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A mudança histórica do conceito de . responsabi li.dade social empresarial. Resumo N este capítulo são apresentados os resultados' de uma revisão da literatura contemporânea pertinente ao conceito de responsa- bilidade social corporativa. É feita uma abordagem histórica em duas fases: a introdução do conceito nosmelos acadêmico e em- presarial e sua evolução a partir da década de 1970. Em seguida, apresenta-se um recorte dominante para as perspec- tivas futuras do conceito, na linha de uma ampla abordagem norm~tiva e sistêmica. A questão dos paradigmas de gestão antro- pocêntrica e ecocêntrka é discutida, seguida pela abor~agem do lado da demanda por responsabilidade social çorpcrattva, como vetor necessário para uma disseminação da ampla abordagem norrnatlva e slstêmica no meio empresariaJ. A mudança histórica do conceito de responsabilidade sociai empresarial 45 Os prirnórdios do conceito de responsabilidade social corporativa no século XX Nos Estados Unidos e na Europa, a ética e a responsabilidade social corporativa eram aceitas como doutrina até o século XIX, quan- do o direito de conduzir negócios de forma corporativa era prerrogati- va do Estado ou da Monarquia e não um interesse econômico privado'. Os monarcas expediam alvarás para as corporações de capital aberto que prometessem benefícios públicos, como a exploração e a coloni- zação do Novo Mundo. As primeiras corporações nas colônias ameri- canas foram fundadas para prestar serviços de construção, transporte e [nfra-estrutura, sendo reguladas quanto a tamanho, tipo de negócios e estrUtura de capital. Com a independência dos Estados Unidos, os estados norte-america- nos passaram a aprovar legisl ação que permitisse a auto-incorporação como alternativa à incorporação por ato legislativo específico, inicialmente para serviços de interesse público, como a construção de canais, e posterior- mente para condução de negócios privados. Assim, até o início do século XX a premissa fundamental da legislação' sobre corporações era a de que tinham, como propósito, a realização de lucros para seus acionistas. Em 1919, a questão da ética, da responsabilidade e da discricio- nariedade dos dirigentes de empresas abertas veio a público com o jul- gamento do caso Dodge versus Ford, nos Estados Unidos, que tratava da competência de Henry Ford, presidente e acionista majoritário da em- presa, para tomar decisões que contrariavam os interesses dos acionistas John e Horace Dodge. Em 1916, Henry Ford, alegando objetivos sociais, decidiu não distribuir parte dos dividendos esperados, revertendo-os para investimentos na capacidade de produção, aumento de salários e fundo de reserva para a redução esperada de receitas em função do corte nos preços dos carros. A Suprema Corte de Míchigan foi favorável aos Dodges, justifi- cando que a corporaçâo existe para o benefício de seus acionistas e que .--~ •..•..•...• ,-~ I HOOD. John. Do corporations have social responsibilities? The Freeman: ideas on liberty. New 'rork, v. 48. n. \ \ . p. 680-f>84. Nov. \99B.

Responsabilidade Social Capitulo 3

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Responsabilidade Social Capitulo 3

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Page 1: Responsabilidade Social Capitulo 3

A mudança histórica do conceito de. responsabi li.dade social empresarial.

ResumoNeste capítulo são apresentados os resultados' de uma revisãoda literatura contemporânea pertinente ao conceito de responsa-bilidade social corporativa. É feita uma abordagem histórica emduas fases: a introdução do conceito nosmelos acadêmico e em-presarial e sua evolução a partir da década de 1970.Em seguida, apresenta-se um recorte dominante para as perspec-tivas futuras do conceito, na linha de uma ampla abordagemnorm~tiva e sistêmica. A questão dos paradigmas de gestão antro-pocêntrica e ecocêntrka é discutida, seguida pela abor~agem dolado da demanda por responsabilidade social çorpcrattva, comovetor necessário para uma disseminação da ampla abordagemnorrnatlva e slstêmica no meio empresariaJ.

A mudança histórica do conceito de responsabilidade sociai empresarial 45

Os prirnórdios do conceito deresponsabilidade socialcorporativa no século XXNos Estados Unidos e na Europa, a ética e a responsabilidade

social corporativa eram aceitas como doutrina até o século XIX, quan-do o direito de conduzir negócios de forma corporativa era prerrogati-va do Estado ou da Monarquia e não um interesse econômico privado'.Os monarcas expediam alvarás para as corporações de capital abertoque prometessem benefícios públicos, como a exploração e a coloni-zação do Novo Mundo. As primeiras corporações nas colônias ameri-canas foram fundadas para prestar serviços de construção, transporte e[nfra-estrutura, sendo reguladas quanto a tamanho, tipo de negócios eestrUtura de capital.

Com a independência dos Estados Unidos, os estados norte-america-nos passaram a aprovar legisl ação que permitisse a auto-incorporação comoalternativa à incorporação por ato legislativo específico, inicialmente paraserviços de interesse público, como a construção de canais, e posterior-mente para condução de negócios privados. Assim, até o início do séculoXX a premissa fundamental da legislação' sobre corporações era a de quetinham, como propósito, a realização de lucros para seus acionistas.

Em 1919, a questão da ética, da responsabilidade e da discricio-nariedade dos dirigentes de empresas abertas veio a público com o jul-gamento do caso Dodge versus Ford, nos Estados Unidos, que tratava dacompetência de Henry Ford, presidente e acionista majoritário da em-presa, para tomar decisões que contrariavam os interesses dos acionistasJohn e Horace Dodge. Em 1916, Henry Ford, alegando objetivos sociais,decidiu não distribuir parte dos dividendos esperados, revertendo-os parainvestimentos na capacidade de produção, aumento de salários e fundode reserva para a redução esperada de receitas em função do corte nospreços dos carros.

A Suprema Corte de Míchigan foi favorável aos Dodges, justifi-cando que a corporaçâo existe para o benefício de seus acionistas e que.--~•..•..•...•,-~I HOOD. John. Do corporations have social responsibilities? The Freeman:

ideas on liberty. New 'rork, v. 48. n. \ \ . p. 680-f>84. Nov. \ 99B.

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46o contexto histórico na mudança do sentídoe a agenda em expansão:

mantendo-se a visão critica

diretores corporativos têm livre-arbítrio apenas quanto aos meios paraalcançar tal fim, não podendo usar OS lucros para outros objetivos. Afilantropia corporativa e o investimento na' imagem da corporação paraatrair consumidores poderiam' ser realizados na medida em que favo-recessem os lucros dos acionistas;

Após os efeitos da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mun-dial, a noção de que a corporação deve responder apenas a seus acio-nistas sofreu muitos ataques, principalmente pelo trabalho de Berle eMeans'. Segundo eles, os acionistas eram passivos proprietários queabdicavam de controle e responsabilidade em favor da diretoria dacorporação, Em um contexto de expansão do tamanho das corporaçõese de seu poder sobre a sociedade, diversas decisões nas Cortes norte-americanas foram favoráveis às ações filantrópicas das corporações.

