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Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro
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O Rio de Janeiro – o que já é conhecido mundialmente – é uma cidade violenta. A
periferia exposta obriga a quem passar a se deparar com a pobreza. Esse fato é
fundamental, pois há territorialização da criminalidade por resultado dos contextos
históricos e econômicos da sociedade e particularmente dos habitantes dessas
comunidades. Michel Misse se presta a estudar os ditos crimes organizados (jogo do
bicho, tráfico e comércio de mercadorias políticas) e de início já confirma a
complexidade do tema, por conta da diferença da incriminação conceitual, aquela
proveniente das leis, daquela na prática social. Assim distinto tratamento é dado ao que
é considerado crime ou delito, daquilo que é tolerado como mercado informal ou ilegal.
Assim como as acusações dadas a diferentes trocas, as quais podem ser tão presentes e
importantes na vida das pessoas, mesmo que ilegais, que a moralidade é insuficiente
para julgá-las.
O que se denomina de "crime organizado" mostra-se tão plural em seus contextos e
variáveis que é equivocado classificá-los numa só expressão. O uso do termo “máfia”
sofre do mesmo problema. Porém, acabam sendo frequentemente empregados e a
variedade prática e cotidiana de seus aspectos se oculta. Seu próprio objetivo é
questionável já que pensar na ação individual do comércio ilegal é impraticável, o
ladrão precisa de receptores que de certa forma também participam do processo.
Economias formal e informal confundem-se, mesmo que a segunda não venha a se
subordinar ao Estado como a primeira.
Seu uso mais comum remete a uma rede sistemática de relações ilegais, onde tais
relações de trocas informais interligam níveis distintos de reação moral a um mesmo
grupo de fenômenos. Tal acusação se baseia não tanto na mercadoria em si, mas no
efeito violento que tal relação pode causar. Há ainda a definição de "crime organizado"
para aqueles em que há envolvimento de agentes de Estado (o que dificulta a distinção
entre cooptação desses agentes ou mais um tipo de mercado ilegal, onde transacionam
mercadorias políticas). No entanto, só se distinguiria de qualquer outro mercado ilegal
pelo fato de que sua mercadoria é constituída por relações de força e poder ou extraída
de autoridade pública.
O jogo do bicho como foco do combate policial, antecede o tráfico de drogas no varejo
que ocorre desde os anos 1980 pra cá. Tal atividade surge como um jogo de apostas
ilegal, o que atraía as camadas que possuem poucas ou não possuem oportunidades no
mercado. Por não ser regulamentado, tal jogo de apostas se torna jogo de azar vendo
que possíveis e, de certo, eventuais fraudes ocorram.
Havia muita disputa de territórios, o que marcou um período de grave violência nos
anos 50 e 60, a solução encontrada foi formar uma cúpula composta pelos principais
banqueiros – que são aqueles quem comandam o esquema do jogo em diferentes áreas.
Mais tarde os membros se organizam e montam a Liga das Escolas de Samba do Rio de
Janeiro, a partir daí também os desfiles passam a ser transmitidos em rede aberta
nacional de televisão o que se relaciona com a influência que possuíam.
O que hoje parece estar em declínio visto opções legais de aposta, já foi como uma
grande máfia que ainda estende seus braços nos mais diversos segmentos, como a
política e a promoção de eventos e alguns herdeiros dos antigos banqueiros hoje
comandam e disputam o controle sobre a distribuição de máquinas caça níquel.
O "movimento" tratado no texto é a gíria que nomeia o mercado pequeno de drogas
ilícitas, na pequena "boca de fumo". Geralmente a gíria é utilizada se referindo à um
grupo de vendedores. "Aonde que tá o movimento?", se refere à localização da boca,
"Pôr um movimento" se referindo à instalação de um ponto de vendas em determinado
local, são exemplos.
Apesar da legislação para crimes de porte de drogas (venda e consumo) terem
endurecido as penas ao movimento da década de 60, a incriminação de portadores de
drogas, tendo como principal alvo a maconha, aumentou exponencialmente e
proporcionalmente ao endurecimento das penas, aumentando também o nível de
policiais incriminados por terem recebido propina de usuários e traficantes. Ou seja,
apesar das penas terem endurecido o que tecnicamente teria que diminuir a incidência
de crimes por porte de entorpecentes e o mercado ilícito de drogas aumentou, e
aumentaram também as incriminações tanto de portadores quanto de autoridades que
eram coniventes.
