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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADECATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Adriano Alves dos Reis Santos
Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da Subprefeitura Sé
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADECATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Adriano Alves dos Reis Santos
Representações Sociais de Servidores Públicos: O caso da Subprefeitura Sé
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Social sob a orientação do
Prof. Dr. Salvador Antônio Mireles
Sandoval.
São Paulo
2014
Banca Examinadora
__________________________________
__________________________________
__________________________________
Ao moço que me ensina
todos os dias o significado da
vida e do amor.
Te amo filho, muito.
AGRADECIMENTOS
A jornada até aqui foi longa, dolorida, cheia de mudanças e dúvidas. Completar
este processo é muito especial para mim, nem tenho palavras para a descrição deste
momento.
Primeiro, agradeço a minha família! Ao meu pai e a minha mãe, por me
mostrarem, a seu modo, o mundo, numa simplicidade de quem veio de longe. Aos meus
irmãos, o apoio da vida toda. Tudo que fiz teve o apoio incondicional de vocês. Allan
lhe agradeço a ajuda especial neste processo ao emprestar sua casa, fundamental nos
momentos mais tensos.
Ao Salvador meu agradecimento especial porque, como disse, o processo foi
longo. O projeto mudou muitas vezes, o sonho nunca. E essa concretização vem das
conversas, das provocações, dos cafés e da amizade que criamos. Seu incentivo
fortaleceu nos momentos difíceis deste processo. E seu pragmatismo me fez concluir o
mestrado. Valeu meu caro orientador.
Agradeço também aqueles que me guiaram para a gestão pública e me
incentivaram a adentrar neste universo, até então desconhecido para mim. Em especial a
Gabi, por me mostrar o mundo da gestão pública e incentivar meu mestrado (sua
vibração ainda pulsa em mim). A Fatinha pela primeira oportunidade de trabalho na
gestão pública e confiar uma área importante. E aos amigos de Diadema, em especial o
Kleber, que me ajudou a compreender o universo dos dados e fontes públicas e leu
muitas vezes meus rabiscos iniciais.
Aos amigos que discutiram comigo sobre gestão pública. Nestas trocas, mesmo
nas acaloradas, eu aprendo a olhar sob outras perspectivas. Há muita mudança pela
frente e são nestas conversas que as ideias nascem, que convicções se revisam e que eu,
sobretudo, aprendo.
A Isa e ao Gerd, por serem parceiros e presentes na vida do meu filho e na
minha. Sem esses avós o caminho teria sido muito mais difícil. Nos momentos de
tensão e dedicação exigidos, meu filho estava em boas mãos, descobrindo o mundo e
todas as formas de amor.
Aos Cines a presença! Vocês estiveram comigo nos momentos mais diversos
deste processo, sobretudo nos tristes. Nossas meditações, jornais e o “sai do meu
caminho” me fortaleceram na caminhada. Sempre voltei em paz e fortalecido de nossos
encontros.
Aos meus amigos do Núcleo de Psicologia Política a companhia, a amizade, as
conversas e provocações. Cada projeto tem meu respeito e minha curiosidade.
Aos servidores da Subprefeitura Sé a acolhida, o respeito e o compromisso. Em
especial aos entrevistados pela coragem, abertura e sinceridade. Aprendi a respeitar
ainda mais as pessoas da gestão pública. O trabalho é árduo e o reconhecimento
pequeno, só amor mesmo pra dar conta dos desafios.
A turma do oitavo por refletirem e acreditarem no projeto de Subprefeitura.
Com vocês tenho a convicção de que é possível, mesmo o caminho sendo longo.
Aos professores da Psicologia Social da PUC/SP pela dedicação e pelo
conhecimento. As aulas, todas, fizeram sentido, provocaram, me fizeram refletir.
Aos professores da Banca de Qualificação Prof. Antonio Ciampa e Soraia
Ansara pelas preciosas orientações e, em especial, ao apoio moral nesta empreitada.
Marlene Camargo valeu pelo incentivo no final do segundo tempo. Sua
dedicação por nós, alunos, é incrível.
Para agradecer a CAPES, antes devo agradecer a Natália Menhem. Foi ela quem
ajudou a colocar as ideias no roteiro para que a bolsa viesse. Sem a força desta figura a
bolsa não teria vindo: obrigado.
Agradeço a CAPES pela bolsa concedida para realização deste trabalho.
RESUMO
SANTOS, Adriano Alves dos Reis. Representações sociais de servidores públicos: o
caso da Subprefeitura Sé. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
O objetivo desta dissertação é compreender as representações sociais dos
servidores públicos lotados na Subprefeitura Sé. Para isto, se descreve os desafios da
cidade e a importância das Subprefeituras como zeladorias e promotoras do
desenvolvimento local, da participação popular e da equidade. O trabalho, por meio de
entrevistas, capta como os servidores, a partir de sua própria experiência, são visto de
fora, se percebem e quais são as funcionalidades de desfuncionalidades existentes no
ambiente de trabalho, construídos sobretudo a partir desta imagem criada.
Palavras-chave: Psicologia Política. Representação Social. Servidores Públicos.
Subprefeitura.
Abstract
SANTOS, Adriano Alves dos Reis. The social representation of public servants:
Representações sociais de servidores públicos: the case of Subprefeitura Sé. Dissertação
(Mestrado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2014.
This dissertation aims to understand the social representations of public servants who
work in the municipal government of Sé (Subprefeitura Sé). In this context I describe
the challenges of the city and the importance of municipal administrative bodies as both
the caretakers and promoters of local development, popular participation and equity.
Based on interviews conducted in Subprefeitura Sé I describe the mechanisms through
which public servants, in their own experience, are seen from the outside. I then
examine how these individuals understand functional and dysfunctional aspects of their
work in direction relationship to their perceptions of the public image of municipal
administrators.
Key words: Political Psychology, Social Representation, Public Servants, Municipal
Government, Subprefeitura
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. Tabela com número de municípios 23
2. Mapa das Subprefeituras 34
3. Mapa dos distritos da Subprefeitura Sé 39
4. Mapa do distrito Sé 40
5. Mapa do distrito República 41
6. Mapa do distrito Bela Vista 42
7. Mapa do distrito Bom Retiro 43
8. Mapa do distrito Cambuci 44
9. Mapa do distrito Consolação 45
10. Mapa do distrito Liberdade 46
11. Mapa do distrito Santa Cecília 47
12. Gráfico da População em situação de rua 50
13. Mapa dos Cortiços 50
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. Capítulo 1 – Da ideia de município à Subprefeitura 15
1.1 O município como ente federativo 16
1.2 A importância do Município 17
1.3 As características do Município Brasileiro 21
1.4 São Paulo: cidade de contrastes 25
1.5 Reformas e Percursos 27
1.6 Das Administrações Regionais as Subprefeituras 30
1.7 A criação das Subprefeituras 32
2. Capítulo 2 – A Subprefeitura Sé: território de Contrastes 39
2.1 Caracterização do Território 39
2.2 Populações Vulneráveis 49
2.3 Zeladoria 53
2.4 Centralização e Descentralização 55
3. Capítulo 3 – Referencial Teórico e Metodologia 61
3.1 As representações Sociais 62
3.2 As Representações Sociais e Esfera Pública 65
3.3 Objetivo Revisado 66
3.4 Perfil dos Entrevistados 67
3.5 Procedimentos Metodológicos 68
4. Capítulo 4 – Análise das Entrevistas 70
4.1 Como são vistos de fora? 70
4.2 Como eles se percebem? 78
4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura 83
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 88
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 93
ANEXOS 97
10
INTRODUÇÃO
Meus últimos três anos têm sido dedicados à Administração Pública. Contar como este
processo se iniciou é importante para entendermos como cheguei a propor esta dissertação. O
caminho até aqui é longo, mas o descreverei em pequenos trechos nos parágrafos a seguir.
Trabalhei alguns anos em organizações sociais que desenvolviam projetos, sobretudo
no ramo de empreendedorismo, na parte estratégica de desenvolvimento e geração de
emprego, trabalho e renda, área em que os governos têm muitas dificuldades na efetivação de
políticas eficazes e duradouras.
Depois de anos dedicados a este tipo de atividade, comecei a estabelecer relações com
governos, apresentando propostas de trabalho, conhecendo projetos e assim por diante. Foi
então que, em 2011, ganhei uma bolsa para fazer um curso focado em planejamento, no qual o
público principal eram pessoas da gestão pública.
A partir desse ano comecei a fazer trabalhos de moderação em planejamento
estratégico para os mais diversos atores: empresas, governos, terceiro setor e grupos auto-
organizados, sobretudo com foco na temática racial, direitos humanos e desenvolvimento
social. Diante desta experiência adquirida e da rede de relações que se formou, recebi o
convite para assumir a Diretoria de Planejamento e Gestão Pública na Secretaria de
Planejamento e Gestão Pública, no município de Diadema, região metropolitana do Estado de
São Paulo.
Observando segundo a perspectiva de um consultor em planejamento, passei a me
sentir intrigado diante do fato de que planos bem elaborados de trabalho perdiam-se no
cotidiano, quando se tratava de governos.
Descobri que, quase sempre, o maior valor de um planejamento consistia em alinhar
equipes de acordo com seus principais desafios, positivos e negativos e estabelecer um norte
de trabalho para a gestão. A prática tem demonstrado que aquilo que se planeja sofre
profundas alterações, fundamentalmente porque as prioridades se invertem, as equipes
mudam e sofrem para lidar com as intempéries de seus governos e gestores. Ir para Diadema
era, portanto, um grande desafio: entender estas dificuldades e atuar sobre elas.
A cidade de Diadema ensinou-me muito em um ano e dois meses, período em que
trabalhei lá. Mesmo sendo uma cidade pequena os desafios, porém, são comuns aos de outras
11
cidades brasileiras. E foi essa observação que me inspirou o presente trabalho, conforme
relatarei adiante.
Como diretor de planejamento, pude observar que havia muitas inconsistências na
administração da cidade, e que, com a experiência de consultor de planejamento, é possível
observar tal fato em outros níveis de governo e em outras prefeituras. Por exemplo, a intensa
luta por poder e recurso que cada secretaria promove para si é, sem dúvida, um dos maiores
problemas para administrar uma cidade, sobretudo a partir da perspectiva de planejamento.
Isto se torna ainda mais difícil porque envolve a governabilidade com o legislativo.
A respeito deste primeiro problema, a governabilidade, tem-se uma clara fragmentação
no governo, ou seja, as secretarias pequenas têm pouca possibilidade de atuação e nos cortes
dos recursos são mais gravemente afetadas. Não possuem fôlego suficiente para aplicar suas
políticas; faltam recursos humanos (em números e em qualificação), materiais e equipamentos
adequados. Além disso, dependem muito da colaboração de outras secretarias, que detêm os
recursos financeiros.
As grandes secretarias (Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Finanças),
tocam seus projetos e têm muitas dificuldades de serem orientadas. Cada uma age por si
própria, criando poucos canais de diálogo com outros órgãos da administração municipal.
Essa fragmentação faz com que cada uma construa suas próprias políticas e formas de
atuação. O resultado é uma sobreposição absurda de políticas e ações, em muitos casos,
contraditórias. Para exemplificar, enquanto uma secretaria atua no combate ao uso de
substâncias químicas enfocando a redução de danos, a outra visa à repressão ao uso. Ou é
possível observar a criação de projetos por parte de uma secretaria, enquanto outra teria
conhecimento suficiente e adequado para apoiar. Por exemplo: a Secretaria da Educação
desenvolve seu próprio projeto de geração de renda, quando esta atribuição deveria contar
com a experiência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
O que podemos notar é que um dos desafios existentes atualmente consiste em tentar
eliminar o isolamento, a fragmentação e a sobreposição da ação governamental no território e
também internamente, pois isto traz consigo enormes prejuízos ao município e a sua
população. Este é um dos motivos que emperram a descentralização dos governos, pois o
modelo “cada um faz ao seu modo” não gera transparência, eficácia ou participação.
Como se estes problemas não fossem suficientes, o governo trabalha com foco
limitado e de olho em sua popularidade, o que leva as prioridades, ao menos na experiência da
qual participei, a se inverterem constantemente. As energias dispersam-se e os recursos, além
12
de escassos, são também mal distribuídos, o que tem impacto direto na administração, porque
os investimentos na gestão e modernização não são prioridade. Tal impacto pode ser sentido
na baixa capacidade técnica das equipes, na falta de técnicos qualificados e atualizados e nas
próprias ferramentas de gestão presentes nas prefeituras. Sem ferramentas de gestão,
acompanhamento e participação, o governo vai perdendo-se na sua capacidade de realização.
É comum observarmos obras de viário atrasarem anos para serem entregues, comprometendo
o orçamento, assim como podemos ver repetidamente nas mídias erros que exigem reformas
caríssimas para a administração pública e/ou casos de corrupção e favorecimento. Há, além
disto, a precariedade de alguns próprios municipais1, em péssimas condições de conservação e
com equipamentos desatualizados e quebrados, sem levar em conta todos os que estão em
falta. Tal fator tem impacto direto na produtividade dos servidores municipais e na qualidade
do atendimento ao munícipe.
Estes desafios são os principais fatores que prejudicam qualquer planejamento e
gestão, mas há um muito importante a ser considerado: os recursos humanos. São eles,
constituídos pelos servidores do serviço público, que estão no cotidiano das políticas
municipais.
Tais servidores estão sujeitos, a cada quatro anos, a um novo prefeito que, com sua
equipe, imprime novos projetos e rumos ao município, processo este que costuma ser
acompanhado de muitas rupturas e mudanças nos quadros e formas de se criar e executar
políticas. Os servidores, por seu lado, perpassam gestões e desenvolvem crenças, valores e
alianças, que permeiam seu trabalho ao longo dos anos.
Prosseguindo o relato sobre minha trajetória, em janeiro de 2013 me transferi para São
Paulo, a fim de trabalhar no gabinete da subprefeitura Sé. De todas as subprefeituras, a Sé
conta com algumas particularidades que a tornam a mais importante da cidade. Comparada às
outras, é a que se encontra em melhores condições quanto à estrutura e equipe, inclusive
porque está menos sujeita a intervenções parlamentares e seu executivo costuma ter apoio e
anuência do prefeito da cidade. Dentre os fatores que a tornam importante está o fato de ser
central e ter oito distritos por onde circulam diariamente milhares de pessoas, tornando-a a
vitrine da cidade. Mas, ao chegar a esta subprefeitura, pude deparar com todos os problemas
vividos na outra administração, em proporções maiores, já que a Sé conta com uma população
maior que a cidade de Diadema e está em constante exposição midiática.
1 Consideram-se aqui os prédios públicos onde funcionam serviços de qualquer natureza.
13
Resumindo, a falta de investimentos na modernização administrativa, a falta de
quadros técnicos, a ausência de uma política efetiva de carreira, a cultura de centralização
política, administrativa e orçamentária e a descontinuidade de projetos são fatores
fundamentais no centralismo que existe nas gestões municipais, onde quer que esteja.
Estas dificuldades também estão presentes nas Subprefeituras, projeto político de
descentralização da administração da cidade de São Paulo, sobre as quais dedicarei meu
estudo. O projeto de descentralização, que previa forte incidência local e políticas focadas no
território, aliado à participação e acompanhamento dos munícipes na gestão, nunca conseguiu
concretizar-se efetivamente, como previa o projeto original. Ora por falta de articulação, ora
por falta de interesse em dar continuidade ao projeto, nenhuma gestão deu conta realmente do
projeto previsto. Isto causou forte impacto à cidade, pois esta não conseguiu efetivar canais de
comunicação e participação, além de se tornar frágil a diversas formas de corrupção nos
estratos mais baixos da administração local. Também se consolidaram o sucateamento e o
apadrinhamento parlamentar, aliados a uma burocracia enlouquecedora, confusa, dúbia e que
se sobrepõe o tempo todo.
No meio deste cenário encontram-se os servidores públicos, sujeitos às mais diversas
intempéries e mudanças que, ao longo de todos os anos, foram produzidas. Em algumas
gestões as subprefeituras tiveram mais ação, poder e prestígio; em outras foram relegadas ao
papel de zeladoria e barganha política.
Diante deste quadro nos perguntamos: como o funcionário reage a tudo isto? Como
executa seu trabalho? Ele é consultado? Como percebe a visão do munícipe em relação a ele?
E a mídia? E os políticos aos quais ele está sujeito a cada quatro anos? Os funcionários são
consultados na construção de políticas ou na forma de implantá-los? O que os motiva ao
trabalho? Sentem-se valorizados? De que forma?
Este estudo é dedicado a entender o servidor público, sujeito fundamental na execução
das políticas pensadas pelo Executivo e criadas no Legislativo. Ainda que possa parecer que
parta de um olhar fatalista sobre a administração pública, é fundamental ressaltar a
importância desses homens e mulheres que produzem, executam e acompanham a política na
cidade. São indivíduos que, em muitas ocasiões, levam o governo a não cometer ações
arbitrárias em relação aos munícipes em situações-limite (limpeza de área, desocupação,
reintegração de posse etc.). São milhares os casos em que esses agentes públicos lutam
bravamente para que um projeto tenha sucesso e alcance. Afinal, só a gestão pública tem
14
condição de afetar todos os seus cidadãos com políticas, projetos e programas, além de mediar
as diversas tensões existentes em seu território.
Esta dissertação tem, portanto, a intenção de contribuir com a literatura de
administração pública, bem como a de psicologia social, ao compreender a representação
social dos servidores públicos. Com isso, compreender as ações que possam efetivar práticas
que contribuam para a melhora da cidade e da administração.
Para isso, percorreremos brevemente a história da descentralização, que significa
passar pela construção do município no Brasil e seus desdobramentos, para entender o
município de São Paulo. Em seguida, procuraremos entender os desafios da cidade e a
importância das Subprefeituras por meio de sua história. Por fim, adentraremos no caso da
Subprefeitura Sé, onde descreveremos os desafios enfrentados, tentando entender o
funcionalismo neste contexto e a representação que criou de si.
15
1. Da ideia de município à Subprefeitura
Os anos 80 foram marcados por intensas disputas políticas no campo internacional,
como decorrência da consolidação de forças distintas: capitalismo, comunismo e socialismo.
Ao mesmo tempo, nos países latino-americanos, eram cada vez maiores as pressões pelo fim
da opressão imposta por regimes militares ditatoriais.
Além dos limites impostos e da excessiva violência, eram tempos de intensas crises
econômicas e sociais, gerando inflação, estagnação, desemprego e miséria, principalmente nas
regiões mais carentes do Brasil. O milagre econômico já não existia, o gasto público
incontrolável e as dívidas externas cresciam em larga escala. Aliado a isto, o aparelho
burocrático já não respondia aos desafios impostos aos tempos correspondentes. Era
imperativo o desejo de mudança, que culminaria na queda do regime ditatorial e na
construção da nova Constituição Federal de 1988, que tinha como anseio não só perpetuar os
direitos humanos e a não possibilidade de novos golpes, mas também dirimir as
desigualdades, descentralizar e promover participação popular no acompanhamento da gestão
pública nascente. Por isso, é possível dizer que era preciso, na visão dos constituintes,
reformar o Estado com enfoque na universalização de acessos aos serviços e à participação, o
que só faria sentido ao transferir aos municípios essa responsabilidade, cabendo ao governo
federal o financiamento e a regulação dos serviços no que tangesse ao município
(ARRETCHE, 2002).
A República Federativa do Brasil é, conforme descreve nossa constituição, a união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado
Democrático de Direito (art. 1°, CF)2. Cada um destes entes possui, portanto, autonomia sobre
seu território. Por ser um país federativo, os governos têm prerrogativas invioláveis, que
conferem a eles autonomia, ainda que possam legislar sobre a mesma população e território.
A União é regida por sua Constituição Federal, que atribui a este órgão o dever de
implantar políticas de desenvolvimento nacional, distribuindo recursos, criando e orientando
políticas, além de garantir a segurança nacional. Também tem como objetivo assegurar o
desenvolvimento nacional, em todas as perspectivas, além de garantir o acesso à justiça,
2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
16
liberdade e desenvolvimento, garantindo equidade no que se refere à distribuição de recursos
e diminuição de mazelas sociais.
1.1O Município como ente federativo
A trajetória da redemocratização concretiza-se em 1988, na promulgação da nova
Constituição, reconfigurando a atuação dos municípios e garantindo-lhes autonomia, o que, na
prática, significou maior distribuição dos recursos e, portanto, independência financeira e
política, que se refere a criar suas próprias leis e administrar seu território. Além da escolha de
seus governantes, sem quaisquer restrições, os municípios também ampliaram sua base
tributária (SIQUERA, 2003), além das transferências constitucionais da União e do Estado.
Para Pinto (2003),
ao Município foi atribuída a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e a competência dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ação por essas esferas. (PINTO, 2003, p. 40)
Ainda que os municípios já existissem no Brasil, sua autonomia só passa a ser
garantida nessa constituição. Este processo, de construção de Constituições republicanas, não
se iniciou recentemente. Segundo Siqueira (2003), o Brasil já havia passado, até a
promulgação de 1988, por mais três processo de descentralização. Estas constituições (1891,
1934 e 1946), de algum modo trataram do tema de descentralização e, por diversos
impeditivos, não avançaram. Para o autor, na Constituição de 1891, a dificuldade concreta
para a viabilização da autonomia municipal foi a escassez de recursos colocados à disposição,
como também a função atribuída aos estados, quais sejam, o controle administrativo,
financeiro e a fiscalização. Siqueira confirma que:
a autonomia municipal era praticamente inexistente, permanecendo os municípios sob tutela dos Executivos estaduais, que garantiam a sua base de apoio político através da manipulação exercida sobre os governos locais (SIQUEIRA, 2003, p. 18).
Já a Constituição de 1934, que permitiu a eleição de vereadores e prefeitos e incluía a
participação dos municípios na arrecadação tributária, tornava nula a autonomia municipal,
17
pois permitia que os Executivos estaduais controlassem administrativa e politicamente os
municípios, por meio dos departamentos de municipalidade.
A conhecida Constituição Municipalista, de 1946, retomou a discussão do
fortalecimento dos municípios e o rearranjo financeiro e tributário. Previa, com favorecimento
aos municípios mais pobres, o repasse de 10% das receitas de Imposto de Renda e a
devolução do excesso de arrecadação de impostos de rendas locais de qualquer natureza
(SIQUEIRA, 2003). Na implantação e cumprimento desta Constituição, houve, porém,
impeditivos determinantes, que impuseram insucesso a esta tentativa de garantir autonomia
municipal. Para Siqueira, os principais pontos foram: irregularidades nas transferências de
tributos por parte da União e dos estados, a baixa capacidade dos municípios de explorarem
seu potencial de arrecadação, a constante intervenção nos municípios por parte dos estados,
por conta de empréstimos ou dívida fundada e, por fim, as restrições às eleições para prefeito
nas capitais e outros pontos considerados importantes para defesa nacional.
1.2 A importância do Município
Com a aprovação da Constituição de 1988, põe-se fim ao modelo burocratizado e
centralizado da gestão brasileira, dando aos municípios a responsabilidade de serem os
indutores da criação e implantação de políticas de desenvolvimento local. Desta forma,
deixam de ser apenas zeladores que regulam a ocupação das vias públicas, construções,
trânsito e medidas relativas a feiras, espetáculos públicos e conservação de logradouros.
Vamos compreender essa descentralização, definindo-a como um processo pelo qual
os níveis periféricos, no nosso caso o município, se tornaram detentores de poder. Isto para
transformá-lo em eficaz e ágil, ao estreitar as relações entre a sociedade e o estado. Nesta
constituição, portanto, o governo municipal passou a prestar os serviços públicos diretamente
aos munícipes. Posto desta forma, nas palavras de Junqueira (2003):
O poder municipal, no Brasil, tem como competência organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O exercício dessas competências tem relação direta com a garantia dos direitos sociais do cidadão. (JUNQUEIRA, 2003, p. 50 )
18
Significa dizer que nesta constituição, que se refere ao espaço local, o município, enxerga os
usuários como capazes de explicitar suas necessidades não satisfeitas e aprender a se colocar
diante dos serviços como cidadãos. Essa descentralização implica que cada município pode
levar em consideração as diferenças econômicas, técnico-financeiras, administrativas e
políticas para desenvolver suas ações.
No Brasil, com suas dimensões continentais caracterizadas por intensas desigualdades
sociais, econômicas, políticas e administrativas, além das características territoriais de cada
uma de suas regiões, a existência de municípios parecia imprescindível, pois estes espaços
deveriam permitir aos munícipes a tomada de decisões sobre assuntos de seus interesses. Na
visão de Pinto (2002),
não só como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico e simbólico que se transforma em um campo de respostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais de nossa época. (PINTO, 2002, p 52.)
Ora, a importância do governo local é justamente ser local, ou seja, um ente que
possibilita oportunidade de participação e assegura a distribuição eficiente dos serviços, além
de melhores condições de alocar os recursos públicos, atendendo às necessidades dos
cidadãos, justamente por estar mais próximo das localidades onde estão implantadas. É essa
capacidade de aproximação, de troca entre governo e localidade, que lhe permite criar uma
visão privilegiada do território. Mesmo dentro destes espaços existem disputas por interesses
antagônicos, com pequenos grupos articulados tentando impor sua vontade à maioria. Mas é
no território que essas disputas podem se tornar evidentes e que pressões podem ser exercidas
no sentido de atender às necessidades citadas. Também o estado, em sua posição privilegiada,
pode mediar os conflitos existentes.
Quando falamos sobre a importância do município como ente federativo e toda a luta
promovida durante as constituições pelos emancipadores municipalistas3, as perguntas são a
respeito do que exatamente defendem e sobre o que legisla o município que o torna tão
importante. Cada município tem sua própria Lei Orgânica Municipal e, respeitadas as
condições e necessidades de cada localidade, é certo que temas como os listados abaixo sejam
atribuições do município:
3 Aqueles que defendiam a existência dos municípios.
19
• Delimitação do Perímetro Urbano: descrição das áreas do município, criando zonas
urbanas e rurais e definindo impostos, condições de usos dos terrenos e edificações.
• Controle do Parcelamento do Solo: lotear e desmembrar terrenos, garantindo
condições mínimas indispensáveis ao seu uso em habitação. Garante áreas para
construção de praças e equipamentos urbanos, como postos de saúde, escola, parques
etc. Além disso, regulamenta as áreas para o tamanho das ruas e calçadas.
• Zoneamento de Uso e Ocupação: neste quesito cabe ao governo municipal orientar a
localização de diversas atividades que possam existir numa determinada região
delimitada no município. Sobretudo nos municípios de médio e grande porte, a
discussão se torna essencial, para gerenciar conflitos entre os diversos interesses.
Alguns dos recortes delimitados são: áreas para habitação, comércio, indústria e
serviços. Há preocupação com ventilação, trânsito, insolação e área livre em cada
terreno. Com isso, é possível dimensionar e prever as necessidades destes locais.
• Estrutura viária: também mais comum para os municípios de médio e grande porte,
aqui se define quais são as vias principais e toda logística de trânsito, para gerar
conforto e segurança. Também separa o trânsito local do tráfego pesado, como
caminhões. Regulamenta ruas, redes semafóricas, dentre outras, como a pavimentação
e conservação.
• Localização dos Equipamentos Púbicos: Conforme as necessidades do município,
este deverá instalar equipamentos públicos que dêem conta das necessidades locais.
Por exemplo, se uma área ganha novas moradias, precisa prever áreas para a
construção de creches, escolas, posto policial, bancos, postos de saúde.
• Controle de Edificações: também são municipais os critérios que estabelecem a
permissão de reformas e ampliações de edificações residenciais, comerciais e
industriais, considerando, evidentemente, os critérios já citados acima. Aqui devem ser
previstos impactos que se referem a escoamento das águas pluviais, rede de esgoto e a
capacidade do terreno para sustentar as alterações.
• Saneamento Básico: Este ainda é um problema em quase todos os municípios
brasileiros, dado que menos da metade do país conta com saneamento básico, que é
fundamental para a preservação da saúde e diminuição do risco de doenças. Quase
sempre, por serem obras onerosas e não expostas, não são prioridades dos governos
municipais. Mas, de qualquer modo, cabe ao município cuidar da limpeza urbana, que
significa designar a coleta e disposição dos esgotos.
20
• Limpeza Urbana: regulamenta a limpeza das ruas, residências e espaços públicos,
além de regulamentar leis que levem grandes estabelecimentos a destinarem seus
próprios resíduos aos lugares devidos, conforme o ramo de atividade. Em alguns
municípios já existem leis que regulam o lixo doméstico.
• Transportes Urbanos: segundo o artigo 37 do DECRETO Nº 62.926, DE 28 DE
JUNHO DE 1968, é responsabilidade do município conceder, autorizar e permitir a
exploração dos serviços de transporte coletivo. Por isso, percursos, paradas, horários e
linhas são pensados no conjunto da cidade e devem considerar os pontos acima,
principalmente no que se refere à disposição das pessoas. Nas médias e grandes
cidades este serviço é quase sempre privatizado.
• Educação: sobretudo na primeira infância, no que se refere a creches, pré-escola e
ensino fundamental o município tem papel preponderante. Obedece a leis federais,
mas tem autonomia sobre implantação e gerência.
• Saúde: a saúde é atribuição, como a educação, das três esferas de governo. Sobretudo
por seus custos onerosos, os atendimentos de baixa complexidade são quase
exclusivos dos municípios. Assim, as UBSs e UPASs são quase sempre de
responsabilidade dos municípios. Quando os casos envolvem tratamento de média e
alta complexidade, sobretudo os segundos, passam a ser responsabilidade do Estado/
União. Por exemplo: o tratamento de câncer é quase sempre responsabilidade do
estado.
• Assistência Social: Aqui se devem garantir as condições mínimas de sobrevivência e,
além disso, implantar projetos de apoio e desenvolvimento da infância, juventude e
velhice.
• Outros Serviços Urbanos: serviços funerários e cemitérios, iluminação pública,
abastecimento: feiras livres e mercados, preservação do patrimônio histórico e Ordem
Pública.
Pelos quesitos acima é possível entender como, sob seu território, o município tem total
gerência4 e grandes responsabilidades. Vejamos, por exemplo, o caso da Educação.
Respeitadas as leis federais segundo as quais os municípios necessitam orientar-se, cabe ao
município aderir ou não às políticas de desenvolvimento da educação. Ou seja, ainda que
existam regras a serem cumpridas, com o risco de sanções, o município continua com o poder 4 Exceção feita a leis de instâncias superiores, que podem sobrepor-se à municipal. Ou seja, se houver duas legislações sobre um mesmo tema, prevalece a do ente superior.
21
sobre a implantação e a gerência. Portanto, cabe ao município atribuir suas regras de
contratação de professores, a escolha do material didático e sua compra, a gestão da escola e a
política municipal, a merenda e o transporte escolar, respeitando as leis que regem estes
processos e determinam diretrizes. Da mesma forma, também funciona a política de saúde e
outros programas, de impacto direto sobre a população.
Vale dizer que a descentralização, como projeto político de diminuição da distância entre
governo e sociedade infelizmente não se efetivou da forma como a pensavam os
municipalistas. Os grandes temores da corrente contrária a este pensamento municipalista
eram, principalmente, a continuidade (ou o aumento) das desigualdades, por exemplo, na
distribuição dos recursos5 entre os entes e o coronelismo, característico da política brasileira,
sobretudo em áreas rurais – espaço onde ocorreu a maior quantidade de emancipações e
desmembramentos de municípios. Cabe aqui ressaltar que a média da população nos
municípios brasileiros é de aproximadamente 30 mil pessoas.
Além das dificuldades citadas, outras duas preocupações se tornaram presentes na
municipalização. Uma delas é o fato de alguns municípios não se comprometerem com
políticas nacionais importantes, mesmo recebendo recursos para isto6. A outra é que ainda não
se vê a participação efetiva dos munícipes na gestão dos municípios, com exceção de alguns
casos pontuais. E este é um dos pilares fundamentais do projeto municipalista. Nas palavras
de Lobo (1990):
Ora, a transferência de poder para agentes governamentais mais próximos da população só se justifica quando a mesma for acionada para participar do processo. Não há porque descentralizar se se quiser manter intacto o poder absoluto do Estado, mesmo em sua manifestação regional ou local. Governos estaduais e municipais, como mostra a experiência, podem ser tão centralizadores como o governo federal. (LOBO, 1990, p.10)
Vimos até o presente a importância dos municípios para a gestão do território; ao
mesmo tempo, o fato de se criarem municípios não significou que as mudanças necessárias
aconteceram de fato e, com elas, a tradução desta importância. Este ainda é um debate presete.
1.3. As características do Município brasileiro
5 Para alguns dos estudiosos o aumento de municípios também foi um artifício notadamente político para haver mais acesso a recursos e construção de hegemonia política. 6 Atualmente já existem mecanismos que comprometem e responsabilizam o município pela garantia da execução do projeto conforme previsto.
22
A União é composta por um conjunto de 5565 municípios7, distribuídos em 26
estados, além de contar com o Distrito Federal. Com mais de 190 milhões de pessoas,
segundo dados do IBGE, somos um país de extrema população urbana, aproximadamente
84%, e concentramos grande parte dela em algumas capitais do país, sendo as principais São
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O Brasil tem um caso bem peculiar de federação, pois sua municipalização não é
decorrente de processos de urbanização; houve, portanto, uma fragmentação de cidades para
melhor gerenciamento. Em nosso território, os municípios resultam quase sempre da
fragmentação de pequenos municípios espalhados por regiões interioranas. Em parte este
fenômeno se explica pela explosão de municípios nascidos após a CF de 1988: são cerca de
30% do total existente.
Conforme dados do IBGE, é possível observar que os municípios com população de
até 50 mil habitantes representam 89% de todos os municípios. Em números, isto significa
4958 municípios, porém, o total de habitantes representa apenas 37% da população. Os
grandes municípios, a efeito de comparação, não representam 1% do total dos 5565, mas
possuem uma população de 21% do total de 190 milhões de habitantes.
Em especial, no estado de São Paulo, há o maior município: a capital São Paulo, que
conta com 6% de toda população brasileira e é o único município com população acima de 10
milhões de habitantes. Além disso, dos 15 municípios com população acima de 1 milhão,
podemos citar quatro: Campinas, Ribeirão Preto, Guarulhos e o já citado São Paulo.
Esta característica dos municípios brasileiros, imensamente localizados em regiões não
urbanas, é característico do nosso processo emancipacionista, como observou Tomio (2005):
com exceção das regulamentações sobre a criação de municípios em cada estado brasileiro, não existe qualquer planejamento centralizado nas esferas superiores de governo sobre a fragmentação territorial e o funcionamento destes. Em síntese, comparada à ocorrência de processos similares em outros países, as emancipações municipais no Brasil distinguem-se porque são muito mais numerosas, concentram-se em áreas pouco urbanizadas e não são ordenadamente planejadas pelos níveis de governos mais abrangentes (TOMIO, 2005, p. 8).
Abaixo, em tabela feita por mim, podemos observar números mais gerais sobre os
municípios, no que se refere à classe de tamanho e população em cada um deles.
7 IBGE
23
Número de Municípios
Brasil: Classes de Tamanho da População
Total 5565
Até 10 000 2515
De 10 001 a 50 000 2443
De 50 001 a 100 000 324
De 100 001 a 500 000 245
De 500 001 a 1 000 000 23
De 1 000 001 a 2 000 000 9
De 2 000 001 a 5 000 000 4
De 5 000 000 a 10 000 000 1
Acima de 10 000 000 1
População dos Municípios
Total 190.732.694
Até 10 000 12.939.483
De 10 001 a 50 000 51.123.648
De 50 001 a 100 000 22.263.598
De 100 001 a 500 000 48.567.489
De 500 001 a 1 000 000 15.703.132
De 1 000 001 a 2 000 000 12.505.516
De 2 000 001 a 5 000 000 10.062.422
De 5 000 000 a 10 000 000 6.323.037
Acima de 10 000 000 11.244.369
De maneira geral, com exceção de alguns de grande porte, a maior parte dos
municípios possui baixa capacidade de arrecadação e sofre com os precatórios, que são
pagamentos determinados pela Justiça e estão inclusos no orçamento. O outro agravo é sua
limitada condição de investimentos. Portanto, é evidente a dependência ao FPM (Fundo de
Participação Municipal) e aos repasses de recursos do governo federal e dos estados para a
implantação de programas, políticas e projetos.
Outra característica enfrentada por quase todos os municípios brasileiros se refere à
gestão do município. Em maior ou menor escala, os principais desafios que enfrentam se
relacionam ao crescimento desorganizado da cidade, falta de estratégia para o aumento da
24
arrecadação, leis mal elaboradas e sobrepostas, atendimento ao munícipe, planejamento e
gestão de médio e longo prazo, quadro de servidores e a condição político-eleitoral.
Quando nos referimos ao atendimento, além da falta de qualidade do serviço, há
também falta de processos organizados e padronizados e postura inadequada de servidores,
muitos deles desmotivados e com baixos salários, além da baixa ou inexistente capacitação
para exercício da função etc. Podemos citar, por exemplo, as centrais de atendimento ao
cidadão, que são, nas grandes cidades, o principal canal de comunicação entre o governo e o
munícipe. Em São Paulo, por exemplo, é notório o desconhecimento dos servidores sobre os
sistemas ou mesmo dos serviços que estes locais oferecem8.
O quadro de servidores também se tornou um grande desafio para as gestões
municipais, em todo o país. Além de não conseguir oferecer os salários competitivos, os
municípios também deixaram de ser alternativa atrativa para a estabilidade, dada a lenta
progressão salarial e na carreira. Isto, dentre as diversas consequências, atrai quadros ruins9,
aumenta a carência de servidores para áreas nevrálgicas, atenua a cisão entre políticos e
técnicos, além do desconhecimento da gestão orçamentária etc.
Na dimensão político eleitoral é notória, por exemplo, a descontinuidade entre os
diversos sucessores. Em cidades pequenas a cisão costuma ser contundente: interrompem-se
os projetos anteriores para iniciar novos. Em São Paulo, por exemplo, leis que foram criadas
em governos anteriores e que foram revogadas ou ignoradas são incontáveis. As mais
contundentes dizem respeito ao Conselho de Representantes e às Subprefeituras, que tiveram
amplo apoio da população, mas foram automaticamente abandonadas nas gestões posteriores.
Outro caso comum são as ações impetradas pelo Ministério Público, que interferem
diretamente sobre programas, políticas e processos criados por governos municipais. Pra
prosseguir com o caso de São Paulo, leis que regulam a permissão de comércio ambulante, as
TPUs10, foram desarticuladas por incontáveis liminares. Ainda dentro desta dimensão estão as
disputas políticas acirradas e constantes, muitas vezes entre o executivo e o legislativo, mas
também dentro das bases de sustentação que compõem um governo. Hajam vista as disputas
impostas, por exemplo, pela administração das subprefeituras, que, no passado, recebiam a
8 Num levantamento recente coordenado pela Assessoria do Gabinete da Subprefeitura Sé, descobriu-se aproximadamente 150 serviços oferecidos pela Praça de Atendimento. Porém, é claro, há o desconhecimento por parte dos servidores sobre estes serviços, além de saber qual sistema se usa para cada um deles. 9 Para dar esta dimensão, o último concurso para engenheiro da prefeitura de São Paulo, abriu 150 vagas, porém, apenas 80 candidatos obtiveram as notas mínimas. Certamente, destes, os primeiros assumirão, mas, bem provavelmente irão deixar os cargos assim que passarem em outros concursos que porventura tenham prestado e sejam melhores no que se refere a salários. 10Termo de Permissão de Uso (TPU)
25
pejorativa alcunha de “cabide de emprego”. Como consequência direta, faltam mecanismos
efetivos de controle e participação popular sobre as ações no município.
Em Planejamento e Gestão, há também muitas dificuldades que emperram a máquina
pública. Ainda usando São Paulo como exemplo, é possível notar falta de foco e objetivo da
gestão do município, dificuldade de implantar projetos e captar recursos, baixa qualidade dos
projetos, morosidade nos serviços e burocracia excessiva, falta de integração entre as áreas e o
território, fragmentação de políticas, falta de padrão e processo, descompasso entre as
demandas sociais e as políticas públicas etc. São incontáveis os desafios no que se refere a
planejamento.
Dada a importância de São Paulo, mostrar suas dificuldades como cidade nos permite
dimensionar a situação brasileira de modo geral, como também os desafios a serem
enfrentados para melhorar a gestão destes e também a vida de seus munícipes. Com isso, não
queremos ignorar que cada município conta com sua própria engenharia, formada por fatores
como tamanho, população, condição econômica e história.
Nesta linha, vamos adentrar um pouco mais no município de São Paulo, que tem, ao
longo do tempo, tentado, por suas condições, desenvolver mecanismos de gestão que sejam
mais descentralizados e participativos. Não que outros municípios não considerem isto, mas o
tamanho de São Paulo e seus contrastes nos permitem usá-lo como referência.
1.4. São Paulo: cidade de contrastes
A Prefeitura Municipal de São Paulo é uma das mais importantes entre as cidades do
mundo e, para termos ideia disto, podemos usar como exemplo os seus números, que
impressionam e demonstram o gigantismo desta metrópole. São Paulo tem a maior população
do país, como já dissemos, com mais de 11 milhões de habitantes11. Além disso, os
municípios limítrofes que compõem a região metropolitana de São Paulo são 38, que elevam a
população para pouco mais de 19 milhões de pessoas12. Estima-se, inclusive, que grande parte
desta população, dos municípios vizinhos, entre diariamente em São Paulo para os mais
diversos fins, sobretudo trabalho.
11 Dados do IBGE 12 Dados do IBGE
26
Mas o que torna São Paulo centro de elevada importância no mundo são também seus
indicadores econômicos: a sexta maior bolsa de valores do mundo encontra-se nesta cidade.
Além de 17 dos 20 maiores bancos13, São Paulo ocupa a décima segunda posição dos destinos
para feiras internacionais. Por conta disto, entram pouco mais de, segundo dados da
SPTURIS14, 11 milhões de turistas, sendo a maior parte destes brasileiros. No total, 56% vêm
para negócios. No que se refere a emprego, 38% das maiores empresas nacionais15 e 63% das
multinacionais em território brasileiro16 possuem, no mínimo, escritórios no município de São
Paulo.
Mas a mesma São Paulo de extremas riquezas, que a tornam esta metrópole
importante, é também uma cidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e
ambientais. Por exemplo, 10% da população vivem em favelas ou cortiços. Um contingente
enorme de pessoas vive em situação de risco eminente, sobretudo em encostas, beira de
córregos e outras áreas que oferecem risco à vida, principalmente em períodos de chuva. A
população em situação de rua é de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo dados da
SMADS17 e tem crescido nos últimos anos sem que se consiga reverter o quadro. Outros
índices, como saúde, também apresentam graves discrepâncias. Enquanto uma consulta pode
levar até 16 dias para ser marcada na rede particular, segundo dados da RNSP18, uma mesma
consulta pode levar até 66 dias na rede pública. E se olharmos a marcação de exames de
média complexidade em diante, esta discrepância aumenta ainda mais, sendo na rede
particular 44 dias e na pública até 178 dias. Além disso, compõe as desigualdades o
desemprego, que atinge mais pessoas pobres e jovens, moradoras de periferia. Por fim, esta
desigualdade é sentida também nos homicídios cometidos, sobretudo na juventude, que se
eleva a patamares epidêmicos, notadamente na periferia.
Já do ponto de vista geopolítico, a cidade de São Paulo é um passo importante para
qualquer partido que tenha anseios de administrar o Estado ou ocupar a Presidência da
República. A administração desta cidade é uma verdadeira vitrine, pois existe uma exposição
midiática grande. Isto se deve à posição estratégica, ou seja, a soma dos 38 municípios ao seu
redor, que faz com que tenha aproximadamente 10% da população do país e, ainda, o terceiro
13 Dados colhidos do site da SPTURIS 14 Empresa Municipal de Turismo (São Paulo Turismo – SPTURIS) 15Ibidem 16Ibidem 17 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social 18Rede Nossa São Paulo - http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf
27
maior orçamento do país. Em orçamento, por exemplo, estimado este ano para pouco mais de
42 bilhões19fica atrás apenas da União e do Estado de São Paulo.
Administrar esta cidade, porém, não tem sido uma tarefa fácil. Desde a nova
Constituição de 1988, a prefeitura de São Paulo já passou por seis diferentes prefeitos, sendo
reeleito apenas Gilberto Kassab (DEM)20. Além disso, diferentes partidos já estiveram à
frente do Executivo Municipal: por duas vezes PT, PPB e DEM; e PSDB uma vez.
1.5. Reformas e Percursos
Conquistada a liberdade e a democracia e instalada a nova Constituição, viria assim a
primeira eleição direta pós-constituinte. Caberia ao então governo eleito o desafio de
reescrever suas Leis Orgânicas Municipais. Estas leis, evidentemente, deveriam ter como
norte a Constituição e incluir, na sua construção, aquilo que inspirara todo o processo de
municipalização do território brasileiro e que representava, inclusive, os anseios da população
desta cidade.
Por conta disto, a Câmara adotou práticas, segundo Whitaker (2002), diferentes de
outros municípios, tanto pela quantidade de vereadores, como também pela dada relevância
do município. Para ele,
Por ser uma tarefa difícil, a maioria das câmaras optaram por uma saída mais fácil: copiar os textos disponíveis. Em muitos municípios, foram copiadas as antigas leis orgânicas de nível estadual ou as que estavam sendo feitas em cidades maiores. Houve também muitos escritórios de advocacia que se propuseram a elaborar e levar para as câmaras municipais propostas de Lei Orgânica, que foram simplesmente adotadas com maiores ou menores modificações. (WHITAKER, 2002, p. 36.)
Para o autor, a importância do município e o elevado número de vereadores foi o que
possibilitou a elaboração da Lei Orgânica de forma tão elaborada, mesmo diante de intensas
disputas.
Evidentemente, este processo de construção da LOM não fora um processo fácil,
havendo muitos embates e confrontos em defesa dos mais diversos interesses, travando a
discussão no Legislativo. Assim, a saída, segundo Whitaker, era estabelecer o mínimo 19Terceiro maior orçamento público país
20Considero reeleito porque ele era o vice-prefeito na gestão de José Serra. Este saiu para assumir o estado de São Paulo, sendo, portanto,
dois anos de administração de Kassab, permitindo a sua reeleição no pleito seguinte.
28
consenso, que seria incorporado à Lei Orgânica pelo seguinte procedimento: colocava-se o
princípio genérico consensual, complementando-o com a frase: “na forma da lei” (Whitaker,
2002).
Este contexto é importante porque, como veremos, este recurso “na forma da lei”
atrasaria futuramente a implantação da LOM em seu conjunto, fazendo com que algumas
coisas tardassem demais ou nunca saíssem do papel. Os principais motivos versam sobre o
desinteresse de alguns temas para os vereadores e/ou prefeito ou mesmo a constante falta de
consenso persistente. A emergência de certos temas e, portanto, a ordem de importância que
ganhavam, também foram impeditivos importantes. Mas, é evidente, o maior deles,
relacionava-se com a desconcentração de poder. Para muitos, descentralizar mexe diretamente
com o poder adquirido por aqueles que o têm, os agentes políticos. Para usarmos um exemplo,
previam-se as obras de recursos elevados e consideráveis impactos ambientais a necessidade
de plebiscito, o que, na prática, nenhum prefeito deseja. Assim, observa Whitaker (2002),
sobre a dificuldade de implantação da LOM:
É este motivo pelo qual as subprefeituras, os conselhos de representantes, o plano diretor, previstos na Lei Orgânica, “na forma da lei” (tardaram a sair do papel – A.S)21... A desconcentração de poder via subprefeitura e conselho de representantes, não corresponde aos interesses dos detentores de poder. A redefinição da forma de crescimento da cidade, por meio do plano diretor não interessa a quem se aproveita das regras vigentes. Para quem está dentro da máquina administrativa, por exemplo, a permanência do atual zoneamento da cidade, totalmente ultrapassado, possibilita que ele seja desrespeitado – através de decisões irregulares – ou mudando – através de alterações legislativas pontuais – se houver uma contrapartida22... (WHITAKER, 2002, p. 39)
Deste modo, gostaria de retomar o espírito já citado durante a criação da LOM, que
previa maior participação e controle social como prerrogativa. Assim, ao menos no artigo 2°,
é possível perceber a participação e controle social:
A organização do Município observará os seguintes princípios e
diretrizes:
I - a prática democrática; II - a soberania e a participação popular; III - a transparência e o controle popular na ação do governo;
IV - o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais;
V - a programação e o planejamento sistemáticos;
21Inclusão minha 22 Este texto é ilustrativo, pois hoje já está em votação o novo zoneamento da cidade.
29
VI - o exercício pleno da autonomia municipal; VII - a articulação e cooperação com os demais entes federados;
VIII - a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX - a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X - a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município;
XI - a preservação dos valores históricos e culturais da população.
Dentre os muitos artigos, dois se destacam por seguirem as diretrizes que
consideramos fundamentais e estão presentes no artigo citado acima, sobretudo os cinco
primeiros. Para nosso estudo, ainda que apenas um deles seja foco de análise, vale citar
brevemente do que tratam. São eles: Subprefeituras e Conselho de Representantes. Nos dois é
possível observar a efetivação da participação e controle social. Vamos rapidamente passar
pelo artigo sobre Conselho de Representantes para, em seguida, nos aprofundarmos um pouco
mais sobre a Subprefeitura, objeto deste estudo. Assim, em seu artigo 4° define-se o Conselho
de Representantes:
“O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões”.
Não será nosso foco de análise e estudo, mas vale ressaltar que esta lei seria
estabelecida apenas em 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, sendo então alvo de uma
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo Ministério Público, em 200523.
A outra lei à qual me refiro tinha como ponto as antigas administrações regionais. Em
seu artigo 77°, previa a criação de Subprefeituras, e tinha em seu bojo:
“A administração municipal será exercida, em nível local, através de Subprefeituras, na forma estabelecida em lei, que definirá suas atribuições, número e limites territoriais, bem como as competências e o processo de escolha do Subprefeito.”
23 A lei não entrou em vigor e está em análise no STF. A ação alega que o Ministério Publico Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (ADIN) contra a criação dos Conselhos sob o argumento de que somente o executivo tem a prerrogativa de criação de cargos na administração.
30
É neste âmbito que nossa pesquisa se realiza. Foram mais de dez anos para que a lei
13.399/2002 fosse implementada e então surgissem as Subprefeituras. Os motivos pelos quais
elas tardaram a existir, compreenderemos mais a frente. Vale dizer que as Subprefeituras já
existiram no passado, mas não na forma em que este projeto de lei se propunha. Para tanto,
vamos conhecer um pouco mais seu processo de criação.
1.6 Das Administrações Regionais às Subprefeituras
Dado o crescimento econômico, sobretudo no período de Juscelino Kubitschek (1956-
1961), a intensa industrialização e o contingente migratório, São Paulo tornou-se uma cidade
de proporções gigantescas, a maior cidade do país e uma das maiores do mundo. Além disso,
em seu território foram registrando-se visíveis diferenças sociais, econômicas e ambientais.
Seu tamanho também ia afastando o governo da localidade e, com isso, as carências iam
aumentando, dada a demora da máquina pública em responder às demandas.
Em 1958, o então prefeito, Wladimir Toledo Piza, cria por meio de decreto 3.270/58
dezenove Subprefeituras, além de instituir a Subprefeitura de Santo Amaro, antigo município
anexado a São Paulo, em 1935 (FINATEC, 2002). Ainda que levasse o nome de
Subprefeitura, seu papel se assemelharia muito mais ao papel das Administrações Regionais.
Vale, porém, destacar que foi José Vicente Faria Lima, em 1960, quem institui por meio da lei
6.882/66 as Administrações Regionais (AR’s), criando sete delas: Sé, Vila Mariana,
Pinheiros, Santana, Penha, Mooca e Pirituba (FINATEC, 2002). Tinham, sobretudo, o dever
de cuidar da zeladoria local. Esses serviços sobremaneira tratavam de: limpeza e varrição das
ruas, manutenção de praças, fiscalização do funcionamento adequado dos estabelecimentos
comerciais, oficiais e ambulantes, autorização para construção e reforma de imóveis
(TEIXEIRA, 1999). Eram fortemente marcadas pela dependência da Prefeitura para quaisquer
ações. Este número também foi crescendo ao longo do tempo, sendo criadas mais quatro em
1972: Campo Limpo, Butantã, Vila Prudente e Itaquera, além de transformar a Subprefeitura
de Santo Amaro em AR (FINATEC, 2002).
As ARs chegaram a ter ao longo de todo o processo 33 unidades até o final do governo
Jânio Quadros. Este elevado número se devia ao desejo da população de contar com o poder
31
público mais próximo e ver ampliado o atendimento de suas necessidades e anseios. Como
podemos ver, no texto de Finatec (2002):
As ARs foram criadas ao longo dos anos por demanda da própria população desejosa de que alguém cuidasse da manutenção de sua região, podasse árvore, tapasse buracos etc. Com todos os problemas existentes, principalmente em virtude de indicações, as Regionais eram o Estado disponível nesses setores da cidade. Embora tenha havido um componente de clientelismo ligado a políticos conservadores, as ARs respondiam à necessidade real da cidade que, por ter crescido, precisava manter o poder público mais próximo dos cidadãos. (FINATEC, 2004, p. 36-37)
Diante deste cenário, Jânio Quadros reintroduziu as Subprefeituras (5), mas como
órgão controlador das 33 ARs. Os subprefeitos já eram escolhidos pelo prefeito (FINATEC,
2004).
É neste cenário que ganha força o projeto de Subprefeitura, cuja retomada caberia à
então prefeita eleita Luiza Erundina. Este era um projeto claramente nascido do desejo de
aproximar o cidadão do poder público e, portanto, “dar maior poder de planejamento e
decisão às instâncias locais e melhorar significativamente a prestação do serviço à
população.” (FINATEC, 2004).
Para dar conta deste processo, segundo Martins (1997):
foi criada a Secretaria Especial da Reforma Administrativa, que deu, então, início a seus trabalhos, partindo de uma estrutura municipal que contava com dezessete Secretarias e vinte Administrações Regionais. A proposta a ser elaborada deveria atender aos propósitos de democratização e eficiência, com uma estrutura e modo de funcionamento organizados da ótica do usuário, a partir de suas necessidades, ou seja, estabelecendo a estrutura a partir dos serviços a serem produzidos e disponibilizados. (MARTINS, 1997, p. 1)
Na proposta apresentada pela prefeita Luiza Erundina (PT), seriam criadas treze
subprefeituras, entendidas “como unidades integradoras, com orçamento próprio e autonomia,
responsáveis pelo planejamento e execução do conjunto de serviços num território claramente
definido” (MARTINS, 1997). Mas o número de Subprefeituras foi o grande centro do debate
da descentralização, pois o número de habitantes nas divisões territoriais propostas variava
muito, entre 400 mil e 1,5 milhão de habitantes (FINATEC, 2004). Além disso, outro
problema estava relacionado à capacidade orçamentária dada a cada uma das Subprefeituras.
Essa equação era de difícil solução, como podemos ver nas palavras de Martins (1997):
32
Assim, se por um lado, para assegurar a proximidade da Administração à população se mostrava necessário que as agregações fossem de pequeno porte em área e população, por outro, para que se viabilizassem Subprefeituras efetivamente consistentes e com poder de decisão e ação, elas deveriam ser em número reduzido. Nesses termos, para conciliar ambas as necessidades a proposta optou por subdivisões político-administrativas maiores e mais consistentes do que as Administrações Regionais (13 Subprefeituras), abrangendo módulos pequenos de organização do trabalho e prestação de serviço - equipes multidisciplinares. Isso lhes permitiria uma percepção ágil das demandas populares e atendimento mais adequado às características próprias de cada região. (MARTINS, 1997, p. 2)
Estas questões levaram a muitas dúvidas dentro do próprio governo. Pela demora na
criação do consenso, o projeto foi enviado somente no último ano de governo da então
prefeita para a Câmara. Lá, sem base de sustentação, não avançou. Portanto, ainda que se
tenha reduzido a 20 ARs as anteriores 33, não houve avanço na Lei das Subprefeituras.
Desta forma, eleito o novo governo, de Paulo Maluf, o projeto foi arquivado. E as ARs
continuaram como moeda de troca da base governista para compor sua base de sustentação.
Vale ressaltar que Paulo Maluf ainda criaria mais seis ARs, perfazendo ao todo 26 em seu
governo, aumentando ainda mais sua capacidade de articulação e troca de apoio.
Ainda que não tenham sido implantadas as Subprefeituras, houve sim alguns avanços
interessantes. Um deles é que as ARs recuperaram prestígios, pois passaram a controlar parte
do orçamento, com incorporação de serviços de coleta de lixo e pavimentação. Assim, por
exemplo, a AR de Capela do Socorro tinha um orçamento anual de 30 milhões de reais
(FINATEC, 2004).
1.7 A criação das Subprefeituras
Na gestão de Celso Pitta foi criada mais uma AR e, ao final de seu governo, proposta
uma nova tentativa de emplacar com a descentralização, prevista na Lei Orgânica. Era o
chamado Posto Avançado, no qual haveria quatro Subprefeituras (norte, sul, leste e oeste) que
as controlariam. Mas este projeto fracassou, sobretudo porque era absolutamente técnico e
desconsiderava fatores políticos, culturais ou mesmo diferenças regionais (FINATEC, 2004).
Além disso, desgastado com os casos de corrupção presentes em seu governo, faltava-lhe
sustentação política para a aprovação do projeto.
33
Seria então no governo da Marta Suplicy que entraria em vigor a lei 13.399/02 que
instituiria a criação das Subprefeituras, determinando seus limites territoriais e definindo os
papeis dessas instâncias locais, como prevêem os artigos abaixo:
Art. 3º - A Administração Municipal, no âmbito das Subprefeituras, será exercida pelos Subprefeitos, a quem cabe a decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local, respeitada a legislação vigente e observadas as prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal.
Art. 4º - As Subprefeituras, órgãos da Administração Direta, serão instaladas em áreas administrativas de limites territoriais estabelecidos em função de parâmetros e indicadores socioeconômicos.
Para criação das 31 Subprefeituras existentes, era necessário definir critérios que
garantissem o desenvolvimento local e atendessem os anseios da população local. Ou seja,
considerar o universo característico de cada região e acompanhar diretamente cada uma delas
para potencializar seu dinamismo. O número de Subprefeituras gerou enormes críticas, mas
cada uma possui população aproximada de 400 mil habitantes, maior que a imensa maioria
dos municípios, como vimos anteriormente. Para definir cada Subprefeitura, foram
considerados os seguintes critérios:
nenhuma subprefeitura deveria ter população maior de 500 mil habitantes, salvo pequenas exceções, a necessidade de subprefeituras nas áreas periféricas e de exclusão social, respeito aos limites dos distritos, proximidade geográfica e existência de barreiras físicas, existência de pólo comercial e de serviços, respeito a identidade política e cultural; atenção às áreas de preservação e de mananciais e, finalmente, combinação de áreas desenvolvidas com áreas precárias, incentivando o desenvolvimento regional. (FINATEC, 2004, p. 45)
Desta forma, foram criadas, conforme o artigo 7°, as seguintes subprefeituras e seus
respectivos distritos:
34
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=14894
Essas subprefeituras criadas e instituídas eram diferentes dos modelos anteriores,
porque previam mais descentralização e forte participação local, sobretudo porque as duas
gestões anteriores (Maluf e Pitta) foram marcadas pelo sucateamento das ARs e também pelos
escândalos de corrupção. Diante disto, as Subprefeituras, respeitando seus limites territoriais,
tinham o que se segue como atribuições definidas no artigo 5°:
I - constituir-se em instância regional de administração direta com âmbito intersetorial e territorial;
II - instituir mecanismos que democratizem a gestão pública e fortalecer as formas participativas que existam em âmbito regional;
35
III - planejar, controlar e executar os sistemas locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central da administração;
IV - coordenar o Plano Regional e Plano de Bairro, Distrital ou equivalente, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico da Cidade;
V - compor com Subprefeituras vizinhas instâncias intermediárias de planejamento e gestão, nos casos em que o tema, ou o serviço em causa, exijam tratamento para além dos limites territoriais de uma Subprefeitura;
VI - estabelecer formas articuladas de ação, planejamento e gestão com as Subprefeituras e Municípios limítrofes a partir das diretrizes governamentais para a política municipal de relações metropolitanas;
VII - atuar como indutoras do desenvolvimento local, implementando políticas públicas a partir das vocações regionais e dos interesses manifestos pela população;
VIII - ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços locais, a partir das diretrizes centrais;
IX - facilitar o acesso e imprimir transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos;
X - facilitar a articulação intersetorial dos diversos segmentos e serviços da Administração Municipal que operam na região.
Parágrafo Único - As diretrizes mencionadas nos incisos III, IV, VI e VIII deste artigo serão fixadas pela instância central de governo, mediante elaboração de políticas públicas, coordenação de sistemas, produção de informações públicas e definição de política que envolva a região metropolitana, ouvidas as Subprefeituras.
Para dar conta de toda a nova dinâmica e da descentralização prevista, era necessária a
criação de uma nova estrutura organizacional, que desse dinamismo e pudesse ter autonomia
suficiente para alcançar os objetivos. Desta forma, ficavam as Secretarias existentes com o
papel de desenvolver políticas e acompanhar sua implementação, garantido uniformidade
nesta, e as Subprefeituras com o papel de garantir a execução no seu respectivo território.
Para tanto, em 2003, em dezembro, foi enviado um projeto complementar 13.682,
criando a estrutura da Subprefeitura. Foram criados, além do cargo de Subprefeito, os
seguintes: chefia de gabinete do subprefeito e assessores diretos; e as seguintes
coordenadorias: Assistência Social e Desenvolvimento, Planejamento e Desenvolvimento
Urbano, Manutenção da Infraestrutura Urbana, Projetos e Obras, Educação, Saúde e
Administração e Finanças.
Cada uma destas áreas, além do Subprefeito e seus assessores, recebeu destacadas
atividades para efetivar o poder local, como previa o projeto. Conforme lista elaborada a
partir da Finatec (2004) percebe-se a importância de cada uma destas Coordenadorias, além
do papel do Subprefeito, como veremos abaixo.
36
Ao Subprefeito cabe a decisão, direção, a gestão e o controle dos assuntos municipais
em nível local. Ele deve representar política e administrativamente a prefeitura na região.
A Coordenadoria de Assistência Social e Desenvolvimento (CASD) responde pela
implantação e execução das políticas públicas de inclusão e promoção nas áreas de
Assistência Social, Trabalho, Segurança Alimentar, Habitação, Esporte, Lazer e Cultura;
coordena, propõe, articula e participa de projetos integrados de Ação Social e
Desenvolvimento no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (CPDU) é responsável
pela implantação e execução das políticas municipais e ações nas áreas de Controle e Uso do
Solo e Licenciamento, Fiscalização e Planos de Desenvolvimento Sustentável (Habitacionais,
Ambientais, de Transporte, Urbanísticos e de Uso do Solo) no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Manutenção e Infraestrutura Urbana cuida da implantação e
execução das políticas municipais e ações de Limpeza Pública e Manutenção e Reparos no
âmbito da Subprefeitura; coordena, propõe, articula e participa de ações integradas de
Manutenção da infraestrutura.
Cabe à Coordenadoria de Projetos e Obras responder pela implantação dos Projetos e
Novas Obras no âmbito da Subprefeitura; assegurar a execução e integração das atividades
das Divisões de Próprios e Edificações, Drenagem, de Viários e Urgências Urbanas de acordo
com a legislação, com as políticas públicas e diretrizes fixadas; assegurar a elaboração de
projetos e a implantação de obras em conformidade ao Plano Regional da subprefeitura.
À Coordenadoria de Educação cabe responder pela implementação da Política
Municipal de Educação no âmbito da Subprefeitura; elaborar o Plano Anual e o Plano
Plurianual da coordenadoria; assegurar a produção e disponibilização de informações sobre as
ações da coordenadoria internamente e ao conjunto da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Saúde é responsável pela implantação da Política Municipal de
Saúde no âmbito da Subprefeitura; elabora e implanta o Plano de Gestão Local da Saúde
(anual e plurianual); assegura a implantação e acompanhamento das ações de avaliação e
controle do SUS no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Administração e Finanças deve ser responsável por todas as áreas
de pessoal e orçamentária da Subprefeitura. Dessa forma, cabe a ela responder pela
implantação e execução das políticas municipais nas áreas de Administração, Gestão de
Pessoas, Suprimentos e Finanças no âmbito da Subprefeitura.
37
Todo o processo de criação do projeto de Subprefeitura, como também toda a
arquitetura da descentralização e o envio das equipes para as Subprefeituras seriam dignos de
um estudo, mas foge ao escopo deste trabalho.
Vale ressaltar ainda que, novamente, o processo da descentralização e das
Subprefeituras perpassa de uma gestão para outra, em governos opositores. Com isso, imposta
a derrota na tentativa de reeleição da Prefeita Marta Suplicy, seu sucessor, José Serra e o
posterior, Gilberto Kassab, adotam outros caminhos para as Subprefeituras. Primeiro, tirando-
as da rota principal de seus governos e, segundo, tomando decisões e caminhos
diametralmente opostos aos que haviam sido criados com a então prefeita Marta Suplicy.
Para efeito de comparação, se Paulo Maluf e Celso Pitta ignoraram a necessidade de
criação das Subprefeituras e aumentaram as ARs e seu poderio de barganha política,
entregando-as a suas bases de apoio no legislativo. José Serra e Gilberto Kassab tomaram
outro caminho, mesmo com as Subprefeituras já instaladas: promoveram o esvaziamento das
Subprefeituras como instância de governo local e sua autonomia. Abaixo alguns dos
principais pontos que levaram ao desmonte da proposta original de Subprefeitura:
• Redução das Coordenadorias, sobretudo em Educação, Saúde e Assistência Social.