Em outro litígio julgado nos Estados Unidos, em 1953, o caso A.P. Smith Manufacturing Company versus Barlow, retomou-se o debatepúblico sobre a responsabilidade social corporativa'. Nesse caso, a in-terpretação da Suprema Corte de Nova Jersey quanto à inserção dacorporação na sociedade e suas respectivas responsabilidades foi favo-rável à doação de recursos para a Universidade de Princeton, contraria-mente aos interesses de um grupo de acionistas. A Justiça determinou,então, que uma corporação pode buscar o desenvolvimento social,estabelecendo em lei a filantropia corporativa. .

A partir de então, defensores da ética e da responsabilidade socialcorporativa passaram a argumentar que, se a filantropia era uma açãolegítima da corporação, então outras ações que priorizam objetivos.sociais em relação aos retornos financeiros dos acionistas seriam deigual legitimidade, como o abandono de linhas de produto lucrativas,porém nocivas ao ambiente natural e social. Começou-se a discutir, nomeio empresarial e acadêmico, a importância da responsabilidade solcial corporativa pela ação de seus dirigentes e administradores, inicial-mente nos Estados Unidos e, posteriormente, no final da década de1960, na Europa, por autores como Bowen, Mason, Charnberlain,Andrews e Galbraith....."".", ..;.}-., ..." ..._ ...•.•.. _ ..•.1 BERLE, Adolf A; MEANS, Gardiner C. Modern corporation and private

property. Somerset: Transaction, 1991.I CAMPBELL, Leland; GULAS, CharlesS.; GRUCA, Thornas S. Corporate giving.

behavior and declslorr-rnaker scclal consclousness. Journal of Busine55Ethic5, Dordrecht, v. 19. n. 4. p. 375-383. May 1999.

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A mudança histórica do conceito de responsabilidade social ~mpresaríal.-'=------:!..!.

Evolução recente do conceito deresponsabilidade social .corporativaRecuperando as últimas décadas de estudos sobre ética e responsa-

bilidade social corporativa, observamos que, partindo de uma visão eco-nômica clássica - tão amplamente divulgada por Milton Friedman _de que 'a empresa socialmente responsável é aquela que responde àsexpectativas de seus acionistas, chegamos à conclusão de que a empresasocialmente responsável é aquela que está atenta para lidar com asexpectativas de seus stakeholders atuais e futuros, na visão mais radicalde sociedade sustentável.

A ordem de mudança organízacíonal, em um continuum que se ini-cia com mudanças conservadoras e finaliza com mudanças radicais, estádiretamente relacionada ao grau de amplitude de inclusão e de consideraçãopela empresa quanto a suas relações com seus públicos. Nesse sentido,podemos ilustrar tal tendência histórica com o Quadro 3.1, a partir daperspectiva da seguinte questão: para quem a empresa deve ser responsável?

Quadro 3,1 Tendências históricas de ética e responsabiiidadesocial corporatíva

.' Empresà responsável para quem?

.. ., ACi6ril$;~': t.:' :/,:~:),;;;:~~~~,ViSãOclássica

. - Comunidade. - Empregados

F/);:.:::"AV;):,;W:~:id' - Natureza

- Governoj;;i;}{;i::irI1 ...:..·Red·e..de· fornecedores .

·-'Cônsunil~ores;comprádores·TO.90S.o~ atuais ..~futuros stakeholders _soiii~~~p$,su;tér)tâvel .

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4948o contexto histórico na mudança do sentido e a agenda em expansão:

mantendo-se a visão critica

Nos últimos 30 anos; o tema responsabilidade social corporativavem sendo atacado e apoiado por vãríós autores. Quem é contrário a elese baseia nos conceitos de direitos da propriedade (de Friedman) e nafunção institucional (de Leavitt)". Friedman argumenta que a direçãocorporatíva, como agente dos acionistas, não tem o direito de fazer nadaque não atenda ao objetivo de maximização dos lucros, mantidos os li-mites da lei, Agir diferente é uma violação das obrigações rnorais.Iegaise instítucionais da direção da corporação, O ponto central do argumentoda função institucional está em que outras instituições, como governo,igrejas, sindicatos e organizações sem fins lucrativos, existem para atuarsobre as funções necessárias ao cumprimento da responsabilidade socialcorporativa, Gerentes de grandes corporações nãotêm competência téc-nica, tempo ou mandato para tais 'atividades, que constituem uma tarifasobre o lucro dos acionistas,

Os argumentos a favor partem, principalmente, da área acadêmicaconhecida como Negócios e sociedades, destacando-se, mais recente-'mente, os trabalhos de Carroll, Donaldson e Dunfee, Frederick e Wood.

De acordo com a abordagem critica, o conceito e o discurso deética e responsabilidade social corporativa carecem de coerência teóri-cá, validade empíríca e viabilidade. normativa, mas oferecem implica.ções para o poder e o conhecimento dos agentes sociais", Os argumentosa favor seriam enquadrados em duas linhas básicas: ética e instrumental.Os argumentos éticos derivam dos princípios religiosos e das normassociais prevalecentes, considerando que as empresas e as pessoas quenelas trabalham deveriam se comportar de maneira socialmente respon-sável por ser a ação. moralmente correta, mesmo que envolva despesasimprodutivas para a companhia.

Os argumentos na linha instrumental consideram que há uma rela-ção positiva entre o comportamento socialmente responsável e o desem-

• .jONES, Marc T.Missing the forest for the trees: a critique ofthe socialresponsibility concept and díscoursé. Business and Society, Thousand Oaks,v. 35, n. I, p. 7-41, Mar. 1996.

s Aqui, trata-se da literatura classificável.como pertencente aos conhecimentos .de Business iJnd sacietr. Há, inclusive, um journal, o Business ond Society Review I(Chicago), e uma associação acadêmica intemacional, a Internationol Assodotionfor Business and Saciety, dedicados exdusivamente a essa área acadêmica.

')ONES, 199~.

A mudança histórica do conceito de responsabilidade social empresarial

penho econômico da empresa. Justifica-se essa relação por uma açãoproativa da organização, que busca oportunidades geradas por uma:

• consciência maior sobre as questões culturais, ambientais ede gênero;

• antecipação, evitando regulações restritivas à ação empre-sarial pelo governo;

• diferenciação de seus produtos diante de seus competido-res menos responsáveis socialmente.

O conceito de ética e responsabilidade social corporativa vem amadu-recendo quanto à capacidade de sua operacíonalízação e rnensuração, sub-dividindo-se em vertentes de conhecimento. Entre essas vertentes estão:responsabilidade~ responsividade, retitude e desempenho social corporativo,desempenho SOCIaldos stakeholders, auditoria e inovação social.

