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A Grande Transformação
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POLANYI – A GRANDE TRANSFORMA ÇÃO
Analisa o impacto causado pelo surgimento de uma economia de mercado para a
qualidade da vida social na Europa. Baseando-se em argumentos históricos, antropológicos e
econômicos, trabalha com a evolução dos sistemas econômicos até o nascimento da indústria,
no século XVIII, a qual seria a grande responsável por uma degradação da vida das pessoas
comuns. Uma conclusão a qual o autor chega por meio do estudo dos sistemas econômicos até
o surgimento do mercado auto-regulável em meados do próprio século XVIII e sua
decadência nas décadas de 1920 e 30. Nesse sentido, seu enfoque é na conjuntura do século
XIX, oferecendo uma importante crítica do pensamento liberal.
Analise da formação da economia capitalista e expansão dos sistemas de mercado a
todos os âmbitos da vida humana (1)
Os cem anos de paz (1815-1914), suas 4 instituições chaves (2)
As décadas de 1920 e 1930 e o fim dos “cem anos de paz” (3)
1. FORMAÇÂO DA ECONOMIA CAPITALISTA
O autor parte da perspectiva da revolução industrial como catástrofe que ameaçou a vida e
o bem estar social na Inglaterra. Foi justamente o progresso na sua escala mais grandiosa o
responsável por uma verdadeira avalanche de desarticulação social. O autor demonstra certo
desapontamento com os rumos tomados pela humanidade ao longo do desenvolvimento de
uma economia comercial que subjugou o povo comum às necessidades impostas pela
economia de mercado. Dessa forma, Karl Polanyi passa a descrever o sentido de uma
economia de mercado auto-regulável e as suas conseqüências para as sociedades.
Tendo isso em conta, a sua oposição a Adam Smith se concretiza no fato de que o homem
primitivo não seria inclinado à barganha e à permuta, e muito menos a divisão do trabalho se
originaria dessa propensão. O estudo das sociedades primitivas é importante para se entender
o homem como um ser social, ou seja, como um ser que age de acordo com suas necessidades
sociais e não meramente com seus interesses particulares. Como a idéia de lucro não esteve
presente em uma sociedade primitiva tal inclinação não existe. Na verdade, todos os
sistemas conhecidos por nós se basearam nos seguintes princípios ou em alguma espécie de
variação destes:
Reciprocidade: dar e receber baseado no fato de que se dá hoje para receber
amanhã.
Redistribuição: parte do produto de uma família é oferecida à comunidade.
Domesticidade: essência igual aos dois anteriores, contudo limitado a grupos
fechados.
Somente com a emergência dos mercados que também surge as motivações ligadas ao
lucro. Eis a sua origem e a própria grande preocupação de Polanyi: EVIDENCIAR SUA
NATUREZA E SURGIMENTO. Este constitui uma forma de interação pautada no direito à
propriedade, nos deveres relacionados a esse direito e no livre contrato entre as partes
envolvidas, sendo o ato de comprar e vender o modo de distribuição de bens e serviços. A
compra se realiza com base no sistema de preços e por meio do dinheiro enquanto expressão
do poder de compra. Tais políticas são reguladas por instituições culturais, muito mais do que
conceber o mercado como resultado espontâneo da livre interação entre os indivíduos.
Indivíduos e suas relações encontram-se imersos em instituições culturais que as
condicionam.
Os mercados sempre existiram, segundo a análise de Polanyi. Contudo, antes do
surgimento da economia de mercado, o sistema econômico estava imerso em relações sociais
gerais. O mercado, ou o ato de comprar e vender, era apenas parte das instituições globais
existentes naquela sociedade. Com o crescimento do padrão mercantil, esse mercado se
pretende separado das instituições gerais. A partir desse momento a vida passou a ser regida
pelas possibilidades proporcionadas por um novo sistema econômico em que o preço das
mercadorias determina a sua sobrevivência.
Para que tal transformação acontecesse, foi necessária a remoção de uma série de
obstáculos da sociedade anterior, uma ruptura com a ordem social tradicional; ruptura essa
que se deu em dois momentos. O primeiro, com a imposição da política mercantil, por meio
da qual se possibilitou o surgimento de um mercado nacional, e o segundo, com o advento do
mercado auto-regulável.
Para o autor, até o período feudal, a ordem na produção e distribuição era garantida por um ou
mais dos três princípios supracitados. Esses princípios vinham ao encontro de três padrões
correspondentes: simetria, centralização e autarquia (autosubsistência). No século passado, esta ordem
tradicional foi rompida. Para que se compreendesse melhor como isso se deu, Polanyi divide o
mercado em três tipos: local, interno (nacional), e externo (internacional) e os analisa separadamente.
