55
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA MALHA VIÁRIA DE SUA RESPECTIVA JURISDIÇÃO RENANN BRAGATTO GON Orientador: Paulo José Santos Lindoso Colatina, 27 de março de 2008

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE

INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ

CONSERVAÇÃO DA MALHA VIÁRIA DE SUA

RESPECTIVA JURISDIÇÃO

RENANN BRAGATTO GON

Orientador: Paulo José Santos Lindoso

Colatina, 27 de março de 2008

Page 2: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

1

RENANN BRAGATTO GON

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE

INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ

CONSERVAÇÃO DA MALHA VIÁRIA DE SUA

RESPECTIVA JURISDIÇÃO

Monografia de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Trânsito Gestão, Educação e Segurança –, como exigência para obtenção do grau de Pós-Graduado, sob a orientação do profº. Paulo José Santos Lindoso.

Colatina, 27 de março de 2008

Page 3: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

2

Dedico este trabalho à Adma Bragatto Gon, a qual tenho o orgulho de dizer com todas as letras que é minha MÃE, pessoa esta que é a razão da minha vida.

Page 4: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

3

À Deus, Aos meus pais, Antônio Gon e Adma Bragatto Gon, Ao meu avô Aldair Bragatto. Todos foram de suma importância durante esta etapa da minha vida. Ao professor Paulo José Santos Lindoso, que muito influiu na concretização deste trabalho.

Page 5: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

4

“Bravo é o homem que enfrenta e teme as coisas certas, pelo motivo certo”.

Aristóteles

Page 6: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................... 07

1 A RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................... 08

1.1 Evolução histórica ....................................................................... 08

1.2 Conceito de responsabilidade ................................................. 10

1.3 Conceito de responsabilidade civil ....................................... 11

1.4 Finalidade ........................................................................................ 12

1.5 Espécies de responsabilidade civil ....................................... 13

1.5.1 Responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa ........................... 14

1.5.2 Responsabilidade objetiva ou teoria do risco .............................. 16

1.6 Elementos da responsabilidade civil .................................... 16

1.6.1 Conduta ............................................................................................ 16

1.6.2 Dano ................................................................................................. 18

1.6.3 Nexo de causalidade ....................................................................... 19

1.6.4 Culpa ................................................................................................ 19

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............. 21

2.1 Evolução histórica da responsabilidade do estado ........ 21

2.2 Excludentes da responsabilidade do estado ..................... 24

Page 7: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

6

2.3 Caracteres da conduta ensejadora de responsabilidade do

estado ...................................................................................................... 25

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE

DE CONDUTA OMISSIVA .......................................................... 26

3.1 A responsabilidade estatal subjetiva por conduta omissiva

defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello ..................... 27

3.2 A responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva

defendida pela doutrina e jurisprudência majoritárias .......... 29

3.3 Considerações sobre a natureza objetiva da responsabilidade

estatal por conduta omissiva ......................................................... 37

3.4 O princípio da legalidade e a conduta omissiva ............... 41

3.5 A falta do serviço e o código de defesa do consumidor ... 42

CONCLUSÃO .................................................................................... 45

REFERÊNCIAS ................................................................................. 47

ANEXO

INTRODUÇÃO

Page 8: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

7

A Doutrina e a Jurisprudência brasileiras ainda não se pacificaram acerca da

natureza da responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. A

divergência gira em torno do questionamento sobre a revogação tácita, do

artigo 15 do Código Civil de 1916 (sendo o artigo 43 do novo Código Civil),

frente ao artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988.

Sobre o assunto há duas posições, uma seguindo os argumentos de Celso

Antônio Bandeira de Mello, que defende que a responsabilidade do Estado por

conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base no artigo 15 do antigo

Código Civil, restando, portanto, como de natureza objetiva apenas as

condutas comissivas. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, este fundamento

está implícito na noção do Estado de Direito, não havendo necessidade de

regra expressa para firmar-se isto, posto que no Estado de Direito todas as

pessoas, de direito público ou privado, encontram-se sujeitas à obediência das

regras de seu ordenamento jurídico. Desta forma, presente também está o

dever de responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio. A

outra posição defende a teoria da responsabilidade objetiva tanto para a

conduta comissiva, como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma

do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.

Atualmente, essa divergência vem alcançando o Poder Judiciário, causando

um entrave no curso dos processos, em razão das discussões sobre qual a

natureza jurídica da responsabilidade do Estado por condutas omissivas que

geram danos ao cidadão pela má conservação da malha viária, seja ela

Municipal, Estadual ou Federal.

Para maior entendimento da responsabilidade do Estado por condutas

omissivas, devemos traçar preliminarmente algumas considerações sobre

responsabilidade civil privada e geral, pelo que as desenvolveremos nos itens

seguintes, posto que a responsabilidade do Estado é responsabilidade civil, à

qual são aplicados, todavia, princípios peculiares.

Page 9: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

8

1 A RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 Evolução histórica

Nos primórdios da civilização humana, a responsabilidade civil fundava-se na

vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o

agressor, pela ofensa a um de seus componentes. Posteriormente ocorreu uma

evolução para uma reação individual, isto é, a vingança passou de coletiva

para privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, com

fundamento na Lei de Talião, ou seja, a reparação do mal pelo mal, que é

conhecida até hoje pela expressão “olho por olho, dente por dente”. Na

verdade, o princípio é da natureza humana, qual seja, reagir a qualquer mal

injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade

primitiva reagia com violência. O poder público, neste caso, intervinha apenas

para ditar como e quando a vítima poderia ter o direito de retaliação,

produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou.

No Direito romano antigo prevaleceu a noção básica do delito, no qual a

vingança privada tornou-se o fator genético que pairava sob a idéia

predominante de responsabilidade.

Numa segunda etapa surgiu a idéia da composição voluntária, prevalecendo o

entendimento de que seria mais racional a reparação do dano por meio da

prestação da poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), do que cobrar a

pena de Talião. Após essa fase surgiu outra em que o Estado de modo muito

tímido, punia o ofensor como a fratura de ossos, bofetadas, golpes etc.

A evolução do tema, de qualquer forma só ocorreu com a Lex Aquilia,que é o

divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a

Page 10: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

9princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio

jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito como uma figura

autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade

extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação

da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente

provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente. Funda-

se aí a origem da responsabilidade extracontratual. Por essa razão, denomina-

se também responsabilidade aquiliana essa modalidade. A Lex Aquilia foi um

plebiscito aprovado provavelmente no final do Século III ou início do Século II

a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento

de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus

bens. Os escravos, como eram considerados coisas, a lei também se aplicava

na hipótese de danos ou mortes deles. Punia-se por uma conduta que viesse a

ocasionar danos. A idéia de culpa é centralizada nesse intuito de reparação.

Em princípio, a culpa é punível, traduzida pela imprudência, negligência,

imperícia ou pelo dolo.

A teoria da responsabilidade se concretizou por intermédio da doutrina,

principalmente a desenvolvida pelos juristas franceses Domat e Pothier,

responsáveis pelo Princípio da Responsabilidade Civil e que influenciou quase

todas as legislações que se fundaram na culpa.

Foram surgindo certos princípios gerais e a responsabilidade civil evoluiu sob o

prisma de seu fundamento, baseando-se o dever de reparar o dano não

somente quando houvesse culpa, esta denominada responsabilidade subjetiva,

com também Teoria do Risco, passando aquela a ser objetiva, sob a idéia de

que todo risco deve ser garantido, independente da existência de culpa ou dolo

do agente causador do dano.

A respeito, temos os comentários de Carlos Roberto Gonçalves:

Page 11: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

10A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com a situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentm, ibi ônus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou risos)1.