O conceito de responsabilidade social corporatíva, Com forte cono-tação normativa e cercado de debates filosóficos sobre o dever das cor.porações de promover o desenvolvimento social, passou a ser acompanha-do, na década de 1970, do termo responsívídade social corporativa. Apartir desse novo conceito, já havia a necessidade de construir ferramen-tas teóricas que pudessem ser testadas e aplicadas no meio empresarial,As perguntas passaram a ser sobre como e em quemedida a corporaçãopode responder a suas obrigações sociais, já consideradas um dever dela 7.

Em 1991, Wood desenvolvia seu modelo de' desempenho socialco~~rativo, dividindo a organização com base.em princípios de respon.sabilidade social, processos de responsividade (resposta) social e resul-tados/ações de responsabilidade social", conforme se mostrará no Ca-

7 FREDERICK, William C. From CSR I to CSR2. Business and Society .ThousandOaks, v. 33, n. 2, p. 150-164,Aug. 1994. '

• Wocx1 realizou um relevante esforço de consolidação. dos trabalhos teóricossobre o conceito de responsabilidade social corporativa até aquela data,destacando os trabalhos de Carroll (CARROl, Archie B. A three-dimensionalcon~eptual model of corporate perforrnance. Academy of ManagementRevJew, Biarcli{{Manor, v.4, p. 497-505, 1979) e Wartick e Cochran(WARTICK, S. L.; COCHRAN, P. L. The evolution of the corporare SOcialperformance rnodel. Academy of Management Review. Biarcliff Manor,v. 4, p. 758-769, 1985).

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o contexto histórico na mudança do senuooe a agenda em expansão'mantendo-se a visão critica .

pítulo 5. O Quadro 3.2 traz uma terminologia recente bastante utilizadana área.

Quadro 3.2 Terminologia

;;t:\1 :~( ;,-~:nr~t~L:~.;.~~;C",',~:·.,\:/b::·:ÇQNC<~I!~:··)2N:~:;,;:,:.. '.. '\·;f·::c~~%;)::H.:':'.

.RSC:'4

RSC3

RSC4

..' Respónsapilidade sociatcorporanva. ',' '.

Respcnslvidade social corporativa

Retitude social corporativa

Cosrnosvclêncía e religião

A responsabilidade social corporativa (RSCI)e responsívidade so-cial corporativa (RSC2) passaram, nadé~ada de. J ~90,_aincorpor~ ~adavez mais o aspecto. normativo, com maior participação de aca~enucosda área de ética. dos negócios. Os conceitos de RSCl e RSC2 Já eramab rdados no modelo de Wood. A retitude social corporatíva (RSC3)inclui a necessidade de uma ética normativa para que a responsabilidadesocial corporativa vigore na prática ..

Alternativamente, o termo- RSC4 é uma tentativa de sair da c~se doconceito de desempenho social corporativo, uma vez que necessita dodeslocamento da visão da corporacão como centro de tudo para umavisão transdísciplinar da ciência e da incorporação dapredisposição hu-mana para a religião, já comprovada por geneticístas, O RS~4 respon-deria a um novo paradígma, necessário para resolver as ~u~st~es ~e CO~I-

tlito entre os negócios e a sociedade em todos os níveis lflst~tuc!Omus,descartando os modelos. de responsabilidade social corporanva que sedizem moralmente neutros e queenfatizam apenas as medições. de de-sempenho social da empresa,

Todos os modelos de responsabilidade, responsividade e retitudesocial corporativa incorporam idéias morais e éticas, mesm~ quando nãoas expressam conscientemente, constituindo-se a referên~la normauvade tais modelos. Dessa forma, não há razão p~a excluir a ~u~a deteorização sobre estágios mais desejados de referência normatíva .

;"M/"TNic;'B~-;;;'M. Systematics and CSR:.the theory and processes ofnorrnatlve referencing. Business andSoC:lety, Thousand Oaks,v. 34, n. 2,p. 5-33, Apr. 19:95.p. 30 .

••••••• ~._--_ •• _---_._.---_._--_ • ...-..-_._.-.,--._-_.- ••••••• ~_ •• _ •• -- ••• _. ••• 0,0

A mudança histórica do conceito sJe responsabilidaO& social empresarial

Em direção a amplas abordagens normativas e sistêmicasA corporação tem sido historicamente vista como centro de

referência para a reflexão sobre ética e responsabilidade social nosnegócios. Nesse eixo de referência, a responsabilidade social corporazívstende a ser considerada uma atividade destacada da 16gica econômico-financeira da·empresa, encaíxando-se na categoria de pós-lucro. Há umfoco na necessidade da corporação de realizar lucros para sobreviver,em que a responsabilidade social corporativa toma-se, assim, uma açãoinstrumental.

Em vez de limitar a análise às normas e aos valores de dadasociedade ou período, as linhas gerais norrnatívas para os negóciosdeveriam refletir as conquistas do conhecimento e da experiência dohomem: os neg6cios devem acontecer e ser entendidos dentro de umtodo. O universo não gira em torno da empresa, nem ela merece statuscentral ou especial",

Essa categoria de responsabilidade social corporatíva normativa dotipo pré-lucro faz COmque as corporações sejam obrigadas a cumprirsuas responsabilidades sociais e morais antes de maximizar seus lucros,sendo um meio eficiente e efetivo de controle social e uma base para aconfiança. nas relações humanas e organizacionais.

A transposição da discussão da responsabilidade social para além'da corporação compreende adotar uma perspectiva orientada para asustentabilidade do próprio conceito. Uma vez que expõe a necessidadede uma efetiva redede neg6cios que incorpore o conceito da responsabi-lidade social em todas as transações dos slakeholders associados a essarede de negócios. '!'lesse sentido, surge o conceito de desempenho socialdos stakeholde-s, necessário para a emergente visão sistêmica de redesdeSlak.eholéiers.Surge também o conceito de sistema empreendedor justo,noquaJ os benefícios e as responsabilidades são distribuídos com justiçaentre os stakeholders",

O Quadro 3.3 apresenta as principais diferenças entre os tipos deabordagem comumente utilizadas.'-.-"'" '.'- ." , .

10 FREDERICK.'William C. Movlng to CSR4; what to pack for the trip. Buslnessand Society, Thousand Oaks, v. 37, n. I, p. 40-59, Mar. 1998, p. 4.

" KANG, Young-Chu/. Before-profít CSR, stakeflolder capitalism and iustenterpr1se system. Thesis (PhD) - Unrversjty of Pittsburgh, /995.

