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Mozart: sociologia de um gênio Norbert ELIAS, Mozart - Sociologia de um gênio. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995. 150 páginas Renan William dos Santos Em Mozart: Sociologia de um Gênio, Nobert Elias traz a dura batalha de um músico burguês extremamente talentoso que buscava prestígio em meio à sociedade de corte. Ao mesmo tempo em que, no plano macro-social, o establishment cortesão perdia suas bases, principalmente pela ascensão econômica burguesa, mas que, ainda assim, tinha o poder para exaltar ou ofuscar o brilho do artista, bem como ditar o que ele deveria produzir, principalmente no plano musical. É essa a narrativa que o autor vem trazer, da promissora infância à luta para encontrar um cargo fixo em meio à nobreza e por fim o desapontamento de um gênio que simboliza o conflito de sua época, longe de reduzi-lo como produto da mesma. Contudo, e a competência do autor consiste justamente nisto, sem esquecer de conciliar o artista à pessoa de Mozart, que é retratado desde suas manias, brincadeiras e costumes até sua magnitude criadora. Questionando-se novamente, sobre o alcance do indivíduo, com status de gênio, no seu campo social, mesmo que no futuro. O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira intitulada como: Reflexões Sociológicas sobre Mozart e a segunda, sem título, tratando da revolta em não conseguir um cargo nas cortes, a posterior emancipação do jovem em relação ao pai através do o casamento e, por fim, o drama da vida de Mozart até sua morte. Logo no começo do livro, Nobert Elias caracteriza Mozart psicologicamente, como um sujeito carente de afeto que, em seus sucessos musicais, achava um consolo para o amor que supunha não receber e por isso, com o fracasso artístico no

Resenha- Mozart

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Mozart: sociologia de um gênio

Norbert ELIAS, Mozart - Sociologia de um gênio. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995. 150 páginas

Renan William dos Santos

Em Mozart: Sociologia de um Gênio, Nobert Elias traz a dura batalha de um músico burguês extremamente talentoso que buscava prestígio em meio à sociedade de corte. Ao mesmo tempo em que, no plano macro-social, o establishment cortesão perdia suas bases, principalmente pela ascensão econômica burguesa, mas que, ainda assim, tinha o poder para exaltar ou ofuscar o brilho do artista, bem como ditar o que ele deveria produzir, principalmente no plano musical.É essa a narrativa que o autor vem trazer, da promissora infância à luta para encontrar um cargo fixo em meio à nobreza e por fim o desapontamento de um gênio que simboliza o conflito de sua época, longe de reduzi-lo como produto da mesma.Contudo, e a competência do autor consiste justamente nisto, sem esquecer de conciliar o artista à pessoa de Mozart, que é retratado desde suas manias, brincadeiras e costumes até sua magnitude criadora. Questionando-se novamente, sobre o alcance do indivíduo, com status de gênio, no seu campo social, mesmo que no futuro.

O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira intitulada como: Reflexões Sociológicas sobre Mozart e a segunda, sem título, tratando da revolta em não conseguir um cargo nas cortes, a posterior emancipação do jovem em relação ao pai através do o casamento e, por fim, o drama da vida de Mozart até sua morte.

Logo no começo do livro, Nobert Elias caracteriza Mozart psicologicamente, como um sujeito carente de afeto que, em seus sucessos musicais, achava um consolo para o amor que supunha não receber e por isso, com o fracasso artístico no fim da vida, se sentia cada vez mais solitário, além de ser meio paspalho em suas brincadeiras. Depois é descrito fisionomicamente como um sujeito de traços fora do padrão considerado bonito em sua época, fato que o próprio Mozart percebia e, como conseqüência, sentia que não era digno do amor de sua ou de qualquer outra mulher. Essa seria a conexão de um artista criativo com a criança brincalhona, do vencedor no plano artístico e perdedor carente na vida privada.

Depois é alertada a dificuldade de se inserir pessoas em categorias de uma época ou outra, e usando-se o caso de Mozart como exemplo, o autor aponta conflitos de padrões nos campo ideológicos (ou extra-individuais), e o conflito dentro da própria existência do individuo.No caso de Mozart, a coragem para tentar se libertar dos aristocratas apesar de ser apenas um outsider burguês a serviço da corte e apesar também dos avisos e protestos de seu pai, Leopold, um músico regente burguês que passa praticamente toda vida em Salzburgo servindo aos nobres, culminou em sua desgraça.Tomando em parte como exemplo o sucesso da literatura burguesa que já tinha um amplo mercado na classe média,ou seja, fora da esfera aristocrática, Mozart tentou em seu micro espaço social fazer uma revolução, e ser autônomo em suas criações, ou seja, fazendo música por si próprio para depois vendê-la, e não vender-se como criador de

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algo imposto. Porém, não se pode esquecer que apesar de pretender ser um artista autônomo, suas criações e seu gosto pessoal não divergiam tanto daquele pertencente à classe superior, pois ele foi educado no meio dela, tinha os mesmos modos, sentia-se igual, por vezes superior e nunca inferior aos nobres, como seu status social determinava.Essa busca pela autonomia é retratada no terceiro capitulo, onde o autor demonstra que Mozart foi precursor do que artistas como Beethoven conseguiriam depois, isto é, produzir necessariamente como artista: para um público anônimo, sem amarras com a exigência de outrem. O autor se refere à Mozart, e os demais músicos da época, como artesão, ou seja, um artista que produz sua obra com sua imaginação canalizada de acordo com o gosto de seu patrono.