Quanto à indenização, impera o princípio da responsabilidade patrimonial, ou

seja, o lesante responde com o seu patrimônio pelos prejuízos causados a

terceiros. Os direitos do lesado serão reparados até onde suportarem o

patrimônio do devedor, ensejando uma compensação pelo prejuízo sofrido.

No direito brasileiro existiram três fases distintas. Na primeira, as Ordenações

do Reino sustentavam-se no direito romano, aplicando-o como subsidiário do

direito pátrio, devido à chamada Lei da Boa Razão [Lei de 18 de Agosto de

1769]. A segunda fase encontrou-se no Código Criminal de 1830, que

preconizou a idéia de “satisfação”, ou seja, o ressarcimento do dano, o que é

usado até hoje. Já a terceira faze distinguiu a responsabilidade civil da penal,

concentrando a satisfação do prejuízo decorrente do delito na legislação civil.

1.2 Conceito de responsabilidade

A palavra “responsabilidade” originou-se do verbo latino respondere, que

consiste no fato de alguém se constituir garantidor de algo. Por sua vez, tal

verbo latino teve raízes na palavra spondeo, também de origem latina, que era

a fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos

verbais.

No seu conceito atual a palavra “responsabilidade” não nos auxilia, uma vez

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 6.

Page 12: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

11que seu significado original seria a “posição daquele que não executou o seu

dever”2. Juridicamente relevante seria a responsabilidade imposta àquele que,

com sua conduta comissiva ou omissiva, violou bem juridicamente protegido,

gerando para ele uma sanção.

De tal forma salientou Serpa Lopes:

A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma jurídica, contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria privada ou uma injúria pública, conforme natureza dos interesses afetados, se individuais ou coletivos3.

Desta forma, podemos afirmar que a responsabilidade pode se apresentar sob

vários aspectos, podendo ela ser de natureza civil, administrativa ou penal.

Ateremos, entretanto, somente à responsabilidade civil, que é o centro de

nosso estudo.

1.3 Conceito de responsabilidade civil

A responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo e em sentido

estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém se

encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação decorrente

dessa situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo conjunto de normas

e princípios que disciplinam o nascimento, o conteúdo e cumprimento de tal

obrigação. Em sentido estrito, designa o específico dever de indenizar nascido

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 12. ed. aum. Atual. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 7, p. 33.

Page 13: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

12do fato lesivo imputável a determinada pessoal4.

A amplitude do conceito de responsabilidade civil revela dificuldades em se ater

em uma só definição que seja, porque a doutrina tende a unir os conceitos

técnicos e a realidade concreta da obrigação de reparar os danos,

independentemente de serem identificadas à causalidade, à teoria subjetiva ou

à teoria objetiva. Há quem sustente, ainda, que a responsabilidade civil é parte

integrante do direito obrigacional, pois sempre visa a fazer com que o autor do

ato indenize a vítima pelos prejuízos a ela causados.

1.4 Finalidade

A responsabilidade civil tem por finalidade o restabelecimento do equilíbrio

violado pelo dano. Por isso, há em nosso ordenamento jurídico a

responsabilidade civil não só abrangida pela idéia do ato ilícito, mas também há

o ressarcimento de prejuízos em que não é cogitada a ilicitude da ação do

agente ou até da ocorrência do ato ilícito, o que se garante pela Teoria do

Risco, haja vista a idéia de reparação ser mais ampla do que meramente o ato

ilícito.

3 LOPES, Miguel de Serpa. Curso de direito civil. 8. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, v. 8, p. 550-551. 4 Direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 531

Page 14: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

131.5 Espécies de responsabilidade civil

A responsabilidade civil apresenta-se sob várias espécies. São elas:

1) Quanto ao seu fundamento:

a) Responsabilidade subjetiva: presente sempre o pressuposto culpa ou dolo.

Portanto, para sua caracterização devem estar presentes os seguintes

elementos: a conduta, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta

e o dano;

b) Responsabilidade objetiva: nesta não há necessidade da prova da culpa,

bastando a existência do dano e do nexo causal entre o prejuízo sofrido e a

ação do agente. A responsabilidade está inserida no risco assumido pelo

lesante, em razão de sua atividade.

A Responsabilidade objetiva, por ser a adotada para a responsabilização do

Estado, onde será exposta mais adiante detalhadamente.

2) Quanto ao seu fato gerador:

a) Responsabilidade contratual: é a responsabilidade proveniente de conduta

violadora de norma contratual;

b) Responsabilidade extracontratual ou aquiliana: é resultante da violação de

um dever geral de abstenção, de respeito aos direitos alheios legalmente

previstos.

3) Quanto ao agente:

a) Responsabilidade direta: é aquela proveniente de ato próprio responsável;

b) Responsabilidade indireta: provém de ato de terceiro, vinculando o agente

ou de fato animal ou coisa inanimada sob sua guarda.

Page 15: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

141.5.1 Responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa

O fato é um pressuposto material da existência do direito, que resulta de uma

atividade humana ou da natureza, agindo sob o mundo exterior.

Os fatos podem se naturais ou jurídicos. Fato natural é um acontecimento

qualquer, abrangendo os fatos dependentes e não dependentes da conduta

humana, ou seja, que contam ou não com a participação do homem para sua

ocorrência. O fato jurídico é o acontecimento que marca o começo ou o término

de relações jurídicas, possibilitando a conservação, modificação ou extinção de

direitos.

Os fatos humanos, também chamados de atos jurídicos, são conceituados

como sendo todo comportamento apto a gerar efeitos jurídicos. Dentre eles, há

o ato jurídico lícito, ou, ato lícito, e os atos jurídicos ilícitos ou atos ilícitos.

O ato lícito é causa geradora de obrigação, como a declaração unilateral de

vontade e o contrato. O ato ilícito, a princípio, pressupõe culpa lato sensu do

agente, ou seja, a intenção do agente de prejudicar outrem, o prejuízo causado

por negligência, a violação de um direito, imprudência ou imperícia.

O Código Civil de 1916, em seu artigo 159, assegurava que:

Art. 159. Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código (arts. 1.518 a 1532 e 1537 a 1553).

No novo Código Civil tal regra foi dividida em mais de um artigo, constante na

Parte Geral, Livro III, Título III [“Dos Atos Ilícitos”], e na Parte Especial, Livro I,

Título IX [“Da Responsabilidade Civil”]. Nesta nova redação, foram modificadas

e inseridas algumas palavras, com a finalidade de deixar mais clara a intenção

Page 16: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

15do legislador, além de inserir o posicionamento jurisprudencial já pacífico de

que haverá responsabilidade por dano moral independente da existência

cumulativa de dano material [art. 186], bem como o abuso do direito como ato

ilícito [art. 187] e o conceito de responsabilidade objetiva [parágrafo único do

art. 927].

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete o ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obriga a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A imputabilidade da conduta do agente, em face do citado art. 159 do antigo

Código Civil e art. 186 c.c. 927, caput, do novo Código, sobressalta como

elemento subjetivo do ato ilícito. Da mesma forma, se o ato do agente não for

voluntário, seja por ação, seja por omissão, ou, ainda, se o evento danoso é

proveniente de caso fortuito, força maior ou de outra causa de exclusão de

responsabilidade, excluída está a responsabilidade5.

Desta forma, como podemos observar, no direito brasileiro a responsabilidade

civil comum não se desviou do princípio fundamental da culpa, pois o art. 159

do antigo Código Civil, bem como art. 186 c.c. 927, caput,do novo Código Civil,

disciplinam que a vítima que sofreu um dano tem direito a sua reparação, e,

portanto, o ofensor tem o dever de repará-lo. O dever de reparação só

prosperará se a culpa for extraída da conduta danosa.