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52o contexto histórico na mudança do sentido e a agenda em expansão:

mantendo-se a visão crítica

Quadro 3.3 Tipos de abordagem para análise daresponsabilidade social corporatlva

.. Rê:IiPiífi~ilid;;ule~Õ€jál:~rporatiVa::Ye~~r~5 paraitnálise c~ncei~~rdá ..: '.·'~.1~J~~~~~tru.. •.....~ lrí~i;>!;p'~r~?:o darespoíisabilidade em quemomento! •. '.':.·",~~:~~~:!t~:~~:~:~~~~'.: . . .'..••...•.•'. '::':::,·êt~a(;p'~Jiti~a,de resPQh~abiijdade soéial.corpQrativa diante dos públicos .:

(st~k~lú)l<!~rs)da empr~sa?' . . ,. ." .:.~À.~iO'di~ e inv~dor~; àgen~es financ:;eiros;pessoas fisícase luridicas ~nti"a~ci~:.' P.ãf.itrábalharpela 'ern~sa;tonc;orrertes; parceiros priVados.~tatais e nao1góx~::"

. .·n~mEihi;jjs;c:àd~ia de c:iompradorCs;cionSuiliido.res (diretos e indireios);càd~i~ d~;i''.. fdi(ri~~~ores (dlret~ eihqi~s): ambie;',te.IÓCai.r~onal EÍrnundiai; IIcóm\!bidàd~.:::i*~i;i~~~~ofeder;lI;~~d(Jàf e inunid~;ií;g~rações fun,;ras:descakehqrde;~;.,: .' ..

Nessa linha de pensamento, percebe-se uma descentralização do'debate quanto à responsabilidade social nos negócios. voltando-se parauma visão das redes de relacionamento entre stakeholders. Sendo as-sim. as relações de troca passam a se tomar o foco de reflexão. nãoapenas nos aspectos econômicos. mas incluindo também relações deconfiança. idéias e normas éticas ..

Muitas empresas, acadêmicos e a núdia vêm ressaltando exclusiva-mente. contudo, a abordagem instrumental da responsabilidade socialcorporativa como forma de melhorar a repuração da empresa. identificaroportunidades de testar novas tecnologias e-produtos e. assim. adquirirvantagens competitivas no mercado' globalizado. É o caso de Kanter,que transforma o conceito de responsabilidade socialcorporativa eminovação social corporariva, indicando empresas - comoBell Atlantic,ffiM. Marriott, United Airlines e BárikBoston - que se envolveram emquestões sociais de,forma estratégica a fim de inovar processos e produ- 'tos. organizacionaís".

.0 modelo de Logsdon e Yuthas integra os estágios de desenvolvi-mento moral da organização. desempenho social corporativo e orienta-

12 No Brasil. o exemplo da reportagem "Fazer o bem compensa?" (VASSALO.Cláudia: Fazer o bem compensa? Exame,'ano 32, n. I. p. 64·79, 22 maioI 998) mostra como a racionalidade instrumental para a responsabilidadesocíal corporativa vem sendo propagandeada para o público. leitor.

53

/) Para saber mais sobre os estudos de ética nos negócios·veja. principalmente. ostrabalhos de Kohlberg (KOHLBERG. L. Moral stages and moralization.ln: LlKONA,T (Ed.). Mora! development and behavior, New York: Holr, Rinehart

A mudança histórica do conceito da responsabilidade social empresarial

ção da organização para os públicos com os quais atua. O estágio dedesenvolvimento moral das organizações, conforme mostra o Quadro3.4. estaria relacionado ao estágio de desenvolvimento moral e caracte-rísticas pessoais de seus dirigentes, além das forças ambientais de ex-pectativas sociais, normas da indústria e comunidade local de negócios.leis e regulamentações 13•

Quadro 3.4 Forças influenciando o desenvolvímento moralorganizacional

DESENVOLVIMENTO MORAL ORGANIZACIONAL

::1 F··t ~..o.": ""d' ','''''~d'''":~\:·~;~!'r~;';~1:;·.;1~:;~ ~ ". , "'- '..'." '.,~':':'''''~·Y\i(:~·;(~~;f;\S:;:~1;F.t,,'··,i.:,', • aDoesresenvlonl·v,~mvle·"n:ij;o.:.I.,'m'·::o;~ra(~·I::.·::':.'.'.:~/Fatores ambienta:ls:}'\:"':\.':;'i1,?~

• !. Expectativas dâ';~~i~d~~~:;t.'ti individual" ;i • Normas locais e dá:'I~dÚst:iia;: • Caracterfsttcas Individuais :';• Regulamentos e leis

""·>"=~"'"l~~~i::~e~;~'~=-~ desenvolvimento moral da'\. .-II orgaruzaçao~~ -,".""'.".""'.".'.' ••<•• "-" .•" •• ' ..••""' ...•• -r-

~~r;:=:;;~~n~~~~~i:5T;?}?;:JI) • Distribuição de reCur~os epode'r'f; • SOcialização . :~ • Sistemas de recompensa .\ '-"'· .."·L'" .". '.' ':::e::" .... ,.". "

~ De5e'nvolvi'nl~~:~',;;';;;ofj mora! organizadqhàl:<': • Pré·convencio·nal .~ • Convencional~ • Pós-convencional': ~ IjA.\'];il·J:.t:.·':':,~':,':"\.So~':"1:'. -:,::.,~'••s:,.J:: ..:;i;':•.•..\~;~

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i~~~;~Ad:~~~i~·~;;d::;d::lI;~e~;~d:·~~·~i~'~;L~;d·~~~~~(i.Õ~SDON, J;'::'M.; YUTHAS. Krlst]. Corporate social performance. stakeholder orientation andorganizational moral development. 'ournal of Business Ethlcs, Dordrecht v. 16n. 12·13', p: 1213-1226, Sep. 1997).· .'"....'...~•..,.-,--,....._--

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5.4o contexto histórico na mudança do sentido e .a agenda em expansão:

mantendo-se a visão critica

o modelo de Logsdon e Yuthas enfatiza o papel da direção dasorganizações na criação de processos.que propiciem a prática de desem-penho social corporativo, como a formulação de estratégias, a distribui.ção de recursos e poder, a socialização dos empregados e os sistemas derecompensa.

Conforme mostra o Quadro 3.5, há três tipos principais de aborda-gem que podem ser utilizadas ao se lidar com a responsabilidade socialcorporatíva: a pré-convencional, a convencional e a pós-convencional.

Quadro 3.5 Desenvolvimento moral das organizações eorientação para os stakeholders

"".:.""'J';1?~'ii~.?:~~iÁ~;·~.:';::;;.:.~::~~:: !L;~,;J~~f~~!~~~~{'Pr~c~~~é~ci6rial'·:·E~grandecirrien~ . 0p.arraiens\I..·.·~p·:~.·r.ã.,.·o>.o.•p:ar.••IPo•.·.•~...·.~as.:./·.·..C

p'rãazic~e•..lro.I·.dqo..lJ

ra...·.hto ~ '.