Para a primeira, foram, conforme decreto 45.787/05, de 31 para 13 e a segunda e
terceira para 5 das 31 existentes. Isto significou dividir a base territorial de cada
Subprefeitura, em relação às coordenadorias. Ou seja, cada coordenadoria teria um
recorte diferente, por sua conveniência. Assim, as coordenadorias de Saúde e
Assistência Social, cada uma com sua própria base geográfica, e que não se
comunicam entre si. Na Coordenadoria de Educação, por exemplo, encontram-se 4
subprefeituras (Vila Mariana, Sé, Vila Prudente e Ipiranga) das regiões leste, sul e
centro.
• Redução do poder de participação local nas Subprefeituras, fortalecida, sobretudo pela
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
• Centralismo Orçamentário; o orçamento da prefeitura aumenta 154% de 2005 para
2012, mas as verbas para as subprefeituras tiveram um acentuado declínio, reduzidas
ao longo desse período (2005-2012) em 61%.
• Redução das Subprefeituras ao serviço de Zeladoria, com abandono de funções de
desenvolver as potencialidades locais. Ainda assim, o orçamento esteve concentrado
38
em poucas Secretarias nos últimos anos: Infraestrutura e Obras, Desenvolvimento
Urbano, Planejamento e Coordenação das Subprefeituras.
• Alguns dos serviços devolvidos ou mesmo executados por Subprefeituras não
possuem recursos para execução, por exemplo, o emplacamento de ruas.
• Outro dado importante refere-se às equipes presentes nas Subprefeituras. Além do
desinteresse dos servidores, dada a intensa descontinuidade de políticas, há também a
falta de quadros pelos mais diversos motivos, sendo baixos salários e aposentadoria os
principais. Com isto, há uma enorme carência de quadros competentes, sem reposição
há alguns anos. Para ilustrar, podemos usar como exemplo os Agentes Vistores. Em
1992 eram aproximadamente 1200 para a cidade toda; atualmente resumem-se ao
número de 320 pessoas em atividade24.
Destas observações acima podemos concluir que os Subprefeitos possuem menos poder
do que na época das Administrações Regionais da prefeita Luiza Erundina. Com os recursos
bloqueados e escassos e com as coordenadorias suprimidas, as subprefeituras são apenas (e
péssimas) zeladorias.
O assunto Subprefeitura continua, porém, a suscitar debates importantes sobre a
descentralização, participação e as formas de governo da cidade. Como vimos, as
Subprefeituras foram instituídas como instâncias que pudessem lidar com desafios locais que
necessitam de ações concretas e singulares em cada região.
Por isto, no próximo capítulo, adentraremos a Subprefeitura Sé, entendendo suas
particularidades e desafios, internos e externos, que a justificam como a subprefeitura mais
importante da cidade.
24 Informações do Sindicato dos Agentes Vistores da Prefeitura Municipal de São Paulo.
39
2. A Subprefeitura Sé: território de Contrastes
2.1 Caracterização do Território
A Subprefeitura Sé foi criada em 1973, quando seu nome ainda era Administração
Regional (AR), até ser alterado em 2003. Esta Subprefeitura é das mais importantes da cidade,
por concentrar a maior parte dos bens culturais do município25. Possui em toda sua extensão
26,2 km² de área. Além disto, é também no centro que grande parte da população se desloca
cotidianamente, para o trabalho ou à procura dele, ao comércio, eventos culturais e uma
infinidade de serviços prestados pelos mais diversos órgãos ali presentes. Não à toa que em
sua localidade encontram-se 17 linhas de metrô e circulam aproximadamente 3,5 milhões de
pessoas/dia.
Os distritos componentes da Subprefeitura Sé são oito: Bela Vista, Bom Retiro,
Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Sé e República, como podemos ver no mapa
abaixo:
Fonte:http://www.encontrahigienopolis.com.br/higienopolis/
25Aqui entendidos como produção simbólica e material produzida ao longo do tempo
40
O distrito Sé é onde se encontra o centro velho da cidade e de onde a cidade se
expandiu para o novo centro, a República - como é possível perceber pela figura acima-, e aos
seus demais distritos, ao longo do século XIX. Como áreas importantes do distrito Sé,
podemos citar: área do Mercado Municipal, onde também se encontram a zona cerealista e a
25 de março, uma das principais áreas de comércio do centro e do país. Além disso, há o
Parque Dom Pedro, a Catedral da Sé, o Pátio do Colégio, o Triângulo histórico26 e outras
áreas como, por exemplo: Largo do São Bento e Largo do São Francisco. É uma área rica em
bens materiais tombados; existem atualmente 26, sem levar em conta os que estão em
processo de tombamento27.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21547
26 Compreendem-se as ruas: XV de novembro, Direita e São Bento. E como referências de vértices estão as igrejas: Sé, do Carmo, São Bento e São Francisco. 27 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras.
41
A República, centro expandido a partir da inauguração do primeiro viaduto do Chá,
em 1892, comporta o chamado centro novo e possui características mais diversas. Coexistem
moradias e comércios e estão inseridos em seu território: Câmara Municipal, Palácio dos
Correios, Teatro Municipal, Praça da República, Avenidas Ipiranga e São João e o boêmio
Largo do Arouche. Além disso, a Rua Santa Ifigênia, que se especializou no comércio de
produtos eletrônicos.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=29255
Os outros bairros, expansão do centro (velho e novo), também foram construindo a sua
história ao longo do tempo e cada um com suas particularidades, como poderemos
acompanhar nas descrições que seguem sobre eles.
42
O distrito da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que, segundo o DPH28,
ainda guarda inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do
solo29, ou seja, preserva características originais iniciadas no período de expansão do centro,
ao final do século XIX. Por conta disto, estas localidades são tombadas, por ser caracterizado,
segundo documento de tombamento, “o grande número de edificações de inegável valor
histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo” e, continua, “mescla dos usos residencial,
cultural, comercial e de serviços especializados”. Além disso, observam-se neste distrito
inumeráveis cantinas e teatros, que fazem parte da história local. Este bairro é considerado,
segundo o mesmo documento, um bairro de elevado potencial turístico no âmbito nacional.
Neste distrito está a Av. Paulista um dos principais centros econômicos da cidade e do país.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=22398
28 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras 29http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/49c99_22_T_Bairro_da_Bela_Vista.pdf
43
O distrito do Bom Retiro é atualmente conhecido como complexo das artes, por ter em
seus limites o bairro da Luz, que concentra diversos pontos de interesse, como: Pinacoteca,
Museu da Língua Portuguesa, Sala São Paulo, Orquestra Sinfônica e o Jardim da Luz. O
distrito é também famoso pelo comércio de moda. Estão ali confecções e tecelagem,
sobretudo, nos tempos atuais, dominadas por coreanos. A história deste distrito começa pela
concentração de indústrias que, ao longo dos anos, foram dando lugar às atuais confecções. É
ainda um bairro permanentemente de população árabe, ainda que agora estejam presentes
também os coreanos.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=35594
O Cambuci talvez seja o distrito que menos preserve características centrais e tenha
características mais parecidas com as de bairro (e neste sentido se aproximaria muito mais dos
distritos da Subprefeitura Vila Mariana). Aqui existe uma pequena área de concentração, onde
se encontram comércios e serviços, localizadas, sobretudo nos arredores do Largo do
Cambuci, Rua dos Lavapés, Independência e Avenida Lins de Vasconcelos. Recentemente,
por conta desta característica, o bairro passou por uma supervalorização imobiliária, sendo
tomado por incorporadoras.
44
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21962
A Consolação é o distrito de melhores condições econômicas e sociais de todos os
citados. Lá estão localizados bairros como a Vila Buarque, Pacaembu e o famoso
Higienópolis, bairro criado no início do século XIX, que obedecia a ideais higienistas30. Suas
ruas são arborizadas e largas. Além disso, conta com “diversidade estética das edificações,
inspiradas em modelos europeus, representa novas formas de morar da burguesia urbana”.
Conta também com algumas das mais importantes universidades brasileiras, como a
Universidade Mackenzie, a Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), a Pontifícia
Universidade Católica (PUC) e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Dos
equipamentos públicos localizados neste distrito sobressaem-se o estádio do Pacaembu e as
bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além deles, dos 39 imóveis tombados,
destacam-se: Fundação Escola de Sociologia e Política, Cemitério da Consolação, Instituto
Mackenzie e o teatro Cultura Artística.
30 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras
45
Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=26765
Na Liberdade está concentrada a colônia japonesa, que ocupou o bairro com maior
intensidade a partir de 1970. É um bairro misto entre moradias modestas e comércios. Nos
tempos atuais há outras colônias orientais, compostas de chineses e coreanos. Também se
encontram neste distrito a baixa do Glicério, área pouco mais degradada e a Aclimação31,
pouco mais conservada e com características de bairro. Vale ressaltar que no Glicério
concentraram-se alguns empreendimentos fabris em tempos não muito longínquos. Existem
também alguns patrimônios tombados, sendo dos dez existentes, a Capela dos Aflitos a mais
conhecida.
31A Aclimação é geralmente ligada ao distrito do Cambuci, mas como aponta o mapa, pertence ao distrito da Liberdade.
46
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=20429
Em Santa Cecília, distrito nascido no período industrial, encontramos diversidade de
ocupação e uso. Em seu território é possível observar residências de médio e grande porte,
sobretudo nos Campos Elíseos. Além disso, caracterizou-se como bairro fabril e operário,
com pequenas manufaturas e grandes fábricas, sobretudo na várzea da Barra Funda. Por fim, o
distrito caracterizou-se, no bairro de Santa Cecília, por moradias modestas, unifamiliares e
coletivas. Dos dezesseis imóveis tombados, destacam-se como mais conhecidos o DOPS e a
Estação Júlio Prestes.
47
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=28611
Como se pode observar, cada um destes distritos possuí uma diversidade enorme no
que se refere a sua caracterização, formação, condição econômica e geográfica, além da sua
riqueza material e simbólica. Ainda que diversas, estas características os aproximam,
tornando-os distritos centrais. Ao mesmo tempo em que existem estas diversas riquezas
citadas, existem também os enormes desafios sociais que coexistem e que demandam um
olhar atento e minucioso. Por isso, neste sentido, vale analisar um pouco mais outros aspectos
característicos desta subprefeitura e destes distritos.
Nesta região moram, segundo dados do último senso do IBGE, 435 mil pessoas32,
divididas nos distritos da seguinte maneira: Bela Vista (16%), Bom Retiro (8%), Cambuci
(9%), Consolação (13%), Liberdade (16%), República (13%), Santa Cecília (19%), Sé (5%).
Se olharmos o perfil do público por faixa etária, temos a seguinte configuração: de 0 aos 9
anos (9%), dos 10 aos 14 anos (5%), dos 15 aos 19 anos (5%), dos 20 aos 29 anos (21%), dos
30 aos 59 anos (44%) e dos 60 anos em diante (16%). Como podemos ver é uma população 32 IBGE, Senso 2010
48
eminentemente adulta e jovem, que compõe o perfil dos moradores desta região, ou seja, 65%
da população têm idade entre 15 e 59 anos de idade. Mas, ao mesmo tempo, é considerável a
população idosa dessa localidade e que demanda atenção e cuidados especiais.
A área central concentra grande parte dos equipamentos culturais, particulares e
públicos. Por exemplo, há no centro 53das 332 salas de cinema da cidade, 136 das 254 salas
de teatro, 33 de 93 Centros Culturais, Casas de Cultura e Espaços Culturais, 38 dos 124
museus33. Por estes dados é possível observar não só a concentração dos equipamentos, mas
também a distribuição desigual, em relação à cidade. Com esta concentração, é possível
perceber a efervescência do centro e toda a ocupação que se dá nesta região por grupos e
coletivos que expressam suas manifestações culturais e artísticas. Além disso, outras áreas do
centro, como o Vale do Anhangabaú e Avenida Paulista, recebem os grandes eventos da
cidade aberto ao público. Dentre estes eventos podemos citar, por exemplo, o Réveillon, a a
Virada Cultural, a Parada Gay e a corrida de São Silvestre.
Neste território também se encontram alguns dados sobre trabalho, emprego e renda
interessantes. Por exemplo, 17,8% dos empregos da cidade se localizam nos distritos desta
Subprefeitura34. Isto significa, em números, pouco mais de 712 mil empregos formais35, sendo
a área que mais emprega na cidade, acompanhada apenas por Pinheiros, que emprega
aproximadamente cem mil pessoas a menos. A terceira, para dar ideia do abismo, aproxima-se
de 490 mil pessoas. Nem é preciso citar o impacto disto, qual seja, a concentração das pessoas
durante o dia na região. Ainda neste universo temos como dados: 20% do total de empregos
formais pagam entre meio e um salário mínimo e meio, e na outra ponta, 22% recebem entre
quinze e vinte salários mínimos. Estes números demonstram o quanto esta região é
economicamente rica.
Outro fator importante é que no centro se localizam quase todas as secretarias
municipais, além de inúmeras autarquias, empresas públicas e secretarias estaduais. Ora, isto
é um fator determinante na valorização e ocupação do centro, mas também um agente
facilitador na construção de políticas, programas e projetos, já que se podem acessar
prontamente outros órgãos, entes e pessoas em poucos minutos, acelerando tomadas de
decisões importantes bem como o início de novos processos e operações.
33Estes dados colhidos em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br
34 IBGE, Senso 2010. 35Exclusive Administração Pública
49
2.2 Populações Vulneráveis
Vimos até agora os atrativos do centro, sua concentração cultural e de algum modo sua
riqueza e importância financeira. Mas não é só disto que ele é feito. Ao olharmos
detidamente a população no território, nos extratos mais pobres, os números também
impressionam, mas negativamente. Há uma população que quase escapa aos números do
IBGE e, em muitos casos, da própria política municipal. Para mostrar a dimensão do que
falamos, basta tomar conhecimento da população na região central que vive em extrema
adversidade. Pouco mais de 7 mil pessoas recebe até meio salário mínimo36, segundo dados
do Senso/IBGE 2010. Estão distribuídos da seguinte forma, por número de pessoas: Bela
Vista (819), Bom Retiro (1243), Cambuci (636), Consolação (530), Liberdade (939),
República (1375), Santa Cecília (958) e Sé (670).
Os moradores em situação37 de rua, acolhidos e não acolhidos, também estão presentes
nessa região da cidade, compondo 55% de todo o contingente no município. Constituem-se
por: pessoas em situação de rua e em situação de rua com uso de substâncias químicas,
migrantes e imigrantes, egressas do sistema prisional, vítimas de violência doméstica, sexual e
de tráfico de pessoas. São ao todo 6832 pessoas, segundo o último senso realizado em 201138.
Destes atuais, pouco menos da metade está acolhida por algum programa (3747 pessoas).
Vale dizer que as novas modalidades de abrigo das pessoas em situação de rua criam tensão
entre as associações de moradores e a Subprefeitura, mas não trataremos disto agora. Apenas
para registro, os moradores em situação de rua não se cobrem apenas com papelões e
cobertores velhos, como se costumava registrar. Atualmente uma nova modalidade de abrigo
tem sido disseminada, que é o uso de barracas de camping. Portanto, além dos lugares
tradicionais - baixa de viadutos e marquises-, estas pessoas têm montado suas barracas
também em praças, canteiros centrais e áreas verdes, deixando, em muitos casos, essas
barracas armadas o dia todo. Além disso, o próprio perfil do morador de rua alterou-se ao
longo dos anos. Nos últimos anos não é a falta de emprego que leva as pessoas à rua, mas a
quebra do vínculo familiar e o uso de substâncias químicas, e nessa população tem-se
infiltrado o tráfico de drogas. Para se ter ideia, um levantamento feito pela SMADS aponta 24
pontos viciados na região, ou seja, em que as barracas ficam montadas quase que
36 Dados do Senso/IBGE, 2010 – Fontes retiradas de SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) 37Definição dada por SMADS: pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de
viadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, assim como aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em centros de acolhida ou abrigos. 38 Este senso é realizado a cada dois anos, no segundo semestre. Foi realizado, em 2011, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
concentra a maior parte dos moradores em situaçã
Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
coletivas multifamiliares, presente
Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
desejo do proprietário. Ainda que exista a Lei Moura
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
abaixo:
Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
39 Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
concentra a maior parte dos moradores em situação de rua, predominantemente não acolhidos
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
presentes nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura
Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de habitação
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
inda que exista a Lei Moura39 e tenham-se reconfigurado as suas
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive,
Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços 50
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
, predominantemente não acolhidos.
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura
ção, higiene, ventilação,
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
se reconfigurado as suas
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, uma
51
Ao todo são 657 cortiços na Subprefeitura Sé em funcionamento, distribuídos da
seguinte forma: Bela Vista (158), Bom Retiro (77), Cambuci (51), Liberdade (131), República
(62), Santa Cecília (143) e Sé (41). Estima-se que, segundo dados da SMADS40, 7706 pessoas
encontram-se nas condições já citadas: precárias e insalubres.
Ainda no que se refere às condições de moradia no centro, podemos citar as
ocupações, entendidas como espaços vazios e/ou abandonados, sobretudo prédios públicos
e/ou particulares, ocupados pelos movimentos de moradia na região central. São
aproximadamente 49 prédios ocupados, com aproximadamente 50 famílias em cada um
deles41, perfazendo um total de 2450 famílias. São aproximadamente 8300 pessoas em
moradias sem as condições adequadas de habitação. Além disso, muitas delas estão ocupando
locais que oferecem risco à vida, por problemas elétricos e estruturais nos prédios. Ainda é
possível observar que muitas delas estão em risco eminente de reintegração de posse.
Por fim, existe na área central a Favela do Moinho, a única do centro e que abriga
atualmente 450 famílias. O terreno é uma antiga fábrica de farinha e é cortada por um viaduto
e a linha de trem. Existe hoje um impasse entre população e governo municipal no que se
refere à ocupação local. A prefeitura pretende remover as famílias para programas
habitacionais e uma parte da comunidade pretende a urbanização da área.
Na área da Saúde os números são ainda mais controversos, como citava anteriormente.
Na Sé existem 34 hospitais e ao todo 5763 leitos, destinados para sua população residente,
uma média considerada positiva na distribuição população x leitos (coeficiente de leitos gerais
13,08). Porém, apenas dois destes hospitais são públicos e oferecem nos leitos 277 vagas42.
Para dar uma ideia do déficit em saúde no centro, ainda em equipamentos de saúde, faltam,
para a Atenção Básica, 17 UBS43. Há ainda a ausência de UBS em dois distritos: Liberdade e
Consolação44.
Ainda na Saúde existem outros desafios que compõem este diagnóstico. Por exemplo,
a população idosa45 do centro gira em torno de 16%46 de toda a população. Para esta faltam
políticas claras na região central e também há a ausência de programas que possam atender
esta demanda de forma devida. São apenas, a título de exemplo, três equipes no PAI
40 SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) 41 Projeções feitas por técnicos urbanistas da Prefeitura Municipal de São Paulo 42 Não considero que alguns destes hospitais particulares tenham convênios e atenda a população de forma gratuita. Isso aumentaria a quantidade de leitos considerados públicos, mas ainda assim será, seguramente, aquém do necessário. Importante dizer que por ter dificuldade de acesso a estes dados não foi possível precisar o dado. 43 Unidade Básica de Saúde (UBS): local onde se realizam atendimentos básicos e gratuitos e faz encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. 44 São ao todo 9 UBS na Subprefeitura Sé. 45 Consideramos conforme define o Estatuto do Idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 46 Projeção Populacional por Faixa Etária e Sexo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU- Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.
52
(Programa de Acompanhamento ao Idoso) e não há, outro exemplo, transporte sanitário para
esta população. Ora, o sofrimento mental, álcool e drogas e violência são desafios que estão
presentes, perfazendo em torno de 10% de toda população de rua da cidade; estão presentes
massivamente no centro.
Por fim, outros segmentos populacionais presentes no centro oferecem desafios e
precisam de tratamentos diferenciados, como a população imigrante, migrante e os egressos
do sistema prisional. E da mesma forma as pessoas vítimas da violência e exploração sexual e
tráfico de pessoas.
Na educação os números também são consideráveis. Existem na região
aproximadamente 60 instituições de ensino entre conveniadas e próprias da prefeitura, desde
creche ao ensino de jovens e adultos, passando pelo ensino fundamental. São ao todo,
oferecidas 12.559 vagas, tendo aproximadamente um total de sobra de vagas de 10%. Ao
detalharmos um pouco mais as vagas existentes, percebe-se que destes 10% há uma parte
considerável que se refere ao ensino de jovens e adultos, mas também é possível ver vagas em
ensino fundamental em certas regiões, como na Bela Vista, Sé e Liberdade. Nestas regiões a
soma total de vagas em aberto chega a 414. A região possui em cadastro 384 pessoas:
portanto, ainda sobrariam 30 vagas. Existe um problema de distribuição das vagas nessa
região e também de alternativas que possam dirimir esta diferença. Ou seja, algumas escolas
têm vacância, enquanto outras sofrem por falta de vagas. Mas a maior demanda por vagas está
nas creches. Existem hoje, 2.676 vagas para este modalidade de ensino e seu preenchimento é
superior a 97%. A demanda, ou seja, o número de cadastros existentes chega a 1.625 até o
último registro considerado para este estudo. É impossível dar conta desta demanda sem a
construção de novos convênios e a instalação de novas creches. Vale dizer que, por haver
carência de equipamentos em certas regiões, as mães não fazem cadastro de seus filhos e, por
isso, há uma demanda reprimida, que aumentaria ainda mais o contingente reserva.
Os dados de segurança do centro também demandam atenção, pois são alarmantes e
apontam alguns desafios a serem enfrentados. Certamente as apreensões por comércio
irregular e ambulante são os que mais evidenciam a Sé, mas não é só isso o que configura a
região. No último julho de 2013, foram registrados seis estupros num total de 72 na cidade.
Evidentemente, imagina-se um número maior de ocorrências por toda cidade, sem que as
vítimas prestem queixas. Ainda assim, estes seis ocorridos colocam a Sé entre as
Subprefeituras com maiores índices, representando quase dez por cento dos crimes ocorridos
na cidade. Quando o assunto é crime contra o patrimônio, a Sé toma a liderança. Os números
53
para Roubos Outros são 1.725 registrados. Furtos Outros chegam a 4274 e Furto de Veículos
foram 434 nesta região. Há de se registrar que o fato de as delegacias não respeitarem os
limites dos distritos e Subprefeituras dificulta o levantamento exato dos crimes, mas ainda
assim a variação para alguns crimes é pequena, não alterando, por exemplo, a liderança da
Subprefeitura Sé, para algumas ocorrências no rearranjo das delegacias.
Além dessas áreas de forte incidência no território, no que se refere aos temas sociais
de predominância das secretarias de assistência e desenvolvimento social, saúde, educação,
segurança e habitação, há outras atividades de forte impacto na vida dessa Subprefeitura.
2.3 Zeladoria
O centro também é caracterizado pela presença de inúmeras áreas verdes, entendidas
aqui como: praças, canteiros centrais e áreas gramadas/ajardinadas. Além destas, ainda que
não componham áreas verdes, estão os largos e as áreas sob os viadutos, sendo que estas
últimas exigem outra complexidade de tratamento. Excluindo estas últimas, temos na região
central 159 áreas verdes, incluindo os largos, e, portanto, 131 praças. Os distritos com mais
praças são: Consolação e República, com 17 cada uma e Sé com 15. Aqui não estão
consideradas as árvores, que se estimam acima de 30 mil, sendo que, pela mesma estimativa,
a maior parte delas está em risco eminente de queda, necessitando de poda ou remoção.
Por fim, na conservação há ainda os baixos de viadutos, que são áreas sob viadutos,
pontes e elevados e que precisam ser limpos, conservados e vistoriados regularmente. Na
região central existem ao todo 7247 estruturas com estas características, sendo ocupáveis
aproximadamente 4948. Um exemplo é a Ponte Orestes Quércia, conhecida como mini
Estaiada, ocupada por, no último levantamento feito até este estudo49, 150 famílias. O baixo
do viaduto não é um tema de fácil solução, pois nessas áreas constam, por exemplo,
cooperativas de recicláveis, estacionamentos, pontos de tráfico, pessoas em situação de rua e
em uso de químicos, escolas de samba, sacolões etc. Além do precário estado de conservação
da maior parte, estes ainda trazem muita insegurança à população do entorno. Vale dizer que,
47 Levantamento realizados pelos técnicos do Gabinete da Subprefeitura Sé 48As não ocupáveis referem-se a áreas onde passam rios ou córregos. 49 Levantamento feito para cadastramento das famílias a serem inclusas e programas sociais da Secretaria Municipal de Habitação.
54
conforme o decreto 48.378/200750, que regulamenta o uso de baixo do viadutos, algumas das
atividades realizadas são irregulares.
Dentre todas estas questões há ainda os canais de comunicação com o munícipe, que
são os serviços 156, feito por central de atendimento telefônico, as Praças de Atendimento e
Portal da Internet, que oferecem meios para solicitar serviços. O primeiro canal, o 156, é
eminentemente procurado para busca de informações sobre itinerário de ônibus. Já os outros
dois canais oferecem, como mostramos no capítulo anterior, uma gama infinita de serviços:
são mais de 150 serviços mapeados e estima-se que exista outra gama diversa feita por
voluntarismo dos servidores. Na Praça de Atendimento os serviços são, na maioria, abertura
de protocolo para realização de eventos, segunda via de IPTU e CCM51, além de outros
pequenos serviços, como carteira de trabalho, por exemplo. O Portal de Internet também
recebe solicitações dos munícipes, dos mais diversos assuntos, mas, sobretudo, verificam-se
pedidos de melhorias locais e reclamações sobre serviços prestados pela prefeitura. Portanto,
estes três canais compõem o SAC, Sistema de Atendimento ao Cidadão. Num levantamento
realizado pela equipe da Subprefeitura Sé encontramos alguns dados interessantes. Esta
Subprefeitura recebe aproximadamente 1.400 solicitações por mês para os mais diversos
assuntos: desde reforma do calçadão a pedido de limpeza em ruas, de denúncia a comércio
irregular e/ou ambulante a moradores em situação de rua ocupando áreas públicas. Nos
últimos cinco anos, dos pedidos realizados, estão sem respostas aproximadamente 22 mil,
sendo 12 mil no último ano. Para a demora desses serviços há uma gama de justificativas,
desde a impossibilidade de realização52 até a não abertura, pelos servidores, da solicitação
enviada pelo munícipe. Existem também os casos em que o trabalho foi realizado, mas por
falta de equipe, não houve baixa da solicitação. Enfim, essas incorreções fragilizam o dado,
mas o que se observa é o déficit entre receber solicitações de serviços e a baixa capacidade em
atendê-las de forma adequada.
Como vimos, o papel da Subprefeitura também é o de fiscalização dos
estabelecimentos comerciais e o acompanhamento e fiscalização de obras, observando os
limites que cabem a ela, previsto em lei. Isto inclui, por exemplo, os equipamentos culturais
em seus limites territoriais. A rigidez das leis e o tamanho das equipes impedem o devido
acompanhamento e fiscalização, e, como consequência, permite as mais diversas ilegalidades,
além da deslegitimação da prefeitura.
50Regulamenta as Leis nº 11.623, de 14 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.775, de 4 de fevereiro de 2004, e nº 13.426, 5 de setembro de 2002, que dispõem sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais. 51 Cadastro do Contribuinte Mobiliário 52 Por exemplo, é proibida a supressão de raízes das árvores, mas havia a possibilidade de entrar com o pedido.
55
Até aqui quisemos mostrar uma fotografia do território que compõe a Subprefeitura
Sé, com uma população superior a mais da metade dos municípios brasileiros e que enfrenta
os mais variados desafios: desde a preservação do patrimônio histórico até a população
vulnerável e em situação de risco, além dos desafios de zeladoria destas áreas, repletas de
desafios e em quantidade considerável.
2.4 Centralização e Descentralização
A Subprefeitura, como vimos, é um espaço de integração das diversas unidades da
prefeitura, que tem como objetivo acabar com a sobreposição de papéis, a imprecisão de
responsabilidades e aproximar os responsáveis pela tomada de decisão, dando agilidade e
rapidez ao processo. Portanto, é possível afirmar que seu papel seja de autoridade técnica e
administrativa, por possuir (ou deveria possuir) conhecimento detalhado do território que lhe
permite coordenar e executar políticas, considerando suas especificidades e particularidades,
priorizando-as.
Como vimos até agora, porém, o que se planejou e não se aplicou na prática trouxe
algumas consequências de forte impacto sobre o local. Por exemplo, espalham-se os casos de
corrupção cometidos por agentes públicos lotados em Subprefeituras, em grande parte, pela
dificuldade de acompanhamento dos mesmos, além do excesso de trâmite e burocracia a que
estão sujeitos os cidadãos que dependem de serviços municipais, que agilizam pagamento de
propinas para “pular” a lentidão a que seu processo está sujeito. Além disso, a desarticulação
e a falta de coordenação entre entes do governo agravam problemas.
Por exemplo, é possível que a Secretaria de Saúde precise de um terreno para a
construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não consiga encontrá-lo sem ajuda
da Subprefeitura. Assim como a Secretaria de Educação pode precisar para a construção de
creches, mas sem o mesmo conhecimento local, não o encontre com facilidade. No centro,
pela ocupação intensa da área, encontrar terreno para suprir demandas é uma tarefa difícil. Ou
seja, sem articulação interna, pode-se adiar, quando não abortar a construção de um
equipamento público. Ou é possível observar o que ocorreu na Aclimação, onde existe uma
rua famosa pela quantidade de comércios especializados em espetinhos de carne. Nesta área
dois problemas foram denunciados pelos munícipes: irregularidade na ocupação destes locais
e crime ambiental. Um problema de atribuição da Subprefeitura e outro da SVMA53.
53 Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SMVA)
56
Motivados pelo mau cheiro, excesso de barulho noturno e congestionamento, a população
local pediu às autoridades o fechamento desses estabelecimentos – a área é considerada
residencial. Por falta de coordenação, a Subprefeitura e a Secretaria de Verde e Meio
Ambiente não atuam de forma conjunta. Ocorreu então que a Secretaria do Verde aplicou
multas contra crimes ambientais, porém, sem ir conjuntamente com a Subprefeitura, que
poderia lacrar o local e é a única que tem competência legal para isto. O resultado disto não
poderia ter sido pior. Os estabelecimentos investiram na adequação de seus espaços, conforme
exigiam as multas aplicadas. Diante disso, quando a Subprefeitura atuou os estabelecimentos,
eles entraram com recursos na justiça, alegando alto investimento na adequação, conforme
exigência referida. Ou seja, de ilegal, passaram a ser legais e os pedidos da população ficaram
inócuos, insolúveis a médio prazo. A Secretaria de Verde e Meio Ambiente acabou
legalizando indiretamente esses locais, gerando forte sentimento de revolta na população.
A não descentralização tem forte impacto também sobre as políticas sociais realizadas
no território. Primeiro, porque parte do desenho territorial das Secretarias engloba, como
dissemos, mais de uma Subprefeitura. Quase sempre desconhece o todo e especifico de cada
local. Segundo, porque acabam atuando sozinhas na implantação de suas políticas, o que não
é necessariamente efetivo. Aliás, é possível afirmar o contrário: é pouco efetiva a superação
dos desafios. Um exemplo disso é a DRE54 Ipiranga. Esta Delegacia abrange ao todo 16
distritos e 4 Subprefeituras. Portanto, escolas de Heliópolis ao centro fazem parte deste
recorte. Possuem 233 instituições de ensino sob seu guarda-chuva, num território
populacional de 1,4 mil pessoas. Existem, atualmente, segundo dados da própria Secretaria,
pouco mais de 60 mil alunos regulares. Com este tamanho, algumas lacunas saltam e
necessitam de intervenções. Por exemplo, na região central faltam vagas em creches. Alguns
equipamentos não oferecem conforto e segurança necessários para as crianças; há políticas
salariais discrepantes nas conveniadas e mais uma gama de outras implicações provenientes
da política educacional, mas também do abismo que há entre estas e as outras escolas, no que
se refere ao território.
Fica claro que é preciso reunir os diversos atores para que se possam superar os
problemas e estes coexistem com interesses conflitantes e antagônicos, em muitos casos. Por
isso precisam de espaços de diálogos e intermediação para lidar com os conflitos,
solucionando-os quando possível. É impossível, sem as Subprefeituras, que associações
locais, conselho de segurança, coletivos culturais, sindicatos e grupos organizados apresentem
54 Delegacia Regional de Ensino.
57
as suas pautas de reivindicações e possibilidades para a localidade e mesmo para a cidade.
Sem isso, a dimensão de esfera pública como lugar de todos fica extremamente prejudicada,
pois não promove espaços concretos de experiências. O poder público tem condições de
promover espaços para que essa diversidade e pluralidade possam aparecer. Como vemos nas
palavras de Jovchelovitch:
É, de fato, na experiência da pluralidade e na diversidade de perspectiva diferentes, que ainda assim podem levar a um consenso entre o público, que o sentido profundo da esfera pública se encontra. De acordo com Arendt (1983), o termo público significa dois fenômenos relacionados, mas não idênticos: em primeiro lugar, ele quer dizer que o que é público pode ser visto e escutado por todos e possui maior publicidade possível; segundo, o termo se refere ao próprio mundo enquanto algo que é comum a todos os seres humanos e se diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele. (JOVCHELOVITCH, 2000, pg 49)
Como exemplo, abordaremos algumas políticas sociais em execução na Subprefeitura
Sé e que poderão mostrar os desafios aos quais nos referimos e que claramente precisam de
uma coordenação mais articulada para que sejam mais efetivas, eficazes e eficientes. Abaixo
traremos um exemplo concreto que se refere à população em situação de rua e que, nos
últimos anos, tem chamado a atenção, dado o seu vertiginoso crescimento, mesmo com certa
estabilidade econômica e crescimento dos empregos formais.
Um estudo levantado pela Subprefeitura Sé indicou que havia entre oito a dez ações
voltadas para a população de rua, realizadas por diversas secretarias, como segurança urbana,
assistência social e saúde. Ao olharmos para a Assistência Social, é possível perceber mais de
55 serviços específicos para a população em situação de rua realizados por sua rede de
conveniada com um investimento mensal próximo a 6 milhões de reais ao mês. Da mesma
forma, a Saúde tem seus mais de quatro programas e ainda é possível citar a Habitação, que
usa o Programa Moradia Social, destinado a esta população.
Ao olharmos mais detidamente os números, no entanto, percebemos que a saída das
pessoas em condição de rua é muito baixa, sobretudo porque faltam programas mais
integrados e que dependam obrigatoriamente de uma ação articulada de várias secretarias,
mas com recorte territorial. Ou seja, é preciso pensar em como “tirar” a pessoa da condição de
rua. E isto envolve obrigatoriamente formas de empregabilidade, moradia, educação e
formação profissional, acesso a crédito e outros pequenos serviços. Para que os resultados
lograssem êxito, seria necessária a participação efetiva de outras secretarias, numa ação
conjunta, como por exemplo, Secretaria de Trabalho e Educação, além da própria
58
Subprefeitura. Isso sem contar entre as próprias secretarias citadas como executoras de ações.
Quer dizer, sem que elas atuem conjuntamente, é difícil pensar na superação da pessoa em
situação de rua. Evidentemente, existem exemplos bem sucedidos, mas eles quase sempre são
específicos, e não generalizados, como deveriam.
Ainda é possível observar o completo desconhecimento das secretarias sobre os dados
regionalizados de outras secretarias. Por exemplo, sobre a primeira infância, as secretarias de
assistência e saúde não acessam com facilidade dados sobre educação, e vice-versa, tampouco
atuam de forma conjunta para superação dos desafios. E isto se estende a outros temas, nos
quais a articulação por parte da Subprefeitura e mesmo a coordenação seria de vital
importância para obtenção de resultados mais satisfatórios. Estes problemas citados se devem,
em maior parte, ao recorte territorial de cada secretaria, que não promove espaços de troca
dentro do governo entre esses servidores. Como dissemos até agora, a Subprefeitura deveria
ser o espaço de articulação e coordenação desses serviços.
Para terminar com um exemplo, podemos citar o caso dos cortiços irregulares, cuja
política habitacional cabe à secretaria de habitação, mas as multas cabem à Subprefeitura. Se
um cortiço se estivesse adequando à Lei Moura, não faria sentido multá-lo, porém, por falta
de articulação, a Subprefeitura aplica a multa e liquida-se a possibilidade de adequação do
mesmo. Evidentemente, outros problemas decorrem deste; por exemplo, a expulsão de
algumas famílias dos agora não mais cortiços, e que integrarão o contingente em situação de
rua. Ainda sobre o cortiço, as famílias possuem o mesmo cadastramento em lugares
diferentes, ou seja, para a Saúde, Educação, Assistência Social e Habitação. Portanto, há
informações que uma secretaria necessita, mas só a outra possui. E em alguns casos, nenhuma
delas fez tal registro. Nenhuma destas secretarias faz o recorte racial no questionário,
impossibilitando a SMPIR55 de ter dados específicos sobre a população negra, por exemplo.
Por fim, neste caso, a Habitação cria a sua própria equipe de Assistência Social e após a
realização da melhoria do cortiço dá por encerrada a sua participação com os moradores dos
cortiços. Vale dizer também que para esta Secretaria persiste ainda a visão de que o morador
em situação de rua é um problema de Assistência Social e não seu.
Outro reflexo ocorre na morosidade da atuação conjunta entre áreas. Por exemplo,
comentou-se há pouco que a SVMA56 e a Subprefeitura Sé atuaram em tempos distintos na
Aclimação, não solucionando o problema e, inclusive, atenuando-o. Mas existem outros
problemas nesta articulação. Vejamos o serviço de poda e remoção de árvores que pertence à
55 Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) 56 Secretaria Municipal do Verde e meio Ambiente
59
Subprefeitura, a executora do serviço. Em seus limites, como vimos, existem muitos móveis
tombados, que exigem, por lei, um processo específico para intervenções, mesmo para poda e
remoção de árvores. O ideal seria uma articulação entre Patrimônio Histórico, Subprefeitura e
SVMA, que seria muito mais ágil se as duas últimas fossem integradas e articuladas no
território.
Quis mostrar até aqui como a Subprefeitura tem dificuldade de lidar com as tensões de
seu território e de como esta desarticulação traz os mais variados impactos negativos para a
cidade. Vimos, indiretamente, que a centralização excessiva das Secretarias e o recorte
arbitrário de cada uma sobre o que considera seu território de atuação não poderiam trazer
resultados diferentes, a não ser os já citados: desconhecimento do território, falta de clareza na
política, falta de gestão política e administrativa e morosidade processual.
Por outro lado, fica evidente a importância da Subprefeitura como projeto político-
administrativo, olhando para a Subprefeitura Sé. Vimos também que essa é uma região rica e
também uma das mais desiguais ao colocar nos mesmos espaços pessoas com condições de
vida tão díspares, tendo numa ponta as de elevado poder econômico e na outra as que se
encontram em extrema pobreza e fragilidade social.
Além disso, a região oferece diversas atrações culturais e artísticas, pagas e gratuitas,
mas que nem de longe estão acessíveis a todos que estão presentes no território, apartando
deste direito um contingente considerável de pessoas. É assim no que se refere aos leitos
hospitalares, que se comparam aos padrões internacionais, mas são quase todos particulares,
não sendo acessíveis a todas as pessoas. Para alcançar um padrão mínimo internacional em
saúde, precisariam ser construídas mais nove UBS.
O desafio é grande quando nos referimos, por exemplo, à manutenção de áreas verdes
e baixos dos viadutos. Seja por falta de quadros técnicos, centralização de gestão, supressão
de recursos financeiros e excesso de burocracia, alguns serviços demoram meses a serem
realizados, quando não o são de fato. Portanto, é notória a falta de padrão de zeladoria e que
possam ser proativos e não somente reativos, como a maioria dos serviços hoje. A falta de
transparência na execução dos serviços também gera muitas arbitrariedades, como a
priorização de um pedido feito por vereadores ou mesmo o pagamento de propina para a
execução de um serviço, que normalmente, no atual estágio, levaria meses para ser realizado.
Ora, o desafio flagrante para as Subprefeituras realizarem seus serviços, conforme
previa seu projeto de criação, passa por devolver a esta a sua importância, descentralizando
novamente o poder das Secretarias, recriando as coordenadorias e respeitando os limites
60
geográficos de cada Subprefeitura, para que estas possam ter o conhecimento aprofundado do
território e assim aplicar as políticas, considerando as especificidades locais e de forma
conjunta.
Se observarmos a demanda por vagas nas creches, é preciso pensar uma ação conjunta
no território, para que se possa dar conta deste desafio. Assim, nas particularidades do centro,
seria possível pensar em áreas para as creches nas ocupações que entram para programas
habitacionais e buscar nas áreas da Subprefeitura potenciais locais para a construção de
creches. Além disso, nas vagas em vacância, desenvolver estratégias para ocupação por
famílias atendidas por Assistência Social e que não encontram onde matricular seus filhos.
Por sinal, há dificuldades para a Assistência Social em inserir jovens em liberdade assistida
nas escolas, por exemplo. Ou seja, outra necessidade de uma ação conjunta mais próxima e
mediada.
Na cultura, além da valorização da local também poderia atuar de forma mais
contundente nas escolas, usando seus espaços culturais mais ociosos. Mesmo que já existam
programas de valorização e visitação destes espaços, eles são pontuais e não fazem parte de
uma política mais ampla. Também, e ainda na Cultura, seria possível pensar a reintegração do
morador de rua pelo viés cultural ou do esporte e tantas outras contribuições, como o uso dos
baixos dos viadutos e das praças e parques existente na Subprefeitura Sé.
Evidentemente, pensar na manutenção e aplicação destas políticas todas e na
manutenção em sua região requer, sem dúvida, maior aporte de recursos humanos e
financeiros, a criação de padrões de zeladoria e a participação de mecanismos de controle e
acompanhamento das mesmas.
61
3. Referencial teórico da Pesquisa
Observamos, nos capítulos anteriores, que as Subprefeituras sofreram significativas
mudanças ao longo do tempo, que ora contribuíam para seu desenvolvimento e fortalecimento
institucional, ora não, desconstruindo este papel e esvaziando sua importância como projeto
político. Essas intempéries produziram saberes e conhecimentos que contribuem para a
formação simbólica deste espaço para a população, bem estudado por alguns dos intelectuais
brasileiros. Mas também, ao mesmo tempo, para o funcionalismo público, sobretudo daqueles
que ocupam estes espaços e para quem, dentro de nossos limites, é foco de nosso estudo.
Segundo Jovchelovitch (2008, p. 95):
o que pode parecer irracional ou errado ao observador faz sentido aos agentes do conhecimento. É também neste sentido, ainda que não apenas, que um sistema de conhecimento deve ser avaliado: em relação ao significado e realidade psicológica que ele possui para aqueles que concretamente o produzem. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 95)
Desta forma, analisar o espaço público institucional, na perspectiva de seus atores, os
servidores públicos57, passa a ser elemento fundamental no estudo das Subprefeituras, porque
nos permitirá, dentre outras coisas, perceber como esse servidor se engaja no trabalho e como
percebe a importância de seu trabalho para o munícipe. Para tal, é preciso entender como
constrói seu mapa de significados e elabora e reelabora os registros de suas experiências
cotidianas em espaços de interações com outros servidores, mídias, munícipes e partidos
políticos. O objetivo é captar a realidade construída a partir de lógicas inconscientes inscritas
no contexto em que se encontra, no tempo e na história.
O modelo referencial para nosso estudo será a Teoria das Representações Sociais,
procurando compreender as questões arroladas acima com os servidores da Subprefeitura Sé.
57 Conforme explicitam os artigos Art. 2º e 3°, do Estatuto dos Funcionários públicos define que os funcionários públicos são aqueles que legalmente ocupam cargo público e são remunerados pelos cofres municipais, além de outras especificidades que legitimam o cargo.
62
3.1 A Teoria das Representações Sociais
A Teoria das Representações Sociais foi apresentada em 1961 por Serge Moscovici
que, por meio de sua tese58, destacava os conceitos gerados na psicanálise e usados no
cotidiano da população francesa de modo geral (FARR, 1995). Seu estudo baseou-se na
concepção de Representação Coletiva de Durkheim, para quem o indivíduo era um fenômeno
psíquico e irredutível a sua atividade cerebral, ou seja, sem influência no fenômeno social.
Isto é, estático e tradicional (GUARECHI, 1994). Nas palavras de Durkheim (1970, p. 39),
(...) o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que na fusão da qual ele resulta, todas as características individuais, sendo divergentes por definição, neutralizam-se e apagam-se mutuamente. (DURKHEIM,1970, p. 39)
Ao fazer esta afirmação, Durkheim deixa claro que o fato social59 era exterior aos
indivíduos e, portanto, capaz de condicionar e determinar suas ações, independente das
manifestações individuais que pudessem ocorrer. Em contraponto, Moscovici, como refere
Guareschi (1994), vai olhar as sociedades modernas como fluídas e dinâmicas, substituindo o
conceito de coletivo por social. Em poucas palavras, significa dizer que o indivíduo é tanto
produto da sociedade, mas também, como afirma Moscovici (1978), agente de mudança dela.
Desta forma, ao distanciar-se do conceito de Durkheim, propõe as Representações Sociais
como modelo. Para Moscovici, a diferença entre os conceitos é explicada da seguinte forma:
(...) as representações coletivas são um mecanismo e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), enquanto para nós são fenômenos que precisam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que se relacionam com uma forma particular de entender e comunicar: um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Para destacar esta diferença, usarei o termo social em vez do termo coletivo (MOSCOVICI apud ÁLVARO E GARRIDO, 2006, p. 287-8).
Entendido o percurso que diferencia a virada de pensamento de Moscovici sobre
Durkheim, o que seriam as representações sociais como teoria para explicar o fenômeno das
58 La Psychanalyse, son image et son public 59 Fato social para o Durkheim possuía três características: coercitividade, exterioridade e generalidade. O primeiro refere-se à força que os fatos exercem sobre as pessoas, os quais são transmitidos a estas na maneira de pensar, agir e sentir. O segundo refere-se à exterioridade, ou seja, existe independente da vontade ou consciência dos sujeitos, sendo inclusive, que estes tenham nascido antes de nascermos. Por fim, o terceiro conceito para o autor é aquele que se aplica, no mínimo, a maior parte da sociedade, ou seja, é geral por ser coletivo.
63
relações do (e no) cotidiano? A sensibilidade de sua teoria está justamente no entendimento
do cotidiano como fenômeno que explica o senso comum, ou seja, o modo como se dão as
formas de apropriação do conhecimento nos espaços coletivos e na relação com o outro. A
construção do simbólico se dá na dinâmica da vida, nos arranjos institucionais e nas
comunidades nas quais os sujeitos estão inseridos. Assim, Moscovici entende por
representações sociais:
(...) entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana nos cursos de comunicação interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 26).
Existem muitas representações sociais, pois seu ideário é justamente o de explicar as
diferenças de nossa sociedade, tornar o desconhecido em conhecido e ressignificá-lo para
atuar novamente sobre a realidade. E é justamente neste processo dialético que o sujeito
detém poder de transformação, quer dizer, é parte ativa deste processo. É importante observar
que, para Moscovici (1978, p. 25), toda representação é composta de expressões socializadas
e, continua, “conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e
linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam
comuns”. Ou seja, os indivíduos irão agir em consonância com os elementos das
representações sociais que eles mesmos construíram. Afinal, como um sistema de valores,
noções e práticas, as representações guiam e influenciam o comportamento dos indivíduos nos
diversos contextos inseridos. Portanto,
as representações oferecem padrões de conhecimento e reconhecimento, disposições e orientações e conduta, que transformam ambientes sociais em lares para atores individuais e lhes permite entender as regras do jogo (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).
Evidencia-se desta forma, que as ações comunicativas e as práticas sociais presentes
no diálogo, na linguagem, nos processos produtivos, nas artes e mesmo nos padrões culturais,
produzem e conferem estrutura à vida social. É a mediação social que permitirá compreender
o mundo. Para isto, dois elementos integrantes da teoria das representações sociais, são
necessários: ancoragem e objetivação.
64
Na ancoragem ocorre a integração cognitiva do objeto representado e, desta forma, é
possível categorizar, associar e nomear, portanto, localizar o objeto referido e dar a ele
sentido, compreensão. Os objetos são, segundo Jovchelovitch (2008), representados em
condições que pressupõem que tenham estoque prévio; afinal, em algum momento já foram
representados, ligados com o passado e suas significações. Moscovici (2003) define como o
“processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema
particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos
ser apropriada”.
Na objetivação, o conceito, para se tornar perceptível, é então traduzido em imagens
pelos sujeitos, quer dizer, é estruturante, tangível e concreto. Para Moscovici (2003, p.71-2),
“objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impresso; é reproduzir um
conceito em uma imagem”. Assim, estas imagens selecionadas formam o que Moscovici
(2003) denominou núcleo figurativo, que formam o complexo de ideias. Três fatores estão
envolvidos neste processo: a descontextualização, a criação de um núcleo figurativo e a
materialização dos elementos deste núcleo. Para o primeiro, ocorre a partir de critérios
culturais e normativos; o segundo reproduz a estrutura conceitual e, por fim, o terceiro,
transforma as figuras em elementos da realidade.
Para ambos, ancoragem e objetivação, há um elemento em comum e fundante: a
memória. É a partir dela que ocorre a elaboração e reelaboração e, assim, são reproduzidos os
conceitos e imagens para o mundo exterior. Em ambos os processos os elementos de
avaliação e captação serão forjados nos valores sociais presentes em cada sujeito. Como bem
lembrou Jovchelovitch (2008), a visão que os sujeitos desenvolvem acontece na interação
social e, portanto, a estrutura social na qual estão inseridos é fator preponderante.
Como exemplo do que citamos acima, podemos usar o seguinte trecho de
Jovchelovitch (2008, p. 189):
O conteúdo das primeiras representações sobre a Aids definiu o então novo fenômeno como uma peste, revelando em um único tema a gama de medos e práticas que se seguiram ao aparecimento da doença. Dizer que a Aids era uma peste foi um meio de ligá-la à história das epidemias e às práticas, ideias e sentimentos relacionados às suas trajetórias. Importa muito se as representações são sobre a paz, ou sobre a Aids, se são sobre a amizade, ou sobre o conflito Israel-Palestina. Em cada um destes objetos existe uma realidade a revelar: esta é feita de saberes, comunidades e práticas que vieram antes e que, gradualmente, se solidificam na estrutura e na realidade do objeto. É a isto que chamamos de objetivação.
65
3.2 As Representações Sociais e a Esfera Pública
Os trabalhos de Sandra Jovchelovitch, estudiosa brasileira das representações sociais,
têm considerado a esfera pública como seu tema de atenção e foco. A sucessão de eventos
vividos cotidianamente na esfera pública irá condicionar as formas e personalidades, sem
tornar os sujeitos estáticos. Para Jovchelovitch (2008), a vida pública não é uma estrutura
externa influenciando a vida privada, mas um de seus elementos constituintes. Desta forma,
seus estudos são dedicados a entender como o espaço público influencia e molda o
comportamento das pessoas. Ou seja, os sujeitos constroem a realidade para, em seguida,
atuar sobre ela. Para ela, as representações estão radicadas nos espaços públicos, ao afirmar
que:
(...) as representações estão radicadas na esfera pública e se, ao mesmo tempo, nos processos de sua constituição, elas criam um saber sobre a esfera pública, investigar sua forma e conteúdo assume uma importância crucial para toda a perspectiva intelectual preocupado com as possibilidades de uma vida em comum que vá além do puramente privado, sem desconsiderar o sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68)
A autora, em seu livro As Representações Sociais Na Esfera Pública, estabelece
uma relação entre alteridade e esfera pública. Desta forma, demonstra como ocorrem as
construções simbólicas radicadas na experiência desse viver coletivo, de duas maneiras:
primeiro, define a importância de espaços públicos a partir de Hannah Arendt e Jürgen
Habermas. Em seguida, aponta as representações sociais, com base em três aspectos: a
formação da atividade simbólica, as representações sociais sobre a atividade representacional
e a criação da realidade simbólica compartilhada. Para isto, ela vai buscar em Piaget a ideia de
espaço potencial, em Winnicott, a atividade simbólica e em Mead, o Outro Generalizado.
A esfera púbica, do ponto de vista histórico, produz permanência, já que o passado
fornece bases ao presente e ao futuro (Jovchelovitch, 2008). Mas é também no espaço público
que a partilha ocorre e onde se constrói o sentimento e o sentido de realidade. Isto produz,
portanto, o que será o bem comum, pois transcende as pessoas. Nesse espaço de pluralidade,
na visão de Arendt (apud Jovchelovitch, 2008), as diferenças e similaridades, entendimentos e
consensos produzem o viver coletivo. Além disso, com base nas ideias de Habermas, a esfera
pública permite o encontro dos cidadãos e também a gestão destes mesmos, ou seja, o espaço
66
público. Além disso, permite a criação de um saber sobre si mesma e formas de opinião
pública. Isto acontece porque, ao garantir a abertura e transparência e trazer as preocupações
comuns, garantida a posição de igualdade, é possível tomar decisão conjunta e coletiva
(Jovchelovitch, 2008).
Esta autora reafirma, a partir desses autores, a importância da esfera pública e é sobre
ela que mora nosso interesse. O viver em comunidade significa necessariamente, ao menos no
Brasil, estar circunscrito a um município e, portanto, de algum modo, ser afetado por este. Se,
como se diz, o viver solitário é impossível, também o é, da mesma forma, o viver sem um
governo instituído. E se é fato que estamos sujeitos a uma gestão, a um governo instituído,
como compreendê-lo e atuar sobre (e com) ele?
Ora, para ficar no exemplo de São Paulo, seu quadro funcional conta com mais de cem
mil servidores, que, nas mais diversas funções, afetam direta ou indiretamente a população em
seu território.
3.3 Objetivo Revisado
O livro citado60 estudou a construção das representações que as pessoas fazem dos
espaços não institucionais coletivos, mostrando como a formação simbólica é impossível sem
uma rede de significados constituídos. Ou seja, segundo Jovchelovitch, o sujeito é autor da
construção mental e ele pode transformar-se na medida em que se desenvolve. Além disso,
demonstrou a importância do espaço público como construto da alteridade, num processo em
que um desenvolve o outro.
Dentre os muitos lugares onde a vida pública se constitui, um deles é o espaço
institucional, onde parte das necessidades humanas é gerenciada, no sentido de regulação,
demanda e oferta para todos e onde os conflitos podem ser gerenciados. Compreendê-lo passa
a ser fundamental, já que é nesses espaços que os serviços prestados à população se
constituem e aqui também suas demandas são apreciadas, levadas adiante e solucionadas.
Poder pensar as representações que os servidores públicos da Subprefeitura Sé, no
município de São Paulo, fazem sobre si mesmos e todas as implicações já citadas, sobretudo
como eles se percebem e como vêem a importância de seu trabalho para o munícipe, nos
60 Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil
67
permitem captar como isto, ao se realizar, infere na sua forma de trabalho e, direta ou
indiretamente, interfere na qualidade e na condição do serviço prestado aos munícipes e à
gestão da cidade.
Aprofundar-se nesta representação social pode trazer novos significados à valorização
dos servidores públicos e ajudar a compreender a multiplicidade de desafios presentes nas
estruturas da subprefeitura e nas relações que estes estabelecem com atores importantes como
os munícipes, por exemplo.
A escolha desta Subprefeitura leva em consideração a sua importância para a cidade,
permitindo que fosse gerida de forma mais autônoma e destacada em relação às outras. Como
dissemos ao longo do trabalho, esta Subprefeitura também sofreu poucas ingerências políticas
e administrativas, contou com certa autonomia financeira e o maior orçamento entre as
existentes. Teve a sua frente gestores ligados diretamente aos prefeitos e prefeitas da cidade.
O fato de este pesquisador trabalhar na assessoria direta do gabinete também fez parte da
escolha.
Outro motivo importante, como vimos ao longo do trabalho, se deve ao fato de esse
órgão estar muito próximo ao munícipe, sendo um dos seus principais canais de entrada. É
nas subprefeituras que muito dos serviços iniciam seu processo até que sejam concluídos.
3.4 Perfil dos Entrevistados
Os entrevistados desta pesquisa são sujeitos que ao longo dos anos de prefeitura
construíram um conhecimento sobre a gestão, sobre os servidores e sobre as Subprefeituras,
portanto, conseguem ter uma visão do todo.
Estas pessoas foram selecionadas pelo tempo de prefeitura - no mínimo dez anos -,
pois tiveram a oportunidade de passar por prefeitos e prefeitas de partidos diferentes e,
portanto, conviveram com visões ideológicas e projetos distintos. Além disso, os cargos
ocupados por elas também foram considerados para as entrevistas. As pessoas que
coordenaram equipes, ou foram chefes de secção, departamentos ou possuíram DAS61,
produziram conhecimento sobre a equipe e se relacionaram mais proximamente do Executivo,
neste caso dos Subprefeitos ou dos assessores de sua confiança.
61 DAS (Direção e Assessoramento Superiores) incorporação de salário por exercer função considerada importante pela Direção.
68
Por fim, foram consideradas a partir de sua capacidade de trânsito na própria
Subprefeitura ou prefeitura, quer dizer, são pessoas que se relacionam com os mais diversos
departamentos, seja pela capacidade de relacionamento ou pela necessidade que seu
departamento exige para que determinado trabalho possa ser realizado.
3.5 Procedimentos Metodológicos
Para compreender as significações e os saberes produzidos pelos servidores
selecionados, escolhemos como procedimento metodológico entrevistas semiestruturadas, que
permitissem adentrar mais em alguns temas do que em outros, explorar o conhecimento e as
particularidades do entrevistado e garantir um ambiente seguro já que, pela posição do
pesquisador, alguns temas poderiam gerar desconforto ou insegurança por parte do
entrevistado.
Estas entrevistas foram gravadas para que pudessem ser transcritas, comparadas,
analisadas e categorizadas posteriormente na análise a ser descrita no próximo capítulo.
Os entrevistados foram escolhidos nas mais diversas áreas da Subprefeitura, sendo as
seguintes: na área de fiscalização, recursos humanos, assessoria direta do gabinete,
atendimento e administração. A escolha de pessoas de áreas diferentes tinha como objetivo
captar de forma mais precisa e diversa as impressões geradas nos servidores. Primeiro, porque
áreas diferentes permitem certas perspectivas de análise e, segundo, porque parte destas
pessoas já esteve em outras áreas da Subprefeitura, o que permite fazer comparações e
análises, descritas nas entrevistas.
Outra consideração importante é que, a partir do roteiro de entrevistas (anexo 1),
separamos três grandes grupos para análise, sendo eles: como são vistos de fora, como se
percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão. A ideia central
desses três grandes grupos é compreender como as experiências do dia-a-dia vão-se
elaborando, solidificando ou transformando estas imagens. Para isto, no roteiro de entrevistas
consideramos como eixos norteadores: Subprefeituras, Funcionalismo Público, Munícipe e
história de vida.
Para o primeiro, Subprefeituras, o objetivo principal era compreender como eles
captam a importância deste órgão, suas funções e como, ao longo dos anos, elas foram
69
tratadas e retratadas. Eles a compreendem como moeda de troca, como largamente se lê por
aí? Que relação estabelecem com os políticos e assessores de livre-nomeação do Executivo?
O segundo, o Funcionalismo busca captar as imagens que constroem sobre o servidor
público, tentando entender como são compreendidos pela mídia e partidos políticos, como
constroem e desenvolvem as carreiras e o próprio trabalho diário. E também como lidam com
demandas e pressões constantes presente no cotidiano?
Para o terceiro, o munícipe, o principal objetivo é compreender como esta relação
ocorre e, sobretudo, qual a percepção que eles têm. O que vimos, quase sempre, são as
imagens que a população faz sobre o servidor público, mas não sobre a forma como o servidor
percebe, a forma como a imagem dele é construída. Como isto se constrói no cotidiano?
Por fim, é preciso compreender como no cotidiano o trabalho se desenvolve e como se
tornam mais fáceis a implantação de projetos, leis e outras determinações gerais, vindas do
Executivo e do Legislativo. Isto tem grande importância, já que são eles, servidores públicos
lotados nos órgãos de contato direto com a população, que irão implantá-los.
70
4. Capítulo – Análise das Entrevistas
As entrevistas com os servidores da Subprefeitura Sé foram realizadas a partir de três
grandes temas, os quais exploraremos nesta análise. Estes temas são: como eles são vistos de
fora, como eles se percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão
pública ou da Subprefeitura que afetam diretamente seu cotidiano e impactam a qualidade do
serviço percebido e prestado pela mesma aos munícipes. Atores como a mídia, o próprio
munícipe, o partido político e eles mesmos, são os principais norteadores desta análise como
poderemos observar.
4.1 Como eles são vistos de fora
Ao iniciar o processo de análise das entrevistas, separamos três grandes eixos para
realizá-la, como dissemos. Uma destas é a imagem construída fora dos espaços da
subprefeitura, ou seja, como eles são vistos por aqueles que são de fora, na sua perspectiva?
Ao nos referirmos a estas “pessoas de fora”, falamos sobre três atores importantes e com os
quais eles mantêm um contato diário direto: a mídia, o munícipe e o partido político. Os três
exercem forte impacto na formação e na construção da imagem que os servidores criam sobre
si mesmos e, evidentemente, nas estratégias e na forma como eles desenvolverão seus
trabalhos.
Evidentemente, os munícipes constroem esta imagem, na perspectiva dos servidores
públicos, ao fazerem solicitações de serviços de zeladoria ou outros. Por exemplo, os
prestados pela Praça de Atendimento, como nos referimos no capítulo anterior. Por isso, ao
perguntarmos, por exemplo, como o munícipe percebe o servidor público, observa-se que, de
maneira geral, essa imagem não é muito positiva. O que podemos observar é que esta
imagem, do ponto de vista dos servidores públicos, se constrói a partir de três temas
importantes: a morosidade e a burocracia na solicitação e realização dos serviços, a falta de
recursos humanos e financeiros e o desencontro de informações na prefeitura como um todo,
que vão reverberar também na forma caricata que a mídia constrói.
71
Por exemplo, quando se fala da morosidade dos serviços públicos, nota-se na fala,
inclusive, que o próprio munícipe desconhece o processo burocrático aos quais alguns
serviços estão sujeitos e que irão tornar mais morosa a realização do serviço. Desta forma, por
exemplo, a poda ou remoção de uma árvore, que precisa tramitar por processos mais
complexos se estiver em área envoltória de bem tombado, pode demorar mais de noventa
dias. Evidentemente, esta tramitação só reafirma na cabeça do munícipe a lentidão que há nos
serviços públicos e o servidor público não demonstra o menor interesse em fazê-lo caminhar
prontamente. Nem é preciso dizer que estes trâmites burocráticos se não respeitados podem
gerar processos administrativos contra os servidores envolvidos. No trecho abaixo, o
entrevistado fala claramente sobre essa morosidade no serviço público e, precisamente, sobre
como os munícipes os vêem por conta disto.
Ai... Uns molengas entendeu? Não quer saber nada de nada. Já, várias vezes, ouvi
isso... Entendeu, mesmo estando aqui na administração. Como várias vezes ouvi munícipe
falando do pessoal da praça de atendimento. (...)
O pessoal vê a gente uns acomodados. Entendeu? Que não quer nada com nada e estão nem
aí, eu entro com processo hoje, 2013, Outubro de 2013... lá para Outubro de 2020, eu vou
estar tendo resposta do meu processo... Então é essa imagem que a gente passa e por mais
que você tente mostrar que não é e que tem uma agilidade, mas também tem uma morosidade
que não é nossa, não é do servidor, é da própria burocracia, tem tempos para o processo
andar, essa coisa toda nem tem... entendeu?
Outra fala que ilustra bem a morosidade e a descrença que eles entendem haver por
parte dos munícipes é sobre a demora no atendimento dos serviços. Os próprios servidores
entendem que a escassez de recursos (materiais e humanos) a que foram submetidas as
subprefeituras, impede a realização dos serviços de forma satisfatória. E isto é atenuado pela
forma como foram feitos alguns dos contratos de zeladoria. Como podemos observar na fala
do entrevistado abaixo:
Do atendimento da demora né? (...) pro munícipe é agilizar e a única coisa, eu acho o que
tem que fazer é agilizar, resposta. O que tem que fazer é agilizar, ele quer resposta; não quer
saber se foi bem atendido. Pode até reclamar se ele não tiver um atendimento adequado. Ele
quer o problema dele resolvido. Eu vim aqui tratar que eu quero que tire a árvore que está lá
72
quebrando a minha calçada. Eu vou falar, olha meu senhor, eu não posso atendê-lo agora
porque eu estou sem minha equipe de árvore, não sei o quê. Ele fala, eu não quero saber, tira
a árvore; eu não quero saber se tem dinheiro, se não tem. Ele que ser bem atendido então, o
que você vê? E realmente a questão do atendimento da demanda. Na demora da resposta do
serviço que ele pediu.
Por fim, a sobreposição de informações causadas por interpretações diferentes de leis,
normas e procedimentos sobre um determinado assunto, que só reforçam a imagem que os
munícipes constroem sobre o servidor público, como podemos acompanhar na leitura do
trecho abaixo:
Quando você dá o retorno a pessoa a pessoa fala assim.. Nem acredito que a Sra. me
retornou...Não...eu falei que iria retornar, mas eu já falei com 5 ou 6 setores e ninguém
retorna...
Sabe...? Que elas acham um absurdo quando são bem tratadas. Você entende o que eu
estou dizendo? Porque assim, o serviço no geral; não estou falando da Sé, eu já precisei de
informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava
levando canseira de ligar e não aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7
telefones e eu falando que eu não era a colega e que eu era daqui... Você imagina uma
pessoa de fora o que ela não passa!