Diante do exposto, sobressaem os seguintes elementos da responsabilidade

civil subjetiva: a conduta; o dano; a culpa e; o nexo de causalidade entre a

conduta e o dano.

Page 17: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

161.5.2 Responsabilidade objetiva ou teoria do risco

Esta responsabilidade, por sua vez, elimina de seu conceito o elemento culpa,

ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando presentes a

conduta, o dano e o nexo de causalidade entre os mesmos.

A evolução que a teoria objetiva provocou se deu pelo fato da vítima obter uma

maior facilitação da ação em concreto na reparação do dano, gerando aos

infratores a obrigação de indenizar por acidentes provenientes de suas

atividades, quando que na teoria subjetiva, o agente precisa salientar a culpa

dentro da idéia de desvio de conduta.

A prova acaba sendo de difícil constatação, criando grandes óbices à vítima,

que quase sempre acabava arcando com todos os ônus da prova. Com a

técnica da presunção de culpa, impõe-se a inversão do ônus da prova, em

razão da condição menos favorável da vítima.

1.6 Elementos da responsabilidade civil

1.6.1 Conduta

Tanto objetiva com subjetiva, a responsabilidade civil, deverá sempre conter

como seu elemento essencial uma conduta.

5 Vide art. 188 do novo Código Civil

Page 18: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

17Maria Helena Diniz assim a conceitua:

Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado6.

Sílvio Rodrigues, por outro lado, somente considera como pressuposto da

responsabilidade a ocorrência de um ato ilícito7, diferentemente de Maria

Helena Diniz que engloba em seu conceito também os atos lícitos. Para aquele

autor, seria pressuposto a ação ou omissão do agente, que “decorre sempre de

uma atitude, quer ativa, quer passiva, e que vai causar dano a terceiro. A

atitude ativa consiste em geral no ato doloso ou imprudente, enquanto a

passiva, via de regra, se retrata através da negligência. [...] A omissão só

ocorre quando o agente, tendo o dever de agir de determinada maneira, deixa

de faze-lo”8.

Portanto, podemos dizer que conduta seria um comportamento humano,

comissivo ou omissivo, voluntário e imputável. Por ser uma conduta humana

exclui os eventos da natureza; voluntário quer dizer no sentido de ser

controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, excluindo-se, aí,

os atos inconscientes ou sob coação absoluta; imputável por poder ser-lhe

atribuída a prática do ato, possuindo o agente discernimento e vontade e ser

livre para determinar-se.

6 Op. Cit. nota 2, p.37 7 Op. Cit. nota 2, p.302

Page 19: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

181.6.2 Dano

O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da

responsabilidade civil, presente em ambas as teorias anteriormente citadas.

Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de

valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa [moral ou

física] aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de

ressarcimento, mas sim o injusto.

Para o dano se passível de indenização há a necessidade de apuração de

alguns requisitos: atualidade, certeza e subsistência. O dano atual é aquele

que efetivamente já ocorreu. O certo é aquele fundado em um fato certo, e não

baseado em hipóteses. A subsistência consiste em dizer que não será

ressarcível o dano que já tenha sido reparado pelo responsável.

O dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o

patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens

materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes [o que a

vítima efetivamente perdeu] e os lucros cessantes [o que a vítima efetivamente

deixou de ganhar], conforme normatizado no art. 1059 do antigo Código Civil,

sendo referenciado no art. 402 do novo Código Civil. Já o dano moral

corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade

[ex.: imagem, honra, etc.].

O dano também pode ser reflexo ou em ricochete, correspondendo ao fato de

uma pessoa sofrer, por reflexo, um dano, que primeiramente foi causado a

outrem, p. ex.: separanda que deixa de receber pensão alimentícia em razão

da superveniente incapacidade física do ex-marido, esta decorrente de

acidente de trânsito, por más condições da rodovia.

8 SAVATIER, René apud AMARAL, Francisco, op. cit. nota 5, p.525. No mesmo sentido RODRIGUES, Sílvio, op. cit. nota 3, p. 305; DINIZ, Maria Helena, op. cit. nota 2, p. 39.

Page 20: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

191.6.3 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta

praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.

Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir

várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando

as concausas são simultâneas ou concomitantes a questão resolve-se com a

regra do art.1518 do antigo Código Civil, regra também presente no novo

Código, em seu art. 942, que estipula a responsabilidade solidária de todos

aqueles que concorram para o resultado danoso.

Importante também salientar que a coincidência não implica em causalidade.

1.6.4 Culpa

Para a responsabilização civil, a culpa, é tomada pelo seu vocábulo lato sensu,

abrangendo, assim, também o dolo, ou seja, todas as espécies de

comportamentos contrários ao direito, sejam intencionais ou não, mas sempre

imputáveis ao causador do dano.

Apesar de o legislador não os definir, podemos dizer que a culpa strictu sensu

seria a violação de um dever, legal ou contratual, por imprudência, negligência

ou imperícia; e o dolo seria a violação de tais deveres intencionalmente,

buscando o resultado que aquele ato irá causar ou, ainda, assumindo o risco

de produzi-lo.

A culpa estaria presente somente nas responsabilizações civis decorrentes de

atos ilícitos, segundo a orientação adotada pelo Código Civil pátrio, uma vez

Page 21: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

20que as responsabilidades provenientes de atos ilícitos não exigem tal

pressuposto.

Francisco Amaral, reportando-se a René Savatier, traz como pressupostos da

culpa:

a) um dever violado [elemento objetivo]; b) culpabilidade ou imputabilidade do agente [elemento subjetivo]. Acrescenta, ainda, que este último se desdobra em dois elementos: a) possibilidade, para o agente, de conhecer o dever [discernimento]; b) possibilidade de observá-lo [previsibilidade e evitabilidade do ato ilícito]9.

9 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530.

Page 22: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

21

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

No ordenamento jurídico brasileiro já é pacífico o entendimento de que o

Estado possa causar prejuízos aos seus administrados, através de

comportamentos lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, resultando-lhe a

obrigação de reparar tais danos.

A responsabilidade do Estado obedece a um regime próprio, compatível com

sua situação jurídica, pois potencialmente tem o condão de proporcionar

prejuízos enormes. Ademais, os administrados não têm poderes para diminuir

a atuação do Estado, no âmbito de seus direitos individuais.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a responsabilidade do Estado está

implícita na noção do Estado de Direito, não havendo necessidade de regra

expressa para firmar-se isto, posto que no Estado de Direito todas as pessoas,

sendo elas de direito público ou privado, encontram-se sujeitas à obediência

das regras de seu ordenamento jurídico. Desta forma, presente também está o

dever de responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio.

Já, Hely Lopes Meireles utiliza o termo “responsabilidade da administração”,

pois entende que o dever de indenizar se impõe à Fazenda Pública10.

2.1 Evolução histórica da responsabilidade do estado

Constituição Política do Império do Brasil de 1824:

Art. 179, 29 – Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos

abusos e omissões praticados no exercício das suas funções, e por não

Page 23: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

22fazerem efetivamente responsáveis aos infratores.

Constituição Federal de 1891:

Art. 82 – Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.

Constituição Federal de 1934:

Art. 171 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1º - Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. § 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário público.

Constituição Federal de 1937:

Art. 158 – Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a

Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes

de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos.

Constituição Federal de 1946:

Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente

responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem

a terceiros.

Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários

causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

10 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530.

Page 24: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

23Constituição Federal de 1967/1969:

Art. 105 – As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que

os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único – Caberá ação regressiva contra funcionário responsável, nos

casos de culpa ou dolo.