.., .. ":::>tb de si próprio

' .• c. sem consideraros outros.

Convencional Obrigações ne-gativas para comos outros.

.Conceito estritode mercado. comoa lei exige.

Expectativas dos

parceiros de ". Ilho e controle so-cial.

Princípios éticosuniversais.

Obrigações posi- Relações com umativas, larga faixa de

stakeho/ders.

Pós-convencional

.1I & Winston. 1976. p. 5 I-53. I<OHLBERG, L. Stage and sequence: the cognltive-

developmentil approach to socialiZlltion. In: GOSUN. D. A (Org.) Handbook of5ocialization: theory and research. Chicago: Rond MOla/ly. 1969. KOHLBERG. LThe phifosophy af moraí development. 5an Francisco: Harper and Row. 1981.(Essays on Moral Development. 1).), desde a década de 1960, e os trabalhos maisrecentes de Reidenbach P. Robin (REIDENBACH. R. E.; ROBIN, D. P. A conceptuaJmode! of corporate moral development. Jornal of Business Ethics, Dordrecht, v.10. p. 273-284, 199'1), Sridar P. Cambrun ($RlDAR, B. 5.; CAMBRUN. A Stages ofmoraldevelopment of corporatlons. Joumal of Bus,iness Ethlcs, Dordrecht, v. 12, p.727-739. 1993) e Trevino (TREVINO, Unda Klebe. EthicaJ decision making inorgan~ions: a person-situatfon interactionist model. Academy of ManagementReview. Biarcliff Manor. v. 11, n. 3. p. 601-61.7. July 1986. "ffiEVINO. Unda KJebe.Moral reasoning and busíness' ethics: irnplications for research, educatíon andman;igement. Joumal of Busines5.Ethics. Dordrecht. v. 11. n. 5-6. p. 445-459.May 1992). . ,

" ENDERLE, Céorges; TAVIS. Lee A. A balanced concept of the flrrn and themeasurement of Its long-term planning and periormance. Journal ofBusiness Ethics. Dordrecht. v, 17. n. 11. p. 1129-1144, Aug. 1998.

A mudança histórica do conceito de responsabilidade social empresarial ss

A ênfase da abordagem pré-convencional da ética e responsabili-dade social se dá apenas no próprio indivíduo - os outros são apenasmeios para o benefício e o prazer dele próprio, que se auto-engrandece.

Na abordagem convencional, o foco são as obrigações negativaspara com. os outros, mas sempre dentro de limites externos à organiza-ção. Assim, as relações com os stakeholders, como proprietãrios, inves-tidores e agentes financeiros. clientes e empregados. também respeitamestritamente o que a lei exige. Como o tornador de decisão leva em contaas expectaúvas de seus parceiros de trabalho, ele acaba enfrentando tam-bém um controle social.

A ênfase, na abordagem pós-convencional, recai nas obrigaçõespositivas, intemalizando-se o respeito pelos outros e o dever de promo-ver o bem-estar. As relações envolvem uma faixa bem 'maior destakeholders, incluindo, além das relações estritas de mercado (da abor-dagem convencional), as externas ao ambiente de mercado. como vizi-nhança. comunidades, grupos ambientalistas e agências governamen-tais. Em vez de um controle social que varia de ambiente para ambiente,os princípios éticos utilizados no processo decisõrio são universais.

Entende-se que o conceito de responsabilidade social corporativarequer, como premissa para sua aplicabilidade não red~zida àracionalidade instrumental: um novo conceito de empresa e, assim. umnovo modelo mental das relações sociais, econômicas e políticas.

Enderle e Tavis'", refletindo sobre esse novo conceito de empresa,desenvolveram um modelo em que as responsabilidades corpora-tivas nas dimensões econômicas, sociais e ambientais devem ser consi-deradas em três níveis de desafios éticos a que ascorporações sepropõem:

j • nível I: requisitos éticos mínimos;

• nível 2: obrigações consideradas além do nfvel ético mínimo;i • nível 3: aspirações para ideais éticos.

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56o contexto ntstoríco na mudança do sentido e a agenda em expansão:

mantendo-se a visão crrtlca

Cada corporação pode ser analisada em sua conduta quanto ao es-tágio em que se encontra, segundo esses três níveis, em cada uma dasdimensões das responsabilidades corporativas - social, econômica eambiental.

É importante expor claramente a interpretação que se tem sobre oconceito de empresa, para que se possa compreender a racionalidadesubjacente às medidas de seu desempenho: A visão de uma empresasobre suas responsabilidades está relacionada a como ela mede o de-sempenho dos recursos comprometidos para o atendimento dessas res-ponsabilidades. Sendo assim, avaliar o desempenho de uma empresaquanto a suas responsabilidades corporativas requer um conceito deempresa que equilibre responsabilidades econômicas, sociais eambíentais. o que resulta em uma relação circular entre elas.

Nenhuma dessas dimensões de responsabilidade pode serpuramenteinstrumentalizada em favor das demais, e cada uma delas deve atender arequisitos éticos mínimos. Esse conceito de empresa requer também umconceito de riqueza que capture as três dimensões de responsabilidadecomo ativos para a empresa, visando a sua sustentação, a longo prazo,em um contexto de incertezas e mudanças aceleradas.

Da gestão antropocêntrica à gestão ecocêntricaSeguindo essa discussão, o conceito de responsabilidaõe social

corporativa não pode ser reduzido a uma dimensão social da empresa,mas .ínterpretado por meio de uma visão integrada de dimensõeseconômicas, ambíentais e sociais que, reciprocamente, se relacioname se definem. A corporação, vista apenas como uma coleção de ativose passivos mensurãveis financeiramente e de propriedade de seus acio-nistas ou proprietários, aponta para uma responsabilidade muito maisnítida destes sobre as chamadas "deseconornias" externas - que seriamconsideradas internas em uma corporação sensível às relações comseus stakehoiders.

Assim, os objetivos empresariais transcenderiam os aspectos rnen-surãveis de emprego de fatores de produção, passando 'p!U"aurnaformade organização que conciliasse os interesses do indivíduo, da.socie-dade e da natureza, transitando do paradigrna antropocêntrico, no quala empresa éo centro de tudo, para o ecocêntríco, no-qual o meio ambien-

57A mudança hist6rica do. conceito de responsabilidade social empresarial

te é o mai-simportante, e a empresa. assim como outros agentes, inse-re-senele".

A abordagem tradicional de gestão,que busca a maximização racio-nal da riqueza. dos acionistas ou proprietários da empresa, tem comoprincipaispremissas a rnercantilizaçãodas relações sociaise do consumís.mo,acompetição como conduta primária para as relaçõesde produção econsumo e a relação de apropriação da natureza pelo ser humanoe antropocentrismo.