É possível observar que a imagem que eles constroem sobre a forma como os
munícipes os percebem tem muita relação com os entraves com os quais eles lidam
cotidianamente e dos quais, talvez pela posição que ocupam, possuem pouca capacidade de
mudança e gerência. Outro fator, que será tratado mais à frente aponta para a maneira como
esses servidores percebem, inclusive, a atuação de alguns de seus colegas de trabalho que, de
muitos modos, reforçam o modo como os munícipes chegam a este perfil de servidor descrito.
Por fim, numa das entrevistas, é possível perceber que a própria atividade de algumas
áreas da Subprefeitura, a de fiscalização, por exemplo, gera um sentimento dual nos
munícipes. Se para uns ela beneficia, é certo também que em alguns casos as pessoas se
prejudicam com sua ação. Em casos como apreensões feitas ao comércio irregular e
ambulante ou o recolhimento de mesa e cadeira costuma gerar desconforto nos que
presenciam. Como podemos notar na fala abaixo:
73
Agora fiscalização, ninguém gosta não. Porque 90% das vezes que a gente vai, ou 100% das
vezes que a gente vai é provocado por conta de alguma reclamação. Então se a gente vai e
resolve aquela reclamação, que foi provocada por alguém... É, esse alguém pelo menos,
quando é solucionado ele vai ficar satisfeito, mas o cara que tomou intimação e multa, com
certeza não vai ficar. Então há uma dualidade aí...
Outro ator importante na vida dos servidores públicos é a mídia, que perpetua, na
visão deles, o imaginário de alguém que é encostado, preguiçoso e corrupto. Diariamente os
principais jornais, sejam eles rádio, impresso ou televisão, mostram casos em que serviços da
prefeitura foram mal prestados, não realizados e, comumente, denunciam os desvios de
conduta por partes dos servidores, como o pagamento de propinas. Assim, na fala de um dos
entrevistados, a mídia os vê da seguinte forma:
O funcionário público de maneira geral eu não sei, pelo o que eu vejo na mídia... É
tudo vagabundo, né? Não trabalha. Agora se eles viessem aqui vê o que a gente faz, eles não
iriam achar que é assim não.
Ainda, para eles, a mídia não os diferencia, mostrando, por exemplo, casos positivos,
bons serviços prestados etc. Afirmam, ao contrário, que são sempre acusados mesmo antes da
prova cabal; mais à frente, observaremos outro exemplo em que não há a devida diferenciação
sobre quais cargos ou áreas ocupam, tratando todos da mesma forma. Um bom exemplo é
este:
Acabou! Então a mídia, ela tá lá, ela tá lá, para detonar né? Cai lá, falou que é
corrupção, é funcionário público.
Eu acho que a mídia ela pega, É... ela é louca para pegar um caso de corrupção né?
Já para arregaçar, né? E se não for ela já vai dizer que é sim, e depois... É que nem nós
tivemos um caso aqui de um Engenheiro, que saiu no jornal, e que nossa, ele teve problemas
com o filho na escola não sei o quê...Depois foi retratar, saiu um texto! E depois que viram
que o cara não tinha nada com aquilo, eles fizeram uma linhazinha de nada, falando que
aquele caso, não tinha sido daquele jeito. Mas e aí? E a vida do cara?
74
Podemos observar este caso ilustrativo, no qual um dos sindicatos ligados a prefeitura
resolveu criar uma estrutura interna para lidar com a mídia e todas as acusações às quais eles
são sujeitados. Por exemplo, ao perguntar sobre como eles são vistos pela mídia, a resposta é
taxativa. Para eles todos (a mídia) os vêem como vagabundos.
Todos... E agora que eu estou há ano e meio no sindicato, eu vejo que é uma briga
incomensurável por parte nossa, de tentar mostrar para eles o que o funcionário público,
principalmente o agente vistor, faz. E a própria administração também, quando fala alguma
coisa de corrupção, joga a culpa em cima da fiscalização. E a prova mais concreta disso é
agora na época do Aref, em que o secretário anterior, ele dizia... “Não, nós vamos resolver o
problema da corrupção é implantando o SG), que é um sistema de gerenciamento da
fiscalização”. Só que esse Aref e outros que foram pegos, não têm nada a ver com
fiscalização, são de Aprovação, então a fiscalização sempre foi o bode expiatório.
A Subprefeitura Sé, ao longo dos anos, talvez pela sua posição estratégica e
importância para a cidade, costuma estar presente na mídia para as mais diversas matérias,
sobretudo sobre zeladoria e fiscalização. Ainda, é importante ressaltar os anos 90, na transição
entre Administração Regional e a criação de Subprefeituras. Este período foi marcado por
escândalos que abalaram a confiança da população em relação aos agentes públicos,
sobretudo os das Subprefeituras. A fala da entrevistada é ilustrativa neste sentido:
Mas... É eu vivi aqui na Sé na época do Hanna Gharib, que teve a máfia dos fiscais, a
questão toda... Eu vi funcionário sair daqui de dentro algemado, de camburão, sabe? Foi
uma coisa, assim totalmente constrangedora para a gente, sabe? Amigos de trabalho
chegando e a investigadora na sala... Era na época administrador regional, quando a pessoa
chegava, você falava veio pegar alguém. Entrava na sala do administrador e falava, chama
fulano aqui... O cara entrava na sala e já saía conduzido por ela e ia. Tem funcionário que
ficou dentro do camburão lá, uma hora fora e tal, sabe? A gente viu isso aqui, foi realidade
pra gente, né? Ah, eu ouvi dizer que tem corrupção, não! Nós vimos isso acontecer, né? Os
servidores saírem daqui de dentro dessa maneira e foi uma época muito triste, né? Porque eu
não tinha coragem de falar que eu trabalhava na Subprefeitura da Sé.
75
Outros atores presente para o servidor são os políticos, entendidos como aqueles que
ocupam os cargos de livre provimento (indicados) e eletivos, como é o caso do prefeito e dos
vereadores. Esses atores são fundamentais porque criam, orientam e acompanham a execução
das leis, programas e projetos que serão executados nos mais diversos setores da
administração municipal, por um período determinado. O que podemos observar é que eles
sentem diferenças entre as diversas administrações (ou grupos políticos que dirigem a cidade).
E esta diferença, no modo como cada grupo trabalha gera diferenças de trato, mas é comum
também a distância entre a realidade e os objetivos entre os eletivos e os servidores de carreira
e a desvalorização dos servidores da casa e as condições de trabalho. E a reclamação comum
é que se voltam os olhares sempre para o externo, sem olhar para o que está dentro, sem
perceber as condições de trabalho às quais estão submetidos os servidores.
Quando alguém parar e realmente sair da sua cadeira e for conhecer cada
subprefeitura e não é... ouvir falar, certo? Quando o Chico levantar da cadeira e for
conhecer cada subprefeitura, talvez caia a ficha dele, porque ele está num, num, num...
prédio, super legal, né?... Ar condicionado moderno, tudo encapetado, elevador que
funciona, né? Ele tem o que... 8 elevadores que funcionam, né? Então, ele está uma
maravilha... Agora a Sé, a gente ainda conseguiu, se manter a trancos e barrancos, porque a
gente tem uma equipe de manutenção ponta firme. E as outras lá? Ele levantou, ele foi vê
como está São Miguel, como é que tá Santana... Então tem que sair e levantar a bundinha da
cadeira ir lá e conhecer, vê como que é que está a situação, talvez de um pouco mais de
valor.
Outro fator comum nessa relação é o sentimento de descontinuidade presente em
alguns momentos. Pelo fato de não haver conversas e escuta sobre o que já foi realizado, os
servidores apontam que os gestores não os escutam, afirmando, por exemplo, como no
exemplo abaixo, que cada um imprime seu estilo e projetos, ignorando, na maior parte das
vezes, o que já havia sido realizado. Ou mesmo não os consultam para fazer uma avaliação ou
pensar sobre possibilidades a serem consideradas antes da execução.
Se eles percebem... Não! Eles só percebem quando eles precisam de alguma coisa.
Aí, eles lembram que a gente existe, caso contrário eles não percebem e uma das coisas que
eu fico ... né? E a cada mudança do governo eu fico muito brava, porque são pessoas novas
76
que vêm e não ouvem as pessoas que já estão na casa. Então vem com ideias novas e
atropelam aquelas que já estão dando certo. Ninguém senta para perguntar... Olha o que está
dando certo? Olha está dando certo, assim, assim e assado, feito. Então isso nós vamos
manter, vamos fazer algumas modificações, porque não é essa minha proposta de gerência,
mas vamos fazer pequenas modificações...Mas vamos fazer dar certo, tá?...Não, já chega já
passando o trator derruba e não valoriza quem já está na casa. E Isso eu falo para todo
mundoooo...O Marcus fez isso certo? Ahn ... Nevoral fez isso, Dra Andrea fez isso. Todo
mundo faz! (...)
É do meu jeito! Então você para tudo do que estava funcionando e começa de novo. E
quando a coisa começa a dar certo...Muda de novo porque já deu os 4 anos. Vereador só
lembra dos servidores quando a gente vai bater na porta deles, apitar, fazer apitar ou fazer
bater porta de panela, ou quando eles precisam de alguma coisa.
Outro comentário muito presente nos discursos refere-se à ocupação dos cargos
estratégicos por parte das nomeações políticas que o executivo promove. Para alguns elas
ocorrem justamente porque se trata de cargos de extrema confiança, na qual o Subprefeito
responderá em última instância (política ou juridicamente) pelos atos dos mesmos, portanto, o
que justifica sua escolha e seus critérios. Para outros, estas nomeações, promovidas em alguns
casos, sem que o ocupante tenha o conhecimento ou experiência que eles julgam necessário, é
que fazem existir este sentimento de desconfiança e desvalorização. Além disso, observa-se
durante as falas que o fato de as Subprefeituras serem moeda de troca para a base governista,
só ratifica esse sentimento de loteamento e manipulação que sentem em relação à
Subprefeitura, como observa um entrevistado ao afirmar:
Eles não privilegiam o cara que já está lá e tem o conhecimento. Eles privilegiam os
caras que vêm de fora (risos), entendeu? É, mas isso tudo é uma configuração que existe é...
Por conta de todos os partidos e... na minha opinião também não é errado. Se eu fosse chefe
de alguém desconhecido, eu iria levar o pessoal da minha confiança também, que aí eu sei o
que vai acontecer, não preciso ficar com os olhos grudados o tempo todo, já que a pessoa é
de minha confiança.
Em outras palavras, esse loteamento ou apadrinhamento e as trocas constantes sempre
que chegam novos quadros trazidos pelo executivo geram desconforto e necessidade de
77
proteção entre eles. Criam, então, estratégias para lidar com esses servidores nomeados pelo
executivo, como podemos ver na fala abaixo:
Quem tá na casa não presta, então eu só vou ouvir os meus (--), quem eu trouxe, esses
são da minha confiança, porque toda vez que muda a gente se arma. Porque a gente sabe que
vem paulada. Então a gente já se arma... E facas e dentes e vamos que vamos, porque se
gritar... Pera aí, neguinho, tu tá chegando agora, nós já estamos aqui então não adianta
dizer que você vai por uma escada rolante de lá até o quinto andar, que você não vai dá... É,
é por isso, entendeu? Ninguém ouve a gente.
A relação entre esses dois grupos (livre nomeação e carreira) em muitos momentos é
marcada por uma intensa demarcação de posição e tensão. Como vimos na fala acima, os
servidores de carreira criam estratégias para lidar com o Executivo e sua equipe. Mas há
outros elementos que tornam essa relação ainda mais tensa. Por exemplo, nos períodos de
transição, são os servidores de carreiras que fazem esse processo transitório e, portanto,
repassam informações para os novos ocupantes dos postos de trabalho. A insegurança
presente neste processo, a lentidão burocrática, aliada ao histórico que o local por ventura
carrega como ponto de corrupção e incapacidade reforça ainda mais esta dificuldade. Um caso
ilustrativo segue abaixo:
Nós tivemos gestões que o chefe de gabinete falava para a gente, aqui só tem bandido
e vagabundo. Você entendeu? Por quê? Porque foi depois do que aconteceu. Por que...
Porque eu vou falar para você, que não é assim que funciona, ah tá... Mas sabe, a gente tem
que ouvir isso na cara? Tirar a gente por todos, né? Tirar a gente por todos pelo que
aconteceu, né? A gente passou isso!
Para os servidores de carreira a imagem que vêem representada melhorou nos últimos
anos, sendo capazes, inclusive nos dias de hoje, de afirmarem que são servidores públicos,
justamente porque trabalham muito, por exemplo. Por outro lado, ainda sentem que a mídia
perpetua a imagem do servidor de carreira aproveitador, preguiçoso e interesseiro, quando não
corrupto, como observaremos na análise posterior. Os políticos, como observamos, têm
mantido uma relação de dificuldade, sobretudo nos períodos de transição, pois sempre que se
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muda a gestão, grande parte das equipes sofre alterações. Evidentemente, isto tem impacto
direto na forma como o munícipe vai receber e perceber o serviço.
4.2 Como os funcionários públicos se percebem
Outro aspecto da análise que faremos dos funcionários públicos é compreender a
forma como se percebem no espaço de trabalho e quais estratégias constroem para realizarem
suas tarefas e enfrentar as demais adversidades presentes. Isto inclui compreender a percepção
que fazem dos outros servidores, quais são as ações que reafirmam ou desconstroem esta
imagem e quais as consequências que isto traz para o trabalho.
Como podemos observar durante as entrevistas, são muitos fatores que permeiam a
imagem que eles fazem sobre si. A falta de um plano de carreira, a presença de servidores
“corruptos” e “preguiçosos” e que justificam a criação, por parte dos munícipes, da figura
caricatural presente nos programas humorísticos são alguns dos ingredientes desse ambiente.
Mas, além deles, o sucateamento do ambiente de trabalho, a morosidade e/ou a inexistência de
acompanhamento, disciplina e punição, a falta de critérios nas escolhas e nas promoções dos
servidores são outros fatores presentes e perceptíveis nas falas dos entrevistados.
Para compreender este cenário, é preciso analisar a forma como os funcionários
compreendem seu papel e isto é importante, pois, como veremos, esta imagem ajudará a
separar aqueles bons servidores dos outros. Os entrevistados de maneira geral compreendem o
servidor público como aquele que está ali para atender o munícipe com zelo e decência. Nas
palavras de uma entrevistada “é aquele que cuida de toda necessidade que a população tem,
ou seja, resolve os problemas que eles te trazem”. Entre os entrevistados, grande parte deles
encontrou na carreira pública uma forma de melhorar e contribuir para a gestão da cidade e,
por conseguinte, na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como afirma outra
entrevistada “o funcionário é aquele grande sonhador, que a gente acha que a gente vai
prestar o concurso e a gente vai passar e que a gente vai poder ajudar a cidade a melhorar, a
crescer desenvolver”.
Para eles, os maus exemplos de servidores públicos são maioria no ambiente de
trabalho, sendo em todas as entrevistas, superiores aos quinze por cento, quando questionado
o percentual de péssimos servidores. Consideram maus servidores quem perpetua a imagem
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preconceituosa existente no imaginário da mídia e dos munícipes. O relato da entrevistada é
esclarecedor sobre como existe essa divisão entre os servidores, quando diz que os que
trabalham e os outros “que levam nome e falam, eles falam que não trabalham mesmo, então
vamos lá... Tem outros que viram e falam, olha eu sou funcionário publico, filha, você quer
que eu trabalhe?”
A consequência deste comportamento apresentado, ou seja, de que por ser servidor
público não se trabalha mesmo tem parte da sua origem na falta de acompanhamento das
chefias imediatas. Falaremos mais detidamente sobre isto posteriormente, mas é importante
ressaltar que este comportamento vai impactar o trabalho dos demais. Um dos
comportamentos comuns percebido é descrito na fala abaixo:
Então aquele que deveria estar fazendo nove horas de serviço com uma hora de
almoço, ou seja, oito horas de trabalho. É, ele entra pela catraca, certo? Passa lá, existe uma
possibilidade de a gente pedir um relatório, de todo mundo que entra, com um horário que
entrou bonitinho... Ele sobe, não sei se assina ponto, quando você vê, o neguinho está na
praça de atendimento e vai embora. Ou seja, ele ficou aqui exatos 10 minutos que foi o tempo
dele pegar o elevador, subir na sessão, fazer um auê, para todo mundo ver e, ó, tô indo ali na
esquina. Ó, e você só vai vê-lo amanhã.
Ainda é possível observar que a falta de critério e a diferença de tratamento entre as
chefias imediatas reforçam a imagem do servidor que não trabalha ou que vem quando deseja
e conta, neste caso, com a complacência dos demais. E, ainda, é o beneficiário de certas
regalias, por exemplo, de horas complementares. Assim o servidor considerado correto
assume responsabilidades alheias e tem um tratamento considerado desigual, como aponta a
fala abaixo:
Aí você vira e fala, poxa vida, você não pode faltar, você tem que me trazer um
atestado médico ali. Tô te dando um exemplo, você tem que trazer um atestado médico, se
você não trazer, eu vou ter que corta seu ponto...Então você fala, poxa vida, o fulano não vem
a semana inteira trabalhar e ainda ganha horas complementares, então como é que faço?
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Este processo demonstra como os privilégios que alguns detêm sobre outros terão forte
impacto no ambiente de trabalho e também no externo, já que os considerados certinhos não
são promovidos ou reconhecidos pela própria administração pública nem pelos atores
externos, sobretudo a mídia. Neste sentido a fala de uma das entrevistadas é ilustrativa:
Olha, é bem o Mendonça mesmo! O Lineu é o que quer as coisas tudo certinho, que
piriri, papapá...! E que nunca é promovido... E o Mendonça que faz, faz o auê, faz a meia
onda por ali e acaba sendo promovido e isso é uma das coisas que você sempre vai ouvir por
aqui é assim... Quem faz merda, cai pra cima, quem anda certinho cai para baixo, né? E a
mídia acaba contemplando isso, né? Você vê, eles sempre falam do fiscal que deixou a obra
cair, e que embargou e sumiu e o outro que leva propina não sei de onde, piriri, papapá...
Mas eles não procuram um servidor, né, que fez a coisa certinha, bonitinha, que embargou a
obra, que deu sequência naquilo (...).
Por fim, outra fala ilustrativa neste sentido é observada ao dizer que o serviço público
no geral tem essa característica de pouco compromisso e desinteresse dos seus servidores.
Porque assim, o serviço no geral; Não estou falando da Sé, eu já precisei de
informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava
levando canseira de ligar e não é aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7
telefones e eu falando que eu era colega e que eu era daqui... Você imagina uma pessoa de
fora o que ela não passa!
Outro tema presente é a corrupção. Para todos eles é inegável a presença de corruptos
nas subprefeituras, que ocorre justamente por estar próxima ao cidadão, como aponta a fala da
entrevistada “a corrupção vamos dizer assim. Entendeu? É o local que faz o quê? Que
fiscaliza, que tem obra...”. Ou seja, é lá que a maioria das permissões é dada para a realização
de serviços por parte dos munícipes.
Para eles, o não acompanhamento e a própria morosidade nas investigações e sanções,
são responsáveis diretas. Para se ter ideia, nos últimos dez anos, apenas duas pessoas foram
exoneradas do serviço público na Subprefeitura. A maior parte, ao saber que o processo está
em curso, antecipa a saída e, com isso, o processo tende a não ter continuidade ou perder
força ao longo do tempo. Atrelado a esta condição, os baixos salários estimulam estes
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acontecimentos. É o que diz uma das entrevistadas ao afirmar, por exemplo, que acaba sendo
quase natural que, devido os custos de vida, alguns se entreguem ao suborno.
Você não tem um salário digno, que está aí fora no mercado, olha meu filho, se você
me oferece uma graninha por baixo... É obvio que todo mundo vai aceitar e você pode ver
que a grande parte, aonde, acontece os subornos, são aqueles que são ligados diretamente à
população! Então você tem os dinheiros, você tem os fiscais, você tem as pessoas que estão
de frente com a população...
Outro problema evidenciado nas entrevistas é a falta de um plano de carreira na
prefeitura, que vai culminar nas enormes disparidades salariais existentes e, na maioria dos
casos, fará com que estas diferenças de formação e valorização não sejam contempladas,
pareçam inexistentes, como afirma uma das entrevistadas ao dizer “a subida na carreira
também não significa muito! Determinados cargos, assim 50 a 80 reais a mais”. Assumir
mais responsabilidades ou ter formação superior, neste contexto significa muito pouco, como
observa “você não tem progressão, progressão, mesmo na carreira, você não tem um salário
digno”. Portanto, assumir cargos de maiores responsabilidades em relação ao anterior não traz
ganhos salariais compatíveis às novas responsabilidades na visão deles.
Ainda no que se refere ao sentimento de desvalorização atrelado à falta de uma
política salarial é possível observar que nos últimos anos o orçamento anual da Prefeitura
aumentou progressivamente, mas isto não significou para os servidores qualquer aumento real
e significativo. Na fala de uma das entrevistadas é possível ter esta percepção quando diz
sobre o aumento de 0,01%, realizado há alguns anos atrás: “chegava a ser humilhante um
aumento desses, pra que publicar? Pra que dar esse aumento?”. E, mais ainda, têm clareza
de que não existe progressão na carreira desestimulando a maior parte em se capacitar, por
exemplo.
As condições nas quais os servidores realizam seu trabalho também influenciam a
forma como se sentem e aumentam esse sentimento de desvalorização e impotência à qual
estão sujeitos. Se existem os servidores que não atendem as expectativas esperadas de sua
função, também é notório, para eles, que existem situações nas quais o serviço não pode ser
realizado por falta de recursos materiais e financeiros. Os recursos nas Subprefeituras nos
últimos anos diminuíram e, consequentemente, a capacidade de atender as solicitações de
forma mais rápida e efetiva também. Assim, pequenos reparos são feitos de forma
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improvisada ou com extrema lentidão, expondo ainda mais a imagem negativa da
subprefeitura. A fala é ilustrativa:
Se você vê aí, o outro dia, por exemplo, a gente precisou fazer aí duas ou três vias da
Brigadeiro Luiz Antonio que o cara quebrou para fazer um rebaixamento para entrar o
carro, e a gente aciona o pessoal de obra para fazer isso. O cara ficou um mês ou dois sem
poder ir porque não tinha saco de cimento. Então precisa ter a vontade e ter os argumentos,
né?
Evidentemente, este sentimento de desvalorização também está relacionado às
condições do trabalho. Para dar uma ideia sobre isto, a Praça de Atendimento da
Subprefeitura Sé, passou por um longo período, aproximadamente cinco meses, sem material
básico necessário ao trabalho, como clips, para manter as folhas de um processo unidas. Ou,
como ainda é possível presenciar, cadeiras quebradas, seja roda solta, encostos desajustados e
assim por diante. Não se compram materiais permanentes, ao menos nas Subprefeituras, desde
2010. Numa das entrevistas estas condições estão apontadas:
Olha, nós estamos largado ao relento. Você vê corte de orçamento? O Haddad
começou cortando, congelando todo o orçamento. E aí sai aos pingos, ou seja, tudo que
estava programado foi engavetado, tem que se começar do zero. A gente não tem dinheiro
para nada. Quando aparece alguma coisa, sai todo mundo estapeando, porque o meu é
prioritário, o meu é prioritário.
(...) e aqui dentro acaba ficando a Deus dará... Nós não temos dinheiro para comprar
telefone, nós não temos dinheiro para comprar mesa e nós estamos nessa situação... Já em
2010 a gente vinha sofrendo essa situação, a gente vinha solicitando melhorias internas, tá?
Você tem que concordar comigo, quando você tem um ambiente bom de trabalho, você
trabalha com pique, certo?
O que podemos perceber é que existe uma relação intrínseca entre a representação que
eles fazem de si mesmos, com aquelas que são representadas pelos outros atores; munícipes,
imprensa e políticos. Em parte, esta imagem se constrói e é reforçada pelas condições
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adversas de trabalho, pela escassez de recursos de toda natureza e por não haver, por parte do
Executivo, um investimento objetivo para modernizar a gestão.
4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura
Vimos até o momento como os servidores públicos se percebem em duas
perspectivas: como são vistos de fora e como eles mesmo se vêem e isto tem impacto na
forma como o trabalho se organiza e se realiza. Evidentemente, as condições a que estão
submetidos facilita ou dificulta a realização do trabalho e é sobre esta perspectiva que faremos
a análise.
Primeiro, é preciso compreender como estes servidores entendem o papel da
Subprefeitura, como eles a definem e entendem sua importância para a municipalidade. Como
pudemos observar, a atribuição de serviços de zeladoria e as autorizações para a realização de
obras e serviços passam necessariamente por elas e, portanto, a aproximam dos munícipes.
Mas não é só isto que a define e os motivos por quais elas foram criadas. A ideia da
descentralização carrega em si o anseio de um governo participativo, próximo e ágil, como
poderemos observar na fala da entrevistada:
Quando ela foi criada, ela foi criada com uma boa ideia, é de descentralizar todo o
poder... Que é o que a atual administração está tentando fazer, é trazer de volta que é a
descentralização e acho que fica mais fácil para o Munícipe chegar, aonde ele pode cobrar
suas reedificações. E tem que ser assim, se você tem só um órgão para atender toda uma
cidade, fica difícil essas demandas serem atendidas com certa rapidez, né? Agora se você tem
vários órgãos para atender uma população menor, acho que o atendimento fica mais rápido
e até corpo a corpo. Se você está na subprefeitura Sé e vem o cara aqui, da Aclimação
reclamar aqui com você, você já esta mantendo... Você já é vizinho dele praticamente. Agora
se ele vem de lá e tem que vir aqui no palácio do governo, já é uma distância maior. Não
geográfica, mas a nível de hierarquia. Você não consegue chegar ao prefeito. Você chega aos
assessores só, mas se você chegar.
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Porém, é claro que o papel das Subprefeituras ao longo dos anos foi perdendo seu
objetivo principal de organização e articulação territorial, de mediador de disputas e promotor
do desenvolvimento, sobretudo as populações mais vulneráveis, para se tornar um órgão de
zeladoria com serviços pontuais e limitados. O reordenamento dos últimos anos, com a
supressão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além das coordenadorias, só
diminuiu a autonomia e a capacidade real de intervenção, como podemos observar abaixo:
Era legal para caramba! Porque se sentava todo mundo. Educação, saúde, assistência
social, esportes, cultura... Sentávamos todos e discutimos o que seria bom, para subprefeitura
da Sé como um todo. O que é bom para o Centro, não é bom para o Cambuci, como não é
bom para o Bom Retiro. Então se ouvia todas as áreas, o social como sempre esteve em
todas... A educação e a saúde eram muito ouvidas e a gente direcionava planos de atuação e
de melhorias para esses distritos. Então, a subprefeituras para mim, na verdade era uma mini
prefeitura, um mini gabinete do prefeito, onde a gente podia decidir para o bem da
população.
Essas supressões fizeram com que ações prioritárias locais fossem remetidas às
secretarias. O papel reduziu-se a participar da logística, quase sempre, limpeza e remoção de
objetivos em vias públicas. Como exemplo, podemos observar as ações realizadas na região
da Luz, conhecida como Cracolândia. Estas aconteceram de forma pontual, coordenada por
alguma secretaria e à Subprefeitura coube o papel de limpeza, remoção de barracos e
interdição de imóveis. Não é preciso dizer que ações pontuais como estas têm efeito de curto
prazo e rapidamente a situação volta ao que era. O envolvimento dos atores locais, o papel da
PM e da GCM e as ações posteriores necessárias à manutenção da área não são gerenciados
por quem teria capacidade e atribuição legal para aproximar atores locais. A fala abaixo é
expressiva neste sentido:
Qual é o poder de decisão que a gente tem hoje? De definir aqui para nós que seria
melhor a gente... Ter uma atuação mais presente, tá discutindo com os moradores, os
comerciantes da Cracolândia... Estar ouvindo pessoal que está ali na Cracolândia... O que
seria melhor para gente estar revitalizando naquela? Hoje a gente tem apenas assim, limpa!
A PM está lá, a GCM está lá, a Saúde faz uma açãozinha aqui e outra por lá(...)
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Outra consequência está relacionada ao não investimento na gestão das
Subprefeituras, com forte impacto sobre o trabalho. Apontamos anteriormente as condições
das instalações das Subprefeituras, precárias e prejudiciais à produção e à qualidade do
trabalho. Assim, a própria capacidade de criação, renovação e ação das subprefeituras foi
atingida profundamente, pois se perdeu a capacidade de dar respostas adequadas às
solicitações dos munícipes. Faltam desde materiais considerados simples até os mais
complexos, sem os quais não é possível precisar o impacto de um vazamento de água e que
pode fazer desmoronar casas. A ausência desses equipamentos de avaliação, por exemplo,
pode atenuar o problema. Esta precariedade é apontada na fala da entrevistada:
Agora, quando você não tem as condições... Você vem empurrando, você caba não
conservando. Ah, para que eu vou conservar essa mesa, se ela já está toda arrebentada? Eu
acabo ajudando arrebentar, né? Terminar de arrebentar o bicho né? Então, para mim
esqueceram que a gente tem funções, que a gente tem atividades a serem desenvolvidas, não
só internamente, como externamente, nós estamos relegados ao segundo plano.
Outro ponto do problema é a gestão dos recursos humanos. O primeiro impacto se
refere diretamente à incapacidade em monitorar projetos e obras, a fiscalizar os serviços das
terceirizadas ou mesmo o trabalho de seus servidores. A consequência disto são os
incontáveis casos de corrupção apontados cotidianamente nas subprefeituras ou a ausência
delas com relação às denúncias feitas pelos munícipes. Esta desfuncionalidade é uma das vias
que vai gerar no munícipe a percepção de morosidade e incapacidade da prefeitura. O
segundo impacto se refere à falta de política de recursos humanos, atuando sobre a reposição
de quadros técnicos. Estudos realizados pela área de recursos humanos da subprefeitura
apontam que, em 2014, aproximadamente 150 servidores poderão entrar com o pedido de
aposentadoria, diminuindo em até 30% o atual quadro de servidores. Profissionais como
Engenheiros, Arquitetos e outros técnicos de qualificação especializada importante para as
Subprefeituras estão em falta e muitos próximos da aposentadoria. Já dissemos anteriormente
que muitos quadros deixaram o serviço público atraído por melhores condições na iniciativa
privada, atenuando o problema. Outro exemplo é possível observar na área de fiscalização,
onde anualmente há decréscimo de servidores, enquanto os serviços aumentam.
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Muita gente, é que dos 1200 agentes vistores, vamos colocar uns 400 na ativa, faltam
uns 800 servidores. Isso porque, esses 1200, vêm desde o ano de 86 (...) e a cidade espichou,
cresceu verticalmente, horizontalmente, os problemas aumentaram e vamos falar por década
e cada década aparecem coisas novas. Hoje o que está ai é pancadão entre outras coisas, né?
E o número de fiscal, de agente vistor fica reduzido.
Durante a análise que fizemos anteriormente pudemos observar dois grupos distintos
de servidores públicos: aqueles que são considerados trabalhadores e toda a outra gama, que
inclui preguiçosos, folgados, corruptos etc. A existência deste segundo grupo deve-se, em
parte, porque não há um acompanhamento das chefias imediatas e, por isso o servidor, nas
palavras de uma entrevistada “se conforma como as coisas estão e, portanto, se contenta com
o que recebe no final do mês. A pessoa não produz, acha que está fazendo um favor. Isto tem
um impacto negativo no trabalho.”. Ou como observa outra entrevistada sobre a
complacência com os desvios “Aí eu já vou incorporar, aí você vai ser o chefe entendeu?
Então vamos lá, eu não estou sabendo de nada! Não estou sabendo de nada!”.
A fala acima mostra duas questões importantes: uma delas se refere justamente à
política de ocupação de cargos de chefia. Como existe na prefeitura a incorporação da
gratificação paga pelo DAS (Direção e Assessoramento Superior) após cinco anos, é comum a
troca dos cargos de chefia entre os membros da áreas. Essa troca é uma das permissionárias
dos desvios de conduta existentes entre os servidores para que possam fazer seus horários
especiais, acumular outros serviços, fazer uso abusivo da máquina pública, ou seja, usar o
carro para serviços particulares, fazer ligações interurbanas com o celular e mesmo fazer vista
grossa sobre propinas. A outra se refere à morosidade, como já apontada, na conclusão de
processos administrativos. Um exemplo é o caso de dois servidores investigados pela CGM
(Controladoria Geral do Município) presos em flagrante. Os mesmos voltaram às suas
funções até que a prefeitura conclua o processo de exoneração, sem previsão de data.
Por fim, entre suprir uma dada unidade e o investimento necessário para uma praça,
acaba-se, quase sempre, fazendo a escolha pela segunda, por se considerarem os impactos
políticos. É evidente que o trabalho do servidor tem como finalidade o munícipe, mas essa
orientação por “abandonar” a subprefeitura como órgão importante fez com o problema se
atenuasse.
Outro problema está relacionado à distancia estabelecida entre o Legislativo,
Executivo e os servidores das Subprefeituras. Primeiro, porque muitas leis são criadas sem
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que se efetive uma estrutura para que ela possa de fato “pegar”. A segunda questão se refere
ao fato de que muitas leis não consideram pontos importantes dos quais os agentes vistores,
aqueles que estão nas ruas, poderiam opinar e aprimorar os processos. E terceiro, refere-se à
ingerência promovida pelo legislativo. Os vereadores pressionam as subprefeituras para a
realização de determinados serviços (pular a fila), para benefício de suas bases eleitorais ou
pedem a retificação de multas, de processos ou literalmente fazem vista grossa sobre
determinadas inconformidades. A fala abaixo demonstra a ingerência e a dificuldade sobre a
aplicação de certas leis, como podemos ver:
Então era melhor você intimar e esperar o cara se regularizar, ou você multar o cara
e esperar ele se regularizar? Primeiro o cara não tem grana para pagar a multa, se ele paga
a multa não sobra a grana para ele fazer a calçada, então é esse tipo de lei que fica meio
confusa. Tanto fica confusa para a população, pra gente que em Pirituba ocorreu o episódio
bem interessante. Se eu não me engano foi a Globo que reclamou de uma, de um local, que
tinha um degrau na calçada, só que a rua era assim... Era declínio, ai o agente vistor de
Pirituba foi lá e falou, mas poxa, eu vou multar um cara só, se a rua toda está assim? Aí ela
começou, né? Aí tem um vereador que é coligado a vocês e falou. Pô, mas isso aqui é um
absurdo. Vocês estão querendo ferrar tudo aqui, porque essa lei está errada e ele próprio
não tinha conhecimento da lei, apesar de ele ter assinado, e que era uma lei que todos os
vereadores assinaram.
Como podemos observar, as funcionalidades e desfuncionalidades da Subprefeitura
estão relacionadas ao fato de que elas, ao serem deixadas como projeto prioritário do
Executivo, com constantes mudanças ao longo do tempo, tornaram-na um espaço para que se
estabelecessem certas anomalias apontadas ao longo da análise pelos servidores, sendo as
principais: uso indevido da máquina pública, suborno, sucateamento do próprio e escassez dos
mais diversos recursos. Entre os impactos mais sentidos estão a desvalorização do trabalho
funcional e, sobretudo, a qualidade e a capacidade de execução dos serviços para os
munícipes.
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5. Considerações Finais
Como vimos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de criação de instâncias de
governos locais ao final dos anos sessenta, com o intuito de atender mais rapidamente a
população. Seu papel principal era a realização de serviços de zeladoria, dentre eles: poda,
remoção e limpeza de rua. Evidentemente, esse processo de criação acompanhou o
crescimento da cidade, tendo aumentado o número desta instância ao longo dos anos, porém,
isto não trazia consigo o debate sobre descentralização administrativa.
Assim, nos anos oitenta, por conta dos anseios da descentralização advindos da
redemocratização, projetos de governos locais ganhariam força e, instituído no artigo 77° da
Lei Orgânica do Município, nascia o projeto de Subprefeituras cujos objetivos principais eram
desenvolvimento local e fortalecimento dos canais de participação.
Porém, ao longo de sua existência, as Subprefeituras, ou as antigas Administrações
Regionais passaram por alguns períodos importantes e que impactam diretamente na forma
como o servidor criou a representação social detalhada nas análises das entrevistas.
Primeiro, refere-se aos anos noventa, quando a então prefeita Luiza Erundina (PT),
reorienta a organização geográfica e inicia o processo de descentralização. Esse período foi
marcado por intensas disputas, mas aqui vale ressaltar que elas passam a ter nova importância
no mapa político; por conta da derrota do candidato à sucessão, o projeto se interrompe.
Segundo, refere-se ao período Maluf-Pitta (PPB), com oito anos de gestão, nos quais
se destacam dois processos importantes: o engavetamento do projeto de criação das
Subprefeituras (encaminhado pela prefeita anterior) e o uso das mesmas como barganha para
a coalizão de governo, ou seja, como moeda de troca para manter a base governista. Neste
período também, sobretudo na gestão Pitta, eclodiram os maiores escândalos envolvendo as
Subprefeituras, sendo a máfia dos fiscais a mais conhecida. Este período será importante,
porque dará novamente força à recuperação do projeto de Subprefeitura.
Após esse período, vem Marta Suplicy (PT) e implanta as Subprefeituras, cria as
coordenações de Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde e Educação, redistribui
o orçamento e inicia o processo de criação do Conselho Participativo. Evidentemente, o
processo demorou e contou com enormes entraves, dentre eles a dificuldade das Secretarias
em ceder recursos humanos e materiais e o orçamento. Imposta a derrota, novamente as
Subprefeituras passam por nova orientação.
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Com José Serra (PSDB), as Subprefeituras são reordenadas e as secretarias retomam
as coordenadorias, iniciando um processo de centralização e perda de poder. Também é um
período nos quais os Subprefeitos ex-prefeitos do interior sem mandatos (e candidatos
derrotados), ligados, evidentemente, ao prefeito. Ainda que tivessem experiência política,
essas pessoas não necessariamente conheciam as regiões das quais eram representantes no
Executivo.
Por fim, Gilberto Kassab (DEM) assume e inicia um processo de centralização
financeira, concentrando os recursos para a Secretaria de Subprefeitura e iniciando uma
gestão menos participativa, comandada por coronéis reformados. O prestígio que as
Subprefeituras tiveram num curto período decreta-se aqui. A linha dura e conservadora de
alguns coronéis impactou profundamente os canais de diálogos com os munícipes e grupos da
sociedade civil.
Relembramos estes apontamentos porque causam profundo impacto sobre a
representação que o servidor público na Sé constrói em relação à forma como é visto e como
se vê e, consequentemente, como podemos observar as funcionalidades e desfuncionalidades
presentes neste processo. Em grande parte, porque, para cada gestão as Subprefeituras têm um
valor diferente. Se com algumas ganham mais poder e autonomia, com outras o processo
contrário se aplica. Se algumas gestões aspiraram a ter um papel de desenvolver as
potencialidades locais, outras reafirmam o papel de mera zeladoria.
Na análise das entrevistas, os servidores captam como são vistos de fora, de forma
parecida com os velhos jargões existentes em relação a eles e difundidos na mídia e, também,
a forma como eles vêem parte do grupo de servidores, e como se relacionam com estes
estereótipos.
Em relação à forma como são vistos, é possível perceber uma imagem negativa, de um
servidor pouco interessado no trabalho. Ainda que não tenham dito nomes como Barnabés ou
expressões como “marajás” ou “aspones”, expressões chulas que definem servidores como
preguiçosos, fica evidente, para eles, durante as entrevistas, algumas destas características.
Palavras como encostados, molengas, descompromissados, dentre outras, mostram claramente
este ponto. Em parte, essa imagem é reforçada pela morosidade da máquina pública em
responder às solicitações e pelo desconhecimento sobre como se organiza a gestão pública.
De um lado estão aqueles para quem a burocracia precisa ser obedecida e, de outro, aqueles
cujas necessidades são quase sempre urgentes. A escassez de recursos aliada à depreciação
que sofreram as Subprefeituras só trabalhou para reforçar essa imagem, como vimos em falas
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sobre a falta do mínimo necessário para atender uma demanda. Um adendo importante é que a
falta de clareza sobre o passo a passo de certos procedimentos e a não explicitação dos
mesmos para o público fazem parte deste processo de construção. Ou seja, existe uma cultura
estabelecida dentro das repartições públicas: a necessidade em dificultar o acesso a certas
informações. Para muitos, o acesso imprime mais trabalho e se torna perigoso para alguns
casos. Um exemplo para ilustrar é o uso de áreas públicas. Qualquer cidadão tem direito a
requerer o uso de uma área pública para os mais diversos usos e, embora existam leis que
regulem, não há critérios objetivos para que escolha seja feita. E, dependendo do tipo de uso,
há um processo enorme a ser percorrido. Por fim, ainda dentro disto, os prazos entre a entrada
do pedido e o deferimento ou indeferimento podem levar mais de cinco anos.
A mídia tem um papel importante neste processo de construção e reforço da imagem
negativa do servidor público. O uso calculado de imagem, reportagens, textos, discursos
eufêmicos entre outros recursos associa os mesmos à corrupção, abuso de poder e negligência.
É comum serem associados à morosidade e à demora em oferecer respostas. Como é possível
ver nos telejornais e nas rádios, o problema está sempre associado à demora da prefeitura em
responder àquela demanda, quer se trate de buraco na calçada, praça mal conservada etc.
Os políticos também têm uma imagem parecida com a da mídia e dos munícipes,
quando afirmam que, se fossem os Subprefeitos, também trariam seus homens de confiança
para o trabalho. Estes servidores determinam pouco e estão completamente assujeitados,
exceção àqueles apadrinhados por políticos (durante certo período no qual seu vereador é da
base governista) e às intempéries das mudanças de gestor e de gestão. Em relação ainda aos
políticos, é possível compreender um sentimento de manipulação, poder e ingerência. Para
eles as escolhas nos quadros técnicos respondem a interesses pessoais (as suas bases políticas)
e partidários e, também a realização dos serviços obedece em primeira ordem à determinação
destes.
Quanto à forma como eles se percebem há algumas contradições interessantes. Os
servidores separam dois grupos distintos de trabalhadores: aqueles que entendem os motivos
por estarem ali e a quem servem (em referência aos munícipes) e, outro grupo, o oposto,
aqueles que se beneficiam da máquina pública de diversas maneiras. No primeiro grupo, onde
se encaixaram todos os entrevistados, estão aqueles que trabalham, são honestos, cumprem a
carga diária e trabalham pelos outros. Entre os demais estão os que se beneficiam da máquina
pública; são aqueles descritos da mesma forma que a mídia e os munícipes retratam. A
contradição é esta: por um lado eles entendem serem equivocadas as imagens que a mídia e o
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munícipe constroem da gestão, por outro, eles mesmos são capazes de enxergar este tipo de
servidor.
A existência de privilégios de uns sobre outros e os pactos velados que se
estabeleceram nas equipes são os principais motivadores disto. A presença destes impacta
diretamente na implantação de mudanças gerenciais porque geram fortes resistências. Os
servidores sentem-se pouco valorizados pela gestão e sabem, porque viram ao longo dos anos,
que não há sinais de mudanças.
O que queremos apontar com isso é que as condições nas quais o trabalho dos
servidores se realiza encontram muitas barreiras, que vão além da escassez. As condições a
que foram impostas as Subprefeituras, no sentido de perder a capacidade gerencial sobre seu
território, os fazem perceberem-se impotentes. O papel das Subprefeituras nas reintegrações
de posse limita-se a acompanhar a Polícia Militar e a promover o emparedamento do local. A
Subprefeitura não pode, sequer, cadastrar famílias nos programas de benefícios. Essa
dependência de outras secretarias tem impacto extremamente negativo. Pode ser que as
famílias fiquem literalmente na rua, o que causa forte impacto no emocional dos servidores.
Outro fator importante refere-se ao que se propõe uma Subprefeitura. As mudanças
ocorridas ao longo do tempo apontam que seu papel estratégico de mediador e coordenador de
desenvolvimento local é impreciso e vago. Não há o menor movimento nos últimos anos que
caminhe neste sentido. As ações estratégicas foram tiradas das Subprefeituras e a demanda de
serviço não vem acompanhada de recursos humanos, o que atenua a demora e, inclusive, a
não realização do serviço. Por exemplo, a ida de alguns serviços para as Subprefeituras nem
sempre é acompanhada da estrutura necessária para a realização.
É preciso reafirmar que não se trata de um discurso fatalista, que não prevê soluções
para as Subprefeituras. O importante é atuar em frentes distintas, para que se possa reconstruir
o papel das Subprefeituras e a representação presente nos tempos atuais.
Nossa análise procura apontar para a necessidade de rever a política de recursos
humanos e aperfeiçoar as formas de acompanhamento do serviço, como já apontamos
anteriormente. Evidentemente, isto precisa vir acompanhado de recursos humanos, materiais e
financeiros, para que o serviço possa ser realizado dentro das conformidades: tempo, prazo e
qualidade. E, isto passa também por reconsiderar a descentralização como um projeto político,
retomando-o e fortalecendo esta instância de governo.
Construir processos de escuta e considerar os servidores na elaboração de leis e
projetos é outro fator fundamental: pela experiência adquirida na rua e ao longo dos anos, os
92
servidores conhecem bem as incoerências presentes. A quantidade excessiva de leis é um dos
grandes problemas, porque, ao mesmo tempo em que facilita, por um lado, pune por outro.
Assim, para exemplo, podemos usar as cooperativas de recicláveis. A prefeitura cria
programas e, ao mesmo tempo, pode autuar cada uma delas por inumeráveis inconformidades.
Todo fiscal lotado em Subprefeitura sabe que, sem o uso do bom senso, nenhum
estabelecimento comercial estaria aberto hoje na cidade de São Paulo. Por isso, compreender
e encontrar meios conjuntamente é a melhor solução na busca preventiva, e não punitiva em
relação aos munícipes e demais segmentos.
É importante ressaltar a importância do servidor público, pois é ele quem vai atender
as demandas dos munícipes: ele é o representante do poder público naquela região. A forma
como ele enxerga a gestão pública tem forte impacto sobre a maneira como realizará seu
trabalho. Por isto, é importante criar mecanismos que possam ajudar as Subprefeituras a se
organizarem para reivindicar mudanças necessárias, como também ajudar o governo a rever
decisões que impactam diretamente as Subprefeituras.
Também é fundamental destacar a importância das Subprefeituras como instâncias de
governo, que podem promover o desenvolvimento, mediar os conflitos no território e
promover a participação local. A cidade de São Paulo, por suas dimensões, não pode ser
gerida apenas por um governo central. Esse centralismo promove apatia em grande parte dos
servidores, o que reverbera na qualidade dos serviços.
Finalmente, é preciso ressaltar a valentia desses profissionais, que cotidianamente
fazem a cidade acontecer.
93
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97
ANEXOS
I
Subprefeitura
O que é subprefeitura para você? E para o que ela serve?
Como vocês veem a situação geral das subprefeituras hoje em dia?
Quais são as causas principais desta situação?
E há possibilidades de mudança? Se sim, quais e como? Se não, por que não?
Fala-se muito em corrupção e suborno nas Subprefeituras. Isto procede ou não?
Se não, por quais motivos circulam estas impressões?
Se sim, quais são as principais causas da corrupção e falta de respeito as leis?
Você conhece os distritos da Subprefeitura?
Funcionalismo Público
Em sua opinião o que seria um funcionário público?
Como os munícipes vêem os servidores da Subprefeitura?
Em sua opinião como os partidos políticos percebem o funcionário público?
Em sua opinião, como a mídia define o funcionário público?
Como você acha que os servidores públicos se percebem?
Quais tipos de servidores existem em sua opinião? (descrever em percentual)
Quais políticas ou projetos são mais facilmente implantados pelos servidores?
O que facilita? O que dificulta?
Você acredita que os gestores sabem da importância dos servidores de carreira para
implantação de políticas? Você sente que escutam uma demanda sua ou não? Como você lida
com isso? E como os outros lidam?
Munícipe
Na sua opinião, quais são as principais reclamações dos munícipes sobre as subprefeituras?
Na sua opinião como o munícipe percebe o funcionário público?
A subprefeitura atende as solicitações do munícipe com satisfação? Se não, por quê?
98
História de vida
Por que você se tornou funcionário público?
Quais fatores pesam para o funcionário (você) implantar os projetos da Prefeitura?
10
INTRODUÇÃO
Meus últimos três anos têm sido dedicados à Administração Pública. Contar como este
processo se iniciou é importante para entendermos como cheguei a propor esta dissertação. O
caminho até aqui é longo, mas o descreverei em pequenos trechos nos parágrafos a seguir.
Trabalhei alguns anos em organizações sociais que desenvolviam projetos, sobretudo
no ramo de empreendedorismo, na parte estratégica de desenvolvimento e geração de
emprego, trabalho e renda, área em que os governos têm muitas dificuldades na efetivação de
políticas eficazes e duradouras.
Depois de anos dedicados a este tipo de atividade, comecei a estabelecer relações com
governos, apresentando propostas de trabalho, conhecendo projetos e assim por diante. Foi
então que, em 2011, ganhei uma bolsa para fazer um curso focado em planejamento, no qual o
público principal eram pessoas da gestão pública.
A partir desse ano comecei a fazer trabalhos de moderação em planejamento
estratégico para os mais diversos atores: empresas, governos, terceiro setor e grupos auto-
organizados, sobretudo com foco na temática racial, direitos humanos e desenvolvimento
social. Diante desta experiência adquirida e da rede de relações que se formou, recebi o
convite para assumir a Diretoria de Planejamento e Gestão Pública na Secretaria de
Planejamento e Gestão Pública, no município de Diadema, região metropolitana do Estado de
São Paulo.
Observando segundo a perspectiva de um consultor em planejamento, passei a me
sentir intrigado diante do fato de que planos bem elaborados de trabalho perdiam-se no
cotidiano, quando se tratava de governos.
Descobri que, quase sempre, o maior valor de um planejamento consistia em alinhar
equipes de acordo com seus principais desafios, positivos e negativos e estabelecer um norte
de trabalho para a gestão. A prática tem demonstrado que aquilo que se planeja sofre
profundas alterações, fundamentalmente porque as prioridades se invertem, as equipes
mudam e sofrem para lidar com as intempéries de seus governos e gestores. Ir para Diadema
era, portanto, um grande desafio: entender estas dificuldades e atuar sobre elas.
A cidade de Diadema ensinou-me muito em um ano e dois meses, período em que
trabalhei lá. Mesmo sendo uma cidade pequena os desafios, porém, são comuns aos de outras
11
cidades brasileiras. E foi essa observação que me inspirou o presente trabalho, conforme
relatarei adiante.
Como diretor de planejamento, pude observar que havia muitas inconsistências na
administração da cidade, e que, com a experiência de consultor de planejamento, é possível
observar tal fato em outros níveis de governo e em outras prefeituras. Por exemplo, a intensa
luta por poder e recurso que cada secretaria promove para si é, sem dúvida, um dos maiores
problemas para administrar uma cidade, sobretudo a partir da perspectiva de planejamento.
Isto se torna ainda mais difícil porque envolve a governabilidade com o legislativo.
A respeito deste primeiro problema, a governabilidade, tem-se uma clara fragmentação
no governo, ou seja, as secretarias pequenas têm pouca possibilidade de atuação e nos cortes
dos recursos são mais gravemente afetadas. Não possuem fôlego suficiente para aplicar suas
políticas; faltam recursos humanos (em números e em qualificação), materiais e equipamentos
adequados. Além disso, dependem muito da colaboração de outras secretarias, que detêm os
recursos financeiros.
As grandes secretarias (Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Finanças),
tocam seus projetos e têm muitas dificuldades de serem orientadas. Cada uma age por si
própria, criando poucos canais de diálogo com outros órgãos da administração municipal.
Essa fragmentação faz com que cada uma construa suas próprias políticas e formas de
atuação. O resultado é uma sobreposição absurda de políticas e ações, em muitos casos,
contraditórias. Para exemplificar, enquanto uma secretaria atua no combate ao uso de
substâncias químicas enfocando a redução de danos, a outra visa à repressão ao uso. Ou é
possível observar a criação de projetos por parte de uma secretaria, enquanto outra teria
conhecimento suficiente e adequado para apoiar. Por exemplo: a Secretaria da Educação
desenvolve seu próprio projeto de geração de renda, quando esta atribuição deveria contar
com a experiência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
O que podemos notar é que um dos desafios existentes atualmente consiste em tentar
eliminar o isolamento, a fragmentação e a sobreposição da ação governamental no território e
também internamente, pois isto traz consigo enormes prejuízos ao município e a sua
população. Este é um dos motivos que emperram a descentralização dos governos, pois o
modelo “cada um faz ao seu modo” não gera transparência, eficácia ou participação.
Como se estes problemas não fossem suficientes, o governo trabalha com foco
limitado e de olho em sua popularidade, o que leva as prioridades, ao menos na experiência da
qual participei, a se inverterem constantemente. As energias dispersam-se e os recursos, além
12
de escassos, são também mal distribuídos, o que tem impacto direto na administração, porque
os investimentos na gestão e modernização não são prioridade. Tal impacto pode ser sentido
na baixa capacidade técnica das equipes, na falta de técnicos qualificados e atualizados e nas
próprias ferramentas de gestão presentes nas prefeituras. Sem ferramentas de gestão,
acompanhamento e participação, o governo vai perdendo-se na sua capacidade de realização.
É comum observarmos obras de viário atrasarem anos para serem entregues, comprometendo
o orçamento, assim como podemos ver repetidamente nas mídias erros que exigem reformas
caríssimas para a administração pública e/ou casos de corrupção e favorecimento. Há, além
disto, a precariedade de alguns próprios municipais1, em péssimas condições de conservação e
com equipamentos desatualizados e quebrados, sem levar em conta todos os que estão em
falta. Tal fator tem impacto direto na produtividade dos servidores municipais e na qualidade
do atendimento ao munícipe.
Estes desafios são os principais fatores que prejudicam qualquer planejamento e
gestão, mas há um muito importante a ser considerado: os recursos humanos. São eles,
constituídos pelos servidores do serviço público, que estão no cotidiano das políticas
municipais.
Tais servidores estão sujeitos, a cada quatro anos, a um novo prefeito que, com sua
equipe, imprime novos projetos e rumos ao município, processo este que costuma ser
acompanhado de muitas rupturas e mudanças nos quadros e formas de se criar e executar
políticas. Os servidores, por seu lado, perpassam gestões e desenvolvem crenças, valores e
alianças, que permeiam seu trabalho ao longo dos anos.
Prosseguindo o relato sobre minha trajetória, em janeiro de 2013 me transferi para São
Paulo, a fim de trabalhar no gabinete da subprefeitura Sé. De todas as subprefeituras, a Sé
conta com algumas particularidades que a tornam a mais importante da cidade. Comparada às
outras, é a que se encontra em melhores condições quanto à estrutura e equipe, inclusive
porque está menos sujeita a intervenções parlamentares e seu executivo costuma ter apoio e
anuência do prefeito da cidade. Dentre os fatores que a tornam importante está o fato de ser
central e ter oito distritos por onde circulam diariamente milhares de pessoas, tornando-a a
vitrine da cidade. Mas, ao chegar a esta subprefeitura, pude deparar com todos os problemas
vividos na outra administração, em proporções maiores, já que a Sé conta com uma população
maior que a cidade de Diadema e está em constante exposição midiática.
1 Consideram-se aqui os prédios públicos onde funcionam serviços de qualquer natureza.
13
Resumindo, a falta de investimentos na modernização administrativa, a falta de
quadros técnicos, a ausência de uma política efetiva de carreira, a cultura de centralização
política, administrativa e orçamentária e a descontinuidade de projetos são fatores
fundamentais no centralismo que existe nas gestões municipais, onde quer que esteja.
Estas dificuldades também estão presentes nas Subprefeituras, projeto político de
descentralização da administração da cidade de São Paulo, sobre as quais dedicarei meu
estudo. O projeto de descentralização, que previa forte incidência local e políticas focadas no
território, aliado à participação e acompanhamento dos munícipes na gestão, nunca conseguiu
concretizar-se efetivamente, como previa o projeto original. Ora por falta de articulação, ora
por falta de interesse em dar continuidade ao projeto, nenhuma gestão deu conta realmente do
projeto previsto. Isto causou forte impacto à cidade, pois esta não conseguiu efetivar canais de
comunicação e participação, além de se tornar frágil a diversas formas de corrupção nos
estratos mais baixos da administração local. Também se consolidaram o sucateamento e o
apadrinhamento parlamentar, aliados a uma burocracia enlouquecedora, confusa, dúbia e que
se sobrepõe o tempo todo.
No meio deste cenário encontram-se os servidores públicos, sujeitos às mais diversas
intempéries e mudanças que, ao longo de todos os anos, foram produzidas. Em algumas
gestões as subprefeituras tiveram mais ação, poder e prestígio; em outras foram relegadas ao
papel de zeladoria e barganha política.
Diante deste quadro nos perguntamos: como o funcionário reage a tudo isto? Como
executa seu trabalho? Ele é consultado? Como percebe a visão do munícipe em relação a ele?
E a mídia? E os políticos aos quais ele está sujeito a cada quatro anos? Os funcionários são
consultados na construção de políticas ou na forma de implantá-los? O que os motiva ao
trabalho? Sentem-se valorizados? De que forma?
Este estudo é dedicado a entender o servidor público, sujeito fundamental na execução
das políticas pensadas pelo Executivo e criadas no Legislativo. Ainda que possa parecer que
parta de um olhar fatalista sobre a administração pública, é fundamental ressaltar a
importância desses homens e mulheres que produzem, executam e acompanham a política na
cidade. São indivíduos que, em muitas ocasiões, levam o governo a não cometer ações
arbitrárias em relação aos munícipes em situações-limite (limpeza de área, desocupação,
reintegração de posse etc.). São milhares os casos em que esses agentes públicos lutam
bravamente para que um projeto tenha sucesso e alcance. Afinal, só a gestão pública tem
14
condição de afetar todos os seus cidadãos com políticas, projetos e programas, além de mediar
as diversas tensões existentes em seu território.
Esta dissertação tem, portanto, a intenção de contribuir com a literatura de
administração pública, bem como a de psicologia social, ao compreender a representação
social dos servidores públicos. Com isso, compreender as ações que possam efetivar práticas
que contribuam para a melhora da cidade e da administração.
Para isso, percorreremos brevemente a história da descentralização, que significa
passar pela construção do município no Brasil e seus desdobramentos, para entender o
município de São Paulo. Em seguida, procuraremos entender os desafios da cidade e a
importância das Subprefeituras por meio de sua história. Por fim, adentraremos no caso da
Subprefeitura Sé, onde descreveremos os desafios enfrentados, tentando entender o
funcionalismo neste contexto e a representação que criou de si.
15
1. Da ideia de município à Subprefeitura
Os anos 80 foram marcados por intensas disputas políticas no campo internacional,
como decorrência da consolidação de forças distintas: capitalismo, comunismo e socialismo.
Ao mesmo tempo, nos países latino-americanos, eram cada vez maiores as pressões pelo fim
da opressão imposta por regimes militares ditatoriais.
Além dos limites impostos e da excessiva violência, eram tempos de intensas crises
econômicas e sociais, gerando inflação, estagnação, desemprego e miséria, principalmente nas
regiões mais carentes do Brasil. O milagre econômico já não existia, o gasto público
incontrolável e as dívidas externas cresciam em larga escala. Aliado a isto, o aparelho
burocrático já não respondia aos desafios impostos aos tempos correspondentes. Era
imperativo o desejo de mudança, que culminaria na queda do regime ditatorial e na
construção da nova Constituição Federal de 1988, que tinha como anseio não só perpetuar os
direitos humanos e a não possibilidade de novos golpes, mas também dirimir as
desigualdades, descentralizar e promover participação popular no acompanhamento da gestão
pública nascente. Por isso, é possível dizer que era preciso, na visão dos constituintes,
reformar o Estado com enfoque na universalização de acessos aos serviços e à participação, o
que só faria sentido ao transferir aos municípios essa responsabilidade, cabendo ao governo
federal o financiamento e a regulação dos serviços no que tangesse ao município
(ARRETCHE, 2002).
A República Federativa do Brasil é, conforme descreve nossa constituição, a união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado
Democrático de Direito (art. 1°, CF)2. Cada um destes entes possui, portanto, autonomia sobre
seu território. Por ser um país federativo, os governos têm prerrogativas invioláveis, que
conferem a eles autonomia, ainda que possam legislar sobre a mesma população e território.
A União é regida por sua Constituição Federal, que atribui a este órgão o dever de
implantar políticas de desenvolvimento nacional, distribuindo recursos, criando e orientando
políticas, além de garantir a segurança nacional. Também tem como objetivo assegurar o
desenvolvimento nacional, em todas as perspectivas, além de garantir o acesso à justiça,
2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
16
liberdade e desenvolvimento, garantindo equidade no que se refere à distribuição de recursos
e diminuição de mazelas sociais.
1.1O Município como ente federativo
A trajetória da redemocratização concretiza-se em 1988, na promulgação da nova
Constituição, reconfigurando a atuação dos municípios e garantindo-lhes autonomia, o que, na
prática, significou maior distribuição dos recursos e, portanto, independência financeira e
política, que se refere a criar suas próprias leis e administrar seu território. Além da escolha de
seus governantes, sem quaisquer restrições, os municípios também ampliaram sua base
tributária (SIQUERA, 2003), além das transferências constitucionais da União e do Estado.
Para Pinto (2003),
ao Município foi atribuída a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e a competência dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ação por essas esferas. (PINTO, 2003, p. 40)
Ainda que os municípios já existissem no Brasil, sua autonomia só passa a ser
garantida nessa constituição. Este processo, de construção de Constituições republicanas, não
se iniciou recentemente. Segundo Siqueira (2003), o Brasil já havia passado, até a
promulgação de 1988, por mais três processo de descentralização. Estas constituições (1891,
1934 e 1946), de algum modo trataram do tema de descentralização e, por diversos
impeditivos, não avançaram. Para o autor, na Constituição de 1891, a dificuldade concreta
para a viabilização da autonomia municipal foi a escassez de recursos colocados à disposição,
como também a função atribuída aos estados, quais sejam, o controle administrativo,
financeiro e a fiscalização. Siqueira confirma que:
a autonomia municipal era praticamente inexistente, permanecendo os municípios sob tutela dos Executivos estaduais, que garantiam a sua base de apoio político através da manipulação exercida sobre os governos locais (SIQUEIRA, 2003, p. 18).
Já a Constituição de 1934, que permitiu a eleição de vereadores e prefeitos e incluía a
participação dos municípios na arrecadação tributária, tornava nula a autonomia municipal,
17
pois permitia que os Executivos estaduais controlassem administrativa e politicamente os
municípios, por meio dos departamentos de municipalidade.
A conhecida Constituição Municipalista, de 1946, retomou a discussão do
fortalecimento dos municípios e o rearranjo financeiro e tributário. Previa, com favorecimento
aos municípios mais pobres, o repasse de 10% das receitas de Imposto de Renda e a
devolução do excesso de arrecadação de impostos de rendas locais de qualquer natureza
(SIQUEIRA, 2003). Na implantação e cumprimento desta Constituição, houve, porém,
impeditivos determinantes, que impuseram insucesso a esta tentativa de garantir autonomia
municipal. Para Siqueira, os principais pontos foram: irregularidades nas transferências de
tributos por parte da União e dos estados, a baixa capacidade dos municípios de explorarem
seu potencial de arrecadação, a constante intervenção nos municípios por parte dos estados,
por conta de empréstimos ou dívida fundada e, por fim, as restrições às eleições para prefeito
nas capitais e outros pontos considerados importantes para defesa nacional.
1.2 A importância do Município
Com a aprovação da Constituição de 1988, põe-se fim ao modelo burocratizado e
centralizado da gestão brasileira, dando aos municípios a responsabilidade de serem os
indutores da criação e implantação de políticas de desenvolvimento local. Desta forma,
deixam de ser apenas zeladores que regulam a ocupação das vias públicas, construções,
trânsito e medidas relativas a feiras, espetáculos públicos e conservação de logradouros.
Vamos compreender essa descentralização, definindo-a como um processo pelo qual
os níveis periféricos, no nosso caso o município, se tornaram detentores de poder. Isto para
transformá-lo em eficaz e ágil, ao estreitar as relações entre a sociedade e o estado. Nesta
constituição, portanto, o governo municipal passou a prestar os serviços públicos diretamente
aos munícipes. Posto desta forma, nas palavras de Junqueira (2003):
O poder municipal, no Brasil, tem como competência organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O exercício dessas competências tem relação direta com a garantia dos direitos sociais do cidadão. (JUNQUEIRA, 2003, p. 50 )
18
Significa dizer que nesta constituição, que se refere ao espaço local, o município, enxerga os
usuários como capazes de explicitar suas necessidades não satisfeitas e aprender a se colocar
diante dos serviços como cidadãos. Essa descentralização implica que cada município pode
levar em consideração as diferenças econômicas, técnico-financeiras, administrativas e
políticas para desenvolver suas ações.
No Brasil, com suas dimensões continentais caracterizadas por intensas desigualdades
sociais, econômicas, políticas e administrativas, além das características territoriais de cada
uma de suas regiões, a existência de municípios parecia imprescindível, pois estes espaços
deveriam permitir aos munícipes a tomada de decisões sobre assuntos de seus interesses. Na
visão de Pinto (2002),
não só como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico e simbólico que se transforma em um campo de respostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais de nossa época. (PINTO, 2002, p 52.)
Ora, a importância do governo local é justamente ser local, ou seja, um ente que
possibilita oportunidade de participação e assegura a distribuição eficiente dos serviços, além
de melhores condições de alocar os recursos públicos, atendendo às necessidades dos
cidadãos, justamente por estar mais próximo das localidades onde estão implantadas. É essa
capacidade de aproximação, de troca entre governo e localidade, que lhe permite criar uma
visão privilegiada do território. Mesmo dentro destes espaços existem disputas por interesses
antagônicos, com pequenos grupos articulados tentando impor sua vontade à maioria. Mas é
no território que essas disputas podem se tornar evidentes e que pressões podem ser exercidas
no sentido de atender às necessidades citadas. Também o estado, em sua posição privilegiada,
pode mediar os conflitos existentes.