Para ele, o mercado local limitava-se às mercadorias da região. O externo baseava-se na ausência de
alguns tipos de bens em determinadas regiões. Esses dois mercados não eram competitivos, mas
complementares. Tiveram origens e funções diferentes, mantendo-se distintos durante todo o período
medieval. O comércio local sempre foi uma instituição cercada de salvaguardas para proteger seus
limites. Nessa época, as relações de troca eram apenas uma das muitas relações sociais e obedeciam as
mesmas regras impostas a todas.
No que se refere às idéias de Polanyi sobre o mercantilismo, embora o
desenvolvimento desta instituição significasse um rompimento com as tendências anteriores,
ainda prevaleceu, na sua época, o aspecto tradicional da regulamentação contra o novo
elemento da competição, e os princípios da domesticidade e da auto-suficiência continuaram
sendo a base desse sistema econômico organizado em bases nacionais.
A grande inversão na ordem tradicional só veio, para o autor, com o surgimento
da idéia de um mercado auto-regulável. Este é caracterizado pela união de vários mercados,
já que para cada elemento da indústria existe um mercado baseado no sistema de oferta e
procura, fator determinante para o estabelecimento do preço das mercadorias. Com o mercado
auto-regulável, a própria auto-regulação torna-se responsável por regulamentar a vida em
sociedade, baseado no preço da produção, a qual passa a determinar o modo de vida das
pessoas. Só então, os princípios anteriores foram substituídos pelo princípio da permuta ou troca, cujo
padrão subjacente era o padrão de mercado. Enquanto o mercantilismo unificou condições já
existentes, a economia de mercado exigiu condições ainda não existentes, que tiveram que ser criadas.
Apenas no século XIX o mercado passou a reger o sistema social. Nesse sentido,
tudo se torna mercadoria - objeto de compra e venda - inclusive as “mercadorias fictícias”,
aquelas que não possuem qualidades que são expressas na racionalidade formal do mercado.
Com o nascimento da economia de mercado, a terra, o trabalho e o dinheiro também se
tornam mercadorias, fazendo do seu preço o aspecto fundamental para a estabilidade do
sistema. Na medida em que nenhum desses três fatores é produzido para a venda, tornam-se
mercadorias fictícias. Isto significa subordinar a substância da própria sociedade às leis do
mercado, razão esta, na sua visão, a explicação para a desarticulação social.
Assim sendo, a civilização do século XIX vai ser marcada por um impasse: o
progresso deste sistema necessita dessa transformação da terra, dinheiro e trabalho em
mercadoria, enquanto esta transformação seria responsável por destruir a sociedade. Daí
emerge o conflito entre as forças que tentam manter e expandir o sistema de mercado auto-
regulável, e as forças que tentam limitá-lo em relação às mercadorias fictícias. Estas forças
contrárias à expansão do sistema de mercado auto-regulável surgiram na metade do século
XIX, na Inglaterra, através de legislação social e movimentação da classe trabalhista. A
história desse século é, portanto, o resultado de um duplo movimento: a ampliação do
mercado em relação às mercadorias verdadeiras e restrição com relação às fictícias,
consagrando uma relação dialética entre liberalismo e protecionismo. O declínio do mercado
auto-regulável tem sua razão na própria reação protetora em função das conseqüências sociais
da transformação da terra, do trabalho e do dinheiro em mercadoria, o qual põe em cheque os
fundamentos do sistema e suas instituições, como no caso da civilização do século XIX.
2. OS “CEM ANOS DE PAZ” (1815-1914) E SUAS 4 INSTITUIÇÕES CHAVES
Polanyi enxerga a sociedade do século XIX marcada por quatro grandes instituições: o
sistema de equilíbrio de poder que garantiu a paz a nível institucional durante três décadas,
com a Santa Aliança num primeiro momento, e, depois, pelo Concerto das Nações; o padrão
internacional do ouro, que decorreu da necessidade de uma moeda estável para servir de
denominador comum às trocas internacionais, partindo da idéia de que o dinheiro deveria ser
uma mercadoria igual às outras (ouro); o mercado auto regulável, o qual significava que o
equilíbrio da economia seria obtido, exclusivamente, através do mecanismo de preços; e o
Estado Liberal, uma decorrência da autonomia do econômico, pois cabia ao estado cabia não
interferir para que a economia encontrasse seus próprios caminhos.
Esses foram os grandes propulsores de uma relativa paz que marcou todo período dessa
civilização; dentre os quais o padrão ouro se mostrou crucial já que sua queda proporcionou a
catástrofe seguinte. Não obstante, o autor se preocupa com as origens política e econômica da
decadência de tal sociedade como meio de se entender a grande transformação e o caos
gerado pelos conflitos frequentes da época posterior.