Por sua vez, a abordagem ecocêntricarequer umnovomodelo mentalparao conceito de empresa, descentralizando-a no escopo de discussão,quantoàs relações de produção e consumo nas coletividades humanas, elevandoem conta as relações recíprocas entre ser humano e natureza,semlimites temporais e espaciais". Suas principais premissas são:

r';'-;'i~~~-;d~pendência e o desempenho ecológicodas comunida-I des organizacionais, entendidas como ecossistemas industriais;i • a gestão ecocêntrica da organização pela administração dos!I elementos organizacionais que tenham impacto sobre a na-I tureza, rejeitando a dominação do homem sobre ela;

.! • missÕes organizacionais orientadas para questões arnolen-i tais, globais e de longo prazo, efetivamente buscando a atl-I va harmonia com o ambiente natural;i • a rnlntmlzaçâo do uso de recursos virgens (não reciclados)! e de formas não renováveis de energia;i! • nos processos de produção, a prevenção do uso ineficienteI de recursos materiais e de riscos ambientais, riscosI ocupac/onais, psíquicos e de saúde pública;! • a minimização dos custos tangíveis e intangíveisdo ciclo dei vida dos produtos e serviços da organização; eíi • o pensamento slstêrntco sobre as relações recíprocas entre! as decisões e ações dentro da redede relacioname~t~: dei produção e consumo da organização: .. ',::.' .

':." I..-.------..." SHRIVASTAVA, Paul. Ecocentric management for a risk sociecy. Academy o(

Management Review, Biarcliff Manor, v. 20, n. I. p. 118-137, Jan. 1995." FREDERICK, 1998; SHRIYASTAVA, 1995.

Page 8: Responsabilidade Social Capitulo 3

58o contexto histórico na mudança do sentido e a agenda em expansão:

manteodo-se a visão crItica

o Quadro 3.6 traz outras características importantes dessas duasabordagens.