Quando falamos sobre a importância do município como ente federativo e toda a luta
promovida durante as constituições pelos emancipadores municipalistas3, as perguntas são a
respeito do que exatamente defendem e sobre o que legisla o município que o torna tão
importante. Cada município tem sua própria Lei Orgânica Municipal e, respeitadas as
condições e necessidades de cada localidade, é certo que temas como os listados abaixo sejam
atribuições do município:
3 Aqueles que defendiam a existência dos municípios.
19
• Delimitação do Perímetro Urbano: descrição das áreas do município, criando zonas
urbanas e rurais e definindo impostos, condições de usos dos terrenos e edificações.
• Controle do Parcelamento do Solo: lotear e desmembrar terrenos, garantindo
condições mínimas indispensáveis ao seu uso em habitação. Garante áreas para
construção de praças e equipamentos urbanos, como postos de saúde, escola, parques
etc. Além disso, regulamenta as áreas para o tamanho das ruas e calçadas.
• Zoneamento de Uso e Ocupação: neste quesito cabe ao governo municipal orientar a
localização de diversas atividades que possam existir numa determinada região
delimitada no município. Sobretudo nos municípios de médio e grande porte, a
discussão se torna essencial, para gerenciar conflitos entre os diversos interesses.
Alguns dos recortes delimitados são: áreas para habitação, comércio, indústria e
serviços. Há preocupação com ventilação, trânsito, insolação e área livre em cada
terreno. Com isso, é possível dimensionar e prever as necessidades destes locais.
• Estrutura viária: também mais comum para os municípios de médio e grande porte,
aqui se define quais são as vias principais e toda logística de trânsito, para gerar
conforto e segurança. Também separa o trânsito local do tráfego pesado, como
caminhões. Regulamenta ruas, redes semafóricas, dentre outras, como a pavimentação
e conservação.
• Localização dos Equipamentos Púbicos: Conforme as necessidades do município,
este deverá instalar equipamentos públicos que dêem conta das necessidades locais.
Por exemplo, se uma área ganha novas moradias, precisa prever áreas para a
construção de creches, escolas, posto policial, bancos, postos de saúde.
• Controle de Edificações: também são municipais os critérios que estabelecem a
permissão de reformas e ampliações de edificações residenciais, comerciais e
industriais, considerando, evidentemente, os critérios já citados acima. Aqui devem ser
previstos impactos que se referem a escoamento das águas pluviais, rede de esgoto e a
capacidade do terreno para sustentar as alterações.
• Saneamento Básico: Este ainda é um problema em quase todos os municípios
brasileiros, dado que menos da metade do país conta com saneamento básico, que é
fundamental para a preservação da saúde e diminuição do risco de doenças. Quase
sempre, por serem obras onerosas e não expostas, não são prioridades dos governos
municipais. Mas, de qualquer modo, cabe ao município cuidar da limpeza urbana, que
significa designar a coleta e disposição dos esgotos.
20
• Limpeza Urbana: regulamenta a limpeza das ruas, residências e espaços públicos,
além de regulamentar leis que levem grandes estabelecimentos a destinarem seus
próprios resíduos aos lugares devidos, conforme o ramo de atividade. Em alguns
municípios já existem leis que regulam o lixo doméstico.
• Transportes Urbanos: segundo o artigo 37 do DECRETO Nº 62.926, DE 28 DE
JUNHO DE 1968, é responsabilidade do município conceder, autorizar e permitir a
exploração dos serviços de transporte coletivo. Por isso, percursos, paradas, horários e
linhas são pensados no conjunto da cidade e devem considerar os pontos acima,
principalmente no que se refere à disposição das pessoas. Nas médias e grandes
cidades este serviço é quase sempre privatizado.
• Educação: sobretudo na primeira infância, no que se refere a creches, pré-escola e
ensino fundamental o município tem papel preponderante. Obedece a leis federais,
mas tem autonomia sobre implantação e gerência.
• Saúde: a saúde é atribuição, como a educação, das três esferas de governo. Sobretudo
por seus custos onerosos, os atendimentos de baixa complexidade são quase
exclusivos dos municípios. Assim, as UBSs e UPASs são quase sempre de
responsabilidade dos municípios. Quando os casos envolvem tratamento de média e
alta complexidade, sobretudo os segundos, passam a ser responsabilidade do Estado/
União. Por exemplo: o tratamento de câncer é quase sempre responsabilidade do
estado.
• Assistência Social: Aqui se devem garantir as condições mínimas de sobrevivência e,
além disso, implantar projetos de apoio e desenvolvimento da infância, juventude e
velhice.
• Outros Serviços Urbanos: serviços funerários e cemitérios, iluminação pública,
abastecimento: feiras livres e mercados, preservação do patrimônio histórico e Ordem
Pública.
Pelos quesitos acima é possível entender como, sob seu território, o município tem total
gerência4 e grandes responsabilidades. Vejamos, por exemplo, o caso da Educação.
Respeitadas as leis federais segundo as quais os municípios necessitam orientar-se, cabe ao
município aderir ou não às políticas de desenvolvimento da educação. Ou seja, ainda que
existam regras a serem cumpridas, com o risco de sanções, o município continua com o poder 4 Exceção feita a leis de instâncias superiores, que podem sobrepor-se à municipal. Ou seja, se houver duas legislações sobre um mesmo tema, prevalece a do ente superior.
21
sobre a implantação e a gerência. Portanto, cabe ao município atribuir suas regras de
contratação de professores, a escolha do material didático e sua compra, a gestão da escola e a
política municipal, a merenda e o transporte escolar, respeitando as leis que regem estes
processos e determinam diretrizes. Da mesma forma, também funciona a política de saúde e
outros programas, de impacto direto sobre a população.
Vale dizer que a descentralização, como projeto político de diminuição da distância entre
governo e sociedade infelizmente não se efetivou da forma como a pensavam os
municipalistas. Os grandes temores da corrente contrária a este pensamento municipalista
eram, principalmente, a continuidade (ou o aumento) das desigualdades, por exemplo, na
distribuição dos recursos5 entre os entes e o coronelismo, característico da política brasileira,
sobretudo em áreas rurais – espaço onde ocorreu a maior quantidade de emancipações e
desmembramentos de municípios. Cabe aqui ressaltar que a média da população nos
municípios brasileiros é de aproximadamente 30 mil pessoas.
Além das dificuldades citadas, outras duas preocupações se tornaram presentes na
municipalização. Uma delas é o fato de alguns municípios não se comprometerem com
políticas nacionais importantes, mesmo recebendo recursos para isto6. A outra é que ainda não
se vê a participação efetiva dos munícipes na gestão dos municípios, com exceção de alguns
casos pontuais. E este é um dos pilares fundamentais do projeto municipalista. Nas palavras
de Lobo (1990):
Ora, a transferência de poder para agentes governamentais mais próximos da população só se justifica quando a mesma for acionada para participar do processo. Não há porque descentralizar se se quiser manter intacto o poder absoluto do Estado, mesmo em sua manifestação regional ou local. Governos estaduais e municipais, como mostra a experiência, podem ser tão centralizadores como o governo federal. (LOBO, 1990, p.10)
Vimos até o presente a importância dos municípios para a gestão do território; ao
mesmo tempo, o fato de se criarem municípios não significou que as mudanças necessárias
aconteceram de fato e, com elas, a tradução desta importância. Este ainda é um debate presete.
1.3. As características do Município brasileiro
5 Para alguns dos estudiosos o aumento de municípios também foi um artifício notadamente político para haver mais acesso a recursos e construção de hegemonia política. 6 Atualmente já existem mecanismos que comprometem e responsabilizam o município pela garantia da execução do projeto conforme previsto.
22
A União é composta por um conjunto de 5565 municípios7, distribuídos em 26
estados, além de contar com o Distrito Federal. Com mais de 190 milhões de pessoas,
segundo dados do IBGE, somos um país de extrema população urbana, aproximadamente
84%, e concentramos grande parte dela em algumas capitais do país, sendo as principais São
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O Brasil tem um caso bem peculiar de federação, pois sua municipalização não é
decorrente de processos de urbanização; houve, portanto, uma fragmentação de cidades para
melhor gerenciamento. Em nosso território, os municípios resultam quase sempre da
fragmentação de pequenos municípios espalhados por regiões interioranas. Em parte este
fenômeno se explica pela explosão de municípios nascidos após a CF de 1988: são cerca de
30% do total existente.
Conforme dados do IBGE, é possível observar que os municípios com população de
até 50 mil habitantes representam 89% de todos os municípios. Em números, isto significa
4958 municípios, porém, o total de habitantes representa apenas 37% da população. Os
grandes municípios, a efeito de comparação, não representam 1% do total dos 5565, mas
possuem uma população de 21% do total de 190 milhões de habitantes.
Em especial, no estado de São Paulo, há o maior município: a capital São Paulo, que
conta com 6% de toda população brasileira e é o único município com população acima de 10
milhões de habitantes. Além disso, dos 15 municípios com população acima de 1 milhão,
podemos citar quatro: Campinas, Ribeirão Preto, Guarulhos e o já citado São Paulo.
Esta característica dos municípios brasileiros, imensamente localizados em regiões não
urbanas, é característico do nosso processo emancipacionista, como observou Tomio (2005):
com exceção das regulamentações sobre a criação de municípios em cada estado brasileiro, não existe qualquer planejamento centralizado nas esferas superiores de governo sobre a fragmentação territorial e o funcionamento destes. Em síntese, comparada à ocorrência de processos similares em outros países, as emancipações municipais no Brasil distinguem-se porque são muito mais numerosas, concentram-se em áreas pouco urbanizadas e não são ordenadamente planejadas pelos níveis de governos mais abrangentes (TOMIO, 2005, p. 8).
Abaixo, em tabela feita por mim, podemos observar números mais gerais sobre os
municípios, no que se refere à classe de tamanho e população em cada um deles.
7 IBGE
23
Número de Municípios
Brasil: Classes de Tamanho da População
Total 5565
Até 10 000 2515
De 10 001 a 50 000 2443
De 50 001 a 100 000 324
De 100 001 a 500 000 245
De 500 001 a 1 000 000 23
De 1 000 001 a 2 000 000 9
De 2 000 001 a 5 000 000 4
De 5 000 000 a 10 000 000 1
Acima de 10 000 000 1
População dos Municípios
Total 190.732.694
Até 10 000 12.939.483
De 10 001 a 50 000 51.123.648
De 50 001 a 100 000 22.263.598
De 100 001 a 500 000 48.567.489
De 500 001 a 1 000 000 15.703.132
De 1 000 001 a 2 000 000 12.505.516
De 2 000 001 a 5 000 000 10.062.422
De 5 000 000 a 10 000 000 6.323.037
Acima de 10 000 000 11.244.369
De maneira geral, com exceção de alguns de grande porte, a maior parte dos
municípios possui baixa capacidade de arrecadação e sofre com os precatórios, que são
pagamentos determinados pela Justiça e estão inclusos no orçamento. O outro agravo é sua
limitada condição de investimentos. Portanto, é evidente a dependência ao FPM (Fundo de
Participação Municipal) e aos repasses de recursos do governo federal e dos estados para a
implantação de programas, políticas e projetos.
Outra característica enfrentada por quase todos os municípios brasileiros se refere à
gestão do município. Em maior ou menor escala, os principais desafios que enfrentam se
relacionam ao crescimento desorganizado da cidade, falta de estratégia para o aumento da
24
arrecadação, leis mal elaboradas e sobrepostas, atendimento ao munícipe, planejamento e
gestão de médio e longo prazo, quadro de servidores e a condição político-eleitoral.
Quando nos referimos ao atendimento, além da falta de qualidade do serviço, há
também falta de processos organizados e padronizados e postura inadequada de servidores,
muitos deles desmotivados e com baixos salários, além da baixa ou inexistente capacitação
para exercício da função etc. Podemos citar, por exemplo, as centrais de atendimento ao
cidadão, que são, nas grandes cidades, o principal canal de comunicação entre o governo e o
munícipe. Em São Paulo, por exemplo, é notório o desconhecimento dos servidores sobre os
sistemas ou mesmo dos serviços que estes locais oferecem8.
O quadro de servidores também se tornou um grande desafio para as gestões
municipais, em todo o país. Além de não conseguir oferecer os salários competitivos, os
municípios também deixaram de ser alternativa atrativa para a estabilidade, dada a lenta
progressão salarial e na carreira. Isto, dentre as diversas consequências, atrai quadros ruins9,
aumenta a carência de servidores para áreas nevrálgicas, atenua a cisão entre políticos e
técnicos, além do desconhecimento da gestão orçamentária etc.
Na dimensão político eleitoral é notória, por exemplo, a descontinuidade entre os
diversos sucessores. Em cidades pequenas a cisão costuma ser contundente: interrompem-se
os projetos anteriores para iniciar novos. Em São Paulo, por exemplo, leis que foram criadas
em governos anteriores e que foram revogadas ou ignoradas são incontáveis. As mais
contundentes dizem respeito ao Conselho de Representantes e às Subprefeituras, que tiveram
amplo apoio da população, mas foram automaticamente abandonadas nas gestões posteriores.
Outro caso comum são as ações impetradas pelo Ministério Público, que interferem
diretamente sobre programas, políticas e processos criados por governos municipais. Pra
prosseguir com o caso de São Paulo, leis que regulam a permissão de comércio ambulante, as
TPUs10, foram desarticuladas por incontáveis liminares. Ainda dentro desta dimensão estão as
disputas políticas acirradas e constantes, muitas vezes entre o executivo e o legislativo, mas
também dentro das bases de sustentação que compõem um governo. Hajam vista as disputas
impostas, por exemplo, pela administração das subprefeituras, que, no passado, recebiam a
8 Num levantamento recente coordenado pela Assessoria do Gabinete da Subprefeitura Sé, descobriu-se aproximadamente 150 serviços oferecidos pela Praça de Atendimento. Porém, é claro, há o desconhecimento por parte dos servidores sobre estes serviços, além de saber qual sistema se usa para cada um deles. 9 Para dar esta dimensão, o último concurso para engenheiro da prefeitura de São Paulo, abriu 150 vagas, porém, apenas 80 candidatos obtiveram as notas mínimas. Certamente, destes, os primeiros assumirão, mas, bem provavelmente irão deixar os cargos assim que passarem em outros concursos que porventura tenham prestado e sejam melhores no que se refere a salários. 10Termo de Permissão de Uso (TPU)
25
pejorativa alcunha de “cabide de emprego”. Como consequência direta, faltam mecanismos
efetivos de controle e participação popular sobre as ações no município.
Em Planejamento e Gestão, há também muitas dificuldades que emperram a máquina
pública. Ainda usando São Paulo como exemplo, é possível notar falta de foco e objetivo da
gestão do município, dificuldade de implantar projetos e captar recursos, baixa qualidade dos
projetos, morosidade nos serviços e burocracia excessiva, falta de integração entre as áreas e o
território, fragmentação de políticas, falta de padrão e processo, descompasso entre as
demandas sociais e as políticas públicas etc. São incontáveis os desafios no que se refere a
planejamento.
Dada a importância de São Paulo, mostrar suas dificuldades como cidade nos permite
dimensionar a situação brasileira de modo geral, como também os desafios a serem
enfrentados para melhorar a gestão destes e também a vida de seus munícipes. Com isso, não
queremos ignorar que cada município conta com sua própria engenharia, formada por fatores
como tamanho, população, condição econômica e história.
Nesta linha, vamos adentrar um pouco mais no município de São Paulo, que tem, ao
longo do tempo, tentado, por suas condições, desenvolver mecanismos de gestão que sejam
mais descentralizados e participativos. Não que outros municípios não considerem isto, mas o
tamanho de São Paulo e seus contrastes nos permitem usá-lo como referência.
1.4. São Paulo: cidade de contrastes
A Prefeitura Municipal de São Paulo é uma das mais importantes entre as cidades do
mundo e, para termos ideia disto, podemos usar como exemplo os seus números, que
impressionam e demonstram o gigantismo desta metrópole. São Paulo tem a maior população
do país, como já dissemos, com mais de 11 milhões de habitantes11. Além disso, os
municípios limítrofes que compõem a região metropolitana de São Paulo são 38, que elevam a
população para pouco mais de 19 milhões de pessoas12. Estima-se, inclusive, que grande parte
desta população, dos municípios vizinhos, entre diariamente em São Paulo para os mais
diversos fins, sobretudo trabalho.
11 Dados do IBGE 12 Dados do IBGE
26
Mas o que torna São Paulo centro de elevada importância no mundo são também seus
indicadores econômicos: a sexta maior bolsa de valores do mundo encontra-se nesta cidade.
Além de 17 dos 20 maiores bancos13, São Paulo ocupa a décima segunda posição dos destinos
para feiras internacionais. Por conta disto, entram pouco mais de, segundo dados da
SPTURIS14, 11 milhões de turistas, sendo a maior parte destes brasileiros. No total, 56% vêm
para negócios. No que se refere a emprego, 38% das maiores empresas nacionais15 e 63% das
multinacionais em território brasileiro16 possuem, no mínimo, escritórios no município de São
Paulo.
Mas a mesma São Paulo de extremas riquezas, que a tornam esta metrópole
importante, é também uma cidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e
ambientais. Por exemplo, 10% da população vivem em favelas ou cortiços. Um contingente
enorme de pessoas vive em situação de risco eminente, sobretudo em encostas, beira de
córregos e outras áreas que oferecem risco à vida, principalmente em períodos de chuva. A
população em situação de rua é de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo dados da
SMADS17 e tem crescido nos últimos anos sem que se consiga reverter o quadro. Outros
índices, como saúde, também apresentam graves discrepâncias. Enquanto uma consulta pode
levar até 16 dias para ser marcada na rede particular, segundo dados da RNSP18, uma mesma
consulta pode levar até 66 dias na rede pública. E se olharmos a marcação de exames de
média complexidade em diante, esta discrepância aumenta ainda mais, sendo na rede
particular 44 dias e na pública até 178 dias. Além disso, compõe as desigualdades o
desemprego, que atinge mais pessoas pobres e jovens, moradoras de periferia. Por fim, esta
desigualdade é sentida também nos homicídios cometidos, sobretudo na juventude, que se
eleva a patamares epidêmicos, notadamente na periferia.
Já do ponto de vista geopolítico, a cidade de São Paulo é um passo importante para
qualquer partido que tenha anseios de administrar o Estado ou ocupar a Presidência da
República. A administração desta cidade é uma verdadeira vitrine, pois existe uma exposição
midiática grande. Isto se deve à posição estratégica, ou seja, a soma dos 38 municípios ao seu
redor, que faz com que tenha aproximadamente 10% da população do país e, ainda, o terceiro
13 Dados colhidos do site da SPTURIS 14 Empresa Municipal de Turismo (São Paulo Turismo – SPTURIS) 15Ibidem 16Ibidem 17 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social 18Rede Nossa São Paulo - http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf
27
maior orçamento do país. Em orçamento, por exemplo, estimado este ano para pouco mais de
42 bilhões19fica atrás apenas da União e do Estado de São Paulo.
Administrar esta cidade, porém, não tem sido uma tarefa fácil. Desde a nova
Constituição de 1988, a prefeitura de São Paulo já passou por seis diferentes prefeitos, sendo
reeleito apenas Gilberto Kassab (DEM)20. Além disso, diferentes partidos já estiveram à
frente do Executivo Municipal: por duas vezes PT, PPB e DEM; e PSDB uma vez.
1.5. Reformas e Percursos
Conquistada a liberdade e a democracia e instalada a nova Constituição, viria assim a
primeira eleição direta pós-constituinte. Caberia ao então governo eleito o desafio de
reescrever suas Leis Orgânicas Municipais. Estas leis, evidentemente, deveriam ter como
norte a Constituição e incluir, na sua construção, aquilo que inspirara todo o processo de
municipalização do território brasileiro e que representava, inclusive, os anseios da população
desta cidade.
Por conta disto, a Câmara adotou práticas, segundo Whitaker (2002), diferentes de
outros municípios, tanto pela quantidade de vereadores, como também pela dada relevância
do município. Para ele,
Por ser uma tarefa difícil, a maioria das câmaras optaram por uma saída mais fácil: copiar os textos disponíveis. Em muitos municípios, foram copiadas as antigas leis orgânicas de nível estadual ou as que estavam sendo feitas em cidades maiores. Houve também muitos escritórios de advocacia que se propuseram a elaborar e levar para as câmaras municipais propostas de Lei Orgânica, que foram simplesmente adotadas com maiores ou menores modificações. (WHITAKER, 2002, p. 36.)
Para o autor, a importância do município e o elevado número de vereadores foi o que
possibilitou a elaboração da Lei Orgânica de forma tão elaborada, mesmo diante de intensas
disputas.
Evidentemente, este processo de construção da LOM não fora um processo fácil,
havendo muitos embates e confrontos em defesa dos mais diversos interesses, travando a
discussão no Legislativo. Assim, a saída, segundo Whitaker, era estabelecer o mínimo 19Terceiro maior orçamento público país
20Considero reeleito porque ele era o vice-prefeito na gestão de José Serra. Este saiu para assumir o estado de São Paulo, sendo, portanto,
dois anos de administração de Kassab, permitindo a sua reeleição no pleito seguinte.
28
consenso, que seria incorporado à Lei Orgânica pelo seguinte procedimento: colocava-se o
princípio genérico consensual, complementando-o com a frase: “na forma da lei” (Whitaker,
2002).
Este contexto é importante porque, como veremos, este recurso “na forma da lei”
atrasaria futuramente a implantação da LOM em seu conjunto, fazendo com que algumas
coisas tardassem demais ou nunca saíssem do papel. Os principais motivos versam sobre o
desinteresse de alguns temas para os vereadores e/ou prefeito ou mesmo a constante falta de
consenso persistente. A emergência de certos temas e, portanto, a ordem de importância que
ganhavam, também foram impeditivos importantes. Mas, é evidente, o maior deles,
relacionava-se com a desconcentração de poder. Para muitos, descentralizar mexe diretamente
com o poder adquirido por aqueles que o têm, os agentes políticos. Para usarmos um exemplo,
previam-se as obras de recursos elevados e consideráveis impactos ambientais a necessidade
de plebiscito, o que, na prática, nenhum prefeito deseja. Assim, observa Whitaker (2002),
sobre a dificuldade de implantação da LOM:
É este motivo pelo qual as subprefeituras, os conselhos de representantes, o plano diretor, previstos na Lei Orgânica, “na forma da lei” (tardaram a sair do papel – A.S)21... A desconcentração de poder via subprefeitura e conselho de representantes, não corresponde aos interesses dos detentores de poder. A redefinição da forma de crescimento da cidade, por meio do plano diretor não interessa a quem se aproveita das regras vigentes. Para quem está dentro da máquina administrativa, por exemplo, a permanência do atual zoneamento da cidade, totalmente ultrapassado, possibilita que ele seja desrespeitado – através de decisões irregulares – ou mudando – através de alterações legislativas pontuais – se houver uma contrapartida22... (WHITAKER, 2002, p. 39)
Deste modo, gostaria de retomar o espírito já citado durante a criação da LOM, que
previa maior participação e controle social como prerrogativa. Assim, ao menos no artigo 2°,
é possível perceber a participação e controle social:
A organização do Município observará os seguintes princípios e
diretrizes:
I - a prática democrática; II - a soberania e a participação popular; III - a transparência e o controle popular na ação do governo;
IV - o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais;
V - a programação e o planejamento sistemáticos;
21Inclusão minha 22 Este texto é ilustrativo, pois hoje já está em votação o novo zoneamento da cidade.
29
VI - o exercício pleno da autonomia municipal; VII - a articulação e cooperação com os demais entes federados;
VIII - a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX - a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X - a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município;
XI - a preservação dos valores históricos e culturais da população.
Dentre os muitos artigos, dois se destacam por seguirem as diretrizes que
consideramos fundamentais e estão presentes no artigo citado acima, sobretudo os cinco
primeiros. Para nosso estudo, ainda que apenas um deles seja foco de análise, vale citar
brevemente do que tratam. São eles: Subprefeituras e Conselho de Representantes. Nos dois é
possível observar a efetivação da participação e controle social. Vamos rapidamente passar
pelo artigo sobre Conselho de Representantes para, em seguida, nos aprofundarmos um pouco
mais sobre a Subprefeitura, objeto deste estudo. Assim, em seu artigo 4° define-se o Conselho
de Representantes:
“O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões”.
Não será nosso foco de análise e estudo, mas vale ressaltar que esta lei seria
estabelecida apenas em 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, sendo então alvo de uma
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo Ministério Público, em 200523.
A outra lei à qual me refiro tinha como ponto as antigas administrações regionais. Em
seu artigo 77°, previa a criação de Subprefeituras, e tinha em seu bojo:
“A administração municipal será exercida, em nível local, através de Subprefeituras, na forma estabelecida em lei, que definirá suas atribuições, número e limites territoriais, bem como as competências e o processo de escolha do Subprefeito.”
23 A lei não entrou em vigor e está em análise no STF. A ação alega que o Ministério Publico Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (ADIN) contra a criação dos Conselhos sob o argumento de que somente o executivo tem a prerrogativa de criação de cargos na administração.
30
É neste âmbito que nossa pesquisa se realiza. Foram mais de dez anos para que a lei
13.399/2002 fosse implementada e então surgissem as Subprefeituras. Os motivos pelos quais
elas tardaram a existir, compreenderemos mais a frente. Vale dizer que as Subprefeituras já
existiram no passado, mas não na forma em que este projeto de lei se propunha. Para tanto,
vamos conhecer um pouco mais seu processo de criação.
1.6 Das Administrações Regionais às Subprefeituras
Dado o crescimento econômico, sobretudo no período de Juscelino Kubitschek (1956-
1961), a intensa industrialização e o contingente migratório, São Paulo tornou-se uma cidade
de proporções gigantescas, a maior cidade do país e uma das maiores do mundo. Além disso,
em seu território foram registrando-se visíveis diferenças sociais, econômicas e ambientais.
Seu tamanho também ia afastando o governo da localidade e, com isso, as carências iam
aumentando, dada a demora da máquina pública em responder às demandas.
Em 1958, o então prefeito, Wladimir Toledo Piza, cria por meio de decreto 3.270/58
dezenove Subprefeituras, além de instituir a Subprefeitura de Santo Amaro, antigo município
anexado a São Paulo, em 1935 (FINATEC, 2002). Ainda que levasse o nome de
Subprefeitura, seu papel se assemelharia muito mais ao papel das Administrações Regionais.
Vale, porém, destacar que foi José Vicente Faria Lima, em 1960, quem institui por meio da lei
6.882/66 as Administrações Regionais (AR’s), criando sete delas: Sé, Vila Mariana,
Pinheiros, Santana, Penha, Mooca e Pirituba (FINATEC, 2002). Tinham, sobretudo, o dever
de cuidar da zeladoria local. Esses serviços sobremaneira tratavam de: limpeza e varrição das
ruas, manutenção de praças, fiscalização do funcionamento adequado dos estabelecimentos
comerciais, oficiais e ambulantes, autorização para construção e reforma de imóveis
(TEIXEIRA, 1999). Eram fortemente marcadas pela dependência da Prefeitura para quaisquer
ações. Este número também foi crescendo ao longo do tempo, sendo criadas mais quatro em
1972: Campo Limpo, Butantã, Vila Prudente e Itaquera, além de transformar a Subprefeitura
de Santo Amaro em AR (FINATEC, 2002).
As ARs chegaram a ter ao longo de todo o processo 33 unidades até o final do governo
Jânio Quadros. Este elevado número se devia ao desejo da população de contar com o poder
31
público mais próximo e ver ampliado o atendimento de suas necessidades e anseios. Como
podemos ver, no texto de Finatec (2002):
As ARs foram criadas ao longo dos anos por demanda da própria população desejosa de que alguém cuidasse da manutenção de sua região, podasse árvore, tapasse buracos etc. Com todos os problemas existentes, principalmente em virtude de indicações, as Regionais eram o Estado disponível nesses setores da cidade. Embora tenha havido um componente de clientelismo ligado a políticos conservadores, as ARs respondiam à necessidade real da cidade que, por ter crescido, precisava manter o poder público mais próximo dos cidadãos. (FINATEC, 2004, p. 36-37)
Diante deste cenário, Jânio Quadros reintroduziu as Subprefeituras (5), mas como
órgão controlador das 33 ARs. Os subprefeitos já eram escolhidos pelo prefeito (FINATEC,
2004).
É neste cenário que ganha força o projeto de Subprefeitura, cuja retomada caberia à
então prefeita eleita Luiza Erundina. Este era um projeto claramente nascido do desejo de
aproximar o cidadão do poder público e, portanto, “dar maior poder de planejamento e
decisão às instâncias locais e melhorar significativamente a prestação do serviço à
população.” (FINATEC, 2004).
Para dar conta deste processo, segundo Martins (1997):
foi criada a Secretaria Especial da Reforma Administrativa, que deu, então, início a seus trabalhos, partindo de uma estrutura municipal que contava com dezessete Secretarias e vinte Administrações Regionais. A proposta a ser elaborada deveria atender aos propósitos de democratização e eficiência, com uma estrutura e modo de funcionamento organizados da ótica do usuário, a partir de suas necessidades, ou seja, estabelecendo a estrutura a partir dos serviços a serem produzidos e disponibilizados. (MARTINS, 1997, p. 1)
Na proposta apresentada pela prefeita Luiza Erundina (PT), seriam criadas treze
subprefeituras, entendidas “como unidades integradoras, com orçamento próprio e autonomia,
responsáveis pelo planejamento e execução do conjunto de serviços num território claramente
definido” (MARTINS, 1997). Mas o número de Subprefeituras foi o grande centro do debate
da descentralização, pois o número de habitantes nas divisões territoriais propostas variava
muito, entre 400 mil e 1,5 milhão de habitantes (FINATEC, 2004). Além disso, outro
problema estava relacionado à capacidade orçamentária dada a cada uma das Subprefeituras.
Essa equação era de difícil solução, como podemos ver nas palavras de Martins (1997):
32
Assim, se por um lado, para assegurar a proximidade da Administração à população se mostrava necessário que as agregações fossem de pequeno porte em área e população, por outro, para que se viabilizassem Subprefeituras efetivamente consistentes e com poder de decisão e ação, elas deveriam ser em número reduzido. Nesses termos, para conciliar ambas as necessidades a proposta optou por subdivisões político-administrativas maiores e mais consistentes do que as Administrações Regionais (13 Subprefeituras), abrangendo módulos pequenos de organização do trabalho e prestação de serviço - equipes multidisciplinares. Isso lhes permitiria uma percepção ágil das demandas populares e atendimento mais adequado às características próprias de cada região. (MARTINS, 1997, p. 2)
Estas questões levaram a muitas dúvidas dentro do próprio governo. Pela demora na
criação do consenso, o projeto foi enviado somente no último ano de governo da então
prefeita para a Câmara. Lá, sem base de sustentação, não avançou. Portanto, ainda que se
tenha reduzido a 20 ARs as anteriores 33, não houve avanço na Lei das Subprefeituras.
Desta forma, eleito o novo governo, de Paulo Maluf, o projeto foi arquivado. E as ARs
continuaram como moeda de troca da base governista para compor sua base de sustentação.
Vale ressaltar que Paulo Maluf ainda criaria mais seis ARs, perfazendo ao todo 26 em seu
governo, aumentando ainda mais sua capacidade de articulação e troca de apoio.
Ainda que não tenham sido implantadas as Subprefeituras, houve sim alguns avanços
interessantes. Um deles é que as ARs recuperaram prestígios, pois passaram a controlar parte
do orçamento, com incorporação de serviços de coleta de lixo e pavimentação. Assim, por
exemplo, a AR de Capela do Socorro tinha um orçamento anual de 30 milhões de reais
(FINATEC, 2004).
1.7 A criação das Subprefeituras
Na gestão de Celso Pitta foi criada mais uma AR e, ao final de seu governo, proposta
uma nova tentativa de emplacar com a descentralização, prevista na Lei Orgânica. Era o
chamado Posto Avançado, no qual haveria quatro Subprefeituras (norte, sul, leste e oeste) que
as controlariam. Mas este projeto fracassou, sobretudo porque era absolutamente técnico e
desconsiderava fatores políticos, culturais ou mesmo diferenças regionais (FINATEC, 2004).
Além disso, desgastado com os casos de corrupção presentes em seu governo, faltava-lhe
sustentação política para a aprovação do projeto.
33
Seria então no governo da Marta Suplicy que entraria em vigor a lei 13.399/02 que
instituiria a criação das Subprefeituras, determinando seus limites territoriais e definindo os
papeis dessas instâncias locais, como prevêem os artigos abaixo:
Art. 3º - A Administração Municipal, no âmbito das Subprefeituras, será exercida pelos Subprefeitos, a quem cabe a decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local, respeitada a legislação vigente e observadas as prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal.
Art. 4º - As Subprefeituras, órgãos da Administração Direta, serão instaladas em áreas administrativas de limites territoriais estabelecidos em função de parâmetros e indicadores socioeconômicos.
Para criação das 31 Subprefeituras existentes, era necessário definir critérios que
garantissem o desenvolvimento local e atendessem os anseios da população local. Ou seja,
considerar o universo característico de cada região e acompanhar diretamente cada uma delas
para potencializar seu dinamismo. O número de Subprefeituras gerou enormes críticas, mas
cada uma possui população aproximada de 400 mil habitantes, maior que a imensa maioria
dos municípios, como vimos anteriormente. Para definir cada Subprefeitura, foram
considerados os seguintes critérios:
nenhuma subprefeitura deveria ter população maior de 500 mil habitantes, salvo pequenas exceções, a necessidade de subprefeituras nas áreas periféricas e de exclusão social, respeito aos limites dos distritos, proximidade geográfica e existência de barreiras físicas, existência de pólo comercial e de serviços, respeito a identidade política e cultural; atenção às áreas de preservação e de mananciais e, finalmente, combinação de áreas desenvolvidas com áreas precárias, incentivando o desenvolvimento regional. (FINATEC, 2004, p. 45)
Desta forma, foram criadas, conforme o artigo 7°, as seguintes subprefeituras e seus
respectivos distritos:
34
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=14894
Essas subprefeituras criadas e instituídas eram diferentes dos modelos anteriores,
porque previam mais descentralização e forte participação local, sobretudo porque as duas
gestões anteriores (Maluf e Pitta) foram marcadas pelo sucateamento das ARs e também pelos
escândalos de corrupção. Diante disto, as Subprefeituras, respeitando seus limites territoriais,
tinham o que se segue como atribuições definidas no artigo 5°:
I - constituir-se em instância regional de administração direta com âmbito intersetorial e territorial;
II - instituir mecanismos que democratizem a gestão pública e fortalecer as formas participativas que existam em âmbito regional;
35
III - planejar, controlar e executar os sistemas locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central da administração;
IV - coordenar o Plano Regional e Plano de Bairro, Distrital ou equivalente, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico da Cidade;
V - compor com Subprefeituras vizinhas instâncias intermediárias de planejamento e gestão, nos casos em que o tema, ou o serviço em causa, exijam tratamento para além dos limites territoriais de uma Subprefeitura;
VI - estabelecer formas articuladas de ação, planejamento e gestão com as Subprefeituras e Municípios limítrofes a partir das diretrizes governamentais para a política municipal de relações metropolitanas;
VII - atuar como indutoras do desenvolvimento local, implementando políticas públicas a partir das vocações regionais e dos interesses manifestos pela população;
VIII - ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços locais, a partir das diretrizes centrais;
IX - facilitar o acesso e imprimir transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos;
X - facilitar a articulação intersetorial dos diversos segmentos e serviços da Administração Municipal que operam na região.
Parágrafo Único - As diretrizes mencionadas nos incisos III, IV, VI e VIII deste artigo serão fixadas pela instância central de governo, mediante elaboração de políticas públicas, coordenação de sistemas, produção de informações públicas e definição de política que envolva a região metropolitana, ouvidas as Subprefeituras.
Para dar conta de toda a nova dinâmica e da descentralização prevista, era necessária a
criação de uma nova estrutura organizacional, que desse dinamismo e pudesse ter autonomia
suficiente para alcançar os objetivos. Desta forma, ficavam as Secretarias existentes com o
papel de desenvolver políticas e acompanhar sua implementação, garantido uniformidade
nesta, e as Subprefeituras com o papel de garantir a execução no seu respectivo território.
Para tanto, em 2003, em dezembro, foi enviado um projeto complementar 13.682,
criando a estrutura da Subprefeitura. Foram criados, além do cargo de Subprefeito, os
seguintes: chefia de gabinete do subprefeito e assessores diretos; e as seguintes
coordenadorias: Assistência Social e Desenvolvimento, Planejamento e Desenvolvimento
Urbano, Manutenção da Infraestrutura Urbana, Projetos e Obras, Educação, Saúde e
Administração e Finanças.
Cada uma destas áreas, além do Subprefeito e seus assessores, recebeu destacadas
atividades para efetivar o poder local, como previa o projeto. Conforme lista elaborada a
partir da Finatec (2004) percebe-se a importância de cada uma destas Coordenadorias, além
do papel do Subprefeito, como veremos abaixo.
36
Ao Subprefeito cabe a decisão, direção, a gestão e o controle dos assuntos municipais
em nível local. Ele deve representar política e administrativamente a prefeitura na região.
A Coordenadoria de Assistência Social e Desenvolvimento (CASD) responde pela
implantação e execução das políticas públicas de inclusão e promoção nas áreas de
Assistência Social, Trabalho, Segurança Alimentar, Habitação, Esporte, Lazer e Cultura;
coordena, propõe, articula e participa de projetos integrados de Ação Social e
Desenvolvimento no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (CPDU) é responsável
pela implantação e execução das políticas municipais e ações nas áreas de Controle e Uso do
Solo e Licenciamento, Fiscalização e Planos de Desenvolvimento Sustentável (Habitacionais,
Ambientais, de Transporte, Urbanísticos e de Uso do Solo) no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Manutenção e Infraestrutura Urbana cuida da implantação e
execução das políticas municipais e ações de Limpeza Pública e Manutenção e Reparos no
âmbito da Subprefeitura; coordena, propõe, articula e participa de ações integradas de
Manutenção da infraestrutura.
Cabe à Coordenadoria de Projetos e Obras responder pela implantação dos Projetos e
Novas Obras no âmbito da Subprefeitura; assegurar a execução e integração das atividades
das Divisões de Próprios e Edificações, Drenagem, de Viários e Urgências Urbanas de acordo
com a legislação, com as políticas públicas e diretrizes fixadas; assegurar a elaboração de
projetos e a implantação de obras em conformidade ao Plano Regional da subprefeitura.
À Coordenadoria de Educação cabe responder pela implementação da Política
Municipal de Educação no âmbito da Subprefeitura; elaborar o Plano Anual e o Plano
Plurianual da coordenadoria; assegurar a produção e disponibilização de informações sobre as
ações da coordenadoria internamente e ao conjunto da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Saúde é responsável pela implantação da Política Municipal de
Saúde no âmbito da Subprefeitura; elabora e implanta o Plano de Gestão Local da Saúde
(anual e plurianual); assegura a implantação e acompanhamento das ações de avaliação e
controle do SUS no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Administração e Finanças deve ser responsável por todas as áreas
de pessoal e orçamentária da Subprefeitura. Dessa forma, cabe a ela responder pela
implantação e execução das políticas municipais nas áreas de Administração, Gestão de
Pessoas, Suprimentos e Finanças no âmbito da Subprefeitura.
37
Todo o processo de criação do projeto de Subprefeitura, como também toda a
arquitetura da descentralização e o envio das equipes para as Subprefeituras seriam dignos de
um estudo, mas foge ao escopo deste trabalho.
Vale ressaltar ainda que, novamente, o processo da descentralização e das
Subprefeituras perpassa de uma gestão para outra, em governos opositores. Com isso, imposta
a derrota na tentativa de reeleição da Prefeita Marta Suplicy, seu sucessor, José Serra e o
posterior, Gilberto Kassab, adotam outros caminhos para as Subprefeituras. Primeiro, tirando-
as da rota principal de seus governos e, segundo, tomando decisões e caminhos
diametralmente opostos aos que haviam sido criados com a então prefeita Marta Suplicy.
Para efeito de comparação, se Paulo Maluf e Celso Pitta ignoraram a necessidade de
criação das Subprefeituras e aumentaram as ARs e seu poderio de barganha política,
entregando-as a suas bases de apoio no legislativo. José Serra e Gilberto Kassab tomaram
outro caminho, mesmo com as Subprefeituras já instaladas: promoveram o esvaziamento das
Subprefeituras como instância de governo local e sua autonomia. Abaixo alguns dos
principais pontos que levaram ao desmonte da proposta original de Subprefeitura:
• Redução das Coordenadorias, sobretudo em Educação, Saúde e Assistência Social.
Para a primeira, foram, conforme decreto 45.787/05, de 31 para 13 e a segunda e
terceira para 5 das 31 existentes. Isto significou dividir a base territorial de cada
Subprefeitura, em relação às coordenadorias. Ou seja, cada coordenadoria teria um
recorte diferente, por sua conveniência. Assim, as coordenadorias de Saúde e
Assistência Social, cada uma com sua própria base geográfica, e que não se
comunicam entre si. Na Coordenadoria de Educação, por exemplo, encontram-se 4
subprefeituras (Vila Mariana, Sé, Vila Prudente e Ipiranga) das regiões leste, sul e
centro.
• Redução do poder de participação local nas Subprefeituras, fortalecida, sobretudo pela
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
• Centralismo Orçamentário; o orçamento da prefeitura aumenta 154% de 2005 para
2012, mas as verbas para as subprefeituras tiveram um acentuado declínio, reduzidas
ao longo desse período (2005-2012) em 61%.
• Redução das Subprefeituras ao serviço de Zeladoria, com abandono de funções de
desenvolver as potencialidades locais. Ainda assim, o orçamento esteve concentrado
38
em poucas Secretarias nos últimos anos: Infraestrutura e Obras, Desenvolvimento
Urbano, Planejamento e Coordenação das Subprefeituras.
• Alguns dos serviços devolvidos ou mesmo executados por Subprefeituras não
possuem recursos para execução, por exemplo, o emplacamento de ruas.
• Outro dado importante refere-se às equipes presentes nas Subprefeituras. Além do
desinteresse dos servidores, dada a intensa descontinuidade de políticas, há também a
falta de quadros pelos mais diversos motivos, sendo baixos salários e aposentadoria os
principais. Com isto, há uma enorme carência de quadros competentes, sem reposição
há alguns anos. Para ilustrar, podemos usar como exemplo os Agentes Vistores. Em
1992 eram aproximadamente 1200 para a cidade toda; atualmente resumem-se ao
número de 320 pessoas em atividade24.
Destas observações acima podemos concluir que os Subprefeitos possuem menos poder
do que na época das Administrações Regionais da prefeita Luiza Erundina. Com os recursos
bloqueados e escassos e com as coordenadorias suprimidas, as subprefeituras são apenas (e
péssimas) zeladorias.
O assunto Subprefeitura continua, porém, a suscitar debates importantes sobre a
descentralização, participação e as formas de governo da cidade. Como vimos, as
Subprefeituras foram instituídas como instâncias que pudessem lidar com desafios locais que
necessitam de ações concretas e singulares em cada região.
Por isto, no próximo capítulo, adentraremos a Subprefeitura Sé, entendendo suas
particularidades e desafios, internos e externos, que a justificam como a subprefeitura mais
importante da cidade.
24 Informações do Sindicato dos Agentes Vistores da Prefeitura Municipal de São Paulo.
39
2. A Subprefeitura Sé: território de Contrastes
2.1 Caracterização do Território
A Subprefeitura Sé foi criada em 1973, quando seu nome ainda era Administração
Regional (AR), até ser alterado em 2003. Esta Subprefeitura é das mais importantes da cidade,
por concentrar a maior parte dos bens culturais do município25. Possui em toda sua extensão
26,2 km² de área. Além disto, é também no centro que grande parte da população se desloca
cotidianamente, para o trabalho ou à procura dele, ao comércio, eventos culturais e uma
infinidade de serviços prestados pelos mais diversos órgãos ali presentes. Não à toa que em
sua localidade encontram-se 17 linhas de metrô e circulam aproximadamente 3,5 milhões de
pessoas/dia.
Os distritos componentes da Subprefeitura Sé são oito: Bela Vista, Bom Retiro,
Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Sé e República, como podemos ver no mapa
abaixo:
Fonte:http://www.encontrahigienopolis.com.br/higienopolis/
25Aqui entendidos como produção simbólica e material produzida ao longo do tempo
40
O distrito Sé é onde se encontra o centro velho da cidade e de onde a cidade se
expandiu para o novo centro, a República - como é possível perceber pela figura acima-, e aos
seus demais distritos, ao longo do século XIX. Como áreas importantes do distrito Sé,
podemos citar: área do Mercado Municipal, onde também se encontram a zona cerealista e a
25 de março, uma das principais áreas de comércio do centro e do país. Além disso, há o
Parque Dom Pedro, a Catedral da Sé, o Pátio do Colégio, o Triângulo histórico26 e outras
áreas como, por exemplo: Largo do São Bento e Largo do São Francisco. É uma área rica em
bens materiais tombados; existem atualmente 26, sem levar em conta os que estão em
processo de tombamento27.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21547
26 Compreendem-se as ruas: XV de novembro, Direita e São Bento. E como referências de vértices estão as igrejas: Sé, do Carmo, São Bento e São Francisco. 27 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras.
41
A República, centro expandido a partir da inauguração do primeiro viaduto do Chá,
em 1892, comporta o chamado centro novo e possui características mais diversas. Coexistem
moradias e comércios e estão inseridos em seu território: Câmara Municipal, Palácio dos
Correios, Teatro Municipal, Praça da República, Avenidas Ipiranga e São João e o boêmio
Largo do Arouche. Além disso, a Rua Santa Ifigênia, que se especializou no comércio de
produtos eletrônicos.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=29255
Os outros bairros, expansão do centro (velho e novo), também foram construindo a sua
história ao longo do tempo e cada um com suas particularidades, como poderemos
acompanhar nas descrições que seguem sobre eles.
42
O distrito da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que, segundo o DPH28,
ainda guarda inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do
solo29, ou seja, preserva características originais iniciadas no período de expansão do centro,
ao final do século XIX. Por conta disto, estas localidades são tombadas, por ser caracterizado,
segundo documento de tombamento, “o grande número de edificações de inegável valor
histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo” e, continua, “mescla dos usos residencial,
cultural, comercial e de serviços especializados”. Além disso, observam-se neste distrito
inumeráveis cantinas e teatros, que fazem parte da história local. Este bairro é considerado,
segundo o mesmo documento, um bairro de elevado potencial turístico no âmbito nacional.
Neste distrito está a Av. Paulista um dos principais centros econômicos da cidade e do país.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=22398
28 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras 29http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/49c99_22_T_Bairro_da_Bela_Vista.pdf
43
O distrito do Bom Retiro é atualmente conhecido como complexo das artes, por ter em
seus limites o bairro da Luz, que concentra diversos pontos de interesse, como: Pinacoteca,
Museu da Língua Portuguesa, Sala São Paulo, Orquestra Sinfônica e o Jardim da Luz. O
distrito é também famoso pelo comércio de moda. Estão ali confecções e tecelagem,
sobretudo, nos tempos atuais, dominadas por coreanos. A história deste distrito começa pela
concentração de indústrias que, ao longo dos anos, foram dando lugar às atuais confecções. É
ainda um bairro permanentemente de população árabe, ainda que agora estejam presentes
também os coreanos.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=35594
O Cambuci talvez seja o distrito que menos preserve características centrais e tenha
características mais parecidas com as de bairro (e neste sentido se aproximaria muito mais dos
distritos da Subprefeitura Vila Mariana). Aqui existe uma pequena área de concentração, onde
se encontram comércios e serviços, localizadas, sobretudo nos arredores do Largo do
Cambuci, Rua dos Lavapés, Independência e Avenida Lins de Vasconcelos. Recentemente,
por conta desta característica, o bairro passou por uma supervalorização imobiliária, sendo
tomado por incorporadoras.
44
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21962
A Consolação é o distrito de melhores condições econômicas e sociais de todos os
citados. Lá estão localizados bairros como a Vila Buarque, Pacaembu e o famoso
Higienópolis, bairro criado no início do século XIX, que obedecia a ideais higienistas30. Suas
ruas são arborizadas e largas. Além disso, conta com “diversidade estética das edificações,
inspiradas em modelos europeus, representa novas formas de morar da burguesia urbana”.
Conta também com algumas das mais importantes universidades brasileiras, como a
Universidade Mackenzie, a Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), a Pontifícia
Universidade Católica (PUC) e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Dos
equipamentos públicos localizados neste distrito sobressaem-se o estádio do Pacaembu e as
bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além deles, dos 39 imóveis tombados,
destacam-se: Fundação Escola de Sociologia e Política, Cemitério da Consolação, Instituto
Mackenzie e o teatro Cultura Artística.
30 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras
45
Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=26765
Na Liberdade está concentrada a colônia japonesa, que ocupou o bairro com maior
intensidade a partir de 1970. É um bairro misto entre moradias modestas e comércios. Nos
tempos atuais há outras colônias orientais, compostas de chineses e coreanos. Também se
encontram neste distrito a baixa do Glicério, área pouco mais degradada e a Aclimação31,
pouco mais conservada e com características de bairro. Vale ressaltar que no Glicério
concentraram-se alguns empreendimentos fabris em tempos não muito longínquos. Existem
também alguns patrimônios tombados, sendo dos dez existentes, a Capela dos Aflitos a mais
conhecida.
31A Aclimação é geralmente ligada ao distrito do Cambuci, mas como aponta o mapa, pertence ao distrito da Liberdade.
46
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=20429
Em Santa Cecília, distrito nascido no período industrial, encontramos diversidade de
ocupação e uso. Em seu território é possível observar residências de médio e grande porte,
sobretudo nos Campos Elíseos. Além disso, caracterizou-se como bairro fabril e operário,
com pequenas manufaturas e grandes fábricas, sobretudo na várzea da Barra Funda. Por fim, o
distrito caracterizou-se, no bairro de Santa Cecília, por moradias modestas, unifamiliares e
coletivas. Dos dezesseis imóveis tombados, destacam-se como mais conhecidos o DOPS e a
Estação Júlio Prestes.
47
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=28611
Como se pode observar, cada um destes distritos possuí uma diversidade enorme no
que se refere a sua caracterização, formação, condição econômica e geográfica, além da sua
riqueza material e simbólica. Ainda que diversas, estas características os aproximam,
tornando-os distritos centrais. Ao mesmo tempo em que existem estas diversas riquezas
citadas, existem também os enormes desafios sociais que coexistem e que demandam um
olhar atento e minucioso. Por isso, neste sentido, vale analisar um pouco mais outros aspectos
característicos desta subprefeitura e destes distritos.
Nesta região moram, segundo dados do último senso do IBGE, 435 mil pessoas32,
divididas nos distritos da seguinte maneira: Bela Vista (16%), Bom Retiro (8%), Cambuci
(9%), Consolação (13%), Liberdade (16%), República (13%), Santa Cecília (19%), Sé (5%).
Se olharmos o perfil do público por faixa etária, temos a seguinte configuração: de 0 aos 9
anos (9%), dos 10 aos 14 anos (5%), dos 15 aos 19 anos (5%), dos 20 aos 29 anos (21%), dos
30 aos 59 anos (44%) e dos 60 anos em diante (16%). Como podemos ver é uma população 32 IBGE, Senso 2010
48
eminentemente adulta e jovem, que compõe o perfil dos moradores desta região, ou seja, 65%
da população têm idade entre 15 e 59 anos de idade. Mas, ao mesmo tempo, é considerável a
população idosa dessa localidade e que demanda atenção e cuidados especiais.
A área central concentra grande parte dos equipamentos culturais, particulares e
públicos. Por exemplo, há no centro 53das 332 salas de cinema da cidade, 136 das 254 salas
de teatro, 33 de 93 Centros Culturais, Casas de Cultura e Espaços Culturais, 38 dos 124
museus33. Por estes dados é possível observar não só a concentração dos equipamentos, mas
também a distribuição desigual, em relação à cidade. Com esta concentração, é possível
perceber a efervescência do centro e toda a ocupação que se dá nesta região por grupos e
coletivos que expressam suas manifestações culturais e artísticas. Além disso, outras áreas do
centro, como o Vale do Anhangabaú e Avenida Paulista, recebem os grandes eventos da
cidade aberto ao público. Dentre estes eventos podemos citar, por exemplo, o Réveillon, a a
Virada Cultural, a Parada Gay e a corrida de São Silvestre.
Neste território também se encontram alguns dados sobre trabalho, emprego e renda
interessantes. Por exemplo, 17,8% dos empregos da cidade se localizam nos distritos desta
Subprefeitura34. Isto significa, em números, pouco mais de 712 mil empregos formais35, sendo
a área que mais emprega na cidade, acompanhada apenas por Pinheiros, que emprega
aproximadamente cem mil pessoas a menos. A terceira, para dar ideia do abismo, aproxima-se
de 490 mil pessoas. Nem é preciso citar o impacto disto, qual seja, a concentração das pessoas
durante o dia na região. Ainda neste universo temos como dados: 20% do total de empregos
formais pagam entre meio e um salário mínimo e meio, e na outra ponta, 22% recebem entre
quinze e vinte salários mínimos. Estes números demonstram o quanto esta região é
economicamente rica.
Outro fator importante é que no centro se localizam quase todas as secretarias
municipais, além de inúmeras autarquias, empresas públicas e secretarias estaduais. Ora, isto
é um fator determinante na valorização e ocupação do centro, mas também um agente
facilitador na construção de políticas, programas e projetos, já que se podem acessar
prontamente outros órgãos, entes e pessoas em poucos minutos, acelerando tomadas de
decisões importantes bem como o início de novos processos e operações.
33Estes dados colhidos em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br
34 IBGE, Senso 2010. 35Exclusive Administração Pública
49
2.2 Populações Vulneráveis
Vimos até agora os atrativos do centro, sua concentração cultural e de algum modo sua
riqueza e importância financeira. Mas não é só disto que ele é feito. Ao olharmos
detidamente a população no território, nos extratos mais pobres, os números também
impressionam, mas negativamente. Há uma população que quase escapa aos números do
IBGE e, em muitos casos, da própria política municipal. Para mostrar a dimensão do que
falamos, basta tomar conhecimento da população na região central que vive em extrema
adversidade. Pouco mais de 7 mil pessoas recebe até meio salário mínimo36, segundo dados
do Senso/IBGE 2010. Estão distribuídos da seguinte forma, por número de pessoas: Bela
Vista (819), Bom Retiro (1243), Cambuci (636), Consolação (530), Liberdade (939),
República (1375), Santa Cecília (958) e Sé (670).
Os moradores em situação37 de rua, acolhidos e não acolhidos, também estão presentes
nessa região da cidade, compondo 55% de todo o contingente no município. Constituem-se
por: pessoas em situação de rua e em situação de rua com uso de substâncias químicas,
migrantes e imigrantes, egressas do sistema prisional, vítimas de violência doméstica, sexual e
de tráfico de pessoas. São ao todo 6832 pessoas, segundo o último senso realizado em 201138.
Destes atuais, pouco menos da metade está acolhida por algum programa (3747 pessoas).
Vale dizer que as novas modalidades de abrigo das pessoas em situação de rua criam tensão
entre as associações de moradores e a Subprefeitura, mas não trataremos disto agora. Apenas
para registro, os moradores em situação de rua não se cobrem apenas com papelões e
cobertores velhos, como se costumava registrar. Atualmente uma nova modalidade de abrigo
tem sido disseminada, que é o uso de barracas de camping. Portanto, além dos lugares
tradicionais - baixa de viadutos e marquises-, estas pessoas têm montado suas barracas
também em praças, canteiros centrais e áreas verdes, deixando, em muitos casos, essas
barracas armadas o dia todo. Além disso, o próprio perfil do morador de rua alterou-se ao
longo dos anos. Nos últimos anos não é a falta de emprego que leva as pessoas à rua, mas a
quebra do vínculo familiar e o uso de substâncias químicas, e nessa população tem-se
infiltrado o tráfico de drogas. Para se ter ideia, um levantamento feito pela SMADS aponta 24
pontos viciados na região, ou seja, em que as barracas ficam montadas quase que
36 Dados do Senso/IBGE, 2010 – Fontes retiradas de SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) 37Definição dada por SMADS: pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de
viadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, assim como aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em centros de acolhida ou abrigos. 38 Este senso é realizado a cada dois anos, no segundo semestre. Foi realizado, em 2011, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
concentra a maior parte dos moradores em situaçã
Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
coletivas multifamiliares, presente
Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
desejo do proprietário. Ainda que exista a Lei Moura
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
abaixo:
Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
39 Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
concentra a maior parte dos moradores em situação de rua, predominantemente não acolhidos
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
presentes nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura
Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de habitação
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
inda que exista a Lei Moura39 e tenham-se reconfigurado as suas
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive,
Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços 50
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
, predominantemente não acolhidos.
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura
ção, higiene, ventilação,
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
se reconfigurado as suas
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, uma
51
Ao todo são 657 cortiços na Subprefeitura Sé em funcionamento, distribuídos da
seguinte forma: Bela Vista (158), Bom Retiro (77), Cambuci (51), Liberdade (131), República
(62), Santa Cecília (143) e Sé (41). Estima-se que, segundo dados da SMADS40, 7706 pessoas
encontram-se nas condições já citadas: precárias e insalubres.
Ainda no que se refere às condições de moradia no centro, podemos citar as
ocupações, entendidas como espaços vazios e/ou abandonados, sobretudo prédios públicos
e/ou particulares, ocupados pelos movimentos de moradia na região central. São
aproximadamente 49 prédios ocupados, com aproximadamente 50 famílias em cada um
deles41, perfazendo um total de 2450 famílias. São aproximadamente 8300 pessoas em
moradias sem as condições adequadas de habitação. Além disso, muitas delas estão ocupando
locais que oferecem risco à vida, por problemas elétricos e estruturais nos prédios. Ainda é
possível observar que muitas delas estão em risco eminente de reintegração de posse.
Por fim, existe na área central a Favela do Moinho, a única do centro e que abriga
atualmente 450 famílias. O terreno é uma antiga fábrica de farinha e é cortada por um viaduto
e a linha de trem. Existe hoje um impasse entre população e governo municipal no que se
refere à ocupação local. A prefeitura pretende remover as famílias para programas
habitacionais e uma parte da comunidade pretende a urbanização da área.
Na área da Saúde os números são ainda mais controversos, como citava anteriormente.
Na Sé existem 34 hospitais e ao todo 5763 leitos, destinados para sua população residente,
uma média considerada positiva na distribuição população x leitos (coeficiente de leitos gerais
13,08). Porém, apenas dois destes hospitais são públicos e oferecem nos leitos 277 vagas42.
Para dar uma ideia do déficit em saúde no centro, ainda em equipamentos de saúde, faltam,
para a Atenção Básica, 17 UBS43. Há ainda a ausência de UBS em dois distritos: Liberdade e
Consolação44.
Ainda na Saúde existem outros desafios que compõem este diagnóstico. Por exemplo,
a população idosa45 do centro gira em torno de 16%46 de toda a população. Para esta faltam
políticas claras na região central e também há a ausência de programas que possam atender
esta demanda de forma devida. São apenas, a título de exemplo, três equipes no PAI
40 SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) 41 Projeções feitas por técnicos urbanistas da Prefeitura Municipal de São Paulo 42 Não considero que alguns destes hospitais particulares tenham convênios e atenda a população de forma gratuita. Isso aumentaria a quantidade de leitos considerados públicos, mas ainda assim será, seguramente, aquém do necessário. Importante dizer que por ter dificuldade de acesso a estes dados não foi possível precisar o dado. 43 Unidade Básica de Saúde (UBS): local onde se realizam atendimentos básicos e gratuitos e faz encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. 44 São ao todo 9 UBS na Subprefeitura Sé. 45 Consideramos conforme define o Estatuto do Idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 46 Projeção Populacional por Faixa Etária e Sexo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU- Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.
52
(Programa de Acompanhamento ao Idoso) e não há, outro exemplo, transporte sanitário para
esta população. Ora, o sofrimento mental, álcool e drogas e violência são desafios que estão
presentes, perfazendo em torno de 10% de toda população de rua da cidade; estão presentes
massivamente no centro.
Por fim, outros segmentos populacionais presentes no centro oferecem desafios e
precisam de tratamentos diferenciados, como a população imigrante, migrante e os egressos
do sistema prisional. E da mesma forma as pessoas vítimas da violência e exploração sexual e
tráfico de pessoas.
Na educação os números também são consideráveis. Existem na região
aproximadamente 60 instituições de ensino entre conveniadas e próprias da prefeitura, desde
creche ao ensino de jovens e adultos, passando pelo ensino fundamental. São ao todo,
oferecidas 12.559 vagas, tendo aproximadamente um total de sobra de vagas de 10%. Ao
detalharmos um pouco mais as vagas existentes, percebe-se que destes 10% há uma parte
considerável que se refere ao ensino de jovens e adultos, mas também é possível ver vagas em
ensino fundamental em certas regiões, como na Bela Vista, Sé e Liberdade. Nestas regiões a
soma total de vagas em aberto chega a 414. A região possui em cadastro 384 pessoas:
portanto, ainda sobrariam 30 vagas. Existe um problema de distribuição das vagas nessa
região e também de alternativas que possam dirimir esta diferença. Ou seja, algumas escolas
têm vacância, enquanto outras sofrem por falta de vagas. Mas a maior demanda por vagas está
nas creches. Existem hoje, 2.676 vagas para este modalidade de ensino e seu preenchimento é
superior a 97%. A demanda, ou seja, o número de cadastros existentes chega a 1.625 até o
último registro considerado para este estudo. É impossível dar conta desta demanda sem a
construção de novos convênios e a instalação de novas creches. Vale dizer que, por haver
carência de equipamentos em certas regiões, as mães não fazem cadastro de seus filhos e, por
isso, há uma demanda reprimida, que aumentaria ainda mais o contingente reserva.
Os dados de segurança do centro também demandam atenção, pois são alarmantes e
apontam alguns desafios a serem enfrentados. Certamente as apreensões por comércio
irregular e ambulante são os que mais evidenciam a Sé, mas não é só isso o que configura a
região. No último julho de 2013, foram registrados seis estupros num total de 72 na cidade.
Evidentemente, imagina-se um número maior de ocorrências por toda cidade, sem que as
vítimas prestem queixas. Ainda assim, estes seis ocorridos colocam a Sé entre as
Subprefeituras com maiores índices, representando quase dez por cento dos crimes ocorridos
na cidade. Quando o assunto é crime contra o patrimônio, a Sé toma a liderança. Os números
53
para Roubos Outros são 1.725 registrados. Furtos Outros chegam a 4274 e Furto de Veículos
foram 434 nesta região. Há de se registrar que o fato de as delegacias não respeitarem os
limites dos distritos e Subprefeituras dificulta o levantamento exato dos crimes, mas ainda
assim a variação para alguns crimes é pequena, não alterando, por exemplo, a liderança da
Subprefeitura Sé, para algumas ocorrências no rearranjo das delegacias.
Além dessas áreas de forte incidência no território, no que se refere aos temas sociais
de predominância das secretarias de assistência e desenvolvimento social, saúde, educação,
segurança e habitação, há outras atividades de forte impacto na vida dessa Subprefeitura.
2.3 Zeladoria
O centro também é caracterizado pela presença de inúmeras áreas verdes, entendidas
aqui como: praças, canteiros centrais e áreas gramadas/ajardinadas. Além destas, ainda que
não componham áreas verdes, estão os largos e as áreas sob os viadutos, sendo que estas
últimas exigem outra complexidade de tratamento. Excluindo estas últimas, temos na região
central 159 áreas verdes, incluindo os largos, e, portanto, 131 praças. Os distritos com mais
praças são: Consolação e República, com 17 cada uma e Sé com 15. Aqui não estão
consideradas as árvores, que se estimam acima de 30 mil, sendo que, pela mesma estimativa,
a maior parte delas está em risco eminente de queda, necessitando de poda ou remoção.
Por fim, na conservação há ainda os baixos de viadutos, que são áreas sob viadutos,
pontes e elevados e que precisam ser limpos, conservados e vistoriados regularmente. Na
região central existem ao todo 7247 estruturas com estas características, sendo ocupáveis
aproximadamente 4948. Um exemplo é a Ponte Orestes Quércia, conhecida como mini
Estaiada, ocupada por, no último levantamento feito até este estudo49, 150 famílias. O baixo
do viaduto não é um tema de fácil solução, pois nessas áreas constam, por exemplo,
cooperativas de recicláveis, estacionamentos, pontos de tráfico, pessoas em situação de rua e
em uso de químicos, escolas de samba, sacolões etc. Além do precário estado de conservação
da maior parte, estes ainda trazem muita insegurança à população do entorno. Vale dizer que,
47 Levantamento realizados pelos técnicos do Gabinete da Subprefeitura Sé 48As não ocupáveis referem-se a áreas onde passam rios ou córregos. 49 Levantamento feito para cadastramento das famílias a serem inclusas e programas sociais da Secretaria Municipal de Habitação.
54
conforme o decreto 48.378/200750, que regulamenta o uso de baixo do viadutos, algumas das
atividades realizadas são irregulares.