Constituição Federal de 1988:

Art. 37, § 6° - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Verifica-se que a evolução foi tanta que antigamente (1824 e 1891), os

funcionários públicos eram direta e exclusivamente responsáveis por prejuízos

decorrentes de omissão ou abuso no exercício de seus cargos. A partir da

Constituição de 1967 houve um alargamento na responsabilização das

pessoas jurídicas de direito público por atos de seus servidores, devido a

supressão da palavra interno, passando a abranger tanto as entidades políticas

nacionais, como as estrangeiras. Esse alargamento acentuou-se na atual

Constituição de 1988, que passou a estender a responsabilidade civil objetiva

às pessoas de direito privado, prestadoras de serviços públicos. O que

submete essas empresas ao regime da responsabilidade objetiva, prevista no

Texto Magno, não é a natureza do capital, público, privado ou misto, mas, o

fato de executar o serviço público.

Page 25: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

242.2 Excludentes da responsabilidade do estado

O Estado exclui-se da responsabilidade quando, este, não age com culpa ou

dolo; se o dano fosse inevitável em razão de força maior (RTJ, 78:243; RT,

375:319, 571:238, 572:66) ou estado de necessidade, se houvesse culpa da

vítima (RTJ, 91:377; RT, 434:94, 522:77) ou de terceiro.

Já se decidiu que a força maior (fato da natureza), em regra, é causa

excludente de responsabilidade, mas o mesmo não se poderá dizer do caso

fortuito. Para que a força maior seja excludente da responsabilidade civil do

Estado exige-se que seja comprovadamente irresistível, inevitável e

imprevisível para que fique bem caracterizada a inimputabilidade da entidade

pública. Igualmente o Estado não responderá quando, ao atuar por estado de

necessidade, causar danos, ante a preponderância, nesse caso, de interesses

gerais públicos sobre conveniências, bens ou direitos dos particulares. Não

haverá responsabilidade civil estatal se houver culpa da vítima concorrendo

unicamente para o dano contra si produzido, mas para tanto ao Estado

compete a prova da concorrência da ação culposa do lesado. Assim sendo, se

a culpa não for exclusiva da vítima devido ao fato do funcionário também ter

concorrido para o evento lesivo, o Estado responderá apenas pela metade dos

prejuízos havidos. O Estado ficará isento de responsabilidade se houver ação

direta de terceiro, interferindo danosamente na relação jurídica entre particular

e o poder público e se for comprovado que este último não concorreu para a

existência do dano.

Page 26: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

252.3 Caracteres da conduta ensejadora de responsabilidade do

estado

A responsabilidade civil do Estado poderá ser proveniente de duas situações

distintas, a saber: a) de conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no

sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; b) de conduta

omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento

danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas

modalidades em que o serviço não funcionou, ou ainda, pela atividade que se

cria a situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello há várias hipóteses de comportamento

estatal comissivo, que lesa juridicamente terceiros; são eles: a)

comportamentos lícitos: a.1) atos jurídicos; a.2) atos materiais; b)

comportamentos ilícitos: b.1) atos jurídicos, ex.: a decisão de apreender, fora

do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista; b.2) atos

materiais, ex.: o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões

definitivas11.

Pelos arts. 43 do novo Código Civil; art. 90, parágrafo 1º, do Código Nacional

de Trânsito e art. 37 § 6º, da Constituição Federal, a responsabilidade civil do

Estado é objetiva por comportamentos comissivos ou omissivos de seus

funcionários que causem lesão ao administrado.

11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 623-624.

Page 27: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

26

3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

DECORRENTE DE CONDUTA OMISSIVA

O Estado poderá causar danos aos administrados por ação ou omissão.

Porém, nos casos de conduta omissiva, há entendimentos diversos no sentido

de que esta não constitui fato gerador da responsabilidade civil do Estado, visto

que nem toda conduta omissiva retrata uma falha do Estado em cumprir um

dever legal.

Seria o Estado responsável civilmente quando este somente se omitir diante do

dever legal de obstar a ocorrência do dano, ou seja, sempre quando o

comportamento do órgão estatal ficar abaixo do padrão normal que se costuma

exigir. Desta forma, pode-se afirmar que a responsabilidade estatal por ato

omissivo é sempre decorrente de ato ilícito, porque havia um dever de agir

imposto pela norma ao Estado que, em decorrência da omissão, foi violado.

Para ser apurada a responsabilidade do Estado por conduta omissiva deve-se

indagar qual dos fatos foi decisivo para configurar o evento danoso, isto é, qual

fato gerou decisivamente o dano e quem estava obrigado a evitá-lo. Desta

forma, o Estado responderá não pelo fato que diretamente gerou o dano, ex.:

enchente, mas sim por ele não ter praticado conduta suficientemente adequada

para evitar o dano ou minimizar o seu resultado, quando o fato for notório ou

perfeitamente previsível.

Primeiramente, importante ressaltar que até a Constituição de 1946, para a

responsabilização do Estado era aplicada a regra do artigo 15 do Código Civil

de 1916, numa primeira fase, regida por princípios privatístico e, em outra, por

princípios publicísticos, fundados na “falta do serviço”.

A partir da Constituição Federal de 1946, adotou-se no nosso ordenamento

jurídico a Teoria da Responsabilidade Objetiva, para a responsabilização do

Estado.

Page 28: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

27Não se têm dúvidas quanto ao cabimento da aplicação desta teoria objetiva na

responsabilidade decorrente de condutas comissivas, porém diferentemente

ocorre com relação às condutas omissivas, pois surgiu na doutrina e na

jurisprudência brasileira uma polêmica discussão a respeito de seu cabimento,

nos casos de responsabilização decorrente de conduta omissiva estatal.

A respeito, surgiram duas posições, uma que segue os argumentos de Celso

Antônio Bandeira de Mello, que defende a teoria da responsabilidade subjetiva,

cuja base legal era a aplicação do art. 15 do antigo Código Civil12; e outra,

sustentada pela maioria dos autores, que defende a teoria responsabilidade

objetiva, aplicando-se, o art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.

3.1 A responsabilidade estatal subjetiva por conduta omissiva

defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello

O doutrinador argumenta que a palavra “causarem” do art. 37, parágrafo 6º da

Constituição Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos,

afirmando que estes últimos somente “condicionam” o evento danoso. No caso

de dano causado por comportamento comissivo de “funcionário”, isto é,

concessionário, delegado de função pública, gestor de negócios públicos,

requisitado ou qualquer pessoa que exerça função pública, ainda que eventual,

episódica ou transitoriamente, ou por fato da coisa administrativa ou que se

encontre sob custódia do Estado (p. ex.: semáforo defeituoso, que causa

colisão de veículos, sem que o serviço tenha funcionado mal, pois aquele

defeito se deu, p. ex.: por caso fortuito), a responsabilidade do Estado é

objetiva. Há, portanto, uma relação causal entre o dano e seu produtor, pois o

12 Artigo 15 do Código Civil: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a

Page 29: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

28preceito constitucional fala em prejuízo causado pelo agente público.

Comentando o supracitado artigo constitucional, ensina:

De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado13.(grifo nosso)

Para a doutrinadora Maria Helena Diniz a teoria subjetiva deverá se aplicada

aos casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva, haja vista ter-

se a necessidade de ser avaliada a culpa ou o dolo. Para Maria Helena Diniz, o

artigo 15 do antigo Código Civil foi modificado somente em parte pelo artigo 37,

parágrafo 6º, da Constituição Federal14.

A ilustre doutrinadora Odília Ferreira da Luz, concordando com os

ensinamentos acima, entende que:

Isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente público (a não ser nos casos em que o Estado se iguale juridicamente ao administrado)15.