Quadro 3.6 Gestão tradicional versus gestão ecocêntrica

~~~rl.~~;:?;::arZ;}~3~)'~J;::::::l~". .'AritropOtêiítríco . . BiclCên'trico'ou ecccêntrico.

'~.'~.épO,r:.n.'o·.·h.n"e.rco··.i.·~p.:·.;.·~ae.·.'rJa',.·~.·.·ou··sro···~.:.i.on.al.e:.' Intuiç~o e compreensão,, Valore'sfernlnillos pós-parriar-

.;....... yaiôres:p~triarcais. cais,: .: .pes~lJl1a.dÓPiÍra função,. estilo . Desenhadopara o ambiente.

Pf9:q.~~~~'. ···i!p,reç.9'··." . ..... Embalagens não agressivas ao•... > •• :, p~per~;j(cioem embalagens. ambien;ce: .' .,-'------'---:-1

. , .. ,'. . .': lf.iten~iW em energia e r'ecur.~ Baíxousc de energia e recur- .Slstema' de. ". .... .. ' ....;,':. sos: ..r, 50S.

p'rci~Ç~Ô:·. EfiÇ;'ência'.1;écnica.. . Eficiência ambiental.

.,' ... Ésti':üt~i-a hierárqulca, . Estrutura não hierárquica.. ProceSS9' decis6rlo autorttárío. Processo dectsório participativo.

Orgariiz~çã.o Autoridade centralizada. Autoridade descentralizada.. Alto;'cÜferenciais de renda. Baixos diferenciais de renda,

Dornlnação sobre a natureza. Harmonia com a natureza.Ambiente gerenciado como Recursos 'entendidos como es-

Ambiente. recurso. tritamente finitos.Poluição e refugo/lixo são Eliminação/gestão de poluição eexternaüdades, refugo/lixo:Marketing age para o aumento: Marketing age para a educaçãodo consumo. do ato de consumo.Finanças atuam para a rnaxirni- Finanças atuam para o crescímen-zação de lucros no curto prazo. to sustentável de longo prazo.Contabilidade dedica-se a Contabilidade focaliza os custoscustos convencionais. ambientais.Gestão de recursos humanos Gestão de recursos humanostrabalha para o aumento da dedica-se a tomar o trabalhoprodutividade do trabalho. significativo e o ambiente seguro

e saudável para o trabalho.

II

·1

Funções denegócios

••"".~_.--_ •••.__ ' ••••_tor.~T'_'~.••.•.•••...~'".-._.•_..."._._.,~~ ••••..••_"":'•..•..~'"•..;,••,••..•J~ ••••- •••.,.."'!I,.,··_·.'.'''·'r.'',,,.'~· .y,••.•.•-.•..•,•..••..•..••.?

Fonte: SHRIVASTAVA, Paul. Ecocentric managernent for a risk society. Academy ofManagement Rev,iew, BlarcliffManor, v. 20, n. I, p. I 18-137, [an. 1995.p. 13I.

A mudança histórica do conceito de responsabilidaOe s<;x;jalempresarial

Da produção ao consumo responsávelRefletindo sobre as premissas das abordagens tradicional e

•ecocêntrica de gestão com relação à ética e responsabilidade socialcorporativa, nota-se um aspecto praticamente ignorado" pelos pesqui-sadores. O consumo responsável trata da responsabilidade do ato de con-surno e, por conseguinte, das pessoas na condição de consumidores. Aeducação do consumidor para o consumo responsável deve considerardimensões ambientais, econômicas e sociais .

Para tal transformação, há uma questão permanente que o consu-midor deve se fazer: por que comprar? Uma pergunta curta e que requeruma reorientação na consciência dos indivíduos: um novo eixo de ima-gem de si e do outro; do tempo passado, presente e futuro; do próximo edo distante; de causas e efeitos; de autonomia e de interdependêncía; devítima e de réu; do normal e do absurdo; de saúde e de doença; de saudá-veis e de doentes; enfim, toda uma transformação no conjunto de pre-missas para a existência humana.

Nessa área há, pelos menos, quatro conceitos fundamentais e bas-tante relacionados entre si: consumismo, consumerismo verde, consume-risrno ético e anticonsumerismo" .

. Consumismo e consumerismo, O consumismo é um fenômeno ca-racterístico da sociedade contemporânea ocidental, fortementeinfluenciada pela sociedade norte-americana, e tem a sua origemno crescimento das indústrias, que foram desenvolvendo a capa-cidade de produzir e fornecer uma abundante e variada gama debens e serviços. Desse modo, podemos definir o consumismocomo a aquisição desmedida de produtos. A expansão doconsumisrno conta com o auxflio dedois aliados preciosos: o sis-tema financeiro, que concede facilidades de crédito, e a publici-dade, que incentiva o consumidor a adquirir um número cada vezmaior e renovado de produtos.

Para resistir a todas essas facilidades e à publicidade cada vezmais agressiva, uma série de movimentos e associações surgi-

.",.,., \:...-.>,.,.... ••.•. ,., .. ~. ',.'

" Zadek foi um dos poucos a dedicar-se ao tema.18 CHAYLEY. Collis et aI. Never e/!Ough? anticonsumerism campalgn; a

critical look at ccnsumerisrn, poven.y and lhe planar. Manchester: Enough,[200-]. Disponívej em: <http:((www.enough.org.uk>.

Page 9: Responsabilidade Social Capitulo 3

o contexto histórico na mudança do sentido e a açenda em expansão:mantendo-se a visão critica60

dos, nas últimas décadas tem levado os poderes públicos a tomarconsciência dos problemas dosconsumidores, São exemplos dis-so, no Brasil, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor(Idec) e as Procurarias de Defesa do Consumidor (Procons).Emerge, assim, o consumerisrno, uma perspectiva que visa tor-nar os consumidores menos dependentes do consumo é maisracionais nas suas escolhas, destacando-se os direitos do consu-midor, que passam a estar consagrados em leis específicas so-bre o consumo.

O consumismo pode ser visto como um credo econômico e socialque encoraja as pessoas a aspirar ao consumo, independentemente dasconseqüências. Propositores da cultura do consurnismo oferecem o cres-cimento econômico e a globalizaçãodos mercados como a solução paraa pobreza mundial, considerando que, assim, cria-se renda para que seatinja um padrão de vida que permita aos excluídos - em grande partedistribuídos pelos países mais pobres e menos desenvolvidos - aderir

, .ao consurnismo.

Id!4..iil.li1m!1!;lHflDro~Cofurelação à cultura do consumismo, o maior destaque são

os Est~doSUnidos, que, com 6% da população, mundial, conso-mem':30o/~' de todos os recursos produzidos no mundo. Da mesmafoim~,20% da população mundial consome mais de 70% de to-dos os recursos materiais e apropria-se de mais.de 80% da renda.total. '

O consumerismo verde é urna tentativa de fazer os consumidorescomprarem bens ou serviços que nã~ agridam o meioarnbiente.

Já o consumerismo ético, um desenvolvimento do consumerisrnoverde, considera questões mais amplas do que apenas ser "amigo domeio ambiente": se o produtor ou acionista investem no comércio dearmas, se apóiam regimes políticos opressores, se exploram as relaçõesde trabalho, se possuem registros de corrupção, entre outros. Por meiode um monitoramento do comportamento dos negócios das empresas, oconsumerisrno ético objetiva o comércio ético dentro do atual sistemaeconômico.

A mudança histórica do conceito de re.sponsabilidade social empresarial

.......... _.,,, ";';'.

61

IDEC e INMETRO - Organizações brasileiras atuando DO

consumerismo. O aumento no custo dos produtos levou o consu- 'midor a analisar melhor o que está comprando. E não se trataapenas de produtos ()U serviços mais baratos: informações corre-tas quanto à quantidade e benefícios oferecidos passaram a serreferenciais na decisão de compra. Entretanto, para MarcosDiegues, advogado do Idec, a população ainda tem difículdadepara perceber algumas questões sutis, como problemas nas em-balagens e no peso dos produtos.

O Idec, que presta um serviço de orientação exclusivo para osassociados que enfrentam conflitos de consumo, recebeu em 2003mais de 14 mil consultas. Na área de serviços, as consultas sereferem principalmente a planos de saúde (24%), telefonia(19,5%), bancos (14%) e cartões de crédito (5%). Quanto aosprodutos, predominam as consultas sobre problemas com apare-lhos eletrônicos (27%), veículos (25,5%) e alimentos (6,5%). "Oconsumidor sente primeiro aquilo que pesa imediatamente no bol-so", afirma, Diegues.

Mas ele já nota uma mudança de comportamento: "Antes, as pes-soas buscavam soluções de problemas individualmente. Agora,percebemos que, apesar de serem movidas por interesses particu-lares, as reclamações têm um caráter coletivo".

Ao contrário do que se imagina, o recurso a institutos como o Ins-tituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Indus-trial (Inmetro) e o Idec não é privilégio das classes de renda maisalta. "Vemos urria inserção da classe C neste mercado consumidorque reclama e cria a demanda de novos produtos", diz Renata Aisen,consultora da Integration. Com o Plano Real, observaAisen, a classeC ganhou renda e capacidade de informação. Mas também é maisafetada pela atual retração econômica. "Por isso, esta classe nãopode errar na hora da compra e se toma mais crítica em relação àsempresas que prometem e não cumprem."

Ela explica que, de forma geral, as pessoas não reclamam: se umconsumidor liga para determinada empresa em busca do cumpri-mento deseus direitos, outros dez preferem o silêncio. Aisen des-taca, contudo, que "as promessas têm um preço muito alto: mes-mo as pessoas, que não ligam podem interromper a compra ou ouso de serviços. por descrédito",

