Resenha do capítulo “Autismo y psicosis - Continuación de um diálogo comRobert y Rosine Lefort”

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  • 7/30/2019 Resenha do captulo Autismo y psicosis - Continuacin de um dilogo comRobert y Rosine Lefort

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    LatusaDigitalAno8N.46Setembrode2011.

    Resenha do captulo Autismo y psicosis - Continuacin de um dilogo com Robert y

    Rosine Lefort, do livro: Laurent, ric. El sentimiento Delirante de la vida. Buenos Aires: Coleccin Diva,

    2011 - Vicente Machado Gaglianone

    Resenha do captulo Autismo y psicosis - Continuacin de um dilogo com

    Robert y Rosine Lefort, do livro: Laurent, ric. El sentimiento Delirante de la vida.

    Buenos Aires: Coleccin Diva, 2011.

    Vicente Machado Gaglianone1

    Laurent retoma suas reflexes acerca do autismo, publicadas em A Sociedade do

    sintoma: a psicanlise hoje. Nos pargrafos iniciais, faz uma espcie de ontognese

    do autismo e seus desdobramentos discursivos, enfoque inexistente em A Sociedade

    do sintoma e, em seguida, parece apenas querer relembrar o texto anterior.Entretanto, insere de forma contundente o lugar e a funo do objeto voz, delineada

    por Jean-Claude Maleval e as conseqncias decisivas recolhidas dessa enunciao.

    Quando de seu isolamento conceitual na esfera discursiva da psicopatologia

    (1943/44), com Leo Kanner e Hans Asperger, o autismo foi classificado como uma

    sndrome clnica rara, sendo emparelhada esquizofrenia infantil. Em 1979, porm,

    os conceitos se separam, ganhando assim, seu nome prprio no campo da nosografia

    mdica. Autonomia que geraria efeitos controversos e inusitados. Ainda na dcada de

    60, movido pelas reivindicaes dos pais de autistas da Gr Bretanha, verificou-se

    uma crescente epidemia de casos de autismo infantil, que agora, visto seu novo

    estatuto, requeria cuidados assistenciais inimaginveis outrora. Laurent revisita as

    estatsticas desse novo fenmeno e os desdobramentos discursivos do aparelho

    tcnico-burocrtico da empreitada cientfico-assistencial que a demanda exigia, e

    assim, vai sublinhar os efeitos nefastos do furor-curandis do discurso do mestre.

    Euforia maniquesta que desconheceu o esforo de Lacan, quando em Duas notas

    sobre a criana (1975) iria dizer que seguramente h algo a dizer-lhes. Dizer que h

    algo a dizer-lhes concerne ao sujeito autista alguma alteridade, implicando tom-lo

    como objeto-causa-de-desejo e no como objeto de gozo, objeto obturador do

    fantasma parental, rebotalho do gozo do Outro legislador. Lacan, no mesmo texto, fala

    da posio subjetiva das mes de autistas, por onde Miller retoma e relana a questo

    1Psicanalista,participantedosNcleosdePsicoseesadementaleCurumindoICP-RJ,Mestrandoem

    Psicanlise-ParisVIIIeDiretorClnicodaClitop,Endereoeletrnico:[email protected]

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    Rosine Lefort, do livro: Laurent, ric. El sentimiento Delirante de la vida. Buenos Aires: Coleccin Diva,

    2011 - Vicente Machado Gaglianone

    acrescentando que se trata de um encierro2 deletrio que prolonga as modalidades e

    as disciplinas de encierro que Foucault descreve no sculo XIX.

    Laurent, em oposio s insinuaes contidas na circular de 20053

    , onde a psicanlise acusada de promover efeitos culpabilizantes nos pais de autistas, vai situar a tica

    psicanaltica dizendo que tais efeitos prescindem da incidncia do discurso analtico, e

    que, ao contrrio, se bem lido, o aforismo lacaniano de que os pais faam o que faam

    sempre o fazem mal, antes, um discurso desculpabilizante que escapa dos

    universais da cincia ao reconhecer a particularidade de um sofrimento, e assim,

    promove uma desidentificao ao comunitrio das causas biolgicas, concernindo o

    sujeito na dimenso doparltre.

    O autor define o lugar da psicanlise por relao epidemia do autismo na

    contemporaneidade a partir do dilogo mantido com as investigaes de Robert e

    Rosine Lefort. Para eles, a criana autista no deveria ser somente abordada pelo vis

    imaginrio, e sim pelo enodamento do simblico e do real, e, junto com Maud

    Mannoni, vai criar em 1969, a Escola experimental de Bonneuil-sur-Marne, uma

    instituio explodida, onde desenvolveria experimentaes clnicas a partir de

    pressupostos clnicos guiados pelo ensino de Lacan.