Entre estes juristas também estão Caio Tácito, Themístocles Brandão

Cavalcanti e Aguiar Dias. O próprio Aguiar Dias, embora manifeste sua

preferência pela responsabilidade objetiva, admite que predomina a teoria

terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”. 13 Op. cit. Nota 17, p.673. 14 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 31. 15 Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 298.

Page 30: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

29subjetiva quando da falta de serviço16.

Neste sentido, os tribunais brasileiros concederam as seguintes decisões:

Responsabilidade civil do poder público – revolta da população – bomba – culpa – Para obter a indenização contra o Estado por ter o autor sido atingido por uma bomba durante incidentes de revolta da população pela majoração das passagens de ônibus, necessária se faz a comprovação da culpa do Estado no fato (TJ RJ, Ap. 4545/90 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pestana de Aguiar – julg.19.3.91).

Prestação de serviço de saúde mantido em hospital municipal – Necessidade

da comprovação da ocorrência de comissão ou omissão decorrente de

imprudência, negligência ou imperícia quer por parte do médico, quer por parte

da pessoa jurídica de direito público (TJSP, RT 775/247).

3.2 A responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva

defendida pela doutrina e jurisprudência majoritárias

A responsabilidade civil do Estado, por atos comissivos ou omissivos de seus

agentes, é de natureza objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa.

Neste particular, houve uma evolução da responsabilidade civilística, que não

prescinde da culpa subjetiva do agente, para a responsabilidade pública, isto é,

responsabilidade objetiva. Esta teoria é a única compatível com a posição do

Poder Público ante os seus administrados, pois, o Estado dispõe de uma força

infinitamente maior que o particular. Aquele, além de privilégios e prerrogativas

que o cidadão não possui, dispõe de toda uma infra-estrutura material e

pessoal para a movimentação da máquina judiciária e de órgãos que devam

16 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense,

Page 31: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

30atuar na apuração da verdade processual. Se o cidadão fosse colocado em

posição de igualdade com o Estado, em uma relação jurídica processual,

evidentemente, haveria um desequilíbrio de tal ordem que comprometeria a

correta distribuição da justiça.

A doutrina da responsabilidade objetiva do Estado comporta exame sob o

ângulo de três teorias objetivas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do

risco administrativa e a teoria do risco integral, conforme preleciona Hely Lopes

Meirelles17.

Pela teoria da culpa administrativa a obrigação de o Estado indenizar decorre

ausência objetiva do serviço público em si. Não se trata de culpa do agente

público, mas de culpa especial do Poder Público, caracterizada pela falta de

serviço público. Cabe à vítima comprovar a inexistência do serviço, seu mau

funcionamento ou seu retardamento. Representa o estágio de transição entre a

doutrina da responsabilidade civilística e a tese objetiva do risco administrativo.

Pela teoria do risco administrativo basta tão só o ato lesivo e injusto imputável

à Administração Pública. Não se indaga da culpa do Poder Público mesmo

porque ela é inferida do ato lesivo da Administração. Basta a comprovação pela

vítima, do fato danoso e injusto decorrente de ação ou omissão do agente

público.

Essa teoria, como o próprio nome indica, é fundada no risco que o Estado gera

para os administrados no cumprimento de suas finalidades que, em última

análise, resume-se na obtenção do bem comum. Alguns membros da

sociedade atingidos pela Administração Pública, no desempenho regular de

suas funções, são ressarcidos pelo regime da despesa pública, isto é, a

sociedade como um todo concorre para realização daquela despesa,

representada pelo pagamento de tributos. Daí porque, pode-se afirmar, o risco

e a solidariedade fundamentam essa doutrina, que vem sendo prestigiada,

entre nós, desde a Carta Política de 1946. Ela se assenta exatamente na

1979, p. 664.

Page 32: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

31substituição da responsabilidade individual do agente público pela

responsabilidade genérica da Administração Pública. Cumpre lembrar,

entretanto, que a dispensa de comprovação de culpa da Administração pelo

administrado não quer dizer que o Poder Público esteja proibido de provar a

culpa parcial ou total da vítima para excluir ou atenuar a indenização.

Pela teoria do risco integral a Administração responde invariavelmente pelo

dano suportado por terceiro, ainda que decorrente de culpa exclusiva deste, ou,

até mesmo dolo. É a exacerbação da teoria do risco administrativo que conduz

ao abuso e à iniqüidade social, como bem lembrado por Hely Lopes Meirelles

na obra retro citada.

Essa teoria jamais vincou na doutrina e na jurisprudência e por isso mesmo

nunca foi acolhida pelas diferentes Cartas Políticas de nosso país.

Odete Medauar entende que a responsabilidade do Estado, fundamentada na

Teoria do Risco Administrativo, apresenta-se, hoje, na maioria dos

ordenamentos jurídicos, regida pela Teoria da Responsabilidade Objetiva.

Entende, ainda, que a adoção da responsabilidade objetiva do Estado traz, por

conseguinte, o sentido de igualdade de todos ante os ônus e encargos deste e

o próprio sentido de justiça. Acrescenta que como nem sempre é possível

identificar o agente causador do dano , nem demonstrar o dolo ou culpa,

melhor se assegurarem direitos da vítima através da aplicação da

responsabilidade objetiva ao Estado.

Quanto ao preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos públicos,

também denominado “solidariedade”, ensina: “Se, em tese, todos se

beneficiam das atividades da Administração, todos [representados pelo Estado]

devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam

a alguém”18.

José de Aguiar Dias, também adepto da responsabilidade objetiva, ao expor o

17 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530. 18 Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 430.

Page 33: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

32seu entendimento sobre o termo da causa, assim preceituou:

Só é causa aquele fato a que o dano se liga com força de necessidade. Se numa sucessão de fatos, mesmo culposos, apenas um, podendo evitar a conseqüência danosa, interveio e correspondeu ao resultado, só ele é causa, construção que excluiu a polêmica sobre a mais apropriada adjetivação. Se ao contrário, todos ou alguns contribuíram para o evento, que não ocorreria, se não houvesse a conjugação deles, esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas19.

Desta forma, conclui Aguiar Dias que a inércia do Estado empenha

responsabilidade civil a este e a conseqüente obrigação de reparar

integralmente (grife nosso) o dano causado, na forma do artigo 37, parágrafo

6º, da Constituição Federal; portanto, a responsabilidade é objetiva.

Hely Lopes Meirelles, da mesma forma, defende a tese da responsabilidade

objetiva, dispondo que esta se fundamenta no risco proveniente de sua ação

ou omissão, que visam à consecução de seus fins20.

Yssef Said Cahali também é no sentido de que o artigo constitucional acolhe,

sob o manto da responsabilidade objetiva, tanto a conduta omissiva quanto a

comissiva21.

Weida Zancaner Brunini preleciona que a teoria objetiva é aplicada na

responsabilidade do Estado. Porém, a teoria subjetiva ainda permanece na

relação Estado-funcionário, quanto ao direito de regresso do Estado contra

seu agente pois condicionada está a culpabilidade deste.

A jurisprudência pátria é majoritária no sentido de que a responsabilidade do

Estado por conduta omissiva é objetiva. Com efeito, os julgados abaixo

denotam o exposto:

19 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 664. 20 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 530. 21 Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 40.

Page 34: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

33MUNICÍPIO – Responsabilidade civil do Estado. Acidente de trânsito. Culpa do

motorista de caminhão da prefeitura. Responsabilidade de caráter objetivo.

Procedência.

Ementa oficial: Reexame necessário. Responsabilidade civil. Acidente

rodoviário. Culpa do funcionário. Responsabilidade objetiva do município.