Page 10: Responsabilidade Social Capitulo 3

"

,, .

62o contexto histórico na mudança do sernido e a agenda em expansão:

. mamendo-se a visão crítica'

Por último, o anticonsumerismo é um desafio maior ao conjunto depremissas sobre o que é necessário para a sociedade humana. Esse con,ceito parte da visão de que os países ricos, em sua busca de aquisiçãomaterial, estão fundamentalmente destruindo. o planeta e a eles mesmos.O anticonsumerismo levanta a questão de "por que comprar?", propon-do, em vez de apenas comprar produtos "verdes" ou eticamente produ-zidos, formas diferentes de viver, cornercializar e trabalhar, a fim de queo ser humano passe a ser menos dependente de comprar coisas para sesentir bem,

A cultura do consumismo, entretanto, é hegernônica em nosso coti·diano, configurando-se em uma mercantilização das. relações sociaispresentes e futuras dos seres humanos. Tal mercantilização das relaçõessociais está inserida em toda parte: na família e nas escolas, nos espaçosde lazer, nas empresas, nas políticas públicas, nos programas de auditó-rio, nas agências de viagem e nas funerárias, ou seja, por todos os ladosem que o cidadão interage e constrói seus espaços sociais.

":.OOl;@lU.i;:':I!1t*leJl'fir~ .

.'0 grupo Enough in the :U~,que visa mostr~o quanto-a-mercantilização.estâ; inserida em 'nossas relações.sccíais, ,aco~se~ .lh~a:s pessoas, ao comprarem alguma coisa, á co~eçar pelapre- '.miss~"de que eu preciso?" e não "o. que eu. quero?' ,-,A atitude do ."desejo" é constantemente iniciada pelo ato de "ólh'!i às vitrines",

. colocando o Indivíduo onde a propaganda quer. Segundo essaabor-dagem, os. shoppi~g cenrers. representariam nada menos que a.cornercialização da: interação social 19 •.

Essa visão insere o consumidor na lógica cultural pós-moderna docapitalismo tardio, também conhecido como multinacional ou de coa-sumo, O tipo mais puro e abrangente de capitalismo até hoje existente-um capitalismo que conseguiu eliminar os enclaves de organização pré-capitalista até então tolerados e explorados de modo tributário, além depenetrar e colonizar o inconsciente e a natureza20,

19 CHAYLEY, (200-].20 jAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo

tardio. SãO' Paulo: Ática, 1996, p ..61.: .

A mudança histórica do conceito de responsabilidade social empresarial 63

Os concei tos de experiência e vivência nos fazem compreender que,subjacente a esse contexto da cultura de consumismo, está, por um lado,um cotidiano de descarte da experiência pessoal e de sua coletividadepelo exercício da narrativa e sua memória e, de outro, a submissão do serhumano à permanente exposição a um bombardeio de excitações sobreseu sistema percepção-consciêncía". Tal exposição exige do indivíduoum estado permanente de consciência para protegê-lo do excesso deexcitações provenientes do mundo exterior; caso contrário, ficaria emestado de choque traumático.

Em uma cultura de consumismo, a pergunta "por que comprar?"requer profunda reflexão, pois demanda o acesso à memória das experiên-cias do indivíduo, de seu núcleo social e de seus desejos e necessidades,Já há vários indivíduos, grupos e organizações divulgando essa perspec-tiva de consumo ético, que visa à educação do consumidor quanto àsconseqüências e antecedentes de seu ato de consumo e, no limite, àsvezes, a de anticonsumerismo, como The Ethical Consurner ResearchAssociatíon, o grupo Enough in the UK, o Omslag, na Holanda, e aMedia Foundation, no Canadá,

Cartão de crédito, desemprego e consumo. Uma tentação irresistívelsé espalha pela Europa: o continente que viveu as grandes guerrase aprendeu a poupar está mudando. Muito comum nos EstadosUnidos, quase um vício para norte-americanos de todas as idades,a atração pelo prazer do consumo e pelo crédito a perder de vistaestá dobrando os hábitos tradicionais do Velho Mundo. Essa mu-dança de comportamento pode até estimular o crescimento da eco-nomia, mas fez crescer também as estatísticas de endiv:idamentoem alguns dos principais países da União Européia.

Na Inglaterra e no País de Gales, o número de inadimplentes éum dos mais altos nos últimos dez anos, Os britânicos nunca usa-

..."-"~-"~"-"."'-'-"""" De Walter Benjamin, ROAUNET, Sérgio Paulo, Édipo e o anjo: itinerários

freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.BENJAMIN, W. A obra de arte na era d3 sua reprodutibllídade técnica. In:_. So.~r~ ,arte, técnic:a, linguagem e política. Usboa: Relógio D'Água,1992a. BENJAMIN, W. Experiência e pobreza, In: . Sobre arte,técnica, linguagem e polftic:a. Lisboa: Relógio D'Água, 1992b. BENJAMIN, W.O narrador: reflexões sobre a obra de Nikolai lesskov. In: . Sobre arte,técnica, linguagem e política. Lisboa: Relógio D'Água, I992c.

Page 11: Responsabilidade Social Capitulo 3

64o contexto histórico na mudança do sentido e a agenda em expansão:

mantenoo-se a visão critica

ram tanto cartão de crédito e não apenas com as compras da casa.O número de jovens declarando falência para se livrar de dfvidascom os estudos triplicou no ano passado.As falências de pessoas também aumen taram na Alemanha, umaeconomia tradicionalmente de poucos gastos. O desemprego e amaior oferta das empresas de crédito são os principais responsá-veis pelo aumento das dívidas.Um relatório recente do Banco da Itália revelou que muitos italia-nos estão começando a usar o dinheiro de plástico como umafonte insustentável de renda, pedindo novos cartões para pagar asdívidas dos antigos. Nos últimos três anos, .onúmero de usuáriosde cartão de crédito no país cresceu 64%.

Fonte: Notícias Terra, 01 abril 2004.

Tendências e desafios para aresponsabilidade social nosnegócioso caminho para uma sociedade sustentável requer urna nova pers-

pectiva sobre os impactos das decisões e ações de todos os agentes so-ciais e, mais especificamente, .na·temática deste livro, dos stakeholdersassociados aos negócios de urna organização empresarial. Tal perspecti-va aponta alguns desafios. '

Primeiro desafio: avaliação de desempenho. A avaliação do de-sempenho balanceado das empresas pode ser adotada como refe-rência à orientação a partir do diálogo social com stakeholders,recomendado pelo padrão internacional proposto pelo AA 1000,do Institute of Ethical and Social Accountability, Essa avaliaçãopoderia atingir o chamado resultado final triplo, que, como vere-mos mais adiante, inclui a avaliação quanto aos aspectos ambien-tais (responsabilidade ambiental); econômicos (responsabilidadesocietâria, financeira, comercial e fiscal) e sociais (ação social daempresa e responsabilidade trabalhista/previdenciária).

Segundo desafio: transcender as fronteiras 'da empresa. É preci-sodescentralizar o debate sobre responsabilidade social, que hoje

A mudança histórica do conceito de responsabilidade social empresarial 65

tem a empresa como centro e origem de toda responsabilidade,passando-se a adotar novas premissas:

..._ _ , " -.-.Ii • buscar a responsabilidade social de todos os indivíduos,,! organizações e instituições. em suas decisões e ações na

sociedade - para isso o núcleo familiar e sua comunidadelocal precisam ter o seu tempo e seu espaço resgatadoscom políticas de proteção social e defesa de valoreshumanistas e solidários, a fim de poder melhor educar suasnovas gerações;

• considerar o poder de compra e consumo dos Indivíduos,das organizações privadas e públicas como fomentador deum mercado responsável, ou seja, criar uma nova lógica demercado que privilegie o fornecimento por empresas queconcebem seus produtos de forma socialmente responsá-vel- o que é distinto de empresas que reduzem o concei-to de responsabilidade social empresarial a apenas praticarbenevolência ou assistencialismo empresarial, dissociadosde mudanças na essência do negócio em que' opera;

• formação profissional de nível técnico e superior para umasociedade sustentável, proporcionando a consciência de vi-vermos em ulT'!a rede de complexidade com múltiplos esimultâneos fatores antecedentes e resultantes.

Terceiro desafio: transparência organizacional. As empresas,tanto permeáveis (diálogo) corno responsivas (satisfação de expectati-vas), deverão, a partir de normas, princípios e valores assumidos e prati-cados no cotidiano do trato com seus stakeholders:

• construir relações de confiança;

• reger suas relações por normas de conduta;

• incentivar e adotar parcerias que agreguem valormutuamente;

• tomar 'decisões empresariais considerando aspectos eco~nômicos, ambientais e sociais.