Dentre todas estas questões há ainda os canais de comunicação com o munícipe, que
são os serviços 156, feito por central de atendimento telefônico, as Praças de Atendimento e
Portal da Internet, que oferecem meios para solicitar serviços. O primeiro canal, o 156, é
eminentemente procurado para busca de informações sobre itinerário de ônibus. Já os outros
dois canais oferecem, como mostramos no capítulo anterior, uma gama infinita de serviços:
são mais de 150 serviços mapeados e estima-se que exista outra gama diversa feita por
voluntarismo dos servidores. Na Praça de Atendimento os serviços são, na maioria, abertura
de protocolo para realização de eventos, segunda via de IPTU e CCM51, além de outros
pequenos serviços, como carteira de trabalho, por exemplo. O Portal de Internet também
recebe solicitações dos munícipes, dos mais diversos assuntos, mas, sobretudo, verificam-se
pedidos de melhorias locais e reclamações sobre serviços prestados pela prefeitura. Portanto,
estes três canais compõem o SAC, Sistema de Atendimento ao Cidadão. Num levantamento
realizado pela equipe da Subprefeitura Sé encontramos alguns dados interessantes. Esta
Subprefeitura recebe aproximadamente 1.400 solicitações por mês para os mais diversos
assuntos: desde reforma do calçadão a pedido de limpeza em ruas, de denúncia a comércio
irregular e/ou ambulante a moradores em situação de rua ocupando áreas públicas. Nos
últimos cinco anos, dos pedidos realizados, estão sem respostas aproximadamente 22 mil,
sendo 12 mil no último ano. Para a demora desses serviços há uma gama de justificativas,
desde a impossibilidade de realização52 até a não abertura, pelos servidores, da solicitação
enviada pelo munícipe. Existem também os casos em que o trabalho foi realizado, mas por
falta de equipe, não houve baixa da solicitação. Enfim, essas incorreções fragilizam o dado,
mas o que se observa é o déficit entre receber solicitações de serviços e a baixa capacidade em
atendê-las de forma adequada.
Como vimos, o papel da Subprefeitura também é o de fiscalização dos
estabelecimentos comerciais e o acompanhamento e fiscalização de obras, observando os
limites que cabem a ela, previsto em lei. Isto inclui, por exemplo, os equipamentos culturais
em seus limites territoriais. A rigidez das leis e o tamanho das equipes impedem o devido
acompanhamento e fiscalização, e, como consequência, permite as mais diversas ilegalidades,
além da deslegitimação da prefeitura.
50Regulamenta as Leis nº 11.623, de 14 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.775, de 4 de fevereiro de 2004, e nº 13.426, 5 de setembro de 2002, que dispõem sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais. 51 Cadastro do Contribuinte Mobiliário 52 Por exemplo, é proibida a supressão de raízes das árvores, mas havia a possibilidade de entrar com o pedido.
55
Até aqui quisemos mostrar uma fotografia do território que compõe a Subprefeitura
Sé, com uma população superior a mais da metade dos municípios brasileiros e que enfrenta
os mais variados desafios: desde a preservação do patrimônio histórico até a população
vulnerável e em situação de risco, além dos desafios de zeladoria destas áreas, repletas de
desafios e em quantidade considerável.
2.4 Centralização e Descentralização
A Subprefeitura, como vimos, é um espaço de integração das diversas unidades da
prefeitura, que tem como objetivo acabar com a sobreposição de papéis, a imprecisão de
responsabilidades e aproximar os responsáveis pela tomada de decisão, dando agilidade e
rapidez ao processo. Portanto, é possível afirmar que seu papel seja de autoridade técnica e
administrativa, por possuir (ou deveria possuir) conhecimento detalhado do território que lhe
permite coordenar e executar políticas, considerando suas especificidades e particularidades,
priorizando-as.
Como vimos até agora, porém, o que se planejou e não se aplicou na prática trouxe
algumas consequências de forte impacto sobre o local. Por exemplo, espalham-se os casos de
corrupção cometidos por agentes públicos lotados em Subprefeituras, em grande parte, pela
dificuldade de acompanhamento dos mesmos, além do excesso de trâmite e burocracia a que
estão sujeitos os cidadãos que dependem de serviços municipais, que agilizam pagamento de
propinas para “pular” a lentidão a que seu processo está sujeito. Além disso, a desarticulação
e a falta de coordenação entre entes do governo agravam problemas.
Por exemplo, é possível que a Secretaria de Saúde precise de um terreno para a
construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não consiga encontrá-lo sem ajuda
da Subprefeitura. Assim como a Secretaria de Educação pode precisar para a construção de
creches, mas sem o mesmo conhecimento local, não o encontre com facilidade. No centro,
pela ocupação intensa da área, encontrar terreno para suprir demandas é uma tarefa difícil. Ou
seja, sem articulação interna, pode-se adiar, quando não abortar a construção de um
equipamento público. Ou é possível observar o que ocorreu na Aclimação, onde existe uma
rua famosa pela quantidade de comércios especializados em espetinhos de carne. Nesta área
dois problemas foram denunciados pelos munícipes: irregularidade na ocupação destes locais
e crime ambiental. Um problema de atribuição da Subprefeitura e outro da SVMA53.
53 Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SMVA)
56
Motivados pelo mau cheiro, excesso de barulho noturno e congestionamento, a população
local pediu às autoridades o fechamento desses estabelecimentos – a área é considerada
residencial. Por falta de coordenação, a Subprefeitura e a Secretaria de Verde e Meio
Ambiente não atuam de forma conjunta. Ocorreu então que a Secretaria do Verde aplicou
multas contra crimes ambientais, porém, sem ir conjuntamente com a Subprefeitura, que
poderia lacrar o local e é a única que tem competência legal para isto. O resultado disto não
poderia ter sido pior. Os estabelecimentos investiram na adequação de seus espaços, conforme
exigiam as multas aplicadas. Diante disso, quando a Subprefeitura atuou os estabelecimentos,
eles entraram com recursos na justiça, alegando alto investimento na adequação, conforme
exigência referida. Ou seja, de ilegal, passaram a ser legais e os pedidos da população ficaram
inócuos, insolúveis a médio prazo. A Secretaria de Verde e Meio Ambiente acabou
legalizando indiretamente esses locais, gerando forte sentimento de revolta na população.
A não descentralização tem forte impacto também sobre as políticas sociais realizadas
no território. Primeiro, porque parte do desenho territorial das Secretarias engloba, como
dissemos, mais de uma Subprefeitura. Quase sempre desconhece o todo e especifico de cada
local. Segundo, porque acabam atuando sozinhas na implantação de suas políticas, o que não
é necessariamente efetivo. Aliás, é possível afirmar o contrário: é pouco efetiva a superação
dos desafios. Um exemplo disso é a DRE54 Ipiranga. Esta Delegacia abrange ao todo 16
distritos e 4 Subprefeituras. Portanto, escolas de Heliópolis ao centro fazem parte deste
recorte. Possuem 233 instituições de ensino sob seu guarda-chuva, num território
populacional de 1,4 mil pessoas. Existem, atualmente, segundo dados da própria Secretaria,
pouco mais de 60 mil alunos regulares. Com este tamanho, algumas lacunas saltam e
necessitam de intervenções. Por exemplo, na região central faltam vagas em creches. Alguns
equipamentos não oferecem conforto e segurança necessários para as crianças; há políticas
salariais discrepantes nas conveniadas e mais uma gama de outras implicações provenientes
da política educacional, mas também do abismo que há entre estas e as outras escolas, no que
se refere ao território.
Fica claro que é preciso reunir os diversos atores para que se possam superar os
problemas e estes coexistem com interesses conflitantes e antagônicos, em muitos casos. Por
isso precisam de espaços de diálogos e intermediação para lidar com os conflitos,
solucionando-os quando possível. É impossível, sem as Subprefeituras, que associações
locais, conselho de segurança, coletivos culturais, sindicatos e grupos organizados apresentem
54 Delegacia Regional de Ensino.
57
as suas pautas de reivindicações e possibilidades para a localidade e mesmo para a cidade.
Sem isso, a dimensão de esfera pública como lugar de todos fica extremamente prejudicada,
pois não promove espaços concretos de experiências. O poder público tem condições de
promover espaços para que essa diversidade e pluralidade possam aparecer. Como vemos nas
palavras de Jovchelovitch:
É, de fato, na experiência da pluralidade e na diversidade de perspectiva diferentes, que ainda assim podem levar a um consenso entre o público, que o sentido profundo da esfera pública se encontra. De acordo com Arendt (1983), o termo público significa dois fenômenos relacionados, mas não idênticos: em primeiro lugar, ele quer dizer que o que é público pode ser visto e escutado por todos e possui maior publicidade possível; segundo, o termo se refere ao próprio mundo enquanto algo que é comum a todos os seres humanos e se diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele. (JOVCHELOVITCH, 2000, pg 49)
Como exemplo, abordaremos algumas políticas sociais em execução na Subprefeitura
Sé e que poderão mostrar os desafios aos quais nos referimos e que claramente precisam de
uma coordenação mais articulada para que sejam mais efetivas, eficazes e eficientes. Abaixo
traremos um exemplo concreto que se refere à população em situação de rua e que, nos
últimos anos, tem chamado a atenção, dado o seu vertiginoso crescimento, mesmo com certa
estabilidade econômica e crescimento dos empregos formais.
Um estudo levantado pela Subprefeitura Sé indicou que havia entre oito a dez ações
voltadas para a população de rua, realizadas por diversas secretarias, como segurança urbana,
assistência social e saúde. Ao olharmos para a Assistência Social, é possível perceber mais de
55 serviços específicos para a população em situação de rua realizados por sua rede de
conveniada com um investimento mensal próximo a 6 milhões de reais ao mês. Da mesma
forma, a Saúde tem seus mais de quatro programas e ainda é possível citar a Habitação, que
usa o Programa Moradia Social, destinado a esta população.
Ao olharmos mais detidamente os números, no entanto, percebemos que a saída das
pessoas em condição de rua é muito baixa, sobretudo porque faltam programas mais
integrados e que dependam obrigatoriamente de uma ação articulada de várias secretarias,
mas com recorte territorial. Ou seja, é preciso pensar em como “tirar” a pessoa da condição de
rua. E isto envolve obrigatoriamente formas de empregabilidade, moradia, educação e
formação profissional, acesso a crédito e outros pequenos serviços. Para que os resultados
lograssem êxito, seria necessária a participação efetiva de outras secretarias, numa ação
conjunta, como por exemplo, Secretaria de Trabalho e Educação, além da própria
58
Subprefeitura. Isso sem contar entre as próprias secretarias citadas como executoras de ações.
Quer dizer, sem que elas atuem conjuntamente, é difícil pensar na superação da pessoa em
situação de rua. Evidentemente, existem exemplos bem sucedidos, mas eles quase sempre são
específicos, e não generalizados, como deveriam.
Ainda é possível observar o completo desconhecimento das secretarias sobre os dados
regionalizados de outras secretarias. Por exemplo, sobre a primeira infância, as secretarias de
assistência e saúde não acessam com facilidade dados sobre educação, e vice-versa, tampouco
atuam de forma conjunta para superação dos desafios. E isto se estende a outros temas, nos
quais a articulação por parte da Subprefeitura e mesmo a coordenação seria de vital
importância para obtenção de resultados mais satisfatórios. Estes problemas citados se devem,
em maior parte, ao recorte territorial de cada secretaria, que não promove espaços de troca
dentro do governo entre esses servidores. Como dissemos até agora, a Subprefeitura deveria
ser o espaço de articulação e coordenação desses serviços.
Para terminar com um exemplo, podemos citar o caso dos cortiços irregulares, cuja
política habitacional cabe à secretaria de habitação, mas as multas cabem à Subprefeitura. Se
um cortiço se estivesse adequando à Lei Moura, não faria sentido multá-lo, porém, por falta
de articulação, a Subprefeitura aplica a multa e liquida-se a possibilidade de adequação do
mesmo. Evidentemente, outros problemas decorrem deste; por exemplo, a expulsão de
algumas famílias dos agora não mais cortiços, e que integrarão o contingente em situação de
rua. Ainda sobre o cortiço, as famílias possuem o mesmo cadastramento em lugares
diferentes, ou seja, para a Saúde, Educação, Assistência Social e Habitação. Portanto, há
informações que uma secretaria necessita, mas só a outra possui. E em alguns casos, nenhuma
delas fez tal registro. Nenhuma destas secretarias faz o recorte racial no questionário,
impossibilitando a SMPIR55 de ter dados específicos sobre a população negra, por exemplo.
Por fim, neste caso, a Habitação cria a sua própria equipe de Assistência Social e após a
realização da melhoria do cortiço dá por encerrada a sua participação com os moradores dos
cortiços. Vale dizer também que para esta Secretaria persiste ainda a visão de que o morador
em situação de rua é um problema de Assistência Social e não seu.
Outro reflexo ocorre na morosidade da atuação conjunta entre áreas. Por exemplo,
comentou-se há pouco que a SVMA56 e a Subprefeitura Sé atuaram em tempos distintos na
Aclimação, não solucionando o problema e, inclusive, atenuando-o. Mas existem outros
problemas nesta articulação. Vejamos o serviço de poda e remoção de árvores que pertence à
55 Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) 56 Secretaria Municipal do Verde e meio Ambiente
59
Subprefeitura, a executora do serviço. Em seus limites, como vimos, existem muitos móveis
tombados, que exigem, por lei, um processo específico para intervenções, mesmo para poda e
remoção de árvores. O ideal seria uma articulação entre Patrimônio Histórico, Subprefeitura e
SVMA, que seria muito mais ágil se as duas últimas fossem integradas e articuladas no
território.
Quis mostrar até aqui como a Subprefeitura tem dificuldade de lidar com as tensões de
seu território e de como esta desarticulação traz os mais variados impactos negativos para a
cidade. Vimos, indiretamente, que a centralização excessiva das Secretarias e o recorte
arbitrário de cada uma sobre o que considera seu território de atuação não poderiam trazer
resultados diferentes, a não ser os já citados: desconhecimento do território, falta de clareza na
política, falta de gestão política e administrativa e morosidade processual.
Por outro lado, fica evidente a importância da Subprefeitura como projeto político-
administrativo, olhando para a Subprefeitura Sé. Vimos também que essa é uma região rica e
também uma das mais desiguais ao colocar nos mesmos espaços pessoas com condições de
vida tão díspares, tendo numa ponta as de elevado poder econômico e na outra as que se
encontram em extrema pobreza e fragilidade social.
Além disso, a região oferece diversas atrações culturais e artísticas, pagas e gratuitas,
mas que nem de longe estão acessíveis a todos que estão presentes no território, apartando
deste direito um contingente considerável de pessoas. É assim no que se refere aos leitos
hospitalares, que se comparam aos padrões internacionais, mas são quase todos particulares,
não sendo acessíveis a todas as pessoas. Para alcançar um padrão mínimo internacional em
saúde, precisariam ser construídas mais nove UBS.
O desafio é grande quando nos referimos, por exemplo, à manutenção de áreas verdes
e baixos dos viadutos. Seja por falta de quadros técnicos, centralização de gestão, supressão
de recursos financeiros e excesso de burocracia, alguns serviços demoram meses a serem
realizados, quando não o são de fato. Portanto, é notória a falta de padrão de zeladoria e que
possam ser proativos e não somente reativos, como a maioria dos serviços hoje. A falta de
transparência na execução dos serviços também gera muitas arbitrariedades, como a
priorização de um pedido feito por vereadores ou mesmo o pagamento de propina para a
execução de um serviço, que normalmente, no atual estágio, levaria meses para ser realizado.
Ora, o desafio flagrante para as Subprefeituras realizarem seus serviços, conforme
previa seu projeto de criação, passa por devolver a esta a sua importância, descentralizando
novamente o poder das Secretarias, recriando as coordenadorias e respeitando os limites
60
geográficos de cada Subprefeitura, para que estas possam ter o conhecimento aprofundado do
território e assim aplicar as políticas, considerando as especificidades locais e de forma
conjunta.
Se observarmos a demanda por vagas nas creches, é preciso pensar uma ação conjunta
no território, para que se possa dar conta deste desafio. Assim, nas particularidades do centro,
seria possível pensar em áreas para as creches nas ocupações que entram para programas
habitacionais e buscar nas áreas da Subprefeitura potenciais locais para a construção de
creches. Além disso, nas vagas em vacância, desenvolver estratégias para ocupação por
famílias atendidas por Assistência Social e que não encontram onde matricular seus filhos.
Por sinal, há dificuldades para a Assistência Social em inserir jovens em liberdade assistida
nas escolas, por exemplo. Ou seja, outra necessidade de uma ação conjunta mais próxima e
mediada.
Na cultura, além da valorização da local também poderia atuar de forma mais
contundente nas escolas, usando seus espaços culturais mais ociosos. Mesmo que já existam
programas de valorização e visitação destes espaços, eles são pontuais e não fazem parte de
uma política mais ampla. Também, e ainda na Cultura, seria possível pensar a reintegração do
morador de rua pelo viés cultural ou do esporte e tantas outras contribuições, como o uso dos
baixos dos viadutos e das praças e parques existente na Subprefeitura Sé.
Evidentemente, pensar na manutenção e aplicação destas políticas todas e na
manutenção em sua região requer, sem dúvida, maior aporte de recursos humanos e
financeiros, a criação de padrões de zeladoria e a participação de mecanismos de controle e
acompanhamento das mesmas.
61
3. Referencial teórico da Pesquisa
Observamos, nos capítulos anteriores, que as Subprefeituras sofreram significativas
mudanças ao longo do tempo, que ora contribuíam para seu desenvolvimento e fortalecimento
institucional, ora não, desconstruindo este papel e esvaziando sua importância como projeto
político. Essas intempéries produziram saberes e conhecimentos que contribuem para a
formação simbólica deste espaço para a população, bem estudado por alguns dos intelectuais
brasileiros. Mas também, ao mesmo tempo, para o funcionalismo público, sobretudo daqueles
que ocupam estes espaços e para quem, dentro de nossos limites, é foco de nosso estudo.
Segundo Jovchelovitch (2008, p. 95):
o que pode parecer irracional ou errado ao observador faz sentido aos agentes do conhecimento. É também neste sentido, ainda que não apenas, que um sistema de conhecimento deve ser avaliado: em relação ao significado e realidade psicológica que ele possui para aqueles que concretamente o produzem. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 95)
Desta forma, analisar o espaço público institucional, na perspectiva de seus atores, os
servidores públicos57, passa a ser elemento fundamental no estudo das Subprefeituras, porque
nos permitirá, dentre outras coisas, perceber como esse servidor se engaja no trabalho e como
percebe a importância de seu trabalho para o munícipe. Para tal, é preciso entender como
constrói seu mapa de significados e elabora e reelabora os registros de suas experiências
cotidianas em espaços de interações com outros servidores, mídias, munícipes e partidos
políticos. O objetivo é captar a realidade construída a partir de lógicas inconscientes inscritas
no contexto em que se encontra, no tempo e na história.
O modelo referencial para nosso estudo será a Teoria das Representações Sociais,
procurando compreender as questões arroladas acima com os servidores da Subprefeitura Sé.
57 Conforme explicitam os artigos Art. 2º e 3°, do Estatuto dos Funcionários públicos define que os funcionários públicos são aqueles que legalmente ocupam cargo público e são remunerados pelos cofres municipais, além de outras especificidades que legitimam o cargo.
62
3.1 A Teoria das Representações Sociais
A Teoria das Representações Sociais foi apresentada em 1961 por Serge Moscovici
que, por meio de sua tese58, destacava os conceitos gerados na psicanálise e usados no
cotidiano da população francesa de modo geral (FARR, 1995). Seu estudo baseou-se na
concepção de Representação Coletiva de Durkheim, para quem o indivíduo era um fenômeno
psíquico e irredutível a sua atividade cerebral, ou seja, sem influência no fenômeno social.
Isto é, estático e tradicional (GUARECHI, 1994). Nas palavras de Durkheim (1970, p. 39),
(...) o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que na fusão da qual ele resulta, todas as características individuais, sendo divergentes por definição, neutralizam-se e apagam-se mutuamente. (DURKHEIM,1970, p. 39)
Ao fazer esta afirmação, Durkheim deixa claro que o fato social59 era exterior aos
indivíduos e, portanto, capaz de condicionar e determinar suas ações, independente das
manifestações individuais que pudessem ocorrer. Em contraponto, Moscovici, como refere
Guareschi (1994), vai olhar as sociedades modernas como fluídas e dinâmicas, substituindo o
conceito de coletivo por social. Em poucas palavras, significa dizer que o indivíduo é tanto
produto da sociedade, mas também, como afirma Moscovici (1978), agente de mudança dela.
Desta forma, ao distanciar-se do conceito de Durkheim, propõe as Representações Sociais
como modelo. Para Moscovici, a diferença entre os conceitos é explicada da seguinte forma:
(...) as representações coletivas são um mecanismo e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), enquanto para nós são fenômenos que precisam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que se relacionam com uma forma particular de entender e comunicar: um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Para destacar esta diferença, usarei o termo social em vez do termo coletivo (MOSCOVICI apud ÁLVARO E GARRIDO, 2006, p. 287-8).
Entendido o percurso que diferencia a virada de pensamento de Moscovici sobre
Durkheim, o que seriam as representações sociais como teoria para explicar o fenômeno das
58 La Psychanalyse, son image et son public 59 Fato social para o Durkheim possuía três características: coercitividade, exterioridade e generalidade. O primeiro refere-se à força que os fatos exercem sobre as pessoas, os quais são transmitidos a estas na maneira de pensar, agir e sentir. O segundo refere-se à exterioridade, ou seja, existe independente da vontade ou consciência dos sujeitos, sendo inclusive, que estes tenham nascido antes de nascermos. Por fim, o terceiro conceito para o autor é aquele que se aplica, no mínimo, a maior parte da sociedade, ou seja, é geral por ser coletivo.
63
relações do (e no) cotidiano? A sensibilidade de sua teoria está justamente no entendimento
do cotidiano como fenômeno que explica o senso comum, ou seja, o modo como se dão as
formas de apropriação do conhecimento nos espaços coletivos e na relação com o outro. A
construção do simbólico se dá na dinâmica da vida, nos arranjos institucionais e nas
comunidades nas quais os sujeitos estão inseridos. Assim, Moscovici entende por
representações sociais:
(...) entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana nos cursos de comunicação interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 26).
Existem muitas representações sociais, pois seu ideário é justamente o de explicar as
diferenças de nossa sociedade, tornar o desconhecido em conhecido e ressignificá-lo para
atuar novamente sobre a realidade. E é justamente neste processo dialético que o sujeito
detém poder de transformação, quer dizer, é parte ativa deste processo. É importante observar
que, para Moscovici (1978, p. 25), toda representação é composta de expressões socializadas
e, continua, “conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e
linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam
comuns”. Ou seja, os indivíduos irão agir em consonância com os elementos das
representações sociais que eles mesmos construíram. Afinal, como um sistema de valores,
noções e práticas, as representações guiam e influenciam o comportamento dos indivíduos nos
diversos contextos inseridos. Portanto,
as representações oferecem padrões de conhecimento e reconhecimento, disposições e orientações e conduta, que transformam ambientes sociais em lares para atores individuais e lhes permite entender as regras do jogo (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).
Evidencia-se desta forma, que as ações comunicativas e as práticas sociais presentes
no diálogo, na linguagem, nos processos produtivos, nas artes e mesmo nos padrões culturais,
produzem e conferem estrutura à vida social. É a mediação social que permitirá compreender
o mundo. Para isto, dois elementos integrantes da teoria das representações sociais, são
necessários: ancoragem e objetivação.
64
Na ancoragem ocorre a integração cognitiva do objeto representado e, desta forma, é
possível categorizar, associar e nomear, portanto, localizar o objeto referido e dar a ele
sentido, compreensão. Os objetos são, segundo Jovchelovitch (2008), representados em
condições que pressupõem que tenham estoque prévio; afinal, em algum momento já foram
representados, ligados com o passado e suas significações. Moscovici (2003) define como o
“processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema
particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos
ser apropriada”.
Na objetivação, o conceito, para se tornar perceptível, é então traduzido em imagens
pelos sujeitos, quer dizer, é estruturante, tangível e concreto. Para Moscovici (2003, p.71-2),
“objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impresso; é reproduzir um
conceito em uma imagem”. Assim, estas imagens selecionadas formam o que Moscovici
(2003) denominou núcleo figurativo, que formam o complexo de ideias. Três fatores estão
envolvidos neste processo: a descontextualização, a criação de um núcleo figurativo e a
materialização dos elementos deste núcleo. Para o primeiro, ocorre a partir de critérios
culturais e normativos; o segundo reproduz a estrutura conceitual e, por fim, o terceiro,
transforma as figuras em elementos da realidade.
Para ambos, ancoragem e objetivação, há um elemento em comum e fundante: a
memória. É a partir dela que ocorre a elaboração e reelaboração e, assim, são reproduzidos os
conceitos e imagens para o mundo exterior. Em ambos os processos os elementos de
avaliação e captação serão forjados nos valores sociais presentes em cada sujeito. Como bem
lembrou Jovchelovitch (2008), a visão que os sujeitos desenvolvem acontece na interação
social e, portanto, a estrutura social na qual estão inseridos é fator preponderante.
Como exemplo do que citamos acima, podemos usar o seguinte trecho de
Jovchelovitch (2008, p. 189):
O conteúdo das primeiras representações sobre a Aids definiu o então novo fenômeno como uma peste, revelando em um único tema a gama de medos e práticas que se seguiram ao aparecimento da doença. Dizer que a Aids era uma peste foi um meio de ligá-la à história das epidemias e às práticas, ideias e sentimentos relacionados às suas trajetórias. Importa muito se as representações são sobre a paz, ou sobre a Aids, se são sobre a amizade, ou sobre o conflito Israel-Palestina. Em cada um destes objetos existe uma realidade a revelar: esta é feita de saberes, comunidades e práticas que vieram antes e que, gradualmente, se solidificam na estrutura e na realidade do objeto. É a isto que chamamos de objetivação.
65
3.2 As Representações Sociais e a Esfera Pública
Os trabalhos de Sandra Jovchelovitch, estudiosa brasileira das representações sociais,
têm considerado a esfera pública como seu tema de atenção e foco. A sucessão de eventos
vividos cotidianamente na esfera pública irá condicionar as formas e personalidades, sem
tornar os sujeitos estáticos. Para Jovchelovitch (2008), a vida pública não é uma estrutura
externa influenciando a vida privada, mas um de seus elementos constituintes. Desta forma,
seus estudos são dedicados a entender como o espaço público influencia e molda o
comportamento das pessoas. Ou seja, os sujeitos constroem a realidade para, em seguida,
atuar sobre ela. Para ela, as representações estão radicadas nos espaços públicos, ao afirmar
que:
(...) as representações estão radicadas na esfera pública e se, ao mesmo tempo, nos processos de sua constituição, elas criam um saber sobre a esfera pública, investigar sua forma e conteúdo assume uma importância crucial para toda a perspectiva intelectual preocupado com as possibilidades de uma vida em comum que vá além do puramente privado, sem desconsiderar o sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68)
A autora, em seu livro As Representações Sociais Na Esfera Pública, estabelece
uma relação entre alteridade e esfera pública. Desta forma, demonstra como ocorrem as
construções simbólicas radicadas na experiência desse viver coletivo, de duas maneiras:
primeiro, define a importância de espaços públicos a partir de Hannah Arendt e Jürgen
Habermas. Em seguida, aponta as representações sociais, com base em três aspectos: a
formação da atividade simbólica, as representações sociais sobre a atividade representacional
e a criação da realidade simbólica compartilhada. Para isto, ela vai buscar em Piaget a ideia de
espaço potencial, em Winnicott, a atividade simbólica e em Mead, o Outro Generalizado.
A esfera púbica, do ponto de vista histórico, produz permanência, já que o passado
fornece bases ao presente e ao futuro (Jovchelovitch, 2008). Mas é também no espaço público
que a partilha ocorre e onde se constrói o sentimento e o sentido de realidade. Isto produz,
portanto, o que será o bem comum, pois transcende as pessoas. Nesse espaço de pluralidade,
na visão de Arendt (apud Jovchelovitch, 2008), as diferenças e similaridades, entendimentos e
consensos produzem o viver coletivo. Além disso, com base nas ideias de Habermas, a esfera
pública permite o encontro dos cidadãos e também a gestão destes mesmos, ou seja, o espaço
66
público. Além disso, permite a criação de um saber sobre si mesma e formas de opinião
pública. Isto acontece porque, ao garantir a abertura e transparência e trazer as preocupações
comuns, garantida a posição de igualdade, é possível tomar decisão conjunta e coletiva
(Jovchelovitch, 2008).
Esta autora reafirma, a partir desses autores, a importância da esfera pública e é sobre
ela que mora nosso interesse. O viver em comunidade significa necessariamente, ao menos no
Brasil, estar circunscrito a um município e, portanto, de algum modo, ser afetado por este. Se,
como se diz, o viver solitário é impossível, também o é, da mesma forma, o viver sem um
governo instituído. E se é fato que estamos sujeitos a uma gestão, a um governo instituído,
como compreendê-lo e atuar sobre (e com) ele?
Ora, para ficar no exemplo de São Paulo, seu quadro funcional conta com mais de cem
mil servidores, que, nas mais diversas funções, afetam direta ou indiretamente a população em
seu território.
3.3 Objetivo Revisado
O livro citado60 estudou a construção das representações que as pessoas fazem dos
espaços não institucionais coletivos, mostrando como a formação simbólica é impossível sem
uma rede de significados constituídos. Ou seja, segundo Jovchelovitch, o sujeito é autor da
construção mental e ele pode transformar-se na medida em que se desenvolve. Além disso,
demonstrou a importância do espaço público como construto da alteridade, num processo em
que um desenvolve o outro.
Dentre os muitos lugares onde a vida pública se constitui, um deles é o espaço
institucional, onde parte das necessidades humanas é gerenciada, no sentido de regulação,
demanda e oferta para todos e onde os conflitos podem ser gerenciados. Compreendê-lo passa
a ser fundamental, já que é nesses espaços que os serviços prestados à população se
constituem e aqui também suas demandas são apreciadas, levadas adiante e solucionadas.
Poder pensar as representações que os servidores públicos da Subprefeitura Sé, no
município de São Paulo, fazem sobre si mesmos e todas as implicações já citadas, sobretudo
como eles se percebem e como vêem a importância de seu trabalho para o munícipe, nos
60 Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil
67
permitem captar como isto, ao se realizar, infere na sua forma de trabalho e, direta ou
indiretamente, interfere na qualidade e na condição do serviço prestado aos munícipes e à
gestão da cidade.
Aprofundar-se nesta representação social pode trazer novos significados à valorização
dos servidores públicos e ajudar a compreender a multiplicidade de desafios presentes nas
estruturas da subprefeitura e nas relações que estes estabelecem com atores importantes como
os munícipes, por exemplo.
A escolha desta Subprefeitura leva em consideração a sua importância para a cidade,
permitindo que fosse gerida de forma mais autônoma e destacada em relação às outras. Como
dissemos ao longo do trabalho, esta Subprefeitura também sofreu poucas ingerências políticas
e administrativas, contou com certa autonomia financeira e o maior orçamento entre as
existentes. Teve a sua frente gestores ligados diretamente aos prefeitos e prefeitas da cidade.
O fato de este pesquisador trabalhar na assessoria direta do gabinete também fez parte da
escolha.
Outro motivo importante, como vimos ao longo do trabalho, se deve ao fato de esse
órgão estar muito próximo ao munícipe, sendo um dos seus principais canais de entrada. É
nas subprefeituras que muito dos serviços iniciam seu processo até que sejam concluídos.
3.4 Perfil dos Entrevistados
Os entrevistados desta pesquisa são sujeitos que ao longo dos anos de prefeitura
construíram um conhecimento sobre a gestão, sobre os servidores e sobre as Subprefeituras,
portanto, conseguem ter uma visão do todo.
Estas pessoas foram selecionadas pelo tempo de prefeitura - no mínimo dez anos -,
pois tiveram a oportunidade de passar por prefeitos e prefeitas de partidos diferentes e,
portanto, conviveram com visões ideológicas e projetos distintos. Além disso, os cargos
ocupados por elas também foram considerados para as entrevistas. As pessoas que
coordenaram equipes, ou foram chefes de secção, departamentos ou possuíram DAS61,
produziram conhecimento sobre a equipe e se relacionaram mais proximamente do Executivo,
neste caso dos Subprefeitos ou dos assessores de sua confiança.
61 DAS (Direção e Assessoramento Superiores) incorporação de salário por exercer função considerada importante pela Direção.
68
Por fim, foram consideradas a partir de sua capacidade de trânsito na própria
Subprefeitura ou prefeitura, quer dizer, são pessoas que se relacionam com os mais diversos
departamentos, seja pela capacidade de relacionamento ou pela necessidade que seu
departamento exige para que determinado trabalho possa ser realizado.
3.5 Procedimentos Metodológicos
Para compreender as significações e os saberes produzidos pelos servidores
selecionados, escolhemos como procedimento metodológico entrevistas semiestruturadas, que
permitissem adentrar mais em alguns temas do que em outros, explorar o conhecimento e as
particularidades do entrevistado e garantir um ambiente seguro já que, pela posição do
pesquisador, alguns temas poderiam gerar desconforto ou insegurança por parte do
entrevistado.
Estas entrevistas foram gravadas para que pudessem ser transcritas, comparadas,
analisadas e categorizadas posteriormente na análise a ser descrita no próximo capítulo.
Os entrevistados foram escolhidos nas mais diversas áreas da Subprefeitura, sendo as
seguintes: na área de fiscalização, recursos humanos, assessoria direta do gabinete,
atendimento e administração. A escolha de pessoas de áreas diferentes tinha como objetivo
captar de forma mais precisa e diversa as impressões geradas nos servidores. Primeiro, porque
áreas diferentes permitem certas perspectivas de análise e, segundo, porque parte destas
pessoas já esteve em outras áreas da Subprefeitura, o que permite fazer comparações e
análises, descritas nas entrevistas.
Outra consideração importante é que, a partir do roteiro de entrevistas (anexo 1),
separamos três grandes grupos para análise, sendo eles: como são vistos de fora, como se
percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão. A ideia central
desses três grandes grupos é compreender como as experiências do dia-a-dia vão-se
elaborando, solidificando ou transformando estas imagens. Para isto, no roteiro de entrevistas
consideramos como eixos norteadores: Subprefeituras, Funcionalismo Público, Munícipe e
história de vida.
Para o primeiro, Subprefeituras, o objetivo principal era compreender como eles
captam a importância deste órgão, suas funções e como, ao longo dos anos, elas foram
69
tratadas e retratadas. Eles a compreendem como moeda de troca, como largamente se lê por
aí? Que relação estabelecem com os políticos e assessores de livre-nomeação do Executivo?
O segundo, o Funcionalismo busca captar as imagens que constroem sobre o servidor
público, tentando entender como são compreendidos pela mídia e partidos políticos, como
constroem e desenvolvem as carreiras e o próprio trabalho diário. E também como lidam com
demandas e pressões constantes presente no cotidiano?
Para o terceiro, o munícipe, o principal objetivo é compreender como esta relação
ocorre e, sobretudo, qual a percepção que eles têm. O que vimos, quase sempre, são as
imagens que a população faz sobre o servidor público, mas não sobre a forma como o servidor
percebe, a forma como a imagem dele é construída. Como isto se constrói no cotidiano?
Por fim, é preciso compreender como no cotidiano o trabalho se desenvolve e como se
tornam mais fáceis a implantação de projetos, leis e outras determinações gerais, vindas do
Executivo e do Legislativo. Isto tem grande importância, já que são eles, servidores públicos
lotados nos órgãos de contato direto com a população, que irão implantá-los.
70
4. Capítulo – Análise das Entrevistas
As entrevistas com os servidores da Subprefeitura Sé foram realizadas a partir de três
grandes temas, os quais exploraremos nesta análise. Estes temas são: como eles são vistos de
fora, como eles se percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão
pública ou da Subprefeitura que afetam diretamente seu cotidiano e impactam a qualidade do
serviço percebido e prestado pela mesma aos munícipes. Atores como a mídia, o próprio
munícipe, o partido político e eles mesmos, são os principais norteadores desta análise como
poderemos observar.
4.1 Como eles são vistos de fora
Ao iniciar o processo de análise das entrevistas, separamos três grandes eixos para
realizá-la, como dissemos. Uma destas é a imagem construída fora dos espaços da
subprefeitura, ou seja, como eles são vistos por aqueles que são de fora, na sua perspectiva?
Ao nos referirmos a estas “pessoas de fora”, falamos sobre três atores importantes e com os
quais eles mantêm um contato diário direto: a mídia, o munícipe e o partido político. Os três
exercem forte impacto na formação e na construção da imagem que os servidores criam sobre
si mesmos e, evidentemente, nas estratégias e na forma como eles desenvolverão seus
trabalhos.
Evidentemente, os munícipes constroem esta imagem, na perspectiva dos servidores
públicos, ao fazerem solicitações de serviços de zeladoria ou outros. Por exemplo, os
prestados pela Praça de Atendimento, como nos referimos no capítulo anterior. Por isso, ao
perguntarmos, por exemplo, como o munícipe percebe o servidor público, observa-se que, de
maneira geral, essa imagem não é muito positiva. O que podemos observar é que esta
imagem, do ponto de vista dos servidores públicos, se constrói a partir de três temas
importantes: a morosidade e a burocracia na solicitação e realização dos serviços, a falta de
recursos humanos e financeiros e o desencontro de informações na prefeitura como um todo,
que vão reverberar também na forma caricata que a mídia constrói.
71
Por exemplo, quando se fala da morosidade dos serviços públicos, nota-se na fala,
inclusive, que o próprio munícipe desconhece o processo burocrático aos quais alguns
serviços estão sujeitos e que irão tornar mais morosa a realização do serviço. Desta forma, por
exemplo, a poda ou remoção de uma árvore, que precisa tramitar por processos mais
complexos se estiver em área envoltória de bem tombado, pode demorar mais de noventa
dias. Evidentemente, esta tramitação só reafirma na cabeça do munícipe a lentidão que há nos
serviços públicos e o servidor público não demonstra o menor interesse em fazê-lo caminhar
prontamente. Nem é preciso dizer que estes trâmites burocráticos se não respeitados podem
gerar processos administrativos contra os servidores envolvidos. No trecho abaixo, o
entrevistado fala claramente sobre essa morosidade no serviço público e, precisamente, sobre
como os munícipes os vêem por conta disto.
Ai... Uns molengas entendeu? Não quer saber nada de nada. Já, várias vezes, ouvi
isso... Entendeu, mesmo estando aqui na administração. Como várias vezes ouvi munícipe
falando do pessoal da praça de atendimento. (...)
O pessoal vê a gente uns acomodados. Entendeu? Que não quer nada com nada e estão nem
aí, eu entro com processo hoje, 2013, Outubro de 2013... lá para Outubro de 2020, eu vou
estar tendo resposta do meu processo... Então é essa imagem que a gente passa e por mais
que você tente mostrar que não é e que tem uma agilidade, mas também tem uma morosidade
que não é nossa, não é do servidor, é da própria burocracia, tem tempos para o processo
andar, essa coisa toda nem tem... entendeu?
Outra fala que ilustra bem a morosidade e a descrença que eles entendem haver por
parte dos munícipes é sobre a demora no atendimento dos serviços. Os próprios servidores
entendem que a escassez de recursos (materiais e humanos) a que foram submetidas as
subprefeituras, impede a realização dos serviços de forma satisfatória. E isto é atenuado pela
forma como foram feitos alguns dos contratos de zeladoria. Como podemos observar na fala
do entrevistado abaixo:
Do atendimento da demora né? (...) pro munícipe é agilizar e a única coisa, eu acho o que
tem que fazer é agilizar, resposta. O que tem que fazer é agilizar, ele quer resposta; não quer
saber se foi bem atendido. Pode até reclamar se ele não tiver um atendimento adequado. Ele
quer o problema dele resolvido. Eu vim aqui tratar que eu quero que tire a árvore que está lá
72
quebrando a minha calçada. Eu vou falar, olha meu senhor, eu não posso atendê-lo agora
porque eu estou sem minha equipe de árvore, não sei o quê. Ele fala, eu não quero saber, tira
a árvore; eu não quero saber se tem dinheiro, se não tem. Ele que ser bem atendido então, o
que você vê? E realmente a questão do atendimento da demanda. Na demora da resposta do
serviço que ele pediu.
Por fim, a sobreposição de informações causadas por interpretações diferentes de leis,
normas e procedimentos sobre um determinado assunto, que só reforçam a imagem que os
munícipes constroem sobre o servidor público, como podemos acompanhar na leitura do
trecho abaixo:
Quando você dá o retorno a pessoa a pessoa fala assim.. Nem acredito que a Sra. me
retornou...Não...eu falei que iria retornar, mas eu já falei com 5 ou 6 setores e ninguém
retorna...
Sabe...? Que elas acham um absurdo quando são bem tratadas. Você entende o que eu
estou dizendo? Porque assim, o serviço no geral; não estou falando da Sé, eu já precisei de
informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava
levando canseira de ligar e não aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7
telefones e eu falando que eu não era a colega e que eu era daqui... Você imagina uma
pessoa de fora o que ela não passa!
É possível observar que a imagem que eles constroem sobre a forma como os
munícipes os percebem tem muita relação com os entraves com os quais eles lidam
cotidianamente e dos quais, talvez pela posição que ocupam, possuem pouca capacidade de
mudança e gerência. Outro fator, que será tratado mais à frente aponta para a maneira como
esses servidores percebem, inclusive, a atuação de alguns de seus colegas de trabalho que, de
muitos modos, reforçam o modo como os munícipes chegam a este perfil de servidor descrito.
Por fim, numa das entrevistas, é possível perceber que a própria atividade de algumas
áreas da Subprefeitura, a de fiscalização, por exemplo, gera um sentimento dual nos
munícipes. Se para uns ela beneficia, é certo também que em alguns casos as pessoas se
prejudicam com sua ação. Em casos como apreensões feitas ao comércio irregular e
ambulante ou o recolhimento de mesa e cadeira costuma gerar desconforto nos que
presenciam. Como podemos notar na fala abaixo:
73
Agora fiscalização, ninguém gosta não. Porque 90% das vezes que a gente vai, ou 100% das
vezes que a gente vai é provocado por conta de alguma reclamação. Então se a gente vai e
resolve aquela reclamação, que foi provocada por alguém... É, esse alguém pelo menos,
quando é solucionado ele vai ficar satisfeito, mas o cara que tomou intimação e multa, com
certeza não vai ficar. Então há uma dualidade aí...
Outro ator importante na vida dos servidores públicos é a mídia, que perpetua, na
visão deles, o imaginário de alguém que é encostado, preguiçoso e corrupto. Diariamente os
principais jornais, sejam eles rádio, impresso ou televisão, mostram casos em que serviços da
prefeitura foram mal prestados, não realizados e, comumente, denunciam os desvios de
conduta por partes dos servidores, como o pagamento de propinas. Assim, na fala de um dos
entrevistados, a mídia os vê da seguinte forma:
O funcionário público de maneira geral eu não sei, pelo o que eu vejo na mídia... É
tudo vagabundo, né? Não trabalha. Agora se eles viessem aqui vê o que a gente faz, eles não
iriam achar que é assim não.
Ainda, para eles, a mídia não os diferencia, mostrando, por exemplo, casos positivos,
bons serviços prestados etc. Afirmam, ao contrário, que são sempre acusados mesmo antes da
prova cabal; mais à frente, observaremos outro exemplo em que não há a devida diferenciação
sobre quais cargos ou áreas ocupam, tratando todos da mesma forma. Um bom exemplo é
este:
Acabou! Então a mídia, ela tá lá, ela tá lá, para detonar né? Cai lá, falou que é
corrupção, é funcionário público.
Eu acho que a mídia ela pega, É... ela é louca para pegar um caso de corrupção né?
Já para arregaçar, né? E se não for ela já vai dizer que é sim, e depois... É que nem nós
tivemos um caso aqui de um Engenheiro, que saiu no jornal, e que nossa, ele teve problemas
com o filho na escola não sei o quê...Depois foi retratar, saiu um texto! E depois que viram
que o cara não tinha nada com aquilo, eles fizeram uma linhazinha de nada, falando que
aquele caso, não tinha sido daquele jeito. Mas e aí? E a vida do cara?
74
Podemos observar este caso ilustrativo, no qual um dos sindicatos ligados a prefeitura
resolveu criar uma estrutura interna para lidar com a mídia e todas as acusações às quais eles
são sujeitados. Por exemplo, ao perguntar sobre como eles são vistos pela mídia, a resposta é
taxativa. Para eles todos (a mídia) os vêem como vagabundos.
Todos... E agora que eu estou há ano e meio no sindicato, eu vejo que é uma briga
incomensurável por parte nossa, de tentar mostrar para eles o que o funcionário público,
principalmente o agente vistor, faz. E a própria administração também, quando fala alguma
coisa de corrupção, joga a culpa em cima da fiscalização. E a prova mais concreta disso é
agora na época do Aref, em que o secretário anterior, ele dizia... “Não, nós vamos resolver o
problema da corrupção é implantando o SG), que é um sistema de gerenciamento da
fiscalização”. Só que esse Aref e outros que foram pegos, não têm nada a ver com
fiscalização, são de Aprovação, então a fiscalização sempre foi o bode expiatório.
A Subprefeitura Sé, ao longo dos anos, talvez pela sua posição estratégica e
importância para a cidade, costuma estar presente na mídia para as mais diversas matérias,
sobretudo sobre zeladoria e fiscalização. Ainda, é importante ressaltar os anos 90, na transição
entre Administração Regional e a criação de Subprefeituras. Este período foi marcado por
escândalos que abalaram a confiança da população em relação aos agentes públicos,
sobretudo os das Subprefeituras. A fala da entrevistada é ilustrativa neste sentido:
Mas... É eu vivi aqui na Sé na época do Hanna Gharib, que teve a máfia dos fiscais, a
questão toda... Eu vi funcionário sair daqui de dentro algemado, de camburão, sabe? Foi
uma coisa, assim totalmente constrangedora para a gente, sabe? Amigos de trabalho
chegando e a investigadora na sala... Era na época administrador regional, quando a pessoa
chegava, você falava veio pegar alguém. Entrava na sala do administrador e falava, chama
fulano aqui... O cara entrava na sala e já saía conduzido por ela e ia. Tem funcionário que
ficou dentro do camburão lá, uma hora fora e tal, sabe? A gente viu isso aqui, foi realidade
pra gente, né? Ah, eu ouvi dizer que tem corrupção, não! Nós vimos isso acontecer, né? Os
servidores saírem daqui de dentro dessa maneira e foi uma época muito triste, né? Porque eu
não tinha coragem de falar que eu trabalhava na Subprefeitura da Sé.
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Outros atores presente para o servidor são os políticos, entendidos como aqueles que
ocupam os cargos de livre provimento (indicados) e eletivos, como é o caso do prefeito e dos
vereadores. Esses atores são fundamentais porque criam, orientam e acompanham a execução
das leis, programas e projetos que serão executados nos mais diversos setores da
administração municipal, por um período determinado. O que podemos observar é que eles
sentem diferenças entre as diversas administrações (ou grupos políticos que dirigem a cidade).
E esta diferença, no modo como cada grupo trabalha gera diferenças de trato, mas é comum
também a distância entre a realidade e os objetivos entre os eletivos e os servidores de carreira
e a desvalorização dos servidores da casa e as condições de trabalho. E a reclamação comum
é que se voltam os olhares sempre para o externo, sem olhar para o que está dentro, sem
perceber as condições de trabalho às quais estão submetidos os servidores.
Quando alguém parar e realmente sair da sua cadeira e for conhecer cada
subprefeitura e não é... ouvir falar, certo? Quando o Chico levantar da cadeira e for
conhecer cada subprefeitura, talvez caia a ficha dele, porque ele está num, num, num...
prédio, super legal, né?... Ar condicionado moderno, tudo encapetado, elevador que
funciona, né? Ele tem o que... 8 elevadores que funcionam, né? Então, ele está uma
maravilha... Agora a Sé, a gente ainda conseguiu, se manter a trancos e barrancos, porque a
gente tem uma equipe de manutenção ponta firme. E as outras lá? Ele levantou, ele foi vê
como está São Miguel, como é que tá Santana... Então tem que sair e levantar a bundinha da
cadeira ir lá e conhecer, vê como que é que está a situação, talvez de um pouco mais de
valor.
Outro fator comum nessa relação é o sentimento de descontinuidade presente em
alguns momentos. Pelo fato de não haver conversas e escuta sobre o que já foi realizado, os
servidores apontam que os gestores não os escutam, afirmando, por exemplo, como no
exemplo abaixo, que cada um imprime seu estilo e projetos, ignorando, na maior parte das
vezes, o que já havia sido realizado. Ou mesmo não os consultam para fazer uma avaliação ou
pensar sobre possibilidades a serem consideradas antes da execução.
Se eles percebem... Não! Eles só percebem quando eles precisam de alguma coisa.
Aí, eles lembram que a gente existe, caso contrário eles não percebem e uma das coisas que
eu fico ... né? E a cada mudança do governo eu fico muito brava, porque são pessoas novas
76
que vêm e não ouvem as pessoas que já estão na casa. Então vem com ideias novas e
atropelam aquelas que já estão dando certo. Ninguém senta para perguntar... Olha o que está
dando certo? Olha está dando certo, assim, assim e assado, feito. Então isso nós vamos
manter, vamos fazer algumas modificações, porque não é essa minha proposta de gerência,
mas vamos fazer pequenas modificações...Mas vamos fazer dar certo, tá?...Não, já chega já
passando o trator derruba e não valoriza quem já está na casa. E Isso eu falo para todo
mundoooo...O Marcus fez isso certo? Ahn ... Nevoral fez isso, Dra Andrea fez isso. Todo
mundo faz! (...)
É do meu jeito! Então você para tudo do que estava funcionando e começa de novo. E
quando a coisa começa a dar certo...Muda de novo porque já deu os 4 anos. Vereador só
lembra dos servidores quando a gente vai bater na porta deles, apitar, fazer apitar ou fazer
bater porta de panela, ou quando eles precisam de alguma coisa.
Outro comentário muito presente nos discursos refere-se à ocupação dos cargos
estratégicos por parte das nomeações políticas que o executivo promove. Para alguns elas
ocorrem justamente porque se trata de cargos de extrema confiança, na qual o Subprefeito
responderá em última instância (política ou juridicamente) pelos atos dos mesmos, portanto, o
que justifica sua escolha e seus critérios. Para outros, estas nomeações, promovidas em alguns
casos, sem que o ocupante tenha o conhecimento ou experiência que eles julgam necessário, é
que fazem existir este sentimento de desconfiança e desvalorização. Além disso, observa-se
durante as falas que o fato de as Subprefeituras serem moeda de troca para a base governista,
só ratifica esse sentimento de loteamento e manipulação que sentem em relação à
Subprefeitura, como observa um entrevistado ao afirmar:
Eles não privilegiam o cara que já está lá e tem o conhecimento. Eles privilegiam os
caras que vêm de fora (risos), entendeu? É, mas isso tudo é uma configuração que existe é...
Por conta de todos os partidos e... na minha opinião também não é errado. Se eu fosse chefe
de alguém desconhecido, eu iria levar o pessoal da minha confiança também, que aí eu sei o
que vai acontecer, não preciso ficar com os olhos grudados o tempo todo, já que a pessoa é
de minha confiança.
Em outras palavras, esse loteamento ou apadrinhamento e as trocas constantes sempre
que chegam novos quadros trazidos pelo executivo geram desconforto e necessidade de
77
proteção entre eles. Criam, então, estratégias para lidar com esses servidores nomeados pelo
executivo, como podemos ver na fala abaixo:
Quem tá na casa não presta, então eu só vou ouvir os meus (--), quem eu trouxe, esses
são da minha confiança, porque toda vez que muda a gente se arma. Porque a gente sabe que
vem paulada. Então a gente já se arma... E facas e dentes e vamos que vamos, porque se
gritar... Pera aí, neguinho, tu tá chegando agora, nós já estamos aqui então não adianta
dizer que você vai por uma escada rolante de lá até o quinto andar, que você não vai dá... É,
é por isso, entendeu? Ninguém ouve a gente.
A relação entre esses dois grupos (livre nomeação e carreira) em muitos momentos é
marcada por uma intensa demarcação de posição e tensão. Como vimos na fala acima, os
servidores de carreira criam estratégias para lidar com o Executivo e sua equipe. Mas há
outros elementos que tornam essa relação ainda mais tensa. Por exemplo, nos períodos de
transição, são os servidores de carreiras que fazem esse processo transitório e, portanto,
repassam informações para os novos ocupantes dos postos de trabalho. A insegurança
presente neste processo, a lentidão burocrática, aliada ao histórico que o local por ventura
carrega como ponto de corrupção e incapacidade reforça ainda mais esta dificuldade. Um caso
ilustrativo segue abaixo:
Nós tivemos gestões que o chefe de gabinete falava para a gente, aqui só tem bandido
e vagabundo. Você entendeu? Por quê? Porque foi depois do que aconteceu. Por que...
Porque eu vou falar para você, que não é assim que funciona, ah tá... Mas sabe, a gente tem
que ouvir isso na cara? Tirar a gente por todos, né? Tirar a gente por todos pelo que
aconteceu, né? A gente passou isso!
Para os servidores de carreira a imagem que vêem representada melhorou nos últimos
anos, sendo capazes, inclusive nos dias de hoje, de afirmarem que são servidores públicos,
justamente porque trabalham muito, por exemplo. Por outro lado, ainda sentem que a mídia
perpetua a imagem do servidor de carreira aproveitador, preguiçoso e interesseiro, quando não
corrupto, como observaremos na análise posterior. Os políticos, como observamos, têm
mantido uma relação de dificuldade, sobretudo nos períodos de transição, pois sempre que se
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muda a gestão, grande parte das equipes sofre alterações. Evidentemente, isto tem impacto
direto na forma como o munícipe vai receber e perceber o serviço.
4.2 Como os funcionários públicos se percebem
Outro aspecto da análise que faremos dos funcionários públicos é compreender a
forma como se percebem no espaço de trabalho e quais estratégias constroem para realizarem
suas tarefas e enfrentar as demais adversidades presentes. Isto inclui compreender a percepção
que fazem dos outros servidores, quais são as ações que reafirmam ou desconstroem esta
imagem e quais as consequências que isto traz para o trabalho.
Como podemos observar durante as entrevistas, são muitos fatores que permeiam a
imagem que eles fazem sobre si. A falta de um plano de carreira, a presença de servidores
“corruptos” e “preguiçosos” e que justificam a criação, por parte dos munícipes, da figura
caricatural presente nos programas humorísticos são alguns dos ingredientes desse ambiente.
Mas, além deles, o sucateamento do ambiente de trabalho, a morosidade e/ou a inexistência de
acompanhamento, disciplina e punição, a falta de critérios nas escolhas e nas promoções dos
servidores são outros fatores presentes e perceptíveis nas falas dos entrevistados.
Para compreender este cenário, é preciso analisar a forma como os funcionários
compreendem seu papel e isto é importante, pois, como veremos, esta imagem ajudará a
separar aqueles bons servidores dos outros. Os entrevistados de maneira geral compreendem o
servidor público como aquele que está ali para atender o munícipe com zelo e decência. Nas
palavras de uma entrevistada “é aquele que cuida de toda necessidade que a população tem,
ou seja, resolve os problemas que eles te trazem”. Entre os entrevistados, grande parte deles
encontrou na carreira pública uma forma de melhorar e contribuir para a gestão da cidade e,
por conseguinte, na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como afirma outra
entrevistada “o funcionário é aquele grande sonhador, que a gente acha que a gente vai
prestar o concurso e a gente vai passar e que a gente vai poder ajudar a cidade a melhorar, a
crescer desenvolver”.
Para eles, os maus exemplos de servidores públicos são maioria no ambiente de
trabalho, sendo em todas as entrevistas, superiores aos quinze por cento, quando questionado
o percentual de péssimos servidores. Consideram maus servidores quem perpetua a imagem
79
preconceituosa existente no imaginário da mídia e dos munícipes. O relato da entrevistada é
esclarecedor sobre como existe essa divisão entre os servidores, quando diz que os que
trabalham e os outros “que levam nome e falam, eles falam que não trabalham mesmo, então
vamos lá... Tem outros que viram e falam, olha eu sou funcionário publico, filha, você quer
que eu trabalhe?”
A consequência deste comportamento apresentado, ou seja, de que por ser servidor
público não se trabalha mesmo tem parte da sua origem na falta de acompanhamento das
chefias imediatas. Falaremos mais detidamente sobre isto posteriormente, mas é importante
ressaltar que este comportamento vai impactar o trabalho dos demais. Um dos
comportamentos comuns percebido é descrito na fala abaixo:
Então aquele que deveria estar fazendo nove horas de serviço com uma hora de
almoço, ou seja, oito horas de trabalho. É, ele entra pela catraca, certo? Passa lá, existe uma
possibilidade de a gente pedir um relatório, de todo mundo que entra, com um horário que
entrou bonitinho... Ele sobe, não sei se assina ponto, quando você vê, o neguinho está na
praça de atendimento e vai embora. Ou seja, ele ficou aqui exatos 10 minutos que foi o tempo
dele pegar o elevador, subir na sessão, fazer um auê, para todo mundo ver e, ó, tô indo ali na
esquina. Ó, e você só vai vê-lo amanhã.
Ainda é possível observar que a falta de critério e a diferença de tratamento entre as
chefias imediatas reforçam a imagem do servidor que não trabalha ou que vem quando deseja
e conta, neste caso, com a complacência dos demais. E, ainda, é o beneficiário de certas
regalias, por exemplo, de horas complementares. Assim o servidor considerado correto
assume responsabilidades alheias e tem um tratamento considerado desigual, como aponta a
fala abaixo:
Aí você vira e fala, poxa vida, você não pode faltar, você tem que me trazer um
atestado médico ali. Tô te dando um exemplo, você tem que trazer um atestado médico, se
você não trazer, eu vou ter que corta seu ponto...Então você fala, poxa vida, o fulano não vem
a semana inteira trabalhar e ainda ganha horas complementares, então como é que faço?
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Este processo demonstra como os privilégios que alguns detêm sobre outros terão forte
impacto no ambiente de trabalho e também no externo, já que os considerados certinhos não
são promovidos ou reconhecidos pela própria administração pública nem pelos atores
externos, sobretudo a mídia. Neste sentido a fala de uma das entrevistadas é ilustrativa:
Olha, é bem o Mendonça mesmo! O Lineu é o que quer as coisas tudo certinho, que
piriri, papapá...! E que nunca é promovido... E o Mendonça que faz, faz o auê, faz a meia
onda por ali e acaba sendo promovido e isso é uma das coisas que você sempre vai ouvir por
aqui é assim... Quem faz merda, cai pra cima, quem anda certinho cai para baixo, né? E a
mídia acaba contemplando isso, né? Você vê, eles sempre falam do fiscal que deixou a obra
cair, e que embargou e sumiu e o outro que leva propina não sei de onde, piriri, papapá...
Mas eles não procuram um servidor, né, que fez a coisa certinha, bonitinha, que embargou a
obra, que deu sequência naquilo (...).
Por fim, outra fala ilustrativa neste sentido é observada ao dizer que o serviço público
no geral tem essa característica de pouco compromisso e desinteresse dos seus servidores.
Porque assim, o serviço no geral; Não estou falando da Sé, eu já precisei de
informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava
levando canseira de ligar e não é aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7
telefones e eu falando que eu era colega e que eu era daqui... Você imagina uma pessoa de
fora o que ela não passa!
Outro tema presente é a corrupção. Para todos eles é inegável a presença de corruptos
nas subprefeituras, que ocorre justamente por estar próxima ao cidadão, como aponta a fala da
entrevistada “a corrupção vamos dizer assim. Entendeu? É o local que faz o quê? Que
fiscaliza, que tem obra...”. Ou seja, é lá que a maioria das permissões é dada para a realização
de serviços por parte dos munícipes.
Para eles, o não acompanhamento e a própria morosidade nas investigações e sanções,
são responsáveis diretas. Para se ter ideia, nos últimos dez anos, apenas duas pessoas foram
exoneradas do serviço público na Subprefeitura. A maior parte, ao saber que o processo está
em curso, antecipa a saída e, com isso, o processo tende a não ter continuidade ou perder
força ao longo do tempo. Atrelado a esta condição, os baixos salários estimulam estes
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acontecimentos. É o que diz uma das entrevistadas ao afirmar, por exemplo, que acaba sendo
quase natural que, devido os custos de vida, alguns se entreguem ao suborno.
Você não tem um salário digno, que está aí fora no mercado, olha meu filho, se você
me oferece uma graninha por baixo... É obvio que todo mundo vai aceitar e você pode ver
que a grande parte, aonde, acontece os subornos, são aqueles que são ligados diretamente à
população! Então você tem os dinheiros, você tem os fiscais, você tem as pessoas que estão
de frente com a população...
Outro problema evidenciado nas entrevistas é a falta de um plano de carreira na
prefeitura, que vai culminar nas enormes disparidades salariais existentes e, na maioria dos
casos, fará com que estas diferenças de formação e valorização não sejam contempladas,
pareçam inexistentes, como afirma uma das entrevistadas ao dizer “a subida na carreira
também não significa muito! Determinados cargos, assim 50 a 80 reais a mais”. Assumir
mais responsabilidades ou ter formação superior, neste contexto significa muito pouco, como
observa “você não tem progressão, progressão, mesmo na carreira, você não tem um salário
digno”. Portanto, assumir cargos de maiores responsabilidades em relação ao anterior não traz
ganhos salariais compatíveis às novas responsabilidades na visão deles.
Ainda no que se refere ao sentimento de desvalorização atrelado à falta de uma
política salarial é possível observar que nos últimos anos o orçamento anual da Prefeitura
aumentou progressivamente, mas isto não significou para os servidores qualquer aumento real
e significativo. Na fala de uma das entrevistadas é possível ter esta percepção quando diz
sobre o aumento de 0,01%, realizado há alguns anos atrás: “chegava a ser humilhante um
aumento desses, pra que publicar? Pra que dar esse aumento?”. E, mais ainda, têm clareza
de que não existe progressão na carreira desestimulando a maior parte em se capacitar, por
exemplo.
As condições nas quais os servidores realizam seu trabalho também influenciam a
forma como se sentem e aumentam esse sentimento de desvalorização e impotência à qual
estão sujeitos. Se existem os servidores que não atendem as expectativas esperadas de sua
função, também é notório, para eles, que existem situações nas quais o serviço não pode ser
realizado por falta de recursos materiais e financeiros. Os recursos nas Subprefeituras nos
últimos anos diminuíram e, consequentemente, a capacidade de atender as solicitações de
forma mais rápida e efetiva também. Assim, pequenos reparos são feitos de forma
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improvisada ou com extrema lentidão, expondo ainda mais a imagem negativa da
subprefeitura. A fala é ilustrativa:
Se você vê aí, o outro dia, por exemplo, a gente precisou fazer aí duas ou três vias da
Brigadeiro Luiz Antonio que o cara quebrou para fazer um rebaixamento para entrar o
carro, e a gente aciona o pessoal de obra para fazer isso. O cara ficou um mês ou dois sem
poder ir porque não tinha saco de cimento. Então precisa ter a vontade e ter os argumentos,
né?
Evidentemente, este sentimento de desvalorização também está relacionado às
condições do trabalho. Para dar uma ideia sobre isto, a Praça de Atendimento da
Subprefeitura Sé, passou por um longo período, aproximadamente cinco meses, sem material
básico necessário ao trabalho, como clips, para manter as folhas de um processo unidas. Ou,
como ainda é possível presenciar, cadeiras quebradas, seja roda solta, encostos desajustados e
assim por diante. Não se compram materiais permanentes, ao menos nas Subprefeituras, desde
2010. Numa das entrevistas estas condições estão apontadas:
Olha, nós estamos largado ao relento. Você vê corte de orçamento? O Haddad
começou cortando, congelando todo o orçamento. E aí sai aos pingos, ou seja, tudo que
estava programado foi engavetado, tem que se começar do zero. A gente não tem dinheiro
para nada. Quando aparece alguma coisa, sai todo mundo estapeando, porque o meu é
prioritário, o meu é prioritário.
(...) e aqui dentro acaba ficando a Deus dará... Nós não temos dinheiro para comprar
telefone, nós não temos dinheiro para comprar mesa e nós estamos nessa situação... Já em
2010 a gente vinha sofrendo essa situação, a gente vinha solicitando melhorias internas, tá?
Você tem que concordar comigo, quando você tem um ambiente bom de trabalho, você
trabalha com pique, certo?
O que podemos perceber é que existe uma relação intrínseca entre a representação que
eles fazem de si mesmos, com aquelas que são representadas pelos outros atores; munícipes,
imprensa e políticos. Em parte, esta imagem se constrói e é reforçada pelas condições
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adversas de trabalho, pela escassez de recursos de toda natureza e por não haver, por parte do
Executivo, um investimento objetivo para modernizar a gestão.
4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura
Vimos até o momento como os servidores públicos se percebem em duas
perspectivas: como são vistos de fora e como eles mesmo se vêem e isto tem impacto na
forma como o trabalho se organiza e se realiza. Evidentemente, as condições a que estão
submetidos facilita ou dificulta a realização do trabalho e é sobre esta perspectiva que faremos
a análise.
Primeiro, é preciso compreender como estes servidores entendem o papel da
Subprefeitura, como eles a definem e entendem sua importância para a municipalidade. Como
pudemos observar, a atribuição de serviços de zeladoria e as autorizações para a realização de
obras e serviços passam necessariamente por elas e, portanto, a aproximam dos munícipes.