No Capítulo “Os anos de formação de um gênio”, é traçada uma linha corrente de eventos na infância prodiga do músico que, com uma educação rígida do pai e um talento manifestado desde cedo, já fazia turnês aos cinco anos de idade. Sempre exposto a diversos estímulos, sejam eles musicais, financeiros ou de status, e com extraordinária capacidade de absorção, o artista ainda menino adquiriu a capacidade de sublimar suas energias em música.

Em sua juventude, principalmente com o apoio do pai que apesar de detido nos limites de Salzburgo buscava a emancipação através do filho, Mozart rodou a Europa fazendo concertos, escrevendo óperas, enfim, produzindo sua arte em busca de uma vaga numa corte digna de seu talento. Ao mesmo tempo, nesta fase de sua vida, se desenvolvia seu lado “descortês”, isto é, um humor “sujo” com citações anais, fecais, etc., mas que rodeava os círculos pequeno-burgueses da época, aliado a um sentimento de superioridade que causava uma insubordinação, uma repugnância ao modo como era tratado nas cortes. Esse paradoxo entre sua obra nobre e sua personalidade contribuiria inevitavelmente para seu fracasso social em vida e sucesso profissional pós-morte.

A parte dois do livro começa com a volta de Mozart à corte de Salzburgo devido o seu fracasso na procura de um cargo em outras cortes. Essa volta é necessária pela dificuldade financeira de Leopold em manter o filho em suas turnês. Porém, o arcebispo trata o músico como à um empregado qualquer, exigindo-lhe horários e produções. Mozart por sua vez, com o orgulho de quem conhece o próprio talento, se recusava a tais obrigações e passou a desafiar constantemente o príncipe-regente pedindo diversas licenças, faltando ao trabalho e brigando com outros funcionários de sua corte. A situação sai de controle quando o jovem músico resolve ficar em Viena, contra a ordem do arcebispo, hospedado na casa da senhora Weber, mãe de sua futura noiva.Leopold busca constantemente a reconciliação, apesar de no seu interior apoiar a força do filho em se opor a situação precária que lhe era imposta.

Fortalecido pela noção de seu valor, Mozart resiste à autoridade de seu empregador e de seu pai, rompendo os laços com o primeiro. Apesar disso mantinha-se fiel a idéia familiar. Alimentava o pai com esperanças de que daria parte de seu salário assim que conseguisse se estabelecer, trocavam cartas e Leopold, como sempre tentava monitorar o filho, porem à distancia. Finalmente, mesmo contra a aprovação do pai, Mozart decide se casar com Constanze. Tal atitude marca o fim das esperanças para Leopold.

Nessa obra fica clara a admiração de Nobert Elias em relação à Mozart. Numa escavação das nuances psíquicas e culturais do músico, o autor consegue conciliar

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diversos fatores macro e micro sociais. Assim como Corbin, em História da vida privada, onde pequenas mudanças no cotidiano burguês demonstram os conflitos da época sublimados individualmente.

A decadência da nobreza é retratada no livro não como uma revolução burguesa, onde os planos sociais seriam totalmente mudados e os gostos substituídos, e sim como a busca de uma classe, em plena ascensão econômica, em conseguir se igualar, copiar, o modo de vida nobre. A síntese dessa busca é retratada no filme O Leopardo (Gattopardo, Il, 1963) de Luchino Visconti, onde o personagem Don Frabrizio Salina, um nobre em meio à unificação italiana de 1860, diz que “ as coisas devem mudar constantemente para que tudo permaneça como está”. Enquanto isso, Don Calogero, representado a classe burguesa, totalmente alheia aos modos corteses, busca casar sua filha Angélica com Tancredi, sobrinho de Don Fabrizio.

Mozart A sociologia de um gênio é um livro fascinante, onde a narração de Nobert Elias gera uma identificação com os problemas de Mozart, insatisfação com os obstáculos ao seu sucesso, enfim, leva ao contexto em que o artista viveu, com suas aspirações e dificuldades, sua personalidade e família, valores, provando como a sociologia não é uma ciência redutora e sim um meio para se entender o humano dentro do gênio, a pessoa dentro dos conflitos que a cercam, o indivíduo frente à sociedade.

Norbert Elias (Breslau, 22 de junho de 1897 — Amsterdã, 1 de agosto de 1990), foi um sociólogo alemão, de família judaica, que teve que fugir de sua terra natal para a França devido a ameaça do nazismo, estabelecendo-se depois na Inglaterra.Assim como Mozart, teve seu talento tardiamente reconhecido, apenas em meados de 1970, permacendo como um autor marginal até então.Sua análise da sociedade era notadamente marcada pela presença do individuo como ator importante, que era modificado nos seus comportamentos e atitudes devido às transformações políticas ao mesmo tempo em que as modificava e criava.A sua principal obra, e que o ajudou a tornar conhecido foi "O Processo Civilizador", publicado pela primeira vez em 1939 na Suíça.  

RENAN WILLIAM DOS SANTOS é acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP)