page 275: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

95

Martins, Maria Lúcia Refinetti (1997). Descentralização e Subprefeituras em São Paulo:

experiência da gestão 1989-1992: prefeitura Luiza Erundina. Dísponível em:

http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/martins_descentralizaerundina.pdf

MOSCOVICI, Serge. A representação social da Psicanálise. Zahar: São Paulo, 1978.

NUNES, Edson. A gramática política no Brasil: clientelismo e insulamento burocrático - 3

ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Brasília, DF: Enap. 2003.

PLANEJASAMPA. < http://programademetas.info/>

PERTES, B. Guy e PIERRE, Jon (orgs.). Administração Pública: coletânea/tradução Sonia

Midori Yamamoto, Miriam Oliveira. - São Paulo: Editora UnesP; Brasília, DF: ENAP, 2010

PINTO, Mara B. F., GONÇALVES, Marcos Flávio R. e NEVES, Maria da G. R das.

Pensando a Autonomia Municipal: dilemas e perspectivas. Revista de Administração

Municipal - Municípios IBAM NOV/DEZ 03 ANO 48 n° 244

PINTO, Geroges J. Municípios, descentralização e democratização do governo. Caminhos

da Geografia - Revista online do Programa de Pós-Graduação em Geografia - Caminhos da

Geografia 3 (6), Jun/2002 - Pg 1 – 21

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (PMSP); Secretaria Municipal de Cultura (SMC); Departamento do Patrimônio Histórico – Divisão de Preservação (DPH). 2012. Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras. Coletânea em CD com dados dos 8 Distritos da Subprefeitura Sé.

RODRIGUES, Marta M. Assunpção: Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2011. (Folha

Explica).

SÁ, Celso Pereira de. Sobre o Núcleo de Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1996.

SIQUEIRA, Cláudia Gomes de. Emancipação municipal pós Constituição de 1988: um

estudo sobre o processo de criação dos novos municípios paulistas. Campinas, SP: s.n. 2003.

Page 276: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

96

Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas.

SOUZA, Celina. A nova gestão Pública - in Cadernos Flem Gestão Pública

TOMIO, Fabricio Ricardo de L. Instituições, Processos Decisórios e Relações Executivo-

Legislativo nos Estados: Estudo comparativo sobre o Processo de Criação dos Municípios

após a Constituição de 1988. Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao

Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Unicamp.

WHITAKER, F. Temos muito caminho para andar in Gestão Municipal: descentralização e

participação popular. A. I. Calderón e Vera Chaia (eds.). São Paulo: São Paulo: Cortez,

2002.

Page 277: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

97

ANEXOS

I

Subprefeitura

O que é subprefeitura para você? E para o que ela serve?

Como vocês veem a situação geral das subprefeituras hoje em dia?

Quais são as causas principais desta situação?

E há possibilidades de mudança? Se sim, quais e como? Se não, por que não?

Fala-se muito em corrupção e suborno nas Subprefeituras. Isto procede ou não?

Se não, por quais motivos circulam estas impressões?

Se sim, quais são as principais causas da corrupção e falta de respeito as leis?

Você conhece os distritos da Subprefeitura?

Funcionalismo Público

Em sua opinião o que seria um funcionário público?

Como os munícipes vêem os servidores da Subprefeitura?

Em sua opinião como os partidos políticos percebem o funcionário público?

Em sua opinião, como a mídia define o funcionário público?

Como você acha que os servidores públicos se percebem?

Quais tipos de servidores existem em sua opinião? (descrever em percentual)

Quais políticas ou projetos são mais facilmente implantados pelos servidores?

O que facilita? O que dificulta?

Você acredita que os gestores sabem da importância dos servidores de carreira para

implantação de políticas? Você sente que escutam uma demanda sua ou não? Como você lida

com isso? E como os outros lidam?

Munícipe

Na sua opinião, quais são as principais reclamações dos munícipes sobre as subprefeituras?

Na sua opinião como o munícipe percebe o funcionário público?

A subprefeitura atende as solicitações do munícipe com satisfação? Se não, por quê?

Page 278: Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da ... Alves dos... · Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo conhecimento. As aulas, todas,

98

História de vida

Por que você se tornou funcionário público?

Quais fatores pesam para o funcionário (você) implantar os projetos da Prefeitura?