Na primeira metade do século XIX a paz foi garantida por uma reacionária aliança
internacional de aristocracias, a qual apenas precisava usar a força para mantê-la. Foi assim
que a Santa Aliança forneceu o suporte necessário à paz no continente europeu, fazendo do
montante de negócios pacíficos um interesse universal. Entretanto, com a força declinante da
reação uma entidade acabou por substituí-la. Desta entidade peculiar, conhecida como
Concerto europeu, surgiu um sistema de equilíbrio de poder entre soberanias independentes
que conseguiu alcançar uma relativa paz, naquele momento, em escala mundial. Na visão de
Polanyi, o fator que explica a paz seria a atuação de um instrumento social, que poderia
desempenhar o papel anterior das dinastias e da igreja, tornando o interesse pela paz algo
concreto; tal fator era a Haute Finance, um instrumento peculiar do ultimo quartel do século
XIX que promoveu o elo entre a organização política e econômica do mundo, como atestado
por Polanyi.
A tal grupo, representado pelos interesses privados do grande capital, não interessava
um grande conflito que viesse a prejudicar as fundições monetárias do sistema e, por
conseguinte, que afetasse a prosperidade de seus negócios. Muito embora não tenha sido uma
instituição criada para o fim da paz, acabou ser aquela que a manteve, influenciando as
potências europeias – ávidas pelo poder – a uma posição favorável a paz. Assim, o comercio
se uniu a paz; o segredo de seu sucesso repousava na influência, nas técnicas e na organização
das finanças internacionais, já que estas buscavam o interesse privado e não estavam
submetidos a nenhum governo. A paz é a responsável pela estabilidade e prosperidade do
sistema financeiro.
3. As décadas de 1920 e 1930 e o fim dos “cem anos de paz”
Não é casual foi justamente no momento em que chegou ao seu auge do período de paz –
a era Bismarkiana, de 1861 a 1890 – que o Concerto da Europa começou a anunciar a sua
decadência. Da defesa do status quo com Bismark, a Alemanha passou a uma política
mundialista e nacionalista com Guilherme II, o que acarretou na sua entrada para o padrão
ouro e mudou substancialmente as bases do sistema. A utilização do padrão ouro pela
Alemanha levou ao inicio de uma era de protecionismo, expansão colonial e alianças
militares, que solaparam o mercado auto regulável, o equilíbrio de poder e a influência da
Haute Finance para atenuar conflitos mais generalizados. Sendo assim, foi apenas uma
questão de tempo para que viesse a corrida armamentista, levando a guerra.
Para o autor, a auto-regulamentação imperfeita do mercado gerou tensões nas esferas
institucionais mais importantes. Na economia doméstica, trouxe o desemprego. Na política
doméstica, a tensão entre as classes. Na economia internacional, a pressão sobre o câmbio. Na
política internacional, as rivalidades imperialistas. A tensão surgiu na zona de mercado e daí
difundiu-se para a esfera política, afetando ora o governo, ora o padrão-ouro, ora o sistema de
equilíbrio de poder.
Por volta de 1920, o fracasso do sistema internacional já era uma realidade diante da
qual os países tentaram, basicamente, duas soluções: insistir no liberalismo, restaurando o
padrão-ouro, ou tentar uma organização em bases socialistas. Os países que continuaram a
política liberal fizeram um esforço supremo para restaurar a auto-regulamentação e o
comércio mundial. Para isso, eliminaram as políticas intervencionistas e restauraram o
padrão-ouro. A prioridade dada aos câmbios estáveis foi tal que levou ao sacrifício mercados
e governos livres. Destruiu-se, com isso, dois pilares do capitalismo liberal sem alcançar o
verdadeiro objetivo proposto. A conseqüência foi um enfraquecimento da democracia que
desembocou, em alguns países, na catástrofe fascista. Os Estados Unidos e a Inglaterra
abandonaram o padrão-ouro a tempo de escapar desse perigo.
Assim, consagra-se a idéia de duplo movimento indicada por Polanyi, fazendo da
década de 20 uma década liberal seguida por um período conservador da década de 30.
Esse movimento significou uma reforma da economia de mercado, alcançada ao preço
da extinção das instituições democráticas, tanto no campo industrial como no político.
Polanyi se refere ao fato de que o fascismo não possuía um corpo de dogmas próprios,
aliando-se a outros movimentos, dos quais os mais importantes foram as contra-revoluções
conservadoras e o revisionismo nacionalista. Porém, quando lhe convinha, podia defender
posições opostas a eles. Outra prova do mesmo argumento é a sincronia entre suas eclosões e
o enfraquecimento do sistema de mercado.
De 1917 a 1923, os governos apelaram para a ajuda fascista para restabelecer a ordem.
Atingindo este objetivo, o fascismo entrou em declínio, só reaparecendo após 1930, com a
crise geral da economia. Devido a sua dependência de condições objetivas, o fascismo só foi
vitorioso nos países onde foram usados como alavanca problemas nacionais insolúveis. Assim
como o fascismo, o socialismo foi também um resultado da incapacidade da economia de
mercado em estabelecer ligações entre todos os países. Foi uma saída imposta à Rússia
mais pela situação mundial, do que pela convicção dos revolucionários vitoriosos. Chegou-se
ao fim a organização do século XIX.