    Laurent lembra que, nessa poca, como dito anteriormente, o autismo estavaemparelhado s psicoses infantis, e que o famoso caso de Rosine orientado por

    Lacan, Lobo, Lobo! traria esclarecimentos decisivos. Verifica-se a primeira verso (o

    estado nodal da palavra sem funo de comunicao) daquilo que mais tarde seria

    conceituado como o significante solo (S1), e que seria o fio condutor de toda obra dos

    Lefort.

    Momento de corte: Laurent afirma que h incidncia do simblico em El nio lobo,

    apesar de encontrar-se no real4. Em Funo e campo da palavra com a elucidao

    do objeto a, Lacan pe o acento devido sobre o lugar e a funo do real para o sujeito

    psictico, marcando as distncias necessrias entre a orientao lacaniana, referida

    2Encierro emespanholdenotareclusoe inusitadamente aniquilamentodo touro.Parece-menadadespropositadaaexpresso.Nacenadastouradasestemcausaumgozovoyersticocoletivo.Olugarsuperegicoquetomaodiscursodomestreemrelaosmesdeautistasnosdizdequequalquersemelhananoseriameracoincidncia. 3Trata-sedacircularde8demarode2005,relativapolticadeatenoapessoasafetadasdeautismoedetranstornosgeneralizadosdodesenvolvimento(TGB).Oautordcomoreferncia:Grolier,M.LautismeauXXIsicle,CliniquesMditerranennes,res,2007,n.76.4Refernciaemportugus:Lacan,J. OSeminrio,livro1:osescritostcnicosdeFreud(1953-1954),

    captuloVIII,Olobo!Olobo!,p.107-127.

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    ao real, e as orientaes referidas ao imaginrio de Franoise Dolto e ps-Kleinianos

    como Meltzer e Tustin.

    Toda a obra dos Lefort parece ter se configurado, segundo Laurent, como umaespcie de ascese de uma orientao ao real, conduzindo a psicanlise com

    crianas a um nvel mnimo, onde o corpo aparece de maneira privilegiada como um

    corpo de significante, onde o real tem seu lugar a partir do objeto a, com toda

    opacidade que lhe concerne, com toda solido de seu S1, delineando assim, uma

    clnica centrada sobre o tratamento de sujeitos para quem no h Outro.

    Do no h Outro inexistncia do Outro na civilizao, abre-se toda uma

    perspectiva da instaurao do postulado de uma estrutura autstica, dialtica que

    culmina com a separao, operada pelos Lefort em 19925, do autismo das psicoses. O

    autor se pergunta ento, a partir dessa perspectiva, se tratar-se-ia de uma modalidade

    particular de foracluso ou de uma modalidade particular de retorno do gozo no corpo.

    Para responder, lembra o dito de Lacan no qual faz referncia ao fato de que o autista

    alucina, havendo assim uma prolongao do simblico no real. H, portanto, Outro,

    entretanto como pura exterioridade, Outro-mestre, colocando o autismo do lado de

    uma modalidade radical de foracluso psictica, na qual promove uma reduo do

    estatuto do Outro funcionando como proteo e distncia calculada, deixando-o numestado de estabilizao catastrfico.

    Do modo de estabilizao Schrebiana, onde Lacan em 1958 fala da metfora delirante

    estabilizao Joyciana do seminrio 23, com as sintomatizaes na estrutura

    psictica, Laurent se pergunta sobre a especificidade do modo autstico, contrapondo

    ideia dos Lefort ao que se refere polmica da continuidade/descontinuidade

    quando supe uma sada do autismo para a psicose. Tratar-se-ia antes de verificar a

    riqueza clnica luz dos diferentes modos de retorno do gozo, categorizando a

    esquizofrenia, a parania e o autismo em relao ao modo desse retorno.

    No caso do autismo, assistimos a localizao de uma espcie de objeto

    permanentemente acoplado ao sujeito, como um rgo suplementar. Verifica-se

    tambm a possibilidade da sada da estabilizao com um deslizamento em uma

    metonmia.

    5Lefort,R.yR.Ladistinctiondelautisme .Paris:LeSeuil,col.ChampFreudien,2003,p.8.

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    Laurent convoca a nos orientarmos nessa avaliao, a partir dos matemas de Lacan:

    S1, S2, , a.

    S1

    Define-se pela passagem do significante ao real e sua repetio sem deslizamento.

    o que na clnica com o sujeito autista se verifica como "gosto pela ordem", confundindo

    o mundo com a ordem do mundo. Tanto pode ser a repetio de um significante

    isolado, como um circuito mnimo que no se organiza como oposies significantes,

    mas, como justaposies reais. Apresenta-se como um trao clnico caracterizado pela

    vontade de que nada mude, vontade homeosttica de que o mundo esteja exatamente

    sempre no mesmo lugar, sem nenhum deslizamento metonmico.