Improvimento.

O município responde objetivamente pelos atos de seus agentes, que nessa

qualidade, causarem danos a terceiros (Constituição Federal, art. 37,§ 6º).

Trata-se de reexame necessário em face da sentença que julgou procedente a

ação de indenização proposta por A.S. contra o Município de Guairá.

Pediu-se, na inicial, a reparação dos danos materiais, inclusive lucros

cessantes, decorrentes da colisão envolvendo o veículo do autor e outro do

ente de direito público. Argumentou-se, a tanto, que o fato ocorreu na BR-163 e

que a culpa teria sido exclusiva de J. de A., motorista do caminhão do

município, que, ao forçar uma ultrapassagem, acabou por provocar o fato.

Na sentença o juiz deu parcial procedência à ação, reconhecendo a

responsabilidade objetiva do município. E condenou-o a reparar os danos

materiais, excluído o ressarcimento pelos lucros cessantes, à falta de

comprovação.

Dessa decisão não sobreveio recurso voluntário.

Neste Tribunal a Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo improvimento da

remessa.

Da prova dos autos resultou induvidoso que a causa primária do notificado

evento foi imprudência do motorista do município. Invadiu ele a pista contrária,

colidindo com o veículo do autor. E é certo que seguia este em sua mão de

direção. Isso é o que se deduz do boletim de ocorrência elaborado pela Polícia

Rodoviária e do dito testemunhal.

Page 35: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

34Assim, comprovada a culpa do preposto do município, incumbe a este o dever

de reparar os danos. Entanto, mesmo que assim não fosse, vale dizer, que se

a não comprovasse, a sorte da demanda não mudaria. È que a

responsabilidade do ente de direito público, em casos que tais, é objetiva. O

ressarcimento se impõe, uma vez demonstrado o dano sofrido pelo cidadão, a

atuação do agente público e o nexo causal entre ambos.

Nesse sentido é paradigmática a lição de Hely Lopes Meirelles. O saudoso

mestre deixou claro que “para obter a indenização basta que o lesado acione a

Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o ato lesivo (comissivo ou

omissivo) e o dano, bem como seu montante”. Comprovados esses dois

elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se da

obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com

culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade

da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a

culpa da vítima, ficará excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se

parcial, reparte-se o quantum da indenização (Direito Administrativo Brasileiro,

16ª ed., Revista dos Tribunais, 1991, pp. 555-556).

Ademais disso, como bem salientou o Procurador da Justiça, o demandado

não impugnou especificamente os fatos alegados pelo autor. A contestação

genérica, decorrente da negativa geral, não podia ser exercida nem lhe

beneficiar, por estar fora das hipóteses do art. 302, parágrafo único, da lei

processual.

Em assim sendo, a solução que a causa comportava outra não era que aquela

adotada em primeiro grau, impondo-se, destarte, da remessa o improvimento.

Pelo exposto, acordam os juízes integrantes da 7ª Câmara Cível do Tribunal de

Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento

à remessa necessária.

Curitiba, 16 de agosto de 1993 – J. Vidal Coelho, presidente e relator. (RNec

58.801-4, PJ 43/215).

Page 36: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

35Responsabilidade civil do estado – má execução dos serviços públicos – risco

administrativo – dano e nexo de causalidade. A responsabilidade civil das

pessoas jurídicas de direito público, responsabilidade objetiva, com base no

risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa particular, para o

fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em

síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa

(comissiva ou omissiva); c) do nexo de causalidade entre o dano e a ação

administrativa. O Município tem, por obrigação, manter em condições de

regular uso e sem oferecer riscos, as vias públicas e logradouros abertos à

comunidade (TJ – RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pedro Ligiério –

apud COAD 75286).

Indenização – acidente de trânsito – sinistro ocasionado pela falta de serviço

na conservação de estrada. Ausência de prova de culpa do particular, bem

como de evento tipificador de força maior – Comprovação do nexo de

causalidade entre a lesão e o ato da Administração – Verba devida – Aplicação

da teoria do risco administrativo, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição

Federal (TJMG, RT 777/365).

Responsabilidade civil do estado – Acidente de trânsito. Evento causado por

buraco na pista, não reparado e nem devidamente sinalizado pelo município.

Defeito que se tornou imperceptível com chuva e neblina. Indenizatória

procedente.

O M.M. Juiz considerou que a sinalização fora precária e falta de provas do

alegado excesso de velocidade, julgou procedente o pedido, condenando o

Município de Quedas do Iguaçu ao pagamento dos danos, das custas e

honorários advocatícios.

Presidiu o julgamento o Juiz Fernando Pupo e dele participaram os Juízes

Sena Rebouças (com vista) e Rodrigues de Carvalho.

São Paulo, 1º de abril de 1992.

RIBEIRO DE SOUZA, Relator.

Page 37: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

36Responsabilidade civil do estado – Acidente de trânsito. Colisão em

cruzamento sinalizado. Defeito do semáforo, indicando sinal verde para ambas

as direções. Responsabilidade objetiva do Município, independente de culpa.

Risco administrativo. Prova testemunhal. Procedência. CF, art. 37, § 6º.

Incide, pois, a responsabilidade do município pelo mau funcionamento do

serviço, que tem o dever de indenizar determinado em dispositivo

constitucional, qual seja o art. 37, § 6º da Constituição Federal.

Ainda, a título de reforço, transcrevo acórdão deste Tribunal lavrado pelo

eminente Juiz Trotta Telles, de nº 500, 1ª Câmara Cível:

Responsabilidade civil. Colisão de automóveis, em cruzamento urbano sinalizado. Semáforo defeituoso. Estando o sinal verde para ambas as vias do cruzamento, a causa da colisão de automóveis nele ocorrida é atribuível à deficiência de sinalização, respondendo, desarte, o Município, pelos danos respectivos...

Ante o exposto, acordam os juízes da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada

do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento aos

recursos necessários e voluntário, mantendo, na íntegra, a bem-lançada

sentença de primeiro grau.

Curitiba, 7 de dezembro de 1993 – Ivan Bortoleto, presidente e relator. (ApCv e

RNec 60.817-3, PJ 44/232).

Responsabilidade civil do poder público – buraco na rua – acidente –

inocorrência.

Sendo incumbência das prefeituras conservar as vias públicas, respondem

elas, em princípio, pelos prejuízos que terceiros tiverem em razão da

inobservância desse dever. Todavia, não se pode responsabilizar a edilidade

quando a culpa do acidente se deve a motorista desatento e imperito que não é

capaz de desviar de uma pequena depressão na via pública. (TA Civ.-RJ – Ac.

unân. da 1ª Câm. reg. Em 16/06/03 – Ap. 4.468 – Rel. Juiz Mauro Fonseca

Page 38: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

37Pinto Nogueira – Município de Barra Mansa vs. José Garcia da Silva).

Acidente de trânsito – responsabilidade civil – estado.

Ocorrido o acidente por falta exclusiva do serviço público, que mantinha pista

defeituosa e sem sinalização adequada, responde a autarquia desse mister

administrativo pelos prejuízos causados. (Ap. 350.912, 27/12/85, 7ª C 1º

TACSP, Rel. Juiz MARCUS ANDRADE, in RT 606-133)

Por esses entendimentos, podemos concluir que o comportamento omissivo do

Estado deve ser considerado como causa do dano, e não simples condição

deste. Portanto, o artigo 37, § 6º da Constituição Federal contempla, além da

responsabilidade por atos comissivos, aquela decorrente da conduta omissiva.

