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CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais/Editora da Universidade de Brasília, 2002, 525 p. ISBN 85-230-0661-3. É fato que o pensamento brasileiro de relações internacionais conhece já há mais de duas décadas uma renovação que não encontra paralelos em outras áreas das ciências sociais, tocado de perto pela importância crescente do Brasil no cenário internacional mas, especialmente, arejado pelo dinamismo de uma produção científico-acadêmica que mostrou-se muito mais pujante do que a criação de programas de formação de recursos humanos para a área. Com efeito, ao longo desse período, a existência de duas únicas experiências de capacitação de quadros para a pesquisa e para o ensino (na forma dos programas de pós-graduação da Universidade de Brasília e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), poderia indicar que a reflexão especializada continuaria sendo por bom tempo ainda negócio entregue a diplomatas ociosos, a acadêmicos deslocados e a militares dedicados. Nesse sentido, não há dúvidas de que tal dinamismo é fruto especialmente da realização de visões estratégicas que se adiantaram ao surgimento de uma demanda que não era tão facilmente percebida, e que somente ganhou formas complexas no adiantar dos anos noventa. Esse foi o caso da área de história das relações internacionais no Brasil, que tem o seu mais importante centro na Universidade de Brasília, cujos pesquisadores dedicaram-se longamente a consolidar as bases de um pensamento autenticamente nacional e, especialmente, de implementar uma completa revolução teórica e conceitual que permitisse o abandono das visões oficialistas e laudatórias da desusada História Diplomática e avançasse para explicar os desafios históricos da inserção internacional do país e as razões da dependência e das parcas margens de autonomia de que padecem não apenas o Brasil, mas todos os países da América Latina. Durante muito tempo, entretanto, sentiu-se a falta de um compêndio que sistematizasse tal evolução, desafio que foi magistralmente vencido com a publicação em 1992 da primeira edição da História da Política Exterior do Brasil, de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, livro que ganhou nova edição apenas dez anos depois, por iniciativa do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI e da Editora da própria Universidade de Brasília. Rompendo com a abordagem clássica da história diplomática do Brasil, a obra monumental de Cervo e Bueno marcou definitivamente o pensamento brasileiro de relações internacionais, e emprestou contemporaneidade aos esforços de formação que se repetem nos bancos universitários. Com efeito, quando foi lançada Resenhas

Resenha - Historia Da Politica Exterior Do Brasil

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Resenha da HPEB

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  • 188 RESENHAS

    CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. Histria da Poltica Exterior doBrasil. Braslia: Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais/Editora daUniversidade de Braslia, 2002, 525 p. ISBN 85-230-0661-3.

    fato que o pensamento brasileiro de relaes internacionais conhece jh mais de duas dcadas uma renovao que no encontra paralelos em outrasreas das cincias sociais, tocado de perto pela importncia crescente do Brasil nocenrio internacional mas, especialmente, arejado pelo dinamismo de uma produocientfico-acadmica que mostrou-se muito mais pujante do que a criao deprogramas de formao de recursos humanos para a rea. Com efeito, ao longodesse perodo, a existncia de duas nicas experincias de capacitao de quadrospara a pesquisa e para o ensino (na forma dos programas de ps-graduao daUniversidade de Braslia e da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro),poderia indicar que a reflexo especializada continuaria sendo por bom tempoainda negcio entregue a diplomatas ociosos, a acadmicos deslocados e a militaresdedicados. Nesse sentido, no h dvidas de que tal dinamismo fruto especialmenteda realizao de vises estratgicas que se adiantaram ao surgimento de umademanda que no era to facilmente percebida, e que somente ganhou formascomplexas no adiantar dos anos noventa.

    Esse foi o caso da rea de histria das relaes internacionais no Brasil,que tem o seu mais importante centro na Universidade de Braslia, cujospesquisadores dedicaram-se longamente a consolidar as bases de um pensamentoautenticamente nacional e, especialmente, de implementar uma completa revoluoterica e conceitual que permitisse o abandono das vises oficialistas e laudatriasda desusada Histria Diplomtica e avanasse para explicar os desafios histricosda insero internacional do pas e as razes da dependncia e das parcas margensde autonomia de que padecem no apenas o Brasil, mas todos os pases da AmricaLatina. Durante muito tempo, entretanto, sentiu-se a falta de um compndio quesistematizasse tal evoluo, desafio que foi magistralmente vencido com a publicaoem 1992 da primeira edio da Histria da Poltica Exterior do Brasil, deAmado Cervo e Clodoaldo Bueno, livro que ganhou nova edio apenas dez anosdepois, por iniciativa do Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais IBRI e daEditora da prpria Universidade de Braslia.

    Rompendo com a abordagem clssica da histria diplomtica do Brasil, aobra monumental de Cervo e Bueno marcou definitivamente o pensamento brasileirode relaes internacionais, e emprestou contemporaneidade aos esforos deformao que se repetem nos bancos universitrios. Com efeito, quando foi lanada

    Resenhas

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    em sua primeira edio a Histria da Poltica Exterior do Brasil j ultrapassavade muito os limites da interpretao Estado-cntrica e da histria oficial,estabelecendo um novo paradigma para a reflexo especializada.