Em todos os períodos em que o porte de drogas já estava criminalizado nunca houve
uma real distinção entre traficante e usuário, e muitas vezes os usuários portando pouca
quantidade são enquadrados por tráfico, por que quem define qual é a ilicitude cometida
é o policial com total autonomia. No entanto em meados da década de 90 as
incriminações por tráfico foram bem maiores do que por uso (não esquecendo que
muitos usuários são presos por suposto tráfico). Ainda assim as pessoas incriminadas
expressamente por posse e não por tráfico cresceram em proporção às incriminadas por
tráfico no fim da década também de 90.
O fator gerador da sensação de insegurança na cidade do Rio de Janeiro nos anos 70 não
foi o trafico de drogas, apesar do movimento também ter instaurado muita violência na
cidade, mas sim o aumento significativo dos assaltos, furtos e roubos no município, que
levaram ao cerceamento da classe média em seus prédios e condomínios.
Nesse mesmo período, nota-se (se tratando de delinquência juvenil) a mudança no
padrão de infrações contra o patrimônio, onde o furto foi sendo tendencialmente
substituído pelo roubo até ultrapassá-lo, e a posse e o tráfico de drogas superam de
maneira extraordinária o resto. Até os anos 80, o jogo do bicho dominava o mercado
informal ilegal do Rio de Janeiro, apenas a partir do final dos anos 70 que o tráfico de
cocaína veio a se consolidar e ser efetivamente controlado pela rede de quadrilhas
chamada “Comando Vermelho”.
O período conseguinte é marcado por desconfiança entre as lideranças do Comando
(visto que não havia uma só liderança, mas sim líderes de diferentes territórios),
aumento de repressão policial e grande entrada de crianças e adolescentes no tráfico,
causando consequentemente o aumento de mortalidade nessa faixa etária. A morte e
prisão de vários participantes do Comando Vermelho ocasionou o fracionamento das
redes em novos comandos (Terceiro Comando, Amigo dos Amigos, etc.) e impulsionou
a disputa por território. Esse processo teve seu ápice demonstrado em 1994, onde a taxa
de homicídios dolosos no Rio de Janeiro atingiu 70/100.000 hab.
Após series de episódios violentos (como queima de ônibus, fechamento de comércios,
ataques a instalações do governo, assassinato de importantes figuras públicas como Tim
Lopes, dentre outros episódios) provenientes de reações articuladas de dentro dos
presídios, o início do declínio dos "comandos" foi assinalado. O tráfico não
desapareceu, mas diminuiu consideravelmente.
Em consequência disto, parte das quadrilhas de traficantes já se preparavam para
continuar a existir mesmo sem o tráfico explorando outras atividades ilegais de
exploração econômica, baseadas no controle sobre suas áreas, como por exemplo:
serviços de tevê a cabo, controle de frotas de vans, cobranças de pedágio, dentre outras
atividades. Tais ações podem ser chamadas de "mercadorias políticas". As quais são
bens públicos, grande parte pertencente ao Estado, que são apropriados e transformados
num bem privado, numa “mercadoria”, que vai ser então trocada por dinheiro ou
favores. E é "política", pois seu valor depende de uma correlação de forças, depende de
uma variação de poder entre as partes que estão fazendo a transação.
É importante ressaltar que a corrupção policial foi uma característica comum nos
diferentes tipos de crimes organizados analisados. O jogo do bicho foi fundamental para
o crescimento da prática, muitos policiais participaram ativamente ou receberam
propina em troca da impunidade. Assim aconteceu com o tráfico e com seu declínio,
muitos passam a oferecer e cobrar por "proteção" aos moradores e comerciantes de
comunidades. Em seguida, estes policiais ainda assumem algumas das posturas das
quadrilhas além de também passar a explorar as mercadorias políticas. Milícia e tráfico
acabam se tornando muito semelhantes na prática e, exemplo disto são os inúmeros atos
de violência como são relatadas, no caso das milícias, ações agressivas contra
moradores que discordam da contribuição para receberem proteção. A confirmação da
existência da sobreposição destes mercados ilegais é fundamental para entender o eixo
de reprodução da violência no Rio de Janeiro.