Desta forma, o Estado responde, objetivamente, sempre que demonstrado o

nexo de causalidade entre o dano e a atividade funcional do agente estatal, só

podendo haver discussão sobre culpa ou dolo na ação regressiva do Estado

contra o agente causador do dano, acrescentando mais uma vez que não é

somente a ação, mas também a omissão, que pode causar dano suscetível de

reparação por parte do Estado.

3.3 Considerações sobre a natureza objetiva da

responsabilidade estatal por conduta omissiva

A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, não diferenciou a conduta

comissiva da conduta omissiva, quando perfeitamente poderia fazê-lo. Assim o

vocábulo “causarem”, do aludido dispositivo, deve ser lido como “causarem por

ação ou omissão”.

A responsabilidade objetiva já vinha consagrada no direito brasileiro desde a

Page 39: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

38Constituição Federal de 1946, em seu artigo 19422. Por que, então o legislador

constitucional, ao invés de avançar, preferiu recuar, distinguindo as duas

condutas? Qual o fundamento, legal e político, para a distinção?

É possível notar que no que concerne ao agente estatal causador do dano o

constituinte avançou substituindo a palavra funcionário por agente, que se

tornou muito mais abrangente. A responsabilidade também foi estendida para

os particulares prestadores de serviço público. Ora, por que, então, no que

tange à conduta do agente, aquele teria recuado quase um século, para, a par

da responsabilidade objetiva, fixada para a conduta comissiva, instituir a

responsabilidade subjetiva em caso de conduta omissiva?

O que se pretendeu com toda a evolução da responsabilidade do Estado foi

exatamente evitar que o lesado tivesse de provar a culpa do agente, que nem

sempre e quase nunca foi um exercício fácil. Por que o legislador, cônscio

dessa evolução, teria voltada à traz? Especialmente quando ele mesmo,

legislador constitucional, previu a responsabilidade objetiva, com o mesmo

desiderato, para questões relacionadas ao meio ambiente e com os direitos do

consumidor? Implica, tal conclusão, num contra senso. Até porque, na

omissão, em regra, é muito mais difícil a prova da culpa.

Em qualquer caso de responsabilidade do Estado, seja por conduta omissiva,

seja por conduta comissiva, há vários elementos que devem ocupar o cenário:

o dano; a conduta estatal e o nexo de causalidade. Outros, ainda, poderão ter

lugar na discussão: a presença de circunstâncias excludentes; o fato de o dano

não ser especial ou normal; a inexistência de agir etc.

Assim, não se pode falar que na responsabilidade decorrente de conduta

comissiva analisa-se a questão pelo lado do lesado, quando, em se tratando da

conduta omissiva, essa análise estaria centrada no lado da Administração. Em

ambos os casos, vários fatores entram em linha de conta, sem preponderância

22 MEIRELLES, Hely Lopes, Op. cit. nota 14, p. 534; e CRETEA JUNIOR, José. Direoto administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 684, entendem que o art. 194 da Constituição Federal de 1946 revogou o art. 15 do antigo Código Civil, já que com ele incompatível.

Page 40: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

39de qualquer deles. Em ambos, será de fundamental importância, por exemplo,

a imputação do dano à conduta estatal [comissiva ou omissiva] e sua

qualificação [especial e anormal], bem como o fato de que o sujeito lesado não

está obrigado a suportá-lo.

Ocorre que em todos os casos em que o Estado é chamado a ressarcir

prejuízos decorrentes de conduta omissiva, bem assim nas comissivas, poderá

ele defender-se demonstrando a presença de quaisquer circunstâncias

excludentes de responsabilidade. Poderá, ainda, demonstrar que o dano não é

especial nem anormal ou que não tinha dever de agir. Este largo espectro de

defesas leva à conclusão de que mesmo que se aplique, em todos os caso a

teoria do risco administrativo e, portanto, a responsabilidade objetiva, o Estado

não estará sendo erigido à condição de segurador universal. Ademais, se o

Estado se omite no seu dever de agir conforme os padrões médios de

exigência da população, assim causando lesões ao patrimônio das pessoas,

melhor seria mesmo que fosse exigido tal condição. Não é este, conduto, o

caso.

Em percuciente voto, o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Celso de

Mello já teve o ensejo de aclarar a situação23.

Odete Medauar é quem está com a razão, argumentando, em preciosa síntese:

23 “A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indeniza-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem a) a alteridade do dano, b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo [ação] ou negativo [omissão] do agente público, c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional [RTJ 140/636] e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal [RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417]. O princípio da responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima” [RDA 137/233 – RTJ 55/50 – STF – RE 109.615 – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 02.08.1996]

Page 41: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

40Informa pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração [...] Deixe-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento de licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir24.

A evolução da responsabilidade do Estado, no sentido de sua objetivação, fica

ainda mais evidente quando se constata a redação, como segue, do artigo 43

do novo Código Civil, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003:

Art.: 43 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvando direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Fica claro que o legislador mais uma vez contemplou, a responsabilidade

objetiva do Estado, permitindo a perquirição sobre a presença do elemento

subjetivo [culpa ou dolo] tão somente na ação regressiva do Estado em face do

agente causador do dano.

Concluindo, pode-se afirmar que o legislador brasileiro, bem como a doutrina e

a jurisprudência, sempre tiveram clara a evolução da responsabilidade do

Estado, sempre no sentido de sua objetivação, afastando-se da culpa e

aproximando-se do risco, até assumi-lo, sendo razoável que se falasse em

algum tipo de responsabilidade subjetiva apenas no período que vai do início

de vigência do antigo Código Civil de 1916, até a promulgação da Constituição

Federal de 1946, quando, promulgada esta, a responsabilidade do Estado

passou a ser objetiva, ficando revogado o Código Civil.

24 Op. cit. nota 25, p. 430.

Page 42: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

413.4 O princípio da legalidade e a conduta omissiva

Este princípio exige que a administração pública somente poderá fazer ou

deixar de fazer algo, desde que prescrito por lei. É considerado como o

princípio que maior rege os atos administrativos, praticados pelo Estado.

Ocorre, porém, que em sua grande maioria os atos administrativos são

vinculados. Mesmo nos atos discricionários também pesa tal princípio, visto

que a margem de liberdade de decisão que a norma autoriza ao agente possui,

sempre, um limite, posto pela própria norma.

Na responsabilidade do Estado por conduta omissiva, o agente tem o dever de

agir, estabelecido em lei, mas, desobedecendo à lei, não age. Por não ter

agido, causou um dano no particular. Portanto, trata-se de uma conduta ilícita,

isto é, contrária à lei. Logo, feriu-se o princípio da legalidade.

A doutrina majoritária entende ser objetiva a responsabilidade decorrente do

dano provocado por ato lícito do Estado. Se ato lícito é o ato que está em

conformidade com o direito, ou seja, aquilo que é entendido como adequado,

correto, bem visto pela sociedade, e, para esse, a responsabilidade é objetiva,

porque para o ato ilícito omissivo não haveria também essa maior proteção ao

administrado, sendo que este último é indiscutivelmente mais grave?

A proteção ao administrado é imperiosa contra condutas mais graves,

ampliando o seu campo de amparo pela adoção da responsabilidade objetiva.

Como o interesse social tem por objetivo a manutenção da ordem pública no

sentido de viabilizar a harmonia social, importante ressaltar a gravidade de uma

conduta ilícita e omissiva. O ato ilícito corresponde ao que a sociedade repudia

como comportamento, isto é, não é aceito no grupo social. Por isso, é o mesmo

que estar violando os valores deste grupo. Da mesma forma, o risco social que

apresenta a conduta omissiva é de gravidade muito mais elevada.