Mas não é só isto que a define e os motivos por quais elas foram criadas. A ideia da
descentralização carrega em si o anseio de um governo participativo, próximo e ágil, como
poderemos observar na fala da entrevistada:
Quando ela foi criada, ela foi criada com uma boa ideia, é de descentralizar todo o
poder... Que é o que a atual administração está tentando fazer, é trazer de volta que é a
descentralização e acho que fica mais fácil para o Munícipe chegar, aonde ele pode cobrar
suas reedificações. E tem que ser assim, se você tem só um órgão para atender toda uma
cidade, fica difícil essas demandas serem atendidas com certa rapidez, né? Agora se você tem
vários órgãos para atender uma população menor, acho que o atendimento fica mais rápido
e até corpo a corpo. Se você está na subprefeitura Sé e vem o cara aqui, da Aclimação
reclamar aqui com você, você já esta mantendo... Você já é vizinho dele praticamente. Agora
se ele vem de lá e tem que vir aqui no palácio do governo, já é uma distância maior. Não
geográfica, mas a nível de hierarquia. Você não consegue chegar ao prefeito. Você chega aos
assessores só, mas se você chegar.
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Porém, é claro que o papel das Subprefeituras ao longo dos anos foi perdendo seu
objetivo principal de organização e articulação territorial, de mediador de disputas e promotor
do desenvolvimento, sobretudo as populações mais vulneráveis, para se tornar um órgão de
zeladoria com serviços pontuais e limitados. O reordenamento dos últimos anos, com a
supressão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além das coordenadorias, só
diminuiu a autonomia e a capacidade real de intervenção, como podemos observar abaixo:
Era legal para caramba! Porque se sentava todo mundo. Educação, saúde, assistência
social, esportes, cultura... Sentávamos todos e discutimos o que seria bom, para subprefeitura
da Sé como um todo. O que é bom para o Centro, não é bom para o Cambuci, como não é
bom para o Bom Retiro. Então se ouvia todas as áreas, o social como sempre esteve em
todas... A educação e a saúde eram muito ouvidas e a gente direcionava planos de atuação e
de melhorias para esses distritos. Então, a subprefeituras para mim, na verdade era uma mini
prefeitura, um mini gabinete do prefeito, onde a gente podia decidir para o bem da
população.
Essas supressões fizeram com que ações prioritárias locais fossem remetidas às
secretarias. O papel reduziu-se a participar da logística, quase sempre, limpeza e remoção de
objetivos em vias públicas. Como exemplo, podemos observar as ações realizadas na região
da Luz, conhecida como Cracolândia. Estas aconteceram de forma pontual, coordenada por
alguma secretaria e à Subprefeitura coube o papel de limpeza, remoção de barracos e
interdição de imóveis. Não é preciso dizer que ações pontuais como estas têm efeito de curto
prazo e rapidamente a situação volta ao que era. O envolvimento dos atores locais, o papel da
PM e da GCM e as ações posteriores necessárias à manutenção da área não são gerenciados
por quem teria capacidade e atribuição legal para aproximar atores locais. A fala abaixo é
expressiva neste sentido:
Qual é o poder de decisão que a gente tem hoje? De definir aqui para nós que seria
melhor a gente... Ter uma atuação mais presente, tá discutindo com os moradores, os
comerciantes da Cracolândia... Estar ouvindo pessoal que está ali na Cracolândia... O que
seria melhor para gente estar revitalizando naquela? Hoje a gente tem apenas assim, limpa!
A PM está lá, a GCM está lá, a Saúde faz uma açãozinha aqui e outra por lá(...)
85
Outra consequência está relacionada ao não investimento na gestão das
Subprefeituras, com forte impacto sobre o trabalho. Apontamos anteriormente as condições
das instalações das Subprefeituras, precárias e prejudiciais à produção e à qualidade do
trabalho. Assim, a própria capacidade de criação, renovação e ação das subprefeituras foi
atingida profundamente, pois se perdeu a capacidade de dar respostas adequadas às
solicitações dos munícipes. Faltam desde materiais considerados simples até os mais
complexos, sem os quais não é possível precisar o impacto de um vazamento de água e que
pode fazer desmoronar casas. A ausência desses equipamentos de avaliação, por exemplo,
pode atenuar o problema. Esta precariedade é apontada na fala da entrevistada:
Agora, quando você não tem as condições... Você vem empurrando, você caba não
conservando. Ah, para que eu vou conservar essa mesa, se ela já está toda arrebentada? Eu
acabo ajudando arrebentar, né? Terminar de arrebentar o bicho né? Então, para mim
esqueceram que a gente tem funções, que a gente tem atividades a serem desenvolvidas, não
só internamente, como externamente, nós estamos relegados ao segundo plano.
Outro ponto do problema é a gestão dos recursos humanos. O primeiro impacto se
refere diretamente à incapacidade em monitorar projetos e obras, a fiscalizar os serviços das
terceirizadas ou mesmo o trabalho de seus servidores. A consequência disto são os
incontáveis casos de corrupção apontados cotidianamente nas subprefeituras ou a ausência
delas com relação às denúncias feitas pelos munícipes. Esta desfuncionalidade é uma das vias
que vai gerar no munícipe a percepção de morosidade e incapacidade da prefeitura. O
segundo impacto se refere à falta de política de recursos humanos, atuando sobre a reposição
de quadros técnicos. Estudos realizados pela área de recursos humanos da subprefeitura
apontam que, em 2014, aproximadamente 150 servidores poderão entrar com o pedido de
aposentadoria, diminuindo em até 30% o atual quadro de servidores. Profissionais como
Engenheiros, Arquitetos e outros técnicos de qualificação especializada importante para as
Subprefeituras estão em falta e muitos próximos da aposentadoria. Já dissemos anteriormente
que muitos quadros deixaram o serviço público atraído por melhores condições na iniciativa
privada, atenuando o problema. Outro exemplo é possível observar na área de fiscalização,
onde anualmente há decréscimo de servidores, enquanto os serviços aumentam.
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Muita gente, é que dos 1200 agentes vistores, vamos colocar uns 400 na ativa, faltam
uns 800 servidores. Isso porque, esses 1200, vêm desde o ano de 86 (...) e a cidade espichou,
cresceu verticalmente, horizontalmente, os problemas aumentaram e vamos falar por década
e cada década aparecem coisas novas. Hoje o que está ai é pancadão entre outras coisas, né?
E o número de fiscal, de agente vistor fica reduzido.
Durante a análise que fizemos anteriormente pudemos observar dois grupos distintos
de servidores públicos: aqueles que são considerados trabalhadores e toda a outra gama, que
inclui preguiçosos, folgados, corruptos etc. A existência deste segundo grupo deve-se, em
parte, porque não há um acompanhamento das chefias imediatas e, por isso o servidor, nas
palavras de uma entrevistada “se conforma como as coisas estão e, portanto, se contenta com
o que recebe no final do mês. A pessoa não produz, acha que está fazendo um favor. Isto tem
um impacto negativo no trabalho.”. Ou como observa outra entrevistada sobre a
complacência com os desvios “Aí eu já vou incorporar, aí você vai ser o chefe entendeu?
Então vamos lá, eu não estou sabendo de nada! Não estou sabendo de nada!”.
A fala acima mostra duas questões importantes: uma delas se refere justamente à
política de ocupação de cargos de chefia. Como existe na prefeitura a incorporação da
gratificação paga pelo DAS (Direção e Assessoramento Superior) após cinco anos, é comum a
troca dos cargos de chefia entre os membros da áreas. Essa troca é uma das permissionárias
dos desvios de conduta existentes entre os servidores para que possam fazer seus horários
especiais, acumular outros serviços, fazer uso abusivo da máquina pública, ou seja, usar o
carro para serviços particulares, fazer ligações interurbanas com o celular e mesmo fazer vista
grossa sobre propinas. A outra se refere à morosidade, como já apontada, na conclusão de
processos administrativos. Um exemplo é o caso de dois servidores investigados pela CGM
(Controladoria Geral do Município) presos em flagrante. Os mesmos voltaram às suas
funções até que a prefeitura conclua o processo de exoneração, sem previsão de data.
Por fim, entre suprir uma dada unidade e o investimento necessário para uma praça,
acaba-se, quase sempre, fazendo a escolha pela segunda, por se considerarem os impactos
políticos. É evidente que o trabalho do servidor tem como finalidade o munícipe, mas essa
orientação por “abandonar” a subprefeitura como órgão importante fez com o problema se
atenuasse.
Outro problema está relacionado à distancia estabelecida entre o Legislativo,
Executivo e os servidores das Subprefeituras. Primeiro, porque muitas leis são criadas sem
87
que se efetive uma estrutura para que ela possa de fato “pegar”. A segunda questão se refere
ao fato de que muitas leis não consideram pontos importantes dos quais os agentes vistores,
aqueles que estão nas ruas, poderiam opinar e aprimorar os processos. E terceiro, refere-se à
ingerência promovida pelo legislativo. Os vereadores pressionam as subprefeituras para a
realização de determinados serviços (pular a fila), para benefício de suas bases eleitorais ou
pedem a retificação de multas, de processos ou literalmente fazem vista grossa sobre
determinadas inconformidades. A fala abaixo demonstra a ingerência e a dificuldade sobre a
aplicação de certas leis, como podemos ver:
Então era melhor você intimar e esperar o cara se regularizar, ou você multar o cara
e esperar ele se regularizar? Primeiro o cara não tem grana para pagar a multa, se ele paga
a multa não sobra a grana para ele fazer a calçada, então é esse tipo de lei que fica meio
confusa. Tanto fica confusa para a população, pra gente que em Pirituba ocorreu o episódio
bem interessante. Se eu não me engano foi a Globo que reclamou de uma, de um local, que
tinha um degrau na calçada, só que a rua era assim... Era declínio, ai o agente vistor de
Pirituba foi lá e falou, mas poxa, eu vou multar um cara só, se a rua toda está assim? Aí ela
começou, né? Aí tem um vereador que é coligado a vocês e falou. Pô, mas isso aqui é um
absurdo. Vocês estão querendo ferrar tudo aqui, porque essa lei está errada e ele próprio
não tinha conhecimento da lei, apesar de ele ter assinado, e que era uma lei que todos os
vereadores assinaram.
Como podemos observar, as funcionalidades e desfuncionalidades da Subprefeitura
estão relacionadas ao fato de que elas, ao serem deixadas como projeto prioritário do
Executivo, com constantes mudanças ao longo do tempo, tornaram-na um espaço para que se
estabelecessem certas anomalias apontadas ao longo da análise pelos servidores, sendo as
principais: uso indevido da máquina pública, suborno, sucateamento do próprio e escassez dos
mais diversos recursos. Entre os impactos mais sentidos estão a desvalorização do trabalho
funcional e, sobretudo, a qualidade e a capacidade de execução dos serviços para os
munícipes.
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5. Considerações Finais
Como vimos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de criação de instâncias de
governos locais ao final dos anos sessenta, com o intuito de atender mais rapidamente a
população. Seu papel principal era a realização de serviços de zeladoria, dentre eles: poda,
remoção e limpeza de rua. Evidentemente, esse processo de criação acompanhou o
crescimento da cidade, tendo aumentado o número desta instância ao longo dos anos, porém,
isto não trazia consigo o debate sobre descentralização administrativa.
Assim, nos anos oitenta, por conta dos anseios da descentralização advindos da
redemocratização, projetos de governos locais ganhariam força e, instituído no artigo 77° da
Lei Orgânica do Município, nascia o projeto de Subprefeituras cujos objetivos principais eram
desenvolvimento local e fortalecimento dos canais de participação.
Porém, ao longo de sua existência, as Subprefeituras, ou as antigas Administrações
Regionais passaram por alguns períodos importantes e que impactam diretamente na forma
como o servidor criou a representação social detalhada nas análises das entrevistas.
Primeiro, refere-se aos anos noventa, quando a então prefeita Luiza Erundina (PT),
reorienta a organização geográfica e inicia o processo de descentralização. Esse período foi
marcado por intensas disputas, mas aqui vale ressaltar que elas passam a ter nova importância
no mapa político; por conta da derrota do candidato à sucessão, o projeto se interrompe.
Segundo, refere-se ao período Maluf-Pitta (PPB), com oito anos de gestão, nos quais
se destacam dois processos importantes: o engavetamento do projeto de criação das
Subprefeituras (encaminhado pela prefeita anterior) e o uso das mesmas como barganha para
a coalizão de governo, ou seja, como moeda de troca para manter a base governista. Neste
período também, sobretudo na gestão Pitta, eclodiram os maiores escândalos envolvendo as
Subprefeituras, sendo a máfia dos fiscais a mais conhecida. Este período será importante,
porque dará novamente força à recuperação do projeto de Subprefeitura.
Após esse período, vem Marta Suplicy (PT) e implanta as Subprefeituras, cria as
coordenações de Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde e Educação, redistribui
o orçamento e inicia o processo de criação do Conselho Participativo. Evidentemente, o
processo demorou e contou com enormes entraves, dentre eles a dificuldade das Secretarias
em ceder recursos humanos e materiais e o orçamento. Imposta a derrota, novamente as
Subprefeituras passam por nova orientação.
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Com José Serra (PSDB), as Subprefeituras são reordenadas e as secretarias retomam
as coordenadorias, iniciando um processo de centralização e perda de poder. Também é um
período nos quais os Subprefeitos ex-prefeitos do interior sem mandatos (e candidatos
derrotados), ligados, evidentemente, ao prefeito. Ainda que tivessem experiência política,
essas pessoas não necessariamente conheciam as regiões das quais eram representantes no
Executivo.
Por fim, Gilberto Kassab (DEM) assume e inicia um processo de centralização
financeira, concentrando os recursos para a Secretaria de Subprefeitura e iniciando uma
gestão menos participativa, comandada por coronéis reformados. O prestígio que as
Subprefeituras tiveram num curto período decreta-se aqui. A linha dura e conservadora de
alguns coronéis impactou profundamente os canais de diálogos com os munícipes e grupos da
sociedade civil.
Relembramos estes apontamentos porque causam profundo impacto sobre a
representação que o servidor público na Sé constrói em relação à forma como é visto e como
se vê e, consequentemente, como podemos observar as funcionalidades e desfuncionalidades
presentes neste processo. Em grande parte, porque, para cada gestão as Subprefeituras têm um
valor diferente. Se com algumas ganham mais poder e autonomia, com outras o processo
contrário se aplica. Se algumas gestões aspiraram a ter um papel de desenvolver as
potencialidades locais, outras reafirmam o papel de mera zeladoria.
Na análise das entrevistas, os servidores captam como são vistos de fora, de forma
parecida com os velhos jargões existentes em relação a eles e difundidos na mídia e, também,
a forma como eles vêem parte do grupo de servidores, e como se relacionam com estes
estereótipos.
Em relação à forma como são vistos, é possível perceber uma imagem negativa, de um
servidor pouco interessado no trabalho. Ainda que não tenham dito nomes como Barnabés ou
expressões como “marajás” ou “aspones”, expressões chulas que definem servidores como
preguiçosos, fica evidente, para eles, durante as entrevistas, algumas destas características.
Palavras como encostados, molengas, descompromissados, dentre outras, mostram claramente
este ponto. Em parte, essa imagem é reforçada pela morosidade da máquina pública em
responder às solicitações e pelo desconhecimento sobre como se organiza a gestão pública.
De um lado estão aqueles para quem a burocracia precisa ser obedecida e, de outro, aqueles
cujas necessidades são quase sempre urgentes. A escassez de recursos aliada à depreciação
que sofreram as Subprefeituras só trabalhou para reforçar essa imagem, como vimos em falas
90
sobre a falta do mínimo necessário para atender uma demanda. Um adendo importante é que a
falta de clareza sobre o passo a passo de certos procedimentos e a não explicitação dos
mesmos para o público fazem parte deste processo de construção. Ou seja, existe uma cultura
estabelecida dentro das repartições públicas: a necessidade em dificultar o acesso a certas
informações. Para muitos, o acesso imprime mais trabalho e se torna perigoso para alguns
casos. Um exemplo para ilustrar é o uso de áreas públicas. Qualquer cidadão tem direito a
requerer o uso de uma área pública para os mais diversos usos e, embora existam leis que
regulem, não há critérios objetivos para que escolha seja feita. E, dependendo do tipo de uso,
há um processo enorme a ser percorrido. Por fim, ainda dentro disto, os prazos entre a entrada
do pedido e o deferimento ou indeferimento podem levar mais de cinco anos.
A mídia tem um papel importante neste processo de construção e reforço da imagem
negativa do servidor público. O uso calculado de imagem, reportagens, textos, discursos
eufêmicos entre outros recursos associa os mesmos à corrupção, abuso de poder e negligência.
É comum serem associados à morosidade e à demora em oferecer respostas. Como é possível
ver nos telejornais e nas rádios, o problema está sempre associado à demora da prefeitura em
responder àquela demanda, quer se trate de buraco na calçada, praça mal conservada etc.
Os políticos também têm uma imagem parecida com a da mídia e dos munícipes,
quando afirmam que, se fossem os Subprefeitos, também trariam seus homens de confiança
para o trabalho. Estes servidores determinam pouco e estão completamente assujeitados,
exceção àqueles apadrinhados por políticos (durante certo período no qual seu vereador é da
base governista) e às intempéries das mudanças de gestor e de gestão. Em relação ainda aos
políticos, é possível compreender um sentimento de manipulação, poder e ingerência. Para
eles as escolhas nos quadros técnicos respondem a interesses pessoais (as suas bases políticas)
e partidários e, também a realização dos serviços obedece em primeira ordem à determinação
destes.
Quanto à forma como eles se percebem há algumas contradições interessantes. Os
servidores separam dois grupos distintos de trabalhadores: aqueles que entendem os motivos
por estarem ali e a quem servem (em referência aos munícipes) e, outro grupo, o oposto,
aqueles que se beneficiam da máquina pública de diversas maneiras. No primeiro grupo, onde
se encaixaram todos os entrevistados, estão aqueles que trabalham, são honestos, cumprem a
carga diária e trabalham pelos outros. Entre os demais estão os que se beneficiam da máquina
pública; são aqueles descritos da mesma forma que a mídia e os munícipes retratam. A
contradição é esta: por um lado eles entendem serem equivocadas as imagens que a mídia e o
91
munícipe constroem da gestão, por outro, eles mesmos são capazes de enxergar este tipo de
servidor.
A existência de privilégios de uns sobre outros e os pactos velados que se
estabeleceram nas equipes são os principais motivadores disto. A presença destes impacta
diretamente na implantação de mudanças gerenciais porque geram fortes resistências. Os
servidores sentem-se pouco valorizados pela gestão e sabem, porque viram ao longo dos anos,
que não há sinais de mudanças.
O que queremos apontar com isso é que as condições nas quais o trabalho dos
servidores se realiza encontram muitas barreiras, que vão além da escassez. As condições a
que foram impostas as Subprefeituras, no sentido de perder a capacidade gerencial sobre seu
território, os fazem perceberem-se impotentes. O papel das Subprefeituras nas reintegrações
de posse limita-se a acompanhar a Polícia Militar e a promover o emparedamento do local. A
Subprefeitura não pode, sequer, cadastrar famílias nos programas de benefícios. Essa
dependência de outras secretarias tem impacto extremamente negativo. Pode ser que as
famílias fiquem literalmente na rua, o que causa forte impacto no emocional dos servidores.
Outro fator importante refere-se ao que se propõe uma Subprefeitura. As mudanças
ocorridas ao longo do tempo apontam que seu papel estratégico de mediador e coordenador de
desenvolvimento local é impreciso e vago. Não há o menor movimento nos últimos anos que
caminhe neste sentido. As ações estratégicas foram tiradas das Subprefeituras e a demanda de
serviço não vem acompanhada de recursos humanos, o que atenua a demora e, inclusive, a
não realização do serviço. Por exemplo, a ida de alguns serviços para as Subprefeituras nem
sempre é acompanhada da estrutura necessária para a realização.
É preciso reafirmar que não se trata de um discurso fatalista, que não prevê soluções
para as Subprefeituras. O importante é atuar em frentes distintas, para que se possa reconstruir
o papel das Subprefeituras e a representação presente nos tempos atuais.
Nossa análise procura apontar para a necessidade de rever a política de recursos
humanos e aperfeiçoar as formas de acompanhamento do serviço, como já apontamos
anteriormente. Evidentemente, isto precisa vir acompanhado de recursos humanos, materiais e
financeiros, para que o serviço possa ser realizado dentro das conformidades: tempo, prazo e
qualidade. E, isto passa também por reconsiderar a descentralização como um projeto político,
retomando-o e fortalecendo esta instância de governo.
Construir processos de escuta e considerar os servidores na elaboração de leis e
projetos é outro fator fundamental: pela experiência adquirida na rua e ao longo dos anos, os
92
servidores conhecem bem as incoerências presentes. A quantidade excessiva de leis é um dos
grandes problemas, porque, ao mesmo tempo em que facilita, por um lado, pune por outro.
Assim, para exemplo, podemos usar as cooperativas de recicláveis. A prefeitura cria
programas e, ao mesmo tempo, pode autuar cada uma delas por inumeráveis inconformidades.
Todo fiscal lotado em Subprefeitura sabe que, sem o uso do bom senso, nenhum
estabelecimento comercial estaria aberto hoje na cidade de São Paulo. Por isso, compreender
e encontrar meios conjuntamente é a melhor solução na busca preventiva, e não punitiva em
relação aos munícipes e demais segmentos.
É importante ressaltar a importância do servidor público, pois é ele quem vai atender
as demandas dos munícipes: ele é o representante do poder público naquela região. A forma
como ele enxerga a gestão pública tem forte impacto sobre a maneira como realizará seu
trabalho. Por isto, é importante criar mecanismos que possam ajudar as Subprefeituras a se
organizarem para reivindicar mudanças necessárias, como também ajudar o governo a rever
decisões que impactam diretamente as Subprefeituras.
Também é fundamental destacar a importância das Subprefeituras como instâncias de
governo, que podem promover o desenvolvimento, mediar os conflitos no território e
promover a participação local. A cidade de São Paulo, por suas dimensões, não pode ser
gerida apenas por um governo central. Esse centralismo promove apatia em grande parte dos
servidores, o que reverbera na qualidade dos serviços.
Finalmente, é preciso ressaltar a valentia desses profissionais, que cotidianamente
fazem a cidade acontecer.
93
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insatisfação no servidor e comprometem a qualidade dos serviços prestados - VII SEGeT
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97
ANEXOS
I
Subprefeitura
O que é subprefeitura para você? E para o que ela serve?
Como vocês veem a situação geral das subprefeituras hoje em dia?
Quais são as causas principais desta situação?
E há possibilidades de mudança? Se sim, quais e como? Se não, por que não?
Fala-se muito em corrupção e suborno nas Subprefeituras. Isto procede ou não?
Se não, por quais motivos circulam estas impressões?
Se sim, quais são as principais causas da corrupção e falta de respeito as leis?
Você conhece os distritos da Subprefeitura?
Funcionalismo Público
Em sua opinião o que seria um funcionário público?
Como os munícipes vêem os servidores da Subprefeitura?
Em sua opinião como os partidos políticos percebem o funcionário público?
Em sua opinião, como a mídia define o funcionário público?
Como você acha que os servidores públicos se percebem?
Quais tipos de servidores existem em sua opinião? (descrever em percentual)
Quais políticas ou projetos são mais facilmente implantados pelos servidores?
O que facilita? O que dificulta?
Você acredita que os gestores sabem da importância dos servidores de carreira para
implantação de políticas? Você sente que escutam uma demanda sua ou não? Como você lida
com isso? E como os outros lidam?
Munícipe
Na sua opinião, quais são as principais reclamações dos munícipes sobre as subprefeituras?
Na sua opinião como o munícipe percebe o funcionário público?
A subprefeitura atende as solicitações do munícipe com satisfação? Se não, por quê?
98
História de vida
Por que você se tornou funcionário público?
Quais fatores pesam para o funcionário (você) implantar os projetos da Prefeitura?
10
INTRODUÇÃO
Meus últimos três anos têm sido dedicados à Administração Pública. Contar como este
processo se iniciou é importante para entendermos como cheguei a propor esta dissertação. O
caminho até aqui é longo, mas o descreverei em pequenos trechos nos parágrafos a seguir.
Trabalhei alguns anos em organizações sociais que desenvolviam projetos, sobretudo
no ramo de empreendedorismo, na parte estratégica de desenvolvimento e geração de
emprego, trabalho e renda, área em que os governos têm muitas dificuldades na efetivação de
políticas eficazes e duradouras.
Depois de anos dedicados a este tipo de atividade, comecei a estabelecer relações com
governos, apresentando propostas de trabalho, conhecendo projetos e assim por diante. Foi
então que, em 2011, ganhei uma bolsa para fazer um curso focado em planejamento, no qual o
público principal eram pessoas da gestão pública.
A partir desse ano comecei a fazer trabalhos de moderação em planejamento
estratégico para os mais diversos atores: empresas, governos, terceiro setor e grupos auto-
organizados, sobretudo com foco na temática racial, direitos humanos e desenvolvimento
social. Diante desta experiência adquirida e da rede de relações que se formou, recebi o
convite para assumir a Diretoria de Planejamento e Gestão Pública na Secretaria de
Planejamento e Gestão Pública, no município de Diadema, região metropolitana do Estado de
São Paulo.
Observando segundo a perspectiva de um consultor em planejamento, passei a me
sentir intrigado diante do fato de que planos bem elaborados de trabalho perdiam-se no
cotidiano, quando se tratava de governos.
Descobri que, quase sempre, o maior valor de um planejamento consistia em alinhar
equipes de acordo com seus principais desafios, positivos e negativos e estabelecer um norte
de trabalho para a gestão. A prática tem demonstrado que aquilo que se planeja sofre
profundas alterações, fundamentalmente porque as prioridades se invertem, as equipes
mudam e sofrem para lidar com as intempéries de seus governos e gestores. Ir para Diadema
era, portanto, um grande desafio: entender estas dificuldades e atuar sobre elas.
A cidade de Diadema ensinou-me muito em um ano e dois meses, período em que
trabalhei lá. Mesmo sendo uma cidade pequena os desafios, porém, são comuns aos de outras
11
cidades brasileiras. E foi essa observação que me inspirou o presente trabalho, conforme
relatarei adiante.
Como diretor de planejamento, pude observar que havia muitas inconsistências na
administração da cidade, e que, com a experiência de consultor de planejamento, é possível
observar tal fato em outros níveis de governo e em outras prefeituras. Por exemplo, a intensa
luta por poder e recurso que cada secretaria promove para si é, sem dúvida, um dos maiores
problemas para administrar uma cidade, sobretudo a partir da perspectiva de planejamento.
Isto se torna ainda mais difícil porque envolve a governabilidade com o legislativo.
A respeito deste primeiro problema, a governabilidade, tem-se uma clara fragmentação
no governo, ou seja, as secretarias pequenas têm pouca possibilidade de atuação e nos cortes
dos recursos são mais gravemente afetadas. Não possuem fôlego suficiente para aplicar suas
políticas; faltam recursos humanos (em números e em qualificação), materiais e equipamentos
adequados. Além disso, dependem muito da colaboração de outras secretarias, que detêm os
recursos financeiros.
As grandes secretarias (Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Finanças),
tocam seus projetos e têm muitas dificuldades de serem orientadas. Cada uma age por si
própria, criando poucos canais de diálogo com outros órgãos da administração municipal.
Essa fragmentação faz com que cada uma construa suas próprias políticas e formas de
atuação. O resultado é uma sobreposição absurda de políticas e ações, em muitos casos,
contraditórias. Para exemplificar, enquanto uma secretaria atua no combate ao uso de
substâncias químicas enfocando a redução de danos, a outra visa à repressão ao uso. Ou é
possível observar a criação de projetos por parte de uma secretaria, enquanto outra teria
conhecimento suficiente e adequado para apoiar. Por exemplo: a Secretaria da Educação
desenvolve seu próprio projeto de geração de renda, quando esta atribuição deveria contar
com a experiência da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
O que podemos notar é que um dos desafios existentes atualmente consiste em tentar
eliminar o isolamento, a fragmentação e a sobreposição da ação governamental no território e
também internamente, pois isto traz consigo enormes prejuízos ao município e a sua
população. Este é um dos motivos que emperram a descentralização dos governos, pois o
modelo “cada um faz ao seu modo” não gera transparência, eficácia ou participação.
Como se estes problemas não fossem suficientes, o governo trabalha com foco
limitado e de olho em sua popularidade, o que leva as prioridades, ao menos na experiência da
qual participei, a se inverterem constantemente. As energias dispersam-se e os recursos, além
12
de escassos, são também mal distribuídos, o que tem impacto direto na administração, porque
os investimentos na gestão e modernização não são prioridade. Tal impacto pode ser sentido
na baixa capacidade técnica das equipes, na falta de técnicos qualificados e atualizados e nas
próprias ferramentas de gestão presentes nas prefeituras. Sem ferramentas de gestão,
acompanhamento e participação, o governo vai perdendo-se na sua capacidade de realização.
É comum observarmos obras de viário atrasarem anos para serem entregues, comprometendo
o orçamento, assim como podemos ver repetidamente nas mídias erros que exigem reformas
caríssimas para a administração pública e/ou casos de corrupção e favorecimento. Há, além
disto, a precariedade de alguns próprios municipais1, em péssimas condições de conservação e
com equipamentos desatualizados e quebrados, sem levar em conta todos os que estão em
falta. Tal fator tem impacto direto na produtividade dos servidores municipais e na qualidade
do atendimento ao munícipe.
Estes desafios são os principais fatores que prejudicam qualquer planejamento e
gestão, mas há um muito importante a ser considerado: os recursos humanos. São eles,
constituídos pelos servidores do serviço público, que estão no cotidiano das políticas
municipais.
Tais servidores estão sujeitos, a cada quatro anos, a um novo prefeito que, com sua
equipe, imprime novos projetos e rumos ao município, processo este que costuma ser
acompanhado de muitas rupturas e mudanças nos quadros e formas de se criar e executar
políticas. Os servidores, por seu lado, perpassam gestões e desenvolvem crenças, valores e
alianças, que permeiam seu trabalho ao longo dos anos.
Prosseguindo o relato sobre minha trajetória, em janeiro de 2013 me transferi para São
Paulo, a fim de trabalhar no gabinete da subprefeitura Sé. De todas as subprefeituras, a Sé
conta com algumas particularidades que a tornam a mais importante da cidade. Comparada às
outras, é a que se encontra em melhores condições quanto à estrutura e equipe, inclusive
porque está menos sujeita a intervenções parlamentares e seu executivo costuma ter apoio e
anuência do prefeito da cidade. Dentre os fatores que a tornam importante está o fato de ser
central e ter oito distritos por onde circulam diariamente milhares de pessoas, tornando-a a
vitrine da cidade. Mas, ao chegar a esta subprefeitura, pude deparar com todos os problemas
vividos na outra administração, em proporções maiores, já que a Sé conta com uma população
maior que a cidade de Diadema e está em constante exposição midiática.
1 Consideram-se aqui os prédios públicos onde funcionam serviços de qualquer natureza.
13
Resumindo, a falta de investimentos na modernização administrativa, a falta de
quadros técnicos, a ausência de uma política efetiva de carreira, a cultura de centralização
política, administrativa e orçamentária e a descontinuidade de projetos são fatores
fundamentais no centralismo que existe nas gestões municipais, onde quer que esteja.
Estas dificuldades também estão presentes nas Subprefeituras, projeto político de
descentralização da administração da cidade de São Paulo, sobre as quais dedicarei meu
estudo. O projeto de descentralização, que previa forte incidência local e políticas focadas no
território, aliado à participação e acompanhamento dos munícipes na gestão, nunca conseguiu
concretizar-se efetivamente, como previa o projeto original. Ora por falta de articulação, ora
por falta de interesse em dar continuidade ao projeto, nenhuma gestão deu conta realmente do
projeto previsto. Isto causou forte impacto à cidade, pois esta não conseguiu efetivar canais de
comunicação e participação, além de se tornar frágil a diversas formas de corrupção nos
estratos mais baixos da administração local. Também se consolidaram o sucateamento e o
apadrinhamento parlamentar, aliados a uma burocracia enlouquecedora, confusa, dúbia e que
se sobrepõe o tempo todo.
No meio deste cenário encontram-se os servidores públicos, sujeitos às mais diversas
intempéries e mudanças que, ao longo de todos os anos, foram produzidas. Em algumas
gestões as subprefeituras tiveram mais ação, poder e prestígio; em outras foram relegadas ao
papel de zeladoria e barganha política.
Diante deste quadro nos perguntamos: como o funcionário reage a tudo isto? Como
executa seu trabalho? Ele é consultado? Como percebe a visão do munícipe em relação a ele?
E a mídia? E os políticos aos quais ele está sujeito a cada quatro anos? Os funcionários são
consultados na construção de políticas ou na forma de implantá-los? O que os motiva ao
trabalho? Sentem-se valorizados? De que forma?
Este estudo é dedicado a entender o servidor público, sujeito fundamental na execução
das políticas pensadas pelo Executivo e criadas no Legislativo. Ainda que possa parecer que
parta de um olhar fatalista sobre a administração pública, é fundamental ressaltar a
importância desses homens e mulheres que produzem, executam e acompanham a política na
cidade. São indivíduos que, em muitas ocasiões, levam o governo a não cometer ações
arbitrárias em relação aos munícipes em situações-limite (limpeza de área, desocupação,
reintegração de posse etc.). São milhares os casos em que esses agentes públicos lutam
bravamente para que um projeto tenha sucesso e alcance. Afinal, só a gestão pública tem
14
condição de afetar todos os seus cidadãos com políticas, projetos e programas, além de mediar
as diversas tensões existentes em seu território.
Esta dissertação tem, portanto, a intenção de contribuir com a literatura de
administração pública, bem como a de psicologia social, ao compreender a representação
social dos servidores públicos. Com isso, compreender as ações que possam efetivar práticas
que contribuam para a melhora da cidade e da administração.
Para isso, percorreremos brevemente a história da descentralização, que significa
passar pela construção do município no Brasil e seus desdobramentos, para entender o
município de São Paulo. Em seguida, procuraremos entender os desafios da cidade e a
importância das Subprefeituras por meio de sua história. Por fim, adentraremos no caso da
Subprefeitura Sé, onde descreveremos os desafios enfrentados, tentando entender o
funcionalismo neste contexto e a representação que criou de si.
15
1. Da ideia de município à Subprefeitura
Os anos 80 foram marcados por intensas disputas políticas no campo internacional,
como decorrência da consolidação de forças distintas: capitalismo, comunismo e socialismo.
Ao mesmo tempo, nos países latino-americanos, eram cada vez maiores as pressões pelo fim
da opressão imposta por regimes militares ditatoriais.
Além dos limites impostos e da excessiva violência, eram tempos de intensas crises
econômicas e sociais, gerando inflação, estagnação, desemprego e miséria, principalmente nas
regiões mais carentes do Brasil. O milagre econômico já não existia, o gasto público
incontrolável e as dívidas externas cresciam em larga escala. Aliado a isto, o aparelho
burocrático já não respondia aos desafios impostos aos tempos correspondentes. Era
imperativo o desejo de mudança, que culminaria na queda do regime ditatorial e na
construção da nova Constituição Federal de 1988, que tinha como anseio não só perpetuar os
direitos humanos e a não possibilidade de novos golpes, mas também dirimir as
desigualdades, descentralizar e promover participação popular no acompanhamento da gestão
pública nascente. Por isso, é possível dizer que era preciso, na visão dos constituintes,
reformar o Estado com enfoque na universalização de acessos aos serviços e à participação, o
que só faria sentido ao transferir aos municípios essa responsabilidade, cabendo ao governo
federal o financiamento e a regulação dos serviços no que tangesse ao município
(ARRETCHE, 2002).
A República Federativa do Brasil é, conforme descreve nossa constituição, a união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado
Democrático de Direito (art. 1°, CF)2. Cada um destes entes possui, portanto, autonomia sobre
seu território. Por ser um país federativo, os governos têm prerrogativas invioláveis, que
conferem a eles autonomia, ainda que possam legislar sobre a mesma população e território.
A União é regida por sua Constituição Federal, que atribui a este órgão o dever de
implantar políticas de desenvolvimento nacional, distribuindo recursos, criando e orientando
políticas, além de garantir a segurança nacional. Também tem como objetivo assegurar o
desenvolvimento nacional, em todas as perspectivas, além de garantir o acesso à justiça,
2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
16
liberdade e desenvolvimento, garantindo equidade no que se refere à distribuição de recursos
e diminuição de mazelas sociais.
1.1O Município como ente federativo
A trajetória da redemocratização concretiza-se em 1988, na promulgação da nova
Constituição, reconfigurando a atuação dos municípios e garantindo-lhes autonomia, o que, na
prática, significou maior distribuição dos recursos e, portanto, independência financeira e
política, que se refere a criar suas próprias leis e administrar seu território. Além da escolha de
seus governantes, sem quaisquer restrições, os municípios também ampliaram sua base
tributária (SIQUERA, 2003), além das transferências constitucionais da União e do Estado.
Para Pinto (2003),
ao Município foi atribuída a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e a competência dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ação por essas esferas. (PINTO, 2003, p. 40)
Ainda que os municípios já existissem no Brasil, sua autonomia só passa a ser
garantida nessa constituição. Este processo, de construção de Constituições republicanas, não
se iniciou recentemente. Segundo Siqueira (2003), o Brasil já havia passado, até a
promulgação de 1988, por mais três processo de descentralização. Estas constituições (1891,
1934 e 1946), de algum modo trataram do tema de descentralização e, por diversos
impeditivos, não avançaram. Para o autor, na Constituição de 1891, a dificuldade concreta
para a viabilização da autonomia municipal foi a escassez de recursos colocados à disposição,
como também a função atribuída aos estados, quais sejam, o controle administrativo,
financeiro e a fiscalização. Siqueira confirma que:
a autonomia municipal era praticamente inexistente, permanecendo os municípios sob tutela dos Executivos estaduais, que garantiam a sua base de apoio político através da manipulação exercida sobre os governos locais (SIQUEIRA, 2003, p. 18).
Já a Constituição de 1934, que permitiu a eleição de vereadores e prefeitos e incluía a
participação dos municípios na arrecadação tributária, tornava nula a autonomia municipal,
17
pois permitia que os Executivos estaduais controlassem administrativa e politicamente os
municípios, por meio dos departamentos de municipalidade.
A conhecida Constituição Municipalista, de 1946, retomou a discussão do
fortalecimento dos municípios e o rearranjo financeiro e tributário. Previa, com favorecimento
aos municípios mais pobres, o repasse de 10% das receitas de Imposto de Renda e a
devolução do excesso de arrecadação de impostos de rendas locais de qualquer natureza
(SIQUEIRA, 2003). Na implantação e cumprimento desta Constituição, houve, porém,
impeditivos determinantes, que impuseram insucesso a esta tentativa de garantir autonomia
municipal. Para Siqueira, os principais pontos foram: irregularidades nas transferências de
tributos por parte da União e dos estados, a baixa capacidade dos municípios de explorarem
seu potencial de arrecadação, a constante intervenção nos municípios por parte dos estados,
por conta de empréstimos ou dívida fundada e, por fim, as restrições às eleições para prefeito
nas capitais e outros pontos considerados importantes para defesa nacional.
1.2 A importância do Município
Com a aprovação da Constituição de 1988, põe-se fim ao modelo burocratizado e
centralizado da gestão brasileira, dando aos municípios a responsabilidade de serem os
indutores da criação e implantação de políticas de desenvolvimento local. Desta forma,
deixam de ser apenas zeladores que regulam a ocupação das vias públicas, construções,
trânsito e medidas relativas a feiras, espetáculos públicos e conservação de logradouros.
Vamos compreender essa descentralização, definindo-a como um processo pelo qual
os níveis periféricos, no nosso caso o município, se tornaram detentores de poder. Isto para
transformá-lo em eficaz e ágil, ao estreitar as relações entre a sociedade e o estado. Nesta
constituição, portanto, o governo municipal passou a prestar os serviços públicos diretamente
aos munícipes. Posto desta forma, nas palavras de Junqueira (2003):
O poder municipal, no Brasil, tem como competência organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O exercício dessas competências tem relação direta com a garantia dos direitos sociais do cidadão. (JUNQUEIRA, 2003, p. 50 )
18
Significa dizer que nesta constituição, que se refere ao espaço local, o município, enxerga os
usuários como capazes de explicitar suas necessidades não satisfeitas e aprender a se colocar
diante dos serviços como cidadãos. Essa descentralização implica que cada município pode
levar em consideração as diferenças econômicas, técnico-financeiras, administrativas e
políticas para desenvolver suas ações.
No Brasil, com suas dimensões continentais caracterizadas por intensas desigualdades
sociais, econômicas, políticas e administrativas, além das características territoriais de cada
uma de suas regiões, a existência de municípios parecia imprescindível, pois estes espaços
deveriam permitir aos munícipes a tomada de decisões sobre assuntos de seus interesses. Na
visão de Pinto (2002),
não só como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico e simbólico que se transforma em um campo de respostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais de nossa época. (PINTO, 2002, p 52.)
Ora, a importância do governo local é justamente ser local, ou seja, um ente que
possibilita oportunidade de participação e assegura a distribuição eficiente dos serviços, além
de melhores condições de alocar os recursos públicos, atendendo às necessidades dos
cidadãos, justamente por estar mais próximo das localidades onde estão implantadas. É essa
capacidade de aproximação, de troca entre governo e localidade, que lhe permite criar uma
visão privilegiada do território. Mesmo dentro destes espaços existem disputas por interesses
antagônicos, com pequenos grupos articulados tentando impor sua vontade à maioria. Mas é
no território que essas disputas podem se tornar evidentes e que pressões podem ser exercidas
no sentido de atender às necessidades citadas. Também o estado, em sua posição privilegiada,
pode mediar os conflitos existentes.
Quando falamos sobre a importância do município como ente federativo e toda a luta
promovida durante as constituições pelos emancipadores municipalistas3, as perguntas são a
respeito do que exatamente defendem e sobre o que legisla o município que o torna tão
importante. Cada município tem sua própria Lei Orgânica Municipal e, respeitadas as
condições e necessidades de cada localidade, é certo que temas como os listados abaixo sejam
atribuições do município:
3 Aqueles que defendiam a existência dos municípios.
19
• Delimitação do Perímetro Urbano: descrição das áreas do município, criando zonas
urbanas e rurais e definindo impostos, condições de usos dos terrenos e edificações.
• Controle do Parcelamento do Solo: lotear e desmembrar terrenos, garantindo
condições mínimas indispensáveis ao seu uso em habitação. Garante áreas para
construção de praças e equipamentos urbanos, como postos de saúde, escola, parques
etc. Além disso, regulamenta as áreas para o tamanho das ruas e calçadas.
• Zoneamento de Uso e Ocupação: neste quesito cabe ao governo municipal orientar a
localização de diversas atividades que possam existir numa determinada região
delimitada no município. Sobretudo nos municípios de médio e grande porte, a
discussão se torna essencial, para gerenciar conflitos entre os diversos interesses.
Alguns dos recortes delimitados são: áreas para habitação, comércio, indústria e
serviços. Há preocupação com ventilação, trânsito, insolação e área livre em cada
terreno. Com isso, é possível dimensionar e prever as necessidades destes locais.
• Estrutura viária: também mais comum para os municípios de médio e grande porte,
aqui se define quais são as vias principais e toda logística de trânsito, para gerar
conforto e segurança. Também separa o trânsito local do tráfego pesado, como
caminhões. Regulamenta ruas, redes semafóricas, dentre outras, como a pavimentação
e conservação.
• Localização dos Equipamentos Púbicos: Conforme as necessidades do município,
este deverá instalar equipamentos públicos que dêem conta das necessidades locais.
Por exemplo, se uma área ganha novas moradias, precisa prever áreas para a
construção de creches, escolas, posto policial, bancos, postos de saúde.
• Controle de Edificações: também são municipais os critérios que estabelecem a
permissão de reformas e ampliações de edificações residenciais, comerciais e
industriais, considerando, evidentemente, os critérios já citados acima. Aqui devem ser
previstos impactos que se referem a escoamento das águas pluviais, rede de esgoto e a
capacidade do terreno para sustentar as alterações.
• Saneamento Básico: Este ainda é um problema em quase todos os municípios
brasileiros, dado que menos da metade do país conta com saneamento básico, que é
fundamental para a preservação da saúde e diminuição do risco de doenças. Quase
sempre, por serem obras onerosas e não expostas, não são prioridades dos governos
municipais. Mas, de qualquer modo, cabe ao município cuidar da limpeza urbana, que
significa designar a coleta e disposição dos esgotos.
20
• Limpeza Urbana: regulamenta a limpeza das ruas, residências e espaços públicos,
além de regulamentar leis que levem grandes estabelecimentos a destinarem seus
próprios resíduos aos lugares devidos, conforme o ramo de atividade. Em alguns
municípios já existem leis que regulam o lixo doméstico.
• Transportes Urbanos: segundo o artigo 37 do DECRETO Nº 62.926, DE 28 DE
JUNHO DE 1968, é responsabilidade do município conceder, autorizar e permitir a
exploração dos serviços de transporte coletivo. Por isso, percursos, paradas, horários e
linhas são pensados no conjunto da cidade e devem considerar os pontos acima,
principalmente no que se refere à disposição das pessoas. Nas médias e grandes
cidades este serviço é quase sempre privatizado.
• Educação: sobretudo na primeira infância, no que se refere a creches, pré-escola e
ensino fundamental o município tem papel preponderante. Obedece a leis federais,
mas tem autonomia sobre implantação e gerência.
• Saúde: a saúde é atribuição, como a educação, das três esferas de governo. Sobretudo
por seus custos onerosos, os atendimentos de baixa complexidade são quase
exclusivos dos municípios. Assim, as UBSs e UPASs são quase sempre de
responsabilidade dos municípios. Quando os casos envolvem tratamento de média e
alta complexidade, sobretudo os segundos, passam a ser responsabilidade do Estado/
União. Por exemplo: o tratamento de câncer é quase sempre responsabilidade do
estado.
• Assistência Social: Aqui se devem garantir as condições mínimas de sobrevivência e,
além disso, implantar projetos de apoio e desenvolvimento da infância, juventude e
velhice.
• Outros Serviços Urbanos: serviços funerários e cemitérios, iluminação pública,
abastecimento: feiras livres e mercados, preservação do patrimônio histórico e Ordem
Pública.
Pelos quesitos acima é possível entender como, sob seu território, o município tem total
gerência4 e grandes responsabilidades. Vejamos, por exemplo, o caso da Educação.
Respeitadas as leis federais segundo as quais os municípios necessitam orientar-se, cabe ao
município aderir ou não às políticas de desenvolvimento da educação. Ou seja, ainda que
existam regras a serem cumpridas, com o risco de sanções, o município continua com o poder 4 Exceção feita a leis de instâncias superiores, que podem sobrepor-se à municipal. Ou seja, se houver duas legislações sobre um mesmo tema, prevalece a do ente superior.
21
sobre a implantação e a gerência. Portanto, cabe ao município atribuir suas regras de
contratação de professores, a escolha do material didático e sua compra, a gestão da escola e a
política municipal, a merenda e o transporte escolar, respeitando as leis que regem estes
processos e determinam diretrizes. Da mesma forma, também funciona a política de saúde e
outros programas, de impacto direto sobre a população.
Vale dizer que a descentralização, como projeto político de diminuição da distância entre
governo e sociedade infelizmente não se efetivou da forma como a pensavam os
municipalistas. Os grandes temores da corrente contrária a este pensamento municipalista
eram, principalmente, a continuidade (ou o aumento) das desigualdades, por exemplo, na
distribuição dos recursos5 entre os entes e o coronelismo, característico da política brasileira,
sobretudo em áreas rurais – espaço onde ocorreu a maior quantidade de emancipações e
desmembramentos de municípios. Cabe aqui ressaltar que a média da população nos
municípios brasileiros é de aproximadamente 30 mil pessoas.
Além das dificuldades citadas, outras duas preocupações se tornaram presentes na
municipalização. Uma delas é o fato de alguns municípios não se comprometerem com
políticas nacionais importantes, mesmo recebendo recursos para isto6. A outra é que ainda não
se vê a participação efetiva dos munícipes na gestão dos municípios, com exceção de alguns
casos pontuais. E este é um dos pilares fundamentais do projeto municipalista. Nas palavras
de Lobo (1990):
Ora, a transferência de poder para agentes governamentais mais próximos da população só se justifica quando a mesma for acionada para participar do processo. Não há porque descentralizar se se quiser manter intacto o poder absoluto do Estado, mesmo em sua manifestação regional ou local. Governos estaduais e municipais, como mostra a experiência, podem ser tão centralizadores como o governo federal. (LOBO, 1990, p.10)
Vimos até o presente a importância dos municípios para a gestão do território; ao
mesmo tempo, o fato de se criarem municípios não significou que as mudanças necessárias
aconteceram de fato e, com elas, a tradução desta importância. Este ainda é um debate presete.
1.3. As características do Município brasileiro
5 Para alguns dos estudiosos o aumento de municípios também foi um artifício notadamente político para haver mais acesso a recursos e construção de hegemonia política. 6 Atualmente já existem mecanismos que comprometem e responsabilizam o município pela garantia da execução do projeto conforme previsto.
22
A União é composta por um conjunto de 5565 municípios7, distribuídos em 26
estados, além de contar com o Distrito Federal. Com mais de 190 milhões de pessoas,
segundo dados do IBGE, somos um país de extrema população urbana, aproximadamente
84%, e concentramos grande parte dela em algumas capitais do país, sendo as principais São
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O Brasil tem um caso bem peculiar de federação, pois sua municipalização não é
decorrente de processos de urbanização; houve, portanto, uma fragmentação de cidades para
melhor gerenciamento. Em nosso território, os municípios resultam quase sempre da
fragmentação de pequenos municípios espalhados por regiões interioranas. Em parte este
fenômeno se explica pela explosão de municípios nascidos após a CF de 1988: são cerca de
30% do total existente.
Conforme dados do IBGE, é possível observar que os municípios com população de
até 50 mil habitantes representam 89% de todos os municípios. Em números, isto significa
4958 municípios, porém, o total de habitantes representa apenas 37% da população. Os
grandes municípios, a efeito de comparação, não representam 1% do total dos 5565, mas
possuem uma população de 21% do total de 190 milhões de habitantes.
Em especial, no estado de São Paulo, há o maior município: a capital São Paulo, que
conta com 6% de toda população brasileira e é o único município com população acima de 10
milhões de habitantes. Além disso, dos 15 municípios com população acima de 1 milhão,
podemos citar quatro: Campinas, Ribeirão Preto, Guarulhos e o já citado São Paulo.
Esta característica dos municípios brasileiros, imensamente localizados em regiões não
urbanas, é característico do nosso processo emancipacionista, como observou Tomio (2005):
com exceção das regulamentações sobre a criação de municípios em cada estado brasileiro, não existe qualquer planejamento centralizado nas esferas superiores de governo sobre a fragmentação territorial e o funcionamento destes. Em síntese, comparada à ocorrência de processos similares em outros países, as emancipações municipais no Brasil distinguem-se porque são muito mais numerosas, concentram-se em áreas pouco urbanizadas e não são ordenadamente planejadas pelos níveis de governos mais abrangentes (TOMIO, 2005, p. 8).
Abaixo, em tabela feita por mim, podemos observar números mais gerais sobre os
municípios, no que se refere à classe de tamanho e população em cada um deles.
7 IBGE
23
Número de Municípios
Brasil: Classes de Tamanho da População
Total 5565
Até 10 000 2515
De 10 001 a 50 000 2443
De 50 001 a 100 000 324
De 100 001 a 500 000 245
De 500 001 a 1 000 000 23
De 1 000 001 a 2 000 000 9
De 2 000 001 a 5 000 000 4
De 5 000 000 a 10 000 000 1
Acima de 10 000 000 1
População dos Municípios
Total 190.732.694
Até 10 000 12.939.483
De 10 001 a 50 000 51.123.648
De 50 001 a 100 000 22.263.598
De 100 001 a 500 000 48.567.489
De 500 001 a 1 000 000 15.703.132
De 1 000 001 a 2 000 000 12.505.516
De 2 000 001 a 5 000 000 10.062.422
De 5 000 000 a 10 000 000 6.323.037
Acima de 10 000 000 11.244.369
De maneira geral, com exceção de alguns de grande porte, a maior parte dos
municípios possui baixa capacidade de arrecadação e sofre com os precatórios, que são
pagamentos determinados pela Justiça e estão inclusos no orçamento. O outro agravo é sua
limitada condição de investimentos. Portanto, é evidente a dependência ao FPM (Fundo de
Participação Municipal) e aos repasses de recursos do governo federal e dos estados para a
implantação de programas, políticas e projetos.
Outra característica enfrentada por quase todos os municípios brasileiros se refere à
gestão do município. Em maior ou menor escala, os principais desafios que enfrentam se
relacionam ao crescimento desorganizado da cidade, falta de estratégia para o aumento da
24
arrecadação, leis mal elaboradas e sobrepostas, atendimento ao munícipe, planejamento e
gestão de médio e longo prazo, quadro de servidores e a condição político-eleitoral.
Quando nos referimos ao atendimento, além da falta de qualidade do serviço, há
também falta de processos organizados e padronizados e postura inadequada de servidores,
muitos deles desmotivados e com baixos salários, além da baixa ou inexistente capacitação
para exercício da função etc. Podemos citar, por exemplo, as centrais de atendimento ao
cidadão, que são, nas grandes cidades, o principal canal de comunicação entre o governo e o
munícipe. Em São Paulo, por exemplo, é notório o desconhecimento dos servidores sobre os
sistemas ou mesmo dos serviços que estes locais oferecem8.
O quadro de servidores também se tornou um grande desafio para as gestões
municipais, em todo o país. Além de não conseguir oferecer os salários competitivos, os
municípios também deixaram de ser alternativa atrativa para a estabilidade, dada a lenta
progressão salarial e na carreira. Isto, dentre as diversas consequências, atrai quadros ruins9,
aumenta a carência de servidores para áreas nevrálgicas, atenua a cisão entre políticos e
técnicos, além do desconhecimento da gestão orçamentária etc.
Na dimensão político eleitoral é notória, por exemplo, a descontinuidade entre os
diversos sucessores. Em cidades pequenas a cisão costuma ser contundente: interrompem-se
os projetos anteriores para iniciar novos. Em São Paulo, por exemplo, leis que foram criadas
em governos anteriores e que foram revogadas ou ignoradas são incontáveis. As mais
contundentes dizem respeito ao Conselho de Representantes e às Subprefeituras, que tiveram
amplo apoio da população, mas foram automaticamente abandonadas nas gestões posteriores.
Outro caso comum são as ações impetradas pelo Ministério Público, que interferem
diretamente sobre programas, políticas e processos criados por governos municipais. Pra
prosseguir com o caso de São Paulo, leis que regulam a permissão de comércio ambulante, as
TPUs10, foram desarticuladas por incontáveis liminares. Ainda dentro desta dimensão estão as
disputas políticas acirradas e constantes, muitas vezes entre o executivo e o legislativo, mas
também dentro das bases de sustentação que compõem um governo. Hajam vista as disputas
impostas, por exemplo, pela administração das subprefeituras, que, no passado, recebiam a
8 Num levantamento recente coordenado pela Assessoria do Gabinete da Subprefeitura Sé, descobriu-se aproximadamente 150 serviços oferecidos pela Praça de Atendimento. Porém, é claro, há o desconhecimento por parte dos servidores sobre estes serviços, além de saber qual sistema se usa para cada um deles. 9 Para dar esta dimensão, o último concurso para engenheiro da prefeitura de São Paulo, abriu 150 vagas, porém, apenas 80 candidatos obtiveram as notas mínimas. Certamente, destes, os primeiros assumirão, mas, bem provavelmente irão deixar os cargos assim que passarem em outros concursos que porventura tenham prestado e sejam melhores no que se refere a salários. 10Termo de Permissão de Uso (TPU)
25
pejorativa alcunha de “cabide de emprego”. Como consequência direta, faltam mecanismos
efetivos de controle e participação popular sobre as ações no município.
Em Planejamento e Gestão, há também muitas dificuldades que emperram a máquina
pública. Ainda usando São Paulo como exemplo, é possível notar falta de foco e objetivo da
gestão do município, dificuldade de implantar projetos e captar recursos, baixa qualidade dos
projetos, morosidade nos serviços e burocracia excessiva, falta de integração entre as áreas e o
território, fragmentação de políticas, falta de padrão e processo, descompasso entre as
demandas sociais e as políticas públicas etc. São incontáveis os desafios no que se refere a
planejamento.
Dada a importância de São Paulo, mostrar suas dificuldades como cidade nos permite
dimensionar a situação brasileira de modo geral, como também os desafios a serem
enfrentados para melhorar a gestão destes e também a vida de seus munícipes. Com isso, não
queremos ignorar que cada município conta com sua própria engenharia, formada por fatores
como tamanho, população, condição econômica e história.
Nesta linha, vamos adentrar um pouco mais no município de São Paulo, que tem, ao
longo do tempo, tentado, por suas condições, desenvolver mecanismos de gestão que sejam
mais descentralizados e participativos. Não que outros municípios não considerem isto, mas o
tamanho de São Paulo e seus contrastes nos permitem usá-lo como referência.
1.4. São Paulo: cidade de contrastes
A Prefeitura Municipal de São Paulo é uma das mais importantes entre as cidades do
mundo e, para termos ideia disto, podemos usar como exemplo os seus números, que
impressionam e demonstram o gigantismo desta metrópole. São Paulo tem a maior população
do país, como já dissemos, com mais de 11 milhões de habitantes11. Além disso, os
municípios limítrofes que compõem a região metropolitana de São Paulo são 38, que elevam a
população para pouco mais de 19 milhões de pessoas12. Estima-se, inclusive, que grande parte
desta população, dos municípios vizinhos, entre diariamente em São Paulo para os mais
diversos fins, sobretudo trabalho.
11 Dados do IBGE 12 Dados do IBGE
26
Mas o que torna São Paulo centro de elevada importância no mundo são também seus
indicadores econômicos: a sexta maior bolsa de valores do mundo encontra-se nesta cidade.
Além de 17 dos 20 maiores bancos13, São Paulo ocupa a décima segunda posição dos destinos
para feiras internacionais. Por conta disto, entram pouco mais de, segundo dados da
SPTURIS14, 11 milhões de turistas, sendo a maior parte destes brasileiros. No total, 56% vêm
para negócios. No que se refere a emprego, 38% das maiores empresas nacionais15 e 63% das
multinacionais em território brasileiro16 possuem, no mínimo, escritórios no município de São
Paulo.
Mas a mesma São Paulo de extremas riquezas, que a tornam esta metrópole
importante, é também uma cidade de profundas desigualdades sociais, econômicas e
ambientais. Por exemplo, 10% da população vivem em favelas ou cortiços. Um contingente
enorme de pessoas vive em situação de risco eminente, sobretudo em encostas, beira de
córregos e outras áreas que oferecem risco à vida, principalmente em períodos de chuva. A
população em situação de rua é de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo dados da
SMADS17 e tem crescido nos últimos anos sem que se consiga reverter o quadro. Outros
índices, como saúde, também apresentam graves discrepâncias. Enquanto uma consulta pode
levar até 16 dias para ser marcada na rede particular, segundo dados da RNSP18, uma mesma
consulta pode levar até 66 dias na rede pública. E se olharmos a marcação de exames de
média complexidade em diante, esta discrepância aumenta ainda mais, sendo na rede
particular 44 dias e na pública até 178 dias. Além disso, compõe as desigualdades o
desemprego, que atinge mais pessoas pobres e jovens, moradoras de periferia. Por fim, esta
desigualdade é sentida também nos homicídios cometidos, sobretudo na juventude, que se
eleva a patamares epidêmicos, notadamente na periferia.
Já do ponto de vista geopolítico, a cidade de São Paulo é um passo importante para
qualquer partido que tenha anseios de administrar o Estado ou ocupar a Presidência da
República. A administração desta cidade é uma verdadeira vitrine, pois existe uma exposição
midiática grande. Isto se deve à posição estratégica, ou seja, a soma dos 38 municípios ao seu
redor, que faz com que tenha aproximadamente 10% da população do país e, ainda, o terceiro
13 Dados colhidos do site da SPTURIS 14 Empresa Municipal de Turismo (São Paulo Turismo – SPTURIS) 15Ibidem 16Ibidem 17 Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social 18Rede Nossa São Paulo - http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/Apresentacao_Quadro_da_Desigualdade_em_SP.pdf
27
maior orçamento do país. Em orçamento, por exemplo, estimado este ano para pouco mais de
42 bilhões19fica atrás apenas da União e do Estado de São Paulo.
Administrar esta cidade, porém, não tem sido uma tarefa fácil. Desde a nova
Constituição de 1988, a prefeitura de São Paulo já passou por seis diferentes prefeitos, sendo
reeleito apenas Gilberto Kassab (DEM)20. Além disso, diferentes partidos já estiveram à
frente do Executivo Municipal: por duas vezes PT, PPB e DEM; e PSDB uma vez.
1.5. Reformas e Percursos
Conquistada a liberdade e a democracia e instalada a nova Constituição, viria assim a
primeira eleição direta pós-constituinte. Caberia ao então governo eleito o desafio de
reescrever suas Leis Orgânicas Municipais. Estas leis, evidentemente, deveriam ter como
norte a Constituição e incluir, na sua construção, aquilo que inspirara todo o processo de
municipalização do território brasileiro e que representava, inclusive, os anseios da população
desta cidade.
Por conta disto, a Câmara adotou práticas, segundo Whitaker (2002), diferentes de
outros municípios, tanto pela quantidade de vereadores, como também pela dada relevância
do município. Para ele,
Por ser uma tarefa difícil, a maioria das câmaras optaram por uma saída mais fácil: copiar os textos disponíveis. Em muitos municípios, foram copiadas as antigas leis orgânicas de nível estadual ou as que estavam sendo feitas em cidades maiores. Houve também muitos escritórios de advocacia que se propuseram a elaborar e levar para as câmaras municipais propostas de Lei Orgânica, que foram simplesmente adotadas com maiores ou menores modificações. (WHITAKER, 2002, p. 36.)
Para o autor, a importância do município e o elevado número de vereadores foi o que
possibilitou a elaboração da Lei Orgânica de forma tão elaborada, mesmo diante de intensas
disputas.
Evidentemente, este processo de construção da LOM não fora um processo fácil,
havendo muitos embates e confrontos em defesa dos mais diversos interesses, travando a
discussão no Legislativo. Assim, a saída, segundo Whitaker, era estabelecer o mínimo 19Terceiro maior orçamento público país
20Considero reeleito porque ele era o vice-prefeito na gestão de José Serra. Este saiu para assumir o estado de São Paulo, sendo, portanto,
dois anos de administração de Kassab, permitindo a sua reeleição no pleito seguinte.
28
consenso, que seria incorporado à Lei Orgânica pelo seguinte procedimento: colocava-se o
princípio genérico consensual, complementando-o com a frase: “na forma da lei” (Whitaker,
2002).
Este contexto é importante porque, como veremos, este recurso “na forma da lei”
atrasaria futuramente a implantação da LOM em seu conjunto, fazendo com que algumas
coisas tardassem demais ou nunca saíssem do papel. Os principais motivos versam sobre o
desinteresse de alguns temas para os vereadores e/ou prefeito ou mesmo a constante falta de
consenso persistente. A emergência de certos temas e, portanto, a ordem de importância que
ganhavam, também foram impeditivos importantes. Mas, é evidente, o maior deles,
relacionava-se com a desconcentração de poder. Para muitos, descentralizar mexe diretamente
com o poder adquirido por aqueles que o têm, os agentes políticos. Para usarmos um exemplo,
previam-se as obras de recursos elevados e consideráveis impactos ambientais a necessidade
de plebiscito, o que, na prática, nenhum prefeito deseja. Assim, observa Whitaker (2002),
sobre a dificuldade de implantação da LOM:
É este motivo pelo qual as subprefeituras, os conselhos de representantes, o plano diretor, previstos na Lei Orgânica, “na forma da lei” (tardaram a sair do papel – A.S)21... A desconcentração de poder via subprefeitura e conselho de representantes, não corresponde aos interesses dos detentores de poder. A redefinição da forma de crescimento da cidade, por meio do plano diretor não interessa a quem se aproveita das regras vigentes. Para quem está dentro da máquina administrativa, por exemplo, a permanência do atual zoneamento da cidade, totalmente ultrapassado, possibilita que ele seja desrespeitado – através de decisões irregulares – ou mudando – através de alterações legislativas pontuais – se houver uma contrapartida22... (WHITAKER, 2002, p. 39)
Deste modo, gostaria de retomar o espírito já citado durante a criação da LOM, que
previa maior participação e controle social como prerrogativa. Assim, ao menos no artigo 2°,
é possível perceber a participação e controle social:
A organização do Município observará os seguintes princípios e
diretrizes:
I - a prática democrática; II - a soberania e a participação popular; III - a transparência e o controle popular na ação do governo;
IV - o respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais;
V - a programação e o planejamento sistemáticos;
21Inclusão minha 22 Este texto é ilustrativo, pois hoje já está em votação o novo zoneamento da cidade.
29
VI - o exercício pleno da autonomia municipal; VII - a articulação e cooperação com os demais entes federados;
VIII - a garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna; IX - a acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município; X - a defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município;
XI - a preservação dos valores históricos e culturais da população.
Dentre os muitos artigos, dois se destacam por seguirem as diretrizes que
consideramos fundamentais e estão presentes no artigo citado acima, sobretudo os cinco
primeiros. Para nosso estudo, ainda que apenas um deles seja foco de análise, vale citar
brevemente do que tratam. São eles: Subprefeituras e Conselho de Representantes. Nos dois é
possível observar a efetivação da participação e controle social. Vamos rapidamente passar
pelo artigo sobre Conselho de Representantes para, em seguida, nos aprofundarmos um pouco
mais sobre a Subprefeitura, objeto deste estudo. Assim, em seu artigo 4° define-se o Conselho
de Representantes:
“O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões”.
Não será nosso foco de análise e estudo, mas vale ressaltar que esta lei seria
estabelecida apenas em 2004, na gestão da prefeita Marta Suplicy, sendo então alvo de uma
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo Ministério Público, em 200523.