    Cuidam os autores de evidenciar os processos de natureza estrutural quese inserem na longa durao e que deram sentido s escolhas da Nao, comotambm estabelecem as responsabilidades assumidas pelos diferentes segmentossociais e pelo Estado na conformao dos rumos seguidos pelo pas, desde oprocesso de independncia aos nossos dias. Essa histria construda para sustentara trama complexa das relaes internacionais do Brasil, demonstrar os seus objetivosde longo prazo, e como se produziram as resultantes de interesse nacional queimpulsionaram os brasileiros na sua aventura internacional, que foram da busca doreconhecimento da nacionalidade, passando pelas demandas da consolidao doEstado nacional, pela promoo egosta e auto-centrada dos interesses daagroexportao, at a conformao de interesses mais complexos, ligados buscade insumos para sustentar o processo de modernizao econmica. Nessaperspectiva, explicam a natureza supletiva da ao internacional, que se presta abuscar no meio internacional condies para a realizao do interesse nacional noplano interno, sejam maiores margens de manobra, apoios polticos, mo-de-obra,capitais ou tecnologias, adquirindo todo o sistema de relaes internacionais dopas (onde se incluem relacionamentos bilaterais, mas tambm a atuao nos forosmultilaterais) um carter francamente instrumental.

    A viso da ao internacional do Brasil na longa durao, conformeproporcionada pela Histria da Poltica Exterior do Brasil, permite que sevislumbre os erros e os acertos nas interaes do pas com o meio internacional,mas, especialmente, pela funo supletiva demonstrada, que se conclua que taisvnculos podem ser o fator que impulsionou o desenvolvimento nacional emdeterminadas conjunturas, ou que o obstruiu, em outras.

    A nova edio do livro de Cervo e Bueno chega em bom momento. Aturbulenta dcada de noventa imps um novo desafio para a anlise da histria dapoltica exterior do Brasil, na medida em que se assistiu reverso de paradigmastradicionais, processo no qual perderam-se a clareza e a objetividade que vinhamcaracterizando a ao internacional do pas desde a dcada de trinta. Enquantotentavam adaptar-se ordem global, no apenas o Brasil, mas outros pases daAmrica Latina, ensaiaram novas prioridades e formas de ao. Privilegiou-se aabertura incondicional, sacrificaram-se conquistas histricas do perodo anterior ereverteram-se prioridades e formas de ao tradicionais em nome da adequaos expectativas dos grandes parceiros. Tambm foram criados novos eixos unsh muito esperados, como aconteceu com a Argentina e com o Mercosul, e outrosque impem cautela, como a negociao da ALCA. Essa a lio da principalincorporao da edio de 2002 da Histria da Poltica Exterior do Brasil, queem seu captulo final examina as linhas gerais desse processo, onde se faz um

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    julgamento circunspecto das reorientaes estratgicas impressas desde o adventodo governo Collor, da sua confirmao pelos que lhe seguiram, mas especialmentedas improvisaes a que foi submetida a ao internacional do pas desde ento.

    Os autores trazem a lume em 2002, quando a comunidade de especialistasassumiu uma outra dimenso e se alastraram os cursos de graduao em relaesinternacionais, um livro que tem um impacto muito mais importante para a reflexo epara o ensino de relaes internacionais no Brasil do que a primeira edio teve hdez anos atrs. Tem-se agora uma obra que, alm de confirmar os acertos da revoluoterica e metodolgica consolidada em 1992, chega para ensinar e alertar uma geraode quadros especializados numericamente muito superior jovens profissionais quese situaro no mercado de trabalho nas interfaces entre o pblico e o privado e queatuaro formulando polticas e defendendo interesses justamente dos atores sociaisque perdem e ganham com os erros e acertos das interaes do Brasil com o meiointernacional. Que aprendam, pois, a ter em conta a magnitude desses interessescom o jovem clssico da historiografia brasileira de relaes internacionais no qualse transformou o presente Histria da Poltica Exterior do Brasil.

    Antnio Carlos Lessa

    LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a poltica externabrasileira: passado, presente e futuro. So Paulo: Perspectiva, 2001,126 p. ISBN 85-273-0257-8.

    ... um balano de minhas pesquisas e reflexes de muitos anos sobre apoltica externa brasileira, adensado pela minha experincia diplomtica na dcadade 1990. Assim define Celso Lafer seu mais recente livro, intitulado A identidadeinternacional do Brasil e a poltica externa brasileira: passado, presente efuturo, que se junta, assim, a sua profcua produo intelectual.

    Com efeito, alm de conhecido pelas importantes funes que tem exercido foi Ministro das Relaes Exteriores em 1992, chefe da Misso Permanente doBrasil junto s Naes Unidas e Organizao Mundial do Comrcio de 1995 a1998, Ministro do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio em 1999, e chefe doItamaraty novamente a partir de janeiro de 2001 , Celso Lafer autor de estudosimportantes nas reas de Cincia Poltica e Direito. Dentre eles, para nos limitarmosa poucas referncias, destaquemos sua tese de doutoramento The PlanningProcess and the Political System in Brazil: a Study of Kubitscheks TargetPlan, 1956-1961 (1970), passagem obrigatria para quem estuda a implementaoda poltica desenvolvimentista do perodo JK, e Uma interpretao do sistema dasrelaes internacionais do Brasil (Revista Brasileira de Poltica Internacional,1967), anlise sistmica que enfoca as articulaes entre a esfera nacional e a