Page 43: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

423.5 A falta do serviço e o código de defesa do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, combinado com o artigo

3º, atribui ao Estado, enquanto fornecedor de serviço público, a

responsabilidade objetiva por danos decorrentes da “falta do serviço público”,

incluindo, assim a responsabilidade por conduta omissiva.

Assim, o Estado é considerado fornecedor de serviço público, devendo,

portanto, obedecer a todos os princípios e regras protetores do consumidor,

inclusive ao princípio contido no inciso X do artigo 6º do CDC, que

expressamente determina ser direito do consumidor “a adequada e eficaz

prestação dos serviços públicos em geral”, esta falta de serviço público esta

demonstrada, de uma forma realmente precária na BR-259, que liga o

município de Colatina-ES ao município de Baixo Guandu-ES (ANEXO).

O Artigo 22 do mesmo diploma legal dispõe que a responsabilidade pelo

fornecimento inadequado ou ineficaz do serviço público será regida pelas

regras deste código. Portanto, responsabilidade objetiva25.

O doutrinador Zelmo Denari, com propriedade, explica que:

As pessoas jurídicas de direito público – centralizadas ou descentralizadas – podem figurar no pólo ativo da relação de consumo, como fornecedor de serviços. Por via de conseqüência, não se furtarão a ocupar o pólo passivo da correspondente relação de responsabilidade26.

25 Art. 22, CDC: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e reparar os danos causados, na forma prevista neste Código”. 26 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 190.

Page 44: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

43De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, são responsáveis

objetivamente a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Também

o são as autarquias, as fundações públicas, as sociedades de economia mista,

as empresas públicas e concessionárias e permissionárias de serviço público.

Importante salientar que o Estado somente será considerado fornecedor e,

portanto, estará sujeito às regras do Código de Defesa do Consumidor

[responsabilidade objetiva] quando for produtor de bens ou prestador de

serviços, remunerados por “tarifas” ou “preços públicos”. Por outro lado, não

serão aplicadas as normas do Código de Defesa do Consumidor aos casos em

aquele for remunerado mediante atividade tributária em geral [impostos, taxas

e contribuições de melhoria].

Portanto, a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a

responsabilidade do Estado, pelo serviço público remunerado por tarifa ou

preço público, é de natureza objetiva, tanto para as condutas comissivas como

para as omissivas.

Lista exemplificativa de possíveis ações por responsabilidade civil objetiva do

Estado:

1. Acidente ou dano em veículo ocasionado pelas más condições de

conservação da via;

2. Acidente ocasionado por falta ou má iluminação das vias;

3. Acidente de trânsito ocasionado pela má conservação das vias;

4. Acidente que cause morte a filho menor que contribuía para sustento da

família, ocasionado pelas más condições da rodovia;

5. Acidente de trânsito ocasionado pela falta de sinalização nas rodovias;

6. Morte de passageiro ocasionado por acidente decorrente da má

conservação da rodovia;

Page 45: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

447. Morte de passageiro ocasionado por acidente decorrente da falta de

sinalização da rodovia.

Page 46: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

45

CONCLUSÃO

Como conclusão referente aos aspectos legais decorrentes da

responsabilidade objetiva do Estado, pode-se afirmar que a posição mais

defensável é a de que ocorra uma técnica efetiva de melhoria na segurança do

trânsito, tendo como único efeito a instauração de maior exigência de

segurança viária em uma situação na qual não se altere o grau de

responsabilidade do gestor do sistema viário. A aplicação dos gestores do

sistema viário assume, de acordo com doutrina e a jurisprudência vigente, a

modalidade objetiva, e isto tem uma clara implicação em estabelecer um

regime mais rigoroso na apuração da obrigação de indenizar por danos

causados aos usuários do sistema viário.

A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º não fez qualquer distinção entre

condutas omissivas e comissivas. Desta forma o dispositivo legal deve ser

interpretado como causarem por ação ou omissão, pois de forma contrária o

legislador brasileiro teria recuado no tempo, estabelecendo a responsabilidade

objetiva para os casos de conduta comissiva, o que é inadimissível, diante dos

avanços de outras matérias constitucionais, e a extensão da responsabilidade

também para os particulares prestadores de serviço público.

A responsabilidade do Estado será sempre objetiva, qualquer que seja a

natureza da conduta (comissiva ou omissiva), de seus agentes, no sentido

amplo do termo, bastando ao particular somente fazer prova do dano, da

conduta danosa e do nexo de causalidade para se ver ressarcido dos prejuízos

suportados.

O Estado, para elidir tal responsabilidade, deverá fazer prova de que o dano foi

ocasionado por força maior, caso fortuito, estado de necessidade ou culpa

exclusiva da vítima ou de terceiro.

A responsabilidade civil do Estado não se reduz só a reparação do dano

Page 47: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

46material. No atual estágio da civilização, a ordem pública também abrange e

protege juridicamente os valores morais, tão determinantes na vida em

sociedade. A lesão a esses valores morais do cidadão é, indiscutivelmente, um

prejuízo onde o Direito Administrativo não pode ficar indiferente. A Honra, a

Reputação, a Dignidade, o conceito social ou profissional, a convivência

familiar, entre outros valores, são caros e essenciais ao homem como os bens

materiais, por mais valiosos que sejam. Poder-se-ia dizer que tais valores

integram o grande patrimônio da pessoa.

Ante todos os argumentos expostos, meu posicionamento é no sentido da

aplicabilidade da Teoria do Risco Administrativo, ou seja, da responsabilidade

de natureza objetiva ao Estado, pelas condutas omissivas que causarem a

terceiros, haja vista a necessidade de proteger o lesado ante a dificuldade

deste em demonstrar a culpa ou dolo de algum agente ou que o serviço não

funcionou como deveria. Ademais, o artigo 37, § 6º da Constituição Federal é

claro ao discorrer que o Estado responde, independente de culpa, pelas

condutas comissivas ou omissivas que causarem a terceiros. Todos os

argumentos utilizados pelos doutrinadores a fim de sustentar a tese de que se

aplica a Teoria Subjetiva na responsabilização das condutas omissivas estatais

são contraditórias e frágeis. O novo |Código Civil, ao trazer tal regra no art. 43,

corroborou a norma constitucional, no sentido de que será verificada a culpa ou

dolo somente em ação regressiva do Estado em face do agente causador do

dano.

Page 48: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

47

REFERÊNCIAS

AMARAL, Francisco. Direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

BRUNINI, Weida Zancaner. Da responsabilidade extracontratual da administração pública. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1981.

CAVALCANTI, Themistócles. Tratado de direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1960. v. 2.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 7. v. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998.

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, v.2.

MENDONÇA, Manuel Inácio Carvalho de. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 29. ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1997, 4. v.

Page 49: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

48MUKAI, Toshio. Direito administrativo sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002.

NUNES, Aline; COUTO, Rodrigo. Ação contra estradas ruins. A Tribuna. Vitória, p.2-3, 24 de abril 2004.

PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

RIZZARDO, Arnaldo. A Reparação nos acidentes de trânsito. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 284-304.

RODRIGUES. Silvio. Direito civil, responsabilidade civil. v. 4. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SANTOS, Ozéias J. Responsabilidade civil e criminal em acidentes de trânsito. Editora de Direito – Tomo II e I. 1999. p. 873, 1226, 1340,1741.

TELLES, Ântonio A. Queiroz. Introdução ao direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Aide, 1993.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, responsabilidade civil. 3. ed. v. 4. São Paulo: Atlas S.A., 2003.

WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 14.

Page 50: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

49ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v.2.

Page 51: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

50

ANEXO

Page 52: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

51

Page 53: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

52

Page 54: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

53

Page 55: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE INDENIZAR ACIDENTES DE TRÂNSITO DEVIDO À MÁ CONSERVAÇÃO DA

54