A outra lei à qual me refiro tinha como ponto as antigas administrações regionais. Em
seu artigo 77°, previa a criação de Subprefeituras, e tinha em seu bojo:
“A administração municipal será exercida, em nível local, através de Subprefeituras, na forma estabelecida em lei, que definirá suas atribuições, número e limites territoriais, bem como as competências e o processo de escolha do Subprefeito.”
23 A lei não entrou em vigor e está em análise no STF. A ação alega que o Ministério Publico Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (ADIN) contra a criação dos Conselhos sob o argumento de que somente o executivo tem a prerrogativa de criação de cargos na administração.
30
É neste âmbito que nossa pesquisa se realiza. Foram mais de dez anos para que a lei
13.399/2002 fosse implementada e então surgissem as Subprefeituras. Os motivos pelos quais
elas tardaram a existir, compreenderemos mais a frente. Vale dizer que as Subprefeituras já
existiram no passado, mas não na forma em que este projeto de lei se propunha. Para tanto,
vamos conhecer um pouco mais seu processo de criação.
1.6 Das Administrações Regionais às Subprefeituras
Dado o crescimento econômico, sobretudo no período de Juscelino Kubitschek (1956-
1961), a intensa industrialização e o contingente migratório, São Paulo tornou-se uma cidade
de proporções gigantescas, a maior cidade do país e uma das maiores do mundo. Além disso,
em seu território foram registrando-se visíveis diferenças sociais, econômicas e ambientais.
Seu tamanho também ia afastando o governo da localidade e, com isso, as carências iam
aumentando, dada a demora da máquina pública em responder às demandas.
Em 1958, o então prefeito, Wladimir Toledo Piza, cria por meio de decreto 3.270/58
dezenove Subprefeituras, além de instituir a Subprefeitura de Santo Amaro, antigo município
anexado a São Paulo, em 1935 (FINATEC, 2002). Ainda que levasse o nome de
Subprefeitura, seu papel se assemelharia muito mais ao papel das Administrações Regionais.
Vale, porém, destacar que foi José Vicente Faria Lima, em 1960, quem institui por meio da lei
6.882/66 as Administrações Regionais (AR’s), criando sete delas: Sé, Vila Mariana,
Pinheiros, Santana, Penha, Mooca e Pirituba (FINATEC, 2002). Tinham, sobretudo, o dever
de cuidar da zeladoria local. Esses serviços sobremaneira tratavam de: limpeza e varrição das
ruas, manutenção de praças, fiscalização do funcionamento adequado dos estabelecimentos
comerciais, oficiais e ambulantes, autorização para construção e reforma de imóveis
(TEIXEIRA, 1999). Eram fortemente marcadas pela dependência da Prefeitura para quaisquer
ações. Este número também foi crescendo ao longo do tempo, sendo criadas mais quatro em
1972: Campo Limpo, Butantã, Vila Prudente e Itaquera, além de transformar a Subprefeitura
de Santo Amaro em AR (FINATEC, 2002).
As ARs chegaram a ter ao longo de todo o processo 33 unidades até o final do governo
Jânio Quadros. Este elevado número se devia ao desejo da população de contar com o poder
31
público mais próximo e ver ampliado o atendimento de suas necessidades e anseios. Como
podemos ver, no texto de Finatec (2002):
As ARs foram criadas ao longo dos anos por demanda da própria população desejosa de que alguém cuidasse da manutenção de sua região, podasse árvore, tapasse buracos etc. Com todos os problemas existentes, principalmente em virtude de indicações, as Regionais eram o Estado disponível nesses setores da cidade. Embora tenha havido um componente de clientelismo ligado a políticos conservadores, as ARs respondiam à necessidade real da cidade que, por ter crescido, precisava manter o poder público mais próximo dos cidadãos. (FINATEC, 2004, p. 36-37)
Diante deste cenário, Jânio Quadros reintroduziu as Subprefeituras (5), mas como
órgão controlador das 33 ARs. Os subprefeitos já eram escolhidos pelo prefeito (FINATEC,
2004).
É neste cenário que ganha força o projeto de Subprefeitura, cuja retomada caberia à
então prefeita eleita Luiza Erundina. Este era um projeto claramente nascido do desejo de
aproximar o cidadão do poder público e, portanto, “dar maior poder de planejamento e
decisão às instâncias locais e melhorar significativamente a prestação do serviço à
população.” (FINATEC, 2004).
Para dar conta deste processo, segundo Martins (1997):
foi criada a Secretaria Especial da Reforma Administrativa, que deu, então, início a seus trabalhos, partindo de uma estrutura municipal que contava com dezessete Secretarias e vinte Administrações Regionais. A proposta a ser elaborada deveria atender aos propósitos de democratização e eficiência, com uma estrutura e modo de funcionamento organizados da ótica do usuário, a partir de suas necessidades, ou seja, estabelecendo a estrutura a partir dos serviços a serem produzidos e disponibilizados. (MARTINS, 1997, p. 1)
Na proposta apresentada pela prefeita Luiza Erundina (PT), seriam criadas treze
subprefeituras, entendidas “como unidades integradoras, com orçamento próprio e autonomia,
responsáveis pelo planejamento e execução do conjunto de serviços num território claramente
definido” (MARTINS, 1997). Mas o número de Subprefeituras foi o grande centro do debate
da descentralização, pois o número de habitantes nas divisões territoriais propostas variava
muito, entre 400 mil e 1,5 milhão de habitantes (FINATEC, 2004). Além disso, outro
problema estava relacionado à capacidade orçamentária dada a cada uma das Subprefeituras.
Essa equação era de difícil solução, como podemos ver nas palavras de Martins (1997):
32
Assim, se por um lado, para assegurar a proximidade da Administração à população se mostrava necessário que as agregações fossem de pequeno porte em área e população, por outro, para que se viabilizassem Subprefeituras efetivamente consistentes e com poder de decisão e ação, elas deveriam ser em número reduzido. Nesses termos, para conciliar ambas as necessidades a proposta optou por subdivisões político-administrativas maiores e mais consistentes do que as Administrações Regionais (13 Subprefeituras), abrangendo módulos pequenos de organização do trabalho e prestação de serviço - equipes multidisciplinares. Isso lhes permitiria uma percepção ágil das demandas populares e atendimento mais adequado às características próprias de cada região. (MARTINS, 1997, p. 2)
Estas questões levaram a muitas dúvidas dentro do próprio governo. Pela demora na
criação do consenso, o projeto foi enviado somente no último ano de governo da então
prefeita para a Câmara. Lá, sem base de sustentação, não avançou. Portanto, ainda que se
tenha reduzido a 20 ARs as anteriores 33, não houve avanço na Lei das Subprefeituras.
Desta forma, eleito o novo governo, de Paulo Maluf, o projeto foi arquivado. E as ARs
continuaram como moeda de troca da base governista para compor sua base de sustentação.
Vale ressaltar que Paulo Maluf ainda criaria mais seis ARs, perfazendo ao todo 26 em seu
governo, aumentando ainda mais sua capacidade de articulação e troca de apoio.
Ainda que não tenham sido implantadas as Subprefeituras, houve sim alguns avanços
interessantes. Um deles é que as ARs recuperaram prestígios, pois passaram a controlar parte
do orçamento, com incorporação de serviços de coleta de lixo e pavimentação. Assim, por
exemplo, a AR de Capela do Socorro tinha um orçamento anual de 30 milhões de reais
(FINATEC, 2004).
1.7 A criação das Subprefeituras
Na gestão de Celso Pitta foi criada mais uma AR e, ao final de seu governo, proposta
uma nova tentativa de emplacar com a descentralização, prevista na Lei Orgânica. Era o
chamado Posto Avançado, no qual haveria quatro Subprefeituras (norte, sul, leste e oeste) que
as controlariam. Mas este projeto fracassou, sobretudo porque era absolutamente técnico e
desconsiderava fatores políticos, culturais ou mesmo diferenças regionais (FINATEC, 2004).
Além disso, desgastado com os casos de corrupção presentes em seu governo, faltava-lhe
sustentação política para a aprovação do projeto.
33
Seria então no governo da Marta Suplicy que entraria em vigor a lei 13.399/02 que
instituiria a criação das Subprefeituras, determinando seus limites territoriais e definindo os
papeis dessas instâncias locais, como prevêem os artigos abaixo:
Art. 3º - A Administração Municipal, no âmbito das Subprefeituras, será exercida pelos Subprefeitos, a quem cabe a decisão, direção, gestão e o controle dos assuntos municipais em nível local, respeitada a legislação vigente e observadas as prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Municipal.
Art. 4º - As Subprefeituras, órgãos da Administração Direta, serão instaladas em áreas administrativas de limites territoriais estabelecidos em função de parâmetros e indicadores socioeconômicos.
Para criação das 31 Subprefeituras existentes, era necessário definir critérios que
garantissem o desenvolvimento local e atendessem os anseios da população local. Ou seja,
considerar o universo característico de cada região e acompanhar diretamente cada uma delas
para potencializar seu dinamismo. O número de Subprefeituras gerou enormes críticas, mas
cada uma possui população aproximada de 400 mil habitantes, maior que a imensa maioria
dos municípios, como vimos anteriormente. Para definir cada Subprefeitura, foram
considerados os seguintes critérios:
nenhuma subprefeitura deveria ter população maior de 500 mil habitantes, salvo pequenas exceções, a necessidade de subprefeituras nas áreas periféricas e de exclusão social, respeito aos limites dos distritos, proximidade geográfica e existência de barreiras físicas, existência de pólo comercial e de serviços, respeito a identidade política e cultural; atenção às áreas de preservação e de mananciais e, finalmente, combinação de áreas desenvolvidas com áreas precárias, incentivando o desenvolvimento regional. (FINATEC, 2004, p. 45)
Desta forma, foram criadas, conforme o artigo 7°, as seguintes subprefeituras e seus
respectivos distritos:
34
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=14894
Essas subprefeituras criadas e instituídas eram diferentes dos modelos anteriores,
porque previam mais descentralização e forte participação local, sobretudo porque as duas
gestões anteriores (Maluf e Pitta) foram marcadas pelo sucateamento das ARs e também pelos
escândalos de corrupção. Diante disto, as Subprefeituras, respeitando seus limites territoriais,
tinham o que se segue como atribuições definidas no artigo 5°:
I - constituir-se em instância regional de administração direta com âmbito intersetorial e territorial;
II - instituir mecanismos que democratizem a gestão pública e fortalecer as formas participativas que existam em âmbito regional;
35
III - planejar, controlar e executar os sistemas locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central da administração;
IV - coordenar o Plano Regional e Plano de Bairro, Distrital ou equivalente, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Plano Estratégico da Cidade;
V - compor com Subprefeituras vizinhas instâncias intermediárias de planejamento e gestão, nos casos em que o tema, ou o serviço em causa, exijam tratamento para além dos limites territoriais de uma Subprefeitura;
VI - estabelecer formas articuladas de ação, planejamento e gestão com as Subprefeituras e Municípios limítrofes a partir das diretrizes governamentais para a política municipal de relações metropolitanas;
VII - atuar como indutoras do desenvolvimento local, implementando políticas públicas a partir das vocações regionais e dos interesses manifestos pela população;
VIII - ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos serviços locais, a partir das diretrizes centrais;
IX - facilitar o acesso e imprimir transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos;
X - facilitar a articulação intersetorial dos diversos segmentos e serviços da Administração Municipal que operam na região.
Parágrafo Único - As diretrizes mencionadas nos incisos III, IV, VI e VIII deste artigo serão fixadas pela instância central de governo, mediante elaboração de políticas públicas, coordenação de sistemas, produção de informações públicas e definição de política que envolva a região metropolitana, ouvidas as Subprefeituras.
Para dar conta de toda a nova dinâmica e da descentralização prevista, era necessária a
criação de uma nova estrutura organizacional, que desse dinamismo e pudesse ter autonomia
suficiente para alcançar os objetivos. Desta forma, ficavam as Secretarias existentes com o
papel de desenvolver políticas e acompanhar sua implementação, garantido uniformidade
nesta, e as Subprefeituras com o papel de garantir a execução no seu respectivo território.
Para tanto, em 2003, em dezembro, foi enviado um projeto complementar 13.682,
criando a estrutura da Subprefeitura. Foram criados, além do cargo de Subprefeito, os
seguintes: chefia de gabinete do subprefeito e assessores diretos; e as seguintes
coordenadorias: Assistência Social e Desenvolvimento, Planejamento e Desenvolvimento
Urbano, Manutenção da Infraestrutura Urbana, Projetos e Obras, Educação, Saúde e
Administração e Finanças.
Cada uma destas áreas, além do Subprefeito e seus assessores, recebeu destacadas
atividades para efetivar o poder local, como previa o projeto. Conforme lista elaborada a
partir da Finatec (2004) percebe-se a importância de cada uma destas Coordenadorias, além
do papel do Subprefeito, como veremos abaixo.
36
Ao Subprefeito cabe a decisão, direção, a gestão e o controle dos assuntos municipais
em nível local. Ele deve representar política e administrativamente a prefeitura na região.
A Coordenadoria de Assistência Social e Desenvolvimento (CASD) responde pela
implantação e execução das políticas públicas de inclusão e promoção nas áreas de
Assistência Social, Trabalho, Segurança Alimentar, Habitação, Esporte, Lazer e Cultura;
coordena, propõe, articula e participa de projetos integrados de Ação Social e
Desenvolvimento no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (CPDU) é responsável
pela implantação e execução das políticas municipais e ações nas áreas de Controle e Uso do
Solo e Licenciamento, Fiscalização e Planos de Desenvolvimento Sustentável (Habitacionais,
Ambientais, de Transporte, Urbanísticos e de Uso do Solo) no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Manutenção e Infraestrutura Urbana cuida da implantação e
execução das políticas municipais e ações de Limpeza Pública e Manutenção e Reparos no
âmbito da Subprefeitura; coordena, propõe, articula e participa de ações integradas de
Manutenção da infraestrutura.
Cabe à Coordenadoria de Projetos e Obras responder pela implantação dos Projetos e
Novas Obras no âmbito da Subprefeitura; assegurar a execução e integração das atividades
das Divisões de Próprios e Edificações, Drenagem, de Viários e Urgências Urbanas de acordo
com a legislação, com as políticas públicas e diretrizes fixadas; assegurar a elaboração de
projetos e a implantação de obras em conformidade ao Plano Regional da subprefeitura.
À Coordenadoria de Educação cabe responder pela implementação da Política
Municipal de Educação no âmbito da Subprefeitura; elaborar o Plano Anual e o Plano
Plurianual da coordenadoria; assegurar a produção e disponibilização de informações sobre as
ações da coordenadoria internamente e ao conjunto da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Saúde é responsável pela implantação da Política Municipal de
Saúde no âmbito da Subprefeitura; elabora e implanta o Plano de Gestão Local da Saúde
(anual e plurianual); assegura a implantação e acompanhamento das ações de avaliação e
controle do SUS no âmbito da Subprefeitura.
A Coordenadoria de Administração e Finanças deve ser responsável por todas as áreas
de pessoal e orçamentária da Subprefeitura. Dessa forma, cabe a ela responder pela
implantação e execução das políticas municipais nas áreas de Administração, Gestão de
Pessoas, Suprimentos e Finanças no âmbito da Subprefeitura.
37
Todo o processo de criação do projeto de Subprefeitura, como também toda a
arquitetura da descentralização e o envio das equipes para as Subprefeituras seriam dignos de
um estudo, mas foge ao escopo deste trabalho.
Vale ressaltar ainda que, novamente, o processo da descentralização e das
Subprefeituras perpassa de uma gestão para outra, em governos opositores. Com isso, imposta
a derrota na tentativa de reeleição da Prefeita Marta Suplicy, seu sucessor, José Serra e o
posterior, Gilberto Kassab, adotam outros caminhos para as Subprefeituras. Primeiro, tirando-
as da rota principal de seus governos e, segundo, tomando decisões e caminhos
diametralmente opostos aos que haviam sido criados com a então prefeita Marta Suplicy.
Para efeito de comparação, se Paulo Maluf e Celso Pitta ignoraram a necessidade de
criação das Subprefeituras e aumentaram as ARs e seu poderio de barganha política,
entregando-as a suas bases de apoio no legislativo. José Serra e Gilberto Kassab tomaram
outro caminho, mesmo com as Subprefeituras já instaladas: promoveram o esvaziamento das
Subprefeituras como instância de governo local e sua autonomia. Abaixo alguns dos
principais pontos que levaram ao desmonte da proposta original de Subprefeitura:
• Redução das Coordenadorias, sobretudo em Educação, Saúde e Assistência Social.
Para a primeira, foram, conforme decreto 45.787/05, de 31 para 13 e a segunda e
terceira para 5 das 31 existentes. Isto significou dividir a base territorial de cada
Subprefeitura, em relação às coordenadorias. Ou seja, cada coordenadoria teria um
recorte diferente, por sua conveniência. Assim, as coordenadorias de Saúde e
Assistência Social, cada uma com sua própria base geográfica, e que não se
comunicam entre si. Na Coordenadoria de Educação, por exemplo, encontram-se 4
subprefeituras (Vila Mariana, Sé, Vila Prudente e Ipiranga) das regiões leste, sul e
centro.
• Redução do poder de participação local nas Subprefeituras, fortalecida, sobretudo pela
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
• Centralismo Orçamentário; o orçamento da prefeitura aumenta 154% de 2005 para
2012, mas as verbas para as subprefeituras tiveram um acentuado declínio, reduzidas
ao longo desse período (2005-2012) em 61%.
• Redução das Subprefeituras ao serviço de Zeladoria, com abandono de funções de
desenvolver as potencialidades locais. Ainda assim, o orçamento esteve concentrado
38
em poucas Secretarias nos últimos anos: Infraestrutura e Obras, Desenvolvimento
Urbano, Planejamento e Coordenação das Subprefeituras.
• Alguns dos serviços devolvidos ou mesmo executados por Subprefeituras não
possuem recursos para execução, por exemplo, o emplacamento de ruas.
• Outro dado importante refere-se às equipes presentes nas Subprefeituras. Além do
desinteresse dos servidores, dada a intensa descontinuidade de políticas, há também a
falta de quadros pelos mais diversos motivos, sendo baixos salários e aposentadoria os
principais. Com isto, há uma enorme carência de quadros competentes, sem reposição
há alguns anos. Para ilustrar, podemos usar como exemplo os Agentes Vistores. Em
1992 eram aproximadamente 1200 para a cidade toda; atualmente resumem-se ao
número de 320 pessoas em atividade24.
Destas observações acima podemos concluir que os Subprefeitos possuem menos poder
do que na época das Administrações Regionais da prefeita Luiza Erundina. Com os recursos
bloqueados e escassos e com as coordenadorias suprimidas, as subprefeituras são apenas (e
péssimas) zeladorias.
O assunto Subprefeitura continua, porém, a suscitar debates importantes sobre a
descentralização, participação e as formas de governo da cidade. Como vimos, as
Subprefeituras foram instituídas como instâncias que pudessem lidar com desafios locais que
necessitam de ações concretas e singulares em cada região.
Por isto, no próximo capítulo, adentraremos a Subprefeitura Sé, entendendo suas
particularidades e desafios, internos e externos, que a justificam como a subprefeitura mais
importante da cidade.
24 Informações do Sindicato dos Agentes Vistores da Prefeitura Municipal de São Paulo.
39
2. A Subprefeitura Sé: território de Contrastes
2.1 Caracterização do Território
A Subprefeitura Sé foi criada em 1973, quando seu nome ainda era Administração
Regional (AR), até ser alterado em 2003. Esta Subprefeitura é das mais importantes da cidade,
por concentrar a maior parte dos bens culturais do município25. Possui em toda sua extensão
26,2 km² de área. Além disto, é também no centro que grande parte da população se desloca
cotidianamente, para o trabalho ou à procura dele, ao comércio, eventos culturais e uma
infinidade de serviços prestados pelos mais diversos órgãos ali presentes. Não à toa que em
sua localidade encontram-se 17 linhas de metrô e circulam aproximadamente 3,5 milhões de
pessoas/dia.
Os distritos componentes da Subprefeitura Sé são oito: Bela Vista, Bom Retiro,
Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Sé e República, como podemos ver no mapa
abaixo:
Fonte:http://www.encontrahigienopolis.com.br/higienopolis/
25Aqui entendidos como produção simbólica e material produzida ao longo do tempo
40
O distrito Sé é onde se encontra o centro velho da cidade e de onde a cidade se
expandiu para o novo centro, a República - como é possível perceber pela figura acima-, e aos
seus demais distritos, ao longo do século XIX. Como áreas importantes do distrito Sé,
podemos citar: área do Mercado Municipal, onde também se encontram a zona cerealista e a
25 de março, uma das principais áreas de comércio do centro e do país. Além disso, há o
Parque Dom Pedro, a Catedral da Sé, o Pátio do Colégio, o Triângulo histórico26 e outras
áreas como, por exemplo: Largo do São Bento e Largo do São Francisco. É uma área rica em
bens materiais tombados; existem atualmente 26, sem levar em conta os que estão em
processo de tombamento27.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21547
26 Compreendem-se as ruas: XV de novembro, Direita e São Bento. E como referências de vértices estão as igrejas: Sé, do Carmo, São Bento e São Francisco. 27 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras.
41
A República, centro expandido a partir da inauguração do primeiro viaduto do Chá,
em 1892, comporta o chamado centro novo e possui características mais diversas. Coexistem
moradias e comércios e estão inseridos em seu território: Câmara Municipal, Palácio dos
Correios, Teatro Municipal, Praça da República, Avenidas Ipiranga e São João e o boêmio
Largo do Arouche. Além disso, a Rua Santa Ifigênia, que se especializou no comércio de
produtos eletrônicos.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=29255
Os outros bairros, expansão do centro (velho e novo), também foram construindo a sua
história ao longo do tempo e cada um com suas particularidades, como poderemos
acompanhar nas descrições que seguem sobre eles.
42
O distrito da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que, segundo o DPH28,
ainda guarda inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do
solo29, ou seja, preserva características originais iniciadas no período de expansão do centro,
ao final do século XIX. Por conta disto, estas localidades são tombadas, por ser caracterizado,
segundo documento de tombamento, “o grande número de edificações de inegável valor
histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo” e, continua, “mescla dos usos residencial,
cultural, comercial e de serviços especializados”. Além disso, observam-se neste distrito
inumeráveis cantinas e teatros, que fazem parte da história local. Este bairro é considerado,
segundo o mesmo documento, um bairro de elevado potencial turístico no âmbito nacional.
Neste distrito está a Av. Paulista um dos principais centros econômicos da cidade e do país.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=22398
28 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras 29http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/49c99_22_T_Bairro_da_Bela_Vista.pdf
43
O distrito do Bom Retiro é atualmente conhecido como complexo das artes, por ter em
seus limites o bairro da Luz, que concentra diversos pontos de interesse, como: Pinacoteca,
Museu da Língua Portuguesa, Sala São Paulo, Orquestra Sinfônica e o Jardim da Luz. O
distrito é também famoso pelo comércio de moda. Estão ali confecções e tecelagem,
sobretudo, nos tempos atuais, dominadas por coreanos. A história deste distrito começa pela
concentração de indústrias que, ao longo dos anos, foram dando lugar às atuais confecções. É
ainda um bairro permanentemente de população árabe, ainda que agora estejam presentes
também os coreanos.
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=35594
O Cambuci talvez seja o distrito que menos preserve características centrais e tenha
características mais parecidas com as de bairro (e neste sentido se aproximaria muito mais dos
distritos da Subprefeitura Vila Mariana). Aqui existe uma pequena área de concentração, onde
se encontram comércios e serviços, localizadas, sobretudo nos arredores do Largo do
Cambuci, Rua dos Lavapés, Independência e Avenida Lins de Vasconcelos. Recentemente,
por conta desta característica, o bairro passou por uma supervalorização imobiliária, sendo
tomado por incorporadoras.
44
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=21962
A Consolação é o distrito de melhores condições econômicas e sociais de todos os
citados. Lá estão localizados bairros como a Vila Buarque, Pacaembu e o famoso
Higienópolis, bairro criado no início do século XIX, que obedecia a ideais higienistas30. Suas
ruas são arborizadas e largas. Além disso, conta com “diversidade estética das edificações,
inspiradas em modelos europeus, representa novas formas de morar da burguesia urbana”.
Conta também com algumas das mais importantes universidades brasileiras, como a
Universidade Mackenzie, a Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP), a Pontifícia
Universidade Católica (PUC) e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Dos
equipamentos públicos localizados neste distrito sobressaem-se o estádio do Pacaembu e as
bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além deles, dos 39 imóveis tombados,
destacam-se: Fundação Escola de Sociologia e Política, Cemitério da Consolação, Instituto
Mackenzie e o teatro Cultura Artística.
30 Dados coletados na Coletânea Programa Patrimônio e Referências Culturais nas Subprefeituras
45
Fonte: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=26765
Na Liberdade está concentrada a colônia japonesa, que ocupou o bairro com maior
intensidade a partir de 1970. É um bairro misto entre moradias modestas e comércios. Nos
tempos atuais há outras colônias orientais, compostas de chineses e coreanos. Também se
encontram neste distrito a baixa do Glicério, área pouco mais degradada e a Aclimação31,
pouco mais conservada e com características de bairro. Vale ressaltar que no Glicério
concentraram-se alguns empreendimentos fabris em tempos não muito longínquos. Existem
também alguns patrimônios tombados, sendo dos dez existentes, a Capela dos Aflitos a mais
conhecida.
31A Aclimação é geralmente ligada ao distrito do Cambuci, mas como aponta o mapa, pertence ao distrito da Liberdade.
46
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=20429
Em Santa Cecília, distrito nascido no período industrial, encontramos diversidade de
ocupação e uso. Em seu território é possível observar residências de médio e grande porte,
sobretudo nos Campos Elíseos. Além disso, caracterizou-se como bairro fabril e operário,
com pequenas manufaturas e grandes fábricas, sobretudo na várzea da Barra Funda. Por fim, o
distrito caracterizou-se, no bairro de Santa Cecília, por moradias modestas, unifamiliares e
coletivas. Dos dezesseis imóveis tombados, destacam-se como mais conhecidos o DOPS e a
Estação Júlio Prestes.
47
Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/se/noticias/?p=28611
Como se pode observar, cada um destes distritos possuí uma diversidade enorme no
que se refere a sua caracterização, formação, condição econômica e geográfica, além da sua
riqueza material e simbólica. Ainda que diversas, estas características os aproximam,
tornando-os distritos centrais. Ao mesmo tempo em que existem estas diversas riquezas
citadas, existem também os enormes desafios sociais que coexistem e que demandam um
olhar atento e minucioso. Por isso, neste sentido, vale analisar um pouco mais outros aspectos
característicos desta subprefeitura e destes distritos.
Nesta região moram, segundo dados do último senso do IBGE, 435 mil pessoas32,
divididas nos distritos da seguinte maneira: Bela Vista (16%), Bom Retiro (8%), Cambuci
(9%), Consolação (13%), Liberdade (16%), República (13%), Santa Cecília (19%), Sé (5%).
Se olharmos o perfil do público por faixa etária, temos a seguinte configuração: de 0 aos 9
anos (9%), dos 10 aos 14 anos (5%), dos 15 aos 19 anos (5%), dos 20 aos 29 anos (21%), dos
30 aos 59 anos (44%) e dos 60 anos em diante (16%). Como podemos ver é uma população 32 IBGE, Senso 2010
48
eminentemente adulta e jovem, que compõe o perfil dos moradores desta região, ou seja, 65%
da população têm idade entre 15 e 59 anos de idade. Mas, ao mesmo tempo, é considerável a
população idosa dessa localidade e que demanda atenção e cuidados especiais.
A área central concentra grande parte dos equipamentos culturais, particulares e
públicos. Por exemplo, há no centro 53das 332 salas de cinema da cidade, 136 das 254 salas
de teatro, 33 de 93 Centros Culturais, Casas de Cultura e Espaços Culturais, 38 dos 124
museus33. Por estes dados é possível observar não só a concentração dos equipamentos, mas
também a distribuição desigual, em relação à cidade. Com esta concentração, é possível
perceber a efervescência do centro e toda a ocupação que se dá nesta região por grupos e
coletivos que expressam suas manifestações culturais e artísticas. Além disso, outras áreas do
centro, como o Vale do Anhangabaú e Avenida Paulista, recebem os grandes eventos da
cidade aberto ao público. Dentre estes eventos podemos citar, por exemplo, o Réveillon, a a
Virada Cultural, a Parada Gay e a corrida de São Silvestre.
Neste território também se encontram alguns dados sobre trabalho, emprego e renda
interessantes. Por exemplo, 17,8% dos empregos da cidade se localizam nos distritos desta
Subprefeitura34. Isto significa, em números, pouco mais de 712 mil empregos formais35, sendo
a área que mais emprega na cidade, acompanhada apenas por Pinheiros, que emprega
aproximadamente cem mil pessoas a menos. A terceira, para dar ideia do abismo, aproxima-se
de 490 mil pessoas. Nem é preciso citar o impacto disto, qual seja, a concentração das pessoas
durante o dia na região. Ainda neste universo temos como dados: 20% do total de empregos
formais pagam entre meio e um salário mínimo e meio, e na outra ponta, 22% recebem entre
quinze e vinte salários mínimos. Estes números demonstram o quanto esta região é
economicamente rica.
Outro fator importante é que no centro se localizam quase todas as secretarias
municipais, além de inúmeras autarquias, empresas públicas e secretarias estaduais. Ora, isto
é um fator determinante na valorização e ocupação do centro, mas também um agente
facilitador na construção de políticas, programas e projetos, já que se podem acessar
prontamente outros órgãos, entes e pessoas em poucos minutos, acelerando tomadas de
decisões importantes bem como o início de novos processos e operações.
33Estes dados colhidos em http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br
34 IBGE, Senso 2010. 35Exclusive Administração Pública
49
2.2 Populações Vulneráveis
Vimos até agora os atrativos do centro, sua concentração cultural e de algum modo sua
riqueza e importância financeira. Mas não é só disto que ele é feito. Ao olharmos
detidamente a população no território, nos extratos mais pobres, os números também
impressionam, mas negativamente. Há uma população que quase escapa aos números do
IBGE e, em muitos casos, da própria política municipal. Para mostrar a dimensão do que
falamos, basta tomar conhecimento da população na região central que vive em extrema
adversidade. Pouco mais de 7 mil pessoas recebe até meio salário mínimo36, segundo dados
do Senso/IBGE 2010. Estão distribuídos da seguinte forma, por número de pessoas: Bela
Vista (819), Bom Retiro (1243), Cambuci (636), Consolação (530), Liberdade (939),
República (1375), Santa Cecília (958) e Sé (670).
Os moradores em situação37 de rua, acolhidos e não acolhidos, também estão presentes
nessa região da cidade, compondo 55% de todo o contingente no município. Constituem-se
por: pessoas em situação de rua e em situação de rua com uso de substâncias químicas,
migrantes e imigrantes, egressas do sistema prisional, vítimas de violência doméstica, sexual e
de tráfico de pessoas. São ao todo 6832 pessoas, segundo o último senso realizado em 201138.
Destes atuais, pouco menos da metade está acolhida por algum programa (3747 pessoas).
Vale dizer que as novas modalidades de abrigo das pessoas em situação de rua criam tensão
entre as associações de moradores e a Subprefeitura, mas não trataremos disto agora. Apenas
para registro, os moradores em situação de rua não se cobrem apenas com papelões e
cobertores velhos, como se costumava registrar. Atualmente uma nova modalidade de abrigo
tem sido disseminada, que é o uso de barracas de camping. Portanto, além dos lugares
tradicionais - baixa de viadutos e marquises-, estas pessoas têm montado suas barracas
também em praças, canteiros centrais e áreas verdes, deixando, em muitos casos, essas
barracas armadas o dia todo. Além disso, o próprio perfil do morador de rua alterou-se ao
longo dos anos. Nos últimos anos não é a falta de emprego que leva as pessoas à rua, mas a
quebra do vínculo familiar e o uso de substâncias químicas, e nessa população tem-se
infiltrado o tráfico de drogas. Para se ter ideia, um levantamento feito pela SMADS aponta 24
pontos viciados na região, ou seja, em que as barracas ficam montadas quase que
36 Dados do Senso/IBGE, 2010 – Fontes retiradas de SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) 37Definição dada por SMADS: pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de
viadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, assim como aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em centros de acolhida ou abrigos. 38 Este senso é realizado a cada dois anos, no segundo semestre. Foi realizado, em 2011, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
concentra a maior parte dos moradores em situaçã
Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
coletivas multifamiliares, presente
Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
desejo do proprietário. Ainda que exista a Lei Moura
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
abaixo:
Fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
39 Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
concentra a maior parte dos moradores em situação de rua, predominantemente não acolhidos
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
presentes nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura
Sé e Mooca. Estes locais oferecem péssimas condições de habitação
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
inda que exista a Lei Moura39 e tenham-se reconfigurado as suas
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive,
Comissão de Intervenção e recuperação dos cortiços 50
diuturnamente. Abaixo poderemos ver no gráfico a distribuição das pessoas em situação de
rua. Observaremos que as regiões da República, Sé e Santa Cecília são as áreas onde se
, predominantemente não acolhidos.
Outro dado agravante nas regiões centrais são os cortiços, definidos como moradias
nas regiões centrais da cidade, sobretudo na Subprefeitura
ção, higiene, ventilação,
salubridade e segurança, além da insegurança jurídica, já que podem ser expulsos conforme o
se reconfigurado as suas
condições para deixarem de ser cortiços, eles ainda são muitos, como podemos ver no mapa
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3380
Lei Moura: define as condições mínimas das moradias e prevê intervenções em cortiços, tendo para isto instituído, inclusive, uma
51
Ao todo são 657 cortiços na Subprefeitura Sé em funcionamento, distribuídos da
seguinte forma: Bela Vista (158), Bom Retiro (77), Cambuci (51), Liberdade (131), República
(62), Santa Cecília (143) e Sé (41). Estima-se que, segundo dados da SMADS40, 7706 pessoas
encontram-se nas condições já citadas: precárias e insalubres.
Ainda no que se refere às condições de moradia no centro, podemos citar as
ocupações, entendidas como espaços vazios e/ou abandonados, sobretudo prédios públicos
e/ou particulares, ocupados pelos movimentos de moradia na região central. São
aproximadamente 49 prédios ocupados, com aproximadamente 50 famílias em cada um
deles41, perfazendo um total de 2450 famílias. São aproximadamente 8300 pessoas em
moradias sem as condições adequadas de habitação. Além disso, muitas delas estão ocupando
locais que oferecem risco à vida, por problemas elétricos e estruturais nos prédios. Ainda é
possível observar que muitas delas estão em risco eminente de reintegração de posse.
Por fim, existe na área central a Favela do Moinho, a única do centro e que abriga
atualmente 450 famílias. O terreno é uma antiga fábrica de farinha e é cortada por um viaduto
e a linha de trem. Existe hoje um impasse entre população e governo municipal no que se
refere à ocupação local. A prefeitura pretende remover as famílias para programas
habitacionais e uma parte da comunidade pretende a urbanização da área.
Na área da Saúde os números são ainda mais controversos, como citava anteriormente.
Na Sé existem 34 hospitais e ao todo 5763 leitos, destinados para sua população residente,
uma média considerada positiva na distribuição população x leitos (coeficiente de leitos gerais
13,08). Porém, apenas dois destes hospitais são públicos e oferecem nos leitos 277 vagas42.
Para dar uma ideia do déficit em saúde no centro, ainda em equipamentos de saúde, faltam,
para a Atenção Básica, 17 UBS43. Há ainda a ausência de UBS em dois distritos: Liberdade e
Consolação44.
Ainda na Saúde existem outros desafios que compõem este diagnóstico. Por exemplo,
a população idosa45 do centro gira em torno de 16%46 de toda a população. Para esta faltam
políticas claras na região central e também há a ausência de programas que possam atender
esta demanda de forma devida. São apenas, a título de exemplo, três equipes no PAI
40 SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) 41 Projeções feitas por técnicos urbanistas da Prefeitura Municipal de São Paulo 42 Não considero que alguns destes hospitais particulares tenham convênios e atenda a população de forma gratuita. Isso aumentaria a quantidade de leitos considerados públicos, mas ainda assim será, seguramente, aquém do necessário. Importante dizer que por ter dificuldade de acesso a estes dados não foi possível precisar o dado. 43 Unidade Básica de Saúde (UBS): local onde se realizam atendimentos básicos e gratuitos e faz encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. 44 São ao todo 9 UBS na Subprefeitura Sé. 45 Consideramos conforme define o Estatuto do Idoso, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. 46 Projeção Populacional por Faixa Etária e Sexo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU- Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.
52
(Programa de Acompanhamento ao Idoso) e não há, outro exemplo, transporte sanitário para
esta população. Ora, o sofrimento mental, álcool e drogas e violência são desafios que estão
presentes, perfazendo em torno de 10% de toda população de rua da cidade; estão presentes
massivamente no centro.
Por fim, outros segmentos populacionais presentes no centro oferecem desafios e
precisam de tratamentos diferenciados, como a população imigrante, migrante e os egressos
do sistema prisional. E da mesma forma as pessoas vítimas da violência e exploração sexual e
tráfico de pessoas.
Na educação os números também são consideráveis. Existem na região
aproximadamente 60 instituições de ensino entre conveniadas e próprias da prefeitura, desde
creche ao ensino de jovens e adultos, passando pelo ensino fundamental. São ao todo,
oferecidas 12.559 vagas, tendo aproximadamente um total de sobra de vagas de 10%. Ao
detalharmos um pouco mais as vagas existentes, percebe-se que destes 10% há uma parte
considerável que se refere ao ensino de jovens e adultos, mas também é possível ver vagas em
ensino fundamental em certas regiões, como na Bela Vista, Sé e Liberdade. Nestas regiões a
soma total de vagas em aberto chega a 414. A região possui em cadastro 384 pessoas:
portanto, ainda sobrariam 30 vagas. Existe um problema de distribuição das vagas nessa
região e também de alternativas que possam dirimir esta diferença. Ou seja, algumas escolas
têm vacância, enquanto outras sofrem por falta de vagas. Mas a maior demanda por vagas está
nas creches. Existem hoje, 2.676 vagas para este modalidade de ensino e seu preenchimento é
superior a 97%. A demanda, ou seja, o número de cadastros existentes chega a 1.625 até o
último registro considerado para este estudo. É impossível dar conta desta demanda sem a
construção de novos convênios e a instalação de novas creches. Vale dizer que, por haver
carência de equipamentos em certas regiões, as mães não fazem cadastro de seus filhos e, por
isso, há uma demanda reprimida, que aumentaria ainda mais o contingente reserva.
Os dados de segurança do centro também demandam atenção, pois são alarmantes e
apontam alguns desafios a serem enfrentados. Certamente as apreensões por comércio
irregular e ambulante são os que mais evidenciam a Sé, mas não é só isso o que configura a
região. No último julho de 2013, foram registrados seis estupros num total de 72 na cidade.
Evidentemente, imagina-se um número maior de ocorrências por toda cidade, sem que as
vítimas prestem queixas. Ainda assim, estes seis ocorridos colocam a Sé entre as
Subprefeituras com maiores índices, representando quase dez por cento dos crimes ocorridos
na cidade. Quando o assunto é crime contra o patrimônio, a Sé toma a liderança. Os números
53
para Roubos Outros são 1.725 registrados. Furtos Outros chegam a 4274 e Furto de Veículos
foram 434 nesta região. Há de se registrar que o fato de as delegacias não respeitarem os
limites dos distritos e Subprefeituras dificulta o levantamento exato dos crimes, mas ainda
assim a variação para alguns crimes é pequena, não alterando, por exemplo, a liderança da
Subprefeitura Sé, para algumas ocorrências no rearranjo das delegacias.
Além dessas áreas de forte incidência no território, no que se refere aos temas sociais
de predominância das secretarias de assistência e desenvolvimento social, saúde, educação,
segurança e habitação, há outras atividades de forte impacto na vida dessa Subprefeitura.
2.3 Zeladoria
O centro também é caracterizado pela presença de inúmeras áreas verdes, entendidas
aqui como: praças, canteiros centrais e áreas gramadas/ajardinadas. Além destas, ainda que
não componham áreas verdes, estão os largos e as áreas sob os viadutos, sendo que estas
últimas exigem outra complexidade de tratamento. Excluindo estas últimas, temos na região
central 159 áreas verdes, incluindo os largos, e, portanto, 131 praças. Os distritos com mais
praças são: Consolação e República, com 17 cada uma e Sé com 15. Aqui não estão
consideradas as árvores, que se estimam acima de 30 mil, sendo que, pela mesma estimativa,
a maior parte delas está em risco eminente de queda, necessitando de poda ou remoção.
Por fim, na conservação há ainda os baixos de viadutos, que são áreas sob viadutos,
pontes e elevados e que precisam ser limpos, conservados e vistoriados regularmente. Na
região central existem ao todo 7247 estruturas com estas características, sendo ocupáveis
aproximadamente 4948. Um exemplo é a Ponte Orestes Quércia, conhecida como mini
Estaiada, ocupada por, no último levantamento feito até este estudo49, 150 famílias. O baixo
do viaduto não é um tema de fácil solução, pois nessas áreas constam, por exemplo,
cooperativas de recicláveis, estacionamentos, pontos de tráfico, pessoas em situação de rua e
em uso de químicos, escolas de samba, sacolões etc. Além do precário estado de conservação
da maior parte, estes ainda trazem muita insegurança à população do entorno. Vale dizer que,
47 Levantamento realizados pelos técnicos do Gabinete da Subprefeitura Sé 48As não ocupáveis referem-se a áreas onde passam rios ou córregos. 49 Levantamento feito para cadastramento das famílias a serem inclusas e programas sociais da Secretaria Municipal de Habitação.
54
conforme o decreto 48.378/200750, que regulamenta o uso de baixo do viadutos, algumas das
atividades realizadas são irregulares.
Dentre todas estas questões há ainda os canais de comunicação com o munícipe, que
são os serviços 156, feito por central de atendimento telefônico, as Praças de Atendimento e
Portal da Internet, que oferecem meios para solicitar serviços. O primeiro canal, o 156, é
eminentemente procurado para busca de informações sobre itinerário de ônibus. Já os outros
dois canais oferecem, como mostramos no capítulo anterior, uma gama infinita de serviços:
são mais de 150 serviços mapeados e estima-se que exista outra gama diversa feita por
voluntarismo dos servidores. Na Praça de Atendimento os serviços são, na maioria, abertura
de protocolo para realização de eventos, segunda via de IPTU e CCM51, além de outros
pequenos serviços, como carteira de trabalho, por exemplo. O Portal de Internet também
recebe solicitações dos munícipes, dos mais diversos assuntos, mas, sobretudo, verificam-se
pedidos de melhorias locais e reclamações sobre serviços prestados pela prefeitura. Portanto,
estes três canais compõem o SAC, Sistema de Atendimento ao Cidadão. Num levantamento
realizado pela equipe da Subprefeitura Sé encontramos alguns dados interessantes. Esta
Subprefeitura recebe aproximadamente 1.400 solicitações por mês para os mais diversos
assuntos: desde reforma do calçadão a pedido de limpeza em ruas, de denúncia a comércio
irregular e/ou ambulante a moradores em situação de rua ocupando áreas públicas. Nos
últimos cinco anos, dos pedidos realizados, estão sem respostas aproximadamente 22 mil,
sendo 12 mil no último ano. Para a demora desses serviços há uma gama de justificativas,
desde a impossibilidade de realização52 até a não abertura, pelos servidores, da solicitação
enviada pelo munícipe. Existem também os casos em que o trabalho foi realizado, mas por
falta de equipe, não houve baixa da solicitação. Enfim, essas incorreções fragilizam o dado,
mas o que se observa é o déficit entre receber solicitações de serviços e a baixa capacidade em
atendê-las de forma adequada.
Como vimos, o papel da Subprefeitura também é o de fiscalização dos
estabelecimentos comerciais e o acompanhamento e fiscalização de obras, observando os
limites que cabem a ela, previsto em lei. Isto inclui, por exemplo, os equipamentos culturais
em seus limites territoriais. A rigidez das leis e o tamanho das equipes impedem o devido
acompanhamento e fiscalização, e, como consequência, permite as mais diversas ilegalidades,
além da deslegitimação da prefeitura.
50Regulamenta as Leis nº 11.623, de 14 de julho de 1994, alterada pela Lei nº 13.775, de 4 de fevereiro de 2004, e nº 13.426, 5 de setembro de 2002, que dispõem sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais. 51 Cadastro do Contribuinte Mobiliário 52 Por exemplo, é proibida a supressão de raízes das árvores, mas havia a possibilidade de entrar com o pedido.
55
Até aqui quisemos mostrar uma fotografia do território que compõe a Subprefeitura
Sé, com uma população superior a mais da metade dos municípios brasileiros e que enfrenta
os mais variados desafios: desde a preservação do patrimônio histórico até a população
vulnerável e em situação de risco, além dos desafios de zeladoria destas áreas, repletas de
desafios e em quantidade considerável.
2.4 Centralização e Descentralização
A Subprefeitura, como vimos, é um espaço de integração das diversas unidades da
prefeitura, que tem como objetivo acabar com a sobreposição de papéis, a imprecisão de
responsabilidades e aproximar os responsáveis pela tomada de decisão, dando agilidade e
rapidez ao processo. Portanto, é possível afirmar que seu papel seja de autoridade técnica e
administrativa, por possuir (ou deveria possuir) conhecimento detalhado do território que lhe
permite coordenar e executar políticas, considerando suas especificidades e particularidades,
priorizando-as.
Como vimos até agora, porém, o que se planejou e não se aplicou na prática trouxe
algumas consequências de forte impacto sobre o local. Por exemplo, espalham-se os casos de
corrupção cometidos por agentes públicos lotados em Subprefeituras, em grande parte, pela
dificuldade de acompanhamento dos mesmos, além do excesso de trâmite e burocracia a que
estão sujeitos os cidadãos que dependem de serviços municipais, que agilizam pagamento de
propinas para “pular” a lentidão a que seu processo está sujeito. Além disso, a desarticulação
e a falta de coordenação entre entes do governo agravam problemas.
Por exemplo, é possível que a Secretaria de Saúde precise de um terreno para a
construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas não consiga encontrá-lo sem ajuda
da Subprefeitura. Assim como a Secretaria de Educação pode precisar para a construção de
creches, mas sem o mesmo conhecimento local, não o encontre com facilidade. No centro,
pela ocupação intensa da área, encontrar terreno para suprir demandas é uma tarefa difícil. Ou
seja, sem articulação interna, pode-se adiar, quando não abortar a construção de um
equipamento público. Ou é possível observar o que ocorreu na Aclimação, onde existe uma
rua famosa pela quantidade de comércios especializados em espetinhos de carne. Nesta área
dois problemas foram denunciados pelos munícipes: irregularidade na ocupação destes locais
e crime ambiental. Um problema de atribuição da Subprefeitura e outro da SVMA53.
53 Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SMVA)
56
Motivados pelo mau cheiro, excesso de barulho noturno e congestionamento, a população
local pediu às autoridades o fechamento desses estabelecimentos – a área é considerada
residencial. Por falta de coordenação, a Subprefeitura e a Secretaria de Verde e Meio
Ambiente não atuam de forma conjunta. Ocorreu então que a Secretaria do Verde aplicou
multas contra crimes ambientais, porém, sem ir conjuntamente com a Subprefeitura, que
poderia lacrar o local e é a única que tem competência legal para isto. O resultado disto não
poderia ter sido pior. Os estabelecimentos investiram na adequação de seus espaços, conforme
exigiam as multas aplicadas. Diante disso, quando a Subprefeitura atuou os estabelecimentos,
eles entraram com recursos na justiça, alegando alto investimento na adequação, conforme
exigência referida. Ou seja, de ilegal, passaram a ser legais e os pedidos da população ficaram
inócuos, insolúveis a médio prazo. A Secretaria de Verde e Meio Ambiente acabou
legalizando indiretamente esses locais, gerando forte sentimento de revolta na população.
A não descentralização tem forte impacto também sobre as políticas sociais realizadas
no território. Primeiro, porque parte do desenho territorial das Secretarias engloba, como
dissemos, mais de uma Subprefeitura. Quase sempre desconhece o todo e especifico de cada
local. Segundo, porque acabam atuando sozinhas na implantação de suas políticas, o que não
é necessariamente efetivo. Aliás, é possível afirmar o contrário: é pouco efetiva a superação
dos desafios. Um exemplo disso é a DRE54 Ipiranga. Esta Delegacia abrange ao todo 16
distritos e 4 Subprefeituras. Portanto, escolas de Heliópolis ao centro fazem parte deste
recorte. Possuem 233 instituições de ensino sob seu guarda-chuva, num território
populacional de 1,4 mil pessoas. Existem, atualmente, segundo dados da própria Secretaria,
pouco mais de 60 mil alunos regulares. Com este tamanho, algumas lacunas saltam e
necessitam de intervenções. Por exemplo, na região central faltam vagas em creches. Alguns
equipamentos não oferecem conforto e segurança necessários para as crianças; há políticas
salariais discrepantes nas conveniadas e mais uma gama de outras implicações provenientes
da política educacional, mas também do abismo que há entre estas e as outras escolas, no que
se refere ao território.
Fica claro que é preciso reunir os diversos atores para que se possam superar os
problemas e estes coexistem com interesses conflitantes e antagônicos, em muitos casos. Por
isso precisam de espaços de diálogos e intermediação para lidar com os conflitos,
solucionando-os quando possível. É impossível, sem as Subprefeituras, que associações
locais, conselho de segurança, coletivos culturais, sindicatos e grupos organizados apresentem
54 Delegacia Regional de Ensino.
57
as suas pautas de reivindicações e possibilidades para a localidade e mesmo para a cidade.
Sem isso, a dimensão de esfera pública como lugar de todos fica extremamente prejudicada,
pois não promove espaços concretos de experiências. O poder público tem condições de
promover espaços para que essa diversidade e pluralidade possam aparecer. Como vemos nas
palavras de Jovchelovitch:
É, de fato, na experiência da pluralidade e na diversidade de perspectiva diferentes, que ainda assim podem levar a um consenso entre o público, que o sentido profundo da esfera pública se encontra. De acordo com Arendt (1983), o termo público significa dois fenômenos relacionados, mas não idênticos: em primeiro lugar, ele quer dizer que o que é público pode ser visto e escutado por todos e possui maior publicidade possível; segundo, o termo se refere ao próprio mundo enquanto algo que é comum a todos os seres humanos e se diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele. (JOVCHELOVITCH, 2000, pg 49)
Como exemplo, abordaremos algumas políticas sociais em execução na Subprefeitura
Sé e que poderão mostrar os desafios aos quais nos referimos e que claramente precisam de
uma coordenação mais articulada para que sejam mais efetivas, eficazes e eficientes. Abaixo
traremos um exemplo concreto que se refere à população em situação de rua e que, nos
últimos anos, tem chamado a atenção, dado o seu vertiginoso crescimento, mesmo com certa
estabilidade econômica e crescimento dos empregos formais.
Um estudo levantado pela Subprefeitura Sé indicou que havia entre oito a dez ações
voltadas para a população de rua, realizadas por diversas secretarias, como segurança urbana,
assistência social e saúde. Ao olharmos para a Assistência Social, é possível perceber mais de
55 serviços específicos para a população em situação de rua realizados por sua rede de
conveniada com um investimento mensal próximo a 6 milhões de reais ao mês. Da mesma
forma, a Saúde tem seus mais de quatro programas e ainda é possível citar a Habitação, que
usa o Programa Moradia Social, destinado a esta população.
Ao olharmos mais detidamente os números, no entanto, percebemos que a saída das
pessoas em condição de rua é muito baixa, sobretudo porque faltam programas mais
integrados e que dependam obrigatoriamente de uma ação articulada de várias secretarias,
mas com recorte territorial. Ou seja, é preciso pensar em como “tirar” a pessoa da condição de
rua. E isto envolve obrigatoriamente formas de empregabilidade, moradia, educação e
formação profissional, acesso a crédito e outros pequenos serviços. Para que os resultados
lograssem êxito, seria necessária a participação efetiva de outras secretarias, numa ação
conjunta, como por exemplo, Secretaria de Trabalho e Educação, além da própria
58
Subprefeitura. Isso sem contar entre as próprias secretarias citadas como executoras de ações.
Quer dizer, sem que elas atuem conjuntamente, é difícil pensar na superação da pessoa em
situação de rua. Evidentemente, existem exemplos bem sucedidos, mas eles quase sempre são
específicos, e não generalizados, como deveriam.
Ainda é possível observar o completo desconhecimento das secretarias sobre os dados
regionalizados de outras secretarias. Por exemplo, sobre a primeira infância, as secretarias de
assistência e saúde não acessam com facilidade dados sobre educação, e vice-versa, tampouco
atuam de forma conjunta para superação dos desafios. E isto se estende a outros temas, nos
quais a articulação por parte da Subprefeitura e mesmo a coordenação seria de vital
importância para obtenção de resultados mais satisfatórios. Estes problemas citados se devem,
em maior parte, ao recorte territorial de cada secretaria, que não promove espaços de troca
dentro do governo entre esses servidores. Como dissemos até agora, a Subprefeitura deveria
ser o espaço de articulação e coordenação desses serviços.
Para terminar com um exemplo, podemos citar o caso dos cortiços irregulares, cuja
política habitacional cabe à secretaria de habitação, mas as multas cabem à Subprefeitura. Se
um cortiço se estivesse adequando à Lei Moura, não faria sentido multá-lo, porém, por falta
de articulação, a Subprefeitura aplica a multa e liquida-se a possibilidade de adequação do
mesmo. Evidentemente, outros problemas decorrem deste; por exemplo, a expulsão de
algumas famílias dos agora não mais cortiços, e que integrarão o contingente em situação de
rua. Ainda sobre o cortiço, as famílias possuem o mesmo cadastramento em lugares
diferentes, ou seja, para a Saúde, Educação, Assistência Social e Habitação. Portanto, há
informações que uma secretaria necessita, mas só a outra possui. E em alguns casos, nenhuma
delas fez tal registro. Nenhuma destas secretarias faz o recorte racial no questionário,
impossibilitando a SMPIR55 de ter dados específicos sobre a população negra, por exemplo.
Por fim, neste caso, a Habitação cria a sua própria equipe de Assistência Social e após a
realização da melhoria do cortiço dá por encerrada a sua participação com os moradores dos
cortiços. Vale dizer também que para esta Secretaria persiste ainda a visão de que o morador
em situação de rua é um problema de Assistência Social e não seu.
Outro reflexo ocorre na morosidade da atuação conjunta entre áreas. Por exemplo,
comentou-se há pouco que a SVMA56 e a Subprefeitura Sé atuaram em tempos distintos na
Aclimação, não solucionando o problema e, inclusive, atenuando-o. Mas existem outros
problemas nesta articulação. Vejamos o serviço de poda e remoção de árvores que pertence à
55 Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) 56 Secretaria Municipal do Verde e meio Ambiente
59
Subprefeitura, a executora do serviço. Em seus limites, como vimos, existem muitos móveis
tombados, que exigem, por lei, um processo específico para intervenções, mesmo para poda e
remoção de árvores. O ideal seria uma articulação entre Patrimônio Histórico, Subprefeitura e
SVMA, que seria muito mais ágil se as duas últimas fossem integradas e articuladas no
território.
Quis mostrar até aqui como a Subprefeitura tem dificuldade de lidar com as tensões de
seu território e de como esta desarticulação traz os mais variados impactos negativos para a
cidade. Vimos, indiretamente, que a centralização excessiva das Secretarias e o recorte
arbitrário de cada uma sobre o que considera seu território de atuação não poderiam trazer
resultados diferentes, a não ser os já citados: desconhecimento do território, falta de clareza na
política, falta de gestão política e administrativa e morosidade processual.
Por outro lado, fica evidente a importância da Subprefeitura como projeto político-
administrativo, olhando para a Subprefeitura Sé. Vimos também que essa é uma região rica e
também uma das mais desiguais ao colocar nos mesmos espaços pessoas com condições de
vida tão díspares, tendo numa ponta as de elevado poder econômico e na outra as que se
encontram em extrema pobreza e fragilidade social.
Além disso, a região oferece diversas atrações culturais e artísticas, pagas e gratuitas,
mas que nem de longe estão acessíveis a todos que estão presentes no território, apartando
deste direito um contingente considerável de pessoas. É assim no que se refere aos leitos
hospitalares, que se comparam aos padrões internacionais, mas são quase todos particulares,
não sendo acessíveis a todas as pessoas. Para alcançar um padrão mínimo internacional em
saúde, precisariam ser construídas mais nove UBS.
O desafio é grande quando nos referimos, por exemplo, à manutenção de áreas verdes
e baixos dos viadutos. Seja por falta de quadros técnicos, centralização de gestão, supressão
de recursos financeiros e excesso de burocracia, alguns serviços demoram meses a serem
realizados, quando não o são de fato. Portanto, é notória a falta de padrão de zeladoria e que
possam ser proativos e não somente reativos, como a maioria dos serviços hoje. A falta de
transparência na execução dos serviços também gera muitas arbitrariedades, como a
priorização de um pedido feito por vereadores ou mesmo o pagamento de propina para a
execução de um serviço, que normalmente, no atual estágio, levaria meses para ser realizado.
Ora, o desafio flagrante para as Subprefeituras realizarem seus serviços, conforme
previa seu projeto de criação, passa por devolver a esta a sua importância, descentralizando
novamente o poder das Secretarias, recriando as coordenadorias e respeitando os limites
60
geográficos de cada Subprefeitura, para que estas possam ter o conhecimento aprofundado do
território e assim aplicar as políticas, considerando as especificidades locais e de forma
conjunta.
Se observarmos a demanda por vagas nas creches, é preciso pensar uma ação conjunta
no território, para que se possa dar conta deste desafio. Assim, nas particularidades do centro,
seria possível pensar em áreas para as creches nas ocupações que entram para programas
habitacionais e buscar nas áreas da Subprefeitura potenciais locais para a construção de
creches. Além disso, nas vagas em vacância, desenvolver estratégias para ocupação por
famílias atendidas por Assistência Social e que não encontram onde matricular seus filhos.
Por sinal, há dificuldades para a Assistência Social em inserir jovens em liberdade assistida
nas escolas, por exemplo. Ou seja, outra necessidade de uma ação conjunta mais próxima e
mediada.
Na cultura, além da valorização da local também poderia atuar de forma mais
contundente nas escolas, usando seus espaços culturais mais ociosos. Mesmo que já existam
programas de valorização e visitação destes espaços, eles são pontuais e não fazem parte de
uma política mais ampla. Também, e ainda na Cultura, seria possível pensar a reintegração do
morador de rua pelo viés cultural ou do esporte e tantas outras contribuições, como o uso dos
baixos dos viadutos e das praças e parques existente na Subprefeitura Sé.
Evidentemente, pensar na manutenção e aplicação destas políticas todas e na
manutenção em sua região requer, sem dúvida, maior aporte de recursos humanos e
financeiros, a criação de padrões de zeladoria e a participação de mecanismos de controle e
acompanhamento das mesmas.
61
3. Referencial teórico da Pesquisa
Observamos, nos capítulos anteriores, que as Subprefeituras sofreram significativas
mudanças ao longo do tempo, que ora contribuíam para seu desenvolvimento e fortalecimento
institucional, ora não, desconstruindo este papel e esvaziando sua importância como projeto
político. Essas intempéries produziram saberes e conhecimentos que contribuem para a
formação simbólica deste espaço para a população, bem estudado por alguns dos intelectuais
brasileiros. Mas também, ao mesmo tempo, para o funcionalismo público, sobretudo daqueles
que ocupam estes espaços e para quem, dentro de nossos limites, é foco de nosso estudo.
Segundo Jovchelovitch (2008, p. 95):
o que pode parecer irracional ou errado ao observador faz sentido aos agentes do conhecimento. É também neste sentido, ainda que não apenas, que um sistema de conhecimento deve ser avaliado: em relação ao significado e realidade psicológica que ele possui para aqueles que concretamente o produzem. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 95)
Desta forma, analisar o espaço público institucional, na perspectiva de seus atores, os
servidores públicos57, passa a ser elemento fundamental no estudo das Subprefeituras, porque
nos permitirá, dentre outras coisas, perceber como esse servidor se engaja no trabalho e como
percebe a importância de seu trabalho para o munícipe. Para tal, é preciso entender como
constrói seu mapa de significados e elabora e reelabora os registros de suas experiências
cotidianas em espaços de interações com outros servidores, mídias, munícipes e partidos
políticos. O objetivo é captar a realidade construída a partir de lógicas inconscientes inscritas
no contexto em que se encontra, no tempo e na história.
O modelo referencial para nosso estudo será a Teoria das Representações Sociais,
procurando compreender as questões arroladas acima com os servidores da Subprefeitura Sé.
57 Conforme explicitam os artigos Art. 2º e 3°, do Estatuto dos Funcionários públicos define que os funcionários públicos são aqueles que legalmente ocupam cargo público e são remunerados pelos cofres municipais, além de outras especificidades que legitimam o cargo.
62
3.1 A Teoria das Representações Sociais
A Teoria das Representações Sociais foi apresentada em 1961 por Serge Moscovici
que, por meio de sua tese58, destacava os conceitos gerados na psicanálise e usados no
cotidiano da população francesa de modo geral (FARR, 1995). Seu estudo baseou-se na
concepção de Representação Coletiva de Durkheim, para quem o indivíduo era um fenômeno
psíquico e irredutível a sua atividade cerebral, ou seja, sem influência no fenômeno social.
Isto é, estático e tradicional (GUARECHI, 1994). Nas palavras de Durkheim (1970, p. 39),
(...) o fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que na fusão da qual ele resulta, todas as características individuais, sendo divergentes por definição, neutralizam-se e apagam-se mutuamente. (DURKHEIM,1970, p. 39)
Ao fazer esta afirmação, Durkheim deixa claro que o fato social59 era exterior aos
indivíduos e, portanto, capaz de condicionar e determinar suas ações, independente das
manifestações individuais que pudessem ocorrer. Em contraponto, Moscovici, como refere
Guareschi (1994), vai olhar as sociedades modernas como fluídas e dinâmicas, substituindo o
conceito de coletivo por social. Em poucas palavras, significa dizer que o indivíduo é tanto
produto da sociedade, mas também, como afirma Moscovici (1978), agente de mudança dela.
Desta forma, ao distanciar-se do conceito de Durkheim, propõe as Representações Sociais
como modelo. Para Moscovici, a diferença entre os conceitos é explicada da seguinte forma:
(...) as representações coletivas são um mecanismo e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), enquanto para nós são fenômenos que precisam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que se relacionam com uma forma particular de entender e comunicar: um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Para destacar esta diferença, usarei o termo social em vez do termo coletivo (MOSCOVICI apud ÁLVARO E GARRIDO, 2006, p. 287-8).
Entendido o percurso que diferencia a virada de pensamento de Moscovici sobre
Durkheim, o que seriam as representações sociais como teoria para explicar o fenômeno das
58 La Psychanalyse, son image et son public 59 Fato social para o Durkheim possuía três características: coercitividade, exterioridade e generalidade. O primeiro refere-se à força que os fatos exercem sobre as pessoas, os quais são transmitidos a estas na maneira de pensar, agir e sentir. O segundo refere-se à exterioridade, ou seja, existe independente da vontade ou consciência dos sujeitos, sendo inclusive, que estes tenham nascido antes de nascermos. Por fim, o terceiro conceito para o autor é aquele que se aplica, no mínimo, a maior parte da sociedade, ou seja, é geral por ser coletivo.
63
relações do (e no) cotidiano? A sensibilidade de sua teoria está justamente no entendimento
do cotidiano como fenômeno que explica o senso comum, ou seja, o modo como se dão as
formas de apropriação do conhecimento nos espaços coletivos e na relação com o outro. A
construção do simbólico se dá na dinâmica da vida, nos arranjos institucionais e nas
comunidades nas quais os sujeitos estão inseridos. Assim, Moscovici entende por
representações sociais:
(...) entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana nos cursos de comunicação interpessoais. Elas são o equivalente em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 1978, p. 26).
Existem muitas representações sociais, pois seu ideário é justamente o de explicar as
diferenças de nossa sociedade, tornar o desconhecido em conhecido e ressignificá-lo para
atuar novamente sobre a realidade. E é justamente neste processo dialético que o sujeito
detém poder de transformação, quer dizer, é parte ativa deste processo. É importante observar
que, para Moscovici (1978, p. 25), toda representação é composta de expressões socializadas
e, continua, “conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e
linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam
comuns”. Ou seja, os indivíduos irão agir em consonância com os elementos das
representações sociais que eles mesmos construíram. Afinal, como um sistema de valores,
noções e práticas, as representações guiam e influenciam o comportamento dos indivíduos nos
diversos contextos inseridos. Portanto,
as representações oferecem padrões de conhecimento e reconhecimento, disposições e orientações e conduta, que transformam ambientes sociais em lares para atores individuais e lhes permite entender as regras do jogo (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 191).
Evidencia-se desta forma, que as ações comunicativas e as práticas sociais presentes
no diálogo, na linguagem, nos processos produtivos, nas artes e mesmo nos padrões culturais,
produzem e conferem estrutura à vida social. É a mediação social que permitirá compreender
o mundo. Para isto, dois elementos integrantes da teoria das representações sociais, são
necessários: ancoragem e objetivação.
64
Na ancoragem ocorre a integração cognitiva do objeto representado e, desta forma, é
possível categorizar, associar e nomear, portanto, localizar o objeto referido e dar a ele
sentido, compreensão. Os objetos são, segundo Jovchelovitch (2008), representados em
condições que pressupõem que tenham estoque prévio; afinal, em algum momento já foram
representados, ligados com o passado e suas significações. Moscovici (2003) define como o
“processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema
particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos
ser apropriada”.