    O simblico como real, avana Laurent, implica uma topologia do espao pulsional, e

    o que inaugura os Lefort com "O nascimento do Outro"6: a indiferenciao dos orifcios

    ergenos, que supe um espao que no est construdo como um dentro e fora que

    fosse limitado pelas bordas, mas, antes, um espao estruturado como um toro, que do

    ponto de vista da superfcie, tanto o interior quanto o exterior seriam sempre exterior.

    A, interior e infinito se equivalem para o olhar. Tal espao ento indefinido pela

    ausncia da metrificao do falo. So o que do provas os pseudos dficits visuais

    nos autistas. Um avio no cu pode estar ao lado. A ausncia da significao flicano permite assim que o mundo seja medido, e, sem essa medida, sem bordas que

    possam marcar uma pulsao ordenada, o Outro pode sempre invadir o corpo do

    sujeito com um gozo atroz de efeitos catastrficos. O autor situa o delineamento dessa

    topologia em momentos lgicos precisos, com o esquema R de Lacan, em "De uma

    questo preliminar a todo tratamento possvel das psicoses" e a posterior

    apresentao da topologia de Lacan feita por Jacques-Alain Miller em seu

    "Suplemento topolgico questo preliminar...7.

    S2, o saber

    Os autistas mantm uma relao ao saber da lngua em oposio direta, radical, de

    pura exterioridade. Uma relao persecutria absolutamente constituda, de maneira

    que eles tentam reduzir a desordem de lalangue a uma linguagem da qual poderia se

    extrair regras fixas, que assim constitudas, disjuntas de toda relao com o corpo,

    6Lefort,RosineeRobert.ONascimentodoOutro :duaspsicanalises.Salvador:Fator,1984.7Miller,Jacques-Alain.MatemasI. BuenosAires:Manantial,1987.

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    com o imaginrio, restam como desprovidas de qualquer afeto. O jogo do simblico

    "realizado" sem nenhum equvoco.

    , o sujeito

    A posio de sujeito que o autista ocupa, para Lacan, em poucas palavras: aquele

    do qual se fala. Por isso mesmo, identificado, cristalizado a um dito parental ou a uma

    atribuio educativa.

    Nas sadas desejveis, o sujeito se separa do Outro, subtraindo-se dessa primeira

    posio e para tanto constri um saber delirante, uma espcie de psicotizao.

    Entretanto, quando tal trabalho no vai a termo o que advm o estupor de uma pura

    ausncia real. Ainda assim, pode-se dizer que em ambos os casos o sujeito est emcausa.

    O objeto a

    Pode-se verificar diferentes modalidades de acoplamento do sujeito autista a um

    objeto bizarro, suplementar e eletivamente erotizado. Trata-se de um objeto de gozo

    fora do corpo e que por sua existncia autentica a categoria de objeto a. O corpo do

    sujeito mantm uma relao com ele de permanente relocalizao, ora rechaando-o

    ora acoplando-o. Com esses objetos, uma bola, um copinho, uma caixinha, ele se

    apegar ao Outro.

    Diferentemente daquilo que Bettelheim teorizou como "criana-mquina", o que se

    apresenta a dimenso de uma "criana-rgo", pois o objeto a que ela se relaciona,

    ao contrrio do que Bettelheim supunha, humanizado. Trata-se sempre de um rgo

    suplementar que ela tenta, s vezes pagando com sua prpria vida, introduzir em seu

    corpo como o rgo que conviria linguagem.

    O objeto-fora-do-corpo torna-se gradativamente um parceiro real do autista, sendo

    sempre a produo de uma montagem do corpo.

    Laurent supe assim a pertinncia da equivalncia do autismo com a esquizofrenia,

    visto o dito de Lacan de que ela seria uma tentativa de acrescentar um rgo ao

    prprio corpo. O dito esquizofrnico recairia sobre o rgo em questo, pois a

    linguagem jamais pde ser rgo.

    Laurent diz que, a propsito do lugar do objeto voz, Jean-Claude Maleval organizou de

    maneira decisiva a clnica do autismo, dando a ele o valor de trao daquilo que

    insuportvel queles que o vivenciam.

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    Laurent sublinha como pode ser construdo um vazio em torno do objeto a partir do

    analista como partenaire num lao social indito que a transferncia analtica, que

    pode permitir que o uso do lpis como continente mtico, aps seu devido

    esvaziamento, pode inscrever o sujeito no campo do Outro e como a linguagem pode

    no ser somente trauma e aniquilamento.