Na objetivação, o conceito, para se tornar perceptível, é então traduzido em imagens
pelos sujeitos, quer dizer, é estruturante, tangível e concreto. Para Moscovici (2003, p.71-2),
“objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impresso; é reproduzir um
conceito em uma imagem”. Assim, estas imagens selecionadas formam o que Moscovici
(2003) denominou núcleo figurativo, que formam o complexo de ideias. Três fatores estão
envolvidos neste processo: a descontextualização, a criação de um núcleo figurativo e a
materialização dos elementos deste núcleo. Para o primeiro, ocorre a partir de critérios
culturais e normativos; o segundo reproduz a estrutura conceitual e, por fim, o terceiro,
transforma as figuras em elementos da realidade.
Para ambos, ancoragem e objetivação, há um elemento em comum e fundante: a
memória. É a partir dela que ocorre a elaboração e reelaboração e, assim, são reproduzidos os
conceitos e imagens para o mundo exterior. Em ambos os processos os elementos de
avaliação e captação serão forjados nos valores sociais presentes em cada sujeito. Como bem
lembrou Jovchelovitch (2008), a visão que os sujeitos desenvolvem acontece na interação
social e, portanto, a estrutura social na qual estão inseridos é fator preponderante.
Como exemplo do que citamos acima, podemos usar o seguinte trecho de
Jovchelovitch (2008, p. 189):
O conteúdo das primeiras representações sobre a Aids definiu o então novo fenômeno como uma peste, revelando em um único tema a gama de medos e práticas que se seguiram ao aparecimento da doença. Dizer que a Aids era uma peste foi um meio de ligá-la à história das epidemias e às práticas, ideias e sentimentos relacionados às suas trajetórias. Importa muito se as representações são sobre a paz, ou sobre a Aids, se são sobre a amizade, ou sobre o conflito Israel-Palestina. Em cada um destes objetos existe uma realidade a revelar: esta é feita de saberes, comunidades e práticas que vieram antes e que, gradualmente, se solidificam na estrutura e na realidade do objeto. É a isto que chamamos de objetivação.
65
3.2 As Representações Sociais e a Esfera Pública
Os trabalhos de Sandra Jovchelovitch, estudiosa brasileira das representações sociais,
têm considerado a esfera pública como seu tema de atenção e foco. A sucessão de eventos
vividos cotidianamente na esfera pública irá condicionar as formas e personalidades, sem
tornar os sujeitos estáticos. Para Jovchelovitch (2008), a vida pública não é uma estrutura
externa influenciando a vida privada, mas um de seus elementos constituintes. Desta forma,
seus estudos são dedicados a entender como o espaço público influencia e molda o
comportamento das pessoas. Ou seja, os sujeitos constroem a realidade para, em seguida,
atuar sobre ela. Para ela, as representações estão radicadas nos espaços públicos, ao afirmar
que:
(...) as representações estão radicadas na esfera pública e se, ao mesmo tempo, nos processos de sua constituição, elas criam um saber sobre a esfera pública, investigar sua forma e conteúdo assume uma importância crucial para toda a perspectiva intelectual preocupado com as possibilidades de uma vida em comum que vá além do puramente privado, sem desconsiderar o sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68)
A autora, em seu livro As Representações Sociais Na Esfera Pública, estabelece
uma relação entre alteridade e esfera pública. Desta forma, demonstra como ocorrem as
construções simbólicas radicadas na experiência desse viver coletivo, de duas maneiras:
primeiro, define a importância de espaços públicos a partir de Hannah Arendt e Jürgen
Habermas. Em seguida, aponta as representações sociais, com base em três aspectos: a
formação da atividade simbólica, as representações sociais sobre a atividade representacional
e a criação da realidade simbólica compartilhada. Para isto, ela vai buscar em Piaget a ideia de
espaço potencial, em Winnicott, a atividade simbólica e em Mead, o Outro Generalizado.
A esfera púbica, do ponto de vista histórico, produz permanência, já que o passado
fornece bases ao presente e ao futuro (Jovchelovitch, 2008). Mas é também no espaço público
que a partilha ocorre e onde se constrói o sentimento e o sentido de realidade. Isto produz,
portanto, o que será o bem comum, pois transcende as pessoas. Nesse espaço de pluralidade,
na visão de Arendt (apud Jovchelovitch, 2008), as diferenças e similaridades, entendimentos e
consensos produzem o viver coletivo. Além disso, com base nas ideias de Habermas, a esfera
pública permite o encontro dos cidadãos e também a gestão destes mesmos, ou seja, o espaço
66
público. Além disso, permite a criação de um saber sobre si mesma e formas de opinião
pública. Isto acontece porque, ao garantir a abertura e transparência e trazer as preocupações
comuns, garantida a posição de igualdade, é possível tomar decisão conjunta e coletiva
(Jovchelovitch, 2008).
Esta autora reafirma, a partir desses autores, a importância da esfera pública e é sobre
ela que mora nosso interesse. O viver em comunidade significa necessariamente, ao menos no
Brasil, estar circunscrito a um município e, portanto, de algum modo, ser afetado por este. Se,
como se diz, o viver solitário é impossível, também o é, da mesma forma, o viver sem um
governo instituído. E se é fato que estamos sujeitos a uma gestão, a um governo instituído,
como compreendê-lo e atuar sobre (e com) ele?
Ora, para ficar no exemplo de São Paulo, seu quadro funcional conta com mais de cem
mil servidores, que, nas mais diversas funções, afetam direta ou indiretamente a população em
seu território.
3.3 Objetivo Revisado
O livro citado60 estudou a construção das representações que as pessoas fazem dos
espaços não institucionais coletivos, mostrando como a formação simbólica é impossível sem
uma rede de significados constituídos. Ou seja, segundo Jovchelovitch, o sujeito é autor da
construção mental e ele pode transformar-se na medida em que se desenvolve. Além disso,
demonstrou a importância do espaço público como construto da alteridade, num processo em
que um desenvolve o outro.
Dentre os muitos lugares onde a vida pública se constitui, um deles é o espaço
institucional, onde parte das necessidades humanas é gerenciada, no sentido de regulação,
demanda e oferta para todos e onde os conflitos podem ser gerenciados. Compreendê-lo passa
a ser fundamental, já que é nesses espaços que os serviços prestados à população se
constituem e aqui também suas demandas são apreciadas, levadas adiante e solucionadas.
Poder pensar as representações que os servidores públicos da Subprefeitura Sé, no
município de São Paulo, fazem sobre si mesmos e todas as implicações já citadas, sobretudo
como eles se percebem e como vêem a importância de seu trabalho para o munícipe, nos
60 Representações Sociais e Esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil
67
permitem captar como isto, ao se realizar, infere na sua forma de trabalho e, direta ou
indiretamente, interfere na qualidade e na condição do serviço prestado aos munícipes e à
gestão da cidade.
Aprofundar-se nesta representação social pode trazer novos significados à valorização
dos servidores públicos e ajudar a compreender a multiplicidade de desafios presentes nas
estruturas da subprefeitura e nas relações que estes estabelecem com atores importantes como
os munícipes, por exemplo.
A escolha desta Subprefeitura leva em consideração a sua importância para a cidade,
permitindo que fosse gerida de forma mais autônoma e destacada em relação às outras. Como
dissemos ao longo do trabalho, esta Subprefeitura também sofreu poucas ingerências políticas
e administrativas, contou com certa autonomia financeira e o maior orçamento entre as
existentes. Teve a sua frente gestores ligados diretamente aos prefeitos e prefeitas da cidade.
O fato de este pesquisador trabalhar na assessoria direta do gabinete também fez parte da
escolha.
Outro motivo importante, como vimos ao longo do trabalho, se deve ao fato de esse
órgão estar muito próximo ao munícipe, sendo um dos seus principais canais de entrada. É
nas subprefeituras que muito dos serviços iniciam seu processo até que sejam concluídos.
3.4 Perfil dos Entrevistados
Os entrevistados desta pesquisa são sujeitos que ao longo dos anos de prefeitura
construíram um conhecimento sobre a gestão, sobre os servidores e sobre as Subprefeituras,
portanto, conseguem ter uma visão do todo.
Estas pessoas foram selecionadas pelo tempo de prefeitura - no mínimo dez anos -,
pois tiveram a oportunidade de passar por prefeitos e prefeitas de partidos diferentes e,
portanto, conviveram com visões ideológicas e projetos distintos. Além disso, os cargos
ocupados por elas também foram considerados para as entrevistas. As pessoas que
coordenaram equipes, ou foram chefes de secção, departamentos ou possuíram DAS61,
produziram conhecimento sobre a equipe e se relacionaram mais proximamente do Executivo,
neste caso dos Subprefeitos ou dos assessores de sua confiança.
61 DAS (Direção e Assessoramento Superiores) incorporação de salário por exercer função considerada importante pela Direção.
68
Por fim, foram consideradas a partir de sua capacidade de trânsito na própria
Subprefeitura ou prefeitura, quer dizer, são pessoas que se relacionam com os mais diversos
departamentos, seja pela capacidade de relacionamento ou pela necessidade que seu
departamento exige para que determinado trabalho possa ser realizado.
3.5 Procedimentos Metodológicos
Para compreender as significações e os saberes produzidos pelos servidores
selecionados, escolhemos como procedimento metodológico entrevistas semiestruturadas, que
permitissem adentrar mais em alguns temas do que em outros, explorar o conhecimento e as
particularidades do entrevistado e garantir um ambiente seguro já que, pela posição do
pesquisador, alguns temas poderiam gerar desconforto ou insegurança por parte do
entrevistado.
Estas entrevistas foram gravadas para que pudessem ser transcritas, comparadas,
analisadas e categorizadas posteriormente na análise a ser descrita no próximo capítulo.
Os entrevistados foram escolhidos nas mais diversas áreas da Subprefeitura, sendo as
seguintes: na área de fiscalização, recursos humanos, assessoria direta do gabinete,
atendimento e administração. A escolha de pessoas de áreas diferentes tinha como objetivo
captar de forma mais precisa e diversa as impressões geradas nos servidores. Primeiro, porque
áreas diferentes permitem certas perspectivas de análise e, segundo, porque parte destas
pessoas já esteve em outras áreas da Subprefeitura, o que permite fazer comparações e
análises, descritas nas entrevistas.
Outra consideração importante é que, a partir do roteiro de entrevistas (anexo 1),
separamos três grandes grupos para análise, sendo eles: como são vistos de fora, como se
percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão. A ideia central
desses três grandes grupos é compreender como as experiências do dia-a-dia vão-se
elaborando, solidificando ou transformando estas imagens. Para isto, no roteiro de entrevistas
consideramos como eixos norteadores: Subprefeituras, Funcionalismo Público, Munícipe e
história de vida.
Para o primeiro, Subprefeituras, o objetivo principal era compreender como eles
captam a importância deste órgão, suas funções e como, ao longo dos anos, elas foram
69
tratadas e retratadas. Eles a compreendem como moeda de troca, como largamente se lê por
aí? Que relação estabelecem com os políticos e assessores de livre-nomeação do Executivo?
O segundo, o Funcionalismo busca captar as imagens que constroem sobre o servidor
público, tentando entender como são compreendidos pela mídia e partidos políticos, como
constroem e desenvolvem as carreiras e o próprio trabalho diário. E também como lidam com
demandas e pressões constantes presente no cotidiano?
Para o terceiro, o munícipe, o principal objetivo é compreender como esta relação
ocorre e, sobretudo, qual a percepção que eles têm. O que vimos, quase sempre, são as
imagens que a população faz sobre o servidor público, mas não sobre a forma como o servidor
percebe, a forma como a imagem dele é construída. Como isto se constrói no cotidiano?
Por fim, é preciso compreender como no cotidiano o trabalho se desenvolve e como se
tornam mais fáceis a implantação de projetos, leis e outras determinações gerais, vindas do
Executivo e do Legislativo. Isto tem grande importância, já que são eles, servidores públicos
lotados nos órgãos de contato direto com a população, que irão implantá-los.
70
4. Capítulo – Análise das Entrevistas
As entrevistas com os servidores da Subprefeitura Sé foram realizadas a partir de três
grandes temas, os quais exploraremos nesta análise. Estes temas são: como eles são vistos de
fora, como eles se percebem e quais são as funcionalidades e desfuncionalidades da gestão
pública ou da Subprefeitura que afetam diretamente seu cotidiano e impactam a qualidade do
serviço percebido e prestado pela mesma aos munícipes. Atores como a mídia, o próprio
munícipe, o partido político e eles mesmos, são os principais norteadores desta análise como
poderemos observar.
4.1 Como eles são vistos de fora
Ao iniciar o processo de análise das entrevistas, separamos três grandes eixos para
realizá-la, como dissemos. Uma destas é a imagem construída fora dos espaços da
subprefeitura, ou seja, como eles são vistos por aqueles que são de fora, na sua perspectiva?
Ao nos referirmos a estas “pessoas de fora”, falamos sobre três atores importantes e com os
quais eles mantêm um contato diário direto: a mídia, o munícipe e o partido político. Os três
exercem forte impacto na formação e na construção da imagem que os servidores criam sobre
si mesmos e, evidentemente, nas estratégias e na forma como eles desenvolverão seus
trabalhos.
Evidentemente, os munícipes constroem esta imagem, na perspectiva dos servidores
públicos, ao fazerem solicitações de serviços de zeladoria ou outros. Por exemplo, os
prestados pela Praça de Atendimento, como nos referimos no capítulo anterior. Por isso, ao
perguntarmos, por exemplo, como o munícipe percebe o servidor público, observa-se que, de
maneira geral, essa imagem não é muito positiva. O que podemos observar é que esta
imagem, do ponto de vista dos servidores públicos, se constrói a partir de três temas
importantes: a morosidade e a burocracia na solicitação e realização dos serviços, a falta de
recursos humanos e financeiros e o desencontro de informações na prefeitura como um todo,
que vão reverberar também na forma caricata que a mídia constrói.
71
Por exemplo, quando se fala da morosidade dos serviços públicos, nota-se na fala,
inclusive, que o próprio munícipe desconhece o processo burocrático aos quais alguns
serviços estão sujeitos e que irão tornar mais morosa a realização do serviço. Desta forma, por
exemplo, a poda ou remoção de uma árvore, que precisa tramitar por processos mais
complexos se estiver em área envoltória de bem tombado, pode demorar mais de noventa
dias. Evidentemente, esta tramitação só reafirma na cabeça do munícipe a lentidão que há nos
serviços públicos e o servidor público não demonstra o menor interesse em fazê-lo caminhar
prontamente. Nem é preciso dizer que estes trâmites burocráticos se não respeitados podem
gerar processos administrativos contra os servidores envolvidos. No trecho abaixo, o
entrevistado fala claramente sobre essa morosidade no serviço público e, precisamente, sobre
como os munícipes os vêem por conta disto.
Ai... Uns molengas entendeu? Não quer saber nada de nada. Já, várias vezes, ouvi
isso... Entendeu, mesmo estando aqui na administração. Como várias vezes ouvi munícipe
falando do pessoal da praça de atendimento. (...)
O pessoal vê a gente uns acomodados. Entendeu? Que não quer nada com nada e estão nem
aí, eu entro com processo hoje, 2013, Outubro de 2013... lá para Outubro de 2020, eu vou
estar tendo resposta do meu processo... Então é essa imagem que a gente passa e por mais
que você tente mostrar que não é e que tem uma agilidade, mas também tem uma morosidade
que não é nossa, não é do servidor, é da própria burocracia, tem tempos para o processo
andar, essa coisa toda nem tem... entendeu?
Outra fala que ilustra bem a morosidade e a descrença que eles entendem haver por
parte dos munícipes é sobre a demora no atendimento dos serviços. Os próprios servidores
entendem que a escassez de recursos (materiais e humanos) a que foram submetidas as
subprefeituras, impede a realização dos serviços de forma satisfatória. E isto é atenuado pela
forma como foram feitos alguns dos contratos de zeladoria. Como podemos observar na fala
do entrevistado abaixo:
Do atendimento da demora né? (...) pro munícipe é agilizar e a única coisa, eu acho o que
tem que fazer é agilizar, resposta. O que tem que fazer é agilizar, ele quer resposta; não quer
saber se foi bem atendido. Pode até reclamar se ele não tiver um atendimento adequado. Ele
quer o problema dele resolvido. Eu vim aqui tratar que eu quero que tire a árvore que está lá
72
quebrando a minha calçada. Eu vou falar, olha meu senhor, eu não posso atendê-lo agora
porque eu estou sem minha equipe de árvore, não sei o quê. Ele fala, eu não quero saber, tira
a árvore; eu não quero saber se tem dinheiro, se não tem. Ele que ser bem atendido então, o
que você vê? E realmente a questão do atendimento da demanda. Na demora da resposta do
serviço que ele pediu.
Por fim, a sobreposição de informações causadas por interpretações diferentes de leis,
normas e procedimentos sobre um determinado assunto, que só reforçam a imagem que os
munícipes constroem sobre o servidor público, como podemos acompanhar na leitura do
trecho abaixo:
Quando você dá o retorno a pessoa a pessoa fala assim.. Nem acredito que a Sra. me
retornou...Não...eu falei que iria retornar, mas eu já falei com 5 ou 6 setores e ninguém
retorna...
Sabe...? Que elas acham um absurdo quando são bem tratadas. Você entende o que eu
estou dizendo? Porque assim, o serviço no geral; não estou falando da Sé, eu já precisei de
informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava
levando canseira de ligar e não aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7
telefones e eu falando que eu não era a colega e que eu era daqui... Você imagina uma
pessoa de fora o que ela não passa!
É possível observar que a imagem que eles constroem sobre a forma como os
munícipes os percebem tem muita relação com os entraves com os quais eles lidam
cotidianamente e dos quais, talvez pela posição que ocupam, possuem pouca capacidade de
mudança e gerência. Outro fator, que será tratado mais à frente aponta para a maneira como
esses servidores percebem, inclusive, a atuação de alguns de seus colegas de trabalho que, de
muitos modos, reforçam o modo como os munícipes chegam a este perfil de servidor descrito.
Por fim, numa das entrevistas, é possível perceber que a própria atividade de algumas
áreas da Subprefeitura, a de fiscalização, por exemplo, gera um sentimento dual nos
munícipes. Se para uns ela beneficia, é certo também que em alguns casos as pessoas se
prejudicam com sua ação. Em casos como apreensões feitas ao comércio irregular e
ambulante ou o recolhimento de mesa e cadeira costuma gerar desconforto nos que
presenciam. Como podemos notar na fala abaixo:
73
Agora fiscalização, ninguém gosta não. Porque 90% das vezes que a gente vai, ou 100% das
vezes que a gente vai é provocado por conta de alguma reclamação. Então se a gente vai e
resolve aquela reclamação, que foi provocada por alguém... É, esse alguém pelo menos,
quando é solucionado ele vai ficar satisfeito, mas o cara que tomou intimação e multa, com
certeza não vai ficar. Então há uma dualidade aí...
Outro ator importante na vida dos servidores públicos é a mídia, que perpetua, na
visão deles, o imaginário de alguém que é encostado, preguiçoso e corrupto. Diariamente os
principais jornais, sejam eles rádio, impresso ou televisão, mostram casos em que serviços da
prefeitura foram mal prestados, não realizados e, comumente, denunciam os desvios de
conduta por partes dos servidores, como o pagamento de propinas. Assim, na fala de um dos
entrevistados, a mídia os vê da seguinte forma:
O funcionário público de maneira geral eu não sei, pelo o que eu vejo na mídia... É
tudo vagabundo, né? Não trabalha. Agora se eles viessem aqui vê o que a gente faz, eles não
iriam achar que é assim não.
Ainda, para eles, a mídia não os diferencia, mostrando, por exemplo, casos positivos,
bons serviços prestados etc. Afirmam, ao contrário, que são sempre acusados mesmo antes da
prova cabal; mais à frente, observaremos outro exemplo em que não há a devida diferenciação
sobre quais cargos ou áreas ocupam, tratando todos da mesma forma. Um bom exemplo é
este:
Acabou! Então a mídia, ela tá lá, ela tá lá, para detonar né? Cai lá, falou que é
corrupção, é funcionário público.
Eu acho que a mídia ela pega, É... ela é louca para pegar um caso de corrupção né?
Já para arregaçar, né? E se não for ela já vai dizer que é sim, e depois... É que nem nós
tivemos um caso aqui de um Engenheiro, que saiu no jornal, e que nossa, ele teve problemas
com o filho na escola não sei o quê...Depois foi retratar, saiu um texto! E depois que viram
que o cara não tinha nada com aquilo, eles fizeram uma linhazinha de nada, falando que
aquele caso, não tinha sido daquele jeito. Mas e aí? E a vida do cara?
74
Podemos observar este caso ilustrativo, no qual um dos sindicatos ligados a prefeitura
resolveu criar uma estrutura interna para lidar com a mídia e todas as acusações às quais eles
são sujeitados. Por exemplo, ao perguntar sobre como eles são vistos pela mídia, a resposta é
taxativa. Para eles todos (a mídia) os vêem como vagabundos.
Todos... E agora que eu estou há ano e meio no sindicato, eu vejo que é uma briga
incomensurável por parte nossa, de tentar mostrar para eles o que o funcionário público,
principalmente o agente vistor, faz. E a própria administração também, quando fala alguma
coisa de corrupção, joga a culpa em cima da fiscalização. E a prova mais concreta disso é
agora na época do Aref, em que o secretário anterior, ele dizia... “Não, nós vamos resolver o
problema da corrupção é implantando o SG), que é um sistema de gerenciamento da
fiscalização”. Só que esse Aref e outros que foram pegos, não têm nada a ver com
fiscalização, são de Aprovação, então a fiscalização sempre foi o bode expiatório.
A Subprefeitura Sé, ao longo dos anos, talvez pela sua posição estratégica e
importância para a cidade, costuma estar presente na mídia para as mais diversas matérias,
sobretudo sobre zeladoria e fiscalização. Ainda, é importante ressaltar os anos 90, na transição
entre Administração Regional e a criação de Subprefeituras. Este período foi marcado por
escândalos que abalaram a confiança da população em relação aos agentes públicos,
sobretudo os das Subprefeituras. A fala da entrevistada é ilustrativa neste sentido:
Mas... É eu vivi aqui na Sé na época do Hanna Gharib, que teve a máfia dos fiscais, a
questão toda... Eu vi funcionário sair daqui de dentro algemado, de camburão, sabe? Foi
uma coisa, assim totalmente constrangedora para a gente, sabe? Amigos de trabalho
chegando e a investigadora na sala... Era na época administrador regional, quando a pessoa
chegava, você falava veio pegar alguém. Entrava na sala do administrador e falava, chama
fulano aqui... O cara entrava na sala e já saía conduzido por ela e ia. Tem funcionário que
ficou dentro do camburão lá, uma hora fora e tal, sabe? A gente viu isso aqui, foi realidade
pra gente, né? Ah, eu ouvi dizer que tem corrupção, não! Nós vimos isso acontecer, né? Os
servidores saírem daqui de dentro dessa maneira e foi uma época muito triste, né? Porque eu
não tinha coragem de falar que eu trabalhava na Subprefeitura da Sé.
75
Outros atores presente para o servidor são os políticos, entendidos como aqueles que
ocupam os cargos de livre provimento (indicados) e eletivos, como é o caso do prefeito e dos
vereadores. Esses atores são fundamentais porque criam, orientam e acompanham a execução
das leis, programas e projetos que serão executados nos mais diversos setores da
administração municipal, por um período determinado. O que podemos observar é que eles
sentem diferenças entre as diversas administrações (ou grupos políticos que dirigem a cidade).
E esta diferença, no modo como cada grupo trabalha gera diferenças de trato, mas é comum
também a distância entre a realidade e os objetivos entre os eletivos e os servidores de carreira
e a desvalorização dos servidores da casa e as condições de trabalho. E a reclamação comum
é que se voltam os olhares sempre para o externo, sem olhar para o que está dentro, sem
perceber as condições de trabalho às quais estão submetidos os servidores.
Quando alguém parar e realmente sair da sua cadeira e for conhecer cada
subprefeitura e não é... ouvir falar, certo? Quando o Chico levantar da cadeira e for
conhecer cada subprefeitura, talvez caia a ficha dele, porque ele está num, num, num...
prédio, super legal, né?... Ar condicionado moderno, tudo encapetado, elevador que
funciona, né? Ele tem o que... 8 elevadores que funcionam, né? Então, ele está uma
maravilha... Agora a Sé, a gente ainda conseguiu, se manter a trancos e barrancos, porque a
gente tem uma equipe de manutenção ponta firme. E as outras lá? Ele levantou, ele foi vê
como está São Miguel, como é que tá Santana... Então tem que sair e levantar a bundinha da
cadeira ir lá e conhecer, vê como que é que está a situação, talvez de um pouco mais de
valor.
Outro fator comum nessa relação é o sentimento de descontinuidade presente em
alguns momentos. Pelo fato de não haver conversas e escuta sobre o que já foi realizado, os
servidores apontam que os gestores não os escutam, afirmando, por exemplo, como no
exemplo abaixo, que cada um imprime seu estilo e projetos, ignorando, na maior parte das
vezes, o que já havia sido realizado. Ou mesmo não os consultam para fazer uma avaliação ou
pensar sobre possibilidades a serem consideradas antes da execução.
Se eles percebem... Não! Eles só percebem quando eles precisam de alguma coisa.
Aí, eles lembram que a gente existe, caso contrário eles não percebem e uma das coisas que
eu fico ... né? E a cada mudança do governo eu fico muito brava, porque são pessoas novas
76
que vêm e não ouvem as pessoas que já estão na casa. Então vem com ideias novas e
atropelam aquelas que já estão dando certo. Ninguém senta para perguntar... Olha o que está
dando certo? Olha está dando certo, assim, assim e assado, feito. Então isso nós vamos
manter, vamos fazer algumas modificações, porque não é essa minha proposta de gerência,
mas vamos fazer pequenas modificações...Mas vamos fazer dar certo, tá?...Não, já chega já
passando o trator derruba e não valoriza quem já está na casa. E Isso eu falo para todo
mundoooo...O Marcus fez isso certo? Ahn ... Nevoral fez isso, Dra Andrea fez isso. Todo
mundo faz! (...)
É do meu jeito! Então você para tudo do que estava funcionando e começa de novo. E
quando a coisa começa a dar certo...Muda de novo porque já deu os 4 anos. Vereador só
lembra dos servidores quando a gente vai bater na porta deles, apitar, fazer apitar ou fazer
bater porta de panela, ou quando eles precisam de alguma coisa.
Outro comentário muito presente nos discursos refere-se à ocupação dos cargos
estratégicos por parte das nomeações políticas que o executivo promove. Para alguns elas
ocorrem justamente porque se trata de cargos de extrema confiança, na qual o Subprefeito
responderá em última instância (política ou juridicamente) pelos atos dos mesmos, portanto, o
que justifica sua escolha e seus critérios. Para outros, estas nomeações, promovidas em alguns
casos, sem que o ocupante tenha o conhecimento ou experiência que eles julgam necessário, é
que fazem existir este sentimento de desconfiança e desvalorização. Além disso, observa-se
durante as falas que o fato de as Subprefeituras serem moeda de troca para a base governista,
só ratifica esse sentimento de loteamento e manipulação que sentem em relação à
Subprefeitura, como observa um entrevistado ao afirmar:
Eles não privilegiam o cara que já está lá e tem o conhecimento. Eles privilegiam os
caras que vêm de fora (risos), entendeu? É, mas isso tudo é uma configuração que existe é...
Por conta de todos os partidos e... na minha opinião também não é errado. Se eu fosse chefe
de alguém desconhecido, eu iria levar o pessoal da minha confiança também, que aí eu sei o
que vai acontecer, não preciso ficar com os olhos grudados o tempo todo, já que a pessoa é
de minha confiança.
Em outras palavras, esse loteamento ou apadrinhamento e as trocas constantes sempre
que chegam novos quadros trazidos pelo executivo geram desconforto e necessidade de
77
proteção entre eles. Criam, então, estratégias para lidar com esses servidores nomeados pelo
executivo, como podemos ver na fala abaixo:
Quem tá na casa não presta, então eu só vou ouvir os meus (--), quem eu trouxe, esses
são da minha confiança, porque toda vez que muda a gente se arma. Porque a gente sabe que
vem paulada. Então a gente já se arma... E facas e dentes e vamos que vamos, porque se
gritar... Pera aí, neguinho, tu tá chegando agora, nós já estamos aqui então não adianta
dizer que você vai por uma escada rolante de lá até o quinto andar, que você não vai dá... É,
é por isso, entendeu? Ninguém ouve a gente.
A relação entre esses dois grupos (livre nomeação e carreira) em muitos momentos é
marcada por uma intensa demarcação de posição e tensão. Como vimos na fala acima, os
servidores de carreira criam estratégias para lidar com o Executivo e sua equipe. Mas há
outros elementos que tornam essa relação ainda mais tensa. Por exemplo, nos períodos de
transição, são os servidores de carreiras que fazem esse processo transitório e, portanto,
repassam informações para os novos ocupantes dos postos de trabalho. A insegurança
presente neste processo, a lentidão burocrática, aliada ao histórico que o local por ventura
carrega como ponto de corrupção e incapacidade reforça ainda mais esta dificuldade. Um caso
ilustrativo segue abaixo:
Nós tivemos gestões que o chefe de gabinete falava para a gente, aqui só tem bandido
e vagabundo. Você entendeu? Por quê? Porque foi depois do que aconteceu. Por que...
Porque eu vou falar para você, que não é assim que funciona, ah tá... Mas sabe, a gente tem
que ouvir isso na cara? Tirar a gente por todos, né? Tirar a gente por todos pelo que
aconteceu, né? A gente passou isso!
Para os servidores de carreira a imagem que vêem representada melhorou nos últimos
anos, sendo capazes, inclusive nos dias de hoje, de afirmarem que são servidores públicos,
justamente porque trabalham muito, por exemplo. Por outro lado, ainda sentem que a mídia
perpetua a imagem do servidor de carreira aproveitador, preguiçoso e interesseiro, quando não
corrupto, como observaremos na análise posterior. Os políticos, como observamos, têm
mantido uma relação de dificuldade, sobretudo nos períodos de transição, pois sempre que se
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muda a gestão, grande parte das equipes sofre alterações. Evidentemente, isto tem impacto
direto na forma como o munícipe vai receber e perceber o serviço.
4.2 Como os funcionários públicos se percebem
Outro aspecto da análise que faremos dos funcionários públicos é compreender a
forma como se percebem no espaço de trabalho e quais estratégias constroem para realizarem
suas tarefas e enfrentar as demais adversidades presentes. Isto inclui compreender a percepção
que fazem dos outros servidores, quais são as ações que reafirmam ou desconstroem esta
imagem e quais as consequências que isto traz para o trabalho.
Como podemos observar durante as entrevistas, são muitos fatores que permeiam a
imagem que eles fazem sobre si. A falta de um plano de carreira, a presença de servidores
“corruptos” e “preguiçosos” e que justificam a criação, por parte dos munícipes, da figura
caricatural presente nos programas humorísticos são alguns dos ingredientes desse ambiente.
Mas, além deles, o sucateamento do ambiente de trabalho, a morosidade e/ou a inexistência de
acompanhamento, disciplina e punição, a falta de critérios nas escolhas e nas promoções dos
servidores são outros fatores presentes e perceptíveis nas falas dos entrevistados.
Para compreender este cenário, é preciso analisar a forma como os funcionários
compreendem seu papel e isto é importante, pois, como veremos, esta imagem ajudará a
separar aqueles bons servidores dos outros. Os entrevistados de maneira geral compreendem o
servidor público como aquele que está ali para atender o munícipe com zelo e decência. Nas
palavras de uma entrevistada “é aquele que cuida de toda necessidade que a população tem,
ou seja, resolve os problemas que eles te trazem”. Entre os entrevistados, grande parte deles
encontrou na carreira pública uma forma de melhorar e contribuir para a gestão da cidade e,
por conseguinte, na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como afirma outra
entrevistada “o funcionário é aquele grande sonhador, que a gente acha que a gente vai
prestar o concurso e a gente vai passar e que a gente vai poder ajudar a cidade a melhorar, a
crescer desenvolver”.
Para eles, os maus exemplos de servidores públicos são maioria no ambiente de
trabalho, sendo em todas as entrevistas, superiores aos quinze por cento, quando questionado
o percentual de péssimos servidores. Consideram maus servidores quem perpetua a imagem
79
preconceituosa existente no imaginário da mídia e dos munícipes. O relato da entrevistada é
esclarecedor sobre como existe essa divisão entre os servidores, quando diz que os que
trabalham e os outros “que levam nome e falam, eles falam que não trabalham mesmo, então
vamos lá... Tem outros que viram e falam, olha eu sou funcionário publico, filha, você quer
que eu trabalhe?”
A consequência deste comportamento apresentado, ou seja, de que por ser servidor
público não se trabalha mesmo tem parte da sua origem na falta de acompanhamento das
chefias imediatas. Falaremos mais detidamente sobre isto posteriormente, mas é importante
ressaltar que este comportamento vai impactar o trabalho dos demais. Um dos
comportamentos comuns percebido é descrito na fala abaixo:
Então aquele que deveria estar fazendo nove horas de serviço com uma hora de
almoço, ou seja, oito horas de trabalho. É, ele entra pela catraca, certo? Passa lá, existe uma
possibilidade de a gente pedir um relatório, de todo mundo que entra, com um horário que
entrou bonitinho... Ele sobe, não sei se assina ponto, quando você vê, o neguinho está na
praça de atendimento e vai embora. Ou seja, ele ficou aqui exatos 10 minutos que foi o tempo
dele pegar o elevador, subir na sessão, fazer um auê, para todo mundo ver e, ó, tô indo ali na
esquina. Ó, e você só vai vê-lo amanhã.
Ainda é possível observar que a falta de critério e a diferença de tratamento entre as
chefias imediatas reforçam a imagem do servidor que não trabalha ou que vem quando deseja
e conta, neste caso, com a complacência dos demais. E, ainda, é o beneficiário de certas
regalias, por exemplo, de horas complementares. Assim o servidor considerado correto
assume responsabilidades alheias e tem um tratamento considerado desigual, como aponta a
fala abaixo:
Aí você vira e fala, poxa vida, você não pode faltar, você tem que me trazer um
atestado médico ali. Tô te dando um exemplo, você tem que trazer um atestado médico, se
você não trazer, eu vou ter que corta seu ponto...Então você fala, poxa vida, o fulano não vem
a semana inteira trabalhar e ainda ganha horas complementares, então como é que faço?
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Este processo demonstra como os privilégios que alguns detêm sobre outros terão forte
impacto no ambiente de trabalho e também no externo, já que os considerados certinhos não
são promovidos ou reconhecidos pela própria administração pública nem pelos atores
externos, sobretudo a mídia. Neste sentido a fala de uma das entrevistadas é ilustrativa:
Olha, é bem o Mendonça mesmo! O Lineu é o que quer as coisas tudo certinho, que
piriri, papapá...! E que nunca é promovido... E o Mendonça que faz, faz o auê, faz a meia
onda por ali e acaba sendo promovido e isso é uma das coisas que você sempre vai ouvir por
aqui é assim... Quem faz merda, cai pra cima, quem anda certinho cai para baixo, né? E a
mídia acaba contemplando isso, né? Você vê, eles sempre falam do fiscal que deixou a obra
cair, e que embargou e sumiu e o outro que leva propina não sei de onde, piriri, papapá...
Mas eles não procuram um servidor, né, que fez a coisa certinha, bonitinha, que embargou a
obra, que deu sequência naquilo (...).
Por fim, outra fala ilustrativa neste sentido é observada ao dizer que o serviço público
no geral tem essa característica de pouco compromisso e desinteresse dos seus servidores.
Porque assim, o serviço no geral; Não estou falando da Sé, eu já precisei de
informações de expediente que eu estava tratando e buscando informações que eu estava
levando canseira de ligar e não é aqui, liga para um, liga para outro, sabe? De passar 6 ou 7
telefones e eu falando que eu era colega e que eu era daqui... Você imagina uma pessoa de
fora o que ela não passa!
Outro tema presente é a corrupção. Para todos eles é inegável a presença de corruptos
nas subprefeituras, que ocorre justamente por estar próxima ao cidadão, como aponta a fala da
entrevistada “a corrupção vamos dizer assim. Entendeu? É o local que faz o quê? Que
fiscaliza, que tem obra...”. Ou seja, é lá que a maioria das permissões é dada para a realização
de serviços por parte dos munícipes.
Para eles, o não acompanhamento e a própria morosidade nas investigações e sanções,
são responsáveis diretas. Para se ter ideia, nos últimos dez anos, apenas duas pessoas foram
exoneradas do serviço público na Subprefeitura. A maior parte, ao saber que o processo está
em curso, antecipa a saída e, com isso, o processo tende a não ter continuidade ou perder
força ao longo do tempo. Atrelado a esta condição, os baixos salários estimulam estes
81
acontecimentos. É o que diz uma das entrevistadas ao afirmar, por exemplo, que acaba sendo
quase natural que, devido os custos de vida, alguns se entreguem ao suborno.
Você não tem um salário digno, que está aí fora no mercado, olha meu filho, se você
me oferece uma graninha por baixo... É obvio que todo mundo vai aceitar e você pode ver
que a grande parte, aonde, acontece os subornos, são aqueles que são ligados diretamente à
população! Então você tem os dinheiros, você tem os fiscais, você tem as pessoas que estão
de frente com a população...
Outro problema evidenciado nas entrevistas é a falta de um plano de carreira na
prefeitura, que vai culminar nas enormes disparidades salariais existentes e, na maioria dos
casos, fará com que estas diferenças de formação e valorização não sejam contempladas,
pareçam inexistentes, como afirma uma das entrevistadas ao dizer “a subida na carreira
também não significa muito! Determinados cargos, assim 50 a 80 reais a mais”. Assumir
mais responsabilidades ou ter formação superior, neste contexto significa muito pouco, como
observa “você não tem progressão, progressão, mesmo na carreira, você não tem um salário
digno”. Portanto, assumir cargos de maiores responsabilidades em relação ao anterior não traz
ganhos salariais compatíveis às novas responsabilidades na visão deles.
Ainda no que se refere ao sentimento de desvalorização atrelado à falta de uma
política salarial é possível observar que nos últimos anos o orçamento anual da Prefeitura
aumentou progressivamente, mas isto não significou para os servidores qualquer aumento real
e significativo. Na fala de uma das entrevistadas é possível ter esta percepção quando diz
sobre o aumento de 0,01%, realizado há alguns anos atrás: “chegava a ser humilhante um
aumento desses, pra que publicar? Pra que dar esse aumento?”. E, mais ainda, têm clareza
de que não existe progressão na carreira desestimulando a maior parte em se capacitar, por
exemplo.
As condições nas quais os servidores realizam seu trabalho também influenciam a
forma como se sentem e aumentam esse sentimento de desvalorização e impotência à qual
estão sujeitos. Se existem os servidores que não atendem as expectativas esperadas de sua
função, também é notório, para eles, que existem situações nas quais o serviço não pode ser
realizado por falta de recursos materiais e financeiros. Os recursos nas Subprefeituras nos
últimos anos diminuíram e, consequentemente, a capacidade de atender as solicitações de
forma mais rápida e efetiva também. Assim, pequenos reparos são feitos de forma
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improvisada ou com extrema lentidão, expondo ainda mais a imagem negativa da
subprefeitura. A fala é ilustrativa:
Se você vê aí, o outro dia, por exemplo, a gente precisou fazer aí duas ou três vias da
Brigadeiro Luiz Antonio que o cara quebrou para fazer um rebaixamento para entrar o
carro, e a gente aciona o pessoal de obra para fazer isso. O cara ficou um mês ou dois sem
poder ir porque não tinha saco de cimento. Então precisa ter a vontade e ter os argumentos,
né?
Evidentemente, este sentimento de desvalorização também está relacionado às
condições do trabalho. Para dar uma ideia sobre isto, a Praça de Atendimento da
Subprefeitura Sé, passou por um longo período, aproximadamente cinco meses, sem material
básico necessário ao trabalho, como clips, para manter as folhas de um processo unidas. Ou,
como ainda é possível presenciar, cadeiras quebradas, seja roda solta, encostos desajustados e
assim por diante. Não se compram materiais permanentes, ao menos nas Subprefeituras, desde
2010. Numa das entrevistas estas condições estão apontadas:
Olha, nós estamos largado ao relento. Você vê corte de orçamento? O Haddad
começou cortando, congelando todo o orçamento. E aí sai aos pingos, ou seja, tudo que
estava programado foi engavetado, tem que se começar do zero. A gente não tem dinheiro
para nada. Quando aparece alguma coisa, sai todo mundo estapeando, porque o meu é
prioritário, o meu é prioritário.
(...) e aqui dentro acaba ficando a Deus dará... Nós não temos dinheiro para comprar
telefone, nós não temos dinheiro para comprar mesa e nós estamos nessa situação... Já em
2010 a gente vinha sofrendo essa situação, a gente vinha solicitando melhorias internas, tá?
Você tem que concordar comigo, quando você tem um ambiente bom de trabalho, você
trabalha com pique, certo?
O que podemos perceber é que existe uma relação intrínseca entre a representação que
eles fazem de si mesmos, com aquelas que são representadas pelos outros atores; munícipes,
imprensa e políticos. Em parte, esta imagem se constrói e é reforçada pelas condições
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adversas de trabalho, pela escassez de recursos de toda natureza e por não haver, por parte do
Executivo, um investimento objetivo para modernizar a gestão.
4.3 Funcionalidades e Desfuncionalidades da Subprefeitura
Vimos até o momento como os servidores públicos se percebem em duas
perspectivas: como são vistos de fora e como eles mesmo se vêem e isto tem impacto na
forma como o trabalho se organiza e se realiza. Evidentemente, as condições a que estão
submetidos facilita ou dificulta a realização do trabalho e é sobre esta perspectiva que faremos
a análise.
Primeiro, é preciso compreender como estes servidores entendem o papel da
Subprefeitura, como eles a definem e entendem sua importância para a municipalidade. Como
pudemos observar, a atribuição de serviços de zeladoria e as autorizações para a realização de
obras e serviços passam necessariamente por elas e, portanto, a aproximam dos munícipes.
Mas não é só isto que a define e os motivos por quais elas foram criadas. A ideia da
descentralização carrega em si o anseio de um governo participativo, próximo e ágil, como
poderemos observar na fala da entrevistada:
Quando ela foi criada, ela foi criada com uma boa ideia, é de descentralizar todo o
poder... Que é o que a atual administração está tentando fazer, é trazer de volta que é a
descentralização e acho que fica mais fácil para o Munícipe chegar, aonde ele pode cobrar
suas reedificações. E tem que ser assim, se você tem só um órgão para atender toda uma
cidade, fica difícil essas demandas serem atendidas com certa rapidez, né? Agora se você tem
vários órgãos para atender uma população menor, acho que o atendimento fica mais rápido
e até corpo a corpo. Se você está na subprefeitura Sé e vem o cara aqui, da Aclimação
reclamar aqui com você, você já esta mantendo... Você já é vizinho dele praticamente. Agora
se ele vem de lá e tem que vir aqui no palácio do governo, já é uma distância maior. Não
geográfica, mas a nível de hierarquia. Você não consegue chegar ao prefeito. Você chega aos
assessores só, mas se você chegar.
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Porém, é claro que o papel das Subprefeituras ao longo dos anos foi perdendo seu
objetivo principal de organização e articulação territorial, de mediador de disputas e promotor
do desenvolvimento, sobretudo as populações mais vulneráveis, para se tornar um órgão de
zeladoria com serviços pontuais e limitados. O reordenamento dos últimos anos, com a
supressão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além das coordenadorias, só
diminuiu a autonomia e a capacidade real de intervenção, como podemos observar abaixo:
Era legal para caramba! Porque se sentava todo mundo. Educação, saúde, assistência
social, esportes, cultura... Sentávamos todos e discutimos o que seria bom, para subprefeitura
da Sé como um todo. O que é bom para o Centro, não é bom para o Cambuci, como não é
bom para o Bom Retiro. Então se ouvia todas as áreas, o social como sempre esteve em
todas... A educação e a saúde eram muito ouvidas e a gente direcionava planos de atuação e
de melhorias para esses distritos. Então, a subprefeituras para mim, na verdade era uma mini
prefeitura, um mini gabinete do prefeito, onde a gente podia decidir para o bem da
população.
Essas supressões fizeram com que ações prioritárias locais fossem remetidas às
secretarias. O papel reduziu-se a participar da logística, quase sempre, limpeza e remoção de
objetivos em vias públicas. Como exemplo, podemos observar as ações realizadas na região
da Luz, conhecida como Cracolândia. Estas aconteceram de forma pontual, coordenada por
alguma secretaria e à Subprefeitura coube o papel de limpeza, remoção de barracos e
interdição de imóveis. Não é preciso dizer que ações pontuais como estas têm efeito de curto
prazo e rapidamente a situação volta ao que era. O envolvimento dos atores locais, o papel da
PM e da GCM e as ações posteriores necessárias à manutenção da área não são gerenciados
por quem teria capacidade e atribuição legal para aproximar atores locais. A fala abaixo é
expressiva neste sentido:
Qual é o poder de decisão que a gente tem hoje? De definir aqui para nós que seria
melhor a gente... Ter uma atuação mais presente, tá discutindo com os moradores, os
comerciantes da Cracolândia... Estar ouvindo pessoal que está ali na Cracolândia... O que
seria melhor para gente estar revitalizando naquela? Hoje a gente tem apenas assim, limpa!
A PM está lá, a GCM está lá, a Saúde faz uma açãozinha aqui e outra por lá(...)
85
Outra consequência está relacionada ao não investimento na gestão das
Subprefeituras, com forte impacto sobre o trabalho. Apontamos anteriormente as condições
das instalações das Subprefeituras, precárias e prejudiciais à produção e à qualidade do
trabalho. Assim, a própria capacidade de criação, renovação e ação das subprefeituras foi
atingida profundamente, pois se perdeu a capacidade de dar respostas adequadas às
solicitações dos munícipes. Faltam desde materiais considerados simples até os mais
complexos, sem os quais não é possível precisar o impacto de um vazamento de água e que
pode fazer desmoronar casas. A ausência desses equipamentos de avaliação, por exemplo,
pode atenuar o problema. Esta precariedade é apontada na fala da entrevistada:
Agora, quando você não tem as condições... Você vem empurrando, você caba não
conservando. Ah, para que eu vou conservar essa mesa, se ela já está toda arrebentada? Eu
acabo ajudando arrebentar, né? Terminar de arrebentar o bicho né? Então, para mim
esqueceram que a gente tem funções, que a gente tem atividades a serem desenvolvidas, não
só internamente, como externamente, nós estamos relegados ao segundo plano.
Outro ponto do problema é a gestão dos recursos humanos. O primeiro impacto se
refere diretamente à incapacidade em monitorar projetos e obras, a fiscalizar os serviços das
terceirizadas ou mesmo o trabalho de seus servidores. A consequência disto são os
incontáveis casos de corrupção apontados cotidianamente nas subprefeituras ou a ausência
delas com relação às denúncias feitas pelos munícipes. Esta desfuncionalidade é uma das vias
que vai gerar no munícipe a percepção de morosidade e incapacidade da prefeitura. O
segundo impacto se refere à falta de política de recursos humanos, atuando sobre a reposição
de quadros técnicos. Estudos realizados pela área de recursos humanos da subprefeitura
apontam que, em 2014, aproximadamente 150 servidores poderão entrar com o pedido de
aposentadoria, diminuindo em até 30% o atual quadro de servidores. Profissionais como
Engenheiros, Arquitetos e outros técnicos de qualificação especializada importante para as
Subprefeituras estão em falta e muitos próximos da aposentadoria. Já dissemos anteriormente
que muitos quadros deixaram o serviço público atraído por melhores condições na iniciativa
privada, atenuando o problema. Outro exemplo é possível observar na área de fiscalização,
onde anualmente há decréscimo de servidores, enquanto os serviços aumentam.
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Muita gente, é que dos 1200 agentes vistores, vamos colocar uns 400 na ativa, faltam
uns 800 servidores. Isso porque, esses 1200, vêm desde o ano de 86 (...) e a cidade espichou,
cresceu verticalmente, horizontalmente, os problemas aumentaram e vamos falar por década
e cada década aparecem coisas novas. Hoje o que está ai é pancadão entre outras coisas, né?
E o número de fiscal, de agente vistor fica reduzido.
Durante a análise que fizemos anteriormente pudemos observar dois grupos distintos
de servidores públicos: aqueles que são considerados trabalhadores e toda a outra gama, que
inclui preguiçosos, folgados, corruptos etc. A existência deste segundo grupo deve-se, em
parte, porque não há um acompanhamento das chefias imediatas e, por isso o servidor, nas
palavras de uma entrevistada “se conforma como as coisas estão e, portanto, se contenta com
o que recebe no final do mês. A pessoa não produz, acha que está fazendo um favor. Isto tem
um impacto negativo no trabalho.”. Ou como observa outra entrevistada sobre a
complacência com os desvios “Aí eu já vou incorporar, aí você vai ser o chefe entendeu?
Então vamos lá, eu não estou sabendo de nada! Não estou sabendo de nada!”.
A fala acima mostra duas questões importantes: uma delas se refere justamente à
política de ocupação de cargos de chefia. Como existe na prefeitura a incorporação da
gratificação paga pelo DAS (Direção e Assessoramento Superior) após cinco anos, é comum a
troca dos cargos de chefia entre os membros da áreas. Essa troca é uma das permissionárias
dos desvios de conduta existentes entre os servidores para que possam fazer seus horários
especiais, acumular outros serviços, fazer uso abusivo da máquina pública, ou seja, usar o
carro para serviços particulares, fazer ligações interurbanas com o celular e mesmo fazer vista
grossa sobre propinas. A outra se refere à morosidade, como já apontada, na conclusão de
processos administrativos. Um exemplo é o caso de dois servidores investigados pela CGM
(Controladoria Geral do Município) presos em flagrante. Os mesmos voltaram às suas
funções até que a prefeitura conclua o processo de exoneração, sem previsão de data.
Por fim, entre suprir uma dada unidade e o investimento necessário para uma praça,
acaba-se, quase sempre, fazendo a escolha pela segunda, por se considerarem os impactos
políticos. É evidente que o trabalho do servidor tem como finalidade o munícipe, mas essa
orientação por “abandonar” a subprefeitura como órgão importante fez com o problema se
atenuasse.
Outro problema está relacionado à distancia estabelecida entre o Legislativo,
Executivo e os servidores das Subprefeituras. Primeiro, porque muitas leis são criadas sem
87
que se efetive uma estrutura para que ela possa de fato “pegar”. A segunda questão se refere
ao fato de que muitas leis não consideram pontos importantes dos quais os agentes vistores,
aqueles que estão nas ruas, poderiam opinar e aprimorar os processos. E terceiro, refere-se à
ingerência promovida pelo legislativo. Os vereadores pressionam as subprefeituras para a
realização de determinados serviços (pular a fila), para benefício de suas bases eleitorais ou
pedem a retificação de multas, de processos ou literalmente fazem vista grossa sobre
determinadas inconformidades. A fala abaixo demonstra a ingerência e a dificuldade sobre a
aplicação de certas leis, como podemos ver:
Então era melhor você intimar e esperar o cara se regularizar, ou você multar o cara
e esperar ele se regularizar? Primeiro o cara não tem grana para pagar a multa, se ele paga
a multa não sobra a grana para ele fazer a calçada, então é esse tipo de lei que fica meio
confusa. Tanto fica confusa para a população, pra gente que em Pirituba ocorreu o episódio
bem interessante. Se eu não me engano foi a Globo que reclamou de uma, de um local, que
tinha um degrau na calçada, só que a rua era assim... Era declínio, ai o agente vistor de
Pirituba foi lá e falou, mas poxa, eu vou multar um cara só, se a rua toda está assim? Aí ela
começou, né? Aí tem um vereador que é coligado a vocês e falou. Pô, mas isso aqui é um
absurdo. Vocês estão querendo ferrar tudo aqui, porque essa lei está errada e ele próprio
não tinha conhecimento da lei, apesar de ele ter assinado, e que era uma lei que todos os
vereadores assinaram.
Como podemos observar, as funcionalidades e desfuncionalidades da Subprefeitura
estão relacionadas ao fato de que elas, ao serem deixadas como projeto prioritário do
Executivo, com constantes mudanças ao longo do tempo, tornaram-na um espaço para que se
estabelecessem certas anomalias apontadas ao longo da análise pelos servidores, sendo as
principais: uso indevido da máquina pública, suborno, sucateamento do próprio e escassez dos
mais diversos recursos. Entre os impactos mais sentidos estão a desvalorização do trabalho
funcional e, sobretudo, a qualidade e a capacidade de execução dos serviços para os
munícipes.
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5. Considerações Finais
Como vimos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de criação de instâncias de
governos locais ao final dos anos sessenta, com o intuito de atender mais rapidamente a
população. Seu papel principal era a realização de serviços de zeladoria, dentre eles: poda,
remoção e limpeza de rua. Evidentemente, esse processo de criação acompanhou o
crescimento da cidade, tendo aumentado o número desta instância ao longo dos anos, porém,
isto não trazia consigo o debate sobre descentralização administrativa.
Assim, nos anos oitenta, por conta dos anseios da descentralização advindos da
redemocratização, projetos de governos locais ganhariam força e, instituído no artigo 77° da
Lei Orgânica do Município, nascia o projeto de Subprefeituras cujos objetivos principais eram
desenvolvimento local e fortalecimento dos canais de participação.
Porém, ao longo de sua existência, as Subprefeituras, ou as antigas Administrações
Regionais passaram por alguns períodos importantes e que impactam diretamente na forma
como o servidor criou a representação social detalhada nas análises das entrevistas.
Primeiro, refere-se aos anos noventa, quando a então prefeita Luiza Erundina (PT),
reorienta a organização geográfica e inicia o processo de descentralização. Esse período foi
marcado por intensas disputas, mas aqui vale ressaltar que elas passam a ter nova importância
no mapa político; por conta da derrota do candidato à sucessão, o projeto se interrompe.
Segundo, refere-se ao período Maluf-Pitta (PPB), com oito anos de gestão, nos quais
se destacam dois processos importantes: o engavetamento do projeto de criação das
Subprefeituras (encaminhado pela prefeita anterior) e o uso das mesmas como barganha para
a coalizão de governo, ou seja, como moeda de troca para manter a base governista. Neste
período também, sobretudo na gestão Pitta, eclodiram os maiores escândalos envolvendo as
Subprefeituras, sendo a máfia dos fiscais a mais conhecida. Este período será importante,
porque dará novamente força à recuperação do projeto de Subprefeitura.
Após esse período, vem Marta Suplicy (PT) e implanta as Subprefeituras, cria as
coordenações de Saúde, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde e Educação, redistribui
o orçamento e inicia o processo de criação do Conselho Participativo. Evidentemente, o
processo demorou e contou com enormes entraves, dentre eles a dificuldade das Secretarias
em ceder recursos humanos e materiais e o orçamento. Imposta a derrota, novamente as
Subprefeituras passam por nova orientação.
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Com José Serra (PSDB), as Subprefeituras são reordenadas e as secretarias retomam
as coordenadorias, iniciando um processo de centralização e perda de poder. Também é um
período nos quais os Subprefeitos ex-prefeitos do interior sem mandatos (e candidatos
derrotados), ligados, evidentemente, ao prefeito. Ainda que tivessem experiência política,
essas pessoas não necessariamente conheciam as regiões das quais eram representantes no
Executivo.
Por fim, Gilberto Kassab (DEM) assume e inicia um processo de centralização
financeira, concentrando os recursos para a Secretaria de Subprefeitura e iniciando uma
gestão menos participativa, comandada por coronéis reformados. O prestígio que as
Subprefeituras tiveram num curto período decreta-se aqui. A linha dura e conservadora de
alguns coronéis impactou profundamente os canais de diálogos com os munícipes e grupos da
sociedade civil.
Relembramos estes apontamentos porque causam profundo impacto sobre a
representação que o servidor público na Sé constrói em relação à forma como é visto e como
se vê e, consequentemente, como podemos observar as funcionalidades e desfuncionalidades
presentes neste processo. Em grande parte, porque, para cada gestão as Subprefeituras têm um
valor diferente. Se com algumas ganham mais poder e autonomia, com outras o processo
contrário se aplica. Se algumas gestões aspiraram a ter um papel de desenvolver as
potencialidades locais, outras reafirmam o papel de mera zeladoria.
Na análise das entrevistas, os servidores captam como são vistos de fora, de forma
parecida com os velhos jargões existentes em relação a eles e difundidos na mídia e, também,
a forma como eles vêem parte do grupo de servidores, e como se relacionam com estes
estereótipos.
Em relação à forma como são vistos, é possível perceber uma imagem negativa, de um
servidor pouco interessado no trabalho. Ainda que não tenham dito nomes como Barnabés ou
expressões como “marajás” ou “aspones”, expressões chulas que definem servidores como
preguiçosos, fica evidente, para eles, durante as entrevistas, algumas destas características.
Palavras como encostados, molengas, descompromissados, dentre outras, mostram claramente
este ponto. Em parte, essa imagem é reforçada pela morosidade da máquina pública em
responder às solicitações e pelo desconhecimento sobre como se organiza a gestão pública.
De um lado estão aqueles para quem a burocracia precisa ser obedecida e, de outro, aqueles
cujas necessidades são quase sempre urgentes. A escassez de recursos aliada à depreciação
que sofreram as Subprefeituras só trabalhou para reforçar essa imagem, como vimos em falas
90
sobre a falta do mínimo necessário para atender uma demanda. Um adendo importante é que a
falta de clareza sobre o passo a passo de certos procedimentos e a não explicitação dos
mesmos para o público fazem parte deste processo de construção. Ou seja, existe uma cultura
estabelecida dentro das repartições públicas: a necessidade em dificultar o acesso a certas
informações. Para muitos, o acesso imprime mais trabalho e se torna perigoso para alguns
casos. Um exemplo para ilustrar é o uso de áreas públicas. Qualquer cidadão tem direito a
requerer o uso de uma área pública para os mais diversos usos e, embora existam leis que
regulem, não há critérios objetivos para que escolha seja feita. E, dependendo do tipo de uso,
há um processo enorme a ser percorrido. Por fim, ainda dentro disto, os prazos entre a entrada
do pedido e o deferimento ou indeferimento podem levar mais de cinco anos.
A mídia tem um papel importante neste processo de construção e reforço da imagem
negativa do servidor público. O uso calculado de imagem, reportagens, textos, discursos
eufêmicos entre outros recursos associa os mesmos à corrupção, abuso de poder e negligência.
É comum serem associados à morosidade e à demora em oferecer respostas. Como é possível
ver nos telejornais e nas rádios, o problema está sempre associado à demora da prefeitura em
responder àquela demanda, quer se trate de buraco na calçada, praça mal conservada etc.
Os políticos também têm uma imagem parecida com a da mídia e dos munícipes,
quando afirmam que, se fossem os Subprefeitos, também trariam seus homens de confiança
para o trabalho. Estes servidores determinam pouco e estão completamente assujeitados,
exceção àqueles apadrinhados por políticos (durante certo período no qual seu vereador é da
base governista) e às intempéries das mudanças de gestor e de gestão. Em relação ainda aos
políticos, é possível compreender um sentimento de manipulação, poder e ingerência. Para
eles as escolhas nos quadros técnicos respondem a interesses pessoais (as suas bases políticas)
e partidários e, também a realização dos serviços obedece em primeira ordem à determinação
destes.
Quanto à forma como eles se percebem há algumas contradições interessantes. Os
servidores separam dois grupos distintos de trabalhadores: aqueles que entendem os motivos
por estarem ali e a quem servem (em referência aos munícipes) e, outro grupo, o oposto,
aqueles que se beneficiam da máquina pública de diversas maneiras. No primeiro grupo, onde
se encaixaram todos os entrevistados, estão aqueles que trabalham, são honestos, cumprem a
carga diária e trabalham pelos outros. Entre os demais estão os que se beneficiam da máquina
pública; são aqueles descritos da mesma forma que a mídia e os munícipes retratam. A
contradição é esta: por um lado eles entendem serem equivocadas as imagens que a mídia e o
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munícipe constroem da gestão, por outro, eles mesmos são capazes de enxergar este tipo de
servidor.
A existência de privilégios de uns sobre outros e os pactos velados que se
estabeleceram nas equipes são os principais motivadores disto. A presença destes impacta
diretamente na implantação de mudanças gerenciais porque geram fortes resistências. Os
servidores sentem-se pouco valorizados pela gestão e sabem, porque viram ao longo dos anos,
que não há sinais de mudanças.
O que queremos apontar com isso é que as condições nas quais o trabalho dos
servidores se realiza encontram muitas barreiras, que vão além da escassez. As condições a
que foram impostas as Subprefeituras, no sentido de perder a capacidade gerencial sobre seu
território, os fazem perceberem-se impotentes. O papel das Subprefeituras nas reintegrações
de posse limita-se a acompanhar a Polícia Militar e a promover o emparedamento do local. A
Subprefeitura não pode, sequer, cadastrar famílias nos programas de benefícios. Essa
dependência de outras secretarias tem impacto extremamente negativo. Pode ser que as
famílias fiquem literalmente na rua, o que causa forte impacto no emocional dos servidores.
Outro fator importante refere-se ao que se propõe uma Subprefeitura. As mudanças
ocorridas ao longo do tempo apontam que seu papel estratégico de mediador e coordenador de
desenvolvimento local é impreciso e vago. Não há o menor movimento nos últimos anos que
caminhe neste sentido. As ações estratégicas foram tiradas das Subprefeituras e a demanda de
serviço não vem acompanhada de recursos humanos, o que atenua a demora e, inclusive, a
não realização do serviço. Por exemplo, a ida de alguns serviços para as Subprefeituras nem
sempre é acompanhada da estrutura necessária para a realização.
É preciso reafirmar que não se trata de um discurso fatalista, que não prevê soluções
para as Subprefeituras. O importante é atuar em frentes distintas, para que se possa reconstruir
o papel das Subprefeituras e a representação presente nos tempos atuais.
Nossa análise procura apontar para a necessidade de rever a política de recursos
humanos e aperfeiçoar as formas de acompanhamento do serviço, como já apontamos
anteriormente. Evidentemente, isto precisa vir acompanhado de recursos humanos, materiais e
financeiros, para que o serviço possa ser realizado dentro das conformidades: tempo, prazo e
qualidade. E, isto passa também por reconsiderar a descentralização como um projeto político,
retomando-o e fortalecendo esta instância de governo.
Construir processos de escuta e considerar os servidores na elaboração de leis e
projetos é outro fator fundamental: pela experiência adquirida na rua e ao longo dos anos, os
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servidores conhecem bem as incoerências presentes. A quantidade excessiva de leis é um dos
grandes problemas, porque, ao mesmo tempo em que facilita, por um lado, pune por outro.
Assim, para exemplo, podemos usar as cooperativas de recicláveis. A prefeitura cria
programas e, ao mesmo tempo, pode autuar cada uma delas por inumeráveis inconformidades.
Todo fiscal lotado em Subprefeitura sabe que, sem o uso do bom senso, nenhum
estabelecimento comercial estaria aberto hoje na cidade de São Paulo. Por isso, compreender
e encontrar meios conjuntamente é a melhor solução na busca preventiva, e não punitiva em
relação aos munícipes e demais segmentos.
É importante ressaltar a importância do servidor público, pois é ele quem vai atender
as demandas dos munícipes: ele é o representante do poder público naquela região. A forma
como ele enxerga a gestão pública tem forte impacto sobre a maneira como realizará seu
trabalho. Por isto, é importante criar mecanismos que possam ajudar as Subprefeituras a se
organizarem para reivindicar mudanças necessárias, como também ajudar o governo a rever
decisões que impactam diretamente as Subprefeituras.
Também é fundamental destacar a importância das Subprefeituras como instâncias de
governo, que podem promover o desenvolvimento, mediar os conflitos no território e
promover a participação local. A cidade de São Paulo, por suas dimensões, não pode ser
gerida apenas por um governo central. Esse centralismo promove apatia em grande parte dos
servidores, o que reverbera na qualidade dos serviços.
Finalmente, é preciso ressaltar a valentia desses profissionais, que cotidianamente
fazem a cidade acontecer.
93
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insatisfação no servidor e comprometem a qualidade dos serviços prestados - VII SEGeT
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97
ANEXOS
I
Subprefeitura
O que é subprefeitura para você? E para o que ela serve?
Como vocês veem a situação geral das subprefeituras hoje em dia?
Quais são as causas principais desta situação?
E há possibilidades de mudança? Se sim, quais e como? Se não, por que não?
Fala-se muito em corrupção e suborno nas Subprefeituras. Isto procede ou não?
Se não, por quais motivos circulam estas impressões?
Se sim, quais são as principais causas da corrupção e falta de respeito as leis?
Você conhece os distritos da Subprefeitura?
Funcionalismo Público
Em sua opinião o que seria um funcionário público?
Como os munícipes vêem os servidores da Subprefeitura?
Em sua opinião como os partidos políticos percebem o funcionário público?
Em sua opinião, como a mídia define o funcionário público?
Como você acha que os servidores públicos se percebem?
Quais tipos de servidores existem em sua opinião? (descrever em percentual)
Quais políticas ou projetos são mais facilmente implantados pelos servidores?
O que facilita? O que dificulta?
Você acredita que os gestores sabem da importância dos servidores de carreira para
implantação de políticas? Você sente que escutam uma demanda sua ou não? Como você lida
com isso? E como os outros lidam?
Munícipe
Na sua opinião, quais são as principais reclamações dos munícipes sobre as subprefeituras?
Na sua opinião como o munícipe percebe o funcionário público?
A subprefeitura atende as solicitações do munícipe com satisfação? Se não, por quê?
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História de vida
Por que você se tornou funcionário público?
Quais fatores pesam para o funcionário (você) implantar os projetos da Prefeitura?